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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP DIAMANTINO FERNANDES TRINDADE O OLHAR DE HÓRUS: UMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR DO ENSINO NA DISCIPLINA HISTÓRIA DA CIÊNCIA DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO SÃO PAULO 2007

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO …...quando buscamos o sentido das coisas e da nossa própria existência. 1 É possível dizer que os cientistas, ao tentar responder com

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULOPUC-SP

DIAMANTINO FERNANDES TRINDADE

O OLHAR DE HÓRUS: UMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR DOENSINO NA DISCIPLINA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

SÃO PAULO2007

2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULOPUC-SP

DIAMANTINO FERNANDES TRINDADE

O OLHAR DE HÓRUS: UMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR DOENSINO NA DISCIPLINA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para a obtenção do título

de Doutor em Educação, sob a orientação da

Professora Doutora Ivani Catarina Arantes

Fazenda.

SÃO PAULO2007

3

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Professora Orientadora – Presidente

________________________________________

Examinador (a)

________________________________________

Examinador (a)

________________________________________

Examinador (a)

________________________________________ Examinador (a)

4

www.arqueologyc.hpg.ig.com.br/eyeRa.jpg

Figura 1: O Olho de Hórus

5

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos os meus alunos destajornada de 33 anos e, em especial, àqueles que cursarama disciplina História da Ciência, sem os quais seriaimpossível desenvolvê-lo.

6

AGRADECIMENTOS

Com especial carinho, à Professora Dra. Ivani Catarina Arantes Fazenda, pelaatenção, confiança e amizade demonstradas por atitudes e palavras e, emparticular, pelo caloroso suporte às minhas inquietações teóricas,possibilitando-me os acertos neste trabalho.

À amizade demonstrada pelos colegas do GEPI.

À Professora Ms. Lais dos Santos Pinto Trindade, pelo debate das idéias epela preciosa colaboração.

Ao Professor Dr. Márcio Pugliesi, pelas importantes sugestões e pelosesclarecimentos na interpretação dos mitos.

Aos meus pais, pela oportunidade desta experiência terrena e pelo incentivoconstante ao estudo.

Ao Professor Dr. Ricardo Plaza Teixeira, pela oportunidade de compartilhar adisciplina História da Ciência no Ensino Médio e nos cursos de Formação deProfessores no CEFET-SP.

A todos os meus amigos.

7

RESUMO

Esta pesquisa tem o objetivo de analisar criticamente, sob a ótica da

interdisciplinaridade, minha vivência como professor de História da Ciência e a

função desta disciplina como eixo norteador para a Área de Ciências da Natureza,

Matemática e suas tecnologias no Ensino Médio.

Privilegiei a História de Vida como eixo metodológico possível de dialogar com a

disciplina História da Ciência em seus princípios teóricos.

O resgate da minha trajetória de vida inserida na vivência de professor remeteu-

me ao encontro das lendas da criação, do mito de Hórus, utilizado como metáfora

sobre a qual estruturei a narrativa. Hórus lançou seus olhares para a Ciência, os

professores e os alunos. O primeiro olhar estabeleceu relações da Ciência com o

mito, a religião, o poder e a educação. O segundo olhar mostrou os impasses da

prática de um professor da disciplina História da Ciência no Ensino Médio e nos

cursos de formação de professores de ciências. O terceiro olhar revela-se a partir

de depoimentos dos meus alunos.

A relevância do presente estudo alicerça-se na disciplina História da Ciência que,

desenvolvida na forma aqui relatada, mostrou-se um atributo interdisciplinar para a

produção e alteração do conhecimento, abrindo caminhos para os alunos,

conduzindo-os à autonomia nos estudos e na sociedade e a um novo olhar sobre

a Ciência, rompendo com os antigos paradigmas que conduziam à fragmentação

do conhecimento.

Palavras-chave: História da Ciência, interdisciplinaridade, mito, educação.

8

ABSTRACT

The purpose of this research is to make a critical analysis, from the point of view of

interdisciplinarity, of my experience as a History of Science teacher and the role of

this subject leading to the Nature Sciences, Mathematics and their technologies in

the Secondary School.

I elected the History of Life as a methodological approach, which allows for

interchanging with the History of Science discipline in its theoretical principles.

In retrospect, the course of my life inserted into my teaching experience, has sent

me back to the legends of creation, specially the Horus myth used as a methaphor

under which I built this narrative. Horus contemplated the Science, the teachers

and the students. The first look estabilished the relationship of the Science with

myth, religion, power and education. A second looks showed a teacher’s impasses

concerning the History of Science in the Secondary Scholl and in undergraduate

for science teacher. The third look is revealed from the students’ depositions.

The relevance of the present study is grounded on the History of the Science

which, exploited as reported herein, was revealed as an interdisciplinary element

for the development and modification of knowledge, opening paths to students,

leading them to autonomy in studies and in the society, and to a new have a view

on Science, breaking old paradigms, which resulted in the fragmentation of

knowledge.

Key words: History of Science, interdisciplinarity, myth, education.

9

Lista de Figuras

Figura 1: O Olho de Hórus ...................................................................................... 4

Figura 2: Ísis e Hórus ................................................Erro! Indicador não definido.Figura 3: O Falcão Divino..........................................Erro! Indicador não definido.Figura 4: Hórus, Osíris e Ísis.....................................Erro! Indicador não definido.Figura 5: Ouroboros ..................................................Erro! Indicador não definido.Figura 6: A criação do mundo ...................................Erro! Indicador não definido.Figura 7: O vôo do falcão..........................................Erro! Indicador não definido.

Lista de Anexos

ANEXO 1: História da Ciência – Questionário de avaliação (Ensino Médio) Erro! Indicador nãoANEXO 2: História da Ciência – Questionário de avaliação (Curso de Formação

de Professores) ......................................................... Erro! Indicador não definido.ANEXO 3: Os caminhos da ciência brasileira: da colônia até Santos Dumont ....... iii

ANEXO 4: Capa do livro D. Pedro II e os sábios franceses (1944), de Georges

Raeders. .................................................................... Erro! Indicador não definido.ANEXO 5: Capa do livro Conselhos à Regente (1958), de João Camillo Torres. Erro! IndicadorANEXO 6: Capa do livro Inícios de Chimica Médica (1911), de Henrique

Lacombe. Primeiro livro de Química publicado no Brasil. Erro! Indicador não definido.ANEXO 7: Capa do livro D. Pedro II nos Estados Unidos (1961), de Argeu

Guimarães. ................................................................ Erro! Indicador não definido.ANEXO 8: Capa do livro Os bolsistas do Imperador (1956), de Guilherme Auler. Erro! IndicadoANEXO 9: Frontispício da obra Exame de Bombeiros (1748), de Jozé

Fernandes Pinto Alpoim. ........................................... Erro! Indicador não definido.ANEXO 10: Carta de Pasteur a D. Pedro II. .............. Erro! Indicador não definido.

10

SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................. 7ABSTRACT............................................................................................................. 8Lista de Figuras ..................................................................................................... 9Lista de Anexos ..................................................................................................... 9I. INTRODUÇÃO ...........................................................Erro! Indicador não definido.1. O olhar interdisciplinar de Hórus ...........................Erro! Indicador não definido.2. O problema de pesquisa, os objetivos e a metodologiaErro! Indicador não definido.3. Um olhar sobre o passado: as dificuldades na aprendizagem de ciências e aformação profissional ................................................Erro! Indicador não definido.II. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS .................................Erro! Indicador não definido.1. Interdisciplinaridade: um novo olhar sobre as ciênciasErro! Indicador não definido.2. Olhando para os textos legais ...............................Erro! Indicador não definido.3. A História da Ciência – sua importância como disciplinaErro! Indicador não definido.III. O OLHAR DA CIÊNCIA – PRESSUPOSTOS..........Erro! Indicador não definido.1. Ciência e Mito........................................................Erro! Indicador não definido.2. Ciência e Religião..................................................Erro! Indicador não definido.3. Ciência e Poder .....................................................Erro! Indicador não definido.4. Ciência e Educação...............................................Erro! Indicador não definido.IV. O OLHAR DO PROFESSOR – ENSAIOS...............Erro! Indicador não definido.1. A história de minha prática como professor de História da Ciência no EnsinoMédio.........................................................................Erro! Indicador não definido.2. A experiência no Ensino Médio levada ao curso de formação de professoresErro! IndicadorV. O OLHAR DOS ALUNOS – METAMORFOSE.........Erro! Indicador não definido.1. O olhar dos alunos do Ensino Médio.....................Erro! Indicador não definido.2. O olhar dos futuros professores ............................Erro! Indicador não definido.VI. OS OLHOS DE HÓRUS – TRANSCENDÊNCIA.....Erro! Indicador não definido.BIBLIOGRAFIA.............................................................Erro! Indicador não definido.SITIOGRAFIA ...............................................................Erro! Indicador não definido.VIDEOGRAFIA..............................................................Erro! Indicador não definido.ANEXOS .......................................................................Erro! Indicador não definido.

I. INTRODUÇÃO

1. O olhar interdisciplinar de Hórus

A construção da ciência moderna foi moldada e desenvolveu-se sobre o

pressuposto de que a linguagem analítico-experimental, que fragmenta, localiza,

mede, calcula, com a pretensão de ser objetiva e racional, era a única que poderia

explicar a natureza. Ao longo do tempo, a própria Ciência precisou abrir mão

dessa pretensão e reconheceu que não se pode fazer Ciência sem recorrer a

modelos que utilizam metáforas ou analogias.

Expressões consagradas como leis da natureza ou seleção natural

são amostras da presença da linguagem analógica, metafórica e

simbólica, linguagem que liga, associa, conecta, desenvolve

campos de evocação buscando significações contextuais, tende a

exprimir a afetividade e subjetividade e é a mais apropriada

quando buscamos o sentido das coisas e da nossa própria

existência. 1

É possível dizer que os cientistas, ao tentar responder com teorias

científicas a questões relacionadas com o sentido da existência humana utilizam,

ainda que de forma inconsciente, a linguagem analógico-simbólica e invadem o

campo do mito. O atributo principal do mito é orientar, em um plano intuitivo, a

construção daquilo que Schumpeter chamou de visão do processo social, sem o

qual o trabalho analítico não teria qualquer sentido. 2

1 Jung Mo Sung. Ciência, mito e o sentido da existência, p. 14.2 Celso Furtado. O mito do desenvolvimento econômico, p. 15.

2

O mito não é contrário à Ciência, nem pertence ao passado da humanidade,

mas faz parte do fazer ciência e da vida humana porque somos seres que

buscamos constantemente o sentido e construímos um horizonte do sentido

fundamentado em esperanças e intuições ainda não comprovadas, apenas

explicadas e justificadas por mitos que adotamos e aos quais estamos ligados.

Mitos e magia não são coisas de mundos defuntos. E os mais

lúcidos sabem disso, porque não se esqueceram de sonhar. Em

1932, Freud escreveu uma carta a Einstein que fazia uma estranha

pergunta/afirmação: “Não será verdade que toda ciência contém,

em seus fundamentos, uma mitologia?” 3

Para termos consciência do mito que estamos vivenciando, é necessário

fazer uma revisão de nossa vida e questioná-la. A partir de então, o mito será um

norteador de sentimentos, valores e intenções que irão direcionar e motivar

nossos pensamentos e ações. Pelo poder misterioso e transformador do mito,

podemos encontrar pistas para buscar as potencialidades espirituais da vida

humana.

Pela descoberta de nosso mito, entramos em contato com os

nossos impulsos criativos; assim podemos viver uma vida mais

plena, porque eles alargam o contexto de nossa existência e

integram essa compreensão dentro de nós. Por sua capacidade de

falar de nós mesmos, podem nos transformar e vincular a nossos

semelhantes presentes ou passados. E sugerir que uma história

maior está em ação, uma história que apoiará nossas

preocupações fundamentais e nos conduzirá na direção que

precisamos tomar. 4

3 Rubem Alves. Estórias de quem gosta de ensinar, p. 104.4 Ayéres Brandão. Do mito do herói ao herói do mito: a jornada simbólica do professor, p. 18.

3

O resgate da minha trajetória de vida inserida na vivência de professor, que

de há muito se tornou interdisciplinar, possibilitou-me encontrar nas lendas da

criação do Egito, o mito de Hórus, utilizado como metáfora sobre a qual estruturei

a minha pesquisa.

Todos os povos têm um mundo invisível, uma ampliação da

realidade, que coexiste lado a lado com a ciência, a tecnologia e, é

claro, as artes. Às vezes ele é uno e partilhado por todos, como

nas sociedades tradicionais, ao contrário do mundo moderno,

onde classes, grupos ou segmentos sociais podem dar formas

diferentes às expressões imaginárias. Mas em ambos “a vida é

vivida em um plano duplo: desenrola-se como existência humana

e, ao mesmo tempo, participa de uma vida trans-humana, a do

cosmos ou dos deuses”. 5

Osíris foi primogênito do Pai-Céu e da Mãe-Terra. Casou-se com sua irmã,

Ísis, a deusa da Lua. O casal ensinou o povo egípcio a fazer instrumentos

agrícolas e a produzir pão, vinho e cerveja. Ísis ensinou as mulheres a moer o

milho, fiar o linho e tecer. Osíris construiu os primeiros templos e esculpiu as

primeiras imagens divinas, fornecendo aos seres humanos ensinamentos sobre os

deuses.

Osíris foi vítima da inveja de seu irmão Seth, o qual desejando o seu poder,

convidou-o para um banquete e lá o assassinou, trancando o corpo em um esquife

que foi jogado no rio Nilo. Ísis saiu de imediato à procura do esquife, que havia

sido levado pelas ondas para Biblos, onde se enganchou em a uma tamareira. A

árvore cresceu rapidamente e o esquife ficou no seu tronco. No entanto, o rei de

Biblos tinha ordenado que a árvore fosse cortada para escorar o teto do palácio.

Quando a ordem foi cumprida, um sublime aroma desprendeu-se da tamareira.

Esse fato chegou aos ouvidos de Ísis, que compreendeu imediatamente o seu

significado e partiu para Biblos, onde retirou o esquife do tronco da árvore e o

4

levou de volta ao Egito, escondendo-o em um charco. Seth ficou sabendo do

esconderijo, encontrou o esquife, abriu-o e retalhou o corpo de Osíris em 14

pedaços, espalhando-o por várias localidades.

Ísis saiu em busca dos pedaços e encontrou todos, com exceção do falo,

que fora comido por um caranguejo6. Utilizando sua preciosa magia, reconstruiu o

corpo do esposo e fez um novo falo com barro7. Praticou os rituais de

embalsamento que restituíram ao deus a vida eterna. Durante o sono de Osíris,

que esperava pelo renascimento, Ísis concebeu o filho divino, Hórus, que ao

nascer foi comparado a um falcão cujos olhos brilhavam à luz do Sol e da Lua.

Osíris não quis permanecer na Terra e retirou-se para o mundo das sombras,

onde passou a receber as almas dos justos e a reinar sobre os mortos.

5 Carmem Junqueira. O mundo invisível, p. 1.6 O caranguejo sempre foi associado à degeneração e putrescência – simboliza o câncer e atacou,no pântano de Lerna a Hércules.7 Segundo outras versões de madeira, de cedro – símbolo da imortalidade.

5

Figura 2: Ísis e Hórus mundopachi.blogs.sapo.pt/arquivo/855079.html

Para proteger Hórus das ações nefastas de Seth, Ísis criou o filho no

isolamento. Quando se tornou adulto, ele iniciou uma longa batalha para derrotar

seus inimigos, porém Seth não podia ser vencido, pois era muito astuto. Os outros

deuses reuniram-se em um tribunal e convocaram os dois adversários. Seth

alegou que Hórus era ilegítimo, pois havia sido concebido após a morte de Osíris;

contudo o jovem guerreiro fez prevalecer a legitimidade de seu nascimento e foi

declarado rei do Egito, reinando sobre o Céu e a Terra ao lado do pai e da mãe.

O vôo altaneiro do falcão, que parecia ser companheiro do Sol, estimulou o

imaginário dos egípcios na crença de que o Sol seria como um falcão que

descrevia um brilhante vôo diário pelos céus. Como falcão, Hórus era um deus e

voava sobre o Egito para proteger seu pai, Osíris. Para os egípcios, Hórus era um

deus real; o falcão divino, e tornou-se o símbolo da realeza. Assim como a sua

mãe – deusa, ele pertence ao reino celestial, intelectual.

6

Outra lenda diz que Hórus nasceu duas vezes – primeiro do Céu (Hathor)8 e

depois da Terra (Ísis). Hórus personifica o espírito revestido de matéria, o

entrelaçamento de destino divino e vontade humana. Nascido fraco tornou-se forte

sob o amor mágico e protetor de Ísis. É assim que me situo como professor

interdisciplinar, isolado nos meus ideais. Foi necessário travar uma grande batalha

para sobrepujar aqueles ligados às práticas educativas tradicionais. No entanto,

pela minha própria prática e as reflexões acerca dela, esses ideais fortaleceram-se

no decorrer do tempo até que me possibilitaram desenvolver esta pesquisa.

Desde o início da civilização egípcia (3.000 a.C.), o Olho de Hórus é um dos

amuletos mais usados no Egito. É inspirado no falcão, sendo uma mistura do olho

humano com o olho da ave. Representa a força, o vigor e o auto-sacrifício. Hórus

é o rei que governa com dois olhos. Seu olho direito é associado à informação

concreta, factual, controlada pelo hemisfério cerebral esquerdo. Lida com as

palavras, as letras, e os números, e com coisas que são descritíveis em termos de

frases ou pensamentos completos. O olho esquerdo representa a informação

estética abstrata, controlada pelo hemisfério direito do cérebro. Lida com

pensamentos e sentimentos esotéricos e é responsável pela intuição.

Hórus, em sua constante luta contra os poderes lunares e da

decomposição, leva a luz benfazeja do Sol que permite a messe. Os ritos antigos

de caráter terrestre–celeste e envolvendo o submundo da morte, como os

egípcios, os greco–romanos e os cretenses, por exemplo, sempre tem seu vínculo

com a questão da fecundidade. Os mistérios ctônicos9 desses povos, primeiras

formas de iniciação, remetem diretamente à questão da aprendizagem, da

obtenção de novas informações e destrezas que facilitem a passagem pelo umbral

– a transferência de quem está diante do templo (profano) para seu interior

8 É uma das deusas mais veneradas do Egito Antigo, a deusa das mulheres, dos céus, do amor,da alegria, do vinho, da dança, da fertilidade e da necrópole de Tebas. Em várias dinastias, oFaraó era considerado filho de Hathor.

7

(iniciado). Esses ritos de passagem ainda se repetem seja pelos trabalhos de

conclusão de cursos, dissertações, teses e, mesmo, na esfera religiosa pelo

batismo, pela crisma, pela ordem, pelo matrimônio.

Superar esses obstáculos representa um gasto relevante de energia e a

atitude primitiva, incapaz da escrita, estipulou pela tradição a formação de uma

cultura autóctone que, no momento de guerras de conquista se impunha aos

dominados.

Cultum, supino10 de colere (colher), se refere a essa tarefa de

coleta, reserva, escolha e se relaciona diretamente como o grego

legéin de que advém Logus – e esse verbo significa ligar, unir,

armazenar. 11

Quando Homero começa:

“Canta para mim, ó deusa, a cólera...” ou “Dize-me o nome, Musa, do

herói..” quem fala assim é um poeta que por si só não sabe o que diz, e o diz não

graças à sua própria inteligência ou experiência pessoal, mas à inspiração divina,12 expõe a grande lacuna: na Antiguidade os efêmeros humanos não se podiam

acercar da divina e imperecível verdade. Estava a deusa na esfera dos deuses e

inacessível às pretensões humanas. No Egito as iniciações nos templos

apresentadas por arqueólogos ilustres como Wallis Budge13 levavam sempre à

busca de uma saída à luz da verdade, após a morte e, de fato, só então a alma

tinha acesso à barca de Ra e podia ver pelo olho de Hórus: a verdade.

9 Em mitologia, e particularmente na grega, o termo ctônico ("relativo à terra", "terreno") designaou refere-se aos deuses ou espíritos do mundo subterrâneo, por oposição às divindades olímpicas.Por vezes são também denominados "telúricos" (do latin tellus).10 Tempo verbal latino. Usado de modo equivalente a um infinitivo, mas em circunstâncias demovimentação, o supino pode ser ativo.11 Márcio Pugliesi. Por uma Teoria do Direito: aspectos macro-sistêmicos, p. 78.12 Bruno Snell. A Cultura Grega e as origens do pensamento europeu, p. 135.

8

Esse arquétipo repetido pela coruja de Minerva que, no dizer do filósofo, só

voa nas tardias horas, mostrou-me, com clareza o significado da

interdisciplinaridade que a História da Ciência nos traz. Possibilitou-me obter o

fecho de toda a aprendizagem de uma vida: religar, num vôo ousado, o

conhecimento disperso e obter a compreensão que apenas esse hybris14 nos

permite.

O Olho de Hórus, mais precisamente os seus olhares, permeou a minha

pesquisa. Matos afirma que há uma diferença crucial entre o Olho e o Olhar,

quando diz:

O olho pode ser entendido como sendo o órgão pelo qual

podemos ver e, por si só, o olho nada faz a não ser receber a luz e

enviar seus sinais ao cérebro para processamento. Já o olhar, o

ato de olhar, é um ato consciente e reflexivo, que contém muito

mais do que reflexo mecânico. Olhar alguma coisa é também um

ato ideológico, uma função da mente. 15

O falcão divino vai alçar vôo e, com seu olhar abrangente, irá permearesta pesquisa que aborda a minha trajetória como professor interdisciplinarde História da Ciência.

13 Sir Ernest Alfred Thompson Wallis Budge. The Mummy: Chapters on Egyptian FunerealArchaeology, p. 208.14 Palavra grega que significa insolência ou excesso. Um dos elementos da tragédia grega querevela insegurança da vida, atitude perante um desafio, acontecendo quando os protagonistas seinterrogam sobre o seu destino sobre a validade das leis dadas aos homens pelos deuses ou pelapolis.15 Ricardo Hage Matos. O sentido da práxis no ensino e pesquisa em artes visuais: umainvestigação interdisciplinar, p. 129.

9

www.starnews2001.com.br/egyptedfu.html

Figura 3: O Falcão Divino

10

www.louvre.fr.

Figura 4: Hórus, Osíris e Ísis.

11

2. O problema de pesquisa, os objetivos e a metodologia

Com o percurso até aqui construído e articulando o olhar que lanço sobre

minha trajetória, situo algumas questões:

Não haveria mais sentido em um ensino de Ciência que partisse de suaprópria história? O estudo de História da Ciência não poderia se qualificarcomo um espaço importante na aprendizagem das ciências e, mais do queisso, não poderia se constituir em um espaço apropriado para as discussõesdo que é Ciência? Não seria possível, a partir daí, desenvolver o espíritocrítico dos estudantes?

Em decorrência de tais questões, delineei como objetivos desta pesquisa

analisar criticamente, sob a ótica interdisciplinar, utilizando como metáfora o olhar

de Hórus, minha vivência como professor da disciplina História da Ciência,

aprendendo eixos de explicação e compreensão do que tem permeado práticas

pedagógicas comprometidas com o conhecimento científico rigoroso e inovador.

Esses objetivos instigam a opção metodológica: ênfase no relato de minha

prática como cenário de vivências que tentam imprimir uma perspectiva crítica e

reflexiva ao exercício docente. Assumir essa ênfase pede uma breve discussão

acerca da pesquisa qualitativa e do lugar da História de Vida na produção do

conhecimento.

A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de

dados e o pesquisador é o seu principal instrumento. 16 Os pesquisadores

qualitativos freqüentam os locais de estudo porque a sua preocupação é com o

contexto. Como os problemas são estudados no ambiente em que ocorrem

naturalmente, sem qualquer manipulação intencional do pesquisador, esse tipo de

16 Robert Bogdan; Sari Biklen. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoriados métodos, p. 17.

12

pesquisa é chamado de “naturalístico”. Os locais devem ser entendidos no

contexto da história das instituições a que pertencem. Assim, as circunstâncias

particulares em que um determinado objeto se insere são essenciais para que se

possa entendê-lo.

A pesquisa qualitativa ou naturalística envolve a obtenção de

dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a

situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se

preocupa em retratar a perspectiva dos participantes. 17

O produto é muito importante, mas não podemos nos preocupar unicamente

com ele.

A opção da pesquisa qualitativa encaminhou-me para a perspectiva da

História de Vida. 18 Os professores são como velhas árvores. Possuem uma face

e um nome, uma história a ser contada. 19

O relato de vida aponta para a importância da expressão do vivido

pelo “desdobrar narrativo”, quer essa enunciação seja oral ou

escrita. A aparição e o aumento da expressão no século XX

acompanham a revolução técnica das multimídias: o cinema e o

vídeo liberam a palavra do (texto) escrito e ampliam os modos de

coleta e de tratamento da informação. 20

Quando fiz minha opção pelo enfoque interdisciplinar na prática pedagógica

do ensino da História da Ciência, percebi que a trilha da objetividade criaria

amarras e barreiras que impediriam uma pesquisa mais ampla e dinâmica de

17 Marli E. D. André; Menga Lüdke. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas, p. 12.18 A História de Vida pode ser conceituada como o relato, por um indivíduo, dos eventos e doselementos constitutivos de sua vida passada; relato seguido de um comentário e da análisereflexiva que é feita dele em seguida (A. Lainé, 1999). Como metodologia da pesquisa em ciênciashumanas, ela se associa aos métodos qualitativos.19 Rubem Alves. Conversas com quem gosta de ensinar, p. 19.

13

minha vivência como professor nessa disciplina. Fazia-se necessário, então, um

desprendimento do antigo, do tradicional, do objetivista.

É necessário abrir para a educação a possibilidade de novas leituras e

novos enfoques metodológicos, pois o cotidiano escolar é tão complexo que nem

sempre encontramos a melhor solução para o estudo e enfrentamento de sua

problemática nos padrões convencionais da análise geralmente utilizados.

Não é possível estabelecer uma fronteira bem delineada entre o

convencional e o não-convencional no enfoque interdisciplinar da educação.

Soares e Fazenda21 explicam que existe um continuum que parte do convencional

em direção ao não-convencional, no campo da pesquisa educacional. Essa

vertente, decorrente do movimento de idéias, traz uma mudança na concepção do

conhecimento cuja construção é coletiva. Esse continuum está filiado ao que é

denominado História de Vida como caminho da pesquisa educacional em que o

locutor revela o eu que, associado ao vocês, compõe o nós.

A História de Vida assume, então, um papel relevante quando o enfoque

interdisciplinar educacional caminha pela trilha do não-convencional permeada

pela subjetividade. A análise crítica e subjetiva da prática pedagógica do cotidiano

escolar exige que ele seja repensado de maneira a redescobri-lo sob a ótica de um

novo olhar vivenciado.

Histórias de Vida, quando devidamente recuperadas, permitem-

nos a conjugação de olhares singulares das ações educativas.

Cada pesquisa que tem a História de Vida como procedimento

requer configurações próprias, cuidados diferenciados, porque

sugerem movimentos novos no delineamento de ações.

20 Gaston Pineau. As histórias de vida em formação: gênese de uma corrente de pesquisa-ação-formação-existência, p. 340.21 Magda Soares; Ivani Fazenda. Metodologias não convencionais em teses acadêmicas, p.127.

14

No projeto de construção de uma teoria detivemo-nos na

explicitação de ações educativas. As questões da

interdisciplinaridade precisam ser trabalhadas em uma dimensão

diferenciada de conhecimento – daquele conhecimento que não se

explicita apenas no nível da reflexão, mas, sobretudo no da ação.22

A pesquisa/ação/formação é um campo emergente e muito significativo nas

investigações, pois as ações cotidianas podem transformar-se em pesquisas e

estas em formações diferenciadas.

Histórias de Vida vêm sendo consideradas não apenas formas de

investigação como práticas de formação. Elas não apenas

possibilitam a teorização e categorização de práticas empíricas,

mas a articulação dialética das duas polaridades não excludentes-

prática e teoria. 23

Na História de Vida, o pesquisador precisa fazer uma reflexão do seu

próprio processo de formação e conscientizar-se das estratégias, dos espaços e

dos momentos que, para ele, foram importantes no decorrer da vida. Assim, é

possível identificar aquilo que foi realmente significativo.

Ela também pode ser considerada como um processo de formação

e tende a construir sentido a partir da própria experiência do

indivíduo, a fim de se engajar nela, compreendendo-a melhor. 24

Não basta relatar sua vida para produzir uma História de Vida. É necessário

que o relato, oral ou escrito, seja interrogado, trabalhado, refletido, para que

possam emergir os eventos principais associados aos questionamentos,

22 Ivani Fazenda. A formação do professor pesquisador – 30 anos de pesquisa, p. 4.23 Ibid, p. 5.24 Patrick Paul; Aparecida M. S. Alvarez. As histórias de vida como busca de identidade entreabordagens conscientes e inconscientes, p. 1.

15

aprendendo a organização das lógicas, as coerências, as rupturas e fazendo o

sentido emergir.As histórias de vida são produções construídas em muitas etapas.

O olhar do presente sobre o passado abre a memória para a

produção de sentido, muitas vezes implícita, pela organização de

seqüências, indução de emoções... 25

O modelo escolhido de exploração da minha História de Vida foi o

autobiográfico26 (ou de autoconhecimento da própria vida) pelo do qual procurei

refletir sobre o meu processo de formação, tomando consciência das estratégias,

dos espaços e dos momentos formadores ao longo da vida.

Nesta pesquisa de doutorado, retomei o relato de minha vivência como

professor interdisciplinar de História da Ciência, pesquisando agora relações que

remetem a uma rede de conexões observadas pela metáfora do Olhar de Hórus

que tudo vê!; um olhar interdisciplinar sobre o ensino das ciências da natureza,

sob a perspectiva da História da Ciência e suas interfaces no decorrer da sua

própria história, que pretende mostrar uma nova visão da formação holística que

atinge as práticas pedagógicas articuladas em torno de eixos que reformatam e

modificam o processo formativo. A interdependência e a interatividade existentes

entre as coisas podem resgatar a visão de contexto, por meio da História da

Ciência, demonstrando a rede de interações existentes entre todos os fenômenos

educacionais. Assim, a magia, o mito e a religião foram abordados como a origem

da Ciência e a inserção deles na cultura e na educação humanas, como

instrumento de poder.

25 Patrick Paul; Aparecida M. S. Alvarez. As histórias de vida como busca de identidade entreabordagens conscientes e inconscientes, p. 5.26 No método autobiográfico, cada participante procura refletir sobre o seu próprio processo deformação e tomar consciência das estratégias, dos espaços e dos momentos que para ele foramformadores ao longo da sua vida. Baseia-se no modelo de investigação-ação e tem comopreocupação central assegurar a ligação entre os conteúdos teóricos e uma intervenção concretano domínio da formação, permitindo a identificação, na sua própria história de vida, daquilo que foirealmente formador. (António Nóvoa; Matthias Finger. O método (auto) biográfico e a formação,pp. 12-13).

16

Inicialmente, descrevi os caminhos que percorri para me constituir

professor. Em uma breve abordagem acerca da história da educação brasileira,

traçando um paralelo com a minha própria, mostro as dificuldades do ensino e da

aprendizagem das ciências marcadas pela concepção da educação em Portugal

trazida para o Brasil com os jesuítas. Nesta perspectiva, terminei meu curso

superior orientado por uma visão tecnicista em que se priorizavam as técnicas e

os conteúdos sem qualquer contextualização.

A minha prática como professor de História da Ciência foi abordada pelos

pressupostos teóricos da interdisciplinaridade e pelo diálogo com os textos legais

que validam a inserção desta disciplina no Ensino Médio e nos cursos de

Formação de Professores de ciências.

O primeiro olhar de Hórus mostra as interfaces da Ciência com outras áreas

do conhecimento: o mito, a religião, o poder e a educação. Procurei buscar no mito

uma das possíveis origens do conhecimento. Pode parecer estranho relacionar

Ciência e mito. Pode até parecer contraditório na medida em que o senso comum

considera o mito como antagônico à verdade ou à Ciência. Entretanto, o mito não

se opõe à verdade como entende a ciência moderna, já que responde a diferentes

questões, externas ao âmbito da Ciência. Se esta procura descrever como os

fenômenos acontecem e estabelecer as leis que regem determinados fatos, o

mito, como as artes, procura o sentido que transcende o mensurável, um sentido

que dê sentido a vida do sujeito que indaga.

No mundo ocidental, a ciência moderna surgiu e desenvolveu-se no

interior das religiões, principalmente na Igreja Católica. O período da longa noite

de mil anos, chamado de Idade Média, era herdeiro direto da cultura greco-

romana, mas sua sociedade assentava-se em bases estritamente cristãs, portanto

religiosas; dirigida e organizada pela Igreja Católica, tinha como lei os textos

bíblicos. Dessa forma, os textos clássicos foram adaptados, ou cristianizados, para

17

serem aceitos. Aristóteles era considerado o “filósofo” pela Igreja e sua idéia de

que a Terra era o centro do Universo foi associada à de que o ser humano era o

centro da criação divina, portanto, plenamente aceita.

Se considerarmos a religião uma concepção geral do mundo na qual o

universo material e o destino humano são governados por um poder divino e

sagrado, torna-se claro que se fundamenta em explicações sobre a origem e o

movimento de todas as coisas. Decorre então que a História da Ciência sempre

encontra a barreira do fenômeno religioso ou das formas culturais religiosas do

passado.

O homem percebe que, conhecendo os fenômenos da natureza, ele

adquire poder sobre ela e outros homens. Como se isso não bastasse, com o

advento da modernidade, criaram-se as academias de ciências que passam a

determinar que tipo de conhecimento é válido. Atualmente, esse poder está nas

mãos das universidades, dos governos e dos grandes laboratórios.

O projeto político desenvolvido a partir do século XVIII produziu uma

transformação no conhecimento que se constitui no pano de fundo das novas

relações entre o saber e o poder, legitimando as relações de dominação que

determinados grupos sociais exercem sobre outros. Nesse cenário, o mito da

neutralidade científica tornou-se significativo e o esquecimento das raízes míticas,

mágicas e religiosas das ciências, bem como a exclusão de sua história e gênese,

tornou esse mito possível.

Busquei também uma relação entre a ciência produzida e a ciência

ensinada. A educação igualmente é vista como um poder, também é hegemônica

e se presta a fins políticos. Contudo, observando a História da Ciência, verificamos

que ela é crítica27 e leva o aluno a entrar em contato com outras formas de

27 A História da Ciência é crítica, a Ciência não! A Ciência preocupa-se com os fazeres científicos.A História da Ciência preocupa-se em analisar esses fazeres.

18

conhecimento, com as origens desse conhecimento e, portanto, pode modificar o

olhar sobre a própria Ciência.

O olhar de Hórus é o olhar interdisciplinar que permite a aproximação das

diversas áreas do conhecimento, fornecendo subsídios para que essas inter-

relações entre a própria Ciência, o mito, as religiões e o poder possam ser

articuladas, na sala de aula, de modo que possa formar sujeitos críticos que

compreendam a Ciência como mais outra forma de conhecimento humano.

O segundo olhar de Hórus observa a minha prática como professor

interdisciplinar de História da Ciência no Ensino Médio e nos cursos de Formação

de Professores de ciências. Neste capítulo, são analisadas as metodologias e as

estratégias utilizadas com os alunos do Ensino Médio, bem como os objetivos

alcançados. Em seguida, foi abordada esta experiência e como a compartilhei com

os professores em formação no sentido de como eles a poderiam utilizar nas suas

salas de aula, por meio da homologia de processos.

O terceiro olhar observa as vozes dos alunos do Ensino Médio e do curso

de Formação de Professores em função dos questionários respondidos por eles

no final de cada curso (Anexos 1 e 2). São analisados os conceitos de Ciência,

antes e depois do seu estudo como construção histórica; a visão sobre os

cientistas; o significado e as descobertas, após entrar em contato com a História

da Ciência, bem como as conexões estabelecidas com outras disciplinas; a

motivação de conhecer a vida e a obra dos cientistas brasileiros e o deslocamento

do ensino tradicional em relação ao conhecimento, onde o professor é o

transmissor e o aluno o receptor, para o processo de construção desse

conhecimento vivenciado ao longo do curso.

Pela da análise das vozes dos alunos, o Olhar de Hórus traz a visão

panorâmica da minha vivência interdisciplinar como professor de História da

Ciência no Ensino Médio e nos cursos de Formação de Professores de Física e

Formação de Professores de ciências.

19

3. Um olhar sobre o passado: as dificuldades na aprendizagem deciências e a formação profissional

Hórus nasceu duas vezes – primeiro do Céu (o ideal) e depois da Terra(minhas necessidades)...

Como explicitei anteriormente, a minha pesquisa tem como ponto de partida

a minha história de vida. Da vontade construída de observar o vivido e com o olhar

de hoje, lanço-me ao passado para compreender minha trajetória, o caminho que

me conduziu até aqui.

Como ocorria com os navegadores que descortinaram terras

desconhecidas, às vezes torna-se difícil encontrar palavras para descrever as

novas terras e fazer-me ao mar da imaginação. As transformações ocorridas ao

longo da jornada carecem muitas vezes de palavras adequadas ao processo

descritivo. Como começar? Por onde começar?

Uma situação sempre recorrente: por que o aprendizado da Ciência, tão

difícil para mim, continua o sendo também para os meus alunos? Posso supor e

elencar diversos fatores, mas freqüentemente as respostas são encontradas nas

raízes dos problemas. 28 Então para nos aprofundarmos um pouco mais neste

assunto, penso ser interessante buscar, em suas origens, as causas dessas

dificuldades que acabam por se transformar em repulsão, analisando os caminhos

da educação no Brasil, desde a sua implantação.

É bastante difícil compreender os problemas educacionais de hoje

desconhecendo-se o contexto no qual foi tecido o sistema escolar desde sua

20

implantação, que remonta ao período da colonização. Aí, provavelmente,

nasceram os problemas do ensino de ciências, que contou, desde o início, com

um reduzido número de professores mal preparados nessa área. Os problemas

daí decorrentes refletiram-se na aprendizagem.

Embora passados centenas de anos, o ensino das ciências, nas escolas,

ainda não passa de uma transposição didática, repleta de fórmulas e regras, sem

significado para os alunos, porque, geralmente, não são estabelecidas

articulações para os contextos que lhes são próximos e significativos. Também

não são mencionadas em que conjuntura e condições aconteceram tais

produções.

Olhando para um passado distante, chego, nas asas da imaginação, aos

primeiros movimentos necessários para se efetuar a posse dessas terras por

Portugal. Estruturada para atender as necessidades de enriquecimento da

Metrópole e a economia na Colônia, até o século XVII, assentou-se inicialmente no

extrativismo do pau-brasil e depois, para garantir a posse da nova terra, no plantio

da cana-de-açúcar. Modificou-se o enfoque da colonização pela ocupação para o

do povoamento e cultivo da terra. Com isso, aportaram no Brasil membros da

pequena nobreza portuguesa que se dispuseram a levar avante tal empresa. Daí,

a necessidade da criação de escolas. Para tanto, como já ocorria em Portugal, o

ensino ficou a cargo dos jesuítas, o que desobrigou a Coroa de custeá-lo. 29

Quando aqui chegaram (1549), fundaram em São Vicente um seminário

que se tornou o modelo para ensino médio por mais de duzentos anos. Embora

tivesse como pressuposto a formação de sacerdotes, apresentava-se como a

única opção para a formação da elite local, preparando-a para o ingresso nas

universidades européias. Observa-se, então, que o ensino médio, desde sua

28 A educação escolática dos jesuítas que pouco espaço tinha para as ciências.29 José M. R. Pinto. O Ensino Médio. In: R. P. Oliveira; Theresa Adrião. Organização do ensinono Brasil, p. 65.

21

implantação apresenta uma configuração elitista e propedêutica30 cuja

metodologia ainda valoriza a disciplina e a memorização e o estudo das

humanidades em detrimento das ciências experimentais.

O primeiro programa educacional, implantado pelo padre Manuel da

Nóbrega, além de catequizar e instruir os indígenas, conforme determinavam os

Regimentos, 31 atendia também aos filhos homens dos colonos, uma vez que eram

os jesuítas os únicos educadores profissionais e a educação feminina restringia-se

a boas maneiras e prendas domésticas. O mérito deste plano era o de ter sido

elaborado de forma diversificada para atender à diversidade aqui encontrada mas

a partir de 1599, com a publicação da Ratio Studiorum, 32 o ensino jesuítico optou

definitivamente pela formação da elite colonial. Seguindo os padrões vigentes em

Portugal, tal sistema, adaptou-se perfeitamente às necessidades da política

colonial e, ao privilegiar o trabalho intelectual, acabou por afastar os estudantes da

realidade imediata e evidenciou as desigualdades sociais.

No período em que ficou aqui, mais de duzentos anos, a Companhia de

Jesus promoveu e sofreu modificações, entretanto, sempre permaneceu fiel

àquela educação humanista, tão cara aos portugueses e ao espírito escolástico,

impermeável à pesquisa e experimentação científica. 33 As escolas jesuítas

remanescentes, até o presente, permanecem ensinando aquele aproveitamento

do tempo defluente, de uma divisão por disciplinas, do tempo disponível, a fim de

otimizar o estudo.

30 Propedêutico significa preparação ou habilitação para um ensino mais completo. No contextoatual da educação brasileira, o ensino propedêutico é aquele voltado para o ingresso nos cursossuperiores por meio dos exames vestibulares, sem a preocupação com a formação profissional esem a preocupação com uma efetiva formação integral dos alunos.31 Os Regimentos eram a política de D. João III (17/12/1548) destinados à conversão dos nativos àfé católica por meio da instrução e da catequese.32 O Ratio Studiorum era a organização e plano de estudos da Companhia de Jesus (1599),fundamentado na cultura européia. Consistia em aulas elementares de Humanidades, Filosofia,Artes, e Teologia, possibilitando a obtenção dos títulos de bacharel, licenciado e mestre em artes.33 Walter Cardoso et al. Para uma história das ciências no Brasil colonial, p. 15.

22

Só nos últimos anos do regime imperial é que se observa uma significativa

modificação da paisagem social brasileira: o crescimento da classe média e sua

participação na vida pública, a urbanização e a libertação dos escravos. Contudo,

a Constituição de 1891 efetivou a descentralização do ensino proposta pelo Ato

Adicional de 1834, reforçando a distância entre a educação para a classe

dominante, concretizada nos níveis secundário e superior, e para o povo, restrita à

educação primária e profissional. Neste contexto, foi adiada, mais uma vez, a

criação de uma universidade brasileira, sob a influência do positivismo que

também orientou a organização escolar.

A ideologia positivista comtiana funcionou como um inibidor para a

expansão do conhecimento, pois, entre outras coisas, Comte afirmava que “a

ciência estava pronta, acabada, pois seus fundamentos estavam consolidados”. E

ainda: “ciência, logo previsão, logo ação”. O positivismo garantiu a justificação do

poder técnico e, mais do que isso, do poder dos tecnocratas.

Infelizmente, os professores de ciências, herdeiros dessa concepção e

fortemente marcados por ela, ainda hoje não se comprometem verdadeiramente

com o estudo crítico dos processos históricos que compuseram e estruturaram os

conceitos e as teorias de sua ciência. Quando tal estudo é desconsiderado, não se

capacitam para elaborar uma crítica adequada ao saber científico, do próprio

saber, do saber que lhes foi transmitido e que transmitem. Dessa maneira,

acabam apenas retransmitindo resultados da Ciência, o que difere do ensino

científico. Repetem um conhecimento descontextualizado, fragmentado e

dogmático de uma ciência distanciada da história da vida. Este tipo de

conhecimento traz consigo a idéia de que todas as descobertas científicas estão

revestidas de certezas e são a única verdade válida. Essa forma de pensar no

mito do progresso, é sem dúvida uma visão triunfalista e de dominação.

Como exigência da Constituição de 1946, em outubro de 1948 foi

encaminhado à Câmara Federal o projeto da Lei de Diretrizes e Bases da

23

Educação Nacional, que só seria aprovado em 1961, em função dos amplos

debates que desencadeou, em especial pelos defensores do ensino particular,

representados pela escola católica que defendia seus interesses sob o ponto de

vista pedagógico e jurídico.

No aspecto pedagógico, a Igreja Católica acusa a escola pública de ter

condições de desenvolver somente a inteligência e, enquanto tal, instrui, mas não

educa. Ela não tem uma “filosofia integral de vida”. 34 Portanto, apenas ela seria

capaz de desenvolver a inteligência e formar o caráter, ou seja, educar. Em sua

defesa chegou ao extremo de relacionar o aumento da criminalidade ao aumento

do número de escolas públicas. Contudo, o próprio Manifesto dos Pioneiros da

Educação Nova (1931) já apontava suas preocupações formativas ao afirmar que:

O físico e o químico não terão necessidade de saber o que está a

se passar além da janela do seu laboratório. Mas o educador,

como o sociólogo, tem necessidade de uma cultura múltipla e bem

diversa; as alturas e as profundidades da vida humana e da vida

social não devem estender-se além do seu raio visual. Ele deve

ter o conhecimento dos homens e da sociedade em cada uma de

suas fases, para perceber, além do aparente e do efêmero, o

“jogo poderoso das grandes leis que dominam a evolução social”

e a posição que tem a escola e a função que representa, na

diversidade e pluralidade das forças sociais que cooperam na

obra da civilização. 35

A Revolução de 1964 trouxe para a sociedade brasileira os chamados

“anos de chumbo”, gerados pelo governo arbitrário e pela ausência do estado de

direito. Os reflexos desse período foram desastrosos na cultura e na educação,

34 Maria Luisa S. Ribeiro. História da educação brasileira e organização escolar, p. 166.35 Fernando de Azevedo. A educação entre dois mundos: problemas, perspectivas eorientações, p. 60.

24

além dos prejuízos econômicos, políticos e do sofrimento dos perseguidos,

torturados, mortos, “desaparecidos” e “suicidas”.

No início desse período, o ensino de ciências baseado nos moldes

positivistas começou a ser questionado e o ensino experimental fundamentado no

princípio da aprendizagem por descoberta passou a ser visto como a solução para

o problema. Em 1964, surgiram as primeiras traduções dos livros didáticos norte-

americanos orientados por esse novo procedimento. Então, as novas palavras de

ordem eram: manipular, experimentar, observar. 36 Tentava-se aproximar os

alunos da atividade científica e nessa condição poderiam se deparar com algumas

evidências diante das quais teriam de formular hipóteses adequadas para explicar

o fenômeno observado, redescobrindo sozinhos, com base nos dados obtidos, o

conhecimento científico. No entanto, as dificuldades mostravam-se as mesmas: os

professores não tinham muita clareza do seu papel nessa proposta e passaram a

acreditar que bastava fornecer os meios e materiais necessários para a execução

do experimento e os estudantes aprenderiam sozinhos, só que isso não

aconteceu.

Ao transferir toda a responsabilidade pelo processo de aprendizagem para

os alunos, abriram mão das suas funções de orientadores e mediadores do

processo e não modificaram o enfoque de ensino, que continuou sendo o da

transmissão. O equívoco dessa visão reside no fato de deslocar o eixo pedagógico

de verbal para o experimental, acreditando, com isso, resolver os problemas de

ensino de ciências. Todavia, é tanto possível dar péssimas aulas utilizando

laboratórios e equipamentos sofisticados quanto dar boas aulas tendo o recurso

da palavra, o quadro-negro e o giz. O que é preciso é um bom professor!

Com isso, poderíamos sustentar que o problema não é apenas de

procedimentos, mas abarca outros fatores, mais complexos, que incluem, como já

36 Lais dos Santos Pinto Trindade. Alquimia dos processos de ensino-aprendizagem emQuímica, p. 43.

25

frisamos, a visão da ciência de quem ensina, que é tão particular quanto sua

visão de mundo.

A Lei 5.692/71 ampliou a escolaridade básica para oito anos, fundindo o

ensino primário com o ginasial e tornou profissionalizante, obrigatoriamente, o

ensino secundário, agora denominado de segundo grau. Nos primeiros anos da

minha carreira, a partir de 1975, lecionei para os alunos que eram produto desse

processo. Contudo, essa Lei feria os interesses da elite que não tinha qualquer

interesse na profissionalização de seus filhos; não teve, portanto, o apoio dos

industriais a quem tinha a intenção de beneficiar. Assim sendo, nove anos depois

foi revogada, e o problema da escolarização superior, resolvido, da pior forma

possível, com a expansão significativa das faculdades particulares. Analisando-a,

verifica-se que essa Lei tinha um caráter tecnicista, com destaque na quantidade e

não na qualidade, nas técnicas pedagógicas em detrimento dos ideais

pedagógicos, na submissão e não na autonomia.

Com tais técnicas pedagógicas, o professor passa a ser um bom reprodutor

de conteúdos. Na rede pública e também na particular, aumentava cada vez mais

o número de “professores de ciências” oriundos de outras áreas, como estudantes

de medicina, engenharia, odontologia etc. Tais profissionais não tinham formação

pedagógica, porém bastava repetir o que estava escrito nos livros didáticos e nas

apostilas. Ou seja, o professor era qualquer um que pudesse ser treinado para

repetir o conteúdo dos livros didáticos ou apostilas. Tal fato dava continuidade ao

antigo modelo de ensino no qual profissionais da educação despreparados

ensinavam ciências sem compromisso de sua contextualização. Continuávamos

com o modelo escolástico. 37 Alguns desses profissionais acabaram depois sendo

meus alunos nos cursos de licenciatura nas Faculdades Oswaldo Cruz e na

37 Típico modelo de sala de aula frontal, com o professor à frente e os alunos ouvindo, ou fingindoque ouvem, para depois serem avaliados pela literalidade com que repetem e reproduzem o queouviram. José Pacheco (2006. p.1) explica que há quase um século, Freinet dizia que o único papelque o aluno desempenhava, no seu tempo, era o de uma fita magnética que gravava as palavraspara as reproduzir, sem que existisse o menor processo de integração. E citava Montaigne: "saber

26

Universidade de Guarulhos. Que sistema educacional é esse que permite que tal

fato ocorra na área de ciências? Infelizmente isso também ocorre em outras áreas.

Nesse período, houve, de fato, um crescimento do número de escolas

públicas, mas sem a ampliação dos recursos financeiros, o que resultou na sua

degradação. Com isso, a classe média, interessada em um ensino de melhor

qualidade, abandonou a rede pública, gerando o incremento das empresas de

ensino privado.

Cursei o primeiro ano do curso científico em 1967 que, a partir do segundo

ano, já era denominado colegial. Embora fosse essa a minha opção, passei a não

gostar, como a maioria dos alunos, das disciplinas, Física, Química e Biologia.

Tinha muita dificuldade no seu aprendizado, pois os professores jamais se

preocuparam em conhecer o significado da Ciência que ensinavam – sua origem,

o contexto em que foi produzida, as escolhas que foram feitas etc. Além disso,

vivíamos um período muito difícil e de intensa repressão ideológica. Não se faziam

comentários sobre as aplicações da Ciência, restringindo-os aos conteúdos dos

livros didáticos, geralmente adaptados de obras americanas, que visavam única e

exclusivamente à formação propedêutica. Alguns desses livros, muito famosos na

época, como o Chemical Bond Approach, foram traduzidos e adotados em várias

escolas particulares. Durante o segundo ano colegial, tivemos três professores de

Física, pois dois deles (um estudante de engenharia e um estudante de medicina)

foram perseguidos e presos.

Também a minha graduação em Química nas Faculdades Oswaldo Cruz, a

partir de 1974, ocorreu nos moldes tecnicistas vigentes. Tal tendência resultou da

tentativa de aplicar na escola o modelo empresarial, que se fundamenta na

racionalização, própria do sistema capitalista. Um dos objetivos dos incentivadores

dessa vertente era, portanto, adequar a educação às exigências da sociedade

de memória, não é saber". Montaigne reagia ao "costume escolástico de impor os conhecimentoscomo quem os despeja por um funil".

27

industrial e tecnológica, evidentemente com economia de tempo, esforços e

custos. Logo, para inserir o Brasil no sistema do capitalismo internacional, seria

necessário tratar a educação como “capital humano”. A Ciência era vista como

uma forma de conhecimento objetivo, ou seja, passível de verificação rigorosa por

meio da observação e da experimentação. O ensino tecnicista tinha como objetivo

a mudança de comportamento do aluno por meio de treinamento com a finalidade

de desenvolver suas habilidades. Era o auge do ensino profissionalizante que

pouco durou, pois a maioria das escolas não tinha laboratórios adequados e

professores preparados para oferecer esse tipo de ensino. Nessa época, os

currículos não apresentavam flexibilidade. Será que hoje apresentam?

Fiz a licenciatura em Química com um currículo de Bacharelado e, ao final,

cursei as disciplinas comuns a todos os cursos de licenciatura: Didática, Psicologia

da Educação, Estrutura e Funcionamento do Ensino de Primeiro e Segundo Graus

e Prática de Ensino. Não havia espaço para reflexões históricas e filosóficas

acerca da Ciência. Era, realmente, um treinamento para desenvolver habilidades.

Havia, e ainda há, um despreparo dos professores universitários e isso afeta a

formação em ciências de maneira geral, não só os licenciandos.

Os professores universitários se comprometem pouco, muito

aquém do necessário, com essa questão da formação de

professores e com a sua autoformação pedagógica, deixando para

outro grupo, geralmente externo ao curso, a formação didático-

pedagógica de seus alunos que desejam se licenciar e exercer o

magistério.38

Este tipo de formação era levado para as salas de aula do curso colegial.

Em vez de promover nos estudantes o gosto pela pesquisa e o prazer pelo

conhecer, valorizava apenas o conteúdo disciplinar. Leis, regras, fórmulas,

cálculos, símbolos complicados, representações incompreensíveis. Era, e ainda é,

38 Otávio A. Maldaner. A formação inicial e continuada de professores de Química, p. 47.

28

assim que aprendem Química, Física etc., acreditando em um conhecimento

verdadeiro e definitivo, abordado apenas de forma analítica. Conforme Trindade: 39

... é uma fórmula mais rápida para cumprir a tarefa de transmitir

uma grande quantidade de conteúdos; é também a mais segura,

pois, assim, é o professor quem continua controlando o tempo e

as situações vividas na sala de aula.

Outro aspecto a ser considerado é que o docente universitário não se

envolve com a questão da formação dos alunos que pretendem ensinar ciências. O

que se constata é a sua preferida dedicação às atividades de pesquisa científica,

com uma distância entre investigação e docência, e suas conseqüências

traduzidas, geralmente, na baixa qualidade de ensino.

Por isso, os professores dos institutos ou departamentos de

química, ao atribuírem às faculdades de educação a tarefa de

formarem professores, esquecem ou ignoram que os conteúdos

químicos precisam ser pedagogicamente transformados,

disponibilizando-os para a promoção de aprendizagem dos futuros

alunos de seus licenciandos. Em outras palavras, ignoram o que

Perrenoud define como “a essência do ensinar”, isto é, a

transposição didática. Esse conceito implica que a docência

necessita integrar o conhecimento acadêmico de química ao

conhecimento pedagógico sobre o processo de ensino. 40

Como os professores em formação não podem ensinar diretamente os

conteúdos conforme aprendem nas disciplinas científicas, com quem aprenderão

sobre o que e por que ensinar determinado conteúdo de Química, Física,

Matemática e Biologia no Ensino Médio? Definitivamente não será com os

pedagogos, pois estes sabem outras coisas, mas não ciências. Este processo vem

39 Lais dos Santos Pinto Trindade. A alquimia dos processos de ensino-aprendizagem emQuímica, p. 45.40 Otávio A. Maldaner. A formação inicial e continuada de professores de Química, p. 14.

29

mudando gradualmente com a criação dos Institutos Superiores de Educação,

onde os vestibulandos optam por cursos de licenciatura e não de bacharelado.

Na cidade de São Paulo, no Colégio Virgem Poderosa, em 1975, onde

iniciei a minha carreira (ainda como estudante), havia o curso de Análises Clínicas,

no qual todas as disciplinas profissionalizantes eram ministradas por dois

professores: um estudante de biomedicina e uma estudante de bioquímica. Nesse

mesmo ano, passei a lecionar na Escola Estadual Princesa Isabel (São Paulo).

Desde as primeiras aulas, percebi que os livros didáticos, baseados na lógica

tecnicista de conteúdos, não atendiam as minhas necessidades como professor.

Queria algo mais e passei a elaborar textos complementares que envolviam a

história e o desenvolvimento da Ciência. Senti que era mais fácil, dessa maneira,

despertar o interesse dos meus alunos que tinham aversão às disciplinas

científicas.

Em 1978, iniciei a minha carreira como professor universitário, lecionando

Química Geral nas Faculdades Oswaldo Cruz. O ensino tecnicista continuava em

vigor; havia um ciclo básico para os alunos de Engenharia Química, Química

Industrial, Licenciatura e Bacharelado em Química, Física e Matemática. Eram 17

turmas e o currículo era o mesmo para todas elas. Os alunos dessas turmas,

vindos do segundo grau profissionalizante, eram produto da LDB 5.692/71. Ainda

nesse ano passei a lecionar Química para os cursos de Licenciatura em Física,

Matemática e Biologia na Universidade de Santo Amaro e Química Analítica para o

curso de Licenciatura em Química na Universidade de Guarulhos. Senti que

precisava, como já fazia no curso colegial, tornar minhas aulas mais interessantes.

Procurava, desde aquela época, embora sem nenhuma sustentação teórica, pautar

minhas aulas em um enfoque histórico. Percebi então que, ao situar as teorias de

Química no contexto em que haviam sido produzidas, despertava maior interesse

dos alunos.

30

Nessa época, ministrava muitas aulas no laboratório, o que me incentivava

ainda mais nas pesquisas. Estava sempre acompanhado de vários livros e textos

pertinentes às aulas. Nesse momento, a História da Ciência servia apenas para

chamar a atenção dos alunos. Gradativamente, fui organizando os experimentos já

conhecidos e tornando-os menos técnicos e mais didáticos. O resultado de todo

esse trabalho foi a publicação, em 1981, do livro Química Básica Experimental pela

Editora Ícone. Ainda hoje o livro é utilizado em muitas escolas de Ensino Médio e

cursos básicos de Química em nível universitário. Em 1980, conheci o professor

Márcio Pugliesi que lecionava a disciplina História e Desenvolvimento do

Pensamento Científico, no curso de licenciatura em Química nas Faculdades

Oswaldo Cruz, e esse contato ativou ainda mais o meu interesse pela História da

Ciência.

As pesquisas sobre História da Ciência levaram-me à construção de um

currículo paralelo41 em que pude perceber que o desenvolvimento histórico da

Química, Física e Matemática mostrava que estas ciências não precisavam ser

ensinadas de modo tão fragmentado, tradicional e cansativo. O fruto desses

primeiros anos de pesquisa foi a publicação, em 1983, do livro Química Básica

Teórica, em parceria com Márcio Pugliesi, obra na qual a articulação dos capítulos

foi feita em função da visão histórica do desenvolvimento da Química. Em 1981,

ingressei no curso de Pedagogia, na UNINOVE, 42 onde tive uma forte predileção

por História da Educação, o que me conduziu a pesquisas que foram muito

importantes quando lecionei a disciplina Organização Escolar no ISE Oswaldo

Cruz e que culminou com a publicação, em 2007, do livro Os Caminhos da

41 Ricardo Hage de Matos explica que currículo paralelo é aquele que pode participar ativamentena formação de uma pessoa sem ser efetivamente reconhecido pelo currículo oficial. No geral éformado por um arcabouço de saberes que faz sentido a uma determinada pessoa e que seconfiguram a partir das suas experiências e desejos mais profundos. O currículo paralelo funcionasempre em um âmbito de autodidatismo. Na realidade, um currículo paralelo pode ser o realresponsável pela formação do indivíduo e mesmo assim ter sua importância ignorada pela escolabem como pelo próprio indivíduo formado. Ricardo Hage Matos é Doutor em Educação pela PUC-SP e professor de Metodologia de Pesquisa em Arte e Interdisciplinaridade; Arte e Ciência doPrograma de Mestrado em Artes Visuais da Faculdade Santa Marcelina, São Paulo, SP.

42 Universidade Nove de Julho (São Paulo, SP).

31

Educação e da Ciência no Brasil, em parceria com a professora Lais dos Santos

Pinto Trindade. Este livro mostra outros possíveis caminhos para conduzir

conteúdos áridos dos livros didáticos ou dos programas de ensino, possibilitando,

em cenários diversos, oferecer espaços para a discussão crítica dos conteúdos.

Outras necessidades apareceram, ampliando o leque de conhecimentos.

Assim, cursei (1982-1983) uma especialização em Estudos Brasileiros na

Universidade Mackenzie. Optei pela área de Estudos Psicossociais para

desenvolver uma monografia que abordava alguns aspectos históricos e sociais da

Umbanda no Brasil. Esta pesquisa tornou-se o embrião de outras mais profundas,

sobre as raízes dos cultos afro-brasileiros, e o resultado foi a publicação de dez

livros sobre o assunto, além de dois artigos no jornal D. O. Leitura, periódico

cultural da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

Por que essa escolha? Como a religião permeava a minha vida?

Apesar da formação religiosa católica herdada de meus pais, o meu

despertar espiritual ocorreu apenas aos 25 anos, quando tive o primeiro contato

com o Espiritismo. Após cinco anos, com algum conhecimento sobre os aspectos

da mediunidade, passei a freqüentar templos de Umbanda, pois a sua ritualística

tinha maior significado para mim. Em 1981, fui consagrado sacerdote de

Umbanda. 43 Tornei-me também um pesquisador sobre as origens dessa religião.

Essa pesquisa associada à minha vivência sacerdotal possibilitou então escrever a

monografia e os livros.

Surgiram os conflitos: como ser professor em um instante e sacerdote em

outro? Seria possível não separar as duas atividades? Seria possível ensinar

ciências num período e atender espiritualmente pessoas em outro, sem confundir a

minha mente? Quais os benefícios que a religião e a vida sacerdotal poderiam

trazer para a minha tarefa de educador?

43 Popularmente conhecido como Pai de Santo.

32

Desde tempos imemoriais, o sacerdote é aquele que tem o compromisso de

realizar os rituais e age como mediador entre os deuses e o homem. Sacerdócio e

compromisso não podem caminhar em trilhas separadas. Por isso o sacerdote é o

iniciado, aquele que conhece a si mesmo. O conhece-te a ti mesmo é o principio

de toda a sabedoria. 44 O que é ser um professor-sacerdote? Um professor

iniciado? É aquele que faz a mediação entre os alunos e o conhecimento?

Magistério é sacerdócio?

O tempo encarregou-se de resolver esses conflitos. A busca dos aspectos

místicos da vida, na procura da origem e do sentido da existência, mostrou as

conexões possíveis. A religião ampliou os meus horizontes, deslocando a minha

racionalidade científica para valores que incluíam dimensões do ser, como a fé e a

intuição. Ficou mais fácil a aproximação com os alunos, escutá-los, enxergá-los,

entrar por inteiro na relação com eles sem perder a minha dimensão de professor.

Despertar para outras realidades, sentir o Sagrado passou a fazer parte do meu

cotidiano e, por conseguinte, das minhas práticas pedagógicas. O Sagrado não

implica necessariamente em uma crença (não era necessário falar de religião com

os alunos); é uma experiência que se traduz por um sentimento que une os seres e

as coisas, resultando no absoluto respeito pela vida. Tangenciar o Sagrado é

descobrir a magia do ser humano, sua significação e grandeza. 45

Como Hórus, percebi o sentido do entrelaçamento do destino divinocom a realidade humana.

A mudança de atitude como professor transpareceu e alguns alunos e

professores acabavam me procurando como sacerdote no templo e na própria

escola. Hoje não exerço mais a tarefa sacerdotal tradicional. Não estou ligado a

uma religião, passei a interagir com os princípios de outros sistemas filo religiosos

44 Ruy Cezar do Espírito Santo. Autoconhecimento na formação do educador, p. 23.45 Ruy Cezar do Espírito Santo. O Renascimento do Sagrado na Educação, p. 12.

33

que norteiam a minha vida como um todo. Agora meu templo é o Universo! Ficou

mais fácil a visão global do conhecimento.

Esse conhecimento tem sido chamado de “holístico”,

de visão “interligada do universo”,

de “perspectiva gaia”,

de “nova era”, pelo senso mais comum...46

Como professor-sacerdote passei a habitar um mundo diferente, onde a

interioridade faz diferença, onde o principal passou a ser a minha relação com os

alunos. Percebi que a educação poderia acontecer nesse espaço invisível, que se

estabelece a dois, um espaço-arte semanalmente construído.

Com o fim dos anos de chumbo e a Constituição de 1988, pressenti que

talvez pudesse compartilhar um mundo pessoal com outros professores, que

também sonhavam em ser educadores, em função das modificações importantes

que passaram a ocorrer na educação brasileira. As mais importantes estão

contidas nos artigos 205 e 208 da Constituição, que atribuem à educação um

direito de todos e dever do Estado e da família, com acesso ao ensino obrigatório e

gratuito como direito público subjetivo. 47 Estabeleceu, por Lei, o Plano Nacional de

Educação, que tem, em linhas gerais, definidos como objetivos: o aumento do nível

de escolaridade da população; a melhoria da qualidade de ensino em todos os

níveis, reduzindo as desigualdades sociais e regionais no que se refere ao acesso

e permanência na escola pública; além de democratizar o espaço escolar com a

participação dos professores e da comunidade na elaboração do projeto

pedagógico da escola.

Toda comunidade deve participar da elaboração do projeto pedagógico da

escola: professores, alunos, coordenadores, supervisores, administrativos. Penso

46 Ibid, p. 11.47 O direito público subjetivo é aquele que pode ser pleiteado no Poder Judiciário.

34

que também os funcionários da limpeza devem participar, pois sala de aula e

banheiros limpos são importantes aspectos pedagógicos.

Embora o regime militar houvesse atribuído aos municípios a administração

do ensino fundamental, não alocou recursos técnicos e financeiros para sua

concretização. Apenas com a Constituição de 1988 é que o município passou a

fazê-lo. Contudo, tal iniciativa velava os interesses neoliberais de reduzir os gastos

sociais do Estado, o que se tornou mais claro após a promulgação da Lei

9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação, que centralizou na instância federal

as decisões sobre currículo e avaliação e transferiu para a sociedade

responsabilidades que seriam de sua exclusiva competência. Essa

descentralização é um exemplo concreto de uma política que centralizava o poder

e descentralizava as responsabilidades. 48

Na elaboração da Constituição de 1988 observou-se, novamente, o embate

entre os defensores do ensino público e do privado, agora com suas fileiras

engrossadas pelos empresários da educação. Estes últimos classificavam o

ensino público como ineficiente e fracassado diante da superioridade de suas

instituições, mas omitiam os benefícios obtidos do próprio governo, como

imunidade fiscal, garantia de pagamento das mensalidades e bolsas de estudo,

além do descompromisso estatal com a educação pública, que deteriorou a

estrutura da escola e o salário dos professores.

No que se refere ao Ensino Médio, cabe ressaltar que seus objetivos são

ambiciosos, entretanto distantes da realidade daquela que hoje é oferecida, exceto

pelo seu eterno caráter propedêutico. Devemos ressaltar que, em grande parte, a

maioria das escolas continua oferecendo esse tipo de ensino para atender os

anseios dos pais que, formados nos moldes tradicionais tecnicistas, não se

preocupam com uma efetiva formação integral dos filhos, preocupando-se apenas

com o seu ingresso nas melhores universidades.

48 José Carlos Libâneo et al. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização, p. 36.

35

É um absurdo a quantidade e o tipo de conteúdos de informações que os

alunos devem estudar para o vestibular. Exige-se dos estudantes que eles saibam

mais, em amplitude, do que sabem os cientistas já formados.

A mente só guarda e opera conhecimentos de dois tipos: (1) os

conhecimentos que dão prazer e (2) os conhecimentos

instrumentais, que podem ser usados como ferramentas. Como

uma altíssima porcentagem do que se exige para os exames

vestibulares não é nem conhecimento que dê prazer nem

conhecimento que se use como instrumento, esse supérfluo é logo

esquecido. O esquecimento é uma operação de inteligência que

se recusa a carregar o inútil e o que não dá prazer. A inteligência

deseja viajar com leveza... 49

A História da Ciência é um conhecimento que dá prazer, porém também é

instrumental, porque pode ser uma ferramenta importante para o aprendizado das

ciências.

Acordar para a ciência

Percebê-la ligada à Vida

Sua particular beleza

Seu sentido no cotidiano de quem aprende. 50

Nos moldes tecnicistas, a beleza da Ciência não está presente e a

educação atua no aperfeiçoamento da ordem social vigente (o sistema capitalista),

articulando-se diretamente com o sistema produtivo; para tanto, emprega a ciência

da mudança de comportamento, ou seja, a tecnologia comportamental. A escola

deveria ser produtiva, racional e organizada e formar indivíduos capazes de se

engajar rápida e eficientemente no mercado de trabalho.

49 Rubem Alves. Estórias de quem gosta de ensinar, p. 19.50 Ruy Cezar do Espírito Santo. Desafios na formação do educador, p. 66.

36

Em 1989, fui aprovado no concurso público e assumi o cargo de professor

de Química na antiga Escola Técnica Federal de São Paulo, hoje Centro Federal

de Educação Tecnológica de São Paulo, CEFET-SP. Lecionei até 1996 nos vários

cursos técnicos dessa instituição. Quando a nova LDB entrou em vigor, os

CEFETs passaram por uma transformação concernente à sua missão

educacional: além dos cursos técnicos, começaram também a oferecer cursos

superiores e o Ensino Médio que teve as primeiras turmas, em São Paulo, em

1998.

A minha experiência no Ensino Médio do CEFET-SP, onde o enfoque do

ensino é a formação de alunos críticos e pensantes e não de seres treinados para

o vestibular, mostra que eles, geralmente, apresentam um bom rendimento nos

exames da FUVEST, UNICAMP, UNESP etc. Não é necessário um ensino

tecnicista para obter sucesso nos vestibulares. Isso porque, como vimos

anteriormente, a mente só guarda e opera os conhecimentos que dão prazer e os

conhecimentos instrumentais.

Com a LDB 9.394/96, o Ensino Médio passou a viver um momento de

profundas transformações, exigindo novas abordagens e metodologias que

possibilitam, de uma forma mais abrangente e humana, a integração ao mundo

contemporâneo nas dimensões fundamentais da cidadania e do trabalho. Berger

nos diz:

Tínhamos um ensino descontextualizado, compartimentado e

baseado no acúmulo de informações. Ao contrário disso,

buscamos dar significado ao conhecimento escolar, mediante a

contextualização; evitar a compartimentação, por meio da

interdisciplinaridade; e incentivar o raciocínio e a capacidade de

aprender. 51

51 Ruy Leite Berger. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio, p. 13.

37

Na ótica de Berger, pelo papel que assumiu na história da educação da

maioria dos países, o Ensino Médio tornou-se particularmente vulnerável às

desigualdades sociais. Enquanto a finalidade do Ensino Fundamental nunca está

em questão, no Ensino Médio ocorre uma disputa constante entre orientações

mais profissionalizantes ou mais acadêmicas, entre objetivos humanistas e

econômicos. Essa tensão de finalidades torna-se evidente nos privilégios e

exclusões quando, como no caso do Brasil, a origem social é o fator

preponderante na determinação de quem tem acesso ao Ensino Médio e à qual

modalidade se destina.

As diretrizes propostas nortearam a implantação do Ensino Médio no

CEFET-SP.52 Para os terceiros anos, estavam previstos blocos de disciplinas

optativas, um dos quais foi chamado de Energia e Vida e ficou sob a

responsabilidade da área de Ciências da Natureza, Matemática e suas

tecnologias. A disciplina História da Ciência foi escolhida como unidade de caráter

curricular integrador. Enquadrou-se no Projeto Pedagógico da escola em seus três

pontos basilares: História da Ciência como eixo temático, a interdisciplinaridade

como método e também princípio filosófico-pedagógico norteador e a pedagogia

crítico-social dos conteúdos como embasamento de caráter teórico.

Um antigo sonho ganhava vida. Finalmente, começava-se a perceber a

importância desse estudo na formação do jovem. Seu eixo gerador – a

compreensão dos conceitos científicos ao longo da história, vinculada ao

desenvolvimento tecnológico e econômico da sociedade – procuraria relacionar os

conteúdos estudados nas diversas disciplinas das Ciências da Natureza,

Matemática e suas tecnologias com os “conteúdos” necessários para a vida e

talvez passar a compartilhar com os estudantes um conhecimento capaz de

despertar o desejo, o amor pelo saber.

52 Centro Federal de Educação Tecnológica de São Paulo.

38

Conhecimento é coisa erótica, que engravida. Mas é preciso que o

desejo faça o corpo se mover para o amor. Caso contrário

permanecem os olhos impotentes e inúteis... Para conhecer é

preciso primeiro amar. 53

Em 2000, comecei a lecionar essa disciplina. As dificuldades foram se

revelando em função da inexistência de referenciais teóricos para a ação

pedagógica. A idéia era inédita no Brasil, no que se refere ao Ensino Médio. O

grande desafio tornou-se sair da posição de ensinar, para aprender junto com os

alunos. A pesquisa compartilhada trouxe consigo uma visão mais abrangente dos

processos de ensino-aprendizagem-avaliação das Ciências da Natureza e de suas

regiões de fronteira, onde convivem também a História da Ciência, a Filosofia, a

História e a própria Ciência cuja história se pretende estudar. Trindade54 diz que:

Regiões de fronteira são regiões interdisciplinares, regiões de

encontros e transformações que se concretizam no

comprometimento do professor com seu trabalho e se alimentam

pelas experiências e vivências rituais de sua arte, anunciando

possibilidades de vencer os limites impostos pelo conhecimento

fragmentado, transformando-o em espaços criativos.

Diz ainda que:

O mundo é do tamanho do conhecimento que temos dele,

portanto, de nós mesmos. Ao ampliar esse conhecimento,

estendemos e estabelecemos nossas fronteiras, o mundo cresce,

o sabor da busca se intensifica, o que confere à ação pedagógica

um poder mágico: o de ir do presente ao passado, o de passear

por lugares nunca vistos, o de alcançar e ultrapassar fronteiras

transitando entre elas.

53 Rubem Alves. Estórias de quem gosta de ensinar, p. 105.54 Lais dos Santos Pinto Trindade. A alquimia dos processos de ensino-aprendizagem emQuímica, pp. 133 -134.

39

Um dos resultados foi que, ao findar o curso, cada aluno tinha produzido

uma monografia, muitas de qualidade excepcional. Algumas delas foram

submetidas a uma banca examinadora constituída por mim como orientador, um

doutor em Física Nuclear e um mestre em Educação. Esses alunos destacaram-se

no exame da FUVEST.

Nesse projeto de inclusão da disciplina História da Ciência no Ensino Médio

no CEFET-SP, os alunos acompanharam o desenvolvimento científico da

humanidade desde os primórdios da civilização até os dias de hoje. Nessa

grandiosa aventura da História, nos seus vários momentos, estudaram como os

seres humanos se relacionam, em todos os tempos, com o conhecimento.

Tal vivência possibilitou o desenvolvimento da minha pesquisa no Programa

de Mestrado em Educação da UNICID, 55 em que pude ter um contato mais

próximo com a interdisciplinaridade nos encontros semanais com a Professora

Dra. Ivani Fazenda.

Ao assumir a condição de pesquisador interdisciplinar, o interesse pela

investigação histórica ganhou um novo sentido em dimensão e profundidade, e o

projeto tomou corpo e resultou na minha dissertação intitulada de: História da

Ciência no Ensino Médio: um ponto de mutação – a interdisciplinaridade na

formação de um professor (2002).

A pesquisa teve como objetivo analisar criticamente, sob a ótica da

interdisciplinaridade, minha vivência como professor de História da Ciência no

Ensino Médio e a função desta disciplina como eixo norteador para a Área de

Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias.

55 Universidade Cidade de São Paulo.

40

Privilegiei a minha vivência como procedimento metodológico, por meio da

interdisciplinaridade. Para dialogar com a História da Ciência e a história de minha

prática como professor de História da Ciência, elegi interlocutores os Parâmetros

Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, as Diretrizes Curriculares para o

Ensino Médio, a interdisciplinaridade e a contextualização dos conteúdos.

Naquela pesquisa, tornou-se claro que o componente curricular História da

Ciência se mostrou um instrumento interdisciplinar competente na produção e

alteração do conhecimento, abrindo caminhos para o aluno, conduzindo-o à

autonomia nos estudos e na sociedade. Possibilitou, então, um novo olhar sobre a

Ciência, rompendo com antigos paradigmas, que conduziam à fragmentação do

conhecimento, e incorporando os novos paradigmas da ciência pós-moderna com

a visão holística do ser humano.

Por ser um assunto inédito, houve interesse na publicação da dissertação

pela Madras Editora. Transformou-se em livro, publicado em 2005 com o título de

O Ponto de Mutação no Ensino de Ciências. Desta experiência, surgiram outros

dois livros, em parceria com a professora Lais dos Santos Pinto Trindade: A

História da História da Ciência: uma possibilidade para aprender ciências,

publicado em 2003, e Temas Especiais de Educação e Ciências, que conta ainda

com a participação de outros professores da área, publicado em 2004.

O relato da minha pesquisa foi apresentado como comunicação oral, em

2002, no V Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sudeste da ANPED e

no Primeiro Seminário Internacional de Educação da UNINOVE em 2003. Alguns

artigos decorrentes da pesquisa foram publicados na revista Sinergia e na Revista

CEAP Educação (atual revista Presente) número 45. Ainda, em 2002, ministrei um

curso sobre a inclusão da História da Ciência no Ensino Médio, para professores

da Área de Ciências da Natureza, no SINPRO. 56

56 Sindicato dos Professores de São Paulo.

41

Em 2002, passei a lecionar para os alunos do curso de Licenciatura em

Física no CEFET-SP. O curso foi implantado em consonância com as novas

Diretrizes Curriculares para a formação de professores, que propõe um novo

paradigma para a formação de docentes e sua valorização. Nesse curso, exerci

também a função de supervisor de estágios e participei da comissão de

implantação e reconhecimento. Está sob minha responsabilidade a disciplina

História, Ensino e Divulgação da Ciência, cujo objetivo é auxiliar na formação de

professores de Física comprometidos com o saber pertinente à sua área e com

uma visão holística da Ciência e do conhecimento. Em 2004, iniciei um trabalho

similar, nas Faculdades Oswaldo Cruz, fundamentado na minha experiência com

os alunos do Ensino Médio. Passei a ministrar a disciplina História da Ciência aos

alunos do curso de Formação de Professores de ciências (Química, Física e

Matemática) no recém–criado Instituto Superior de Educação. O objetivo desta

disciplina é contribuir na formação de professores de ciências, mostrando a visão

de Ciência como construção histórica no contexto social e produtivo do Planeta e

do Cosmos.

A ciência pode ser considerada como uma linguagem construídapelos homens e pelas mulheres para explicar o nosso mundonatural. Compreendemos essa linguagem (ciência) comoentendemos algo escrito em uma língua que conhecemos. 57

Essa linguagem é mais prazerosa e mais bem estudada segundo suahistória.

Em 2003, já trabalhando com a História da Ciência no curso de formação

de professores de Física, um aspecto novo chamou minha atenção. Não havia

uma história da ciência brasileira? Por que as relevantes pesquisas de cientistas

brasileiros não iam para a sala de aula?

Uma viagem a Petrópolis trouxe luz às minhas indagações. Inicialmente,

uma visita à Encantada, a casa onde durante alguns anos viveu Santos Dumont.

57 Attico Chassot. Educação conSciência, p. 30.

42

Em seguida, em uma incursão à Biblioteca do Arquivo Histórico do Museu

Imperial, tive acesso a uma história que eu pouco conhecia. D. Pedro II, José

Bonifácio, Landell de Moura, Bartholomeu de Gusmão, Silva Telles, os

sanitaristas, os irmãos Rebouças e outros estavam lá. Consegui cópias de

importantes documentos que retratam aspectos importantes do desenvolvimento

histórico da ciência brasileira. Alguns desses documentos são apresentados em

anexo: Capa do livro D. Pedro II e os sábios franceses (1944), de Georges

Raeders (Anexo 4); Capa do livro Conselhos à Regente (1958), de João Camillo

Torres (Anexo 5); Capa do livro Inícios de Chimica Médica (1911), de Henrique

Lacombe, primeiro livro de Química publicado no Brasil (Anexo 6); Capa do livro D.

Pedro II nos Estados Unidos (1961), de Argeu Guimarães (Anexo 7); Capa do livro

Os bolsistas do Imperador (1956), de Guilherme Auler (Anexo 8); Frontispício da

obra Exame de Bombeiros (1748), de Jozé Fernandes Pinto Alpoim (Anexo 9) e

uma carta de Louis Pasteur dirigida a D. Pedro II (Anexo 10).

Mas o que fazer com aquele importante material?

Passei juntamente com a professora Lais dos Santos Pinto Trindade, a

produzir artigos com a intenção não só de publicá-los, mas também de

compartilhar com os meus alunos essa fascinante aventura da ciência brasileira.

Os artigos foram escritos e publicados pela Madras Editora, em 2007, na

primeira parte do livro Os Caminhos da Ciência e os Caminhos da Educação:

história, ciência e educação na sala de aula. No anexo 3, é apresentado o primeiro

deles: Os Caminhos da Ciência Brasileira – da Colônia até Santos Dumont, em

que é abordado o desenvolvimento da Ciência no Brasil desde a colônia até a

transição do século XIX para o século XX, bem como o relato do árduo e difícil

trabalho de cientistas que abriram o caminho para que a Ciência e a tecnologia

pudessem conquistar um lugar de destaque na vida social de nosso país. No

segundo, Os Pioneiros da Ciência Brasileira: Bartholomeu de Gusmão, José

Bonifácio, Landell de Moura e D. Pedro II, são relatados os trabalhos desses

43

amantes da Ciência que pavimentaram o caminho para o desenvolvimento da

ciência brasileira.

Em seguida, foi escrito o artigo Santos Dumont, em que são mostrados

alguns aspectos históricos da evolução da aeronavegação e, em particular a

grande contribuição de Alberto Santos Dumont quanto à dirigibilidade dos

aeróstatos e o desenvolvimento de aeronaves mais pesadas que o ar, bem como

os conflitos vividos por ele. O artigo Os Sanitaristas, aborda o desenvolvimento da

saúde pública no Brasil, bem como o brilhante trabalho dos principais médicos

sanitaristas brasileiros, no final do século XIX e início do século XX, que, com suas

ações e dedicação, contribuíram para que milhões de brasileiros não fossem

dizimados por várias epidemias.

A vida e a obra de Mario Schenberg, José Leite Lopes e César Lattes,

cientistas de renome internacional, são destacadas no artigo Os físicos, enquanto

que em Os químicos, são mostrados alguns aspectos do desenvolvimento da

Química em nosso país, bem como o brilhante trabalho de Vicente Coelho de

Seabra Silva Telles e Otto Gottlieb. A relação entre a necessidade de afirmação do

Estado brasileiro, as políticas culturais do imperador e sua tentativa de criar uma

imagem para o nascente Estado brasileiro na segunda metade do século XIX, é

abordada no texto A História e a fotografia a serviço do Estado: D. Pedro II e

afirmação da nação. O último artigo, A energia elétrica e as telecomunicações no

Brasil: do Segundo Império até o Regime Militar, mostra o desenvolvimento das

telecomunicações no Brasil, a criatividade técnica, científica e empresarial de

alguns brasileiros que atuaram no setor e as políticas governamentais que

orientaram o processo de implantação da energia elétrica, do telégrafo, do

telefone, do rádio e da televisão desde o Segundo Império até a introdução e

fixação da televisão em cores na década de 1970.

Um novo mundo da Ciência se descortinou para mim e meus alunos,

mostrando que a História do Brasil estudada nas escolas é apenas aquela

44

transferida dos livros didáticos para salas de aula. A maioria dos alunos do Ensino

Médio e da Formação de Professores desconhece, por exemplo, que a atuação de

José Bonifácio como Patriarca da Independência ocorre apenas nos últimos anos

da sua vida, pois anteriormente ele construiu uma sólida reputação na Europa

como cientista, nas áreas da Química e da Mineralogia, tendo sido criada para ele

uma cátedra na Universidade de Coimbra para lecionar essas disciplinas.

A minha tarefa como professor e pesquisador de História da Ciência

ganhou novos contornos. O projeto desenvolvido no Ensino Médio passou, a partir

de 2004, a ser oferecido para os alunos do segundo ano e o enfoque recaiu na

articulação entre a História da Ciência, a Educação Científica e a Divulgação

Científica. Nas Faculdades Oswaldo Cruz, também a partir de 2004, a disciplina

História da Ciência teve uma recepção muito interessante por parte dos

professores em formação, possibilitando uma interface com as demais disciplinas.

Essas experiências serão analisadas na presente pesquisa.

45

II. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

1. Interdisciplinaridade: um novo olhar sobre as ciências

A exigência interdisciplinar impõe a cada

especialista que transcenda sua própria

especialidade, tomando consciência de

seus próprios limites para acolher as

contribuições de outras disciplinas.

Georges Gusdorf

Adotando uma nova visão, que reconheço como interdisciplinar, da área de

Ciências da Natureza, percebi que a História da Ciência pode ser uma disciplina

aglutinadora. A contextualização sociocultural e histórica da Ciência e tecnologia

associa-se às Ciências Humanas e cria importantes interfaces com outras áreas

do conhecimento. O caráter interdisciplinar da História da Ciência não aniquila o

caráter necessariamente disciplinar do conhecimento científico, mas completa-o,

estimulando a percepção entre os fenômenos, fundamental para grande parte das

tecnologias e desenvolvimento de uma visão articulada do ser humano em seu

meio natural, como construtor e transformador desse meio.

A História da Ciência possibilita a construção e uma compreensão dinâmica

da nossa vivência, da convivência harmônica com o mundo da informação, do

entendimento histórico da vida científica, social, produtiva da civilização, ou seja, é

um aprendizado com aspectos práticos e críticos de uma participação no romance

da cultura científica, ingrediente primordial da saga da humanidade.

46

Torna-se necessário, assim, oferecer certos elementos e instrumentos

conceituais básicos a respeito da interdisciplinaridade a fim de que se garanta a

compreensão dos principais problemas epistemológicos envolvidos nesse

processo pedagógico. Não há aqui a intenção de fornecer uma definição acabada

do que seja interdisciplinaridade, e sim refletir sobre algumas preocupações que

fazem emergir uma nova forma de pensar e de agir sobre o mundo. No mundo

atual, envolvido pelas exigências de contexto globalizante, é importante repensar

as reivindicações geradoras do fenômeno interdisciplinar e suas origens, que

desencadearam uma nova ordem de pensar sobre o homem, o mundo e as coisas

do mundo, que se encontra em franca efervescência.

O fenômeno da interdisciplinaridade como instrumento de resgate do ser

humano com a síntese projeta-se no mundo todo. Mais importante que conceituar

é refletir a respeito de atitudes que se constituem como interdisciplinares. A

dificuldade na sua conceituação surge porque ela está pontuada de atitudes e não

simplesmente em um fazer; entretanto, precisa ser bem compreendida para que

não ocorram desvios na sua prática, o que me levou a refletir sobre as

reivindicações que a geraram e sobre suas origens. Isto é um exercício fascinante,

já que ela pavimentou o caminho para outra nova ordem de se pensar o ser

humano, o mundo e as coisas do mundo; velhos caminhos há muito esquecidos

foram reabertos e, além disso, permitiu rever conceitos e certezas cristalizados na

mente humana e viajar no tempo.

O retorno às origens da significação humana do conhecimento é

uma possibilidade de resgate da história do saber, é encontrar em

cada paragem vivências e experiências relegadas ao

esquecimento, deixadas de lado, até ridicularizadas, porque

míticas, místicas, devocionais, ou mágicas, portanto subjetivas,

contrariavam o racionalismo e a objetividade, dogmas adotados

pela Ciência Moderna.58

58 Lais dos Santos Pinto Trindade. A alquimia dos processos ensino-aprendizagem emQuímica, p. 36.

47

No entanto, são componentes do humano, habitam a alma de todos nós e,

freqüentemente, decidem nossas ações.

O que estamos querendo dizer é que a ciência, por mais que

elabore um discurso racional e objetivo, jamais poderá estar

inteiramente desvinculada de suas origens religiosas, místicas,

alquimistas ou subjetivas. 59

Isto não significa que a atitude científica deva ser igualada à mística e uma

reduzida à outra. A Ciência, na forma em que a conhecemos e a construímos no

decorrer do tempo, não necessita do misticismo, nem este dela. No entanto, o ser,

como humano, emerge da relação harmônica e dinâmica entre ambos.

Vivemos momentos de transição, de questionamentos, uma época em

que nossos saberes e nossos poderes parecem estar desvinculados. Mais do que

isso, o saber atual fragmentado dispersou-se pelo planeta e o centro dessa

circunferência que antes era ocupado pelo homem se encontra, agora, vazio. O

fantástico desenvolvimento científico e tecnológico que ora vivenciamos também

trouxe uma preocupante carência de sabedoria e introspecção.

Ciência e tecnologia lançaram-se em uma correria cega sem

prestarem atenção à paisagem de humanidade que as cerca, sem

sonhar com o que deixaram atrás delas, para melhor obedecerem

ao espírito frenético de conquista que as arrasta para um terrível

futuro. 60

Na ciência moderna, eleita a condutora da humanidade na transição das

trevas para a luz, o conhecimento desenvolveu-se pela especialização e passou a

59 Hilton Japiassu. Revolução científica moderna, p. 53.60 Georges Gusdorf. Prefácio. In: Hilton Japiassu. Interdisciplinaridade e Patologia do Saber, p.23.

48

ser considerado mais rigoroso quanto mais restrito seu objeto de estudo; mais

preciso, quanto mais impessoal. Eliminando o sujeito de seu discurso, deixou de

lado a emoção e o amor, considerados obstáculos à verdade.

Especializado, restrito e fragmentado, o conhecimento passou a ser

disciplinado e segregador. Estabeleceu e delimitou as fronteiras entre as

disciplinas, para depois fiscalizá-las e criar obstáculos aos que as tentassem

transpor. A excessiva disciplinarização do saber científico faz do cientista um

ignorante especializado. 61

Criou um pássaro, deu-lhe asas potentes, mas que só alça vôo no campo

restrito da sua especialidade – trancou-o em uma gaiola. Também é verdade que

isso possibilitou uma grande produção de conhecimento e tecnologia e permitiu

melhores condições de sobrevivência. Contudo, as condições básicas para uma

vida digna ainda não atendem a uma parcela importante da população mundial.

Exploramos mundos distantes, do infinitamente grande ao infinitamente pequeno,

mas pouco conhecemos sobre nós mesmos. Não há respostas para as questões

fundamentais: seres vivos, não sabemos o que é vida; desconhecemos nossa

origem e nosso destino.

Agora, novas realidades apresentam-se irredutíveis a componentes

básicos ou princípios fundamentais, inexistentes em locais definidos do espaço,

onde o tempo não é Cronos e nada tem significado isoladamente, tudo depende

do todo. No entanto, na era do triunfo da razão, o irracionalismo parece se

sobressair. Há muito, não temos um único dia de paz. Estamos na situação de

Prometeu: roubamos o fogo do interior do átomo. Só que pela primeira vez na sua

história, o homem adquiriu o poder de Zeus. 62 Com os conhecimentos da

61 Boaventura Souza Santos. Um discurso sobre as ciências, p. 46.62 Zeus é o mais importante dos deuses do panteão grego. Domina o céu e os fenômenosatmosféricos (chuva, raios, trovões), principalmente; mantém a ordem e a justiça no mundo, poisdistribui os bens e os males.

49

bionanotecnologia podemos modificar o patrimônio genético e interferir no

processo da vida.

A ciência, utopia dos tempos modernos, prometeu bastante. No

entanto, em aspectos fundamentais, revela-se decepcionante.

Claro que os saberes científicos progrediram muito. Não se trata

de contestar sistematicamente a física ou a química. São

inegáveis os êxitos das técnicas ou da medicina, todavia os

progressos materiais não confirmam de modo decisivo o valor de

uma ciência que prometeu tornar a humanidade moralmente

melhor; prometeu edificar uma ética e uma política fundadas em

princípios científicos; comprometeu-se em revelar ao homem sua

verdadeira origem, sua verdadeira natureza e seu verdadeiro

destino. Mas não consegue cumprir suas promessas. Tampouco

tem condições de resolver objetivamente os grandes enigmas com

os quais se defronta a humanidade. 63

Fruto de um conhecimento e de uma existência fragmentados e alienados,

a humanidade assiste, perplexa, à crise das ciências, à crise do próprio homem.

Esse saber especializado, distante da vida, sem proveito, interessa-se por tudo,

menos pelo essencial, a essência da vida. Ao descobrir e simplesmente descrever

fatos que não pode explicar, projeta o homem em um vazio de valores.

Vivemos num mundo conquistado, desenraizado e transformado

pelo titânico processo econômico e tecno-científico do

desenvolvimento do capitalismo, que dominou os dois ou três

últimos séculos. Sabemos, ou pelo menos é razoável supor, que

ele não pode prosseguir “ad infinitum”. O futuro não pode ser uma

continuação do passado, e há sinais, tanto externamente como

internamente, de que chegamos a um ponto de crise histórica. 64

63 Hilton Japiassu. Revolução científica moderna, p. 208.

50

Uma época de crise configura-se como uma época de rupturas e

questionamentos. Um tempo no qual somos convidados a pensar em outras

possibilidades, rever antigos conceitos e concepções com um olhar que acolha

múltiplas perspectivas e rejeite as explicações únicas ou as verdades universais

que até agora nortearam nosso entendimento. É fato que a humanidade vive um

momento histórico sem precedentes. A tecnologia diminuiu de tal forma as

distâncias e o tempo que já não é figura de linguagem dizer que o mundo é uma

pequena aldeia. Utilizada e desenvolvida inicialmente para atender a atividade

econômica, a tecnologia faz-se agora sentir em todas as atividades humanas.

Culturas diferentes passaram a ter um convívio mais próximo, o que evidenciou a

interdependência e, por outro lado, aumentou o desejo de competição e

dominação. Muito desentendimento surgiu, porque alguns querem que o mundo

seja de uma única maneira, da sua maneira.

Para outros, é uma época difícil e dolorosa, mas também é estimulante e

fascinante. Dolorosa, pois toda crise resulta de um descontentamento, efeito dos

desmandos acumulados no decorrer do tempo, e fascinante, já que, diante dela,

nos resta apenas a possibilidade de reverter tal quadro, procurando por novos

caminhos que, provavelmente, ainda não foram traçados.

Entretanto, formado no antigo sistema, o professor depara-se com

situações para as quais não foi preparado e convive com o paradoxo de a um só

tempo formar o sujeito, o ser individual capaz de refletir sobre sua realidade

pessoal, e um cidadão do mundo, capaz de conviver com as diversidades sem

perder suas raízes. Parece missão impossível.

O olhar atento de Ivani Fazenda nos traz a uma possibilidade de

posicionamento frente a essa crise:

64 Eric Hobsbawn. Era dos extremos: o breve século XX – 1914-1991, p. 562.

51

Fala-se em crise de teorias, de modelos, de paradigmas, e o

problema que resta a nós educadores é o seguinte: é necessário

estudar-se a problemática e a origem dessas incertezas e dúvidas

para conceber uma educação que as enfrente. Tudo nos leva a

crer que o exercício da interdisciplinaridade facilitaria o

enfrentamento dessa crise de conhecimento e das ciências, porém

é necessário que se compreenda a dinâmica vivida por essa crise,

que se perceba a importância e os impasses a serem superados

em um projeto que a contemple. 65

Se até o início do século XX a visão determinista, de um mundo onde tudo

estava ordenadamente colocado em uma regularidade absoluta e previsível,

confortava a humanidade, ao mesmo tempo abrigou o paradigma da simplicidade

e da perfeita ordem universal. Esta imagem de ordem era, na verdade, de uma

extrema pobreza, posto que era a imagem da repetição, incapaz de dar conta do

novo e da criação.66

A metáfora da ciência moderna era a de um edifício pronto, acabado, e os

cientistas conheciam cada um de seus tijolos, suas partículas fundamentais. Mas a

partir de alguns descobrimentos na Química e na Física, essa forma de se situar

no mundo foi profundamente abalada. Até mesmo a Ciência, que nos oferecia

algumas explicações seguras, mostra-se agora povoada por dúvidas e incertezas.

A Teoria da Relatividade de Einstein, o Princípio da Incerteza de

Heisenberg, o Princípio da Complementaridade de Niels Bohr, o Princípio da

Dualidade de Louis de Broglie, o Teorema da Incompletude de Gödel e a Teoria

das Estruturas Dissipativas de Prigogine demonstraram que o universo

determinista e mecanicista, passível de ser dividido em partes, era fruto do desejo

humano de controle sobre a Natureza e refletia apenas uma crença pessoal, não

uma característica intrínseca da mesma. Tal concepção mostrou-se semelhante

65 Ivani Fazenda. Interdisciplinaridade: História, Teoria e Pesquisa, p. 14.66 Edgar Morin. A religação dos saberes: o desafio do século XX, p. 206.

52

ao antigo universo animista, no qual deuses e deusas dispunham dos objetos à

sua volta para satisfazer seus caprichos. Se no mundo determinista não há história

nem criatividade, no mundo vivo a história tem um significado importante; e se o

futuro é incerto, é porque na incerteza reside a semente de toda a criatividade.

Tanto a teoria da relatividade quanto a teoria quântica implicam a

necessidade de olhar para o mundo como um todo indiviso, no

qual todas as partes do Universo, incluindo o observador e seus

instrumentos, fundem-se em uma totalidade. Um todo indivisível

em movimento fluente caracterizando o efetivo estado das coisas.

A totalidade é o ponto vital de qualquer paradigma que surge

dessas idéias. 67

A partir daí, começou a surgir uma nova forma de pensar aliada a uma

nova forma de perceber o mundo para se contrapor à fragmentação oriunda do

pensamento linear e simplificador acomodado em nossas mentes.

Este pensamento simples, acostumado apenas a abstrações,

...tem nos levado a tratar o meio ambiente natural – a teia da vida –

como se ele se constituísse de partes separadas, a serem

exploradas comercialmente, em benefício próprio, por diferentes

grupos. Além disso, estendemos essa visão fragmentada à nossa

sociedade humana, dividindo-a em outras tantas nações, raças,

grupos religiosos e políticos. A crença segundo a qual todos esses

fragmentos – em nós mesmos, em nosso meio ambiente e em

nossa sociedade – são realmente separados alienou-nos da

Natureza e de nossos companheiros humanos, e, dessa maneira,

diminuiu-nos. Para recuperar nossa plena humanidade, devemos

67 Maria Cândida de Moraes. O paradigma educacional emergente, p. 70.

53

recuperar nossa experiência de conexidade com toda a teia da

vida. 68

Essa reconexão ou religação deixa de enfatizar apenas as partes e

articula-se com o todo, em todas as suas implicações, em toda a sua

complexidade e riqueza, já que o todo contém sempre algo mais que a soma das

partes. Para Morin, daí nasceu uma nova forma de conhecer:

Se quisermos um conhecimento segmentário, encerrado a um

único objeto, com a finalidade única de manipulá-lo, podemos

então eliminar a preocupação de reunir, contextualizar, globalizar.

Mas se quisermos um conhecimento pertinente, precisamos reunir

contextualizar, globalizar nossas informações e nossos saberes,

buscar, portanto, um pensamento complexo. 69

A complexidade não traz consigo a idéia de menor perfeição, tampouco se

relaciona ao que é complicado, obscuro ou inexplicável. Complexidade significa “o

que está ligado, o que está tecido”, portanto, ao reconhecer tal trama, a trama da

vida, também reconhece a ordem e a desordem, a eventualidade e a incerteza do

conhecimento. Assim se apresentam também o Cosmos e o mundo quântico,

onde tudo se mostra interdependente, ligado, tecido, tal qual nos ensinou Palas

Athena, em uma impressionante teia de eventos. Aqui não cabe mais o saber

absoluto, que se tornou absolutista, ou o saber total, que se tornou totalitário.

Porém, ainda cabe o homem.

Para lidar com essa complexidade, a interdisciplinaridade se apresenta

como uma possibilidade de resgate do homem com a totalidade da vida. É uma

nova etapa, promissora, no desenvolvimento da Ciência, onde o próprio conceito

das ciências começa a ser revisto. Além disso, conforme nos lembra Santomé:

68 Fritjof Capra. O ponto de mutação, p. 230.

54

Também é preciso frisar que apostar na interdisciplinaridade

significa defender um novo tipo de pessoa, mais aberta, mais

flexível, solidária, democrática. O mundo atual precisa de pessoas

com uma formação cada vez mais polivalente para enfrentar uma

sociedade na qual a palavra mudança é um dos vocábulos mais

freqüentes e onde o futuro tem um grau de imprevisibilidade como

nunca em outra época da história da humanidade. 70

Interdisciplinaridade é palavra nova que expressa antigas reivindicações e

delas, nascida. Para alguns, surgiu da necessidade de reunificar o conhecimento;

para outros, como um fenômeno capaz de corrigir os problemas procedentes

dessa fragmentação; outros, ainda, a consideram uma prática pedagógica.

Mais importante do que defini-la, porque o próprio ato de definir

estabelece barreiras, é refletir sobre as atitudes que se constituem como

interdisciplinares: atitude de humildade diante dos limites do saber próprio e do

próprio saber, sem deixar que ela se torne um limite; a atitude de espera diante do

já estabelecido para que a dúvida apareça e o novo germine; a atitude de

deslumbramento ante da possibilidade de superar outros desafios; a atitude de

respeito ao olhar o velho como novo, ao olhar o outro e reconhecê-lo,

reconhecendo-se; a atitude de cooperação que conduz às parcerias, às trocas,

aos encontros, mais das pessoas que das disciplinas, que propiciam as

transformações, razão de ser da interdisciplinaridade. Mais que um fazer, é paixão

por aprender, compartilhar e ir além. De forma poética, Ruy Cezar do Espírito

Santo71 imagina a interdisciplinaridade assim:

Não há definição

Não há palavra

Não há conceito

69 Edgar Morin. A religação dos saberes: o desafio do século XXI, p. 566.70 Jurjo Torres Santomé. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado, p. 45.71 Desafios na formação do educador, p. 124.

55

Há perfeição

Intuição

Sabedoria nascente...

O saber unificado surgiu quando a consciência humana emergiu da

Natureza e expressou-se no mito. Nasceu, portanto, com o humano, como

característica do humano. No decorrer dos tempos, com a diversificação das

culturas, verificamos várias tentativas de se manter essa unidade. O Cosmos

idealizado pelo pensamento grego refletia a condição do homem no mundo –

“Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o Universo” – expressão maior

de um conhecer em totalidade: o conhecimento de si, imagem dos deuses e do

Universo.

Em uma releitura do passado, Ivani Fazenda com os olhos de presente e

de futuro, promove um reencontro com Sócrates na história do conhecimento:

Conhecer a si mesmo é conhecer em totalidade,

interdisciplinarmente. Em Sócrates, a totalidade só é possível pela

busca da interioridade. Quanto mais se interioriza, mais certezas

vão se adquirindo da ignorância, da limitação, da provisoriedade. A

interioridade nos conduz a um profundo exercício de humildade

(fundamento maior e primeiro da interdisciplinaridade). Da dúvida

interior à dúvida exterior, do conhecimento de mim mesmo à

procura do outro, do mundo. Da dúvida geradora de dúvidas à

primeira grande contradição e nela a possibilidade de

conhecimento... Do conhecimento de mim mesmo ao

conhecimento da totalidade. 72

Esse saber em totalidade, do que há de universal e de total no ser,

expressava-se também no programa de ensino dos mestres gregos, a Paidéia,

72 Ivani Fazenda. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa, p. 15.

56

que não se reduzia a um acúmulo de conhecimentos. Ao contrário,

seu objetivo centrava-se em permitir a formação e o desabrochar

da personalidade integral. A Academia de Platão, o Liceu de

Aristóteles e o Museu de Alexandria perseguiam este ideal e

foram, em suas épocas, centros produtores do saber. 73

O mesmo conceito persistiu no trivium (gramática, retórica e dialética) e

no quadrivium (aritmética, música, astronomia e geometria) do orbis doctrinae, as

sete artes liberais, uma forma de preservar e transmitir o conhecimento no período

chamado medieval. Nessa época, o ensino tornou-se privilégio da Igreja Católica e

acontecia nas escolas dos mosteiros. Daí surgiram as universidades, com o

mesmo objetivo: o do conhecimento integral baseado nos valores religiosos. Até

então, acreditava-se que as estruturas humanas, divinamente estabelecidas, não

necessitavam de qualquer mudança fundamental.

A estrutura científica que predominava nessa visão de mundo

orgânica estava assentada no naturalismo aristotélico e na

fundamentação platônico-agostiniana, e, depois, tomista, que

consideravam de maior significância as questões referentes a

Deus, à alma humana e à ética. Naquela época, o objetivo

principal da filosofia era servir de base à teologia e tinha como

causa de suas preocupações religiosas a salvação da alma após a

morte. 74

O regime social medievo entrou em processo de decadência e, com ele,

os ideais que lhe eram pertinentes. O Universo orgânico, vivo e espiritual começou

a ceder. A fé e a contemplação não eram mais consideradas vias satisfatórias

73 Hilton Japiassu. Interdisciplinaridade e patologia do saber, p. 89.74 Maria Cândida de Moraes. O paradigma educacional emergente, p. 33.

57

para se chegar à verdade. Roma locuta, causa finita75 deixou de ser a norma e um

novo caminho precisava ser encontrado.

Desde a Antiguidade, os objetivos da investigação científica

tinham sido a sabedoria, a compreensão da ordem natural e a vida

em harmonia com ela. A ciência era realizada para a maior glória

de Deus ou, como diziam os chineses, para acompanhar a ordem

natural e fluir na corrente do Tao. 76

Como a Lei do Universo é o movimento, é a transformação, o homem

também se transforma, as condições sociais e culturais modificam-se e acabam

por propiciar grandes mudanças. Assim, ao percorrermos a história da

humanidade, observamos o surgimento de uma nova mentalidade que deslocou o

conhecimento das verdades divinas para as verdades do conhecimento humano.

Nascia o indivíduo soberano, cuja existência estava além do seu lugar na rígida

sociedade hierarquizada do sistema feudal. Essa mudança na maneira de como o

homem via a si mesmo e ao mundo em que vivia marcou o início da Revolução

Científica. Iniciada no século XV, estendeu-se até o final do século XVII.

A Terra já não era mais o centro de um mundo limitado pelos céus. O

Universo – infinito e dinâmico – revelou-se muito diferente do ideal da perfeição.

Também ele conhecia nascimento e morte, organização, desorganização e

transformação.

O deslocamento de Deus, que até então ocupava o centro do Universo foi

seguido de uma profunda dúvida quanto ao lugar do homem e foi nesse ambiente

de mundos em conflito que René Descartes (1596 – 1650) desenvolveu sua

filosofia. Ao propor a existência de dois mundos distintos e irredutíveis: o da

matéria e o da mente sugeriu que apenas na mente residia o “eu”, e a matéria

deveria ser tratada como algo desprovido de vida. A divindade, agora isolada do

75 Roma falou, caso encerrado!

58

mundo, passou a ser o “Primeiro Motor da Criação” e, a partir daí, todo o mundo

material poderia ser descrito em termos matemáticos. O conceito da natureza,

como mãe nutriente, foi substituído pela metáfora do Universo como um relógio,

que representava a ruptura com o tempo sagrado e indicava também uma ruptura

com a Igreja. O mundo como uma máquina, destituída de emoção e de vida. Em

Fazenda, encontramos que:O mim mesmo, o eu, o sou são reduzidos ao penso. Somente

conheço quando penso. Conheço com o intelecto, com a razão,

não com os sentimentos. Conheço minha exterioridade e nela

construo meu mundo, um mundo sem mim, um mundo que são

eles, porém não sou eu, nem sou eu, nem somos nós. A razão

alimenta-se até exaurir-se de objetividades. Quando nada mais

resta, tenta lançar mão da subjetividade, porém, ela não é

alimento adequado, porque adormecida, porque entorpecida. 77

A fé no modelo científico, fora do qual não há qualquer verdade, foi o fator

limitante da concepção cartesiana e, no entanto, é, ainda hoje, muito difundida.

Seu método, baseado no raciocínio analítico, alavancou o desenvolvimento do

pensamento científico, contudo de outro lado, acabou provocando uma profunda

cisão no nosso modo de pensar, gerando o ensino disciplinar compartimentado.

Parte da problemática educacional da atualidade decorre da visão

de mundo cartesiana, do sistema de valores que lhe está

subjacente, de correntes psicológicas que muito influenciaram e

que continuam influenciando a educação. 78

O tempo do saber unitário passou a sofrer uma desintegração crescente a

partir do advento da modernidade. No século XVII, o surgimento das academias,

para Japiassu, 79 foi uma tentativa de responder às necessidades de comunicação

76 Fritjof Capra. O ponto de mutação, p. 52.77 Ivani Fazenda. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa, p. 16.78 Maria Cândida de Moraes. O paradigma educacional emergente, p. 121.79 Hilton Japiassu. Interdisciplinaridade e patologia do saber, p. 67.

59

e do reagrupamento do saber unitário, aparecendo, assim, a primeira exigência

interdisciplinar como compensação pela fragmentação inevitável do conhecimento.

No século XVIII, diante da necessidade de reunir todo o saber acumulado

e como resultado de uma nova ordem econômica, social e intelectual, foi publicada

a Encyclopedie. Segundo Chassot, 80 a intenção de Diderot e D’Alembert fora a de

reunir o conhecimento disperso, sob a autoridade da Ciência, buscando uma

conexão entre os diversos ramos do saber. Mas as tentativas mostraram-se

improfícuas.

Em decorrência dos avanços tecnológicos do século XIX, surgiram novas

ciências, novas especializações. Nas regiões de fronteira de cada disciplina,

apareceram outras mais. Para Japiassu, 81 verdadeiras cancerizações

epistemológicas.

Iniciou-se o século XX e novos descobrimentos assombraram a

humanidade. A Ciência consolidou-se como a única possibilidade de um saber

verdadeiro, de se conhecer a realidade desvelada, e que algum dia, possibilitaria

ao homem adquirir o conhecimento dos arcanos divinos. Mas veio a Primeira

Guerra Mundial; logo depois, a Segunda, e com ela Hiroshima e Nagasaki, a

exterminação em massa; depois, as catástrofes ecológicas, a crise de energia, a

escassez de água potável... Longe de cumprir suas promessas, concretizou as

mais sombrias predições. A crise alojara-se como reflexo de um saber/existir

fragmentado.

Diante desse quadro, a necessidade de uma retomada da unidade

perdida cresceu. Assim é que a Europa anunciou, na década de 1960, a

interdisciplinaridade, como uma forma de oposição ao saber alienado, como um

símbolo de retorno do humano no mundo. Como vimos, longe de ser uma

80 Attico Chassot. A ciência através dos tempos, p. 168.81 Hilton Japiassu. Interdisciplinaridade e patologia do saber, p. 89.

60

necessidade do nosso tempo, o tema do conhecimento interdisciplinar remonta à

época de sua desintegração. Por isso sua meta não é a de originar uma nova

ciência que se situaria para além das disciplinas particulares, mas seria uma

“prática” específica visando à abordagem de problemas relativos à existência

cotidiana. 82

No Brasil, a interdisciplinaridade chegou no final dos anos 1960 e, de

acordo com Fazenda, com sérias distorções, como um modismo, uma palavra de

ordem a ser explorada, usada e consumida por aqueles que se lançam ao novo

sem avaliar a aventura. Diz ainda que, no início da década de 1970, a

preocupação fundamental era a de uma explicitação terminológica.

A necessidade de conceituar, de explicitar, fazia-se presente por

vários motivos: interdisciplinaridade era uma palavra difícil de ser

pronunciada e, mais ainda, de ser decifrada. Certamente que

antes de ser decifrada, precisava ser traduzida, e se não se

chegava a um acordo sobre a forma correta de escrita, menor

acordo havia sobre o significado e a repercussão dessa palavra

que ao surgir anunciava a necessidade da construção de um novo

paradigma de ciência, de conhecimento, e a elaboração de um

novo projeto de educação, de escola e de vida. 83

Em 1976, Hilton Japiassu, o primeiro pesquisador brasileiro a escrever

sobre o assunto, publicou o livro Interdisciplinaridade e a Patologia do Saber, onde

apresenta os principais problemas que envolvem a interdisciplinaridade, as

conceituações até então existentes e faz uma reflexão sobre a metodologia

interdisciplinar, baseado nas experiências realizadas até então.

Outro evento importante foi a publicação, em 1979, da obra de Ivani

Fazenda, Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro: Efetividade ou

82 Gerard Fourez. A construção das ciências, p. 136.83 Ivani Fazenda. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa, p. 16.

61

Ideologia, onde busca estabelecer a construção de um conceito para

interdisciplinaridade. Coloca a interdisciplinaridade como uma atitude, um novo

olhar, que permite compreender e transformar o mundo, uma busca por restituir a

unidade perdida do saber.

A década de 1980 caracterizou-se mais pela busca dos princípios teóricos

das práticas vivenciadas por alguns professores. A perspectiva era a de superar

esta fragmentação gerada pela perda do conhecer em totalidade. Apesar disso, a

interdisciplinaridade continuou a se disseminar de forma indiscriminada, já que, de

fato, poucos professores a conheciam. Assim, nos anos 1990, um grande número

de projetos, denominados interdisciplinares, surgiu ainda baseados no modismo,

infelizmente sem qualquer fundamentação.

Por outro lado apareceu, conforme Fazenda, 84 neste mesmo tempo, um

processo de conscientização da abordagem interdisciplinar, expressa no

comprometimento do professor com seu trabalho e alimentada pelas experiências

e vivências de suas próprias práticas pedagógicas. Anunciavam, então,

possibilidades de, mais do que vencer os limites impostos pelo conhecimento

fragmentado, tornar essas fronteiras disciplinares territórios propícios para os

encontros.

Para compreender melhor o sentido do termo interdisciplinar, é necessário,

considerar as diferentes perspectivas de abordagem propostas por Yves Lenoir: 85

a lógica do sentido, a lógica da funcionalidade e a lógica da intencionalidade

fenomenológica.

A lógica do sentido é caracterizada por aspectos críticos da epistemologia,

ideológicos e sociais do continente europeu e, em particular, da França, mantendo

uma estreita relação com o saber disciplinar e com a apropriação do saber, ou

84 Ivani Fazenda. Novos enfoques da pesquisa educacional, p. 112.

62

seja, a instrução nos moldes do espírito do pensamento republicano francês. Para

os franceses, educar é sinônimo de instruir. É uma concepção resultante do

pensamento racional de Descartes e da ação filosófica de Voltaire e da de outros

filósofos. Questiona-se antes o sentido da ação em que é muito importante a

relação do saber para a disciplina científica.

A lógica da funcionalidade baseia-se no desenvolvimento do saber fazer.

Para os norte-americanos, a liberdade humana passa pela socialização, que

abarca estes três aspectos. Tal liberdade não mantém ligação direta com os

conhecimentos mas, sim, com a capacidade de agir dentro e sobre o mundo. A

educação caminha pelos sentidos da prática das relações humanas e sociais.

Ocorre, então, o desenvolvimento de um conceito vocacional centrado no

desenvolvimento simbólico, que concilia a ética protestante e a nova ordem

industrial, além do desenvolvimento de formações profissionais. Este conceito é

proveniente da necessidade de inserção e integração do ser humano em uma

sociedade jovem multiética e religiosa, pois os valores religiosos puritanos do

Protestantismo evidenciam o trabalho como realização de ajudar e agradar a Deus

em contraponto ao Catolicismo Romano para o qual o trabalho não é valorizado

como via de salvação.

Para os norte-americanos a relação com o sujeito é primordial e o ponto

central não é o do saber e sim o da funcionalidade, do saber fazer, que requer um

pouco do saber ser. Ficam então em evidência as questões pedagógicas que

propiciam os meios mais pertinentes para atender a essas finalidades, de modo

que o sujeito possa integrar-se, através de suas aprendizagens, às normas e aos

valores sociais apropriados no cerne do currículo, além de desenvolver

habilidades práticas para a sua intervenção no mundo.

85 Yves Lenoir. Três interpretações da perspectiva interdisciplinar em educação em funçãode três tradições culturais distintas, p. 5.

63

A lógica brasileira da intencionalidade86 fenomenológica está direcionada

para o terceiro elemento do processo didático, que passa pela mão do professor

no seio de sua pessoa e de sua ação. A interdisciplinaridade volta-se para o ser

humano e procede então uma aproximação fenomenológica. Ivani Fazenda faz

uma construção metodológica do trabalho interdisciplinar fundamentado na análise

introspectiva do professor e de suas ações docentes, de modo que possibilita o

ressurgimento dos seus aspectos interiores que lhe são desconhecidos.

Não existe nada suficientemente conhecido. Todo o contato com o

objeto a conhecer envolve uma readmiração e uma transformação

da realidade. Se o conhecimento fosse absoluto, a educação

poderia constituir-se em uma mera transmissão e memorização de

conteúdos, mas como é dinâmico, há necessidade da crítica, do

diálogo, da comunicação, da interdisciplinaridade. 87

A perspectiva adotada é fortemente influenciada pela fenomenologia com o

olhar dirigido para a subjetividade no plano metodológico. A aproximação

fenomenológica da interdisciplinaridade mostra a crença na intencionalidade, na

necessidade do autoconhecimento, na intersubjetividade e no diálogo, centrando-

se no saber entendido como a descoberta do apoio para o estudo dos objetos

inteligíveis e a necessidade de atitudes reflexivas sobre a sua ação.

Estas três lógicas distintas, saber, fazer e sentir aproximam a

interdisciplinaridade das diferentes perspectivas que mostram a existência de seus

distintos conceitos teóricos em educação. Faz-se necessário apreender cada uma

delas dentro de sua singularidade e perceber a complementaridade entre elas.

A revisão contemporânea do conceito de Ciência nos direciona para a

exigência de uma nova consciência, que não se apóia somente na objetividade,

mas que assume a subjetividade em todas as suas contradições.

86 Refletir e fazer.

64

Vários grupos de pesquisa no mundo todo vêm discutindo e anunciando a

superação das limitações impostas pelo conhecimento fragmentado e

compartimentado, proveniente inclusive das especializações, por meio da

interdisciplinaridade, cuja proposição permite reconhecer não só o diálogo entre as

disciplinas, mas também, e, sobretudo, a conscientização sobre o sentido da

presença do homem no mundo.

A construção da pesquisa em interdisciplinaridade na corrente de

FAZENDA obriga a transformação do pesquisador de mero agente,

operário da pesquisa, em livre-pensador e formador de opinião,

dado que este se torna o “dono” de seu próprio método. Ele não

tem a obrigação de coletar dados, como de fazer parte destes

dados. O objeto de pesquisa torna-se seu próprio pesquisador. 88

A prática interdisciplinar pressupõe uma desconstrução, uma ruptura com o

tradicional e com o cotidiano tarefeiro escolar. O professor interdisciplinar percorre

as regiões fronteiriças flexíveis onde o “eu” convive com o “outro” sem abrir mão

de suas características, possibilitando a interdependência, o compartilhamento, o

encontro, o diálogo e as transformações. Esse é o movimento da

interdisciplinaridade caracterizada por atitudes ante ao conhecimento.

87 Ivani Fazenda. Interdisciplinaridade: qual o sentido? , p. 41.88 Ricardo Hage Matos. O sentido da práxis no ensino e pesquisa em artes visuais: umainvestigação interdisciplinar, p. 45.

65

2. Olhando para os textos legais

O olhar sobre a minha prática pedagógica como professor de História da

Ciência no Ensino Médio exige uma análise de alguns tópicos dos ”Parâmetros

Curriculares Nacionais: Ensino Médio do Ministério da Educação para localizar a

disciplina História da Ciência dentro das concepções expressas na Lei de

Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9.394/96”.

O Ensino Médio no Brasil vem passando por profundas transformações que

exigem novas abordagens e metodologias que possibilitam, de uma forma mais

ampla e humanística, que os alunos se integrem ao mundo contemporâneo nas

dimensões fundamentais da cidadania e do trabalho.

Até a metade do século XX, o ponto de ruptura do sistema educacional

brasileiro localizou-se na zona rural, no acesso à escola obrigatória e, nas zonas

urbanas, na transição entre o antigo curso primário e o secundário, caracterizada

pelo “exame de admissão ao ginásio”. Lembro-me de que em 1960, com 10 anos

de idade, concluí o curso primário, porém, em virtude da idade, não pude passar

pelo ritual do exame de admissão. Cursei então o que era chamado de quinto ano

primário, que servia de preparatório para tal exame, no qual fui aprovado no início

de 1962.

Com a crescente universalização do Ensino Fundamental de oito anos, a

ruptura passou a expressar-se de maneiras distintas: diferenciação da qualidade,

comprovada pelos índices alarmantes de retenção e evasão; até o final dos anos

1990, a dificuldade de acesso ao Ensino Superior em função do número

insuficiente de salas de aula do Ensino Médio. Após a superação dessa

dificuldade, uma nova se manifesta: o número de vagas nas universidades

públicas não atende a maioria da população e os alunos passam a procurar as

universidades particulares, as quais muitos não conseguem pagar.

66

O aumento da retenção e da evasão que acompanha o crescimento da

matrícula no Ensino Médio mostra o fato de que a oferta desse nível de ensino a

um número maior e muito mais diversificado de alunos é um trabalho tecnicamente

complexo e politicamente conflitivo. Chamo a atenção para o que ocorre no Ensino

Médio público no Estado de São Paulo, onde a procura por vagas no Centro

Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza e no CEFET-SP, que oferecem

um ensino diferenciado em relação à Rede Estadual de Ensino, atinge índices

muito altos. As 400 vagas oferecidas anualmente pelo CEFET-SP são disputadas

por mais de 10 mil candidatos.

Pelo papel que assumiu na história da educação da maioria dos países, o

Ensino Médio tornou-se particularmente vulnerável às desigualdades sociais.

Enquanto a finalidade do Ensino Fundamental nunca é questionada, no Ensino

Médio ocorre uma disputa constante entre orientações mais profissionalizantes ou

mais acadêmicas, entre objetivos humanistas e econômicos. Essa tensão de

finalidades torna-se evidente nos privilégios e exclusões, quando, como no caso

do Brasil, a origem social é o fator principal na determinação de quem tem acesso

ao Ensino Médio e à qual modalidade se destina.

Com o fracasso da política de profissionalização universal criada pela LDB

5.692/71, a cobrança sobre o destino social dos alunos tornou-se mais intensa no

Ensino Médio. Por isso, sua universalização passou a ser encarada como um

desafio da década de 1990.

A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 205, estabelece que:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será

promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando

ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício

da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

67

A Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação, em seu artigo 22,

reconhece a função fundamental da educação básica na formação da cidadania:

A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando,

assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício

da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em

estudos posteriores.

A atual LDB transforma assim, em norma legal, o que já estava previsto no

Artigo 208 de Constituição de 1988 e que oferece ao Ensino Médio o estatuto de

direito de todo cidadão.

A Secretaria de Educação Média e Tecnológica do Ministério da Educação

organizou a reforma do Ensino Médio como parte de uma política mais geral de

desenvolvimento social, que tem como prioridade as ações na área da educação.

As propostas de reforma curricular baseiam-se nas constatações sobre as

mudanças no conhecimento e seus desdobramentos, no que se refere à produção

e às relações sociais de modo geral.

A partir da década de 1990, a quantidade de informações produzidas como

conseqüência das novas tecnologias, principalmente a Informática, são

seqüencialmente superadas, determinando novos parâmetros para a formação de

cidadãos. Não se trata de acumular conhecimentos. A formação do aluno deveria

visar à aquisição de conhecimentos básicos, à preparação científica e à

capacidade de utilizar diferentes tecnologias relativas às áreas de atuação.

Propõe-se então, no Ensino Médio, a formação geral, em lugar da formação

específica; o desenvolvimento das capacidades de pesquisar, buscar informações,

analisá-las e selecioná-las; a capacidade de aprender, criar, formular, em vez do

simples exercício de memorização.

68

O projeto de reforma curricular do Ensino Médio foi apresentado pelo

professor Ruy Leite Berger Filho e discutido em debates abertos à população,

como o organizado pelo jornal Folha de São Paulo em 1997. O projeto obteve uma

aprovação consensual. Em junho daquele ano, um documento foi encaminhado ao

Conselho Nacional de Educação. Nessa fase, a Secretaria de Educação Média e

Tecnológica trabalhou interligada à relatora indicada pelo CNE a professora

Guiomar Namo Mello, e com assessorias de professores especialistas. O parecer

de número 15/98 da Câmara de Educação Básica (CEB), do CNE foi aprovado em

01 de junho de 1998. Em seguida foi elaborada a Resolução 03/98, que

estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, à qual o

parecer se integra. O Ensino Médio passou então a constituir-se na etapa final de

uma educação de caráter geral que localiza o aluno como sujeito que produz

conhecimento e participa do mundo do trabalho. Pelo menos deveria ser assim.

Mesmo considerando as dificuldades que precisam ser superadas, uma

proposta curricular contemporânea deverá incorporar como um de seus eixos

norteadores as tendências apontadas para o novo milênio. Assim, deve ser levada

em conta a crescente presença da Ciência e da tecnologia nas atividades

produtivas e nas relações que estabelecem um ciclo constante de mudanças e

rupturas que fazem emergir questões de ordem ética e moral em nível global.

A globalização econômica e a revolução tecnológica criaram novos modelos

de socialização, processos de produção e também novas definições de identidade

individual e coletiva. Perante o mundo globalizado e em transformação, que

apresenta inúmeros desafios para o ser humano, a educação credencia-se como

uma utopia indispensável à humanidade na construção da paz, da liberdade e da

justiça social. Em função de tal conjuntura, a construção de novas alternativas

curriculares para o Ensino Médio deve estar comprometida com o novo paradigma

do trabalho no contexto do mundo globalizado. Deve-se priorizar uma

aprendizagem constante, a formação da ética e do desenvolvimento da autonomia

intelectual e do pensamento crítico. Não faz sentido memorizar conhecimentos

69

que estão sendo constantemente superados ou cujo acesso é viabilizado pela

moderna tecnologia. É necessário que os alunos desenvolvam competências89

básicas que possibilitem o desenvolvimento da capacidade de aprendizado

contínuo.

A LDB 9.394/96 determina a construção de currículos, no Ensino

Fundamental e Médio “com uma Base Nacional Comum, que deve ser

complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por parte

diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da

cultura, da economia e da clientela” (artigo 26). Este mesmo artigo determina a

obrigatoriedade, nessa Base Nacional Comum, de:

... estudos da Língua Portuguesa e da Matemática, o

conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e

política, especialmente no Brasil, o ensino da arte [...] de forma a

promover o desenvolvimento dos alunos, e a Educação Física,

integrada à proposta pedagógica da escola.

Quando a LDB destaca as diretrizes curriculares específicas do Ensino

Médio, preocupa-se em assinalar um planejamento e desenvolvimento do currículo

de forma orgânica, superando a organização por disciplinas estanques e

revigorando a integração dos conhecimentos, em um processo permanente de

interdisciplinaridade. Essa proposta de organicidade está contida no artigo 36:

... destacará a Educação tecnológica básica, a compreensão do

significado de ciência, das letras e das artes; o processo histórico

de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa

como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e

exercício da cidadania.

89 Competência é uma capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar um tipode situações. Philippe Perrenoud. Dez novas competências para ensinar, p. 15.

70

A Base Curricular Nacional foi organizada por áreas de conhecimento e isto

não implica desconsideração ou esvaziamento dos contextos, mas a seleção e

integração dos que são importantes para o desenvolvimento pessoal e para o

estabelecimento da participação social. Esse conceito de organização curricular

não despreza os conteúdos específicos, mas pondera que eles devam fazer parte

de um processo global com várias dimensões articuladas. A reforma curricular do

Ensino Médio estabeleceu a divisão do conhecimento escolar em três áreas:

Linguagens, Códigos e suas tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e

suas tecnologias; e Ciências Humanas e suas tecnologias. A organização dessas

três áreas tem como base a reunião daqueles conhecimentos que compartilham

objetos de estudo e geram, em função de sua facilidade de comunicação,

condições para que a prática escolar se desenvolva em uma perspectiva de

interdisciplinaridade.

Em virtude das necessidades desta pesquisa, deter-me-ei à área de

Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias. A aprendizagem das

Ciências da Natureza deve contemplar formas adequadas de construção de

sistemas de pensamentos mais abstratos e com novos significados, que as trate

como um processo cumulativo do saber e de rupturas de consensos e

pressupostos metodológicos. A aprendizagem de concepções científicas

atualizadas do mundo físico-natural e o desenvolvimento de estratégias de

trabalho centradas na solução de problemas são a finalidade da área, de forma a

aproximar o aluno do trabalho de pesquisa científica e tecnológica, como

atividades institucionalizadas de produção de conhecimentos, bens e serviços.

Além disso, deve compreender que a Matemática é uma linguagem que procura

dar conta de aspectos do real e que é importante instrumento formal de expressão

e comunicação para as várias ciências. É fundamental levar em conta que as

ciências, bem como as tecnologias, são construções humanas localizadas

historicamente e que os objetos de estudos por elas situados e os discursos

71

elaborados não se confundem com o mundo físico natural, embora este seja

mencionado nesses discursos. 90

A aprendizagem na área de Ciências da Natureza, Matemática e suas

tecnologias mostra o entendimento e o uso dos conhecimentos científicos para

tentar explicar o funcionamento do mundo, bem como planejar, executar e avaliar

as ações de interferência na realidade. A organização das Ciências da Natureza

tem ainda como objetivo a compreensão do significado da vida humana e social,

de forma a colocar o aluno como participante ativo ante as várias questões

políticas e sociais para cujo entendimento e solução as Ciências da Natureza

assumem um papel referencial significativo.

Quando se denomina a área como sendo não apenas de ciências e

Matemática, mas também de suas tecnologias, percebe-se claramente que, em

cada uma das disciplinas, tem-se como objetivo promover competências e

habilidades que sustentam o exercício de intervenções e julgamentos práticos, ou

seja, um significado amplo para a cidadania e também para a vida profissional,

além da articulação de uma visão do mundo natural e social.

Em uma visão interdisciplinar da área de Ciências da Natureza, Matemática

e suas tecnologias, a História da Ciência é uma disciplina aglutinadora. Podemos

citar como exemplos que um entendimento atual do conceito de energia, dos

modelos atômicos e moleculares não é algo particular da Física, pois, do mesmo

modo, diz respeito à Química e é fundamental para a Biologia Molecular. São

conceitos que transitam entre essa e outras disciplinas e que podem também ser

interpretados quantitativamente pela Matemática. A poluição ambiental não é, em

particular, um problema físico, químico ou biológico. Não cabe apenas nas

fronteiras das Ciências da Natureza, mas igualmente das Ciências Humanas.

90 A Ciência não é um relato ou expressão do mundo natural. Ela faz abstrações, retira e isola,elimina as variáveis.

72

As mudanças significativas para o ensino de ciências no Ensino Médio

pressupõem também novas concepções na formação de professores de ciências.

Na década de 1970, vivíamos uma situação desfavorável, no interior das

universidades, com relação à formação de professores e ao seu potencial de

socialização e integração do conhecimento das várias áreas.

Durante muito tempo prevaleceu uma tradição de desqualificação

dos profissionais que atuam nas faculdades de educação e dos

professores que elas formam nos cursos de pedagogia, de

licenciaturas e de pós-graduação. Essa tradição foi sendo

atualizada em níveis cada vez mais complexos ao se definirem as

concepções sobre o papel da universidade, estimulando certas

áreas e/ou cursos em detrimento de outros.91

A formação de professores era então considerada, na maior parte dos

casos, como um mero apêndice dos cursos de bacharelado. Isso fica patente nas

universidades públicas, onde o aluno cursava o bacharelado em ciências nas

faculdades ou institutos de Física, Matemática, Biologia, Química e depois cursava

as tradicionais disciplinas (Didática, Psicologia da Educação, Estrutura e

Funcionamento do Ensino de Primeiro e Segundo Graus e Prática de Ensino) que

lhe conferiam o título de licenciado nesta ou naquela disciplina. Na maioria das

instituições superiores a situação era ainda pior, pois não se ofereciam disciplinas

optativas para os professores em formação, além das acima mencionadas.

Tínhamos na verdade “bacharéis que podiam ministrar aulas legalmente”, mesmo

que, muitas vezes, não houvesse vocação para a profissão de professor.

O docente universitário não se envolvia com a questão da formação de seus

alunos que aspiravam exercer o magistério, na expectativa de que outros

cumprissem tal tarefa. Também não eram discutidas as bases epistemológicas da

91 Clarice Nunes. Formação docente no Brasil: entre avanços legais e recuos pragmáticos, p.118.

73

Ciência. O problema é que muitos ainda aceitam a idéia de que o conhecimento

científico é um conhecimento comprovado e, segundo Chalmers, 92 confiável

porque é conhecimento provado objetivamente. Tal visão, já formalizada, tende a

ser reforçada e repetida.

Não havendo nenhum questionamento, perpetua-se e concretiza-se em

uma crença. Ao não serem confrontados, em seus cursos de formação, com as

perspectivas filosóficas e históricas do conhecimento, o estudo das ciências

continua apoiado no conceito positivista de que a Ciência é fruto do trabalho de

dedicados cientistas que descobrem as verdades já escritas na natureza, das

quais nos aproximaremos até as desvelarmos completamente através da

observação e de medidas mais rigorosas. Sem condições de analisar criticamente

o projeto de ensino, os futuros docentes acabam retransmitindo um programa em

uma lógica de conteúdos baseada no conhecimento estruturado de quem já sabe

ciências, no qual os alunos não encontram sentido e, portanto, não aprendem.

No caso dos antigos currículos de Formação de Professores, percebe-se

claramente uma falta de critérios na seleção das partes constituintes do currículo,

pois essas disciplinas tradicionais eram as mesmas para todos os cursos de

formação de professores no país inteiro. Não havia, portanto respeito à

especificidade do curso e nem aos aspectos regionais de cada um deles.

Uma análise dos currículos dessa época revela o pressuposto de que a

constituição da competência para atuar em uma determinada área deveria ser feita

pela integração de diversos saberes isolados. Em outros termos, esses currículos

eram respaldados pela máxima “o todo é a soma das partes”.

Nas atuais políticas educacionais pretende-se introduzir no cenário nacional

uma nova compreensão do professor e de sua formação, tomando a reforma

institucional como base, determinando novas instâncias para a sua realização,

92 Alan F.Chalmers. O que é ciência afinal?, p. 23.

74

como os institutos superiores de educação. Os documentos apresentados na

reforma, trazem de forma acentuadamente pragmática, a competência profissional

para o lugar central da formação. Entre os princípios norteadores vinculados ao

exercício profissional específico, as diretrizes são fortemente marcadas pela noção

de competência como concepção nuclear na orientação da formação, em lugar

dos saberes docentes. 93

Uma das competências gerais para a formação de professores é o domínio

de conteúdos disciplinares específicos, de articulação interdisciplinar,

multidisciplinar e transdisciplinar dos mesmos, tendo em vista a natureza histórica

e social da construção do conhecimento e sua relevância para compreensão do

mundo contemporâneo.

O Parecer CNE/CP 9/2001, que interpreta e normatiza a exigência

formativa desses profissionais, estabelece um novo paradigma para essa

formação:

O padrão de qualidade se dirige para uma formação holística que

atinge todas as atividades teóricas e práticas, articulando-as em

torno de eixos que redefinem e alteram o processo formativo das

legislações passadas. A relação teoria e prática deve perpassar

todas estas atividades as quais devem estar articuladas entre si

tendo como objetivo fundamental formar o docente em nível

superior.

De acordo com o mesmo parecer que apresenta as Diretrizes para a

formação de professores da educação básica, em nível de graduação plena, a

orientação assumida pela atual reforma educacional consolida a direção de

formação superior para três categorias de carreiras: Bacharelado Acadêmico,

Bacharelado Profissionalizante e Licenciatura. Assim, a Licenciatura ganha

identidade, integralidade e terminalidade próprias. O aluno ingressa no curso

93 Gaudêncio Frigotto. Novos desafios para a formação de professores, p. 34.

75

superior diretamente na Licenciatura, não mais ficando atrelado ao bacharelado e

não sendo mais uma formação meramente complementar e acessória.

Consolida-se de vez, de forma oficial, a identidade da formação do

licenciado, ainda mais que as licenciaturas ganham espaço próprio nos Institutos

Superiores de Educação. 94 Os alunos não mais precisam ingressar em um

bacharelado para depois cursar a licenciatura. Ele ingressa diretamente em um

curso de formação de professores.

A partir das novas concepções delineadas pelo Parecer CNE/ CP 9/2001,

os desenhos curriculares dos cursos de licenciatura em ciências (Física,

Matemática, Química e Biologia) orientam-se pela articulação entre o ensino de

conceitos de Física, Matemática, Química ou Biologia e as questões relativas ao

ensino dos mesmos na educação básica.

Como vimos anteriormente, os currículos antigos privilegiavam a integração

de saberes isolados. Contra essa dissociação, vários cursos de licenciatura em

ciências vêm construindo currículos, seguindo o espírito das Diretrizes, em que

deve ocorrer uma articulação dos saberes, voltada à capacitação do futuro

professor para situações diretamente relacionadas à sala de aula. A idéia básica é

que o currículo e os espaços curriculares (disciplinas) sejam concebidos como

auto-similares, ou seja, as diretrizes para o desenho curricular são válidas também

para a constituição dos espaços curriculares.

Uma forma de significar o conhecimento é colocar os conceitos no

seu contexto de construção histórica e social. Desse modo, a

94 A Legislação atual (CNE. Resolução CP 1/99, exige a criação do Instituto Superior de Educação(ISE) para a oferta de qualquer curso de formação de professores para a Educação Básica: seja oCurso Normal Superior, que oferece a licenciatura para a Educação Infantil; a Licenciatura, para osAnos Iniciais do Ensino Fundamental; ou os demais cursos de Licenciatura, nos camposespecíficos do conhecimento. Há duas formas possíveis para a criação de um ISE):a) Como instituição isolada, por meio de pedido de credenciamento;

76

história e a sociologia da ciência, assim como seus aspectos

gnoseológicos, podem ser pensados como elementos importantes

para a articulação dos temas constitutivos dos espaços

curriculares através da interdisciplinaridade. 95

No âmbito da formação de professores, a interdisciplinaridade diz respeito à

importância da cultura geral para articular os conhecimentos específicos de uma

determinada área à totalidade do ensino. Segundo as Diretrizes para a Formação

Inicial de Professores, ela deve propiciar ao professor a capacidade de

“compreender o papel do recorte específico da sua disciplina na área de

organização curricular em que se insere”, bem como na elaboração e execução de

projetos e atividades interdisciplinares.

Os espaços curriculares devem contemplar uma formação do professor

baseada no ciclo ação/reflexão/ação, articulando conhecimento experiencial,

pedagógico e dos conteúdos da área/disciplina em que o professor irá atuar. Uma

estratégia para o trabalho conjunto dos professores em formação e o formador é

aquela indicada por Schön96 como “sala dos espelhos”, que pressupõe um

paralelismo entre a situação de formação e aquela da prática profissional.

Para tanto é necessário que o professor desenvolva uma série de

competências associadas a uma compreensão de questões que

circulam no interior da educação e ao redor dela: o papel social da

escola, a ação educacional orientada para valores estéticos,

políticos e éticos. É importante que a formação do professor,

caracterizada como inicial, propicie uma vivência que possa

capacitar o profissional para o processo da investigação

b) Como unidade em faculdade: por meio de encaminhamento ao MEC/SESu, de proposta dealteração regimental da mantenedora já credenciada, acompanhada de projeto institucionalpedagógico para formação de professores.95 Marcos Pires Leodoro. Plano do Curso de Formação de Professores para o Ensino deFísica,p. 5.96 D. Schön. Educando o profissional reflexivo, p. 23.

77

educacional e o gerenciamento do seu desenvolvimento

profissional. 97

A implantação dos novos currículos é uma tarefa e, pela sua própria

natureza, só poderá ser desenvolvida por meio de cursos superiores universitários

que assegurem a interface entre várias áreas do conhecimento e o espaço para a

produção científica. 98 A História da Ciência pode ser um instrumento importante

para articular essa interface.

A História da Ciência é fundamental para ressaltar o papel da Ciência como

parte da cultura humana acumulada ao longo dos séculos, cultura, com a qual

uma educação científica efetivamente emancipadora deve estar sempre

preocupada.

Um enfoque, nestes moldes, da História da Ciência implica em uma

formação adequada do professor e de sua inclusão nos currículos99 de Formação

de Professores de ciências. O momento histórico e o contexto cultural atual pedem

a construção de um currículo para a Formação de Professores de ciências que

possa legitimar a escolarização necessária para sua aplicação no Ensino Médio

em função dos Parâmetros Curriculares Nacionais que apontam para o

reconhecimento do sentido histórico da Ciência e da tecnologia, percebendo seu

papel na vida humana em diferentes épocas e na capacidade humana de

transformar o meio.

97 Marcos Pires Leodoro. Plano do Curso de Formação de Professores para o Ensino deFísica, p. 8.98 Acácia Zeneida Kunzer, 1999. A formação dos profissionais de educação: propostas dediretrizes curriculares nacionais, p. 32.99 Goodson diz que o currículo não passa de um testemunho visível, público e sujeito a mudanças,uma lógica que se escolhe para, mediante sua retórica, legitimar uma escolarização. Como tal, ocurrículo escrito promulga e justifica determinadas intenções básicas de escolarização, à medidaque vão sendo operacionalizadas em estruturas e instituições. Currículo: teoria e história, p. 34.

78

Alguns cursos de Formação de Professores, já desvinculados dos

bacharelados, vêm construindo seus currículos tendo como eixo norteador a

História da Ciência. Podemos citar como exemplo, o curso de Licenciatura em

Física do CEFET-SP, onde o viés histórico da Ciência é trabalhado na disciplina

Ciência, História e Cultura. Nela, por exemplo, o tema Radioatividade, estudado

historicamente, é retomado nas disciplinas Física Nuclear e Física Moderna.

As Faculdades Oswaldo Cruz criaram o Instituto Superior de Educação, no

qual o curso de Formação de Professores ganhou a sua independência do

bacharelado. Os dois anos iniciais são comuns para os cursos de Física,

Matemática e Química. No terceiro ano, os alunos fazem a sua opção por uma das

três licenciaturas. No primeiro ano, a História da Ciência aparece como

articuladora e aglutinadora das demais disciplinas. Nas séries subseqüentes, as

demais disciplinas retomam, de forma mais aprofundada, os seus aspectos

históricos de modo que contextualizassem histórica e socialmente os seus

conteúdos.

Tais experiências têm sido muito proveitosas, pois deslocam a visão

restrita, cartesiana e positivista da Ciência e possibilitam aos professores em

formação uma visão mais abrangente e holística do conhecimento, percebendo

também que a realidade pode ser interpretada de várias maneiras, sendo a

Ciência apenas uma delas.

O objetivo da disciplina História da Ciência, em um curso de formação de

professores, não é descrever a história ou acumular conhecimento sobre a

história, mas propiciar uma análise crítica das condições da criação e apropriação

do conhecimento científico pelas diversas culturas e atestar que tal conhecimento

está sujeito a transformações. Além disso, essa disciplina deve propiciar

questionamentos às pretensões de verdade, deve revelar perguntas que não são

feitas nas demais disciplinas do currículo para a formação do professor.

79

3. A História da Ciência – sua importância como disciplina

...a ciência precisaria ser estudada segundo

sua história, visto que uma ciência do

passado não pode ser considerada o

passado da ciência atual. O que queremos

dizer é que cada ciência precisa ser

pesquisada em seu passado,

compreendendo-se as condições em que foi

produzida e, sobretudo, que métodos

considerados hoje ultrapassados

constituíram-se, em sua época, em um

grande avanço. 100

A primeira reflexão que devemos fazer é sobre a natureza da História. O

que é História? Um simples relato das batalhas, tratados, biografias de

personalidades, jogos políticos de estadistas, leis e decretos de governantes não

constituem a tessitura da História.

Quando perguntamos para a maioria das pessoas o que é História, ouvimos

as seguintes respostas: é a ciência que estuda o passado, os fatos que

aconteceram um dia; também é muito comum e talvez seja esta a resposta mais

preocupante: é a ciência que estuda os fatos que aconteceram “de verdade” no

passado. Mas, afinal, estas respostas estão erradas? Dentro de uma concepção

positivista de História, as respostas estariam perfeitas. Mas será que o positivismo

é a melhor forma de estudar História? É possível que não. Para os positivistas, era

possível fazer uma história que realmente descrevesse o passado como ele

80

verdadeiramente aconteceu, sendo o historiador um ser que, como em um passe

de mágica, pudesse se ver livre de seu tempo e de seus ideais para construir uma

história imparcial.

Definir História como uma disciplina é muito difícil. Podemos

considerar o objeto da História como entender a aventura da

espécie humana na sua busca de sobrevivência e de

transcendência. Em função dessa busca se dá a geração de

estratégias para explicar, apreender, conhecer e lidar com o

ambiente natural, social, cultural e imaginário, a organização

intelectual e social dessas estratégias, e difusão das mesmas. 101

Este processo não é linear, é cíclico: ... ↔ geração ↔ organização

intelectual e social ↔ difusão ↔ ...102 As estratégias são organizadas por afinidade

de estilos, de objetos e de métodos. O conjunto dessas estratégias, organizados

por afinidade quanto aos objetos visados e aos métodos, constituem sistemas de

conhecimento, onde se destacam as artes e as técnicas, as religiões e as ciências.

A História da Ciência é um metaestudo, sobreposto a uma complexa

intersecção de diversas áreas, gerado e nutrido por uma rede de diversas

interfaces. 103 É nossa tarefa, como professores, mostrar que ela não é um enorme

guarda-chuva formado por todo e qualquer trabalho referente à ciência: como

catálogos, divulgação científica, ficção científica e ensaios permeados e repletos

de opiniões. O seu estudo e reflexão oferecem a todos que assim o desejarem

uma chave necessária às leituras mais ricas, interessantes e prazerosas, que

podem estimular o raciocínio dos alunos.

100 Diamantino Fernandes Trindade; Lais dos Santos Pinto Trindade. A História da História daCiência, p. 4.101 Ubiratan D’Ambrósio. História das ciências e ficção, p. 1.102 Ibid, p. 1.103 Ana Maria Alfonso-Goldfarb; Maria Helena Roxo Beltran. Escrevendo a História da Ciência:tendências, propostas e discussões historiográficas, pp. 6-7.

81

A História da Ciência é a visão holística da Ciência sustentada pela

interdisciplinaridade. Porém, nem sempre ela foi vista sob este olhar.

Desde a década de 1950, a História da Ciência está presente, como

disciplina optativa, em vários cursos da Universidade de São Paulo, e na Unicamp,

a partir da década de 1970. Com as novas Diretrizes Curriculares, alguns cursos

de Formação de Professores em ciências passaram a incluir esta disciplina, como

obrigatória, nas séries iniciais.

Que motivos levam uma Instituição de Ensino Superior a implantar a

disciplina História da Ciência no currículo dos cursos de Licenciatura em ciências?

Para tentar responder esta questão, é importante fazer um breve histórico

acerca da implantação e do desenvolvimento dessa disciplina em alguns cursos

de ciências.

Desde a sua fundação, em 1934, sempre houve algum interesse pela

História da Ciência na Universidade de São Paulo. 104 Vários cientistas

estrangeiros convidados para constituírem os primeiros grupos de pesquisa na

universidade cultivavam a História da Ciência, considerando-a importante tanto

como fonte de inspiração para a pesquisa quanto instrumento pedagógico para o

ensino universitário.

Não é de se estranhar então que vários pesquisadores brasileiros,

formados por esses mestres estrangeiros, mostrassem sensibilidade por essa

disciplina. Outros ainda a procuravam como um dos instrumentos para suprir as

faltas e as deficiências de um ambiente universitário com pouca tradição de

pesquisa. A USP não surgiu pelo amadurecimento de condições favoráveis à

104 Shozo Motoyama. Prelúdio para uma história: ciência e tecnologia no Brasil, p. 233.

82

Ciência ou à tecnologia, mas da vontade política de determinados segmentos da

elite paulistana.

Nas primeiras décadas após a fundação da USP, o Brasil continuou tendo

principalmente uma economia agrário-exportadora, apesar da política de

industrialização por substituição de importações. 105 Assim, a falta de um

amadurecimento técnico ou industrial não fornecia o substrato adequado para a

criatividade científica ou para a inovação tecnológica. Desse modo, as referências

vinham do estrangeiro. Em parte, isso podia ser suprido pela História da Ciência

que, em tese, possuía condições para promover a compreensão do significado

social da Ciência. Não foi por acaso que a primeira geração de cientistas da USP

mostrou grande interesse pela História da Ciência.

Na década de 1950, tivemos alguma pesquisa na área de História da

Ciência estimulada pelo sociólogo Fernando de Azevedo que concebeu o livro As

ciências no Brasil, onde cada capítulo era dedicado ao desenvolvimento histórico

das disciplinas científicas existentes no país. Vários profissionais de renome

participaram desse trabalho, como Abraão de Morais, Viktor Leinz, Mário

Guimarães Ferri, Heinrich Rheinboldt, entre outros.

Apesar desse interesse, cursos regulares de História da Ciência

praticamente inexistiram nos primeiros anos da USP. Essa situação começou a

mudar na década de 1960, quando teve início a expansão do ensino universitário

no Brasil. Nessa época, o departamento de Física da USP criou a disciplina

História das Ciências Físicas, sendo o primeiro curso regular a funcionar em todo

o Brasil. O físico Plínio Sussekind da Rocha foi contratado especialmente para

ministrar essa disciplina.

Na década de 1970, formou-se na USP o Núcleo de História da Ciência

coordenado por Shozo Motoyama e que contava com Juinichi Osada, Maria

105 Havia já naquela época uma política que propunha o desenvolvimento da indústria nacionalpara substituir as importações.

83

Amélia Dantes, Carlos Henrique Liberalli, Simão Mathias e Geraldo Florshein. De

acordo com as diretrizes da Reforma Universitária, implantada em todo Brasil, o

Departamento de História ficou encarregado de ministrar as aulas de História da

Ciência para toda Universidade. Ainda na década de 1970, foi criado o Instituto de

Física Gleb Wathagin na Unicamp, que teve, e ainda tem, na figura de Roberto

Andrade Martins um grande incentivador do ensino da História e Filosofia da

Ciência.

No âmbito da pós-graduação, merece destaque o Centro Simão Mathias

(CESIMA), ligado ao Programa de Estudos Pós-Graduados em História da

Ciência, da PUC-SP, que congrega graduandos, pós-graduandos e pesquisadores

de diferentes áreas e instituições, tendo em vista a realização de estudos de

interface centrados em História da Ciência. Desde sua criação, em 1994, vem

organizando seminários, cursos de curta duração e outros importantes eventos. O

CESIMA é considerado uma referência mundial no estudo e pesquisa de História

da Ciência.

A disciplina História da Ciência foi e, em alguns casos, ainda é uma

disciplina optativa nos cursos de ciências. Como já citamos adiante, os cursos de

Formação de Professores começaram a ganhar identidade própria há poucos

anos, pois sempre foram vistos como meros apêndices dos bacharelados. Assim,

sempre que a disciplina História da Ciência era oferecida, constituía-se em mais

uma “perfumaria” para os alunos conseguirem créditos fáceis. O motivo desta

depreciação é a maneira pela qual foi, e às vezes ainda é ensinada.

Muitas vezes a História da Ciência é concebida como uma coleção de

curiosidades científicas e, outras tantas tal qual uma coleção de anedotas como

um determinado grego (Arquimedes) correndo nu pelas ruas gritando “eureca”; um

inglês (Newton) sonhando em um jardim enquanto as maçãs caíam sobre sua

cabeça; Einstein gostava de usar roupas velhas e mostrar a língua; a mãe de

Kepler era uma feiticeira. Quando não cai sobre tais extremos, a História da

84

Ciência é ensinada como um mero relato sem relação com o que realmente

ocorreu, com o que motivava os cientistas e o que movia a sociedade a sustentá-

los, relatos muitas vezes adaptados para que se compreenda com facilidade em

vez de contar a real articulação de idéias e contradições, de frustrações e triunfos

pelos quais passaram os cientistas.

Este enfoque sobre o ensino da História da Ciência vem mudando

gradativamente conforme veremos no próximo capítulo.

85

III. O OLHAR DA CIÊNCIA – PRESSUPOSTOS

O rei falcão fará o seu primeiro vôo, olhando a Ciência e as suasconexões.

A História é a mais fundamental de

todas as ciências, pois não existe

conhecimento humano que não perca seu

caráter científico quando o homem se

esquece das condições nas quais o

conhecimento se originou, as perguntas que

respondeu e as funções para as quais foi

criado.

Erwin Schrödinger

Nos últimos anos, a Física tem nos apontado que, sob a aparente

diversidade, o Universo formou-se a partir de uma matéria única. Para os gregos

antigos era chaos, a matéria primordial da qual tudo se originou pela intervenção

de Eros. Os alquimistas de todas as épocas chamam-na Matéria-Prima,

representada pelo ouroboros – uma serpente mordendo a própria cauda –,

símbolo hermético da continuidade das transformações graduais da matéria e do

iniciado na Grande Arte.

86

http://altreligion.about.com/library/graphics/masonic/ouroboros.jpg

Figura 5: Ouroboros

A questão sobre a origem do Universo consome anos de estudos e

exaustivas investigações por parte dos cientistas e se constitui em um dos campos

mais especializados da cosmologia, contudo, tal conhecimento, sob um ponto de

vista mais próximo ao das nossas necessidades, não interfere nem modifica

nossas curtas existências. Nossa imaginação não é capaz de se reportar a um

87

tempo tão distante, portanto vazio de qualquer significado. Então, qual o sentido

de tais estudos por parte da Ciência que se caracteriza por um método fundado na

objetividade e racionalidade? Por que esse conhecimento transcende a esfera do

domínio científico e fascina a tantos?

Outro assunto que instiga a mente dos estudiosos é o da constituição da

matéria. Por algum tempo, água, terra, fogo ou ar pareciam ser respostas

satisfatórias para alguns; para outros, tudo era formado por átomos. Entretanto no

final do último século, novos olhares para as velhas dúvidas tornaram-se

necessários e os físicos realizaram um sonho dos antigos gregos, a sugestão de

que, sob a diversidade das aparências, o mundo é uma só substância. Por mais

aceitável que esta descoberta possa ser para os filósofos, é profundamente

penosa para os cientistas, por não compreenderem a natureza desta substância.

Se a substância quântica é tudo o que existe e se não entendemos esta

substância, nossa ignorância é completa. 106

Estas perguntas talvez ocultem outra, mais secreta: o Universo é fruto do

acaso ou há algum indício de que ele surgiu da vontade de um Ser supremo que

dirige todas as coisas? Desde as épocas mais remotas, o homem procura

conhecer sua origem e o seu fim. Tal necessidade, a de buscar um sentido, como

significado e direção, para sua vida bem como para a existência do Universo,

encontra-se nos mitos de criação de todas as sociedades.

Diferentemente da linguagem analítica e racional da ciência moderna, os

mitos são expressos em uma linguagem analógica e simbólica que permite as

conexões, as significações, as associações, a afetividade, e é a mais apropriada

quando buscamos o sentido das coisas e da existência. No entanto, a própria

Ciência a ela recorre quando lança mão de expressões como seleção natural, big

bang, leis da natureza. Assim, quando um cientista se propõe a responder com

106 Nick Herbert. A realidade quântica, p. 121.

88

teorias questões que se relacionam com sentido da vida humana invade, mesmo

que não tenha consciência, o campo do mito.

É interessante notar que foi no bojo da Ciência, tida como essencialmente

racionalista e objetiva, que as noções de complementaridade, interdependência e

subjetividade, inerentes à linguagem simbólica, ressurgiram, especialmente dentro

da mecânica quântica e da teoria da relatividade. Sem poder abrir mão daquilo

que a sustenta – sua divisão disciplinar, a organização, suas normas e os seus

limites – a Ciência começou, recentemente, a incluir em sua perspectiva esses

valores, dela excluídos para se constituir. A partir daí, passamos a considerar o

Universo como uma teia de eventos, levando em conta todas as suas interfaces: a

imagem do Universo como uma máquina tem sido substituída pela de um todo

interconectado, dinâmico, cujas partes têm de ser entendidas como padrões de

um processo cósmico. 107

Em que pese muitos ainda acreditarem que há um fosso intransponível

entre os mitos religiosos e a Ciência, ambos se estruturaram na mesma

necessidade, a de explicitar e conferir um sentido à vida humana. A busca e a

sistematização do saber parecem ter motivado nossa espécie desde seu

aparecimento, e cada sociedade, desde cedo, tentou organizar um conjunto de

explicações para justificar os mistérios da natureza, da vida e da morte,

expressando-os no que chamamos de mitos.

A religião e a filosofia tornaram-se meios importantes para significar a vida

individual e social. A arte continua a revelar aspectos do inconsciente e da

situação humana. A Ciência, tomada como um conjunto ordenado de conceitos e

técnicas, que visa à compreensão do mundo e suas relações, é mais uma

linguagem, um instrumento desta busca. No entanto, no mundo ocidental, adquiriu

um caráter hegemônico, com a pretensão de ser seu único critério.

107 Fritjof Capra. O ponto de mutação, p. 234.

89

A ciência moderna não é a única explicação possível da realidade e não

há sequer uma razão científica para considerá-la melhor que as explicações

alternativas da metafísica, da astrologia, da arte ou da poesia. A razão por que

hoje privilegiamos uma forma de conhecimento assente na previsão e no controle

dos fenômenos nada tem de científico. É um juízo de valor. 108

108 Boaventura Souza Santos. Um discurso sobre as ciências, p. 56.

90

1. Ciência e Mito

O casal mítico, Osíris e Ísis, ensinou o povo a fazer instrumentos,produzir pão, vinho e cerveja.

Em todas as épocas, a interrogação

sobre a origem, a organização e o sentido do

Universo encontra-se no cerne de todas as

mitologias, quase sempre apresentadas como

cosmologias tentando desvendar o significado

do Mundo e de suas leis. Para o homem,

trata-se de um desafio fundamental. Porque,

ao enfrentá-lo, interroga-se sobre a origem de

seu ser-no-mundo, seu lugar no Cosmos e o

sentido de sua existência.

Hilton Japiassu

Pode parecer estranho relacionar Ciência e mito. Pode até parecer

contraditório na medida em que o senso comum considera o mito como

antagônico à verdade ou à Ciência. Entretanto, o mito não se opõe à verdade

como entende a ciência moderna já que responde a diferentes questões, externas

ao âmbito da Ciência. Se esta procura descrever como os fenômenos acontecem

e estabelecem as leis que regem determinados fatos, o mito, como as artes,

procura o sentido que transcende o mensurável, um sentido que dê sentido à vida

do sujeito que pergunta. 109

Causas históricas fazem com que pessoas leigas, mas devotas das ciências,

defendam que a linguagem racional pode responder as nossas perguntas.

109 Jung Mo Sung. Ciência, mito e o sentido da existência, p. 15.

91

Também existem aqueles devotos que se apóiam nos mitos das grandes religiões

e, neles pretendem encontrar as mesmas leis que a ciência propõe.

Contudo, vivemos hoje em uma cultura pretendendo ter ultrapassado o

estádio do mito. Teríamos deixado para trás a representação mítica, porque dela

nos teria livrado a representação científica do mundo. 110 O mito não é antagônico

à ciência, nem pertence ao passado da humanidade, mas está implícito no fazer

ciência e na vida humana. O mito relata e revela sempre verdades simbólicas

importantes sobre a humanidade.

A Ciência aproxima-se do âmbito do mito, especialmente no que se refere às

questões da origem. Cada sociedade possui um mito de criação que lhe é próprio.

Na Grécia Antiga, cujo pensamento contribuiu para constituir a ciência moderna,

encontramos um mito que apresenta certas analogias com a Teoria do Big Bang.

Com efeito, uma das mais antigas cosmogonias gregas relata que antes do

aparecimento do mundo havia o Caos. Diferente do “nada”, o Caos é um estado

indiferenciado, primordial, atemporal, destituído da ordem universal. Para que se

iniciasse a história do mundo seria necessária a intervenção de um poder divino. A

este poder, anterior a toda a Antiguidade, chamou-se Eros, que produz a

inexplicável simpatia ou atração entre os opostos, gerando daí o Cosmos. Sua

primeira obra foi gerar Gaia e depois Uranos, que a ela se une, envolvendo-a. Da

união amorosa do Céu e da Terra, nasceu Cronos, o tempo. Em seguida, todas as

divindades e seres do mundo. Nesse contexto, Eros simboliza o deus do

nascimento, esta força que os filósofos gregos denominam Physys: a força

universal capaz de levar ou unir os homens ao amor divino. 111

Em contrapartida, uma parte dos cientistas diz que o Universo se formou a

partir de uma explosão primordial conhecida como Big Bang. A primeira

110 Hilton Japiassu. Ciência e destino humano, p. 38.111 Ibid, p. 40.

92

concepção foi sugerida pelo padre e cosmólogo belga Georges-Henri Édouard

Lemaître (1894-1966), que propôs uma teoria em que o Universo teria tido um

começo repentino. No início, era apenas uma atualização de uma arquiconcepção

bíblica que naturalmente já se abria em duas vertentes nada interessantes para o

contexto: “o atomismo”112 e o “criacionismo”.113 No entanto, com o passar do

tempo, o paradoxo do cosmólogo belga adquiriu status de teoria, em 1948, com o

cientista russo, naturalizado norte-americano, George Gamow. Para ele, o

Universo teria nascido entre 13 e 20 bilhões de anos atrás, a partir de uma

concentração de matéria e energia extremamente densa e quente e tudo o que

existe no Universo veio de uma bolha que surgiu em um tipo de "sopa"

quentíssima e começou a crescer, dando origem a toda a matéria que

conhecemos. Embora não explique muita coisa, é uma das teorias de origem mais

aceitas atualmente, talvez até porque se assemelhe àquela relatada no Gênesis.

Outra aproximação da Ciência com o mito pode ser vislumbrada no mito de

Prometeu, que antecipa os problemas decorrentes do uso da tecnologia, uma

transgressão do homem em relação aos deuses. 114 Conta o mito que, depois de

criado o mundo e separada a Terra das águas, Prometeu e Epimeteu, da raça dos

titãs, foram incumbidos de criar e assegurar a todas as formas de vida a

possibilidade de preservação.

112 Vertente do pensamento pré-socrático (século V a.C.); baseia-se na teoria dos átomos, criadapor Leucipo e desenvolvida, posteriormente, por Demócrito de Abdera. Para o pensamentoatomista, o princípio (arché) da realidade (phýsis) reside nos átomos, elementos invisíveis, denúmero ilimitado, cada um possuidor de uma forma própria; sendo o número de formas presentesnos átomos, igualmente, ilimitado. A natureza destes elementos é unitária e plena, uma vez queeles são indivisíveis (em grego, o termo á-tomos significa sem divisão).113 O Gênesis, o primeiro livro do Antigo Testamento, descreve a origem do mundo da seguinteforma: “No princípio, Deus criou o Céu e a Terra. Ora, a Terra estava vazia e vaga, as trevascobriam o abismo, um vento de Deus pairava sobre as águas. Deus disse: ‘Haja luz’ e houve luz. Éalgo muito parecido com a Teoria do Big-Bang”.114 Hilton Japiassu. Ciência e destino humano, p. 47.

93

Stephen Hawkings. O Universo numa casca de noz

Figura 6: A criação do mundo

Epimeteu ficou encarregado da obra e Prometeu, de examiná-la. Assim,

Epimeteu, no ato da criação, atribuiu um dom a cada ser vivo: força, velocidade,

resistência, garras, asas, carapaças...

Porém, Prometeu, ao observar o estado da criação até aquele instante,

percebeu que nenhum ser era capaz de investigar, aprender, usar as forças da

natureza, comunicar-se com os deuses, compreender não apenas o mundo

visível, mas o princípio de todas as coisas. Um ser superior deveria ser criado. Do

barro, resultado do casamento sagrado da Terra e do Céu, Prometeu fez o

homem. Coube a Epimeteu atribuir-lhe um dom, contudo percebeu que nada mais

restava, já que usara todos os recursos de que dispunha.

Perplexo com o descuido de Epimeteu, Prometeu roubou, com a ajuda de

Minerva, o fogo divino e o deu aos homens como presente. Com ele, o homem

lançou as bases da civilização e assegurou sua superioridade sobre os outros

animais.

94

Prometeu foi condenado a conviver com Epimeteu e a remediar o custo

de seus atos impensados, os problemas resultantes do uso da tecnologia, cujos

efeitos sobre o Planeta são geralmente, em um primeiro instante, incompreendidos

e cujos resultados nefastos só são percebidos, às vezes, tarde demais. Um

paralelo interessante encontramos na bomba atômica “que roubou o fogo do

interior da matéria” e promoveu a destruição. Mesmo essa energia, quando

utilizada para fins pacíficos, como a produção de energia elétrica a partir da

energia nuclear, tem nos trazido sérios problemas, como o grave acidente de

Chernobyl.

Por isso, uma formação científica adequada deve visar à formação de um

cidadão que possa compreender que a tecnologia não devia pertencer a um

domínio técnico e, sim, a um domínio social de modo que seus produtos sejam

obra do Previdente e não do Irrefletido.

Habitualmente, também não consideramos que, provavelmente, o

símbolo, a imagem, o rito anteciparam e, muitas vezes, tornaram possível suas

aplicações utilitárias. Em outras palavras, antes de modificar a face do mundo,

essas descobertas deixaram marcas na história espiritual da humanidade. Se da

argila os deuses criaram o homem, com ela o homem moldou a figura dos deuses.

O fogo e os metais serviram às divindades e o martelo e a bigorna tornaram-se

símbolos dos deuses da criação. Assim, um ferreiro, ao malhar sua bigorna,

imitaria um gesto divino.

O ouro, cobiçado pela humanidade, nunca foi um metal essencial: não

teve utilidade como ferramenta ou arma, não participou das revoluções

tecnológicas, tampouco é o metal mais raro ou de custo mais elevado. A

importância que lhe é atribuída talvez possa ser explicada pelo seu simbolismo, já

que foi o primeiro metal descoberto, o metal ancestral, sincretizado com o deus

Sol, o doador da vida.

95

Ainda hoje não há quem ignore a correspondência dos sete metais mais

conhecidos desde a Antiguidade com os astros e suas associações com as

constelações zodiacais e muitos têm consigo um fragmento de um metal que lhes

seja favorável, determinado pela época do seu nascimento. Poder-se-ia

argumentar que tais atitudes sejam comuns entre os menos esclarecidos. No

entanto, Japiassu115 relata que o físico Lévy-Leblond, ao visitar Neils Bohr em sua

casa de campo surpreendeu-se ao ver, pendurada sobre a porta de entrada, uma

ferradura. Perguntando-lhe se acreditava naquilo, obteve como resposta: “parece

que estas coisas funcionam mesmo quando não se acredita nelas”. Bohr foi uma

das mentes mais brilhantes do século XX.

Esse simbolismo mágico resistiu às eras, ao advento da ciência moderna

e nos deparamos com ele ainda neste início do terceiro milênio, quando a própria

Física fornece fundamentos teóricos para que se interprete o Universo em termos

de consciência. Não quero dizer com isso que a magia está presente nas ciências,

mas não pode ser considerada antecessora desta, como querem alguns

historiadores da Ciência, já que convive com ela. Além disso, ela não se preocupa

em explicar o fenômeno. Para ela, basta que funcione. A magia pressupõe a

existência de regras na natureza, as quais, com atos adequados, podem ser

usadas pelo homem. 116 Sua finalidade não é a compreensão ou o controle da

natureza, tal qual Bacon preconizou, mas torná-la favorável ao homem. Além

disso, muito do que poderia ser considerado “mágico”, em uma época ou em uma

sociedade em particular, hoje está incluído em nossas atividades. Da mesma

forma, o conhecimento científico de hoje pode ser, em um futuro bastante próximo,

ser tomado como mito.

Será que o saber racional e objetivo da ciência moderna realmente

substituiu a representação mítica do mundo? Considerada a melhor contribuição

do Ocidente para promoção do Homem, a Ciência, tal como o novo Prometeu,

115 Hilton Japiassu. As paixões da ciência, p. 98.116 William Cecil Dampier. Pequena história da ciência, p. 6.

96

ilumina os caminhos do futuro, liberando o Homem de todos os dogmatismos?

Contudo, continuamos fascinados pelos nossos mitos de origem e

freqüentemente, em momentos de crise, as antigas questões cosmológicas vêm à

tona.

Não há dúvida de que a ciência moderna, herdeira da racionalidade

grega, adotou como um dos seus objetivos fundamentais separar-se da religião e

instituir-se como a única verdade possível de ser aceita; no entanto, essa

hegemonia no mundo atual parece obrigá-la a assumir funções que não são suas

e que eram outrora desempenhadas pelos mitos e pela religião. Nestes tempos de

triunfo da Ciência, com seus importantes resultados, ela ainda está longe de nos

fornecer um quadro abrangente da realidade. Precisamos reconhecer que, neste

aspecto, a explicação mítica prevalece sobre a científica.

97

2. Ciência e Religião

Os deuses reuniram-se em um tribunal e convocaram os doisadversários.

O cientista de hoje escala as montanhas da

ignorância e, quando se aproxima da rocha

mais alta, prestes a conquistar o cume, é

saudado pelos teólogos, que estavam lá,

sentados há séculos.

Robert Jastrow – Astrofísico da NASA

O mito de Prometeu sugere que o homem se diferenciou da natureza ao

dominar o fogo. A partir de então, passou a desenvolver a crença de que poderia

compartilhar com os deuses do mundo divino. Essa idéia expressou-se na magia e

consolidou-se nos rituais. A par disso, o conhecimento acerca do mundo material

começou a se expandir. Se aceitarmos a tese de que tal saber tinha a conotação

de revelação divina, seus mistérios, bem guardados, revelavam-se nas narrativas

mitológicas das civilizações antigas.

As técnicas nas civilizações míticas preservariam o caráter mágico

de sua pré-história, mas adquiririam o caráter ritualístico. Tanto a

arquitetura como a medicina, como a mineração, a cerâmica e a

tinturaria basear-se-iam na crença de que a alma humana poderia

participar dos desígnios dos deuses e demônios, repetindo

ritualisticamente suas ações, roubando-lhes seus segredos, assim

assegurando a simultaneidade entre a ação do técnico mítico e a

ordem cósmica. 117

117 Milton Vargas. A origem da Alquimia: uma conjectura, p. 17.

98

Contudo, entre o sétimo e quinto século anterior à nossa era, algo novo

surgiu. Provavelmente da união das técnicas mágicas e dos segredos divinos,

uma nova forma de conhecimento mais elaborado apareceu. Procurava

estabelecer a relação entre o anímico e o material. O que há de novo nessa

sabedoria é que ela se constituiu em um corpo de conhecimentos que tem um

autor e traz suas marcas.

De maneira aparentemente independente, a humanidade foi encontrando

outros caminhos. Na China, a sabedoria floresceu dos ensinamentos de Kung-fu-

tsé e Lao-tsé; na Índia, de Mahavira e Sidarta; na Mesopotâmia foi sob os

ensinamentos de Zoroastro. No mundo grego, com Tales de Mileto e Pitágoras. Só

que ali, diferente do que ocorreu em outros locais, essa sabedoria ligou-se mais às

coisas materiais do que às divinas. Pitágoras, que marcou o pensamento moderno

na crença de que as operações últimas do Universo podem ser descritas em

termos numéricos, foi um grande matemático e Tales talvez tenha sido o primeiro

pensador a especular sobre a origem, a natureza e as transformações da matéria

sem invocar o poder sobrenatural.

No mundo ocidental, a Ciência surgiu no interior das religiões,

principalmente na Igreja Católica. O período da longa noite de mil anos, chamado

de Idade Média, era herdeiro direto da cultura greco-romana, mas sua sociedade

assentava-se em bases estritamente cristãs, portanto religiosas; dirigida e

organizada pela Igreja Católica, tinha como lei os textos bíblicos. Dessa forma, os

textos clássicos foram adaptados, ou cristianizados, para serem aceitos.

Aristóteles era considerado o “filósofo” pela Igreja e sua idéia de que a Terra era o

centro do Universo, foi associada à de que o ser humano era o centro da criação

divina, portanto, plenamente aceita.

As tensões entre Ciência e religião são antigas. Santo Agostinho, o

primeiro grande teólogo do Catolicismo, dizia que o pensamento aplicado conduzia

ao pecado e à perdição e que, para atingir a redenção, o importante era dedicar-se

à adoração do eterno.

99

A Igreja assumiu a função de pensar pelos homens, dizendo o que era

certo e errado, o que era o bem ou o que era o mal. Portanto, o clero assumiu a

função de elaborar e divulgar o conhecimento – surgiram as universidades. Neste

mundo, o espaço destinado às ciências naturais tornou-se muito reduzido. Resistia

apenas às margens de uma sociedade impregnada de religião. Os poucos

cientistas daquela época eram alquimistas e, alguns deles, paradoxalmente,

estavam ligados à Igreja Católica.

O declínio do regime social medievo e de suas idéias nos levaram ao

limiar da modernidade, onde a magia e a Ciência constituíram-se num corpo único

que não pôde ser separado facilmente. A ciência ocidental esteve sempre

relacionada com o universo cristão. A história das ciências nos mostra a

participação importante da religião na origem e no desenvolvimento da ciência

moderna. 118

Se considerarmos a religião uma concepção geral do mundo na qual o

universo material e o destino humano são governados por um poder divino e

sagrado, torna-se claro que se fundamenta em explicações sobre a origem e o

movimento de todas as coisas. Decorre então que a História da Ciência sempre

encontra a barreira do fenômeno religioso ou das formas culturais religiosas do

passado.

As mais altas personalidades concordam em dizer que, ao menos

no que concerne ao Homem, urge reunir em uma síntese sólida a

multiplicidade de nossas aquisições científicas. O mundo religioso,

por sua vez, aspira a essa síntese que porá em plena luz a

grandeza e a beleza da Criação. O espírito humano, com efeito,

não se contenta com uma ciência dividida e fragmentada ao

infinito. 119

118 Hilton Japiassu. Ciência e destino humano, p. 116.119 Teilhard de Chardin. O fenômeno humano, p. 17.

100

Não é surpresa para ninguém que existem tensões entre Ciência e

religião. Historicamente, as relações entre Ciência e religião foram permeadas por

desentendimentos e disputas. No entanto, devemos lembrar que muitos filósofos

naturais, hoje chamados cientistas, eram crentes e até mesmo cristãos convictos.

Toda tentativa de Galileu foi colocar as suas teses sob a autoridade das escrituras

sagradas. 120 Newton dedicou mais tempo da sua vida aos estudos teológicos do

que Física. Ao dividir o mundo em matéria e mente, a intenção de Descartes foi

estabelecer um acordo bem definido: não atacaria a religião, que reinaria soberana

em questões relacionadas com a mente, em troca da supremacia da Ciência sobre

a matéria. Durante mais de dois séculos, o acordo foi respeitado. Por fim, o

sucesso da Ciência em prognosticar e controlar o meio ambiente direcionou os

cientistas ao questionamento da validade de todo e qualquer ensinamento

religioso. 121

Em recente entrevista, o Dalai-Lama foi questionado sobre a importância

da interação entre a religião e a Ciência e assim se manifestou:

Alguns amigos já me disseram que a ciência é assassina da

religião e me recomendaram que tivesse cuidado no trato com

cientistas. Mas um dos princípios budistas é analisar, investigar.

Se alguma descoberta vai contra nossas escrituras, temos a

liberdade de ter uma interpretação diferente (das escrituras) ou de

descartá-la. Também há o campo da psicologia. A psicologia

budista parece mais avançada que a ocidental, pois está

relacionada com as emoções. Meu interesse pelas ciências só

cresce. Há cinco anos introduzimos estudos em ciências básicas

para monges. 122

120 Paolo Rossi. A ciência e a filosofia dos modernos, p. 115.121 Amit Goswami. O universo autoconsciente, p. 135.122 Revista Época, n. 413, abril de 2006.

101

A religião não está inserida explicitamente no conhecimento científico,

nem no seu método, nem faz parte da sua epistemologia, mas é inerente ao

homem, portanto se faz presente quando o cientista formula sua hipótese e,

assim, direciona o sentido da sua pesquisa. No entanto, se indagarmos um

cientista sobre a relação das suas pesquisas com o irracional, com o sagrado ou

com o místico, certamente responderá indignado:

A ciência não se interessa pelo irracional, pelo sagrado ou pelo

místico. Nós, os cientistas, nada temos a ver com os teólogos,

com os místicos ou com os artistas, porque nosso saber é objetivo

e claro. Nosso trabalho é metódico, racional, rigorosamente

controlado. 123

Mas isto é verdade? Quando vamos para as questões da origem, não nos

deparamos com os mitos e com as religiões?

Atualmente, diversos livros que responsabilizam as religiões pelos males

da humanidade reforçam a discussão filosófica sobre o ateísmo. O grupo de

“novos ateístas” causa uma grande confusão, pois exacerbam a já arraigadas

posições anticientíficas dos mais religiosos e cria novos opositores em razão à

arrogância. Marcelo Gleiser124 diz:

Acho perigoso que eles sejam vistos como porta-vozes da

comunidade científica. Do ponto de vista da ciência, a posição de

ateu radical não faz sentido. Para se afirmar que Deus não existe,

é necessário supor que detemos a totalidade do conhecimento,

algo que é inatingível pelo fato de a ciência ser uma criação

humana e limitada.

123 Hilton Japiassu. As paixões da ciência, p. 216.124 Colunista da Folha de São Paulo e professor de Física do Dartmouth College (EUA).Reportagem de Sylvia Colombo e Marcos Strecker no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo, p.6, 22/07/2007.

102

Para ele, o máximo que cientistas podem dizer é que a existência de um

Deus judaico-cristão é contrária ao que conhecemos do mundo. Por outro lado,

“não podemos afirmar que a informação atual da ausência de uma divindade é

definitiva, pois não temos informação sobre tudo. A única posição consistente com

a Ciência é o agnosticismo ou, no máximo, um ateísmo liberal, pronto a aceitar

evidência em contrário, caso ela ocorra”. 125

O que a Ciência não tem como proposta é tirar Deus das pessoas. O que

ela pode fazer é proporcionar uma forma alternativa de espiritualidade ligada ao

mundo natural e não ao sobrenatural, à cativante magia da descoberta. É esse

naturalismo, essa entrega à natureza e aos seus mistérios, que confere à Ciência

a dimensão espiritual que a torna humana. Ela pode não ter todas as respostas,

porém proporciona autonomia ao indivíduo, fornecendo os instrumentos de sua

liberdade. E, ao fazê-lo, ensina-nos a respeitar a vida e a lutar pela sua

preservação. 126 A Ciência possibilita-nos uma aproximação com a natureza e nos

encaminha a uma percepção de mundo que pode, com certa liberdade, ser

denominada de espiritual. Einstein justificava sua devoção à Ciência como algo

que ele conceituou como o sentimento religioso cósmico, associando ao estudo

racional da natureza uma dimensão espiritual.

125 Ibid, p. 6.126 Marcelo Gleiser. Micro e Macro: reflexões sobre o homem, o tempo e o espaço, p. 293.

103

3. Ciência e Poder

... e Seth desejava o poder de Osíris.

A filosofia natural era, de muitas formas, um empreendimento novo na

Europa do século XVII, lutando para ser reconhecida nas hierarquias

estabelecidas. Sua relação com a Igreja e o Estado e seu papel na sociedade

estavam em constante alteração. Questões importantes sobre a natureza da nova

ciência – seus ideais e métodos, seus limites e quem poderia estabelecê-los –

restavam ser respondidas. Neste ponto central, os filósofos naturais esforçavam-

se por se libertar das restrições, algemas ou prisões da universidade medieval e

estabelecer novas instituições que correspondessem às suas necessidades. 127

As modernas instituições científicas tiveram suas origens no mundo

medieval, particularmente nos monastérios e nas universidades européias. Do

século XII ao XV, as universidades eram os centros do saber, defendendo as

tradições religiosas e os interesses do mundo feudal e deles sendo portadoras. As

universidades medievais eram um poderoso instrumento do poder da Igreja,

determinando o que deveria ser ensinado com base nos textos sagrados, e todo o

seu o sistema pedagógico fundamentava-se na escolástica, preparando quase

exclusivamente eclesiásticos e juristas. Nessas instituições, não havia lugar para

as ciências da natureza. Em Paris, em 1355, foi autorizado o ensino da geometria

euclidiana apenas nos feriados. Os principais manuais de “ciências naturais” eram

os livros de Aristóteles, dos quais todo o conteúdo vital havia sido expurgado. 128 E

é de Aristóteles que conhecemos uma das primeiras classificações de poder nas

suas diversas faces, como é usado e distribuído. Portanto, a chave para a

compreensão desse poder pode ser encontrada na cultura grega, alexandrina e

romana, raízes da ciência moderna.

127 Londa Schiebinger. The Mind has no Sex?, pp. 11-17.

104

O pensador Epícuro, nascido em Samos em 342 a.C., teve como mestres

Platão e Demócrito. Ao sentir a sua impotência ante ao poder do Estado, procurou

a sua interiorização buscando uma perfeição moral independente do mundo

exterior e do poder temporal. Percebeu que o conhecimento da natureza deveria

possibilitar uma visão de mundo onde o ser humano pudesse inspirar-se para

libertar a sociedade da superstição e da tirania. Dizia ainda:

O estudo da natureza não pretende apenas permitir que o homem

proclame e demonstre o seu conhecimento diante do seu próximo,

mas, pelo contrário, produzir indivíduos sérios independentes,

capazes de apreciar as qualidades verdadeiras e pessoais e não

apenas a aparência exterior. Explicar um fenômeno é mais

importante do que a sua real ocorrência. 129

Epícuro instalou sua escola em Mitilene e, seguindo a tradição dos

pitagóricos, aceitou mulheres e escravos. As suas idéias tornaram-se a doutrina do

povo, em contraponto ao estoicismo130 que se constituía na filosofia das classes

privilegiadas. Instituiu-se assim o primeiro embate histórico entre a Ciência e o

poder constituído. Os epicuristas usavam a Ciência para tentar reformar a teologia,

em uma tentativa de separar a religião das leis da natureza, para conseguir uma

forma de defesa contra o poder autoritário. As idéias de Epícuro propagaram-se

por todo o mundo helênico, chegando até Roma.

Na antiga Mesopotâmia, conhecida por muitos como o berço da

humanidade, os conhecimentos sobre a manipulação da matéria eram

transmitidos oralmente para os chamados “iniciados”, os futuros conhecedores

daquela prática. Eram registrados nos tabletes de argila de forma velada,

128 Boris Hessen. As raízes socioeconômicas dos principia de Newton, p. 44.129 Augusto Forti. Ciência, filosofia e poder na Antiguidade Clássica, p. 27.130 O estoicismo é uma doutrina filosófica que propõe viver de acordo com a lei racional danatureza e aconselha a indiferença (apathea) em relação a tudo que é externo ao ser. O homemsábio obedece à lei natural, reconhecendo-se como uma peça na grande ordem e propósito doUniverso.

105

utilizando freqüentemente uma chave de interpretação que era conhecida por

poucos: “os iniciados”. Esses registros traziam sempre formulações e

procedimentos para a manipulação da matéria, passados de mestre para discípulo

a fim de que esse conhecimento não fosse perdido. Assim registrados impedia-se

que caíssem na mão do público. Esse era o iniciado, aquele que era capaz de ler

essas fórmulas.

Conferiam à manipulação da matéria um ato sagrado, por estarem imitando

a natureza. O mineral era comparado a um feto e evoluiria para a sua forma mais

pura, um metal. O forno era uma cópia do ventre materno, a própria Terra,

responsável pelas transformações, logo era preciso sacralizar o forno. Para isso

sacrificavam fetos humanos ou animais. Também os corantes, perfumes e

medicamentos eram considerados aprimoramentos daquilo que a natureza podia

ofertar, portanto, um conhecimento sagrado que deveria ser velado, uma forma de

preservar o poder.

Por meio, principalmente, dos árabes, muitos desses textos, juntamente

com originais gregos antigos, chegaram à Europa medieval, onde passaram a ser

vistos como portadores de um segredo antigo. Aquele que conseguisse decifrá-lo

seria o detentor de um poder talvez tão antigo como a própria humanidade.

Durante a Idade Média, esse conhecimento ficou restrito aos monastérios e

às universidades que tinham um caráter elitista. Entre os séculos VI e XI, a Igreja

possuía o monopólio da alfabetização e educação, e os filhos dos senhores

feudais tornavam-se membros dos monastérios, o que se tornou a única opção

para a educação feminina e acabou por fornecer um número considerável de

mulheres eruditas.

Com o decorrer do tempo e o surgimento do livro impresso, compilações de

receitas provenientes da Antiguidade e do medievo, bem como manuais práticos e

tratados técnicos, passaram a ser publicados e distribuídos pela Europa

divulgando esse conhecimento. Assim, no Renascimento, observamos o

106

surgimento de uma nova ordem social para a Ciência que começou a ser discutida

em outros lugares: nas pequenas aldeias, nas paróquias e nos salões dos nobres.

Esses últimos, que eram instituições femininas por excelência, ofereceram uma

real alternativa para a organização da vida intelectual. É interessante observar que

nos locais onde a Ciência emergia em uma determinada sociedade (grupos), como

nas cortes renascentistas, as mulheres se destacaram como sábias.

Esse tipo de conhecimento sobre a natureza não podia ser obtido nas

universidades da época. Assim, a nova ciência cresceu em litígio com as

universidades, como uma ciência não-universitária a serviço das necessidades da

burguesia emergente. Essa luta, no âmbito ideológico, era reflexo da luta de

classes entre o sistema feudal. Era o jogo do poder na Ciência que cresceu passo

a passo com a ascensão e desenvolvimento da burguesia que necessitava, para

desenvolver sua indústria, de uma ciência que pesquisasse as propriedades

materiais dos corpos e as formas de manifestação das forças da natureza. A

Ciência deixava agora de ser uma serva fiel da Igreja, ultrapassando as fronteiras

da fé. Assim, a burguesia entrou em conflito com a igreja feudal.

O prestígio da Ciência aumentou no decorrer dos séculos XVII e XVIII,

enquanto que o da aristocracia diminuiu e cedeu seu lugar, em importância, para

as atividades científicas. As universidades deixaram de ser o centro da vida

intelectual. A ciência moderna emergiu de uma grande variedade de grupos,

incluindo ateliês, salões informais e academias reais.

A nova forma de pensar introduzida pela ciência experimental possibilitou a

formação das academias científicas. Fundadas sob a proteção dos reis,

originaram-se dos salões e universidades. As maiores academias científicas foram

fundadas no século XVII: a Royal Society of London, em 1662; a Parisian

Academie Royale des Sciences, em 1666 (transformou-se em 1816 na Académie

des Sciences); a Societas Regra Scientarum em Berlim, em 1700 (depois

denominada Akedimie der Wissenschaften). No final do século XVIII, elas existiam

107

em toda a Europa. Quando o cetro do conhecimento passou das cortes para as

academias, a Ciência deu um primeiro passo para adquirir um caráter profissional.

As academias do século XVII perpetuaram as tradições renascentistas de

misturar conhecimento com elegância para acrescentar graça à vida e beleza à

alma. A Academie Royale des Sciences mantinha seu programa de convivência

com jantares e entretenimento musical, observando todas as regras de etiqueta

presentes nos salões. Os membros da academia ocupavam posição de homens

(funcionários) públicos, eram assalariados e contavam com privilégios e proteção

real.

A academia assumiu o papel de dizer qual a ciência correta. As novas

descobertas eram apresentadas por um dos membros, e as discussões que se

seguiam quase sempre se baseavam nas evidências experimentais disponíveis.

Buscava-se um controle da qualidade do conhecimento.

Nenhuma dessas instituições aceitou qualquer mulher antes da metade do

século XX (em 1945, Royal Society of London). Essa academia, ideologicamente,

tinha como principio aceitar pessoas das diversas camadas sociais, nações,

profissões ou crenças. Mas, de fato, apenas 4% de seus membros eram

comerciantes. A maioria compunha-se de homens de elevada posição social e

conhecedores da nova ciência, o que permitia a concretização de um novo

domínio, o poder do conhecimento.

Durante a Revolução Industrial, o poder e a Ciência mudaram de mãos.

A ciência tornou-se um empreendimento de grupo e uma arma

organizacional capaz de influenciar profundamente a estrutura

108

política do poder, o sistema econômico de produção e o clima

social e intelectual global. 131

A Revolução Industrial e o capitalismo decorrente determinaram o

surgimento de uma nova sociedade fundamentada em um novo conceito de poder

e contando com a Ciência em lugar dos valores tradicionais.

O mundo contemporâneo estruturou-se sobre o saber científico. A Física

dominou todo o século XX com a corrida espacial, a mecânica quântica etc. Os

conflitos ciência-poder podem ser ilustrados com o tenso diálogo entre Niels Bohr

e Winston Churchil, quando o cientista alertou o político para que os Aliados não

produzissem a bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial. A proposta de

Bohr era revelar o segredo do artefato nuclear para todos, pois sabia que os

soviéticos tinham condições de reproduzir a bomba. Com a revelação, Bohr

pensava que se chegaria ao desarmamento dos países e teríamos paz e

equilíbrio.

Existe uma percepção popular sobre os cientistas como os donos da

verdade. A sociedade olha a Ciência pela ótica da admiração e do temor dos

progressos científicos. Temor, porque não conhece os seus limites. 132 Admiração

porque todos os dias novas descobertas e instrumentos modificam as nossas

relações com a natureza e com a sociedade. O movimento dos laboratórios de

pesquisa parece escapar a todo controle. A distância entre teoria e suas

aplicações práticas é curta. As técnicas percorrem-na com grande rapidez.

O motor do movimento da ciência é identificado como sendo a

razão. A verdade, o retrato fiel do que é, o modelo consistente da

realidade são expressões de sua realização como instrumento de

ação. A razão lê, interpreta e modifica o mundo. Não se pediu

131 Franco Ferraroti. A Revolução Industrial e os novos trunfos da ciência, da tecnologia e dopoder, p. 45.

109

permissão ao poder, que financia as pesquisas, ou ao mercado da

economia, para dar asas à Internet ou associar uma dupla hélice à

imagem do DNA. A razão quer prestar contas à verdade, assim

como ela é. Isso incomoda o poder. Ele reconhece a autonomia do

mundo científico, obediente aos rigores da razão, mas não

esconde que essa autonomia o incomoda. O poder busca no

consenso o motor de seu movimento. A política faz uso da

persuasão como instrumento para alcançar o bem comum. Quando

o consenso não é alcançado e o poder, contrariado, a força é o

meio de dominação. 133

O governo concede financiamentos à Ciência para que ela atinja

determinados objetivos, para que realize pesquisa, sem conhecimento de

pormenores e procedimentos técnicos e, portanto, sem controle efetivo. Desse

modo, a Ciência dita ao governo o que fazer, como e com que rapidez. 134

Quem se responsabiliza pelos novos conhecimentos? As universidades, que

continuam sendo denominadas de academias?

Quem começa a assumir o poder sobre a Ciência? Os governos, que

financiam os laboratórios, que financiam as pesquisas e as indústrias?

A produção de novos alimentos em laboratórios teve aumento significativo

nos últimos tempos. Os transgênicos, que já chegaram às nossas mesas, são um

exemplo típico desse fato. As incertezas quanto aos impactos econômicos, sociais

e ambientais das novas tecnologias passam a exigir uma avaliação cada vez mais

acurada. Nesse particular, a Ciência assume um papel relevante nos processos de

regulamentação da adoção de novos produtos. Os cientistas tornam-se os

principais mediadores da relação da sociedade com o risco, com o poder de

132 Citamos como exemplo, que a maioria das pessoas não sabe o que é o Projeto Genoma,células-tronco, clonagem etc.133 Ennio Candotti. Ciência, verdade e política, p. 1.134 A Ciência como rainha, o governo como súdito.

110

antecipar os perigos futuros e decidir acerca a aprovação de novos alimentos. No

entanto, a Ciência tem seus critérios de cientificidade contestados em virtude das

suas relações com a indústria. Agências reguladoras como a FAD perdem sua

credibilidade. A sociedade exige maior controle social da atividade científica.

A ciência adquiriu o poder de determinar o que poderá ser

aprovado e liberado para consumo humano. Em todo o mundo, as

agências responsáveis pela aprovação de novos alimentos lançam

mão de pesquisas científicas e consultas a especialistas para

respaldar suas decisões. A neutralidade confere status de decisão

à ciência. 135

A construção da bomba atômica, na fase final da Segunda Guerra Mundial

evidencia como a ciência não pode ser separada da sociedade em que está sendo

desenvolvida. Ela não pode desenvolver-se ignorando a realidade política à sua

volta. 136 Arquimedes, por volta de 250 a.C., colaborou com o reino de Siracusa,

desenvolvendo diversas máquinas de guerra. A Ciência não é um conhecimento

neutro, pois ela é financiada pela classe dominante e pelos estados poderosos,

bem como as principais instituições: a universidade, a mídia, ou seja, a classe

dominante.

Vivemos em uma época na qual a Ciência demonstra todos os dias o seu

poder. O conhecimento que ela produziu venceu distâncias, diminuiu carências,

reduziu doenças e possibilitou a compreensão de muitos mistérios da natureza. No

entanto, ainda hoje, pouca gente percebe a importância da Ciência em sua vida.

Existe a influência explicita, associada às diversas tecnologias que definem o

estilo de vida da sociedade moderna. Fica difícil imaginar a vida atual sem

automóveis, telefones celulares, fornos de microondas, computadores etc. No

entanto, a Ciência assusta, é faca de dois gumes. Por vezes, parece acontecer

como mágica, em laboratórios clandestinos controlados por cientistas

135 Carlos Vogt. Ciência é garantia de segurança?, p. 1.136 Marcelo Gleiser. Micro e Macro: reflexões sobre o homem, o tempo e o espaço, p. 235.

111

influenciados pela fama e manipulados por financiadores que apenas se

interessam apenas no balanço final de suas empresas ou por militares obcecados

pelo poder.

A posição da ciência no mundo moderno pode ser analisada

como resultante de dois conjuntos de forças em conflito que

aprovam ou se opõem à ciência como atividade social. A

hostilidade pode originar-se de fatores políticos, humanitários,

econômicos e religiosos, apoiada no fato de que os resultados ou

os métodos são contrários às satisfações de valores importantes,

ou ainda da incompatibilidade entre os ethos137 científicos e os

que se encontram em outras instituições. 138

Freqüentemente, o pesquisador não determina onde ou como serão usados

os resultados de suas pesquisas. Na medida em que tais usos sejam reprovados,

a antipatia recai sobre a própria Ciência. Também raramente reconhecido é o fato

de que pela elaboração complexa das ciências existe um abismo crescente entre o

cientista e o leigo, que vê com desconfiança essas teorias estranhas, ainda que

sua aplicação beneficie a sociedade como um todo.

Nas mãos da ignorância, a ciência é rapidamente transformada em

um monstro, causando um conflito estranho nas pessoas: por um

lado, a sociedade é cada vez mais dependente das várias

amenidades e confortos da vida moderna. Por outro lado, a ciência

também ameaça, cria armas de destruição global e local, podendo

até comprometer nossa posição como espécie dominante da

Terra. 139

137 Conjunto de regras, prescrições, costumes, crenças, valores e pressupostos obrigatórios paraos cientistas.138 Lais dos Santos Pinto Trindade. Ciência e sociedade, p. 2.139 Marcelo Gleiser. Micro e Macro: reflexões sobre o homem, o tempo e o espaço, p. 346.

112

Há uma necessidade cada vez mais premente de reconhecer a natureza

global das decisões de política científica, e outra de estabelecer uma nova relação

entre a Ciência e o poder, que reconheça essa dimensão internacional.

Poder é uma palavra incrivelmente emocional. Diante dela são infinitas as

nossas reações. Sem poder (ser capaz) não há ação ou movimento. O poder

como um ato de sabedoria, e não como instrumento para manipular pessoas, é a

capacidade e habilidade de mudar as nossas vidas. Conhecimento é poder: poder

de produzir, de prever e de prevenir. 140 Aplicar esse conhecimento em benefício

da humanidade é sabedoria. Conhecimento e sabedoria são os dois principais

pilares de um futuro comum melhor.

140 Federico Mayor (1998). Ciência e poder hoje e amanhã, p. 119.

113

4. Ciência e Educação

O seu olho direito é associado ao conhecimento racional; o esquerdo,à estética abstrata, ao emocional.

A sala de aula, vista como um espaço onde ocorre a transmissão do

conhecimento dos saberes é uma das mais remotas criações da humanidade. O

documento mais antigo conhecido entre nós, que descreve conteúdos e objetivos

bem como a relação entre mestre e discípulo, data aproximadamente 4.600 anos.

Remonta ao período arcaico egípcio e nele se encontram ensinamentos prontos

para serem memorizados, um uso destinado a perpetuar-se.

É na Grécia homérica, período compreendido entre os séculos XII e VIII

a.C., que encontramos uma nítida separação entre o saber e o fazer nos

processos educativos. O primeiro, característico da educação homérica era

destinado às classes dominantes e o segundo, representado pela hesiodéica, aos

governados que deveriam ser treinados trabalhando. Infelizmente, temos

privilegiado, já há algum tempo, a tradição de Homero.

No período clássico, Esparta e Creta foram consideradas modelo na arte de

educar. Ali, o ensino da música e da ginástica era coletivo, fornecido pelo Estado e

confiado ao pedônomo. 141 Semelhantes, mas de caráter privado, eram os centros

de iniciação existentes na periferia do mundo helênico, abertos também para as

mulheres. Pela importância histórica de seu mestre, lembramos a escola de

Pitágoras, cujo princípio se fundamentava na existência de um único bem que não

se perde ao transmiti-lo, a educação, a Paidéia.142 Em Atenas ensinava-se em

141 Legislador para a infância.142 Significa a própria cultura construída a partir da educação. Era o ideal que os gregos cultivavamdo mundo, para si e para sua juventude. Uma vez que o governo próprio era muito valorizado pelosgregos, a Paidéia combinava ethos (hábitos) que o fizessem ser digno e bom tanto como

114

escolas abertas ao público e as famílias contavam com o pedagogo.143 No século

V a.C. houve uma modificação na história da sala de aula com a introdução da

aprendizagem da escrita.

No período helenístico, cristalizou-se o modelo alexandrino de

escolarização, caracterizado pela ênfase no ensino da escrita transmitida a partir

de métodos de memorização, leitura de textos e exaustivos ditados. Nessas

circunstâncias o melhor aluno seria o bom repetidor e a boa aprendizagem, aquela

que se alcança pela disciplina. Neles, os autores, antes lidos no original, foram

adaptados e transcritos para páginas que passaram a ser copiadas, decoradas e

reproduzidas pelos estudantes.

Os séculos se passaram, o mundo mudou e a escola sofreu influências do

humanismo renascentista, do nascimento da ciência moderna, das reformas

protestantes, da Contra-Reforma católica, do Iluminismo, da Revolução Francesa

e da industrial. O homem pisou na Lua e chegou, com seus instrumentos, aos

limites do sistema solar, contudo, nas salas de aula a linha mestra continua sendo

alexandrina. Uma herança repassada à posteridade em princípio aplicável a

qualquer aprendiz, independente de raça, credo religioso e outros diferenciais.

A universalização do saber, atribuída ao conhecimento sistematizado, não

considerou a existência dos diversos grupos sociais com culturas peculiares,

situados em um tempo histórico com necessidades próprias desviou-se da

questão central do processo educativo – sua finalidade – e se mostra capacitada

apenas para trabalhar com seres “sem rosto”.

O ensino das ciências no Brasil não se desencompatibilizou com esse

sistema. Como vimos anteriormente, no período em que os jesuítas ficaram no

governado quanto como governante. O objetivo não era ensinar ofícios, mas sim treinar a liberdadee a nobreza.143 Escravo cujas funções eram as de levar os jovens às escolas e repetir os ensinamentos alirecebidos.

115

Brasil, mais de duzentos anos, sempre foi privilegiada a educação humanista,

impermeável à pesquisa e experimentação científica. As primeiras medidas das

reformas pombalinas da instrução pública estavam voltadas fundamentalmente

para a possibilidade de estruturar um trabalho pedagógico que fosse capaz de

suprir a ausência do ensino jesuítico. Introduziram-se as aulas públicas de

geometria e o desenho de modelo vivo por meio das aulas régias.

Sob o ponto de vista pedagógico, ocorreu um retrocesso, embora trouxesse

algumas modificações importantes, introduzindo as ciências experimentais e o

ensino profissional no seu currículo. Só que essas modificações e a introdução

das ciências obedeceram à dicotomia entre o saber e o fazer.

Nos moldes positivistas, a Reforma Benjamin Constant procurava estruturar

a formação científica, substituindo a tradição humanista clássica que vigorava no

país, há mais de 300 anos. Foram introduzidas Matemática, Física, Astronomia,

Biologia, Química e Sociologia. Essa estruturação não se efetivou e o que ocorreu

foi apenas um acréscimo das matérias científicas às tradicionais, sem se

conseguir implantar um ensino secundário adequado. Era um ensino de cátedra

que não tinha um fazer, ocorria apenas a partir de leituras.

A Reforma Gustavo Capanema, de 1942, manteve o ensino secundário

com dois ciclos: o ginasial, de 4 anos, e o colegial, de 3 anos, com as opções

entre o curso clássico e o científico, formato que permaneceu quase que

inalterado até 1971. Um ensino de ciências mais adequado aos tempos modernos

foi proposto na LDB 9.394/96, conforme vimos anteriormente.

Uma questão que continua atual: como fazer do saber científico um saber

escolar, de acordo com os apresentados na LDB 9.394/96?

116

Uma educação que não se pretenda homogeneizadora nem relativista

precisaria adotar uma terceira alternativa, ou seja, colocar em diálogo as

diferenças.

Essa via, naturalmente difícil de ser trilhada, aposta que a

explicitação dos conflitos de opinião, das razões que subsidiam os

diferentes sistemas de valores e crenças, é fundamental para

fecundar mutuamente os diferentes interlocutores. Em sala de

aula, professores de ciências devem ser também agentes desse

processo, o qual, evidentemente, completa-se em um trabalho

integrado que envolva o conjunto de disciplinas e de docentes da

escola. 144

Tal trabalho deve levar em conta que a escola é um local de produção de

saberes que não são iguais aos científicos nem à reprodução, com nova

linguagem, dos saberes cotidianos. Trata-se, em outras palavras, da produção de

um conhecimento com estatuto próprio, o escolar.

O estudo das relações que envolvem os saberes escolares e os saberes

científicos é bastante recente no Brasil.

Um olhar retrospectivo nos mostra que as discussões pedagógicas

dos anos 1980 parecem não evidenciar a problemática das

relações entre saberes científicos e escolares. Em meio à luta para

a construção de uma pedagogia crítica, os textos, em sua quase

totalidade, contentaram-se em cunhar os saberes escolares

genericamente como “conjunto dos elementos essenciais do

conhecimento humano”, “saber historicamente elaborado pela

humanidade”, “saberes universais” etc. 145

144 Renato José de Oliveira. A escola e o ensino de ciências, p. 124.145 Wagner Rodrigues Valente. Saber científico, saber escolar e suas relações: elementos parareflexão sobre a didática, p. 2.

117

Na década seguinte, o tema das relações entre os saberes científicos e

escolares passou a ser discutido em novas bases, constituindo uma verdadeira

problemática, a partir dos campos denominados história das disciplinas escolares

e didática das disciplinas. 146

Os saberes escolares, para Chervel, contrariamente ao que apregoa

tradicionalmente, não representam vulgarização dos saberes científicos:

São concebidos como entidades sui generis, próprios da classe

escolar, independentes, numa certa medida, de toda realidade

cultural exterior à escola, e desfrutando de uma organização, de

uma economia interna e de uma eficácia que elas não parecem

dever a nada além delas mesmas, quer dizer à sua própria história.147

No campo da didática das disciplinas, o trabalho de Yves Chevallard é uma

das referências para a discussão das relações entre os saberes científicos e

escolares, partindo do Movimento da Matemática Moderna. A principal categoria

trabalhada pelo autor, o conceito de transposição didática, estabelece a passagem

do saber científico para o saber ensinado. No seu modelo, saberes científicos e

saberes escolares relacionam-se por fluxos de elemento do primeiro que se

inserem no segundo, de tempos em tempos, em razão de crises no saber

ensinado. Para ele todo sistema de ensino deve ter seu funcionamento compatível

com o ambiente social em que está inserido. O uso do saber ensinado, com o

tempo, produz um envelhecimento desse saber, o que leva à incompatibilização do

sistema de ensino com o meio ambiente social. 148

146 A. Chervel. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Naobra, o autor discute as relações entre as ciências, tratadas por ele como ciências de referências, eos saberes escolares, considerados sob a forma de disciplinas escolares, tendo por núcleoprincipal os conteúdos de ensino.147 Ibid, p. 180.148 Yves Chevallard. La transposition didactique: du savoir savant au savoir au savoir enseigné,p. 26.

118

Partindo do modelo da transposição didática, a compatibilidade, em termos

de saberes,

...deve ser vista por uma dupla imposição. De um lado, o saber

ensinado – o saber tratado no interior do sistema de ensino – deve

ser visto pelos sábios/cientistas como suficientemente próximo do

saber científico, a fim de não incorrer em desacordo com os

matemáticos, o que minaria a legitimidade do projeto social de seu

ensino. Por outro lado, e ao mesmo tempo, o saber ensinado deve

aparecer como suficientemente distanciado do saber banalizado

pela sociedade (e notoriamente banalizado pela escola). 149

O modelo da transposição didática expandiu-se para as mais diversas

disciplinas e as relações entre os saberes científicos e os escolares ficaram

caracterizadas sempre por uma transposição de conteúdos, originários do saber

científico destinados a serem incorporados como conteúdos escolares.

O entendimento dos saberes escolares, ancorado na teoria da

transposição didática, dá-se a partir da análise da origem de

conceitos que em algum momento fizeram parte do saber

científico, e que sofreram um processo de transposição. Assim,

dentro da perspectiva da didática das disciplinas, o significado dos

conteúdos escolares deverá ser buscado na história das

transposições efetuadas para constituí-lo. 150

Entretanto, se o modelo da transposição didática não serve como categoria

histórica para compreender o significado dos saberes escolares, qual seria o

caminho a ser seguido? A História da Ciência pode ser esse caminho. No entanto,

não podemos esquecer que a História da Ciência durante muito tempo levada para

a sala de aula, simplesmente relatava ou descrevia aqueles aspectos da Ciência

149 Yves Chevallard. La transposition didactique: du savoir savant au savoir au savoir enseigné,p. 26.

119

que dizem respeito às descobertas científicas, no lugar de refletir sobre a origem e

o desenvolvimento desse tipo de atividade humana.

Abordar a ciência e a tecnologia pela história não é tomá-la como

um processo linear, um processo que tenha por referência,

simplesmente, a cronologia dos acontecimentos e das

transformações; é preciso tomar a história no seu movimento dos

contrários, pois é este que permite mostrar por que é inegável que

ciência e tecnologia transformaram nossas concepções da vida e

do universo e de como revolucionaram as regras segundo as quais

opera o intelecto. 151

Podemos encontrar respostas em um novo enfoque da História da Ciência,

baseado em uma abordagem historiográfica, que procura redefinir o que são

práticas científicas. Nessa historiografia, o ponto inicial dos debates ocorre pela

recusa da imagem construída das ciências.

A redefinição do significado das práticas científicas se coloca

contra o discurso dominante que torna as ciências, enquanto

sistemas de proposições, sistemas de enunciados que devem ser

postos à prova em confronto com a experiência. 152

Sob esse enfoque, a História das Ciências mergulha nos novos objetos

históricos: história dos instrumentos, análises das práticas científicas, tecnologias

literárias, história das organizações e escolhas técnico-científicas, focando o

debate entre as diferentes idéias existentes no mesmo período. O fazer ciência é

um processo longo e não está baseado em descobertas, não é obra de gênios,

não é um saber revelado.

150 Wagner Rodrigues Valente. Saber científico, saber escolar e suas relações: elementos parareflexão sobre a didática, p. 5.151 Eric Hobsbawn. Era dos extremos: o breve século XX, p. 504.152 Wagner Rodrigues Valente. Saber científico, saber escolar e suas relações: elementos parareflexão sobre a didática, p.6.

120

O destaque dado à História da Ciência nas recentes pedagogias da

educação científica é no sentido de se buscar conexões úteis para as mudanças

conceituais que o ensino visa promover. E como devemos trabalhar a História da

Ciência, de modo a superar a transposição didática dos livros para a sala de aula?

Primeiro, não podemos esquecer que a Ciência e a tecnologia são parte

essencial do mundo atual. Então, que saberes devem ser ensinados nas escolas

de Ensino Médio? E como fazer para se estabelecer conexões entre os diferentes

conhecimentos? Continuamos ensinando do mesmo modo que fazíamos antes da

Revolução Científica nos séculos XVII e XVIII e o anacronismo da situação faz

com que a desinformação ocorra já nos primeiros anos escolares.

A ciência, tal como foi concebida nos programas de Ensino Médio,

impõe aos alunos, logo de início, uma série de axiomas, de regras

colocadas como dados estáveis e definitivos. Antes mesmo de

fazermos um passeio pela natureza com os alunos, de

constituirmos com eles um conjunto de fenômenos, de

trabalharmos pela construção dos fatos, nós lhes apresentamos o

modelo final. Essa abordagem esterilizada leva, às vezes, a dar

aos alunos respostas para perguntas que eles nem sequer

fizeram. 153

Por vezes, eles não perguntam. Apenas aceitam!

Como fazer, então, as conexões entre os diferentes conhecimentos por

meio da História da Ciência? Tradicionalmente, as pesquisas referem-se às

causas primeiras, pelo viés do método analítico. No decorrer dos últimos anos,

descobriu-se, após avaliar as relações entre as disciplinas e as pesquisas, que

uma abordagem chamada sistêmica permite organizar os conhecimentos de modo

153 Pasquale Nardone. Teorias cosmológicas e ensino de ciências, p. 44.

121

diferente e compreender não mais somente pela análise, mas também pela

síntese.

Essa síntese pode ser conseguida pela História da Ciência, que mostra a

Ciência como uma abordagem, uma forma de compreender o mundo com fortes

vínculos temporais e sociais, algo que está norteando uma constante mutação que

busca respostas para as necessidades de sua época e não algo como verdade

absoluta.

A História da Ciência mostra como o pensamento científico se modifica com

o tempo, evidenciando que as teorias científicas não são definitivas e irrevogáveis;

desmistifica o método científico, fornecendo ao estudante os subsídios

necessários para que ele tenha uma melhor compreensão do fazer ciência. Além

disso, pode transformar as aulas de ciências em mais desafiadoras e reflexivas,

possibilitando, dessa maneira, o desenvolvimento do pensamento crítico. A

responsabilidade maior no educar com o ensino de ciências é procurar que nossos

alunos, com a educação que fazemos, transformem-se em seres humanos mais

críticos.

Como observamos nas nossas práticas e vivências, dificilmente um

professor abre mão de suas crenças e valores diante da sua sala de aula; portanto

todos nós abraçamos mitos pessoais que são facilmente identificados nas nossas

ações, nas nossas preferências, e se refletem desde a escolha e recorte dos

conteúdos a serem abordados, perpassam todo o processo de ensino e vão até a

forma de avaliação e por isso não podem ser desconsiderados.

Aqueles que afirmam deixar “fora da sala de aula” suas preferências e suas

crenças deixam apenas fora dela suas consciências, que se mostram incompletas

e sem vida para seus alunos – tal qual a ciência que pretendem ensinar.

122

IV. O OLHAR DO PROFESSOR – ENSAIOS

Hórus, nascido fraco, tornou-se forte sob o amor mágico e protetor deÍsis.

1. A história de minha prática como professor de História daCiência no Ensino Médio

A partir da década de 1960, começou a se delinear a História da Ciência

como um espaço para a crítica do conhecimento científico por meio da

interdisciplinaridade. Um espaço que procura resgatar a ética científica, em uma

linguagem que respeita a humanidade, o Universo e, portanto, resgata o homem

no seu sentido superior.

Ninguém duvida de que a Ciência modificou profundamente nossa

sociedade e que esta transformação vem se acentuando cada vez mais e mais

rapidamente. Por permear todo o mundo contemporâneo, nada mais necessário e

interessante que conhecê-la.

Todos nós tivemos a oportunidade, pelo menos até o Ensino Médio, de

entrar em contato com várias ramificações dessa ciência, mas a maioria apenas

“engoliu sem digerir” o que foi ensinado. Isso porque nos apresentaram apenas

personagens, fatos, localizações, fórmulas e exercícios para os vestibulares. E o

pior, de forma totalmente desarticulada.

Se a Ciência estivesse presente na sala de aula como a fascinante aventura

da inteligência humana, em suas várias faces, certamente nossa compreensão do

mundo e de nós mesmos seria outra. Sim, porque se os cientistas desvendaram o

123

macro e o microcosmo, também se apoiaram em várias teorias para justificar o

racismo, sustentar regimes ditatoriais e desenvolver armas mais eficientes para

destruir o “inimigo”, outro ser humano. Se não fizeram isso diretamente,

colaboraram por omissão, refugiando-se na suposta neutralidade política, em

nome da Ciência.

No entanto, agora, mais importante que julgar sob o ponto de vista de um

radicalismo moral que tudo condena ou sob a complacência de um relativismo que

tudo justifica, mas dilui as responsabilidades, é compreender que um dos maiores

dilemas de nossa época é administrar a imensa gama de conhecimentos

disponível. Se a Ciência está profundamente vinculada à vida de todos nós, o

conhecimento científico passa também a ser responsabilidade de todos nós. Nem

a ignorância pode justificar a omissão.

Em função dessa nova forma de olhar, especialmente surgida entre alguns

educadores, é que no decorrer dos anos 1990 houve um crescente interesse pelo

ensino da História da Ciência. Nos últimos anos muito se tem falado sobre sua

importância na formação dos alunos do Ensino Médio, contudo pouco foi feito

nesse sentido, e mesmo quando alguma coisa é feita, não passa de uma

construção episódica nas disciplinas das chamadas Ciências da Natureza (Física,

Química e Biologia) e na Matemática. Quando são introduzidos, os conteúdos

aparecem apenas de forma ilustrativa, configurando o que se convencionou

chamar de “perfumaria”, uma espécie da pausa para respirar entre dois conteúdos

“duros” e que realmente, estes sim, devem merecer a importância do professor e

do aluno! É claro que este fato também tem uma história, quase secular: nas

escolas de ciências, os velhos cientistas ministravam aulas sobre História da

Ciência como curiosidade, para estimular jovens estudantes. Era como um prêmio

para antigos professores que, além de terem alcançado a maturidade em uma

área específica de estudos e pesquisa, tinham vivência suficiente para falar sobre

sua História; além disso, era uma forma de recreação para a vida desgastante do

124

laboratório e dos longos cálculos teóricos. Não existia uma área profissional para

seu estudo.

Esta não é, realmente, a História da Ciência que desejo que faça parte da

formação dos alunos de Ensino Médio do nosso país, porque isso não é História

da Ciência. Apesar de entender que seja fundamental que os professores das

disciplinas de ciências introduzam, no cotidiano das suas aulas, tópicos de História

da Ciência que não se limitem a um caráter apenas ilustrativo, parcial, factual e

cronológico, acredito que a existência de um espaço curricular próprio e específico

para os conteúdos de História da Ciência possibilite que estes possam ser

abordados e articulados de forma muito mais orgânica no processo ensino-

aprendizagem.

Em 1999, foi apresentada e, a partir de 2000, implementada a idéia de que

o bloco de cinco disciplinas optativas proposto para os terceiros anos do Ensino

Médio do CEFET – SP, de responsabilidade da área de Ciências da Natureza,

Matemática e suas Tecnologias contivesse uma disciplina de caráter integrador

denominada História da Ciência. O eixo gerador escolhido foi a compreensão dos

conceitos científicos ao longo da História, vinculados ao desenvolvimento

tecnológico e econômico da sociedade, procurando inter-relacionar os

conhecimentos desenvolvidos nas diversas Ciências da Natureza e na

Matemática.

A introdução desta disciplina como componente curricular do Ensino Médio

teve como objetivos promover a capacidade de reflexão crítica dos alunos sobre o

desenvolvimento científico e tecnológico, estimulando a compreensão e o respeito

pela natureza que nos envolve; o conhecimento dos instrumentos tecnológicos

construídos com a ajuda da Ciência, conectando as “diferentes disciplinas”

científicas entre si e com as humanidades, a Arte e a Filosofia; e a reflexão acerca

do conhecimento científico, sobre as controvérsias existentes ao longo da

construção da Ciência, que precisam ser encaradas como naturais e até mesmo

125

necessárias para que novas idéias possam vir à tona, colaborando para a melhor

compreensão do Universo.

Sua importância fica patente também pelo fato de que, cada vez com maior

freqüência, há a necessidade de se conhecer a linguagem científica para

compreender a situação da Ciência e da tecnologia sob o ponto de vista das

conseqüências sociais, econômicas, políticas, culturais e éticas. Uma metodologia

que se coaduna com os objetivos pedagógicos desta disciplina leva em conta

ainda, a relação bastante fértil entre a Ciência e a literatura; portanto, atividades

de leitura são fundamentais, seja de textos de divulgação científica ou de

documentos originais. Trabalhando com eles, mais do que obter informações de

maior ou menor importância, percebi que meus alunos se aproximavam da vida

viva dos homens que os haviam escrito, de suas dificuldades, de suas emoções e

também de suas incertezas ante as novas descobertas.

Alguns temas da História e da Filosofia da Ciência discutidos são: relações

entre Ciência, tecnologia e sociedade; origens das atividades científicas; a ciência

na Antiguidade e no mundo greco-romano; a ciência medieval e, ainda a ciência

árabe; o Renascimento e o nascimento da ciência moderna; o Iluminismo e a

ciência clássica do século XIX; a ciência do século XX e as perspectivas científicas

para o futuro da humanidade.

Como metodologia do trabalho pedagógico, foram usadas leituras de livros

de divulgação científica, de literatura clássica e de textos originais de cientistas,

além de seminários, vídeos científicos, peças teatrais, visitas a museus, frisa do

tempo etc.

A dinâmica de trabalho para a discussão dos textos teve início com a

divisão da turma em dez grupos de quatro alunos. A cada semana, um grupo

apresentou um seminário sobre o tema escolhido, seguido por uma discussão

aberta a todos os grupos que haviam previamente lido o texto em questão. Via de

regra, as discussões foram proveitosas, pois possibilitaram um excelente exercício

126

de interdisciplinaridade pelas ligações estabelecidas com as outras áreas do

conhecimento, como a Filosofia, a História, a Arte etc. Em todos os seminários, o

que mais chamou minha atenção foi o método que utilizaram para construir a

pesquisa: em vez de dividirem o assunto e pesquisar por partes, notei que a

maioria trabalhou em conjunto. Também foi gratificante verificar que não só o tema

escolhido pelo grupo merecia a atenção dos seus integrantes, mas a maioria dos

alunos mostrou conhecimento dos assuntos apresentados pelos demais grupos.

As peças teatrais foram muito enriquecedoras, particularmente Copenhagen

e Einstein, apresentadas pelo grupo Arte e Ciência no Palco. Ambas têm como

ponto central de seus textos os dilemas éticos vivenciados por cientistas

importantes do século XX. Essas peças geraram enorme polêmica entre os alunos

e propiciaram uma série de discussões em sala de aula quanto à ética e à moral.

A interação da arte com a Ciência pode manifestar-se de diversas maneiras.

O teatro tem se mostrado uma importante forma de divulgar a Ciência. O grupo

Arte e Ciência no Palco vêm, desde 1988, apresentando importantes peças que

despertam o interesse pela Ciência. As peças apresentadas até agora são:

Einstein; Da Vinci Pintando o Sete; Copenhagen; Perdida, uma comédia quântica;

Quebrando Códigos; E agora Sr. Feynman?; Ufa; A Dança do Universo; Oxigênio;

Rebinboca & Parafuseta; e, mais recentemente, After Darwin.

O objetivo do grupo é investigar a relação da arte e da Ciência. O teatro,

com sua imensa capacidade de envolver, emocionar e provocar procura traduzir

pelo sentir e pelo pensar os conflitos éticos da Ciência, despertando o público para

as responsabilidades e conseqüências dos avanços da Ciência na vida das

pessoas. 154

O teatro como arte é capaz de entreter e, simultaneamente, propiciar uma

vivência e reflexão sobre o conhecimento humano.

154 www.arteciencianopalco.com.br

127

Outras atividades também possibilitam novas e interessantes abordagens

para o aprofundamento das discussões realizadas em sala de aula. Entre elas,

sem sombra de dúvida, foi a utilização de vídeos. Alguns filmes permitiram e

incentivaram reflexões que, com certeza, já estavam sendo propostas pelos textos

usados. Um deles é o magnífico filme O Nome da Rosa, baseado na obra

homônima de Umberto Eco e dirigido por Jean-Jacques Arnaud, que constrói um

retrato bastante elaborado da forma como o conhecimento era concebido e

transmitido durante a Idade Média, e das dificuldades para romper esses cânones.

Outro filme que também complementa, de maneira feliz, as discussões realizadas

em sala de aula é A harmonia dos mundos da série Cosmos, elaborada por Carl

Sagan e que se refere à forma como Kepler chegou às suas famosas leis e as idas

e vindas, os encontros e desencontros, os sucessos e os fracassos ocorridos

nessa sua jornada. Era a época na qual se iniciava a revolução científica, que

seria coroada posteriormente pelo trabalho magnífico de Newton, nos seus

Principia.

Um gênero de atividade sempre importante em um curso de História da

Ciência é o trabalho com textos científicos originais, que podem ser contrapostos à

forma didática e freqüentemente “pasteurizada” com que os mesmos conteúdos

são atualmente tratados na educação básica. Na seqüência do estudo sobre

Kepler, uma opção de trabalho tem sido a análise da apresentação de suas teorias

no texto original dos Principia.

Os alunos desenvolveram uma monografia de final de curso que se mostrou

um instrumento de desenvolvimento e amadurecimento científico. Desde o

primeiro dia de aula, foram orientados para a sua elaboração com a utilização das

normas e padrões ABNT quanto à estruturação do texto e as referências

bibliográficas, bem como os elementos constitutivos de um projeto de pesquisa: a

delimitação do problema, definição da base conceitual etc. Foi uma experiência

prazerosa e permeada de muita alegria, pois fui percebendo, quando lia cada

monografia, o impacto emocional sentido pelos alunos no resgate da totalidade, do

prazer de aprender e descobrir, atitudes desprezadas no processo de

128

aprendizagem tradicional. Conseguiram com isso redimensionar o relacionamento

com as ciências, que em geral se lhes apresentam como disciplinas áridas, difíceis

e que requerem um grande esforço para serem aprendidas embora logo sejam

esquecidas.

Em 2002, uma nova proposta de trabalho foi colocada em prática: a

construção de uma frisa do tempo, tendo como tema a obra Frankenstein, de Mary

Shelley. Um grupo de alunos elaborou a pesquisa dos fatos científicos e históricos

relevantes e pertinentes à época em que se desenrola a trama literária, como a

Alquimia, os avanços no campo da eletricidade, a Medicina, a Revolução Industrial

e a Revolução Francesa. A frisa do tempo155 foi apresentada em forma de painel

durante a Semana Cultural do CEFET-SP e fez bastante sucesso, mostrando ser

um instrumento importante para a divulgação histórica da Ciência.

Em 2003, iniciei um trabalho de resgate do desenvolvimento da Ciência no

Brasil, conforme relatei no item I.2, e que despertou um grande interesse dos

alunos ao tomarem consciência do importante trabalho dos cientistas brasileiros.

Nesse projeto de inclusão da disciplina História da Ciência no Ensino Médio

do CEFET-SP, os alunos acompanharam o desenvolvimento científico da

humanidade desde os primórdios da civilização até os dias de hoje. Nesta

grandiosa aventura da História, nos seus vários momentos, estudaram como os

seres humanos se relacionam, em todos os tempos, com o conhecimento

empírico-científico.

Ao longo do processo, perceberam e compreenderam que a Ciência pode

ser estudada e aprendida de maneira integrada, incluída em um contexto social,

político, econômico, ético e científico, quando então, em certa medida, passa

também a ser vivenciada. A par disso, a consciência da interdependência entre as

disciplinas resultou em uma visão mais ampla e crítica. Com essas ferramentas

155 Também conhecida como linha do tempo.

129

certamente poderão prosseguir pesquisando e aprendendo sozinhos, se assim

desejarem, e amplificando a compreensão do significado de Ciência.

Na análise deste processo, situo como eixo inicial de apreensão, a própriaCiência. Gradativamente, os alunos foram desconstruindo o conceito pronto e

acabado de Ciência, que infelizmente é encontrado, ainda hoje, na maioria dos

livros didáticos. Mais importante para nós, professores e alunos é compartilhar a

idéia de que ela exerce um papel relevante na vida social e produtiva do ser

humano, nos seus aspectos positivos e negativos. Não podemos negar as

facilidades que a Ciência e a tecnologia trazem para o nosso cotidiano, nem a sua

ação devastadora, como vimos nos atentados terroristas, de 11 de setembro de

2001, que causaram perplexidade mundial. O compartilhamento dessas idéias

tornou-se viável através de um novo olhar do processo ensino-aprendizagem que

colocamos em prática nos encontros semanais.

Ao conquistar a confiança dos alunos nessa nova empreitada, adquiri uma

nova postura, descobrindo na minha prática pedagógica o que existe de positivo,

observando-a com um olhar atento, sem medo das transformações e buscando as

novas ações para transformar o ensino de História da Ciência em um espaço

alegre de compartilhamento, de parceria com alunos e outros professores, de

construção individual e coletiva, de aprendizagem. Neste novo olhar, a atitudeinterdisciplinar tomou conta da minha ação docente.

À medida que o tempo vai passando, os alunos vão deixando de

ser meras pessoas nesta sala e começam a fazer parte do

professor. Isto acontece aos poucos, daí a categoria da espera,

uma espera vigiada que vai sendo alimentada a cada aula, pois

em cada encontro o aluno vai adquirindo uma nova roupagem para

o professor. 156

156 Ivani Fazenda. Dicionário em construção: interdisciplinaridade, p. 225.

130

A interdisciplinaridade é um processo que precisa ser vivido, exercitado. O

exercício desse processo ameniza, no interior do professor, o egoísmo, a vaidade

e o orgulho. O principal fundamento da interdisciplinaridade é a humildade

decorrente da visão panorâmica da realidade, em que a disciplina isolada deixa de

ser importante se ela não for parte do todo que os seres humanos vivenciam

consciente ou inconscientemente.

O espaço curricular História da Ciência mostrou-se capaz de promover o

entendimento sobre o desenvolvimento científico e tecnológico, estimulando a

compreensão e o respeito pela Natureza que nos envolve, bem como as relações

com a Arte, a Filosofia, a Literatura e a História. O aluno crítico e pensante, que

aprende a aprender, está preparado para os exames oficiais e os vestibulares

pois, as novas concepções de educação, que não deixaram de lado os conteúdos,

passaram a contextualizá-los de forma interdisciplinar, possibilitando o

desenvolvimento do pensamento em resposta aos desafios vitais. São estes os

alunos que o novo tempo pede urgentemente, porque se torna cada vez mais

importante a compreensão da interdependência entre todos os seres humanos.

Por tudo o que vivenciei e compartilhei com os alunos neste projeto,

comecei realmente a me sentir um professor interdisciplinar, com uma nova visão

do processo ensino-aprendizagem-avaliação, em que a desconstrução do

professor tradicional, disciplinar, reduz os preconceitos e dá lugar à consciência

crítica, que possibilita enxergar melhor que a Ciência não explica tudo, não é dona

da verdade; que ninguém sabe tanto que não tenha algo a aprender com alguém

e, principalmente, que não existem verdades prontas e acabadas.

Trabalhar com os alunos do Ensino Médio do CEFET-SP nessa disciplina

foi uma experiência bem-sucedida, um desafio vencido. Ficou claro que é possível

trabalhar de forma interdisciplinar e contextualizada e que a História da Ciência é

um dos instrumentos que possibilitam essa tarefa pedagógica. A resposta dos

131

alunos ao desenvolvimento do projeto está explicitada nos questionários (Anexo 1)

respondidos por eles ao término de cada curso e será analisada no capítulo V.

Tal experiência durou até 2005, pois nesse momento passei a me dedicar

por inteiro ao Curso de Formação de Professores de Física, onde eu procurava

compartilhar com os alunos a minha experiência no Ensino Médio com a História

da Ciência. Senti a necessidade de mostrar como eles poderiam explorar o

desenvolvimento histórico da Ciência para criar um diferencial que possibilitasse

um ensino mais interessante e contextualizado com os seus alunos do Ensino

Médio.

132

2. A experiência no Ensino Médio levada ao curso de formação deprofessores

Quando se analisa a atual legislação brasileira para a formação de

professores na área de ensino de Física, percebemos uma situação de falta de

consenso ou de disputa pragmática sobre o ideal de profissionalização docente.

De um lado, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em

Física (Parecer CNE 1304/2001) apontam para a licenciatura como orientação

final de curso de graduação de Física, caracterizando um físico-educador ou um

bacharel que pode lecionar. Em tais Diretrizes, a identidade do professor de Física

é consolidada no âmbito da graduação que ele obtém na área de conhecimento

específico mais do que na licenciatura. 157

Os alunos, nesta modalidade de formação, não se envolvem com as

perspectivas filosóficas e históricas do conhecimento e o estudo da Física e outras

ciências continua apoiado no conceito positivista de que a Ciência é fruto do

trabalho de dedicados cientistas que descobrem as verdades já escritas na

natureza, das quais nos aproximaremos até as desvelarmos completamente por

meio da observação e de medidas mais rigorosas.

Sem condições de analisar criticamente o projeto de ensino, os

futuros docentes acabam retransmitindo um programa em uma

lógica de conteúdos baseada no conhecimento estruturado de

quem já sabe ciência, na qual os alunos não encontram sentido e,

portanto, não aprendem.158

157 Marcos Pires Leodoro. Por um currículo humanista para a Licenciatura em Física, p. 2.158 Lais dos Santos Pinto Trindade. A alquimia dos processos de ensino-aprendizagem emQuímica, p. 46.

133

O saber científico, da forma como é ensinado, fica desprovido do poder de

invasão. Quer dizer, não encanta e não seduz, porque não explica o homem.

Em contraparte, a concepção das Diretrizes para a formação de

professores da educação básica de graduação plena (Parecer CNE/CP 9/2001)

pressupõe a identidade própria dos cursos de licenciatura e uma abordagem

integrada dos diversos saberes didáticos, pedagógicos e de conhecimentos

específicos de determinada área do saber são necessários ao exercício

profissional do professor.

A proposta de um currículo que inclua a complexidade159 do ser professor

para a licenciatura se opõe à compartimentação excessiva do conhecimento por

considerar que a desarticulação dos saberes na formação do professor e o

tratamento da didática circunscrito às técnicas do ensino tendem à neutralização

da ação política própria da atividade docente. Ao contrário, é a complementaridade

didática e pedagógica do currículo e a articulação dos saberes que potencializam

a capacitação político-pedagógica do licenciado.

O Curso de Formação de Professores de Física do CEFET-SP foi

concebido com base em uma proposta que rompia com os cursos tradicionais,

buscando uma abordagem integrada dos conhecimentos. Mesmo assim, sabia, de

antemão, que a minha tarefa não seria fácil ao lecionar História da Ciência para

eles, pois, apesar dessa concepção curricular, uma parte significativa dos alunos

padecia da falta de cultura científica humanista que possibilitasse compreender

amplamente o papel e os determinantes sociais e culturais da Ciência.

Como citei no item anterior, a minha intenção era mostrar como eles

poderiam explorar o desenvolvimento histórico da Ciência a fim de criar um

diferencial que possibilitasse um ensino mais interessante e contextualizado com

os seus alunos do Ensino Médio, pois a contextualização é um dos elementos

159 Uso esse termo no sentido etimológico – o que está tecido – e não no aspecto de complicado.

134

norteadores da educação básica, conforme a LDB. Para tanto procurei na

homologia de processos, que diz respeito à situação específica da formação do

futuro professor, que efetuará uma transposição, para a sala de aula, da sua

vivência como aluno, a ação pedagógica para tal intento. Nessa situação, o futuro

professor experencia as situações, estratégias e metodologias, às quais irá

submeter o seu aluno. Os meus alunos, futuros professores, levariam para as suas

salas de aula, além das metodologias e estratégias vivenciadas no espaço

curricular História da Ciência, a minha experiência com essa disciplina no Ensino

Médio, que eu agora compartilhava com eles.

No plano de ensino para o espaço curricular Ciência, História e Cultura

procuro evidenciar que o entendimento da natureza histórica, social e cultural do

conhecimento científico é, ao mesmo tempo, um objetivo e um dos maiores

desafios da educação para a Ciência. Assim, esse espaço curricular aborda não

apenas elementos da historiografia da Ciência, mas problematiza o seu papel no

ensino e na divulgação científica. São estudados materiais didáticos, produção

acadêmica e projetos de ensino que incorporam e propõem o ensino da Física

articulado à dimensão cultural da Ciência e as relações múltiplas entre a

implicação e a determinação social do conhecimento científico e seus produtos

tecnológicos. São propostas atividades de estudo visando à incorporação da

pesquisa em ensino das ciências à prática de sala de aula.

Nessa disciplina, ministrada no sexto semestre, com cinco aulas semanais,

a dinâmica de trabalho tem início com a formação de grupos de três alunos. Os

momentos históricos do desenvolvimento da Ciência são abordados, ao longo do

semestre, com debates, em torno do livro A História da História da Ciência. Em

cada etapa são exibidos vídeos sobre o contexto histórico e social da Ciência.

Podemos citar alguns: O Nome da Rosa, A vida de Leonardo da Vinci, Genius:

Galileu e Darwin, Giordano Bruno, Hiroshima: dois dias que abalaram o mundo,

Alexander Graham Bell, Santos Dumont: o homem pode voar, A chegada do

homem a lua e Cientistas Brasileiros: César Lattes e José Leite Lopes. Cada aluno

135

elabora uma análise crítica sobre o vídeo, a visão de Ciência de quem o produziu,

localizando o contexto histórico e as possibilidades da sua utilização com os seus

alunos do Ensino Médio, seguindo a homologia de processos.

Ao longo do semestre, cada grupo apresenta um seminário abordando um

livro sobre História da Ciência, com a intenção de aprofundar alguns temas

estudados, fazendo a articulação dos três eixos: Ciência, História e cultura, de

forma a permitir que o aluno tenha uma visão crítica a respeito do papel da Ciência

no mundo de hoje e de como a História da Ciência pode colaborar para formar

cidadãos conscientes, autônomos e alfabetizados cientificamente, conhecendo as

principais correntes filosóficas a respeito de como acontece o desenvolvimento da

Ciência.

Outra atividade proposta é a elaboração de uma carta com a análise de um

livro paradidático, com o objetivo de inserir a História da Ciência nas aulas do

Ensino Médio. A carta deve conter uma análise crítica do livro, os objetivos a

serem atingidos, a razão da escolha do livro em questão, os temas a serem

abordados, o público a ser atingido, as condições necessárias, a fundamentação

teórica do trabalho, as propostas de atividades e a forma de trabalho, as

estratégias didáticas a serem usadas, as formas de avaliação e a maneira de aferir

a eficiência do trabalho, as habilidades e os valores que deverão ser trabalhados

com os alunos, a bibliografia e sitiografia complementares etc.

Podemos citar como exemplo o livro Os Botões de Napoleão: as 17

moléculas que mudaram a História, escrito por Penny Le Couteur e Jay Burreson,

que apresenta a importância de estudar a história da Química para compreender o

desenvolvimento desta Ciência e o seu papel no mundo atual, mostrando que

algumas estruturas químicas desempenharam um papel essencial e muitas vezes

não reconhecido no desenvolvimento da civilização. No momento em que vivemos

desafios e transformações na reconstrução dos processos educacionais que

representam possibilidades efetivas de aprendizagem, o uso de leituras

136

paradidáticas envolvendo temas relacionados à História da Ciência é um convite

para conhecer novas propostas de mudanças no processo de ensino-

aprendizagem tradicional da disciplina de Química.

O primeiro tema desse livro, por sinal o único que não tem comprovação,

procura explicar o fracasso da campanha de Napoleão na Rússia, em 1812, por

algo tão insignificante quanto um botão fabricado com o estanho, metal que,

quando exposto a temperaturas baixas, se esfarela. Todas as fardas dos

regimentos de Napoleão eram fechadas com botões feitos deste material. Os

demais temas e suas correlações são os seguintes:

- As especiarias e as navegações

- A vitamina C e o escorbuto

- A glicose, a cana-de-açúcar e a escravidão

- A celulose, o algodão e a revolução industrial

- Componentes nitrados: os explosivos e a colonização da América

- A seda e o nylon: rotas de comércio e moda

- O fenol e a esterilização

- O isopreno e a borracha

- Os corantes sintéticos e o nazismo

- Remédios modernos: aspirina, sulfa e penicilina

- A pílula e a revolução sexual

- Os alcalóides e a inquisição

- Morfina, nicotina e cafeína: alterações da percepção

- O ácido oléico e o azeite de oliva

- O sal e a preservação dos alimentos

- Compostos clorocarbônicos: refrigeração e anestesia

- A quinina e a malária

Eu e o professor Ricardo Roberto Plaza Teixeira apresentamos um trabalho

sobre a utilização deste livro na Jornada de História da Ciência e Ensino na PUC-

SP em julho de 2007.

137

Da mesma forma como fizemos no projeto do Ensino Médio, são

programadas atividades externas como teatro, cinema e visitas a museus. A visita

ao Museu dos Transportes Públicos de São Paulo possibilita conhecer um pouco

da história da cidade e como a evolução dos meios de transporte está inserida na

transformação do panorama histórico e social da população paulistana. Na

Pinacoteca de São Paulo, a exposição Laboratório do Mundo: idéias e saberes do

século XVIII, com um vasto acervo da Universidade de Coimbra, abriu um portal

do tempo para a compreensão dos fenômenos naturais propiciadas pela revolução

de mentalidades operadas pelo Iluminismo.

As peças teatrais Copenhagen e Einstein, que têm como ponto central de

seus textos os dilemas éticos vivenciados por cientistas importantes do século XX,

levam os alunos a uma reflexão a respeito das questões éticas importantes

relacionadas à Ciência, à sua história e às controvérsias científicas existentes em

diferentes periódicos sobre a História.

A análise de textos científicos traduzidos dos originais mostrou como eles se

contrapõem ao ensino de resultados e conduzem a interações com tempos

diferentes dos atuais, que tinham sua própria realidade. Com essa atividade, pude

perceber que os alunos começaram a manifestar maior autonomia, pois

desenvolveram um instrumento mais poderoso que a inteligência: a imaginação.

O estudo de alguns tópicos dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o

Ensino Médio possibilitou uma análise das diferentes estratégias para a inserção

da História da Ciência na educação básica, refletindo sobre o impacto, na ciência

moderna e na educação científica dos jovens, das teorias que abordam a evolução

da vida e do Universo, conhecendo melhor e de forma efetiva a ciência atual a

partir do estudo da evolução dos conceitos científicos.

No final do sexto semestre, os estudantes já amadureceram muitos

conceitos das teorias educacionais e experiências pedagógicas, pois completaram

138

uma parte significativa dos estágios supervisionados que, no curso em questão,

estão articulados a oito espaços curriculares e privilegiam o vínculo entre a teoria

e a prática, atrelados a discussões e aos referenciais teóricos apresentados em

cada um desses espaços curriculares. Assim, como atividade final, cada grupo

preparou um plano de aula referente a um tema da Física, permeado pela História

da Ciência. Durante as apresentações, fui percebendo que eles compreenderam

que realmente existem possibilidades para deslocar a visão hermética e tradicional

de ensinar ciências, presente nos manuais didáticos, para uma visão ampla e

crítica na qual ela não aparece como algo pronto e acabado. Mais importante do

que isso é a percepção de que a História da Ciência não deve ir para a sala de

aula como complemento ou curiosidade e, sim, fazendo parte do contexto desse

novo olhar do ensino-aprendizagem de ciências.

A minha experiência com os professores em formação dos cursos de

Química, Física e Matemática no Instituto Superior de Educação Oswaldo Cruz

apresentou algumas particularidades diferentes daquelas do CEFET-SP. Os dois

primeiros anos são comuns para os três cursos (Química, Física e Matemática). A

disciplina História da Ciência é ministrada no primeiro ano e está articulada com as

disciplinas Química Geral, Física e Matemática, que também fazem uma

abordagem histórica de cada ciência em diversos momentos.

As atividades desenvolvidas com os professores em formação são

semelhantes àquelas do curso de Formação de Professores em Física do CEFET-

SP. Não foi possível trabalhar com os livros paradidáticos acerca da História da

Ciência, pois os alunos, recém-egressos do Ensino Médio não tinham ainda o

hábito da leitura, algo que foi acontecendo durante o curso. Também não foi

possível um trabalho mais intenso de análise crítica de vídeos, já que a estrutura

logística da instituição só permitia utilizar a sala de projeção uma vez por mês.

Uma atividade interessante desenvolvida com os alunos do ISE Oswaldo

Cruz foi a leitura de um livro que tem se mostrado significativo para a

139

compreensão do processo histórico da Ciência: Grandes Debates da Ciência, de

Hal Hellman, que ressalta as contradições, as polêmicas e controvérsias que

existem nesse processo, que não é linear e nem sempre “para a frente, para mais

alto e para melhor”. O primeiro capítulo do livro descreve com precisão o embate

ideológico-científico entre Galileu e o papa Urbano VIII. O terceiro capítulo analisa

o debate ocorrido a respeito da primazia da invenção do cálculo, traçando um

perfil dos dois pensadores, Newton e Leibniz, e dos contextos que envolveram

esse episódio. Mais especificamente, o objetivo é de proporcionar, ao professor

em formação, a reflexão sobre os acontecimentos que possibilitaram o avanço da

Matemática, culminando com a síntese do cálculo, quer dizer, o que lera Newton?

O que era prioridade em sua mente e que caminhos seguiu para chegar às suas

descobertas?

Foram escolhidos cinco debates entre pensadores e a dinâmica de trabalho

foi a seguinte: em cada debate, participaram dois grupos, cada um defendendo um

dos contendores. Ao final, um debate geral com todos os alunos propiciou o

entendimento de que os grandes pensadores não são desprovidos de violentas

paixões e comportamentos emotivos, como qualquer dos mortais. Mais do que

isso, fez compreender as contribuições que tais contendas trouxeram para o

desenvolvimento da Ciência e como evoluem os conceitos científicos e como

acontecem as revoluções na forma de pensar das sociedades de cada época.

O trabalho foi produtivo, e os objetivos atingidos mostraram uma mudança

de atitude dos alunos, ao longo do ano, com relação ao ensino de ciências. A

análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio para a

compreensão das diferentes estratégias possíveis à inserção da História da

Ciência na Educação Básica, ocorreu no segundo ano, quando lecionei a

disciplina Organização da Escola: Estrutura e Funcionamento.

No próximo capítulo, como fizemos com a experiência no Ensino Médio,

faremos uma análise das vozes dos alunos do curso de Formação de Professores

140

de Física do CEFET-SP e do ISE Oswaldo Cruz que também responderam a um

questionário no final de cada curso.

141

V. O OLHAR DOS ALUNOS – METAMORFOSE

... o jovem guerreiro fez prevalecer a legitimidade de seu nascimento efoi declarado rei do Egito.

1. O olhar dos alunos do Ensino Médio

O olhar dos alunos do Ensino Médio possibilitou a avaliação do nosso

trabalho no sentido de dar significado para o que ensinamos e aprendemos, para

que as práticas coerentes sejam atualizadas e compartilhadas. Os depoimentos

foram colhidos por um questionário no final do projeto. Selecionamos as respostas

de quatro alunos para cada uma das seis questões (Anexo 1).

As duas primeiras questões são relativas ao modo de conceber Ciência,

antes e depois do Projeto História da Ciência. Dizem os alunos:

• Eu não tinha um conceito formado sobre Ciência. Após o projeto concebo a

ciência como um dos modos pelo qual o homem busca conhecer a

realidade através de experimentos. Não é apenas conhecimento científico,

pois possui contexto sóciopolítico. (G.C.)

• No meu conceito anterior, a Ciência era todo conhecimento existente, com

exceção das áreas teológicas e espirituais. Após o projeto, vejo a Ciência

como um estudo sistemático que visa à compreensão das leis que regem

todo o universo. (Y.M.I.)

• Anteriormente, para mim, a Ciência era algo associado a coisas ruins para

a humanidade, como a bomba atômica e a poluição ambiental. Após o

projeto, vejo a Ciência como o estudo que tenta encontrar explicações para

142

os fenômenos que acontecem e, a partir deles, tenta desenvolver novas

tecnologias (M.R.)

• Antes do projeto, eu tinha uma visão cartesiana da Ciência em função da

fragmentação causada pelo seu ensino estritamente voltado para o

vestibular. Após o projeto, vejo a Ciência como um estudo metódico dos

fenômenos, que passa pelas etapas de observação, proposição de um

modelo para a explicação de um fenômeno e o teste desse modelo.

(O.Z.P.)

É possível perceber nestes depoimentos um deslocamento dos conceitos

associados à fragmentação da Ciência e ao senso comum, para conceitos

articulados ao método científico, à produção de tecnologia e a compreensão

humana acerca do Universo.

A terceira questão é relativa à contribuição do aprendizado da História da

Ciência para uma melhor compreensão do processo de ciência construída

historicamente.

• Apesar de ter estudado história anteriormente, nunca havia me aprofundado

no conhecimento científico de cada época. Isso me ajudou a compreender

como a mentalidade do ser humano foi se transformando ao longo do tempo

em função do desenvolvimento da Ciência. (P.V.F.)

• Percebi que, como a Ciência é influenciada pelo meio e pelo tempo, ela

passa por mudanças nas quais predominam determinados paradigmas.

Antes tínhamos o reducionismo, forma de pensar que fragmenta os objetos

para estudá-los. Hoje, caminhamos para um paradigma que aborda os

fenômenos no mundo de forma crítica e sistêmica. Então, a evolução

científica não é linear, depende da época e das condições históricas. (D.E.)

143

• Os processos históricos relacionados com o avanço científico são

fundamentais para a compreensão de como a Ciência é construída pelos

homens, cujas idéias são influenciadas pelo tempo e espaço em que

viveram. Esta relação possibilita um conhecimento mais amplo da

construção científica ao longo da história. (M.B.S.)

• Através dos seminários foi possível analisar fatos científicos sob a ótica da

história e entender as conseqüências dos períodos que causaram

retrocessos e evolução. Conhecendo o desenvolvimento histórico da

Ciência é possível entender a sua importância atual para a humanidade.

(D.V.F.)

Analisando as respostas dos alunos, percebemos a sua compreensão sobre

a construção histórica da Ciência, as transformações em cada etapa histórica e a

sua evolução não linear em função de cada época.

A quarta questão aborda a visão dos alunos a respeito dos cientistas, antes

e depois do projeto.

• Minha visão a respeito dos cientistas modificou-se, evoluiu. As pessoas têm

a tendência de acreditar que os cientistas são seres superiores – quase

mágicos – sendo levadas a elevá-los a “donos da verdade”, uma verdade

irrefutável e sublime. Contudo, pode-se perceber que não é bem assim: os

cientistas são seres tão mortais quanto quaisquer outros e seu objeto de

trabalho (a Ciência) é algo que evolui. Para tanto, não se pode deixar de

questioná-la, pois, apenas dessa forma, não a deixaremos estagnada e

passível ao retrocesso. (J.S.)

• Antes, tinha uma idéia sacralizada sobre os cientistas, própria do que

chamamos de senso comum. Imaginava um cientista, vestido de branco,

que não fazia outra coisa além de estudar. Um verdadeiro gênio que

144

detinha todas as verdades e nunca falhava. No entanto, após o início do

projeto, percebi que os cientistas são pessoas normais que, como todo ser

humano, também erra. Mas eles fazem algo que poucas pessoas fazem:

aprender com os erros e tirar proveito deles. Algo que permaneceu em mim,

foi a admiração pela vontade dos cientistas de querer saber e tentar

explicar o mundo onde eles vivem, ajudando a humanidade em geral com

suas descobertas. Todos nós somos um pouco cientistas ao tentarmos

entender a nossa natureza. (C.C.)

• A minha visão sobre os cientistas mudou completamente após o projeto.

Antes, eu pensava que para alguém se tornar cientista era necessário ter

nascido superdotado e rico. Hoje, percebo que o estudo, o esforço e a

dedicação, junto a um financiamento governamental ou da iniciativa

privada, podem dar a todos a oportunidade de entrar no mundo da Ciência.

Eu, em particular, seguirei a carreira científica. (A.S.C.)

• Antes, eu considerava o cientista como um louco que misturava substâncias

estranhas, ou seja, uma visão discriminadora. Por meio do projeto percebi

que o cientista é alguém com um forte senso crítico e que busca soluções

para problemas cotidianos que são enfrentados pelos seres humanos.

(K.H.)

Mais uma vez é possível perceber que o Projeto História da Ciência

possibilita o deslocamento de visões tradicionais do senso comum para outras

mais críticas e condizentes com os alunos pensantes, já mais distantes do

pensamento fragmentado. Perceberam os alunos que os cientistas não fazem

Ciência sem um comprometimento com o cotidiano da sociedade. Penso que a

Ciência pela Ciência é uma ilusão dos cientistas que se fecham em seus

laboratórios ou mundos mentais. Querendo ou não, o conhecimento que

produzimos poderá sempre ser usado por alguém. 160

160 Rubem Alves. Conversas com quem gosta de ensinar, p. 97.

145

Chegamos à quinta questão, que analisa a compreensão dos conteúdos de

outras disciplinas pelo do estudo de História da Ciência.

• O estudo da História da Ciência foi muito importante para a compreensão

de vários temas de outras disciplinas. Em particular, a contribuição maior foi

na disciplina de Sociologia, pois aprendemos no projeto a utilizar os meios

de comunicação, tais como os seminários, a elaboração de textos e análise

crítica de vídeos. (M.B.S.)

• Percebi que o pensamento científico é interligado. Na disciplina de Física,

quando fizemos o trabalho experimental sobre o telefone, já conhecíamos a

sua história, que foi trabalhada no projeto na parte destinada á ciência

brasileira. (T.A.D.)

• O projeto foi muito importante para a compreensão de alguns temas de

Química e Física. Agora posso entender como os cientistas trabalharam

para chegar a formulações de determinadas leis. Cito como exemplo as

reações químicas e as leis da eletrodinâmica. Ficaram mais claras para mim

as etapas da construção de modelos e experimentações, facilitando a

compreensão dos fenômenos. (O.Z.P.)

• O projeto me proporcionou maior autonomia, pois estava mais

independente, já que o professor me incentivava a pesquisar. Estudar

História da Ciência foi muito importante para compreender diversos

conteúdos de História, Geografia, Literatura, Biologia e Filosofia. Ao longo

do ano, o projeto propunha o estudo de vários assuntos sobre diversas

épocas, como a Antiguidade (os gregos, por exemplo), Brasil etc. No último

bimestre, na disciplina de História, estudamos o Brasil, e o conhecimento

prévio do desenvolvimento da ciência brasileira possibilitou entender melhor

o contexto social de várias épocas. (R.S.C.)

146

É possível perceber, pelas respostas, que os alunos passaram a ter uma

melhor compreensão das articulações entre as várias áreas do conhecimento,

bem como a noção de contexto social de cada época. A Ciência também pode

interpretar a realidade com os dois olhos de Hórus.

A última questão refere-se à importância do estudo da história dos principais

cientistas brasileiros.

• Para mim, foi a melhor parte do projeto. Os cientistas estrangeiros são

sempre supervalorizados. Há uma carência muito grande quando se trata

de divulgar a produção científica dos brasileiros. É muito importante

conhecer as suas realizações, principalmente a sua repercussão

internacional. (A.S.C.)

• Foi fundamental para nos conscientizarmos de que o nosso país já produziu

brilhantes cientistas e que não são devidamente valorizados. O Brasil tem

potencial e qualidade para o trabalho de grandes pensadores, porém nem

sempre há o investimento necessário para as suas pesquisas, obrigando-os

a procurar outros países para desenvolver o seu trabalho científico. (D.E.)

• Foi muito importante, pois geralmente nos focamos nos grandes cientistas

como Galileu, Newton, Einstein e outros, esquecendo de valorizar os

nossos compatriotas cientistas, como Santos Dumont, José Bonifácio,

Carlos Chagas, César Lattes etc. É encorajador saber que, apesar das

dificuldades, eles conseguiram vencer, mesmo tendo que sair do país.

(M.B.S.)

• Eu descobri que o nosso país é também a terra de grandes cientistas e que

nada devem para cientistas estrangeiros. Temos um grande potencial

intelectual e que pode ser mais bem explorado, possibilitando a nossa

emancipação científica, tecnológica e social. Quando se investe em

147

educação e Ciência, a sociedade adquire capacidade de questionar e

evoluir. (L.F.M.)

Podemos ver que a descoberta do trabalho dos cientistas brasileiros causou

um impacto positivo nos alunos. Quando se depararam com a grande produção

científica de José Bonifácio e souberam que a sua atuação como estadista ocorreu

apenas no final da sua vida, entenderam as falhas gritantes no ensino da História

do Brasil, pois poucos livros didáticos e professores se preocupam com a vida

científica do “patriarca da independência” que foi, por exemplo, “o patriarca do

reflorestamento” no Brasil.

Em uma postura interdisciplinar, procuro ser um provocador de dúvidas,

reflexões e questionamentos. A minha interferência na construção do saber ocorre

apenas para redirecionar os alunos, nos momentos de angústia e incertezas, no

caminho escolhido para a aprendizagem de determinados assuntos.

O exercício da interdisciplinaridade é uma conquista que amplia os

horizontes, rompe com a acomodação e propicia atitudes integradas, contrárias à

fragmentação do conhecimento, valorizado no processo disciplinar que os

educadores tradicionais teimam em seguir.

O vôo diário do falcão assemelha-se ao caminho percorrido pelo Sol,que de sua posição compartilha sua luz e calor com todos. O modo de ver deHórus, integral, é o próprio olhar interdisciplinar.

Assim, minha trajetória como professor interdisciplinar de História da

Ciência no Ensino Médio possibilitou as parcerias com os professores de Biologia,

Química, Física, História e Filosofia, no sentido de levar para a sala de aula uma

visão mais abrangente do desenvolvimento do pensamento científico. A parceria, a

interdependência e a convergência tornam-se, assim, ferramentas indispensáveis

148

para quem deseja realmente ser interdisciplinar, transformar-se pelo

compartilhamento do conhecimento.

O processo interdisciplinar contextualizado abriu as portas para que os

alunos reconhecessem o sentido histórico da Ciência e da tecnologia e

percebessem as suas influências na vida. Possibilitou, ainda, a compreensão das

ciências como construções humanas e que se desenvolveram por acumulação,

continuidade ou ruptura de paradigmas. Por fim, passaram a entender o impacto

das tecnologias associadas às Ciências da Natureza, na vida pessoal, no

processo de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social.

A soma desses fatores confirma que a disciplina História da Ciência pode

atender aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, em termos

de contextualização sociocultural para a área de Ciências da Natureza,

Matemática e suas tecnologias.

A História da Ciência pode ser uma possibilidade, em um futuro não muito

distante, para o ensino das ciências em um espaço interdisciplinar, por ser um

todo orgânico, vivo, em processo, porque a História não pára e somos seus

protagonistas, fazemos parte desse movimento.

149

2. O olhar dos futuros professores

O trabalho desenvolvido com os alunos do curso de Formação de

Professores de Física do CEFET-SP e do ISE Oswaldo Cruz foi avaliado de forma

semelhante à utilizada com os alunos do Ensino Médio. Os depoimentos foram

colhidos por meio de um questionário no final do semestre. Selecionamos as

respostas de quatro alunos para cada uma das sete questões (Anexo 2).

A primeira questão diz respeito à contribuição da História da Ciência para

melhor compreensão do processo de construção histórica da Ciência. Dizem os

professores em formação:

• Com esta disciplina, foi possível entender que o desenvolvimento da

Ciência está associado a vários fatores, como o contexto político, os

interesses econômicos e sociais de cada época. Entendo que a História da

Ciência deveria ser ensinada desde o Ensino Fundamental para

desenvolver nos alunos o senso crítico, através de questionamentos, afim

de que a Ciência e a tecnologia deixem de privilegiar os interesses das

grandes corporações e propiciem o surgimento de tecnologias que não

causem impacto negativo ao meio ambiente. (R.P.S.)

• O estudo da História da Ciência mostrou que o conhecimento científico não

é imutável, em que conceitos tidos como verdades absolutas passaram a

não mais servir à Ciência em determinado momento histórico e que as

grandes descobertas científicas foram realizadas por homens e mulheres

que tentaram compreender melhor os fenômenos da natureza. No entanto,

alguns pensadores tornaram a Ciência cartesiana e mecanicista, na qual

tudo poderia ser explicado por partes, interpretando a natureza de forma

limitada. No decorrer do curso aprendemos que esta forma de interpretação

150

está superada e que o conhecimento e as ciências devem ocorrer de forma

global. (T.A.F.V.)

• Com a História da Ciência aprendemos que o desenvolvimento científico

pode sofrer limitações, dependendo do contexto histórico, de acordo com

interesses políticos, religiosos e até pessoais. Anteriormente eu tinha a

nítida idéia equivocada que esse desenvolvimento era linear. Agora ficou

mais fácil perceber que esse processo ocorre de forma não linear dentro de

um contexto histórico-social na qual a Ciência está inserida em cada época.

(L.C.G.)

• Antes do contato com a História da Ciência, eu não conseguia relacionar os

fatos históricos com as descobertas científicas. Ao estudar as produções

científicas e suas metodologias, no contexto social do momento histórico,

percebi a importância dos pressupostos e motivações que levam ao

desenvolvimento da Ciência, porque o conhecimento humano ocorre de

forma gradativa, respondendo a questões que intrigam o ser humano.

(J.S.G.)

Analisando as respostas dos professores em formação percebemos a sua

compreensão sobre a construção histórica da Ciência relacionada ao contexto

histórico-social de cada etapa do desenvolvimento científico, bem como os

interesses políticos, econômicos e religiosos envolvidos no processo. Ficou claro

para eles, também, que o desenvolvimento da Ciência não ocorre de forma linear.

A segunda questão remete-se à visão dos professores em formação sobre

os cientistas, antes e depois de estudar História da Ciência.

• A minha visão sobre os cientistas mudou após estudar História da Ciência.

A sociedade, de modo geral, difunde a idéia de que cientistas são aqueles

seres retratados nos desenhos animados, completamente loucos, de jaleco

151

branco e com alguns “parafusos a menos”, realizando experimentos inúteis,

ou o que é pior, fazendo coisas prejudiciais, inventando bombas e outros

artefatos destrutivos. Não se mostra a realidade, porque, com certeza, não

convém que as pessoas saibam e que tenham interesse pela ciência. É

mais fácil governar pessoas “ignorantes”, pois estas não fazem

questionamentos indesejados. (L.S.G.)

• Antes de estudar História da Ciência, achava os cientistas pessoas com

inteligência superior. Hoje sei que o cientista é um profissional que se

especializou em uma determinada área do conhecimento e que pode, de

alguma forma, contribuir para melhorar a vida das pessoas através de suas

pesquisas. (T.A.F.V.)

• Percebi que sem conhecer a História da Ciência não é possível construir

uma visão concreta sobre os cientistas, pois não temos uma base teórica

de todo processo de desenvolvimento científico. Agora é mais fácil elaborar

um conceito sobre eles e entendi que eles não são gênios, e sim pessoas

que são influenciadas pelo contexto histórico da época em viveram,

contribuindo para melhorar as condições de vida da sociedade. (J.C.M.P.)

• Após estudar História da Ciência, passei a ver os cientistas como agentes

históricos do desenvolvimento científico e não como gênios, isolados da

sociedade. (F.A.O.)

Do mesmo modo como ocorreu com os alunos do Projeto História da

Ciência no Ensino Médio, houve um deslocamento de visões tradicionais do senso

comum para outras mais críticas sobre a visão dos cientistas que, segundo eles,

não são gênios, e sim pesquisadores que participam do desenvolvimento de uma

sociedade, em determinada época, por meio da Ciência.

152

As duas próximas questões dizem respeito ao modo de conceber Ciência,

antes e depois de cursar a disciplina História da Ciência. Dizem os professores em

formação:

• Anteriormente, o meu conceito era de que a Ciência se constituía em um

campo especial, privilégio de poucos e que o cientista pertencia a um

mundo irreal. Agora tenho a Ciência como uma construção do

conhecimento humano e que está inserida em um contexto social, razão

pela qual não é possível dissociar a evolução científica do momento

histórico em que ela acontece. (D.G.S.)

• Anteriormente, eu acreditava que Ciência era privilégio de poucos “sábios”

que possuíam esse conhecimento sem qualquer tipo de esforço. Como se

fosse algo mágico, um conhecimento que a pessoa já trazia dentro de si.

Após cursar a disciplina História da Ciência, vejo a Ciência como o estudo

dos fenômenos da Natureza, através da observação e da experimentação;

é todo o conhecimento adquirido pela indagação do Homem ao interpretar

tais fenômenos. (L.G.C.)

• Sempre tive a Ciência como algo muito distante, coisa de loucos. Não fazia

nenhum sentido para mim. Agora tenho a Ciência como algo em expansão,

algo que se desenvolve através dos tempos e por meio de muitas pessoas,

um campo de estudos fundamental para o desenvolvimento em muitas

áreas, como, por exemplo, a tecnologia. (P.F.S.)

• Anteriormente, eu não tinha conceito formado, pois os professores do

Ensino Médio mal comentavam a importância e a aplicação da ciência no

cotidiano. Agora a Ciência é algo muito mais ligado à tecnologia, ou seja,

uma ferramenta de aplicação do conhecimento científico. (I.A.C.)

153

Estes depoimentos revelam algo que, infelizmente, é comum no ensino das

ciências no Ensino Médio: não há contextualização. Então para eles a Ciência era

algo que fazia parte de um mundo irreal, privilégio de poucos sábios etc. O estudo

da História da Ciência possibilitou o deslocamento dessa visão para uma

articulação com a tecnologia, estudo dos fenômenos da natureza por meio de

experimentação e construção histórica. Após a leitura dos questionários, promovi

um debate em função dos conceitos de Ciência apontados por dois autores:

Ciência é a modalidade de saber constituído por um conjunto de

aquisições intelectuais que tem por finalidade propor uma

explicação racional e objetiva da realidade. Mais precisamente

ainda: é a forma de conhecimento que não somente pretende

apropriar-se do real para explicá-lo de modo racional, mas procura

estabelecer, entre os fenômenos observados, relações universais

e necessárias, o que autoriza a previsão de resultados cujas

causas podem ser detectadas mediante procedimentos de controle

experimental. 161

Ciência é um conjunto organizado de conhecimentos relativos a

determinado objeto, especialmente os obtidos mediante a

observação, a experiência dos fatos e um método próprio. 162

Foi um momento importante para que os professores em formação

desenvolvessem seu próprio conceito construído em função de uma

fundamentação teórica e possam, em um futuro não muito distante, discutir e

debater de forma contextualizada com os seus alunos o que é Ciência. No início

de cada curso o aluno responde qual o seu conceito sobre Ciência. Após o debate,

devolvi estas respostas para que cada um pudesse comparar o seu conceito antes

e depois de estudar História da Ciência. Para a maioria é um choque, pois

161 Hilton Japiassu; Danilo Marcondes. Dicionário Básico de Filosofia, p. 76.162 Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, p. 145.

154

percebem que, mesmo tendo contato com a Ciência desde tenra idade, não

haviam construído um conceito como o que agora construíram.

A quinta questão analisa a compreensão dos conteúdos de outras

disciplinas através do estudo de História da Ciência.

• O estudo da História da Ciência facilitou o aprendizado de Matemática,

Física e Química. Quando os conteúdos destas disciplinas eram

apresentados, percebi a importância dos pensadores que desenvolveram

os conceitos científicos no momento histórico, além de entender que não

existiam apenas matemáticos, físicos e químicos. Existiam grandes

pensadores que estavam envolvidos em diversas áreas do conhecimento.

Os professores destas disciplinas, sempre que possível, faziam comentários

sobre o contexto histórico em consonância com as orientações do professor

Diamantino. (L.S.G.)

• O estudo da História da Ciência contribuiu para uma melhor compreensão

das disciplinas Estrutura da Matéria, Física Atômica e Molecular, no sentido

de entender o momento histórico em que a Física deu um salto do

tradicional, do macrocosmo, para o estudo da estrutura íntima da matéria, o

microcosmo, influenciando todas as áreas do conhecimento humano.

(L.P.I.)

• Com a História da Ciência ficou mais fácil aprender Química, Física e

Matemática, pois entendi que o desenvolvimento destas áreas do

conhecimento não ocorreu da noite para o dia, e sim, por uma construção

ao longo do tempo. Essa evolução nos ajuda a compreender também que o

conhecimento não é limitado, que ele vai se modificando ao longo dos

tempos. Percebi ainda a importância de estudar essas disciplinas de uma

forma articulada, não fragmentada, interdisciplinarmente. (D.L.S.)

155

• Ficou mais fácil compreender os conceitos da Química, e da Física, porque,

conhecendo melhor como os experimentos e as leis foram elaborados e os

graus de dificuldade que os cientistas passaram, os conteúdos destas

disciplinas ficaram mais claros. Além do que, aprendi que as aulas são

apenas o início do aprendizado e que a pesquisa bibliográfica pode trazer

maior profundidade sobre os conteúdos aprendidos. (P.F.R.)

É possível perceber, pelos depoimentos, que os alunos passaram a ter uma

melhor compreensão das articulações entre as várias áreas do conhecimento,

bem como a noção de contexto social de cada época.

A próxima questão refere-se aos pontos positivos do estudo da História da

Ciência.

• As aulas de História da Ciência despertaram em mim um instinto mais

investigador, na vontade de ler e compreender mais sobre ciência e os

assuntos que a rodeiam, não me satisfazendo apenas com a teoria

apresentada. Os debates e seminários foram muito ricos, pois todos os

envolvidos pesquisavam sobre o assunto abordado, davam suas opiniões e

ouviam a dos outros, formando e reformulando assim um ponto de vista

crítico. As produções textuais me fizeram refletir melhor sobre como abordar

em sala de aula certos assuntos e sua importância. (J.C.S.M.)

• Um dos pontos positivos foi compreender que a Ciência faz parte da história

não está dissociada do contexto social da humanidade. Foi importante

também a busca de referências bibliográficas e a leitura de várias obras

referidas no plano de ensino, propiciando-me alternativas para as minhas

aulas com alunos do Ensino Médio, para que o ensino das ciências faça

sentido dentro de um contexto histórico. (D.G.S.)

156

• O estudo da Historia da Ciência é positivo, pois ele nos abre um leque de

opções interessantíssimo para compreender e ensinar ciências. Foi de

grande valia poder discutir assuntos diversos com relação à Ciência, porque

a história também é o agora. O que mais me deixava feliz nas aulas era

poder discutir temas atuais articulados com o passado. Discutir assuntos às

vezes polêmicos faz sentido se estamos em busca de trabalhar o

conhecimento e se queremos mudar a mentalidade de um senso comum. A

compreensão de fatos científicos passados nos ajuda a entender o estado

atual da sociedade cientifica, não deixando de lado o histórico evolutivo da

mesma. (D.L.S.)

• Foi positivo, porque nos esclarece e nos faz pensar, “caminhar com nossas

próprias pernas”, e entender que Ciência não é algo mágico e inatingível. É

real, está presente em nosso cotidiano a todo o momento, só que muitas

vezes não é entendida como deveria ser. É bom saber que podemos ser

atuantes e não apenas expectadores de tudo o que acontece. Que

podemos dar nossa contribuição, estudando, pesquisando e divulgando,

para os nossos futuros alunos, que o estudo da Ciência pode ser algo

prazeroso. Foram muitas as contribuições dessa disciplina; a maneira de

como vejo o mundo, a vida e a própria Ciência são muito diferentes agora

para mim. Aprendi a contextualizar e ver sempre a interdependência entre

as várias áreas do conhecimento. (P.F.R.)

Os relatos apontam para a conscientização dos estudantes sobre a

importância da pesquisa, a contextualização histórica das ciências e as

possibilidades da História da Ciência como instrumento pedagógico para o seu

futuro trabalho em sala de aula. Além disso, perceberam a importância das leituras

e da pesquisa.

157

Da mesma forma como fizemos com os alunos do Ensino Médio,

perguntamos sobre a importância do estudo da história dos principais cientistas

brasileiros.

• É muito importante saber que existiram e existem brasileiros que

contribuíram de alguma forma para construção da Ciência, isso nos traz

muita satisfação e muita vontade de fazer parte dessa história. (T.A.F.V.)

• Estudar os cientistas brasileiros possibilitou que eu conhecesse um pouco

melhor alguns momentos históricos da nossa história, além de desconstruir

a idéia preestabelecida sobre a falta de produção científica brasileira,

mesmo com todas as dificuldades passadas pelos pesquisadores. (L.P.D.)

• Conhecer a história dos cientistas brasileiros, principalmente a dos

sanitaristas que contribuíram para melhorar a saúde pública, foi muito

importante no sentido de valorizar nossa cultura, (L.P.D.)

• Foi uma experiência fascinante ter conhecido a história dos principais

cientistas brasileiros, saber que temos grandes pensadores na nossa

ciência. Infelizmente o ensino de História e das ciências, na maioria das

escolas, não dá a devida importância a esse tema, não divulga como foi

maravilhoso o trabalho desses importantes cientistas. (R.A.S.)

A importância do estudo sobre os cientistas brasileiros pelos professores em

formação nos remete à necessidade premente de um ensino mais articulado das

disciplinas do Ensino Médio. Como desenvolver uma consciência crítica, formar

cidadãos, se o desconhecimento a respeito da produção científica nacional não é

nem sequer estudada?

158

A última questão aborda o deslocamento do ensino tradicional, em relação

ao conhecimento, na qual o professor é o transmissor e o aluno o receptor, para o

processo de construção desse conhecimento.

• No processo desenvolvido na disciplina História da Ciência, compreendi a

importância do processo de troca de informações na aprendizagem, onde o

professor deixa de ser o detentor absoluto do conhecimento e senhor da

razão e fica mais próximo de seus alunos. Um processo em que não existe

uma verdade absoluta e inquestionável. O aluno interage com o professor,

que tem o papel de facilitador do ensino, aprendendo também com seus

alunos e tornando o processo mais produtivo no sentido da assimilação dos

conteúdos. (D.L.S.)

• Eu nunca me senti à vontade com a forma tradicional de ensino que

contribui para a alienação coletiva da sociedade. Nesse sistema arcaico, o

pensamento crítico do aluno é completamente dispensável, pois o professor

tem sempre razão. Basta decorar o que ele tem para transmitir. É um ótimo

processo para conter a criatividade do ser humano e transformá-lo em uma

máquina inconsciente de repetição de conceitos preestabelecidos nos livros

didáticos. O curso de História da Ciência foi muito importante, pois mostrou

outra forma de ensinar e aprender e tive a oportunidade de criar, construir e

perceber que sou capaz de pesquisar e expressar opiniões próprias sobre

determinados temas. (R.F.S.)

• O curso de História da Ciência foi uma experiência interessante, pois, de

certa forma, adquiri autonomia na busca do conhecimento, enquanto o

ensino tradicional desestimula esse tipo de exercício. Ficamos quietos,

passivos, recebendo o conhecimento já pronto e acabado e, em seguida,

fazemos uma prova para devolver tudo ao professor. Esquecemos quase

tudo, já que a vontade de aprender não é despertada. (D.G.S.)

159

• O conhecimento não é uma onda de televisão ou rádio que precisa ser

transmitido ou recebido por alguém. O conhecimento é algo a ser

construído pelo aluno e cabe ao professor tornar suas aulas mais

interessantes, mediando situações-problema, em que o aluno deve

pesquisar, pensar e debater sobre determinados temas. O educador deve

motivar a aprendizagem dos alunos para que eles aprendam e construam

suas próprias opiniões e conceitos de forma global e não mecânica, como

no ensino tradicional. (P.F.R.)

Os relatos indicam que os professores em formação almejam um ensino

diferente do tradicional, onde é possível construir o conhecimento de forma

compartilhada com os alunos, por meio de pesquisa, debates, com autonomia de

pensamento, distanciando-se do ensino tradicional propedêutico que visa apenas

bons resultados nos vestibulares.

Até as pré-escolas “preparam” as crianças para os “vestibulinhos”.

A gravidade desse quadro é muito preocupante. O

desenvolvimento do intelecto, hoje privilegiado em nossas escolas,

em detrimento de uma linha aqui sustentada, leva as crianças a

desenvolver uma consciência de que “sabem as coisas”, à

semelhança de seus professores, ao contrário da desejável

percepção de que “sabem o que não sabem”. 163

Para mudar este estado de coisas, é necessário formar educadores de

uma forma diferente do que temos ainda hoje, distantes do compromisso com uma

educação voltada para a formação de cidadãos mais conscientes e com uma visão

global do conhecimento.

Não se trata de formar o educador, como se ele não existisse.

Como se houvesse escolas capazes de gerá-lo, ou programas que

pudessem trazê-lo à luz. Eucaliptos não se transformarão em

160

jequitibás, a menos que em cada eucalipto haja um jequitibá

adormecido. O que está em jogo não é uma técnica, um

currículo... Nenhuma instituição gera aqueles que tocarão as

trombetas para que seus muros caiam. 164

No processo de formação de educadores, é preciso mostrar a possibilidade

do autoconhecimento, que é a percepção do mistério de nós mesmos contido nas

palavras de Sócrates quando dizia que “o sábio é aquele que sabe que nada

sabe”. O educador deve compartilhar com os professores em formação o seu errar,

para que eles saibam que sem o erro não ocorre a aprendizagem.

Consciente de sua própria ignorância, o educador se tornará o

eterno aprendiz ou, em outras palavras, iniciará a jornada para a

busca do saber. O contrário disso leva à conhecida postura da

arrogância, autoritarismo e auto-suficiência tão comum em nossas

escolas. O educador que passa a se ver como eterno aprendiz

estabelecerá novas relações na sala de aula, despertando os

educandos para a busca de um aprendizado comum, no sentido

de que somos todos aprendizes.165

Para aprender, é necessário nascer de novo a cada dia, é um

Mergulho profundo

Encontro consigo mesmo

Uma face nova

Desconhecida

Luminosa. 166

163 Ruy Cezar do Espírito Santo. O Renascimento do Sagrado na Educação, p. 76.164 Rubem Alves. Conversas com quem gosta de ensinar, p. 26.165 Ruy Cezar do Espírito Santo. Desafios na formação do educador, p. 137.166 Ruy Cezar do Espírito Santo. Histórias que educam, p. 60.

161

A minha vivência como professor-sacerdote é compartilhada com meus

alunos no sentido de que eles possam, dentro das suas possibilidades, vislumbrar

esse caminho que pode conduzir ao autoconhecimento. Também a minha

experiência com alunos do Ensino Médio no projeto História da Ciência é

compartilhada com eles para que sintam que os alunos pensantes também têm

sucesso nos exames vestibulares.

162

VI. OS OLHOS DE HÓRUS – TRANSCENDÊNCIA

O Falcão Divino completou o seu vôo panorâmico, olhando com os dois

olhos a minha vivência como professor interdisciplinar de História da Ciência.

Rubem Alves167 cita o místico Ângelus Silesius que falava do sagrado por meio de

poesia.

Temos dois olhos.

Com um contemplamos as coisas do tempo,

efêmeras, que desaparecem.

Com o outro contemplamos as coisas da alma,

Eternas, que permanecem.

O olho direito, concreto, faz-nos ver o mundo lá de fora, onde estão os

eventos que ocorrem no tempo. Com o olho esquerdo, abstrato, vislumbramos

outro mundo, o mundo da eternidade, onde o que foi vivenciado não morre,

apenas adormece, espera. É também com este olho que fazemos o olhar que

acolhe os alunos em suas angústias e incertezas ante a um mundo novo para

eles, já distante da fragmentação do conhecimento, pois tudo o que é novo

assusta. Com raras exceções, trazem uma formação tradicional e, ao entrar em

contato com a História da Ciência e com o professor-sacerdote, sentem que

muitas serão as dificuldades nesta outra forma de aprender e ensinar.

Olhar profundamente

No mais dentro dos olhos

Perceber o invisível

Que é expresso

Saber do acolhimento

Da busca

167 Rubem Alves. Um céu numa flor silvestre: a beleza em todas as coisas, p. 135.

163

Do encontro profundo

Além do tempo...

Os olhos nos dizem do Agora

Nos trazem ao presente

Nos situam na relação

Na relação compassiva

Buscar o outro

É buscar seu olhar

É descobrir a luz

É deixá-la iluminar...

Acender a luz

É olhar e deixar-se ver...

Intensamente. 168

Esse é o tempo da espera, da maturação, do crescimento. Na educação,

esperar é uma constante. O professor sabe que o aluno precisa de tempo, tempo

de espera/amadurecimento para introjetar conhecimentos, torná-los seus. 169

Durante a espera, os alunos foram percebendo que o ensino voltado para a

transmissão de informações e que visam aos bons resultados nos vestibulares

encontra-se distanciado de uma formação completa, holística, interdisciplinar que

possibilita uma preparação para o acompanhamento das rápidas transformações

da ciência, da tecnologia, da educação e da sociedade em geral.

Esse distanciamento teve sua origem na Revolução Científica que

desencadeou um trauma quando, na separação da Ciência e da religião, a

natureza passou a ser controlada. Esse controle fundou-se na separação

epistemológica do sujeito e do objeto. Em função desse dualismo, ficou como que

168 Ruy Cezar do Espírito Santo. Histórias que educam, p. 34.169 Fábio Cascino. Espera. Dicionário em construção: interdisciplinaridade, p. 144.

164

estabelecido que as leis da Física e os sistemas sociais só poderiam ser revelados

objetivamente por pesquisadores isolados das percepções humanas, sem

conexão com o ato de perceber, ou seja, o olho direito de Hórus. Com o vácuo

deixado pela perda da fé religiosa, a racionalidade foi deificada, e, em todo

panteão científico, o credo modernista foi desenvolvido: o mundo é racional

(logocêntrico) e existe somente um sentido para ele. 170

Essa epistemologia da verdade única afetou todos os aspectos da vida

ocidental, todas as instituições. A educação não foi exceção. Para os cientistas do

final do século XIX, o conhecimento científico havia encerrado suas atividades.

Tudo estava pronto e acabado. A educação fundamentou-se, nesse tempo todo,

no modelo tecnicista, no qual tudo funcionava com a previsibilidade de um relógio.

O olho esquerdo de Hórus, até então fechado, começou a ser aberto pela Física

Moderna com as pesquisas de Einstein, Bohr, Heinsenberg, de Broglie e Born,

que recusaram tais padrões. Ficou demonstrado que o modelo tecnicista era

apenas fruto do desejo humano de controle e previsibilidade sobre a natureza, e

não a sua característica. Refletia apenas uma idéia pessoal de mundo. Assim,

também os velhos padrões educacionais começaram a se desintegrar na mente

de alguns educadores a partir da metade do século XX.

Capra171 argumenta que essa visão, sustentada pelo velho paradigma, dá

lugar no novo paradigma à visão holística do mundo e o concebe como um todo

interligado, interconexo, e não como uma coleção de partes dissociadas. Vivemos,

atualmente, um estado de transição entre a antiga realidade e o novo paradigma,

a nova realidade em construção, a educação pós-moderna – interdisciplinar e

abrangente – que desempenha um papel primordial, pois é basicamente

formadora de caráter. Na educação, o fenômeno da interdisciplinaridade fortalece-

se como um instrumento de resgate do ser humano com a síntese. As práticas

pedagógicas interdisciplinares levam à superação das limitações impostas pelo

170 Joe L. Kincheloe. A formação do professor como compromisso político: mapeando o pós-moderno, p. 17.

165

conhecimento fragmentado e compartimentado e vão criando rupturas com o

velho paradigma da ciência modernista.

São essas práticas pedagógicas que utilizei para modificar a visão de

Ciência com os meus alunos do Ensino Médio e que constituem condição

primordial para a formação holística de professores de ciências compromissados

com novos caminhos da educação. Os desafios estão sempre presentes para

aqueles professores que optam por esses caminhos, pela ruptura com o velho

paradigma. Vivenciar os novos paradigmas da ciência e da educação significa um

constante desconstruir e construir para não fragmentar novamente o todo, para

não romper a teia do conhecimento e da vida.

A História da Ciência pode ser um instrumento precioso nesse processo,

pois possibilita o olhar de que as teorias científicas não podem oferecer uma

descrição completa e definitiva da realidade. Será sempre uma aproximação da

verdadeira natureza das coisas. Ser professor de História da Ciência para os

alunos do Ensino Médio e futuros professores tem propiciado um amadurecimento

profundo de minhas concepções pessoais e profissionais. Os dois olhos de Hórus

possibilitaram uma mutação alquímica: a conquista da minha pedra filosofal, capaz

de transformar o adepto em iniciado, o professor-sacerdote.

Nada é definitivo!

E a história continua!

171 Fritjof Capra. O ponto de mutação, p. 133.

166

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CHEGADA do homem à lua. Direção: Bill Locke. São Paulo: Abril Vídeo,História/BBC, 2003.

CIENTISTAS brasileiros: César Lattes e José Leite Lopes. Direção: José Mariani.Rio de Janeiro: Versátil Home Vídeo/RIOFILME, 2003.

GENIUS. Galileu e Darwin. Manaus: Eagle Rock Entertainment, 2004.

GIORDANO Bruno: a história de um homem à frente de seu tempo. Direção:Giuliano Montaldo. São Paulo: Versátil Home Vídeo, 1973.

HIROSHIMA: Série Dias que abalaram o mundo. Direção: Bill Locke & Kelly Chris.São Paulo: Abril Vídeo, História/BBC, 2003.

O NOME da Rosa. Direção: Jean-Jacques Annaud. Globo Vídeo. Rio de Janeiro,1986.

SANTOS Dumont: o homem pode voar. Direção de: Nelson Hoineff. São Paulo:Abril Vídeo, História, 2006.

.

1

ANEXOS

www.ib.usp.br/ceo/jardim/evitarco.htm

Figura 7: O vôo do falcão

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Anexo 1

HISTÓRIA DA CIÊNCIA – QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO (ENSINO MÉDIO)

TURMA: _____ALUNO: ______________________________________________

01. Qual o seu conceito sobre ciência após cursar a disciplina História da Ciência?

02. Qual o seu conceito anterior sobre Ciência?

03. Para você, a disciplina História da Ciência contribuiu para melhor compreensãodo processo de como a ciência é construída historicamente? Explique.

04. Sua visão a respeito dos cientistas é a mesma que tinha anteriormente?Sim ( ) Não ( )Por quê?

05. O estudo de História da Ciência facilitou o estudo e a compreensão dosconteúdos de outras disciplinas?Sim ( ) Não ( )Quais?Por quê?

06. Que importância teve para você estudar a história dos principais cientistasbrasileiros?

ii

Anexo 2

HISTÓRIA DA CIÊNCIA – QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO (CURSO DEFORMAÇÃO DE PROFESSORES)

TURMA: _____ALUNO: ________________________________________________

01. Para você, a disciplina História da Ciência contribuiu para melhor compreensãodo processo de como a Ciência é construída historicamente? Explique.

02. Sua visão a respeito dos cientistas é a mesma que tinha anteriormente?Sim ( ) Não ( )Por quê?

03. Qual o seu conceito sobre Ciência após cursar a disciplina História da Ciência?

04. Qual o seu conceito anterior sobre Ciência?

05. O estudo de História da Ciência facilitou o estudo e a compreensão dosconteúdos de outras disciplinas?Sim ( ) Não ( )Quais ?Por quê?

06. Quais os pontos positivos do estudo da História da Ciência?

07. Que importância teve para você estudar a história dos principais cientistasbrasileiros?

08. Qual a sua opinião acerca do deslocamento do ensino tradicional, em relação aoconhecimento, na qual o professor é o transmissor e o aluno o receptor, para oprocesso de construção desse conhecimento que foi vivenciado?

iii

Anexo 3

OS CAMINHOS DA CIÊNCIA BRASILEIRA: DA COLÔNIA ATÉ SANTOSDUMONT

Diamantino Fernandes TrindadeLais dos Santos Pinto Trindade

O objetivo deste artigo é mostrar o desenvolvimento da Ciência no Brasil desdea colônia até a transição do século XIX para o século XX, bem como relatar oárduo e difícil trabalho de cientistas que abriram o caminho para que a ciênciae a tecnologia pudessem conquistar um lugar de destaque na vida social denosso país.

Mais do que em qualquer época, temos vivido situações nas quais os

conhecimentos de tecnologias e de Ciência são determinantes na vida das pessoas.

A velocidade do crescimento das descobertas científicas e tecnológicas tem alterado

profundamente o ritmo e a maneira de viver de grande parte das pessoas o que tem

levado à necessidade de rever conceitos e posturas sobre nossas ações no mundo.

Apesar da defasagem brasileira em relação aos países do primeiro mundo, a

ciência e a tecnologia do nosso país já conquistaram uma posição importante para

sua existência, Embora nem sempre tenham se desenvolvido tão intensamente como

hoje, em particular, no Brasil muitos foram, e ainda são, os obstáculos encontrados.

Voltando no tempo e, especialmente, a Portugal, encontramos uma das

mentes mais visionárias de seu tempo, o Infante Dom Henrique dedicando-se

incansavelmente às ciências. Colecionou tudo o que já se escrevera sobre

cosmologia e navegação e transferiu-se para a sua vila de Terça Naval, junto de

Sagres fundando um seminário de estudos náuticos, virtualmente denominado de

Escola Naval de Sagres, onde reuniu um grupo de matemáticos judeus, cartógrafos

catalães e pilotos de várias origens. Portugal do século XV tornou-se líder em

determinadas práticas técnicas e científicas de navegação em função do esforço e

dedicação do Infante Dom Henrique e do Rei Dom João II. E, Portugal fez-se ao

mar...

iv

O descobrimento ou achamento das terras brasileiras ocorreu no século XVI,

seguindo-se uma época de combates das duas potencias da Península Ibérica com

países como a Inglaterra, Holanda e França, no desafio da manutenção de suas

hegemonias. Neste momento complexo a ciência moderna iniciou a sua caminhada,

intimamente ligada à rápida ascensão da burguesia.

Os portugueses encontraram no Brasil nativos que possuíam muitos saberes,

hábitos e costumes, utilizados para estudos científicos não só dessa época, mas

também dos períodos seguintes. Portanto, as primeiras técnicas brasileiras

pertenciam ao leque dos conhecimentos indígenas. Eram peritos na construção de

canoas, assim da articulação das técnicas indígenas com a habilidade de navegação

dos portugueses surgiram embarcações como a jangada e barcos de pesca de

baleias. Cultivavam o fumo, o algodão, a mandioca, o milho, o feijão, etc. Possuíam

também conhecimentos botânicos e construíam moradias com matéria-prima vegetal.

De acordo com Carneiro (2001), a exploração colonial do Brasil exigiu um

esforço científico inicial dos navegadores no sentido de obter informações

geográficas e produzir uma cartografia e, em seguida, de comunicar-se com os

nativos e obter informações botânicas, zoológicas e mineralógicas. No período

seguinte da colonização foi adaptada uma série de técnicas européias destinadas a

viabilizar empresas extrativistas. As técnicas do plantio da cana-de-açúcar,

desenvolvidas nas ilhas atlânticas, ganhou uma dimensão maior no Brasil em função

do clima favorável e da qualidade do solo. Rapidamente os engenhos tornaram-se

empreendimentos pioneiros de um primeiro sistema fabril. A mineração foi outro setor

de atividade econômica que aplicou técnicas oriundas da ciência européia. Os

portugueses trouxeram também a construção civil e a metalurgia, que se

desenvolveu com métodos europeus e com técnicas africanas trazidas pelos

escravos.

Pode parecer fora de propósito escrever sobre Ciência e tecnologia no Brasil

colonial, pois tudo indica que a revolução científica não chegou ao Brasil. No entanto,

isto não garante que ela não tenha recebido influências e contribuições brasileiras em

tal período, uma vez que certamente modificou substancialmente o pensamento

europeu em função das diferenças naturais e da própria organização social das

v

comunidades nativas. É bom lembrar que o próprio descobrimento foi, em grande

parte, resultado do potencial desenvolvimento das técnicas náuticas e do

empreendedorismo do povo português.

No período colonial não havia condições propícias para o desenvolvimento da

ciência, pois o objetivo principal da Coroa Portuguesa era o extrativismo que cumpria

o projeto de enriquecimento rápido da metrópole. Nessa época o conhecimento

formal desenvolvido no país ficou a cargo de uns poucos naturalistas estrangeiros.

Contudo, os nativos possuíam um saber bastante elaborado: sabiam eliminar o

veneno da mandioca, tornando-a comestível, conheciam profundamente a fauna e

flora locais, utilizando determinadas plantas para fins medicinais. As chamadas

ciências naturais no Brasil foram inauguradas pelas mãos dos holandeses que, em

1637, trouxeram médicos e naturalistas como Wilhelm Piso, com seu livro De

medicine brasiliensis (1648) e George Marcgraf, que escreveu a História naturalis

braziliae (1648). Essas publicações tornaram conhecidas, na Europa, a natureza

tropical. Os holandeses construíram ainda, em Recife, o primeiro observatório

astronômico nos moldes europeus.

Com a expulsão dos jesuítas em 1759, têm inicio as denominadas “aulas

régias”, ministradas por professores leigos contratados pelo Estado. Porém, apenas

em 1772 essas aulas tiveram seu início efetivo com a criação de um imposto especial

para esse fim estabelecendo o ensino público primário e médio no Brasil, mas o

Ensino Superior continuou sendo, ainda por muito tempo, prerrogativa da Metrópole.

Existiam apenas algumas atividades de ensino científico nos mosteiros religiosos

brasileiros. No Seminário Jesuíta Belém da Bahia, era ministrado um curso de Artes,

onde se estudava Lógica, Física, Metafísica, Estética e Matemática.

No entanto, diferentemente do que aconteceu nas colônias espanholas que,

desde o primeiro século da colonização, possuíam algumas universidades, o mesmo

não aconteceu no Brasil por oposição direta de Coimbra, ciosa de seus privilégios e

prerrogativas, e receosa de uma possível competição a milhares de quilômetros de

distância. (Filgueiras. 1990, p.225).

O padre jesuíta Bartholomeu de Gusmão (o padre voador), nascido na Vila de

Santos em 1685, ingressou no Seminário Belém onde estudou humanidades e

vi

mostrou desde cedo o seu interesse pela Física. Conhecia os trabalhos de

Descartes, Newton e Bernoulli e desenvolveu pesquisas em várias áreas do

conhecimento: Matemática, Física, Filologia, Química e Astronomia. Avançou nos

seus estudos científicos na Universidade de Coimbra, onde lecionou Matemática. Em

1709 apresentou ao Rei Dom João V um aparelho capaz de voar, o aeróstato, um

balão impulsionado por ar quente. O balão elevou-se ao ar em Lisboa, no dia 8 de

agosto de 1709. Continuou seus experimentos com balões maiores, quase todos

bem sucedidos. No entanto não foi capaz de continuar com suas pesquisas, nem de

encontrar seguidores. As intrigas da corte fizeram-no cair em desgraça, sendo

auxiliado pelos jesuítas quando já era perseguido pela Inquisição. Morreu indigente

na Espanha em 1724.

Conforme Vargas (2001) outra atividade científica importante, na Colônia, foi

desenvolvida pela Missão dos Padres Matemáticos jesuítas que veio ao Brasil em

1729, com a tarefa de elaborar mapas baseados na determinação exata das

coordenadas geográficas. Essa missão era composta pelos padres Domingos

Capacci e Diogo Soares. Em 1753, esteve no Brasil o jesuíta Ignácio Szentmartonyi,

na função de astrônomo régio para tratar das demarcações de fronteiras entre o

Brasil e as colônias espanholas, em decorrência do Tratado de Madrid (1750).

Nessa época, o Ensino Superior era privilégio dos filhos dos grandes

proprietários brasileiros que os enviavam para estudar em Portugal. A Universidade

de Coimbra foi freqüentada por mais de mil alunos provenientes do Brasil.

As reformas introduzidas a partir de 1750 na Universidade de Coimbra, com o

intento de promover a nova ciência, incluíram disciplinas científicas no currículo

acadêmico. José Bonifácio de Andrada e Silva tornou-se o principal cientista desta

Universidade e destacou-se dirigindo a cadeira de mineralogia, criada especialmente

para ele, tornando-se também o Intendente Geral das Minas e Metais do Reino.

Depois de muitos anos de pesquisas bem sucedidas na Europa, retornou ao Brasil

onde iniciou sua carreira política. Morreu, em 1838, em Niterói. Mais de 400

brasileiros formaram-se em ciências em Coimbra desde as reformas pombalinas até

o final do século XVIII, inclusive Vicente Coelho de Seabra Silva Telles que publicou,

em 1788, a obra Elementos de Chymica. A segunda parte dessa obra, publicada em

vii

1790, já utilizava a linguagem da nova nomenclatura de Lavoisier, mesmo tendo

sendo escrita um ano após a publicação do Traité Elémentaire de Chimie, obra que

revolucionou a Química que então se estabelecia como ciência.

O Ensino da engenharia militar teve início em 1699 no Rio de Janeiro, com a

fundação da Aula de Fortificação que teve nomes sucessivos como Aula do Terço,

Regimento de Fortificação e Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho. Em

1810 foi transformada na Academia Real Militar, antecessora da atual Escola de

Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O matemático e engenheiro militar português, Jozé Fernandes Pinto Alpoim,

ficou famoso ao publicar dois livros: Exame de Artilheiros (1744) e Exame de

Bombeiros (1748). Este engenheiro foi ainda autor de vários projetos de edificações

em nosso país. Conforme Filgueiras (1998), um desses edifícios é o palácio dos

governadores de Vila Rica, projetado e fiscalizado por ele e executado por Manuel

Francisco Lisboa, pai do Aleijadinho, e terminado de fazer em 1748.

A inércia de uma cultura cristalizada na escravidão não permitiu o

desenvolvimento da ciência e da tecnologia nesse período. Não é de se estranhar o

insucesso da Sociedade Científica do Rio de Janeiro, fundada em 1772 pelo Marquês

de Lavradio, Vice-Rei do Brasil. Essa sociedade contava com médicos e

farmacêuticos e, por falta de incentivos e investimentos governamentais, foi fechada

em 1794. Somente com a vinda da Família Real, em 1808, teve início o ensino

científico oficial, como educação pública, com a criação da Escola Cirúrgica de

Salvador (1808).

A transferência da Corte para o Rio de Janeiro possibilitou a criação de

algumas instituições importantes como: a Academia Naval do Rio de Janeiro (1808),

a Academia Militar do Rio de Janeiro (1810), a Academia Médico Cirúrgica do Rio de

Janeiro (1813), o Jardim Botânico (1818) e o Museu Imperial (1818). Após a

proclamação da independência foram criados o Observatório Astronômico (1827), a

Sociedade de Medicina (1829) e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838).

Neste tempo, iniciou-se o ensino regular de Química e uma insipiente

pesquisa, em especial na determinação da qualidade das águas. O interessante é

viii

que tal quadro não se modificou até o início do século XX, quando ainda era tida

como uma disciplina auxiliar de outras ciências.

Durante o Reino Unido, alguns naturalistas estrangeiros vieram com a comitiva

da arquiduquesa Leopoldina, como o médico Karl Friedrich Philipp Von Martius, que

tinha a tarefa de estudar a flora e fauna brasileiras para enriquecimento da ciência

européia, e seu companheiro Johan Baptist Spix que deixou um memorial científico

sobre o Rio Amazonas. Martius e Spix escreveram a obra Viagem pelo Brasil (1817-

1820). Quando voltou para a Alemanha, Martius escreveu a grande obra da sua vida

Flora brasiliensis, texto pioneiro sobre as floras tropicais. O engenheiro militar alemão

Wilhelm Ludwig Von Eschwege veio ao Brasil, junto com a Corte Portuguesa, para

realizar trabalhos nos campos da mineralogia e da geologia. Radicou-se no Brasil

como tenente-coronel do Corpo Real de Engenheiros de Vila Rica e como intendente

das Minas. Foi responsável pela instalação da fundição de ferro em Congonhas do

Campo. No período de 1825 até 1880, o naturalista dinamarquês, Peter Lund viveu e

realizou pesquisas naturais e paleontológicas em Lagoa Santa, Minas Gerais.

O estudo das ciências teve um processo de expansão durante o Império com

a criação do Museu Nacional (1823) que recebia espécimes de animais e vegetais

dos naturalistas estrangeiros que visitavam o país. Gustavo Schuch de Capanema,

importante geólogo e mineralogista do Império pertenceu ao quadro de

pesquisadores do Museu Nacional.

Entre 1865-66, o naturalista norte-americano Louis Agassiz, que se tornou

amigo pessoal de D. Pedro II, visitou o Brasil. Em 1870, o geólogo norte-americano,

Frederick Hartt, aluno de Agassiz, publicou o primeiro texto geral sobre geologia

brasileira. Carneiro (2001) cita que nessa época, alguns cientistas estrangeiros

importantes aqui se instalaram. O suíço Émile Göeldi, o alemão Von Inhering e o

francês Henri Gorceix foram responsáveis por avanços na organização do Museu

Imperial, depois Museu Nacional, na zoologia e na engenharia de minas.

Durante o Segundo Império os parlamentares discutiam se valia a pena

investir em pesquisa. Em 1882, quando D. Pedro II solicitou uma verba para a

participação brasileira na observação da passagem de Vênus pelo disco solar, o

protesto foi geral no Parlamento e na Imprensa. A Ciência era considerada um luxo

ix

pela elite brasileira Um ano antes foi lançada a pedra fundamental da Universidade

do Rio de Janeiro, na Praia Vermelha. Este ato foi o suficiente para desencadear

uma feroz campanha contrária ao projeto por parte dos positivistas. Num artigo de

1891, Miguel Lemos (chefe do positivismo) escreveu:

Tudo parece encaminhar-se para tornar efetivo o extravagante

projeto da criação de uma universidade no Brasil. Esta tentativa

absurda, que só poderia gerar como resultado a sistematização da

nossa pedantocracia e o atrofiamento do desenvolvimento científico,

que deve assentar em um regime de completa liberdade espiritual

bastaria por si só para demonstrar a incapacidade política dos nossos

governos.

Nesta questão, como sempre, nós positivistas fazemos o nosso dever

protestando e procurando esclarecer a população, que pode ser

arrastada, na melhor boa fé, a apoiar atentados desta ordem,

seduzida pela grita pseudoprogressista da ignorância letrada.

Durante o Segundo Império tivemos algum desenvolvimento científico em

virtude da grande dedicação de D. Pedro II às ciências, às artes, à literatura, à

filosofia e à astronomia. O Imperador patrocinava, particularmente, vários projetos de

pesquisa de documentos relevantes à história do Brasil, no país e no exterior.

Ajudou, de várias maneiras, o trabalho de alguns cientistas como Martius, Lund,

Agassiz, Derby, Glaziou, Seybold e outros. Financiou os estudos de agrônomos,

arquitetos, professores, engenheiros, farmacêuticos, médicos, pintores etc. Foi

também o pioneiro da fotografia no Brasil, comprando seu equipamento em março de

1840, alguns meses antes que esses aparelhos fossem comercializados em nosso

país.

Em 1872, uma companhia inglesa lançou um cabo telegráfico entre Recife e

Lisboa. Quando a Segunda Revolução Industrial chegou ao Brasil, D. Pedro II

participou intensamente desse momento, fazendo-se presente nos processos de

seleção dos pedidos de patentes de privilégio industrial.

x

O Brasil participou também das exposições internacionais, onde mostrou

produtos, técnicas e novas ciências. Até o final do Segundo Império, D Pedro visitou,

como convidado, as exposições de Londres (1862), Paris (1867), Viena (1873),

Filadélfia (1867) e Paris (1889).

Na exposição da Filadélfia conheceu o telefone de Graham Bell e fez

encomenda de vários aparelhos. No retorno dos Estados Unidos, mandou instalar

linhas telefônicas entre o Palácio da Quinta da Boa Vista e as residências de seus

ministros.

Durante o segundo Império, a engenharia adquiriu contornos importantes, em

especial com os irmãos Rebouças. André Rebouças graduou-se em 1860 e estagiou

na Europa especializando-se em docas e vias férreas. Suas principais obras foram as

docas da Alfândega e a do Mercado, no Rio de Janeiro. Seu irmão, Antonio

Rebouças, construiu a Estrada de Rodagem da Graciosa, entre Curitiba e Antonina,

além de projetar a Via Férrea Curitiba-Paranaguá em 1872. Outro engenheiro que se

destacou no Segundo Império foi o padre gaúcho Roberto Landell de Moura. Estudou

Física e Química na Universidade Gregoriana e foi ordenado padre, no Seminário de

Roma, em 1886. Conheceu o Imperador D. Pedro II e chegou a dar-lhe palestras

sobre ciências. Dois anos antes da comunicação de rádio feita por Marconi, em 1895,

conclui o projeto do transmissor de ondas, fazendo a primeira transmissão pública de

rádio do mundo. As dificuldades financeiras e a falta de incentivos governamentais

fizeram com que ele se mudasse para os Estados Unidos onde patentou três dos

seus inventos.

A transição do século XIX para o século XX foi marcada, na Ciência e na

tecnologia, pelo gênio de Alberto Santos Dumont. Em 1891, após a morte de seu pai

Henrique Dumont, foi para Paris onde os balões despertaram o seu interesse. Em

1898 realizou o primeiro projeto aeronáutico, o balão esférico “Brasil”, considerado na

época o menor aeróstato já construído. Daí por diante construiu outros dirigíveis até

chegar no “Santos Dumont 6”, pelo qual recebeu o Prêmio Deustch, em 19 de

outubro de 1901, após contornar a torre Eiffel e demonstrar a sua dirigibilidade. Em

23 de outubro de 1906, voou 60 metros, a 3 metros de altura, com o biplano “14-Bis”,

no campo de Bagatelle, em Paris. Em 1909 construiu o monoplano “Demoiselle” com

xi

o qual bateu todos os recordes aeronáuticos da época. Neste avião fez o seu último

vôo em dezembro desse mesmo ano. A esclerose múltipla foi, gradativamente

minando as sua saúde. Em 1918 construiu, em Petrópolis, a casa conhecida como

Encantada, onde fixou residência. Com a doença tomando conta de seu corpo foi

transferido, em 1932, para o Guarujá, São Paulo, onde se suicidou em 23 de julho.

Santos Dumont não teve problemas financeiros, seu pai deixou-lhe, como

herança, meio milhão de dólares. No entanto, as dificuldades encontradas pelos

cientistas brasileiros durante o Segundo Império foram muitas e persistiram até a

República que teve início sob os auspícios da modernização. Apesar de tantas

dificuldades, alguns “cientistas” brasileiros desbravaram o caminho para outros ao

longo de quatro séculos e a ciência brasileira passou a viver, lentamente, melhores

momentos desde o início do século XX.

BIBLIOGRAFIA

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CARNEIRO, Henrique Soares. História Social da Ciência. São Paulo: Mimeo, 2001.

FILGUEIRAS, Carlos A. L. D. Pedro II e a Química. In: Química Nova, n. 11, vol. 2.

São Paulo: Sociedade Brasileira de Química, 1988.

______. Havia Alguma Ciência no Brasil Setecentista? In: Química Nova, n. 3, vol.

21. São Paulo: Sociedade Brasileira de Química, 1997.

MOTOYAMA, Shozo et al. 500 Anos de Ciência e Tecnologia no Brasil. In:

FAPESP Pesquisa, n. 52. São Paulo: FAPESP, 2000.

SENNA, Orlando. Santos Dumont: ares nunca dantes navegados. São Paulo:

Brasiliense, 2003.

TRINDADE, Diamantino Fernandes & TRINDADE, Lais dos Santos Pinto. OsPioneiros da Ciência Brasileira: Bartholomeu de Gusmão, José Bonifácio, Landell

de Moura e D. Pedro II. In: Sinergia, n. 2, vol. 4. São Paulo: CEFET-SP, 2003.

VARGAS, Milton. História da ciência e da tecnologia no Brasil: uma súmula. São

Paulo: Humanitas, 2001.

xii

Anexo 4Capa do livro D. Pedro II e os sábios franceses (1944), de Georges Raeders.

xiii

Anexo 5Capa do livro Conselhos à Regente (1958), de João Camillo Torres.

xiv

Anexo 6Capa do livro Inícios de Chimica Médica (1911), de Henrique Lacombe. Primeirolivro de Química publicado no Brasil.

xv

Anexo 7Capa do livro D. Pedro II nos Estados Unidos (1961), de Argeu Guimarães.

xvi

Anexo 8Capa do livro Os bolsistas do Imperador (1956), de Guilherme Auler.

xvii

Anexo 9Frontispício da obra Exame de Bombeiros (1748), de Jozé Fernandes PintoAlpoim.

xviii

Anexo 10Carta de Pasteur a D. Pedro II.