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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Rose Mary de Abreu Martins Teatro Dirigido à Criança: análise da recepção de crianças à performance de atores, com base na aplicação da técnica de Microatuação DOUTORADO EM FONOAUDIOLOGIA São Paulo 2016

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Mary de Abreu Martins.pdfÀ Hana Luzia Leite, pelo amor, paciência, parceria acadêmica e trabalho de diagramação e infografia

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rose Mary de Abreu Martins

Teatro Dirigido à Criança: análise da recepção de

crianças à performance de atores, com base na

aplicação da técnica de Microatuação

DOUTORADO EM FONOAUDIOLOGIA

São Paulo

2016

Rose Mary de Abreu Martins

Teatro Dirigido à Criança: análise da recepção de

crianças à performance de atores, com base na

aplicação da técnica de Microatuação

DOUTORADO EM FONOAUDIOLOGIA

Tese apresentada à Banca

Examinadora como exigência parcial

para obtenção do título de DOUTOR

em Fonoaudiologia, pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo,

sob a orientação da Profª Drª Léslie

Piccolotto Ferreira.

São Paulo

2016

 

  3  

Banca Examinadora

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

 

  4  

Tentem perceber nas palavras o sentido que elas

podem ter quando (e como) soem como vocês

imaginam que devem soar (porque sem imaginar

o som não há DESEJO de som. E sem desejo, o

que de fato se consiga realizar será mera

casualidade) 1.

Silvia Davini2.

                                                                                                                         1 Fragmento de uma exposição didática escrita para a disciplina Voz e Movimento CEN/UnB, 2004. 2 Foi cantora, atriz, diretora, Doutora em Teatro pela Universidade de Londres, Professora do Departamento de Artes Cênicas da UnB da área de Voz e Performance e Pesquisadora na área de novas vocalidades em performance de 1990 a 2011.

 

  5  

À Silvia Davini (in memoriam) e João Denys Araújo Leite por me ensinarem a amar o

teatro e entendê-lo como sacerdócio. À minha mãe Leopoldina pela vida e todos os meus

renascimentos, a minha mais sincera gratidão!

 

  6  

À CAPES pela concessão de uma bolsa parcial.

 

  7  

À minha orientadora Profa. Dra. Léslie Piccolotto Ferreira, pelo amoroso

acolhimento, generosidade e exemplo de profissionalismo. A oportunidade de tê-la como

orientadora fez sentir-me, nos momentos mais difíceis, uma privilegiada. Sou muito grata

pela oportunidade.

Aos meus maiores incentivadores e parceiros desde o início dessa jornada: Profª

Silvia Davini, minha mãe Leopoldina, Sulian Vieira, Cesar Lignelli, Elthon Gomes, Nadja

Souza e Malu Gurgel.

Às mais talentosas artistas, doces e generosas mulheres nordestinas, Lúcia

Machado, Nadja Souza e Zulina Lira, que cruzaram meu caminho, me acolheram e que

embora tenham, como eu, “tocado um dobrado”, merecidamente conseguiram imprimir

suas marcas na terra da garoa, meu mais profundo reconhecimento e agradecimento.

Aos colegas de pesquisa do Grupo Voz e Cena da Universidade de Brasília, em

especial aos Profºs Dra. Sulian Vieira e Dr. Cesar Lignelli e Estela Lignelli, pela

assessoria com a técnica da Microatuação, pela escuta, amizade e apoio carinhoso nos

momentos cruciais.

Um especial agradecimento a todos os professores participantes das minhas

bancas de qualificação, em especial à Profª Dra Luciana Lyra da UNESP, grande

colaboradora nas primeiras encruzilhadas dessa estrada.

A todos os componentes e ex-componentes do Grupo da Quinta e do Laboratório

de Artes Cênicas – LAC da UFPE, em especial à Silvana Lyra, parceira de todas as

horas.

A todo o corpo artístico do Grupo da Quinta, que vem construindo essa história

desde 2003 por ocasião dos meus estudos de mestrado: João Denys, Marcondes Lima,

Wellington Júnior, Vinícius Vieira, Matheus Mota, Paulo Carvalho, Boás Ribeiro, André

Sales, Flávia Reny, Albertina Sulliano, João Pedro Leite e Hana Luzia Leite. E mais a

Pablo Araújo, Pedro Henrique, Marina Amaral, Flávio Fernando Oliveira, João dos Anjos

e todos que possibilitaram a montagem do espetáculo A Viagem de um Barquinho, de

Sylvia Orthof.

 

  8  

Aos Projetos Sociais Pró-Criança, regente Otávio Góes, e Orquestra Criança

Cidadã de Ipojuca, regente Márcio Pereira, pela disponibilidade e parceria pedagógica.

A Matheus Mota, pela parceria estética (trilha sonora e direção musical) do

espetáculo A Viagem de um Barquinho de Sylvia Orthof.

À Claudia São Bento e ao Projeto Pirueta (minhas primeiras inspirações e

estímulo para a escolha do objeto desse estudo), pelos laços amorosos e manutenção de

uma frutífera parceria.

À Gárgula Produções Artística, pela parceria na montagem A Viagem de um

Barquinho.

À Dra. Marígia Viana, que me vem acompanhando como “coorientadora” e

conselheira, parceira e incentivadora desde o mestrado com sua enorme generosidade e

contribuição acadêmica.

Ao pesquisador Leidson Ferraz por toda a disponibilidade do seu acervo de

registros e publicações.

Às Profas. Dras. Claudia Cunha, Suzana Maia e Beatriz Caiuby Novaes, por

possibilitarem os mais prazerosos momentos pedagógicos dentro da Área de Linguagem

do PEPG em Fonoaudiologia da PUC-SP e pelo exemplo de docência e profissionalismo.

À Profa Dra. Marta Assumpção, pelo amor e garra com que ajuda a conduzir a

Área de Voz do PEPG em Fonoaudiologia da PUC-SP.

A todos os professores do PEPG em Fonoaudiologia da PUC-SP, em especial à

Profa. Laura Watz, pelo olhar amoroso possibilitando reflexões e novos rumos da

pesquisa e pelo disponibilidade docente e profissionalismo. Serei eternamente grata!

Aos amigos do Laborvox e companheiros das disciplinas, em especial aos

imigrantes na terra da garoa Elthon Gomes, Nadja Souza, Michele do Carmo, Rodrigo

Dornelas, Bruna Andrade, Aline Brito e João Lopes, pela cumplicidade, sessões

terapêuticas de risos e “aquecimento” nas madrugadas frias dos aeroportos, albergues e

ladeiras de Perdizes-SP. Agradeço também à Maria Fernanda Bittencourt, Andrea Paz,

Andrea Mi, Vera Cecília Gelardi, pela linda amizade, disponibilidade humana, senso

crítico, comprometimento profissional e bom humor.

A todos os colegas do PEPG de Fonoaudiologia – PUC-SP, que vivenciaram

comigo momentos de trocas humanas e de conhecimento.

 

  9  

À Virgínia Rita Pini, pela compreensão e auxílio administrativo nos processos

burocráticos. Obrigada pela compreensão.

À Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, pelo apoio.

Ao Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística da Universidade

Federal de Pernambuco, pelo incentivo nesse processo de doutoramento, em especial a

todos os meus colegas professores, pela compreensão e apoio.

Aos funcionários do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística da

Universidade Federal de Pernambuco – do Centro de Artes e Comunicação – CAC e, em

especial, aos do Setor de Extensão – Unidade Benfica – Ivanilza Tavares (Dª Zizi) e um

agradecimento mais que especial a Roberto Soares, pelo incentivo e apoio incondicional.

O meu mais profundo agradecimento à equipe de vigilantes, porteiros e de

serviços gerais do Centro Cultural Benfica.

A todos os que fazem do Teatro Joaquim Cardozo do Centro Cultural Benfica da

UFPE um pequeno oásis – palco de uma das mais honestas produções dirigidas à

criança – e, em especial, à Verônica Barkokebas e Maria Creuza, pela sensibilidade e

estímulo.

Ao Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude – CBTIJ, pelo acesso

ao seu banco de texto.

A Gê Orthof e Associação Brasileira de Artes e Música – ABRAMUS, pela

liberação do texto A Viagem de um Barquinho, de Sylvia Orthof.

A André Salles, pelo auxílio na análise estatística dos dados.

A Marcos e Leopoldina Abreu, Vilani de Pádua, Dalila Meirelles, Geórgia Marques,

Michele Carmo e Michele Abreu, pelas escutas e constantes revisões.

À Hana Luzia Leite, pelo amor, paciência, parceria acadêmica e trabalho de

diagramação e infografia.

Às lindas e sensíveis crianças Estela Lignellie, Sofia e Dora Corrêa de Abreu,

pelas primeiras escutas e impressões sobre a leitura do texto A Viagem de um

Barquinho.

 

  10  

À família Sulliano, em especial a Dª Ivone, Sr. José Brito e Albertina Sulliano, lá

da Terra do Pe. Cícero e do Sr. Lunga, pelo caloroso acolhimento na sua residência do

Recife no período da coleta de dados.

À minha turma de 1976 da ETFPE, que proporcionou “meu despertar para a

primavera” e que, após 40 anos, retoma uma convivência que nos faz entender que os

laços mais profundos de amizade jamais serão rompidos.

À minha mãe Leopoldina, meu maior exemplo de garra e superação.

À toda a minha família, obrigada pela compreensão, carinho e escuta. Em

especial aos meus filhos Hana Luzia e João Pedro Leite, João Denys, meus irmãos

Marcos Abreu e família, Zaqueu Abreu, a minha mãe, sem ela nada seria possível, e a

Patrícia Santos, pela irmandade e apoio que vem possibilitando há 19 anos a

concretização de árduas e prazerosas lutas.

Ao povo brasileiro, que, através da CAPES, prestou-me auxílio financeiro.

 

  11  

Introdução: as produções teatrais contemporâneas recifenses vêm exigindo, na

formação e preparação dos atores, propostas com definições de abordagens

metodológicas que possibilitem avanços nas questões referentes à palavra e à voz em

cena. Busca-se atualizar conhecimentos oriundos das técnicas corporais, de canto da

tradição ocidental e da pragmática, a exemplo da Microatuação, desenvolvida por

Silvia Davini. Essa técnica considera a influência das novas tecnologias de

reprodução de som e imagem sobre os padrões de percepção humana, como

também a configuração das novas noções de corpo e de sujeito, que motivam, por sua

vez, novas noções de personagem. Objetivo: implementar a Microatuação e analisar

seus efeitos com base na performance de atores submetida a um público de crianças.

Método: para tal surgem três estudos. Estudo 1 – propõe um estudo sobre a evolução

das tecnologias de comunicação e sua relação com a configuração de novos padrões de

vocalidade com foco na Microatuação. Estudo 2 – descreve o processo de

implementação na técnica de Microatuação na composição de cena do texto teatral A

Viagem de um Barquinho, de Sylvia Orthof, junto a um elenco de atores e cujo resultado

(o espetáculo) é submetido a um público de crianças. Estudo 3 – analisa os resultados

da aplicabilidade da técnica de Microatuação no processo de composição de cena de A

Viagem de um Barquinho, com base na opinião dos atores da receptividade do público de

crianças. Resultados: as análises mostraram que os resultados da pesquisa

responderam ao objetivo da tese. Do total de 33 questões de múltipla escolha submetidas

ao público (N=50), (33,3%) contemplaram indagações sobre à encenação (espetáculo),

voz (performance dos atores) e história (texto). Os dados das duas fases foram

analisados de forma descritiva, permitindo reflexões sobre abordagens focadas nos

avanços da produção de voz e palavra em cena, além de revelar algumas bases teóricas

para os estudos da vocalidade teatral, visando a produção na cidade do Recife.

Considerações Finais: a contribuição deste estudo deve-se ao destaque dado ao

reconhecimento da natureza da vocalidade teatral e da adequada concepção do trabalho

de treinamento vocal através de procedimentos metodológicos adequados à natureza de

cada espetáculo, que propiciam um avanço quanto à performance vocal dos atores, a

exemplo da Microatuação. Conclui-se ainda que se faz urgente aliar pesquisa e formação

artística. Ampliando-as, sistematizando-as e reconhecendo-as em suas especificidades.  

Palavras-Chave: voz, técnica, teatro, microatuação.

 

  12  

Introduction: The contemporary theater productions from Recife have been demanding

proposals with methodological definitions at the training and preparation of actors. These

proposals must enable advances about the word and the voice at the scene. The aim is to

update knowledge from the body and singing techniques from Western tradition and

pragmatic, like the Microacting. This technique developed by Silvia Davini considers the

influence of new reproduction technologies of sound and image on the patterns of human

perception. It also considers the configuration of new notions of body and subject that

motivate, in turn, new character ideas. Objective: to implement the Microacting and

analyze its effects based on the performance of actors submitted to an audience of

children. Method: for this arise three studies. Study 1 – proposes a study on the evolution

of communication technologies and its relation to the setting of new standards for voicing,

focused on Microacting. Study 2 – describes the Microacting technique implementation

process in the scene composition of the theatrical text A Viagem de um Barquinho,

by Sylvia Orthof, along with a cast of actors. The result (the spectacle) is presented to a

children audience. Study 3 – analyzes the applicability results of the Microacting

technique in the scene composition process of A Viagem de um Barquinho, based on

the actors’ opinion about the receptivity of the children audience. Results: The analysis

showed that the search results responded to the aim of the thesis. Of the total of 33

multiple choice questions submitted to the public (N = 50), (33.3%) included questions

about the staging (spectacle), voice (actors' performance) and history (text). The data

from the two phases were analyzed descriptively, allowing reflections on approaches

focused on advances in the production of voice and word in the scene. It also reveals

some theoretical basis for studies of theatrical vocality, focusing on production in the city

of Recife. Final Thoughts: the contribution of this study is due to the emphasis given to

the recognition of the nature of theatrical vocality. Also the adequate conception of vocal

training work through methodological procedures appropriate to the nature of each

spectacle. It provides a breakthrough in vocal performance of the actors, such as the

Microacting. It is concluded that it is urgent to combine artistic and training research.

Expanding them, systematize them and recognizing them in their specificities.

Keywords: voice, technique, theatre, microacting.

 

  13  

LISTA DE FIGURAS 15

LISTA DE QUADROS 16

1. APRESENTAÇÃO 17

2. INTRODUÇÃO 22

2.1 Objetivo geral 27

3. ESTUDO 1 29

4. ESTUDO 2 40

5. ESTUDO 3 62

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 79

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 83

ANEXOS 87

Anexo 1 | Parecer Comitê de Ética 87

Anexo 2 | Declaração Teoria da Arte para uso do Atelier 1 91

Anexo 3 | Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 93

Anexo 4 | Questionário dirigido aos atores – Sondagem 97

Anexo 5 | Imagens e vídeos do processo de aplicação da Microatuação 99

Anexo 6 | Processo de aplicação da técnica da Microatuação –

Orientações: memorização Cenas-chave ou Falas-chave

103

Anexo 7 | Questionário (Q1) dirigido aos atores antes da apresentação

do espetáculo – A Viagem de um Barquinho

106

Anexo 8 | Questionário (Q2) dirigido aos atores depois da apresentação

do espetáculo – A Viagem de um Barquinho

108

 

  14  

Anexo 9 | Questionário (Q3) de recepção do público de crianças entre

10-12 anos – A Viagem de um Barquinho

110

Anexo 10 | Imagens das apresentações do espetáculo A Viagem de um

Barquinho

118

Anexo 11 | Trilha sonora piloto composta para o espetáculo A Viagem de

um Barquinho por Matheus Mota

122

Anexo 12 | Projeto de Montagem | Funcultura/PE 124

 

  15  

Figura 1 Resultados do questionário aplicado às crianças após o

espetáculo A Viagem de um Barquinho.

72

 

  16  

Quadro 1 Caracterização dos Atores quanto a sexo, idade, formação e

personagens representados.

65

Quadro 2 Resultado do questionário submetido aos atores antes da

segunda apresentação do espetáculo A Viagem de um

Barquinho.

67

Quadro 3 Resultado do questionário submetido aos atores após as duas

apresentações do espetáculo A Viagem de um Barquinho. 69

 

  17  

A minha trajetória como instrumentista, cantora, atriz, arte-educadora (professora

de música e de teatro) passa a ser registrada a partir da infância na Igreja Evangélica

Batista, onde iniciei minha iniciação musical, voz cantada e falada (canto e dramatizações

religiosas).

Em 1976, na minha adolescência, além do canto coral, iniciei meus estudos de

profissionalização em música, aliando estudo teórico musical e estudo instrumental

(flauta transversa e flauta doce).

Surge aí a oportunidade de vivenciar trabalhos sociais, que despertaram uma

consciência mais dialética sobre a vida. Um modo de ver uma formação menos

especializada do indivíduo, principalmente no tocante ao ensino das artes. Dentre esses

trabalhos, vale destacar os que desenvolvi, enquanto aluna de Extensão em Música da

Universidade Federal de Pernambuco - UFPE junto à Arquidiocese de Olinda e

Recife, sob a coordenação do arcebispo Dom Hélder Câmara, Padre Lourenço

Rosembaum (da Ordem Franciscana - Oblatas) e do educador popular João Francisco de

Souza. Esses trabalhos consistiam em ensino de arte e musicalização para crianças,

adolescentes e adultos aliados ao processo de alfabetização pelo método Paulo Freire.

As ações foram realizadas nas escolas comunitárias de Recife e Olinda, assim como no

Projeto Social Suzuki, que utiliza da metodologia de ensino de instrumentos de corda

para orquestra no Alto do Céu, bairro da periferia da cidade do Recife.

Na fase adulta, ampliei a minha participação como corista de diversos grupos

vocais, atuando também como instrumentista em grupos musicais de pesquisa com

música medieval, renascentista e barroca, a exemplo dos grupos Madrigal Revivis e

Camerata Ad Libitum, além de grupos de música para rituais: casamentos, missas e

demais eventos.

Entre as décadas de 80 e 90, como cantora solista e flautista nos grupos

supracitados e professora substituta das cadeiras de arte e de voz junto à UFPE e

Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE, acumulei inquietações a partir da

necessidade de atualização referente a minha formação enquanto licenciada em música

 

  18  

e bacharel em canto lírico, no que diz respeito à ampliação das minhas habilidades

interpretativas. Desse modo, resolvi investir na formação em Artes Cênicas, passando a

cursar teatro em nível médio (1988) e pós-graduação lato sensu (1989). No entanto, foi

vivenciando processos de feitura teatral, como aluna de teatro, que pude observar que

também existiam lacunas sobre as questões referentes à voz na cena e foi nesse

entrelugar que decidi abraçar a causa em prol da pesquisa da vocalidade em cena.

Nesse período, ainda como aluna de teatro, iniciei meu trabalho como

preparadora vocal de atores, tendo oportunidade de desenvolver uma parceria com um

dos homens mais comprometidos com o teatro e, portanto, reconhecido dentro e fora do

eixo teatral da cidade do Recife. Vem atuando desde a década de 70 na cena e na

formação dessa arte, o professor, ator, diretor e dramaturgo João Denys, que também é

mestre em Teoria da Literatura com especialidade na obra do poeta e dramaturgo

pernambucano Joaquim Cardozo.

Passei a fazer parte dos seus processos de montagem teatral, inicialmente como

cantora, atriz e produtora cultural; em seguida, como preparadora vocal e, por fim, como

assistente de direção. A referida parceria tornou possível a continuidade e avanço de

minhas pesquisas sobre vocalidade devido ao extenso repertório de criações

dramatúrgicas e suas respectivas montagens.

Na minha prática, não conseguia conceber uma formação compartimentada

(música ou artes visuais ou teatro ou dança), mas uma educação em arte, educação

estética, preparação enquanto público apreciador, ou seja, uma formação cidadã não

apenas artística. Portanto, busquei uma formação artística multidisciplinar mais

abrangente do ator, cantor, instrumentista, que desenvolva não apenas a aptidão

específica, mas também outras formas de expressão que não sejam decorrentes de uma

formação tecnicista, descontextualizada, que leve à reprodução de estilos e que estimule

a criatividade.

Os procedimentos pedagógicos adotados por mim para o ensino da voz na cena,

seja para o ator como para o cantor, sempre focaram a importância da propriocepção –

autoconhecimento, reflexão. Meu encontro com o teatro veio reforçar meus conceitos de

formação multidisciplinar, por ser o teatro uma linguagem que permite aglutinar todas as

outras linguagens artísticas, por possibilitar e promover o encontro, o diálogo a

convivência e, consequentemente, o crescimento pessoal.

 

  19  

Minha efetivação, em 1997, como docente da área de voz dos Cursos de Teatro

e de Comunicação Social da UFPE, ofereceu-me a oportunidade de realizar, de forma

interdisciplinar, trabalhos com o professor João Denys junto às disciplinas da área de

interpretação teatral ministradas por ele. Para tal, escolhíamos os mesmos repertórios de

texto teatral para que os alunos pudessem ser acompanhados e orientados em suas

disciplinas.

Em 2001, por ocasião dos meus estudos de mestrado junto ao Programa de Pós-

graduação em Artes Cênicas – PPGAC - UFBA, passei a ter contato com os trabalhos de

pesquisa da Drª Silvia Davini, minha orientadora no projeto de estudo, que resultou em

uma publicação em abril de 2004 com o título: A Voz e a Palavra na Cena do Recife Hoje.

A pesquisa desenvolvida no mestrado focava a produção teatral dirigida à criança

na cidade do Recife. Desse modo, foi possível observar que poucas montagens

utilizavam textos teatrais do repertório universal nas suas versões originais, os quais

eram sistematicamente adaptados, ou serviam de base para diversas releituras. Essas

produções realçavam muito mais a dimensão visual do espaço cênico, ao tempo em que

a dimensão acústica, na maioria das vezes, permanecia ignorada.

Portanto, meu encontro com os conceitos desenvolvidos por Davini veio elucidar

algumas indagações e também acrescentar novas inquietações relativas a conceitos e

procedimentos metodológicos sobre a vocalidade na cena. Entender, por exemplo, que

era necessário acessar, desenvolver procedimentos metodológicos que permitissem um

mergulho mais profundo do que uma mera reprodução mecanizada de exercícios

contidos em manuais e cartilhas, de enfoque eminentemente prático, de modo a

conseguir propiciar e estimular o trabalho criativo com a voz em altas intensidades.

Tal aproximação, especialmente minha integração em 2003 ao grupo de pesquisa

criado e coordenado por Davini, denominado Grupo de Pesquisa Vocalidade e Cena, e,

consequentemente, sua produção artística, conceitual e técnica, possibilitou dirigir meu

foco à técnica denominada de Microatuação, que defende, em sua essência, a produção

de sentido com base na dimensão acústica da cena, considerando a abordagem de

textos teatrais ou outros materiais textuais para a performance.

Ainda por ocasião dos meus estudos de mestrado, iniciei o grupo de pesquisa e

de extensão denominado Grupo da Quinta, vinculado ao Grupo de Pesquisa Vocalidade

e Cena e ao Laboratório de Artes Cênicas do Curso de Licenciatura em Teatro da UFPE.

 

  20  

O Grupo da Quinta é um conjunto cênico, vocal instrumental de pesquisa artística

multidisciplinar.

Desse modo, neste estudo de doutoramento, decidi reforçar um compromisso que

venho perseguindo desde 2001 com a formação e a produção artística dirigida para

criança no Recife, através da abordagem e apresentação da técnica da Microatuação,

enquanto procedimento metodológico que visa possibilitar avanços nas questões

referentes à palavra em cena. Assim, propus planejar e colocar em prática a

aplicabilidade de um processo de composição de cena, com base nessa referida técnica.

Após o falecimento prematuro da pesquisadora Silvia Davini em 2011, a

possibilidade de prosseguimento dessa proposta de estudo esteve ameaçada devido à

dificuldade de interlocução junto a alguns programas de doutoramento. Entre esses, os

quais me vinculei como aluna especial, estão os programas de pós-graduação em

Educação, Sociologia da Arte e Linguística da UFPE.

No entanto, foi um vínculo iniciado em 2007 com o Projeto MAIS, desenvolvido no

âmbito do Hospital das Clínicas da UFPE, e mais a oportunidade de aproximação em

2012 com o Departamento de Fonoaudiologia, que de fato me estimularam na busca de

um programa de pós-graduação em saúde que comungasse com um despertar sobre a

importância de um projeto de pesquisa que pudesse ser interdisciplinar.

O Projeto MAIS – Manifestações de Arte Integradas à Saúde – vem atuando na

busca de promover, através da arte, a humanização da assistência à saúde, envolvendo

dois centros importantes da UFPE: Centro de Artes e Comunicação e Centro de Saúde.

Diante do exposto, a escolha por um programa de pós-graduação em saúde

poderia aprofundar um diálogo entre arte e saúde e, principalmente, colaborar com um

desafio que vem sendo encarado pelo Projeto MAIS, desde o seu início, que é o de

buscar maneiras de medir cientificamente seus resultados, tais como a diminuição dos

índices de estresse dos pacientes internados, diminuição da ansiedade nas salas de

espera, diminuição do nível de estresse nos profissionais de saúde e melhoria das

condições de trabalho e de atendimento.

Embora esses resultados sejam reconhecidos, especialmente através dos

depoimentos de uma grande maioria da comunidade assistida pelo Hospital das Clínicas

e comunidade acadêmica, uma forma precisa de aferir ainda representa um desafio

 

  21  

dentro da equipe e de educadores, médicos, agentes de saúde e alunos integrantes do

projeto.

Daí surge a oportunidade de acolhimento no Programa de Estudos Pós-

Graduados em Fonoaudiologia – PEPG, da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, que possui uma política apoiada em conceitos coerentes amplamente defendidos

pelos discursos acadêmicos brasileiros sobre a importância e necessidade de um diálogo

entre as instituições e seus programas de graduação e de pós-graduação.

O diálogo entre os programas de pós-graduação se legitima a partir do momento

que aproxima e permite um maior trânsito de discentes, docentes e principalmente de

ideias e debates, propiciando, assim, o aparecimento de pesquisas importantes entre

áreas que jamais deveriam ser consideradas distintas. Desse modo, contribuindo de

forma efetiva com o debate que busca integrar e relacionar conceitos da área artística e

de humanas às pesquisas científicas.

Temos aqui, neste estudo de doutoramento, um diálogo traçado entre a arte e a

saúde, mais especificamente entre o Teatro e a Fonoaudiologia. Trabalhar no viés dessa

interdisciplinaridade e, principalmente, respeitar as diferenças e adversidades não foi o

caminho mais fácil, porém proporcionou uma experiência enriquecedora.

 

  22  

As inúmeras vivências com as produções artísticas na cena recifense,

envolvendo a voz com o teatro/música/dança, vêm instigando os profissionais da

voz a buscarem respostas sobre processos em que a voz associada à palavra, à

música e a ambientes acústicos sejam executados ao vivo, amplificados, filtrados

ou reproduzidos mecanicamente, especificamente no teatro dirigida à criança.

Lignelli (2007), em sua pesquisa de mestrado, certifica que esses

questionamentos revelam ainda uma escassez de discursos, seja sobre a formação

teatral ou mesmo musical, que possam sinalizar o valor atribuído a questões

cruciais desse fazer artístico, a saber: discurso quanto às esferas acústicas

nesses panoramas culturais; as relações entre as dimensões acústicas e visuais

da cena que, por sua vez, inclui a palavra, a música, o uso da tecnologia na

produção de sentido em performance; e o fenômeno da eficácia do corpo dos

atores ou mesmo do bailarino em performance na produção de palavra nos

diferentes estilos de atuação quando indagado se esse deve ou não ser atrelado

apenas à questão da técnica corporal.

Desse modo, pode-se afirmar que o interesse deste estudo tem foco nos

processos de composição de personagens e da encenação, além do estudo

sobre a recepção, devido à sua importância na configuração de sentido em

performance.

No entanto, além da importância do entendimento da magnitude desses

conceitos, é necessário também a amplitude dos conceitos básicos referentes à arte

e sua importância na formação humana, como destaca Paglia (2015), que defende a

importância ao acesso e ao ensino da arte como recurso para uma formação cidadã

e, consequentemente, para uma melhor percepção e compreensão da vida.

Cabe destacar ainda o que afirma Pavis (2010): o campo das

investigações sobre o conceito de teatro não se restringe ao estudo do texto

dramático, mas principalmente ao das práticas que podem intervir na cena e no

trabalho do ator, quer dizer, das artes e técnicas disponíveis numa época dada e

suas relações com os contextos culturais dos mesmos.

 

  23  

Desse modo, dentre os conceitos fundamentais para o urdimento do teatro,

recebem destaque no decorrer deste trabalho de pesquisa, o como dizer na cena sua

oralidade; mas especialmente a importância da ampliação dos conceitos sobre a relação

espaço/tempo/acústica/visual e ainda, sobre as escolhas no processo de composição do

espetáculo a partir da análise pragmática do texto, da ideia, que impõe necessariamente

que se pense o texto na cena e não apenas seu significado ou sua dimensão acústica ou

visual. Ou seja, que considere a escuta desse texto; que o visualize enquanto

performance; que a visualidade seja conectada – apareça dialogando com a questão

acústica no trabalho junto aos atores.

Cabe esclarecer que embora este estudo não tenha a pretensão de responder a

todas as questões aqui elencadas e essenciais às pesquisas referentes ao fazer teatral,

entende a importância de se indagar sobre suas funções essenciais como: o teatro hoje

tem conseguido cumprir seu papel não apenas enquanto formador no âmbito da

recepção, especialmente das crianças? O teatro tem conseguido desempenhar as

funções de oferecer acesso ao conhecimento, à diversão e à formação cidadã? Qual a

imagem social que se tem de criança e de infância? Qual o interesse hoje? Como o teatro

coloca essa criança? Estudiosos ligados ao teatro, em sua maioria, entendem que não

cabe ao teatro assumir o papel de único agente responsável pela formação do indivíduo

cidadão. Como exemplo, pode-se tomar a posição de Pupo (1991), quando mostra

preocupação quanto a essa função didática do teatro, por entender que no seu urdimento

deve-se rejeitar uma conotação meramente instrumentalizada com fins “moralizante” e de

“transferidor de valores”. Desse modo, a relação do teatro com o didático precisa manter

a qualidade dos resultados dos seus processos, de forma a não perder sua função de

obra artística.

Enquanto isso, Bettelheim (2002) destaca que o teatro precisa ser capaz de

proporcionar o intercâmbio de ideias a partir da análise e interpretação de diferentes

fontes e linguagens (imagem, texto, objeto, música e outros), através da prática do

diálogo, pela troca de conhecimentos e experiências e na construção de relações entre o

presente e o passado assim como no estudo das representações.

A partir dessa compreensão, Tadeu (2011) acrescenta que esse teatro precisa

respeitar o tempo da infância, que é de fantasia, mas não de abstração; de crueldade e

de singeleza; de afeto e de intriga; de inquietude e de algazarra. Nesse sentido, entende

que deveria tocar em temas da vida, pois na infância existe o momento da dor que deve

ser enfrentado. Baseado nessa ideia, acredita que o teatro para a infância possui muito

 

  24  

mais do que apenas a capacidade de ensinar, possui sim, muito mais a de insinuar,

deixar brechas para a criança preencher, interpretar, realizar suas próprias leituras a

partir do que vê.

Assim, cabe reforçar aqui os conceitos de teatro definidos por Nazareth (2006),

uma trama de linguagens diversas que reunidas formam um tecido – o espetáculo teatral.

Nesse universo estão presentes: a palavra, o gesto, a música, o cenário, o figurino, além

de outras linguagens, como: do teatro de formas animadas, do teatro de sombra, a

linguagem do clown e a coreografia. Desse modo, considerando que no teatro como um

todo a estética necessita estar ligada à ética, no teatro dirigido à criança este pressuposto

cobra um novo valor, exigindo um conhecimento sólido.

Transitando pelos mais variados gêneros teatrais consolidados (comédia, comédia

musical, drama, ou farsa) pode-se afirmar que o teatro dirigido para a infância exige dos

atores uma efetiva competência e muita flexibilidade, lançando mão, frequentemente, de

recursos tecnológicos nem sempre com boa qualidade e precisão técnica (por exemplo, a

amplificação das vozes dos atores por meio do uso de microfones) para suprir as

carências no desempenho vocal, porém sem um preparo que lhes permitam lidar com a

enorme interferência que esses dispositivos operam no corpo e no resultado.

Quanto à audiência, qual seria então a função desse público, que hoje se coloca

como plateia ativa, exigindo dos atores um despertar crítico sobre as suas atuações? A

sinceridade é marcante na criança, dificilmente assistem a um espetáculo teatral com

ideias preconcebidas, teorias, ideias fixas. São mais disponíveis, permitem-se envolver

por completo no jogo estabelecido na cena, como também, não havendo interesse,

conseguem demonstrá-lo sem o menor constrangimento, fato que, sem dúvida, aumenta

em muito a responsabilidade de quem o produz (SOSA,1978).

Assim, pode-se concluir que a reflexão sobre o teatro dirigido à criança passa

primeiramente pelo lugar que a criança ocupa na nossa sociedade. Portanto, para

Camarotti (2002), não basta mudar a denominação "teatro infantil" para "teatro para a

criança" para resolver a questão do tom pejorativo e minimizador que o adjetivo "infantil"

apresenta em nossa cultura. Para o autor, seria mais relevante precisar o que deve ser

oferecido à criança e como esse material deve ser apresentado no desejo de conquistar,

consequentemente, um lugar de legitimidade e respeito.

Quando se fala em história do teatro dirigido à criança, é essencial abordá-lo

inicialmente a partir das bases teóricas do trabalho de Campos (1998), cuja obra mais

 

  25  

relevante é a pesquisa sobre o teatro de Maria Clara Machado e do Grupo O Tablado,

direcionados para criança, entendendo que esse teatro no Brasil nasceu junto com o

teatro brasileiro moderno, num momento em que tudo se concentrava na necessidade de

ampliação e formação de plateia.

Para Campos, o teatro brasileiro dirigido para criança acontece no final da década

de 40, a partir do espetáculo O casaco encantado, de Lúcia Benedetti, em 1948.

Segundo Joel Pontes – fundador do Teatro Popular do Nordeste - TPN,

pesquisador, crítico, encenador, dramaturgo e professor da Antiga Escola de Belas Artes

da Universidade do Recife, hoje, UFPE –, o panorama histórico do teatro para criança em

Pernambuco registra que existia desde 1948, no Recife, um teatro desenvolvido no

Departamento de Extensão Cultural e Artística do Governo do Estado - DECA,

reconhecido como grupo de teatro amador da cidade do Recife, por desenvolver

atividades em teatro e dança com e para crianças, adolescentes e professores da rede

estadual de ensino (PONTES, 1966).

O citado grupo DECA foi dirigido por nomes de destaque na história do teatro e da

educação em Pernambuco, como Maria José Campos Lima, atriz, diretora, preparadora

vocal e professora do Curso de Formação do Ator da antiga Escola de Belas Artes de

Pernambuco, no período de 1948 a 1977, hoje, Curso de Licenciatura em Teatro da

Universidade Federal de Pernambuco.

Maria José Campos Lima desenvolveu um trabalho pioneiro na formação do

ator no Recife, no qual tanto a voz do ator quanto o público e as crianças eram elementos

protagônicos. No entanto, para a consolidação do teatro para a infância em Pernambuco,

considera-se, ainda, algumas produções do Teatro Popular do Nordeste - TPN, fundado

por Hermilo Borba Filho e Ariano Suassuna, além das companhias Teatro da Criança

do Recife e Clube de Teatro Infantil de Pernambuco, surgidas na década de 1960 e

atuantes até os anos 1970 (CAMAROTTI, 2002).

É, portanto, nos cursos de Interpretação e Direção Teatral da Escola de Belas

Artes de Pernambuco, da então Universidade do Recife, hoje Universidade Federal de

Pernambuco, que se oferece pela primeira vez na cidade do Recife a disciplina Técnica

Vocal, dirigida à preparação da voz do ator.

Uma disciplina que foi estruturada e implantada por essa que foi a primeira

preparadora vocal de atores do Recife no período compreendido entre 1958 e 1974.

Segundo depoimento de ex-alunos, já adotava em sala de aula a utilização da

 

  26  

indumentária de dança e ballet para os alunos de voz e que segundo depoimento desses

não era uma tarefa de fácil aceitação. Portanto, o pioneirismo de Maria José Campos

Lima fica evidente nas suas atividades pedagógicas e artísticas. Além de professora

Campos Lima, atuava como atriz, cantora, bailarina, encenadora, arte-educadora, foniatra

e crítica de teatro (MARTINS, 2013)

Nos anos 1970, o teatro para criança em Pernambuco, como no restante do país,

foi descoberto como filão comercial, o que possibilitou o surgimento de um maior número

de novos autores, diretores e produtores dedicados exclusivamente a esse repertório. O

arte-educador e pesquisador Camarotti (2002) afirma que, embora as produções dirigidas

para crianças tenham-se tornado numerosas, entre os períodos de 1970 a 2002, apenas

uma parcela minoritária apresentava qualidades do ponto de vista artístico-pedagógico.

Na cena recifense contemporânea, a grande demanda pelo teatro para a infância

costuma ainda propiciar produções que, quase sempre, mantém-se em cartaz em

temporadas prolongadas. Cabe notar também que a renovação dos títulos é constante

nos palcos do Recife. Durante essas longas temporadas, os elencos se veem obrigados

a apresentar em um ritmo muito mais intenso do que em qualquer outro tipo de produção

teatral, alternando, frequentemente, o espaço teatral convencional com espaços

alternativos, tais como praças, espaços de eventos, parques e escolas.

Desse modo, no que diz respeito ao eixo de discussão sobre o urdimento desse

teatro direcionado para a criança, destacam-se algumas questões relevantes: a falta de

autonomia desses elencos em relação aos esquemas de produção que os gerenciam; o

produtor, que exerce as funções de captador de recurso e ao mesmo tempo de produtor

executivo, muitas vezes definindo sozinho o texto teatral, a direção, o elenco e toda a

equipe técnica.

Em um processo de composição dessa natureza, não existe a autonomia da

equipe de criação. Sem autonomia, como definir "o que se quer dizer", "para quem se

quer dizer" e "como se quer dizer"? A autonomia vem a ser o ponto crucial para que os

atores e toda a equipe de um processo de composição em uma montagem teatral

possam ser eficientes e, consequentemente, ter a liberdade da escolha do que

dizer no palco e a consciência para reconhecer a importância do público como um dos

elementos pertencentes à tríade essencial para que ocorra o fenômeno teatral (texto, ator

e público).

 

  27  

Outra questão fundamental diz respeito à necessidade de uma discussão sobre o

papel do profissional da voz, foco que muito interessa a esse estudo, que visa a

relevantes resultados estéticos dessa voz nos processos de composição em cena, seja o

próprio ator ou o preparador de voz. A formação e a postura desses profissionais, por sua

vez, define toda uma ideologia desse fazer, que poderá ou não sinalizar para uma

realização artística de qualidade.

No que tange à formação do ator, existe uma grande demanda nas áreas da

atuação, direção, crítica, produção executiva e de gestão cultural, além de uma demanda

ainda maior nas áreas das dimensões acústicas e visuais do espetáculo (sonoplastia,

iluminação, cenografia, figurino, maquiagem e outros). As parcas iniciativas públicas e

privadas mostram que hoje existe uma falta de interesse e diálogo da sociedade e seus

representantes quanto a um maior investimento e incentivo, aliados a uma revisão das

ações de ocupação dos teatros públicos e privados e à ausência de uma crítica

especializada, como a que houve no Recife em outras épocas.

Desse modo, decidiu-se nessa pesquisa focar no teatro dirigido à criança, não por

se entender que o teatro dirigido para adultos não compartilha dessas mesmas

dificuldades, mas principalmente por entender que esse público, que se encontra em

formação, diferentemente do público adulto, ainda não possui todos os “filtros” (as bases)

necessários para se posicionar do ponto de vista ético e estético.

Portanto, este estudo espera contribuir para além da ampliação da bibliografia

sobre a voz e a palavra na performance teatral contemporânea. Deseja também

conseguir comprovar um resultado eficaz desta pesquisa com base na técnica da

Microatuação enquanto tecnologia de treinamento e controle de ensaio, e, pela

primeira vez, focada em uma produção dirigida à criança e analisada a partir desse

público.

2.1. OBJETIVO GERAL

A presente pesquisa propôs, como objetivo geral, implementar a técnica de

Microatuação e analisar seus efeitos com base na performance de atores submetida a

um público de crianças.

Para responder a esse objetivo, três estudos sequenciais foram realizados:

Estudo 1 – Estudo sobre a evolução das tecnologias de comunicação: sua relação com a

 

  28  

configuração de novos padrões de vocalidade com foco na Microatuação; Estudo 2 –

Estudo sobre uma nova abordagem metodológica: Implementação da Microatuação,

quando descreve o processo de composição de cena do texto teatral A Viagem de um

Barquinho, de Sylvia Orthof, junto a um elenco de atores e cujo resultado (o espetáculo) é

submetido a um público de crianças; Estudo 3 – Implementação da técnica de

Microatuação: análise a discussão dos resultados do processo de implementação a partir

da opinião dos atores envolvidos e da receptividade de um público de crianças

 

  29  

Estudo sobre a evolução das tecnologias de comunicação: sua relação com a

configuração de novos padrões de vocalidade.

INTRODUÇÃO

Com a finalidade de definir procedimentos para investigar questões vinculadas à

implementação da Técnica de Microatuação junto ao texto dirigido à criança: A Viagem

de um Barquinho, de Sylvia Orthof, dentro do estudo de doutoramento intitulado: “Teatro

dirigido à criança: análise da recepção de crianças à performance de atores, com base na

aplicação da técnica de Microatuação”, este estudo pretende gerar bases teóricas para

os estudos da vocalidade teatral, sobretudo no que concerne à produção de voz e

palavra no contexto da cultura do século XXI na cidade do Recife.

No entanto, antes de imergir na definição e detalhamento da Microatuação,

propõe-se, inicialmente, discutir os conceitos e as diferenças de voz e vocalidade do ator,

investir na busca de uma visão mais ampla do que seja o texto teatral e a composição de

palavras que sua encenação implica. Rosenfeld (1976) defende que a encenação precisa

se caracterizar enquanto espetáculo, sendo assim, ela não pode limitar-se à dramaturgia

literária. Logo, é importante ainda um debruçar sobre teorias que possam também

alicerçar esse estudo sobre a vocalidade, tais como da área da Linguística e da

Psicologia.

Desse modo, será de grande ajuda para os resultados desta pesquisa uma

aproximação com as teorias da Linguagem, uma vez que trata da interação entre ator e

técnica (intervenção, aplicabilidade); ator e ator (processo de criação e atuação); ator e

público (fenômeno teatral). Portanto, ao revisar as concepções de Koch (2007), ficou

claro que uma questão relevante para diversos linguistas trata da relação da Linguística

com o mundo. Notadamente, nessa questão se inclui também a relação entre as palavras

e as coisas, como ainda a relação da linguagem com uma realidade discursiva. A autora

defende que comunicar-se é interagir e cooperar, semelhante a um jogo que necessita de

regras.

Ainda nesse contexto, Koch (2007) informa que, de acordo com a semântica, a

construção do sentido do texto dialoga também com o fenômeno, o dado e o novo, dos

 

  30  

quais as dimensões exibidas intervêm na construção do sentido. Para a autora, a

informação dada encontra-se na consciência dos interlocutores e servirá de ponto de

apoio para a introdução de uma nova informação.

O interesse pela autoconfrontação, objeto da Psicologia do Trabalho, pode ser

explicado, ainda, devido o mesmo se constituir em procedimento metodológico e

interventivo que, de acordo com Clot (2006), analisa a atividade profissional, ou seja,

trata-se de um instrumento de transformação do trabalho pelo próprio trabalhador, com

apoio do especialista ou pesquisador, de modo a favorecer a instalação de um

movimento dialético de análise e produção de saberes sobre o trabalho.

Tais ideias corroboram de forma relevante para a compreensão e implementação

da técnica denominada Microatuação, sistematizada e proposta por Silvia Davini, que,

por sua vez, define que o trabalho com o texto teatral e a qualidade da performance

depende da conscientização do ator quanto à importância da atualização do material

textual e produção estética.

Segundo Vieira (2013), a noção de Microatuação foi primeiramente mencionada

em publicação por Davini no artigo O Jogo da Palavra (1998). No artigo Vocalidade e

Cena: tecnologias de treinamento e controle de ensaio (2002), a autora explicita as fases

de desenvolvimento da definida Técnica de Microatuação, sem descrevê-las

extensamente. No vídeo didático Microatuação (2009), de responsabilidade de Davini e

Vieira, são expostas e exemplificadas algumas fases da técnica. A descrição da técnica,

como também a exposição de seu componente conceitual realizada nesse estudo, têm

referência tanto nos artigos e vídeos citados, quanto na experiência com a aplicabilidade

dessa técnica junto aos seis atores em performance com o texto A Viagem de um

Barquinho.

Desse modo, buscou-se nessa intervenção, uma conscientização por parte dos

atores, no sentido deles entenderem a importância de se disporem a criar dialogicamente

com autores e diretores, logo, passar a não considerar a atuação como representação,

interpretação ou reprodução, mas como atualização e produção, como defende Davini

(2002).

Assim, a partir do trabalho de Lignelli (2007), tenta-se também resgatar, nesse

estudo, as inquietações de Davini, quando, segundo ele, busca justificar e definir

vocalidade ocidental, partindo de três grandes rupturas: a primeira, que ocorre pelos

embates entre filósofos e sofistas, resultando na formulação de retóricas e poéticas; a

segunda, pela consolidação dos modos de representação (alfabético) e reprodução

 

  31  

(imprensa de tipos móveis) da palavra; e a terceira, pelo desenvolvimento dos meios

audiovisuais.

Lignelli (2007), ao revisar Davini, defende que, quanto aos embates entre

filósofos e sofistas, que resultaram na formulação de retóricas e poéticas, cabe

ressaltar a distinção, proposta por ela, entre retórica e vocalidade. Para os filósofos, a

retórica configurava-se em uma técnica e a poética como produção de voz e palavra

em condições específicas. Para Davini, nessa perspectiva, quando se aborda a

palavra não se está falando em retórica, mas falando em vocalidade.

No que se refere à segunda ruptura – consolidação dos modos de

representação (alfabético) e reprodução (imprensa de tipos móveis) da palavra – a

pesquisadora entende que essa gera como resultado a racionalização do

pensamento, percepção e memória, ou seja, a popularização e consolidação da

escrita de tipos gráficos. Assim, a imprensa transforma a relação do autor com o

público e com o texto ao problematizar a noção de autoria. Para ela, o poeta que, até a

Idade Média, era o próprio performer, com o advento da imprensa ficou separado e

distante de sua audiência (LIGNELLI, 2007).

Lignelli (2007) identifica que Davini, em seu discurso, defende que a

performance do poeta estava até então em sua voz, daí, com a imprensa, essa

performance é desincorporada da poesia. (ZUMTHOR, 2007) afirma que essa ruptura

ainda se encontra intimamente vinculada à consolidação de padrões racionais de

pensamento e ao desenvolvimento das tecnologias de comunicação e de reprodução

no respectivo momento histórico.

Por fim, segundo ela, a terceira ruptura ocorre pelo desenvolvimento dos

meios audiovisuais, que resultaram num impacto nas noções de tempo, espaço,

sujeito, corpo e percepção humana. Explica que a cultura da letra (consolidação do

alfabeto) e a imprensa de tipos móveis, como tecnologias da palavra, foram

ferramentas-chave na consolidação do universo das literaturas ocidentais,

penetrando inclusive em espaços que não lhes eram próprios.

No seu entendimento, ocorre um processo histórico de confusão entre a letra e

a poesia oral, na Idade Média, e entre a literatura e o teatro, no século XX, confusão

ainda presente quando os instrumentos dos estudos teatrais são decorridos da

análise literária e quando muitos diretores e atores veem a palavra como letra, não

como ato (DAVINI, 2007).

 

  32  

Portanto, para se entender a vocalidade, necessita-se escavar na palavra, no seu

sentido não apenas fonético, e além de sua representação gráfica, reconhecer essa

palavra no corpo, um corpo outro daquele biológico, aberto a inúmeros significados

(MARTINS, 2004).

Em relação a tais buscas, é pertinente o conceito de corpo elaborado por Guattari

(1996) e Deleuze (1997) e revisado por Davini (2002), referendado no discurso sobre

“corpo sem órgãos” elaborado por Artaud (1995): um corpo não é definido apenas pela

forma que o determina, nem como uma determinada substância ou assunto, e nem

apenas pelos órgãos que possui ou as funções que desempenha. A partir dessa

perspectiva conceitual, superam-se as visões dicotômicas (que o definem apenas como

forma de algum conteúdo, ou como um complexo orgânico hierárquico, ou como pura

materialidade) como também as visões instrumentais do corpo.

Provavelmente seja a voz a produção corporal que mais extrapole esse corpo

individual. Sendo assim, pode-se definir voz como produção corporal capaz de produzir

sentidos complexos, controláveis na cena (Davini, 2007), enquanto que vocalidade é

entendida como a produção de voz e de palavra por parte de um grupo dado, em um

momento e lugar determinado (ZUMTHOR, 2007).

Deste modo, a cena teatral necessita rever a palavra viciada, desgastada, a

palavra-centro, limitada e limitante na encenação, convencional na atuação: a palavra

que não produz novos sentidos. Na cena, a palavra ou o encadeamento das palavras, o

tema e o seu desenvolvimento fundam um teatro de largas possibilidades e amplos

significantes; mas é na palavra, mais precisamente na palavra teatral, que essa cadeia

simbólica se funda. É essa palavra que confere ao texto teatral o caráter de porta-voz,

tanto no teatro antigo quanto no teatro contemporâneo (MARTINS, 2004).

Em síntese, torna-se inviável abordar a dimensão acústica da cena, sem

considerar a relação entre a letra e a performance dos atores, sem entender que a

representação da palavra influencia diretamente no desempenho dos mesmos.

Davini (2007) acredita que a produção de voz e palavra na cena contemporânea,

no geral, ainda tem funcionado como uma máquina de reproduzir estilos, não

conseguindo ampliar o treinamento técnico do ator de modo que possa habilitá-lo para a

execução satisfatória de diferentes estilos de performance.

Na compreensão de Davini, voz e movimento constituem-se em produções

corporais da mesma categoria, aptas para organizar discursos complexos e para

 

  33  

estabelecer parâmetros de controle de desempenho. Porém, segundo a autora, a

verbalidade confere à vocalidade uma complexidade e uma definição muito maiores que

aquelas alcançadas pelo movimento (DAVINI, 2002). Dessa forma, define o gestus como

materialização das atitudes tomadas pelos personagens entre si, tais como registro físico

manifesto no tom de voz, expressão facial, olhar ou ações determinadas que

caracterizam o universo das relações entre os personagens, enfim, o sistema da ação

cênica. O gestus se torna o material básico de construção da fábula teatral (DAVINI,

1996).

Nessa concepção, o trabalho de voz pode ser definido como um processo de

preparação do corpo para lidar com o mais abrangente leque de possibilidades de

produções de significados, emissão de voz e palavra em performance.

Ter voz quer dizer ter vez. Significa também investir numa voz de alta e nova

qualidade humana, equiparada aos avanços técnicos da atualidade. A voz, portanto, no

teatro e na vida precisa ser descoberta para potencializar sentidos que revolucionem o

teatro e a sociedade que o produz.

Vargens (2014) aborda um conceito de voz que exige do ator uma capacidade

criativa no seu trabalho vocal, independentemente do estilo e da linguagem do

espetáculo, de modo que seja expandida possibilitando uma sintonia com o todo de uma

obra, de um personagem, da ação enraizada nas propostas de linguagem de uma obra,

na possibilidade do ato vivo do teatro, ao vivo, de verdade, na cena de mentira.

Vargens, no trabalho supracitado, define ainda três princípios para o trabalho

vocal: 1. Voz é resultado – acredita que a voz resulta de uma série de circunstâncias

sociais e culturais, além de ser extremamente suscetível às condições relacionais do

momento: com quem se fala; 2. Voz e fala têm endereço – é tarefa do ator adivinhar,

descobrir, escolher e definir a quem se dirige e; 3. Formam-se artistas – firmando

compromisso pedagógico com a formação de um artista, ou seja, “proporcionar ao ator a

oportunidade de acessar-se, desvendar-se, humanizar-se, socializar-se, comunicar-se,

escolher, elaborar, responder por suas escolhas”; tendo como horizonte uma perspectiva

artística, para além da técnica e da terapêutica (VARGENS, 2014).

A despeito da proposta pedagógica – técnica de Microatuação – essa vem sendo

aplicada, até então, pelos participantes do Grupo de Pesquisa Voz e Cena, coordenado

pelos pesquisadores Sulian Vieira e Cesár Lignelli, junto às disciplinas de voz no Curso

de Teatro da Universidade de Brasília – UnB, como também em alguns processos de

 

  34  

produções artísticas. Tais experiências resultam em publicações e participações em

eventos nacionais e internacionais que abordam a vocalidade em cena.

A Microatuação se constitui tecnologia de treinamento e controle de ensaio

que atualiza conhecimentos dos campos da ciência, das técnicas corporais, das

técnicas de canto da tradição ocidental e da pragmática. Para essa tecnologia de

treinamento é de suma importância a influência das novas tecnologias de

reprodução de som e imagem sobre os padrões de percepção humana, como

também a configuração das novas noções de corpo e de sujeito, que motivam, por sua

vez, novas noções de personagem (DAVINI, 2002).

O Princípio Dinâmico dos Três Apoios, coeficiente comum à produção e controle

de altas intensidades vocais, orienta o treinamento de atores e cantores para ativar

coordenadamente as três regiões de apoio como: do corpo sobre uma superfície de

sustento, do ar sobre a região pélvica e das vogais sobre a região da epiglote com a

finalidade de implementar uma série de referências que funcionem como controladores

da produção vocal. Davini (2002) considera que esse delimita uma diferença em relação

às técnicas vocais tradicionais, que se restringem a apenas dois desses apoios: o do ar

sobre a região pélvica e o das vogais sobre a região da epiglote. O valor dado somente a

esses dois pontos de apoio ignora o papel do trabalho postural e cinético na produção

vocal em altas intensidades (DAVINI, 2002).

O processo de treinamento que Davini propõe centra-se na dimensão técnica que

objetiva a flexibilização do material do ator (seu próprio corpo). Assim a passagem para

os universos imaginário e simbólico dá-se em outro momento quando se inicia a definição

do perfil estético para a cena, por meio da implementação de procedimentos, que se

constituem em modos de aproximar os recursos técnicos dos atores às demandas

estéticas propostas pelo autor e pela direção (DAVINI, 2002).  

A técnica para produção de voz em altas intensidades, como qualquer técnica

implementada no corpo humano, visa, em um âmbito individual: ”tornar voluntários

comportamentos corporais involuntários (respiratórios, fonatórios e posturais), com a

finalidade de estabelecer mecanismos de controle dos parâmetros acústicos (intensidade,

altura e timbre) e articulatórios da voz” (DAVINI, 2002). Com essa proposta de

treinamento de atores seria possível a abertura de novos espaços entre os estilos

históricos e os novos gêneros em performance, entre o campo da arte e os saberes da

época, entre o corpo e a máquina, que encontram na voz e na palavra em performance

uma substância para infinitas linhas de pesquisa (DAVINI, 2002).

 

  35  

Pesquisas que tiveram como objetivo a prática com a Microatuação apontaram

resultados nos quais a dimensão acústica da cena foi constituída pelas esferas da

palavra, da música e do entorno acústico (LIGNELLI, 2007). Como exemplo, serão

abordados de forma sucinta os processos de composição de Santa Croce e de O

Naufrágio. Tais processos de composição foram desenvolvidos entre os anos de 2004

e 2006 na Universidade de Brasília, ainda sob a orientação da Dra. Silvia Davini.

De acordo com Lignelli (2007), um dos participantes desses processos de

composição, a grande hipótese era o fato da dimensão acústica da cena ser

considerada como ponto de partida para a produção de sentido em performance de

modo que oferecesse também instâncias de controle dessas produções. Afirma que

tais produções conseguiram criar redes complexas de sentido configuradas a partir

das dimensões acústica e visual da cena.

Informa que nos dois processos de composição os textos foram pensados a

partir de diferentes autores. Em Santa Croce: sete contos de Luigi Pirandello (1837-

1936), ensaísta, crítico, poeta, romancista e dramaturgo italiano, foram modulados

pelo grupo de criadores, da forma narrativa para a forma dramática, além do desenho

de cena, execução e criação musical que utilizou equipamento de reprodução: quatro

sistemas estereofônicos.

Em O Naufrágio, o drama estático, O Marinheiro, de Fernando Pessoa, e

trechos de A Tempestade, de William Shakespeare, constituem o roteiro dramático

da performance, na qual contava com a reprodução mecânica das vozes de alguns

personagens, pela gravação, que soam espacialmente por um sistema de

reprodução controlados por um computador.

O conceito de dimensão acústica da cena formulado por Davini se constitui

numa ampla rede de relações entre as esferas da palavra, da música e do desenho

do ambiente acústico em performance desse modo, a autora exemplifica afirmando

que através de uma superfície de 360° formada por planos fixos e móveis, os

domínios da voz e da palavra, do desenho acústico e da música em performance

estabelecem um complexo de relações que reconhecemos como a dimensão

acústica da cena. Nesse contexto, o corpo em performance torna-se o ‘palco’

primeiro; lugar de intersecção entre as dimensões visual e acústica da cena. (DAVINI,

2002).

 

  36  

Portanto, nesse discurso, defende que optar por priorizar o acústico nas

abordagens da cena implica em perceber muito mais as características e

materialidade do som. Como dito, é comum entender que o conceito de material de

cena encontra-se mais atrelado ao que se pode ver, enquanto que os recursos

sonoros, como a percepção em 360º em diversos planos e seu poder de afetar atores

e público pouco são explorados (DAVINI, 2002).

Dessa forma, vale sempre retomar os conceitos defendidos por Davini, ao

longo dessas investigações, e reforçar o discurso referente à ‘palavra’ proferida,

como pragmática, e à palavra escrita, como ‘letra’, ou seja, literatura. Nessa

perspectiva, a palavra se encontra diretamente ligada à vocalidade ou à

performatividade da língua, diferenciando-se da letra entendida como símbolo gráfico,

que representa a palavra. Se a letra remete a ritmos, sons e intenções ela representa

um fenômeno anterior a ela: a palavra proferida. No entanto, a representação da

palavra na letra é restrita e imprecisa se comparada às possibilidades acústicas da

palavra em performance (DAVINI, 2007).

Lignelli (2007), apoiado nas afirmativas de Silvia Davini e definindo notação

musical enquanto representação gráfica da música, iguala essa notação musical à

letra na medida em que também é uma representação de um evento acústico anterior.

Porém, chama atenção para o fato de que, mesmo que a partitura musical permita uma

leitura horizontal e vertical, defina ritmos, alturas e harmonias com relativa precisão, o

campo da notação musical busca constante reformulação em prol de uma maior

consistência entre as partituras e o fenômeno musical que elas representam.

Enquanto que, ao comparar a letra à notação musical, por considerá-las

representações de eventos acústicos, teria que se considerar o argumento de que a

letra oferece escasso rigor com relação aos parâmetros do som, devido à evidência

de pouca reformulação no campo da representação visual da palavra e à aceitação

plena dos limites impostos pelos modelos gráficos vigentes.

Nos registros de Santa Croce e de O Naufrágio foram reconhecidas diferentes

etapas dos processos de composição e de produção. O de Santa Croce começou na

esfera da palavra, com a modulação de um número de contos de Pirandello para o

modo cênico. Da finalização do roteiro até a sua performance foi aplicado o processo

de treinamento e de ensaio formulados por Davini, a Microatuação (LIGNELLI, 2007).

Lignelli (2007) informa que as esferas da música e do entorno acústico foram

produzidas e editadas a partir de meios digitais, enquanto que o desenho acústico

 

  37  

dessas esferas foi realizado em cena analogicamente por meio de quatro sistemas

estereofônicos. Logo após a leitura extensa da obra literária de Pirandello, por parte

desse grupo de atores, ocorreu uma primeira seleção, quando foram separados 20

contos; após uma segunda seleção, restaram 12 contos. Dos contos à cena, o grupo

passou pelas etapas de modulação, treinamento, ensaio e montagem. Cada ator

passou por todas as etapas, com exceção da produção das esferas da música e do

entorno acústico e do respectivo desenho dessas esferas.

Em O Naufrágio, o drama estático, O Marinheiro, de Fernando Pessoa, e

trechos de A Tempestade, de William Shakespeare, constituem-se nos fundamentos

do roteiro da performance.

Seu processo inclui, na primeira etapa, todo um investimento para a produção em

vídeo do texto O Marinheiro. Para viabilizar os ensaios, foi realizada uma

diagramação específica desse texto, objetivando que fossem contempladas as

demandas específicas da produção do vídeo para a cena além de intervenções ao

vivo.

Como em Santa Croce, em O Naufrágio as esferas da música e do entorno

acústico foram produzidas e editadas digitalmente. A reprodução digital da palavra,

da música e do entorno acústico em O Naufrágio foi espacializada digitalmente por

meio de um sistema de reprodução de som que, junto com a reprodução das imagens

em vídeo, foi comandada por um único computador.

Em O Naufrágio, instalação cênica que integra a obra O Marinheiro e trechos de

A Tempestade, a noção de personagem como indivíduo foi substituída pela noção de

personagem como um modo de fala, noção mais fluida, uma vez que considera que a

própria atividade fonatória já integra a gestualidade da cena, sendo uma das

dimensões na produção do sentido em performance. A noção de ação amplia-se para

além da noção de deslocamento e da dimensão espacial visual, para a dimensão

espacial visual acústica da cena, que incorpora a palavra como ato em sua

gestualidade.

No material de entrevista produzido por Lignelli (2007) com Sulian Vieira,

única atriz de O Naufrágio, ela comenta que em seus primeiros contatos como

diretora da obra O Marinheiro, de Fernando Pessoa, nos anos de 1995, quando

desenvolveu seu projeto de diplomação do curso de Bacharelado em Artes Cênicas,

na Universidade de Brasília, e 2000, em uma segunda montagem fora da

 

  38  

universidade, observou grande dificuldade em conduzir o trabalho de atuação das

atrizes. A princípio, muitos referenciais eficientes na abordagem de outras obras não

resolveram os problemas de atuação na abordagem de O Marinheiro e suscitaram

reflexões a respeito das noções de personagem e de ação, como também sobre a

dimensão acústica da cena.

A atriz considera as características e as qualidades da obra como ainda

pontua os temas e o valor da mesma – não somente no contexto de sua criação mas

também na contemporaneidade, ressalta o desafio e a dificuldade em atualizar um

texto em que a ação está situada na palavra poética. O que os personagens fazem

pragmaticamente é conversar. Frequentemente, observava que as atrizes tinham

dificuldades de confiar na eficácia da palavra em si, demonstrando ansiedade por se

deslocarem pelo espaço da cena, ao invés de simplesmente falar. Acrescenta, também,

que, muitas vezes, para superar o desconforto gerado pela imobilidade cinética

proposta pela obra e por sua direção, surgia uma gestualidade vocal e cinética,

ilustrativa.

Além dos aspectos relacionados à palavra em cena, no que diz respeito às

noções de ação e de personagem, para a montagem de O Naufrágio em 2006,

também foi trabalhada a dimensão acústica da cena em suas diversas esferas.

Também pode não finalizar com afirmações e sim apresentando as questões

finais, como perguntas mesmo. Como algo que ainda não tem resposta clara, pois parece

que esse é o estado da abordagem teórica da Microatuação na vocalidade, não apenas

em Recife mas no ocidente.

Como expresso anteriormente, o que de fato interessa é defender, nesse estudo,

a importância da investigação de novas metodologias para a produção de voz e palavra

na cena. Entender a importância de se indagar – mesmo que ainda não se consigam

respostas claras sobre a abordagem teórica da Microatuação na vocalidade na cena

recifense – se os principais eixos da discussão desses problemas ainda estão centrados,

notadamente, em causas como: dificuldade do reconhecimento da importância e da

natureza da vocalidade teatral; e da dificuldade de produção de sentido em performance,

decorrente da falta de uma adequada concepção do trabalho de treinamento vocal.

Existe, de fato, uma ausência de sistematização, publicação e divulgação de

procedimentos metodológicos que correspondam à natureza de cada espetáculo, que

propiciem uma adequada performance vocal do ator.

 

  39  

Como entender ainda situações comuns e relevantes no tocante à esfera da

palavra, a exemplo do que afirma Vieira (2013), citando experiências com docentes e

preparadores vocais no Brasil, a exemplo da cidade do Recife, em que se constata,

referente a trabalho com o texto teatral, que, na maioria das vezes, recorre-se a

recortes, em que cenas muito extensas são evitadas privilegiando momentos de ação

baseada na noção de deslocamento do corpo dos atores no espaço cênico e/ou de

intriga. De acordo com a percepção de Vieira (2013), tal situação pode indicar uma

falta de estratégia para abordar os problemas estabelecidos no contato com os textos

teatrais. Por outro lado, tentativas de atualizar a palavra em cena por vezes inclinam-

se à ilustração e/ou à fragmentação do sentido do texto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao evidenciar a importância e necessidade de abordagens que proporcionem

avanços na produção vocal e da palavra em cena, foi possível refletir sobre a base

teórica que constituiu os estudos da vocalidade teatral, sobretudo no que refere à

produção de voz e palavra no contexto da cultura contemporânea da cidade do Recife.

Contudo, foi imprescindível realizar uma imersão que facilitasse a definição e o

detalhamento da Microatuação enquanto tecnologia de treinamento e controle de ensaio,

como ainda discutir os conceitos e as diferenças de voz e vocalidade do ator, na busca

de um conceito mais ampliado do que seja o texto teatral e a composição de palavras

que sua encenação sugere.

 

  40  

Nova Abordagem Metodológica: implementação da Microatuação.

INTRODUÇÃO

Este estudo tem como objetivo descrever o processo de composição da cena,

subsidiada pela proposta da técnica de Microatuação com o texto teatral A Viagem de

Um Barquinho, de Sylvia Orthof, junto a seis atores integrantes do Grupo da Quinta,

conjunto vocal e instrumental, que vem, desde 2003, desenvolvendo uma pesquisa

artística multidisciplinar visando a uma formação mais abrangente do intérprete, ator,

cantor e instrumentista, vinculado ao Laboratório de Artes Cênicas da Universidade

Federal de Pernambuco. Os atores foram submetidos a um processo que incluiu quatro

etapas interdependentes: Zoom, Intervenção, Decomposição e Ensaio e Performance.

De acordo com a pesquisadora e sistematizadora dessa técnica, Silvia Davini, a

Microatuação compreende as nuances do olhar, gestos mínimos que não são

diretamente percebidos pela plateia, podendo ser definitivos para a eficácia da cena em

suas sutilezas cinéticas e acústicas. Desse modo, observa que na produção da voz e da

palavra, o corpo, por necessitar atualizar um total de acontecimentos (a exemplo das

atividades articulatória e respiratória), acaba gerando uma atividade (gestual, cinética)

involuntária que interfere nos processos de significação da cena (DAVINI, 2002).

Como citado, para Davini (2002), a Microatuação se constitui como tecnologia de

treinamento e controle de ensaio que atualiza conhecimento dos campos da ciência, das

técnicas corporais, das técnicas de canto da tradição ocidental e da pragmática. Essa

tecnologia de treinamento considera a influência de novas tecnologias de reprodução de

som e imagem sobre os padrões de percepção humana, como também a configuração

das novas noções de corpo e de sujeito, que motivam, por sua vez, novas noções de

personagem.

DESCRIÇÃO

Após a aprovação da proposta pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo - PUC-SP, sob o número CAEE: 34662614.6.0000.5482, uma

média de 10 a 15 sujeitos, entre alunos das disciplinas de Voz e de Interpretação e

 

  41  

integrantes e ex-integrantes do Grupo da Quinta – expressaram interesse em participar

desta pesquisa. No primeiro encontro, os sujeitos foram informados dos objetivos da

pesquisa e procedimentos que seriam utilizados no processo, como também a carga

horária composta de 20 encontros semanais de 4 horas cada (total de 80 horas). No

entanto, apenas seis integrantes do Grupo da Quinta se engajaram ao projeto.

A referida amostra de informantes foi composta por seis sujeitos (dois atores com

formação em teatro, dois cantores líricos com formação em música e pouca experiência

em teatro e dois estudantes iniciantes sem experiência em teatro). A faixa etária da

amostra variou entre 17 e 37 anos, sendo duas do sexo feminino e quatro do sexo

masculino.

Para coleta de dados referentes à intervenção com a Microatuação, foi

selecionado o texto A Viagem de um Barquinho, de Sylvia Orthof (1975). Uma

dramaturgia que inclui 12 personagens (Lavadeira, Menino, Sol, Cavaleiro Azul, Cavaleiro

Verde, Sonho do Barquinho, Sapo, Pirilampo, Barco, Fada Princesa, Patinete Matilde e

Manequinho).

Para viabilizar o trabalho com o texto, foi necessário contatar os responsáveis

pela liberação do mesmo, que, por sua vez, foi autorizado para 12 apresentações sem

cobrança de ingressos.

Os critérios utilizados para a escolha desse texto foram: possibilitar ao público

infanto-juvenil o contato com a dramaturgia de uma importante autora, Sylvia Orthof; ser

relativamente curto; possuir elementos adequados para a faixa etária de 10 a 12 anos e

favorecer a realização da intervenção com a Microatuação direcionada para o trabalho

com seis atores considerando a variedade de personagens, diálogos e estrutura de textos

favoráveis, que permitiram uma aproximação da pragmática e um distanciamento da

literatura, diferenciando a ‘palavra’, como palavra proferida, e a palavra escrita, como

‘letra’.

As etapas da aplicação da Microatuação foram desenvolvidas no Ateliê 1, do

Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística, no qual estão lotados, entre

outros, os cursos superiores de Teatro e de Artes Visuais da UFPE. O Ateliê e o Teatro

Joaquim Cardozo ficam situados no Centro Cultural Benfica, espaço administrado pela

Pró-Reitoria de Extensão.

Esse processo de implementação da técnica de Microatuação com os atores

aconteceu entre janeiro de 2015, quando o elenco se reuniu pela primeira vez, e junho do

 

  42  

mesmo ano, completando, assim, um total de 20 encontros semanais de 4 horas cada

(totalizando 80 horas). Todos esses encontros foram registrados em áudio e vídeo,

gravados simultaneamente, além do registro escrito de aspectos considerados

importantes para o detalhamento do processo diário de pesquisa. Além da carga horária

de 80 horas, referentes ao processo de implementação da Microatuação, o elenco

cumpriu uma carga horária de 90 horas referentes ao processo de criação e execução

dos elementos visuais do espetáculo, somando-se, assim, uma carga horária total de 170

horas computadas para todo o processo (aplicação da técnica de Microatuação e

montagem teatral).

No primeiro encontro, os sujeitos foram entrevistados individualmente com base

em um roteiro de perguntas previamente elaborado (Anexo 4). Tal roteiro foi produzido

com a finalidade de caracterizar o perfil dos atores quanto a sua formação geral,

formação artística, experiências anteriores de trabalho com texto teatral, leitura

dramática, análise de texto e a participação em processos de montagem teatral

principalmente dirigida à criança.

Reafirmando, após a definição desses participantes, os mesmos leram e

assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE, no qual é explicado

em detalhes os objetivos do trabalho, seus riscos e benefícios. A responsável pela

pesquisa também assinou o mesmo termo, assumindo o compromisso de guardar em

sigilo os nomes dos participantes, que poderiam retirar-se a qualquer momento da

pesquisa sem acarretar prejuízo para si.

Após a definição do perfil dos sujeitos e a partir do segundo encontro, iniciou-se

uma série de exposições e debates a respeito da vida e obra da autora do texto,

explanação sobre os conceitos de análise literária, interação, autoconfrontação e sobre

as etapas interdependentes que compõem a Microatuação: Zoom; Decomposição;

Intervenção; Ensaio e Performance, e, principalmente, sobre os conceitos de voz,

vocalidade, com base nas teorias sobre análise pragmática, defendidas por Sulian Vieira

(2013), em seus estudos de doutoramento, além das primeiras discussões sobre os

possíveis processos de concepção estética do espetáculo (resultado da aplicação da

Microatuação), incluindo seus elementos visuais e sonoros (trilha musical).

Como dito anteriormente, os sujeitos da pesquisa, além de participarem na função

de atores no processo da Microatuação junto ao texto A Viagem de um Barquinho,

disponibilizaram-se a atuar coletivamente nos processos de concepção, planejamento e

execução dos elementos visuais do espetáculo (figurinos, adereços e cenário). Essa

 

  43  

disponibilidade faz parte de suas práticas junto às demandas dos processos de criação

do Grupo da Quinta. Tal atitude mostra que os corpos desses atores estão disponíveis

em jogo para além da cena, revelando ainda uma consciência da essência do teatro

enquanto fazer coletivo.

Para a descrição desse processo de composição com a Microatuação, foi

importante identificar algumas diferentes abordagens nas arquiteturas concebidas por

Davini (2007), Vieira (2013) e pela autora desta pesquisa.

No entanto, vale iniciar apresentando as bases conceituais da técnica concebidas

por Davini e que, de acordo com ela, inicia-se após a definição das cenas-chave, bloco

de sentido e palavras-chave, a próxima instância de trabalho é a memorização do texto

por parte dos atores, que constitui um marcante diferencial desta proposta de

abordagem. Ou seja, o modo como um ator aprende um texto pode já determinar o

material cênico que ele vai apresentar para quem o dirigir, que poderá deixá-lo mais ou

menos flexível para as modificações que forem necessárias em prol da proposta estética.

Na visão de Davini (1998), considerando que a Microatuação baseia-se na relação

de quem atua com o trânsito da letra à palavra em cena, resolve dialogar com Paul

Zumthor por ele evidenciar a diferença de materialidades entre a letra e a palavra,

fundamental para as bases dos procedimentos de memorização do texto teatral e sempre

privilegiando a ação de dizer em cena:

Determinado texto destina-se ao consumo visual (em princípio solitário e silencioso pela leitura); outro se destina à audição (e, portanto a percepção de efeitos sonoros está por isso aberta ao consumo coletivo). O primeiro apresenta-se como um objeto – folha de papel, livro – o segundo, como uma ação vocal. (ZUMTHOR, 1985, p. 06).

Na interpretação de Davini (2002), se consideradas as questões que abrangem a

ação de memorização de um texto teatral, como ainda a importância dessas para o

processo de ensaio e para a cena, será imprescindível agir de forma que os atores

busquem utilizar recursos que estejam sempre apoiados na produção do som. Nesse

sentido, ele deve ser tomado como ponto de partida, seja na forma de produção da

própria fala ou da escuta da fala. Portanto, constata-se que um contato direto com o texto

impresso, ou seja, com a letra, costuma associar a performance do ator à pontuação

gráfica ou à distribuição visual do texto impresso, atribuindo certas fixações e acentos

indesejados ao material memorizado. Em síntese, atores que memorizam um texto

exclusivamente de forma silenciosa ou escrevendo repetidamente, têm dificuldades em

 

  44  

dizer suas falas em voz alta, pois as memorizaram em uma situação distanciada de tal

demanda.

Portanto, considerando a importância da etapa de memorização, cabe apresentar

as quatro etapas interdependentes da técnica de Microatuação:

• Zoom: através de análise pragmática, definição das cenas-chave e memorização

e flexibilização do texto;

• Intervenção: dissociação de instâncias do momento verbal com auxílio de

equipamentos de reprodução de som e de imagem;

• Decomposição: análise da dissociação de instâncias do momento verbal

registrada em vídeo;

• Ensaio e performance: implementação de procedimentos para a cena.

A etapa nomeada como Zoom se inicia com a definição das cenas-chave, aquelas

em que um personagem determinado se manifesta em toda sua magnitude ou opera uma

transformação drástica em relação ao que havia sido definido anteriormente a seu

respeito.

Para identificar as cenas-chave é preciso que o ator considere o texto teatral

completo e a personagem que ele irá interpretar como um todo no contexto desse texto,

contribuindo, igualmente, para aproximá-lo da dinâmica proposta pelo autor do texto

escolhido. Como explicitado, nessa abordagem os personagens são pensadas em sua

forma mais fluida, acontecem em cena não tanto pelo que dizem mas por ‘como’ dizem o

que dizem. Após definida a materialidade do personagem, a partir da contextualização

dos dados surgidos dos frequentes trânsitos pelas cenas-chave no tempo da cena, o ator

constrói o mapa do seu personagem (DAVINI, 2002).

Davini (2002) chama atenção ainda para o conceito de cena-chave, afirmando que

a mesma está vinculada à noção de tempo cênico. De acordo com ela, a cena-chave é

aproximada ou distanciada pelas cenas que moderam as intensidades entre uma e outra

cena-chave, as cenas-ponte. Assim, as cenas-chave constituem-se em material

estruturante do personagem e do texto teatral, e todo o restante, como cenas-pontes

entre as cenas-chave. Ambos os tipos de cena são extremamente importantes, pois é a

dinâmica do trânsito entre elas que delineia parcialmente o tempo cênico.

 

  45  

Após a identificação das cenas-chave do texto teatral, é necessário o

reconhecimento dos blocos de sentido que irão definir as mudanças de sentido e/ou

atitudes dos personagens e consequentemente explicitar/mapear os planos acústicos que

irão embasar a criação das falas dos personagens de acordo com as atitudes e

intenções, elementos esses que definem o sentido em cena por meio do jogo de

contrastes entre as dinâmicas, timbres, intensidades e frequências, diretamente

relacionado ao tônus corporal de quem atua e sua gestualidade cinética (DAVINI, 2002).

Dessa forma, cada bloco de sentido orienta os atores na busca das palavras-

chave, essas que por sua vez, norteiam o sentido do texto para que o mesmo possa

capturar o interesse da plateia. Na cena, interessam mais as ideias do que cada palavra

isoladamente. A partir daí, serão reconhecidas como palavras-chave, “grupos de

palavras” ao invés de palavras isoladas (DAVINI, 2002).

Definidas as cenas-chave, blocos de sentido e palavras-chave, a próxima fase do

trabalho é a memorização do texto pelos atores, marcando assim o diferencial desta

proposta de abordagem. Fica claro na proposta que a forma como o texto é trabalhado

pelo intérprete irá interferir ou mesmo definir o resultado na cena, pois possibilita que o

ator ofereça flexibilidade necessária em função da proposta estética.

Na sequência dessa fase, segue-se o momento de flexibilização desse material,

que implica no exercício de técnica vocal associada à cena-chave, memorizada pelos

atores. Deste modo, na fase seguinte, os atores poderão se concentrar exclusivamente

no processo de análise dos blocos de sentido e palavras-chave.

A partir da próxima etapa, definida como Intervenção, constitui-se a dissociação

de instâncias do momento verbal com auxílio de equipamentos de reprodução de som e

de imagem, que ocorre por meio de uma abordagem intensa das cenas-chave que se

inicia quando algumas instâncias da atuação com a palavra, a saber, Microatuação e

atividade fonatória, são dissociadas com o auxílio dos recursos de áudio e vídeo. A

autora denomina de atividade fonatória o total de acontecimentos que o corpo atualiza ao

produzir voz e palavra. Afirma ainda que entre esses, deve-se inicialmente considerar, as

atividades articulatória e respiratória, cuja potente mecânica arrasta uma atividade

gestual e cinética involuntária que interfere nos processos de significação da cena. A

atividade fonatória, somada à atualização de clichês, bloqueia a manifestação de uma

gestualidade sutil e do olhar como articuladores da palavra em cena (DAVINI, 2002).

 

  46  

A Microatuação compreende as nuances do olhar, gestos mínimos que não são

diretamente percebidos pela plateia, mas que podem ser definitivos para a eficácia da

cena em suas sutilizas cinéticas e acústicas (Davini, 1998).

Por meio da etapa seguinte, Decomposição, realiza-se a análise dessa referida

dissociação e, por fim, na última etapa, Ensaio e Performance, ocorrem os

procedimentos para a encenação.

No Grupo Vocalidade e Cena, coordenado por Silvia Davini até 2010, os

pesquisadores que juntos a ela dividiram a coordenação de algumas produções

artísticas, imprimiram e continuam imprimindo inovações à referida técnica a partir de

suas experiências.

Portanto, cabe pontuar entre essas arquiteturas alguns diferenciais. Na arquitetura

de Silvia Davini, ela costumava trabalhar com cenas-chave de trechos de textos

clássicos; já na arquitetura de Sulian Vieira, ela sempre faz opção pelos textos modernos,

trabalhados em sua plenitude (completos). No processo de implementação da

Microatuação, aqui descrito, a opção foi feita também por um texto completo e, pela

primeira vez, por um texto dirigido à criança: A Viagem de um Barquinho, de Sylvia

Orthof.

Entre os processos de composição de Sulian Vieira e desta pesquisadora, existe

também uma forma diferenciada relacionada às etapas Zoom e Decomposição. Sulian

Vieira também acrescentou a etapa que denomina de Mapeamento de Cena, que se

realiza logo após a etapa Zoom e que também foi utilizada no processo com A Viagem

de um Barquinho. As diferenças relativas a esse processo de composição poderão ser

melhor visualizadas a partir do detalhamento desse.

As diferenças entre as arquiteturas estão relacionadas ao contexto cultural

(região, cidade, características dos indivíduos participantes) que, naturalmente, impõe

diferentes desafios que precisam ser considerados e encarados.

O primeiro desafio enfrentado nesse processo, durante a etapa Zoom, foi o fato

dos atores só poderem, inicialmente, ter acesso ao texto em sua versão literária. O

processo começou na primeira quinzena de janeiro e só a partir do início de fevereiro o

texto teatral foi localizado através do Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e

Juventude – CBTIJ, que, gentilmente, disponibilizou uma cópia do único exemplar desse

texto, que se encontra esgotado há muitos anos.

 

  47  

Todavia, mesmo diante da dificuldade de acesso ao texto em sua versão teatral,

tentou-se aproveitar para que através dos estudos sobre os conceitos e diferenças entre

análise literária e análise pragmática os textos fossem confrontados enquanto gêneros.

Segundo Vieira (2013), os conceitos de análise pragmática embasam a técnica de

Microatuação e defendem o foco nos efeitos do texto no palco, de modo que tais efeitos

extrapolem o entendimento do significado e das ideias, mas também objetivem o

resultado da performance. As propostas de exercícios sugeridas por essa autora foram

adaptadas, experimentadas e discutidas para serem cumpridas com e pelo elenco dentro

e extra-carga horária dos encontros de treinamento, como: ler o texto em voz alta;

garimpar no texto palavras, ideias que eles julgassem indispensáveis ao entendimento de

sentidos com foco em uma construção criativa e, portanto, ideias que não pudessem

passar despercebidas.

Os estudos realizados com todo o grupo, foram importantes para fomentar e

defender também o conceito de teatro em sua essência enquanto processo de criação

coletiva. Assim, todo o elenco participou ativamente, indagando, avaliando e sugerindo.

Segundo eles, uma prática não comum nos seus processos fora do âmbito do Grupo da

Quinta.

No entanto, o mais importante nesse momento foi, sem dúvida, saber identificar a

diferença entre a análise do significado e a análise do efeito do texto no palco. A análise

pragmática visa não se prender apenas à análise do significado e das ideias, buscando

também a composição – definir o arranjo do material textual no tempo e no espaço.

Contudo, ficou claro para os atores que esse era o “nó” da questão e por isso não

aconteceu de forma fácil. Os mesmos ficaram inicialmente travados diante dos novos

conceitos sobre memorização, análise e criação de sentido do texto diante de um

processo de composição para cena.

Também foi importante, nessa fase, deixar claro que a Microatuação não deveria

ser abordada de forma singular, mas de forma plural. Davini (2007) traduz como uma

percepção sobre uma qualidade corporal que busca a dimensão sutil da voz, nuances do

olhar, da voz, gestos mínimos que irão definir a qualidade do resultado, geralmente uma

qualidade suprimida quando se utiliza a voz em altas intensidades, por requerer um tipo

de esforço diferente do uso da voz cotidiana, esforço esse que trava o corpo do ator

prejudicando a capacidade de ressonância.

 

  48  

Após o acesso ao texto em sua versão teatral, deu-se continuidade ao trabalho de

análise pragmática e assim, como estruturado por Davini (2002), um trabalho que se

iniciou identificando as cenas-chave, as cenas-ponte e os blocos de sentido, que

orientam os atores na busca das palavras-chave, que norteiam o sentido do texto por

meio dos grupos de palavras e, assim, conseguem impactar e prender o interesse do

público.

A Microatuação defende que, para a cena, as ideias têm mais valor que as

palavras isoladas, que não formam sentido. Portanto, é fundamental que sejam

reconhecidas essas palavras-chave, ‘grupos de palavras’ ao invés de palavras isoladas.

Em seguida, os atores trabalharam exaustivamente para que as ideias contidas no texto,

nas palavras, fossem não apenas ouvidas, mas, principalmente, percebidas em seus

sentidos, a exemplo de palavras como: livre arbítrio; crescimento; posse; viagem;

liberdade; libertação; mudança; passado; loucura; racionalidade; poder, tempo e outras.

Coube, ainda, uma atenção sobre questões levantadas pelos atores relativas ao

texto, como exemplo: O que faz uma história ser contada por muito tempo (50 anos) e

ainda interessar e conseguir capturar a atenção do público? Por que os seres humanos

se incomodam tanto com as diferenças entre eles? Para o ser humano, existe alguma

coisa mais importante do que a liberdade? Afinal, o que é o tempo?

Ainda nessa etapa Zoom, para a identificação das cenas-chave, pelos atores, foi

preciso que lessem incessantemente o texto A Viagem de um Barquinho, de tal modo

que fossem capazes de entendê-lo de forma poética, de modo a acreditar na

disponibilidade que todos temos de nos abrir para novas experiências da vida, como diz

os personagens Lavadeira: “ir e voltar sem tempo de chegar”, “só gente sem imaginação

é que não pode voltar”, “as nuvens ultimamente andam muito sem responsabilidade”;

“vamos temperar o rio para que o mesmo fique do gosto do Barquinho”, e Sonho do

Barquinho: “como você pode amar uma pessoa e querer que ela seja sua?”; “você vai

cometer a infelicidade de ser feliz para sempre?"

Esse momento de imersão profunda no texto também foi primordial para que os

intérpretes conseguissem analisar os personagens como um todo na conjuntura desse

texto, de forma a facilitar que esses se aproximassem mais da dinâmica do texto criada

pela autora Sylvia Orthof.

A pesquisadora Sulian Vieira vem observando na sua trajetória que a considerada

“tensão entre o texto teatral e a cena” corresponde a valores agregados a ambos a partir

 

  49  

do pensamento que promove a associação do texto teatral à dimensão eminentemente

verbal da cena, ignorando o caráter representativo do texto em relação à cena. Pois

apesar dessa cena ter seus aspectos verbais privilegiados, pode ser admitida enquanto

ação sobre os eixos de tempo e espaço. Logo, importa ressaltar que a mesma entende o

texto teatral como forma de representação da cena, com ênfase, contudo, na letra Vieira

(2013).

Com base no texto, os atores foram conduzidos a identificar os blocos de sentido

que, por sua vez, permitiriam-lhes definir as mudanças de sentido e/ou atitudes dos

personagens. Assim, poderiam embasar suas criações de acordo com as atitudes e

intenções em cena por meio do jogo de contrastes entre as dinâmicas, timbres,

intensidades e frequências. Tudo isso relacionado ao tônus corporal e à gestualidade

cinética desses atores. E esse foi um dos diferenciais percebidos de imediato por eles

dentro do processo de treinamento junto à Microatuação.

Tais diferenciais provocaram comparações e depoimentos desses referentes às

suas experiências em processos anteriores de montagens teatrais. Segundo eles, o mais

comum era ocorrer, após uma breve leitura do texto, uma distribuição imediata dos

personagens, seguida de uma marcação de cena no palco.

Na opinião desses atores, na maioria dos processos de montagens que estiveram

envolvidos, o processo de memorização do texto se dava ao longo de todo o processo e

atrelado à escuta da “deixa” – palavra do texto que indicava a inserção da fala do seu

personagem à cena. O ator ficava dependente e vulnerável, caso a deixa não

acontecesse, e provavelmente teria apenas uma chance, a de improvisar.

Em seus depoimentos, os atores explicavam que não era comum existir sequer

uma análise literária do texto nos seus processos de montagem. Ocorria algumas vezes

uma pequena leitura no primeiro contato com o texto. Entendiam que a imersão no texto

dependia exclusivamente do interesse da cada ator em seus processos individuais de

criação.

Os atores afirmaram, ainda, que, além de não existir uma participação coletiva

nesses processos de criação, eles ocorriam apenas durante a fase de marcação de cena

e, geralmente nessa, só participavam o diretor, o ator ou poucos atores envolvidos. Em

síntese, não é comum a participação do elenco em todos os processos. O elenco não é

convocado, estimulado ou conscientizado para a importância dele ter dimensão do texto

 

  50  

como um todo e não apenas se restringir a algumas referências desse texto e das cenas

que envolvem seu personagem.

De acordo com os depoimentos desse elenco em questão, tal mecanismo

promove geralmente uma postura viciada e acomodada do ator. Comunga-se, assim,

com a visão de Vieira (2013), quando afirma que muitas vezes o ator lança mão da

substituição de palavras e até de sentenças inteiras do texto original alterando

completamente as ideias do autor.

Em seus depoimentos, os atores mostravam perceber que os procedimentos

vivenciados anteriormente a essa experiência com a Microatuação esbarravam nos

conceitos da análise pragmática do texto. De modo que os impediam entender que a

forma como o texto é trabalhado poderá interferir ou mesmo definir o resultado na cena,

permitindo experimentar possibilidades em função da proposta estética. No entanto,

somente se esse ator entender que o trânsito da letra à palavra na cena (processo de

composição do texto para a cena) é muito mais complexo do que aparenta (ZUMTHOR,

2007).

Nessa fase, procurou-se seguir o recomendado pela técnica, que foi trabalhar em

grupos, duplas, para que fosse treinada a emissão em alta ou média intensidade, de

preferência com foco na própria escuta. À medida que um dos atores lia os trechos que

necessitavam ser memorizados, o outro deveria se concentrar para escutar e repetir.

O texto foi desmembrado em pequenos trechos, de forma que não obedecesse à

pontuação gráfica, indicando a finalização das frases ou pausas. Logo que cada trecho ia

sendo memorizado pela repetição, a ele ia se adicionando o trecho anterior. Foi

recomendado que eles repetissem primeiro os trechos novos e fossem agregando, de um

a um, os trechos anteriores até que se agregasse o primeiro trecho e, finalmente, se

repetisse todo o texto até aquele trecho memorizado mais recentemente. Assim, apostou-

se que os atores pudessem dizer o texto a partir de qualquer ponto fluidamente, sem

interrupções, pois, assim, estariam prontos para ensaiar a cena ou flexibilizá-la.

Para os atores que não puderam oferecer muita disponibilidade de tempo e

disposição para as atividades desenvolvidas em conjunto, ofereceu-se a opção do

registro em áudio do texto teatral para ser memorizado. Para produzir esse registro, foi

orientada uma leitura com poucas variações de frequência, de timbre e mantendo uma

duração média das palavras. Com o registro em áudio finalizado, foram indicadas as

mesmas orientações para a memorização descritas anteriormente. Tal recurso aproximou

 

  51  

mais os atores às demandas técnicas e materiais para a cena do que a escrita ou o

contato visual direto com o material impresso, pois a forma de recepção do texto a ser

memorizado iria ser a escuta.

Nessa etapa de ação, em grupo e individual, vários repertórios de exercícios de

técnica vocal foram trabalhados e retrabalhados sempre com a intenção de reforço. Os

mesmos foram abordados de forma associada com as cenas-chave que estavam sendo

memorizadas a partir do texto A Viagem de um Barquinho, visando sua flexibilização, de

modo que pudesse permitir uma melhor apropriação desse.

Tais exercícios buscavam acentuar a linha vocálica ou a articulação consonantal,

associando-as a diversas dinâmicas com timbres, alturas, intensidades e duração.

Exercícios que abordavam, ainda: controle fono-respiratório, tônus muscular, fraseado,

alinhamento corporal, equilíbrio (pisar, andar), projeção vocal, precisão articulatória

(vogais e consoantes), direção do som, extensão da voz, tonalidades e intensidade.

Portanto, alguns exercícios foram experimentados: leitura em grupo do texto, de

modo que, em um momento, todas as consoantes fossem suprimidas do texto e, noutro,

todas as vogais suprimidas; acréscimo de vogais entre cada sílaba da palavra; leitura de

cada palavra do texto lida de trás para frente; leitura ininterrupta em um único fôlego e

iniciando por uma frase, ampliando até chegar ao máximo do que se é capaz de ler sem

respirar, exercícios de leitura labial do texto e outros.

Foram adotados também, de acordo com a visão de Lignelli (2007), estudos e

implementações de uma série de atividades, com os objetivos de explorar a dimensão

acústica da cena; considerar as esferas da dimensão acústica da cena como instâncias

de configuração de sentido; detectar possíveis padrões de movimento implícitos no texto

e; abordar a gestualidade vocal e cinética como ponto de partida para a geração de

sentido em performance.

Segundo a compreensão de Lignelli (2007), nesse contexto, vários conteúdos

foram abordados na referida implementação a partir de exercícios como: os direcionados

para percepção auditiva com foco nos parâmetros do som (altura, intensidade, volume,

tom, andamento, timbre e outros); com foco no espaço e sua direcionalidade; exercícios

práticos e debates sobre os conceitos de tempo e intervalo; sobre paisagem sonora; e

com foco nas esferas da sonoplastia (o desenho do som, todo som concebido para a

cena seja ao vivo ou gravado) e da música.

 

  52  

Foi nessa fase de estudos e experimentos com o universo acústico com A Viagem

de um Barquinho que surgiu a ideia de criar uma trilha especial para o processo de

composição do texto na cena. A mesma foi elaborada por Matheus Mota, compositor

pernambucano, que sugeriu a proposta: introdução 1 e introdução 2; música para a

Lavadeira; Sol1; Sol Dedo-Duro; Sol2; Vitrolinha; Matilde reclamando; Cavaleiros;

Marcha; Rap do Sapo; Cantiga do Sonho; Tempero; Sol 3 e Final.

Matheus Mota apresentou ao elenco uma proposta justificando que defendia um

viés de criação menos padronizado, sem harmonias e elementos facilitados, tais como as

músicas de roda. Propôs um mergulho no lúdico, fortificado com melodias ora acessíveis

ora também desafiadoras. Defendeu uma escrita sobre os trechos originais do texto, de

forma que as crianças fossem convidadas de forma natural a emergir em desafios

questionadores que o próprio texto impõe. Desse modo, foi unânime o entendimento da

necessidade de composição de músicas direcionadas para a construção dos

personagens e ambientação das cenas.

Interessa-nos ressaltar que as dificuldades ou resistências dos atores neste

processo de memorização e flexibilização não foram facilmente superadas. De modo

geral, alguns não conseguiram observar que poderiam ter adquirido grande agilidade

neste processo de memorização, uma vez que deveriam ter trabalhado com foco nas

demandas técnicas da cena, evitando previsíveis problemas nos processos de ensaio.

Se a cena-chave estivesse memorizada e flexibilizada iniciaria-se o exercício de

atualização dos blocos de sentido e das palavras-chave previamente definidos. Os atores

seriam orientados a obter um esboço aproximado do que seria desenvolvido na cena,

levando-os a alcançar considerável atenção às diferentes atitudes e intenções que

pontuariam a intensidade de cada bloco de sentido. Quanto mais fossem definidas as

atitudes e intenções de cada bloco de sentido, mais seriam percebidos os contrastes

entre um bloco e outro em diferentes planos acústicos, como também na gestualidade

cinética, sobretudo no olhar.

A Microatuação também sugere que, paralelamente, os atores apoiem-se nas

palavras-chave definidas, direcionando a elas o impulso vocal e definindo a duração das

falas que desenham acusticamente no espaço cênico entre uma palavra-chave e outra de

acordo com a atitude e intenção. Assim, define-se o gesto vocal como o ‘modo’ de fluir

entre uma palavra-chave e outra, que, em simultaneidade absoluta com a gestualidade

cinética, produzem a gestualidade da cena.

 

  53  

Nesta fase de flexibilização, viu-se que ainda era necessário reforçar o trabalho

com as palavras do texto por meio da realização de exercícios que acentuassem a

articulação de vogais e consoantes, associando-as a diversas dinâmicas em que

parâmetros de timbre, altura, intensidade e duração fossem experimentados. Dessa

forma, as linhas vocálicas e articulações consonantais de cada cena-chave precisavam

tornar-se familiares aos corpos dos atores e, na medida em que concluíam esta fase, não

era preciso mais dividir suas atenções no esforço de se lembrarem das palavras, pois

elas eram evocadas na memória corporal com grande facilidade.

Como visto, Davini (2002) defende ainda na etapa Zoom, relativa à fase de

memorização, que não se deve hierarquizar ideias e significados, que no processo de

memorização do texto não devem manter contato direto com o texto teatral impresso ou

que tentem memorizá-lo silenciosamente ou escrevendo-o repetidamente. A autora

propõe ainda que os atores memorizem o texto de modo que sejam estimulados a

estarem ativos, ou seja, de pé, sentados ou em deslocamento, e que disponham de

alguma intensidade vocal nesse processo. Sugere que evitem realizar esse processo

deitados, em estado de repouso, com o tônus corporal muito baixo ou dizendo o texto

sem produzir som.

No entanto, a prática junto ao processo com A Viagem de um Barquinho enfrentou

aqui, nessa etapa de memorização, o seu segundo desafio. Isso porque se tentou seguir

todas as orientações sugeridas para essa etapa, e o resultado, especialmente com os

atores mais veteranos, não acontecia. A resistência desses atores era notável,

apresentavam uma dificuldade enorme. Observou-se que eles ficavam divididos entre

adotar as formas preexistentes e as novas orientações para o trabalho de memorização

do texto. De fato, foram eles que, na etapa seguinte de mapeamento de cena, também

ofereceram maior dificuldade de se desprender da análise literária, do significado e das

ideias do texto, pois não conseguiam equilibrar entendimento do significado do texto e

das ideias do texto e focar nos efeitos do texto na cena, ou seja, trabalhar o material

textual no tempo e no espaço.

No elenco, os atores iniciantes e os cantores líricos conseguiam avançar um

pouco mais, devido a uma menor resistência. No entanto, vale lembrar que não foi

possível trabalhar a fase de memorização como primeira atividade realizada junto ao

texto, antes mesmo de qualquer contato do ator com sua análise, conforme orienta a

técnica implementada. A orientação indica que o texto deve ser memorizado a partir das

palavras isoladas, destituídas do sentido das mesmas. Isso faz bastante sentido, uma vez

 

  54  

que as ideias do texto é que levam o ator a optar pela substituição das palavras por seus

sinônimos ou pela ideia mais próxima, quando essas não estão memorizadas.

Portanto, isso que ocorreu afetou todo o elenco nesse processo junto ao texto A

Viagem de um Barquinho. Isto é, quando os atores iniciaram o processo de memorização

do texto e do mapeamento de cena, as ideias desse estavam bastante interiorizadas

devido ao fato citado anteriormente. A dificuldade de acesso ao texto em sua versão

teatral, o acesso primeiro a sua versão literária mais, e especialmente, o estudo de

análise antes do processo de memorização, consequentemente, levaram à necessidade

de revisão do referido processo por diversas vezes no percurso da implementação da

Microatuação.

Por isso, na tentativa de minimizar tais dificuldades enfrentadas, especialmente

pelos atores mais experientes, que mostravam nitidamente uma sensação de desânimo,

optou-se por experimentar iniciar a 2ª etapa Mapeamento de Cenas, considerando- se

que o processo de implementação precisava avançar.

Seria impossível desconsiderar o alto grau de dificuldade enfrentado pelo elenco

na etapa Zoom (memorização e flexibilização do texto). No entanto, coube também

ponderar que essa tentativa de passagem, mesmo que prematura, dessa para a etapa

seguinte, Mapeamento de Cenas, serviu como estratégia para reanimar o elenco,

diminuir a ansiedade sem deixar de discutir e conscientizá-los da importância do

treinamento da etapa anterior para o processo dessa nova etapa.

Desse modo, os atores foram requisitados para tentar responder parte da

pergunta “o que precisa acontecer nessa cena em relação à percepção da plateia?"

Assim, considerar o público dentro de um processo de composição de cena é, no mínimo,

considerá-lo como parte da tríade (texto, ator, público) que apoia o teatro enquanto

fenômeno. Daí se define, a partir da experimentação, as atitudes referentes aos blocos

de sentido do texto (definido neste estudo) (VIEIRA, 2013).

De acordo com a visão de Vieira (2013), para se entender o conceito de

Mapeamento de Cenas, é fundamental a compreensão do esquema que define os pilares

da Microatuação. Tal esquema inclui uma dinâmica que parte diretamente do desejo de

fala contido na construção de sentido do texto literário (da letra). Em síntese, a partir da

análise pragmática do texto literário, chega se à composição da palavra em cena. Essa

depende do impulso respiratório que, por sua vez, estimula o gesto.

 

  55  

Com base no que vem sendo discutido ao longo deste estudo sobre a

implementação da Microatuação no treinamento de atores, entende-se que o que Davini

(2007) costuma definir por atuar, representar no palco de forma falsa ou verdadeira, deve

ser revisto, entendido e redefinido como estar ou não presente em cena.

Todavia, durante a etapa de Mapeamento de Cena, ocorreu também um

descompasso devido ao desnivelamento natural decorrente da heterogeneidade do

elenco. Os atores com formação e com maior experiência, embora apresentassem mais

intimidade com o palco, apresentaram maior nível de dificuldade nas etapas como um

todo e, em especial, na etapa Zoom – memorização e flexibilização do texto. Os iniciantes

sempre respondiam melhor, apresentavam menos resistência, racionalizavam menos e

se mostravam muito mais disponíveis.

Embora nas situações de dificuldades de realização do que era solicitado durante

as etapas dos procedimentos com a Microatuação (que exigiram alguns retornos às

etapas anteriores), além das resistências às mudanças relacionadas aos antigos

procedimentos, os atores conseguiam superar e expressar interesse, estímulo pelos

novos conhecimentos. A necessidade de um tempo maior para a superação das

dificuldades, embora gerasse muita ansiedade, promovia também uma maior carga de

ânimo e autoconfiança, indispensáveis para uma imersão.

A partir disso, muitas ações foram criadas com a intenção de ampliar a carga

horária normal prevista no cronograma de encontros desse processo de implementação

da Microatuação, mas também comprovar um diferencial dos procedimentos adotados

por Silvia Davini e Sulian Vieira em suas práticas com a referida técnica.

Entre as referidas ações se inclui um vasto repertório de exercícios direcionados

à flexibilização do texto, que foram experimentados e encaminhados para serem

executados e incluídos na rotina diária de estudos de cada ator, objetivando contemplar

necessidades básicas e urgentes para o seguimento do trabalho.

Nesse repertório foram incluídos exercícios para: a) expansão longitudinal e

transversal das cavidades por onde circulam o ar, dando lugar a sua circulação e

garantindo o aumento da pressão de ar subglótica; b) adequação do tônus do corpo à

demanda de produção de voz em altas intensidades; c) desenvolvimento do trabalho de

apoio, sustentação e extensão; d) exercícios de variação da duração; e) variação da

frequência; f) variação da intensidade; g) variação do timbre (Anexo 6).

 

  56  

Foi solicitado, ainda, dos atores nessas rotinas diárias ouvir, o máximo possível,

as gravações em áudio de suas falas e da leitura completa do texto realizada pelo elenco,

e assim, criar uma intimidade com as falas de todas os personagens e com a ideia do

todo, de preferência buscando fazer relações dialéticas.

Se na etapa anterior (2ª etapa – Mapeamento de Cena) ficou clara a necessidade

de um retorno do elenco ao processo de memorização, nessa 3ª etapa – Intervenção,

dissociação de instâncias do momento verbal com auxílio de equipamentos de

reprodução de som e de imagem, os atores também não foram capazes de retornar

completamente à cena os textos previamente gravados por eles, que seriam

reproduzidos em áudio. Assim, a presença da Microatuação, que deveria se potencializar

de forma a conseguir atuar sem produzir som, permitindo evidenciar aquelas sutilezas da

atuação, foi frustrada para o elenco pelas dificuldades, igualmente, não superadas na

etapa anterior.

Com a intenção de testar melhor tais retornos, optou-se por acrescentar, ao que é

sugerido pela Microatuação, exercícios que denunciassem mais ainda essas dificuldades.

Por exemplo, foram trabalhados, a partir do texto, diálogos entre dois atores, em que um

dos interlocutores apenas ouvia e acompanhava a fala da outra personagem e, na hora

da sua fala (sua resposta), apenas realizava em pensamento, expressando as ideias,

sentimentos, porém sem emitir sons. Isso exigia que o ator tivesse memorizado todo o

diálogo, não apenas as falas de sua personagem, inclusive porque a outra precisava

dessa interlocução.

Nessa etapa, de acordo com o que sugere a Microatuação, foi necessário chamar

a atenção do elenco, que precisou se concentrar exclusivamente na atualização dos

blocos de sentido e palavras-chave, como dito, o que define as mudanças de sentido e/ou

atitudes dos personagens, explicitando/mapeando os planos acústicos na criação das

falas dos personagens de acordo com as atitudes e intenções. Logo, quanto mais

definidas as atitudes e intenções de cada bloco de sentido, mais poderiam ser percebidos

os contrastes entre um bloco de sentido e outro em diferentes planos acústicos –

parâmetros sonoros (produção e reprodução do som), como também na gestualidade

cinética, sobretudo no olhar.

Contudo, entendeu-se que seria estratégico retornar mais uma vez ao processo

de memorização da 1ª etapa – Zoom – devido a dois dos atores, os que possuíam maior

texto, por serem os personagens principais, e apresentarem maiores dificuldades nesse

momento dos trabalhos.

 

  57  

Os personagens principais (a Lavadeira e o Menino) eram representados por uma

atriz veterana e um ator iniciante que vinha respondendo muito bem até meados do

processo. Contudo, devido à imaturidade e inexperiência, acabou reduzindo seu

rendimento diante das dificuldades apresentadas pela atriz, que mostrou tais problemas

desde o início dos treinamentos. O ator iniciante não conseguia avançar e, diante das

dificuldades de contracenar, passou a assumir ambos os papéis, em uma tentativa de

feedback.

Desse modo, após o retorno ao processo de memorização e flexibilização do

texto teatral, tentou-se novamente vivenciar a 2ª etapa – Intervenção – e seguir as

orientações da Microatuação, ou seja, priorizar a ação de dizer em cena.

Assim, foi necessário reforçar o que vinha sendo discutido com o elenco desde o

início do processo: os conceitos básicos que defendem a diferença de materialidades

existente entre a letra e a palavra. Ou seja, entender que existe texto que se destina ao

consumo visual (em princípio solitário e silencioso pela leitura) e texto que se apresenta

como um objeto (folha de papel, livro) além de outros que se destinam à audição e,

portanto, que se destinam à percepção de efeitos sonoros por estarem, assim, mais

abertos ao consumo coletivo, isto é, aqueles que se apresentam como uma ação vocal

(ZUMTHOR, 2007).

Desta forma, foi possível seguir para a etapa seguinte: a 4ª etapa –

Decomposição, constituída por uma análise da dissociação de instâncias de momentos

verbais do texto registrados em vídeo. Essa etapa foi realizada com auxílio de

equipamentos de reprodução de som e de imagem. Tal processo representou o momento

mais impactante do processo individual de cada ator. Representou, ao mesmo tempo, um

grande desafio e em seguida uma injeção de ânimo, aumentando, e muito, o estímulo do

elenco. Os mesmos expressavam um grande interesse durante essa etapa,

independentemente da presença ou não dos outros membros do elenco. Seus sentidos

foram aguçados.

Nessa fase, o foco dos atores foi retomado. Foram capazes, conforme citado

anteriormente, de retornar à cena os textos, previamente gravados por esses intérpretes,

de modo a serem reproduzidos em áudio. Assim puderam atuar mais uma vez a mesma

cena, no entanto, sem produzir voz ou palavra. A orientação exigia que seus gestos

fossem reservados ao absolutamente necessário, de forma que a gestualidade cinética, o

olhar ou qualquer resposta muscular atualizada (sentido de atuação) fossem aquelas

inevitáveis. Finalmente, a técnica de Microatuação pôde ser efetivada e, assim, os atores

 

  58  

conseguiram atuar e, mesmo sem produzir som, permitiram que fossem evidenciadas as

sutilezas da atuação, que havia sido frustrada pelas dificuldades não superadas na fase

de memorização.

Cabe lembrar que a 5ª e última etapa se constituiu dos Ensaios e Performances

das cenas propriamente ditas. Importa observar que nos procedimentos de ensaio

buscou-se, como sugere Davini (2002), constituir um ‘caminho de mão dupla’, entre as

demandas estéticas e as possibilidades técnicas dos atores.

No entanto, é de fundamental importância concluir, a partir dessa experiência,

que, como diz Davini (2002), na fase de ensaios é necessário continuar privilegiando a

situação de performance, tendo como referência a experiência e a análise de todas as

etapas anteriores. Na prática, isso não foi nada fácil para os atores e exigiu muita labuta

e, principalmente, disponibilidade afetiva, desejo.

Ao final do processo, o gratificante foi a possibilidade de se constatar que alguns

atores do elenco, que antes se posicionavam, muitas vezes, de forma arredia,

questionadora e criticamente exacerbada, sem muita credibilidade, devido principalmente

as suas inseguranças, mostraram-se mais seguros, mais conscientes do que foi

vivenciado, continuando críticos, porém mais disponíveis e cooperativos.

Durante essa etapa do processo de montagem alguns profissionais foram

inseridos, como: uma produtora cultural; um compositor; dois professores da UFPE,

responsáveis pelas disciplinas das áreas visuais do espetáculo (figurino, maquiagem,

cenário e iluminação); e uma designer, para tecerem coletivamente um projeto de

montagem teatral do texto A Viagem de um Barquinho. O projeto foi submetido a uma lei

de incentivo cultural FUNCULTURA, da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de

Pernambuco – FUNDARPE, e aprovado, para ser oferecido gratuitamente ao público em

2016 (Anexo 12).

Para a apresentação final do processo de implementação da Microatuação – o

espetáculo teatral – o elenco teve que, com recursos próprios, muita disposição e

criatividade, produzir todos os elementos visuais, mesmo que o acesso ao espaço cênico

tenha sido bastante limitado no que diz respeito à pauta para ensaios, principalmente

ensaios técnicos para montagens de luz, cenário, ensaios para teste com figurino,

maquiagem e iluminação.

Diante do fato, o elenco expressava em seu discurso uma consciência de que

todas as tarefas importantes e planejadas deveriam ser realizadas e que os elementos

 

  59  

visuais seriam importantes para somar, uma vez que os mesmos fizeram parte dos

processos de criação de cada ator. Dispensá-los justamente no momento de

concretização (apresentação ao público escolhido) certamente causaria bastante impacto

em seus corpos e consequentemente iria afetar negativamente os resultados de suas

performances.

Para eles, a criação dos elementos visuais aliada ao trabalho com a Microatuação

reforçaram os conceitos de abordagem pragmática que os embasaram em todo o

processo de criação de sentido do texto trabalhado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência descrita neste estudo tem por base a arquitetura projetada por Silvia

Davini para a técnica de Microatuação, que, segundo conclusão dessa pesquisa, não

deve ser abordada de forma singular, mas de forma plural.

Além disso, o contexto sociocultural que envolveu essa nova experiência descrita

neste estudo acabou por propiciar o urdimento de uma outra versão, que implicou

também em alterações das etapas que constituem a técnica abordada.

A arquitetura original sistematizada por Silvia Davini (2002) era trabalhada por

meio de cenas-chave ou trechos de textos clássicos. A versão de Sulian Vieira utiliza-se

de textos modernos trabalhados em sua plenitude, e o processo de composição aqui

implementado e descrito fez opção por um texto em sua íntegra e, pela primeira vez,

dirigido à criança: A Viagem de um Barquinho, de Sylvia Orthof.

Conclui-se ainda que, sem dúvida, um dos maiores desafios do elenco e

especialmente dos atores mais experientes, com formação em teatro e evolvidos nesse

experimento, foi o confronto e resistência a novos procedimentos em especial o relativo

ao processo de memorização do texto.

Coube nesse estudo, discutir quando Davini (2002) afirma que, nessa etapa, é

fundamental, inicialmente, não se hierarquizar ideias e significados, nem manter contato

direto com o texto teatral impresso. No entanto, tal questão não foi de fácil compreensão

pelo o elenco. Segundo os atores, dominar as ideias e construções do sentido do texto, já

significava um grande desafio e avanço, considerando que a maioria das práticas das

produções no Recife revela que esse domínio do texto, embasado na análise pragmática,

não é usual.

 

  60  

Para esses atores, o domínio do texto nessa perspectiva da Microatuação permite

que, mais facilmente, o ator tenha capacidade de improvisar de forma consciente,

substituindo palavras do texto por sinônimos, quando essas não lhes vêm à memória. No

entanto, o que de fato defende a Microatuação é a conscientização e domínio do texto

tanto de suas ideias e palavras mas, principalmente, de sua forma pragmática, ou seja,

como é construída, posta na cena, no palco, não apenas como é dita, mesmo que seja

destituída da criação de sentido.

Contudo, levando em conta que no experimento com a Microatuação ocorreram

inúmeras necessidades de retorno ao processo de memorização, pode-se constatar que

os atores, em sua maioria, não tiveram facilidade para perceber e realizar toda a

dimensão do que se estava acrescentando a partir da técnica de treinamento –

Microatuação. Logo, surgiu a questão que não pôde ser testada e respondida: não teria

sido mais eficaz se antes de ler e analisar o texto, tivesse sido iniciado o treinamento dos

atores com os exercícios de memorização tal como sugere a técnica aplicada?  

Considerando que o objetivo desse estudo era descrever o passo a passo da

implementação da técnica de Microatuação no processo de composição da cena do texto

teatral A Viagem de um Barquinho, pode-se afirmar que o mesmo foi contemplado.

Embora, muitos desafios o elenco teve que enfrentar ao longo de todo o processo

de implementação, e esses mostraram-se complicadores, sobretudo no momento final,

hora de oferecer o espetáculo para o público. Surgem, aí, os limites técnicos do próprio

teatro (parcos recursos de luz e de som), além de uma série de dificuldades com o

número reduzido de ensaios de ajustes técnicos, essenciais para a realização de um

trabalho de qualidade.

Dentre as dificuldades, destaca-se uma das mais importantes, relacionada às

rotinas desses sujeitos enquanto indivíduos sociais, a de locomoção, uma vez que

apenas dois atores possuíam transporte particular e os quatro restantes moravam em

bairros distantes, de difícil acesso, dependendo de transporte coletivo. Ademais, no

semestre em que ocorreu a pesquisa de dados, a cidade do Recife enfrentou um dos

maiores índices de paralisações de advertência e de greves no setor dos transportes

públicos.

Sem dúvida, muitas questões aqui avaliadas interferiram negativamente nos

desempenhos desses atores em cena. No entanto, seus discursos expressavam

constantemente a consciência da importância do cumprimento de todas as tarefas

 

  61  

importantes e planejadas. E assim, o elenco mostrou estímulo, disposição, criatividade e

coragem para se lançar em uma nova experiência metodológica e que ainda se

disponibilizou para produzir todos os elementos visuais referentes ao trabalho final,

resultado do processo com a Microatuação – o espetáculo que foi submetido e avaliado

por um público-alvo de crianças.

Desse modo, os resultados obtidos a partir das expectativas dos atores, sinalizam

que o sentimento de responsabilidade e de compromisso com o trabalho desenvolvido

conseguiu superar as adversidades enfrentadas.

 

  62  

Implementação da técnica de Microatuação: análise a partir da opinião dos atores

envolvidos e da receptividade de crianças.

 

INTRODUÇÃO

Nesse estudo, ao longo desta pesquisa, buscou-se discorrer sobre a produção de

voz e palavra, ou seja, sobre a vocalidade e a criação de sentido com base no texto

teatral, mas dentro de um cenário específico, que é a cidade do Recife; num tempo bem

definido, que é a atualidade; num ambiente particularizador, que é o teatro para criança.

Este conjunto de conceitos apurou o foco com determinação sobre o objeto do estudo e,

na mesma medida, transcendeu-o e o integrou a um contexto mais amplo.

Tal objeto foi a "implementação da técnica de Microatuação" numa circunstância

específica: a montagem do espetáculo A Viagem de um Barquinho.

Ao centralizar a pesquisa sobre o processo criativo, de composição na cena (visto

a partir da maneira como se lida com a questão da vocalidade) do ator na elaboração do

espetáculo para crianças na cidade do Recife, desejou-se iluminar problemas que afetam

a cena e também profissionais de teatro em todo o país, independentemente de ser a

produção destinada ao público de criança, juvenil ou adulto.

Quando se examinou o objeto a partir do exame à bibliográfica circulante

(resultado da sistematização e publicação dessas produções), revelou-se o todo,

chegando-se ao âmago da questão, que é a real necessidade de técnicas de corpo/voz

para o ator desenvolver com alguma possibilidade de êxito o seu trabalho estético. Aliás,

antes da importância de técnicas, é fundamental a discussão, o debate. Nesse sentido,

vale ressaltar o que defende Sebastião Milaré no prefácio de Martins (2004):

Talvez o que esteja errado, em face disso, é o modo como se encara o aprendizado do teatro em nosso país, a pouca importância que é dada à técnica, ao estudo continuado e sempre aprofundado da natureza da arte, à disciplina do corpo e do espírito. Parece, na verdade, que quanto mais se fala em "pesquisa", mais se cristalizam estereótipos e os meios estereotipados, que se apoiam em técnicas primitivas ou em arremedos de técnica. (MARTINS, 2004, p. 10)

Ao se debruçar sobre a produção de teatro destinado à criança na cidade do

Recife, desvela-se uma realidade mais ampla do teatro nacional: o teatro para criança

 

  63  

urdido, assim, pode vir a representar um desserviço, afastando o público potencial do

futuro. A obra de boa qualidade estética destinada à criança não é comum, a despeito da

imensa quantidade de produções que se realizam em toda parte.

No entanto, o crescimento dos programas de pós-graduação nas universidades

brasileiras, nas duas últimas décadas, vem resultando em pesquisas de aspectos

específicos da arte, das tendências e dos movimentos artísticos, que certamente

contribuem para novos saltos qualitativos do teatro no Brasil. Este estudo pretende

colaborar e ser mais um bom exemplo disso. Embora focado na realidade do teatro

recifense, ele abre perspectivas para o entendimento do próprio teatro brasileiro. Poderá

prestar contribuição para a reflexão sobre a matéria e a busca de novos caminhos para a

prática da arte dramática em nosso país.

Nos resultados desta pesquisa vale ainda defender a importância da existência,

em rede, de sites nacionais pertencentes a centros voltados para essa temática. Entre

esses, estão dois de referência: o do Centro de Pesquisa e Estudos do Teatro Infantil –

CEPETIN (CEPETIN, 2015), e o do Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e

Juventude – CBTIJ (CBTIJ, 2015), criados por profissionais da área de teatro para

crianças.

Nessa perspectiva, confere-se que, desde a década de 90, tais centros vêm

buscando promover a socialização deste debate, envolvendo pais e professores, a classe

artística e todos os segmentos envolvidos no processo, a começar da criação até a

difusão do espetáculo teatral para crianças, a formação de plateia, capacitação de

professores, publicações, discussão e aperfeiçoamento da dramaturgia do teatro para

criança, difusão de textos e espetáculos. Contudo, entre as reflexões voltadas para o

teatro enquanto linguagem artística é praticamente inexistente uma bibliografia sobre

teatro dirigido à criança que aborde a voz e a palavra, ou seja, a vocalidade.

Do material circulante voltado para o teatro dirigido para criança que alimenta os

referidos sites, a maioria é fruto de festivais e seminários, a exemplo do I Seminário de

Teatro Infantil de Blumenau, que vem sendo realizado desde 1975, em Santa Catarina.

No entanto, como exposto, essa produção possui maior foco no teatro-educação,

enquanto que apenas alguns poucos teóricos da área, abordam o teatro como linguagem

artística. Dentre esses, nenhum material que aborde vocalidade na cena do teatro para

criança foi encontrado. Sobressaem-se publicações como as da dramaturga e ensaísta

Maria Helena Kühner, que, em suas obras, costuma, a exemplo de A coragem de fazer

 

  64  

teatro infantil (KÜHNER, 1975), fazer uma síntese de suas conclusões e sugestões

relativas aos textos teatrais, aos processos de montagens e em relação à infraestrutura.

A autora também promove a discussão sobre para que criança falamos, levando em

conta a relação criança-mundo atual. Uma realidade que, segundo ela, confronta-nos

com seus desafios. Assim posto, questiona ela, o que o teatro feito para a criança e a

juventude pode aí representar? Outros autores podem ser citados, como Ortiz (2006),

que, em seu artigo A função do teatro na vida da criança, destaca o teatro como

ferramenta importante na educação; Duncan (1999), atriz e arte-educadora, diretora e

produtora, que escreve sobre a preparação do ator e no seu artigo A preparação do ator:

uma frase esquecida dentro do teatro infantil? expõe sua preocupação sobre a

necessidade de uma maior disciplina no preparo do ator, para que, assim, evite-se que o

público do teatro migre para o cinema e outras linguagens; e o pesquisador e jornalista

Ferraz (2015), que realiza a publicação mais recente, partindo do registro fotográfico e

ficha técnica da produção de teatro para criança nos períodos de 2000 a 2010.

Portanto, a partir dessa compreensão, entende-se que existe, de fato, uma

demanda, uma necessidade de ampliação do debate sobre a produção voltada para a

criança, de preferência que promova também a reflexão sobre voz, palavra e vocalidade.

Assim, com base no exposto, ter-se-á relatada, aqui, a análise e a avaliação do

processo de implementação da técnica de Microatuação que resultou no espetáculo A

Viagem de um Barquinho, de Sylvia Orthof, dirigido à criança.

Para tal análise, questionários foram elaborados a partir das variáveis texto

escolhido, performance dos atores e recepção pelo público de crianças, com foco

em dois grupos de juízes: primeiramente, os atores que participaram da montagem; em

seguida, um público de crianças, avaliado após assistirem ao espetáculo.

Dessa forma, o objetivo deste estudo é analisar o processo e o resultado final de

uma proposta de implementação da técnica de Microatuação, a partir da opinião dos

atores envolvidos e da receptividade de crianças.  

MÉTODO

Após a aprovação da proposta pelo Comitê de Ética da PUC-SP, sob o número

CAEE 783980, foram definidas duas fases para avaliação da proposta apresentada no

Estudo 2, a saber, a Fase 1, que contou com os atores participantes da montagem, e a

Fase 2, com crianças que assistiram ao espetáculo.

 

  65  

Fase 1

Os seis atores que participaram da montagem do espetáculo, na qual se utilizou a

técnica de Microatuação, foram submetidos a um questionário, denominado Q1 (Anexo

7), elaborado com a intenção de identificar suas expectativas em relação à recepção do

público e aplicado antes da primeira apresentação do espetáculo.

Um segundo questionário, denominado Q2 (Anexo 8) foi aplicado aos atores após

a apresentação do espetáculo, ao final do processo, com algumas alterações quando

comparado ao Q1, uma vez que deixou de lado a expectativa para analisar a percepção

dos atores ao final da implementação.

A caracterização dos atores e respectivos personagens encontram-se no Quadro

1.

Quadro 1: Caracterização dos Atores quanto a sexo, idade, formação e personagens

representados.

As perguntas apresentadas no questionário Q1 foram: 1. O que o texto A Viagem

de um Barquinho pode gerar no público?; 2. O que o seu trabalho de ator,

desenvolvido com base na Microatuação, pode gerar no público? e; 3. O que a Microatuação pode gerar no público?.

 

  66  

No Q2 foram: 1. O que o texto A Viagem de um Barquinho gerou no público?;

2. O que o seu trabalho de ator, desenvolvido com base na Microatuação, gerou no público? e; 3. O que a Microatuação gerou no público?.

Os resultados foram tabulados e apresentados de forma descritiva considerando

cada sujeito (ator) e cada momento (pré e pós-apresentação do espetáculo).

Fase 2

Fizeram parte desta etapa, 50 crianças entre 10 e 12 anos, que assistiram ao

espetáculo e responderam, por meio de questionário denominado Q3 (Anexo 9), as 33

questões de múltipla escolha, as quais abordavam as características gerais da

encenação, cenografia, iluminação, objetos de cena, adereços, figurinos, maquiagens e

performance dos atores. Cabe destacar que, conforme exposto anteriormente, alguns

fatores observados no resultado obtido junto aos atores antes da apresentação do

espetáculo foram fundamentais para a construção do instrumento de avaliação da

recepção do espetáculo pelo público–alvo (crianças). Dentre esses fatores, é importante

destacar as expectativas criadas por eles, relativas às variáveis: compreensão e

identificação do texto teatral selecionado; o nível de domínio e de consciência da

realização de suas performances; o entendimento do conceito e posicionamentos críticos

sobre as mudanças; e evoluções e consciência dos ganhos a partir do treinamento com a

técnica de Microatuação. Do total de perguntas, de forma similar (33,3%), foram

contempladas questões referentes à encenação (espetáculo), voz (performance dos

atores) e história (texto). O questionário foi distribuído após a apresentação do

espetáculo às crianças-público e as instruções de como respondê-lo foram fornecidas de

forma objetiva nesse momento.

Os dados foram tabulados e analisados de forma descritiva. Em especial, no caso de

algumas crianças, inadvertidamente foi assinalado mais de um item por questão, o que

não era o proposto. Para não eliminar o questionário inteiro, foi feita uma reclassificação

dentre as respostas fornecidas para aquela questão, visto que todas deveriam ter apenas

uma resposta (amostra de 50 respostas por questões igualitariamente), usando-se o

critério da pior resposta dentre aquelas dadas como sendo a resposta considerada e

aceita. Esse fato ocorreu em cerca de 10% dos questionários, sendo assim, a

reclassificação foi considerada não impactante em termos de validade estatística do

universo avaliado.

 

  67  

RESULTADOS

Fase 1

Os dados da Fase 1 encontram-se apresentados no Quadro 2.

Quadro 2: Resultado do questionário submetido aos atores antes da segunda apresentação do

espetáculo A Viagem de um Barquinho.,

Nas expectativas da A1 e A3, formados em teatro e mais experientes em

produções dirigidas à criança, o texto não iria agradar a faixa etária do público-alvo,

opinião contrária quando comparada às expectativas dos demais, sem formação em

teatro e menos experientes em produções teatrais. Esses alegaram que o texto iria

agradar a faixa etária do público-alvo por ser inteligente e divertido. Pôde ser observado,

ao longo do processo, que as posturas e colocações dos atores sofriam interferências

dos níveis de experiências desses.

 

  68  

Os atores com formação em teatro se colocavam com mais desenvoltura em

questões relativas a: análise literária do texto (a análise pragmática foi também para eles

o grande diferencial no processo); intimidade com a cena (movimentação, marcação de

cena, diálogo e lida com os elementos visuais da cena); facilidade de improviso; criação;

manejo vocal e; projeção da voz. No entanto, carregavam vícios e convicções que

atrapalhavam muito a experiência com base em novos paradigmas. Muito mais

resistência aos novos experimentos quando comparados ao restante do elenco menos

experiente.

Na questão O que o seu trabalho de ator, desenvolvido com base na

Microatuação, gerou no público?, quanto às expectativas dos atores com formação em

teatro, a A1 acredita que o processo de criação a partir da Microatuação irá resultar em

uma excelente performance e o A3 afirma que não gostaria mais de deixar de trabalhar

dentro dos conceitos da Microatuação, pois a técnica, com certeza, marcou um grande

diferencial na sua formação.

Quanto aos dois atores iniciantes e aspirantes ao curso superior de teatro, A2

afirma que se sente privilegiado com a oportunidade e entende que o resultado final do

processo será muito satisfatório. A6, apesar de ter tido apenas um pouco de experiência

com vídeo, entende que a chance foi muito importante, sente que cresceu bastante com

a oportunidade de experimentar e defende que o resultado será o melhor que realizou.

Na opinião dos cantores líricos com pouca experiência em teatro, A4 afirma que, sem

dúvida, é sua primeira grande experiência de crescimento como cantor e ator, e A5

acredita que o resultado será bem aceito, pois se sente modificado enquanto intérprete e

mais seguro das suas aptidões.

Desse modo, fica claro que, embora o elenco tenha sido heterogêneo, o

experimento com a técnica de Microatuação impactou a todos, ao ponto de estimulá-los a

continuar trabalhando e aprofundando cada vez mais suas pesquisas com base nos

diferentes modos de inovações voltadas para a vocalidade teatral.

Referente à questão O que a Microatuação gerou no público?, o elenco foi

unânime em afirmar que o bom resultado desse procedimento (o espetáculo teatral) é

que irá ser percebido pelo público e não o processo de implementação da técnica de

Microatuação em si. Considerando a unanimidade das afirmativas do elenco, fica

evidente suas expectativas quanto ao resultado final do processo, o que vem também

justificar suas angústias diante das dificuldades enfrentadas por eles no período final do

 

  69  

processo, referente ao espaço da encenação, por ocasião dos ensaios gerais para

ajustes técnicos do espetáculo.

O Quadro 3 apresenta os dados referentes ao segundo momento, ou seja, a

opinião dos atores após a segunda apresentação do espetáculo.

Quadro 3: Resultado do questionário submetido aos atores após as duas apresentações de A

Viagem de um Barquinho.

Diante da questão O que o texto A Viagem de um Barquinho gerou no

público?, para todos o texto foi bem recebido, bem compreendido, agradou e prendeu a

atenção do público-alvo (10 a 12 anos) e ainda os adultos que os acompanhavam.

Para a questão: O que o seu trabalho de ator, desenvolvido com base na

Microatuação, gerou no público?, A1 e A3, formados em teatro e mais experientes com

teatro dirigido à criança, afirmaram que a experiência com a Microatuação foi positiva,

uma grande oportunidade de formação e excelente chance de afirmação profissional

diante do público. A2 e A6, não formados e menos experientes consideraram suas

atuações como missão cumprida devido, segundo eles, a uma grande oportunidade de

formação para qualquer ator. A6 entendeu que foi uma grande oportunidade não apenas

de formação de atriz, assim como A4, que considerou o processo vivenciado como uma

 

  70  

grande contribuição que marcou uma diferença para a sua performance. A5 considerou

como uma oportunidade ímpar que, segundo ele, fez diferença no seu desempenho final.

Cabe lembrar, contudo, que, independentemente dos atores serem formados em

teatro ou em música ou não serem formados, todos enfrentaram dificuldades diante da

técnica por problemas distintos, em consequência de suas expectativas e desejos

também serem diferenciados.

Os atores formados em teatro apresentaram mais intimidade com o código teatral,

mais desenvoltura na etapa Mapeamento de Cenas, contudo mostraram mais resistência

aos novos procedimentos, em especial aos exercícios referentes à etapa Memorização e

flexibilização do texto, pois traziam em suas bagagens um modelo preestabelecido, uma

forma cristalizada, uma certeza de algo dominado.

Os cantores líricos se colocavam com mais foco, mais disciplina na condução do

processo, com maior poder de concentração e de capacidade de escuta e, ao mesmo

tempo, eram extremamente questionadores, curiosos e racionais. Mesmo assim,

conseguiam traçar com mais facilidade as relações dialéticas entre os conhecimentos

adquiridos com as diferentes linguagens artísticas envolvidas no processo.

Enquanto isso, os dois iniciantes, não formados em teatro nem em música, eram

menos questionadores, menos racionais, porém mais acessíveis, mais disponíveis, mais

jovens e, assim, acabavam respondendo com maior rapidez que os atores e os cantores.

Tais observações vieram suscitar uma indagação sobre a existência entre intimidade com

o código da linguagem artística e aptidão ou bom desempenho. Devido à experiência

aqui relatada, poder-se-ia arriscar a afirmar que essa intimidade com a linguagem

artística pode ser considerada até prejudicial. A intimidade do ator com a cena deve ser

fruto de experiências mais sólidas, embasadas e atualizadas a partir de estudos

sistemáticos, ou seja, a tal intimidade com a cena por si não se basta, pode vir acarretar

acomodação por parte do intérprete, muitas vezes até de forma inconsciente, como

observado nesse experimento.

Para a questão O que a Microatuação gerou no público?, tanto A1 quanto A3

confirmam o que haviam previsto antes da apresentação do espetáculo, ou seja, que a

percepção do público aconteceria através do bom ou do mau resultado do conjunto do

trabalho. O público não identificaria a técnica e sim o bom resultado final do processo. A2

e A6, não formados e menos experientes, também confirmaram que a eficácia da técnica

foi comprovada através da grande aceitação do resultado. Para A6, o que o público

 

  71  

identificou foi o bom resultado, para A4 ficou clara a aceitação do resultado pelo público-

alvo e para A5 aconteceu uma empatia grande entre o público e o resultado final do

processo.

Fase 2

A Figura 1 registra a porcentagem de respostas dadas pelas crianças (n=50) a

cada uma das perguntas.

 

  72  

Figura 1: Resultados do questionário aplicado às crianças após o espetáculo A Viagem de um

Barquinho.

Partindo do exposto e com base na leitura e compreensão dos dados obtidos, é

imprescindível que se destaque os prós e contras, os resultados mais e menos

esperados. Assim, procurando partir sempre de variáveis representativas como se vem

expondo e debatendo ao longo da pesquisa, a saber: escolhas da encenação, resultados

significativos da pesquisa com a voz (a performance dos atores) e mais ainda o lastro

principal – a história ou mesmo, o trabalho com o texto enquanto base para todo o

urdimento da criação de sentido na cena.

Ao selecionar as variáveis: encenação, voz e história, foi possível obter-se um

desmembramento de cada uma delas, necessário e capaz de revelar na análise minúcias

do olhar crítico da recepção. A exemplo disso, a variável encenação permitiu observar

questões relativas à potencialidade de análise do público diante de itens como:

performance dos atores (interpretação, expressividade com o texto falado e cantado,

movimentação no palco, uso dos objetos de cena); espetáculo (se gostou, do que gostou,

 

  73  

por que gostou); direção artística (cenário, figurino, adereços, maquiagem, iluminação,

sonoplastia); e música (se identificou a trilha sonora original do espetáculo a partir dos

personagens e da ambientação sonora das cenas).

Quanto à variável voz, identificam-se, nesse estudo, resultados decorrentes das

análises sobre a capacidade de percepção do universo sonoro do espetáculo pelo público

de crianças quanto à criação e uso da voz pelos atores, seja na performance vocal com

os personagens cantando, falando, ou no processo de construção mais amplo da

sonoridade das cenas.

Apoiado nessa concepção, observa-se que a variável história (a ideia, o texto)

veio, a partir da forma de urdimento das questões submetidas ao público, embasar o

processo de análise quanto a nível de compreensão das crianças. Essa variável

conseguiu ainda evidenciar as correlações existentes entre as outras variáveis

selecionadas a partir do desejo de discutir, compreender e comprovar se, de fato, o

objetivo foi alcançado nesse estudo. Assim posto, cabe elencar algumas questões que

indagaram sobre a essência da história, como: os desejos dos personagens Menino e

Barco; as relações afetivas entres os personagens; as relações entre liberdade e poder; o

sentido de real e de fantasia; o nível de entendimento e a forma de abordagem de

questões polêmicas da vida pela autora, além de outras.

Nessa compreensão, a análise geral dos dados apurados aqui acena para a

evidência de que, segundo a opinião do público, o espetáculo foi divertido, o texto

agradou e a performance dos atores conseguiu prender suas atenções. No entanto,

aprofundar a discussão dos resultados sempre é uma forma de reforçá-los e garantir

confirmações desejadas pela pesquisa.

DISCUSSÃO

A partir do exposto, elegeu-se buscar apoio em uma análise mais contundente

deste estudo, logo, embasar seus resultados em teorias de análise do espetáculo

desenvolvidas por teóricos, como Pavis (2010), por defender que, para se desenvolver

uma análise de espetáculo, é fundamental examinar criticamente todo o seu processo de

feitura, ou seja, sua lógica de criação, tudo que pode defini-lo enquanto obra de arte,

como: seus ajuntamentos, dados e a sua própria estrutura. Posto isso, analisá-lo

enquanto fenômeno, de modo que possa identificar: o que é o espetáculo? quem o faz?

quem assiste? Portanto, para atender o que defende Pavis (2010), foram escolhidas para

essa pesquisa variáveis (elementos) como o texto (a história), os elementos visuais e

 

  74  

sonoros (encenação), a performance dos atores (técnica de Microatuação) e o público-

alvo (a recepção).

Acredita-se que o objeto desse estudo pode apresentar formas e conteúdos

diferenciados, em outros processos de criação de cidades brasileiras convertidas em

polos de teatro profissional e amador, mesmo as dos grandes centros produtores, como

São Paulo e Rio de Janeiro, até os que apresentam crescente volume de produção, como

Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, Recife e Fortaleza, ou os que contam ainda com

poucos núcleos profissionais.

Contudo, os resultados dessa pesquisa permitiu ainda que se tomasse por base

uma das características significativas, relativas ao elenco de atores envolvidos, a sua

heterogeneidade, e, desse modo, perceber que essa consegue carrear uma infinidade de

novas variáveis importantes capazes de definir ou não a eficácia de um experimento,

especialmente um que investiga novas tecnologias de composição para a cena.

De acordo com a visão de Pavis (2010) sobre teorias do fenômeno teatral, o que

de fato tem valor na análise de um espetáculo é o processo de interação, ou seja, o

resultado final oferecido ao público, a experiência pessoal que cada receptor obteve, sua

relação com a representação. Desse modo, o que mais importa é saber que a relação

com o espetáculo se dá a partir da vivência presencial com o assunto (o efêmero) e não

apenas por meio de reconstituição do espetáculo em documentos e registros, como

filmes, fotografias e entrevistas. Portanto, embora todo esse processo de intervenção

tenha sido registrado em imagens em vídeo e foto, foram os registros diários, escritos,

além de discussões e debates que deram suporte a esta tese.

Coube ainda nesse processo de análise tratar sobre a recepção e, para tanto,

valeu revisar Pavis (2010), quando elenca duas questões que julga essenciais para uma

análise desse receptor as abordagens psicológica, psicanalítica e sociológica,

importantes para compreender: a recepção desse espectador enquanto indivíduo inserido

no público.

O público foi o referencial escolhido por esse objeto de estudo para avaliar o

resultado da performance de atores treinados por meio da técnica de Microatuação com

texto teatral A Viagem de Um Barquinho, de Sylvia Orthof. Entretanto, entende-se quando

Pavis (2010) defende que é necessário ter consciência de que o público, diante da

representação, vivencia duas situações, dois mundos: um proposto pela ficção e outro o

qual ele vive. É fundamental perceber que, nesse momento do ato, ocorre uma ilusão

 

  75  

mimética que leva esse receptor oscilar entre esses dois espaços. Por conta disso, o

autor alerta que, no fazer artístico, não cabe reflexos do cotidiano. Essa é também a

concepção oriental da arte, um artifício, uma releitura desse cotidiano, uma estilização

desse real.

A partir dessa compreensão, o teatro se faz ao vivo, é efêmero, feito por gente e

difícil de ser avaliado. Assim, como poderia existir um método correto de análise de

espetáculo? Como não considerar que assistir a uma apresentação teatral trata-se de

uma experiência única? Como, também, relatá-lo de forma correta, ideal? Contudo, vale

ressaltar a sua eficácia. No entanto, vale reconhecer a importância da análise de cada

enfoque e elementos que compõem um espetáculo a exemplo de alguns gestos, olhares

e ações presentes na atuação, mesmo que de difícil descrição, por serem, geralmente,

de difícil percepção (PAVIS, 2010).

Portanto, como já vem sendo exposto ao longo desse estudo, a pesquisa lançou

mão de questionários que pudessem levar a identificar as características gerais da

encenação, cenografia, sistema de iluminação, objetos, figurinos, maquiagens, máscaras,

performance dos atores, função da música, texto, espectador. Dentre esses, considerou-

se como elementos materiais da representação o figurino, a maquiagem, adereços, a

iluminação e a cenografia, que, juntamente com o ator, podem preencher e constituir o

espaço da cena.

Apoiado no roteiro de análise de espetáculos sugerido pela pesquisadora Betti

(2005), algumas questões foram destacadas nesta análise, como: o perfil do público-alvo

(no caso deste estudo 50 crianças com faixa etária entre 10 e 12 anos); e a natureza do

espaço físico da encenação (Teatro Joaquim Cardozo – teatro convencional à italiana

que possui separação usual entre palco e plateia), que exigiu atenção quanto às relações

construídas entre o plano da encenação e esse público.

Dessa forma, resultou em uma encenação concebida no palco da seguinte forma:

apenas três entradas de personagens ocorreram pela plateia (como estratégia para

solução do espaço limitado das coxias do teatro); como também, uma das cenas (viagem

da Lavadeira e do Menino à procura do Barco) possibilitou uma interação mais física

entre atores e público, ao mesmo tempo serviu como estratégia para solucionar

tecnicamente a dificuldade de tempo necessário para a mudança de figurino de duos

personagens.

 

  76  

Com base na pragmática, a concepção cênica deste trabalho buscou

incessantemente a construção de sentidos. Assim, incluiu no contexto visual um

cenário simbólico, concebido de modo a figurar metaforicamente a atmosfera necessária

à peça. A concepção sugeriu um lugar constituído com a predominância da cor branca:

um linóleo branco no piso e múltiplos varais com lençóis, criando um campo visual

abstrato, remetendo a uma folha de papel em branco. Os drapeados dos lençóis

deveriam sugerir as ondas do mar. Objetos de cena foram utilizados pela personagem

Lavadeira – bacia de lavar roupa e prendedores de roupa. O espaço cênico sugeriu

diferentes localizações espaciais.

O tempo ao qual a narrativa da peça remetia é específico e cronológico, e, assim,

a iluminação cênica desempenhou funções na recriação cênica do espaço (delimitando

áreas espaciais diferenciadas) ou do tempo (diferenciando, por exemplo, o tempo do

passado e o do presente), operando transformações cromáticas e delimitações de

espaços.

A iluminação cênica defendeu, ainda, um faz-de-conta, como tudo que envolve a

trama da peça, pretendendo ser um suplemento poético texto/encenação, ou seja, diante

de uma folha de papel em branco a luz derramava-se como água sobre o cenário e os

atores. Seguindo a estrutura das pinturas muito diluídas (aguadas), as luzes mancham as

cenas com predominância de azul e verde com pinceladas de laranja, ouro e prata.

O figurino possui caráter simbólico, lúdico, optando por uma variedade de cores,

de modo que sugira terem sido elaborados por crianças ou brincantes (artistas populares

do nordeste). As cores utilizadas e os modelos sugerem características específicas dos

personagens. Foram concebidos e combinados a partir de uma proposta reciclável, de

aproveitamento de roupas usadas, como ocorre com a tendência dos jovens no Japão.

Também trouxe influência das tradições e folguedos populares, das manifestações

populares, como reisado, maracatu, caboclinhos e outros.

O universo ou contexto sonoro incluiu uma trilha musical original com a função,

dentro da narrativa da trama, de um mergulho no suposto mundo adulto da criança sem a

unanimidade das velhas cantigas de roda com harmonias e elementos facilitados. Um

mergulho no lúdico, embora com melodias ora facilitadas e ora desafiadoras.

O texto foi resultado do trabalho individual de Sylvia Orthof, possui uma narrativa

baseada no desenvolvimento de uma linha de ação, ou seja, em ações praticadas pelos

personagens. A estrutura formal do enredo sugere uma estética dramatúrgica

 

  77  

predominante expressionista. Entre os personagens existem indivíduos dotados de uma

psicologia particularizada e outras figuras de caráter genérico. A representação delas é

desenvolvida de forma estilizada, o que permite que sejam mais atraentes para a criança.

Procurou-se não reproduzir padrões tradicionais e optar por constituir uma nova

leitura do texto por meio da sua atualização e contextualização da realidade dos

indivíduos envolvidos no processo (atores e público), promovendo uma maior

identificação e consequentemente maior interação. Elegeu-se fazer uma releitura

motivada por um tema bastante contemporâneo e presente no texto, a saber: a liberdade,

o direito de ir e vir, o direito de escolhas e as responsabilidades decorrentes dessas.

O processo de composição estética do texto optou por realçar alguns elementos

da crítica social que considera urgente a ser encarado, como a importância pelo respeito

às diferenças individuais, à liberdade de escolha dos indivíduos que se encontram

presentes na encenação. Exemplificando, temos a concepção dos elementos visuais

como um todo (figurinos, adereços, cenários), que fogem completamente de uma forma

tradicional, dialogando com a natureza do texto, quando define, por exemplo, o sol cor-

de-rosa e não amarelo ou laranja ou dourado.

A recepção do espetáculo por parte da crítica do público de crianças ressaltou que

o espetáculo foi engraçado, divertido, inteligente, colorido e bom de assistir. Ressaltaram,

especialmente, uma afinidade com os personagens: Menino, Lavadeira, Sol, Barco e

Fada Princesa.

Com base nos dados obtidos, da aplicabilidade da técnica de Microatuação no

processo de treinamento de atores, foi possível avaliar e identificar resultados

significativos da pesquisa. Nessa compreensão, vale ressaltar ainda que as avaliações

derivaram-se dos processos vivenciados com os atores e, de maneira especial, da

recepção do público diante do resultado final: o espetáculo A Viagem de um

Barquinho, de Sylvia Orthof.

Diante disso e abalizada pelas três variáveis (texto; performance dos atores e

técnica de Microatuação), foi possível evidenciar os saldos da pesquisa obtidos através

dos atores e público antes, durante e após a apresentação do espetáculo para o grupo de

crianças.

Com base nos depoimentos dos atores, ficou evidenciado que o treinamento com

a Microatuação proporcionou uma evolução em suas performances, segundo eles,

representando mais uma oportunidade para se testarem e afirmarem suas aptidões

 

  78  

profissionais. Além disso, concluíram que a Microatuação pode sim ser percebida pelo

público através da qualidade das performances dos atores na cena.

Entretanto, foi imprescindível, na avaliação, levar em consideração também a

compreensão dos atores no que diz respeito à primazia do texto selecionado e trabalhado

por eles. Posto dessa forma, coube considerar que o elenco se impressionou com o fato

do texto conseguir surpreender não só o público de criança mas também o público adulto

de acompanhantes e responsáveis pelas crianças.

No entanto, testemunhou-se um fato envolvendo o texto selecionado e alguns

atores: esses não apostavam na capacidade do texto prender a atenção e ser bem aceito

por um público com faixa etária entre 10 e 12 anos. Diante disso, vale informar que os

citados atores descrentes eram os que tinham formação em teatro e, mais ainda,

experiência com arte-educação e em produções dirigidas à infância. Contudo, ao serem

indagados, tiveram dificuldade de sugerir uma faixa etária que julgassem mais adequada

ao texto.

A partir do exposto, foi discutida e concluída dentro do grupo a evidência que

mostra que o nível de apreensão do texto por parte do público não dependeu tanto da

adequação à faixa etária mas, notadamente, esteve muito mais vinculado às escolhas

estéticas e éticas da sua composição na cena.

Portanto, diante do proposto “analisar os resultados da aplicabilidade de uma

nova técnica (Microatuação) em um processo de composição de cena, com base na

opinião dos atores e da receptividade de um público de crianças” e com base nas

análises dos resultados da pesquisa, o estudo respondeu ao seu objetivo.

 

  79  

A partir do objetivo proposto nesta tese, compete, aqui, expor os resultados

desses estudos a fim de confirmar se seus resultados conseguiram responder ao

pretendido.

No Estudo 1, ao se buscar refletir sobre novas abordagens em prol de avanços da

produção de voz e palavra em cena, conseguiu-se proporcionar bases teóricas para os

estudos da vocalidade teatral, visando, de maneira especial, à produção na cidade do

Recife, foco de estudo desde 2001.

A escolha pela Microatuação foi plenamente justificada devido ao fato dessa

técnica ter permitido discutir e ampliar conceitos fundamentais sobre voz e vocalidade do

ator, sobretudo uma ampliação do que se entendia por texto teatral e composição de

palavras em performance na cena.

Ao promover abordar as instâncias da performance elucidou ainda a diferença

entre análise literária e análise pragmática e, sobretudo, mostrou a importância da

pragmática na composição da cena.

Tais conhecimentos permitiram compreender o que defende Sulian Vieira,

quando afirma que a Microatuação não deve ser abordada de forma singular, mas de

forma plural, exigindo, assim, uma percepção sobre qualidade corporal que busca a

dimensão sutil – nuances do olhar, da voz, gestos mínimos – que irá definir a qualidade

do resultado, geralmente suprimida quando se utiliza a voz em altas intensidades, por

requerer um tipo de esforço diferente do uso da voz cotidiana.

Davini (2007) identificou que o trabalho de pesquisa também permitiu alertar que,

no imaginário do teatro, geralmente motivado muito mais pelos diretores, essa qualidade

corporal, capaz de propiciar uma dimensão sutil, é desconsiderada, priorizando-se mais a

projeção da voz em detrimento da ressonância. Assim, o esforço físico em excesso

(crispação) e sem controle, travam o corpo do ator, suprime sutilezas, qualidades tônicas,

trabalho respiratório e a qualidade prosódica.

O Estudo 2 contribuiu ao descrever o relato detalhado da implementação da

técnica de Microatuação no processo de composição de cena além de justificar o

 

  80  

conceito estético dessa composição. Nesse momento, foi importante e necessário

oferecer oportunidade de discutir questões essenciais relativas aos atores. Baseado

nessa ideia, incluiu os desafios enfrentados com o elenco de atores, experientes ou

iniciantes. Dentre os desafios, suas resistências aos novos procedimentos, como também

suas superações devido à geração de estímulos decorrentes da ampliação da carga

horária, essencial para suprir a necessidade de um reforço técnico básico, que acabou

sendo convertido em uma carga extra de ânimo, autoconfiança, indispensável para a

imersão na técnica aplicada.

A partir dessa compreensão, pode-se afirmar que a pesquisa foi importante e

fundamental por responder a uma demanda legítima e oferecer novos procedimentos

para o trabalho com a vocalidade. Entende-se que foi dado mais um passo no sentido de

ampliar pesquisas que se comprometam com o processo de composição de voz e

palavra na cena e, especialmente, ampliar o estímulo às discussões conceituais sobre

vocalidade.

Por fim, o Estudo 3. Com base no que defende os pesquisadores e teóricos sobre

a importância e qualidade de instrumentos de crítica, optou-se, neste estudo de análise

de resultados, tentar não generalizar e lançar mão, como instrumentos de análise, além

de questionários, descrição verbal, tomada de notas e documentos anexos, que incluem

registros em áudio, vídeo e fotografias de todo o processo de implementação da técnica

de Microatuação e montagem do espetáculo A Viagem de um Barquinho, de Sylvia

Orthof.

Daí, expôs a análise dos resultados da aplicabilidade da técnica em questão,

tomando por base as variáveis: texto (história, ideia); encenação (inclui os elementos

visuais e sonoros; performance do ator) e público (recepção). Tais variáveis se

desmembram e possuem uma correlação. Assim, pode-se considerar e classificá-las

também como: história (texto, ideia); voz (performance do ator); recepção (público);

encenação (texto, performance, público, elementos visuais e sonoro).

Nessa abrangência, considerando as referidas variáveis, pode-se contar como

ganho o redimensionamento dos conceitos sobre texto teatral e, sobretudo, o

entendimento de que esse texto não se trata apenas de um registro escrito das falas dos

personagens de uma peça, mas do que esse texto diz em cena até dar origem à ação.

Os resultado deste estudo evidenciaram que nos enfoques da linguagem teatral:

dramaturgia (texto) e espetáculo (encenação), a análise pragmática do texto A Viagem de

 

  81  

um Barquinho sugeriu inúmeras interpretações, estabelecidas pela

encenação/atores/criadores (figurinos, cenários, desenho de luz, maquiagem e trilha

sonora) no ato do processo de montagem. A análise pragmática do texto ainda implicou

em uma análise menos presa ao significado desse, mais focada nos efeitos desse

quando levado à cena.

Do mesmo modo, neste estudo, os resultados decorrentes da análise do

espetáculo pelo público de crianças, foram observados e comentados. Nessa análise

foram consideradas as seguintes variáveis: dados concretos do espaço cênico onde se

realizou a encenação; forma de concepção cênica; elementos constitutivos da peça

apresentada; opções da direção e balanço geral das impressões suscitadas pelo

espetáculo, ou seja, foi observado, analisado e discutido o processo de construção de

ideias relacionadas ao tema da peça levando em consideração a montagem oferecida e

assistida pelo público selecionado.

É imprescindível levar em consideração que as avaliações resultaram dos

processos dos atores e da recepção do público diante do espetáculo com base nas três

variáveis: texto (história); encenação (performance dos atores – técnica de Microatuação

e elementos visuais e sonoros) e público (recepção). Por meio das tabulações e análises

dos dados, conclui-se que, na grande maioria dos resultados, houve uma correlação

entre as opiniões dos atores e do público. Assim posto, para ambos o texto foi bem

aceito, agradou por ser divertido e inteligente e prendeu a atenção do público.

Com base nas opiniões dos atores, o treinamento proporcionou uma evolução em

suas performances, representando uma das maiores oportunidades para se testarem e

afirmarem suas aptidões profissionais. Entenderam ainda que a técnica de Microatuação

pode sim ser percebida pelo público através da qualidade das performances dos atores

na cena.

Por fim, conclui-se que ficou claro que o teatro se faz ao vivo, trata-se de uma

experiência única, pois é efêmero, feito por gente e difícil de ser avaliado.

Portanto, diante desse contexto, vale informar que os resultados desta pesquisa

foram tratados muito mais no intuito de instaurar a reflexão, despertar uma

conscientização que resulte em mudanças e de preferência que não esteja atrelada a

ajuizamento com base de em conceitos impostos e ditados de forma simplória como certo

ou errado, bom ou mau; ao contrário disso, que considere a teoria da complexidade que

inclui o certo e o errado, o bom e também o mau.

 

  82  

No entanto, apoiado nos pareceres citados existentes até o momento, poder-se-ia

considerá-los suficientes para uma conclusão final e positiva desse estudo, já que os

dados indicam que as opiniões coletivas e individuais dos atores e da recepção do

público definem uma eficácia do procedimento de aplicação da Microatuação. No entanto,

ao se entender que as expectativas criadas pelos atores, estão diretamente relacionadas

ao contexto histórico, social, ético e estético de cada sujeito – ator e criança – público

desta pesquisa, é inadmissível desconsiderar a complexidade inerente a essa análise.

 

  83  

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  87  

Parecer Comitê de Ética

 

  88  

 

  89  

 

  90  

 

 

  91  

Declaração autorizando uso do Atelier 1 deptº Teoria da Arte

 

  92  

 

  93  

 

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

 

  94  

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Convidamos você a participar da pesquisa: “Teatro dirigido à criança: análise

da recepção de crianças à performance de atores, com base na aplicação da

técnica de Microatuação”, a ser realizada por Rose Mary de Abreu Martins sob a

orientação da Profa. Dra. Léslie Piccolotto Ferreira.

A presente pesquisa se propõe como objetivo geral, implementar a técnica de

Microatuação e analisar seus efeitos com base na performance de atores submetida a

um público de crianças.na cidade do Recife.

Para responder a esse objetivo, três estudos serão realizados:

Estudo 1 – Estudo sobre a evolução das tecnologias de comunicação: sua

relação com a configuração de novos padrões de vocalidade.

Estudo 2 – Descrever o processo de implementação da técnica de Microatuação

junto a um grupo de seis atores, a partir do texto teatral A Viagem de um Barquinho de

Sylvia Orthof dirigido à um público de criança entre as faixas etárias de 10 – 12 anos. Na

primeira apresentação será submetido a um Grupo Piloto – cinco crianças e em uma

segunda apresentação para um público de 50 crianças da mesma faixa etária do Grupo

Piloto (teste).

Estudo 3 – Analisar os resultados da recepção do público (selecionado entre as

faixas etárias de 10 – 12 anos), referentes às performances apresentadas pelo grupo de

atores em cena com base no texto teatral selecionado e dirigido para criança.

Será desenvolvida nos espaços físicos do Departamento de Teoria da Arte e

Expressão Artística do Centro de Artes e Comunicação, situados em anexo ao Centro

Cultural Benfica da Universidade Federal de Pernambuco. Esses espaços contêm

equipamentos e ambiente favorável ao desenvolvimento do trabalho proposto.

Farão parte atores recifenses pertencentes ao Grupo da Quinta, que participarão

do processo de composição em cena de um texto dirigido à criança. A escolha desses

sujeitos se dará por conveniência, a partir do contato da pesquisadora com esse grupo,

uma vez que a mesma organizou e vem coordenando o referido grupo, desde o período

em que desenvolveu seu mestrado em 2001.

A análise dos dados se dará da seguinte forma: cada um dos encontros será

registrado, tanto em áudio quanto em vídeo, por meio de equipamento que apresente alta

 

  95  

definição. Simultaneamente um diário referente à pesquisa será organizado pela

pesquisadora, momento em que registrará os aspectos que julgar importante para o

detalhamento do processo.

Farão parte dos instrumentos de avaliação e análise o público (selecionado entre

as faixas etárias de 10 – 12 anos) além de: cópia do texto teatral, material de registro em

vídeo da atuação do elencos e da plateia de crianças durante a observação da atuação

com base na Microatuação.

N o Estudo 1 Os atores terão oportunidade de desenvolver estudo sobre a

evolução das tecnologias de comunicação: sua relação com a configuração de novos

padrões de vocalidade e o mais importante, ser introduzido aos estudos da análise

pragamática.

Estudo 2, Propõe descrever o processo de implementação da técnica de

Microatuação com um elenco de seis atores a partir do texto teatral A Viagem de um

Barquinho.

No Estudo 3 – Propõe análise e discussão dos resultados do processo de

implementação da técnica de Microatuação a partir dos atores e da recepção do público

Nos procedimentos se incluem as etapas de leitura dramática e montagem do

espetáculo: da Proposta de intervenção com base na MICRO-ATUAÇÃO que será

trabalhada num total de 20 encontros semanais de quatro horas cada (total de 80 horas)

e contará com a colaboração do grupo de pesquisa denominado Vocalidade e Cena.

No entanto, vale ressaltar que a proposta envolve o risco de constrangimento por

parte dos atores, durante os exercícios de treinamentos. Como forma de minimização

deste risco, será guardado ao participante o direito ao sigilo de suas informações como

também será respeitada a privacidade dos participantes diante de pessoas que não

estejam envolvidas no processo e, além disso, os exercícios de treinamento corporais e

vocais serão esclarecidos e demonstrados pela pesquisadora, guardando ao participante

o direito de não participação das atividades em que não se sentir à vontade.

O(a) participante terá o direito de fazer perguntas e também de desistir de

participar em qualquer momento da pesquisa sem nenhum prejuízo para si. Também não

haverá custos do(a) participante.

Serão divulgados dados de identificação pessoal dos voluntários envolvidos neste

trabalho e não teremos o compromisso com o sigilo quanto a esta identificação. A

 

  96  

pesquisadora responsável compromete-se em suspender a pesquisa em caso de riscos

ou danos para a pessoa que está participando.

Em caso de dúvidas, entre em contato com Rose Mary de Abreu Martins (tel:

9304-8328 através do endereço: Rua Dr. Raul Lafayette n°113, Boa Viagem – Recife/PE,

CEP 50021-220; Léslie Piccolotto Ferreira (tel: (11) 3670-8512 através do endereço Rua

Monte Alegre, 984, Perdizes – São Paulo/SP, CEP 0514-901 e o Comitê de Ética em

Pesquisa (tel.:) (11) 3670-8000 no endereço: Rua Monte Alegre, 984, Perdizes, São

Paulo-SP, pois estaremos à sua disposição.

Eu, ____________________________________________________________

RG: ______________ li e entendi o que foi escrito acima.

Recife, ........ de ............................... de 20.......

________________________________________________________

Assinatura do(a) voluntário(a)

Pesquisador _____________________________________________________

TESTEMUNHAS: ________________________________

________________________________

 

 

  97  

Questionário dirigido aos atores – Sondagem

 

  98  

Projeto Doutoramento: “Teatro Dirigido à Criança: análise da recepção de crianças à

performance de atores, com base na aplicação da técnica de Microatuação”

Processo de aplicação – Metodologia Microatuação

No Texto Teatral A Viagem de Um Barquinho de Sylvia Orthof

QUESTIONÁRIO DIRIGIDO AOS ATORES – SONDAGEM – NO PRIMEIRO

ENCONTRO PROCESSO DE INTERVENÇÃO COM A MICROATUAÇÃO

Nome:

Personagens:

1. Fale sobre a sua formação artística.

2. Quais as suas principais experiências como ator em montagem teatral?

3. Fale sobre o conceito de voz e palavra na cena?

4. Fale sobre o conceito de criação vocal do personagem.

 

  99  

Imagens e vídeos do processo de aplicação da Microatuação

Janeiro a Junho de 2015

 

 100  

Elenco

Local de ensaio

 

 101  

Criação e execução dos elementos visuais do espetáculo

Teatro Joaquim Cardozo | Centro Cultural Benfica

 

 102  

Ilustração de Matheus Mota

REGISTROS EM VÍDEO:

https://www.dropbox.com/sh/70gmhx74gzwpmke/AABQi4uu16733Gl0b0YyR8Mxa?dl=0

 

 103  

Processo de aplicação da técnica da Microatuação

Orientações: Memorização Cenas-Chave ou Falas-Chave

Janeiro de 2015

 

 104  

Projeto Doutoramento: “Teatro Dirigido à Criança: análise da recepção de crianças à

performance de atores, com base na aplicação da técnica de Microatuação”

Processo de aplicação - Técnica Microatuação

No Texto Teatral A Viagem de Um Barquinho de Sylvia Orthof

Orientações: Memorização Cenas-Chave ou Falas-Chave.

Tentem memorizar o trecho indicado por meio da audição, evitando, o quanto puderem o

contato visual com o texto escrito, bem como a escrita. Algumas opções que podem

ajudá-los neste trabalho:

1) Em duplas ou grupos, um participante lê trechos da fala-chave para que seja repetida em voz alta até decorarem;

• Dividam a fala-chave em trechos. Repitam trecho 1 até decorarem. Repitam o

trecho 2 até decorarem. Repitam os trechos 1 e 2. Decorem outro pequeno

fragmento (trecho 3). Repitam os trechos 2 e 3 e depois, trechos 1, 2 e 3.

Decorem o trecho 4, repitam os trechos 3 e 4 e depois, trechos 2, 3 e 4. Em

seguida repitam os trechos 1, 2, 3 e 4, e assim em diante, até o fim do texto.

• Somente incorporem um novo trecho quando conseguirem repetir os anteriores

sem interrupções. Sempre repitam os trechos novos primeiro, incorporando, a

seguir, os trechos precedentes até chegar ao trecho 1.

• Quando vocês puderem dizer o texto a partir de qualquer ponto fluidamente, sem

interrupções, estarão prontos para ensaiar a cena.

Obs 1: O fato de decorarmos o texto já com certa intensidade vocal nos aproxima

corporalmente da situação da cena, colocando o texto no tempo e no espaço da cena.

Obs 2: Aprendemos, neste caso, o texto por repetirmos vocalmente e por escutá-lo.

Obs 3: É muito importante que os estudantes se coloquem com atitude corporal ativa: de

preferência em pé ou sentados. Precisamos sempre tentar aproximar o nosso corpo da

situação da cena, onde devemos estar ativos e não langorosos ou desanimados.

 

 105  

Obs 4: É importante evitar que o final de cada trecho (trechos 1, 2, 3, etc.) coincida com

os sinais de pontuação que, mesmo corretos gramaticalmente, nem sempre condizem

com a articulação da frase falada.

2) Registrem o texto em áudio para reproduzi-lo tantas vezes quanto for necessário.

• Para fazer o registro: tentem realizar uma leitura com poucas variações de

frequência e pausas. Não é necessário neste caso respeitar a pontuação do

texto. O que precisamos agora é que vocês aprendam a sequência de palavras.

• Depois de gravado o texto: podem realizar a mesma sequência proposta no item 1

destas Orientações.

 

 106  

Questionário (Q1) dirigido aos atores antes da apresentação do espetáculo – A Viagem de um Barquinho

 

 107  

Projeto Doutoramento: “Teatro Dirigido à Criança: análise da recepção de crianças à

performance de atores, com base na aplicação da técnica de Microatuação”

Processo de aplicação – Metodologia Microatuação

No Texto Teatral A Viagem de Um Barquinho de Sylvia Orthof

QUESTIONÁRIO DIRIGIDO AOS ATORES ANTES DA APRESENTAÇÃO DO

ESPETÁCULO – A VIAGEM de um BARQUINHO

Ator:

Personagens:

1. Qual a sua expectativa em relação à reação do público no que diz respeito ao texto selecionado – A Viagem de um Barquinho de Sylvia Orthof?

2. Qual a sua expectativa em relação à reação do público no que diz respeito à sua

performance como ator junto ao texto selecionado – A Viagem de um Barquinho de

Sylvia Orthof?

3. Qual a sua expectativa em relação à reação do público no que diz respeito à

metodologia Microatuação?

 

 108  

 

Questionário (Q2) dirigido aos atores depois da apresentação do espetáculo – A Viagem de um Barquinho

 

 109  

Projeto Doutoramento: “Teatro Dirigido à Criança: análise da recepção de crianças à

performance de atores, com base na aplicação da técnica de Microatuação”

Processo de aplicação – Metodologia Microatuação

No Texto Teatral A Viagem de Um Barquinho de Sylvia Orthof

QUESTIONÁRIO DIRIGIDO AOS ATORES APÓS APRESENTAÇÃO DO ESPETÁCULO

– A VIAGEM de um BARQUINHO

Nome:

Personagens:

1. O que o texto A Viagem de um Barquinho gerou no público?

2. O que o seu trabalho de ator, desenvolvido com base na Microatuação, gerou no

público?

3. O que a Microatuação gerou no público?

 

 110  

Questionário (Q3) de recepção do público de crianças entre 10-12 anos – A Viagem de um Barquinho

 

 111  

Projeto Doutoramento: “Teatro Dirigido à Criança: análise da recepção de crianças à

performance de atores, com base na aplicação da técnica de Microatuação”

Processo de aplicação – Metodologia Microatuação

No Texto Teatral A Viagem de Um Barquinho de Sylvia Orthof

QUESTIONÁRIO DE RECEPÇÃO DO PÚBLICO DE CRIANÇAS ENTRE 10-12 ANOS –

ESPETÁCULO A VIAGEM DE UM BARQUINHO

Nome:________________________________________________________

Idade: ____

Instituição:______________________________________________________

1. Você gostou do espetáculo? Para você o espetáculo foi:

( ) Muito Bom.

( ) Bom.

( ) Regular.

( ) Ruim.

2. Enumere nessa questão de 1 a 7 em ordem crescente, sendo 1 a opção que mais você

mais gostou. Os números de 1 a 7 não significam uma nota, mostram o que você mais

gostou.

O que você mais gostou no espetáculo foi:

( ) Texto/história

( ) Cenário do espetáculo

( ) Figurino

 

 112  

( ) Maquiagem

( ) luz

( ) Música

( ) Atores/personagens.

3. O que você achou da história:

( ) Muito boa.

( ) Boa.

( ) Regular.

( ) Ruim.

4. Você acha que pela voz da Lavadeira ela:

( ) É carinhosa e amiga do Menino.

( ) É brava e pouco amiga do Menino.

( ) Às vezes, carinhosa, às vezes brava.

5. Você acha que pela voz do Barco ele é:

( ) Engraçado.

( ) Alegre.

( ) Chato e exigente.

6. O que você acha que o Menino mais deseja no final da história:

( ) Encontrar o Barco que fugiu e que ele nunca saia de perto dele.

( ) Que o Barco seja feliz e siga seu desejo de conhecer o mundo.

 

 113  

7. Para você o que era mais importante para o Barco:

( ) Ter liberdade e viajar o mundo.

( ) Ficar sempre do lado do menino.

8. Você acha que o Pirilampo é amigo da Lavadeira e do Menino?

( )Sim.

( ) Não.

9. O que você mais gostou nos atores foi:

( ) Gesto dos personagens.

( ) Voz dos personagens.

10.Você entendeu o que os atores falavam na peça:

( ) Muito bem.

( ) Às vezes.

( ) Pouco

11. Como os atores falavam na peça:

( ) Dava para ouvir bem o que os atores falavam.

( ) Não dava para ouvir bem o que alguns atores falavam.

( ) Dava para ouvir bem o que poucos atores falava.

 

 114  

12. Qual a voz dos personagens que você mais gostou?

( ) Lavadeira.

( ) Menino.

( ) Sol.

( ) Patinete.

( ) Cavaleiro Azul.

( ) Cavaleiro Verde.

( ) Sonho do Barco.

( ) Sapo.

( ) Pirilampo.

( ) Barco.

( ) Fada Princesa.

13. Você gostou dos sons que o Sapo fazia?

( ) Sim.

( ) Não.

( ) Não lembro.

14. Você gostou dos sons que o Pirilampo fazia?

( ) Sim.

( ) Não.

( ) Não Lembro.

 

 115  

15. Enumere cada questão de 1 a 5 em ordem crescente, sendo 1 a opção que mais

você mais gostou. Os números de 1 a 5 não significam uma nota, mostram o que causou

um maior impacto em você.

16. O que mais impressionou nesse espetáculo foi:

( ) a história/ enredo/ texto.

( ) o espetáculo/ a encenação ( luz, cenário, maquiagem, figurino).

( ) a movimentação cênica dos atores (gestos dos atores).

( ) a sonoridade do espetáculo (músicas, barulhos e vozes dos atores).

( ) A forma correta (bem clara), alta, forte e interessante dos atores falarem.

17. Os personagens são importantes no espetáculo, pois:

( ) Os personagens contam a história de Sylvia Orthof de forma engraçada e divertida.

( ) Os personagens são muito interessantes, inteligentes e prendem a atenção do público.

( ) Os personagens falam muito bem as palavras; consegui entender bem a história.

( ) Os personagens me fizeram prestar a máxima atenção através de suas formas de

falar, de se movimentar e de entrar repentinamente no palco.

( ) Falam muito, mas não são chatos e cansativos de se ouvir.

18. Quanto ao texto – e o tema central da história – o que você mais gostou foi:

( ) da peça ser divertida ( a história divertida).

( ) a forma de tratar os problemas (conflitos) dos personagens.

( ) não decidir e dizer para o público o que é certo ou errado na história.

( ) tratar sobre a liberdade, a amizade, o amor.

 

 116  

( ) tratar de assuntos importantes para qualquer ser humano (crianças ou adultos de

qualquer lugar do mundo)

19. A encenação não naturalista (diferente das novelas e dos filmes) causou impacto

porque:

( ) não é uma história de começo, meio e fim.

( ) na história tudo é possível ( como no desenho animado – cheia de fantasia – de faz de

conta, tudo é de brinquedo)

( ) a interpretação dos atores é exagerada como no circo (diferente do cinema e da

novela) e prende muito a atenção do público.

( ) a interpretação dos atores é muito boa, prende muito a atenção de quem assiste a

peça.

( ) o cenário, o figurino e a maquiagem são estilizados (diferentes, criativos, cheios de

fantasias).

20. O que mais impressionou na movimentação dos atores foi:

( ) o ritmo dos atores é dinâmico (hora rápido, hora devagar).

( ) a forma divertida e segura de se movimentar no palco.

( ) as formas diferentes dos os atores usarem os espaços do palco.

( ) as diferentes saídas e entradas dos atores no palco.

( ) os diferentes objetos e a forma como os atores usam tais objetos no espetáculo.

21. Quanto à sonoridade do espetáculo, o que você mais gostou foi:

( ) a forma engraçada e bem correta de falar as palavras.

( ) a música cantada pelos atores “ao vivo” com e sem acompanhamento de instrumentos

musicais e eletrônicos.

 

 117  

( ) as músicas divertidas de cada personagem do espetáculo.

( ) os sons de cada personagem criados e feitos com as vozes pelos atores no

espetáculo.

( ) os barulhos dos personagens ao pisarem no chão em suas cenas, entradas e saídas

do palco.

 

 118  

Imagens das apresentações do espetáculo A Viagem de um Barquinho

Junho de 2015

 

 119  

 

 120  

 

 121  

 

 122  

Trilha Sonora piloto composta para o espetáculo

A Viagem de um Barquinho por Matheus Mota

Junho de 2015

 

 123  

01. Introdução

https://www.dropbox.com/s/2j4n7rrkdt51jkv/01-%20introdu%C3%A7%C3%A3o%20.wav?dl=0

02. Lava, lava, lava

https://www.dropbox.com/s/g7mdzzq73rmowxt/lava%2C%20lava%2C%20lava%20%28com%20voz%29.mp3?

dl=0

03. Introdução 2

https://www.dropbox.com/s/0s5n9fn8zpk21ts/03-introdu%C3%A7%C3%A3o%202.wav?dl=0

04. Vitrolinha

https://www.dropbox.com/s/3qigd9auv6mtwcx/06-vitrolinha.wav?dl=0

05. Sol – Entrada

https://www.dropbox.com/s/4mnlhsximfaik0i/o%20sol%20%28com%20voz%29.mp3?dl=0

06. Sol – Dedo duro https://www.dropbox.com/s/wchzykh7tnktps4/sol-dedo-duro-com-voz.mp3.mp3?dl=0

07. Sol – Saída https://www.dropbox.com/s/ylyu2tguw28rbz3/09-o%20sol2.wav?dl=0

08. Matilde – Que gente chata https://www.dropbox.com/s/qdeyqdiorf74qko/10-matilde%20-%20que%20gente%20chata.wav?dl=0

09. Cavaleiros – Entrada https://www.dropbox.com/s/edoai0k62ekh8pn/11-cavaleiros.wav?dl=0

10. Matilde – Que lindo cavalo https://www.dropbox.com/s/toc86691xbi6vto/12-matilde%20-

%20que%20lindo%20cavalo%20.wav?dl=0

11. Matilde – Eu quero viajar https://www.dropbox.com/s/ul5mbotl1tkkmvs/13-matilde%20-%20eu%20quero%20viajar.wav?dl=0

12. Marcha https://www.dropbox.com/s/w0zealvv40kbixi/14-marcha.wav?dl=0

13. Matilde – Ó como eu sou feliz! https://www.dropbox.com/s/60tnnx0fxbcpvw0/15-matilde%20-

%20%C3%B3%20como%20sou%20feliz.wav?dl=0

14. Rap do Sapo https://www.dropbox.com/s/x25t5vuvjpix7f4/16-rap%20do%20sapo.wav?dl=0

15. Cantiga de Sonho https://www.dropbox.com/s/sdpde52w58qtoa3/18-cantiga%20de%20sonho.wav?dl=0

16. Tempero https://www.dropbox.com/s/0mb9pzxi9i567mg/tempero.mp3?dl=0

17. Sol – Saída https://www.dropbox.com/s/ylyu2tguw28rbz3/09-o%20sol2.wav?dl=0

18. Final https://www.dropbox.com/s/yqwadp3f8yly96r/final.mp3?dl=0

 

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Projeto de Montagem | Funcultura/PE 2015

 

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