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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
MARIA TERESA MERINO RUZ MASTROIANNI
Resolução de Problemas nas aulas de Matemática: um estudo
junto aos professores dos anos iniciais
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE MATEMÁTICA
SÃO PAULO
2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
MARIA TERESA MERINO RUZ MASTROIANNI
Resolução de Problemas nas aulas de Matemática: um estudo junto
aos professores dos anos iniciais
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE MATEMÁTICA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
requisito parcial para obtenção do título de MESTRE
PROFISSIONAL em ENSINO DE MATEMÁTICA,
sob orientação do Professor Doutor Gerson Pastre
de Oliveira.
SÃO PAULO
2014
Banca Examinadora
__________________________________
__________________________________
___________________________________
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos grandes amores de minha vida, meu
esposo Marco (com certeza minha alma gêmea) e as minhas
filhas Letícia e Sofia (meu tesouro!); sem vocês nada disso
teria sentido. Obrigada pelo amor e compreensão
incondicionais em todos os momentos da minha vida.
AGRADECIMENTOS
A Deus, orientador incondicional da minha vida, que me inspira e me socorre nos
momentos de desânimo neste campo de batalhas.
À direção do Colégio Albert Sabin que, mais uma vez, valorizou, acreditou e investiu
em meu crescimento profissional, proporcionando mais esta oportunidade de
evolução e aperfeiçoamento.
À professora Gisele Magnossão, pelo incentivo constante, pela credibilidade e apoio
que realmente fizeram a diferença em minha vida.
Ao meu orientador, Professor Doutor Gerson Pastre de Oliveira, um agradecimento
especial por seu primor nas orientações e reorientações durante todo o processo de
pesquisa, pelo acolhimento e pelas valiosas contribuições na construção deste
trabalho.
Aos Professores Doutores Laurizete Ferragut Passos e Emerson Freire que
gentilmente fizeram parte da Banca Examinadora, contribuindo com sugestões
riquíssimas para minha pesquisa.
Às Professoras Doutoras Celia Maria Carolino Pires, Celina Abar e Barbara Lutaif
Bianchini pelas aulas inesquecíveis que provocaram profundas reflexões e por todos
ensinamentos que me fizeram crescer como profissional e como ser humano.
Aos colegas que caminharam juntos nessa jornada: Nilza, Eliane, Regina, Nalva,
Raquel, Cláudia, Jefferson, Neto e Gabriel, pelas discussões enriquecedoras, pela
troca de experiências e pela cumplicidade.
Às colegas Silvana Lima e Helena Tavares: pela parceria, companheirismo, pelas
muitas conversas e desabafos e pelo presente de novas amizades descobertas.
Ao meu querido e amado esposo Marco Mastroianni, pelo incentivo, pelo apoio e
pela cumplicidade vivenciada em nossa união, me substituindo em tarefas que
somente ele e mais ninguém poderia. Obrigada pela paciência e pela espera: estou
de volta!
Às minhas filhas Letícia e Sofia, razão do meu viver, por suportarem minhas
ausências e compreenderem meus sonhos: é pra vocês que deixo meu exemplo de
perseverança nos estudos!
À minha amiga e corretora oficial Carla Comenale pela leitura na íntegra deste
trabalho, pela precisão nas correções e por caminhar junto comigo nesse mestrado:
corrigindo cada tarefa, ouvindo cada angústia e emitindo, sempre, palavras de apoio
e encorajamento: foi mais fácil tendo você ao meu lado!
À querida amiga Fátima, parceira também nesta investigação, pelas tantas leituras
críticas, pelas perguntas e pelas respostas, por ouvir meus anseios e por acreditar
na minha ideia desde o início: em nossas discussões, há muito tempo, descobri meu
problema de pesquisa.
À equipe do Mathema pelos ensinamentos e pelo incentivo a prosseguir na
pesquisa acadêmica. O caminho foi mais suave graças a todo preparo e tudo que
aprendi com vocês! É motivo de orgulho que o tema desta investigação tenha
nascido a partir de nossos estudos!
Ao Prof. Ms. Humberto Luís de Jesus, membro da banca na apresentação de minha
monografia para obtenção do título de Especialista em Educação Matemática (lato
sensu) pelas valiosas considerações sobre meu trabalho; responsáveis pelas
reflexões que me fizeram redirecionar o foco na pesquisa, fazer novas perguntas e
buscar novas respostas.
Aos amigos Alessandro, Dr. Adenauer e Cristina Ferraz, que cuidaram dos efeitos
que o cansaço, a falta de sono e o stress causaram em alguns momentos,
amenizando-os e tornando possível a caminhada até o final. Obrigada por me
ouvirem também!
A todos professores do Colégio Albert Sabin por terem me feito descobrir este novo
prisma como educadora: o trabalho com a docência; e em especial às seis
professoras que aceitaram carinhosamente participar desta pesquisa, permitindo
minha presença no cotidiano de seu trabalho, descortinando e desvelando sua
prática docente. Muito obrigada, vocês serão sempre especiais para mim!
À professora Dioneia Menin e toda equipe da Coordenação do Colégio Albert Sabin
pela paciência e compreensão em todo este período, ajustando e reorganizando
horários para que eu desse conta das duas jornadas: sem o apoio de vocês, eu não
teria conseguido.
Ao amigo Paulo Fontes pela paciência e toda atenção quando o assunto era
assistência tecnológica...
Aos meu pais (in memorian) pelos infinitos ensinamentos. Como eu queria que
vocês estivessem aqui para comemorar essa vitória...
A todos meus amigos por existirem, fazerem parte da minha vida e minha
caminhada, pelas palavras certas nas horas incertas, pelos ombros e pelos
momentos de escuta...
A todas pessoas que, de alguma forma contribuíram para a realização desse
trabalho: Muito Obrigada!
“É tempo da travessia: e, se não
ousarmos fazê-la, teremos
ficado, para sempre, à margem
de nós mesmos.”
Fernando Pessoa
MASTROIANNI, Maria Teresa Merino Ruz. 2014. Resolução de Problemas nas
aulas de matemática: um estudo junto aos professores dos anos iniciais.
Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Matemática). São Paulo:
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: Programa de Estudos Pós-
Graduados em Educação Matemática (Orientador: Professor Doutor Gerson
Pastre de Oliveira).
RESUMO
A Resolução de Problemas representa uma importante vertente de pesquisa em Educação Matemática, expressando a postura de pesquisadores e professores dispostos a reverem as metodologias do processo de ensino-aprendizagem da matemática escolar, buscando melhores resultados nas salas de aula e fora delas. Com o aumento dos sistemas complexos no mundo atual, os tipos de habilidades necessárias na resolução de problemas para o sucesso além da escola, mudaram. Porém, ainda há poucas pesquisas sobre o desenvolvimento de conceitos por meio da resolução de problemas, principalmente que tratem dos anos iniciais, nos quais professores polivalentes ensinam matemática. Esses professores transitam por diversas abordagens, resultado de um percurso histórico e de suas vivências. A presente pesquisa, de abordagem qualitativa, tem por objetivo investigar quais concepções têm um grupo de professoras polivalentes do Ensino Fundamental de uma escola da rede particular de São Paulo sobre o tema Resolução de Problemas, compreendendo de que maneira exercem influência em sua prática. O quadro teórico da presente investigação recorre às ideias de Guy Brousseau, especificamente aquelas relativas à teoria das situações didáticas (TSD) e ao conceito de contrato didático. De forma subsidiária, um levantamento acerca das pesquisas realizadas sobre o tema Resolução de Problemas em Educação Matemática foi feito. Tais movimentos teóricos procuraram fornecer base para responder às questões norteadoras, elaboradas em torno das concepções dos sujeitos acerca da resolução de problemas em aulas de Matemática, dos eventuais efeitos do contrato didático que ocorrem na prática destas professoras e do posicionamento das estratégias pedagógicas empregadas, sob a ótica da TSD. Para responder às perguntas levantadas, empregou-se um questionário cujas respostas permitissem analisar as concepções de seis professoras relativas ao tema. A observação das aulas destas mesmas professoras também foi realizada, de modo a permitir um confronto entre discurso e prática. Os resultados apontam que os sujeitos desta pesquisa compreendem a importância de seu papel problematizador nas aulas e valorizam o pensamento matemático dos alunos, contudo ainda têm certa dificuldade em organizar um milieu antagonista, capaz de provocar desequilíbrios e buscas pelo conhecimento a construir por meio de um processo investigativo, o que indica que, na prática, nem sempre os sujeitos diferenciam exercícios de problemas matemáticos. Identificou-se, ainda, alguns efeitos do contrato didático nas relações entre os professores, os alunos e o saber matemático.
Palavras-chave: resolução de problemas; teoria das situações didáticas; contrato didático; professoras polivalentes; ensino de Matemática.
MASTROIANNI, Maria Teresa Merino Ruz. 2014. Problem Solving in
Mathematics classes: a study with teachers from early years. Dissertation
(Professional Master in Mathematics Education ). São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo: Post-Graduation Study Program in
Mathematics Education (Advisor: Professor Doutor Gerson Pastre de Oliveira).
ABSTRACT
Problem Solving represents an important line of research in Mathematics Education, expressing the posture of researchers and teachers willing to review the methodologies of the teaching-learning process of the school mathematics, looking for better results inside the classrooms and outside them. With the increase of the complex systems in today's world, the type of abilities needed for problem solving for the success beyond school have changed. However, there are still few researches about the development of concepts through problem solving, mainly problems which deal with the early years, in which the multitask teachers teach mathematics. These teachers have dealt with a variety of approaches, as a result of their historical paths and experiences. The present research, with a qualitative approach aims at investigating which conceptions a group of multitask female teachers from Elementary School in a private school from São Paulo have about the issue Problem Solving, being able to comprehend how they can influence their practice. The theoretical framework of the present investigation is based on the ideas of Guy Brousseau, specifically those related to the theory of didactic situations (TDS) and to the concept of didactic contract. As a subsidiary stream, a survey about the researches on the theme Problem Solving in Mathematics Education was done. Such theoretical movements tried to provide some basis to answer the leading questions, elaborated around the conceptions of the individuals on problem solving in mathematics classes, related to possible effects of the didactic contract which occur in the practice of these female teachers and the positioning of the pedagogical strategies employed, from the perspective of TDS. In order to answer the questions raised, a questionnaire has been used; its answers have made it possible to analyze the conceptions of six female teachers related to the theme. These teachers have had their classes observed, so that a comparison has been made between discourse and practice. The results show that the individuals of this research comprehend the importance of its critical role in the classes and value the mathematical thought of the students, although they still have some difficulty in organizing an antagonistic milieu , capable of provoking imbalance and searches for knowledge to be built through an investigative process, which indicates that, in practice, the individuals not always distinguish exercises from mathematical problems. Yet, some effects of the didactic contract over the relationships among teachers, students and the mathematical knowledge have been identified.
Key words: problem solving; theory of didactic situations; didactic contract; multitask teachers; teaching of Mathematics.
SUMÁRIO
Introdução ..................................................................................................................15
Trajetória profissional e acadêmica ...........................................................................16
Relevância do tema e questões de pesquisa ........................................................... 20
Estrutura do Trabalho .............................................................................................. 23
CAPÍTULO 1 ..............................................................................................................25
RESOLUÇÃODE PROBLEMAS: IDEIAS E PROPOSIÇÕES ...................................25
1.1 Sobre a Resolução de Problemas em Educação Matemática ......................... 25
1.2 Concepções dos professores sobre a Resolução de Problemas: Origens ........35
CAPÍTULO 2 ............................................................................................................. 45
APORTES TEÓRICOS ............................................................................................. 45
2.1 Teoria das Situações Didáticas ......................................................................... 45
2.1.1 Situação didática e situação adidática na Teoria das Situações Didáticas … 48
2.1.2 A Dialética de Ação ........................................................................................ 54
2.1.3 A Dialética da Formulação ........................................................................ .....55
2.1.4 A Dialética da Validação ................................................................................. 56
2.2 O Contrato Didático ........................................................................................... 59
2.2.1 O que é Contrato Didático? ............................................................................ 60
2.2.2 Efeitos do Contrato Didático ............................................................................ 64
2.2.2.1 Efeito “Pigmaleão” ....................................................................................... 65
2.2.2.2 Efeito Topaze .............................................................................................. 65
2.2.2.3 Efeito Jourdain ou mal-entendido fundamental ........................................... 66
2.2.2.4 O Deslize Metacognitivo .............................................................................. 66
2.2.2.5 O uso abusivo da analogia ...........................................................................67
2.3 Revisão de pesquisas correlatas ........................................................................71
CAPÍTULO 3 .............................................................................................................77
APORTES METODOLÓGICOS ...............................................................................77
3.1 Natureza e procedimentos metodológicos ....................................................... 77
3.1.1 Pesquisa Qualitativa ......................................................................................77
3.1.2 Coleta de Dados ........................................................................................... 81
3.1.3 O Cenário da Pesquisa ................................................................................. 85
3.1.4 Descrição dos Sujeitos da Pesquisa ............................................................ 87
CAPÍTULO 4 .......................................................................................................... 91
DESCRIÇÕES E ANÁLISES DOS DADOS ........................................................... 91
4.1 O questionário e a categoria “Resolução de Problemas: concepções, crenças e atitudes anunciadas por um grupo de professoras” ............................................... 92
4.1.1 A primeira pergunta: “Você trabalha com Resolução de Problemas nas aulas de Matemática? Em que momentos?” ................................................................... 92
4.1.2 A segunda pergunta: “De que forma desenvolve este trabalho? (Quais recursos, posturas... ou situações cria em sala de aula para isso)” ................... 95
4.1.3 A terceira pergunta: “Com que frequência trabalha Resolução de Problemas nas aulas de Matemática?” ...................................................................................101
4.1.4 A quarta pergunta: “Sente alguma dificuldade nesta abordagem? Qual (quais)”? ................................................................................................................104
4.1.5 A quinta pergunta: “Em aulas de Matemática, em sua opinião, o que é um problema?” ............................................................................................................107
4.1.6 A sexta pergunta: “Em que momentos você se sente mais à vontade para trabalhar com Resolução de Problemas na sala de aula?” ..................................110
4.2 Análises das aulas observadas – Resolução de Problemas: um confronto entre o discurso e a prática ............................................................................................112
4.2.1 A prática da professora Ana: uma aula no 4º ano .......................................112
4.2.2 A prática da professora Carmem: uma aula no 2º ano ............................... 125
4.2.3 A prática da professora Maria Clara: uma aula no 3º ano .......................... 137
4.2.4 A prática da professora Marília: uma aula no 5º ano .................................. 146
4.2.5 A prática da professora Joyce: mais uma aula no 4º ano ........................... 155
Considerações Finais ........................................................................................... 163
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 173
ANEXOS ............................................................................................................ 178
ANEXO A Questionário ...................................................................................... 178
ANEXO B Especificação do Produto desta dissertação de Mestrado Profissional .............................................................................................................................. 179
Parte 1: Roteiro do Questionário .........................................................................179
Parte 2: Roteiro de Observação de Aulas ............................................................180
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Dicas para resolver problemas ............................................................42
Figura 2: O triângulo didático ..............................................................................47
Figura 3: Síntese das principais fases ou momentos didáticos...........................57
Figura 4: Painel de Soluções – 4º ano ..............................................................116
Figura 5: Registros dos estudantes ............................................................... 128
Figura 6: Painel de Soluções – 2º ano ..............................................................136
Figura 7: Um “problema de travessia” (espaço de estados) .............................147
Figura 8: O problema apresentado ao 4º ano ...................................................156
Figura 9: Intervenções da professora Joyce .....................................................161
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Diferenças entre exercícios matemáticos e problemas matemáticos .................................................................................................................................... .31 Quadro 2: Crenças sobre o processo de resolução de problemas..............................32
Quadro 3: Tipologia de ações para resolução de problemas na TSD .........................58
Quadro 4: Principais efeitos do contrato didático ........................................................69
Quadro 5: Crenças relativas ao contrato didático .......................................................69
Quadro 6: O questionário ............................................................................................82
Quadro 7: Dificuldades na abordagem Resolução de Problemas..............................102
Quadro 8: Na sua opinião, o que é um problema? ...................................................108
Quadro 9: Em que momentos você se sente mais à vontade para trabalhar com
Resolução de problemas na sala de aula? ...............................................................110
Quadro 10: O problema utilizado na aula .................................................................113
15
INTRODUÇÃO
“A verdadeira viagem de
descobrimento não consiste em
procurar novas paisagens, mas em ter
novos olhos”.
Marcel Proust
Estudos e pesquisas têm reforçado, a cada dia, a importância da
Matemática como disciplina escolar fundamental à vida e ao trabalho do cidadão
na sociedade de nosso tempo. Há muita preocupação com a formação de
competências e habilidades nesta área, e, nos anos iniciais do ensino
fundamental, em conjunto com o ensino da língua materna, esta demanda tem
sido foco de discussões e questionamentos.
Há uma forte pressão social sobre a escola, que obviamente recai sobre
o professor (visto como figura que ensina), para que a formação dos alunos
cuide do desenvolvimento de um número considerável de habilidades de
pensamento, indo muito além dos conhecimentos específicos e procedimentos,
visando uma inserção crítica do cidadão na sociedade.
Assim, como se pretendeu mostrar ao longo deste trabalho, o quadro
atual da educação brasileira, no que se refere à formação básica em
matemática, expõe uma série de questões a pesquisar, que podem ser
abordadas de diferentes formas. Especificamente, nesta investigação, o tema
eleito está ligado às ideias e concepções de professoras dos anos iniciais do
ensino fundamental sobre a resolução de problemas como recurso e/ou
estratégia para o ensino de Matemática.
Por acreditar que os percursos profissional e acadêmico tenham
influenciado fortemente a escolha do tema para esta pesquisa, entre tantos
existentes, entendemos a importância de destacar alguns aspectos que
contribuíram na direção à busca de respostas. Assim, o texto da próxima seção
16
está redigido na primeira pessoa do singular por relatar fatos da história pessoal
da pesquisadora que iniciaram e contribuíram para a edificação e
desenvolvimento do tema escolhido.
Trajetória profissional e acadêmica: vivências e experiências que
trouxeram questionamentos
Minha primeira formação é em Pedagogia, tendo cursado o Magistério
antes - portanto, a maior parte de minha trajetória profissional foi atuando como
professora polivalente dos anos iniciais. Dos vinte e cinco anos em sala de aula,
mais de vinte foram como professora do 5º ano (antiga 4ª série), ano final do 2º
ciclo do Ensino Básico.
A aproximação com o ensino específico da matemática veio com a
divisão de professores por disciplinas neste ano, prática que muitas escolas vêm
adotando, a fim de aproximar os alunos das rotinas do 3º ciclo (Ensino
Fundamental II) e suavizar esta passagem. Nessa divisão, professores
polivalentes acabam optando pelas disciplinas que gostam mais de lecionar ou
que tenham mais facilidade, e, comigo, a área que sempre interessou mais foi a
Matemática.
Vale ressaltar uma observação constatada em todos esses anos: é
comum muitos professores dos anos iniciais (1º ciclo, 2ºs e 3ºs anos) se
recusarem terminantemente a lecionar matemática no quinto ano. Isto é
verbalizado (ainda hoje) com expressões como jamais, de jeito nenhum, não
tenho base em matemática para isso! Normalmente, professoras que se
adaptam a este ano lecionam por bastante tempo neste 2º ciclo (4ºs e 5ºs anos)
do Ensino Fundamental.
Como professora polivalente, observei e senti a deficiência da formação
de professores na área da matemática. A convivência com os colegas ao longo
destes anos reforçou esta constatação. É comum ouvir também de professores
dos anos iniciais afirmações referentes à sua formação, como: “- Não sei
matemática, nunca aprendi...”, “- Fiz magistério para fugir da matemática do
Ensino Médio” ..., “- Não sei ensinar matemática porque não aprendi...”. Essas
17
afirmações se intensificam se o assunto são conteúdos como números racionais
(nas representações fracionária, decimal e percentual), e quando falamos em
tópicos como Grandezas e Medidas ou Geometria (Espaço e Forma).
Nesse contexto, as indagações que originaram esta pesquisa trazem
preocupações e destacam as ideias que dizem respeito à matemática ensinada
nos anos iniciais, etapa de importância indiscutível para iniciação neste campo
de conhecimento, por constituir-se o alicerce de uma gama de conceitos
complexos previstos no currículo escolar. Dentre as diversas competências
envolvidas no aprendizado da matemática nesta fase, e, portanto, previstas em
seu ensino, trato, neste estudo, sobre a resolução de problemas.
Refletir sobre as falas dos colegas no dia-a-dia, durante tantos anos, foi
me fazendo pensar e constatar quão inseguros podem se sentir os professores
dos anos iniciais ao ensinar matemática e na fragilidade que pode ter a
intencionalidade didática destes docentes no trabalho com conceitos ou com
determinada abordagem, como a resolução de problemas, por exemplo.
Atreladas ao ensino da matemática neste período, pairam questões sobre
a formação dos professores polivalentes e sua relação com esta disciplina, bem
como a estreita conexão entre concepções e crenças que envolvem a
matemática e que se revelam presentes em sua prática.
Contudo, essas questões, referentes ao trabalho didático do professor,
sempre permearam, em âmbito secundário, minhas reflexões. Durante os anos
em que atuei exclusivamente em sala de aula, meu olhar estava direcionado
essencialmente para o aluno e para sua aprendizagem; campo no qual eu
atuava mais diretamente.
Em 2008, na mesma escola da rede particular de São Paulo em que
lecionava há onze anos, assumi o cargo de assessora pedagógica de
matemática da Educação Infantil ao quinto ano do Ensino Fundamental, e,
simultaneamente, realizei um curso de especialização em Educação Matemática,
a fim de respaldar e fundamentar minha atuação no novo cargo.
Como conclusão desta especialização em Educação Matemática, realizei
uma pesquisa, objetivada como monografia, nesta mesma escola, voltada para
os alunos e a aprendizagem em Matemática, nascida de indagações e
18
inquietações da própria prática docente, mas que, ao findar-se, mobilizou
questionamentos voltados para o ensino, para a figura do professor, e que foram
ganhando corpo e consistência, confirmando-se dia-a-dia com o trabalho
realizado junto aos professores e, concomitantemente, aos alunos desta
instituição.
Esta situação privilegiada de investigar a própria prática foi o elemento
desencadeador da elaboração desta pesquisa. A semente deixada pela
investigação anterior me fez prosseguir os estudos em Educação Matemática,
por meio do Programa de Estudos Pós-Graduados da PUC-SP, no mestrado
profissional em Educação Matemática, a fim de expandir e redirecionar o foco
inicial do objeto de pesquisa, a autonomia dos alunos dos anos iniciais na
resolução de problemas em matemática, agora com as lentes voltadas para o
trabalho didático do professor.
Desta forma, posso dizer que uma investigação sobre a atividade discente
e processos de resolução de problemas, gerou, indiretamente, um estudo sobre
a resolução de problemas como metodologia de ensino. O olhar para o aluno
refletiu a imagem do professor.
As indagações, na verdade inquietações, partiram de minha observação,
em sala de aula, de que muitos alunos, chegam ao final das séries iniciais ainda
dependentes de comentários do professor para resolver certos problemas;
acostumados a “buscar pistas” no enunciado para descobrirem a operação que
devem fazer, demonstram-se inseguros na habilidade de arriscar ou evidenciar
procedimentos pessoais e elaborar conjecturas. As argumentações e
confrontações que deveriam estar em pleno exercício, mesmo quando
incentivadas, nem sempre acontecem como prática estabelecida nas aulas. Ao
contrário disso, perguntas surgem, esperando respostas prontas do professor.
Essa primeira pesquisa foi realizada no final do ano de 2009 com meus
próprios alunos do 5º ano do Ensino Fundamental, na mesma escola em que
ocorre a atual investigação. Buscava compreender o porquê destes
comportamentos inseguros. Apoiada na hipótese de que havia deficiências na
leitura individual dos problemas matemáticos e, portanto, na compreensão dos
mesmos, a investigação teve como foco descobrir quais eram as dificuldades
identificadas pelos alunos neste tipo de texto.
19
Assim, esta foi a indagação desta pesquisa anterior, a qual me refiro:
Como os alunos, no final do nível básico de ensino, prestes a ingressarem no
Ensino Fundamental II, apresentavam um comportamento tão inseguro e
inconsistente nas atividades de resolução de problemas?
Nesse estudo, após colocá-los em uma situação de resolução de
problemas, sem a condução do professor, foi efetuada uma entrevista individual
com alguns alunos, buscando entender qual a dificuldade na leitura dos
problemas e por que chamavam tantas vezes a professora para compreensão
dos mesmos.
A pesquisa trouxe pistas de que realmente era preciso variar os tipos de
problemas, investindo mais neste tipo de trabalho desde os anos anteriores e
que havia algumas dificuldades na leitura e compreensão de problemas cujo
texto fugisse um pouco do modelo convencional.
Entretanto, embora o foco deste estudo apontasse para a autonomia dos
alunos na leitura de problemas matemáticos ao final das séries iniciais, os dados
coletados trouxeram outros elementos, que acabaram por gerar novas questões.
Esta é uma característica observável em pesquisas qualitativas: respostas
obtidas podem trazer à tona outros ângulos do fenômeno observado, indicando
novos caminhos e sublinhando fatos que até então não se mostravam visíveis no
cenário em questão.
A partir desse movimento de estudo e do exercício da assessoria a estes
professores (inclusive o de fazer e acompanhar observações de aula), é que o
aspecto metodológico da resolução de problemas se delineou como uma nova
hipótese e encaminhou o segundo movimento de pesquisa, a atual investigação.
O fato é que os resultados apurados na pesquisa anterior ainda deixaram
dúvidas em relação à postura tão insegura que os alunos têm frente à resolução
de problemas. Neste sentido, apontei que
Possivelmente uma avaliação mais ampla e global de todo o segmento, ampliando o foco, quem sabe mudando o ângulo de observação nos traga outras pistas de intervenção que ajudem os alunos a terem mais segurança e autonomia, não somente em resolução de problemas em matemática, mas também em outros aspectos de sua vida acadêmica (MASTROIANNI, 2010, p.73).
20
Desta forma, tornaram-se esses dados, vindos da voz dos próprios
sujeitos de uma pesquisa qualitativa, um ponto real e concreto, um ponto de
partida para a nova investigação. O cerne desta questão, porém, voltou-se para
o professor e sua prática, trazendo aspectos relativos ao ensino e à possível
influência de suas concepções nas aulas em que trabalham com resolução de
problemas como método para o ensino de matemática, investigando se estas
ideias podem contribuir ou não para as dificuldades observadas em alunos
dessa faixa etária.
Na verdade, as reflexões que surgiram a partir desta pesquisa foram se
costurando à prática e ressurgindo no exercício da assessoria pedagógica a
estas professoras, na leitura dos planejamentos, na observação das aulas e
atividades propostas e na análise da postura dos alunos frente à resolução de
problemas.
Ao associar minha prática voltada ao trabalho com o professor e as
dúvidas que restaram quanto às origens de posturas hesitantes dos alunos, um
novo olhar e novas indagações foram surgindo.
Todos esses elementos foram se transformando em motivações para um
estudo mais aprofundado do tema, cuja relevância teórica procuro indicar na
sequência.
Relevância do tema e questões de pesquisa
No âmbito da escola, reiteradas vezes professores e gestores têm a
impressão de que, mesmo com um bom planejamento, elaborado coletivamente,
com atividades organizadas dentro de sequências didáticas coerentes e
consistentes, discutidas em pares, parece que “algo escapa” na hora da aula e
as aprendizagens esperadas não acontecem. O que interfere? O que acontece
ou não acontece no ambiente da sala de aula?
Durante muito tempo, viu-se o bom professor como aquele que transmitia
com segurança o conhecimento, que dominava o conteúdo e tinha adequadas
estratégias de apresentação do mesmo. Contudo, nas últimas décadas, outro
papel tem sido pensado para o professor: o de mediador do processo de ensino
e aprendizagem, não obstante a importância, ainda presente, do domínio dos
21
conhecimentos em relação aos quais pretende promover processos de
construção.
Neste contexto, a resolução de problemas vem se constituindo como uma
atividade mobilizadora desses processos. De certa forma, porém, este é um
caminho recente e a permanência de ideias, passadas de uma geração para
outra e absorvidas no próprio percurso escolar do professor, vão compondo e
estabelecendo-se como concepções e crenças presentes em sua prática,
implicitamente. Para Tardif (2002), se o professor resgatar suas primeiras
vivências escolares, poderá ver “marcas” que traz, ainda hoje, destes “tempos-
espaços”, e o quanto estas incorporam seu “modo de ser” e “dever-ser” de
educador.
Ainda de acordo com Tardif (2002), o saber é sempre o de alguém que
trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer: o saber não é
algo que flutua no espaço. O saber dos professores é o saber deles e se
relaciona com a pessoa e a identidade deles, então, não provém de uma fonte
única, mas sim de várias fontes e de diferentes momentos da história de vida e
da carreira profissional. É neste sentido, por exemplo, que se pode destacar a
importância de pesquisas que explicitem essas formas de pensar como um
passo importante para criar intervenções que efetivamente tragam mudanças
nas ações dos professores, pois toda prática pedagógica está determinada por
concepções sobre como se ensina e como se aprende (BAROODY, 1988, apud
MORENO,1996).
Essas concepções muitas vezes terminam por constituir “teorias”
implícitas que condicionam e regulam o agir docente, enquanto não mediam
espaços de reflexão que permitem torná-las explícitas (MORENO, 2006, p.43).
Assim, esta pesquisa tem, também, a intenção de trazer tais concepções para
um espaço de discussão e reflexão com os professores, com o objetivo de
intervir e contribuir com sua prática.
Por outro lado, reiteramos que a presente pesquisa parte de uma
investigação anterior, nessa mesma instituição, a qual trouxe à tona questões
que apontam com grande nitidez para a vigência e influência de um contrato
didático, no sentido destacado por Brousseau (2008), que permeia as relações
22
entre professores, alunos e o saber envolvido nos conteúdos matemáticos
abordados por meio de problemas, o qual é preciso compreender de forma mais
aprofundada a fim de depreender as situações estudadas.
Assim, as reflexões até aqui tecidas contribuem para a eleição do quadro
teórico da investigação, que inclui o conceito de contrato didático e elementos da
teoria das situações didáticas (Brousseau, 2008), e nortearam nosso
levantamento de produções acadêmicas sobre o tema “resolução de problemas
no ensino de matemática” quando objeto de estudo dos anos iniciais do ensino
regular. Desta maneira, delimitaram-se as seguintes questões de pesquisa:
• Que concepções, crenças e práticas professoras polivalentes dos anos
iniciais de uma escola da rede particular de São Paulo têm sobre o tema
“resolução de problemas” em aulas de Matemática?
• Quais efeitos do contrato didático ocorrem na prática dessas professoras
do ponto de vista do trabalho didático com resolução de problemas nas
aulas de Matemática?
• De que forma as estratégias utilizadas para a resolução de problemas
matemáticos por professoras polivalentes dos anos iniciais de uma escola
da rede particular de São Paulo podem ser posicionadas do ponto de vista
da teoria das situações didáticas?
Neste sentido, Borba e Araújo (2006) assinalam que o momento crucial
para o desenvolvimento de uma pesquisa é a definição da pergunta diretriz:
O processo de construção da pergunta diretriz de uma pesquisa é, na maioria das vezes, um longo caminho, cheio de idas e vindas, mudanças de rumo, retrocessos, até que, após um certo período de amadurecimento, surge a pergunta. Um grande problema que percebemos em diversas pesquisas é que, muitas vezes, esse caminho não é apresentado pelo autor. Talvez ele pense que aquele caminho percorrido até o estabelecimento da pergunta tenha sido cheio de enganos, não merecendo ser divulgado, e não perceba que a pergunta é a síntese desse caminho, ou seja, que todo processo de construção da pesquisa faz parte da própria pergunta. (BORBA E ARAÚJO, 2006, p.27).
Assim, percebe-se a importância de valorizar o processo de construção da
pergunta ou das perguntas diretrizes de uma pesquisa, ressaltando-as como
23
resultado de uma reflexão (teórica, sobre a própria prática, metodológica, etc.).
Neste caso, as reflexões feitas incluem uma primeira investigação sobre tema
correlato.
Estrutura do Trabalho
Para responder as questões levantadas, este trabalho está organizado da
seguinte forma:
Capítulo I: apresenta reflexões e revisa trabalhos relevantes sobre a
resolução de problemas em contextos escolares, principalmente no
ensino de Matemática. Também retoma e contextualiza,
cronologicamente, a origem das ideias, crenças e concepções sobre a
resolução de problemas e suas implicações na educação matemática,
bem como suas diferentes abordagens, retratando o estado-da-arte do
tema em questão;
Capítulo II: discorre sobre o principal referencial teórico do trabalho, a
Teoria das Situações Didáticas (TSD), modelo teórico desenvolvido na
França por Guy Brousseau, destacando seus principais fundamentos e
noções relacionadas à didática da matemática francesa. Trata ainda sobre
outra noção especialmente relevante neste trabalho, a de Contrato
Didático, formalizada também por Brousseu e apresenta os diferentes
efeitos causados por este contrato nas dialéticas envolvidas no processo
de aprendizagem e nos padrões de interação entre o professor-aluno,
aluno-aluno e o saber matemático. Para finalizar, apresenta a revisão de
pesquisas correlatas sobre o tema, priorizando os anos iniciais;
Capítulo III: apresenta os aportes metodológicos da pesquisa e a
caracteriza como qualitativa; também apresenta a descrição dos
instrumentos utilizados (questionário e observação de aulas), dos
procedimentos de coleta de dados, dos sujeitos que participam da
investigação (professores polivalentes dos anos iniciais) e do cenário em
que esta ocorre;
Capítulo IV: apresenta as descrições e análises dos dados obtidos,
segundo duas categorias: (1) a análise das respostas obtidas pelos
questionários; (2) a análise das aulas assistidas, procurando confrontar e
24
buscar as conexões existentes entre essas informações e a teoria que
fundamenta este trabalho;
Nas Considerações Finais buscamos concluir este estudo, responder às
questões e finalidades propostas pelo mesmo e caracterizar sua
relevância para o meio acadêmico, alinhando as principais observações
resultantes das análises;
Anexos (A e B): trazem o questionário na forma como foi apresentado
aos sujeitos desta pesquisa e um roteiro, tanto para a elaboração e
preparação deste instrumento, como para a observação de aulas, ambos
construídos para o levantamento de dados desta pesquisa. Este material
pode ser especificado como produto desta dissertação, uma vez que pode
servir de base, com as devidas adaptações, para a construção de novas
investigações em outros cenários, sobre o tema resolução de problemas
na esfera docente.
25
CAPÍTULO UM
“Se todos os professores
compreendessem que a qualidade do
processo mental, não a produção de
respostas corretas, é a medida do
desenvolvimento educativo, algo de
pouco menos do que uma revolução no
ensino teria lugar na escola”
Dewey, 1996.
RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS: IDEIAS E PROPOSIÇÕES
1.1 Sobre a resolução de problemas em educação matemática
Há algumas décadas, educadores matemáticos têm pesquisado e
difundido a ideia de que o desenvolvimento da capacidade de resolver
problemas é tão importante quanto os conhecimentos específicos e
procedimentos necessários para este fim e o ideal é que o aluno passe a ser um
bom e competente “solucionador de problemas”.
English e Sriraman (2010) narram, em seu texto Resolução de problemas
para o século 211, fatos relevantes desse percurso. Os autores ressaltam que
preocupações sobre a resolução de problemas matemáticos por estudantes
podem ser levantadas até o período de aprendizagem significativa (décadas de
1930 e 1940), em que alguns autores sublinharam a importância de os alunos
analisarem e compreenderem a estrutura matemática e ressaltaram a
necessidade de desenvolver a capacidade dos alunos para detectar padrões em
situações semelhantes, porém, distintas. Contudo, segundo os autores, foi o
trabalho seminal de George Polya sobre como resolver problemas que
impulsionou uma gama de pesquisas sobre o tema nas décadas seguintes.
1 Tradução: Prof. Dr. Gerson Pastre de Oliveira
26
Polya foi um matemático que trouxe uma importante colaboração para que
a Resolução de Problemas passasse a ocupar lugar de destaque nas discussões
e debates em Educação Matemática. Seu primeiro livro, publicado em 1944,
chegou ao Brasil em 1977 com o título A arte de resolver problemas.
Após essa proposta, passou a ocorrer uma intensificação dos estudos
sobre o ensino por meio da resolução de problemas, como os estudos
relacionados a simulações de resolução de problemas por computador, sistemas
especialistas em resolução de problemas, estratégias/heurísticas para resolução
de problemas, processos metacognitivos e problematização (English e Sriraman,
2010).
Já na década de 1990, surgiram Propostas Curriculares que situavam o
ensino da matemática via resolução de problemas. A proposta era a de iniciar os
estudos com problemas que motivassem os alunos a pensar no conteúdo a ser
desenvolvido.
De acordo com os PCN’s (1998, p.112), “a resolução de problemas é a
peça central para o ensino da Matemática, pois o pensar e o fazer se mobilizam
e se desenvolvem quando o indivíduo está engajado ativamente no
enfrentamento de desafios”.
Estar engajado prevê algo que fortemente motive o estudante a buscar
estratégias para solucionar um problema. Se o caminho é óbvio não haverá a
atração pela descoberta pois, problema é “tudo aquilo que não se sabe fazer,
mas que se está interessado em resolver” (ONUCHIC, 1999, p..215).
Despertar este interesse pode ser uma ação gerada pela postura do
professor, vinculada aos seus objetivos didáticos e à forma com a qual trabalha
os problemas em suas aulas.
Medeiros (1999), em sua dissertação de mestrado, aponta que “os
problemas matemáticos são fundamentais no desenvolvimento da matemática,
mas, em sala, são trabalhados como exercícios repetitivos, resolvidos por meio
de procedimentos padronizados”. Por sua vez, Pires (2012) enfatiza que os
problemas, em geral, e ao contrário do que advogam English e Sriraman (2010),
vêm sendo utilizados apenas como forma de aplicação de conhecimentos
adquiridos anteriormente pelos alunos e que tradicionalmente, não têm
27
desempenhado seu verdadeiro papel no ensino da matemática. Uma prática que
observamos frequentemente é a de ensinar um conceito, procedimento ou
técnica, seguido pela apresentação do problema com o intuito de analisar se os
alunos foram capazes de empregar o que lhes foi ensinado.
Neste caso, a concepção de ensino e aprendizagem subjacente é a de que o aluno aprende por reprodução e/ou imitação. O que os professores apresentam, no geral, não se constitui em verdadeiro problema, porque não existe desafio nem a necessidade de validação do processo de solução (PIRES, 2012, p.107).
É comum encontrarmos em relatórios de pesquisa, no cenário da
educação brasileira, que, para a maioria dos alunos, resolver um problema
significa fazer cálculos com os números encontrados no enunciado, buscando, já
em uma primeira leitura, as palavras que indiquem as operações a serem
utilizadas para a resolução. Também em nossa pesquisa anterior, realizada junto
aos alunos do quinto ano, este foi um dos fatos constatados, tanto nas hipóteses
iniciais como na conclusão.
Este padrão nos leva a pensar se não é desta forma que o trabalho com
resolução de problemas tem sido encaminhado, ou seja, voltado para a
aquisição de procedimentos eficazes, disponíveis ao alcance do aluno para
atingir uma meta. Porém, como e quando utilizar estes procedimentos de
maneira autônoma?
Para Echeverría e Pozo (1998),
A aprendizagem da solução de problemas somente se transformará em autônoma e espontânea se transportada para o âmbito do cotidiano, se for gerada no aluno a atitude de procurar respostas para suas próprias perguntas/problemas, se ele se habituar a questionar-se ao invés de receber somente respostas já elaboradas por outros, seja pelo livro-texto, pelo professor ou pela televisão. O verdadeiro objetivo final da aprendizagem da solução de problemas é fazer com que o aluno adquira o hábito de propor-se problemas e de resolvê-los de forma a aprender. (p.15)
Dessa forma, muitos dos problemas que são apresentados aos alunos,
podem ser caracterizados como pseudoproblemas, ou seja, meros exercícios de
28
aplicação de rotinas aprendidas por emprego e repetição, praticamente
automatizadas, “sem que o aluno saiba discernir o sentido do que está fazendo
e, por conseguinte, sem que possa transferi-lo ou generalizá-lo de forma
autônoma a situações novas” (ECHEVERRÍA E POZO, 1998, p.15).
Ao contrário destes exemplos, um problema deve aguçar no estudante o
desejo de resolvê-lo, porque este sente algum obstáculo nesta tarefa. De acordo
com CHARNAY, “só há um problema se o aluno perceber uma dificuldade: uma
determinada situação, que “provoca problema” [...] há então, uma ideia de
obstáculo a ser superado”. (1996 p. 46).
Para o autor, deve haver entre os estudantes e o problema matemático
uma relação que os leve a um crescimento e ampliação do conhecimento. Afirma
também que o processo de resolução de um verdadeiro problema “deve oferecer
uma resistência suficiente para fazer com que o aluno evolua dos conhecimentos
anteriores, questione-os e elabore novos conhecimentos” (CHARNAY, 1996, p.
45).
Esse sentimento de desafio intelectual vivenciado pelo estudante
alavanca suas habilidades, promovendo valiosas oportunidades de
aprendizagem e ativando iniciativas para utilizar recursos disponíveis no
momento, incentivando sua criatividade e favorecendo a utilização de estratégias
dissociadas das regras convencionais.
Sendo assim, então, em que momento um problema é realmente um
problema ou deixa de sê-lo para caracterizar-se como exercício? Ou, para quem
ele é problema e para quem é exercício?
Para ECHEVERRÍA E POZO (1988), “um problema se diferencia de um
exercício, na medida em que, neste último caso, dispomos e utilizamos
mecanismos que nos levam, de forma imediata à solução” (1998 p.16).
Os autores sublinham ainda a ideia de que a mesma situação pode, para
um sujeito, representar um problema, mas para outro não. Para um sujeito é
possível que estejam disponíveis recursos automáticos para resolvê-lo, fazendo
isto sem esforço e o solucionando rapidamente, o que o torna um exercício,
enquanto que, para outro, a situação não reúna os mesmos elementos. Na
resolução de um problema deve haver, de alguma forma, um processo de
29
reflexão ou, ao menos, uma tomada de decisões sobre os passos a serem
seguidos.
Podemos entender assim, de acordo com estes autores, que a diferença
entre exercício e problema está diretamente relacionada com quem vai
solucioná-lo (aluno) e com o contexto da tarefa apresentada. Para eles, a
realização de exercícios limita-se a enfrentar atividades rotineiras e já
conhecidas, que podem ser resolvidas de forma automática.
Dante (2003) apresenta também a distinção entre e exercício e problema:
Exercício, como o próprio nome diz, serve para exercitar, para praticar um determinado algoritmo ou processo. O aluno lê o exercício e extrai as informações necessárias para praticar uma ou mais habilidades algorítmicas. Problema, ou problema-processo, [...] é a descrição de uma situação onde se procura algo desconhecido e não se tem previamente nenhum algoritmo que garanta sua solução (2003, p. 43).
Vale ressaltar que o autor, em sua obra Didática da Resolução de
Problemas em Matemática (2000), reflete sobre a importância do equilíbrio entre
o número de exercícios e de problemas matemáticos apresentados aos alunos
em sala de aula. Destaca a importância do fazer pedagógico nas aulas, onde
existam exercícios que tenham por objetivo a repetição e treino de técnicas
operatórias, com também, segundo o autor, reconhecido valor na aprendizagem
da matemática2.
Refletindo sobre essas questões, podemos compreender a importância
que a escolha de atividades feita pelo professor tem no contexto de uma
metodologia voltada para a resolução de problemas, juntamente com a
abordagem que este faz ao trabalhar estas atividades. De acordo com Charnay
(1996), também “o meio é um elemento do problema, particularmente as
condições didáticas da resolução (organização da aula, intercâmbio,
expectativas explícitas ou implícitas do professor)” (CHARNAY, 1996, p.46). E é
para este lugar que queremos direcionar as lentes de nossa pesquisa:
observando como essas questões ocorrem no ambiente de nosso estudo e como
refletem nas competências dos alunos na resolução de problemas. 2 Esta afirmação está neste trabalho por representar a posição do autor mencionado, e não o ponto de
vista defendido neste estudo. Achamos justo trazê-la por estar no contexto da distinção entre problema e exercício feita pelo autor, e para dar pluralidade ao discurso.
30
Trazer problemas para a sala de aula com intencionalidade, que
instiguem e que levem o aluno a mover conhecimentos para resolvê-los e os
auxilie a estabelecer sentido na aquisição dos conceitos é tarefa do professor
dentro da perspectiva do ensino da matemática pela resolução de problemas.
Para Brousseau (2008), as concepções atuais do ensino exigirão do
professor que provoque no aluno – por meio da seleção sensata dos “problemas”
propostos – as adaptações desejadas. Tais problemas, segundo ele, no mesmo
sentido destacado por Charnay (1996), devem fazer pela própria dinâmica que o
aluno atue, fale, reflita e evolua.
Entretanto, como pode o aluno evoluir se os problemas que lhe são
oferecidos são sempre os mesmos? Por que empenhar-se em tentar novos
modos de resolução se somente com o que se sabe consegue resolvê-los?
Tanto a solução de problemas como a realização de exercícios exigirão
dos alunos a ativação de diferentes tipos de conhecimento, procedimentos,
atitudes, conceitos e motivações: “na medida em que sejam situações mais
abertas ou novas, a solução de problemas representa para o aluno uma
demanda cognitiva e motivacional maior do que a execução de exercícios”
(ECHEVERRÍA E POZO,1998).
A carência desta prática no dia-a-dia escolar, salientam os autores, se
mostra em posturas reticentes dos alunos quando deparam-se com problemas,
insistindo em reduzi-los a exercícios rotineiros que solucionam com a aplicação
de um procedimento ou técnica conhecida. Surgem daí as famosas perguntas: “-
É conta de mais? - Vezes?”
Esse aspecto destacado pelos autores mostra-se bastante congruente
com as ideias desencadeadoras da pesquisa, tanto no que se refere aos
comportamentos dos alunos como nos dos professores, no sentido de averiguar
de que forma conduzem ou interferem nessas questões.
Assim sendo, concordamos com o posicionamento deles quando
defendem a ideia de que, para os alunos, a forma como ocorrem essas
interações e a maneira como são conduzidas as situações de ensino têm
fundamental importância no sentido de corroborarem o desenvolvimento de
posturas de investigação, de elaboração de estratégias e de combinação e
31
adaptação de conhecimentos anteriores. Echeverría e Pozo (1998) enfatizam
essa dimensão que na realidade que investigamos também se evidenciou:
A solução de problemas e a realização de exercícios constituem um continuum educacional cujos limites nem sempre são fáceis de estabelecer. Entretanto, é importante que nas atividades de sala de aula a distinção entre exercícios e problemas esteja bem definida e, principalmente, que fique claro para o aluno que as tarefas exigem algo mais de sua parte do que o simples exercício repetitivo. (p.17).
Segundo Vila e Callejo (2007), com efeito, as tarefas escolares vão
influenciar a visão que os alunos vão construindo sobre a matemática e
atividades relacionadas a ela. Para eles, infelizmente, na maioria das vezes a
intenção do professor ao propor atividades é apenas ilustrativa ou confirmativa,
ou seja, mostrar exemplos de aplicação de conhecimentos ou comprovar que os
alunos sabem empregar conhecimentos que aprenderam recentemente. Por
isso, quase sempre, são exercícios o que se trabalha, nomeados como
problemas.
Estes autores apontam algumas diferenças entre exercícios e problemas
que nos ajudam a melhor distingui-los nas situações de ensino e aprendizagem.
Consideramos apresentá-las para sustentar e referenciar nossos pontos de
observação na prática quanto a este aspecto.
Quadro 1 – Diferenças entre exercícios matemáticos e problemas matemáticos
Exercícios Matemáticos Problemas Matemáticos
• Ao ler um exercício, vê-se imediatamente em que consiste a questão e qual é o meio de resolvê-la.
• Diante de um problema não se sabe, à primeira vista, como atacá-lo e resolvê-lo, às vezes, nem sequer se vê com clareza em que consiste o problema.
• O objetivo que o professor persegue quando propõe um exercício é que o aluno aplique de forma mecânica conhecimentos e algoritmos já adquiridos e fáceis de identificar.
• O objetivo que o professor persegue ao propor um problema é que o aluno busque, investigue, utilize a intuição, aprofunde o conjunto de conhecimentos e experiências anteriores e elabore uma estratégia de resolução.
• Em geral, a resolução de um exercício exige pouco tempo e este pode ser previsto de antemão.
• Em geral, a resolução de um problema exige um tempo que é impossível prever de antemão.
• A resolução de um exercício não costuma envolver os afetos.
• A resolução de um problema supõe um forte investimento de energia e afeto. Ao longo da resolução, é normal experimentar sentimentos de ansiedade, de confiança, de frustração, de entusiasmo, de alegria, etc.
• Em geral, os exercícios são questões • Os problemas estão abertos a possíveis
32
fechadas. variantes e generalizações e a novos problemas.
• Os exercícios são abundantes nos livros didáticos.
• Os problemas costumam ser escassos nos livros didáticos.
Fonte: Vila e Callejo, 2007 (adaptado).
Ainda segundo esses autores, o fato de os professores trabalharem
preponderantemente com exercícios explica a existência de algumas crenças
inadequadas para a resolução de problemas que vão se constituindo ao longo da
vida escolar, desde os anos iniciais.
O sistema de crenças dos professores sobre a ideia de problema e o
papel deste na educação matemática, pode influenciá-los nas escolhas sobre a
tipologia de problemas que propõem e na finalidade de sua aplicação e esse é
um dos pontos que muito pode contribuir para explicar as questões propostas
em nosso estudo.
Neste aspecto, o quadro 2 traz a identificação de problema com exercício
quanto à forma de condução nas diferentes fases da resolução, ao tempo
empregado e à variedade ou não de procedimentos e estratégias que possam
ser disponibilizados.
Quadro 2 – Crenças sobre o processo de resolução de problemas
1.Os problemas de matemática são resolvidos sempre em menos de 10 minutos, se é que são
resolvidos. (Schoenfeld, 1985).
2.Só há uma maneira de responder corretamente a cada problema; normalmente é o método
que o professor acaba de mostrar em aula. (Schoenfeld, 1992).
3.Só há um procedimento correto para resolver um problema e só há uma resposta correta.
(Woods, 1987).
4.Na primeira vez em que se lê o enunciado de um problema se deveria ser capaz de
entender imediatamente o que se pede ou o que se pretende que se calcule ou se decida.
5.Cada passo que se der tem de ser correto; não há espaço para tentativa e erro. Não se deve
brincar com as situações-problema (Woods, 1987)
6.Não se pode permitir o uso da intuição na resolução de problemas (Woods, 1987).
7.Não se pode mudar o problema para torna-lo mais simples (Woods, 1987).
8.Os problemas de matemática são tarefas para aplicar regras aprendidas; portanto, podem
ser resolvidos facilmente em poucos passos. (Frank, 1988).
9.Quase todos os problemas de matemática podem ser resolvidos diretamente aplicando-se
33
fatos, regras, fórmulas e procedimentos mostrados pelo professor os dados no livro. Portanto,
o pensamento matemático consiste em poder aprender, memorizar e aplicar fatos, regras,
fórmulas e procedimentos (Garofalo,1989).
10.Todos os problemas com enunciado que narra uma “história” podem ser resolvidos
diretamente aplicando-se uma ou mais operações aritméticas, identificadas pelas “palavras-
chave” existentes no enunciado.
11.A obtenção da resposta de um problema é o aspecto-chave da resolução (Villa, 1995).
12.A resolução do problema é linear. (Villa, 1995).
13.As atividades matemáticas são resolvidas normalmente em poucos minutos se se
conhecem os conceitos e as habilidades apresentadas na aula pelo professor (Callejo, 1994).
14.Ficar parado ou deixar em branco é perder tempo (Callejo, 1994).
15.Para responder às questões matemáticas, busca-se diretamente uma estratégia de
resolução e aprofunda-se nessa direção. Se não se tem êxito, o trabalho é abandonado
definitivamente. (Callejo, 1994).
16.A resolução de uma questão matemática acaba quando se encontra a resposta. (Callejo,
1994).
17.O resultado é mais importante que o processo seguido. Se não se encontra a resposta,
fracassou-se. (Callejo, 1994).
18.A resolução de problemas é uma atividade de reconhecimento/aplicação das técnicas
trabalhadas em aula e, ao mesmo tempo, de validação das técnicas aprendidas. (Vila, 2001).
19.Os problemas de matemática têm uma e não mais respostas corretas.
Fonte: Vila e Callejo, 2007 (adaptado)
Ao ler algumas dessas crenças, é possível nos remeter a situações que já
vivemos como alunos, ou mesmo como educadores. Talvez mais implicitamente
do que explicitamente, e talvez sem nos dar conta de que, como ressalvam os
autores, são crenças inadequadas para a resolução de problemas, mas
apropriadas para a resolução de exercícios.
Essa tênue diferença pode, muitas vezes passar despercebida na prática
do professor em sala de aula. No dia-a-dia, as coisas perdem a nitidez e
mensagens são passadas no ambiente vivo e pulsante que é a sala de aula.
Para Vila e Callejo (2007) “é necessário, pois, prestar atenção às indicações e
sugestões feitas em aula. Principalmente à forma como os alunos às entendem”.
Para chamar atenção a este ponto os autores perguntam:
34
Qual é a experiência direta que os alunos têm com a matemática? Que atividades são propostas a eles? Com que finalidade? Trabalham somente com lápis e papel? Forma grupos para realizar algumas atividades? O que ouvem, vêem ou lêem sobre matemática? Seus professores e os materiais deixam transparecer o que é a verdadeira atividade matemática, os processos de indagação, de busca, de ensaios, de tentativas...os processos de descoberta? Que mensagens são repetidas em aula? (Vila e Callejo, 2007, p.69).
A complexidade no comando destes mecanismos colocados em ação,
reside no fato de nem sempre ser fácil, para o professor, identificar os passos ou
processos que os alunos seguirão na resolução de um problema.
Além disso, a aprendizagem matemática compreende também uma
reflexão sobre o que foi feito. A discussão proposta e encaminhada pelo
professor nas aulas e as dinâmicas utilizadas devem ser conduzidas com
intencionalidade; é preciso promover a circulação do conhecimento, os
intercâmbios entre os pares e o professor. Há que se pensar que a comunicação
nas aulas de Matemática é um processo facilitador da aprendizagem e pode ser
construído e lapidado.
No entanto, para muitos professores a organização de aulas em que se
priorizem particularmente momentos de discussão de conceitos, confrontação e
de reflexão, sem necessariamente conduzir os alunos ao acerto se mostra
bastante difícil. O papel docente tem fundamental e reconhecida importância
neste processo, sendo o de criador das situações de aprendizagem, uma vez
que, como mediador “cria condições para o aluno ser o principal ator da
construção de seus conhecimentos a partir da(s) atividade(s) proposta(s)”
(OLIVEIRA, 2009, p.3).
Chegamos assim, ao ponto crucial que permeia nossa investigação,
configurando as questões norteadoras, que aqui repetimos:
• Que concepções, crenças e práticas professoras polivalentes dos
anos iniciais de uma escola da rede particular de São Paulo têm sobre o
tema “resolução de problemas” em aulas de Matemática?
• Quais efeitos do contrato didático ocorrem na prática dessas
professoras do ponto de vista do trabalho didático com resolução de
problemas nas aulas de Matemática?
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• De que forma as estratégias utilizadas para a resolução de
problemas matemáticos por professoras polivalentes dos anos iniciais de
uma escola da rede particular de São Paulo podem ser posicionadas do
ponto de vista da teoria das situações didáticas?
Nesse estudo, por meio do suporte teórico pesquisado e pelos dados
obtidos em campo, buscaremos responder a essas questões a fim de
compreender melhor a realidade investigada. Para tanto, também achamos
importante posicionar, do ponto de vista dos estudos anteriormente realizados
por autores de relevo, as origens fundadoras das concepções dos professores
que ensinam matemática acerca da resolução de problemas.
1.2 Concepções dos professores sobre a resolução de problemas: origens
Ao longo da história podemos observar que várias concepções sobre a
resolução de problemas em Matemática foram se constituindo e são hoje
componentes implícitos que regem a prática pedagógica.
Com isso, entendemos que seria relevante tratar do histórico e das
origens das concepções dos professores a respeito da resolução de problemas
neste estudo, uma vez que este foca a prática atual de professores que ensinam
matemática, e que de uma forma ou de outra, são herdeiros e trazem consigo
muitos aspectos resultantes dessa trajetória e transmutação de ideias.
Segundo Onuchic (1999), a relevância dada à Resolução de Problemas é
recente; somente nas últimas décadas é que os educadores matemáticos
começaram a cogitar que a capacidade para resolver problemas merecia mais
atenção nos programas de Matemática, contrapondo o uso isolado de
procedimentos algorítmicos e aprendizagem pelo treino e repetição.
Neste sentido, de acordo com Andrade (1998):
De um modo geral, os estudos em Resolução de Problemas preocuparam-se inicialmente, período anterior a 60, com o desempenho bem-sucedido da obtenção da solução de problemas. Não houve preocupação com o processo. Para desenvolver sua capacidade em resolução de problemas, a
36
criança deveria exercitar-se exaustivamente na solução de uma grande quantidade de problemas do mesmo tipo. O ensino de resolução de problemas limitava-se ao ensino da busca de solução, tipo-treino, num esquema cognitivo estímulo-resposta. Posteriormente, período 60 – 80, a preocupação voltou-se para o processo envolvido na resolução do problema e, assim, centrando o ensino no uso de diferentes estratégias. (p.7-8).
Nesse contexto, English e Sriraman (2010) relatam que, durante algumas
décadas, uma proporção considerável de pesquisas se concentrou
particularmente em problemas com narrativas, do tipo enfatizado nos livros
escolares ou em testes. Estes compreendem problemas narrativos “rotineiros”,
que requerem a aplicação de um processo de cálculo padrão, bem como
problemas “não-rotineiros”, envolvendo a obtenção de uma resposta a partir de
um ponto para um objetivo quando o caminho não é evidente. São estes últimos
os problemas com que os alunos especialmente têm apresentado dúvidas e
hesitações.
Ainda de acordo com estes autores, o livro de Polya, “A arte de resolver
problemas” (1945), foi, dessa forma, uma publicação muito bem-vinda, pois
introduziu a noção de heurísticas e estratégias, envolvendo como elaborar um
plano, identificar dados e objetivos, desenhar um quadro 3 , fazer uma
retrospectiva, e procurar um problema semelhante, que seriam ferramentas de
um “expert” em resolver problemas. Para os educadores matemáticos o livro de
Polya foi visto como referencial para melhorar as habilidades dos alunos para
resolver problemas não tão familiares, ou seja, para abordar situações em que
os alunos “travam” desde o início ou no meio do processo de resolução.
Dessa forma, outra concepção, esta influenciada pelos trabalhos de Polya
(1977), vê a resolução de problemas como um processo em que se aplicam
conhecimentos previamente adquiridos a situações novas. Há uma valorização
mais do processo de resolução do que da resposta. As implicações, em termos
de ensino, passam a ser um olhar mais centralizado em procedimentos ou
passos utilizados para se chegar à solução – valorizam-se os procedimentos e
estratégias pessoais dos alunos. Nessa concepção, podemos encontrar a
classificação em tipos de problemas, tipos de estratégias e esquemas de passos 3 No trabalho de Polya, esta expressão surge no sentido de executar o plano traçado anteriormente (NT).
37
a serem seguidos como os supramencionados, para potencializar essa
competência. Desta maneira, o enfoque do processo é o de ensinar a resolver
problemas para, como consequência, aprender matemática.
De acordo com Onuchic (1999), durante a década de 1980, foram
desenvolvidos muitos recursos visando o ensino, em sala de aula, da resolução
de problemas na forma de coleções, listas de estratégias, sugestões de
atividades e orientações para avaliar o desempenho dos alunos nas atividades
propostas.
Para alguns professores este foi um ponto de apoio bastante útil,
fortalecendo os objetivos direcionados para um ensino voltado para resolução de
problemas. Porém, “não deu o tipo de coerência e a direção necessária a um
bom resultado porque havia pouca concordância na forma pela qual este objetivo
era encarado” (ONUCHIC,1999). Segundo a autora, essa falta de concordância
ocorreu, possivelmente, pela grande diversidade de concepções que pessoas e
grupos tinham sobre o conceito de “resolução de problemas ser o foco da
matemática escolar”.
English e Sriraman (2010) relatam que a revisão de pesquisa sobre
resolução de problemas feita por Schoenfeld (1992 apud English e Sriraman,
2010) concluiu igualmente que as tentativas de ensinar os alunos a aplicar
heurísticas no “estilo Polya” e estratégias de maneira geral, não tinham
apresentado sucesso. Schoenfeld sugeriu que uma das razões para este fato
seria porque muitas das heurísticas de Polya parecem ser “descritivas”, e não
“prescritivas”. Ou seja, a maioria são apenas nomes para as grandes categorias
de processos, em vez de serem os processos bem definidos entre si.
Shoenfeld, neste estudo, recomendou que, para levar heurísticas e
estratégias desde a condição de ferramentas descritivas básicas para a de
ferramentas prescritivas, a pesquisa e o ensino de resolução de problemas
deveriam: (a) ajudar os alunos a desenvolver um repertório maior de estratégias
mais específicas e que se liguem claramente a classes de problemas, (b)
incentivar estratégias metacognitivas (autorregulação ou monitoramento e
controle) e (c) desenvolver formas de melhorar as crenças dos alunos sobre a
38
natureza da matemática, resolução de problemas e suas próprias competências
pessoais.
Nesse sentido, English e Sriraman relatam ainda que, uma década
depois, outros autores também chegaram a conclusões não muito distintas sobre
o impacto das pesquisas em relação à resolução de problemas referentes à
prática em sala de aula: “ensinar os alunos sobre as estratégias de resolução de
problemas, heurísticas e fases da resolução de problemas (...) tem pouco efeito
para melhorar a capacidade dos alunos de resolver problemas matemáticos em
geral” (LESTER E KEHLE, 2003 apud ENGLISH E SRIRAMAN, 2010).
Para ampliar nossa compreensão a respeito das concepções dos
professores atualmente sobre a resolução de problemas em matemática e
refletirmos no tocante a suas divergências, consonâncias e origens, buscamos
em Schroeder e Lester (1989 apud Onuchic, 1999) uma explanação sobre os
diferentes modos de abordar a Resolução de Problemas.
Para estes autores, há três modos diferentes de abordar resolução de
problemas: ensinar sobre resolução de problemas, ensinar a resolver problema e
ensinar matemática por meio da resolução de problemas.
O professor que ensina sobre resolução de problemas procura salientar o
modelo de resolução de problemas de Polya ou alguma variação similar. Este
modelo expõe um conjunto de quatro fases interdependentes no processo de
resolução de um problema matemático: a compreensão, a elaboração de um
plano, o desenvolvimento deste plano e olhar de volta o problema original. Há
também a menção em se pensar em um problema correlato.
Ao ensinar a resolver problemas, o professor se concentra na forma como
a matemática é ensinada e o que dela possa ter aplicabilidade na solução de
problemas rotineiros e não rotineiros. A proposta fundamental na aprendizagem
de matemática é aprender a usá-la, embora a aquisição de conhecimento
matemático seja também importante. Como fruto desta concepção os alunos
recebem muitos exemplos de conceitos e de estruturas matemáticas sobre o que
estão estudando ou aprendendo e muitas oportunidades de aplicar essa
matemática ao resolver problemas. Para English e Sriraman (2010), quando se
ensina desta forma, a resolução de problemas é vista como independente e
39
isolada do desenvolvimento das ideias matemáticas centrais, das compreensões
e dos processos.
Mais recentemente, nas últimas décadas (a partir de 1990), a resolução
de problemas ganha outra magnitude, sendo descrita como uma metodologia
para o ensino da matemática, englobando um conjunto de estratégias para o
ensino e o desenvolvimento da aprendizagem, visando a postura
problematizadora do professor. Segundo Diniz (2001, p.58), “as concepções
descritas não se excluem, mas apresentam diferentes momentos das pesquisas
e consequentes reflexos nos currículos, nos materiais didáticos e nas
orientações de ensino”.
De acordo com Andrade (1998, p.12), a resolução de problemas passa a
ser pensada como um ponto de partida e um meio para se ensinar matemática.
O problema é visto como um elemento que pode “disparar um processo de
construção” do conhecimento. Sob essa perspectiva, os problemas são
propostos ou formulados objetivando a construção dos conceitos antes mesmo
de sua apresentação formal em linguagem matemática. Neste caso, o foco está
na ação desenvolvida pelo aluno.
Quando o ensino de matemática ocorre por meio da resolução de
problemas, “estes tornam-se importantes não somente como um propósito para
aprender-se matemática, mas como um primeiro passo para se fazer isso”
(ONUCHIC, 1999).
English e Sriraman (2010) relatam as inquietações que Begle (1979)
levantou, em seu livro “Variáveis críticas em Educação Matemática” e que
corroboram esta análise:
Afirma-se, por vezes, que a melhor maneira de ensinar conceitos matemáticos é começar com problemas interessantes cuja solução requer o uso de ideias. O procedimento didático habitual, é claro, se move na direção oposta. A matemática é desenvolvida em primeiro lugar e, em seguida, é aplicada a problemas (...). Problemas desempenham um papel essencial ao ajudar os alunos a aprender conceitos. Detalhes deste papel, e o papel dos problemas na aprendizagem de outros tipos de objetos matemáticos, são muito necessários (BEGLE, 1979, p.72 apud ENGLISH E SRIRAMAN, 2010).
40
Os autores endossam que, infelizmente, as preocupações de Begle, de
mais de três décadas, ainda são aplicáveis hoje. Embora não defendam que a
aprendizagem de importantes ideias matemáticas por meio de resolução de
problemas seja o único caminho a percorrer, creem em um maior foco no
desenvolvimento conceitual orientado por problemas. Segundo eles, a prática
usual envolvendo problemas rotineiros com narrativas envolve os alunos em um
processo de um ou dois passos para o mapeamento da informação referente ao
problema para quantidades aritméticas e operações. Na maioria das vezes, a
informação do problema já foi cuidadosamente matematizada para os alunos.
Afirmam ainda que, se a maioria das experiências matemáticas de sala de
aula é desta natureza, então a capacidade dos alunos para resolver problemas
do mundo real será comprometida. Para eles, alunos de todos os níveis de
ensino precisam de maior exposição a situações-problema que estimulem a
geração de importantes ideias matemáticas, não apenas aplicação de regras e
procedimentos previamente ensinados.
Outra das considerações de English e Sriraman (2010) relaciona-se com o
uso de heurísticas na resolução de problemas, estratégias e outras ferramentas.
Para eles, necessitamos desenvolver definições operacionais úteis que nos
permitam responder a questões mais fundamentais do que “podemos ensinar
heurísticas e estratégias?” E “terão tais ferramentas impactos positivos sobre a
capacidade dos alunos em resolver problemas?”
Para os autores há outras perguntas: (a) O que significa “entender”
heurísticas de resolução de problemas, estratégias e outras ferramentas? (b)
Como e de que forma desenvolver estas compreensões, e como fomentar este
desenvolvimento? (c) Como podemos observar de forma confiável, documentar
e medir este desenvolvimento? E (d) Como podemos integrar de forma mais
eficaz o desenvolvimento de conceitos fundamentais com a resolução de
problemas?
Outra consideração feita é que é de se estranhar porque as questões
acima não foram ainda objeto de investigações nos últimos anos, especialmente
devido ao status concedido à resolução de problemas matemáticos e ao
raciocínio em vários documentos nacionais e internacionais. Além disso,
41
constatam, houve um declínio notável na quantidade de pesquisas sobre
resolução de problemas realizada na última década. Afirmam também ser
escassa a literatura recente cujo principal foco seja a resolução de problemas,
ou o desenvolvimento de conceitos por meio da resolução de problemas.
Em síntese, English e Sriraman (2010) argumentam que a investigação
sobre a resolução de problemas matemáticos estagnou durante grande parte
dos anos 1990 e no início deste século. Além do mais, a pesquisa que ocorreu
não parece ter reunido um corpo de conhecimento substantivo e orientado para
o futuro sobre como podemos promover a resolução de problemas dentro e fora
da sala de aula. Especificamente, têm acontecido poucas pesquisas sobre o
desenvolvimento de conceitos por meio da resolução de problemas e o
conhecimento atual sobre resolução de problemas pelos alunos além da sala de
aula é bastante restrito.
Os autores sugerem o esclarecimento das relações e conexões entre o
desenvolvimento da compreensão do conteúdo matemático e o desenvolvimento
de habilidades de resolução de problemas como componentes necessários para
que haja um avanço no ensino e aprendizagem da resolução de problemas.
Dessa forma acreditam ser possível subsidiar o desenvolvimento do currículo e a
instrução sobre as formas como podemos usar a resolução de problemas como
um valoroso meio para desenvolver conceitos matemáticos importantes.
Dessa maneira, acreditam poder fornecer algumas alternativas para as
abordagens existentes, ou seja, propostas nas quais os conceitos e
procedimentos necessários devem ser ensinados em primeiro lugar para, em
seguida serem praticados por meio da resolução de problemas que contam uma
“estória”, os quais habitualmente não envolvem os alunos numa verdadeira
resolução de problemas. Outra abordagem em vigor, já destacada pelos autores
neste estudo, é a de apresentar aos alunos um repertório de heurísticas ou
estratégias de resolução de problemas como “desenhar um diagrama”, “palpite e
checagem”, “fazer uma tabela”, etc., e fornecer uma gama de problemas não
rotineiros para os quais essas estratégias podem ser aplicadas. Ambas as
abordagens tratam a resolução de problemas como independente ou como
importância secundária em relação aos conceitos e contextos desenvolvidos.
42
Julgamos pertinente acrescentar esta seção a este estudo, por retratar o
estado-da-arte do tema em questão. Além disto, as abordagens relatadas
enquadram-se no cenário que compõe nossa investigação de maneira bastante
explícita, portanto, acreditamos serem de grande valia no momento das análises.
Para ilustrar as abordagens mencionadas, encontramos um exemplo no
próprio contexto de pesquisa, por meio de uma atividade preparada para o 4º
ano por um dos sujeitos e retirada de um livro didático, como orientação para a
resolução de problemas. Assim, na Figura 1 a seguir, podem ser observadas boa
parte das prescrições listadas por English e Sriraman (2010).
Figura 1 – Dicas para resolver problemas
Fonte: MORI, 1997, p. 110 (adaptado)
Por fim, para os autores, a modelagem matemática é uma opção valiosa
para o avanço da pesquisa em resolução de problemas e para o
desenvolvimento curricular. Afirmam que, com o aumento dos sistemas
complexos no mundo de hoje, os tipos de habilidades requeridas na resolução
problemas para o sucesso além da escola, mudaram. É necessário interpretar,
descrever, explicar, construir, manipular e prever sistemas complexos.
Entretanto, para isso, mais pesquisas são necessárias para a implementação de
43
problemas de modelagem no ensino fundamental, começando com a pré-escola
e primeira série.
Os apontamentos feitos neste capítulo são importantes direcionadores
dos aspectos relativos à análise nesta pesquisa. Compreendemos, no entanto,
que a resolução de problemas como aqui abordada carece de suportes teóricos,
do ponto de vista didático, que venham a subsidiar de forma mais aprofundada
as análises. Assim, o próximo capítulo concentra as teorias vistas como
importantes para esta investigação, constituintes do quadro empregado nas
análises, bem como uma revisão centrada nas pesquisas correlatas.
44
45
CAPÍTULO DOIS
A tarefa não é tanto ver aquilo que
ninguém viu, mas pensar o que
ninguém ainda pensou sobre aquilo
que todo mundo vê.
Arthur Schopenhauer
APORTES TEÓRICOS
Neste capítulo, passaremos a descrever as principais ideias de Guy
Brousseau, caracterizando-as como suporte teórico que vai ao encontro das
ideias que permeiam o cenário de nossa pesquisa. São tratados, mais
especificamente, aspectos relativos à Teoria das Situações Didáticas e ao
conceito de contrato didático. De forma destacada4, construímos uma revisão
acerca de pesquisas relacionadas com o tema desta investigação.
2.1 Teoria das Situações Didáticas
A teoria das situações didáticas é um modelo teórico que foi desenvolvido
na França por Guy Brousseau, e trata de formas de apresentação, a alunos, do
conteúdo
matemático, possibilitando melhor compreensão do fenômeno da aprendizagem
Matemática. Desse modo, pode-se dizer que foi desenvolvida com a intenção de
modelar o processo de ensino e aprendizagem dos conceitos matemáticos.
Esta teoria que foi iniciada na década de 70, e é considerada um marco
importante na pesquisa sobre o ensino e a aprendizagem em matemática, pois,
entre as várias teorias pedagógicas desenvolvidas nos últimos anos, que
abordam múltiplos aspectos, esta se destaca por contemplar especificidades do
saber matemático
4 Este destaque se justifica a medida que entendemos que o quadro teórico e as revisões relativas à
pesquisa não se confundem, representando elementos distintos do arcabouço relativo à investigação.
46
Vale ressaltar que a teoria das situações didáticas foi e é reconhecida e
validada pela comunidade científica, o que a caracteriza realmente como uma
teoria, por sua força, veracidade e aplicabilidade na prática educacional.
Outro aspecto importante é que Brousseau desenvolveu esta teoria a
partir de estudos sobre o construtivismo em pedagogia, originados na teoria da
epistemologia genética de Piaget, desenvolvendo assim, um tratamento
científico do trabalho didático tendo como base a problematização matemática e
a hipótese de que se aprende adaptando-se a um meio que é produtor de
contradições e desequilíbrios. Não obstante, seu objeto central de estudo não é
o sujeito cognitivo, e sim a situação didática na qual são reconhecidas as
interações constituídas entre o professor, aluno e saber: “a teoria das situações
didáticas busca criar um modelo da interação entre o aprendiz, o saber e o milieu
(ou meio) no qual a aprendizagem deve se desenrolar” (ALMOULOUD, 2010).
Assim, seus principais pressupostos opõem-se à forma didática clássica e
tradicional, centrada no ensino e dando ênfase na transmissão de conteúdos
sistematizados, onde o bom professor é aquele que ensina (transmite) bem o
conhecimento, e o bom aluno, aquele que reproduz corretamente o que vê.
Essa teoria nasceu também das análises críticas dos trabalhos de Diennes,
Pappy e outros das décadas de 60 e 70, que visavam promover o ensino do
estilo formalista, conhecido como Matemática Moderna.
A teoria das situações didáticas é considerada uma referência para o
estudo do processo de ensino e aprendizagem da matemática em sala de aula,
pois envolve o professor, o aluno e o conhecimento matemático, relação
denominada por triângulo didático. Assim, considera e contempla, em suas
análises, os três vértices deste triângulo, pois, por um lado, valoriza os
conhecimentos mobilizados pelo aluno e seu envolvimento na construção do
saber matemático e, por outro, valoriza o trabalho do professor, que consiste,
fundamentalmente, em criar condições para que o aluno se aproprie de
conteúdos matemáticos específicos.
47
Figura 2 – O triângulo didático
Fonte: Almouloud, 2010, p.32
A teoria das situações apoia-se em três hipóteses principais, a saber:
O aluno aprende adaptando-se a um milieu que é fator de dificuldades, de contradições, de desequilíbrio, um pouco como acontece na sociedade humana. Esse saber, fruto da adaptação do aluno, manifesta-se pelas respostas novas, que são a prova da aprendizagem (BROUSSEAU, 1986, p. 49).
O milieu não munido de intenções didáticas é insuficiente para permitir a aquisição de conhecimentos matemáticos pelo aprendiz. Para que haja esta intencionalidade didática, o professor deve criar e organizar um milieu no qual serão desenvolvidas as situações suscetíveis de provocar essas aprendizagens.
A terceira hipótese postula que esse milieu e essas situações devem engajar fortemente os saberes matemáticos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. (p.32).
Notamos que para que estas condições ocorram, Brousseau (2008)
considera de suma importância a organização do meio ou milieu. O meio é
considerado o ambiente onde ocorrem as interações do sujeito: é o sistema
antagonista no qual ele age. É no meio que se provocam mudanças visando
desestabilizar o sistema didático e o surgimento de conflitos, contradições e
possibilidades de aprendizagem de novos conhecimentos. Neste meio, portanto,
estruturam-se as interações didáticas entre o professor, alunos e a forma como
circula o conhecimento matemático, privilegiando, do ponto de vista do
estudante, o trabalho investigativo e a figura docente com papel mediador.
Aqui, cabe ressaltar a importância de outro constructo teórico destacado
pelo autor, denominado contrato didático. Isto porque a tessitura do milieu, em
sua forma antagônica e com a intencionalidade de produzir autonomia na
aprendizagem discente, deve ocorrer sob a égide de um contrato didático
participativo. Este dispositivo teórico consiste em um conjunto de ações e
48
obrigações recíprocas (professores e alunos), explícitas e implícitas. Tanto o
professor quanto os alunos constroem uma imagem recíproca do papel que
devem desempenhar, dos comportamentos desejáveis, das expectativas de suas
respostas, ações e reações.
Normalmente, entre os papéis que cabem ao professor fica o de
responsável por garantir ao aluno o acesso ao saber escolar e definir a forma de
sua participação no processo de aprendizagem: assim, compete a ele propor
questões acessíveis, por exemplo. Também deverá ajudar o aluno quando
necessário, através de indicações que esclareçam suas dúvidas ou pequenas
questões que os conduzam ao resultado correto.
O aluno deve resolver as tarefas propostas e seu acerto na resolução das
mesmas é visto positivamente, tanto pelo professor como por ele próprio, como
um indicador de ganho em seu repertório de conhecimentos.
Pensando nesses aspectos, podemos estabelecer relações com as
dificuldades dos professores em promover rupturas neste contrato; preparar e
conduzir aulas na perspectiva da resolução de problemas, torná-los desafiadores
e diferenciá-los de tarefas ou exercícios, como nas ideias preconizadas pela
teoria de Brousseau.
Por considerar a noção de contrato didático especialmente relevante no
presente estudo, abordaremos este fundamento exclusivamente no capítulo
subsequente.
2.1.1 Situação didática e situação adidática na Teoria das Situações
Didáticas
No âmbito da teoria das situações, a intencionalidade didática do
professor será sempre um fator da maior importância no processo, quando este
tem por objetivo possibilitar ao aluno a aprendizagem de um determinado
conteúdo. Desse modo, essa teoria valoriza as situações que ocorrem no dia-a-
dia na sala de aula, ou seja, como o professor apresenta os conteúdos, como os
desenvolve, de que forma contextualiza e problematiza situações.
De acordo com Brousseau (1978), o objeto central da teoria das situações
é a situação didática, definida como
49
o conjunto de relações estabelecidas explicitamente e/ou implicitamente entre um aluno ou um grupo de alunos, um certo milieu (contendo eventualmente instrumentos ou objetos) e um sistema educativo (o professor) para que esses alunos adquiram um saber constituído ou em constituição (BROUSSEAU, 1978, apud ALMOLOUD , 2010 p.33).
Ainda segundo Brousseau (2008), no processo de ensino e
aprendizagem deve haver condições para que o aluno realize, ele mesmo, suas
aproximações sobre determinados procedimentos e raciocínios que não são e
nem deveriam ser explicitados pelo professor. Para ele, o que evidencia a
caracterização de uma situação didática, no caso da matemática, é a natureza
específica do trabalho com a resolução de problemas. O problema se constitui
também em um verdadeiro eixo condutor de toda a aprendizagem da
matemática. Assim, uma situação didática está mais precisamente
contextualizada quando destacamos o quadro de resolução de um determinado
problema. De maneira geral, em quase todo trabalho de educação matemática, a
apresentação do saber envolve sempre algum tipo de problema.
Assim, na prática pedagógica, não se trata de permanecer no nível da
transmissão de um conhecimento; deve-se, sobretudo, trabalhar com a
apresentação e com a devolução de bons problemas: “uma situação didática se
caracteriza pelo jogo de interações do aluno com os problemas colocados pelo
professor” (ALMOULOUD, 2010, p.34). A forma como este propõe estes
problemas é chamada de devolução e seu objetivo deve ser o de promover uma
interação rica e que oportunize ao aluno o desenvolvimento de sua autonomia.
O professor deve evitar a apresentação precoce de resultados finais
envolvendo conceitos formalizados e, sempre que possível, promover a
simulação de um ambiente de pesquisa que permita aos alunos vivenciarem
momentos de investigação, simulação e elaboração de hipóteses. Nesse
sentido, o professor estará fazendo a devolução de um bom problema e não
apenas a apresentação deste. Devolução, aqui com significado de transferência
de responsabilidade, em que o aluno toma o problema como seu.
Nesta etapa do processo, há a necessidade de que os alunos trabalhem
independentemente do controle do professor. O aluno deve estar sempre sendo
estimulado a tentar superar, por seu próprio esforço, certas passagens que
50
conduzem o raciocínio na direção de sua aprendizagem. São essas deduções
racionais do aluno, realizadas sem o controle pedagógico explícito, que
caracterizam as chamadas situações adidáticas. É o momento em que o aluno
se apropria das situações, como se fosse um pesquisador buscando a solução,
com seus próprios passos, sem a ajuda de seu orientador (papel do professor).
Cabe ressaltar que, se a situação adidática faz parte da estratégia
pedagógica do professor e tem um objetivo, que é mobilizar os conhecimentos
dos alunos para aquisição ou desenvolvimento de um novo conceito, ela
caracteriza-se como uma situação didática, ou seja, toda situação adidática é um
tipo de situação didática, ou parte essencial desta.
Para Brousseau (1986), apud Almouloud (2010) uma situação adidática
tem as seguintes características:
• O problema matemático é escolhido de modo que possa fazer o aluno agir, falar, refletir e evoluir por iniciativa própria;
• O problema é escolhido para que o aluno adquira novos conhecimentos que sejam inteiramente justificados pela lógica interna da situação e que possam ser construídos sem apelo às razões didáticas;
• O professor, assumindo o papel de mediador, cria condições para o aluno ser o principal ator da construção de seus conhecimentos a partir da (s) atividade (s) proposta (s). p.33).
Pode-se dizer assim, que as situações adidáticas representam os
momentos mais importantes da aprendizagem, pois o sucesso do aluno nessas
ocasiões significa que conseguiu sintetizar algum conhecimento. É interessante
ressaltar que o aluno não distingue, de imediato na situação, o que é de origem
didática ou de origem adidática, assumindo algumas vezes, nestes momentos,
atitudes reveladoras e consequentes da existência do contrato didático,
buscando no professor respostas as quais não se julga capaz de produzir. Assim
sendo, podemos depreender que uma atividade matemática será tão mais
oportuna e congruente com a teoria quanto mais favoreça o aparecimento de
situações adidáticas.
De acordo com a teoria mencionada (Almouloud, 2010, p.35), o sujeito
aprende adaptando-se a um milieu em uma situação não didática. O milieu é um
sistema antagonista ao sujeito, sendo o milieu adidático um sistema sem
51
intenção didática, exterior ao sujeito, que, por suas retroações às próprias ações,
permite uma reflexão a respeito das mesmas e de sua aprendizagem.
Dessa forma, estas situações não podem ser confundidas com situações
não-didáticas, que são situações que não foram planejadas para este fim, nas
quais o conhecimento pode surgir eventualmente ou não. Lembramos que
Brousseau (1996) enfatiza que o milieu sem intenções didáticas é insuficiente
para despertar no aluno todos os conhecimentos que se pretende que ocorram:
“a relação didática tem por finalidade desaparecer, e o sujeito deverá então
poder utilizar os conhecimentos assim construídos fora de todo contexto com
intenção didática. Essas duas condições explicam a necessidade da noção do
milieu na teoria das situações didáticas” (ALMOULOUD, 2010, p.35). Este deve
criar condições para que o aluno realize, ele mesmo, suas aproximações a
raciocínios e procedimentos sem a explicitação do professor.
Por isso, para Brousseau (2008), as concepções atuais do ensino exigirão
do professor que provoque no aluno - por meio da seleção sensata dos
“problemas” propostos – as adaptações desejadas. Tais problemas, segundo
ele, devem fazer pela própria dinâmica que o aluno atue, fale, reflita e evolua.
Esta seleção justifica também a tomada de uma postura metodológica
que requer a atenção do professor quanto a sua intencionalidade didática. O
trabalho pedagógico tem início, exatamente, a partir da escolha de um bom
problema, que deve ser conciliável com o nível de conhecimento dos alunos. Só
o professor pode realizar esta tarefa, pois é ele quem conhece melhor tanto os
alunos como a classe como um todo e tem condições de avaliar o grau existente
ou não de dificuldade ou de desafio na atividade proposta. Nas palavras de
Brouseau:
Estes problemas, escolhidos de forma a que o aluno possa aceitá-los, devem levá-lo a agir, a falar, a refletir, a evoluir por si próprio. Entre o momento em que o aluno aceita o problema como seu e o momento em que produz sua resposta, o professor recusa-se a intervir como proponente dos conhecimentos que pretende fazer surgir. O aluno sabe perfeitamente que o problema foi escolhido para o levar a adquirir um conhecimento novo, mas tem de saber igualmente que esse conhecimento é inteiramente justificado pela lógica interna da situação e que pode construí-lo sem fazer apelo a razões didáticas (BROUSSEAU, 1986, p.49, apud ALMOULOUD, 2010).
52
Ainda de acordo com Brousseau (1986, p. 49), cada conhecimento pode
ser caracterizado por, pelo menos, uma situação adidática que preserva seus
sentidos e que é chamada de situação fundamental. Para Almouloud (2010, p.
34), esta se constitui “um grupo restrito de situações adidáticas cuja noção a
ensinar é a resposta considerada a mais adequada/indicada; situações que
permitem introduzir os conhecimentos em sala de aula numa epistemologia
propriamente científica”.
Legrand (1993, p. 124, apud Almouloud, 2010) caracteriza uma situação
fundamental se ela:
• tiver, por sua consistência epistemológica e sua adaptação ao campo conceitual do aluno, o poder de modificar o conformismo escolar;
• permitir uma desestabilização e justificar a aceitação de uma mudança de ponto de vista, que deve então favorecer os conflitos da racionalidade;
• permitir a devolução do projeto global do saber.(p.34).
De acordo com Almouloud (2010), vale ressaltar que a noção de situação
fundamental apoia-se em uma hipótese bastante consistente, na qual se deve
questionar, para todo conhecimento, se é possível encontrar pelo menos um
jogo formal, comunicável, sem utilizar o conhecimento explícito que determina,
nesse jogo, a estratégia mais adequada. Assim, para Freitas (2010), a existência
de uma situação fundamental, específica de um determinado conhecimento é
caracterizada por um conjunto mínimo de situações adidáticas.
Como o processo nessas situações adidáticas é, geralmente, muito
amplo, faz-se necessária uma fase de institucionalização do saber, que deve
ser conduzida pelo professor. Essa fase visa dar acabamento ao
conhecimento elaborado pelos alunos ou mesmo trabalhar no sentido de
descartar possíveis aspectos não valorizados na perspectiva do saber
socialmente formalizado. Por outro lado, é importante que o professor indique o
estatuto do conhecimento matemático válido.
53
Neste momento, não se está mais numa situação adidática, pois o
controle sobre o saber volta para o professor. Assim, cabe a ele organizar a
síntese do conhecimento, procurando elevá-lo a um estatuto de saber que não
dependa mais dos aspectos subjetivos e particulares. Faz-se necessário,
estabelecer as devidas correlações com outros saberes; essas sínteses são
necessárias para que possam ser reinvestidas em outras situações.
O novo conhecimento, já construído e validado, passará a fazer parte do
patrimônio matemático da classe, não apresentando ainda, no entanto, o
estatuto de saber social. Esse é o momento em que o professor poderá
estabelecer correlações com outros saberes e também selecionar questões que
julgue essenciais para a apropriação do saber formal.
A dialética de institucionalização, na teoria das situações didáticas, trata-
se de uma interação provocada intencionalmente pelo professor: “ele deve
determinar a forma e o conteúdo do saber para o qual ele quer dar um estatuto
oficial, levando em conta os efeitos da transposição didática” (ALMOULOUD,
2010, p.42).
Muitas vezes, é delicado também para o professor perceber o exato
momento em que ela deva ocorrer, para que valide os objetivos pretendidos e
valorize os saberes constituídos. Em diversas situações é possível que o
professor fique em dúvida se sua intervenção, nesse sentido, esteja ocorrendo
ou não em tempo oportuno, pois:
• se feita muito cedo, a institucionalização interrompe a construção do significado, impedindo uma aprendizagem adequada e produzindo dificuldades para o professor e os alunos; • quando feita após o momento adequado, ela reforça interpretações inexatas, atrasa a aprendizagem, dificulta as aplicações; é negociada numa dialética (Almouloud, 2010, p.40)
Assim podemos distinguir nesta teoria diferentes momentos, iluminando
ora as ações desenvolvidas pelo professor, ora pelos alunos.
Ao professor, além de todo planejamento e intencionalidade, como um
todo, destacamos as ações de devolução e institucionalização, além de
54
gerenciar as situações didáticas e adidáticas. Segundo Brousseau (2008), é do
professor a responsabilidade de manter o sentido nas mudanças de perguntas.
Concordamos com Freitas (2010) no sentido de conferir às situações
didáticas a possibilidade de uma melhor definição do conhecimento matemático
para o aluno e, por consequência, tributá-las ao professor, que é quem as
planeja no contexto pedagógico, o que, portanto, nos leva, necessariamente, a
pensar também nas questões metodológicas.
Neste contexto (ou nesse milieu) o aluno pode construir novos saberes
com base em suas experiências pessoais e em sua própria interação com o
meio. O aluno deve tentar responder, por ele mesmo, às questões que lhe foram
apresentadas: "é acima de tudo a sua atitude pedagógica que deve inspirar a
prática de conceder, nos limites das possibilidades, a oportunidade para que o
aluno participe da elaboração do conhecimento” (Freitas, 2010, p. 108).
Já as situações que envolvem as principais atividades específicas da
aprendizagem dos alunos nessa teoria, são as dialéticas de ação, formulação e
validação.
2.1.2 A Dialética de Ação
O aluno empenhado na solução de um problema realiza determinadas
ações mais imediatas, que resultam na produção de um conhecimento de
natureza mais operacional. Ocorre o predomínio do aspecto experimental do
conhecimento. É o caso em que o aluno encontra uma solução, porém muitas
vezes não consegue argumentar ou explicar o raciocínio utilizado.
Esta dialética consiste em colocar o aprendiz numa determinada situação
que, de acordo com Almouloud, (2010, p.37)
• coloca um problema para o aluno cuja melhor solução, nas condições propostas, é o conhecimento a ensinar;
• o aluno possa agir sobre essa situação e que ela lhe retorne informações sobre sua ação.
Observamos que para o autor, uma boa situação de ação não necessita
ser exatamente uma situação de manipulação livre ou mesmo que exija uma lista
55
de instruções para seu desenvolvimento. O ideal é que permita ao aluno julgar o
resultado de sua ação e adequá-lo, se necessário, "sem a intervenção do
mestre, graças à retroação do milieu." ( p.37). Dessa forma o aluno pode investir
ou mesmo abandonar seu modelo para criar outro, o que pode ocorrer em uma
aprendizagem por adaptação.
Concordamos com Almouloud, no sentido de reconhecer essa fase como
importante passo para o aluno manifestar suas escolhas e decisões por ações
sobre o milieu.
Na estruturação dessas situações, pode-se escolher alguns dados
pertinentes e mesmo convenientes para que o aluno tenha oportunidades para
agir e assim, buscar a solução para determinado problema.
2.1.3 A Dialética de Formulação
Aqui, o aluno já utiliza, na solução do problema estudado, alguns
modelos ou esquemas teóricos explícitos, além de mostrar um evidente trabalho
com informações teóricas de uma forma bem mais elaborada, podendo ainda
utilizar uma linguagem mais apropriada para viabilizar esse uso da teoria. Faz
afirmações relativas a sua interação com o problema, mas ainda sem a intenção
de julgamento da validade. Elabora conjecturas.
Nesta fase, portanto, caracterizada como adidática, é comum que o aluno
troque informações com mais pessoas, trocando mensagens orais ou escritas,
que podem ser em linguagem natural ou matemática: "como resultado, essa
dialética permite criar um modelo explícito, que pode ser formulado com sinais e
regras comuns, já conhecidas ou novas." (ALMOULOUD, 2010, p.38). Nessa
ocasião o aluno ou grupo de alunos explicitam, por escrito ou oralmente, as
ferramentas e procedimentos que utilizaram para chegarem à solução.
Vale ressaltar que o objetivo principal da dialética de formulação é a troca
de informações, discussões de pontos de vista, complementações de
raciocínios. Segundo Brousseau, consiste em "...proporcionar ao aluno
condições para que este construa, progressivamente, uma linguagem
compreensível por todos, que considere os objetos e as relações matemáticas
envolvidas na situação didática" (ALMOULOUD, 2010, p.38).
56
2.1.4 A Dialética de Validação
O aluno utiliza mecanismos de prova em que o saber é usado com a
finalidade de validar suas conjecturas. Nessas situações, então, é preciso
elaborar algum tipo de prova daquilo que já se afirmou, de outra forma pela
ação. Podem servir para confirmar ou mesmo contestar ou rejeitar proposições.
Nestes termos, segundo Almouloud, (2010), é a etapa na qual "o aprendiz
deve mostrar a validade do modelo por ele criado, submetendo a mensagem
matemática (modelo da situação) ao julgamento de um interlocutor... Assim, a
teoria funciona, nos debates científicos e nas discussões entre alunos, como
milieu de estabelecer provas ou refutá-las" (p.39).
Na mesma medida em que a dialética de formulação incide sobre o
desenvolvimento da comunicação matemática, a validação tem como objetivo o
debate sobre a certeza das asserções e as noções de prova, o que permite
organizar, de acordo com o autor, as interações com o milieu. De acordo com
Freitas (2010), a noção de prova está relacionada a uma situação particular,
quando uma dada explicação é reconhecida e aceita por determinado grupo de
pessoas. Assim, cabe ressaltar que:
a validade restrita do conhecimento, nesse contexto da prova, já não depende exclusivamente daquele que faz sua afirmação. O conhecimento passa a ser compartilhado e confirmado por outros, além daquele que apresenta a prova. É evidente que não podemos identificar uma prova, no sentido que acabamos de descrever, como uma demonstração matemática (FREITAS, 2010, p.99).
É interessante observar como o esquema ilustrativo utilizado por Freitas
(2010) apresenta uma síntese das principais fases e momentos que se destacam
nesta teoria (figura 3). Nos momentos de contextualização e devolução, o papel
de protagonista está nas mãos do professor, seduzindo os alunos e convidando-
os ao jogo. Os momentos subsequentes revelam situações adidáticas de ação,
formulação e validação, nos quais os atores principais são os alunos. No
momento da institucionalização, professores e alunos dialogam sobre os
conhecimentos matemáticos formais e instituídos, socializando sua
57
aplicabilidade ao modelo em que trabalharam, porém cabe ao professor a gestão
dessa sistematização.
Figura 3 – Síntese das principais fases ou momentos didáticos
Fonte: FREITAS, 2010, p. 103
Podemos entrever dessa forma, na Teoria das Situações Didáticas, uma
concepção construtivista da aprendizagem. De acordo com Vila e Calejo (2007):
(...) isso significa que não se aprende a matemática por transmissão direta do que se explica em aula ou do que se lê nos livros didáticos, mas que se aprende em interação com situações-problema e com outros sujeitos, que obrigam o aluno a ir modificando sua estrutura cognitiva mediante uma série de ações: experimentando, fazendo-se perguntas, particularizando situações, generalizando resultados, encontrando contraexemplos, etc.(VILA E CALEJO, 2007, p.172).
A aplicação desse enfoque pode ser esquematizada e representada pelo
Quadro 3 (Brousseau,1988, apud Vila e Calejo, p.172), que descreve o papel do
professor em cada dialética e as ações esperadas dos alunos de maneira
sucinta.
58
Quadro 3 – Tipologia de ações para resolução de problemas na TSD
Fases Intervenção do Professor Trabalho dos Alunos
Ação O professor propõe o problema. Os alunos trabalham
individualmente ou em grupo.
Formulação O professor anima, estimula,
desbloqueia, porém deve evitar
intervir sobre o conteúdo.
Os alunos explicitam
oralmente ou por escrito
como resolveram o problema
e a solução encontrada.
Validação O professor medeia as intervenções
dos alunos, mas deve evitar intervir
sobre o conteúdo.
Os alunos devem argumentar
em favor da validade de sua
solução, tentando convencer
seus colegas.
Institucionalização O professor deve identificar o novo
saber e saber-fazer e precisar as
convenções. Trata-se de
homogeneizar os conhecimentos da
turma e identificar quais dos
saberes constituídos devem ser
retidos e de que forma.
Os alunos reestruturam seus
conhecimentos.
Fase de
exercícios
seguida de uma
avaliação
O professor ajuda os alunos a se
familiarizarem com os novos
conhecimentos, a usá-los em
diferentes situações para que se
conscientizem de seu campo de
aplicação.
Os alunos resolvem novos
problemas e aplicam os
novos conhecimentos.
Fonte: Vila e Calejo, 2007, p.172, adaptado
Gostaríamos de destacar, ao finalizar uma das seções que embasa a
construção teórica de nosso trabalho, a conexão entre os conceitos
desenvolvidos por Brousseau na TSD, o discurso dos professores e as práticas
relativas às aulas em que estes trabalham a Resolução de Problemas na
conjuntura desta pesquisa.
Ao observarmos a prática e a fala desses professores, tanto em situações
anteriores à pesquisa (no âmbito profissional) como nos instrumentos eleitos na
metodologia para o levantamento e coleta de dados (questionário e observação
59
de aulas), alguns pontos de destaque deste modelo teórico fomentam e
justificam sua escolha do mesmo como referência teórica. Dentre eles, podemos
apontar, especialmente, algumas ações dos professores (para quem as lentes
da pesquisa se direcionam), consideradas primordiais nesta teoria para o
processo de ensino e aprendizagem.
A TSD ressalta organização do milieu e sua preparação para que se
desenvolva com os alunos um trabalho investigativo, no qual o docente exerça
realmente o papel de mediador no processo. Em nossas observações, mais
detalhadamente descritas nas análises, encontramos algumas divergências em
relação a estas noções, como por exemplo, a escolha e o planejamento dos
problemas a serem trabalhados. Relembramos que, de acordo com Brousseau
(2008), um milieu desprovido de intenções didáticas é insuficiente para permitir
a aquisição de conhecimentos matemáticos pelo aprendiz.
Desta forma, também, pontos expressivos da teoria como a devolução de
bons problemas e a relevância de situações adidáticas nos processos de
aprendizagem, bem como os momentos de institucionalização foram oportunos
em nossas análises sobre o protagonismo dos professores, contribuindo na
busca de respostas para as perguntas que nos propusemos responder nesta
investigação no tocante às concepções e às práticas dos professores e como
esses aspectos podem refletir, direta ou indiretamente nos comportamentos
inseguros dos alunos observados há tempo pela pesquisadora.
A próxima sessão tratará especificamente sobre outro importante subsídio
teórico para a investigação que é a noção de Contrato Didático, fundamentada
nas ideias de Guy Brousseau.
2.2 O Contrato Didático
Outra noção a ser destacada no arcabouço teórico desta pesquisa é a de
contrato didático, que foi formalizada por Guy Brousseau para analisar as relações
que se estabelecem (explícita e implicitamente) entre o professor e seus alunos, e
sua influência sobre os processos de ensino e aprendizagem da matemática.
60
2.2.1 O que é contrato didático?
Brousseau (1996) define o contrato didático como o conjunto de
comportamentos específicos do professor que são esperados pelos alunos e o
conjunto de comportamentos característicos dos alunos que são esperados pelo
professor. Esta relação está sujeita a muitas regras e convenções, que acabam
funcionando como cláusulas de um contrato. Assim, na definição de Brousseau
(1996), esse contrato é:
Uma relação que determina - explicitamente em pequena parte, mas sobretudo implicitamente – aquilo que cada parceiro, professor e aluno, tem a responsabilidade de gerir e pelo qual será, de uma maneira ou de outra, responsável perante o outro. Este sistema de obrigações recíprocas assemelha-se a um contrato. Aquilo que aqui nos interessa é o contrato didático, ou seja, a parte deste contrato que é específica do “conteúdo”: o conhecimento matemático visado (BROUSSEAU, 1996, p.51).
Em seu livro Introdução ao estudo das situações didáticas – Conteúdos e
métodos de ensino, Brousseau (2008), explica que, na verdade, não é possível
pactuar um contrato didático entre o professor e o aluno. As cláusulas
mencionadas,
nas quais interviria a especificidade do saber a ser transmitido – não podem ser objeto de um acordo entre os dois protagonistas, pois só a aventura da aquisição do saber permite conhecer o sentido e as condições. Elas não são sequer explicitáveis. Tampouco existem cláusulas de quebra, nem de sanções (BROUSSEAU, 2008, p.75).
Em outras palavras, o aluno não sabe o que querem que ele aprenda, nem
como ocorrerá este processo e deve aceitar essa ignorância. O autor considera
uma ilusão tentar estabelecer contratos reais, apesar de algumas teses
pedagógicas investirem ainda nesta ideia.
As obrigações recíprocas que ocorrem neste meio quase nunca são
explícitas, porém revelam-se principalmente quando ocorre sua transgressão, ou
seja, quando ocorrem rupturas neste contrato. Dessa forma, quando o professor
se depara com dificuldades ou apresenta insucessos em suas ações, ambas as
partes comportam-se como se estivessem unidas por um contrato que acaba de
61
ser quebrado: “cada um supõe compromissos por parte do outro – um, de
explicar, o outro, de entender – e os dois tentam encontrar as cláusulas e as
sanções de quebra” (2008, p.76.).
Brousseau (2008) sublinha que, se existisse um contrato sobre a natureza
dos conhecimentos a serem adquiridos, ele estaria predestinado a ser quebrado,
pois os conhecimentos contraídos substituem ou eliminam conhecimentos
anteriores. Para o autor, a aquisição é, frequentemente, uma quebra, uma ruptura
das próprias convicções:
Admitindo-se que os conhecimentos do aluno de fato se manifestam apenas pelas decisões que ele toma pessoalmente em situações apropriadas, então o professor não pode lhe dizer o que quer que faça, nem determinar suas decisões, porque, nesse caso, abriria mão da possibilidade de o aluno as produzir, e também de “ensiná-las a ele”. Aprender não consiste em cumprir ordens, nem em copiar soluções para problemas. (BROUSSEAU, 2008, p.76).
Assim, compartilhamos a ideia de que o contrato didático é
necessariamente incerto. Se o professor tivesse a certeza de que todos os alunos
resolveriam os problemas e atividades propostas sem nenhum erro, estas
perderiam seu conteúdo didático e não necessitariam ser mais propostas, sendo
vistas como inúteis e pura “perda de tempo”.
Os professores, muitas vezes, têm apenas uma visão negativa sobre a
porcentagem de erros, e mesmo de fracassos. Esta não é uma variável livre do
sistema. Para Brousseau (2008), é determinada e regulada pelo funcionamento. O
professor administra a incerteza dos alunos. O que importa verdadeiramente é
saber se essa gestão da incerteza produz conhecimentos de forma eficiente. O
essencial não é saber se o aluno chega ou não à solução do problema, mas em
que condições isso acontece.
Dessa forma o contrato didático pode ser visto como um meio para
gerenciar o tempo didático em sala de aula. De acordo com Silva (2010), ele
depende das estratégias de ensino adotadas, moldando-se a diferentes contextos,
tais como: as escolhas pedagógicas do professor, o tipo de tarefa solicitada aos
alunos, as condições de avaliação, objetivos do curso etc.
62
Assim, se a relação didática se desenvolve num ambiente em que o
professor tem uma prática de cunho mais tradicional, ou seja, suas aulas são
frequentemente expositivas, trabalha com definições, modelos e listas de
exercícios, o conjunto de regras que se criará neste ambiente será bastante
distinto de outro onde a prática desenvolve-se em bases opostas, como em aulas
nas quais os alunos possam conjecturar e tentar resolver problemas de maneira
autônoma para depois, no final, o professor institucionalizar os conceitos que
foram desenvolvidos numa sessão coletiva de discussão. Ou seja, de acordo com
a teoria das situações didáticas, o contrato didático que se estabelece em uma
relação onde aconteçam situações adidáticas, irá se constituir de forma diferente
da tradicional.
De fato, nestes casos, teremos uma postura metodológica do professor
bastante diversa, desde a proposição e planejamento das atividades. O docente
utilizará, por exemplo, os resultados apresentados pelos alunos (individuais ou em
grupos) na resolução de uma situação, composta por um ou mais problemas, ao
invés de trazer uma preleção pronta para fazer progredir o aprendizado de toda
classe. Silva (2010) mostra também a influência do tipo de problema ou tarefa
proposto na caracterização de um contrato:
nessa situação, o problema proposto não é, necessariamente, resolúvel, no seguinte sentido: pode acontecer que não se saiba que existe uma resposta; a resposta, se existir, pode não ser única; os dados podem não ser adequados, isto é, podem não ser suficientes ou podem ser superabundantes. A procura de dados pertinentes à questão proposta, assim como a verificação da validade dos resultados obtidos fazem parte do contrato didático (SILVA, 2010, p.33).
Como vimos anteriormente, é ainda bastante comum a prática em
Matemática, na qual o professor cumpre sua parte no contrato dando aulas
expositivas, como corolário da crença de que “o bom professor é o que explica
bem”, e passando exercícios aos alunos. De acordo com Silva (2010), fazem
parte de suas obrigações, previstas em contrato, selecionar partes do conteúdo
que o aluno possa aprender e “propor problemas cujos enunciados contêm os
dados necessários e tão somente esses, cuja combinação racional, aliada aos
63
elementos das aulas, permite encontrar a solução do problema” (SILVA, 2010,
p.52).
Neste contexto, os alunos, por sua vez, estarão fazendo sua parte no
contrato quando, bem ou mal, compreendem a aula dada e conseguem resolver
(corretamente ou não) os exercícios.
Cabe ainda ao professor, a responsabilidade, no caso do aluno não
conseguir cumprir sua parte, auxiliá-lo através de indicações que esclareçam
suas dúvidas, dicas ou mesmo algumas questões que os conduzam ao
resultado.
Como exemplo, o autor nos remete a casos que coloca como extremos,
nos quais o professor, procurando amparo na segurança dos algoritmos prontos,
fraciona atividades matemáticas em etapas pelas quais passa mecanicamente,
esvaziando-as de seu sentido. Nestes casos, sua atuação torna-se bastante
técnica, resumindo-se em apresentar uma definição, dar alguns exemplos ou
modelos e solicitar exercícios idênticos, de repetição dos exemplos dados.
Ainda neste caso, a atuação dos alunos resume-se a memorizar as regras
para repeti-las e aplicá-las nas provas e exercícios que permitirão a reprodução
desses modelos. Para Brousseau (1996), em todas as situações didáticas, o
professor procura transmitir ao aluno aquilo que almeja que ele faça.
Teoricamente, segundo o autor, a passagem da informação e da consigna do
professor à resposta desejada deveria exigir do aluno a utilização do
conhecimento pretendido, quer em processo de aprendizagem, quer já adquirido.
Segundo ele:
Sabemos que o único meio de “fazer” matemática é procurar resolver determinados problemas específicos e, a este propósito, colocar novas questões. O professor tem, pois, de efetuar, não a comunicação de um conhecimento, mas a devolução do problema adequado. Se esta devolução se opera, o aluno entra no jogo e, se ele acaba por ganhar, a aprendizagem teve lugar. (BROUSSEAU, 1996, p.51).
Nos casos em que o aluno recusa ou evita o problema, esquivando-se de
resolvê-lo, recai sobre o professor a obrigação social e contratual de ajudá-lo,
contrapondo sua escolha de uma questão demasiadamente difícil ou não tão
adequada à situação de aprendizagem.
64
Segundo Ricardo, Slongo e Pietrocola (2003), Brousseau faz alusão à
dimensão paradoxal que permeia o contrato didático. O professor tem
responsabilidades em seu papel, bem distintas do aluno, e como gerenciador
deste contrato, deve respeitar seu desenvolvimento cognitivo. Vivencia uma
situação em que, ao mesmo tempo em que sua mediação na relação didática se
faz necessária, esta não pode revogar as condições indispensáveis para o
processo de apropriação do conhecimento. O professor procura reestruturar o
problema, devolvendo-o ao educando; entretanto esta “proximidade” provoca a
constante tentação de ajudar o aluno a ser bem-sucedido, quando se trata de
aprender (Perrenoud, 1999 apud Ricardo, Slongo e Pietrocola, 2003).
O cenário a que nos remete este paradoxo contempla alguns fenômenos
que interferem no processo de ensino e aprendizagem em matemática e que são
denominados efeitos do contrato didático. Destacamos, no próximo item quais
são estes efeitos.
2.2.2 Efeitos do Contrato Didático
O conceito de contrato didático, de acordo com Almouloud (2010), permite
analisar e interpretar os fenômenos não evidentes que interferem no processo de
ensino e aprendizagem em matemática.
A negociação contínua desse contrato pode ter por consequência, às
vezes, a descaracterização dos conteúdos matemáticos e dos objetivos de
aprendizagem, principalmente na manifestação do desejo do professor de que
os alunos acertem os desafios propostos. Nesse sentido, tende a facilitar a tarefa
de diferentes maneiras: várias e repetidas explicações, proposta de problemas
que são decompostos em subquestões, ensino de pequenos truques, algoritmos
e técnicas de memorização etc.
Pesquisadores em didática da matemática identificaram diversas atitudes
ou práticas que se caracterizam como rupturas de contrato por parte do
professor, designadas aqui como “efeitos de contrato”, de natureza deletéria.
Muitas vezes, ao contrário do que o professor pretende, as explicações
excessivas podem comprometer a compreensão natural dos alunos.
65
2.2.2.1 Efeito “Pigmaleão”
Esse efeito diz respeito às expectativas do professor em relação aos
alunos ou a um aluno em particular. Dessa forma, pode-se observar que, em
alguns casos, um aluno ou um grupo de alunos tem sempre o mesmo
rendimento em avaliações aplicadas por um professor por causa de um “acordo
tácito estabelecido”: o limite do nível de exigência desse professor ocorre em
função da imagem que faz desses alunos e aplica-se às expectativas e
atividades produzidas para que estes alunos que reflitam esta imagem.
2.2.2.2 Efeito “Topaze”
No momento em que o aluno encontra alguma dificuldade, o professor
tende a criar condições para que o aluno supere esta dificuldade e avance,
esquecendo-se, porém, do engajamento que deveria ter o discente nesse
processo:
A resposta que o aluno deveria dar é determinada de antemão e o professor escolhe as questões para as quais essa resposta pode ser dada ou que podem provocar respostas esperadas, facilitando as estratégias dos alunos e maximizando a significação dessas respostas (ALMOULOUD, 2010, p.94).
O nome dado a este efeito provém de uma peça de teatro, homônima, em
que há uma cena, que se passa num colégio interno. O protagonista, Topázio,
faz um ditado a um aluno que demonstra muita dificuldade na execução da
tarefa. Como não consegue aceitar um excesso de erros grosseiros, mas
também não pode dizer abertamente ao aluno quais são esses erros e a
ortografia correta, começa a insinuar-lhe respostas, sutilmente, sob códigos
didáticos cada vez mais transparentes. Na teoria esta atitude é assim descrita: A resposta que o aluno deve dar é previamente determinada. O professor escolhe as perguntas que a podem provocar. É claro que os conhecimentos necessários para a produção dessas respostas mudam de significação. Fazendo perguntas cada vez mais fáceis, tenta obter o máximo de significação do máximo de alunos. (Brousseau, 2008, p.80).
66
2.2.2.3 Efeito Jourdain ou mal-entendido fundamental
Esse efeito é assim chamado em referência à cena de O burguês fidalgo,
de Molière, em que o professor de filosofia revela a Jourdain o que são a prosa
ou as vogais.
Esse tipo de efeito é caracterizado quando um comportamento comum do
aluno é compreendido pelo professor como uma manifestação de um saber
científico. Este, para evitar o debate de conhecimento com o aluno e,
possivelmente, comprovar um fracasso, admite reconhecer algum saber
científico nos comportamentos e respostas dos alunos, mesmo que sejam
motivados por outros fatores, como uma indução implícita, ou significações
triviais e sem consistência, de senso comum. O professor detecta ali uma
aprendizagem que na realidade não ocorreu, interpretando, na verdade, um
comportamento banal do aluno como manifestação de um saber culto.
2.2.2.4 O deslize metacognitivo
Este fenômeno ocorre quando o professor concebe, por exemplo, uma
técnica útil para resolver um problema e a considera como o verdadeiro objeto
de estudo, perdendo de vista o verdadeiro conhecimento a se desenvolver.
Assim o professor pode encarar “como objetos de estudo suas próprias
explicações e seus meios heurísticos, em lugar do conhecimento matemático”.
De acordo com Brousseau, (2008), essa substituição de um objeto de ensino por
outro acontece com frequência.
Da mesma forma, Almoulod (2010) cita como exemplos:
a utilização de diagramas de flechas utilizados para estudar a teoria dos conjuntos; a utilização de tabelas de variação para dominar o conceito de função; utilização da árvore de possibilidades para resolver problemas; utilização de suas próprias palavras e de suas heurísticas como objetos de estudo, no lugar do verdadeiro conhecimento matemático, na ocasião de um fracasso de uma atividade previamente proposta. (2010, p.95).
67
2.2.2.5 O uso abusivo da analogia
Sem dúvida, “a analogia é uma excelente ferramenta heurística, quando
utilizada sob a responsabilidade de quem a aplica. Porém, seu emprego na
relação didática é, na verdade, uma maneira temível de produzir efeitos Topaze”
(BROUSSEAU, 2008, p.84). Assim sendo, compreendemos que o uso de
analogias pode ser útil para ajudar os alunos a compreenderem o significado de
um conceito, porém sua utilização abusiva pode descaracterizá-lo. Para
Brousseau (2008) esse tipo de didática independe dos conteúdos trabalhados e
pode levar o professor a enfatizar determinadas variáveis que não sejam
essenciais e desprezar outras mais específicas.
Quando os alunos fracassam em suas aprendizagens, o professor muitas
vezes, lhes oferece novas oportunidades sobre o mesmo assunto, trazendo-o de
nova forma, por meio de analogias. Dessa forma, os alunos obtêm a solução
lendo as orientações didáticas, e não “graças a um compromisso com o
problema”.
De acordo com Almouloud (2010), “no jogo do professor com o sistema
aluno-meio, o contrato didático permite estabelecer regras e estratégias básicas
que podem evoluir e sofrer as adaptações necessárias, consequência das
renegociações do contrato e que caracterizam as mudanças do jogo do aluno”
(Ibidem, 2010, p.95). Para cada conhecimento devem adequar-se situações
específicas e, eventualmente diferentes contratos didáticos.
O autor argumenta, ainda, que o professor tem a “obrigação social” de
ensinar tudo o que for necessário para a aquisição do saber. Isso é uma
cobrança do aluno, sobretudo quando se encontra em dificuldade. Desse modo,
sob a pressão do aluno e o desejo de fazê-lo evoluir, o professor facilita
demasiadamente as tarefas e, por isso, às vezes, perde a chance de obter e
avaliar, objetivamente, a aprendizagem pretendida.
Concordamos com o autor que, ao considerarmos esses efeitos, podemos
perceber que o professor se encontra, muitas vezes, em uma situação difícil,
caracterizada por muitos autores como um paradoxo (como já citado neste
68
texto): está em suas mãos criar condições para a aprendizagem dos alunos, mas
muitas coisas que faz para conseguir gerar respostas satisfatórias pode,
involuntariamente, prejudicar a aprendizagem, interrompendo o processo em que
os alunos descubram ou cheguem à resposta esperada. O aluno também fica
em uma posição paradoxal, pois se aceita que o professor lhe ensine os
resultados, não construirá autonomamente o saber. Se, ao contrário, recusa toda
informação do professor, a relação didática se rompe.
De acordo com Silva (2010), o saber e o projeto de ensino não devem
avançar sob esse “faz de conta”, como sob uma máscara. Para o autor, o
desempenho do professor deve funcionar, não só durante a execução das
atividades, como também na elaboração e reelaboração de situações-problema
que possam aguçar e instigar seus alunos: “aprender implica, por si mesmo, que
o aluno aceite a relação didática, mas que a considere provisória e se esforce
para caminhar com seus próprios pés” (2010, p.73).
O autor ainda reitera que, a maior parte das regras do contrato didático
está implícita, mas que nem por isso deixam de ser coercitivas. Porém, a
renegociação contínua do contrato possibilita uma revisão dos objetivos do
ensino e aprendizagem, podendo contribuir para um rebaixamento de tais
objetivos, como já mencionamos. Por isso, compreendemos o valor em
considerá-lo, pois,
Contratos didáticos mal adaptados ou mal compreendidos podem originar muitos mal-entendidos e sensação, por parte dos alunos, de terem sido enganados. Por um lado, os alunos desejam adaptar-se às regras e, por outro, a versatilidade de um professor pode gerar a ideia de que nunca se sabe o que esse professor quer. Esses descontentamentos podem desembocar em recusas ou até mesmo em verdadeiros fracassos escolares (SILVA, 2010, p.74).
Com o objetivo de sintetizar este item, condensamos os principais efeitos
do contrato didático nas relações de ensino e aprendizagem, de acordo com
Silva (2010), no quadro 4.
69
Quadro 4 – Principais efeitos do contrato didático
Resolver a questão no lugar do aluno, quando este encontra uma
dificuldade;
Acreditar que os alunos darão naturalmente a resposta esperada;
Substituir o estudo de uma noção complexa por uma analogia;
Interpretar um comportamento banal do aluno como uma manifestação
de um saber culto;
Tomar como objeto de estudo uma técnica que se presume útil para a
resolução de um problema, perdendo de vista o verdadeiro saber
matemático a ser desenvolvido
Formular perguntas cujas respostas direcionam à resolução do
problema
Fonte: SILVA, 2010, p.70, adaptado
Consideramos oportuno também apresentar, também, o quadro 5,
baseado nas ideias de Chevallard, (1988), citado por Silva (2010). Este revela-
se bastante congruente às tessituras descritas neste trabalho por referir-se a
comportamentos dos alunos, que revelam regras vigentes do contrato didático.
Segundo Silva (2010), essas regras podem conduzir a vários erros dos alunos e
a incoerências no tratamento desses erros pelos professores. Vejamos algumas:
Quadro 5 – Crenças relativas ao contrato didático
Sempre há uma resposta a uma questão matemática e o professor a
conhece. Deve-se sempre dar uma resposta que eventualmente será
corrigida;
Para resolver um problema é preciso encontrar os dados no seu
enunciado. Nele, devem constar todos os dados necessários e não
deve haver nada de supérfluo;
Em matemática resolve-se um problema efetuando-se operações. A
tarefa é encontrar a boa operação e efetuá-la corretamente. Certas
palavras-chave contidas no enunciado permitem que se adivinhem qual
é ela;
70
Os números são simples e as soluções também devem ser simples,
senão, é possível que se engane;
As questões colocadas não têm, em geral, nenhuma relação com a
realidade cotidiana, mesmo que apreçam ter, graças a um habilidoso
disfarce. Na verdade, elas só servem para ver se os alunos
compreenderam o assunto que está sendo estudado.
Fonte: Silva, 2010, p.59 (Adaptado)
Mediante a correlação entre as ideias apresentadas neste capítulo e a
realidade investigada nesta pesquisa, avaliamos como fundamental para as
análises dos dados obtidos o conceito de contrato didático, bem como seus
possíveis efeitos nos processos de ensino e aprendizagem.
Relembramos que, o ponto de partida para a investigação emergiu dos
resultados de uma pesquisa anterior, mais especificamente, dos dados coletados
que revelaram explicitamente, pela voz dos alunos, posturas decorrentes e
recorrentes da vigência de um contrato didático, bastante semelhantes às
descritas nos quadros anteriores.
Desta forma, a busca pelo conceito delineou-se desde o início da
pesquisa, trazendo também Brousseau e a Teoria das Situações Didáticas como
referência para fundamentar nossa investigação. Assim, o entrelaçar das ideias
desses dois conceitos pode contribuir sobremaneira com nossas análises.
Destacamos em especial, o estudo dos efeitos do contrato didático, bem
como a observância de sua dimensão paradoxal como perspectiva teórica ou
como norteadores na tarefa de observação e interpretação dos dados coletados
(as aulas que assistimos e as respostas dos professores aos questionários).
Como descrevemos mais detalhadamente no referencial metodológico, a teoria
pode corroborar a investigação do que é e não é tão aparente nas situações
analisadas.
Realizados os comentários relacionados ao quadro teórico desta
investigação, passamos, à guisa de revisão das pesquisas correlatas, a discutir
alguns trabalhos que levantamos como forma de posicionarmos este trabalho em
relação à produção correlata.
71
2.3 Revisão de pesquisas correlatas
O universo de pesquisas realizadas no contexto da educação e,
especificamente, na Educação Matemática, é amplo e suas contribuições são as
mais variadas possíveis. Para corroborar o estudo do nosso tema buscamos,
incialmente, encontrar pesquisas que evidenciassem a resolução de problemas
nos anos iniciais e, em especial, que abordassem as noções de Contrato
Didático e da Teoria das Situações Didáticas. Constatamos, em nossa busca,
que há sim, trabalhos com estes temas, porém não há muitos que tratam dessas
noções nos anos iniciais da escolaridade.
Assim, nesta seção, faremos a apresentação de algumas pesquisas que
consideramos pertinentes em nossa busca na correlação ao tema por nós
desenvolvido, nas quais encontramos contribuições às discussões que
propomos. Priorizamos assim, as que tinham como cenário os anos iniciais (ou
séries próximas, como a 5ª série, atual 6º ano) e que tivessem também um olhar
para a figura do professor. A pesquisa de Fabiani (1998) da Unesp–Rio Claro,
mesmo tendo sido realizada com alunos do Ensino Médio, atraiu
especificamente nossa atenção por desenvolver um estudo pautado em uma
opção metodológica bastante similar à citada e aplicada pelos sujeitos de nossa
investigação nas aulas em que trabalham resolução de problemas, denominada
por eles de Painel de Soluções.
No artigo de Pessoa (2004), encontramos o relato de um estudo, cuja
investigação contou também com alunos do quinto ano (quarta série). Foi
realizado com 50 alunos de 9 a 13 anos de duas quartas séries de uma escola
pública estadual de Olinda, Pernambuco. O trabalho foi desenvolvido com uma
dupla de cada vez, onde os alunos resolviam três problemas, sendo orientados
para um ajudar o outro a compreender o problema, “pensando em voz alta”, para
que um soubesse o que o outro estava pensando.
Foi realizada uma análise qualitativa dos dados, observando-se as
estratégias desenvolvidas pelas duplas ao resolverem os problemas. Procurou-
se analisar como os alunos compreendiam e resolviam os problemas e a
influência do contrato didático nas estratégias de solução.
72
Segundo a autora, os problemas apresentados não eram cobertos pelo
contrato didático, pois tratavam de conteúdos ainda não vistos formalmente
pelos alunos da 4ª série. Esses problemas foram denominados problemas
abertos, e caracterizam-se pela existência de vários caminhos de resolução que
permitem chegar à solução, ao contrário dos problemas “fechados” – aqueles
comuns em sala de aula e nos livros didáticos nos quais o aluno sabe que,
fazendo determinada conta consegue resolvê-lo, ou seja, fazem parte do
contrato didático em matemática – que diz que todo problema é resolvido através
de uma conta e que, geralmente, seu enunciado dá a pista sobre qual operação
utilizar (Henry, 1991, apud Pessoa, 2004).
Problemas abertos encontram-se dentro de um domínio conceitual familiar
ao aluno (Medeiros, 1999), o qual precisará desenvolver uma estratégia
espontânea de resolução, amparado em procedimentos anteriores e não
amparado em ensino direto de um conteúdo, uma vez que este ainda não foi
trabalhado em sala de aula. Portanto, apesar de fazer parte de seu domínio
conceitual, o aluno ainda não está “instrumentalizado” sobre a “técnica” de
resolução.
Percebeu-se, fortemente, as regras implícitas do contrato didático na
aplicação da pesquisa. O primeiro procedimento das duplas, apesar das
instruções dadas, foi sempre utilizar uma das operações que eles já conheciam.
Ao serem questionados pelo pesquisador se a resposta encontrada era
válida para o problema e sobre o que entenderam sobre o mesmo, os alunos
voltavam à resolução entendendo que haviam feito errado e passavam então a
outras tentativas, com outras operações ou buscando palavras que servissem de
pistas. Só utilizavam novas estratégias quando o experimentador os lembrava
que poderiam utilizá-las e quando se esgotavam todas as possibilidades de
operações.
Essa resposta decorre de uma das regras do contrato didático que diz
que, quando o professor pergunta sobre a resolução, é porque algo não está
certo e quando ele não fala nada é porque está certo.
Observou-se que, mesmo iniciando espontaneamente as resoluções
obedecendo a regras do contrato didático, os alunos, ao serem incentivados,
73
desenvolveram estratégias interessantes de resolução. Isso se deve, segundo a
autora, ao uso de problemas abertos, que oferecem essa possibilidade de criar
diferentes caminhos, levantar diferentes hipóteses sobre a resolução e o
resultado, ou seja, favorecem a quebra das regras do contrato didático vigente
em resolução de problemas matemáticos.
Outra pesquisa de mestrado, Medeiros (1999), despertou nosso interesse
por investigar, de maneira correlata, sobre a influência do contrato didático na
resolução de problemas, sublinhando também o papel do professor nesta
relação. O objetivo era observar como a relação professor/aluno/conhecimento,
inserida no sistema didático e observada à luz do contrato didático, poderia ser
alterada quando passassem a trabalhar, na sala de aula com os problemas
abertos, procurando estabelecer uma comparação entre o trabalho com os dois
tipos de problemas. Além disso, observar as possíveis mudanças que poderiam
ocorrer na variação do trabalho com problemas fechados para abertos. Foram
observadas as respostas e estratégias dos alunos diante de problemas que não
induzissem à forma de resolução (abertos). A pesquisa foi realizada com uma
turma de 5ª série de uma escola estadual de Recife. Antes, foi feita uma
entrevista com o professor da turma para explicar o que era considerado
problema fechado e aberto, saber os conteúdos trabalhados recentemente, livro
didático adotado, quais suas expectativas quanto ao trabalho com resolução de
problemas e como vinha trabalhando este tema. Na primeira parte, foi pedido ao
professor que elaborasse um problema fechado por sessão. Ele utilizou o livro
didático e elaborou seis problemas. Na segunda parte, o professor aplicou os
problemas abertos, que foram levados pela pesquisadora, para evitar que o
professor recaísse nos efeitos do contrato didático e “fechasse” o problema. O
que emergiu da análise desse experimento foi a possibilidade de observar como
a relação do professor com o conhecimento, em cada uma das fases, não
permaneceu a mesma. Com os problemas fechados, ele passou a impressão
aos alunos de se tratar uma atividade familiar para ambos. Nesse caso o
conhecimento estava próximo do professor. Já com os problemas abertos, havia
um maior distanciamento entre o professor e o conhecimento (aqui representado
pelo problema matemático). Na primeira fase ele dizia, subliminarmente, que o
aluno deveria utilizar as regras do contrato didático para resolver os problemas.
74
Na segunda, com os problemas abertos, ele interagia com os alunos para ajudar
a estabelecer novas regras. Ao terminar esta pesquisa, levando em conta a
relação professor/aluno/conhecimento, foi observado que no trabalho com
problemas abertos ocorreu uma mudança na relação do professor com o
conhecimento e do professor com o aluno. Em cada fase do experimento, houve
uma clara diferença nessas relações. No caso da relação do aluno com o
conhecimento, havia uma maior dificuldade de surgir um novo posicionamento, o
qual poderia permitir a exploração de novas estratégias de resolução. Percebe-
se que existiram, ao longo da pesquisa, dois contratos didáticos: um com
problemas fechados e outro nas sessões com problemas abertos.
Cruz (2006), em sua pesquisa qualitativa de mestrado profissional em
Educação Matemática realizada na PUC/SP, buscou analisar e identificar
concepções, crenças, atitudes e práticas de professores de 1ª a 4ª séries do
Ensino Fundamental de uma escola da rede pública estadual de São Paulo
sobre o tema Resolução de Problemas e a disposição, por parte desses
professores, em ouvir a voz do aluno durante o processo de ensino-
aprendizagem; e se discussões, sugestões e encaminhamentos de atividades
em reuniões pedagógicas podem ser levadas a efeito, permitindo mudanças de
concepções com reflexos na prática desenvolvida na sala de aula. A pesquisa
desenvolveu-se por meio de discussões de textos, atividades, procedimentos e
processos, realizados em reuniões pedagógicas com todo o grupo de
professores da escola; da gravação das aulas de quatro professoras de 1ª a 4ª
série (uma de cada série) e assistência e análise destas por parte do
pesquisador e dos sujeitos da investigação com posteriores entrevistas com
essas professoras para a reflexão sobre a prática desenvolvida .O objetivo deste
estudo foi contribuir para o aperfeiçoamento de ações de formação de
professores em serviço tendo a escola como lócus e a perspectiva de
constituição de grupos de estudo e reflexão sobre a própria prática com foco na
resolução de problemas. As questões de pesquisa foram as seguintes: Que
concepções, professoras de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental de uma escola
da rede pública estadual de São Paulo, têm sobre Resolução de Problemas e
que atitudes revelam frente ao tema? Há disposição, por parte dessas
professoras, em ouvir a voz do aluno durante o processo de ensino-
75
aprendizagem e como elas conduzem seu discurso para permitir a participação
efetiva do grupo de alunos na aula e desencadear um processo de discussão de
hipóteses e raciocínios envolvidos e desenvolvidos para a resolução de
problemas e das situações-problema propostos? A HTPC pode ser um espaço
de formação continuada de professores que permita reflexões e provoque
modificações no trabalho desenvolvido em sala de aula? As análises concluíram
que, quanto à natureza da resolução, as professoras polivalentes que
participaram do estudo a concebiam como uma maneira de apresentar a
aplicação da matemática essencialmente em relação à habilidade de realizar
cálculos e que os alunos para resolver problemas devem dominar alguns pré-
requisitos e a teoria pertinente, ler e interpretar um texto escrito. Também
concluiu-se que as professoras compreendiam a resolução de problemas como
uma aplicação de algoritmos e que os problemas são utilizados para testar a
aprendizagem sobre os conteúdos matemáticos abordados e não como
metodologia de ensino. Quanto à HTPC, foi considerada como um importante
espaço de formação continuada, porém insuficiente para que se tenha uma
mudança de impacto no processo de ensino e aprendizagem.
A dissertação de mestrado de Fabiani (1998), desenvolvida na Unesp –
Rio Claro, intitulada “Números Complexos via Resolução de Problemas”, teve
como objetivo principal apresentar uma proposta de trabalho para a sala de aula
direcionada ao ensino-aprendizagem dos números complexos com compreensão
e significado, no Ensino Médio. A proposta foi elaborada segundo o ensino da
matemática via resolução de problemas. Para desenvolver este projeto foi
necessário trabalhar sobre o conhecimento matemático dos professores e sobre
as crenças que traziam a respeito da matemática e do ensino-aprendizagem de
matemática. Com a participação dos professores, esquematizaram uma aula na
qual um objeto matemático fosse trabalhado, visando a um ensino-aprendizagem
acompanhado de compreensão e significado, através da resolução de
problemas. A proposta desenvolveu-se da seguinte forma: (a) Formar Grupos e
entregar uma atividade, valorizando os processos de interação e conhecimento
compartilhado; (b) Destacar o papel do professor: mudando-o de comunicador
do conhecimento para o de observador, organizador, mediador, controlador e
incentivador da aprendizagem; (c) Resultados na lousa: todos os resultados
76
obtidos pelos alunos são expostos: certos, errados ou feitos por diferentes
procedimentos ou estratégias; (d) Plenária: O professor chama todos os alunos,
de todos os grupos, para uma assembleia plena, para defenderem seus pontos
de vista e escutarem os dos colegas; (e) Análise dos resultados: nessa fase os
pontos de dificuldade descobertos pelos alunos são novamente trabalhados.
Surgem problemas secundários que, se não resolvidos, poderão impedir que se
leve o trabalho à frente. O aspecto exploração é deveras importante nesta
análise; (f) Consenso: a partir da análise feita, com a decorrente retirada das
dúvidas, busca-se um consenso sobre o resultado pretendido; (g) Formalização:
Num trabalho conjunto dos alunos com o professor, com este último dirigindo o
trabalho, é feita uma síntese do que se objetivava aprender a partir do problema
dado. São colocadas as devidas definições, identificadas as propriedades e
feitas as demonstrações, dando destaque ao que de novo se construiu em
matemática, utilizando já novas terminologias. A pesquisa valorizou esse tipo de
abordagem incentivando-a para a prática pedagógica em matemática.
Terminada esta seção que agrega contribuições interessantes à nossa
investigação e por consequência à análise de nossos dados, passaremos no
próximo capítulo à descrição de nossa metodologia.
77
CAPÍTULO TRÊS
Não basta acumular dados. É preciso
articular, deduzir uma coisa de outra.
O conhecimento é um entrelaçamento
de significados.
Nilson José Machado
APORTES METODOLÓGICOS
O objetivo deste capítulo é apresentar o referencial metodológico, bem
como descrever o percurso e os procedimentos desenvolvidos na realização
desta pesquisa. Também caracterizaremos os instrumentos utilizados na
investigação, os sujeitos participantes e o contexto no qual se inserem.
3.1 Natureza e procedimentos metodológicos
3.1.1 Pesquisa Qualitativa
Para responder aos questionamentos realizados neste trabalho, optamos
por uma pesquisa que se caracteriza como qualitativa. Nessa abordagem, de
acordo com Appolinário (2009, p.155), “os dados são coletados através de
interações sociais e analisados subjetivamente pelo pesquisador”.
Pensando no contexto em que se insere o tema abordado, justificamos a
escolha da pesquisa qualitativa por concordarmos com Luna (1998) e Lüdke e
André (1986) quando asseveram que a pesquisa qualitativa preocupa-se com
um nível de qualidade que não pode ser quantificado diretamente e atua em um
universo de significados, motivos, crenças e valores.
Desta forma, compreendemos que, a pesquisa qualitativa seria a mais
indicada para atingir os objetivos a que nos propusemos e responder às
perguntas que desencadearam este estudo. Como a origem de nossas
questões, retomamos, nasceu da própria atuação em sala de aula, é para ela
que voltamos nossas lentes de observação, porém sob novo prisma, o de
entender os fenômenos que perpassam as aulas de matemática dos anos
78
iniciais, do ponto de vista da Teoria das Situações Didáticas e em particular,
como se manifestam os fenômenos relativos ao contrato didático, suas rupturas
e negociações levando em conta todo o dinamismo que ocorre nesse ambiente.
Segundo Morse (1994, apud BORBA E ARAÚJO, 2004, p.220): “A chave
para selecionar um tópico de pesquisa com qualidade é identificar algo que
prenderá nossa atenção no decorrer do tempo”.
E quando um professor (de Matemática) se dispõe a realizar uma pesquisa na área de Educação (Matemática), talvez seja porque ele vem problematizando sua prática, o que poderá levá-lo a se dedicar com afinco ao desenvolvimento de uma pesquisa originada dessa problematização, e, para isso, é preciso que ele sintetize suas inquietações iniciais em uma (primeira) pergunta diretriz. Isso está de acordo com Morse (1994), quando afirma que, muitas vezes, as questões de pesquisa se originam na própria prática profissional do pesquisador (MORSE apud BORBA E ARAÚJO, 2004, p. 220).
Justamente por buscarmos respostas às questões nascidas em nossa
própria prática profissional, e por suas particularidades já descritas, outro ponto
que justifica a escolha pela abordagem qualitativa é sua essência descritiva,
fundamental para a compreensão dos fenômenos que queremos investigar.
Oliveira (2007, p.30) traz à tona a importância da descrição para a interpretação
dos dados:
Uma pesquisa de caráter qualitativo é descritiva, sendo que palavras e/ou imagens são mais adequadas à descrição do que números. São comuns na apresentação dos resultados, excertos retirados dos dados, de forma a “ilustrar e substanciar a apresentação”, procurando respeitar a forma pela qual foram obtidos. Os relatórios resultantes podem, desta maneira, surgir de forma minuciosa, considerando que nenhuma visão de mundo pode ser reduzida à trivialidade e nenhum detalhe é vazio de significado (OLIVEIRA, 2007, p.30).
Bogdan e Biklen (1994) também apresentam algumas características que
delimitam e especificam a pesquisa qualitativa, as quais se afinaram
efetivamente com os propósitos deste trabalho. São elas:
O pesquisador é o instrumento mais valioso neste tipo de estudo e o
ambiente natural sua fonte direta de dados. Os autores enfatizam a
79
relevância do contexto onde ocorrem os fenômenos e a presença do
investigador in loco permite que este possa analisá-lo e compreender
melhor como ocorrem as interações em suas diversas perspectivas
(realizamos questionários com professores na escola e depois fizemos
observação de suas aulas).
“Os dados coletados são predominantemente descritivos...Todos os
dados da realidade são considerados importantes”. Assim, o material
coletado nessa modalidade de pesquisa consiste de abundantes
descrições de pessoas, situações e fatos; pode incluir transcrições de
entrevistas, relatos, questionários, fotografias etc. (realizamos detalhadas
descrições das aulas as quais assistimos, bem como dos sujeitos, do
ambiente investigado e da aplicação dos questionários).
A ênfase é dada muito mais para o processo da investigação do que para
o produto ou resultados; o que importa é a maneira como ocorrem as
interações na problemática observada e em seu ambiente natural. Assim,
é sempre possível que as interações tragam respostas para as questões
elaboradas, porém também é provável que levantem ou tragam à tona
outras questões entrelaçadas à teoria que embasou determinado estudo.
O “significado” que os sujeitos dão aos fatos deve ser um foco de atenção
sui generis; em sua observação o pesquisador deve tentar apreender as
diferentes perspectivas que estes tenham sobre as questões focalizadas e
não perdê-las de vista em suas análises (preparamos um questionário
que objetivou levantar o perfil dos professores e suas concepções sobre a
Resolução de Problemas).
Ao refletir sobre o processo de observar e descrever, não podemos nos
furtar do pensamento sobre o ato de interpretar. Optamos também por esta
escolha na construção do método, o enfoque interpretativo. Isto posto, julgamos
que, como o objeto de estudo desta pesquisa são as relações que se
desenvolvem nas aulas de matemática, e as posturas metodológicas dos
professores quanto à Resolução de Problemas, bem como suas concepções
quanto a este tema e a interferência que exercem em sua prática, entendemos
que a observação de suas aulas e subsequentes descrições teriam um papel
80
imprescindível na coleta e posterior análise de dados, somando-se à
interpretação, fundamentada em nosso quadro teórico.
Nesse sentido Bogdan e Biklen (1994, pp.205-206), refletem sobre essa
abordagem, considerando que a tarefa analítica consiste no trabalho de
“interpretar e tornar compreensíveis os materiais recolhidos (...)”. Além disso,
afirmam que a tarefa de análise pode ser concomitante em relação à coleta de
dados e que esta abordagem é utilizada mais frequentemente por pesquisadores
qualitativos.
Para Lüdke e André (1986), analisar os dados significa “trabalhar” todo o
material apreendido no decorrer da investigação, abrangendo todas as técnicas
de coleta que foram empregadas. Afirmam que o trabalho de análise consiste na
organização desse material num primeiro momento; identificando tendências e
padrões relevantes. Em um segundo momento, o movimento é o de reavaliação,
buscando-se relações e inferências em um nível de abstração mais elevado.
Para as autoras, o trabalho de análise está presente em vários estágios
da investigação, porém, ocorre de forma mais sistemática e formal após o
término da fase de coleta. Desde o início do estudo, fizemos uso de
procedimentos analíticos, como verificarmos, por exemplo, a pertinência das
questões elaboradas frente às características do fenômeno pesquisado.
Assim, procedemos nesse estudo, inclusive quanto à formação das
categorias de análise, as quais trataremos no capítulo a seguir. Vale ressaltar
que o método de análise supracitado ocorreu processualmente e de maneira
gradativa, apoiando-se fundamentalmente nos princípios teóricos adotados como
diretrizes para compreensão da problemática investigada. Mesmo a execução de
tarefas “mecânicas”, como as transcrições de aulas gravadas em áudio, por
exemplo, foram momentos que trouxeram reflexões acerca dos propósitos
investigativos. A leitura atenta às respostas dos sujeitos aos questionários,
também contribuiu e orientou os focos de observação das aulas, bem como suas
análises em conformidade com a proposta do estudo.
No contexto deste trabalho, a opção pela pesquisa qualitativa mostrou-se,
desde os estágios iniciais do planejamento, aquela que nos parecia a mais
adequada. As questões geradoras da investigação nos impulsionavam a uma
81
busca de sentidos e significados e apresentavam, desde o início, um caráter
bastante particular, não podendo ser generalizadas, de acordo com Oliveira
(2007), em torno de quantidades sempre aplicáveis e de percentuais infalíveis,
necessitando, antes, descrições que apontassem na busca de respostas
direcionadas pelo problema e pelas questões norteadoras.
3.1.2 Coleta de Dados
Em nossa pesquisa, a coleta de dados foi realizada com dois
instrumentos: um questionário com questões abertas, aplicado a seis
professoras polivalentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental (2º ao 5º ano)
e posterior observação de aulas dessas professoras nas quais as mesmas
trabalhassem com Resolução de Problemas.
Segundo Fiorentini e Lorenzato (2009), o uso de questionários em
pesquisas qualitativas pode servir como fonte complementar de informações,
principalmente na etapa inicial e exploratória da pesquisa, além de caracterizar e
descrever os sujeitos do estudo. Nosso questionário priorizou questões abertas,
aquelas que, de acordo com esses autores, não apresentam alternativas para as
respostas e que favorecem a captura, pelo pesquisador, até mesmo de alguma
informação não prevista por ele ou pela literatura.
Retomamos aqui, brevemente o questionário e seu planejamento, porém,
também o encontramos no Anexo A, na forma como foi entregue aos sujeitos.
Especificamente nesta investigação, o questionário, teve também como
escopo, iluminar o significado atribuído pelos sujeitos ao que vivenciam em
situações cotidianas. Para descortinar as características que nele se encontram
subjacentes, “o pesquisador se põe em contato e analisa as diferentes
perspectivas de determinados fatos ou descrições, sob o ponto de vista dos
diversos sujeitos” (OLIVEIRA, 2007, p.31).
Assim, ao propormos inicialmente os questionários, buscamos desvelar os
perfis de cada professor, bem como investigar como compreendem a
metodologia de Resolução de Problemas, ou seja, quais suas crenças e
concepções sobre o que é e como aplicá-la em suas aulas, e a maneira como
anunciam suas atitudes a esse respeito em sua prática. Esse instrumento busca
82
revelar o dinamismo interno das situações, considerando os pontos de vista dos
sujeitos e a lógica que vislumbram nas vivências de sua pratica.
Os questionários desta pesquisa foram aplicados no início da coleta de
dados, no mês de junho de 2013. Colocamos na parte inicial uma breve
apresentação do trabalho e a sinalização de que haveria sigilo quanto à
identidade do participante.
A primeira parte do questionário objetivava conhecer o perfil profissional
dos sujeitos por meio dos seguintes itens: qual a série em que lecionam
atualmente, tempo de experiência como docentes e sua formação (graduação e
especializações).
Em seguida, preparamos seis questões sobre a Resolução de Problemas
nas aulas de matemática destes professores, almejando trazer respostas que
expusessem as ideias, concepções e a descrição de como enxergam e
descrevem sua própria prática neste contexto. Procuramos encadeá-las de
forma que uma complementasse a outra e, além disso, nas duas últimas,
pensamos em questões nas quais o professor pudesse expor obstáculos ou
possíveis bloqueios que pudesse sentir com relação a este tema. O quadro 6
apresenta as seis questões, para melhor compreensão de sua sequência e
conexão.
Quadro 6 – O questionário
1. Você trabalha com Resolução de Problemas nas aulas de Matemática? Em
que momentos?
2. De que forma desenvolve este trabalho? (Quais recursos, posturas... ou
situações cria em sala de aula para isso).
3. Com que frequência trabalha Resolução de Problemas nas aulas de
Matemática?
4. Sente alguma dificuldade nessa abordagem? Qual (quais)?
5. Em aulas de Matemática, em sua opinião, o que é um problema?
6. Em que momentos você se sente mais à vontade para trabalhar com
Resolução de Problemas na sala de aula?
Fonte: dados da pesquisa
83
Todas as professoras pediram para responder o questionário em casa.
Pedimos que fizessem uma leitura prévia, em papel, ao nosso lado para
esclarecer possíveis dúvidas quanto aos questionamentos. Todas leram e
disseram que não havia nenhuma dificuldade na compreensão. Assim
receberam os arquivos por e-mail para responder.
Curiosamente, na entrega dos questionários respondidos pelos sujeitos
participantes à pesquisadora, todos, sem exceção, ao devolvê-los, pediram para
ver “se estava bom” e se colocaram à disposição para melhorá-los ou completá-
los se fosse necessário. Alguns disseram: “- Não sei se era isso que você queria”
ou “- Não sei se respondi certo...”.
O segundo instrumento de coleta, as observações de aula, foi aplicado
posteriormente a esta fase, nos meses subsequentes. Para Lüdke e André
(1986), a observação em pesquisa qualitativa apresenta uma série de vantagens
por permitir um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno
pesquisado, entre elas:
Sendo o principal instrumento de investigação, o observador pode recorrer aos conhecimentos e experiências pessoais como auxiliares no processo de compreensão e interpretação do fenômeno estudado. A introspecção e a reflexão pessoal têm papel importante na pesquisa naturalística. A observação direta permite também que o observador chegue mais perto da “perspectiva dos sujeitos”, um importante alvo nas abordagens qualitativas. Na medida em que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e ás suas próprias ações. (LUDKE E ANDRÉ, 1986, p.26).
As observações tiveram como lócus as salas de aula do Ensino
Fundamental I da escola na qual desenvolvemos a pesquisa, e onde lecionam os
professores, sujeitos dessa investigação, ocorrendo tanto no período da manhã
como no da tarde. O objetivo deste instrumento foi o de observar como os
professores, em sua ação pedagógica, ativam os mecanismos relacionados aos
elementos teóricos discutidos nesse trabalho e como lidam com eles: como se
84
dá o estabelecimento do contrato didático, o desenvolvimento de processos
investigativos nas aulas e a forma como compreendem problema em suas aulas.
Ao convidar as professoras para participarem da pesquisa, pedimos
autorização para observar uma aula sua e também para a gravarmos em áudio
ou vídeo. Todas concordaram prontamente. Como explicaremos a seguir, essa é
uma prática que, à parte desta pesquisa, tem sido incentivada e solicitada pelos
gestores do colégio, objetivando a discussão entre os grupos de professores,
assessores e coordenadores sobre a tematização da prática, e tornou-se objeto
de estudo nas reuniões pedagógicas e de assessoria.
Assim, esta é uma ação que teve início há alguns meses, sendo comum
que assessores, orientadores ou coordenadores assistam às aulas de
professores de diversos anos para, depois, levantar temas a partir destas
observações e lançá-los à discussão junto ao corpo docente. Desta forma, a
presença de uma pessoa diferente na sala de aula não causou tanto
estranhamento por não ser exatamente uma novidade, nem para os professores,
nem para os alunos.
Ao agendarmos as observações com os sujeitos, pedimos que fosse uma
aula em que trabalhassem com resolução de problemas, tema do estudo em
questão. Esclarecemos que poderia ser uma aula do próprio planejamento do
mês, se quisessem, e que não precisariam necessariamente preparar uma aula
para isso. Três das professoras observadas optaram por preparar uma outra
aula, especificamente para a aula em que ocorreria a observação. Justificaram
que não havia mais situações-problema no planejamento do mês em que
pudessem fazer o Painel de Soluções, portanto, acharam as situações que
criaram mais interessantes do que as que ainda tinham no planejamento para
ministrar.
Um ponto significativo e necessário a esclarecer é como funciona a
organização e preparo dos planejamentos no Fundamental I na escola em que
se desenvolveu este estudo. Como há uma média de 6 a 8 turmas de cada ano,
incluindo os períodos manhã e tarde, há uma divisão por disciplinas e uma ou
duas professoras juntas preparam os planejamentos mensais, incluindo
trabalhos, atividades extras e avaliações, e todo o grupo aplica. Nos momentos
85
das reuniões em grupo-série, todas juntas definem metas, expectativas e
objetivos resolvem situações avaliativas, metodológicas etc.
Desta forma, três professoras observadas optaram por preparar uma
atividade extra especificamente para as observações, como dissemos, e as
outras encontraram atividades do plano mensal em que pudessem trabalhar a
resolução de problemas.
Nas gravações em áudio, deixamos o gravador na mesa do professor.
Nas aulas em que havia alguma interação do professor com os alunos, o
acompanhamos com o gravador (que era bem pequeno) na mão.
Nosso objetivo ao optar por estes dois instrumentos foi o de identificar
relações entre o discurso dos professores e suas ações em sala de aula,
verificadas perante as observações e pautadas no referencial teórico
pesquisado. Segundo Lüdke e André (1896, p.1), “para realizar uma pesquisa é
preciso promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações
coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a
respeito dele”.
Nos itens a seguir caracterizaremos tanto o ambiente onde se
desenvolveu o trabalho, como os sujeitos investigados.
3.1.3 O Cenário da Pesquisa
A escola na qual se desenvolveu a investigação pertence à rede particular
de ensino e situa-se na zona oeste do município de São Paulo. É uma escola
que atende à classe média alta e possui nome conceituado, mediante boas
colocações recentes no ENEM e nos vestibulares, e que vem, por meio de
cursos e capacitação dos professores, buscando aperfeiçoar seu sistema de
ensino. Nos últimos sete anos consecutivos obteve colocação entre as dez
melhores escolas de São Paulo, tendo como referência o ENEM.
O colégio conta atualmente com 2660 alunos matriculados, sendo que
aproximadamente, 1200 alunos são da Educação Infantil ao quinto ano do
Ensino Fundamental I. Há, neste ano de 2013, doze salas de 1º ano, oito de 2º
ano, seis de 3º, seis de 4º e oito salas de 5º ano. As salas de 2º ano têm entre
86
25 e 30 alunos por turma, uma professora e uma auxiliar de classe (que na
verdade é uma estagiária do curso de Pedagogia). As salas de 3º ao 5º ano têm
até 35 alunos por turma e as professoras não contam com auxiliar.
Normalmente, o número de alunos fica entre 32 a 35 alunos.
Do 2º ao quarto ano, cada turma tem uma professora polivalente, que
leciona as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia,
Filosofia e Ciências e os demais professores especialistas: Música, Arte,
Educação Física, Inglês, Xadrez e Informática. A partir do quinto ano, visando
facilitar a passagem para o Ensino Fundamental II, há uma divisão de
disciplinas; uma professora para Língua Portuguesa e Ciências, uma para
Matemática e Filosofia e uma para História e Geografia.
Neste segmento, os professores contam com assessorias externas, ou
grupos de formação e pesquisa. Em Matemática, isto ocorre desde 2009. A
assessoria externa, atualmente, assiste às professoras em três instâncias:
Assessoria a planejamento: Reuniões de duas horas-aula, com o
grupo de professores da série para encaminhamento dos planos
mensais e sequências didáticas. A frequência deste encontro já foi
mensal, porém, à época da pesquisa, ocorria duas vezes por
semestre aproximadamente, pois muitas sequências já estavam
construídas e organizadas no currículo.
Grupo de Estudo: Ocorria, à época da pesquisa, em torno de uma
vez por trimestre. Teve como objetivo, desde o início atender às
necessidades imediatas dos professores, em questões conceituais
da matemática. Primeiramente, contemplou o eixo Números e
Operações. Foi um longo módulo de estudo e, a partir dele, foram
construídas sequências didáticas para o trabalho com as quatro
operações em todo o nível do fundamental 1, desde as ideias das
operações até o algoritmo convencional. Também ocorreram
alguns estudos sobre conceitos desenvolvidos em Geometria. No
ano de 2013, o estudo desenvolvido foi a Resolução de Problemas,
e o viés a ser estudado nesse campo foi o trabalho com a leitura de
problemas. O módulo teve 5 aulas, e terminou no mês de
setembro;
87
Observação de Aulas: Ocorre aproximadamente uma vez por
semestre. A assessora externa, junto à coordenação e assessora
interna (cargo da pesquisadora) seleciona professores de
diferentes anos para observar as aulas e acompanhar as
sequências encaminhadas nos planejamentos, bem como o
desenvolvimento dos alunos nessas aulas e as posturas
metodológicas desenvolvidas pelos professores.
A partir dessa observação, a assessoria externa sentiu também a
necessidade de um estudo sobre Resolução de Problemas e de uma
organização, no currículo do Ensino Fundamental 1 (2º ao 5º ano), deste “eixo”
para que haja um planejamento coeso do trabalho. Esta também foi uma
solicitação dos professores, que dizem sentir-se “perdidos” na hora de planejar e
selecionar problemas: relatam que sentem-se trabalhando as mesmas coisas,
nos diferentes anos, sem perceber avanço nos alunos.
3.1.4 Descrição dos Sujeitos da Pesquisa
Para a escolha dos sujeitos da pesquisa, adotamos os seguintes critérios:
Buscamos professores que já tinham um certo tempo de casa, que já
tivessem se apropriado das rotinas e filosofia da escola e com algum
tempo de participação na assessoria externa;
A seleção dos sujeitos foi conforme o interesse pessoal pela pesquisa
e disponibilidade. Conhecer bem os sujeitos, neste caso, foi um fator
determinante no sentido de saber que há alguns professores que se
incomodam com a prática de observação de aula e não se sentem
confortáveis nesta situação;
Procuramos contemplar ao menos o professor de um ano do nível
Fundamental 1.
Antes da aplicação dos instrumentos, foi realizada, junto às participantes,
um esclarecimento a respeito do tema, objetivos e metodologia. Identificamos as
professoras neste trabalho com nomes fictícios.
88
A professora Ana tem 43 anos de idade, leciona há 25 anos e sua
experiência maior é com 3º, 4º e 5º ano do Ensino Fundamental. É formada em
Magistério com habilitação específica em Pré-escola e graduada em Psicologia.
Tem também especialização em Psicopedagogia e em Educação Matemática
(lato-sensu). Leciona atualmente para o 4º ano e trabalha como professora no
colégio há 8 anos.
A professora Joyce tem 45 anos e também leciona para o 4º ano. É
professora dos anos iniciais há 25 anos, trabalhando com 3º, 4º e 5º ano. Fez
Magistério, Pedagogia e tem especialização em Psicopedagogia Clínica. Está há
3 anos no colégio.
A professora Marília tem 46 anos e sua formação é em Pedagogia com
especialização em Psicopedagogia. Leciona há 28 anos para os anos iniciais do
Ensino Fundamental. Atualmente dá aula de Matemática para o 5º ano. Está há
sete anos no colégio.
A professora Carmem tem 44 anos e leciona para o 2º ano. Atua como
professora há 25 anos, lecionando nos anos finais da Educação Infantil (1º ano)
e 2º ano do Ensino Fundamental. Sua formação é o ensino superior completo
(Pedagogia) e tem Especialização em Educação Ambiental. Atualmente ministra
aulas para o 2º ano e está na escola há dezessete anos.
A professora Fernanda tem 48 anos e leciona há 30 anos. Sua formação
é em Pedagogia e tem Especialização em Neurociência e Transtornos de
Aprendizagem. Leciona há 30 anos sendo que durante 10 atuou na coordenação
pedagógica (em outro colégio). Trabalha na escola há 9 anos, todos com o 2º
ano.
A professora Maria Clara tem 41 anos e leciona para o 3º ano. Sua
formação é em Arte (licenciatura plena em Música e Artes Plásticas); Pós-
graduação Lato Sensu em Lazer e Animação Sócio- Cultural; Pós-graduação
Lato Sensu em Neuroeducação. No Ensino Fundamental 1 sua experiência
maior é com 2º e 3º ano. Trabalha no colégio há 6 anos.
Pudemos observar que a maioria das professoras que responderam ao
questionário possuem graduação em Pedagogia, apenas uma em Psicologia.
Também possuem uma especialização em nível de pós-graduação latu sensu,
89
sendo que três são em Psicopedagogia. Somente uma das professoras possui
mais de uma especialização e esta é em Educação Matemática.
Para além disso, gostaríamos ainda de ressaltar que, cada uma, a seu
modo, teceu um comentário sobre o tema, valorizando a iniciativa da pesquisa
em nosso ambiente de trabalho o que reforça a ideia de que este é um assunto
que, ainda nos dias de hoje, principalmente por parte das professoras
polivalentes dos anos iniciais, tem uma demanda de estudo de muitas
discussões.
Encerrada a apresentação da metodologia deste trabalho, passaremos,
no próximo capítulo, à interpretação e análises dos dados obtidos, sustentadas
pelas opções metodológicas e pelos aportes teóricos que elegemos como
referencial.
90
91
CAPÍTULO QUATRO
Nesse percurso, coloco-me no próprio
centro do risco que é a tensão entre o
já-dito e o a-se-dizer. Assim, aceito
passar pelos mesmos lugares,
procurando o que me leva a conhecer
alguma coisa a mais a respeito dos
objetos provisoriamente tomados para
a reflexão.
Eni Orlandi
DESCRIÇÃO E ANÁLISES DOS DADOS
O objetivo deste capítulo é descrever e analisar os dados coletados a
partir dos instrumentos aplicados: o questionário e posteriormente as
observações de aula dos sujeitos participantes deste estudo.
Considerando que tivemos dois agrupamentos de dados – um obtido
pelos questionários e outro pelas aulas observadas, procuramos organizar as
categorias de análise desta pesquisa da seguinte forma:
1. Resolução de Problemas: concepções, crenças e atitudes anunciadas
por um grupo de professoras – Reunimos aqui dados e análises sobre o
discurso de seis professoras a respeito da Resolução de Problemas nas aulas
de Matemática, levantados a partir do questionário. Endossamos que além de
proporcionar melhor compreensão do fenômeno investigado, este instrumento
também corrobora no sentido de pautar e orientar as análises do segundo
instrumento, que é a observação da prática dos sujeitos envolvidos na pesquisa.
2. Resolução de Problemas: Um confronto entre o discurso e a prática –
trataremos aqui os dados referentes à prática dos sujeitos investigados (as aulas
observadas), confrontando-os perante as próprias concepções reveladas e
analisando-os em conformidade com nosso quadro teórico, fundamentado em
Brousseau e a Teoria das Situações Didáticas, buscando indícios que revelem a
92
influência do contrato didático nas relações estabelecidas entre essas
professoras e os alunos, que possam justificar e explicar as hipóteses que
originaram este estudo.
4.1 O questionário e a categoria “Resolução de Problemas: concepções,
crenças e atitudes anunciadas por um grupo de professoras”
4.1.1 A primeira pergunta: “Você trabalha com Resolução de Problemas
nas aulas de Matemática? Em que momentos? ”
Um dos objetivos do questionário era levantar, como já mencionamos, se
para estes sujeitos a resolução de problemas em matemática é vista como um
eixo metodológico ou como um conteúdo a mais a ser trabalhado nas aulas de
matemática.
A primeira questão, trouxe-nos duas respostas bastante objetivas,
referindo-se a essa aula como um conteúdo a ser trabalhado:
Joyce: Trabalho resolução de problemas três vezes por semana, em atividades
do livro, caderno e fichinhas (folhas).
Marília: Sim, em nosso planejamento temos prevista 1 aula para resolução de
problemas a cada 15 dias.
Essas respostas podem ser um indicativo de que, para essas
professoras há uma aula específica, em matemática, na qual se trabalha com a
atividade “problemas”, descartando a hipótese desses problemas estarem
presentes em diversas situações funcionando como ferramentas didáticas para
desencadear discussões ou mesmo para introduzir novos conceitos. Não
tivemos constância suficiente em nossas observações para fazer essa
afirmação, porém as observações de aula, ou seja, da prática dos sujeitos,
podem reforçar essa suposição. Para Vila e Callejo (2007), a criação de um
ambiente de resolução de problemas em aula é mais um desafio que uma
proposta. Segundo os autores:
Quando nos referimos a isso, nós o fazemos na linha de Abrantes (1996), que ele chama de “Resolução de Problemas
93
como ambiente e como natureza das atividades de aprendizagem”. Nesse modelo, a resolução de problemas não deveria ser uma categoria de atividades diferenciadas na aula, nem um recurso de motivação externa, nem uma ferramenta de aplicação de conhecimentos, mas um contexto – e a aula de matemática deveria ser um lugar em que todas as propostas de trabalho construíssem situações-problema que cabem explorar e fazer despertar diversas formas de raciocínio e processos, como experimentar, conjecturar, justificar etc. Evidentemente Abrantes fala da resolução de problemas como uma organizadora da aula, ou seja, ao mesmo tempo como objetivo, metodologia e conteúdo. (p.168).
Outras quatro professoras, também responderam que havia aulas
específicas para isso. Porém, duas delas ressaltaram o papel do professor na
problematização de diversas situações que ocorrem nas aulas:
Ana: Sim, sempre. Especificamente trabalho uma vez na semana com
situações-problema, mas procuro problematizar todas as atividades propostas
que exigem do aluno a escolha do melhor caminho para resolvê-las.
Carmem: Sim. A resolução de problemas faz parte do dia-a-dia no
desenvolvimento do trabalho em Matemática. Faz parte da postura do professor
questionar, propor desafios, elaborar perguntas para que possamos descobrir
como nossos alunos pensam e como pensam e assim, melhor ajudá-los em
seu desenvolvimento. Apesar disto, uma vez por semana, em nossa grade de
planejamento, há uma atividade pensada especificamente para o
desenvolvimento desta competência.
As outras duas professoras referiram-se a outros conteúdos matemáticos,
ou eixos desenvolvidos na matemática, em que trabalham com resolução de
problemas “fora dos dias designados”.
Fernanda: Sim. Organizamos o planejamento por eixos e temos 1 dia
específico para resolução de problemas. No entanto, a resolução de problemas
envolve os demais eixos e situações do dia a dia, sendo uma prática diária
envolver-se com resolução de problemas.
Maria Clara: Sim. De acordo com o planejamento da série é previsto trabalhar
especificamente com Resolução de Problemas a cada quinze dias, porém
94
diversos conteúdos são desenvolvidos por meio de situações-problemas, como
hora, sistema monetário, problematização de jogos, tabuada etc.
Pudemos observar que, para todas, a resolução de problemas tem uma
aula, distinta no planejamento, para ser trabalhada com os alunos. Para duas
delas, esse tema pode extrapolar as aulas quando no desenvolvimento de outros
conteúdos (portanto, em outras aulas) e para outras duas professoras, trabalhar
a resolução de problemas significa também problematizar e propor desafios nas
demais atividades desenvolvidas, indicando uma postura metodológica do
professor. Nenhuma delas destacou efetivamente de que maneira ocorrem estas
problematizações em outros momentos: se na introdução de novos conteúdos,
se para trabalhar alguma dificuldade específica da classe, ou para desencadear
processos de discussão e argumentação dos alunos.
Cabe destacar, na resposta da professora Maria Clara, a expressão “- (...)
Diversos conteúdos são resolvidos por meio de situações-problemas(...)”; porém,
o trabalho com resolução de problemas, fora dessas aulas exclusivas, ficou um
tanto vago nas descrições, revelando que a prática voltada para o ensino por
meio da resolução de problemas tem mesmo uma “hora marcada” para
acontecer. De acordo com o texto de English e Sriraman (2013), encontramos
ainda hoje a concepção de que a resolução de problemas é vista como
independente e isolada do desenvolvimento das ideias matemáticas centrais,
das compreensões e dos processos, sendo tratada como um tema isolado.
Constatamos também que a maioria das professoras evidenciou em suas
respostas, mesmo que de maneira intuitiva, a importância de problematizar e
propor desafios nas aulas. As falas se aproximam das ideias de Brousseau
(2008) sobre a importância da organização do meio em que ocorrem as
interações dos sujeitos nas aulas, ou o milieu, como apresentamos no capítulo
dois deste estudo. Esse meio deve ser o sistema antagonista e exterior ao
sujeito, que permite reflexões a respeito de suas ações e aprendizagem. Porém,
de acordo com Almouloud (2010), é tarefa do professor organizar esse milieu no
qual poderão ser desenvolvidas as situações suscetíveis de provocar as
aprendizagens, e que, para ser eficiente, deve ser munido de intenções didáticas
por parte do mesmo. O que percebemos é que isso ainda não ocorre de maneira
efetiva e constante nas aulas.
95
Assim, consideramos que essa abordagem ainda é bastante limitada para
a grande maioria dos professores e, quando é incorporada à prática escolar, se
mostra como um item isolado, desenvolvido paralelamente à aprendizagem.
Para Brousseau (1996), o professor deve simular, na sala de aula, uma
microsociedade científica, se quer que os conhecimentos sejam meios
econômicos para colocar boas questões e resolver debates, se quer que as
linguagens sejam meios para dominar situações de formulação e que as
demonstrações sejam provas. Presumimos que, para que este trabalho ocorra
de forma mais efetiva, há a necessidade de que os docentes conheçam melhor e
compreendam esta teoria, o que, neste caso, poderia estar vinculado à formação
continuada (grupo de estudos) e discussão sobre a prática, por meio de
observações de aulas aos pares e reflexões com o grupo de professores.
4.1.2 A segunda pergunta: “De que forma desenvolve este trabalho?
(Quais recursos, posturas... ou situações cria em sala de aula para
isso)”
A segunda questão buscava identificar o que os professores reconhecem
como procedimentos metodológicos desenvolvidos nas aulas de resolução de
problemas, bem como os recursos que julgam eficientes no desenrolar desse
trabalho com os alunos.
Os seis sujeitos dessa pesquisa que responderam ao questionário
mencionaram nessa resposta o Painel de Soluções, o que nos leva a conferir a
essa estratégia o status de uma postura instituída pelas professoras dessa
escola como metodologia para o trabalho com resolução de problemas.
Cabe aqui ressaltar, que este trabalho foi introduzido pela assessoria
externa e orientado, tanto nos planejamentos por série como nos grupos de
estudo.
Assim, o título Painel de Soluções, descreve uma espécie de plenária
onde os alunos apresentam seus resultados ou procedimentos realizados na
solução de um problema, visando desencadear uma discussão, comparação e
análise dos mesmos pela classe, proporcionar uma reflexão sobre a atividade e
conteúdo explorado e uma autorreflexão sobre o próprio desempenho e
96
progresso na atividade proposta. Apesar de não terem estudado a TSD, pelo que
nos indicam as respostas aos questionários e pelas aulas que observamos e que
no próximo item descreveremos, intuitivamente, as professoras se aproximam,
nesse momento, da dialética de institucionalização, entendendo que é
especialmente nesse âmbito que ocorrerão aprendizagens e formalizações.
É necessário também destacar que esta estratégia foi adquirida pelas
professoras como um procedimento, quase como uma receita, sem um estudo
mais aprofundado, como o que descrevemos no trabalho de Fabiani (1998),
destacado anteriormente neste relatório. Assim percebemos nas descrições das
respostas algumas divergências para com a proposta, como a utilização de
problemas convencionais ou de lógica, que apresentam pouca ou quase
nenhuma diversidade de procedimentos na resolução, o que provavelmente
empobrece tanto a dinâmica quanto as discussões, invalidando possivelmente
também o momento da institucionalização. Neste caso, de acordo com a TSD,
deixa de ocorrer a devolução de um problema e o que acontece é mesmo a
apresentação de exercícios matemáticos. Sobre esse aspecto encontramos nas
respostas dadas ao nosso instrumento (o questionário):
Marília: Em algumas resoluções os alunos sentam em dupla. Os alunos
recebem uns 5 problemas (convencional) e iniciam a resolução. Chamo alguns
alunos para colocarem suas resoluções na lousa, discutimos cada uma delas.
Também trabalhei com problemas de lógica.
Joyce: Quando se trata de um problema convencional, corrijo individualmente
ou faço na lousa, para autocorreção e possíveis considerações. Quando a
resolução é em grupo, espero que resolvam, passo observando, fazendo
possíveis interferências. Escolho diferentes resoluções para serem
apresentadas na lousa, pelos próprios alunos (painel de soluções).
Quando discorre sobre as situações adidáticas, Brousseau (2008) enfatiza
a necessidade de que os alunos trabalhem independentemente do controle do
professor; aquele momento em que o aluno se apropria das situações como se
fosse um pesquisador buscando a solução, seguindo seus próprios passos.
Nesse sentido, as características descritas abaixo divergem da estratégia
descrita pelos sujeitos.
97
O problema matemático é escolhido de modo que possa fazer o aluno agir, falar, refletir e evoluir por iniciativa própria; • O problema é escolhido para que o aluno adquira novos conhecimentos que sejam inteiramente justificados pela lógica interna da situação e que possam ser construídos sem apelo às razões didáticas; • O professor, assumindo o papel de mediador, cria condições para o aluno ser o principal ator da construção de seus conhecimentos a partir da (s) atividade (s) proposta (s). (BROUSSEAU, 2006, p.33).
Em contrapartida, é possível encontrar em algumas respostas indícios de
que reconhecem e valorizam a escolha dos problemas ou situações para
trabalhar com os alunos.
Carmem: As atividades são planejadas de acordo com o que está sendo
trabalhado em sala. Por exemplo; se estamos trabalhando com sistema
monetário, alguns problemas serão elaborados em torno disso; ou se estamos
trabalhando com adição, o foco será maior nesse conteúdo. Apesar disto, são
propostos desafios dos quais a criança terá que desenvolver suas
próprias estratégias para a resolução. A meu ver, estes problemas são os
mais enriquecedores pois podemos analisar e discutir com o grupo, as
várias estratégias utilizadas por cada um quando compartilhamos as
descobertas e montamos o “Painel de soluções”.5
Fernanda: No dia a dia também existem situações que vão sendo resolvidas
no momento em que acontecem, com sugestões das crianças (Ex. Tenho 20
folhas e 4 grupos de trabalho. Quantas folhas peço à Camila para entregar a
cada grupo. Quero que os grupos fiquem com a mesma quantidade de folhas
para este trabalho..., etc.)
Assim, pudemos reconhecer, nesta questão, que, dos seis sujeitos, dois
não destacam a relevância do tipo de problema a ser trabalhado, dois destacam
esse aspecto e dois não mencionam esta particularidade em suas respostas. Isto
nos leva a refletir sobre como um aspecto essencial para promover a habilidade
de resolver problemas nos alunos, a intencionalidade do professor nos
5 Grifo nosso.
98
problemas selecionados, ainda não é um ponto comum explicitado pelos
mesmos.
Para Brousseau (1986), a concepção moderna de ensino requer que o
professor provoque nos alunos as adaptações desejadas, por uma escolha
“judiciosa” dos problemas que propõe; problemas estes que devem ser “aceitos”
pelos alunos como seus. Freitas (2010) alerta que, nos momentos de
contextualização e devolução, o papel de protagonista cabe ao professor, com a
missão de seduzir os alunos para que entrem no jogo. Acreditamos que esse
encantamento não ocorra casualmente, ou seja, sem um planejamento
intencional do professor.
Outro ponto nas respostas a essa questão despertou nosso interesse. No
estudo de Fabiani (1998) cuja proposta desenvolvida muito se aproxima da
estratégia em análise (painel de soluções), a autora destaca a importância das
interações na atividade de resolver problemas, lembrando que, no mundo real
muitas vezes aprender é um processo compartilhado e que o progresso em
direção a um objetivo ocorre por meio de esforços combinados de muitas
pessoas. Salienta que é necessário que os estudantes experimentem este
processo cooperativo e que se lhes dê a oportunidade de aprender uns com os
outros. Para ela, muito da aprendizagem que ocorre em sala de aula acontece
no contexto de pequenos grupos.
Brousseau (1996) reforça a ideia da formação de uma microsociedade
científica na classe. Da mesma forma, sublinha a importância da organização do
milieu, ou o meio no qual ocorrem as interações do sujeito e circula o
conhecimento matemático. Nesse contexto, depreendemos que essas ações não
podem acontecer individualmente. Não é possível que ocorra uma dialética de
validação se não houve um percurso investigativo compartilhado, nas dialéticas
de ação e formulação. De acordo com Almouloud (2010):
Nesta fase (formulação) de uma situação didática, o aluno troca informações com uma ou várias pessoas, que serão os emissores e receptores, trocando mensagens escritas ou orais. Estas mensagens podem estar redigidas em língua natural ou matemática, segundo cada emissor. Como resultado, essa dialética permite criar um modelo explícito que pode ser formulado com sinais e regras comuns, já conhecidas ou novas. É o momento em que o aluno ou grupo de alunos explicita, põe
99
escrito ou oralmente, as ferramentas que utilizou na solução encontrada. O objetivo da dialética de formulação é a troca de informações (ALMOULOUD, 2010, p.38).
Ocorre que, na maioria das respostas a como este trabalho é
desenvolvido, há indícios de que o aluno está sozinho no processo de resolução.
O momento para decidir estratégias e buscar conhecimentos prévios é solitário e
a troca ocorre apenas no final; o painel de soluções fica caracterizado para as
professoras como o momento em que ocorrem as mediações, interações e
investigações sem que tenha acontecido um trabalho colaborativo na busca de
soluções. Na observação da prática, pudemos inferir um pouco mais sobre este
tema. Destacamos que nas respostas obtidas, o trabalho em grupo ou em
duplas, quando aparece, não recebe nenhuma menção ou valoração no
processo.
Joyce: Quando a resolução é individual, primeiramente dou um tempo para a
leitura do problema e a resolução. Em seguida, peço para que os alunos falem
o que entenderam (faço questionamentos relacionados ao problema),
socializando a compreensão e tirando as possíveis dúvidas que possam
surgir... Quando a resolução é em grupo, espero que resolvam, passo
observando, fazendo possíveis interferências. Escolho diferentes resoluções
para serem apresentadas na lousa, pelos próprios alunos (painel de soluções).
No caso da dinâmica individual, notamos que o trabalho de resolução é
bastante direcionado: não há uma situação adidática, onde os alunos possam
discutir estratégias, pensar e argumentar; o millieu não é um sistema
antagonista, muito menos proporcionará desequilíbrios; os questionamentos
partem apenas do professor, que pouco após a apresentação do problema, tira
as possíveis dúvidas... Os alunos que entenderam falam o que entenderam, os
outros escutam e... o problema deixa de ser problema. De acordo com Saiz
(1995) apud Quarantana e Wolman (2006), este procedimento pode ser
considerado uma das deformações desses espaços de discussão, ou seja,
confundir os momentos de discussão com resolução conjunta de um problema.
Outros dois sujeitos responderam quanto a este aspecto:
100
Marília: Em algumas6 resoluções os alunos sentam em dupla.
Carmem: Este “painel” é desenvolvido da seguinte forma: num primeiro
momento cada um resolve sozinho o problema proposto. Depois todas as
resoluções são afixadas na lousa. Cada aluno expõe o modo como resolveu
o desafio. Depois as resoluções são agrupadas por semelhança (quem pensou
da mesma forma) e finalizamos com as conclusões do grupo.
Fernanda: Geralmente os problemas são apresentados por escrito. As
crianças leem o problema na íntegra e pensam sobre ele. Discutimos cada
ideia que está sendo apresentada no enunciado e o que temos de dados para a
resolução deste problema. Cada aluno usa os seus recursos para resolver
(desenho, algoritmos, material dourado, contagem de materiais, etc.). Em
seguida algumas crianças apresentam a sua resolução e fazemos um painel
de soluções.
Nestas duas respostas o relato também descreve uma situação em que o
aluno “pensa sozinho”. Novamente não é possível caracterizarmos uma situação
adidática na qual duplas ou alunos em grupos possam conjecturar, arriscar
procedimentos; cada ideia do problema é discutida no grupo para depois
resolverem o problema que, novamente, não será mais um problema.
Compreendemos que o aluno possa ter também um momento individual
no percurso da resolução para a qual elaborará estratégias de acordo com seus
saberes; porém, acreditamos que os momentos de discussão sejam férteis
também nessa ocasião e não somente no final, quando quase todos chegaram a
uma resposta, o que pode ocasionar um quadro de deformação na organização
das discussões, como sinaliza Paiz (1995, apud Quarantana e Wolman, 2006),
ou seja, utilizar esses momentos centrando-se na correção dos procedimentos e
resultados obtidos.
Ainda nessa perspectiva, Vila e Callejo (2006) afirmam que o fato de que
muitos alunos compreendam a atividade de resolução de problemas como
solitária e individual advém da situação dos professores proporem muito mais
exercícios que problemas. De acordo com os autores, o propósito que o
professor persegue ao propor exercícios é o de que cada aluno demonstre
6 Grifos nossos.
101
individualmente que já sabe aplicar conhecimentos previamente aprendidos. Já
os objetivos relacionados ao propor um problema são que: busquem, indaguem,
relacionem... até encontrarem uma estratégia. Para eles, o processo de busca
pode ser feito sozinho ou com outros, os achados, as perguntas e os bloqueios
podem ser compartilhados, assim como as diferentes maneiras de chegar à
solução.
A verbalização e a comunicação do pensamento desempenham, em nossa opinião, um papel importante para melhorar os processos de resolução de problemas, porque o esforço de explicitar as ideias ajuda a torna-las claras, pois aproxima de outras formas de pensamento e, às vezes, facilita o desbloqueio. O trabalho em grupo, feito de modo que permita a intervenção de todos os seus membros e ofereça possibilidade de se refletir individualmente, melhora os processos de resolução de problemas (PINILLA, 1997 apud VILA E CALLEJO, 2006, pp.70, 71).
Duas das seis professoras não especificaram sobre a utilização de
dinâmicas em grupo ou individuais em suas respostas, mas todas, lembramos,
indicam e localizam o painel de soluções como um espaço para exercitar os
momentos acima descritos pelos autores.
4.1.3 A terceira pergunta: “Com que frequência trabalha Resolução de
Problemas nas aulas de Matemática? ”
A resposta à terceira questão do questionário sustenta nossa percepção
de que a resolução de problemas ainda acontece com dia e hora marcados nas
aulas de matemática, como um conteúdo específico a ser desenvolvido.
Ana: Toda semana se pensarmos no texto escrito de uma situação-problema,
mas diariamente se pensarmos na forma como lidamos com as atividades que
nos são propostas (na escola e na vida);
Joyce: Três vezes por semana ou mais;
Marília: Uma vez a cada 15 dias;
Carmem: Especificamente para este desenvolvimento e aprimoramento, uma
vez por semana;
102
Fernanda: Explicação na resposta 1;
Maria Clara: Vide resposta número 1.
4.1.4 A quarta pergunta: Sente alguma dificuldade nesta abordagem?
Qual (quais)?
Esta questão teve como propósito identificar as dificuldades que os
professores sentem (e se as sentem) em trabalhar a resolução de problemas em
suas aulas e o que compreendem como dificuldade ou a que aspectos a
atribuem; se metodológicos, didáticos, externos... Intencionalmente utilizamos o
termo abordagem para que os sujeitos fizessem uma retrospecção
especialmente voltada às suas percepções e às suas posturas metodológicas.
Dessa maneira esperávamos que, consequentemente, suas concepções a
respeito de como trabalhar a resolução de problemas com os alunos também
pudessem ser desveladas em suas respostas.
Colocamos, no quadro 7, o que os sujeitos dessa pesquisa, as
professoras, revelam e caracterizam como dificuldade para trabalhar sob esta
abordagem.
Quadro 7 – Dificuldades na abordagem Resolução de Problemas
Professoras que revelam
sentir dificuldade na
abordagem
Joyce
Algumas vezes é difícil fazer com que certos alunos (com algum diagnóstico) compreendam o que está sendo pedido no problema, mesmo utilizando diferentes estratégias.
Carmem
A maior dificuldade que sinto é em como encaixar atividades nesta área que propiciem um desenvolvimento crescente. Que seja um movimento espiral de desenvolvimento. Muitas vezes sinto que o desafio já não é mais um desafio, ou que estas competências sejam cada vez melhor desenvolvidas. Assim como em Língua Portuguesa vamos percebendo a evolução textual e vamos introduzindo pontuação, gêneros diferentes, etc ou mesmo em Matemática quando desenvolvemos atividades em quadro numérico ou com operações vamos vendo um crescente no aluno. Em relação à Resolução de Problemas no entanto, parece que só muda a “cara” do problema, o formato, mas a essência é a mesma. Acredito faltar ainda uma organização e estudo maior
103
no segmento por séries para discutirmos o que pertence a qual série.
Fernanda
Sim. Acredito que nem sempre é possível dar o tempo necessário para que todos realmente completem o seu raciocínio e planejamento para resolução, em algumas situações algumas crianças se ancoram em outras.
Professoras que
localizam a dificuldade na
leitura dos problemas
pelos alunos
Ana
Não na forma como eu proponho as atividades. Mas, há alunos que estranham quando eu digo e repito que eles precisam expor o que pensam no papel, através de esquemas, cálculos ou desenhos. E, o mais importante, é necessário que eles leiam as atividades e consigam entender o que é pedido em cada uma delas. Assim, quando um aluno diz logo que não entendeu, eu digo a ele para ler novamente até que perceba o que realmente não entendeu e o que entendeu.
Maria
Clara
Atualmente não sinto dificuldade nessa abordagem devido ao acompanhamento da assessoria externa, desenvolvida no colégio onde trabalho. Antes desse contato, apresentava as situações-problema aos alunos de maneira equivocada. Fazia a leitura para eles e, consequentemente interpretava os problemas. Também não abordava as diversas possibilidades de resolução ou estratégias para resolvê-los, explorando o painel de soluções. Percebo que ainda é necessário abordar melhor a questão da leitura, ensinar a ler e interpretar os problemas. Nas reuniões de assessoria externa, estamos aprendendo mais sobre esse aspecto.
Professora que não sente
dificuldade
Marília
Acho que não tenho dificuldade em trabalhar este assunto.
Fonte: dados da pesquisa
Pudemos detectar, pelas respostas obtidas, que três de nossos sujeitos
revelam sentir alguma dificuldade no desenvolvimento desta abordagem,
remetendo-se às suas ações didáticas. A resposta da professora Carmem revela
que a mesma sente alguma falha na proposição das atividades aos alunos, no
sentido de apresentar exercícios e não verdadeiros problemas que provoquem
alguma evolução. Em sua resposta, consegue expor as preocupações que tem
especificamente relacionadas ao tema resolução de problemas, localizando-as
no planejamento e revelando a consciência da necessidade de maior
fundamentação para a organização deste trabalho. Interessante destacar como a
professora compara a evolução dos alunos na resolução de problemas com sua
evolução em Língua Portuguesa ou em outros conteúdos matemáticos e, apesar
104
de ainda não saber detectar ao certo onde está o erro, detecta que algo falta na
“essência” do trabalho; indo direto ao ponto crucial de nossas indagações.
A professora Fernanda, por sua vez, ao nos entregar o questionário
respondido, disse que na questão quatro, colocou um problema para a
pesquisadora, que a aflige e intriga bastante. Queixa-se do tempo didático,
caracterizando-o como insuficiente na maioria das vezes para que todos os
alunos realizem com autonomia os desafios propostos. Sente que as situações
propostas não atingem com qualidade a todos alunos da classe. Responsabiliza
o tempo mas não identifica que possa ser algo na condução ou elaboração da
proposta. Ocorre-nos lembrar que há uma diferença entre o tempo didático e o
tempo do aluno (tempo de aprendizagem, segundo Brousseau, 2008); pelas
ideias que expõe, é possível que esteja fazendo apenas a apresentação de
problemas e não a devolução. Não aparecem em sua fala as intervenções que
poderiam ser feitas para os alunos que se ancoram em outros, como, por
exemplo, encorajar a simulação de um ambiente de pesquisa que permita aos
alunos vivenciarem momentos de investigação, simulação e elaboração de
hipóteses.
De acordo com Almouloud (2010), o objetivo principal da devolução cabe
ao professor, e deve ser o de promover uma interação bastante rica e que crie
oportunidades ao aluno de desenvolver sua autonomia, estimulando-o a tentar
superar, por seu próprio esforço, certas passagens que conduzem ao raciocínio.
O papel do professor, neste momento, deve ser o de um orientador do processo,
fomentando a busca por respostas com “as boas perguntas”. Segundo
Brousseau (2008), é do professor a responsabilidade de manter o sentido nas
mudanças de perguntas. É bastante provável que as crianças que não avançam
precisem, neste momento, do papel de mediador do professor como intervenção
em seu processo de resolução
A professora Joyce queixa-se da dificuldade de compreensão de alguns
alunos a respeito do que está sendo pedido no problema; porém, enfatiza que
são alguns alunos que apresentam diagnóstico, ou seja, que fazem algum tipo
de acompanhamento com algum especialista: fonoaudiólogo, psicólogo,
psicopedagogo, ou tomam algum tipo de medicação.
105
Cabe aqui uma explicação a respeito dessa caracterização. Na escola em
que se desenvolveu a pesquisa, a qual já descrevemos anteriormente, em todas
as classes, há alguns alunos que necessitam destes ou de outros tipos de
assistência para que acompanhem adequadamente os conteúdos desenvolvidos
em cada ano. Algumas vezes, são questões psicológicas ou comportamentais,
outras questões físicas como TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade) ou PAC (Processamento Auditivo Central). A escola solicita aos
pais que procurem um profissional para definir ou não algum diagnóstico ao
detectar que o problema extrapola a esfera escolar e propõe-se a receber os
profissionais que atendem a essas crianças para receber orientações, trocar
informações e, enfim, estabelecer um trabalho efetivo e em parceria.
Apesar de ser uma porcentagem pequena do total de alunos da classe,
esse empecilho parece incomodá-la. Em sua resposta, ela não menciona as
diferentes estratégias utilizadas, nem se são diferenciadas especialmente
para estes alunos. Também não se reporta a alguma dificuldade nessa
abordagem com a maioria dos alunos.
Dois sujeitos remetem-se à leitura e compreensão dos problemas pelos
alunos como definição da dificuldade na abordagem solicitada pela pergunta;
professoras Ana e Maria Clara. A primeira pede para o aluno ler novamente até
que perceba o que realmente não entendeu e o que entendeu. Novamente não
vemos aí nenhuma intervenção no sentido de provocar mudanças de
pensamento, ou de evocar conhecimentos que possam ajudá-lo; também não há
com quem o aluno possa discutir ou elaborar conjecturas. Para Smole e Diniz
(2001), quando os alunos trabalham em grupo, confrontam-se com ideias que
divergem umas das outras, o que os leva a encontrar argumentos e estabelecer
negociações para produzirem uma solução conjunta do problema.
Concordamos com as autoras que a interação entre os alunos
desempenha papel fundamental na inserção social e na aceitação das diversas
estratégias de resolução que, como válidas e importantes, permitem a
aprendizagem pela reflexão e auxiliam o aluno a ter autonomia e confiança em
sua capacidade de pensar matematicamente. Nesse momento, não há com
quem o aluno discutir sobre o que não entendeu, nem refletir sobre o que
compreendeu e não compreendeu. Da mesma forma, aqui, a dialética de
106
formulação, mencionada por Brousseau (2008), não surge como possibilidade, o
que impede, por consequência, estratégias atinentes à dialética de validação.
A professora Maria Clara também faz uma menção à leitura, porém,
trazendo para o professor a dificuldade na abordagem e não responsabilizando o
aluno. Uma das professoras, Marília, respondeu não sentir nenhuma dificuldade
nessa abordagem.
De um modo geral, a maior dificuldade relatada pelas professoras quanto
às dificuldades encontradas nessa abordagem está relacionada aos problemas
de compreensão das situações por parte dos alunos; o que algumas identificam
como causa a leitura e interpretação dessas situações. Por outro lado,
percebemos pelas respostas que, os alunos realizam esse processo de leitura e
interpretação sozinhos. Os momentos de interação e trocas são delegados
apenas ao momento de validação, conduzido pelo professor, na dinâmica
chamada painel de soluções. Durante o processo, não vemos pelos relatos dos
professores de que maneira definem seu papel. Relembramos as passagens em
que descrevemos nas ideias de Brousseau (2008) o destaque para o papel do
professor nessa instância e de sua responsabilidade na condução do processo e
na elaboração das boas perguntas.
É possível distinguir, pelas respostas, que realmente é delicado para os
professores perceber e regular sua participação como mediador nas dialéticas
de ação e formulação. Este talvez seja um ponto-chave na compreensão da
problemática que investigamos. Nos momentos em que fica em dúvida em como
e em que momento intervir, pede para que os alunos leiam novamente. De
acordo com o quadro adaptado de Silva (2010) que utilizamos na seção sobre os
efeitos do contrato didático, esse pode ser o efeito de um deles, na postura dos
professores: tomar como objeto de estudo uma técnica que se presume útil para
a resolução de um problema (no caso a leitura da situação), perdendo de vista o
verdadeiro saber matemático envolvido na situação de aprendizagem.
Para além disto, retomamos que os professores ainda têm uma visão
negativa dos erros e fracassos dos alunos e este é um ponto difícil de lidar: de
acordo com Brousseau (2008), o professor deve administrar a incerteza dos
alunos e o que de fato deve ser enfatizado é saber se essa gestão da incerteza
107
produz conhecimentos de forma eficiente ou conduz os alunos a isso; a tinta não
deve ser carregada na solução do problema, mas nas condições em que isto
acontece. Percebemos que elas relatam como dificuldade a compreensão dos
problemas pelos alunos e isso pode estar relacionado com a distinção entre
problemas e exercícios, sobre a qual discorremos no início deste trabalho: um
problema é “tudo aquilo que não se sabe fazer7, mas que se está interessado
em resolver” (ONUCHIC, 1999, p.215). Uma probabilidade para destravar os
alunos desta situação, encarada como erro ou fracasso, é indicada por meio das
boas perguntas, como sugere Brousseau (2008).
De acordo com Ponte, Brocardo e Oliveira (2003), é comum a ideia de
que, para que o aluno possa, efetivamente, realizar o que se aproxima de uma
investigação nas aulas de matemática, é preciso deixá-lo trabalhar de forma
totalmente autônoma e, como tal, o professor deve ter somente o papel de
regulador da atividade. Porém, também para estes autores, o professor continua
a ser um elemento-chave mesmo nesses momentos, cabendo-lhe ajudar o aluno
a entender o que significa investigar e aprender a fazê-lo exercitando, na prática
das aulas.
4.1.5 A quinta pergunta: “Em aulas de Matemática, em sua opinião, o que
é um problema?”
Com esta pergunta, buscávamos identificar concepções dos professores a
respeito do que para eles é um problema e se, de alguma maneira, o distinguiam
da aplicação de exercícios em suas aulas de matemática ou não.
As respostas revelaram três professoras que relacionam problemas a
desafios, duas professoras que relacionam problema a um conteúdo ou método
e uma professora que relaciona problema à habilidade ou não de quem
problematiza uma situação. Organizamos as respostas no quadro 8.
7 Grifo nosso.
108
Quadro 8 – Na sua opinião, o que é um problema?
Problemas são desafios
Joyce
Problema é toda situação que apresenta algum desafio para ser solucionado.
Carmem
Para mim, tudo é um problema quando se tem uma boa pergunta. Tudo o que é feito muito rapidamente ou facilmente em Matemática não é mais um problema. Por exemplo: quando iniciamos o trabalho com sequências numéricas, no início os alunos ficavam pensando e discutindo em pares, para descobrirem qual seria o próximo número a completar a sequência. Após um tempo a sequência já não era mais um problema tornando-se apenas uma atividade. O professor tem que estar atento a este “timing” do grupo, para então elaborar novos desafios.
Maria Clara Problema “de verdade” é quando não se tem uma definição imediata.
Aplicabilidade de conteúdos ou
métodos
Maríia
São formas de pensar que cada um utiliza para responder alguma questão. A criança está aplicando seu conhecimento matemático para resolvê-lo.
Fernanda
São questões que exigem uma resposta, após planejamento e execução, para resolver diferentes situações.
Depende da problematização
Ana
Tudo pode ser um problema em Matemática, depende da forma como é colocado para o resolvedor. Alguns exercícios são desafiadores e mobilizam o aluno, outros são importantes para a sistematização (treino que agiliza o pensamento e auxilia a “liberar” espaço no cérebro para a assimilação de novos conteúdos).
Fonte: dados da pesquisa
A resposta de três das professoras a esta pergunta (Joyce, Carmem e
Maria Clara) vai ao encontro das ideias de muitos autores como Charnay, “só há
um problema se o aluno perceber uma dificuldade: uma determinada situação,
que “provoca problema” [...] há então, uma ideia de obstáculo a ser superado”
(CHARNAY, 1996, p. 46). Da mesma forma indica Lester (1993 apud
ECHEVERRÍA E POZZO, 1988, p.15): “uma situação que um indivíduo ou um
grupo quer ou precisa resolver e para a qual não dispõe de um caminho rápido e
109
direto que o leve à solução”. No mesmo sentido, Onuchic (1999) destaca, como
já mencionamos, o desconhecimento inicial quanto ao método de resolução, se
realmente nos deparamos com o que é um problema.
Entretanto, é necessário observarmos se, na prática, também se utilizam
de um modelo desafiador na condução das atividades. De acordo com
Echeverría e Pozo (1998), as discussões dos procedimentos utilizados por
diferentes alunos nas resoluções têm o mesmo sentido. Muitos alunos acreditam
que existe somente uma forma de resolver as tarefas e desafios matemáticos,
considerando a Matemática uma ciência “acabada e fechada em si mesma”, não
permitindo qualquer tipo de criação ou mesmo inovação.
O papel do professor ao examinar de forma conjunta diferentes
procedimentos trazidos por diferentes alunos e incorporá-los à discussão pode
contribuir para quebrar essa imagem e incentivar a autonomia nessas situações,
fugindo do estigma da obrigatoriedade de aplicação de conteúdos já estudados
na resolução.
Por outro lado, as respostas de Marília e Fernanda, trazem implícita esta
abordagem, na qual os conceitos aprendidos são os que devem ser colocados
em prática na hora da resolução de um problema e que deve haver um método
para isso. Identificamos aqui, a concepção influenciada pelos trabalhos de Polya
(1977), como descrevemos anteriormente neste estudo, que vê a resolução de
problemas como um processo em que se aplicam conhecimentos previamente
adquiridos a situações novas. Há uma valorização mais do processo de
resolução do que da resposta. As implicações, em termos de ensino, passam a
ser um olhar mais centralizado em procedimentos ou passos utilizados para se
chegar à solução, contudo, esse olhar não incide para o desenvolvimento de
conceitos por meio da resolução de problemas nas aulas de matemática, como
na modelagem matemática, de acordo com as ideias de English e Sriraman
(2010).
A resposta da professora Ana traz à tona a problematização feita pelo
professor porém, não é esclarecedora no sentido de distinguir problemas de
exercícios. Se “tudo pode ser um problema”, exercícios que não são
desafiadores e não mobilizam o aluno não poderiam estar inclusos aí, embora
110
ela diferencie-os como sistematização e chame-os de treino. Para a professora,
liberar espaço no cérebro para aprender novos conteúdos, de acordo como
explicou ao ser questionada pela pesquisadora, significa adquirir “ferramentas”
como o desenvolvimento de operações, cálculos, tabuada... necessárias quando
no desenvolvimento de novos conteúdos, ou seja, recai na aplicabilidade dos
conceitos anteriormente aprendidos na resolução de problemas.
4.1.6 A sexta pergunta: “Em que momentos você se sente mais à
vontade para trabalhar com Resolução de Problemas na sala de
aula?”
De certa forma, esta pergunta complementa a primeira, no que se refere
aos momentos das aulas identificados pelas professoras como propícios para o
trabalho com a resolução de problemas. Na primeira, referiram-se mais ao
aspecto quantitativo, especificando a frequência com que costumam fazer este
trabalho. Esta questão buscava um refinamento da resposta, uma vez que
poderiam particularizar esses momentos, o que poderia fazer emergir
determinados procedimentos metodológicos.
Pudemos dividir as respostas das professoras em duas categorias: as que
localizam um momento especial para isso nas aulas e as que, em seu discurso,
anunciam que a resolução de problemas permeia todas as aulas de matemática.
A resposta a esta questão, acabou por confirmar ou ampliar a resposta à
questão inicial, como pode ser visto no quadro 9.
Quadro 9 – Em que momentos você se sente mais à vontade para trabalhar com resolução
de problemas em sala de aula?
Professoras que destacam um momento
propício no qual sentem-se mais à
vontade
Ana
Quando há tempo para propor a atividade e observar o aluno resolvendo-a sozinho, descubro como cada um pensa, quais recursos utiliza para resolver as atividades, como faz para resolver o problema.
Carmem
Eu gosto muito de trabalhar com jogos e material concreto. Fica mais visível para o professor ver como a criança está pensando e então poder fazer
111
boas interferências durante o processo. O jogo permite ao aluno construir ou desconstruir, ir e voltar, ele possibilita um maior dinamismo. O professor praticamente atua junto com o aluno e participa de suas descobertas. Quando é em folha, por exemplo, normalmente você já recebe o resultado pronto e aí você só retoma. Por ser impresso, muitas vezes o aluno não quer refazer, acho que ele pensa em menos possibilidades, traça um percurso e executa.
Professoras que não definem momento
específico para o trabalho com resolução
de problemas
Joyce
Em qualquer momento.
Marília
Não existe momento melhor ou não para se trabalhar com resolução de problemas. Existem as aulas para se trabalhar com resolução de problemas. Tento deixar a aula de forma que os alunos proponham soluções, explorem possibilidades e validem suas próprias conclusões.
Fernanda
Sempre. Acredito que as habilidades envolvidas na resolução de problemas e discussão de diferentes soluções são ferramentas fundamentais para atingirmos os objetivos gerais da matemática.
Maria Clara
Sinto-me à vontade para trabalhar com Resolução de Problemas em qualquer momento das aulas de Matemática: nas situações específicas de resolução (previstas no planejamento quinzenalmente), nas atividades do “problema da semana”, nas várias situações que envolvem resolução vinculadas a conteúdos de Matemática da série etc.
Fonte: dados da pesquisa
A professora Ana, em sua argumentação, confirma sua postura de
valorização de todo e qualquer processo de raciocínio desenvolvido pelo aluno
na resolução do problema, ressaltando que a resolução individual do problema
pelo estudante facilita a tarefa do professor em compreender esses processos.
Interessa-se pelo percurso investigativo, porém não fala em interações e em
quais mediações pode realizar neste processo.
Carmem destaca o papel dos jogos e material concreto como um
facilitador para que atue no processo investigativo dos alunos. O fato de entregar
112
para os alunos uma atividade impressa, a seu ver, anula a mediação do
professor durante a realização da atividade, e só lhe resta retomar... Ou seja,
discutir o que já foi feito, como ela mesma e outros sujeitos já definiram em
respostas anteriores, numa espécie de plenária ao final da atividade.
A professora Marília confirma sua resposta à primeira pergunta, quando
localiza aulas específicas no planejamento para o trabalho com resolução de
problemas.
As professoras Fernanda e Maria Clara não relatam nenhum momento
específico que facilite sua atuação ou mediação nos processos de resolução dos
alunos e suas respostas vão ao encontro de como responderam a primeira
questão. Já a professora Joyce foi bastante vaga em sua resposta, porém
entendemos que refere-se aos momentos já descritos por ela na resposta da
primeira pergunta: atividades no livro, caderno, fichinhas (folhas).
Encerrada a primeira parte das análises, na qual procuramos trazer à tona
e compreender o que pensam os sujeitos desta pesquisa sobre resolução de
problemas e como definem este eixo metodológico em sua prática, passaremos
à análise das aulas observadas, buscando a congruência e correlação entre as
concepções e a prática relativa (ou não) a elas.
4.2 Análises das aulas observadas – Resolução de problemas: Um
confronto entre o discurso e a prática
Gostaríamos de esclarecer, neste ponto, que não pudemos observar a
aula de um dos sujeitos da investigação, a professora Fernanda, pois esta entrou
em licença saúde no segundo semestre de 2013 e no ano subsequente, 2014,
optou por aposentar-se. Assim, decidimos manter sua participação e
contribuição para com a pesquisa apenas com as respostas ao questionário, as
quais, assim como as das outras professoras, tiveram fundamental papel na
edificação deste estudo.
4.2.1 A prática da professora Ana: uma aula no 4º ano
A professora iniciou a aula comentando sobre a prova que haviam feito
recentemente e na qual alguns alunos haviam tirado notas baixas. Enfatizou,
113
com veemência que muitos alunos não perceberam que todos os problemas da
prova, e repetiu “TODOS” tinham um modelo similar no caderno. Acrescentou
também que todos envolviam mais de uma operação. Depois disso, iniciou a
aula.
P: Então hoje, eu vou entregar um problema para vocês fazerem.
Distribuiu o problema individualmente, em uma tira de sulfite, digitado.
Quadro 10 – O problema utilizado na aula
Fonte: dados da pesquisa
Em seguida, começou a andar por entre as fileiras, observando as
resoluções.
A1: Professora, eu lembrei do problema do ônibus!
P: Lembrou?
A2: Eu também lembrei do problema do ônibus.
P: Lembrou do ônibus também? Na verdade mudaram os dados mas é bem
parecido...
Podemos perceber, pelo discurso da professora Ana com os alunos
inicialmente, que ela anuncia a existência de um modelo de resolução de
problemas que pode ser aplicado em outros do mesmo tipo. Ao lerem o
problema, alguns alunos imediatamente estabeleceram esta conexão. A respeito
da problematização inicial da atividade, como um modelo desafiador, parece que
encontramos mais um exercício de aplicação de conteúdo ou estratégias, do que
realmente um problema.
Uma fábrica funciona em turnos e, em cada um deles há uma quantidade de
funcionários. Na quinta-feira da semana passada, amanheceu e já havia 197
pessoas trabalhando. Às 8h entraram 342 pessoas e saíram 183. Às 14h
entraram 255 e saíram 298. Às 20h entraram 184 pessoas e saíram 362. Quantas
pessoas ficaram trabalhando na fábrica após às 20h?
114
Destacamos novamente os autores English e Sriraman (2010) que citam
esta como uma das abordagens existentes na suposta resolução de problemas:
conceitos e procedimentos necessários devem ser ensinados em primeiro lugar
para, logo depois, serem aplicados por meio da resolução de problemas que
contam uma “história”, os quais normalmente não envolvem os alunos numa
verdadeira resolução de problemas.
Pelo prisma de Brousseau (2008), não temos a devolução de um
problema com o qual os alunos interajam ou sintam-se intrigados. Dessa forma,
como já resolveram um problema similar, os alunos devem utilizar-se do
repertório de heurísticas e estratégias adquirido anteriormente para este fim.
Neste caso podemos identificar a resolução de problemas como independente
dos conceitos matemáticos ensinados e não como uma via para trazer novos
conhecimentos. Ainda de acordo com Brousseau (2008), esta prática pode incidir
em um dos efeitos do contrato didático, denominado “deslize metacognitivo”, ou
seja, o professor concebe uma técnica útil para resolver um problema e a
considera como o verdadeiro objeto de estudo, perdendo de vista o real
conhecimento a se desenvolver, no caso, a habilidade em resolver problemas,
que fica comprometida nesta atividade para quem lembrar do “modelo do
ônibus”.
No questionário essa professora diz que tudo pode ser um problema em
Matemática, depende da forma como é colocado para o resolvedor. Alguns
exercícios são desafiadores e mobilizam o aluno, outros são importantes para a
sistematização.
Assim, acreditamos que, para ela, como para muitos professores, a
abordagem sobre resolução de problemas ainda não esteja associada à
concepção de utilizá-la como um valoroso meio de desenvolvimento de novos
conceitos matemáticos.
Outro ponto que se destaca nesta aula e que se conjuga com nossa
análise das respostas ao questionário é a falta de um processo investigativo
compartilhado. Os alunos leem e resolvem sozinhos o problema. As discussões
ocorrem depois. Ao unirmos as concepções explicitadas pela professora e sua
prática, podemos ter pistas de que trabalhar com a interação entre os alunos,
115
organizar o milieu de forma a promover e mediar discussões durante o processo
de resolução pode ser uma visão a ser desenvolvida com os professores desta
escola. Percebemos que, possivelmente, esta professora sinta-se mais à
vontade para trabalhar com o que chama de resolução de problemas na sala de
aula e realizar intervenções individualmente. Outra resposta sua resposta indica
este percurso: quando há tempo para propor a atividade e observar o aluno
resolvendo-a sozinho, descubro como cada um pensa, quais recursos utiliza
para resolver as atividades, como faz para resolver o problema.
Enquanto os alunos resolviam o problema, a professora foi passando e
fazendo algumas intervenções.
P: Você está fazendo aqui mas tem um monte de coisa pra cá ... olha só... Você
acha que esse caderno vai dar prazer em estudar? Confuso, né, amigo?
[Para outro aluno]
P: Deixa eu ver como você respondeu. Você leu o problema direitinho?
O aluno afirmou com a cabeça que sim.
P: Leia de novo.
[Para outro aluno]
P: Não se põe a resposta logo assim... tem que primeiro calcular
[Observando outro aluno na carteira que havia feito uma operação e depois
parou]
P: Continua fazendo...Sabe qual é o problema? Você fica pensando lá na frente
e aí você perde todo o resto... faz devagar, vai de parte em parte. Daí você vai
ver que chega ao resultado...
[Continuou andando pelas carteiras vendo os procedimentos de resolução.
Parou em um aluno]
P: Deixa eu ver como você fez? Ah você juntou uma conta na outra é isso?...
A3: Não pode?
P Eu é que te pergunto: pode?
A3: Eu fiz assim mas ...não sei..
P: Você acha que pode as contas juntas mas você não sabe se pode... Ah......
[Para outro aluno]
P: Precisa apagar esse R (de resposta) e resposta vem só no final do
problema... senão você se atrapalha...
116
É notável que a professora está atenta aos processos de resolução,
porém, as intervenções acontecem na esfera individual. Não identificamos a
abertura para as interações entre os estudantes, oportunizando para estes uma
possibilidade para refletir sobre seu pensamento e sobre seus procedimentos. A
individualidade impede que outros reflitam também a respeito das observações
feitas por elementos do grupo, mobilizando conhecimentos e estabelecendo
relações. Veremos que este momento acontece, porém, após os alunos terem
(ou não) resolvido o problema, o que pode desmotivar, principalmente aqueles
que não conseguem chegar a uma resposta.
Após alguns minutos, a professora anunciou que iria “pedir a gentileza de
alguns alunos colocarem suas resoluções na lousa” (figura 4). Muitos alunos
levantaram a mão e pediram para ir, mas ela começou a colocar alguns nomes
na lousa e dividir os espaços. Voltou à carteira de alguns alunos para confirmar
se era mesmo esses alunos que queria chamar. Uns alunos começaram a
reclamar que era “injustiça” pois alguns já tinham ido à lousa no problema do
ônibus. A professora interviu:
Figura 4 – Painel de Soluções – 4º ano
Fonte: dados da pesquisa
117
P: Não é injustiça. O Ricardo sempre participa da aula e você às vezes não me
escuta. Talvez eu repita algumas pessoas.
[Escreveu o nome na lousa de quem iria; Julia, Debora, Lucas Raul, Carol]
P: Eu pedi para alguns alunos que viessem aqui colocar a resolução exatamente
do jeito que estava no caderno, tá...? A gente vai dar uma observada como cada
colega pensou... tem outros... outros poderiam vir...É que eu quis escolher
diferentes resoluções... tá bom? Não quer dizer que os outros estão certos ou
errados...
[Enquanto os alunos escreviam na lousa a professora foi passando entre
carteiras. Falou para um aluno que não terminou]
P: Falei pra você reler mais de três vezes... [E para a pesquisadora: Não releu
nem uma vez]
[Para outro aluno]
P: Vamos Gabriel, você vai esperar e copiar da lousa? Não consigo entender
seus números...
[Para um aluno que estava na lousa]
P: Pode pôr do jeito que você pôs, só a letra A tá?
[Para classe]
P: Não é porque a gente vai pra lousa que tem que modificar alguma coisa não...
Conquanto as falas dos alunos revelassem a incompreensão pelas
escolhas da professora, percebemos que ela contemplou propositadamente as
resoluções sobre as quais gostaria de promover o debate. Ela explica isso aos
alunos e procura demovê-los da ideia de pensar somente no resultado correto
em função de pensar, neste momento, nos processos desenvolvidos. Essa ação
condiz com sua descrição de quais recursos ou posturas se utiliza quando na
resolução de problemas: procuro valorizar qualquer empenho e não coloco o
sinal de X (errado) nos exercícios; peço aos alunos que o revejam e verifiquem
onde está o “erro”.
Nas falas subsequentes, encontramos também marcas de seu discurso na
prática, configurando, novamente a falta da interação nas dialéticas de ação e
formulação e a concepção da professora de que a dificuldade dos alunos na
resolução de problemas é vinculada aos processos de leitura. Dessa forma,
existe um processo de orientação, porém sem resultado, pois não acontece
efetivamente do ponto de vista da mediação: se o aluno não compreende, na
118
leitura individual, um texto totalmente compatível com as competências leitoras
da faixa etária, provavelmente ler novamente, ou reler três vezes não trará
melhores resultados. Todavia, esse é um dos mecanismos anunciados pela
professora em seu discurso: e, o mais importante, é necessário que eles leiam
as atividades e consigam entender o que é pedido em cada uma delas. Assim,
quando um aluno diz logo que não entendeu, eu digo a ele para ler novamente
até que perceba o que realmente não entendeu e o que entendeu.
Enquanto os alunos que foram à lousa colocavam suas resoluções, a
professora fazia algumas intervenções na organização, no traçado dos números,
sempre enfatizando os comentários com toda a turma.
Os alunos começaram a comparar seus resultados. Alguns diziam: “- O
meu está igual ao da…”. Um deles disse: “- Achei o meu erro...”. Ocorre um
burburinho, alguns levantaram para ver melhor a lousa ou para ver o de algum
colega que comentou estar igual ao de algum da lousa.
P: Quem já olhou, senta... que a gente vai discutir um pouquinho...A gente vai
conversar agora porque eu tô vendo que cada resolução até agora deu uma
resposta diferente...
A4: Menos o do Raul, da Malu e do Lucas...
P: A gente vai verificar porque o seu e o da Malu estão iguais ao do Lucas e o do
Guga não... deixa só os colegas terminarem e a gente já vai conversar.
A4: É. [Observando seu caderno e a resolução na lousa atentamente]; o meu
está igual ao da Carol [que estava feito na lousa]
P: Quarto ano... vamos dar uma olhada nas resoluções pra gente conversar... Dá
uma olhada no que os amigos fizeram e nos resultados encontrados... A gente já
fala...
À luz deste trecho, podemos perceber o quão pulsante poderia ter sido
uma discussão feita em pequenos grupos durante a resolução do problema.
Alunos que estavam em silêncio durante a aula, aqueles que já tinham terminado
há algum tempo ou aqueles que não tinham conseguido resolver, de repente,
interessaram-se em ver os procedimentos dos colegas, compará-los e discuti-
los. Os expostos na lousa estimularam-nos a olhar novamente as suas respostas
119
e as dos colegas. Mais interessante do que resultados corretos ou o emprego do
procedimento utilizado no problema “do ônibus”, seria a discussão, o
desenvolvimento das argumentações, enfim, de acordo com Brousseau (2008),
toda a organização do milieu.
Barth (1996) afirma que a construção do saber é feita pelo indivíduo, no
entanto, decorre também de interações sociais e em contextos exteriores à
própria pessoa, influenciadas por aspectos inerentes aos indivíduos e por
condições políticas, sociais e culturais. Essa premissa nos estimula a valorizar a
comunicação e negociação em sala de aula. A mediação do saber demanda
considerar a aprendizagem nas suas dimensões cognitiva, afetiva e social. É
preciso que estejamos atentos tanto para a quantidade como para a qualidade
das interações aluno-aluno, aluno-professor e professor-professor, cabendo a
este último o papel decisivo na direção e natureza do discurso que se deve
instaurar a fim de promover um ambiente motivador, desafiante e de
questionamento constante em que não existam condicionamentos de espaço ou
de tempo.
A seguir traremos grande parte da discussão desenvolvida durante o
Painel de Soluções, para que se compreenda melhor a lógica, o
desencadeamento e o significado das ações contextualmente. A cada fragmento
expressivo de acordo com nossa temática, incluiremos algumas considerações.
P: Pessoal: Nós temos aí cinco resoluções: Eu “peguei” aqui o Raul comentando
que um está muito igual ao outro mas tá diferente...Uma única diferença... Você
pode falar mais alto?
[Ele repetiu, mas foi baixo ainda. A professora repetiu]
P: Ah, o Lucas fez 6 contas e você fez 3. Mas o resultado foi igual?
[Ele e outros responderam]
C: Foi.
P: Hum...Por que será?
A5: A resolução.
P: Por que será?
A5: Por causa que... por que a resolução foi diferente...o raciocínio...
P: A resolução foi diferente mas porque será que o resultado foi igual? ...
120
[Alguém disse “Eu sei!” Outros falavam junto...]
P: Espera aí que eu não estou entendendo o que vocês estão falando... Olhando
na do Lucas... ele fez 3 adições e 3 subtrações...Olhando na sua... tem 2 adições
e uma subtração...
[Um aluno levantou a mão, a professora disse]
P: Espera... segura o que você está pensando um pouquinho...Giovana:
A6: [Giovana]: Ele somou todos os que iam entrar, e também fez adição dos que
saíram e pegou os resultados dos que saíram menos o resultado dos que
entraram...
A7: O caminho foi diferente!
P: Sim os, caminhos foram diferentes...Você disse que o Raul somou todos que
entraram na fábrica, somou todos que saíram pegou os dois resultados e
subtraiu e descobriu o quê?
Alunos (em coro) 235...
P: Que é o que?
C: A resposta
P: A resposta que é o que? Os trabalhadores...que...
C: ...Que ficaram na fábrica depois das 20 horas...
P: Tá. Vocês entenderam o que a Giovana falou? Foi mais ou menos o que o
Raul falou. Ele diminuiu as contas... mas ele fez a mesma coisa que o Lucas.
A8: O caminho foi diferente.
P: O caminho foi diferente? Explica um pouco melhor essa ideia.
A: O Raul pensou de um jeito diferente mas os dois jeitos podem estar certos.
[A professora repetiu a frase do aluno]
P: Será que estão certos? Vamos verificar? Fala Fábio... Espera um pouquinho
[para a classe que falava junto] ...senão eu não escuto o colega. Fala alto.
[O aluno falou em tom muito baixo. Parece apenas ter retomado a fala anterior
porque ela apenas repetiu: “sim uniu duas operações.”]
P: O que que o Lucas fez? Ele fez passo a passo... de cada informação que o
problema apresentou. Então o problema dizia lá... espera que eu não esqueci os
outros não espera aí...Vamos lá...
Nesta parte da discussão, bem como em outras, podemos perceber que a
professora procura administrar as respostas redirecionando-as como novas
perguntas aos alunos; possibilita aos alunos a verbalização sobre concordâncias
ou discordâncias. Os comentários dos alunos, de um modo geral, são
reaproveitados e utilizados para reencaminhar a discussão, e o uso de diferentes
121
caminhos ou estratégias é enfatizado em seu discurso. São oferecidos
momentos para que outras sugestões sejam apresentadas, ou hipóteses
levantadas; porém, o tempo dado para isso é curto e insuficiente para
proporcionar uma reflexão: essa atitude denota certa ansiedade em esclarecer
qual é a resposta certa.
A professora releu o problema e foi identificando os dados nas operações
feitas na lousa.
P: Se comparar mais uma com o Raul...pelo que eu observei aqui da Carol, tem
alguma coisa parecida...pelo menos a quantidade de contas é a mesma... Quem
pode comentar um pouquinho: semelhanças e diferenças da resolução?
P: John você falou em caminhos diferentes...São diferentes os caminhos da
Carol e do Lucas?
A7 Mais ou menos.
P: Mais ou menos?
A7: Ah... Pera aí...
P: Pera aí que ele está pensando e calculando... Fala Fábio, o que você queria
falar... É a mesma coisa? Mas agora você me explica: Se é a mesma coisa
porque é que no do Lucas eu tenho 135 e no da Carol deu 235?
A8: Deu 100 a mais.
P: Espera...Deu 100 a mais. Paula:
[A aluna falou baixo, a professora repetiu]
P: A Carol esqueceu de cortar o negocinho e passar o número pro
lado...Matematicamente eu não tô entendendo...
A10: Eu sei!
P: Quem pode ajudar a Paula na ideia que ela tá trazendo... Mariana:
[A aluna falou baixo a professora repetiu]
P: Dar para o outro quando subtrai? Qual a palavra certa para isso? Giovana:
A11 : Destrocar ..
P: Destrocar! Onde? Qual conta?
Observamos neste trecho que o discurso da professora busca propiciar e
enfatizar a utilização de termos e da linguagem matemática correta, apostando
em sua utilização e na correção dos alunos. Procura estabelecer a relação entre
a linguagem informal do mundo da criança e a terminologia formal da
122
matemática. Para Santos (2000, p. 118), “a ação e os discursos praticados pelo
professor, quando ensina Matemática, decorrem do seu conhecimento e o modo
de ver a Matemática, de como enxerga e escuta o aluno”. Para o autor há
aspectos para os quais o professor deve dar atenção, como a manifestação de
diferentes formas de comunicação e os diversos significados de que se revestem
as noções matemáticas na sala de aula, como por exemplo, as dificuldades
observadas entre alunos do fundamental, decorrentes de conflitos entre
linguagem corrente e linguagem matemática, ou do significado que os alunos
podem intuitivamente atribuir a determinado conceito.
A12: Eu..456... mais...
P: Não.. qual? Guilherme? 539 menos 183? Vamos ver se realmente a Carol se
confundiu aqui? 9 menos 3, seis. Três menos oito... não dá .. O que eu preciso
fazer? A Carol, na verdade... ela não cortou...eu não entendi o que ela fez aqui...
Eu não entendi o seu número aqui se é 6. Se é 2 o que que é?.. Você esqueceu
de destrocar mas o que você fez aqui? A gente já descobriu onde tá o erro mas a
gente precisa entender o que que você pensou. Lembra o que eu disse...
A13: Professora!
P: Escuta. Lembra o que eu disse? Que mesmo errando, a gente tem um
pensamento matemático grande? Lembra? Eu preciso saber o que você pensou
pra chegar aqui no 4. Você fez 5 menos 1 mas que números são esses aqui ó?
Que eu não tô entendendo.
[A aluna ficou olhando para sua resolução, alguns alunos querendo falar]
P: Deixa ver se ela lembra.
P: Organizar pra não perder qual cálculo estava fazendo? [repetiu a fala da
aluna]. João você consegue explicar... porque eu me perdi...
[João foi à lousa e explicou]
P: Ah agora entendi... Entendi... Primeira conta, segunda conta...Tá vendo como
é importante.... A professora não entendeu... eu pensei que fazia parte da conta
que você fez... Ah... então não tem erro aqui. Não tem erro aqui neste número
que eu estava olhando e não estava entendendo... Ela descobriu... Ela esqueceu
de destrocar... (errou na subtração) Descobrimos onde está a falha?
C: Sim
P: Concorda Carol? E aí mudou porque ficou uma centena a mais nesta
conta...O resultado ficou com uma centena a mais. Interessante. Descobrimos.
123
Então a Carol pensou como o Lucas mas se confundiu na execução das contas.
E a Débora? Como é que a Debora fez?
[Alguns quiseram falar mas a professora pediu]
P: Espera ela falar. Débora o que você somou aqui?
A14: (Debora) Todos que estavam entrando.
[A professora foi conferir, lendo o problema]
P: Olhando no problema eu tinha: 197 na fábrica, 342 que
entraram...Duzen...[deu uma parada; alguns alunos fizeram Aháaaaaa...] Todos
que entraram, você diz?
A14 : Não, que estavam na fábrica [a professora repetiu a fala que foi baixa]: Ah
os que estavam na fábrica...Os que estavam... e aqui os que saíram...Olha só
um pouquinho o problema. Vou ler pra você uma frase: pera aí que eu vou ler
uma frase pra ela: É... nós sabemos que tinha 197... às 8 horas entraram 342
pessoas e saíram 183...Você colocou que essas 183 [era mais, gritou um aluno]
estavam na fábrica, elas estavam?
C: Nãooo
P: Deixa a Debora falar.
[Mas já foi emendando]
P: Olha o que você pensou. Elas estavam mas você não registrou que elas
saíram. Porque para sair da fábrica, onde elas tinham que estar?
C: Na saída... (risos.). Na fábrica! (risos)
P: O pensamento da Debora foi bacana... ela falou o que ela pensou e tá certo...
se a pessoa saiu da fábrica é porque ela estava dentro da fábrica...Olha o
pensamento aí... esse pensamento não está errado. Pra sair ela precisava estar
dentro. Só que... eu não posso contar que ela FICOU NA FÁBRICA; usar o verbo
estavam está certo; mas na verdade a DIFERENÇA para o Raul é que ele somou
quem entrou na fábrica e realmente ficou depois das 8. Só quem entrou
realmente. Os 183 saíram. Tanto que você Debora, colocou o 183 aqui... e eles
realmente saíram só que eles saíram mas eles continuaram lá. Percebeu onde
dá a diferença? Que mais... Oh 298 que saiu também você colocou como entrou
na fábrica. Mas você não pensou FICOU ... Olha onde tá o certo no pensamento
dela... Ela pensou ESTAVAM NA FÁBRICA. E estavam na fábrica?
P: Simmmm, porque para sair da fábrica, precisa estar dentro. Perceberam? O
pensamento aqui ó tá diferente. Ela não tinha que pensar em ESTAVAM tinha
que ter pensado em quem FICOU. Percebeu a falha? Ela pensou certo, mas
usou esse pensamento diferente um pouquinho...
124
Na sequência que se desenrolou, gostaríamos de salientar dois aspectos
que se correlacionam com nosso estudo. Um deles, já assegurado pela
professora em suas respostas e bastante presente em sua prática, é a
valorização do pensamento do aluno. Há, em sua aula perguntas que façam o
aluno pensar sobre o motivo do erro, porém, observamos, que há uma
preocupação constante em esclarecer os erros e ressaltar o procedimento certo:
em função disto, como já dissemos, o tempo para o aluno pensar no motivo do
erro, para reelaborar saberes e realizar a resolução de forma correta,
apropriando-se do conhecimento e do objeto de trabalho é, para alguns,
insuficiente. Em muitas passagens da discussão ficou evidente a antecipação da
professora às respostas de vários alunos, não dando voz a estes em certas
ocasiões. A fala organizada da plenária fica na mão da professora o tempo todo,
assim como as conclusões. Os alunos poderiam falar mais.
Ao encontro dessas duas observações, o empenho em valorizar o
pensamento do aluno e a preocupação com a exposição de modelos corretos,
pudemos identificar, com base em nosso estudo teórico, a incidência de um
efeito do contrato didático denominado por Brousseau (2008) de “Efeito Jourdan
ou mal-entendido fundamental”. Este efeito caracteriza-se quando um
comportamento comum do aluno é visto pelo professor como uma manifestação
de saber. Alguns dos erros que surgiram na discussão, como o da interpretação
do texto do problema, por exemplo, em pessoas que ficaram ou estavam na
fábrica foi valorizado como pensamento matemático, quando na verdade isso
não ocorreu. O erro na destroca na subtração também foi minimizado pela
professora: “- Então, não tem erro aqui”.
A forma de colocar a tarefa e de a relacionar com modelos preexistentes,
além de descaracterizar a atividade em relação às definições de problema
adotadas neste estudo, prejudica a possibilidade indicada por Brousseau (2008)
ao mencionar que, no âmbito de uma situação didática, deve o sujeito aprender
por meio de retroações do milieu antagonista. Isto não aconteceu: tratava-se de
um milieu aliado, pois havia referências seguras e estabelecidas nas condições
do problema.
Além disso, reiteramos o fato de percebermos, em alguns dos sujeitos,
uma postura resistente ao erro e fracasso dos alunos, sobre a qual já refletimos
125
na análise da questão quatro do questionário, o que muitas vezes, parecer
desregular suas mediações nas discussões.
4.2.2 A prática da professora Carmem: uma aula no 2º ano
Essa professora foi uma das que preferiu preparar uma aula
especialmente para a nossa observação. Assim que chegamos, a aula começou.
A professora pediu a um aluno que distribuísse as folhas com a atividade. Disse
à classe que era uma folha de uma atividade feita à parte, por isso não tinha o
cabeçalho da escola. Os alunos conversavam bastante e a turma estava um
pouco agitada.
P: Vamos lá pessoal eu estou tentando começar e vocês não estão deixando!
Oh... psiuuuuu Depois vocês brincam...senão a gente não termina aqui...Gente!
Eu vou ler o problema pra vocês e cada um vai tentar resolver sozinho...Da
forma como pensaram...Vou pedir, Nicolas, pra vocês não falarem com o amigo
ao lado por enquanto, porque é importante saber como cada um pensou.
Quando a gente conta o nosso pensamento pro amigo, o amigo pode pensar
igual a gente sem querer...tá? Aqui embaixo vocês vão colocar o nome e a data
de hoje. Coloquem o nome e a data. Então vamos lá.
Notamos que antes da apresentação do problema, já foi sinalizado aos
alunos que teriam que pensar sozinhos. Em seu discurso, a professora sugere
que não seria positivo, pelo menos neste momento, compartilhar suas ideias e
hipóteses com algum colega; o motivo seria a anulação do pensamento do outro,
que pensaria a mesma coisa sem querer...
Essa fala nos fez refletir que, mais uma vez, o processo investigativo é
solitário, e as discussões são deixadas para pós resolução. Os pares não
servem, nesse momento, para construir este processo. Essas mensagens
podem, implicitamente, estabelecerem-se como cláusulas de um contrato
didático prescrito pelo professor, e a troca de conjecturas e hipóteses com os
pares pode ficar cada vez mais distante da prática desses alunos, bem como a
construção de um trabalho colaborativo de investigação.
126
Relembramos que, ao relatar no questionário sobre a forma pela qual
desenvolve o trabalho com resolução de problemas, essa professora indica essa
posição: são propostos desafios dos quais a criança terá que desenvolver suas
próprias estratégias para a resolução. A meu ver, estes problemas são os mais
enriquecedores pois podemos analisar e discutir com o grupo, as várias
estratégias utilizadas por cada um quando compartilhamos as descobertas e
montamos o “Painel de soluções” ...
Em seguida, leu o problema para eles. Num quintal há 3 coelhos e 4 galinhas. Tem 3 perguntinhas, olha:
Pergunta A: Quantas são as cabeças de animais? Pergunta B: Quantos são os pés de
animais? C) Como você fez para descobrir as respostas? Registre.
P: Então, do ladinho da pergunta vocês vão ter o espaço para colocar o número aqui. E
o C é para vocês desenharem ou registrarem da forma que quiserem como vocês
descobriram as respostas dessas perguntas. Tá bom? Vou ler de novo. - Leu o
problema novamente.
P: Pronto... Vou dar um tempo pra todo mundo fazer depois vamos conversar sobre as
respostas.
[Um aluno perguntou onde era para desenhar. A professora retomou]
P: Desenhar ou registrar. Gente quando eu falo desenhar, vocês sabem que
não é só desenhar... Vocês podem registrar os números, as contas, todos os
jeitos que vocês pensaram para resolver...
A1: Professora o coelho tem quantos pés? É 4?
A2: Não sabe????
P: Lucas, faz o seu não conversa com os amigos...
A3: A galinha tem quantos dedos tia?
[Outra aluna respondeu]
A4: Três.
A3: Ah é.
[A professora ficou circulando. Um aluno a chamou e disse que não entendeu a
questão C. Outro aluno respondeu]
A5: É pra você desenhar ou fazer a conta...
P: Desenhar, ou fazer a conta, ou como você pensou, entendeu? Esse espaço é
seu pra você registrar...
A6: Mas eu ainda não entendi.
127
P: Olha [releu]: Como você fez para descobrir as respostas? O que você fez aqui
[na folha dele] para chegar nesse número?
A6: Tenho que juntar...
P: Então você soma esses dois juntos, entendeu?
A6: Como vou me desenhar somando?
P: Você não precisa desenhar você somando... Você pode representar essa
soma...
[Muitos pediam ajuda no C: Registre como pensou]
A7: Professora eu “se perdi”.
[Ela interviu perguntando o que ele já tinha feito na folha. As demais perguntas
que os alunos faziam eram sobre o número de patas. A professora respondia
apenas o que eles perguntavam]
[Um aluno a chamou perguntando se estava certo o que estava fazendo]
P: O que você está desenhando? Conta pra mim.
[Ele explicou pra ela.]
P: Ah, você desenhou dedos... E esse aqui, como você descobriu que deu isso?
[O aluno apontou o desenho. Alguns alunos terminaram e outros não. Alguns
começaram a conversar ou levantar do lugar. A professora interviu]
P: Gente, cada um faz o seu...
[Vários alunos iam mostrar a folha para a professora. Para todos ela perguntava:
Como você descobriu? Como chegou a esse resultado?]
Um aluno disse que descobriu fazendo a conta mas apagou.
P: Não era pra você ter apagado... Faz a conta pra gente ver. Todo mundo já
conseguiu resolver?
A8: Peraí... eu tô desenhando...
Analisando este início de resolução da atividade pelos alunos,
percebemos que, apesar de terem sido mobilizados nesse sentido, muitos não
compreenderam o significado de registrar seu pensamento ou raciocínio, pois
não têm ainda, no segundo ano, uma organização para isso, conforme ilustra a
figura 5. Por outro lado, há pelo professor a expectativa de uma resposta que
revele o pensamento matemático envolvido: raciocínio aditivo e multiplicativo.
Contudo, percebemos que muitos, registraram apenas formas de contagem
(desenhando os animais ou suas mãos: contei nos dedos). Pensamos que as
interações entre os alunos seriam valiosas nesse momento se os alunos
estivessem organizados em duplas ou trios heterogêneos, nos quais alguns já
128
registrassem as ideias das operações, e outros não. Dessa forma, poderia haver
essa troca e avanço em alguns estudantes.
Figura 5 – Registros dos estudantes
Fonte: dados da pesquisa
A professora iniciou, então, o painel de soluções, o momento em que,
segundo ela, seria o de compartilhar descobertas e estratégias.
P: Prontoooo! Nós faremos assim. Crianças que estiverem com as respostas
parecidas e o jeito de pensar parecido, nós vamos colando aqui na lousa
pertinho...
A9: E se errou?
129
P: Não tem problema vamos conversar sobre isso. O importante é como cada
um pensou. É.... primeira perguntinha pra vocês: Onde se passa essa história,
do problema?
C: Num quintal!!!
P: Isso, num quintal!
P: E o que que o problema quer que a gente descubra?
[Alguns alunos releram as duas primeiras perguntas. “Quantas cabeças e
quantos pés”]
P: Valéria, vamos começar? Quantas cabeças de animais... gente vamos ouvir
pra ver se a resposta de vocês está parecida... [A classe estava com bastante
barulho de conversa]
A10: (Valéria) Sete.
P: Sete cabeças de animais. Quem pensou outro número ou deu outro resultado
na pergunta A?
[Ninguém respondeu]
P: Todo mundo achou 7?
C: Simmmmmmm.
Este trecho nos indica que não houve dificuldade para resolver essa
questão. Todos responderam a mesma coisa. Também parecem ter
compreendido o problema, ou seja, o que tinham que descobrir. Toda a classe
encontrou o sete como resposta à questão A. Mesmo assim, a professora
começou a chamar vários alunos para explicar como chegaram a essa resposta.
As primeiras respostas causaram certo interesse, depois os alunos respondiam à
professora, mas a maioria da classe envolveu-se em conversas paralelas. O
trecho abaixo nos revela que, apesar da valorização da professora dada ao
pensamento do aluno, este momento foi pouco proveitoso e desprovido de
problematizações e motivação para a classe.
P: Como você pensou Valéria?
A10: Três mais dois dá cinco, mais dois é igual à sete.
P: Você foi colocando os animais separados. O.k.; é isso? Quem pensou em
algum outro jeito de chegar no sete? Fala pra mim...Pode falar Lucas.
A11: Se 4 + 4 = 8, então 4 + 3 = 7
P: Vamos colocar na lousa? [Registrou as sentenças na lousa, repetindo as
falas]. Então porque 4 + 3 = 7?
130
A11: Porque é um a menos.
P: Ah... porque é um a menos...Você Leo, como você pensou?
A12: Eu pus o três na cabeça e fui contando até chegar no sete.
[A professora foi repetindo e registrando: Então o Leo pôs o três na cabeça
(desenhou um bonequinho e uma cabecinha com o 3) e foi contando mais quatro
até chegar no sete. É isso?]
[As crianças estavam agitadas... algumas se desligaram das resoluções...]
P: Quem pensou de outro jeito pra chegar no sete? Fala Duda... [Repetiu o que
ela disse pois muitos estavam dispersos, havia barulho e não estavam
escutando).
P: Ah você pôs três palitinhos depois mais quatro palitinhos e foi contando todos
palitinhos. Você também fez assim? Você também? Quem mais fez de outro
jeito? Fala Fábio... Você desenhou... Desenhou três cabeças de galinha e quatro
de coelho... ok. A gente já vai ver o dos pés (o aluno queria falar desta pergunta)
... Mais alguém chegou de outro jeito? Fala Fê...
A13: Eu fiz a conta.
P: Qual conta você fez?
A13: Eu só pensei...
P: Como assim você só pensou? Pensou o quê? Me conta o seu pensamento
porque a gente não lê o seu pensamento...Conta o que você pensou pra chegar
no sete?
A13: Eu já sabia. Porque é o número da minha idade...
P: Porque é o número da sua idade? E como você descobriu que o tanto de
cabeça de galinha e coelho era o número da sua idade? Que continha você fez,
ou que jeito você pensou?
[O aluno respondeu mas não foi possível ouvir. A professora repetiu]
P: Ah... então você fez uma conta na sua cabeça...Ele já fez direto... Ele já
sabia que três mais quatro é sete (registrou na lousa) porque 7 é a idade
dele.
Notamos, neste momento, a ocorrência de um dos efeitos do contrato
didático que é o Efeito Jourdain, ou mal entendido-fundamental (Brousseau,
2008) em que o professor tende a interpretar um comportamento banal do aluno
como uma manifestação de um saber culto. Na sequência da discussão, que
tornou-se mais uma exposição de resultados, notamos que, em função da
valorização do pensamento dos alunos, esse efeito ocorre em outras situações
131
durante a aula. A questão B teve respostas diversas, mesmo assim os alunos
perderam o interesse durante a plenária.
P: Agora, na B, vamos ver os resultados porque quando eu estava passando
pelas carteiras eu vi que tinha bastante diferença. Vitória...quantos pés de
animais tinha nesse quintal?
A14: Seis
P: Seis. Por que seis?
[Ela falou, como não dava para ouvir, a professora repetiu]
P: Se o coelho tem quatro patas e a galinha duas, 4 + 2 = 6! Mais alguém achou
seis?
[Um aluno começou a falar “Não é seis!”]
P: Calma! Quem mais achou o seis pra eu colar a folha na lousa? Vieram nove
alunos.
[Alguns alunos começaram a dizer outros resultados]
P: Calma, nós vamos conversar...
[Alguns falavam alto: Mas são três coelhos!!...Outros: Deu vinte!]
P: Levantem a mão para falar... Juliana, porque você está dizendo que o seu deu
catorze? Traz o seu aqui pra gente ver.
[A classe falava bastante]
P: Gente, é importante ouvirmos o amigo e o pensamento do amigo pra gente
entender se o jeito que ele pensou está certo, se o jeito que ele pensou ficou
faltando alguma coisa, ou, pra gente ver também se o nosso pensamento,
comparando com o amigo, está certo. Tá bom? Então Ju me explica aqui como
você chegou no catorze.
A15: Eu contei as patinhas da galinha e do coelho, daí... eu desenhei mas eu
desenhei duas patas pra cada bicho...
P: A Juliana desenhou duas patinhas pro cada bicho a aí ela chegou no
catorze... Mas e aí? O que vocês acham?
C: Coelho não tem duas patas...
P: Quantas patas tem o coelho?
C: Quatro!
P: Então vamos lá; quem achou outro resultado?
[Um grupo de alunos gritou] Vinte!!!
P: Quem achou vinte traz aqui.- [Foram sete alunos]
132
[A professora “grudou” todas as folhas com essa resolução em outro grupo na
lousa]
P: Pronto? O seu deu vinte também?
A16: Não, o meu deu oito.
P: Ah, você já vai explicar o seu oito. Hããã... A turminha que fez vinte, que
achou que tinham vinte patas nesse quintal...Como que descobriram que tinha
vinte? Felipe, fala o seu. Como que você chegou... é...Esse é o seu né? Você
pôs assim: 4 + 4 + 4. Por quê?
A17: Porque são três coelhos.
P: Ah, porque são três coelhos...então você pôs quatro patas de um coelho,
mais quatro patas de outro, mais quatro patas de outro. E aí você pôs 2 +
2+ 2 + 2... (da galinha – disse ele) da galinha... E aí tudo isso deu 20?8
A17: Afirmou com a cabeça que sim.
P: Nícolas, eu vi que você fez uma outra conta aqui... 8 + 12: Como você
descobriu este oito?
A18: Na verdade eu guardei o dois na cabeça e... fui contando até o oito.
P: Mas o oito é do que, da galinha ou do coelho?
A18: É...
P: Eram três coelhos e quatro galinhas...Onde você pôs o oito? Nas galinhas? E
o doze foi o quê? Os três coelhos? E aí você colocou que deu vinte por causa
disso...Henrique, explica o seu pra gente? Você desenhou? Explica, como foi...
Ele falou pra professora mas quase ninguém escutava... Ela repetiu:
P: Ah...você desenhou as patas das galinhas e as do coelho, você fez no
dedo...pra completar... E aí você chegou no vinte. Carol... A Carol escreveu
assim no dela, óh..10 + 2 = 12 patinhas... Se 10 + 4 = 14 cabecinhas... é?
Mas e como você juntou o catorze com o doze... não entendi...Onde aparece o
catorze aqui? Carol... vem cá.
[Ela demonstrou não se lembrar...A professora apontou para a folha dela]
P: Você fez um monte de risquinhos... olha...pra fazer as suas contas... explica
aí...como você pensou?
[A classe estava conversando muito]
P: Gente, vamos ouvir o amigo? Ãh? Sete patinhas... não lembra mais? Não?
Então tá bom. Bruno! ! E você? Que fez esses tracinhos... Explica pra gente.
[Alguns alunos discutiam porque um pegou o lápis do outro]
8 Nestes diálogos, colocamos em negrito as falas da professora que representam argumentações sobre as
hipóteses dos alunos.
133
P: Você foi fazendo os tracinhos de patinha, um tracinho de cada um, aí
você foi marcando e somou tudo...Marcos, você disse que o seu deu oito...
traz aqui pra gente, vem explicar... Marco não, Lucas, desculpa...Juliana depois
você vê isso... [a aluna estava batendo o apontador na mesa para arrumá-lo –
fazia bastante barulho]
A19: A galinha tem dois...
P: Duas.
A19: Mais dois, quatro. Mais dois, mais dois, ...oito...
P: Oito. Mas aí estão todos os bichos que tinha? Você não disse que tinha
sete animais? Sete cabeças?
A19: Sete cabeças vezes dois...
P: Mas você achou que deu oito por causa disso? Você achou que deu
certo?
A19: Mais ou menos.
P: Mais alguém com resultado diferente? João e Eric vocês não me
entregaram. O que que vocês descobriram?
A20: Pra mim, deu vinte e quatro.
P: Vamos ver por que que você chegou no 24?
A20: É que eu ainda tô fazendo...
P: Depois você termina o desenho, tá? Leo, você chegou em que
número?
A21: 28.
P: Como você descobriu o 24 ? [para o João que acabara de entregar a
folha].- Conta pra gente. Gente!! [elevando a voz] - Todos tiveram
chance de falar... Lucas... agora é a vez do João... pra gente escutar o
pensamento dele. Conta pra gente João.
A21: Se 2 + 2 + 2 dá dez...
P: 2 + 2 + 2 + da dez?
[Ele explicou mas não era possível escutar]
P: E de onde você tirou esse 6? Do coelho? O coelho tem 6 patas?
[Ele continuou explicando mas ela não entendia]
P: E por que seis?
A21: Seis é par...
[A professora riu e chamou o Leo]
134
P: Leo o seu...Meninas... Não é hora agora...
[As meninas estavam iniciando um jogo de “STOP”]
P: Gente, o Leo colocou aqui uma conta de 4 + 4 + 4 +4 +4 +4 + 4...Onde
você achou tanto “4”? O que são esses vários quatros que você pôs aí...? A22: Coloquei todas as patas dos bichos...
P: Você pensou que todos tivessem 4 patas? E a galinha tem quantas patas?
[Duas – disse alguém]
P: Quantas patas têm a galinha? Quatro?
A22: Duas...
P: Gente, pessoal... O problema de todos está aí na lousa... - Pediu silêncio mais
uma vez... Gente olha pra lousa agora todo mundo. Nós tivemos seis crianças
que acharam que deu seis... o que que aconteceu neste problema aqui?
A14: A gente esqueceu de contar uma das patas da galinha.
P: Vocês contaram como se fosse uma galinha e um coelho...
A14: Não, uma galinha e o resto de coelho.
P: O que vocês acham? O que que aconteceu neste grupo aqui que deu seis? O
que que eles esqueceram de fazer?
A20: Das outras galinhas.
P: Das outras galinhas e dos outros coelhos. Contaram como se fosse um
coelho e uma galinha. Aí dá seis? Daria seis... Só que quantos coelhos e
quantas galinha tinha?
A20: Três galinhas... quatro coelhos
P: O pessoal que chegou no 14...que achou que tinham catorze patas... o que
que essa turminha fez? Olha...Que que eles fizeram aqui?
A20: Colocaram duas patas pro coelhos...
P: Colocaram duas patas para o coelho...Como se todos os bichos tivessem
duas patas... Aí daria catorze... né? Os que deram vinte: o que aconteceu
aqui?
A20: Eles contaram todos juntos...
P: Eles contaram todos juntos...coelhos com quatro patas, as galinhas com duas
patas... e aí deu certo, deu vinte. E esses outros resultados aqui? E o Leo, olha
ele fez diferente: pensou igual ao do catorze, só que ele pôs quatro patas pra
todos em vez de duas patas para as galinhas...
A plenária descrita nos revela que, em todo o processo da discussão, a
professora se esmera em dar a voz e escutar o aluno. O que não ocorre é a
135
interlocução com a classe toda. Continuamos identificando, nas mediações da
professora em relação aos alunos, a ocorrência do efeito Joudain do contrato
didático. O empenho na busca pela resposta correta perde o sentido no decorrer
da atividade. Os procedimentos são bastante diversos, mas não há a exploração
de sua funcionalidade no processo de resolução nem de sua confiabilidade.
De acordo com Brousseau (1998, apud Vila e Calejo, p.72), o trabalho dos
alunos nessa fase de validação seria o de argumentar em favor da validade de
sua solução, tentando convencer seus colegas. E isso nós não observamos. O
papel do professor seria o de mediar as intervenções dos alunos, todavia, o que
observamos é que, quem fez as argumentações sobre as hipóteses dos alunos
foi a professora (destacadas em negrito nas falas); porém, já as classificando
como certas ou erradas. Em alguns momentos, ela se antecipa e explica o
raciocínio por eles.
No instante em que a professora define a resposta vinte como certa,
muitos alunos já nem estão mais interessados, ocupando-se de outros afazeres.
Assim, não houve a institucionalização dessa atividade, conforme indica
Brousseau (2008), na qual o professor deveria homogeneizar os conhecimentos
da turma e identificar os saberes constituídos; os alunos consequentemente não
tiveram a oportunidade de reestruturar seus conhecimentos.
Além disso, a atividade foi encerrada e não houve recuperação do erro
pelos alunos que não acertaram. Alguns alunos estavam ausentes da discussão;
e outros, apesar de ouvirem a exposição dos colegas que erraram, não
receberam a folha de volta para tentarem refazer sua resposta. Dessa forma,
não aconteceu o uso reconstrutivo do erro.
Na finalização da aula, conforme pode ser visto na próxima transcrição, a
professora retoma as prescrições de aplicações de heurísticas e estratégias
(English e Sriraman, 2010) para as resoluções de próximos problemas. Os
alunos responderam com respostas genéricas, inclusive com a operação a ser
feita neste problema (contar todos juntos). Incentivou também a postura de
persistência e empenho na resolução de um problema que ela chamou de difícil
para eles, apesar de a primeira questão não ter trazido nenhum desafio. A
segunda, por sua vez teve quinze resoluções erradas e sete corretas (figura 6),
das quais três não foram pela
contagem e sim pelo algoritmo (o qual já aprenderam).
136
P: Então gente, quando a gente faz um problema o que é importante a gente
descobrir no jeito de fazer? Quais são as dicas pra um problema dado pra gente
resolver?
A20: Lembrar de contar todos juntos.
P: Lembrar de contar todos juntos se for de juntar o problema... o que mais?
A16: Prestar atenção nas dicas...
P: Prestar atenção nas dicas que estão escritas no problema...” Que mais
Henrique? Que mais a gente tem que fazer pra resolver um problema de um jeito
beeem acertado? Nenhuma dica mais?
A 21: Ler bem?
P: Ler bem e entender o sentido do problema!!! Que mais? Mais alguma dica
importante? Não? Então tá bom, gente. Olha esse probleminha foi um pouco
mais difícil do que vocês estão acostumados a fazer, justamente pra cada um
pensar numa forma de resolver que não seja aquelas coisas fáceis que vocês já
fazem, como o Felipe falou, de cabeça. Né, que já tem a resposta na cabeça
facilmente. Mas o importante é que todo mundo deu um jeito de resolver o
problema, ninguém falou “Eu não sei” “Eu não consigo”... e isso foi muito legal, tá
bom? Todo mundo ter tentado.
Figura 6 – Painel de Soluções – 2º ano
Fonte: dados da pesquisa
137
4.2.3 A prática da professora Maria Clara: uma aula no 3º ano
A escola nos solicitou que fosse feita uma filmagem de uma aula de uma
das professoras que planeja matemática em função do estudo e discussões
sobre a tematização da prática com o corpo docente. Como a professora Maria
Clara era um dos sujeitos desta pesquisa, aproveitamos esta filmagem como
parte do processo de coleta de dados.
A professora do 3º ano nos avisou que faria uma aula já prevista no plano
mensal, na qual trabalharia, em Geometria, a resolução de problemas. A
proposta faz parte de uma sequência didática sobre o estudo de pirâmides. Os
alunos já trabalharam com a identificação deste sólido entre outros,
classificando-o de acordo com suas propriedades, bem como fizeram a
identificação de suas faces, sua planificação, modelagem com massinha, entre
outras atividades. A professora, então, retomaria tais trabalhos nesta aula.
A aula que observamos tinha como objetivo propor que os alunos
montassem, em duplas, a estrutura de uma pirâmide com palitos de churrasco e
massinha, a fim de que identificassem arestas e vértices. O desafio seria, como
relatou a professora durante a aula, que eles descobrissem quantos palitos
seriam necessários, antes de executar a tarefa.
Quando chegamos, os alunos já estavam organizados em duplas. Em
cima da mesa do professor, havia um saco com vários sólidos geométricos
coloridos de papelão. Ela fez nossa apresentação à sala e disse que estávamos
ali para assistir e filmar uma aula em que eles fariam uma lição utilizando
varetas.
P: Bom, então vamos começar. – Pegou um cubo e um paralelepípedo nas
mãos. Nós vamos começar lembrando de uma tarefa que vocês já fizeram, lá no
segundo ano. E alguns alunos lembram até do 1º ano. Lembram desse sólido
aqui?
C: O cubo!!
138
P: Sim, o cubo. Vocês começaram a trabalhar com esse sólido aqui no primeiro
ano e viram de novo esse sólido no segundo ano. E esse foi especialmente no
segundo ano.
C: O paralelepípedo!
P: Sim, o paralelepípedo. Lembram que neste ano a gente reviu um pouquinho
isso e vocês até montaram de novo um com o material do nosso livro? Vocês
montaram um cubo e um paralelepípedo, nós até os usamos na maquete,
lembram? Então, no ano passado vocês fizeram uma atividade como se
tivessem tirado as faces do paralelepípedo e sobrou só o esqueleto dele, que a
gente chama de estrutura. O que vocês usaram para fazer essa aula do ano
passado?
C: As varetas.
P: As varetas, que são os palitinhos de churrasco e as massinhas.
A1: Mas não foi só palito de churrasco...
P: Ah, verdade não foi só palito de churrasco...
A1: Tinha palito de fósforo...
P: Não era palito de fósforo também...era aquele rolicinho, lembra? Um
branquinho? Ah, era palito de pirulito... lembram? E porque teve que usar
palitinho de pirulito também?
A2: Pra fazer os menores.
P: Pra fazer com os menores... No cubo também precisou usar?
C: Nãooooooo.....
P: Não né? Pra fazer o cubo foi possível usar só o palito grande.
A3: Porque não tem parte maior nem menor.
P: Isso, não tem parte maior nem menor, todas as varetas iguais, pra fazer o
cubo. Para fazer o paralelepípedo, só de a gente olhar assim, a gente percebe
que tem diferença, não é? –[ Mostrou os dois]. Vocês precisaram também usar o
palito de pirulito. Muito bem. Então vamos lembrar porque a professora Teresa
não sabe como começamos este ano, o estudo das pirâmides.
[Pegou o saco com os sólidos e começou a relembrar o trabalho com as
crianças].
P: Vocês receberam vários sólidos, todos misturados e deles, vocês tiveram que
separar só as pirâmides. E o que vocês observaram quando separaram as
pirâmides?
[Várias crianças responderam juntas, coisas diferentes]
P: O Diego falou diversas coisas e eu ouvi aqui na frente outra coisa.
A4: Tinham bases diferentes.
139
P: Bases diferentes. – Alguém disse pontas. É a mesma coisa falar diversas
pontas e diversas bases? Ponta e base é a mesma coisa?
C: Não.
A4: Eu queria dizer base.
P: Você queria dizer base? Tudo bem. – [segurando diversas pirâmides nas
mãos]. Então nós separamos essas pirâmides, com diversas bases... e vocês
mexeram, brincaram, perceberam isso...Nós registramos isso no caderno, certo?
E relembramos também com atividades do livro...Nós falamos de vértices,
arestas, bases... Que pirâmide nós escolhemos pra trabalhar?
C: De base quadrada.
P: A pirâmide de base quadrada. Então entre todas essas que nós observamos
nós conversamos, queríamos trabalhar no terceiro ano especialmente a pirâmide
de base quadrada. Certo? Vocês também fizeram uma atividade no caderno,
colaram uma folhinha pra levar pra casa. Vocês lembram o que era? Era uma
pesquisa...
A5: Uma pesquisa das pirâmides....
P: Uma pesquisa sobre pirâmides. Podia ser só pirâmide de base quadrada?
C: Não.
P: Não sobre qualquer pirâmide. E aí na sala nós falamos de novo, mais um
pouquinho, sobre várias pirâmides, de acordo com o que vocês encontraram em
casa não foi? E aí depois, nós fizemos uma atividade que eu até gravei o
depoimento do Pedro B., que ele entrou aqui debaixo da lousa todo feliz e falou
que essa aula tinha sido muito bacana, divertida, tenho gravado o depoimento do
Pedro.
A6: Só que eu tava com um pouco de vergonha...
P: Ele estava com tanta vergonha que entrou debaixo da lousa..., lembra Pedro?
E ele falou que foi muito legal aquela aula. O que nós fizemos naquela aula?
A6: Nós montamos uma pirâmide de base quadrada.
P: Montamos? Como?
A6: Com desenho...
P: Com desenho como?
A7: Com as formas...
A8: Dobradura...
P: Opa, opa...a Bia lembrou uma coisa... Nós fizemos essa aula com um
quadrado e quatro triângulos. Por quê?
A8: Porque são as faces das pirâmides.
140
P: Porque são as faces da pirâmide de base quadrada. Agora sim hein? Então
nós pegamos as faces da pirâmide de base quadrada num papel, um quadrado e
quatro triângulos, que a Bia lembrou; nós pintamos o quadrado de uma cor e as
outras faces com outra cor- [colou na lousa uma pirâmide de base quadrada
planificada e foi apontado para as faces]- e aí nós fomos fazer o teste... Nós
tínhamos que ver como a gente ia conseguir montar a pirâmide... Isso foi pra
gente ver o quê? Para descobrir o quê?
A9: Se dava pra montar?
P: Nós descobrimos se dava pra montar mas na verdade... [alguns alunos
falaram junto]. - Sim, dá pra montar de diversas maneiras...Mas quando eu deixo
ela assim, do jeito que está na lousa, como é que chamam isso, vocês lembram?
A8: Chama planificação...
P: Isso é uma planificação. Então com aquela lição nós descobrimos
diversas...planificações da pirâmide. Nós fizemos isso com o cubo, fizemos com
o paralelepípedo, nos anos passados. No terceiro ano vocês descobriram
diversas planificações da pirâmide. Quanta coisa hein? Isso tudo nós registramos
no caderno, nós contornamos, fizemos colorido, vimos então as cinco faces e
que uma dessas faces nós chamamos de base e os outros nós chamamos de
superfície lateral, cada uma delas, certo? E hoje chegou o grande dia, alguns
alunos já tinham perguntado: quando nós vamos fazer aquele de vareta com a
pirâmide...?
[Recolheu as pirâmides que estavam espalhadas nas primeiras mesas e
guardou-as no saco].
Percebemos que alguns alunos estavam atentos e respondiam a alguns
questionamentos da professora. Outros, apenas assistiam a aula, e não se
mobilizavam para responder. Havia três alunos debruçados sobre o braço na
mesa. Apesar de ser uma aula de Geometria que trabalharia com sólidos, os
alunos não tinham nenhum material que pudessem manipular nas mãos; havia
um saco com muitos deles na mesa da professora e esta os manuseava na
frente da sala.
Não obstante o foco da aula fossem as pirâmides, a professora fez uma
retomada de todo o trabalho realizado com outros sólidos, passando pelo cubo e
paralelepípedo, trabalhados em anos passados. Essa retomada demorou
aproximadamente quinze minutos, o que julgamos bastante tempo para uma
141
aula expositiva para crianças nessa faixa etária. Possivelmente, se os alunos
estivessem com os sólidos geométricos nas mãos, mais problematizações
poderiam ser propostas. Neste momento, porém, a aula estava inteiramente na
voz e na ação da professora.
O foco ficou mais na memória desta do que na dos alunos. Não
encontramos, até este trecho, efetivas problematizações. A professora pergunta
e logo conduz às respostas rápidas, depois completa a informação. Parece
haver uma preocupação com o uso do vocabulário correto e com a revisão dos
conhecimentos anteriormente adquiridos. Assim, a aula prosseguiu.
P: Será que dá pra montar a pirâmide de base quadrada com as varetas?
C: Dá...
P: Será que dá? Hã?... – escutando um aluno. Dá um trabalho, né? –[ repetiu]. O
que o André falou há pouco, antes da professora Teresa chegar, quando nós
estávamos falando desse trabalho com varetas? O que você falou do ano
passado mesmo André?
A9: Que o ano passado a gente também fez, mas foi do paralelepípedo.
P: E o que mais?
A9: Que foi difícil.
[Outro aluno: Foi meio fácil e meio difícil...Alguns diziam que acharam fácil...
outros, que foi mais ou menos]
P: Então, eu acho que hoje pode ser um pouquinho mais fácil porque vocês já
sabem... metade do caminho. Só que... Lembram do nosso jogo de mudar de
fases?
A10: Tia... tia... só que agora precisa quatro palitinhos pra base e....
P: Stop, stop... [pedindo que ele parasse de falar]. - Não estou perguntando
quantos palitos ainda não. Calma... calma... calma...
A11: Ou cinco...
P: Calma porque eu vou colocar um desafio aí... Um desafio à vista! Nós não
estamos fazendo aquela brincadeira de mudar de fase no jogo? Então, agora
aqui vem um desafio de mudar de fase... O desafio é o seguinte. Lá no primeiro
ano, no segundo ano, a professora já dava os palitos certos pra vocês
montarem, vocês já recebiam os palitos e a massinha certo? Acontece que eu
não vou dar a quantidade de palitos... A Manuela vai me ajudar aqui a distribuir,
eu vou dar uma pirâmide para cada dupla pra vocês observarem e prestarem
142
atenção em quantos palitos ou varetas vocês vão precisar. Tá bom? – A
massinha está um pouquinho dura, precisa dar uma amassadinha nela, tá bom?
A11: Você vai dar a massinha?
P: A massinha é quando vier buscar o palito. Entrega rapidinho Manu e a dupla
que já observou já pode vir buscar o palito. Se estiver um pouco grudada é só
mexer um pouquinho para soltar; é que outra turma já usou.
Conforme podemos observar pelas falas dos alunos, este problema,
apresentou pouco desafio à maioria da classe ao ser proposto. A professora teve
que pedir para o aluno parar de falar para que não desse a resposta antes de
iniciar a atividade. Neste momento, ela entregou as pirâmides de base quadrada
em papelão para cada dupla. Eles contavam as arestas e iam buscar os palitos
ou, já iam à mesa dela com a pirâmide na mão para contarem lá e pegarem as
varetas.
Ao contrário do momento da retomada, se eles estivessem sem a
pirâmide nas mãos, a professora poderia sugerir que decidissem, na dupla,
quantos palitos seriam necessários e a partir daí, problematizar as hipóteses
iniciais das crianças.
[A professora começou a organizar as varetas e os pedaços de massinha em sua
mesa que estava no centro. A maioria dos alunos levantou e foi até a mesa]
P: Cadê a sua dupla? – [disse a uma aluna]. Chame-a, e pode trazer a pirâmide
aqui. –[ Muitos levantaram e trouxeram a pirâmide que receberam. Ficou um
amontoado de alunos na mesa da professora para pegar as varetas. Os alunos
falavam entre si]
P: Será que precisa tudo isso de palito Rafael?
A12: Não sei.
P: Não sabe, então leva ...
Algumas duplas seguravam a pirâmide na mão e contavam as arestas. A
professora auxiliava a separar as massinhas. Um aluno chegou na mesa
contando...
P: Quantas têm?
A13: Oito.
P: Então pega e leva.
143
Podemos notar que a professora incentivava que trouxessem a pirâmide
para contar as arestas. Nesta aula parece ter havido uma mudança de foco: este
saiu da problematização para a própria montagem, sem que a professora
notasse. Mesmo nas intervenções individuais, como com o aluno Rafael (A12): “-
Precisa de tudo isso? Não sabe? Então leva...”.
Destacamos que esse pode ser mais um efeito do contrato didático,
encontrado nas posturas metodológicas dos professores, o deslize
metacognitivo, no qual o professor pode tomar como objeto de estudo uma
técnica que presume útil para a resolução de um problema ou realizar uma
aprendizagem, tornando-o o verdadeiro objeto de estudo. Neste caso, perdeu-se
de vista a resolução de problemas ou as problematizações em função da
execução da atividade em si, que foi escolhida como pretexto para problematizar
hipóteses dos alunos.
Voltamos a dizer que os professores, muitas vezes, trazem consigo
modelos implícitos em suas práticas, dos quais nem se apercebem. Notamos
isto no discurso dessa professora em algumas de suas respostas.
Ao responder à quarta questão, que indagava sobre as dificuldades ao
trabalhar com esta abordagem, a professora Maria Clara reconhece, em sua
fala, que, antes de participar da formação continuada, apresentava aos alunos
as situações-problema de maneira equivocada. Percebe que, ao fazer a leitura
para os alunos, acabava por interpretá-los. Identifica também, em sua resposta,
que o estímulo para diversificar as estratégias de resolução era restrito em suas
ações.
Essa consciência não pareceu materializar-se na prática; a aula permitiu
pouca variedade de resoluções e a explicação tornou-se uma narração
minuciosa que revisou todos os conceitos necessários para que a atividade
fosse concluída. Assim também percebemos que, apesar de demonstrar clareza
ao definir um problema quando responde à quinta pergunta, caracterizando-o
como algo sobre o qual não temos uma definição imediata, inconscientemente,
sua atuação na aula foi marcada pela frequente elucidação e explicação de
conteúdos.
144
Não podemos deixar de destacar também, a ideia que tem aparecido
praticamente como um padrão nas aulas e respostas dos sujeitos, que é
localizar o momento de problematizar e fazer as mediações com os alunos
somente no painel de soluções, perdendo parte do processo investigativo no
qual professor poderia ter espaço para muitos questionamentos que instigassem
os alunos a evoluir e construir conhecimentos. Refletimos que este poderia ser
um tema de discussão com os professores a partir dessa aula, ou seja, a sua
importância como elemento-chave na construção de um processo investigativo
(Ponte, Brocardo e Oliveira, 2003).
Observamos, ainda, que apesar de estarem em duplas, nem sempre
houve interação entre os pares. Observamos que iniciaram o trabalho de
montagem da estrutura, começando pela base. Em algumas duplas os dois
trabalhavam colaborativamente na montagem, em outras, enquanto um só
montava, o outro apenas fornecia o material.
A professora pediu, então, que colocassem as estruturas em sua mesa.
Alguns quiseram montar outras, porque acharam muito fácil, o que não combina
com a expectativa relatada como objetivo da atividade. Finalizou a aula com uma
institucionalização vazia de sentido, pois além dos alunos já dominarem os
conhecimentos envolvidos, não houve verdadeiramente um problema a se
resolver.
P: Quem for terminando vai trazendo aqui que a gente vai montar uma grandeee
escultura; pode ser por cima, por baixo, dentro... Não deu tempo nem de tirar foto
hoje.. e registrar esse momento... Puxa vida, foi muito rápido!
A10: Ai tia foi fácil! Pode montar mais?
P: Pode.
[Algumas crianças quiseram fazer novas pirâmides, outras foram empilhando as
prontas. A professora foi ajudando a organizá-las. Depois de alguns minutos foi
querendo encerrar a atividade mas alguns alunos ainda montavam e vários
estavam muito entretidos tentando empilhar as pirâmides].
P: Pronto, vamos voltando pros lugares...
[A professora teve dificuldade em fazer com que os alunos voltassem à calma,
muitos ainda mexiam nas varetas]
145
P: Vamos parar um pouco e prestar atenção um pouquinho. Quero relembrar
uma coisinha com vocês. Do jeito que está aqui, [segurava uma estrutura de
pirâmide montada pelas crianças nas mãos] que nós brincamos e
chamamos de esqueleto, na verdade, eu falei um outro nome também pra
isto daqui..[.Alguns alunos disseram: -“Estrutura!”]
P: Estrutura da pirâmide. Então, é como se eu tivesse tirado [pegou um sólido de
papelão nas mãos] o que daqui?
A11: A carne dela...
P: A carne dela... só que eu não vou falar a carne da pirâmide... Como eu vou
falar? [ Alguns alunos respoderam:”A face”]
P: As faces da pirâmide. Então se eu tirar a carne que não é carne, são as faces
da pirâmide, sobra o que aqui?
A11: As vértices e as arestas.
P: Os vértices e as arestas. A estrutura como eu chamo? – [Passava os dedos
nos palitos que eram as arestas]
A13: Arestas.
P: E os vértices?
A12: As pontinhas.
P: Onde nós colocamos? Colocamos o quê?
C: As massinhas.
P: Então isso já entrou na cachola? Não sai mais?
C: Nãoooo...
Para finalizar a análise desta aula, destacamos que, em função do
excesso de informações na fase que deveria ser a devolução de um problema,
de acordo com a TSD, houve um prejuízo no desenvolvimento das dialéticas que
dizem respeito às condutas dos alunos: a experimentação ou a criação de
modelos na fase da ação foi praticamente desnecessária; na formulação não
houve a imprescindibilidade de trocar informações ou discutir pontos de vista, o
que, obviamente, tornou dispensável a validação do modelo de resolução ao que
chegaram os alunos.
Notamos assim que, muitas vezes, passam desapercebidas pelo
professor algumas ações que interferem no produto de seu trabalho, advindas de
concepções latentes e que, involuntariamente, interrompem o caminho que o
aluno deve percorrer para evoluir.
146
4.2.4 A prática da professora Marília: uma aula no quinto ano
Esta professora optou por usar uma aula prevista no planejamento mensal
do quinto ano, pelo qual é responsável. Sugerida pela assessoria externa nas
reuniões por série e no grupo de estudos que acontece com o corpo docente da
escola, a proposta era que ela trouxesse para os alunos um problema de
travessia 9 , a fim de variar o repertório de problemas não convencionais
trabalhados com os alunos.
Quando chegamos, os alunos do quinto ano já estavam organizados em
duplas. A professora comunicou à sala que assistiríamos a aula de Matemática.
A professora distribuiu as folhas com a atividade. Apesar de estarem
organizados em dupla, cada aluno recebeu a sua folha individual.
A atividade era do tamanho de uma folha sulfite (A4), e tinha cabeçalho
para preenchimento individual. Tinha algumas linhas para escreverem a
resposta.
A seguir, destacamos na figura 7, apenas o desfio proposto e a imagem
apresentada aos alunos.
9 Esse tipo de problema é assim denominado pelo grupo que faz assessoria externa aos professores. De
forma geral, são problemas envolvendo espaços de estados, com operadores, estados iniciais e finais e operações que levam (ou não) aos estados finais, por meio de heurísticas.
147
Figura 7 – Um “problema de travessia” (espaço de estados)
Fonte: dados da pesquisa
P: Coloquem o nome e a série. Bom hoje a gente vai fazer um problema... Qual é
o nome que está escrito no alto da folha?
C: Desafio!
P: Na verdade é um desafio porque vocês vão ver que é um problema...Todos os
problemas a gente resolve com conta, com o algoritmo? Sim ou Não?
[Alguns alunos disseram sim, outros não]
P: Alguma vez vocês já resolveram algum problema que não tenha algoritmo, ou
conta pra gente fazer?
[Alguns alunos disseram que sim]
P: Então, acontece às vezes, né? [Alguns responderam sim e outros falaram
não]
DESAFIO Era uma vez um pai e dois filhos. O pai tinha 80kg, o menino, 40kg e a menina, 35kg. Eles tinham de atravessar um rio. Por sorte, os três sabiam remar e encontraram um bote na margem. Só que, junto ao bote, havia um aviso assustador.
Faça deduções, elabore hipóteses e descubra: nessas condições, de que maneira os três poderão atravessar o rio utilizando o bote? Escreva e explique sua resposta. R: ___________________________________________________________________
148
P: Vamos ver.... Então a gente tem um problema aqui, que vocês vão discutir
com a sua dupla. É um problema de... na verdade de lógica, pra gente pensar
como é que a gente vai fazer esta situação-problema. Porque muitas vezes, o
que que acontece: vocês sempre estão buscando que conta é pra fazer... Então,
é pra gente pensar um pouquinho que nem sempre a gente precisa, pra resolver
algum problema, fazer uma conta, que é o que vai acontecer aqui. Então na
dupla, vocês vão ler o problema. Eu vou passar pra ver a discussão de vocês na
dupla, que é importante; e, depois, a gente vê se vem pra lousa pra gente
colocar soluções diferentes que apareceram aí. Tudo bem?
Consideramos que a professora, em seu discurso, enfatizou a importância
das interações entre os alunos nas duplas, valorizando o processo investigativo.
Procurou desmistificar para os alunos uma crença relativa ao contrato didático,
de acordo com as ideias de Chevallard (1988), descrito por Silva (2010), na qual
os alunos entendem que, em Matemática, resolve-se um problema efetuando-se
operações e que a tarefa deles é encontrar a boa operação e efetuá-la
corretamente. Porém, antecipou para os alunos que este era um problema que
não seria resolvido pelo algoritmo, prevendo algumas ações e estratégias que
deveriam ser mobilizadas por eles. Em sua mediação, enquanto se esperava a
ocorrência da dialética de Formulação, de acordo com Brousseau (1988), ela
deveria evitar intervir sobre o conteúdo.
Ainda nesse sentido, compreendemos que ela nomeou este problema
como sendo de lógica, para reforçar a ideia de que não precisariam usar
algoritmos para a resolução. No final da aula, disse à pesquisadora estar em
dúvida se este era mesmo um problema de lógica, pois não apresentava
nenhum tipo de tabela, como são os problemas de lógica que ela já trabalhou. A
este respeito, podemos recordar a resposta dada por ela à segunda questão do
questionário, sobre a forma pela qual desenvolve este trabalho: em algumas
resoluções os alunos sentam em dupla. Os alunos recebem uns 5 problemas
(convencional) e iniciam a resolução. Chamo alguns alunos para colocarem suas
resoluções na lousa, discutimos cada uma delas. Também trabalhei com
problemas de lógica.
149
No confronto entre seu discurso e sua prática, percebemos que
compreende o tipo de problema mencionado (lógica), como não-convencional,
pelo fato de permitir estratégias diferenciadas de resolução ao invés de
operações matemáticas.
Stancanelli (2001), de fato, classifica problemas de lógica de maneira
análoga a esta ideia. De outro modo, porém, podemos observar que o problema
apresentado pressupõe algum raciocínio numérico e emprega operações de
adição, o que indica que tais problemas não precisam representar opostos
diametrais em relação aos chamados problemas numéricos:
Problemas de Lógica – são problemas que fornecem uma proposta de resolução cuja base não é numérica, que exigem raciocínio dedutivo e propiciam uma experiência rica para o desenvolvimento de operações de pensamento como previsão e checagem, levantamento de hipóteses, busca de suposições, análise e classificação (STANCANELLI, 2001, p. 114).
Podemos observar, na sequência de trechos extraídos da aula, que a
professora, ao ouvir as argumentações dos alunos, contesta suas respostas e
resoluções, cobrando-lhes a operação ou cálculo como validação da resposta,
passando-lhe despercebido a dicotomia com seu discurso inicial.
[Os alunos se evolveram com a leitura e resolução do problema. A classe estava
barulhenta, mas todos estavam envolvidos na discussão. A professora começou
a passar pelas duplas, perguntando como estavam resolvendo]
P: Já... Como vocês pensaram?
A1: Primeiro, vão eles dois. Aí depois volta a menina. Aí depois a menina fica
aqui e o pai vai. Aí depois volta o menino e pega a menina e os dois vão juntos.
P: Hã ... e aí? Faz a conta pra gente ver se é isso mesmo...Será que deu?
Porque eles têm.... Têm, olha lá, o quilo olha... Vê se dá...Faz a conta... Deu
setenta e cinco quilos?
A2: Eles têm setenta e cinco quilos.
P: Como você pode comprovar isso, com conta ou escrevendo...Pensem aí na
resposta.
[Os alunos somam quarenta quilos mais trinta e cinco quilos...Depois observou
outra dupla que discutia e a chamou]
A3: Professora vem aqui.
150
A3: Professora, vai o filho e depois o pai?
A4: Mas o bote vai estar do outro lado...
A3: É...Só se o pai for remando primeiro...
A4: Ah, porque esse pai não faz um regime...? [riem]
P: Oh, vamos lá; calma, fala de novo, quem vai primeiro?
A3: O pai.
P: Tá. E a minha pergunta foi: e como que o barco vai voltar?
[A dupla não soube responder]
P: Pensem de novo...
A3: Acho que já sei...Vai os dois meninos... Aí vai... volta um..
A4: Aí um menino fica aqui - [aponta pro outro lado do rio] - aí vai o pai, aí volta
a criança e volta... eeeeee [comemoraram]
[A professora foi em outra dupla]
P: Vamos lá, como é que é?
A5: Vão os dois meninos, aí volta um...
P: Volta um qualquer? Pode ser um ou o outro?
A5: É. Não... Não sei...É volta um qualquer.
P: Por que que pode ser um ou outro? ´
A5: Por que cabe no bote, dá pra segurar...
P: Ah, tá por causa do peso...
A5: Ai volta o menino por exemplo, aí vai o pai, ai volta a menina, aí pega o
menino e vai...
P: Tá bom...Legal! Agora tem que registrar. Vamos ver como vocês conseguem
escrever isso... E o quilo, deu? Vocês olharam isso? Fizeram a conta dos quilos?
A: Primeiro vamos somar... [e começaram a fazer os cálculos]
[A professora foi em outra dupla, muitos já tinham resolvido mas estavam, a
pedido dela, registrando a resposta no espaço]
P: Vocês terminaram? Explica pra mim como vocês pensaram?
A6: Vamos explicar pra ela, vai. Vai as duas crianças, aí volta a menina, aí vai o
pai depois, aí volta o menino e pega o outro menino.
P: E não passou o peso em nenhum momento?
A: Não.
P: Como vocês podem mostrar pra mim que não passou?
A6: Porque 40 + 35 = 75, então aí volta 35 que é da menina, aí vai o pai que é
80, sozinho, que cabe... depois volta o menininho que é 40 e depois pega a
menininha que é 35 e vai, que dá 75.
151
[As duplas chegavam todas à solução e, como viram alguns explicando, queriam
também explicar. A professora perguntou em uma dupla]
P: Vocês chegaram à conclusão juntos?
A7: Mais ou menos.
P: Mais ou menos? Como que foi essa discussão.
A:8: É foi junto.
P: Tá bom vocês falaram pra mim, como é que é? Fica a menina... e volta o
menino?
A8: Não, fica o menino e volta a menina.
P: E pode ser o contrário ou não? Em vez de ficar o menino, fica a menina e vai
o outro? Dá certo isso? Sim ou não?
A8: Sim.
P: Por que que daria?
A8: Porque ficaria assim, parecido.
P: Então vamos lá. Vocês olharam o peso dele?
A7: Sim o pai oitenta, ela trinta e cinco e ele quarenta.
P: Então faz diferença voltar um ou outro, um primeiro ou o outro ou tanto faz?
A7: Ah, tanto faz.
P: Por que tanto faz? Que conta você tem que fazer pra saber se é tanto faz?
A7: Quarenta mais trinta... e cinco...
P: Mais? Pensa..., quem que vai junto na volta? Quanto é o peso do pai?
A8: Oitenta.
P: Então você tem que contar o peso do pai mais...
A8: Mas aí não daria porque passaria...porque o pai tem oitenta, aí passaria,
caberia só mais cinco...
P: Exatamente! Por isso que ele tem que ir...?
Os dois alunos responderam juntos:: “Sozinho!”
P: Muito bem.
Questionou outras duplas que deram a resposta.
P: Mas não passa o peso?
A9 Não porque o pai é oitenta e o pai já está lá, e eles dois juntos dá setenta e
cinco quilos, daí eles voltam...
[Mais uma dupla anunciou a resposta correta. Ela fez o mesmo questionamento,
perguntando se fazia diferença voltar um ou outro. A professora ouviu ainda mais
duplas que queriam contar como resolveram. A classe estava barulhenta pois os
que já tinham resolvido, contado e registrado conversavam. Em todas as duplas
152
que ouviu fez a mesma pergunta (se fazia diferença uma ou outra das crianças
voltarem) ].
A análise das mediações da professora com as duplas nos leva a pensar
que ela dá espaço para os alunos interagirem com seus pares e argumentarem,
mas acaba por induzi-los ao que considera como validação da resposta, atitude
que entra em desacordo com as concepções anunciadas em sua fala na
resposta à questão seis de nosso instrumento, a qual questiona os sujeitos sobre
o momento em que se sentem mais à vontade para trabalhar com resolução de
problemas na sala de aula: Não existe momento melhor ou não para se trabalhar
com resolução de problemas. Existem as aulas para se trabalhar com resolução
de problemas. Tento deixar a aula de forma que os alunos proponham soluções,
explorem possibilidades e validem suas próprias conclusões.
Constatamos também em nossa análise, que a professora tinha pouco
repertório de questionamentos para este problema: praticamente um único foi
feito aos alunos, que era perguntar sobre a ordem dos garotos na volta da
travessia. A uma dupla, perguntou sobre como o barco voltaria, fazendo-os
refletir sobre a resposta que tinham produzido. Além destes, somente a
verificação pelo cálculo foi sugerida. Isso nos leva a refletir sobre as palavras de
Brousseau (2008) quando se refere à seleção sensata dos problemas propostos
que devem fazer, pela própria dinâmica, que o aluno evolua. O professor deve
ter consciência da escolha feita e avaliar o grau existente ou não de dificuldade
ou de desafio na proposta. Neste caso, o desafio era insuficiente para sustentar
questionamentos que fomentassem maiores reflexões.
Além disso, ao intervir desta forma, a professora põe em questão todo o
trabalho envidado pelos alunos na dialética de validação. Ao antecipar etapas da
institucionalização, a professora cria prejuízos para a proposta de construção do
conhecimento. Esta tentativa de obter justificativas formais indica a resistência
que a docente apresenta a um contrato didático distinto daquele que prevê
respostas em certo formato para as questões propostas.
Retomamos nossa observação na problematização relatada no início
desse estudo, sobre a dificuldade para alguns professores, na organização e no
planejamento de aulas em que se priorizem momentos de discussão de
153
conceitos, argumentação e confrontação sem necessariamente conduzir os
alunos ao acerto.
Como todas as duplas já tinham respondido, não havia mais o que
contestar. A professora procurou-nos e disse:
P: Acho que já deu... Esse problema deu pista que foi fácil, dá pra procurar
outros mais difíceis... Eu ia fazer o Painel de Solução mas não tem mais
sentido.- [Optou por fazer um fechamento da aula focando na forma em como
registraram as conclusões]
P: Pessoal, atenção – [disse para a classe chamando a atenção de todos que
iam parando de conversar].- Eu fui passando pra ver as resoluções e percebi que
todos vocês chegaram à solução do problema. Só que cada um registrou, ou
escreveu, lógico, da sua maneira. Aí eu queria que vocês fossem me falando
como cada um registrou para eu ir escrevendo na lousa. Aí vocês vão perguntar:
é pra apagar o que eu fiz, pra copiar o que você fez na lousa? Não. Esse que eu
vou por na lousa, vou escrever num papel pra gente ter depois a resposta de
todos vocês; a gente vai tentar montar uma resposta comum, da classe.
Então não apaguem nada do que vocês escreveram: [Imitou a fala dos alunos]:
Ah, o meu ficou diferente, ficou só com duas linhas, o da professora ficou com
dez linhas... Não tem importância nenhuma. Não apaguem o que vocês fizeram,
senão perde o sentido; cada um pensou, a dupla escreveu; então é o que
pensou que escreveu. E aí a gente vai tentar ver uma forma, às vezes até mais
completa de vocês perceberem: Ah, acho que o meu ficou meio incompleto, acho
que não tá dando pra entender direitinho...né? Desse jeito tá melhor, tá mais
bem explicado. Mas não apaguem mesmo assim. Tá bom? A ideia é essa. Você
quer começar Danilo?
Ah, e se vocês quiserem ir arrumando o que o amigo for falando, eu vou
apagando. Então vamos lá.
Os alunos foram falando os passos da resolução e ela foi escrevendo na
lousa. Alguns solicitaram algumas pequenas mudanças, apenas troca de
palavras. Nesse registro não houve nenhuma menção numérica, apenas a
sequência de ações realizadas pelas personagens. Todavia, oralmente, na
elaboração do texto coletivo, retomou a pergunta sobre a ordem das crianças na
154
volta do bote e os cálculos com os pesos. A classe repetia em coro, já muito
dispersos.
Observamos que a professora teve a percepção de que o Painel de
Soluções era desnecessário e refletiu sobre o grau de dificuldade desta e de
uma próxima atividade. Quando ia encerrar, um aluno levantou a mão dizendo
que este problema foi fácil porque já haviam feito um bem mais difícil na aula de
computação. A professora novamente deu voz aos alunos:
P: Então, o Paulo falou que na aula de computação vocês fizeram um problema
de travessia. Quem disse que foi mais difícil que esse?
A10: Era mais difícil porque tinha um tempo pra fazer.
P: Ah, tinha um tempo... E tinha essa questão dos quilos?
C: Não.
P: Qual era o problema dessa travessia?
[Muitos alunos falavam. Todos queriam contar sobre personagens e sobre o
tempo para fazer]
P: Agora eu sei porque vocês acharam este tão fácil, porque já fizeram um mais
difícil...
Neste encerramento, notamos mais uma vez a valorização, por esta
professora, dos processos de raciocínio e pensamento dos alunos. A docente
oferece também uma discussão coletiva sobre o texto final, lançando a ideia de
que não devem apagar o seu, mas compará-lo. Também investiu na comparação
quando os alunos mencionaram os problemas da aula de computação,
incentivando a comunicação nas aulas de matemática, aspecto sobre o qual já
refletimos sobre a importância no decorrer deste trabalho. No final, então, a
dialética de institucionalização conseguiu recuperar alguns elementos
importantes do trabalho investigativo.
Não podemos deixar de mencionar uma dificuldade na gestão do trabalho
didático por esta professora: Brousseau (2008) indica que a estruturação de
situações ricas, do ponto de vista da atividade cognitiva dos alunos, depende,
em grande parte, da seleção de bons problemas. Tal seleção foi prejudicada
aqui, uma vez que aspectos característicos do problema enquanto estruturador
155
de um milieu antagonista não existiram: os alunos já haviam trabalhado com
problemas semelhantes, em condições ainda mais adversas.
Dessa forma, pudemos inferir nesta situação que, para este sujeito, faltou
clareza quanto ao que ensinar, o que acaba prejudicando a intencionalidade
didática essencial ao milieu, tornando-o insuficiente para avivar no aluno os
conhecimentos que se pretende que ocorram. Atentamos para o fato de que a
professora, apesar de incentivar nos alunos, em seu discurso, movimentos de
busca pelo conhecimento, acaba caracterizando sua atuação estabelecendo um
contrato didático prescritivo: para todos, indica a operação numérica como chave
para a resolução do problema.
4.2.5 A prática da professora Joyce: mais uma aula no 4º ano
Quando chegamos para a observação desta aula, os alunos já estavam
organizados em duplas. Perguntamos à professora como havia sido feita esta
organização: se ela escolheu ou pré-selecionou as duplas, se eles escolheram
ou se foi aleatório. Ela me relatou que chegou alguns minutos antes (pois foi a 1ª
aula do período), organizou as carteiras em duplas e os alunos, quando
chegaram foram sentando onde quiseram. Essa professora optou por preparar
uma atividade para esta aula que não estava no plano mensal (figura 8).
[A aula teve início com a professora dizendo]
P: Hoje vocês estão em duplas para trabalhar juntos na resolução de problemas.
Vou passar o primeiro para vocês.
[E assim distribuiu um para cada aluno. Os problemas estavam digitados e
colados num cartão colorido retangular. Alguns começaram a perguntar se era
para copiar e outros começaram a copiá-lo no caderno]
156
Figura 8 – O problema apresentado ao 4º ano
Fonte: dados da pesquisa
P: Olhem pra cá por favor... [precisou chamar mais de uma vez...] Olhem pra
mim por favor... Não precisa copiar... é como já fizemos da outra vez... esse
probleminha eu vou emprestar para as minhas colegas de outra sala para
aplicarem nos alunos também... É pra vocês lerem, raciocinarem, pensarem em
cima dele. E eu quero o que na folha sulfite? A resolução dos problemas, tá?
Vocês estão em dupla... [chama atenção de alunos em conversas paralelas]
Justamente pra trocar ideias... Cada um tem sua folha, cada um vai fazer seu
registro mas pensando junto, com o colega. Eu vou deixar registrado na lousa
também pra facilitar quando vocês virem para a lousa, entenderam? Podem
começar a resolução do problema.
P: Ah! Atenção! Se tiver dúvida, levanta a mão, eu não vou dar a resposta pra
nada... [chamou a atenção de outro aluno que conversava] - Então eu posso tirar
uma dúvida ou outra, tá? Mas o que eu quero ver hoje, é a resolução de vocês
[salientou pausadamente]. Combinado? Como nós fizemos da outra vez. Eu
chamo na lousa, aí na lousa é que a gente vai tirando as dúvidas, a gente vai
vendo a resolução. Pode começar....Pode começar...vamos lá... caprichando...
A professora virou-se e começou a passar o mesmo problema na lousa,
enquanto os alunos o resolviam. Observamos que mesmo estando em duplas,
houve pouca interação entre os pares: muitos leram e começaram a resolvê-lo
individualmente. Em algumas duplas, liam juntos e conversavam um pouco, mas
cada um escrevia na sua folha, sem conferir muito se o outro fazia o mesmo.
O problema apresentado aos alunos parecia não oferecer desafio. Apenas
duas duplas não chegaram ao resultado, pois cometeram algum equívoco. Não
careciam da discussão ou argumentação com o par para resolvê-lo. De acordo
157
com o quadro de Vila e Callejo (2007) apresentado anteriormente neste estudo,
enquadra-se muito mais como exercício do que problema:
Ao ler um exercício, vê-se imediatamente em que consiste a questão e
qual é o meio de resolvê-la (foi o que observamos nas interações);
O objetivo que o professor persegue é que o aluno aplique de forma
mecânica conhecimentos e algoritmos já adquiridos e fáceis de identificar;
Em geral, os exercícios são questões fechadas;
Os exercícios são abundantes nos livros didáticos (o problema
apresentado é bastante comum nos livros didáticos).
[A professora, ao acabar de transcrever o problema na lousa disse]
P: Quem acabou fica no lugar...eu vou passar olhando... pra gente ver. Só um
minutinho.
[Algumas duplas que já tinham terminado ficaram conversando. Outros mexiam em
seus materiais... Ela começou a olhar o que as duplas que já tinham feito, chamando
a atenção de alguns alunos que, por terem terminado, começaram a brincar ou falar
um pouco mais alto. Uma aluna reclamou que o colega estava a incomodando
porque estava cantando, e novamente ela precisou chamar atenção de alguém
individualmente]
P: Pronto? Agora eu vou passar olhando...vou pegar uma caneta... espera um
pouquinho... É pra fazer junto... – [disse a uma dupla em que cada um resolvia em
sua folha, sem nenhuma interação. Começou a passar pelas duplas dizendo ok, ou
abanando a cabeça para quem acertou. Ao passar por uma dupla interferiu]
P: Você tem certeza? = [Perguntou ao colega da dupla se ele o estava ajudando.
Ele respondeu que o outro não queria ajuda, e sim apenas copiar o dele. Ela
interviu]
P: Não adianta você só copiar, tem que perguntar... Como ele pensou.- [E dirigindo-
se ao outro] - Ajude ele a pensar, tá? Não deixa ele só copiar, não...Olha lá ele está
explicando...[ E começou a perguntar ao que tinha feito]: -
P: O que é este número? Por que você multiplicou por três? Este número
corresponde aos três juntos?
Voltando-se ao que havia feito incorretamente:
P: Você sabe porque ele multiplicou por três?
A: Porque é o triplo (como ouviu da explicação do colega) e a professora confirmou
enfaticamente:
158
P: Isso!
[Continuou observando as duplas e perguntando quanto havia dado. Dirigiu-se então
para uma das duplas que estava com o resultado diferente e leu com eles o
problema novamente].
Observamos por este trecho que os alunos têm dificuldade em
estabelecer uma discussão que leve a um processo investigativo. Ou cada um
resolve o seu, apesar de estarem sentados juntos, ou o que não sabe quer
apenas copiar do outro e este não sabe como intervir. A professora fez uma
tentativa, nesta dupla, de incentivar o diálogo e o questionamento, mas
confirmou imediatamente a resposta correta, o que pode indicar que o objetivo
principal que deseja atingir é o acerto da questão, por meio da aplicação dos
conteúdos anteriormente adquiridos.
Notamos também, que só houve intervenção da professora nas duplas
que estavam encontrando o resultado errado: as duplas que acertavam recebiam
apenas uma confirmação de cabeça; nenhum questionamento foi apresentado
que pudesse desestabilizá-los ou provocá-los sobre as questões matemáticas
envolvidas.
Assim, depois de aproximadamente dez minutos, a professora chamou a classe
(isso demorou um pouco pois muitas duplas já haviam resolvido há algum tempo
e estavam conversando bastante):
P: Atenção! Olha que coisa interessante... [e ia chamando o nome de alguns que
estavam muito envolvidos na conversa em dupla; precisou repetir algumas
vezes] - Circulando pela sala, eu achei três respostas diferentes. Então eu quero
que vocês... – [Os alunos ainda falavam, alguns disseram que havia então
respostas erradas]
P: Nós só vamos saber se está certo ou errado depois que a gente confrontar
todas elas aqui na lousa...presta atenção...- [E colocou os resultados diferentes
na lousa].
P: Óh, nós temos... 818 como resposta.... [o resultado era incorreto]. - Quem
acha que dá 818 aqui como resposta?
A1: Eu. [Somente um aluno].
P: Mais alguém? – [Ninguém levantou a mão] – Será que tem coisa errada e
vocês não estão percebendo?
159
[Os alunos começaram a falar, alguns querendo dizer onde estava o erro, mas a
professora continuou]
P: Nós achamos também 1343 [resultado correto] como resposta…E nós
achamos também... 643 como resposta. [Alguns alunos nesse momento, já
apontavam o erro]
A2: É porque ele não...- [Mas a professora não o deixou continuar]
P: Eu quero agora...
[Chamou uma das duplas para colocar na lousa a resolução de acordo com a
resposta que obtiveram (era a resolução correta). Muitas crianças falavam e
pediam para ir à lousa também. A professora pediu que o aluno de uma das
duplas que errou o resultado (643) viesse à lousa. Os alunos pediram muito para
irem no lugar dele, dizendo “eu sei, eu sei o que está errado”... A professora
pediu silêncio, porque o aluno já chegou à lousa dizendo que sabia que errou e
onde errou]
P: Podem sentar. Eu quero ouvir o Ricardo agora, porque ele está falando que o
dele está errado. Por que está errado?
A3: Porque eu fiz uma conta a menos.
P: Ele fez uma conta a menos, percebeu agora. Então veja se você termina e me
chama pra eu ver sua resposta. [E chamou as duas duplas que faltavam para
colocarem na lousa sua resolução, o que demorou mais uns cinco minutos. A
classe conversava bastante]
P: Atenção, olha o que aconteceu aqui... Vamos lá, vamos começar senão não
vai dar tempo. Analisando...Oh, olha o que aconteceu aqui: 818; vamos ver o
problema pra ver como que eles pensaram? Você quer falar como vocês
pensaram? Ah ele vai falar, oh...
[Pediu atenção de todos mas havia alunos ainda conversando bastante. Pode
explicar. O aluno começou a explicar, apontando para a soma 175 + 175 + 175;
mas não se ouvia nada. A professora interferiu, tomando a fala: ]
P: Vamos lá. Eduardo tem 175 figurinhas. Esse aqui é o Eduardo? [referindo-se
à operação que ele ia explicar]
A4: É. [Explicou como fez a soma dizendo que deu 525, e que o resultado era o
triplo]
P: Ah é o triplo. – Olha como eles fizeram o triplo, olha aqui…Porque que eles
somaram 175 três vezes?
A5: Porque era o triplo.
P: Tem outro jeito de achar o triplo?
C: Tem. Multiplicando.
160
P: Ah e o que aconteceu? Deu 525? – [O aluno continuou explicando o
procedimento do algoritmo. [A professora interferiu e novamente e tomou a
palavra para si.] - Olha que interessante [chamou novamente o nome de um
aluno que conversava bastante]. - Embora eles tenham feito a adição, o que eles
pensaram na hora de somar 7 + 7+ 7? Eles pensaram 3 x 7 = 21. Vocês viram
como eles usaram a multiplicação do mesmo jeito? E agora esta conta, me
explica?
[O aluno começou a explicar a soma de 175 + 525 + 118]
P: Esse resultado (175) mais esse…O que é esse resultado? É do Guilherme?
A6: É.
P: Ou é do Eduardo?
A6: É do Eduardo. Esse é do Guilherme.
P: Por quê?
A6: Porque é o triplo.
P: Ah porque é o triplo. E esse 118, da onde saiu? Vamos ler aqui o problema.
Vamos lá gente...
A6: É do João.
P: Mas vamos ver aqui o problema. Olha... [Um aluno na classe dizia; é a
mais...]
[O aluno leu o problema novamente e parou em João tem 118 figurinhas a mais
do que Guilherme]
P: Quanto ele tem? Você parou no 118 na sua leitura! Olha a importância da
leitura do problema [enfatizando para a sala]. Até onde eles leram?
Perceberam conforme eles leram? Eduardo ... até João tem 118. E o que que
aconteceu? Esqueceram de ler o 118 figurinhas a mais que. Por isso que a
gente fala que é tão importante a leitura. Agora eles perceberam... Não é? –
[Como os dois não se manifestaram, continuaram olhando o problema, ela
complementou]: – Não perceberam. Espera um pouco... [E dirigindo-se a um dos
alunos]: - Você percebeu, não é? Você falou pra mim.
[O aluno não confirmou. Voltou à leitura do problema com os dois alunos].
P: O que aconteceu aqui? 118 a mais [circulou a palavra] – do que Guilherme.
Entendeu? Tá vendo? Que bom que agora perceberam...Por isso que a gente
fala pra vocês [psiu], que tem que ler mais de uma vez, que tem que prestar
atenção... E aí ele achou o que, fala pra mim? Que o João tinha apenas...
C: - 118.
161
Figura 9 – Intervenções da professora Joyce
Fonte: dados da pesquisa
Percebemos no discurso e nas ações da professora, fortemente uma das
crenças relativas ao contrato didático, de acordo com o quadro de Silva (2010),
fundamentado nas ideias de Chevallard (1998), na qual para resolver um
problema é preciso encontrar os dados no seu enunciado (figura 9). Nele, devem
constar todos os dados necessários e não deve haver nada de supérfluo.
Além desta, esbarramos em outra crença nas falas e na prática desta
professora; assim como nas prescrições listadas por English e Sriraman (2010) e
mencionadas neste trabalho, a ideia de que a tarefa na resolução de um
problema é encontrar a boa operação e efetuá-la corretamente, bem como a de
que certas palavras-chave contidas no enunciado permitem que se adivinhe qual
é ela fica bastante em evidência na correção coletiva da atividade. É muito mais
enfatizada a ideia da leitura com atenção, do que nas hipóteses que poderiam
ser consideradas. A palavra-chave é circulada no texto do problema na lousa.
Para mais, notamos também que a professora conclui pelos alunos e,
como autoridade do saber, explica o que pensaram quando erraram e quando
acertaram...O que nos remete mais uma vez à ideia do paradoxo que vive o
professor sabendo que está em suas mãos oportunizar a aprendizagem do aluno
por meio da atividade escolhida, tendendo a conduzir ao acerto, ensinar os
procedimentos corretos e interrompendo o processo pelo qual os alunos, mesmo
com erros, percorreriam para chegar à resposta correta que ele almeja. De outro
modo, a insistência na condução ao resultado esperado é uma clara ocorrência
do efeito do contrato didático, chamado por Brousseau (2008) de efeito Jourdain.
162
P: Podem sentar. Mas valeu muito. Sabe por que que valeu? [Continuando a
chamar atenção de alunos falantes] – Por causa da participação e porque...
nossa valeu muito, principalmente... Nossa, foi muito bom..., mostrou pra todos
vocês que é importante ler até o final. Tem gente que pegar só os números e
não sabe o que é pra fazer com eles. Então a gente tem que ler com atenção...
[E partiu para a explicação da última resolução na lousa (a correta)].
Uma vez que a gestão do trabalho didático ficou prejudicada pela escolha
precária do problema, a constituição antagonista do milieu não ocorreu. Sem as
contradições e dificuldades passíveis de provocar desequilíbrios e esforços
investigativos que teriam as retroações do milieu como contrapartida, as
dialéticas de formulação e validação praticamente não ocorreram. Surgiram
processos pessoais de elaboração, nitidamente ligados a saberes particulares,
em relação aos quais se pode apenas supor que sejam fruto de aprendizado
anterior ou de recorrência a algoritmos já consolidados. De todo modo, por
consequência, também não houve institucionalização, do ponto de vista de
sessão coletiva para a consolidação do estatuto formal do saber matemático,
mas um discurso prescritivo final, sem debates ou recursos ao processo em si.
Terminadas as análises dos dois instrumentos eleitos para a coleta de
dados deste estudo, o questionário e a observação de aulas, os quais
pretendiam buscar a intersecção entre o discurso e a prática dos sujeitos,
passamos às considerações finais desta investigação.
163
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao dizer as palavras que nunca
tinha dito antes, aprendi o que
antes não sabia.
José Saramago
A análise das respostas às seis questões propostas aos sujeitos, além da
observação às cinco aulas permitem apresentar uma síntese, com destaque
para os principais aspectos que foram alvo de nossa investigação.
As respostas dos sujeitos ao questionário contribuíram bastante com
nossas análises das aulas observadas, respaldando a interpretação da prática
desses professores, por meio de seu discurso.
No geral, as ideias que emergiram da fala dos sujeitos, destacam que os
professores reconhecem a importância da resolução de problemas como método
de ensino, ou seja, do ensino da matemática por meio da resolução de
problemas. Consideram-na importante no processo educativo, como maneira a
incentivar os alunos na busca e construção de novos conhecimentos além de
propiciar o desenvolvimento de ferramentas para um trabalho com autonomia,
permitindo um avanço nas competências que favorecem processos de
investigação, como argumentar, elaborar e confrontar hipóteses.
Constatamos que a maioria dos sujeitos destacou, em alguma de suas
respostas, a importância de problematizar e propor desafios nas aulas de
matemática. Contudo, em seu discurso, todas as professoras localizam em suas
aulas momentos específicos para a realização deste trabalho, previstas no
planejamento.
Nessas aulas, pudemos perceber que preocupam-se em ensinar os
alunos a resolver problemas, tendo como foco o uso de heurísticas, estratégias e
outras ferramentas. Desta forma, percebemos que, de maneira geral, entendem
164
como dificuldade a não aplicabilidade imediata dos conteúdos aprendidos nas
resoluções, o que nos leva a pensar que acreditam na utilização da resolução de
problemas depois da formalização dos conceitos, como abordagem instituída
implicitamente em sua prática, e não para introdução dos mesmos.
Portanto, neste aspecto há um descompasso entre seu discurso e a
prática na sala de aula. Andrade e Onuchic (1998) enfatizam que, de modo
geral, o professor ao atuar no ensino de matemática, não tem clareza da
distinção entre resolução de problemas tratada como metodologia de ensino ou
como aplicação de algoritmos e procedimentos.
Outro ponto em comum que identificamos, tanto na fala como na prática
dessas professoras, é que atribuem as dificuldades apresentadas pelos
estudantes às questões de leitura e entendimento, e não como parte do
processo investigativo que necessita da mediação do professor, muitas vezes,
para estimular ou desbloquear possíveis entraves.
Com isso, notamos, ainda, nas observações de aula, um repertório restrito
de perguntas no momento em que o professor coloca o aluno em uma situação
adidática e este se depara com algum bloqueio no desenvolvimento de seu
raciocínio. Tanto em seu discurso, como na prática, a atitude em que investem
limita-se à solicitação de releitura.
Uma perspectiva que emergiu nas respostas, e que depois pudemos
evidenciar também nas aulas, é que a interação predominante é a que ocorre
entre o professor e o aluno; o processo investigativo é solitário e o professor
pouco fala sobre sua atuação em mediar nessa instância; todos citaram o painel
de soluções, ou plenária, como espaço para que os alunos argumentem,
formulem hipóteses e exponham raciocínios, identificando-o, obviamente sem
nomeá-lo nestes termos, como a dialética da institucionalização (Brousseau,
2008). Observamos, tanto no discurso como na prática, que há uma
preocupação em garantir as aprendizagens nessa instância, e a reestruturação
do conhecimento fica exclusivamente na mão do professor.
Outra consideração que gostaríamos de tecer é a de que, conquanto as
respostas a uma das questões fundamentais de nosso questionário (Para você,
o que é um problema?) trouxesse uma gama bastante diversificada de
165
definições, a maioria delas trazendo o significado de desafio, de algo que,
inicialmente se desconhece a resposta, na prática, o que os professores trazem
para os alunos, na maioria das vezes, são exercícios de aplicação.
As observações das aulas, de um modo geral, trouxeram um panorama
sobre a prática da resolução de problemas nos anos iniciais desta instituição e
emergiram alguns aspectos que condizem com nossos focos de observação na
problemática investigada, os quais gostaríamos de salientar, por agregarem
sentido às questões geradoras desse estudo. Deste modo, destacamos nas
aulas dos sujeitos desta pesquisa:
A ocorrência de apresentação de problemas aos alunos e não a
devolução dos mesmos;
A escolha dos problemas pelo professor ainda converge, muitas
vezes, na prática de exercícios e não de problemas;
A maioria dos problemas propostos foram resolvidos por
operações ou algoritmos (exceto o da estrutura da pirâmide, no
terceiro ano);
Ocorre, na maior parte das vezes, um processo de resolução
solitário, diferente da proposta de Brousseu (2008), que indica a
importância das interações investigativas. Apesar de algumas
turmas estarem organizadas em duplas, muitos alunos resolveram
o problema sem trocar informações com os parceiros; em outras
turmas, o processo de realização foi individual e silencioso;
Painel de soluções no final;
Postura do professor sempre pronta a valorizar o pensamento do
aluno, mesmo quando tal pensamento contém erros;
Ausência do papel mediador do professor durante o processo
investigativo; seu protagonismo nessa situação ocorre na plenária
final;
Ocorre uma correção coletiva e exposição de resultados em
alguns momentos no painel de soluções; há um direcionamento na
discussão, por parte do professor, no sentido de encontrar e
corrigir os erros. A expectativa pelas respostas certas é notória e
166
o foco em tratar o erro fica mais em evidência na proposta do que
a priorização de discussões e confrontações pela turma;
Elementos reveladores da prevalência de um contrato didático de
caráter prescritivo, de acordo com Brousseau (2008), e a
ocorrência de alguns de seus efeitos;
No fechamento da aula, intuitivamente, como já nos referimos nas
análises dos questionários, as posturas metodológicas das
professoras aproximam-se do modelo da dialética de
institucionalização, porém, nem sempre ocorre a construção de
novos significados.
Os instrumentos desta investigação não nos permitiram apreciar a
constância e frequência com que ocorrem os aspectos observados. O que
procuramos, foi traçar um perfil dos sujeitos que atuam no cenário em que se
desenrola este estudo, bem como compreender a ótica pela qual vislumbram sua
prática e a maneira como atuam, buscando um padrão de referência para que
possamos obter conclusões e tornar visíveis caminhos para a reflexão e
aperfeiçoamento dos processos de ensino e aprendizagem nas aulas de
matemática dos anos iniciais.
Lembramos que as questões que originaram a presente pesquisa
originaram-se em nossa prática profissional. A formulação e delimitação do
problema fundamentaram-se, como esclarecemos na introdução, a partir de uma
pesquisa anterior, que estudou o comportamento dos alunos de quinto ano do
ensino Fundamental na resolução de problemas.
As indagações e parâmetros para novas discussões que muitas pesquisas
deixam como herança, em nosso caso, trouxeram um novo olhar, que precisaria
de novas lentes e, assim sendo, gerou a atual investigação. As respostas que
encontramos para questões sobre o comportamento inseguro dos alunos,
apontaram, inicialmente, para a vigência implícita de um contrato didático
prescritivo e para as posturas metodológicas assumidas pelos professores que
atuavam neste segmento.
167
Tendo clareza sobre a natureza do problema a ser investigado,
buscamos, em princípio, fazer uma revisão bibliográfica sobre o assunto,
delimitada a condições semelhantes ao nosso objeto de pesquisa: resolução de
problemas nos anos iniciais.
A partir desta proposta de estudo e com base na revisão bibliográfica,
investimos na busca por uma fundamentação teórica com o objetivo de
circunscrever o problema de pesquisa dentro de um quadro teórico que reunisse
elementos para explicá-lo.
Como a experiência com a pesquisa anterior trouxe consigo indícios
reveladores do contrato didático nas relações entre alunos e professores, e
buscávamos a compreensão de situações vivenciadas por ambos nas aulas,
encontramos na Teoria das Situações Didáticas e suas dialéticas, formalizadas
por Guy Brousseau, nosso referencial teórico de apoio para o estudo. Segundo
Luna (1996), quando o problema investigado tem origem em um quadro teórico,
este lhe dá, supostamente, coerência, consistência e validade. Essa teoria,
portanto, pode especificar condições determinantes do fenômeno e variáveis
com alta probabilidade de afetá-lo.
Assim, de fato, pudemos comprovar no desenrolar desta investigação, o
quanto os constructos teóricos estudados foram essenciais tanto no
direcionamento do foco das observações de aula como em nossas análises de
ambos os instrumentos designados na metodologia.
Outro aspecto que emergiu durante a execução deste trabalho, foi a
constatação de que a produção acadêmica em Educação Matemática no Brasil,
e mesmo em outros países, sobre resolução de problemas nos anos iniciais,
apresenta poucos trabalhos. Quando, nesta investigação, procuramos
apresentar o estado-da-arte sobre o tema resolução de problemas, destacamos
as ideias de English e Sriraman (2010) que inventariaram as principais
pesquisas nas últimas décadas. Os autores concluem, em seu trabalho, que
houve um declínio notável na quantidade de pesquisas sobre este tema, além da
escassez de literatura recente cujo foco seja a resolução de problemas ou o
desenvolvimento de conceitos por meio da resolução de problemas.
168
Os autores apontam, entre outros fatores que contribuíram para este
declínio, a cíclica tendência desencorajadora das políticas educacionais e de
suas práticas, pesquisas limitadas sobre o desenvolvimento de conceitos e
resolução de problemas, o conhecimento deficiente da capacidade dos
estudantes em resolver problemas para além da sala de aula, a natureza
mutável dos tipos de resolução e do pensamento matemático necessário para
além dos contextos escolares e a escassez de pesquisas sobre resolução de
problemas. Constatamos na trajetória de nosso trabalho que, quando o tema
restringe-se aos anos inicias, essa carência se acentua. Assim, esperamos que
o presente estudo possa contribuir ampliando os dados disponíveis e
desencadeando futuras questões.
Dessa forma, nossa pesquisa buscou investigar as concepções e crenças
dos professores dos anos iniciais no cenário onde se desenvolveu o trabalho e
como estas influenciam sua prática.
As investigações foram orientadas por três questões de pesquisa que se
correlacionam com a problemática levantada e suas variáveis:
• Que concepções, crenças e práticas professoras polivalentes dos anos
iniciais de uma escola da rede particular de São Paulo têm sobre o tema
“resolução de problemas” em aulas de Matemática?
• Quais efeitos do contrato didático ocorrem na prática desses professores
do ponto de vista do trabalho didático com resolução de problemas nas
aulas de Matemática?
• De que forma as estratégias utilizadas para a resolução de problemas
matemáticos por professoras polivalentes dos anos iniciais de uma escola
da rede particular de São Paulo podem ser posicionadas do ponto de vista
da teoria das situações didáticas?
O trabalho também destacou algumas finalidades, que acabaram por
constituir-se no decurso da investigação pela coexistência de aspectos
relacionados com a temática e por serem inerentes às situações observadas:
Observar e analisar as eventuais situações didáticas construídas pelos
sujeitos (os professores polivalentes dos anos iniciais) nas quais são
169
identificadas as interações estabelecidas entre o professor, aluno e o
saber matemático na perspectiva da resolução de problemas;
Verificar se os professores conseguem distinguir, em sua prática a
distinção entre problemas e exercícios e como ocorrem as interações
com os alunos em cada caso.
Por meio dos instrumentos estabelecidos nos procedimentos
metodológicos, o questionário e as observações de aula explicitados no decorrer
desse estudo, levantamos os dados anteriormente analisados, os quais
necessitamos selecionar e direcionar ao que nos propusemos a responder.
Como esclarecemos nesta pesquisa, quando nos referimos às
concepções e crenças dos professores em relação à resolução de problemas, há
uma amplitude de ideias e variáveis, que constituíram-se historicamente, às
quais não poderíamos nos furtar para chegar a este ponto da pesquisa. No
quadro que circunscreve os sujeitos deste estudo, pudemos observar que os
professores compreendem problema de diversas maneiras, porém todos o
relacionam à situações de desafio. Em seu discurso, mencionam um trabalho
nas aulas de matemática permeado pela resolução de problemas, mas, na
prática, a maioria entende que há uma aula, dentro do currículo, específica para
realizar este trabalho, o que revela, ainda, dubiedade quanto a considerá-lo
metodologia ou conteúdo a ser trabalhado.
Pautando nossas observações a partir da teoria das situações didáticas,
pudemos concluir também, que os professores, apesar de entenderem
problemas como desafios, encontram dificuldades na escolha dos mesmos,
selecionando, na maioria das vezes, exercícios de aplicação de conteúdos e
conceitos, o que não caracteriza, segundo Brousseau (2008), a devolução de um
problema.
Notamos que os professores desta investigação ainda não percebem
nitidamente seu papel mediador no processo investigativo; por consequência,
interações e parcerias quase não se constituem, o que leva os alunos, na
maioria das vezes, a trabalharem sozinhos; as intervenções vêm somente no
momento da validação, no entanto, com certa pressa em institucionalizar os
170
conhecimentos: as discussões são privilegiadas no momento do Painel de
Soluções e o erro é mais corrigido, do que explorado.
Os sujeitos desta pesquisa tendem a valorizar o pensamento dos
estudantes, porém é notável a dimensão paradoxal, vivenciada por eles, com
relação ao contrato didático (Ricardo, Slongo, Pietrocola, 2003). Este paradoxo
permeia suas mediações como gerenciadores do contrato. Assim, o foco das
mediações, que permanece na correção dos enganos, desimpedimento dos
entraves, esclarecimento dos erros e fala organizada, frequentemente se encerra
na figura do professor. Nessa instância, muitas vezes pudemos evidenciar que o
professor, sem perceber, se apropria da fala do aluno, explicitando seus
raciocínios, entendimentos e até mesmo, suas dúvidas.
Isto posto, encontramos também, nas interações observadas nas aulas,
indícios que apontam para ocorrência dos efeitos do contrato didático. Foram
descritos episódios do efeito Topaze, Joudain ou mal entendido fundamental e
do deslize metacognitivo, além das crenças relativas ao contrato didático,
descritas por Silva (2010) em várias situações da prática, devidamente
sinalizadas nas análises deste estudo.
Enfim, podemos concluir que os professores polivalentes, sujeitos dessa
pesquisa, entendem a relevância de seu papel problematizador nas aulas de
matemática, contudo, ainda é difícil para eles organizar um milieu antagonista,
que provoque desequilíbrios e adaptações nos estudantes. Os a lunos, por sua
vez, acabaram se acostumando a deixar o processo investigativo ser conduzido
pelo professor no final, desistindo de insistir diante dos entraves que aparecem
no caminho o que, por sua vez, finalmente, responde também às questões que
originaram nossa primeira pesquisa, sobre o comportamento inseguro dos
alunos frente à resolução de problemas, no mesmo cenário em que ocorreu esta.
Mediante a natureza de todas essas reflexões e a partir da literatura
consultada sobre a prática da resolução de problemas, concepções dos
professores a esse respeito e demais assuntos abordados neste trabalho,
compreendemos a importância da utilização do espaço da sala de aula como
ambiente voltado à investigação dos problemas relacionados ao ensino e
aprendizagem na matemática. Segundo Weisz (2000), a análise de situações de
171
sala de aula é, talvez, a estratégia que mais dados fornece para a reflexão. De
acordo com a autora, este procedimento cria questões que dão sentido ao
estudo da bibliografia, nos fazendo enxergar outras perspectivas, ajundando a
refletir e criar propostas de intervenção.
Assim sendo, pudemos considerar a estrutura metodológica deste
trabalho de mestrado profissional eficiente para estudar e levantar reflexões
passíveis de emergir do ambiente pulsante que é a sala de aula, apresentando-a
como um produto, com adaptações obviamente necessárias para as diversas
realidades educacionais deste país, como um modelo útil para investigar
posturas metodológicas dos docentes dos anos iniciais. Nos anexos A e B,
especificamos esse produto na forma de dois roteiros: um para elaboração de
um questionário e um para observação das aulas dos professores,
descortinando sua prática. Cabe ressaltar que o âmbito de cada pesquisa é um
universo particular e a problemática inicial pode ter muitas variáveis.
Destacamos que os sujeitos de nossa pesquisa participam de uma formação
continuada em Matemática há aproximadamente quatro anos, o que trouxe
especificidades no desenrolar da investigação.
Para mais, o assunto que exploramos está longe de seu esgotamento,
nesta ou em tantas outras realidades. Esperamos que este trabalho contribua
para o avanço deste tema no campo da Educação Matemática e que sirva à
comunidade científica que investiga a resolução de problemas como parâmetro
para novas discussões.
Esta dissertação contribuiu fortemente para nossa formação acadêmica
como pesquisadora em Educação Matemática, bem como no âmbito profissional,
no sentido de compreender de forma mais crítica e consciente os fenômenos
que permeiam o ensino e aprendizagem da matemática nos anos iniciais.
Ampliou, de maneira enriquecedora, o conhecimento dos aspectos relativos à
docência e nos impulsionaram a prosseguir na pesquisa. Cremos que, de
alguma forma, o trabalho que se finda poderá apontar caminhos para
intervenções mais assertivas, possibilitando um investimento em ações de
formação continuada que respaldem efetivamente os professores em seus
anseios.
172
173
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WEISZ, T. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. 2ª edição. São Paulo,
Ática, 2000.
178
ANEXO A
QUESTIONÁRIO
Este questionário é parte de uma pesquisa em andamento do Mestrado
Profissional em Educação Matemática da PUC-SP, cujo tema é a Resolução de
Problemas em Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental I.
Evidentemente, será mantido sigilo quanto à qualquer identificação de
pessoas ou lugares, sendo usados nomes fictícios.
Mestranda/ pesquisadora: Maria Teresa Merino Ruz Mastroianni /
Nome: ______________________________________ Idade: _____
Para que série do Ensino Fundamental você dá aula?
Há quantos anos atua como professor (a)? Sempre lecionou nos anos
iniciais do Ensino Fundamental?
Qual sua formação?
1. Você trabalha com Resolução de Problemas nas aulas de Matemática?
Em que momentos?
2..De que forma desenvolve este trabalho? (Quais recursos, posturas... ou situações cria em sala de aula para isso).
3. Com que frequência trabalha Resolução de Problemas nas aulas de Matemática?
4. Sente alguma dificuldade nessa abordagem? Qual (quais)?
5. Em aulas de Matemática, em sua opinião, o que é um problema?
6. Em que momentos você se sente mais à vontade para trabalhar com
Resolução de Problemas na sala de aula?
179
ANEXO B
Especificação do Produto desta Dissertação de Mestrado Profissional
Parte 1: Roteiro do Questionário
O questionário que formulamos para esta investigação foi elaborado com
seis questões abertas, as quais, de acordo com Fiorentini e Lorenzato (2009),
não apresentam alternativas para as respostas e por isso, favorecem a captura,
pelo pesquisador, até de algumas informações não previstas por ele ou pela
literatura.
De acordo com os autores, como as perguntas são, de certa maneira, a
tradução de suas hipóteses de pesquisa, a opção por esta forma de coleta de
informações requer do pesquisador um conhecimento prévio sobre o tema além
de um respaldo teórico que dê suporte para alcançar os objetivos pretendidos.
Além disso, como sugerem esses mesmos autores, testamos junto a dois
sujeitos que não participariam da pesquisa, como pilotos, a fim de averiguar sua
clareza, pertinência, precisão, ordenação, contaminação e abrangência das
questões formuladas.
Conjuntamente, nos preocupamos em formular questões claras,
destituídas de linguajar técnico ou termos abstratos e que realmente fizessem
parte do universo dos sujeitos.
Nosso questionário apresentava uma parte inicial, como sugerem esses
mesmos autores, com uma breve apresentação, solicitando a colaboração do
sujeito com a pesquisa, explicando os objetivos, tema e esclarecendo o sigilo
das informações, explicitando que seriam usados nomes fictícios para pessoas e
lugares. Nos colocamos à disposição para quaisquer esclarecimentos,
registrando também e-mail do pesquisador para contato.
Em virtude de nosso conhecimento sobre tempo atribulado dos sujeitos
que selecionamos para este trabalho, demos a opção a eles de enviar por e-mail
os questionários para que respondessem assim que fosse possível, o que foi
muito bem aceito por todos. Assim, tivemos uma pequena conversa com os
180
sujeitos com o questionário impresso para eventuais esclarecimentos antes de
enviá-los.
A primeira parte do questionário objetivava levantar o perfil profissional
dos sujeitos por meio dos seguintes itens: idade, tempo de profissão, qual a
série em que lecionam atualmente, tempo de experiência como docentes e sua
formação (graduação e especializações).
Na segunda parte, procuramos elaborar questões que explicitassem as
concepções dos sujeitos acerca do tema resolução de problemas, procurando
formular questões que, de maneira indireta, pudessem trazer subjacente suas
ideias e crenças a respeito do tema, perguntando por suas dificuldades nesta
abordagem, em que momento trabalham à vontade ou não com problemas nas
aulas de matemática, a frequência etc.; enfim questões que fossem
compreendidas e respondidas com facilidade.
O anexo 1 contém o questionário na forma como foi apresentado aos
sujeitos.
Parte 2: Roteiro de Observação de Aulas
De acordo com Ninin (2010), o valor da observação aumenta se o
observador sabe o que procura. Pode-se considerar, por exemplo, que no caso
da observação de aula como coleta de dados para uma pesquisa sobre
resolução de problemas nas aulas de matemática, a possibilidade de o
pesquisador observar como o professor, por exemplo, ensina um determinado
conteúdo e como é que se relaciona com seus alunos durante sua aula.
Ainda assim, é preciso direcionar mais o foco. A autora supramencionada
sugere dois enfoques: um deles relativo ao conhecimento conceitual e ao
processo de ensino-aprendizagem e outro, relativo à relação professor-aluno.
Porém, esclarece que, para dar conta dessa discussão, seria necessário
circunscrevê-los dentro de um arcabouço teórico.
Como já relatamos neste relatório de pesquisa, os constructos teóricos
estudados foram essenciais tanto no direcionamento do foco das observações
de aula como em nossas análises de ambos os instrumentos.
181
Dessa forma, o roteiro elaborado para observação de aulas deste
trabalho, se reporta às ideias de Guy Brousseu e a Teoria das Situações
Didáticas (TSD) e às particularidades sugeridas pela problemática que originou
esta investigação. Segue, como sugestão, obviamente sujeita à adaptações de
acordo com as singularidades específicas de cada proposta.
Apresentamos alguns itens por nós observados, que podem servir como
sugestão para observações com tema correlato.
Organização da sala de aula: início, estrutura, condução;
A seleção ou escolha dos problemas por parte do professor e sua
intencionalidade didática;
Proposição da atividade selecionada como problema: apresentação ou
devolução?
A atuação do professor em cada uma das dialéticas em que desempenha
protagonismo: condução da situação didática, estímulo ao processo
investigativo dos alunos e desempenho na formulação das boas
perguntas e institucionalização;
Conduta dos alunos nas dialéticas de ação, formulação e validação bem
como as intervenções do professor em cada uma delas;
A atividade foi realmente um problema para os alunos, ou apenas um
exercício matemático?
Tempo da realização da tarefa: o período no qual os alunos estarão
efetivamente comprometidos e envolvidos;
Atitudes do professor que favoreçam o estabelecimento de diálogos e
discussões; em quais momentos dá voz e em quais escuta o aluno;
Intervenções do professor e seu papel mediador das dialéticas e
discussões;
Padrões de interação entre o professor-aluno, aluno-aluno e o saber
matemático.
As observações ocorreram depois que os professores responderam ao
questionário. Os objetivos foram explicados nessa ocasião e as sessões de
182
observação foram combinadas com os sujeitos: dia, horário e forma de registro:
áudio ou vídeo.
Não obstante houvesse o registro gravado (áudio ou vídeo), as anotações
que fizemos durante as sessões de observação foram de grande valia para as
transcrições dessas aulas, que foram feitas o mais próximo possível de sua
realização.
Nessas anotações constaram a descrição dos locais, dos sujeitos e fatos
relevantes que surgiram. De acordo com Fiorentini e Lorenzato (2009), esse tipo
de observação é chamada estruturada.