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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
LUCIENE OLIVEIRA DA COSTA SANTOS
LEITURA DIGITAL E SENTIDOS
DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
São Paulo
2017
LUCIENE OLIVEIRA DA COSTA SANTOS
LEITURA DIGITAL E SENTIDOS
Tese em andamento apresentada à Banca
de Defesa da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, para obtenção do
título de Doutora em Língua Portuguesa, sob
orientação do Prof. Dr. João Hilton Sayeg de
Siqueira.
São Paulo
2017
Resumo
As diversas formas de comunicar em ambientes de hipermídia adquirem uma
relevância tal que mostram o quanto é presente a necessidade se desenvolver mais
pesquisas nesse âmbito. Diante disso, este trabalho volta-se para a leitura em
ambiente de rede e o estudo sobre a coerência em hipertextos, sem esquecer o fato
de que está inserida no cotidiano dos sujeitos. Assim, os objetivos desta tese
mostram-se em investigar a leitura no ambiente de hipermídia e refletir sobre a
coerência para construção de sentidos nesse suporte, considerando os aspectos
específicos dos hipertextos. A partir da observação de fragmentos extraídos de um
portal de notícias da internet, este trabalho apresenta definições exemplificadas da
coerência no hipertexto. O aporte teórico se dá em Dascal (2006), Elias (2011),
Hilgert (2005), Koch (2005, 2007, 2008), Koch e Travaglia (2008), Koch e Elias
(2011) Marcuschi (2012, 2007), Van Dijk (2012), entre outros. Há destaque para as
noções de que a coerência de um texto é uma construção que demanda alguns
aspectos como inteligibilidade e interpretabilidade (KOCH; TRAVAGLIA, 2008) e de
que não apenas os conhecimentos linguísticos são importantes na coerência, mas
também outros conhecimentos do leitor como conhecimento enciclopédico
(conhecimento de mundo guardado na memória), conhecimento de textos (para
ativar modelos preexistentes), conhecimentos interacionais (para ativar as práticas
de interação) (KOCH; ELIAS, 2011), pois é principalmente no âmbito mais amplo do
texto que se manifesta na estruturação de sentidos (MARCUSCHI, 2012). Os
resultados deste estudo evidenciam que a coerência se constrói para além dos
elementos linguísticos, estando ligada à interação. Numa visão global, o título
mantém relação com a notícia e com os comentários dos internautas que formam
uma sequência lógica dentro do próprio hipertexto que, ao mesmo tempo, depende
de intenções comunicativas e elementos extralinguísticos para produzir sentido.
Palavras-chave: Leitura. Hipertexto. Interação. Construção de Sentido. Coerência.
Abstract
The several forms of communicating in hypermedia atmospheres acquire a suc
relevance that show the all is present the need to grow more researches in that
extent. Before that, this work goes back to the reading in net atmosphere and the
study on the coherence in hypertexts, without forgetting the fact is inserted in the
daily of the subjects. The objectives of this theory are shown in to investigate the
reading in the hypermedia atmosphere and to contemplate on the coherence for
construction of senses in that support, considering the specific aspects of the
hypertexts. Starting from the observation of fragments of a portal of news of the
internet, this work presents exemplified definitions of the coherence in the hypertext.
The theoretical contribution feels in the Dascal (2006), Elias (2011), Hilgert (2005),
Koch (2005, 2007, 2008), Koch and Travaglia (2008), Koch and Elias (2011)
Marcuschi (2012, 2007), Van Dijk (2012) and others. There is prominence for the
notions that the coherence of a text is a construction that demands some aspects as
intelligibility and interpretable (KOCH; TRAVAGLIA, 2008 and that not just the
linguistic knowledge are important in the coherence, but also the reader’s other
knowledge as encyclopedic (work knowledge kept in the memory) knowledge,
knowledge of text (to activate preexistent models), knowledge interactional (to
activate the practices) (KOCH; ELIAS, 2011), because it in mainly in the widest
extent of the text than shows in the structuring of senses (MARCUSCHI, 2012). The
results of this study evidence that the coherence is built for besides the linguistic
elements, being linked to the interaction. In a global vision, the title maintains
relationship with the news and comments of the peoples form a logical sequence
inside of the own hypertext that, at the same time, it depends on communicative
intentions and elements extralinguistics to produce sense.
Keyword: Reading. Hypertext. Interaction. Construction of sense. Coherence.
BANCA EXAMINADORA
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Sumário
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO 1 – LEITURA NO MEIO VIRTUAL 15
1.1 – Leitura na era da tecnocracia 15
1.2 – Texto, leitura e conhecimento científico 20
1.2.1 – Texto Digital e Hipertexto 25
1.2.2 – Princípios de textualidade no hipertexto e exemplos extraídos do site de
notícias Yahoo 28
CAPÍTULO 2 – HIPERTEXTO E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA 37
2.1 – Novas tecnologias e o ensino de Língua Portuguesa 38
2.2 – O hipertexto como lugar de interação 40
CAPÍTULO 3 – CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE CONSTRUÇÃO DE
SENTIDO 43
3.1 – Aspectos sociocognitivos e interacionais na construção de sentido 43
3.2 – Coerência no Hipertexto 54
CAPÍTULO 4 – METODOLOGIA 63
4.1 – A origem da ideia 63
4.2 – A pesquisa 65
4.3 – A composição do corpus e a proposta do estudo 66
4.4 – Categorias 82
CAPÍTULO 5 – ANÁLISE 84
5.1 – Análise 84
8
INTRODUÇÃO
O mundo é regido por contradições e mudanças nas quais valores mudam,
interesses se transformam, uns são extintos, outros surgem, antigos eventos dão
lugar a novos fenômenos. Hoje, por exemplo, a língua escrita nos meios virtuais de
comunicação é parte do cotidiano das pessoas. E não apenas isso. A vida dos
usuários dos meios digitais é influenciada de forma direta pelo conteúdo recebido
em matéria escrita por tais meios. Admite-se, inclusive, que cada nova geração
cresça mais voltada para a comunicação digital do que a geração anterior. Essas
gerações são formadas pelos chamados nativos digitais (PRENSKY, 2001), cujas
formas de lidar com a língua e de construir o conhecimento já diferem dos não
nativos digitais.
Esse novo meio, o ambiente digital, exige do sujeito inserção por meio de
práticas e formula para si mesmo a capacitação para uso. Isso se explica através do
aspecto interativo do mundo virtual: quem precisa dele depende da sua direta
utilização, ou seja, suas funções são assimiladas quando praticadas. Além disso, é
um recurso de informação global e de contínuo trabalho que torna o acesso às
informações mais viável e cujos processos de interlocução passam a ter, por causa
do mundo virtual, uma universalização nunca antes ocorrida.
A vivência contemporânea impulsiona amplas possibilidades de acesso à
informação e ao aprendizado global por meio da palavra no meio virtual. É
importante pesquisar as relações existentes entre textos virtuais e o processo de
construção de sentidos. Há muito para se descobrir, por exemplo, em textos de
portais digitais de notícias, sobre como surgem diferentes interpretações do que está
escrito, uma vez que existem peculiaridades de construção de sentidos no hipertexto
que o tornam diferente de um texto de leitura linear, ou de um texto impresso.
A invenção de cada nova tecnologia no mundo é sempre reflexo de
necessidades sociais do momento histórico. Podem ser citados como exemplos
disso o próprio surgimento da escrita, a criação da imprensa – contemporânea do
momento em que as línguas nacionais se consolidaram –, o telégrafo, o cinema etc.,
9
que repercutiram soluções para as necessidades humanas de determinadas épocas
e não excluíram umas as outras, mas coexistiram e coexistem até hoje, pois a
sociedade humana acomoda o fenômeno de que as mídias, mesmo em diversidade,
conquistam e mantêm seus espaços, ou seja, não são excludentes. E assim nasceu
a escrita digital.
Hoje, mais do que nunca, a contemporaneidade vive a necessidade de
convergência de saberes de forma tão intensa e urgente que o meio virtual pode ser
capaz de corresponder ao que se espera. A formação articulada e inclusiva das
sociedades se dá ao longo da história e por meio de um material simbólico
indispensável: a língua. Ela, incorporada à criação de novas formas de escrita,
marca o presente de forma diferenciada de séculos anteriores, pois agora há o
acesso facilitado à informação e à comunicação em ambiente virtual.
O século XXI será marcado pela conclusão da InfoviaGlogal, pela telecomunicação móvel e pela capacidade da informática, descentralizando e difundindo o poder da informação, concretizando a promessa da multimídia e aumentando a alegria da comunicação interativa. (CASTELLS, 2000, p. 430)
O sujeito contemporâneo, escolarizado, habitante dos meios urbanos ou
não, no Brasil e no mundo, utiliza frequentemente a escrita digital para se comunicar
de forma instantânea e estar inserido socialmente, pois “[...] a comunicação não
existe por si mesma, como algo separado da vida da sociedade. Sociedade e
comunicação são uma coisa só. Não poderia existir comunicação sem sociedade,
nem sociedade sem comunicação” (BORDENAVE, 1997, p. 16).
[...] a comunicação em rede transcende fronteiras, a sociedade em rede é global, é baseada em redes globais. Então, a sua lógica chega a países de todo o planeta e difunde-se através do poder integrado nas redes globais de capital, bens, serviços, comunicação, informação, ciência e tecnologia. Aquilo a que chamamos globalização é outra maneira de nos referirmos à sociedade em rede, ainda que de forma mais descritiva e menos analítica do que o conceito de sociedade em rede implica. Porém, como as redes são seletivas de acordo com os seus programas específicos, e porque conseguem, simultaneamente, comunicar e não comunicar, a sociedade em rede difunde-se por todo o mundo, mas não inclui todas as pessoas. De facto, neste início de século, ela exclui a maior parte da humanidade, embora toda a humanidade seja afetada pela sua lógica, e pelas relações de poder que interagem nas redes globais da organização social. (CASTELLS, 2005, p. 18)
10
Nesse cenário, o contato com os textos virtuais pode definir até, por
exemplo, qual será a rotina de um profissional se, antes de sair de casa, ele acessa
mensagens do Facebook, do WhatsApp, do e-mail, ou textos dos portais de notícias.
Hoje, isso pode fazer diferença entre ser bem ou mal sucedido em qualquer tipo de
relação, nas relações profissionais, afetivas etc. E, se por um lado, as mídias não
são por si mesmas excludentes, por outro lado, é preciso que todos possam
participar do mundo através delas para manter-se incluído e participante da
sociedade.
A cultura da atualidade está intimamente ligada à ideia de interatividade, de interconexão, de inter-relação entre homens, informações e imagens dos mais variados gêneros. Essa interconexão diversa e crescente é devida, sobretudo, à enorme expansão das tecnologias digitais na última década. Com o forte crescimento da oferta e consumo de produtos ditos de última geração, já não se pode mais falar do futuro que bate às nossas portas, mas simplesmente de alguns novos hábitos disseminados entre milhões de pessoas por todo o mundo. (COSTA, 2003, p. 8)
É por direito antropológico que a humanidade se apropria de um patrimônio
cultural. É isso que ocorre, por exemplo, na aquisição de habilidades como a escrita
e a utilização de meios virtuais de comunicação: a internet expande o saber comum
e o sujeito, que passa a ser um internauta, recorre à intertextualidade de forma
ampliada.
A língua em ambiente virtual revela estratégias comunicativas voltadas tanto
para a transmissão como para a renovação da cultura humana. Em outras palavras,
a linguagem escrita em texto virtual adapta-se não apenas ao propósito de dar
continuidade ao conhecimento, mas também ao de transformá-lo.
Observar o entendimento do sujeito sobre o que escreve, o que compreende
daquilo que lê, quando e como escreve, de que forma ocorre sua compreensão,
especialmente nas interações em ambientes digitais requeridas atualmente, pode
conduzir a descobertas sobre a construção de sentidos. As experiências do sujeito
podem resultar diferentes interpretações, pois os sentidos são negociados a partir
daquilo que o emissor diz e o que entende o receptor. Isso, que depende de
aspectos histórico-interacionais, revela a importância das pistas de contextualização
apresentadas ao longo do texto, pois são elas que direcionam o sujeito à construção
de sentidos. É preciso compreender as peculiaridades da linguagem no espaço
11
digital, considerando a competência comunicativa do sujeito, e não apenas isso, mas
também as relações entre o cotidiano do produtor de escrita digital e o processo de
construção de sentido em ambientes virtuais.
Analisar o processo de construção de sentidos na escrita em ambiente
virtual pode revelar detalhes sobre essa escrita, o sujeito e suas relações com o
mundo. Afinal, o contato com o texto em ambiente virtual exige do sujeito a
capacidade de escolha e direção de informações a partir do que compreende e do
que elege relevante. Em outras palavras, o ambiente é interativo. Acrescenta-se a
esse fato, a descoberta de que a relação com a escrita é influenciada pela relação
com o contexto linguístico – por isso essa noção de contexto e sua importância
estão desenvolvidas, logo mais, nos segmentos posteriores neste trabalho.
Já na relação histórico-cultural, cujo processo de construção do saber
vincula-se à abordagem entre sujeito e objeto, a influência do mundo exterior é
manifestada no interior do sujeito. Uma vez que pensar é associado ao falar com a
mente – ou seja, que a consciência humana é a interiorização do diálogo – o centro
da questão encontra-se no caráter essencialmente social do pensamento.
Também se explica o aspecto interativo do mundo virtual pelo fato de que
quem precisa dele depende da direta utilização do meio, ou seja, depende da
aplicação de suas funções para aprendê-las. Nesse sentido, sua relação com a
língua escrita é evidente, pois tanto os meios digitais como a palavra escrita existem
na construção do conhecimento humano a partir de seus usos.
O texto virtual é especificamente estruturado sobre relações, sobre
conexões. Diferente do que se tinha como ambiente de escrita, o meio virtual implica
a compreensão de novo modo de escrita, de novas práticas, novos processos de
construção de conhecimento. Isso porque não é finito seu espaço, não é linear sua
leitura, entre outras características que podem ser encontradas, por exemplo, em um
texto impresso. Como disse Marcuschi (2004), “[...] todas as tecnologias
comunicacionais novas geram ambientes e meios novos”. Novidade de meios exige
novidade de observação e práticas.
A consciência humana existe sobre a base das relações dialógicas internas
e externas a si mesma. Em outras palavras, as formações discursivas na mente
12
humana não existem sozinhas. Elas são formadas por diversas vozes originadas da
interação social para, assim, poderem refletir a postura ideológica do sujeito
(BAKHTIN, 1997, p. 36,37). E ainda, quando se trata de texto, também não se
excluem essas concepções, mas ampliam-se:
[...], na concepção interacional, (dialógica) da língua, na qual os sujeitos são vistos como atores\construtores sociais, o texto passa a ser o próprio lugar da interação e os interlocutores, sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e por ele são construídos. A produção de linguagem constitui atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza, evidentemente, com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer não apenas a mobilização de um vasto conjunto de saberes, mas também a sua reconstrução – bem como a dos próprios sujeitos – no momento da interação verbal. (KOCH, 2008, p. 19)
Sobre a escrita, pode-se dizer que é um processo de interlocução, de
diálogo, que se estabelece entre o sujeito e o texto. Nele, as palavras ganham
significados, valores que variam de acordo com as vivências, as experiências, enfim,
todo o universo cultural dos sujeitos. A escrita possui suas características
específicas e a própria relação dela com o tempo é específica e diferente da relação
mantida pela fala. A continuidade da escrita – aspecto determinado pelo tempo
dedicado à sua elaboração – produz para si relações subjetivas. Pode-se ainda
refletir sobre contextualização, enunciação, hierarquização dentro de textos escritos:
“[...] a escrita se constitui sob a égide da interação, se pensarmos que é sempre
possível escolhas quanto ao modo de dizer e que as escolhas se dão em função dos
sujeitos envolvidos nesse processo e dos objetivos pretendidos” (ELIAS, 2011, p.
162).
O ambiente digital não contradiz a cultura vigente, mas o representa. Das
novas lógicas exigidas para a estrutura da escrita digital e a construção de seus
textos surgem estratégias de interação também sob novos pontos de vista. No
entanto, os processos cognitivos do sujeito, em relação a esse tipo de texto, não são
novos. Mesmo antes de os modelos digitais entrarem no cenário mundial, tais
processos já buscavam seus links na memória humana de curto, médio e longo
prazo. Isso quer dizer que, psicofisiologicamente, a maneira de o sujeito lidar com a
escrita digital é de sua capacidade intelectual inata, ou seja, a mente humana já
nasce preparada para as habilidades exigidas pelo ambiente virtual. Os
13
pesquisadores de hoje, inclusive, usufruem de uma oportunidade ímpar em relação
a tempos anteriores: a facilidade de acesso a informações pela internet – ela os
aproxima dos fenômenos sociais sem necessariamente depender do deslocamento
físico. Os pesquisadores podem observar pela internet “[...] o mundo social, em
todo seu desarranjo e complexidade, na soleira de sua porta.” (FRAGOSO et al.,
2013, p.11).
Há de se esclarecer, entretanto, que os métodos empregados nas pesquisas
contemporâneas não precisam ser substituídos, ou abandonados, mas adaptados
em seus processos e técnicas (FRAGOSO et al., 2013).
A partir disso, nesta tese, objetiva-se, em sentido geral, investigar como os
sujeitos que utilizam meios virtuais de comunicação constroem o sentido dos textos
que leem. Afinal, há traços distintivos importantes em cada texto em formato digital,
repletos de funções e significados. Por isso esta pesquisa parte da questão sobre
como se dá a compreensão em textos de portais digitais de notícias, buscando,
especificamente, entender como acontece o processo de construção de sentidos
nessa escrita digital.
Dessa forma, os procedimentos adotados para esta pesquisa não podem ser
baseados apenas em estudo bibliográfico de perspectiva interpretativo-
hermenêutica, pois requerem a constituição de um corpus específico. Assim, além
de um levantamento de literatura especializada no tema proposto, a constituição do
corpus se faz de textos digitais poliautorais compostos por comentários de
interlocutores, coletados de portais digitais de notícias.
Por esta ser uma pesquisa qualitativa, pretende-se obter as bases teóricas
sobre o processo de construção de sentidos em textos digitais, por meio de uma
amostra não probabilística por conveniência (THIOLLENT, 1996). Em outras
palavras, significa dizer que esta pesquisa preocupa-se em compreender fenômenos
humanos em seus significados.
Procura-se, então, analisar o processo de compreensão de sentido dos
interlocutores em textos de portais digitais de notícias; descrever o papel do contexto
no processo de construção de sentido em textos escritos pelos interlocutores em
portais digitais de notícias e identificar as pistas de contextualização em textos
14
escritos pelos interlocutores em portais digitais de notícias e sua relação com o
processo de construção de sentidos.
Sobre o universo a ser pesquisado, serão abordados também aspectos
históricos e sociais, para se compreender como os comentários escritos dos
interlocutores em portais digitais de notícias revelam a compreensão dos artigos
lidos, especificamente do corpus constituído por textos poliautorais produzidos nas
situações de interação.
Os capítulos deste trabalho estão organizados da seguinte forma: Capítulo
1, Leitura no Meio Virtual, o qual aborda conceitos de tais habilidades nesta época
regida pela tecnologia digital, conceitos diferenciais de texto digital e hipertexto,
princípios de textualidade hipertextual a partir de exemplos extraídos de um portal da
internet; Capítulo 2, Hipertexto e Ensino de Língua Portuguesa, que apresenta
preocupações sobre as novas tecnologias e o ensino de Língua Portuguesa –
segmento que se justifica pelo propósito global deste trabalho em contribuir para a
educação brasileira –, como o hipertexto solicita novas práticas e forma de leitura,
em que nível de importância está a interação na leitura hipertextual; Capítulo 3,
Considerações Teóricas sobre Construção de Sentido, o qual traz abordagens
teóricas voltadas para o processo de construção de sentido, especificamente
sociocognitivas e interacionais, e desenvolve a noção de coerência a partir de um
exemplo hipertextual; Capítulo 4, Metodologia, no qual constam os nortes
metodológicos e epistêmicos seguidos da construção de categorias de análise;
Capítulo 5, Análise, em que são analisados os segmentos do corpus de pesquisa
com base nas categorias formuladas; Conclusão, em que se conclui ...; Referências,
a qual apresenta a lista do acervo consultado e pesquisado que serviram de aporte
teórico para esta tese composto por livros, artigos impressos e digitais.
15
CAPÍTULO 1 – LEITURA NO MEIO VIRTUAL
Na leitura, os sentidos emanam da inter-relação do que emana do texto, do
leitor, do autor etc. e em várias direções. Um dos entendimentos sobre leitura revela
que a sequência do processo de ler se dá da seguinte forma: um autor pressupõe
um leitor para quem escreve e assim elabora o texto que, por sua vez, será lido pelo
leitor real. Esse procedimento não é diferente em texto virtual, mas requer em maior
grau a capacidade de seleção e direcionamento do leitor para o propósito da leitura
que, por sua vez não é uma leitura linear. A leitura de texto virtual é mais objetiva e
rápida do que a leitura em texto impresso.
Percebe-se que um novo meio e um novo ambiente para a leitura de texto
subentendem novas estratégias de interação e, apesar disso, há de se destacar que
não novos os processos cognitivos, pois a mente humana já ativava seus links na
memória mesmo antes do surgimento das tecnologias virtuais. Por isso é necessário
estudar como são engendradas as construções de sentido na leitura desse tipo de
texto. Afinal, tal leitura, contemporânea de uma enorme evolução tecnológica, revela
suas novas formas, as quais convergem em direção a sistemas cada vez mais
híbridos e interativos. Como disse Marcuschi (2004), “[...] todas as tecnologias
comunicacionais novas geram ambientes e meios novos”.
1.1 – Leitura na era da tecnocracia
Ao se tratar de construção de sentidos em texto, seja em qualquer âmbito de
pesquisa, é coerente abordar aspectos da leitura, ainda que de forma breve. Isso
porque esse processo, em sim mesmo, subentende a existência de um leitor, visto
que tal tecnologia foi criada com o intuito, não apenas de registrar, mas também de
transmitir significados. E embora haja uma enorme diversidade de textos e estudos
que tratem de leitura, este capítulo traz uma reflexão sobre essas habilidades,
especificamente, no campo da virtualidade da web.
Uma vez que o conhecimento humano e as pesquisas científicas devem
acompanhar as demandas sociais, deve-se compreender em nível mais profundo
como se dá a leitura de hipertexto e quais princípios os envolve, pois é intensa a
utilização do meio virtual por todos os seguimentos da sociedade. Dessa forma, é
importante entender os pontos de vista e conceitos que regem a leitura a partir da
utilização do hipertexto, o qual se apresenta fundamentalmente baseado na
16
interação. Além disso, a pertinência temática deste estudo verifica-se quando se
entende que, diferente do que se tinha como meio de linguagem em momentos
anteriores, o meio virtual implica, no hipertexto, a compreensão de novo modo de
leitura, de novas práticas, de novos processos de construção de conhecimento.
Enfim, há, dentre várias, três questões fundamentais que se destacam aqui: de que
maneira o hipertexto demanda novas práticas e novas estruturas de linguagem e,
por assim dizer, nova forma de leitura; como se dá a influência do contexto sobre o
hipertexto; e, sobretudo, em que nível de importância está a interação na leitura do
hipertexto.
Adquirir a habilidade de leitura, no âmbito hipertextual, torna-se condição
sine qua non para o sujeito participante da sociedade nesta era. Isso porque a
revolução atual que envolve a tecnologia da linguagem escrita verbal alcança
patamares tão intensos que o ato de ler, agora, não se traduz apenas pela
compreensão de estruturas formadas exclusivamente por palavras ou palavras
associadas a imagens estáticas, pois a estrutura híbrida do texto virtual proporciona
estímulos multissensoriais.
Antonio Carlos Xavier (MARCUSCHI; XAVIER, 2010) defende que a
sociedade atual vive sob “uma nova ordem mundial”, a qual chama de tecnocracia
pela imposição tecnológica digital extensiva ao formato de texto que se apresenta
hoje: o hipertexto. Xavier ainda ressalta que há “[...] possibilidades de mudanças nos
processos de leitura por causa do uso intenso das novas tecnologias de
comunicação, especialmente do hipertexto on-line.” (MARCUSCHI; XAVIER, 2010,
p. 207). Dessa forma, é interessante, aqui, recapitular alguns entendimentos sobre
leitura, bem como aspectos do texto em ambiente virtual, pois este capítulo destaca
níveis de questionamento que envolvem as tecnologias empregadas no cotidiano
das pessoas, a interação humana e a evolução das habilidades que envolvem a
linguagem escrita verbal.
Um pequeno comentário comparativo em relação ao fenômeno humano da
leitura na História, sobretudo na História da Educação posterior à Idade Média, dá a
noção da significativa evolução dessa habilidade até hoje. Essa mudança, iniciada
principalmente no Renascimento – quando os interesses em se alfabetizar o povo
foram intensos –, foi também confirmada nos séculos XVIII e XIX, cujos contextos
17
históricos faziam da modalidade escrita da língua elementos cotidianos da parcela
letrada da população. Por ser o predomínio da população de analfabetos, a
habilidade de ler concedia prestígio aos seus detentores. O domínio da leitura,
nesse período, denotava conhecimento elevado e os estudiosos da época
ultrapassavam as fronteiras da alfabetização e do letramento em busca de uma
formação humanista. E, embora, não se trate este de um trabalho de cunho
histórico, refletir sobre essas transformações colabora para a compreensão das
demandas sociais e, consequentemente, do avanço tecnológico.
A leitura sofreu expansão no decorrer do tempo – tornou-se condição para
inclusão social na maioria das culturas – e, associada à evolução tecnológica,
passou a incluir novos meios. Em outras palavras, significa dizer que as tecnologias
empregadas na interação humana inevitavelmente conduziram o homem a uma
adaptação, ou evolução, de suas habilidades. É a partir disso que se pode entender
que a vivência contemporânea revela a criação de novas formas de leitura,
mediadas por sistemas cada vez mais híbridos e convergentes, nos quais espaço e
tempo nem sempre são os mesmos entre os interlocutores – considerando-se
aspectos sociocognitivos e interacionais.
É nessa circunstância que se insere a leitura em ambiente virtual, a qual cria
para si mesma novas formas de construir sentido. Essa leitura em ambiente virtual,
por assim dizer, não ocorre de forma linear, entre outras características que a
distinguem, mas permanece com sua base na interação. Ou seja, embora as
tecnologias mudem, e, embora a leitura em ambiente virtual apresente traços
distintos, ela permanece com seus aspectos sociais e cognitivos básicos, ao mesmo
tempo em que se adapta às transformações dos meios.
Em sequência ao que se entende sobre leitura, no sentido amplo, ela pode
ser concebida como a habilidade de atribuir significados a algo. Por outro lado, a
leitura não está resumida à mera decodificação, pois ela se relaciona ao processo
de construção textual, para muito além da alfabetização. Nesse âmbito, o texto lido
não é um produto acabado, mas, por comportar aspectos externos ao sujeito que o
lê, torna-se um campo de trabalho sociocognitivo e interacional profundo e vasto.
Do ponto de vista do sujeito que produz o texto a ser lido, leitura pode ser
compreendida como:
18
[...] uma atividade que exige do leitor o foco no texto, em sua linearidade, uma vez que “tudo está dito no dito”. Se na concepção anterior, ao leitor cabia o reconhecimento das intenções do autor, nesta concepção, cabe-lhe o reconhecimento do sentido das palavras e estruturas do texto. Em ambas, porém, o leitor é caracterizado por realizar uma atividade de reconhecimento, de reprodução. (KOCH & ELIAS, 2011, p.10)
Já a compreensão, nesse trabalho mental do sujeito que lê, não se restringe,
por sua vez, à decodificação, mas sim à criação de sentidos, direcionada pelas
condições sociais e históricas das quais ele fez ou faz parte, pois os sentidos são
elaborados da inter-relação daquilo que emana do texto, do leitor e do autor etc.,
ocorrendo simultaneamente e em várias direções. Com base na interação e nos
sujeitos (autor e leitor), a leitura é um processo relacionado ao conhecimento de
mundo e experiências do leitor, e baseia-se em estratégias cognitivas para a
construção de sentido. Especificamente, a construção de sentido de um texto é uma
atividade que depende da atuação do leitor, o qual parte de um modelo internalizado
em sua memória.
Entre os vários entendimentos sobre leitura, um deles revela que a
sequência do processo de ler se dá da seguinte forma: um autor pressupõe um leitor
para quem escreve e assim elabora o texto que, por sua vez, será lido pelo leitor
real. O autor jamais pode assegurar toda a polissemia do texto, mas o leitor real
pode assegurar o nível de legibilidade do texto, pois é com base na historicidade e
na ideologia que poderá construí-la em determinado grau.
Nesse caso, vale dizer que a leitura está limitada pelas idéias [sic] de interpretação e compreensão, como processos de instauração de sentidos, que estarão na dependência de diferentes gestos de interpretação, compromissados com diferentes posições do sujeito, com diferentes formações discursivas, com distintos recortes de memória, tanto podendo, por isso, estabelecer como deslocar sentidos. (CASSANO, 2003, p. 65)
Esse procedimento não é diferente em um texto virtual. No entanto, no
âmbito hipertextual, a leitura requer em maior grau a capacidade de seleção e
direcionamento do leitor para seu propósito que, por sua vez, não é uma leitura
linear. A leitura de um texto virtual pode ser mais objetiva e rápida do que a leitura
de um texto impresso, mas não menos complexa. Afinal, o novo meio e o novo
ambiente para a leitura de texto subentendem as novas estratégias de interação das
quais esta pesquisa também se ocupa com o objetivo de seguir à defesa de que há
19
um novo processo de construção de sentido no campo hipertextual. Mas é preciso
destacar, como já se disse, que não são novos processos cognitivos, pois a mente
humana já ativava seus links na memória mesmo antes do surgimento das
tecnologias virtuais. Em outras palavras, isso quer dizer que o sujeito já nasce
psicofisiologicamente preparado para a prática da leitura de textos virtuais, pois a
inteligência humana possui mecanismos cognitivos capazes de assimilar a utilização
desses avanços.
Por séculos, compreendeu-se a relevância da leitura no que diz respeito ao
comportamento social. Mas pensar isso em relação aos textos, fora do meio
impresso e dentro de ambientes tecnológicos inovadores, é algo recente.
Os sentidos construídos pelo sujeito nesse tipo de leitura, numa sociedade
cada vez mais globalizada, voltada para as novas tecnologias e preocupada com a
facilitação da linguagem, estão em constante mudança. Afinal, o mundo é regido por
contradições que provocam mudança valores, transformação de interesses etc.
Como diz Marcuschi (2004), e novamente se ressalta aqui, “[...] todas as tecnologias
comunicacionais novas geram ambientes e meios novos”, e como afirma Roger
Chartier (1997) que, em sua obra A Aventura do Livro, reflete sobre essas
transformações nas “maneiras de ler” desde a leitura em rolo ao livro impresso e,
hoje, ao texto digitalizado.
Resta verificar, nesta pesquisa, a construção de sentido elaborada pelo leitor
de hipertexto, especificamente de hipertextos que compõem o corpus aqui
selecionado. Para tanto, primeiramente, é necessário retomar algumas concepções.
Parte-se, então, da concepção de leitura com base m aspectos do sujeito, da língua,
do texto e do sentido. Segundo Ingedore Villaça Koch e Vanda Maria Elias (2011), a
língua representa o pensamento do sujeito responsável por suas ações e vontades,
cujo objetivo é o de que seu interlocutor assimile e compreenda suas intenções. Ou
seja: “A leitura, assim, é entendida como a atividade de captação das ideias do
autor, [...]” (KOCH & ELIAS, 2011, p. 10). Ainda com base nas mesmas autoras, a
leitura também é entendida como uma habilidade na qual o leitor precisa realizar o
reconhecimento do sentido das palavras e da estrutura do texto. Além disso, requer
por parte dele uma grande mobilização de saberes armazenados pelo sujeito a partir
de seu convívio social. Ou seja: [...] a leitura é uma atividade na qual se leva em
20
conta as experiências e os conhecimentos do leitor; a leitura de um texto exige do
leitor bem mais que o conhecimento do código linguístico, uma vez que o texto não é
simples produto da codificação de um emissor a ser decodificado por um receptor
passivo” (KOCH & ELIAS, 2011, p. 11).
Ao lado disso, deve-se refletir também que existem estratégias das quais o
leitor lança mão para construir sentidos: seleção, antecipação, inferência e
verificação. Primeiro, o leitor seleciona o texto a ser lido, ocorre a escolha do que se
quer ler e, em seguida, ao se deparar com o texto, o sujeito elabora antecipações.
Em outras palavras, a leitura de elementos textuais, como autor, meio de veiculação,
gênero textual, título, distribuição e configuração de informações no texto, (KOCH &
ELIAS, 2011) possibilita ao leitor formular hipóteses sobre conteúdo que serão
acatadas ou reformuladas, à medida que a leitura se processa por completo, com o
respaldo de seus conhecimentos prévios arquivados na memória. Depois disso, o
leitor cria inferências, ou seja, ele chega a conclusões criadas a partir das
informações implícitas e explícitas ao texto e segue para a verificação, que é a
oportunidade de confirmar ou não as especulações levantadas.
Com o entendimento dessas concepções e sua aplicação ao estudo do
corpus desta pesquisa, será possível entender como ocorre a construção de sentido
na leitura desse novo tipo de texto – contemporânea da evolução tecnológica – para
revelar suas novas formas, as quais convergem em direção a sistemas cada vez
mais híbridos e interativos.
1.2 – Texto, leitura e conhecimento científico
Este trabalho preocupa-se em descobrir como se dá a construção de sentido
na leitura de hipertextos. No entanto, é interessante esclarecer, ainda que de forma
breve, alguns aspectos que envolvem a elaboração de textos escritos, revelando sua
importância para esta pesquisa e para a construção do conhecimento científico.
Também há, neste segmento, o interesse de destacar o que é textualidade para,
assim, poder se analisar seguramente aspectos pontuais do hipertexto.
Para iniciar esta reflexão, parte-se do seguinte raciocínio: um texto
subentende a existência de um leitor que o reconheça como tal e o compreenda
para dele extrair sentidos. Por exemplo, uma vez que a escrita, no sentido restrito, é
a habilidade que envolve processos gráfico-motores e, no sentido amplo, é a
21
habilidade que envolve os processos mental e linguísticos, em seu ato, aquele que
escreve pensa e a elabora, em forma de texto, para seu leitor. O texto, portanto, não
é apenas produto da escrita, mas sim trabalho, no qual o leitor-escritor avalia e
revisa o que pretende transmitir intencionalmente ao leitor que recebe e traduz. E
isso interessa ao desenvolvimento desta pesquisa pelo fato de o hipertexto ser,
antes de qualquer coisa, texto, e texto escrito – embora se apresente, diversas
vezes, multifacetado em palavra escrita, imagens, sons e movimento
simultaneamente.
A antiga ideia de que a escrita é a representação da linguagem por meio de
códigos de transcrição gráfica, além de reducionista, exclui importantes aspectos
como, por exemplo, o fator cultural, coletivo, em que sistemas simbólicos
socialmente construídos se traduzem graficamente. Nesse sentido, há de se
perceber que existe uma necessidade tal de comunicação escrita por meio de textos
que abrange, sobretudo, o âmbito da transmissão de conhecimentos. Diante disso,
entende-se que não existe ciência sem palavra e qualquer transmissão de
conhecimentos científicos depende do uso da escrita e, assim, da composição de
textos.
Sabe-se, também, que o conhecimento científico é posterior ao surgimento
da língua. E, embora esse conhecimento dependa do uso de um código complexo
de linguagem, ele (o conhecimento científico) não está reduzido à língua. A ciência
utiliza-se de um código específico de linguagem humana, na qual aquilo que é
reconhecido por ela é também confirmado pela participação em sua modalidade de
língua. Retomando, a ciência depende do uso da língua formalizada em texto
escrito. É por isso, inclusive, que a escola é e precisa continuar a ser o lugar
privilegiado da palavra, da palavra com sentido e na modalidade para além do uso
cotidiano.
Uma vez que a língua é um código cujo uso promove o entendimento e a
ambiguidade entre os sujeitos, então uma especificidade de conhecimento precisa
de seu próprio código. Por isso a autenticidade científica tem seu início na
compreensão e no domínio pleno desse código. Por exemplo, existem variados
códigos linguísticos representativos das diversas áreas de conhecimento humano. A
Matemática tem seu próprio código; a Química, a Biologia, a Linguística e outras
22
também o possuem. Em cada uma dessas áreas, o que não é absorvido pelo código
não pode ser considerado ciência.
Dessa forma, a escola, cujo papel deve ser o de transmitir o legado de
conhecimento humano ao sujeito, não pode desviar-se do uso efetivo da língua e
dos códigos próprios de cada ciência. Todavia, é preciso que se entenda que
ensinar uma ciência é fazer o aluno transpor seu universo cotidiano para além de
uma memorização vocabular. Então, se não há ciência sem palavra, por outro lado,
ciência não é apenas palavra. Nesse âmbito, o problema fundamental da educação
envolve a escola, o sujeito e a língua. Por isso, qualquer processo de aprendizagem,
de entendimento científico se dá num trânsito entre o que o sujeito vivencia e o que
pensa, a partir do uso da língua. Também por isso, na escola, quando o aluno não
compreende os códigos utilizados, ou não os domina, há um bloqueio na
aprendizagem. Se não há compreensão, não há sentido. Se não há sentido, não há
interesse e nem prazer em se aprender algo.
Assim, em sequência a esse raciocínio, entende-se que a maior parte do
conhecimento construído existe com o propósito da continuidade e não da
efemeridade que, por sua vez, está representada pela oralidade. A língua existe no
uso comunicativo, por isso não está relacionada a diferentes níveis de organização
do saber. Ela é o meio e a condição para evolução e transformação do
conhecimento. É por meio do elemento texto que as ações linguísticas vão além do
imediatismo e da individualidade. É na estrutura do texto que ocorrem as
modificações necessárias para adequação a novas formas de linguagem para a
transmissão e perpetuação do conhecimento. E esse processo de textualização não
se baseia no abandono completo da oralidade, mas passa a representar a situação
de linguagem a qual está inserida. Por exemplo, na estrutura de um texto virtual, é
possível perceber a adequação à situação de ambiente em meio virtual, o qual exige
para si uma separação tênue entre a escrita e a oralidade. Diferentemente, um texto
escrito, por sua vez, num meio impresso, de teor formal, assim como este a ser lido,
traz, em seu processo de textualização, elementos específicos para tal
circunstância. Mesmo assim, não ocorre o abandono total da oralidade. Afinal, o
simples ato de pensar – que pode ser comparado ao de “falar” com a mente – ocorre
em forma de texto, no qual antes de ser redigido numa modalidade formal, é gerado
trabalhosamente num trânsito entre a oralidade e a escrita.
23
Mas é preciso esclarecer que, quando se trata de texto e textualidade, é
preciso distinguir esses termos não como sinônimos, mas como portadores
conceitos inter-relacionados. A saber:
Chama-se de textualidade o conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma sequência [sic] de frases. Beaugrande e Dressler (1983) apontam sete fatores responsáveis pela textualidade de um discurso qualquer: a coerência e a coesão, que se relacionam com o material conceitual e linguístico[sic] do texto, e a intencionalidade, a informatividade, a aceitabilidade, a situacionalidade, a intertextualidade, que têm a ver com os fatores pragmáticos envolvidos no processo sociocomunicativo. (COSTA VAL, 1991)
Adiante, no próximo capítulo desta tese, serão abordadas essas
características de textualidade com exemplos extraídos do corpus de pesquisa para
uma compreensão mais clara. Embora desde já, seja possível definir que texto, por
sua vez, é intuitivamente distinto do que não é texto pelo sujeito. Ou seja: cada
pessoa, enquanto ser social, consegue identificar o que é um texto. Ele pode ser
entendido como processo de mapeamento cognitivo, unidade semântica, ou, como
diz Van Dijk (apud MARCUSCHI, 2012), “texto é uma estrutura superficial governada
por uma estrutura semântica profunda motivada”.
De acordo com Ehlich (2009), a constituição de novas formas contidas no
texto é o que caracteriza a superação da efemeridade das ações linguísticas
individuais, e isso se dá pela mudança de estrutura dos recursos linguísticos.
Segundo esse autor, os métodos para conservação das ações linguísticas
ultrapassam o perímetro da textualização oral. Ele destaca, ainda, duas importantes
linhas: a semiótica-religiosa e a efêmero-econômica. As duas linhas contribuíram
para a formação da escrita, mas a segunda apresenta um caráter prático de solução
de problemas mais eficiente e eficaz, por exemplo, o registro de posses. No início, a
linha efêmero-econômica tinha a característica das ações linguísticas, com o passar
do tempo, houve a necessidade do distanciamento da fala concreta; e com o
advento das tecnologias de impressão tipográfica foi possível proporcionar “[...] à
escrita a possibilidade de ocupar, amplamente, o espaço da tradição oral e substituir
as ‘tradições do discurso oral (SHLIEBEN-LANGE, 1983)’ pela tradição do discurso
escrito.” (EHLICH, 2009, p.65).
24
Longe de uma concepção de sistema pronto e finalizado, a escrita é
resultado da sociedade e da cultura, situado na história, a qual se manifesta em
variados suportes de tecnologia, inclusive os digitais de hoje (CHARTIER, 2003). Em
outras palavras, significa dizer que a escrita é a habilidade de produzir texto, cujo
sentido não é pré-determinado, visto que ele nasce da interação entre os sujeitos e o
mundo ao qual se insere. Quem escreve escreve para um leitor, que pode ser o
outro ou si mesmo, numa determinada época da história, numa determinada
subjetividade cultural, com peculiares conhecimentos prévios e específicas
intenções. Dessa forma, vale dizer que é no texto que ocorrem as modificações
necessárias para a adequação a novas formas de linguagem para transmissão e
perpetuação do conhecimento. Por isso existe necessidade de comunicação escrita
e leitura e, a partir disso, a construção de textos e de sentidos. Ressalta-se,
novamente, que a maior parte do conhecimento transmitido na sociedade inclui o
objetivo de continuidade.
Já que a língua existe no uso comunicativo e, por isso mesmo, está
relacionada a diferentes níveis de organização do saber, ela é o meio e a condição
para evolução e transformação do conhecimento. Já a leitura é a habilidade da qual
se lança mão para, em texto, aplicar ações linguísticas que vão muito além da
individualidade e do imediatismo.
Mesmo que não se mencione corriqueiramente entre as pessoas que ler
subjaz o entendimento do que sejam linguagem e texto, isso está presente na
concepção de leitura, nas práticas cotidianas, nos usos espontâneos praticados pelo
sujeito. E, se há retomada das concepções de linguagem e de texto, é porque a
leitura possui suas bases em aspectos da cognição e da linguagem, como já se
esclareceu neste trabalho. Assim, entende-se que, para cada tipo de suporte
tecnológico, impresso ou virtual, há uma forma de ler e, daí, construir-se o sentido
do texto.
Dos passos iniciais do conhecimento científico na escola até sua
continuidade e seu progresso, tudo aponta para o engajamento tecnológico por meio
do texto escrito. Por isso o primeiro passo neste estudo é buscar o entendimento
sobre o que se pode chamar de texto digital e de texto virtual para, assim,
25
compreender o que envolve a leitura de um texto virtual, sua escrita e a construção
de sentido nesse âmbito, que é o foco principal deste trabalho.
1.2.1 – Texto Digital e Hipertexto
Entende-se que o texto digital é o que se constitui, na tela de um
computador (de um notebook, de um tablet, de um celular, de um smartphone etc.),
de forma em que cada sinal digital é configurado num fluxo de bits, os quais se
traduzem em sequências numéricas de 0 e 1 (SANTAELLA, 2008). Este texto, por
exemplo, foi escrito primeiramente na tela de um notebook para, num segundo
momento, passar de digital a impresso, o que não impediria sua permanência na
forma digitalizada apenas. Como afirma ainda Santaella (2008, p. 49), “foi a
digitalização computacional que ofereceu o suporte perfeito para a
operacionalização do hipertexto”, o qual será mencionado adiante.
Ainda sobre texto digital, também podem ser destacadas duas
peculiaridades na maneira de se proceder à sua leitura: a barra de rolagem que
geralmente se localiza à direita da tela do computador remete à forma de enrolar o
pergaminho na Antiguidade para dar sequência à leitura; a outra forma, hoje muito
utilizada nos livros digitais, frequentemente inseridos em tablets, é o toque na tela
que simula uma virada de página à semelhança dos livros impressos.
As vantagens da escrita digital vão desde sua enorme capacidade de
armazenagem e economia de espaço – pode-se, por exemplo, estocar uma enorme
quantidade de textos em um pequeno pen drive – até a redução do tempo de
transmissão e economia de meio de transporte, podendo manter a qualidade de sua
produção e agilizando todo o processo de troca de informação (SANTAELLA, 2008).
Ou seja, o tipo de suporte e a velocidade estão entre suas principais inovações.
Diferentemente de um texto impresso, o texto digital é produzido na tela do
computador, como já esclarecido; entende-se por isso que ele não se compõe
fisicamente. Além disso, observa-se que nem todo texto digital pode ser considerado
hipertexto, mas todo hipertexto é, antes, um texto digital. Outra distinção pode-se
fazer ainda é a de que todo texto impresso pode ser um hipertexto, mas nem todo
hipertexto pode ser um texto impresso (XAVIER, 2010).
26
Alguns dos questionamentos que recaem sobre o hipertexto são: o que é um
texto produzido no ambiente virtual? O que o difere dos demais tipos textos?
O hipertexto é, antes de mais, texto, o que significa dizer que é
atividade interacional, evento comunicativo de ações linguísticas, cognitivas e
sociais (BEAUGRANDE, 1997). Mas, para ser hipertexto propriamente dito, deve
apresentar algumas características.
Sua primeira distinção está no tipo de suporte que o acolhe, que é o
ambiente de hipermídia, no qual o leitor é quem constrói seu caminho de leitura de
acordo com sua necessidade, o que remete aos aspectos da virtualidade,
multiplicidade e reticularidade, em que surgem infinitas conexões, ou links, os quais
são “[...] dispositivos técno-informáticos[sic] que permitem efetivar ágeis
deslocamentos de navegação on-line, bem como realizar remissões que possibilitam
acessos virtuais do leitor a outros hipertextos de alguma forma correlacionados”
(KOCH, 2005, p. 64). Segundo a autora citada, hipertexto não é linear, e é volátil
(não é fixo, pois se transforma continuamente), sua espacialidade não possui limites
definidos, também não apresenta hierarquia entre seus elementos (não possui um
centro), é interativo e composto por uma diversidade de formas de linguagem, o que
remete ao conceito multimodalidade, que é, segundo Rojo (2011), múltiplas
linguagens que interagem no texto.
Para Lévy (1995), o hipertexto é formado por articulações e conexões. Além
disso, é uma produção escrita usualmente encontrada nas redes de computadores.
Qualquer pessoa pode localizá-lo de qualquer computador, e muitos usuários de
internet podem acessá-lo simultaneamente de qualquer lugar. O autor ainda delineia
algumas características que constituem o hipertexto, e os nomeia por princípios
abstratos: metamorfose, heterogeneidade, multiplicidade e de encaixe das escalas,
exterioridade, topologia e mobilidade dos centros.
O princípio de metamorfose diz respeito ao caráter de constante
transformação e reconstrução da rede hipertextual que ocorre de acordo com a
intervenção dos sujeitos envolvidos, pois podem ser alteradas as palavras, os sons,
as imagens, a extensão, a composição, o desenho e assim por diante. O princípio de
heterogeneidade representa aspectos heterogêneos das articulações do hipertexto
que podem ser imagens, sons, palavras e outros recursos. O princípio de
27
multiplicidade e de encaixe das escalas define que qualquer nó ou conexão do
hipertexto pode mostrar-se como parte uma rede indefinida de articulações com
outros textos. O princípio de exterioridade mostra que a rede hipertextual não possui
uma unidade organizacional interna rígida, ou seja, seu crescimento e diminuição,
composição e recomposição dependem da intervenção exterior para adicionar novos
elementos e articulações com outras redes. O princípio de topologia evidencia que o
fluxo das ações é norteado pela topologia, ou seja, o funcionamento do texto se dá
por proximidade, vizinhança. O princípio de mobilidade dos centros parte da ideia de
que o hipertexto possui diversos centros, os quais são continuamente móveis e são
transportados de um nó a outro, compondo em torno de si uma ramificação infinita
de pequenas raízes (textos), refazendo percursos e compondo adiante outros textos.
Esses nós são o que se entende como links de acesso. Segundo Lévy (1995), “[...] a
rede não está no espaço ela é o espaço”.
Dessa forma, um texto gera novos textos em sequência não linear, em que
cada leitor é também autor (ELIAS, 2005). Por conta disso, o hipertexto está em
constante transformação, não é fixo, não é permanente, mas sim volátil, sendo
mudado aos olhos do leitor. Cada novo caminho de leitura gera um novo texto.
[...] o texto passou por transformações, por uma verdadeira mudança de natureza na forma do hipertexto, isto é, de vínculos não-lineares entre fragmentos textuais associativos, interligados por conexões conceituais (campos), indicativas (chaves) ou por metáforas visuais (ícones) que remetem, ao clicar de um botão, de um percurso de leitura a outro, em qualquer ponto da informação ou para diversas mensagens, em cascatas simultâneas de interconectadas. (SANTAELLA, 2008, p. 47)
Reafirmando, o hipertexto é uma produção cuja primeira distinção se faz
pelo meio no qual é veiculado, ou seja, o tipo de suporte no qual se instala. E,
diferentemente de um texto impresso, toma sua forma em ambiente virtual. Todas
as informações veiculadas nesse ambiente se apresentam em rede. É, desse modo,
um texto com algumas diferenciações: ele transita entre a oralidade e a escrita, não
é de leitura linear, dispõe de elementos verbais e não verbais, é multimodal
(emprega variadas modalidades de formas linguísticas), interativo e poliautoral. O
hipertexto, em resumo, é marcado pela virtualidade (não se compõe fisicamente),
multiplicidade e reticularidade, cujos elementos de conexão, ou links, são escolhidos
28
pelo sujeito que o lê, o internauta. E, embora seja influenciado por formas de escrita
impressa, atualmente, percebe-se que também a influencia.
Enfim, são três os pressupostos que abrem esta reflexão: 1) a leitura é a
habilidade humana de atribuir sentidos, para a qual é um requisito importante
possuir a capacidade de observação, pois a articulação de significados parte,
também, de aspectos externos ao sujeito (CASSANO, 2003); 2) o hipertexto, que é
antes um texto digital, estrutura-se em novo meio e novo ambiente (MARCUSCHI;
XAVIER, 2004), e exige uma leitura específica, cujas principais características são
suas bases interativas e não lineares; 3) a leitura específica de um hipertexto
subentende uma específica construção de sentidos que, por um lado, é elaborada
com as mesmas capacidades inatas humanas da cognição e, por outro lado, há de
se entender a influência que os novos aspectos do meio virtual apresentam nessa
construção.
1.2.2 – Princípios de textualidade no hipertexto e exemplos extraídos
do site de notícias Yahoo
Cada texto é resultado de um esforço linguístico, cada texto nasce de uma
construção, ou seja, é uma organização linguística cujas partes precisam manter
relações linguisticamente hierárquicas, não sendo um mero agrupamento de
palavras ou frases.
Todo texto apresenta fatores de textualidade (BEAUGRANDE &
DRESSLER, 1983) os quais o identificam como tal. Esses fatores dividem-se entre
os que seguem apresentados neste parágrafo. Coerência: é relacionada ao sentido
do texto, assegura uma lógica interna nele e o nexo entre os conceitos e o
conhecimento de mundo de quem o assimila. Coesão: é a maneira de expressar as
ideias no texto, de encadear as ideias e referenciá-las, mantendo unidade e clareza.
Intencionalidade: trata da intenção do autor. Informatividade: designa em que
medida os materiais linguísticos apresentados no texto são operados ou não
operados, conhecidos ou não conhecidos da parte dos interlocutores. Segundo
Charaudeau (1992), o texto “[...] representa o resultado material do ato de
comunicação e resulta de escolhas conscientes ou inconscientes feitas pelo sujeito
falante dentre as categorias de língua e os modos de organização do discurso, em
função das restrições impostas pela situação”. A intencionalidade parte do
pressuposto de que todo texto apresenta uma finalidade, ou seja, o autor escolhe o
29
gênero textual empregado e suas características específicas, o modo como é
empregado, a escolha do léxico e suas finalidades. Intertextualidade: são as
diversas maneiras como um texto depende do conhecimento dos interlocutores
sobre outros textos anteriormente produzidos. A intenção do autor precisa da
aceitabilidade para se concretizar. Aceitabilidade: disposição de participar de um
discurso ou compartilhar um propósito. A aceitabilidade faz com que o leitor perceba
que o texto lhe transmite informações e conhecimentos, e por isso decide cooperar
com os objetivos do autor. O leitor procura aplicar a sua coerência, dando ao texto a
interpretação que lhe cabe, considerando os demais fatores de textualidade.
Situacionalidade: são aspectos que fazem com que o texto esteja adequado a uma
situação específica. São esses elementos, assim, que, juntos e relacionados,
oferecem ao texto condição para o sujeito extrair dele os sentidos.
Eis, a seguir, a apresentação de exemplos que podem demonstrar os
princípios de textualidade no hipertexto.
Abaixo, há fragmentos de um hipertexto extraído do portal de notícias
Yahoo, o qual compõe, ao lado de outros textos, o corpus desta pesquisa.
Figura 1
Na figura 1, podem ser observados elementos visuais que direcionam o leitor
para o entendimento do tema a ser tratado no texto. Em outras palavras, significa
que a cognição humana trabalha a partir de estímulos sensoriais e, nisso, os
30
elementos visuais (cores, ilustrações, fotos, formas e tamanho das letras, localização
etc.) estimulam o cérebro antes da assimilação do texto escrito.
Nesse texto virtual, o tipo de fonte de escrita, sua localização, a foto do
homem em determinada posição em contato direto com o tigre, bem como os
demais elementos que compõem a página, já revelam que se trata de uma matéria
jornalística. A estrutura visual da página virtual, portanto, indica o gênero textual do
qual se aproxima e ativa estratégias para compreensão do texto. Além disso, logo no
início da página, ao internauta são oferecidas várias possibilidades de escolha de
sequência textual, diversos links que o conduzirão a infinitos caminhos de leitura. Na
percepção dos detalhes que esse tipo de texto oferece, tem-se à mão múltiplas
possibilidades de trabalho com a escrita, por exemplo, uma análise textual partindo
dos elementos não verbais para, em seguida, analisar a escrita em seus diversos
aspectos.
A matéria que abre a página menciona um incidente ocorrido na China: um
homem entrou em uma jaula de tigres para ser devorado. No título da matéria, está
anunciado o local onde ocorreu o fato e, abaixo, a foto que registrou o momento. As
letras do título provocam, pelo tamanho da fonte usada e as cores, o destaque
necessário para que se possa perceber que se trata do anúncio do tema. Abaixo do
título, há uma logomarca que indica ser uma notícia veiculada numa agência
internacional. Na lateral, à direita, encontram-se, em letras menores, algumas
conexões de acesso a outras notícias, para as quais se pode seguir na escolha do
caminho de leitura entre as notícias mais populares e os blogs.
Figura 2
32
Na figura 2, já se percebe uma organização em termos de linhas e
parágrafos que conduz o entendimento do leitor de que se trata de um texto escrito
em um gênero textual específico para o objetivo proposto pelo autor. Permanecem
na página os links que dão acesso a outras informações, que se localizam à direita
do texto em prosa e em seu intervalo de parágrafos. Tais links recebem destaque
pela variedade de cores, formas e logotipos, que chamam a atenção do internauta
para a escolha de caminhos de leitura. Essa coexistência de possibilidades de
sequência textual confere ao hipertexto o infinito de conexões.
Figura 3
Figura 4
33
Nas figuras 3 e 4, pode-se notar que há espaço para participação de
internautas, os quais podem se identificar com seus próprios nomes e fotos, ou
podem optar pelo uso de figuras gráficas digitais que os representem (avatar),
apelidos (nicknames), preservando sua verdadeira identidade.
Na figura 3, o texto apresenta os elementos de textualidade mencionados e
que conferem ao texto digital a qualidade de texto, os quais já foram mencionados:
situacionalidade, informatividade, intertextualidade, intencionalidade e aceitabilidade
(BEAUGRANDE & DRESSLER, 1983).
A situacionalidade representa a qualidade lógica que torna o texto pertinente
em relação à situação sociocomunicativa em que acontece. Eis o exemplo,
retomando o texto fonte, com destaque para os comentários dos internautas (Figura
3):
Comentário 1
Stefanie B.:
Como não sei o que se passa na cabeça de alguém assim, prefiro não julgar. Só
desejo uma boa recuperação e boa sorte.
Respostas ao comentário 1
R1
34
Carlos:
Seu comentário foi tão bonito quanto você. Stefanie B. Parabéns!
R2
Leandro:
Ah tah.
R3
Fabio:
Deve tá faltando #S%S na sua vida!
R4
Fernando:
coitado dos tigres!
Entende-se que a situacionalidade está bem representada no comentário 1,
em que Stefanie B. refere-se compassivamente em relação ao chinês que tentou
suicídio:
“[...] só desejo uma boa recuperação e boa sorte”.
A informatividade revela o quanto o texto é previsível ou não, se suas
informações são conhecidas, novas, ou não, para o interlocutor. Além disso, o nível
de sua informatividade deve favorecer a compreensão do texto em direção ao
objetivo do autor. Quanto maior o grau de informatividade, maiores dificuldades de
coerência haverá, pois o ideal é que o texto se mantenha num nível intermediário de
informatividade, diferentemente de um texto rico em informações novas, que
dificultaria a compreensão por parte de quem o lê.
A matéria diz “Os visitantes, chocados, observaram Yang fazendo
movimentos exagerados e tentando por 20 minutos incitar os tigres. O chinês, que
está desempregado, tem transtornos de saúde mental, segundo seu irmão”. O
35
trecho exemplifica a informatividade: o chinês é um desempregado, o que denota
uma situação de vida desfavorável; o chinês sofre de transtorno mental, indicando,
assim, que ele não é uma pessoa saudável, ou até mesmo que não tem condições
de controlar suas próprias ações, o que o caracteriza como vítima. O grau de
informatividade da matéria facilita o direcionamento da compreensão, e é altamente
previsível, pelas descrições dos fatos narrados, que o sentimento de piedade seja
suscitado por meio do texto. O comentário da internauta Stefanie B. confirma isso.
A primeira resposta (R1) ao comentário apresenta a frase do internauta
Carlos, que diz o seguinte:
“Seu comentário foi tão bonito quanto você. Stefanie B. Parabéns!”
Ele dá a indicação de que o comentário de Stefanie B. foi adequado à
situação. Porém, ao mencionar a beleza da interlocutora, são evidenciados os
aspectos ligados à intencionalidade. A intencionalidade se revela quando o
interlocutor emprega estratégias para alcançar seus objetivos comunicativos. A
expressão “[...] tão bonito quanto você” indica a intenção de elogiar internauta, que
pode ser entendida também como forma de conquista, ou galanteio. Isso se
confirma pela expressão usada pelo terceiro comentarista (R2) em tom de ironia,
enfatizando as intenções subentendidas no elogio:
“Ah tah.”
Nessa resposta, também a característica textual de aceitabilidade pode ser
exemplificada, pois representa a posição de o interlocutor aceitar ou não como
coerente o que foi dito, e isso favorece a compreensão dos objetivos propostos pelo
autor. A expressão manifestada por Leandro (R2), ao mesmo tempo em que indica a
incoerência do elogio do Carlos (R1) para a Stefanie, diante da situação em que a
matéria noticiada suscita sentimentos piedosos, chama a atenção para o interesse
oculto de galanteio iniciada pelo Carlos.
Agora, a resposta (R4) ao comentário, dita por Fernando:
“coitado dos tigres!”
36
A intenção do internauta é a de surpreender o leitor pela oposição da ideia,
que parece expressar desprezo pelo chinês suicida. Tal manifestação comunicativa
poderia levar o leitor a perceber, nas entrelinhas, por exemplo, algum preconceito
étnico, ou menosprezo pelo ser humano em geral.
Por meio desses exemplos, observa-se a textualidade nos elementos
interligados da matéria jornalística à participação escrita dos interlocutores. Os
comentários dos internautas complementam o texto-fonte de forma relevante,
formando um todo complexo e interativo. Entende-se, assim, que a escrita precisa
da participação tanto de quem a produz quanto de quem a lê. Ambos os
participantes utilizam diversas estratégias cognitivas e acionam conhecimentos
prévios durante a interação.
37
CAPÍTULO 2 – HIPERTEXTO E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
A invenção de cada nova tecnologia no mundo foi sempre reflexo das
necessidades sociais de cada momento histórico. Podem ser citados como
exemplos disso o próprio surgimento da escrita, a criação da imprensa –
contemporânea do momento em que as línguas nacionais se consolidavam –, o
telégrafo, o cinema etc., que repercutiram soluções para as necessidades humanas
de determinadas épocas. Assim também, inserida em circunstâncias necessárias,
nasceu a escrita digital. E é isso que a sociedade vivencia hoje. Ela convive com a
necessidade de convergência de saberes de forma tão intensa e urgente que
somente o meio virtual pode ser capaz de corresponder ao que se espera e
necessita nos dias de hoje.
Dessa forma, este segmento pretende refletir sobre a importância do
ambiente de hipermídia no ensino de Língua Portuguesa na educação básica, uma
vez que não se pode desviar do principal caminho de progresso cultural e científico
da humanidade, que é a escola. A partir desse objetivo, então, discute-se sobre de
que forma essa mudança ocorre e traz benefícios, e quais são os cuidados que se
fazem necessários nesse processo. E, embora esta tese tenha o objetivo central de
defender a ideia de que existe um modo específico de construir sentido na leitura de
um hipertexto, é relevante dedicar uma parte, ainda que modesta de todo este
trabalho, para argumentar sobre o ambiente virtual em relação ao ensino.
Como se sabe, os ambientes virtuais fazem parte das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC), os quais têm proporcionado a transmissão de
informações com velocidade e repercussão nunca antes vistos em épocas anteriores
e com grande envolvimento em todas as camadas sociais. Diante disso, entende-se
que, em primeira mão, professor e aluno precisam ter compreendido o que é um
ambiente de hipermídia. Que saibam defini-lo, que saibam diferenciar o que significa
aprender o uso de hipermídia e aprender por meio de hipermídia e que sejam
capazes de estabelecer definições acerca dos expedientes oferecidos por tal meio
são alguns dos critérios fundamentais para que professores e alunos estejam
preparados para essa nova forma de ensinar e de aprender.
38
É importante, para a compreensão deste tópico, esclarecer, ainda que de
forma sucinta, alguns pontos de vista e conceitos que regem a leitura do hipertexto –
o qual se apresenta fundamentalmente baseado na interação –, e enfatizar a
importância de se compreender em nível mais profundo como se dá esse tipo de
leitura e por quais princípios é conduzido.
2.1 – Novas tecnologias e o ensino de Língua Portuguesa
Tudo o que existe no universo, seja físico ou metafísico, comunica. E essa
comunicação se dá por meio verbal ou não. Isso quer dizer que tudo o que existe
possui alguma medida, ou volume, ou dimensão, ou função, e sempre há um
significado, um sentido. Tudo o que existe possui uma atribuição de valor e de
significado dados numérica ou verbalmente a partir do momento em que se faz
conhecido. Isso porque inclusive os números comunicam algo, atribuem significado
a alguma coisa. A própria ciência da computação comprova, em seus algoritmos,
que o mundo também é descrito e entendido por meio de cálculos, os quais
representam o que há de existente e seus significados. Dessa forma, pode-se ter
alguma ideia do quanto a Ciência da Computação está relacionada às ações do
sujeito para participar do mundo e compreendê-lo.
O Professor Daltro José Nunes explica:
O processo cognitivo utilizado pelos seres humanos para encontrar algoritmos para resolver problemas é chamado de pensamento computacional ou algorítmico. Este processo, que é a base da Ciência da Computação, pode, assim, ser aplicado a outras ciências como matemática, física, química, filosofia, economia, sociologia etc., capacitando-as a sistematizar ou organizar a solução de problemas. Advogados, por exemplo, podem ler textos e, usando o pensamento computacional, extrair deles fatos e regras, permitindo tirar conclusões lógicas que balizem um parecer irrefutável. Todos os tipos de procedimentos, como, por exemplo, organizar uma eleição, podem ser também colocados na forma algorítmica.
No estudo de algoritmos, conceitos como modularização, recursão, iteração, abstração etc., podem ser aplicados às outras ciências, aumentando de forma fantástica a capacidade de resolver problemas. (NUNES, 2011, http://www.adufrgs.org.br/artigos/ciencia-da-computacao-na-educacao-basica/)
O Professor Daltro José Nunes (2011) é enfático em dizer que o sujeito,
mesmo na infância, já apresenta evidências de que o raciocínio computacional é
39
intuitivo e inato, mas tal habilidade deixa de ser explorada na formação básica. Ele
defende:
A introdução de conceitos de Ciência da Computação na educação básica é fundamental para manter o raciocínio computacional das crianças, pelo seu caráter transversal às todas as ciências, para formar cidadãos neste importante ramo da ciência, para dominar suas aplicações, para viver num mundo cada vez mais globalizado e para tornar o País mais rico e mais competitivo na área de Tecnologia da Informação. (NUNES, 2011, http://www.adufrgs.org.br/artigos/ciencia-da-computacao-na-educacao-basica/)
O computador passou a fazer parte da vida das pessoas há anos, a qual é,
hoje, o que se pode chamar de vida digital – como já defendia Nicholas Negroponte
desde 1995.
A informática não tem mais nada a ver com a vida das pessoas. O
gigantesco computador central, conhecido como mainframe, já foi substituído por
microcomputadores em quase toda parte. Vimos os computadores mudarem-se das
enormes salas com ar-condicionado para os gabinetes, depois para as mesas e,
agora, para nossos bolsos e lapelas. Isso, contudo, ainda não é o fim.
(NEGROPONTE, 1995, p. 12)
A chegada da internet trouxe novas formas de aprendizagem. No ambiente
virtual, a aprendizagem pode contar com a interatividade, imprescindível e de forma
enfática, o que também permite ao sujeito distanciar-se dos métodos reprodutivos
anteriormente utilizados na educação, quando as mídias eram apenas impressas, de
rádio e de TV. Não que essas mídias anteriores impedissem o desenvolvimento da
interação, mas é fato que o alicerce do mundo virtual é a interatividade. Um exemplo
disso é a modalidade de ensino a distância (EAD).
A EAD baseia-se na possibilidade de ampliar o alcance do ensino a um
maior número de sujeitos, reduzindo a barreira de distância física, é possível estudar
em qualquer lugar em que haja internet, por exemplo, é possível ao aluno estipular
seu próprio momento de estudo e ritmo desde que cumpra os prazos estabelecidos
pelo curso. Nessa modalidade, o processo de aprendizagem é guiado pelo próprio
aluno que é o sujeito da interação virtual.
40
Os docentes, por sua vez, devem agora, em suas práticas educativas,
estruturar os currículos, planos de aulas, programas de disciplinas com ênfase para
as tecnologias de comunicação e informação. Isso porque a urgência de se associar
esses novos meios ao que se tem estudado nas licenciaturas, por exemplo, à
elaboração de projetos pedagógicos, ao desenvolvimento da interdisciplinaridade e
da transdisciplinaridade (GADOTTI, 2001), já tem sido exigência social prevista na
orientação do MEC.
A interação entre as disciplinas estudadas na escola (interdisciplinaridade) e
sua interdependência entre os saberes e a realidade (transdisciplinaridade) integram
aspectos apropriados ao uso das mídias digitais. Em outras palavras, entende-se
que esses novos meios são o ambiente propício para o exercício das mudanças no
modo de ensinar e de aprender, as quais estão inclusive descritas pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96).
Portanto, é indispensável que as aulas de Língua Portuguesa estejam
atualizadas e coordenadas em relação às transformações sociais. A vida digital é
uma transformação social sem precedentes e irremediável. Por isso o ensino formal
precisa com urgência assimilar a aplicação do ambiente de hipermídia no ensino,
inclusive o de Língua Portuguesa.
2.2 – O hipertexto como lugar de interação
A língua escrita nos meios virtuais de comunicação torna-se parte do
cotidiano das pessoas. E não apenas isso. A vida dos usuários dos meios digitais é
influenciada de forma direta pelo conteúdo recebido em matéria escrita por tais
meios. Admite-se, inclusive, que cada nova geração cresça mais voltada para a
comunicação digital do que a geração anterior.
Nessa realidade, o contato com o hipertexto exige do sujeito a capacidade
de escolha e direção de informações a partir do que considera importante e a partir
do que lhe faz sentido. Em outras palavras, o ambiente é altamente interativo, o que
explica a noção de que o ambiente virtual formula para si mesmo a capacitação de
seu usuário. Além disso, como já se disse, é um recurso de informação global e de
contínuo trabalho. Ele torna o acesso às informações mais viável.
41
Nesse sentido, sua relação com a língua escrita é evidente: leitura e escrita
são habilidades que, semelhantemente, dependem de prática para que sejam
aprendidas. Ou seja, os meios digitais e o texto existem na construção do
conhecimento humano a partir de seus usos.
O hipertexto é especificamente estruturado sobre relações, sobre conexões.
Diferente do que se tinha como ambiente de escrita, o meio virtual implica, com o
hipertexto, a compreensão de um novo tipo de texto, de novas práticas, novos
processos de construção de conhecimento. Isso porque não é finito, não é linear e
não é estanque como era em ambientes anteriores. Como disse Marcuschi (2004),
tecnologias comunicacionais novas provocam a criação de ambientes e meios
novos. Novidade de meios exige novidade de lógicas e práticas. A leitura adapta-se,
dessa forma, a novas estruturas juntamente com todos os aspectos que as
acompanham como, por exemplo, as estratégias de interação.
Para Lévy (1995), reforçando o que já foi mencionado na primeira parte
deste capítulo, o hipertexto compõe articulações e conexões, é uma produção
escrita usualmente encontrada nas redes de computadores, qualquer pessoa pode
localizar esse texto de qualquer computador, muitos usuários podem ter acesso
simultâneo ao mesmo hipertexto.
[...] na leitura do hipertexto a interação com o texto pressupõe respostas a perguntas como: o que pretende com essa escrita? Que conhecimentos são tidos como (não) compartilhados? Que pistas são dadas para a produção de sentidos? Que informações podem ser consideradas (não) relevantes? (MARQUESI et al., 2010, p. 368)
Considerando as características do hipertexto, evidencia-se que ele não
contradiz a cultura vigente, mas sim a representa. E, embora os processos
cognitivos do sujeito em relação a esse tipo de texto virtual não sejam novos – visto
que, mesmo antes de os modelos digitais entrarem no cenário mundial, tais
processos já buscavam seus links na memória humana de curto, médio e longo
prazo – das novas lógicas exigidas para a estrutura da escrita e da leitura de
hipertextos surgem as estratégias de interação também sob novos pontos de vista.
Se para ler/entender a palavra é necessário saber ler antes o mundo, [...], o hipertexto vem consolidar esse processo uma vez que viabiliza multidimensionalmente a compreensão do leitor pela exploração superlativa de informações, muitas delas inacessíveis sem os recursos da hipermídia. (MARCUSCHI; XAVIER, 2010, p. 210)
42
Dessa forma, diferente do que se tinha como meio de linguagem em
momentos anteriores, o meio virtual implica, no hipertexto, a compreensão de novo
modo de leitura, de novas práticas, de novos processos de construção de
conhecimento, mas considerando a retomada de procedimentos cognitivos já
utilizados pelo ser humano.
O contato com o texto em ambiente virtual exige do sujeito a capacidade de
escolha e direção de informações a partir do que compreende e do que elege
relevante. Em outras palavras:
A facilidade de produzir, publicar, editar, comentar, discutir e/ou votar conteúdos e a rapidez de armazenar textos tornam a Web um ambiente social e acessível a todos os usuários, um espaço onde cada um seleciona e controla a informação de acordo com suas necessidades e interesses. Nesse meio digital, o leitor torna-se potencialmente um interlocutor que interfere diretamente sobre o conteúdo apresentado pelo site. O leitor torna-se ao mesmo tempo um escritor em potencial. (MARQUESI et al., 2010, p.359)
As novas formas de interação são geradas a partir das transformações dos
modos de criação, transmissão e recepção textual nas múltiplas inovações
tecnológicas. A leitura hipertextual demanda um vasto esforço intelectual do sujeito
para organizar, escolher, relacionar e contextualizar informações. Ou seja, a leitura
hipertextual inclui (MARCUSCHI; XAVIER, 2010): leitura self-service;
deslinearização – não impõe ordem hierárquica; leitura multissensorial – alto
envolvimento por parte do leitor; emancipação do leitor – dessacralização do autor;
coparticipação sem limite espaço-temporal.
Em resumo, se, sob determinado aspecto, o meio virtual implica, com o
hipertexto, a compreensão de novo modo de escrita, de novas práticas, novos
processos de construção de conhecimento, por outro, considera a retomada de
procedimentos cognitivos já utilizados pelo ser humano. Enfim, na interação por
meio do texto digital são estabelecidas estratégias comunicativas voltadas tanto para
reprodução cultural como também para renovação.
43
CAPÍTULO 3 – CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE CONSTRUÇÃO
DE SENTIDO
3.1 – Aspectos sociocognitivos e interacionais na construção de
sentido
A partir do direcionamento de estudos da linguagem sob a perspectiva
sociocognitiva, a produção de texto na modalidade escrita recebe contribuições
conceituais que ampliam as possibilidades de pesquisa na área. E não apenas isso.
Há, com esse direcionamento, um aprofundamento na compreensão dos fenômenos
que envolvem a escrita.
As lacunas existentes nos estudos anteriores – em que não se
consideravam, por exemplo, o contexto em termos de um constructo –, hoje, estão
preenchidas com base na sociocognição. A própria noção do processo de
construção de sentido, que se tem atualmente, está em vias de renovação, pois já
se descobriu que os sentidos emanam da inter-relação que envolve texto, leitor,
autor etc., e ocorre em várias direções, sob aspectos internos e externos ao sujeito,
mas conduzida dentro do processo de textualização.
A construção de sentido envolve, assim, a direta participação do leitor,
prevista pelo autor. No entanto, autor e leitor nem sempre concordam em intenções
e sentidos, mas plenamente interagem e se relacionam por meio do texto. Dessa
forma, o primeiro obstáculo epistemológico a ser transposto para se compreender o
processo de construção de sentido no texto é reconhecer a tríplice cadeia de
interação: autor-texto-leitor.
Dessa forma, o texto deixa de ser analisado apenas como produto e passa a
ser compreendido como trabalho, levando-se em consideração o sujeito, seus
conhecimentos e a intersubjetividade. A grande questão sociocognitiva que direciona
os estudos do texto, e do texto escrito inclusive, no presente momento, trata de
tentar responder como é que a cognição se constrói na interação. E, neste trabalho,
a base para a reflexão do tema proposto se dá em Dascal (2006), Elias (2011),
Hilgert (2005), Koch (2005, 2007, 2008), Koch e Elias (2011) e Van Dijk (2012).
A expressão “sociocognitivismo interacional” não é meramente tautológica;
ela amplia de forma significativa as descobertas sobre texto e escrita. Enfim, só se
44
pode entender um fenômeno complexo se for possível compreender o contexto.
Este, por sua vez, não observado como sinônimo de circunstância, mas como
modelo mental específico baseado na interpretação subjetiva do homem, ser social,
situado coletivamente. Sem a perspectiva sociocognitiva, a produção de texto escrito
não seria analisada sob a expansão de conceitos importantes na evolução das
perspectivas e no aprimoramento do ensino e do aprendizado da modalidade de
escrita da língua.
Hoje, os desafios propostos, nos estudos relacionados à Linguística Textual
e à produção escrita, envolvem a compreensão do texto como locus do dialogismo.
Esse entendimento assegura que haja um vínculo indissociável entre produção de
linguagem e interação no processo cognitivo. E tal processo – que, por sua vez, não
resulta apenas da subjetividade individual – passa a ser visto também como produto
social. Em outras palavras, os novos desafios nascem da concepção da produção
escrita analisada sob a ótica sociocognitiva-interacional.
A necessidade de comunicação escrita revela que a maior parte do
conhecimento construído pelo homem mantém o propósito da continuidade. Não é
transitório o interesse de transmitir conhecimentos. Não existe ciência sem palavra e
qualquer transmissão de conhecimentos científicos depende do uso da língua
escrita, e da construção de textos se pensarmos de forma mais específica.
Assim, tanto a língua oral quanto a língua escrita, no sentido amplo,
cumprem o papel de mediar a relação entre o sujeito e o objeto de conhecimento;
ambas propiciam o intercâmbio social, pois as palavras são signos mediadores da
relação do homem com o mundo na formação de conceitos. Esses pressupostos
devem ser entendidos como construções culturais, cotidianas ou científicas,
articuladas.
Tanto a oralidade, como a escrita, embora possuam seus usos com
especificidades, mantêm uma relação contínua de atividade discursiva e de forma
interdependente. Essas atividades variam do uso formal ao uso informal e nos mais
diversos ambientes: a família, a escola, o trabalho, o lazer etc. Esses ambientes e
ocasiões de utilização da escrita ampliam suas relações a ponto de surgirem novos
tipos textuais e novas expressões. As tecnologias digitais são um exemplo direto
45
disso, pois se utilizam da escrita sob uma diferenciada relação. Mas toda
concretização de ação linguística acontece pelo processo de textualização.
Existe a necessidade de comunicação escrita, isso é evidente. E tal
necessidade, como já mencionado, abrange, sobretudo, o âmbito da transmissão de
conhecimentos. A língua existe no uso comunicativo, por isso está relacionada a
diferentes níveis de organização do saber. Ela é o meio e a condição para a
evolução do conhecimento. E é através do elemento texto que as ações linguísticas
individuais vão além do imediatismo.
É na estrutura do texto que ocorrem as modificações necessárias para a
adequação a novas formas de linguagem para a perpetuação do conhecimento.
Esse processo, chamado de textualização, não se baseia no abandono completo da
oralidade, mas representa a situação de linguagem a qual está inserida. Por
exemplo, na estrutura de um hipertexto, é possível perceber a adequação à situação
de ambiente digital, o qual exige para si a tênue separação entre língua escrita e
língua oral. Diferentemente, um texto escrito em meio impresso, de teor formal, traz
em seu processo de textualização elementos específicos para tal situação. Mesmo
assim, não é possível dizer que há a negação da oralidade por completo, pois o
simples ato de pensar se assemelha a um “falar com a mente” – e isso se dá em
forma de texto.
A leitura está fundamentada na interação e na relação entre o sujeito, o texto
e o mundo, o que se estabelece a partir da materialidade linguística e da memória
enciclopédica do sujeito. Ativar conhecimentos é a ação de buscar, na memória, os
conhecimentos que envolvem a língua, o conhecimento de mundo e as práticas
sociais. Dessa forma, a memória passa a ocupar lugar de destaque na construção
do conhecimento (KOCH, 2005).
Para entendimento do que se pode chamar de construção de sentido, é
necessário observar as infinitas possibilidades dessa elaboração. Ou seja, não se
constrói o sentido definitivo de um texto, o que é construído é um sentido dentre os
vários possíveis. O sujeito ativa, nesse processo, sua compreensão acerca de sua
posição social, suas relações com o outro, os seus valores assimilados ao longo da
vida, as experiências pessoais, os conhecimentos oriundos de outros textos. Em
outras palavras, significa dizer que o processo de construção de sentido, quando
46
ativado no cérebro do sujeito, envolve o arcabouço sociocognitivo e cultural,
nitidamente demarcado pela localização espaço-temporal – ou seja, o sujeito situado
socialmente em determinado lugar e tempo.
Um mesmo texto pode comportar uma pluralidade infinita de significados, os
quais são direcionados pelas circunstâncias subjetivas que se apresentam para o
sujeito na ocasião em que ele se faz leitor e também pela materialidade linguística
revelada no texto, que pode, por sua vez, demandar maior ou menor ativação de
conhecimentos.
Ressalta-se, novamente, a participação ativa do sujeito na construção de
sentido do texto, pois sua contribuição (estratégia) sociocognitiva é que irá completar
o processo. Por meio das estratégias sociocognitivas, ocorre o processamento
textual que ativa os sistemas de conhecimento (KOCH, 2002) que todo ser humano
traz consigo: conhecimento linguístico, conhecimento enciclopédico, conhecimento
interacional.
O conhecimento linguístico pode ser traduzido como o conhecimento
gramatical e lexical. É a partir desse conhecimento que o sujeito que o sujeito
seleciona os recursos os quais são carregados de prestígio social em determinado
grau. O conjunto de palavras disponíveis na língua, assim como sua ortografia, a
adequação da pontuação, o emprego de recursos de referenciação etc. compõem as
opções de recursos linguísticos utilizadas pelo sujeito e que o caracterizam
enquanto leitor e definirão a trajetória do processo de construção de sentido.
O conhecimento enciclopédico, também chamado de conhecimento de
mundo, diz respeito à compreensão que parte de algo já vivenciado e situado além
das palavras e estruturas gramaticais. Ou seja, é o conhecimento acumulado pelo
sujeito referente às experiências pessoais em determinado tempo e determinado
espaço em sua história. O sujeito seleciona, no ato de ler, os conhecimentos
necessários e específicos que o auxiliam no entendimento do texto (KOCH e ELIAS,
2011).
O conhecimento interacional considera que “[...] nem tudo está dito no dito
ou, ainda, que nem tudo o que está dito é o que está dito.” (KOCH e ELIAS, 2011, p.
47). Isso evidencia o fato de que a elaboração de sentido envolve não apenas os
47
conhecimentos objetivos do autor do texto, mas também a escolha linguística
compatível àquela determinada circunstância na qual se apresenta, o gênero textual
e as informações que ao sujeito-autor serão úteis à assimilação e interpretação
mundo.
Esses conhecimentos – acumulados e organizados na memória do sujeito
por meio social e cultural – são os pilares da construção de um arcabouço de origem
sociocognitiva, em constante atualização, de experiências individuais para a criação
de modelos mentais. Isso significa dizer que o texto, enquanto construção com base
em conhecimentos e no princípio do compartilhamento, depende do contexto para
que haja a possibilidade de construção de sentido. Sem sentido não há texto e, para
a construção de sentido, precisa-se do contexto.
É por meio do contexto que os modelos mentais são elaborados e
colaboram para a construção de sentidos, e isso ocorre de forma social e interativa.
Os sentidos são sempre negociados. O que o sujeito diz e o que o outro entende
dependem do histórico interacional, ou seja, alguns aspectos que vão compondo a
memória são parte fundamental do contexto. Por isso as experiências podem
resultar diferentes interpretações.
O processo de construção de sentido demanda, por meio do sujeito que lê o
texto, observar a materialidade linguística, o gênero textual, o objetivo do que foi
escrito. Isso porque o texto é concebido como construção cujas partes envolvem
tanto conhecimentos linguísticos como conhecimento de mundo sob circunstância
de interação. Tudo isso é compartilhado. Como afirma Dascal (2006), quando se
compartilha conhecimento, em sua maior parte, compartilha-se o que já é
socioculturalmente conhecido e por isso não se faz necessário que haja explicações
sobre aquilo que se compartilha geralmente.
Na leitura do texto, o sujeito lança mão dos modelos mentais construídos a
partir de seu conhecimento de mundo compartilhado. E, embora a mente humana e
sua memória não possam ser totalmente compartilhadas, o necessário para uma
comunicação efetiva é o conjunto de informações que se compartilha.
Uma vez que o texto apresenta-se como um trabalho de múltiplos aspectos,
portanto, ressalta-se o quanto o contexto participa do processo de construção de
48
sentido. O contexto é, dessa forma, uma conexão entre os aspectos da língua, da
cultura, da sociedade e da cognição humana, é aquilo que se assimila do mundo,
filtrado e modelado pelas suposições pontuais do sujeito – dadas culturalmente sob
determinações sociais de recorte temporal de sua vida –, é um conjunto de
representações.
O contexto (DASCAL, 2006) condiciona as escolhas que o sujeito faz para
se relacionar com o outro. E, na leitura de um texto, no processo de construção de
sentido, é o contexto que atua na compreensão dos significados. Segundo Van Dijk
(2012, p. 11), “[...] os contextos não são um tipo de condição objetiva ou de causa
direta, mas antes constructos intersubjetivos concebidos passo a passo e
atualizados na interação pelos participantes enquanto membros de grupos de
comunidades.”.
Os modelos mentais formam o contexto, que, por sua vez, controla o que o
sujeito diz, suas formas de agir etc., sendo, assim, fundamental à ação cognitiva de
atribuir significados. E existe uma busca de adequação entre as escolhas subjetivas
das informações no contexto, ou seja, é necessário que o sujeito compreenda o que
é dito para formular o que é relevante.
Retomando noções já iniciadas nesta pesquisa, é preciso ressaltar o que diz
Koch (2008), quando menciona que a língua resulta da interação, ou seja, esse seu
aspecto social exerce função sine qua non para o efetivo exercício da linguagem.
Em sequência a esse raciocínio, o texto é entendido como construção a partir de
elementos linguísticos e extralinguísticos. A materialidade linguística é, dessa forma,
a parte visível de todo um implícito de conhecimento em circunstância de interação
entre sujeitos. Essa noção de compartilhamento é o princípio-chave deste estudo.
Em se tratando dessa materialidade do texto, o hipertexto apresenta
inovações – que vão desde a qualidade de visualização da tela, da página virtual,
até detalhes como quantidades de links, tamanho de fonte, cores, imagens em
movimento ou não etc. Os aspectos envolvidos nesse processo são de nível de
vocabulário, de norma utilizada, de emprego etc.
49
O texto, concebido com a noção de compartilhamento, retoma aspectos
bastante estudados na linguística, como, por exemplo, o princípio do dialogismo do
qual tratou Bakthin (1979).
A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal. (BAKHTIN, [1979]; 1992, p. 348)
E ainda:
Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra se apóia sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor. (BAKHTIN/ Voloshinov, [1929] 1992a, p. 113)
Há de se ressaltar, ao lado desse princípio dialógico, a importância do
contexto, o qual nasce exatamente dessa visão de que o texto é uma múltipla
construção. O contexto parte de modelos. Nesse caso, contexto não é uma
circunstância, nem uma situação, é um modelo mental formulado na interpretação
subjetiva dos participantes da situação social, ou seja, é um modelo que se dá na
interação e por meio dela. Esse elemento, resultado das relações intersubjetivas, é a
associação de aspectos da linguística, da cognição e da coletividade. É esse modelo
mental que controla o que o sujeito diz, a forma como ele escolhe suas ações,
reações etc.
Os contextos são modelos mentais. Teoricamente, os construtos subjetivos dos participantes serão explicados em termos de modelos mentais de um tipo especial, a saber, os modelos de contextos. Esses modelos representam as propriedades relevantes do entorno comunicativo na memória episódica (autobiográfica) e vão controlando passo a passo os processos da produção e compreensão do discurso [...]. (VAN DIJK, 2012, p. 34)
E ainda:
Os contextos são um tipo específico de modelo de experiência. Se os contextos são modelos mentais que representam situações comunicativas, eles são também um tipo especial dos modelos mentais que as pessoas constroem passo a passo das situações e
50
entornos de suas vidas diárias, modelos esses que podemos chamar ‘modelos da experiência’. (VAN DIJK, 2012, p. 35)
Em outras palavras, significa dizer que existe uma focalização relacionada à
relevância naquilo que o sujeito diz em seu texto a qual se origina e se desenvolve
no compartilhamento de informações, conhecimento de mundo etc., para a formação
do contexto – elemento originado nas relações intersubjetivas.
Para se entender melhor a noção de contexto, é preciso relacionar diferentes
ciências, visto que todo texto inclui um contexto composto por intenções, objetivos,
representações, funções e sentidos em seu fundamento.
Dessa forma, uma vez que o contexto é um tipo específico de modelo mental
subordinado à interpretação subjetiva do sujeito em situação de interação social, é
capaz de integrar a memória episódica (individual) e a memória social (coletiva).
Construído esquematicamente, o contexto apresenta categorias formadoras da
identidade do sujeito, o que o capacita à expressão de opiniões e sentimentos (VAN
DIJK, 2012). Daí se intuir o grau de importância que o contexto possui para a
coerência de um texto.
A concepção de contexto tem base sobre o estudo dos aspectos que
interferem no texto dos sujeitos, e isso a relaciona a diferentes áreas científicas,
sendo, dessa forma, inserida no âmbito multidisciplinar. Por isso não é possível
entender contexto sem avançar por outras áreas do conhecimento. Apenas há de se
atentar para o fato de que, em cada disciplina, o contexto pode apresentar algumas
ligeiras diferenças de abordagens e sentidos, como afirma Van Dijk (2012, p. 28),
que diz que “Na verdade, poder-se-ia dizer que contexto não é apenas um conceito
ou categoria estudado em muitas disciplinas, em cada uma das quais tem um
sentido e implicações levemente diferentes”.
O contexto é elemento fundamental para a coerência do discurso, pois
elenca aspectos de cunho pessoal, subjetivo, com algumas restrições objetivas, as
quais partem de modelos de experiência específicos, que, por sua vez, podem
resultar diferentes interpretações. Dessa forma, entende-se que, por meio do
contexto, os sentidos são negociados entre o que foi dito e o que foi entendido, e tal
negociação depende de um histórico interacional.
51
Não são sinônimos os tipos de modelos mentais e os tipos de contexto
embora se relacionem. Entende-se, dessa forma, que contexto é um tipo de modelo
mental. Isso quer dizer que não se trata do sinônimo de situação, mas de um tipo de
modelo mental que integra elementos de determinada situação social e cultura os
quais estão sujeitos à interpretação subjetiva de cada participante.
[...], os contextos não são um tipo de condição objetiva ou de causa direta, mas antes construtos (inter)subjetivos concebidos passo a passo e atualizados na interação pelos participantes enquanto membros de grupos e comunidades. Se os contextos fossem condições ou restrições sociais objetivas, todas as pessoas que estão na mesma situação social falariam do mesmo modo. [...] os contextos são construtos do participante. (VAN DIJK, 2012, p.11)
E mais:
Uma definição dos contextos em termos de modelos mentais não implica que precisemos reduzir as influências sociais a influências mentais, muito pelo contrário. Por meio dessa definição, descrevemos e explicamos, antes de mais nada, como certas estruturas sociais locais e globais conseguem influenciar o texto e a fala. (VAN DIJK, 2012, p. 43)
O contexto influencia a fala. E as pistas para a contextualização também
estão nos aspectos prosódicos como entonação e volume, mudança de turno, olhar,
posição do corpo, pois são elementos que também o compõem de forma específica
(VAN DIJK, 2012).
Já se disse, neste trabalho, que há estratégias cognitivas das quais o leitor
lança mão para esse processo. De fato, as estratégias são sociocognitivas por
abarcarem os conhecimentos linguístico, enciclopédico e interacional. Os
conhecimentos linguísticos partem de elementos da língua, quais sejam, os
aspectos gramaticais e de léxico como, por exemplo, a organização coerente de
frases com elementos de coesão, a escolha do léxico etc. O conhecimento de
mundo, aqui, mencionado como conhecimento enciclopédico, é essencial na
ativação do processo de construção de sentido, pois retoma, na memória, elementos
já conhecidos pelo leitor, os quais o situam na circunstância, no lugar, no tempo
específicos para decifrar o sentido do que foi dito.
A construção do sentido é a de que a compreensão de algum texto tem
início antes mesmo de ele ser elaborado ou de ser lido linearmente, ou não – no
caso do hipertexto, o qual não se submete à leitura linear. E mais: a compreensão
52
ocorre antes de se formular o texto mentalmente, de se formular a compreensão
linguisticamente (DASCAL, 2006). Em sequência ao que se pode abstrair neste
âmbito, verifica-se que o processo de construção de sentido está intimamente ligado
às relações que o sujeito realiza mentalmente entre o que está a se compreender e
o que já foi compreendido e está guardado na sua memória.
Nesse sentido, é interessante reafirmar que a importância do contexto
linguístico está no fato de ser um tipo de modelo mental que está sujeito à
interpretação subjetiva do sujeito na situação social, que integra cultura e
circunstâncias determinadas. Em outras palavras, significa dizer que esse conceito
parte dos aspectos que influenciam, direta e indiretamente, a construção de sentido
na formulação de ideias do sujeito. O contexto linguístico envolve aspectos
pessoais, subjetivos e, embora apresente restrições objetivas, exprime opiniões e
sentimentos, relaciona-se à memória individual e à coletiva, é formulado em
esquema de categorias, reflete intenções e, por isso, é marca de identidade na
formação do eu do sujeito. Van Dijk (2012) esclarece de forma direta sobre
contextos que são construtos subjetivos dos participantes, são experiências únicas,
são modelos mentais, são um tipo específico de modelo de experiência, possuem
modelos de forma esquemática, controlam a produção e compreensão do discurso,
possuem bases sociais, são dinâmicos e amplamente planejados.
Acrescenta-se o fato de que está voltado para finalidades sociais, nas
operações das mais simples às mais complexas e nas mais diversas situações,
sendo sempre uma atividade consciente, criativa e interacional. E o processamento
cognitivo de um texto parte dos três amplos sistemas de conhecimento já
mencionados neste estudo: o linguístico, o enciclopédico e o interacional (KOCH,
2007). Dessa forma, a compreensão de um texto depende de conhecimentos
comuns entre os interlocutores.
Há de se destacar, ainda, que o sujeito, no ato comunicativo, sempre espera
ser compreendido (DASCAL, 2006), ou seja, o sujeito tem a expectativa de que o
seu interlocutor compreenda suas representações, seus sentimentos etc. No ato
comum de comunicação, ocorre o que se chama de não transparência e isso é
causa e efeito da dependência da interação. Em outras palavras, significa dizer que:
1) a pessoa que comunica espera ser compreendida; 2) ela espera que o outro entre
53
em contato direto com seus sentimentos; 3) o destinatário tem “um certo dever” de
compreender o remetente; 4) o ato comunicativo não é transparente, somente o
seria se o ser humano tivesse a capacidade onisciente de entrar na mente do outro;
4) sua não transparência é padrão; 5) a compreensão tem início no processo de
interpretação que parte da resolução de um problema, qual seja: determinar
(descobrir) o valor de uma incógnita, isto é, a mensagem a ser decifrada e
compreendida; 7) a comunicação bem sucedida é medida pela capacidade de o
destinatário chegar à compreensão, à interpretação; 8) a compreensão é sempre
pragmática mesmo no mais simples ato comunicativo; 9) a interpretação ocorre
quando o receptor alcança a ideia (intenção) do emissor seu contexto de elocução
específico, ou seja, não é a simples compreensão do significado literal das palavras,
mas sim descobrir o motivo das escolhas delas; 10) diz-se que o significado é
transmitido diretamente quando é idêntico ao das regras semântico-pragmáticas de
linguagem, e é transmitido indiretamente quando difere do significado da elocução, o
que, nesse caso, faz com que a interpretação ocorra a partir de elementos
implícitos, inferências, analogias, sentido figurado, pistas contextuais etc.; 12)
compreender envolve o domínio das questões: “O que ele disse?”, “Sobre o quê?”,
“Por que disse?”, “De que maneira disse?”, e as respostas para essas questões
perpassam por aspectos fonológicos, sintáticos, semânticos, pragmáticos e de
interação, pois são também coletivos, são sociolinguísticos (DASCAL, 2006).
A compreensão, portanto, parte de um sistema de regras, estabelecido como
se fosse constituído por elementos algoritmos e elementos heurísticos, no qual cada
suposição é sempre compartilhada entre emissor e receptor. Dascal (2006) ainda
ressalta que o dever de compreender pode variar entre interlocutores, entre
contextos, na mesma interação ou em interação diversa, e há modalidades de
compreensão diversas em natureza e em função. Segundo o autor, o que se precisa
destacar é que o ato de compreender é um dever que pode: modificar o estado
mental de uma pessoa, conduzir a uma atitude, conduzir a uma tomada de atitude
ou não; compreender envolve, também, a expectativa (parte de um caráter dinâmico
desse processo), pois o que é esperado é que o outro seja capaz de entender além
do verbal, cuja habilidade se dá numa modalidade de com compreensão específica
e que se faz, muitas vezes, base para mal entendidos. Enfim, a forma ideal de
54
comunicação seria por meio da capacidade de se colocar dentro da mente do outro,
o que é impossível ao ser humano.
3.2 – Coerência no Hipertexto
As novas formas de interação são geradas a partir das transformações dos
modos de criação, transmissão e recepção textual nas múltiplas inovações
tecnológicas. A escrita hipertextual, por parte do leitor, demanda um vasto esforço
intelectual para organizar, escolher, relacionar e contextualizar informações. Isso em
contínua expansão. Por isso a construção da coerência no hipertexto não se
distancia da reflexão sobre a dupla função do sujeito leitor-escritor.
A coerência de um texto demanda algumas características como
inteligibilidade e interpretabilidade (KOCK; TRAVAGLIA, 2008), as quais são
esclarecidas da seguinte forma: a inteligibilidade é a condição de o texto ser
compreendido e a interpretabilidade é sua possibilidade de interpretações. Não
apenas os conhecimentos linguísticos são importantes na coerência, mas também o
conhecimento prévio do interlocutor, pois é principalmente no âmbito mais amplo do
texto que se manifesta a estruturação de sentidos (MARCUSCHI, 2012). Isso quer
dizer que a coerência se constrói para além dos elementos linguísticos, estando
ligada à interação e à interlocução de pessoas e de diversos textos.
Dessa forma, entende-se que a coerência em qualquer tipo de texto se
estabelece numa relação de sentido construída pelo produtor de escrita e pelo leitor
com base em lógicas preexistentes e compartilhadas. Seguem exemplos do texto
digital para se observar mais atentamente como isso acontece no ambiente em rede.
56
Retomando o texto fonte, há o seguinte título:
Homem tenta ser devorado por dois tigres na China
Numa visão global, o título do texto-fonte mantém relação com a matéria
jornalística e com os comentários dos internautas que formam uma sequência lógica
dentro do próprio texto que, ao mesmo tempo, depende de intenções comunicativas
e elementos extralinguísticos para produzir sentido. Por meio de relações
semânticas, sintáticas e pragmáticas, na superfície do texto, elementos de coesão
também colaboram para a unidade de sentido textual.
Seguem os comentários contidos sequência abaixo do texto-fonte:
Comentário 1
Stefanie B.:
Como não sei o que se passa na cabeça de alguém assim, prefiro não julgar. Só
desejo uma boa recuperação e boa sorte.
57
O conhecimento de mundo, as experiências, as convicções da internauta a
fazem associar o episódio ao fato de que não se deveria condená-lo por seu ato.
Além disso, o posiciona numa situação de vítima. Ela diz:
“[...] só desejo uma boa recuperação e boa sorte”.
Isso confirma o entendimento de que o personagem principal da história não
está saudável, o que retoma o trecho do texto-fonte em que diz que o chinês “tem
transtornos de saúde mental”. O desejo de “boa sorte” complementa o sentido de
que Stefanie B. entendeu que algo na vida do suicida não estava bem, que ele
precisaria vencer a adversidade pela qual havia passado.
Isso retoma também as noções de intertextualidade, a qual significa a
relação do texto em questão com diversos outros textos, complementando de forma
relevante a construção do sentido por parte do interlocutor.
A internauta possivelmente teria outra interpretação da história se não
soubesse o significado da expressão “transtornos de saúde mental” apresentada na
matéria. Mas ela ativou os links de memória e o conhecimento linguístico em seu
processo cognitivo para elaborar a compreensão do texto. E não apenas isso, nos
links de memória ativados, a internauta selecionou os modelos mentais, formadores
de sua identidade, carregados de intenção, os quais compõe o contexto, elemento
imprescindível para a coerência textual. O contexto, por sua vez, entendido como
construtos (inter)subjetivos modificados na interação dos participantes e que
representam as próprias situações comunicativas (VAN DJIK, 2012).
Isso mesmo pode ser exemplificado também no comentário apresentado na
figura 4 e suas respectivas respostas:
Comentário 2
Ronaldo:
O suicídio é uma doença que deve ser tratada e não banalizada com fraqueza do
ser humano.
58
O internauta Ronaldo, ao revelar sua opinião, elabora objetivamente uma
definição do que venha a ser o suicídio, partindo de noções subjetivas (seus
modelos de experiência), com base social:
“O suicídio é uma doença [...]”.
O comentário retoma o texto-fonte e busca na memória coletiva as noções
do que significa “doença”. Para além do plano semântico, ele representa um
conhecimento sociocultural compartilhado ao mesmo tempo em que constrói a
identidade do interlocutor (no caso, o internauta Ronaldo) por meio da escolha de
um posicionamento pessoal.
Isso se completa em relação aos outros posicionamentos apresentados
pelos demais participantes, pois o “eu” do Ronaldo se estrutura em oposição ao
mundo, ou seja, o “eu” existe em oposição ao “outro”. Para se compreender melhor
esse nível de análise, eis as respostas a esse comentário, que estão organizadas a
seguir:
R1
Fernando:
Tem toda a razão Ronaldo, só quem teve um caso de suicídio em sua família é que
sabe o que realmente é isso.
R2
Fernando:
Waldeck, tive uma prima e um tio que se suicidaram, minha prima pulou do 11º
andar do seu prédio, meu tio se enforcou. Ambos tiveram coragem sim de cometer
tal ato, mas também tiveram muita covardia para encarar seus problemas. Ambos
sempre se negaram a buscar ajuda psicológica.
R3
Waldeck Macêdo:
Um primo deu um tiro na cabeça. Ainda jovem, eu sei que devemos preservar a
vida, mas só quis dizer que tem que ter muita coragem ou perder o senso de
59
realidade para tal ato, as pessoas dizem que são covardes que se matam, eu não
acredito que sejam covardes, foi isso que quis dizer
R4
Todor:
Suicídio não é só “covardia”, mas na maioria dos casos é falta de tratamento para
desequilíbrio químico no cérebro.
As repostas R1, R2, R3 e R4 retomam o texto fonte, mantendo uma
sequência de sentidos e seus autores internautas interagem e dialogam sobre o
tema central, desenvolvendo temas paralelos. Ambas as respostas R1 e R2 (do
internauta Fernando) apresentam o tema sobre suicídio (são dirigidas ao comentário
do internauta Ronaldo), paralelamente ao caso específico abordado no texto fonte,
mas tratando do tema e introduzindo um modelo de situação num nível micro, em
que explica seu ponto de vista e relata casos particulares.
Nesses exemplos, a retomada do texto-fonte está assegurada pela presença
do tema global, suicídio, e pela retomada da ideia de suicídio como doença, pois o
autor diz:
“Ambos sempre se negaram a buscar ajuda psicológica”.
A escolha da expressão “ajuda psicológica” confirma, num nível macro e
para além do plano do texto, mas também vinculada à expressão usada no texto
fonte, a ideia de tratamento de doença psiquiátrica. Na matéria jornalística, a
tentativa de suicídio está associada ao fato de o chinês ser portador de transtornos
mentais. O texto-fonte traz: “O chinês, que está desempregado, tem transtornos de
saúde mental, segundo seu irmão.”.
E agora:
R3
Waldeck Macêdo:
Um primo deu um tiro na cabeça. Ainda jovem, eu sei que devemos preservar a
vida, mas só quis dizer que tem que ter muita coragem ou perder o senso de
60
realidade para tal ato, as pessoas dizem que são covardes que se matam, eu não
acredito que sejam covardes, foi isso que quis dizer
R4
Todor:
Suicídio não é só “covardia”, mas na maioria dos casos é falta de tratamento para
desequilíbrio químico no cérebro.
Na R3, o internauta Waldeck interage com o internauta Fernando,
esclarecendo seu ponto de vista (“foi isso que quis dizer”) e mantendo o tema global
do texto fonte. Deve-se destacar a expressão usada por ele, “as pessoas dizem que
[...]”, pois revela claramente a base social em que a compreensão está construída.
Na R4, Todor, que não apresenta definição de gênero em seu nickname,
mantém o tema global (texto fonte) e se posiciona em relação ao que foi dito pelo
internauta Waldeck, concordando:
“Suicídio não é só ‘covardia’ [...]”
Em seguida, acrescenta seu ponto de vista que retoma o texto-fonte ao
associar a causa do suicídio a um desequilíbrio orgânico, ou seja, algo que
necessita de tratamento medicinal:
“[...], mas na maioria dos casos é falta de tratamento para desequilíbrio químico no
cérebro.”
Enfim, isso exemplifica, no plano da coerência, que os modelos de contexto
aqui apresentados confirmam o seguinte: os internautas que escrevem seus textos
na página digital assumem que sabem o que foi dito antes no texto-fonte e nos
textos dos postados pelos demais internautas; cada leitor (tanto o próprio
participante dos comentários postados, como o simples leitor que não escreveu na
página digital) não sabe do conhecimento pessoal do outro (seja ele quem for); o
conhecimento é compartilhado à medida que os leitores possuem o nível de
conhecimento sociocultural compatível entre eles e em relação aos autores (autor do
texto-fonte e autores que postaram seus comentários).
61
A questão da coerência envolve o problema de o sujeito compreender ou
não compreender o texto. Muitas vezes, parece ao senso comum que isso se torna
mais evidente em situações que envolvem uma língua estrangeira. No entanto,
mesmo em língua materna os problemas relacionados à compreensão surgem, pois
a condição para que esse fenômeno ocorra parte da interação linguística (HILGERT,
2005).
Nesses exemplos, é possível perceber a frequência com que o hipertexto
está presente no cotidiano das pessoas e, por isso, leva a pensar a relação entre
essa nova forma de escrita, de leitura e a forma de construção da coerência. A ideia
de que a escrita virtual seja inovadora, não nega a cultura que a antecedeu, pois
essa “nova escrita” é, na verdade, a representação da mesma cultura vigente na
sociedade, mas por meio de novos suportes.
O que há, por conta disso, é o surgimento de novas estratégias de interação,
porém, com a utilização de antigos processos cognitivos do sujeito. Afinal, antes de
os modelos digitais existirem, o cérebro humano já usufruía de tais processos,
utilizando seus links na memória. É preciso lembrar, também, que a maneira de o
sujeito lidar com a escrita digital parte de sua capacidade intelectual inata, ou seja, a
mente humana já nasce preparada para as habilidades exigidas pelo ambiente
virtual.
No texto virtual, assim como em todos os tipos de textos, a ação do sujeito é
imprescindível na construção da coerência, exercendo, dessa forma, papel de
coautor. Por isso observa-se que a compreensão se desenvolve de forma coletiva e
depende, assim, das intenções e dos modelos mentais de cada participante. O
hipertexto só estará formado (e o adjetivo “formado”, aqui, não deve ser sinônimo de
finalizado) com a colaboração do internauta que acrescenta sua opinião por meio da
escrita, interagindo para a construção de sentido para si e para os demais
internautas. Entende-se que, em qualquer tipo de texto, inclusive no texto virtual, o
discurso é influenciado pela maneira como os participantes definem a situação
social. Mas isso não significa que o hipertexto se assemelhe em tudo a qualquer
outro tipo de texto. Isso garante a percepção de que o hipertexto é texto.
A compreensão na leitura do hipertexto é influenciada pela relação com o
contexto, o que pode revelar detalhes sobre os hábitos do sujeito e sua relação
62
com o mundo. É por isso que se enfatiza que estratégias cognitivas,
sociointeracionais, textuais e, ainda, a questão da contextualização na fala e na
escrita são aspectos que precisam ser amplamente pesquisados no âmbito virtual e
levados para sala de aula, inclusive, em forma de novos subsídios para o trabalho
com a Língua Portuguesa.
A escrita como objeto próprio do sujeito de apropriar-se do patrimônio
humano é o que a leva a ser produzida. Ele escreve e ele lê para manter relação
com o mundo que o cerca. Hoje, é por meio do hipertexto que a escrita faz o sujeito
se sentir atualizado, incluído a uma sociedade que, a cada dia, torna-se mais imersa
no mundo virtual.
63
CAPÍTULO 4 – METODOLOGIA
4.1 – A origem da ideia
No ano de 2008, a autora deste trabalho deu início à pesquisa de Mestrado
em Educação O sentido da escrita para alunos de escolas brasileiras e francesas,
no Núcleo de Pós-Graduação em Educação, na Universidade Federal de Sergipe.
Tal pesquisa teve como alguns de seus pontos de origem o contato com a obra
Savoirs Quotidiens et Savoirs Scientifiques: l’éleve entre deux mondes , de autoria
da Professora Doutora Veleida Anahí da Silva, e o estudo da Teoria da Relação
com o Saber (CHARLOT, 2000, 2005). E, em 2010, na conclusão da pesquisa, os
resultados enfatizaram que havia, já na época, uma nítida separação entre o que se
escreve na escola e o que se escreve no cotidiano. A partir dessa descoberta,
surgiram novos questionamentos.
Nos resultados dessa pesquisa (SANTOS, 2010), os dados apontaram que
as atividades de escrita na escola, embora não destituídas de importância para os
alunos, não despertavam tanto interesse, e estavam voltadas para as lógicas
institucionalizadas. A escrita, nesse âmbito, estava relacionada à lição escolar,
dever, redação, assunto da prova, para passar de ano, para tirar boa nota etc. Além
disso, as atividades de escrita que correspondiam à lógica da escola preservavam
seu sentido oculto de que “só é inteligente”, só detém o saber quem se relaciona
eficazmente com elas. Ser bem-sucedido na escola passava pela obrigação de ser
não exatamente um produtor de escrita, copista das lições, um cumpridor de tarefas.
Isso é definido pela cultura através das formas de assimilação e transmissão. E não
apenas isso, ficou comprovado na pesquisa que os alunos, tanto brasileiros, quanto
franceses, escreviam bastante, para a escola, mas escreviam por prazer para fora
dela. As atividades escritas ligadas à escola denotavam, segundo os resultados,
obrigação não relacionada ao prazer, já as atividades escritas ligadas ao cotidiano
não escolar denotavam, em sua maioria, prazer. Eles escreviam, para a escola e na
escola, porque acreditam precisar, mas gostavam de escrever fora da escola,
principalmente em ambiente virtual. Eis o dado que, mesmo após a conclusão da
pesquisa, manteve a posição de questionamento.
Assim, a partir dos resultados dessa pesquisa, despertou-se para
questionamentos do tipo: “Que tipo de escrita, que tipo de texto seriam esses das
64
preferências dos alunos e o que havia de diferente neles para atraí-los tanto?”; ou
“Como se dava a compreensão deles na leitura e na escrita de textos nesse novo
suporte?”. O suporte em questão é o ambiente virtual, o novo tipo de texto é o
hipertexto, pois, como se afirmou no início deste trabalho, hoje, cada nova geração
surge mais voltada para a comunicação digital do que a geração anterior.
A língua escrita nos meios virtuais de comunicação é parte do cotidiano das
pessoas a tal ponto que chega a influenciar sua rotina diretamente. Os jovens que
formam as novas gerações são os chamados nativos digitais, os quais utilizam com
desenvoltura as tecnologias digitais por conviverem desde muito cedo com tais
inovações (PRENSKY, 2001) e cujas formas de lidar com a língua e de construir o
conhecimento já diferem dos não nativos digitais. É preciso destacar que esses
jovens escrevem muito, escrevem o tempo todo por meio das tecnologias digitais, o
que reforça a ideia de que a escrita, mais do que nunca, deve continuar a ser
estudada e compreendida, e, mais do que isso, deve-se pensar sobre quais
mudanças envolvem a escrita no contexto digital.
Devido às suas diversas formas de comunicar, os ambientes digitais
adquirem enorme relevância e, ainda que sua tecnologia esteja em constante
evolução, já alcança uma posição de destaque, com autonomia e
interdisciplinaridade, a qual gera, inclusive, propostas para um estudo linguístico
específico, a Linguística da Internet (CRYSTAL, 2013). Isso mostra o quanto é
presente a necessidade de a escola se adaptar a esse novo contexto e levanta
questões sobre o tema. Pode-se pensar sobre quais desafios aguardam o ensino da
escrita no cenário atual em que a conquista do saber se alia às novas tecnologias de
comunicação.
Dessa forma, a autora deste trabalho sentiu-se no dever de avançar nos
estudos, partindo, assim, da questão central:
Como se dá o processo de construção de sentidos no texto digital, mais
especificamente no hipertexto?
E as questões norteadoras:
1) Como se dá a compreensão (não compreensão) em textos de portais
digitais de notícias?
65
2) O sujeito reconhece o hipertexto como texto?
3) Há evidências dessa percepção da textualidade em ambiente virtual e, em
específico, em textos de portais digitais de notícias?
4) Existem peculiaridades na construção de sentido em hipertexto –
demonstradas em textos de portais digitais de notícias – que a difere da construção
de sentido em um texto impresso de leitura linear?
4.2 – A pesquisa
A partir de 2013, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua
Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no início desta
pesquisa, houve um preparo teórico desenvolvido nas seguintes disciplinas
cursadas: A Variação Linguística no Português do Brasil; Tópicos de Linguística
Textual: Leitura e Escrita; Texto e Escrita; Leitura, Argumentação e Persuasão;
Seminário sobre Obras Fundamentais da Literatura Linguística I; Seminário sobre
Obras Fundamentais da Literatura Linguística II. Essas disciplinas foram cursadas
no ano de 2013 e a disciplina Seminário sobre Oralidade e Interação foi cursada em
2014.
De acordo com o cronograma do projeto de pesquisa, no segundo semestre
de 2013, houve a realização de pesquisa bibliográfica e leituras e elaboração de
resenhas da bibliografia levantada. Foi possível iniciar a elaboração da primeira
versão de um capítulo da fundamentação teórica da tese a partir dos estudos
realizados e iniciar a composição do corpus da pesquisa. Nos encontros de
orientação, houve acompanhamento em pesquisa bibliográfica e sugestões de
leituras, bem como esclarecimento de dúvidas relacionadas ao projeto. A vasta
bibliografia selecionada foi lida e estudada para embasar o desenvolvimento do
projeto.
Em 2014, houve, além da pesquisa bibliográfica, leituras e elaboração de
resenhas de obras relacionadas à pesquisa, bem como encontros e orientação para
discussão das atividades desenvolvidas. Foi possível também realizar a coleta de
corpus de pesquisa e dar continuação à elaboração do capítulo teórico da tese. Foi
produzido o artigo Escrita e Coerência em Textos Digitais para publicação e
participação no 15º Congresso Brasileiro de Língua Portuguesa/6º Congresso
66
Internacional de Lusofonia - IP/PUC-SP, com apresentação do trabalho Texto,
Contexto e a Produção de Sentido em Portal de Notícias na Internet.
No primeiro semestre de 2015, além da revisão da bibliografia realizada, foi
concluído o primeiro capítulo teórico da tese e houve continuidade do capítulo sobre
o corpus relacionado à pesquisa, e ocorreram encontros com o orientador para
discussão das atividades desenvolvidas e orientação do trabalho. Foi possível
produzir o artigo Leitura e Escrita em Ambiente Virtual para publicação.
Em 2016, no primeiro semestre, foi produzido o artigo Leitura na internet: o
fundamento interativo do hipertexto para posterior publicação. E foi possível elaborar
o Sumário da tese, embasado no roteiro de trabalho previamente definido, o qual
conta com cinco capítulos, além da Introdução, da Conclusão e das Referências,
conforme a sequência: Capítulo 1 – Leitura no Meio Virtual; Capítulo 2 – Hipertexto e
Ensino de Língua Portuguesa; Capítulo 3 – Considerações Teóricas sobre
Construção de Sentido; Capítulo 4 – Metodologia; Capítulo 5 – Análise. E, no
segundo semestre, trabalhou-se em direção à conclusão da pesquisa.
A bibliografia sugerida na pesquisa foi constantemente consultada para
sustentar cada capítulo da tese e retomada a depender da necessidade no
desenvolvimento dos capítulos.
4.3 – A composição do corpus e a proposta do estudo
Novas formas de tecnologia têm alavancado transformações sociais,
inclusive no âmbito da educação. Hoje, é por meio da internet que ocorrem as
principais mudanças nas relações humanas. E, em se tratando de fenômenos
humanos, é preciso destacar o valor relevante da interação dentro desse contexto
social. Isso porque a internet acentua o aspecto coletivo da construção do
conhecimento, pois todo o saber nesse âmbito requer compartilhamento.
Ao lado disso, observa-se uma necessidade de aprimorar os métodos de
pesquisa, ou, até mesmo desenvolver novos, que sejam também capazes de
67
abarcar essa transposição entre o mundo face a face físico presencial e o mundo
virtual. Afinal, há diferenças consideráveis entre, por exemplo, uma interação física
face a face entre as pessoas e uma interação mediada pelo sistema virtual.
Uma vez que este trabalho tem o objetivo de estudar texto digital e seu
processo de construção de sentidos formulado pelos interlocutores em portais
digitais de notícias, faz-se necessária a composição de um corpus de pesquisa para
análise e defesa da tese em questão. Em outras palavras, significa dizer que esta é
uma pesquisa com base em análise de corpus e, por assim dizer, o empiricismo é o
que representa a maneira de se desenvolver tal estudo, o qual parte da observação
das experiências e não apenas da investigação no âmbito bibliográfico.
O empiricismo se baseia na capacidade dos observadores concordarem a respeito de uma representação de suas experiências, ou seja, de suas percepções de mundo. Mesmo quando não existem múltiplos observadores, o empiricismo requer que se assuma que alguém outro, em nosso lugar, faria os mesmo tipos de observação e as representaria de forma semelhante. (HALAVAIS, 2013, p. 11)
Por conseguinte, este estudo busca, em primeiro lugar, observar na
interação dos internautas alguns elementos que colaboram para a construção de
sentido. E isso não é uma tarefa simples. Subentende-se que esse processo de
interação, por ocorrer em ambiente on-line, esteja enriquecido com aspectos da
virtualidade, apesar de que cada vez menos se possa separar o mundo virtual do
mundo real. Se a coerência, em produção textual, se estabelece numa relação de
sentido construída pelo produtor e pelo leitor com base em modelos preexistentes e
compartilhados, em textos da internet isso não é diferente. Porém, como a internet
constitui um espaço para a interação num alcance amplo e sem medida e, por isso
mesmo, apresenta maior complexidade de análise, tal estudo requer do pesquisador
a habilidade de desenvolver nova maneira de observar o fenômeno, adaptando seus
métodos. Alexander Halavais, vice-presidente da Association of Internet
Researchers (AoIR), diz ainda o seguinte:
A internet constitui uma representação de nossas práticas sociais e demanda novas formas de observação, que requerem que os cientistas sociais voltem a fabricar suas próprias lentes, procurando instrumentos e métodos que viabilizem novas maneiras de enxergar. (HALAVAIS, 2013, p. 13).
Esta pesquisa não é, como se sabe, uma pesquisa sociológica, mas é uma
pesquisa de abordagem sociocognitiva interacional, em que não é possível ignorar
68
os aspectos sociais. O corpus, composto de textos autênticos, constituído de
material da internet, disponibiliza on-line esses aspectos relevantes com facilidade
de acesso nunca antes prevista. Se, por um lado, a pesquisa sobre textos da
internet apresenta uma enorme complexidade, por outro, concede ao pesquisador
uma riqueza imprevisível, pois em nível superlativo é como se pode verificar a
interação no ambiente em rede. Além disso, os estudos de objetos originados da
internet, por si mesmos, encontram-se em constante mudança e demandam o
campo da multidisciplinaridade. Afinal, a internet não pode ser pensada de forma
isolada, tampouco o corpus de pesquisa, que dela se extrai, pode ser analisado sob
uma ótica reducionista. O cuidado, no entanto, que se deve ter, em nível micro ou
macro, na observação do objeto selecionado é que não se permita que o
instrumento utilizado, pela riqueza de informações, direcione sozinho a pesquisa.
O corpus selecionado partiu de um planejamento que considerou as
estratégias usadas pelos internautas no ambiente para processo de construção de
sentido que, por sua vez, apresentam-se nos textos por eles produzidos. Assim,
foram selecionadas páginas digitais do portal de notícias Yahoo! Brasil, das quais se
buscou coletar os comentários dos interlocutores postados em relação a cada
matéria noticiada (texto fonte) em duas etapas, no período de dezembro de 2013 até
fevereiro de 2014, e no período de maio a agosto de 2014. É, dessa forma, uma
pesquisa de método de análise documental.
A motivação para coleta desse material no específico portal de notícias
partiu de suas próprias características: cada matéria acompanha espaço para que
os internautas postem suas opiniões abaixo do texto principal. Há, para eles, a
possibilidade de interação com os demais participantes que postam comentários, o
que resulta em, inclusive, discussões e equívocos de compreensão em relação à
matéria em destaque, ou ao comentário de outro participante. Esse dinamismo nas
trocas de opiniões desperta curiosidade de quem lê tanto quanto a matéria
jornalística postada pode despertar pela riqueza de detalhes linguísticos.
A escolha do corpus se deve, desse modo, pela diversificada e nem sempre
previsível elaboração de sentido na participação dos internautas que, ao lerem a
matéria, interagem opinando. Esses participantes abrem mão da necessidade de
desatenção civil da qual estão tão habituados em ambientes públicos presenciais
69
físicos. No ambiente virtual, que também é público, o participante expõe suas ideias
e revela, assim, pontos de vista que se distanciam, às vezes, ou se aproximam da
matéria jornalística que abre a página. Isso retoma a noção de um gênero textual
específico, a saber, o gênero opinativo, o qual se insere entre os gêneros
jornalísticos e que, neste caso de ambiente em rede, é formado pelo conjunto do
texto-fonte mais os comentários dos internautas. E retoma também os aspectos
relacionados aos fatores sociais indissociáveis do objeto de estudo. Melo (2003)
explicita que os textos jornalísticos de opinião se distinguem pela autoria, que
exprime o ponto de vista particular, e pela perspectiva de tempo e espaço, a qual dá
nexo à opinião do autor. Ele também menciona o comentário como um gênero
recente no jornalismo brasileiro, o qual acompanha a própria notícia. No corpus
selecionado para este estudo, os comentários não se apresentam na própria notícia,
mas na sequência dela, compondo, assim, o formato de página virtual, configurada
com seus hiperlinks.
A opinião, como ponto de vista, não se compromete necessariamente com a
informação, mas inserida no texto jornalístico origina uma fonte de informação, de
relatos de fatos, articulada a um posicionamento, do autor, que envolve interesses,
juízos de valor e persuasão. Melo (2003) esclarece que o posicionamento político e
a habilidade do jornalista, quando associados, criam essa fusão entre a opinião e o
jornalismo. No âmbito do corpus desta pesquisa, o texto a ser analisado é composto
pela matéria jornalística propriamente dita (o texto fonte), seguida pelos comentários
dos internautas que opinam sobre a matéria ou não. É um texto que comporta as
características do texto jornalístico mencionadas por Melo (2003): atualidade,
difusão, periodicidade e universalidade. Nesse caso, a opinião não está no texto
redigido pelo jornalista, mas nos comentários dos internautas. Eis, então, uma das
peculiaridades do corpus desta pesquisa, o qual se localiza no campo do espaço
virtual.
Assim, cada processo jornalístico tem suas particularidades, variando de
acordo com a estrutura sociocultural em que está inserida, com a disponibilidade de
canais de difusão coletiva e com o perfil do ambiente político-econômico em que se
baseia a coletividade (MELO, 2003).
70
Deve-se atentar para o fato de que o portal de notícias, embora seja uma
versão brasileira (br.yahoo.com) do site norte-americano (www.yahoo.com), divulga
notícias do mundo todo extraídas de reconhecidos veículos de comunicação dos
países de maiores destaques. Sobre o histórico do site, de acordo com algumas
informações divulgadas na Wikipedia:
A Yahoo! começou como um hobby de estudantes e evoluiu para uma marca global que tem mudado a maneira como as pessoas se comunicam uns com os outros, encontram e acessam informações e compram coisas. Os dois fundadores do Yahoo!, David Filo e Jerry Yang, candidatos a Ph.D. em Engenharia Elétrica da Universidade de Stanford, começaram o que inicialmente era uma espécie de guia para informações espalhadas na recente web em um trailer no campus em fevereiro de 1994 como uma forma de manter o controle de seus interesses pessoais na Internet. Em pouco tempo eles estavam gastando mais tempo em suas listas caseiras de links favoritos do que em suas teses de doutorado. Eventualmente, quando as listas de Jerry e David tornaram-se muito longas e complicadas eles resolveram dividi-la em categorias. Quando as categorias tornaram-se muito cheias, eles separaram em subcategorias [...] e então a ideia central por trás Yahoo! nasceu.
Yahoo! primeiramente foi hospedado na estação de trabalho de Yang , "Akebono", enquanto o software foi alojado no computador de Filo, "Konishiki" - ambos nomes de lendários lutadores de sumô.
Jerry e David logo descobriram que não estavam sozinhos em querer um único lugar para encontrar sites úteis. Em pouco tempo, centenas de pessoas estavam acessando seu guia bem além do trailer de Stanford. A notícia se espalhou de amigos para o que rapidamente se tornou um público significativo e leal em toda a comunidade da Internet. Yahoo! celebrou o seu primeiro um milhão de acessos no outono de 1994, com quase 100 mil visitantes únicos.
Devido à grande quantidade de tráfego e a entusiástica recepção que Yahoo! estava recebendo, os fundadores sabiam que tinham um negócio em potencial em suas mãos. Em março de 1995, a dupla incorporou o negócio e se reuniu com dezenas de capitalistas de risco do Vale do Silício. Eles eventualmente se depararam com a Sequoia Capital, uma empresa bem conceituada, cujos maiores investimentos de sucesso incluem Apple Computer, Atari, Oracle e Cisco Systems. Eles concordaram em financiar Yahoo! em abril de 1995 com um investimento inicial de quase US $ 2 milhões.
Percebendo o potencial que a nova empresa tinha para crescer rapidamente, Jerry e David começaram a contratar uma equipa de gestão. Eles contrataram Tim Koogle, um veterano da Motorola e um ex-aluno do departamento de engenharia de Stanford, como diretor executivo, e Jeffrey Mallett, fundador da divisão da Novell WordPerfect, como diretor operacional. Eles conseguiram uma segunda rodada de financiamento no segundo semestre de 1995 de investidores da Reuters Ltd. e Softbank. Yahoo! lançou IPO
71
altamente bem-sucedido em abril de 1996 com um total de 49 funcionários.
Hoje, o Yahoo! Inc. é uma empresa líder de comunicações globais via internet, comércio e empresa de mídia que oferece uma rede global de marcas de serviços para mais de 345 milhões de pessoas por mês em todo o mundo. Como o primeiro guia online de navegação na Web, www.yahoo.com é um dos principais guias principalmente em termos de tráfego, oferecendo serviços como o portal que hospeda uma vasta quantidade de conteúdo de áudio e vídeo em streaming, hospedagem de lojas virtuais e serviços de gestão, além de ferramentas de sites e serviços. A rede da empresa Web global inclui 25 propriedades mundiais. Com sede em Sunnyvale, Califórnia, o Yahoo! tem escritórios na Europa, Ásia, América Latina, Austrália, Canadá e Estados Unidos. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Yahoo!)
O corpus assim constituído – 23 matérias jornalísticas extraídas das páginas
digitais do portal de notícias Yahoo! Brasil, com o total de 1543 comentários
elaborados pelos internautas – colabora para a análise do processo de
compreensão (não compreensão) de sentido desses interlocutores em ambiente
virtual. Além disso, há chance de se identificar as pistas de contextualização nesses
textos-comentários e sua relação com o processo de construção de sentidos. Desse
total, foram eleitos alguns dos textos que de maior representatividade do fenômeno,
visto ser esta uma pesquisa qualitativa.
Para descrever de forma mais específica a unidade constituinte do corpus, a
saber, a página virtual do portal de notícias escolhido, pode-se dizer que: traz
notícias atualizadas do Brasil e do mundo que foram divulgadas em outros meios de
comunicação; tem o título da matéria jornalística em destaque; apresenta,
geralmente, uma foto ou imagem relacionada à matéria; abaixo, ao fim da notícia,
abre espaço para participação dos internautas sem limite de participantes, mas com
o limite de caracteres. Cada participante pode postar publicamente seu comentário
sobre a notícia, bem como interagir com outros participantes. Nesses pequenos
comentários, os internautas podem se identificar com nomes verdadeiros ou
apelidos, conforme escolha, e um avatar, imagem ou ícone que complementa sua
identidade.
Optou-se pelo Print Screen como recurso para captura da página digital com
todos os detalhes que a compõe como, por exemplo, figuras, fotos etc.
72
Os textos foram todos selecionados dentre os que figuravam como mais
lidos. O portal, como poderá ser visto logo a seguir, destaca no lado esquerdo da
página a lista com as notícias mais populares e que, consequentemente,
apresentam maior número de comentários de internautas.
As matérias dos textos coletados na primeira fase apresentam os seguintes
títulos: Acusado de matar cinegrafista admite ter acendido rojão; Cinegrafista agride
manifestante em frente à delegacia no Rio de Janeiro; CNT-MDA: Dilma tem 43% de
intenções de voto no 1º turno; ‘Estou mais sexy’, diz mulher que deixou sua barba
crescer; Governo diz que 24 cubanos já deixaram o Mais Médicos; Homem tenta ser
devorado por dois tigres na China; Idosa descobre que carrega feto de 44 anos em
seu abdômen; Menino refugiado sírio de 4 anos é encontrado vagando pelo deserto;
Morre cinegrafista atingido por rojão em protesto no Rio; Professora vira alvo de
polêmica após foto no Facebook; Professora é afastada da PUC-Rio por ironizar
passageiro; Sucesso de tratamento com maconha anima família de criança nos
EUA. As matérias dos textos coletados na segunda fase apresentam os títulos que
seguem: Por vestido curto, garota é expulsa de formatura nos EUA; 8 hábitos que
podem te ajudar a ficar rico mesmo com um salário baixo; Maior e mais assustador,
Godzila está de volta; Sudanesa grávida é condenada à morte por se converter ao
cristianismo; Infração no Facebook: você nunca viu uma multa dar tanta confusão;
Após saques e 234 detenções, greve da PM termina em Recife; Descobertos na
Argentina fósseis de dino de 40 metros e 100 toneladas; Virada Cultural em SP tem
duas pessoas baleadas e 100 detidas; Viaduto em construção desaba e deixa ao
menos dois mortos em Belo Horizonte; Dilma tem 38%, Aécio 20% e Campos 9%,
no Datafolha; “Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor”, diz Dilma a evangélicos. São
8 matérias com notícias de outros países e 15 matérias com notícias nacionais, das
quais seus autores não são identificados, mas há a descrição da fonte jornalística de
origem nacional ou internacional.
Na Descrição de Serviços do Yahoo! Brasil, é possível compreender um
pouco mais de seu funcionamento:
O Yahoo Brasil fornece ao Usuário acesso a uma grande variedade de recursos online, incluindo várias ferramentas de comunicação, programação, fóruns de debate online, serviços de comércio eletrônico e conteúdo personalizável que são acessíveis por vários meios hoje disponíveis e, eventualmente, a serem desenvolvidos
73
("Serviço(s)"). O Usuário entende e concorda que os Serviços poderão conter anúncios, publicidade e/ou propagandas, a critério do Yahoo Brasil. O Usuário também entende e concorda que o Serviço poderá incluir comunicações do Yahoo Brasil, tais como anúncios de serviço, mensagens administrativas e a Yahoo Brasil Newsletter, sendo tais comunicações condição de utilização dos Serviços. O Usuário não poderá se recusar a receber referidas comunicações. Salvo se estabelecido de forma diversa, qualquer novo recurso que aumente ou aprimore os Serviços atualmente disponibilizados, incluindo novos lançamentos no Yahoo Brasil, estará automaticamente sujeito aos Termos de Serviço. O Usuário está ciente e concorda que o Serviço é fornecido na forma como está disponibilizado e que o Yahoo Brasil não é responsável por exclusão, não entrega ou não arquivamento de qualquer comunicação do Usuário ou estabelecimento de suas opções de personalização. De forma a bem utilizar o Serviço, o Usuário deve obter, por si, acesso à "World Wide Web", seja diretamente ou através de dispositivos que possam disponibilizar o conteúdo existente na Web, pagando os valores cobrados por seu provedor de acesso, se este for o caso, e providenciando todo o equipamento necessário para efetuar sua conexão à World Wide Web, incluindo computador, modem ou outro dispositivo de acesso. Atente que certas áreas do Serviço contêm conteúdo dirigido a um público adulto. O Usuário precisará ter pelo menos 18 anos para acessar tais áreas.
(https://info.yahoo.com/legal/br/yahoo/utos/utos-173.html)
Os exemplos que seguem esclarecem a descrição do formato de textos que
compõem o corpus desta pesquisa. No primeiro exemplo, a figura A apresenta uma
seta que indica: o título da notícia em destaque, a fonte (ou agência) da notícia, a
foto que se relaciona com o texto e, à direita, a indicação de onde foram
selecionadas as notícias mais lidas e com maior número de comentários no portal. A
figura B apresenta a matéria jornalística, acompanhada nas laterais e entre seus
parágrafos, de links de acesso a outros textos. A figura C dá destaque para os
comentários dos internautas, as setas mostram onde há indicação do número de
comentários do texto, o nickname do internauta ao lado de seu avatar, o comentário
do internauta, um pequeno ícone à direita que indica quem apreciou ou não o
comentário e a resposta ao comentário formulada por outro internauta.
76
Figura C
No segundo exemplo, as figuras confirmam os detalhes mencionados,
revelando que o portal mantém o padrão do formato a ser exibido:
Exemplo 2
Figura 3
77
A matéria que abre a página menciona um incidente ocorrido na China: um
homem entrou em uma jaula de tigres para ser devorado. No título da matéria, está
anunciado o local onde ocorreu o fato e, abaixo, a foto que registrou o momento. As
letras do título provocam, pelo tamanho da fonte usada e as cores, o destaque
necessário para que se possa perceber que se trata do anúncio do tema. Abaixo do
título, há uma logomarca que indica ser uma notícia veiculada numa agência
internacional. Na lateral, à direita, encontram-se, em letras menores, algumas
conexões de acesso a outras notícias e a um anúncio publicitário, para as quais se
pode seguir, escolhendo, assim, o caminho de leitura entre as notícias mais
populares e os blogs.
Figura 4
78
Na figura 4, acima, percebe-se uma organização em termos de linhas e
parágrafos que nos conduz ao texto. Permanecem na página os links que dão
acesso a outras informações, que se localizam à direita do texto e em seu intervalo
de parágrafos. Tais links recebem destaque pela variedade de cores, formas e
logotipos, que chamam a atenção do internauta para a escolha de caminhos de
leitura. Essa coexistência de possibilidades de sequência textual confere ao
hipertexto múltiplas conexões.
79
Figura 5
Na figura 5, pode-se notar que há espaço para participação de internautas,
os quais podem se identificar com seus próprios nomes e fotos, ou podem optar pelo
uso de figuras gráficas digitais que os representem (avatar), apelidos (nicknames),
preservando sua verdadeira identidade.
No portal de notícias, a ordem de postagem dos comentários se dá de baixo
para cima, ou seja, os comentários que foram publicados primeiro ficam abaixo dos
que foram publicados por último. Interessante notar que não há indicação desse
funcionamento na página digital e o leitor apreende esse mecanismo no próprio uso
ou com a compreensão que elabora a partir da leitura dos comentários.
Numa visão global, o título mantém relação com a matéria jornalística e com
os comentários dos internautas que formam uma sequência lógica dentro do próprio
texto que, ao mesmo tempo, depende de intenções comunicativas e elementos
extralinguísticos para produzir sentido.
80
Partindo-se da ideia de que existem peculiaridades na construção de
sentidos no hipertexto que o tornam diferente de um texto de leitura linear, ou um
texto impresso, a proposta deste estudo busca, especificamente, observar por meio
da interação que ocorre entre os internautas como eles se manifestam na
elaboração de seus comentários sobre o texto-fonte (a matéria jornalística) e os
comentários dos demais participantes. Em outras palavras, pretende-se investigar
como se dá a coerência, para analisá-la por meio dos modelos de contextos que se
apresentam no ambiente em questão. Também são verificados aspectos do
conhecimento compartilhado à medida que os leitores possuem o nível de
conhecimento sociocultural compatível ou não entre eles e em relação aos autores
(autor do texto-fonte e autores que postaram seus comentários), pois são elementos
fundamentais na formação dos modelos de contextos e, consequentemente, da
construção de sentido. Mas é importante lembrar que, nesse processo, a coerência
se constrói para além dos elementos linguísticos, estando sempre ligada, dessa
forma, à interação.
Para aplicação da análise, desta pesquisa de método documental, os
procedimentos adotados partem de apresentação e descrição da página digital
selecionada, com os comentários dos interlocutores virtuais, análise e verificação do
tema de cada texto e composição de categorias, que serão desenvolvidos em
capítulo posterior para a descoberta das respostas para a questão central e as
questões norteadoras.
Questão central:
Como se dá o processo de construção de sentidos no texto digital, mais
especificamente no hipertexto?
Questões norteadoras:
1) Como se dá a compreensão (não compreensão) em textos de portais
digitais de notícias?
2) O sujeito reconhece o hipertexto como texto?
3) Há evidências dessa percepção da textualidade em ambiente virtual e, em
específico, em textos de portais digitais de notícias?
81
4) Existem peculiaridades na construção de sentido em hipertexto –
demonstradas em textos de portais digitais de notícias – que a difere da construção
de sentido em um texto impresso de leitura linear?
Para aplicação da análise, os seguintes procedimentos são adotados:
Apresentação e descrição da página digital selecionada, com os comentários
dos interlocutores virtuais;
Verificação do tema central do texto;
Composição de categorias;
Análise de categorias;
Verificação dos resultados.
Uma vez que a pesquisa científica é o meio para se descobrir a realidade
(DEMO, 1995), a metodologia, por sua vez, é instrumento e a direção para essa
descoberta. E, em específico, para esta pesquisa, que é qualitativa (PATTON,
1990), são observados os seguintes itens para interpretação:
A fonte de dados tem origem no ambiente natural, ou seja, é ambiente
comum e cotidiano na sociedade hoje: a internet, o ambiente virtual.
O processo de estudo e análise é tão importante quanto o resultado.
Parte-se do subjetivo para o objetivo.
A amostra – no caso, o corpus selecionado – não precisa ser muito extensa.
A amostra, embora seja extraída de ambiente cotidiano, é selecionada
intencionalmente.
Cada variável analisada é importante parcela na composição global dos
resultados.
82
4.4 – Categorias
As categorias, aqui apresentadas, partem dos conceitos considerados, para
esta pesquisa, os mais importantes. Elas são entendidas como o agrupamento
conceitual análogo para organização e classificação dos dados.
As categorias de análise deste trabalho seguem aspectos relacionados à
textualidade do hipertexto, à coerência e à formação do contexto linguístico.
Apresentam-se as preocupações com verificar o tipo específico de direcionamento
da leitura, sua deslinearização e seu apelo multissensorial, as evidências de
textualidade, o nível de emancipação do leitor, a coparticipação do leitor, a ausência
de limite espaço-temporal, a inteligibilidade e a interpretabilidade por parte dos
comentários dos participantes, o conhecimento linguístico, o conhecimento
enciclopédico e o conhecimento interacional – tudo isso no âmbito do corpus
selecionado.
Categorias:
Focalização relacionada à relevância
Os modelos de contexto representam o que é relevante para o participante
em cada ocasião de comunicação (VAN DIJK, 2012, p. 116). O tema central do
texto-fonte se mantém nos comentários dos participantes no corpus selecionado?
Ou a que eles se referem?
Conhecimento sociocultural compartilhado
Há interação no corpus? Há, no corpus, compatibilidade de conhecimento
linguístico nessa interação? Há exemplos, no corpus, do conhecimento
enciclopédico que possuem os participantes? Se, como afirma Van Dijk (2012), a
relevância daquilo que se comunica é baseada ao que se ajusta ao modelo de
contexto culturalmente compartilhado, há de se verificar se a informação
compartilhada possui uma base sociocultural comum. Cada participante demonstra
corresponder a essa base comum?
Coparticipação sem limite espaço-temporal
Ressalta-se aqui uma peculiaridade no processo de construção de sentido
no hipertexto: cada participante colabora na construção do hipertexto, na
83
compreensão do hipertexto, mas sem delimitação de lugar, tempo, período
(MARCUSCHI; XAVIER, 2010). Os participantes que integram o corpus desta
pesquisa colaboram para a construção do hipertexto no mesmo lugar e no mesmo
tempo?
Evidências de textualidade
Retomando conceitos apresentados no primeiro capítulo deste trabalho, é
importante verificar no corpus: a situacionalidade, que representa a qualidade lógica
que torna o texto pertinente em relação à situação sociocomunicativa em que
acontece; a informatividade, que revela o quanto o texto é previsível ou não, se suas
informações são conhecidas, novas não para o interlocutor; o nível de
informatividade, o qual deve favorecer a compreensão do texto em direção ao
objetivo do autor, pois quanto maior o grau de informatividade, maiores dificuldades
de processamento haverá; a intertextualidade, a qual significa a relação do texto em
questão com diversos outros textos, complementando de forma relevante a
construção do sentido por parte do interlocutor; a intencionalidade, que se revela
quando o interlocutor emprega estratégias para alcançar seus objetivos
comunicativos; a intertextualidade, a qual significa a relação do texto em questão
com diversos outros textos, complementando de forma relevante a construção do
sentido por parte do interlocutor; a aceitabilidade, que representa a posição de o
interlocutor aceitar ou não como coerente o que foi dito, e isso favorece a
compreensão dos objetivos propostos pelo autor (BEAUGRANDE & DRESSLER,
1983). Esses cinco aspectos textuais ocorrem no corpus selecionado? Como se
apresentam?
A seguir, procede-se à análise do corpus selecionado.
84
CAPÍTULO 5 – ANÁLISE
5.1 – Análise
A primeira finalidade desta análise é chegar à: compreensão dos dados
coletados; confirmação ou não dos pressupostos; obtenção de respostas para as
questões formuladas; ampliação do conhecimento sobre o tema pesquisado.
Posteriormente, o objetivo secundário da análise, mas não menos importante, é
oferecer fundamentos para novos planejamentos de trabalho na área, criação de
novos programas de estudos; criação de programas tecnológicos voltados para a
área de ensino de Língua Portuguesa etc.
5.1.1 - Focalização relacionada à relevância
5.1.1.1 - Tema central do texto-fonte
5.1.1.1.1 - Mantido
a) Retoma apenas o tema do texto-fonte.
b) Retoma o tema do texto-fonte e acrescenta novo tema paralelo.
5.1.1.1.2 - Não mantido
a) Desenvolve novo tema.
b) Apresenta outro tipo de expressão.
5.1.2 Compartilhamento
5.1.2.1 Os elementos textuais remetem ao conhecimento partilhado
(informação velha).
5.1.2.2 Os elementos textuais não remetem ao conhecimento partilhado
(informação nova).
5.1.3 Coparticipação sem limite espaço-temporal
5.1.4 Evidências de textualidade
5.1.4.1 Evidência de situacionalidade
5.1.4.1.1 Da situação para o texto
85
5.1.4.1.2 Do texto para a situação
5.1.4.2 Evidência de informatividade
5.1.4.2.1 Apenas informação previsível
5.1.4.2.2 Contém informação inesperada
5.1.4.2.3 Não contém informação
5.1.4.3 Evidências de intencionalidade
5.1.4.3.1 Intencionalidade explícita
a) Com qual objetivo?
5.1.4.3.2 Intencionalidade implícita
a) Com qual objetivo?
5.1.4.5 Evidências de intertextualidade
5.1.4.5.1 De forma
5.1.4.5.2 De conteúdo
a) Explícita
b) Implícita
88
Título do texto-fonte: Virada Cultural em SP tem duas pessoas baleadas e
100 detidas
Nesse hipertexto, o tipo de fonte de escrita, sua localização, a foto bem
como os demais elementos que compõem a página, já revelam que se trata de uma
matéria jornalística: a ênfase está para local e turno do evento, pois a foto revela a
paisagem noturna e uma aglomeração de pessoas ao ar livre. A estrutura visual da
página virtual, portanto, indica que o tipo de texto se aproxima e ativa as estratégias
para compreensão. Além disso, logo no início da página, ao participante são
oferecidas várias possibilidades de escolha de sequência de leitura, diversos links
que o conduzirão a infinitos caminhos de leitura.
Logo abaixo do texto-fonte, encontram-se os espaços destinados aos textos
dos participantes.
1ª sequência de comentários de participantes
89
Fabiano: Para mim tudo dentro da normalidade já faz parte da Cultura do nosso
lindo país. Ser Cultural é vestir uma camisa em defesa do homossexualismo, ir para
a paulista fumar maconha e assistir algumas bandinhas que fazem apologia as
drogas... Cultura é meu P...
Kecia comenta Fabiano: Virada Criminal...
Sincero: Virada cultural pra povo sem cultura dá nisso...
Paula comenta Sincero: kkkkkkkk...
Análise
Focalização relacionada à relevância
Fabiano – Mantém o tema do texto-fonte e acrescenta novo tema paralelo.
Kecia – Mantém o tema do texto fonte.
Sincero – Mantém o tema do texto fonte e acrescenta novo tema.
Paula – Não mantém o tema. Apresenta outro tipo de expressão: indicação de riso.
Compartilhamento
Fabiano – Os elementos textuais remetem ao conhecimento partilhado (informação
velha).
Kecia – Os elementos textuais remetem ao conhecimento partilhado (informação
velha).
Sincero – Os elementos textuais remetem ao conhecimento partilhado (informação
velha).
Paula – Os elementos textuais remetem ao conhecimento partilhado (informação
velha).
Coparticipação sem limite espaço-temporal
Fabiano – 11h57min do dia 18/05/2014.
Kecia comenta Fabiano – 35 minutos depois.
90
Sincero – 3 horas depois de Kecia.
Paula comenta Sincero – 1 hora e 31 minutos depois do Sincero.
Evidências de informatividade
Fabiano – Contém informação inesperada.
Kecia comenta Fabiano – Apenas informação previsível
Sincero – Apenas informação previsível
Paula comenta Sincero – Não contém informação
Evidências de intencionalidade
Fabiano – implícita – objetivo de crítica
Kecia comenta Fabiano – explícita – objetivo de crítica
Sincero – explícito – objetivo de crítica
Paula comenta Sincero – explícito – objetivo humor
Evidências de intertextualidade
Fabiano – de conteúdo – implícita
Kecia comenta Fabiano – de forma
Sincero – de conteúdo – de conteúdo – implícita
Paula comenta Sincero – de forma
5.2 – Resultados e Discussão
A maioria dos participantes manteve focalização relacionada à relevância
mantendo o tema do texto fonte. No entanto, há evidência de participante que não o
manteve e isso quer dizer que os participantes elegem o que lhes parece mais
importante para comentar ou expressar, sendo que essa relevância nem sempre
precisa estar fielmente relacionada ao tema central do texto-fonte. É o que diz Van
Dijk: “Os modelos de contexto representam o que é relevante para o participante em
cada ocasião de comunicação” (VAN DIJK, 2012, p. 116).
91
Sobre o conhecimento sociocultural compartilhado, pode-se retomar, nas
palavras de Van Dijk (2012), que a relevância daquilo que se comunica é baseada
ao que se ajusta ao modelo de contexto culturalmente compartilhado, há de se
verificar se a informação compartilhada possui uma base sociocultural comum. Não
houve indícios, na amostra, de participantes que introduzissem conhecimentos
novos. Todos, aqui, participaram e expuseram os conhecimentos no nível de mesma
base sociocultural.
No âmbito de evidências de ausência de limite espaço-temporal, a amostra
revela que nenhum participante atuou no ambiente com simultaneidade. Cada um
teve sua participação com intervalos temporais significativos e locais não revelados.
As informações apresentadas pelos participantes são, em sua maioria,
previsíveis. No entanto, há indícios de informação inesperada e indícios de
participação sem informação.
Sobre as evidências de intertextualidade, dividiram-se igualmente entre as
de conteúdo e implícitas e as de forma. Ou seja, metade dos participantes indica que
possui conhecimentos de outros textos na maneira de opinar e comentar sobre o
texto fonte ou o comentário de outro participante, enquanto a outra metade revela a
intertexualidade na própria forma de utilização do meio.
92
CONCLUSÃO
Uma vez que as aulas de Língua Portuguesa devem acompanhar as
demandas sociais, o professor, por sua vez, deve compreender em nível mais
profundo como se dá a leitura de hipertexto, pois é intensa a utilização do meio
virtual por todos os seguimentos da sociedade.
Para melhor desenvolver os argumentos em defesa dessa ideia, é
importante relembrar aqui alguns aspectos da língua. Émile Benveniste (1989), que
melhor representa a Teoria da Enunciação, ressalta o quanto a língua está longe de
ser um mero instrumento. Tal pressuposto, aparentemente simples, traz consigo
noções importantes que podem favorecer o embasamento teórico-metodológico de
professores de Língua Portuguesa, inclusive para os que ministram aulas no Ensino
Fundamental.
A língua, que para ele é a apropriação do sujeito que se enuncia ao outro,
envolve aspectos culturais e históricos de forma dinâmica. Dessa forma, o fenômeno
da língua e a capacidade de reflexão estabelecem a caracterização do homem como
ser racional e social. Isso quer dizer que o sujeito inserido em circunstâncias
adequadas manifesta certa autonomia nas suas relações com a linguagem. Em
termos de Educação, de formação humana e também de linguagem
consequentemente, o homem se torna mais homem a partir de apropriações
linguísticas e culturais. É na linguagem que se encontra o fundamento da
subjetividade humana (BENVENISTE, 1991).
Por esse motivo, é possível questionar o direcionamento dado pelas
instituições de ensino em relação às disciplinas de língua materna, uma vez que é
notório o fracasso cumulativo dos estudantes, não somente nessa área do
conhecimento, mas em versas áreas que dependem do domínio da linguagem. O
que também deixa margens a dúvidas é se os professores de Língua, nas escolas,
têm as noções corretas e atualizadas sobre linguagem, língua, fala e a modalidade
escrita, para trabalhá-las satisfatoriamente, requisito primário para esse tipo de
profissional (LUFT, 2000).
93
Longe de uma perspectiva positivista de ensino, confirma-se que os atos de
linguagem, falar, ler e escrever estão além do tecnicismo e do utilitarismo, embora
se utilizem, às vezes, de técnicas e sejam úteis à sociedade. Deve-se destacar,
também, que apesar de há muito já se tratar disso, a construção de um sujeito
linguisticamente competente, em sala de aula e fora dela, não se faz
automaticamente através da memorização de regras da gramática normativa. O
indivíduo somente pode se desenvolver, ou tornar-se sujeito (BENVENISTE, 1991),
se estiver imerso nos aspectos interacionais e discursivos que envolvem a língua.
Os atos de falar, ler e escrever não são simplesmente a repetição, a identificação ou
cópia de símbolos gráficos e linguísticos, pois entre o significante e o significado
está o conhecimento de mundo que cada pessoa traz consigo e todas as relações
que a envolvem, que se refletem no discurso, influenciam as interpretações
possíveis e colaboram na construção de saberes.
Sem dúvida, é necessário haver um generoso espaço para interlocução nas
aulas de Língua. Cabe à escola – e, de mesma forma, ao docente capacitado –
possibilitar ao aluno o domínio pleno da linguagem de forma que o habilite a elaborar
e a compreender textos em sua diversidade. Devem-se considerar os processos
universais da língua como importantes elementos culturais de interação e inclusão
sociais que conduzem à evolução do conhecimento. Outro ponto sobre o qual os
professores precisam se debruçar, no processo de ensino-aprendizagem de Língua
Portuguesa, é a relevância dos fundamentos que envolvem o campo hipertextual,
especificamente na relação do sujeito com a escrita, os saberes cotidianos (no caso,
a língua falada) com os saberes científicos, escolarizados (a língua escrita), que
pode ser presumida, inclusive, sob uma perspectiva fenomenológica.
Em primeiro lugar, é preciso relembrar o papel primordial da escola, o qual
deve ser o de transmitir o legado de conhecimento humano ao educando,
conhecimento este que não se desvia do uso efetivo da língua e dos códigos
próprios de cada ciência. Todavia, é preciso que se entenda que ensinar uma
ciência é fazer o aluno transpor seu universo cotidiano para além de uma
memorização vocabular. A escola deve esclarecer que, se não há ciência sem
palavra, por outro lado, ciência não é apenas palavra.
94
Dessa forma, retoma-se a ideia de que o problema fundamental da
educação envolve a escola, o sujeito e a língua. Afinal, nesse âmbito, qualquer
processo de aprendizagem, de entendimento científico se dá num trânsito entre o
que o sujeito vivencia e o que pensa, a partir do uso da língua. Na escola, quando o
aluno não compreende os códigos utilizados, há um bloqueio na aprendizagem,
pois, quando não há compreensão, não há sentido.
O segundo aspecto importante que se observa em relação ao destaque que
esse novo meio de aprendizagem tem conquistado é que o uso dessas novas
tecnologias surge como uma via de aprendizagem pela própria amplitude de
possibilidades e recursos de linguagem. Por exemplo: o ambiente digital exige do
sujeito inserção por meio de práticas e formula para si mesmo a capacitação para
uso. Isso pode ser explicado através do aspecto interativo do mundo virtual: quem
precisa dele depende da direta utilização do meio, ou seja, depende da sua
utilização prática para aprendê-las. Ele torna o acesso às informações mais viável e
os processos de interlocução passam a ter, por causa do mundo virtual, uma
universalização nunca antes ocorrida.
Os alunos utilizam com frequência a escrita digital para se comunicar de
forma instantânea e alcançarem aceitação social, pois já se sabe que “[...] a
comunicação não existe por si mesma, como algo separado da vida da sociedade.
Sociedade e comunicação são uma coisa só. Não poderia existir comunicação sem
sociedade, nem sociedade sem comunicação” (BORDENAVE, 1997, p. 16).
E, finalmente, mas sem encerrar este debate, a apropriação do patrimônio
cultural humano surge dentre os argumentos que respondem à necessidade de o
docente estar embasado teoricamente sobre o campo hipertextual. Hoje, é também
por esse campo que ocorre a apropriação do patrimônio cultural com a aquisição de
habilidades como leitura e escrita e a utilização de meios virtuais de comunicação,
pois a Internet expande o saber comum e o sujeito, na função de internauta, recorre
à intertextualidade de forma ampliada. O hipertexto torna-se um meio comunicativo
voltado tanto para reprodução como para renovação da cultura humana. Em outras
palavras, compreende-se dizer que ele se adequa não apenas ao propósito de dar
continuidade ao conhecimento, mas também ao de transformá-lo. Por isso pode-se
considerá-lo veículo de uma nova forma de leitura.
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Nesse cenário, o contato com os textos digitais pode definir até, por
exemplo, qual será a rotina do sujeito uma vez que frequentemente acessa o mundo
virtual. Hoje, isso pode fazer diferença notória no sucesso de nas relações humanas,
pois o sujeito contemporâneo possui uma relação cotidiana com textos escritos
nesse novo ambiente, construída a partir da necessidade de interagir em um mundo
marcado por constantes inovações no plano da comunicação.
A escrita como objeto da busca do sujeito de apropriar-se do patrimônio
humano é o que a leva a ser produzida e não apenas para ter um bom desempenho
escolar. Um bom exemplo disso é que os alunos que escrevem porque gostam, fora
da lógica formal escolarizada, escrevem seus textos para manter relação com o
mundo que os cerca. É por meio das comunicações de sites de relacionamento
virtuais, ou aplicativos de conversa virtual, por exemplo, Whats App, que a escrita
desses alunos os faz sentir atualizados, incluídos a uma sociedade.
A língua escrita nos meios virtuais de comunicação é, assim, parte do
cotidiano das pessoas. E não apenas isso. A vida das pessoas, em todas as idades
e classes sociais, é influenciada de forma direta pelo conteúdo recebido em matéria
escrita por tais meios. E cada nova geração cresce mais voltada para a
comunicação digital do que a geração anterior – seus integrantes são os chamados
“nativos digitais” (PRENSKY, 2001), dentre os quais, a maioria ocupa os lugares nas
carteiras escolares e cujas formas de lidar com a língua e de construir o
conhecimento já diferem dos não nativos digitais.
Grande parte da geração de professores que atua hoje em sala de aula não
pode ser incluída entre os nativos digitais. Pode ser essa a origem das dificuldades
dos docentes de inserir as novas mídias em suas aulas. Ao lado disso, as atividades
escolares de escrita que eles oferecem em suas aulas, muitas vezes, não mobilizam
os alunos como um veículo para aprendizagem. Há uma nítida separação entre o
que se escreve na escola e o que se escreve no cotidiano fora da escola.
As atividades de texto na escola não são destituídas de sentido. Porém, o
valor de ler ou construir sentido de um texto atribuído pelos alunos nesse contexto
está voltado para as lógicas institucionalizadas, pois eles leem e escrevem lição,
dever, redação que o professor exige, assunto da prova, leem e escrevem para
passar de ano, para passar no Enem, para tirar boa nota, para melhorar a letra etc.
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As atividades de escrita nessas situações que correspondem à lógica atual da
escola preservam o equívoco de que o melhor aluno é o que cumpre as tarefas
mencionadas. A solução para esse problema, então, é reformular a visão da escola
em direção à inserção social do aluno por meio da linguagem, como nunca deveria
ter deixado de acontecer. E mais: as aulas de Língua Portuguesa precisam
considerar a escrita sob a forma que as tecnologias digitais proporcionam, e para
isso é condição imprescindível que o docente esteja atualizado nas teorias que
regem os estudos sobre os meios virtuais.
Uma vez que as aulas de Língua Portuguesa devem acompanhar as
demandas sociais, o professor, por sua vez, deve compreender em nível mais
profundo como se dá a leitura de hipertexto e quais princípios os envolve, pois é
intensa a utilização do meio virtual por todos os seguimentos da sociedade.
Enfim, o meio virtual implica, no hipertexto, a compreensão de novo modo de
leitura, de novas práticas, de novos processos de construção de conhecimento. E os
professores precisam valorizar esses aspectos e, sobretudo, o nível de importância
da interação no hipertexto para que possam oferecer aulas compatíveis às
necessidades da sociedade atual.
As categorias de análise seguiram aspectos relacionados à textualidade do
hipertexto, à coerência e à formação do contexto linguístico. Apresentaram-se as
preocupações com verificar o tipo específico de direcionamento da leitura, sua
deslinearização e seu apelo multissensorial, as evidências de textualidade, o nível
de emancipação do leitor, a coparticipação do leitor, a ausência de limite espaço-
temporal, a inteligibilidade e a interpretabilidade por parte dos comentários dos
participantes, o conhecimento linguístico, o conhecimento enciclopédico e o
conhecimento interacional – tudo isso no âmbito do corpus selecionado.
Os modelos de contexto representam de fato o que é relevante para o
participante em cada ocasião de comunicação e se verificou que a informação
compartilhada possuiu uma base sociocultural comum. Ficou provada a
peculiaridade no processo de construção de sentido no hipertexto: na qual cada
participante colaborou na construção do hipertexto, na compreensão do hipertexto,
sem simultaneidade de lugar, tempo, período. Retomando conceitos apresentados
no primeiro capítulo deste trabalho, verificou-se no corpus: a situacionalidade, que
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representou a qualidade lógica que torna o texto pertinente em relação à situação
sociocomunicativa em que acontece; a informatividade, que revelou o quanto o texto
é previsível ou não, suas informações conhecidas para o interlocutor; o nível de
informatividade, o qual favoreceu a compreensão do texto em direção ao objetivo do
autor; a intertextualidade, a qual complementou de forma relevante a construção do
sentido por parte do interlocutor; a intencionalidade, que revelou quando o
interlocutor empregou estratégias para alcançar seus objetivos comunicativos.
De fato, existem peculiaridades na construção de sentidos no hipertexto que
o tornam diferente de um texto de leitura linear, ou um texto impresso. Esta tese
observou, por meio da interação que ocorre entre os internautas, como eles se
manifestam na elaboração de seus comentários sobre o texto-fonte (a matéria
jornalística) e os comentários dos demais participantes. Em outras palavras, a
coerência do hipertexto foi analisada por meio dos modelos de contextos que se
apresentaram no ambiente em questão. Também foram verificados aspectos do
conhecimento compartilhado à medida que os leitores demonstraram o nível de
conhecimento sociocultural entre eles e em relação aos autores (autor do texto-fonte
e autores que postaram seus comentários), elementos fundamentais na formação
dos modelos de contextos e, consequentemente, da construção de sentido. Enfim,
é importante destacar que, nesse processo, a coerência se construiu para além dos
elementos linguísticos, estando sempre ligada, dessa forma, à interação.
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