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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP João Negrini Neto As prestações extracontratuais e a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de obras públicas Mestrado em Direito do Estado São Paulo 2017

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

João Negrini Neto

As prestações extracontratuais e a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro

dos contratos de obras públicas

Mestrado em Direito do Estado

São Paulo

2017

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

João Negrini Neto

As prestações extracontratuais e a manutenção do

equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de obras públicas

Mestrado em Direito

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para a obtenção do título de

Mestre em Direito do Estado sob a

orientação do Prof. Dr. Silvio Luís

Ferreira da Rocha.

São Paulo

2017

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João Negrini Neto

As prestações extracontratuais e a manutenção do

equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de obras públicas

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para a obtenção do título de

Mestre em Direito do Estado sob a

orientação do Prof. Dr. Silvio Luís

Ferreira da Rocha.

Aprovado em _____/_____/_____

Banca Examinadora

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

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AGRADECIMENTOS

À Marcela, amor eterno e companheira de vida. Parceira dos melhores momentos

e apoio fundamental em todas as outras situações.

Ao João, que me fez olhar a vida sob outra perspectiva, e enche nossas vidas de

alegria a cada novo gesto.

Aos meus pais, que sempre me incentivaram aos estudos, são exemplo de

dedicação no que fazem e, há quarenta anos, dedicam todo o amor do mundo à nossa

família.

À minha irmã, que sempre admirei e continuo admirando.

Aos meus queridos amigos Araldo, Augusto e Percival, competentes profissionais

e parceiros para todas as horas, que muito me ajudaram com suas ideias e trabalharam

dobrado para que o presente estudo fosse concluído.

Aos queridos amigos Beatriz, Renan, Ana Cristina e Evane que contribuíram, cada

um à sua maneira, para a finalização deste estudo.

Ao Victor Silveira Martins, que muito me ajudou com suas ideias e pesquisas.

Ao meu querido orientador Silvio Luís Ferreira da Rocha, destacado jurista e

competente Magistrado, que tão bem me acolheu no curso de pós-graduação e muito me

ensinou ao longo dos últimos anos.

Aos professores Ricardo Marcondes Martins e Jacintho Arruda Câmara, que, com

suas percucientes considerações, muito contribuíram com os rumos do presente trabalho

após a banca de qualificação.

Ao Flávio, Rosângela, Felipe, Bruna, Rafael, Alexandre, Guilherme, Felipe e

Gabriel com quem, também, compartilho os bons momentos da vida.

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RESUMO

Ao longo da execução de um contrato de obra pública, é muito comum que o

contratado se depare com imprecisões nos projetos franqueados pela Administração ou

circunstâncias imprevisíveis que demandam a adaptação do escopo da contratação. Há

situações, inclusive, em que o contratado é levado a executar parcelas extracontratuais,

independentemente da sua inclusão no escopo do contrato por meio de aditamento

anterior. Neste estudo, identificamos como o sistema jurídico trata dessa temática em face

do dever constitucional de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos

administrativos. Enfrentamos os aspectos atinentes à teoria geral dos contratos privados

e as especificidades incidentes no regime jurídico dos contratos administrativos de obra

pública. Delimitamos a abrangência da subsidiariedade da aplicação da primeira em

relação aos segundos. Avaliamos a teoria dos atos unilaterais, especialmente de gestão de

negócios e de enriquecimento sem causa. Ao final, ensaiamos a aplicação da teoria desses

atos unilaterais aos contratos de obra pública como fundamento para garantir a justa

remuneração dos serviços executados mesmo que por conta e risco do particular no bojo

desses contratos, sem a prévia alteração contratual.

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ABSTRACT

During the execution of a public works contract, it is very common for the

contractor to encounter inaccuracies in the projects franchised by the administration or

unforeseeable circumstances that require adaptation of the contracting scope. There are

situations, even in which the contractor is led to execute these non-contractual

installments, regardless of the inclusion in the scope of the contract by means of a

previous addition. In this study, we identified how the legal system deals with this issue

in the face of the constitutional duty to maintain the economic-financial balance of

administrative contracts. We deal with the aspects related to the general theory of private

contracts and the specifics involved in the legal regime of administrative contracts for

public works. We delimit the scope of subsidiarity from the application of the former in

reaction to the latter. We evaluate the theory of unilateral acts, especially business

management and unjust enrichment. In the end, we rehearse the application of the theory

of unilateral acts to public works contracts as a basis to guarantee the fair remuneration

of the services executed at the risk of the particular in the context of these contracts,

without previous modification contractual.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 7

2 ELEMENTOS DA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS PRIVADOS .............. 9 2.1 Os contratos como espécie de negócio jurídico .................................................................................. 9 2.2 Conceito e princípios incidentes nas relações contratuais ............................................................... 11

2.2.1 Princípio da autonomia da vontade das partes............................................................................ 16 2.2.2 Princípio da relatividade dos efeitos do contrato ........................................................................ 18 2.2.3 Princípio da obrigatoriedade da regra contratual ....................................................................... 20 2.2.4 Princípio da boa-fé ....................................................................................................................... 23 2.2.5 Demais princípios incidentes ....................................................................................................... 25

3 OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS .............................................................. 31 3.1 A dicotomia entre o direito público e o direito privado .................................................................. 31 3.2 Vertentes da noção de contrato administrativo ............................................................................... 32 3.3 Elementos dos contratos administrativos ......................................................................................... 38 3.4 O regime de exorbitância dos contratos administrativos ................................................................ 41 3.5 O equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos ................................................. 45

3.5.1 Álea ordinária ............................................................................................................................. 50 3.5.2 Áleas extraordinárias ................................................................................................................ 53

4 OS CONTRATOS DE OBRA PÚBLICA ............................................................... 57 4.1 Notas introdutórias a respeito dos contratos de obra pública ........................................................ 57 4.2 O regime jurídico dos contratos de obras públicas ......................................................................... 59 4.3 Os contratos de obra pública conforme o regime da Lei Federal nº 8.666/93 ............................... 65 4.4 O Regime Diferenciado de Contratações Públicas .......................................................................... 71 4.5 O equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo de obra pública .......................... 72

5 A APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS AOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS .............................................................. 75

6 OS ATOS UNILATERAIS COMO FONTE DE OBRIGAÇÕES ........................ 83 6.1 A gestão de negócios ........................................................................................................................... 84

6.1.1 Pressupostos da gestão de negócio .............................................................................................. 88 6.1.2 Direitos e obrigações decorrentes da gestão de negócios ............................................................ 92

6.2 A gestão de negócios e os contratos administrativos ....................................................................... 97 6.2.1 Pressupostos da aplicação da gestão de negócios aos contratos administrativos de obra: direitos e obrigações dela decorrentes ................................................................................................ 103 6.2.2 Direitos e obrigações do gestor de negócios .............................................................................. 110

7 O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA ................................................................ 113 7.1 Pressupostos do enriquecimento sem causa ................................................................................... 117 7.2 Enriquecimento sem causa e a gestão de negócios ......................................................................... 119

8 CONCLUSÕES ........................................................................................................ 123

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 125

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1 INTRODUÇÃO

A complexidade técnica das grandes obras de infraestrutura propicia que, ao longo

da execução do respectivo contrato, a empresa contratada se depare, não raras vezes, com

inconsistências e descompassos entre as especificações técnicas constantes dos projetos

básicos e executivos, e a realidade experimentada no local em que as obras devem ser

realizadas.

Essa falta de harmonia entre a realidade do local das obras e os projetos pode

decorrer de vários motivos, mas, em boa parte, deve-se ao cometimento de erros ou

imprecisões técnicas nos trabalhos iniciais, ou, também, a circunstâncias imprevisíveis,

ou previsíveis, porém de difícil dimensionamento prévio.

Mas, muito embora essas situações impliquem uma necessidade de se proceder a

alterações materiais nos projetos técnicos franqueados pela Administração Pública e,

consequentemente, nos termos e condições estabelecidas em contrato para a conclusão do

escopo das obras, não raras vezes o contratado se vê compelido a realizar alterações de

fato nos projetos da Administração – que se materializam em parcelas de obras – antes

mesmo de qualquer alteração contratual, considerando-se a urgência da situação

demandada e, até mesmo, a inércia da Administração Pública em decidir pela devida

adaptação do contrato.

Em adição à inércia da Administração por decidir pela adequação do contrato,

muitas vezes essa sua postura omissiva é seguida de uma reação absolutamente

contraditória e reativa em face das proposições do contratado, com ameaças de aplicação

de penalidades contratuais e, inclusive, caracterização de inadimplemento dos termos e

das condições do contrato original.

O presente estudo busca avaliar se as prestações extracontratuais não previamente

anuídas pela Administração Pública podem ser encaradas como fonte de obrigações

econômico-financeiras para o Estado contratante. Em outras palavras: se nas situações

em que o contratado realiza prestações não cobertas pela regra do contrato, sem a prévia

anuência da Administração Pública deve ele ser remunerado ou indenizado e em que

medida?

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Para o enfrentamento da questão que ora se propõe, estruturamos o presente

estudo partindo de uma análise do regime jurídico aplicável aos contratos privados a fim

de identificar quais são os principais elementos que compõem a sua teoria geral.

Feita a análise do regime aplicável aos contratos privados, avançaremos com

enfrentamento dos principais aspectos atinentes ao regime jurídico dos contratos

administrativos, abordando as principais vertentes e noções conceituais, seus elementos,

o seu regime de exorbitância e o dever que recai ao Estado de manter o seu equilíbrio

econômico-financeiro.

Após isso, adentraremos nos elementos característicos dos contratos de obra

pública, analisando principalmente o seu regime de execução conforme a legislação

aplicável e os aspectos atinentes ao equilíbrio econômico-financeiro desses ajustes em

específico.

Considerando-se, ademais, o conteúdo da disposição prevista no artigo 58 da lei

federal 8.666/93, avaliaremos qual a extensão da aplicação subsidiária da teoria geral dos

contratos privados aos contratos administrativos, analisando-se em que medida a teoria

geral dos contratos privados e dos atos unilaterais de vontade pode ser aplicada aos

contratos administrativos.

Posteriormente, analisaremos o regime jurídico dos atos unilaterais de vontade,

em especial aquele aplicável à gestão de negócios alheios e aos casos de enriquecimento

sem causa. Nessa oportunidade, buscaremos identificar os direitos e as obrigações

originados da sua caracterização, tanto para o gestor do negócio, como para o dono da

obra.

Feita essa identificação, partiremos para o enfrentamento da aplicabilidade das

teorias do gestor dos negócios e do enriquecimento sem causa nos contratos

administrativos, chegando-se às conclusões decorrentes do presente estudo.

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2 ELEMENTOS DA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS PRIVADOS

2.1 Os contratos como espécie de negócio jurídico

Inicialmente, impõe observar, como bem pontua Sílvio de Salvo Venosa, que as

verdadeiras regras gerais do direito contratual são aquelas aplicáveis a todos os negócios

jurídicos: “embora nossos Códigos possuam normas gerais de contratos, as verdadeiras

regras gerais do direito contratual são as mesmas para todos os negócios jurídicos e estão

situadas na parte geral, que ordena a real teoria geral dos negócios jurídicos”1.

Emílio Betti, por sua vez, define o negócio jurídico, segundo os seus caracteres

genéticos e essenciais como “o ato pelo qual o indivíduo regula, por si, os seus interesses,

nas relações com outros (ato de autonomia privada): ato ao qual o direito liga os efeitos

mais conformes à função econômico-social e lhe caracteriza o tipo (típica neste

sentido)”2.

Werner Flume, em complemento, aduz que o conceito de negócio jurídico está

dirigido mediante a instauração de um regramento acerca da constituição, modificação ou

extinção das relações jurídicas formadas pelos indivíduos com fundamento na autonomia

privada:

[...] o conceito de negócio jurídico e a abstração de todos os tipos de atos estruturados no ordenamento jurídico, os quais, tal como foi fixado o seu conteúdo pelo ordenamento jurídico, estão dirigidos, mediante a instauração de um regramento, à constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica no uso da autodeterminação do indivíduo, quer dizer, realizando o princípio da autonomia privada3.

O Código Civil de 2002 disciplina os negócios jurídicos nos artigos 104 e

seguintes dispondo a respeito de sua validade, representação, condições e defeitos (erro,

dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores). Nas aludidas normas estão

compreendidas as mais elementares regras de validade dos contratos, como a capacidade

1 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. 17. ed. Vol. 3. Rio de Janeiro: Atlas, 2017. p. 1. 2 BETTI, Emílio. Teoria Geral do Negócio Jurídico. Campinas: Servanda, 2008. p. 88. 3 FLUME, Werner. El negocio jurídico. Madrid: Fundación Cultural del Notariado, 1998. p. 48-59.

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dos agentes, a fundamental licitude do seu objeto, a necessária adoção da forma prescrita

ou não defesa em lei, bem como uma série de outras correlatas.

Fato é que, no sistema jurídico ora vigente em nosso país, o contrato é a mais

comum fonte de obrigações que regula as relações humanas e os negócios jurídicos

celebrados entre os indivíduos, ao lado das declarações unilaterais de vontade e dos atos

ilícitos.

Nesse sentido, observa Carlos Roberto Gonçalves:

O contrato é a mais comum e a mais importante fonte de obrigação, devido às suas múltiplas formas e inúmeras repercussões no mundo jurídico. Fonte de obrigação é o fato que lhe dá origem. Os fatos humanos que o Código Civil brasileiro considera geradores de obrigação são: a) os contratos; b) as declarações unilaterais de vontade; e c) os atos ilícitos, dolosos e culposos4.

Tratando o contrato de espécie do gênero negócio jurídico, Carlos Roberto

Gonçalves ainda prossegue afirmando que serão as regras jurídicas que a ele darão

eficácia e, ademais, constituirão fonte primária das obrigações de cunho contratual.

[...] como é a lei que dá eficácia a esses fatos, transformando-os em fontes diretas ou imediatas, aquela constitui fonte mediata ou primária das obrigações. É a lei que disciplina os efeitos dos contratos, que obriga o declarante a pagar a recompensa prometida e que impõe ao autor do ato ilícito o dever de ressarcir o prejuízo causado5.

Diante desse contexto, para uma adequada análise dos elementos da teoria geral

dos contratos privados, além de, desde logo, inseri-lo como parte integrante do gênero

negócio jurídico, é necessário analisarmos o sistema normativo vigente e buscarmos

extrair da doutrina especializada a identificação dos elementos característicos dessas

relações contratuais.

Não pretendemos exaurir todos os elementos que compõem a aludida teoria geral

dos contratos, até mesmo porque o presente estudo se volta para o enfrentamento de

questões atinentes aos contratos administrativos, os quais, como veremos adiante,

possuem normatização peculiar, sendo-lhes aplicada a teoria geral dos contratos privados

4 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 21. 5 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 22.

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apenas de forma subsidiária. Dessa maneira, concentraremos os nossos esforços nos

elementos que, de certa maneira, poderão ser utilmente aplicáveis ao tema ora proposto.

2.2 Conceito e princípios incidentes nas relações contratuais

Como ensina Sílvio de Salvo Venosa, o contrato, a convenção e o pacto – essas

últimas expressões modernamente utilizadas como sinônimos de contrato – foram

conhecidas no Direito Romano e “como todos os atos jurídicos, tinham caráter rigoroso

e sacramental. As formas deviam ser observadas ainda que não expressassem exatamente

a vontade das partes”6.

O mesmo autor prossegue pontuando que, no Direito Romano, embora a

convenção e o pacto fossem conceitos equivalentes ao de contrato, indicando o acordo de

duas ou mais pessoas a propósito de um objeto determinado, a validade e exigibilidade

do negócio dependia de certas formalidades que se exteriorizassem à vista dos

interessados. A solenidade era que dava força às convenções, de maneira que cada

convenção entabulada sobre certa formalidade constituía um contractus.

Com o passar do tempo, aponta o mesmo autor, que o conceito jurídico de contrato

foi sendo paulatinamente aperfeiçoado, de maneira que, na fase final do domínio romano,

o que importava para a validade do contrato era a conventio, acordo de vontade entre as

partes, ficando esta acima das meras formalidades.

Os costumes mercantis passaram, também, a exercer forte influência nas relações

contratuais, dinamizando e simplificando as formas com que essas relações eram

travadas. Arnoldo Wald, ao discorrer sobre a evolução do tratamento jurídico do contrato,

aduz que este passou a ser um instrumento de vinculação entre as partes com eficácia de

texto normativo:

[...] nasceu formalista e típico, no direito romano, para transformar-se num instrumento cuja finalidade e eficácia decorria do fato de ser uma manifestação de vontade do indivíduo e, em consequência, um instrumento vinculatório, que

6 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. Vol. 3. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2017. p. 4.

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fazia o papel da lei entre as partes, na concepção dos enciclopedistas que inspiraram a Revolução Francesa e o Código Napoleão7.

Com efeito, apesar da noção imediata de contrato ter subsistido no tempo,

adaptando-se às diversas concepções e interpretações, foi o trabalho desenvolvido pela

doutrina francesa que consolidou os aspectos fundamentais da teoria geral dos contratos

hoje difundida, sobretudo após o advento do Código Civil Francês (Código Napoleônico),

de 1804.

É fato notório que se observou, nesse período, a ascensão de uma nova fase do

capitalismo, resultado, sobretudo, da Revolução Industrial. Com um novo ritmo de

desenvolvimento econômico expandiram-se, igualmente, as relações estabelecidas entre

os indivíduos, muito inspiradas pelos ideais de igualdade e de liberdade.

E exatamente inspirados nesses ideais de liberdade e igualdade formal afirmados

pelos teóricos do século XVIII que foram dinamizados os vínculos ajustados pela livre

vontade das partes, os quais permitiam a circulação de riquezas de formas até então

desconhecidas. O contrato, torna-se, então, mecanismo objetivamente essencial ao

funcionamento de todo o sistema econômico.

Sem embargo, o contrato passou a ser encarado, cada vez mais, como um

instrumento jurídico que sustenta as relações econômicas. Insere-se nesse contexto de

conferir, do ponto de vista jurídico, maior segurança e previsibilidade das condutas dos

indivíduos contratantes e, ao mesmo tempo, garantir a maior paridade possível entre

direitos e obrigações a eles atribuíveis.

A noção de contrato se edifica, portanto, a partir da decisiva influência da

ideologia individualista8 e da consolidação do regime capitalista de produção de bens,

7 WALD, Arnold. Direito Civil – Direito das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos – Vol. 2. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 240. 8 Neste sentido, também Fernando Dias Menezes de Almeida sintetiza: “a ênfase na autonomia da vontade e em seu poder criador de obrigações aos sujeitos que sejam partes nos contratos foi típica da visão da teoria civilista que desenvolveu a noção de contrato, no contexto da ideologia individualista que se fez dominante em fins do século XVIII, com reflexos até nos dias de hoje; b) neste sentido, pode-se dizer que a visão individualista do contrato tomava como essenciais da substância contratual a autonomia da vontade e elementos dela decorrentes, tais como a igualdade das partes e o estrito respeito à máxima pacta sunt servanda” (MENEZES DE ALMEIDA, Fernando Dias. Contrato Administrativo. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 67).

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que emergem da vitória dos movimentos revolucionários do século XVIII. Nas palavras

de Enzo Roppo, o contrato se torna “a bandeira das sociedades nascidas das revoluções

burguesas e, em definitivo, um elemento da sua legitimação”9.

De outro lado, enuncia-se a concepção de contrato enquanto categoria jurídica, o

qual, embora com sentido diverso do de operação econômica, tem a missão de

instrumentalizá-lo, coadunando-o à ordem jurídica preestabelecida.

Consoante afirma Orlando Gomes, o contrato “surge como uma categoria que

serve a todos os tipos de relações entre sujeitos de direito e a qualquer pessoa

independente de sua posição ou condição social”10, idelogicamente atrelado às

perspectivas econômicas e sociais da época11.

Enzo Roppo ainda sintetiza essa relação individual diferenciando o conceito

jurídico de contrato do conceito de contrato enquanto operação econômica, ao final

concluindo que aquele constitui instrumento desse:

Mas se isto é verdade – e se, consequentemente, se pode e se deve falar do contrato-conceito jurídico, como de algo diverso e distinto do contrato-operação econômica, e não identificável pura e simplesmente com este último – é, contudo igualmente verdade que aquela formalização jurídica nunca é construída (com os seus caracteres específicos e peculiares) como fim em si mesma, mas sim com vista e em função da operação econômica [...]12.

Atualmente, a doutrina civilista classifica o contrato como espécie de negócio

jurídico bilateral ou plurilateral, dado que se exige a participação de ao menos duas partes,

9 ROPPO, Enzo. O contrato. Almedina: Coimbra, 2009. p. 28. 10 GOMES, Orlando. Contrato. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 7. 11 Enzo Roppo, ao deitar os olhos sobre a historicidade dos contratos, analisa:“[...] se é verdade que a sua disciplina jurídica – que resulta definida pelas leis e pelas regras jurisprudenciais – corresponde instrumentalmente à realização de objetivos e interesses valorados consoante as opções políticas e, por isso, mesmo, contingentes e historicamente mutáveis, daí resulta que o próprio modo de ser e de se conformar do contrato como instituto jurídico não pode deixar de sofrer a influência decisiva do tipo de organização político-social a cada momento afirmada. Tudo isto se exprime através da fórmula da relatividade do contrato (como aliás de todos os outros institutos jurídicos): o contrato muda a sua disciplina, as suas funções, a sua própria estrutura segundo o contexto econômico social em que está inserido” (ROPPO, Enzo. Op. cit., p. 24). 12 ROPPO, Enzo. Op. cit., p. 9.

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diferentemente, portanto, dos atos unilaterais, os quais se aperfeiçoam pela manifestação

da vontade de apenas uma parte13.

Conforme observa Caio Mário da Silva Pereira, o contrato se fundamenta na

vontade humana, desde que ele atue em conformidade com a ordem jurídica. Além disso,

propõe-se a criar direitos e obrigações para as partes contratantes14.

Carlos Roberto Gonçalves acrescenta, no mesmo sentido, que havendo um

encontro de vontades e mútuo consenso entre as partes, estaremos diante de um contrato.

Mas o autor adverte que o contrato, todavia, não se restringe ao direito das obrigações, na

medida em que se espraia por outros ramos do direito, inclusive do direito público.

[...] sempre, pois, que o negócio jurídico resultar de um mútuo consenso de um encontro de duas vontades, estaremos diante de um contrato. Essa constatação conduz à ilação de que o contrato não se restringe ao direito das obrigações, estendendo-se a outros ramos do direito privado (o casamento, p. ex., é considerado um contrato especial, um contrato de direito de família) e também do direito público (são em grande número os contratos celebrados pela Administração Pública, com características próprias), bem como a toda espécie de convenção. Em sentido estrito, todavia, o conceito de contrato restringe-se aos pactos que criem, modifiquem ou extingam relações patrimoniais, como consta expressamente do art. 1321 do Código Civil italiano15.

Entretanto, como bem observa Carlos Roberto Gonçalves, o contrato tem

igualmente uma função social, de maneira que a liberdade de contratar somente pode ser

exercida em consonância com essa mesma função social e os demais valores

juridicizados. Pondera o autor:

[...] o contrato tem uma função social, sendo veículo de circulação da riqueza, centro da vida dos negócios e propulsor da expansão do capitalista. O Código Civil de 2002 tornou explícito que a liberdade de contratar só pode ser exercida em consonância com os fins sociais do contrato, implicando os valores primordiais da boa-fé e da probidade (art. 421 e 422)16.

13 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 22; VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. Vol. 3. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2017. p. 1. 14 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III – Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 7. 15 GONÇALVES, Carlos Roberto, Op. cit., p. 22. 16 GONÇALVES, Carlos Roberto, Op. cit., p. 24.

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Silvio Luís Ferreira da Rocha, corroborando com a noção de contrato como instituto

jurídico instrumentalizador de operações econômicas – e só idealizado porquanto os

sujeitos são livres e iguais perante a lei – define o contrato como “o resultado de declarações

livres, isentas de vícios, de pessoas capazes, que, por meio de acordo, devidamente

formalizado, constituem, modificam ou extinguem relações jurídicas patrimoniais”17.

Propõe o mesmo autor, então, que as relações contratuais seguem essencialmente

– num primeiro momento, como consequência da consolidação de valores condizentes

com uma ordem liberal que se edifica sobretudo a partir do século XIX –, os princípios

da liberdade contratual; da paridade jurídica entre os contratantes; da sua obrigatoriedade;

intangibilidade e relatividade dos seus efeitos18.

Sílvio de Salvo Venosa, por sua vez, indica que as relações contratuais de direito

privado se pautam nos princípios da autonomia da vontade; da força obrigatória; da

relatividade dos contratos; da boa-fé e de seus desdobramentos (proibição de

comportamentos contraditórios; boa-fé objetiva e função social)19.

Em acréscimo, Carlos Roberto Gonçalves aponta que os princípios regedores

dessas relações são a autonomia da vontade, a supremacia da ordem pública; o

consensualismo; a relatividade dos efeitos do contrato; a obrigatoriedade do contrato; a

revisão do contrato por onerosidade excessiva; a boa-fé e a probidade (boa-fé subjetiva e

objetiva; proibição de venire contra factum proprium; supressio, surrectio e tu quoque)20.

Maria Helena Diniz, outrossim, indica a autonomia da vontade; o consensualismo;

a obrigatoriedade da convenção; a relatividade dos efeitos do negócio jurídico contratual

(res inter alios acta) e a boa-fé como princípios básicos das relações contratuais21.

17 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Direito Civil – Vol. 6 – Contratos. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 17. 18 Cf. ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Curso Avançado de Direito Civil. Vol. 3 – Contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 33-38. 19 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. Vol. 3. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2017. p. 15-23. 20 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 22. 21 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais – Vol. 3. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 40-56.

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Flávio Tartuce indica a incidência nas relações contratuais dos princípios da

autonomia privada; função social; força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda)

boa-fé objetiva e relatividade dos efeitos contratuais22.

Já Orlando Gomes aduz serem seis os princípios reitores dos contratos: o princípio

do consensualismo; o princípio da força obrigatória; o princípio da boa-fé; o princípio da

relatividade dos efeitos dos contratos; o princípio do equilíbrio econômico e o princípio

da função social23.

Extrai-se dos autores acima citados que, muito embora possa haver certa distinção

da utilização semântica empenhada e um maior nível de detalhamento em relação aos

princípios incidentes nos contratos, há, no mínimo, um consenso em relação à incidência,

nas relações contratuais de direito privado, de quatro princípios: a autonomia da vontade

das partes; a relatividade dos efeitos do contrato; a obrigatoriedade da regra contratual e

a boa-fé. Partindo-se do ponto convergente entre a doutrina, a seguir analisaremos o

conteúdo jurídico de cada um desses princípios a fim de identificar os seus traços

característicos.

2.2.1 Princípio da autonomia da vontade das partes

A autonomia da vontade das partes possui estreita relação com o próprio princípio

da liberdade consagrado em inúmeras passagens da nossa Constituição Federal (art. 5º,

VI; XVII; XLI; XIL; LXVI; LXVIII; art. 139, III e IV; art. 206, II; art. 220, § 1º, dentre

várias outras).

A liberdade contratual reside, antes de qualquer coisa, na ausência para as partes

de uma obrigação jurídica em se firmar o vínculo contratual. Mas, também passa pela

ampla margem de possibilidade de discussão e de negociação das bases do instrumento

contratual, na plena possibilidade de escolha da outra parte contratante e na livre

disposição do conteúdo das condições, assim como da forma em que o ajuste será fixado.

22 TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Teoria Geral dos Contratos e Contratos em espécie – Vol. 3. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 49-118. 23 GOMES, Orlando. Contrato. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 25-52.

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Ao analisar o conteúdo jurídico do referido princípio, Carlos Roberto Gonçalves

enfatiza o poder que recai aos contratantes de regular os seus interesses no instrumento

contratual e, bem assim, celebrar ou não o acordo consoante sua própria vontade, sem

qualquer interferência do Estado:

O princípio da autonomia da vontade se alicerça exatamente na ampla liberdade contratual, no poder dos contratantes de disciplinar os seus interesses mediante acordo de vontades, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica. Têm as partes a faculdade de celebrar ou não contratos, sem qualquer interferência do Estado24.

No mesmo sentido, Orlando Gomes afirma que a liberdade que recai às partes

contratantes, em se firmar ou não o instrumento contratual, desdobra-se em duas outras

vertentes: a liberdade de estipular o contrato e a liberdade de determinar o conteúdo do

instrumento contratual:

O princípio da autonomia da vontade particulariza-se no Direito Contratual na liberdade de contratar. Significa o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica. [...] Manifesta-se, por conseguinte, sob tríplice aspecto: a) liberdade de contratar propriamente dita; b) liberdade de estipular o contrato; c) liberdade de determinar o conteúdo do contrato.25

Maria Helena Diniz, por sua vez, ressalva que a liberdade outorgada às partes deve

ser exercida dentro dos limites legalmente fixados e da própria ordem pública, deixando

assente que ela sofre restrições, desde o dirigismo contratual, até o próprio controle

posterior repressivo exercido pelo Estado por meio do Poder Judiciário:

[...] o princípio da autonomia da vontade é o poder conferido aos contratantes de estabelecer vínculo obrigacional, desde que se submetam às normas jurídicas e seus fins não contrariem o interesse geral, de tal sorte que a ordem pública e os bons costumes constituem limites à liberdade contratual. O princípio da autonomia da vontade sofre, portanto, restrições, trazidas pelo dirigismo contratual, por entender-se que, se se deixasse o contratante estipular livremente o contrato, ajustado qualquer cláusula sem que o magistrado pudesse interferir, mesmo quando uma das partes ficasse em completa ruína, a ordem jurídica não estaria assegurando a igualdade econômica26.

24 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 40-41. 25 GOMES, Orlando. Contrato. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 25-26. 26 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais – Vol. 3. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 44-45.

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Demais disso, a prevalência da liberdade e da autonomia de vontade das partes

pressupõe que os contratantes se encontrem numa situação jurídica de igualdade e,

portanto, sejam eles livres para dispor sobre os termos e condições do contrato.

Dessa maneira, a igualdade formal entre os contratantes também proclama a

ausência de submissão de uma das partes em relação à outra, tanto na fixação das regras

do contrato, quanto na sua alteração. Em razão disso, alguns autores preferem se referir à

própria igualdade formal dos contratantes como princípio jurídico regedor dessas

relações.

A propósito, Silvio Luís Ferreira da Rocha pondera que:

[...] pelo princípio da igualdade formal entre os contratantes o contrato seria um negócio jurídico celebrado por pessoas em idênticas situações jurídicas, numa mesma posição, que não implica na submissão de um contratante a outro, o que é realçado pelo fato de ambos submeterem-se à mesma disciplina, sem que nenhum deles possa impor ao outro o conteúdo do contrato ou alterá-lo unilateralmente27.

Em suma, o princípio da autonomia da vontade que recai em todas as relações

contratuais outorga às partes o pleno exercício do direito de liberdade de se contratar,

além de desdobrar-se na ampla margem de discricionariedade que recai às mesmas partes

de se estipular a forma, as regras e as condições contratuais, pressupondo uma igualdade

formal entre os contratados.

2.2.2 Princípio da relatividade dos efeitos do contrato

O princípio da relatividade dos efeitos dos contratos, por seu turno, proclama que,

em um primeiro plano, as regras estipuladas na contratação são aplicáveis apenas às partes

contratantes. Dessa maneira, os efeitos da regra contratual não podem aproveitar nem

prejudicar a terceiros estranhos à relação contratual. A relatividade das convenções ainda

indica que os efeitos dos contratos não devem aproveitar ou prejudicar a terceiros

estranhos à relação contratual.

27 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Direito Civil – Vol. 6 – Contratos. p. 19.

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Orlando Gomes aduz que “o princípio da relatividade dos contratos diz respeito à

sua eficácia”28. Sua formulação fez-se em termos claros e concisos ao dizer-se que o

contrato é res inter alios act, aliis neque nocet neque prodest, o que significa que os seus

efeitos se produzem exclusivamente entre as partes, não aproveitando nem prejudicando

a terceiros.

Em complemento, adverte o autor:

Em regra, não é possível criar, mediante contrato, direitos e obrigações para outrem. Sua eficácia interna é relativa; seu campo de aplicação comporta, somente, as partes. Em síntese, ninguém pode tornar-se credor ou devedor contra a vontade se dele depende o nascimento do crédito ou da dívida29.

Silvio Luís Ferreira da Rocha aduz que, por meio do princípio da relatividade dos

efeitos do contrato, seus efeitos restringem-se às partes que o celebraram, eis que os

negócios realizados entre outros não podem prejudicar nem aproveitar a terceiros:

Pelo princípio da relatividade dos efeitos, os efeitos produzidos pelo contrato restringem-se às partes que o celebraram. Segundo adágio jurídico romano “negócio realizado entre outros não prejudica, nem aproveita terceiro” (res inter alios acta tertio nec nocet nec prodest), os efeitos do contrato atingem somente a esfera jurídica daqueles que o celebraram30.

Destacando a eficácia erga omnes dos direitos reais, Fábio Tartuce também

adverte que os negócios celebrados entre particulares, em regra, só atingem as partes

contratantes:

[...] o negócio celebrado, em regra, somente atinge as partes contratantes, não prejudicando ou beneficiando terceiros estranhos a ele. Contrapõe-se tal princípio, inerente ao direito obrigacional, à eficácia erga omnes dos direitos reais, regidos pelo princípio da publicidade31.

No mesmo sentido, Carlos Roberto Gonçalves adverte que este princípio se funda

na ideia de que os efeitos do contrato só se produzem em relação àquelas partes que

manifestaram expressamente sua vontade e optaram por se vincular. No entanto ressalta

28 GOMES, Orlando. Contrato. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 46. 29 GOMES, Orlando. Op. cit., p. 46-47. 30 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Direito Civil – Vol. 6 – Contratos. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 21. 31 TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Teoria Geral dos Contratos e Contratos em espécie – Vol. 3, 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 119.

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que o aludido princípio, hoje, apresenta novo enfoque na medida em que as cláusulas

contratuais contêm e se prestam para a tutela da coletividade:

Funda-se tal princípio na ideia de que os efeitos do contrato só se produzem em relação às partes, àqueles que manifestaram a sua vontade, vinculando-os, não afetando terceiros nem seu patrimônio.

Não resta dúvida de que o princípio da relatividade dos efeitos do contrato, embora ainda subsista, foi bastante atenuado pelo reconhecimento de que as cláusulas gerais, por conterem normas de ordem pública, não se destinam a proteger unicamente os direitos individuais das partes, mas tutelar o interesse da coletividade, que deve prevalecer quando em conflito com aqueles32.

Em suma, a carga axiológica do aludido princípio das relações contratuais emana

que, em regra geral, o contrato só vincula aqueles que dele participaram. Seus efeitos não

podem, em princípio, nem prejudicar, nem aproveitar a terceiros33.

2.2.3 Princípio da obrigatoriedade da regra contratual

Uma vez convencionadas as regras que regerão aquela relação jurídica dentro de

uma extensa margem de liberdade, como vimos, o contrato deve ser fielmente observado,

pena de inadimplemento. Dessa máxima se extrai a sua obrigatoriedade e a imutabilidade

das obrigações assumidas.

A obrigatoriedade das convenções (pacta sunt servanda) resulta do fato de que,

ao livremente se vincularem, as partes contratantes devem cumprir com o prometido,

ainda que a manutenção do negócio lhes resulte prejuízo. Da mesma forma, após a

obtenção de um consenso e a celebração do instrumento contratual, opera-se sua

estabilização, incidindo sua intangibilidade da regra contratual.

Silvio Luís Ferreira da Rocha ensina que a intangibilidade indica que a regra

contratual não pode ser modificada exatamente para que seja preservado o resultado do

acordo e a estabilidade jurídica do negócio anteriormente travado:

[...] a intangibilidade do contrato indica que, estipulado o conteúdo do contrato de forma válida, as respectivas cláusulas não podem ser modificadas em razão da necessidade de se preservar o resultado do acordo e a estabilidade dos

32 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 47. 33 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. Vol. 3. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2017, p. 18.

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negócios jurídicos, de modo que nem as partes nem o Poder Judiciário estão autorizados, em princípio a modificar o conteúdo do contrato.34

Prossegue o mesmo autor:

O princípio em epígrafe, também denominado princípio da intangibilidade dos contratos, representa a força vinculante das convenções. Daí que é também chamado de princípio da força vinculante dos contratos.

[...] O princípio da força obrigatória do contrato significa, em essência, a irreversibilidade da palavra empenhada.

O aludido princípio tem por fundamentos: a) a necessidade de segurança nos negócios, que deixaria de existir se os contratantes pudessem não cumprir a palavra empenhada, gerando a balbúrdia e o caos; b) a intangibilidade ou imutabilidade do contrato, decorrente da convicção de que o acordo de vontades faz lei entre as partes, personificada pela máxima pacta sunt servanda (os pactos devem ser cumpridos), não podendo ser alterado pelo juiz. Qualquer modificação ou revogação terá de ser, também, bilateral. O seu inadimplemento confere à parte lesada o direito de fazer uso dos instrumentos judiciários para obrigar a outra a cumpri-lo, ou a indenizar pelas perdas e danos, sob pena de execução patrimonial (CC, art. 389).

[...] A suavização do princípio da obrigatoriedade, no entanto, como observa Mônica Bierwagen, não significa o seu desaparecimento. Continua sendo imprescindível que haja segurança nas relações jurídicas criadas pelo contrato, tanto que o Código Civil, ao afirmar que o seu descumprimento acarretará ao inadimplente a responsabilidade não só por perdas e danos, mas também por juros, atualização monetária e honorários advocatícios (art. 389), consagra tal princípio, ainda que implicitamente. O que não se tolera mais é a obrigatoriedade quando as partes se encontram em patamares diversos e dessa disparidade ocorra proveito injustificado35.

Carlos Roberto Gonçalves, por sua vez, preleciona que o princípio da conservação

dos contratos deve, contudo, ser interpretado no sentido da sua manutenção e

continuidade de execução, observadas as regras de equidade, do equilíbrio contratual, da

boa-fé objetiva e função social do contrato. Mas as estipulações feitas no contrato deverão

ser fielmente cumpridas (pacta sunt servanda), sob pena de execução patrimonial contra

o inadimplente36.

No mesmo sentido, Sílvio de Salvo Venosa: “Um contrato válido e eficaz deve

ser cumprido pelas partes: pacta sunt servanda. O Acordo de vontades faz lei entre as

partes, dicção que não pode ser tomada de forma peremptória [...]”37.

34 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Direito Civil – Vol. 6 – Contratos. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 21. 35 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Op. cit., p. 21. 36 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 50. 37 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. Vol. 3. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2017. p. 17.

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Caio Mário da Silva Pereira é ainda mais incisivo e destaca que a obrigação

contratual produz lei entre as partes e que estas são tão fortes, e tão profundas, que não

comportam retratação e nem alteração pelo próprio Estado, que somente poderia intervir

nessa relação de maneira absolutamente excepcional:

O princípio da força obrigatória do contrato contém ínsita uma ideia que reflete o máximo de subjetivismo que a ordem legal oferece: a palavra individual, enunciada na conformidade da lei, encerra uma centelha de criação, tão forte e tão profunda, que não comporta retratação, e tão imperiosa que, depois de adquirir vida, nem o Estado mesmo, a não ser excepcionalmente, pode intervir, com o propósito de mudar o curso de seus efeitos.

O princípio da força obrigatória consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes. Celebrado que seja, com observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos. O contrato obriga os contratantes, sejam quais forem as circunstâncias em que tenha que ser cumprido.38

Ainda Orlando Gomes bem observa que, na medida em que o contrato importa

restrição voluntária da liberdade do indivíduo, cria-se um vínculo entre as partes de forma

que nenhuma delas pode dele se desligar: “o contrato importa restrição voluntária da

liberdade; cria vínculo do qual nenhuma das partes pode desligar-se sob o fundamento de

que a execução a arruinará ou que não o teria estabelecido se houvesse previsto a alteração

radical das circunstâncias”.39

De maneira mais prática, Arnaldo Rizzardo também adverte:

Em verdade, o contrato obriga em função de várias razões, todas de essência prática, sem necessidade de teorizar os fundamentos. É necessário o cumprimento em virtude da palavra dada, e mais porque a lei ordena a obediência às cláusulas, cominando sanções aos infratores. A estabilidade da ordem social e a necessidade de dar segurança às relações desenvolvidas são outros fatores que ensejam a irretratabilidade40.

Contudo, a maioria dos autores ressalva, como observa Maria Helena Diniz, que

há uma condicionante ao cumprimento do pacta sunt servanda: trata-se da cláusula rebus

38 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 13-14. 39 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III – Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 38. 40 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 26.

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sic stantibus, cuja compreensão envolve uma ressalva ao princípio da imutabilidade dos

contratos, de aplicação excepcional e restrita. Consoante essa máxima,

[...] a força vinculante dos contratos somente poderá ser contida pela autoridade judicial em certas circunstâncias excepcionais ou extraordinárias, que impossibilitem a previsão de excessiva onerosidade no cumprimento da prestação, requerendo a alteração do conteúdo da avença, a fim de que se restaure o equilíbrio entre os contratantes41.

Dessa mesma máxima decorre um dever de cumprimento recíproco das regras

contratuais de maneira que “ambos os contratantes têm o dever de manter recíproca e

concomitantemente as prestações e obrigações por eles assumidas42”, como ensinam

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, sob pena da invocação da exceção

do contrato não cumprido como fato impeditivo do cumprimento da obrigação contratual

(exceptio non adimplente contractus).

Dessa forma, o que se pode extrair do conteúdo jurídico do aludido princípio é

que as relações contratuais devem ser preservadas ao máximo, porque as partes foram

absolutamente livres para se vincular e estabelecer as condições contratuais, devendo

assim se manter vinculadas com os laços obrigacionais ativos, desde que sejam mantidas

as condições de fato incidentes na oportunidade da contratação.

2.2.4 Princípio da boa-fé

O princípio da boa-fé impõe às partes um dever de ir além da obrigação de

simplesmente cumprir a regra contratual e preservar os termos e o vínculo ao longo da

duração do ajuste. Aludido princípio demanda que as partes se comportem desde a fase

pré-contratual e, principalmente no decorrer de sua execução, de forma correta e proba

tanto na formatação, quanto na aplicação e interpretação da regra contratada.

Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves adverte:

41 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais – Vol. 3. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 47-49. 42 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 8. ed. São Paulo: RT. p. 586.

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O princípio da boa-fé exige que as partes se comportem de forma correta não só durante as tratativas, como também durante a formação e o cumprimento do contrato. Guarda relação com o princípio de direito segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza43.

O mesmo autor ainda anota que a boa-fé se desdobra tanto numa forma de conduta,

como norma de comportamento desdobrando-se em boa-fé subjetiva e objetiva, sendo

que a última está fundada no dever de honestidade para com os interesses do outro

contratante, especialmente no sentido de não lhe sonegar informação relevante a respeito

do conteúdo do negócio:

[...] a boa-fé é tanto forma de conduta (subjetiva ou psicológica) como norma de comportamento (objetiva). Nesta última acepção, está fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e na consideração para com os interesses do outro contratante, especialmente no sentido de não lhe sonegar informações relevantes a respeito do objeto e conteúdo do negócio44.

Maria Helena Diniz destaca que o aludido princípio também se relaciona à

interpretação das regras contratuais, impondo ao intérprete e ao aplicador do direito que

observem a intenção das partes para que esta prevaleça em detrimento do sentido literal

das palavras empregadas:

[...] intimamente ligado não só à interpretação do contrato – pois, segundo ele, o sentido literal da linguagem deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade das partes – mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes deverão agir com lealdade, honestidade, honradez, probidade (integridade de caráter), denodo e confiança recíprocas, isto é, proceder com boa-fé, esclarecendo os fatos e o conteúdo das cláusulas, procurando o equilíbrio nas prestações, respeitando o outro contratante, não traindo a confiança depositada, procurando cooperar, evitando o enriquecimento indevido, não divulgando informações sigilosas etc.45

Sílvio de Salvo Venosa ainda complementa que o dever de boa-fé se estende até

mesmo após o encerramento das relações contratuais, porque podem sobrar efeitos do

contrato, mesmo após o seu encerramento:

Coloquialmente, podemos afirmar que esse princípio da boa-fé se estampa pelo dever das partes de agir de forma correta, eticamente aceita, antes, durante e

43 GONÇALVES, Carlos Roberto, GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 54. 44 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 56-57. 45 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais – Vol. 3. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 51-53.

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depois do contrato, isso porque, mesmo após o cumprimento de um contrato, podem sobrar-lhes efeitos residuais46.

O mesmo autor ainda assevera que a incidência do princípio da boa-fé nas relações

contratuais se desdobra na existência de uma vedação da adoção de comportamentos

contraditórios pelas partes contratantes, emanando uma vedação de venire contra factum

proprio, ou seja, adotando conduta que contradiga outra que a precede no tempo

constituindo um proceder injusto47.

Do que vimos, extrai-se que o princípio da boa-fé incide nas relações contratuais,

desdobra-se na sua concepção subjetiva e objetiva e aplica-se aos contratos não só como

um vetor interpretativo da regra estipulada, como também impõe às partes um dever

jurídico de agir com urbanidade, transparência, sem malícias ou segundas intenções,

desde a fase pré-contratual até mesmo após o encerramento do contrato, enquanto

durarem os seus efeitos.

2.2.5 Demais princípios incidentes

Como já anteriormente mencionamos, além dos princípios que a doutrina destaca

de forma convergente incidirem nas relações contratuais, há autores que incluem outros

princípios como igualmente orientadores da teoria geral dos contratos privados. Carlos

Roberto Gonçalves, por exemplo, propõe que também incidem nas relações contratuais

os princípios da supremacia da ordem pública e da revisão por onerosidade excessiva48.

Em relação à supremacia da ordem pública, a posição externada pelo autor vai no

sentido de que ele serve como um limitador do princípio da autonomia da vontade e incide

como uma proibição do estabelecimento de obrigações contratuais contrárias aos

preceitos de ordem pública49.

Ainda em relação ao princípio da revisão por onerosidade excessiva, princípio

incluído por outros autores como elemento da própria intangibilidade das relações

46 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. Vol. 3. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2017. p. 19. 47 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 23. 48 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 43-53. 49 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 43.

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contratuais e do pacta sunt servanda, o mesmo autor aduz que ele se presta a preservar

uma das partes ante a onerosidade excessiva do contrato, destacando que “opõe-se tal

princípio ao da obrigatoriedade, pois permite aos contratantes recorrerem ao Judiciário,

para obterem alteração da convenção e condições mais humanas, em determinadas

situações”50.

É a própria teoria do rebus sic stantibus, desenvolvida e adaptada no Brasil como

a teoria da imprevisão. Em síntese, a teoria da imprevisão consiste “na possibilidade de

desfazimento ou revisão forçada no contrato quando, por eventos imprevisíveis e

extraordinários, a prestação de uma das partes tornar-se exageradamente onerosa – o que

na prática, é viabilizado pela aplicação de cláusula rebus sic stantibus”51.

Ainda acerca da cláusula rebus sic stantibus, Carlos Roberto Gonçalves

acrescenta que “originou-se na Idade Média, mediante a constatação, atribuída a Neratius,

de que fatores externos podem gerar, quando da execução da avença, uma situação muito

diversa da que existia no momento da celebração, onerando excessivamente o devedor”52.

Trata-se de uma cláusula implícita a todo e qualquer contrato, que pressupõe a

inalterabilidade da situação de fato à época da contratação para a preservação do vínculo

contratual originalmente estabelecido:

[...] existência implícita (não expressa) de uma cláusula, pela qual a obrigatoriedade de seu cumprimento pressupõe a inalterabilidade da situação de fato. Se esta, no entanto, modificar-se em razão de acontecimentos extraordinários (uma guerra, p. ex.), que tornem excessivamente oneroso para o devedor o seu adimplemento, poderá este requerer ao juiz que o isente da obrigação, parcial ou totalmente53.

A teoria da imprevisão, consectária da cláusula rebus sic stantibus, implica a

possibilidade de desfazimento ou revisão do contrato quando acorrerem eventos

imprevisíveis e extraordinários ao longo da execução do contrato, tornando a prestação

de uma das partes exageradamente onerosa.

50 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 50. 51 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 51. 52 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 51. 53 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 51.

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Adverte o autor que, em relação aos vínculos contratuais privados, embora a

aludida teoria não seja expressamente regulada no Código Civil vigente, o princípio que

permite sua postulação foi acolhido pelos artigos 401 (revisão de alimentos), 594 e 1058.

Ainda, a despeito de tratar dos atos unilaterais, ela se sustenta aos contratos também por

aplicação do artigo 317 (“quando por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção

manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o

juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da

prestação”).

Ademais, como bem observa Silvio Luís Ferreira da Rocha, na evolução do direito

contratual e de sua teoria geral, foram introduzidos aos contratos alguns novos princípios,

relacionados, em geral, a uma ideia de que os contratos devem, outrossim, mover-se por

um ideal de igualdade também material, com ênfase na sua concepção social, na busca da

preservação de um equilíbrio contratual real:

Os princípios contratuais mostraram-se inadequados à disciplina das novas técnicas de formação dos contratos. A teoria contratual foi revisada com ênfase à concepção social do contrato, que se importa não apenas com a manifestação livre e consciente das partes (preocupação exclusiva da teoria tradicional), mas com a condição social e econômica das partes, com os efeitos do contrato e a busca de um equilíbrio contratual real54. Na concepção social do contrato a lei ocupa papel de destaque – não apenas papel supletivo – ao intervir com maior intensidade na economia do contrato, valorizar a confiança, as expectativas e a boa-fé das partes55.

É nesse cenário, destarte, que o sistema normativo passou a admitir a incidência

dos princípios da boa-fé objetiva; da justiça contratual e da função social do contrato nas

relações contratuais privadas, os quais, juntamente com os demais princípios já

mencionados anteriormente, regem a noção jurídica de contrato. Essa lógica foi

incorporada no nosso sistema normativo consoante as disposições dos artigos 42156 e

seguintes do Código Civil.

Acerca do seu conteúdo jurídico, acrescenta o mesmo autor que a função social

ilumina toda a compreensão do contrato e, ademais, incide como um valioso instrumento

de controle judicial do seu conteúdo:

54 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Direito Civil – Vol. 6 – Contratos. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 41. 55 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Op. cit., p. 41. 56 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

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O princípio da função social descrito no art. 421 do CC ilumina a compreensão do contrato enquanto instituto social e, pela técnica legislativa da cláusula geral, constitui valioso instrumento de controle judicial do conteúdo, dos fins e dos efeitos contratuais, que possibilita ao magistrado negar-lhe eficácia sempre que o conteúdo ou os fins conflitarem com valores entronizados no ordenamento jurídico.57

Sobre o mesmo princípio, Maria Helena Diniz pontua que “a função social do

contrato busca a boa-fé dos contraentes, a transparência negocial e a efetivação da justiça

contratual”58. Ademais, a autora também é bastante enfática em associar o princípio da

função social do contrato como princípio limitador da autonomia da vontade que recai

aos contratantes:

O princípio da autonomia da vontade está atrelado ao da socialidade, pois, pelo art. 421 do Código Civil, declarada está a limitação da liberdade de contratar pela função social do contrato. Esse dispositivo é mero corolário do princípio constitucional da função social da propriedade e da justiça (LICC, art. 5º), norteador da ordem econômica. O art. 421 é, como já dissemos, uma norma principiológica que contém cláusula geral: a função social do contrato. O art. 421 institui, expressamente, a função social do contrato, revitalizando-o, para atender aos interesses sociais, limitando o arbítrio dos contratantes, para tutelá-los no seio da coletividade, criando condições para o equilíbrio econômico-contratual, facilitando o reajuste das prestações e até mesmo sua resolução. Mas é preciso ressaltar que o princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre as partes contratantes (Enunciado n. 360 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na IV Jornada de Direito Civil)59.

Carlos Roberto Gonçalves também classifica a função social como princípio

jurídico, conferindo a ela elevadíssima importância e colocando-a como “um dos pilares

da teoria contratual” e, da mesma forma, como limitadora da liberdade de contratação e

como elemento de obtenção da justiça contratual e da redução das desigualdades entre os

contratantes. Além disso, ainda observa que a legislação referida, ao admitir a incidência

de uma função social ao contrato, reconheceu a existência nas relações contratuais de

interesses além das partes contratantes:

A concepção social do contrato apresenta-se, modernamente, como um dos pilares da teoria contratual. Por identidade dialética guarda intimidade como o princípio da função social da propriedade previsto na Constituição Federal. Tem por escopo promover a realização de uma justiça comutativa, aplainando as desigualdades substanciais entre os contratantes.

57 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Direito Civil – Vol. 6 – Contratos. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 53. 58 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais – Vol. 3. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 47. 59 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 47.

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[...] A função social do contrato constitui, assim, princípio moderno a ser observado pelo intérprete na aplicação dos contratos. Alia-se aos princípios tradicionais, como os da autonomia da vontade e da obrigatoriedade, muitas vezes impedindo que estes prevaleçam60.

Orlando Gomes observa que a função social do contrato se estende além do

momento inicial do estabelecimento do vínculo contratual, devendo preservar interesses

coletivos ou sociais, principalmente no momento posterior àquele inicial do contrato,

relativo ao desenvolvimento da atividade privada.

A locução “função social” traz a ideia de que o contrato visa a atingir objetivos que, além de individuais, são também sociais. O poder negocial é, assim, funcionalizado, submetido a interesses coletivos ou sociais61. A grande vantagem da explicitação legal da função social do contrato como limite à atividade privada não está tanto no momento inicial do contrato (a isso responde a teoria das nulidades), e sim no momento posterior, relativo ao desenvolvimento da atividade privada.62

Sobre a justiça ou equilíbrio contratual, Silvio Luís Ferreira da Rocha

complementa que ele impõe às partes contratantes o dever de manutenção de relações

contratuais justas e iguais, desdobrando-se em quatro vertentes: equivalência objetiva

entre prestação e contraprestação; a justa distribuição de ônus e riscos do contrato; a

proibição ao considerar anulável o negócio jurídico realizado por pessoa sob premente

necessidade ou inexperiente que se obriga à prestação manifestamente desproporcional

ao valor da prestação e proibição das cláusulas abusivas. Aponta o autor que “o princípio

do equilíbrio contratual ou da justiça contratual requer a ordenação objetivamente justa

das relações entre os contratantes, que supere inócua a desigualdade fática das partes”63.

Em sentido análogo, Maria Helena Diniz reconhece a necessidade de os contratos

refletirem uma relação contratual justa e equivalente:

[...] portanto, imprescindível uma radical, violenta e inesperada modificação da situação econômica e social, para que se fixem indenizações, se reduzam equitativamente as prestações ou se tenha revisão do contrato, que se inspira na equidade e no princípio do justo equilíbrio entre os contratantes (RF, 113:92, 150:250) e no da socialidade. Imprescindível será a justiça contratual e o princípio da equivalência objetiva da prestação e da contraprestação64.

60 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 25. 61 GOMES, Orlando. Contrato. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 51. 62 GOMES, Orlando. Op. cit., p. 51. 63 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Direito Civil – Vol. 6 – Contratos. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 29. 64 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 47.

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Do que pudemos verificar até o momento, muito embora haja autores que se

utilizem de algumas definições mais detalhadas, até mesmo aprofundando alguns

desdobramentos da incidência desses mesmos princípios, a marca característica da teoria

geral dos contratos privados se lastreia na incidência dos princípios da autonomia da

vontade das partes; da relatividade dos efeitos do contrato; da obrigatoriedade da regra

contratual; da boa-fé; da função social do contrato e da justiça contratual.

Acima verificamos o conteúdo jurídico de cada um desse princípios e delimitamos

a maneira que eles espraiam a sua carga axiológica nas relações contratuais de direito

privado. Todavia, é imprescindível que façamos a mesma análise em relação aos contratos

administrativos para identificarmos qual o regime jurídico a eles aplicável e, via de

consequência, se esses mesmos princípios incidem nas relações contratuais de direito

público, ou se o ordenamento jurídico prevê a incidência de regramento diverso e quais

seriam eles.

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3 OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

3.1 A dicotomia entre o direito público e o direito privado

A evolução do direito administrativo como ramo autônomo do direito, resultado

da consolidação do modelo do Estado de Direito, pressupõe uma dicotomia fundamental

entre os regimes jurídicos de direito público e de direito privado.

Celso Antônio Bandeira de Mello bem cunhou a noção básica que orienta a

diferença entre o regime jurídico de direito público e o regime jurídico de direito privado,

advertindo que o primeiro é pautado pela ampla liberdade ao passo que o segundo se

pauta pela noção de supremacia do interesse público sobre o privado e da

indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos:

O regime de direito público resulta da caracterização normativa de determinados interesses como pertinentes à sociedade e não aos particulares considerados em sua individuada singularidade. Juridicamente esta caracterização consiste, no Direito Administrativo, segundo nosso modo de ver, na atribuição de uma disciplina normativa peculiar que, fundamentalmente, se delineia em função da consagração de dois princípios: a) supremacia do interesse público sobre o privado; b) indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos65.

Essa noção é complementada por uma série de outros princípios de envergadura

constitucional, especialmente aqueles extraídos da dicção do artigo 37 da Constituição

Federal (legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade, eficiência) e todos os seus

correlatos.

Fernando Dias Menezes de Almeida também expõe a diferenciação entre as

relações jurídico-contratuais de direito público e de direito privado destacando a liberdade

que recai sobre as ações produzidas pelos particulares e a inexistência da mesma liberdade

no plano estatal, considerando sua vinculação ao texto normativo:

Os indivíduos caracterizam-se essencialmente, em sua substância natural, por sua liberdade. Se decidirem limitar-se, em prol do convívio social, ainda assim não eliminam a liberdade de fundo. Portanto, não havendo lei a limitar a conduta humana, vigora plenamente a liberdade. Daí afirmar-se que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; e que, na ausência de lei, a conduta individual é livre.

Outra é a situação da Administração, ou do Estado, para falar de modo mais amplo. Não tendo o Estado substância natural, mas sim consistindo em

65 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 55-56.

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abstração, ficção criada pelo homem, em sua existência vinculada ao Direito. Aliás, no contexto do Estado de Direito, confunde-se com o próprio ordenamento jurídico. Por outras palavras, o Estado não é um ser dotado de vontade: sua vontade não corresponde sequer à vontade subjetiva de seus agentes, mas sim à vontade objetiva do Direito.

Assim, na ausência da lei, o Estado não tem “liberdade” e sequer existe, não podendo, portanto, agir.

[...] se o Estado é o próprio Direito em ação, é compreensível que suas ações sejam, em regra autoexecutórias. Esse o sentido de ‘público’66.

Portanto, de maneira bastante sucinta, o regime jurídico de direito público parte

de uma premissa absolutamente diversa da aplicável às relações particulares, com esteio

nas noções de supremacia do interesse público em face dos interesses privados e na

indisponibilidade dos interesses públicos, donde se desdobram inúmeros outros princípios

jurídicos, explícitos e implícitos ao texto constitucional, que o orientam.

3.2 Vertentes da noção de contrato administrativo

Linhas atrás cunhamos que os contratos privados, espécie do gênero negócio

jurídico, possuem como missão institucional instrumentalizar as relações econômicas

avençadas entre partes. Vimos que a teoria geral dos contratos, consoante a melhor

doutrina de direito privado, está fundamentada, dentre outros princípios correlatos, na

autonomia de vontade dos indivíduos; na obrigatoriedade das convenções; na relatividade

dos seus efeitos e na boa-fé das partes contratantes.

Outrossim, como direitos de segunda geração reconhece-se, também, a existência

de uma função social do contrato, um dever de manutenção da justiça contratual e de boa-

fé objetiva. Estes últimos princípios contratuais, aliás, incidem nas relações contratuais

por expressa previsão normativa. Na oportunidade identificamos o conteúdo jurídico de

cada um dos aludidos princípios.

Em matéria de direito administrativo, todavia, a doutrina nacional e a estrangeira

por muito tempo não se colocaram em consenso em relação à possibilidade de a

Administração Pública estabelecer vínculos de ordem contratual. Isso se dá especialmente

66 MENEZES DE ALMEIDA, Fernando Dias. A Distinção entre “Público e “Privado” Aplicada aos Contratos Celebrados pela Administração. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (Org.). Direito Privado Administrativo. Rio de Janeiro: Atlas, 2013. p. 241.

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porque muitos autores não reconhecem a incidência dos princípios da teoria geral dos

contratos privados nos contratos administrativos, dadas as características do regime

jurídico de direito público que já destacamos.

Na Alemanha, por exemplo, grandes expoentes já rejeitaram a possibilidade de a

Administração Pública celebrar contratos. Nesse sentido, vale anotar a posição de Otto

Mayer, que, em sua teoria, critica o fato de que o “direito público gosta de tomar

emprestada a terminologia do direito civil”, defendendo, pois, que se recuse o emprego

da palavra contrato para se referir às relações entre a Administração e os particulares.

Muito embora o mencionado autor não desconsidere a possibilidade de a

Administração Pública se submeter à lei civil, nas situações em que se encontraria em

posição de igualdade com os particulares, o que ocorreria em casos bastante peculiares,

ressalta que a ação administrativa se dá mediante atos administrativos, e não por meio de

contratos. Em suma, defende, a partir de uma visão concentrada na ideia de uma puissance

publique revigorada pela submissão do Estado ao direito – e, portanto, diferente da

concepção prevalente durante o Estado de Polícia – que não há como se admitir uma

relação contratual, a qual supõe igualdade, envolvendo partes necessariamente desiguais:

a Administração e os administrados67.

Na Itália, da mesma forma, alguns autores recusaram a ideia de um contrato

administrativo para identificar os negócios jurídicos celebrados entre a Administração

Pública e particulares com fundamento na mesma premissa: uma vez que haveria,

inevitavelmente, desigualdade entre as partes, não há falar em contrato68.

No direito francês, a formação da teoria do contrato administrativo seguiu um

caminho peculiar, que, notoriamente influenciou a construção das teorias mais difundidas

no Brasil. A teoria francesa tem origem na consolidação de certos posicionamentos

afirmados pelo Conselho de Estado Francês e nos estudos doutrinários elaborados a partir

deles. Fortificou-se, definitivamente, a partir da noção de serviço público, trabalhada por

67 MAYER, Otto. Le Droit Administratif Allemand, t. I. Paris: V. Giard & E. Brière, 1903, p. 177 apud MENEZES DE ALMEIDA, Fernando Dias. Contrato Administrativo. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 135. 68 Cf. CAMMEO, Federico. Corso Di Diritto Amministrativo, vv. II e III. Padova: Officine Grafiche Dott. A Milani, 1914. p. 1160-1175.

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juristas como Jèze e Duguit, admitindo-se a ideia de que o serviço público é uma atividade

incumbida ao Estado, que, por seu turno, pode contar com a colaboração dos particulares

por meio de relações de natureza contratual (ainda que se admitisse que a Administração

contratante dispusesse de cláusulas exorbitantes em razão da prestação de um serviço

público).

Jean Rivero adverte que o contrato administrativo estaria, segundo uma

perspectiva francesa, ainda que tomasse de empréstimo o conceito de contrato formulado

pela teoria civilista, apoiado em uma série de prerrogativas colocadas em favor da

Administração, como forma de preservação do interesse geral e de sua superioridade em

relação à outra parte (particular)69.

A posição pela negação da possibilidade da existência de uma relação contratual

a reger a colaboração entre particulares e a Administração no desempenho de funções

estatais fundamentava-se sobretudo numa visão do Estado que ressaltava seu aspecto de

superioridade – atributo da soberania estatal – em relação aos indivíduos. São corolários

desta superioridade, de um lado, a ausência de isonomia entre eventuais vontades pública

e privada contratantes; de outro, a impossibilidade de o Estado propriamente negociar

seus interesses soberanos70.

Fernando Dias Menezes de Almeida pondera que:

Jèze parte da ideia de que é inerente ao serviço público, que as necessidades a ele relativas variem no tempo, impondo que o objeto de contratos celebrados por certo período de duração acabem por sofrer modificações, por mais que a Administração tenha sido cuidadosa e providente ao formatar e celebrar o contrato. Recorda, em seguida, a noção de que, em um contrato administrativo, o particular contratante age como um colaborador para o funcionamento do serviço público, o que leva à consideração de que o funcionamento regular e contínuo do serviço deva se sobrepor ao interesse do particular contratante. Daí decorre o poder da Administração, em todo contrato administrativo, de alterar seu objeto, impondo aumento ou diminuição nas prestações, ou mesmo pôr fim às prestações (e ao contrato, portanto)71.

A propósito dessa evolução no modo de se conceber os contratos da

Administração Pública, Fernando Dias Menezes de Almeida sintetiza a evolução do

69 RIVERO, Jean; WALINE, Jean. Droit Administratif. Paris: Dalliz, 2006. p. 385. 70 Cf. MENZES DE ALMEIDA, Fernando Dias. Contrato Administrativo. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 151. 71 MENEZES DE ALMEIDA, Fernando Dias. Op. cit., p. 148.

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tratamento jurídico conferido às relações entre a Administração e os particulares a partir

da consolidação do modelo do Estado de Direito:

[...] num primeiro momento, em meados do século XIX, quando a questão não era propriamente discutida como objeto de polêmica teórica, aceitava-se com naturalidade que entidades estatais celebrassem contratos: i) seja para suprirem, como qualquer indi.víduo, suas necessidades de bens e serviços; ii) seja para valerem-se da colaboração de particulares no desempenho de suas funções; iii) ou ainda para relacionarem-se com outros entes estatais de Direito Romano. Num segundo momento, em fins do século XIX e início do século XX, passa-se a fazer uma distinção teórica dos contratos a qual, em linhas gerais, leva aos três grupos acima delineados em “a”. Daí a tendência de se aceitar mais pacificamente a natureza contratual das relações indicadas em (i) e (iii) e de se discutir a natureza contratual das relações indicadas em (ii).72

No Brasil, as discussões doutrinárias, inspiradas nos debates estrangeiros

propuseram, igualmente, formulações teóricas a respeito do contrato administrativo e,

dessa feita, apresentaram várias posições, que, fundamentalmente, dividem-se em três

principais, como esclarece Maria Sylvia Zanella Di Pietro73: i) a que nega a existência de

contrato administrativo; ii) a que, em sentido oposto, acha que todos os contratos

celebrados pela Administração são contratos administrativos; e iii) a que aceita a

existência dos contratos administrativos como espécie do gênero contrato, com regime

jurídico de direito público, derrogatório e exorbitante do direito comum.

Entre os defensores do primeiro posicionamento está Oswaldo Aranha Bandeira

de Mello. Para o autor, que segue a posição afirmada por Otto Mayer, “inexiste o contrato

de direito público, ou o contrato administrativo, com regime jurídico diferente do contrato

de direito privado, ou de Direito Civil, quanto aos elementos que especificam sua

natureza”74.

Na mesma linha, Celso Antônio Bandeira de Mello pondera que a rotulação

“contrato administrativo” tem sido muitas vezes empregada de maneira imprópria, em

situações nas quais, tecnicamente, não pode haver propriamente um contrato. Adverte o

72 MENZES DE ALMEIDA, Fernando Dias. Contrato Administrativo. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 120-121. 73 Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 297. 74 BANDEIRA DE MELLO, Osvaldo Aranha. Princípios Gerais de Direito Administrativo. Vol. 1. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 689.

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autor, nesse sentido, que jamais seria “via idônea para propiciar a um administrado

senhoria, conquanto parcial, sobre um interesse público, seja no que respeita à forma de

satisfazê-lo, seja no que atina ao prazo de duração de vínculo a ele reservado”75.

Ainda, questiona o jurista a índole dos poderes reconhecidos à Administração nas

relações estabelecidas com particulares. Para o autor, a possibilidade de a Administração

instabilizar a relação contratual é resultado de poderes relativos a práticas unilaterais,

inerentes às competências públicas incidentes sobre os objetos contratuais. Conclui,

portanto, que “tais poderes de instabilização descendem diretamente das regras de

competência administrativa sobre os serviços públicos e o uso de bens públicos. E são

competências inderrogáveis pela vontade das partes, insuscetíveis de transação e, pois, de

‘contratos’”76. Por fim, aduz que a única parte que efetivamente pode designar-se de

contratual nas relações estabelecidas entre a Administração e o particular “contratado”

diz respeito às cláusulas econômicas, as quais podem ser pactuadas.

Enfim, “os adeptos da primeira corrente argumentam que o contrato

administrativo não observa o princípio da igualdade entre as partes, o da autonomia da

vontade e o da força obrigatória das convenções, caracterizadores de todos os

contratos”77.

A segunda corrente defende, em suma, que todo e qualquer contrato celebrado por

entidades da Administração Pública é um contrato administrativo. Para essa corrente, para

a Administração “o que não existe é contrato de direito privado, porque em todos os

acordos de que participa a Administração Pública há sempre interferência do regime

jurídico administrativo”78.

Lúcia Valle Figueiredo reflete em favor dessa posição doutrinária:

Começo a questionar se pode haver contratos privados da Administração, ou melhor se dirá que existem, isto sim, contratos da Administração Pública. A

75 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 641. 76 Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 641. 77 DI PEITRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 298. 78 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 298.

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Administração Pública, consoante entendemos, está, de qualquer forma, jungida ao regime de Direito Público em muitos aspectos, ainda que o contrato seja dos que submetem mais às normas de Direito Privado. Existem – isto sim – contratos da Administração Pública, ora sob maior influxo de regras de Direito Privado, ora sob maior influxo das regras de Direito Público79.

Carlos Ari Sundfeld também adota essa posição, mas a partir de uma avaliação

diversa. Para o jurista, de fato, não existem “contratos privados da Administração, mas

tão somente contratos administrativos em sentido estrito (expressão que pode ser tomada

em sentido amplo, comportando em si os contratos administrativos em sentido estrito)”80.

Ainda o autor “admite contratos de direito privado para os entes governamentais privados,

que exploram atividade econômica”81.

Por fim, a terceira posição, adotada majoritariamente pela doutrina – e que foi

consagrada pela legislação brasileira no que concerne ao tema dos contratos

administrativos –, admite a existência dos contratos administrativos, os quais convivem

com os chamados contratos privados, também serem celebrados, em circunstâncias

especiais, pela própria Administração.

Nesse sentido, haveria um gênero dos contratos celebrados pela Administração

Pública, do qual seriam espécies os contratos administrativos propriamente ditos (de

direito público, no qual estão presentes cláusulas ditas exorbitantes) e os contratos de

direito privado para regular situações bastante especiais em que haja maior paridade de

direitos e obrigações entre ela e seu contratado.

Na doutrina, essa posição é principalmente sustentada por Hely Lopes Meirelles

e Maria Sylvia Zanella Di Pietro (embora a jurista entenda que os contratos

administrativos possam ser divididos em contratos tipicamente administrativos, quais

sejam, aqueles “sem paralelo no direito privado e inteiramente regidos pelo direito

público, como a concessão de serviço público, de obra pública e de uso de bem público);

79 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Contrato Administrativo: formalidades e requisitos. In: Revista de Direito Público, v. 90, 1989. p. 131; vide também FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 497. 80 SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 200. 81 SUNDFELD, Carlos Ari. Op. cit., p. 200.

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e os contratos que têm paralelo no direito privado, mas são também regidos pelo direito

público, como o mandato, o empréstimo, o depósito e a empreitada)”82.

A despeito da precitada discussão doutrinária a respeito da existência ou não de

contratos administrativos, não há dúvidas de que a legislação posta realmente estabelece

uma série de distinções entre as relações contratuais de índole pública quando comparadas

com as relações contratuais firmadas na esfera privada. Isso se dá como corolário da

expressa previsão do artigo 37 do Texto Constitucional, que impõe regime jurídico

próprio aos atos emanados pela Administração Pública, como já destacado anteriormente.

Todavia, admitindo-se a incidência de um regime jurídico próprio aos contratos

firmados pela Administração Pública – notadamente aos contratos de obra pública, que

são o objeto principal desse trabalho – sob a égide de prerrogativas legalmente

estabelecidas em favor da Administração, a discussão acerca da existência ou não de um

contrato administrativo parece se apresentar mais como um embate de ordem

terminológica, eis que os resultados da aplicação de um regime jurídico contratual

especial serão praticamente os mesmos para todas as situações de conflito.

Portanto, a avaliação que faremos a seguir buscará apreender do sistema

normativo quais são as principais marcas incidentes aos negócios jurídicos que são

realizados pela Administração Pública sob o signo de contrato administrativo.

Essa avaliação pretenderá identificar, a exemplo do que fizemos em relação aos

contratos de índole privada, quais são os princípios regedores dessas relações contratuais

entretidas pelo Estado. Isso será fundamental para que, adiante, avancemos também com

a identificação de alguns limites e obrigações decorrentes do exercício dessas mesmas

prerrogativas.

3.3 Elementos dos contratos administrativos

A primeira e fundamental distinção dos contratos administrativos em relação aos

contratos privados acreditamos estar na forma da origem do vínculo contratual celebrado

entre as partes. Ao passo que, como vimos, nas relações particulares os indivíduos são

82 DI PEITRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 302.

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livres para estabelecer as relações contratuais com os sujeitos que melhor lhes aprouver,

nos contratos administrativos o vínculo contratual somente pode ser originado com base

em critérios objetivos de escolha.

É que a Constituição Federal vigente proclama como corolário dos princípios

regedores da Administração Pública um dever que recai ao Estado de realizar suas

contratações com base em processo de licitação pública: “ressalvados os casos

especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados

mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os

concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as

condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências

de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das

obrigações” (inciso XXI do art. 37).

Ainda os critérios de aferição do contratado da Administração devem ser

estritamente objetivos e estão previamente previstos nas regras jurídicas. São,

basicamente, os critérios de menor preço; melhor técnica e melhor técnica e preço83.

Portanto, ao passo em que os particulares possuem ampla margem de liberdade

para entabular suas contratações, a Administração Pública está vinculada a um

procedimento formal, com um rito todo próprio estabelecido na legislação, para encontrar

o particular com quem poderá contratar.

Evidentemente, embora a Constituição Federal indique no excerto acima que

o dever de licitar poderá ser ressalvado nos casos específicos em que a legislação

assim autorizar, isso não significa dizer que a Administração Pública poderá realizar

essas contratações não precedidas de licitação com a mesma margem de liberdade

havida pelos particulares.

A propósito, o próprio caput do mencionado artigo constitucional impõe ao Estado

o dever de observância aos princípios da legalidade, da economicidade, da moralidade,

83 Há diplomas legais, ainda, que preveem formas alternativas de aferição dos contratados da Administração como o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, as Concessões de Serviço Público, Parcerias Público-Privadas.

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da publicidade e da eficiência. A só determinação do cumprimento desses princípios de

envergadura constitucional impõe à Administração um dever de observância a uma série

de condutas a que não estão submetidas as relações privadas, ainda que dispensada da

realização de um procedimento formal de escolha do seu fornecedor.

Há procedimentos estabelecidos pela própria legislação de regência,

específicos para os casos de dispensa e inexigibilidade de certame licitatório que

funcionam como verdadeira expressão desses mesmos princípios constitucionais, e

que devem ser seguidos pela Administração nas hipóteses de exceção. Exemplo disso

a disposição do artigo 26, parágrafo único, da Lei de Regência das Licitações e

Contratos Administrativos que obriga a Administração a expor, em processo

administrativo de contratação, dentre outras obrigações, a razão da escolha do

fornecedor; a justificativa do preço; a caracterização da situação emergencial84.

Também há regras esparsas no ordenamento jurídico, com suporte em outros

diplomas legais que não apenas a lei geral de licitações e contratos administrativos,

que corroboram esse cenário característico de diferenciação das contratações

públicas em relação às privadas e, portanto, confirmam a existência de um regime

jurídico a eles todo próprio.

Exemplos disso podem ser extraídos do dever de se indicar uma dotação

orçamentária, anteriormente à própria licitação, planejar a despesa por meio de notas

84 Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2º e 4º do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8º desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos. (Redação dada pela Lei nº 11.107, de 2005.) Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos: I – caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso; II – razão da escolha do fornecedor ou executante; III – justificativa do preço; IV – documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.

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de empenho, observar as regras impostas pelos artigos 15 e 16 da Lei de

Responsabilidade Fiscal85 e artigo 61 da Lei de Finanças86, dentre outros.

Portanto, os chamados contratos administrativos, de largada, distinguem-se

das contratações privadas porque ao Poder Público incidem obrigações

expressamente previstas na legislação que lhe são próprias e intrínsecas ao

desempenho da sua função administrativa.

Todavia, há outras distinções que perpassam à execução dos contratos e

conferem, em contraponto, certas prerrogativas para a Administração que, talvez, por

serem mais afrontosas aos direitos dos particulares acabam recebendo maiores

destaques doutrinários. Trata-se da incidência das chamadas cláusulas exorbitantes

que a seguir serão objeto de análise destacada.

3.4 O regime de exorbitância dos contratos administrativos

Estando a atuação administrativa necessariamente vinculada à satisfação de

interesses públicos, o sistema normativo admite que a Administração detenha no contrato

do qual é parte, prerrogativas especiais, ditas exorbitantes ao direito comum.

Nesse sentido, afirma Hely Lopes Meirelles que a participação da Administração

Pública em um dos polos contratuais resulta para o contrato administrativo certas

peculiaridades que os contratos comuns sujeitos ao regime de direito privado não

ostentam. Ainda na visão do mesmo autor essas peculiaridades constituem genericamente

as chamadas cláusulas exorbitantes explícitas e implícitas em todo o contrato

85 Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17. Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de: I – estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes; II – declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias. 86 Art. 61. Para cada empenho será extraído um documento denominado “nota de empenho” que indicará o nome do credor, a representação e a importância da despesa bem como a dedução desta do saldo da dotação própria.

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administrativo. As cláusulas exorbitantes são, portanto, exatamente aquelas que excedem

ao direito comum regido pelas normas de direito privado:

Cláusulas exorbitantes são, pois, as que excedem do Direito Comum para consignar uma vantagem ou uma restrição à Administração ou ao contratado. A cláusula exorbitante não seria lícita num contrato privado porque desigualaria as partes na execução do avençado, mas é absolutamente válida no contrato administrativo, desde que decorrente da lei ou dos princípios que regem a atividade administrativa, porque visa a estabelecer uma prerrogativa em favor de uma das partes para o perfeito atendimento do interesse público, que se sobrepõe sempre aos interesses particulares.87

Dessa maneira, as relações contratuais da Administração Pública possuem

como marco característico a existência de prerrogativas contratuais conferidas ao

Estado exatamente para a melhor consagração do interesse público. Objetivamente,

algumas delas estão previstas num rol exemplificativo do artigo 58 da Lei Federal nº

8.666/93, que consagra ao poder do Estado modificar e rescindir unilateralmente o

contrato; fiscalizar a sua execução; aplicar sanções ao contratado por falhas na

execução do contrato; e, até mesmo, ocupar provisoriamente os bens do contratado

no caso de sua essencialidade para a manutenção dos serviços88.

Celso Antônio Bandeira de Mello adverte que:

[...] em decorrência dos poderes que lhe assistem, a Administração fica autorizada – respeitando o objeto do contrato – a determinar modificações nas prestações devidas pelo contratante em função das necessidades públicas, a acompanhar e fiscalizar continuamente a execução dele, a impor as sanções estipuladas quando faltas do obrigado as ensejarem e a rescindir o contrato sponte propria se o interesse público o demandar.89

87 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 219. 88 Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: I – modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado; II – rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei; III – fiscalizar-lhes a execução; IV – aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste; V – nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo. 89 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 644.

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Há, ademais, outros marcos característicos das relações contratuais

governamentais, além das prerrogativas de alterar e rescindir o contrato

unilateralmente; fiscalizar a sua execução; aplicar sanções para a sua fiel execução e

ocupar os bens móveis e imóveis do contratado em caso de necessidade para a

continuidade do serviço.

A propósito, a lei de licitações e contratos prevê regras adicionais àquelas já

vistas que imprimem condições peculiares aos contratos administrativos, tais como

aquelas que encerram condições diferenciadas de pagamento, prazos de tolerância no

atraso das suas contraprestações contratuais; consagram um dever de observância da

ordem cronológica de pagamentos da Administração, entre várias outras.

Mas o fato é que, dentre as cláusulas exorbitantes que mais impactam nos

direitos dos contratados, destacam-se aquelas que conferem à Administração o poder

de rescindir e penalizar e a prerrogativa de modificar unilateralmente os seus

contratos administrativos para melhor adequação às finalidades de interesse público,

respeitados os direitos do contratado.

É que a previsão legal que contempla a possibilidade de modificações do

contrato, mediante a devida contrapartida, com a finalidade de obrigar o contratado

a realizar alterações contratuais quantitativas e qualitativas dentro dos limites

estabelecidos, proclamam, como consequência, o dever de se manter a equação

econômico-financeira da avença, direito que recai ao contratado, com maior ênfase,

inclusive, que nas relações de direito privado.

A propósito, consoante afirma André de Laubadère, as cláusulas exorbitantes,

em especial as de alteração do contrato, contêm “um limite e uma contrapartida”.

Explica o autor:

o limite consiste em que eles não devem sobrepujar certa amplitude e terminar desvirtuando totalmente o contrato, pois em tal caso o contratado tem direito a demandar, ante a injustiça, a invalidação (C.E., 16.11.1928, Ravier, p. 1193).

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A contrapartida consiste exatamente em que o contratado tem o direito a uma indenização integral, que compreende tanto o prejuízo sofrido como o lucro que deixou de obter (C.E. 18.3.1925, Huguet, p. 283)90.

Concentraremos os nossos esforços nas hipóteses de alterações contratuais, do

nosso ordenamento jurídico extraímos a regra contida nas alíneas “a” e “b” do inciso

I do artigo 65 da Lei Federal 8.666/93, que prevê objetivamente as hipóteses em que

poderá haver a modificação do contrato para os fins de realização de alterações de

natureza qualitativa e quantitativa dos serviços inicialmente contratados91.

Basicamente as alterações contratuais unilaterais terão cabimento nas

hipóteses em que houver necessidade de modificação do projeto ou das suas

especificações técnicas para melhor adequação aos objetivos da Administração e

também quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de

acréscimos ou diminuições quantitativas de seu objeto.

Realmente, cuida-se de faculdade outorgada ao Estado de manipular as regras

do contrato em favor do interesse público. Evidentemente, a sua adaptabilidade para

os fins de imprimir melhores condições técnicas, ainda que isso implique acréscimo

ou diminuição de quantidades contratadas, é medida do mais elevado interesse

público consubstanciado no real adimplemento do contrato.

Consoante as lições de Hely Lopes Meirelles, não são todas as cláusulas

contratuais passíveis de alteração:

Em todo contrato administrativo coexistem duas ordens de cláusulas: as econômicas e as regulamentadoras de serviço, da obra ou do fornecimento. Aquelas são inalteráveis unilateralmente, porque fixam a remuneração e os direitos do contratado perante Administração e estabelecem a equação financeira a ser mantida durante toda a execução do contrato; estas – as regulamentares ou de serviço – são alteráveis unilateralmente pela Administração segundo as exigências do interesse público que o contrato visa a atender92.

90 LAUBADÈRE, André de. Manual de Derecho Administrativo. 10. ed. p. 191. 91 Em julgado paradigmático o Colendo Tribunal de Contas da União admite em hipóteses bastante restritas a superação dos limites legais de acréscimos aos contratos administrativos, em especial para os casos em que haja acordo prévio entre as partes e que as alterações possuam natureza eminentemente qualitativa (decisão Plenária nº 215/1999). 92 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitações e Contratos Administrativos. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 205.

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De toda forma, a incidência das cláusulas exorbitantes nas relações contratuais

de direito administrativo emana como consequência um dever que recai ao Estado de

manter o equilíbrio econômico-financeiro da contratação. Se, por um lado, a

legislação conferiu ao Estado essas mesmas prerrogativas, por outro, lhe impôs o

ônus e o dever de manter a paridade econômico-financeira da relação inicial, que é o

cerne de todas as discussões envolvendo as alterações de preço contratuais. Nesse

sentido, a seguir abordaremos os aspectos atinentes a esse dever constitucional.

3.5 O equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos

Com efeito, no caso dos contratos administrativos, o particular que aceita

contratar com o Poder Público, ainda que saiba das condições especiais que recaem

ao Estado nesse modelo de contratos, não fica totalmente desguarnecido, sendo-lhe

garantida a proteção dos seus interesses econômico-financeiros.

Por isso mesmo possui o contratado, como contraprestação a todas as

prerrogativas postas em favor da Administração, o direito reconhecido pela

legislação de observância da paridade da relação econômico-contratual inicial.

E esse é também um marco característico do regime jurídico das contratações

públicas. Trata-se do dever de observância e de manutenção da proporcionalidade na

relação entre as obrigações assumidas pelo particular e as receitas que lhe são de

direito pela execução dessas mesmas obrigações ao longo de toda a execução do

contrato.

Celso Antônio Bandeira de Mello define equilíbrio econômico-financeiro do

contrato como “a relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações

assumidas pelo contratante no momento do ajuste e, de outro lado, pela compensação

econômica que lhe corresponderá”93.

93 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 664.

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Hely Lopes Meirelles, no mesmo sentido, aduz que equação econômica “é a

relação que as partes estabelecem inicialmente, no ajuste, entre os encargos do

contrato e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, do

serviço ou do fornecimento”94.

Fernando Dias Menezes de Almeida, por seu turno, relata que “equilíbrio

econômico-financeiro, assim compreendido, não pressupõe análise da justiça da

repartição de ônus, nem equivalência de prestação e contraprestação. Também não

opera, a priori, em favor de uma das partes. A manutenção do equilíbrio é um direito

de ambas e um dever imposto à Administração”95.

A intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro do contrato passou a

possuir status constitucional implícito com a promulgação do Texto Constitucional

de 1988, que prescreve no inciso XXI do seu artigo 37 que as condições do contrato

administrativo devem ser mantidas consoante fixado na proposta do contratado96.

A exigência constitucional sobre a manutenção das condições efetivas da

proposta significa dizer que, desde o edital de licitação ou desde a proposta aceita

pela Administração nos casos de dispensa e inexigibilidade de certame, os encargos

do contratado, bem como suas contrapartidas, deverão estar devidamente

equilibrados, permanecendo-se assim durante toda a execução do contrato, de modo

a não desestabilizar a relação jurídica que já apresenta uma tendência de desequilíbrio

natural em virtude das prerrogativas postas em favor do Poder Público.

O equilíbrio econômico-financeiro do contrato é, nos contratos

administrativos, o mecanismo primordial de conservação da atualidade contratual, o

qual, de toda sorte, combate os desajustes que afetem substancialmente as condições

94 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 221. 95 MENEZES DE ALMEIDA, Fernando Dias. Contrato Administrativo. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 219. 96 Art. 37 [...] XXI – [...] as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta [...].

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de continuidade da relação jurídica firmada em momento anterior para percorrer

determinado lapso de tempo.

Em verdade, trata-se de uma garantia que não só visa à preservação dos

interesses contratuais daquele que contrata com a Administração, como se dedica a

preservar o próprio interesse público consubstanciado na conclusão daquela mesma

relação jurídica.

Cuida-se, ademais, de um equilíbrio dinâmico, no qual,

[...] eventual alteração em um dos elementos – encargos e possibilidade de remuneração – que componham a razão (em sentido matemático) do equilíbrio, deve ser acompanhada de outra alteração, simultânea ou subsequente, de natureza financeira ou relacionada ao objeto contratual, para que se mantenha a mesma razão97.

É que certamente a obrigação contratual assumida pelo particular em face da

Administração somente será adimplida sem o estorvo dos direitos de contraprestação

contratual, se for mantida a paridade entre os encargos por ele assumidos ao longo

de toda a contratação e sua remuneração. Do contrário, nem os seus direitos

contratuais serão preservados, nem o interesse público será consagrado.

Ainda a incidência de um regime especial aos contratos administrativos,

próprios do direito publicístico, não o torna imune às regras gerais construídas no

seio da teoria geral dos contratos. Não se olvida, portanto, que o princípio do pacta

sunt servanda também orienta a formatação e execução dos contratos administrativos

possuindo ele estreita vinculação com o seu equilíbrio econômico-financeiro.

Maria Helena Diniz, ao tratar do aludido princípio que rege a atividade

contratual, aduz que “as estipulações feitas no contrato deverão ser fielmente

cumpridas (pacta sunt servanda), sob pena de execução patrimonial contra o

inadimplente”98.

97 MENEZES DE ALMEIDA, Fernando Dias. Contrato Administrativo. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 219. 98 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais – Vol. 3. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 48.

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Nessa toada, ainda pondera a autora: “à ideia de autorregulamentação dos

interesses dos contratantes, baseada no princípio da autonomia da vontade, sucede a

necessidade social de proteger a confiança de cada um deles na observância da avença

estipulada, ou melhor, na subordinação à lex contractus”99.

A Lei Federal nº 8.666/93 tratou de maneira explícita da intangibilidade da

equação econômico-financeira em diversas passagens, o que revela uma intensa

preocupação em não ver o particular contratado excessivamente onerado em suas

obrigações com o Poder Público, sem, contudo, obter a contrapartida que lhe é

correspondente.

A primeira previsão está contida no artigo 57, § 1º, da Lei Geral de Licitações

e Contratos, in verbis:

Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos: [...]

§ 1º Os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados em processo:

I – alteração do projeto ou especificações, pela Administração;

II – superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato;

III – interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem e no interesse da Administração;

IV – aumento das quantidades inicialmente previstas no contrato, nos limites permitidos por esta Lei;

V – impedimento de execução do contrato por fato ou ato de terceiro reconhecido pela Administração em documento contemporâneo à sua ocorrência;

VI – omissão ou atraso de providências a cargo da Administração, inclusive quanto aos pagamentos previstos de que resulte, diretamente, impedimento ou retardamento na execução do contrato, sem prejuízo das sanções legais aplicáveis aos responsáveis.

A segunda ocasião em que a mesma lei cuida do equilíbrio econômico-

financeiro do contrato está no já citado art. 58, na previsão do seu § 1º, o qual destaca

99 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 48.

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a impossibilidade de alteração no instrumento contratual das cláusulas que importam

ao equilíbrio econômico-financeiro e monetário do contrato sem a prévia

aquiescência do contratado:

Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

[…]

§ 1º As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.

Demais disso, o § 2º do mesmo artigo 58 ainda prescreve que, no caso de

alteração unilateral do contrato pela Administração, justificada pela sua melhor

adequação às finalidades do interesse público, “as cláusulas econômico-financeiras

do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual”.

A terceira previsão legal está inserida no contexto do acolhimento que o

ordenamento jurídico brasileiro promoveu para evitar o comprometimento da

situação do particular em razão de alterações no curso da execução contratual por

motivos que escapam à sua responsabilidade, bem como também aquelas situações

que não decorrem de ato faltoso da Administração Pública.

Sem embargo, mesmo nessas hipóteses imprevisíveis ou incalculáveis, a lei

não exonerou as partes de buscarem o restabelecimento da equação entre encargos

do contratado e retribuição devida pela Administração-contratante inicialmente

pactuada, objetivando, dessa forma, a manutenção do equilíbrio econômico-

financeiro do contrato.

Nesse sentido, anota o art. 65, II, “d”, da Lei nº 8.666/93:

Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

[...]

II – por acordo das partes:

[...]

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção

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do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando área econômica extraordinária e extracontratual. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994.)

Por fim, ainda o § 6º do sobredito art. 65 revela:

§ 6º Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.

Ademais, a importância da preservação da equação econômico-financeira do

contrato, que pode ser apontada como relevante instrumento de segurança jurídica –

sobretudo em um país ainda marcado pela instabilidade econômica, política e social

– tem sido reconhecida sem grandes esforços pelos Tribunais Judiciais.

Uma vez que a Constituição enfatizou o direito que ambas as partes têm ao

equilíbrio econômico-financeiro no contexto dos contratos administrativos, uma

intensa judicialização da questão tem sido constante. É de se observar, contudo,

consoante demonstram os julgados do Supremo Tribunal Federal e os do Superior

Tribunal de Justiça, que não é tarefa fácil a discussão que envolve a retomada do

equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Portanto, ainda que recaia ao particular o direito de recomposição da matriz

econômico-contratual, essa reivindicação não prescinde da efetiva demonstração do

impacto por ele experimentado ao longo do contrato e da comprovação de verdadeira

instabilidade contratual. Consoante reconhece a jurisprudência, há de se comprovar

o nexo de causalidade entre o evento invocado e dano suportado, além, obviamente,

da efetiva comprovação do prejuízo experimentado para que seja aplicada a regra em

alusão.

3.5.1 Álea ordinária

Desde o momento em que se opta pela contratação – seja ela direta, sem

licitação prévia, seja ela proveniente de um processo de concorrência estabelecido

por um edital –, o quadro econômico-financeiro do contrato deve estar bem

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delineado. Essa condição deve ser mantida no tempo em que ele produzir efeitos

jurídicos. Confere-se ao contrato, sem embargo, um sentido de previsibilidade, que o

torna capaz de precisar as medidas necessárias para prover eventuais desajustes que

o tempo e outras situações podem provocar.

Já destacamos a incidência da regra do equilíbrio econômico-financeiro dos

contratos administrativos de duas maneiras distintas. A primeira delas decorrente do

próprio cumprimento das regras que permeiam a contratação, portanto implícita e

decorrente da própria regra contratual, e a segunda para a recomposição de sua

estrutura econômica diante da explícita ocorrência de evento externo à contratação

que onera frontalmente a matriz.

Sobre o cumprimento da regra do contrato como mecanismo de preservação do

seu equilíbrio econômico-financeiro, não há como negarmos que talvez ela seja a forma

mais efetiva de se resguardar a paridade entre encargos e obrigações contratuais.

É que ela está diretamente relacionada com a obediência das próprias regras

do contrato; com o cumprimento das condições de pagamento; com a periodicidade

das concessões de reajustes contratuais; com a obediência aos prazos e datas marco

estabelecidas no contrato; com a atuação contratual de maneira proba e impessoal,

dentre uma série de outras obrigações que decorrem do próprio contrato.

Nessa ordem de ideias, temos que o efetivo cumprimento das obrigações

contratuais por parte da Administração; o pagamento das suas prestações em dia; a

fiel observância das normas de aplicação das regras de reajuste; o cumprimento das

datas marco contratuais e das obrigações a cargo da Administração revelam-se como

das mais elementares formas de se preservar o equilíbrio econômico da contratação.

Dessa forma, a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato

administrativo poderá se dar, em um primeiro plano, por meio do cumprimento das

próprias regras do contrato, inclusive daquelas que proclamam o critério de reajuste e

atualização monetária dos valores avençados.

Nesse ponto, válido destacar que o risco decorrente da aplicação da regra do

contrato é contingência que deve ser ponderada pelo contratado em momento antecedente

à celebração do vínculo contratual. Ou seja, se o alegado desequilíbrio financeiro é

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decorrente da aplicação de uma regra contratual válida, pouco poderá fazer o particular,

além do que amargurar o prejuízo a que voluntariamente se inseriu.

Mas, o descumprimento da regra contratual como, por exemplo, o não pagamento

de valor decorrente da aplicação de reajuste contratual, é medida que pode ser invocada

como elemento instabilizador da sua matriz econômica.

O reajuste é, com efeito, elemento puramente contratual. Celso Antônio Bandeira

de Mello pondera: “[...] ao contrário da correção monetária, em que o valor devido

permanece constante, alterando-se apenas a quantidade de moeda que expressa o mesmo

valor, no reajuste, em consideração ao fato de que se alterou o próprio custo da prestação

ajustada, aumenta-se o valor do pagamento”100.

Silvio Luís Ferreira da Rocha analisa o reajuste de preços dos contratos como um

direito101: O reajuste de preços dos contratos equivale ao mecanismo de proteção da desvalorização causada pela inflação ou por outros fatores, como aumentos de preços dos insumos. Por este mecanismo, os preços contratuais ficam submetidos a uma variação automática atrelada à flutuação de índices predeterminados. O fim é realinhar o valor contratual em decorrência da variação de custo de produção de seu objeto diante do curso normal da Economia.

Ainda destaca o autor que “cabe ao edital e ao contrato definir a data-base e a

periodicidade do reajustamento de preços. Os índices escolhidos devem procurar refletir a

real modificação dos custos. Normalmente são escolhidos índices setoriais”102.

Visando combater eventual desequilíbrio da equação econômico-financeira gerado

por circunstâncias comuns e naturais, o contrato deve prever como cláusulas obrigatórias o

critério de reajuste a que seu valor estará submetido (art. 40, XI, Lei nº 8.666/1993).

Portanto, a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato

administrativo se dará num primeiro plano pelo próprio cumprimento das regras do

100 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 649. 101 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Manual de Direito Administrativo. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 470. 102 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Op. cit., p. 470.

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contrato, devendo o contratado avaliar o risco decorrente da aplicação da regra contratual

em momento anterior à sua celebração.

Mas, ao revés, o descumprimento da regra contratual como o não pagamento de

valor decorrente da aplicação de reajuste, assim como a inadimplência em relação a todas

as demais obrigações contratuais que ocasionem danos quantificáveis ao contratado,

poderão ser perseguidos com fundamento na norma que emana a manutenção da equação

econômico-financeira contratual.

3.5.2 Áleas extraordinárias

Ao lado das áleas ordinárias, os contratos administrativos estão sujeitos também

a áleas de ordem extraordinárias, supervenientes e imprevistas, que, naturalmente, afetam

o equilíbrio econômico-financeiro inicialmente pactuado entre as partes e exigem, por

conseguinte, medidas de retomada do balanço entre encargos e a remuneração do

contratado.

Ocorre, no entanto, que nem todas as situações que afetam o contrato podem ser

previstas. Nem sempre é fácil apontar todas as variáveis de um contrato, especialmente

em cenários não muito estáveis e sujeitos às mais diversas intempéries de variação de

preços, as quais, naturalmente, podem afetar o equilíbrio econômico-financeiro do

contrato, gerando a necessidade de serem feitos ajustes nas retribuições percebidas pelo

contratado que experimentou um prejuízo em razão de variação de determinadas

condições de preços.

Nestas circunstâncias, mais do que reajustes, que são oriundos de correções

pontuais às variações econômicas dos contratos, demanda-se efetiva revisão da

remuneração do contratado, como resultado de mudanças mais impactantes que de

alguma forma atingem a relação contratual.

Hely Lopes Meirelles diferencia o reajuste e revisão de preços na medida em que

o primeiro surge do consenso inicial das partes, ao passo que o segundo se destina a

restaurar a equação econômico-financeira diante de situações supervenientes,

extraordinárias e imprevisíveis:

[...] a recomposição de preços não se confunde de modo algum com o reajustamento contratual de preços, pois este surge do consenso inicial das

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partes, para manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato durante a sua execução normal, ao passo que aquela, a recomposição, destina-se a restaurar esse mesmo equilíbrio, desfeio por eventos supervenientes e extraordinários, não previstos e imprevisíveis pelos contratantes, que acarretam modificação anormal na situação fática existente na época da celebração do ajuste103.

Conclui o autor que a recomposição de preços fruto da incidência das áleas

contratuais extraordinárias independe de previsão contratual, surge como uma reação à

impossibilidade de a economia do contrato ser mantida apenas com medidas de reajustes

e, ademais, de situações que não podiam ser previstas pelos contratantes.

São variadas as situações que provocam o deslocamento do equilíbrio econômico-

financeiro e que, por determinação legal, reclamam a retomada da situação anterior. A

recuperação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato pode também advir de

revisões contratuais decorrentes da ação unilateral da Administração no uso de cláusulas

extroversas; ou, ainda, de um acordo entre as partes.

Fundamentalmente, podem ser apontadas cinco circunstâncias que, não sendo

possíveis de serem previstas no momento de lançamento da proposta de contratação – e

que, ademais, o mero reajuste não é suficiente –, rompem o equilíbrio econômico-

financeiro e, portanto, reclamam uma ação de revisão do contrato a fim de providenciar

o seu equilíbrio, a saber: i) modificação unilateral promovida pela Administração Pública

no uso de seu poder extroverso sobre o contrato (art. 65, I, “a”, da Lei nº 8.666/1993); ii)

“fato do príncipe”, que compreende, em linhas gerais, uma ação da Administração em

relação diversa da contratual, mas que o afeta (art. 65, II, “d”, Lei nº 8.666/1993); iii)

situações de agravos econômicos oriundos de fatos imprevisíveis alheios às forças dos

contratantes. É a chamada teoria da imprevisão, cujo reconhecimento está estampado

também no sobredito artigo 65, II, “d”, da Lei Geral de Licitações e Contratos; iv) “as

sujeições imprevistas”, entendidas, de modo geral, como aquelas situações de

dificuldades materiais que ao tempo da formatação da contratação eram imprevisíveis, e

que recaem de modo insuportável sobre o contratado104 (art. 65, II, “d”); e v) os

acontecimentos oriundos de violação contratual por parte da Administração.

103 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 221. 104 Consoante destaca Celso Antônio Bandeira de Mello, as “sujeições imprevistas têm o seu domínio de aplicação, nos contratos de obra pública” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 594).

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As hipóteses de violação e alteração contratual por parte da Administração são

facilmente vislumbradas. Já em relação às demais, a Lei nº 8.666/93 adotou, nesse

sentido, expressamente as chamadas “teoria da imprevisão”, do “fato do príncipe” e das

“sujeições imprevisíveis”. Em todos esses casos, as partes estão obrigadas a

reestabelecerem a equação econômico-financeira do contrato, a fim de compensar o

rompimento da sua estabilidade eventualmente ocorrido.

A teoria da imprevisão, inspirada na teoria geral dos contratos privados, por

expressa previsão legal, ganha ainda mais força no âmbito dos contratos administrativos,

e, no mesmo sentido, é utilizada para corrigir situações de sobressaltos econômico-

financeiros decorrentes de fatos alheios à vontade das partes.

A teoria do fato do príncipe, por seu turno, tem lugar quando emergem agravos

econômicos ao particular como resultado de medidas tomadas no exercício de

competências não relacionadas ao contrato, mas que, de algum modo, afeta-o

negativamente de modo a comprometer a situação do particular.

Por fim, tem-se os agravos econômicos oriundos de sujeições imprevistas, que

tratam, de maneira geral, de dificuldades materiais que as partes não tinham condições de

prever e que provocam grave prejuízo ao particular para continuar a relação jurídica

contratual anteriormente erigida.

De qualquer modo, a retomada do equilíbrio econômico-financeiro, pela revisão

de cláusulas contratuais atinentes ao status econômico inicial do contrato, só é possível

após uma ação da Administração Pública. Tal ação administrativa se dá através de um

ato. Neste sentido, cabe compreender o ato de revisão do contrato administrativo à luz da

teoria do ato administrativo.

Vale dizer, o deslocamento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato

administrativo reclama, nos termos expostos pela Constituição e pela lei, uma decisão

administrativa que determine a retomada da equação econômica do contrato. O reequilíbrio

econômico-financeiro do contrato não pode ser feito de ofício pelo particular que o pleiteia,

requerendo da Administração um posicionamento quanto a providenciar os mecanismos de

reestabelecimento do equilíbrio econômico do contrato quando este for rompido.

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Válido frisar, ademais, que sendo o equilíbrio econômico-financeiro do contrato

administrativo, nesta espécie, um direito que recai em face de ambas as partes

contratantes, há uma sensível diferença de tratamento jurídico para as hipóteses em que

o referido desequilíbrio onere a Administração Pública e quando recai sobre o particular.

Na situação em que o desequilíbrio recaia sobre o contratado privado,

evidentemente esse direito pode ser transacionado por se tratar de interesse disponível.

Isso significa dizer que, caso as partes entrem num acordo em relação a qualquer maneira

de se restabelecer a condição econômico-financeira contratual, ou mesmo no caso do

particular abrir mão desse seu direito, desde que seja dada expressa quitação por parte do

contratado, não haverá espaço para a revisitação desse mesmo ato voluntário.

O mesmo não se pode falar em relação ao desequilíbrio contratual que afete a

Administração Pública. Isso porque, como adiantamos anteriormente, os interesses públicos,

consoante o regime jurídico, incidentes nas relações de direito público, são indisponíveis, não

podendo, portanto, a Administração transigir em relação aos seus interesses.

Mas a despeito dessa distinção, o que se pode aduzir como marca característica

do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos é que, ele provém de

uma previsão constitucional, com várias reafirmações em âmbito legislativo; serve como

uma contrapartida em face de todas as prerrogativas que recaem ao Estado nas suas

relações contratuais; cuida-se de uma condição voltada à preservação dos interesses

econômico-financeiros das partes contratantes e, também, como um pressuposto da

consagração do interesse público demandado em contrato.

De mais a mais, materializa-se em primeiro plano pelo cumprimento das cláusulas

contratuais (pacta sunt servanda), porém, pode ser invocado como maneira de garantir a

justa remuneração contratual em decorrência da incidência da teoria da imprevisão

(situações de sobressaltos econômico-financeiros decorrentes de fatos alheios à vontade

das partes); de fatos do príncipe (agravos econômicos ocasionados ao particular como

resultado de medidas tomadas no exercício de competências não relacionadas ao

contrato); e de sujeições imprevistas (dificuldades materiais que as partes não tinham

condições de prever e que provocam grave prejuízo ao particular).

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4 OS CONTRATOS DE OBRA PÚBLICA

4.1 Notas introdutórias a respeito dos contratos de obra pública

As obras públicas representam uma forma bastante eficiente pela qual o Estado

demonstra suas realizações à população. Constituem, em síntese, produções materiais que

o Estado promove em favor dos administrados. Diferentemente dos serviços públicos,

que são dinâmicos, as obras públicas produzem coisas estáticas, que muitas vezes servem

justamente de base imprescindível para a prestação de um serviço público ou de

relevância.

Celso Antônio Bandeira de Mello, a propósito, bem as classifica como “a

construção, reparação, edificação ou ampliação de um bem imóvel pertencente ou

incorporado ao domínio público”105.

Muito embora não haja qualquer objeção legal para que as obras públicas sejam

realizadas diretamente pelo Estado, que evidentemente, tem condições de se utilizar de

seus próprios recursos pessoais e materiais para promover as construções e edificações

de interesse público, há uma grande participação das empresas privadas nesse mesmo

segmento.

Uma justificação possível para esse fato reside exatamente na maior evolução no

desempenho das atividades empresariais econômicas ao longo do tempo. Submetidas a

um cenário de ampla competitividade e livre iniciativa de mercado, é natural que essas

empresas tenham passado por um processo de otimização de resultados técnicos e

financeiros, a ponto de lograrem executar esses mesmos serviços com uma melhor relação

de qualidade e preço do que o Estado diretamente.

Com efeito, o Estado viu-se levado a buscar, com maior intensificação, na

atividade privada, a melhor forma de realizar determinadas construções de interesse

público.

105 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 723.

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O aperfeiçoamento do sistema normativo, especialmente no que se refere às

previsões constitucionais de consagração dos direitos individuais dos cidadãos mediante,

inclusive, obrigações constitucionais de prestações positivas por parte do Estado – a

demonstrar um nítido dever de intervenção estatal no domínio econômico e social,

demanda do Estado a realização dessas obras com a maior qualidade e eficiência possíveis

(ainda que essa eficiência seja exercida por meio da fiscalização e controle das atividades

de seus contratados).

Portanto, a promoção de obras civis de engenharia, certamente, é um meio de

satisfação desses objetivos. Sem embargo, as obras públicas tornaram-se também meio

de intervenção do estatal, fomentando o desenvolvimento de atividades econômicas. Vale

dizer: além das obras propriamente ditas, a sua realização propicia o desenvolvimento das

atividades que inevitavelmente com ela se relacionam e que sucedem ao final da

construção.

A não realização de obras públicas, ao contrário, reflete considerável impacto no

desempenho dos serviços públicos, pois, em muitas vezes, elas se afiguram como um

verdadeiro pressuposto para a prestação de um serviço. Também, por vezes, as próprias

atividades econômicas podem sofrer impactos pela não conclusão de uma obra de

relevância e interesse público, fazendo com que elas se relacionem diretamente com o

próprio desenvolvimento nacional.

Evidentemente, não há nenhuma vedação que recaia sobre o Estado de edificar as

obras públicas mediante a utilização de recursos próprios. Mas, se essas obras forem

realizadas mediante a consagração de esforços próprios estatais, não há qualquer sentido

em tratar de questões atinentes ao seu equilíbrio econômico-financeiro, direitos e

obrigações contratuais.

Ainda assim, não negamos a possibilidade de o Estado contratar obras públicas

sob o regime jurídico de outros tipos de contratos administrativos, como, por exemplo, os

contratos de programa, concessões de serviço público, de obras públicas e parcerias

público-privadas. Estes contratos, todavia, além de estarem submetidos a um regime

jurídico todo próprio, pressupõem, diversamente dos contratos de realização de obras, a

transferência da prestação de um serviço público.

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Portanto há, sem dúvidas, a possibilidade fática e jurídica de as edificações de

interesse público serem construídas com recursos materiais próprios do Estado, serem

elas contratadas entre duas pessoas jurídicas de direito público, ou ainda incluídas no bojo

de outros contratos, como os de concessão de serviços públicos.

Mas é importante que se consigne, desde logo, que, ao nos referirmos aos

contratos de obras públicas, muito embora a definição semântica da expressão possa nos

remeter a toda e qualquer edificação erguida pela Administração Pública, o propósito do

presente estudo é tratar das prestações extracontratuais e do impacto econômico-

financeiro experimentado pela execução de prestações contratuais não cobertas

originalmente em contrato e direitos e obrigações decorrentes dos contratos de obra

pública contratados sob o regime de execução indireta, consagrados principalmente sob

o regime das Leis Federais nº 8.666/93 e nº 12.462/11, os quais, portanto, não envolvem

a concessão de um serviço público, mas apenas a contratação específica de um objeto

previamente discriminado.

4.2 O regime jurídico dos contratos de obras públicas

Embora esses contratos obedeçam ao mesmo regramento da maior parte dos

contratos administrativos que são regidos pelos ditames da Lei nº 8.666/1993, é certo que,

ainda dentro desse próprio universo, existem peculiaridades que lhe identificam um perfil

bastante próprio.

A particularidade que lhe concerne – e que é sempre repetida pelos doutrinadores

mais abalizados – é exatamente que o contrato de obra pública é espécie de contrato por

escopo, isto é, no regime de execução contratual, a vigência do contrato apenas se encerra

com a entrega e aceitação do objeto pelo contratado à Administração.

Não significa dizer, todavia, que os referidos contratos não possuam prazo para a

sua execução. Este prazo, aliás, é cláusula obrigatória em todo e qualquer contrato

administrativo por expressa previsão do artigo 55 da lei geral de regência das contratações

públicas.

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Vimos que o contrato de obra pública no Brasil é, por definição, um contrato por

escopo. Isso significa dizer que se trata de um contrato, nas palavras de Joel de Menezes

Niebuhr, “cujo prazo de execução somente se extingue quando o contratado entrega para

a Administração o objeto contratado”106.

A classificação do contrato administrativo como contrato por escopo pressupõe o

cumprimento de todas as demais regras do contrato e, bem assim, a observância de todos

os princípios regedores das relações contratuais, tanto pela Administração Pública como

de seu contratado. Em outras palavras: a vinculação do término do contrato à entrega do

seu escopo pressupõe que as partes estejam absolutamente em dia com as suas obrigações

contratuais de meio.

Com efeito, a repercussão imediata sobre esse tipo de ajuste está no

prolongamento da vigência do vínculo contratual. Quer dizer: enquanto remanescerem as

obrigações do contratado em relação à entrega do objeto ajustado, desde que as partes

estejam em dia com as suas obrigações, permanecerá o vínculo contratual até que seja ele

extinto por meio de uma das formas legalmente admitidas.

O regime de execução de obra pública, portanto, diverge da execução contratual

dos chamados contratos por prazo, ou de prestação de serviços na medida em que estes,

via de regra, estão relacionados aos ajustes de natureza contratual cujo objeto seja um

serviço prestado de maneira contínua e por tempo previamente determinado e aqueles

vinculados à consagração de um escopo, entrega de uma obra pronta e acabada nos termos

do contrato.

Vale dizer: nos contratos de prestação de serviços, a obrigação principal do

contratado extingue-se pelo decurso do tempo. O encerramento do lapso temporal do

vínculo entre o Poder Público e o particular faz extinguir a relação jurídica outrora

instalada. Já nos contratos de obra pública, o marco do encerramento da relação contratual

será a entrega do objeto contratado conforme as disposições constantes do contrato e de

seus projetos, desde que as partes estejam em dia com suas obrigações contratuais.

106 NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. 1. ed. Curitiba: Zênite, 2008. p. 452-453.

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Marçal Justen Filho, didaticamente, divide os contratos administrativos em duas

espécies, a saber: i) de execução instantânea (por escopo); ii) de execução continuada.

Pondera o autor:

Os contratos de execução instantânea impõem à parte o dever de realizar uma conduta específica e definida. Uma vez cumprida a prestação, o contrato se exaure e nada mais pode ser exigido do contratante. Já os contratos de execução continuada impõem à parte o dever de realizar uma conduta que se renova ou se mantém no decurso do tempo. Não há uma conduta específica e definida cuja execução libere o devedor107.

Essa noção é fundamental para, além de diferenciar os contratos de obra daqueles

de prestação de serviços, firmar a vigência das regras estabelecidas no contrato e, assim,

fixar o lapso de tempo da sua aplicabilidade.

Ainda sobre os contratos administrativos de obras públicas, anotam Diogo Freitas

do Amaral, Fausto de Quadros e José Carlos Vieira de Andrade em estudo de caso

ocorrido em território português, que se trata da forma mais tradicional de realização de

uma obra pública envolvendo uma clara repartição de papéis do dono da obra e do

empreiteiro, de sorte que, diferentemente das relações privadas de empreitada, nesse tipo

de ajuste deve a Administração definir da forma mais perfeita possível o objeto da

prestação a ser realizada, incumbindo-lhe ainda a fiscalização de sua execução:

A forma tradicional de realização de uma obra pública envolve, por outras palavras, uma clara repartição dos papéis do dono da obra e do empreiteiro no que respeita à sua concepção e construção. Assim, o primeiro define o objeto do contrato de forma tão perfeita quanto possível no respectivo procedimento preparatório (em regra, um concurso público), designadamente nas peças de projecto e no caderno de encargos. O empreiteiro executa, depois, sob a fiscalização e direção do primeiro, a obra definida. Nesse mesmo sentido, referia já entre nós Marcello Caetano na década de sessenta que, “ao contrário do que sucede na generalidade das empreitadas regidas pelo Direito Privado, as empreitadas administrativas reduzem-se à mera execução de trabalhos já cuidadosamente estudados, projetados e programados pela Administração” (cfr. Empreitadas de Obras Públicas: II – Pagamento de prémios por antecipação da conclusão das obras. In: Estudos de Direito Administrativo. Lisboa, 1974. p. 412)108.

107 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13. ed. São Paulo: Dialética, 2009. p. 195. 108 AMARAL, Diogo Freitas do; QUADROS, Fausto de; ANDRADE, José Carlos Vieira de. Aspectos Jurídicos da Empreitada de Obras Públicas. Coimbra: Almedina, 2002. p. 50-51.

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Nesse sentido, ainda observam os autores em atenção às disposições do antigo

RJEOP/1986 (Regime Jurídico de Empreitada de Obras Públicas):

Numa empreitada de obras públicas tradicional, isto é, assente no “processo de elaboração do projecto seguido de concurso para a sua execução”, e tal como na generalidade dos contratos administrativos de colaboração (cfr. o artigo 180.º alínea b), do Código de Procedimento Administrativo – doravante CPA), a Administração, depois de definir com rigor o objecto do contrato, “não se limita a escolher o empreiteiro e a confiar-lhe o encargo de executar certo projecto, vigiando depois os trabalhos (cfr. Marcello Caetano, Empreitadas de Obras Públicas: I – Direitos do empreiteiro no caso de atraso nos prazos contratuais por culpa do dono da obra, ob. cit., p. 393-394).

Na verdade, a Administração, aí, como contrapartida dos riscos que assume, vai mais longe: “dirige superiormente os trabalhos, orienta o empreiteiro e exige que este se conforme constantemente com as suas ordens e decisões mesmo quando excedam o âmbito da previsão contratual” (Marcello Caetano, ob. cit., p. 395).

E fá-lo através de agentes que formam o que a lei denomina “fiscalização” da empreitada (cfr. artigos 156º e segs. do RJEOP/86). Tais agentes, de facto, com vista a “vigiar e verificar o exacto cumprimento do projecto e suas alterações, do contrato, do caderno de encargos e do plano de trabalhos em vigor” (cf. 157º, nº 1, do DJEOP/86), “dirigem efetivamente os trabalhos, pautando dia a dia a conduta do empreiteiro e interpretando as cláusulas contratuais” (Marcello Caetano, ob. cit., p. 395). O empreiteiro actua, pois, “em regime de prestação de serviços: coloca a sua organização, o seu pessoal, os seus meios técnicos e a sua experiência ao dispor da Administração para execução de certa obra, mas sob as ordens de direcção da entidade com quem contratou” (Marcello Caetano, ob. cit., p. 393-394).

Numa empreitada tradicional, a Administração, em suma, dirige a atividade do seu colaborador executivo, e dirige-a mediante a emanação de ordens, avisos e notificações, por escrito (cfr. artigo 159º do RJEOP/86), às quais aquele deve obediência, contanto se confinem nos limites do objecto inicial ou posterior (ou seja, definido por acordo ou por via do exercício do poder de modificação unilateral) do contrato109.

Continuam os mesmos autores ainda destacando que nesse tipo de contrato o

grande problema é realmente determinar as fronteiras entre as ingerências da

Administração e a independência do empreiteiro:

Nesse tipo de empreitadas, porque o empreiteiro é um colaborador em regime de prestação de serviços e não em regime de trabalho subordinado, o grande problema teórico-jurídico que se coloca é o da determinação das fronteiras entre a ingerência da Administração e a autonomia do empreiteiro. Há, por outras palavras, que procurar e precisar os critérios para que o empreiteiro colaborador íntimo (Marcello Caetano, ob. cit., p. 397) do dono da obra na execução desta, não se converta num nudus minister da Administração (Suay Rincón, ob. cit., p. 666). Como claramente explica a este propósito Antonio Cianflone (ob. cit., p. 434-435): “A ingerência que a Administração exerce na execução da obra, embora sendo particularmente intensa e penetrante, não deve, todavia, ser tal que anule toda a função do empreiteiro e portanto aquele núcleo essencial da sua autonomia sem o qual não pode existir empreitada nem responsabilidade do empreiteiro para regular e tempestiva execução da obra.

109 AMARAL, Diogo Freitas do; QUADROS, Fausto de; ANDRADE, José Carlos Vieira de. Aspectos Jurídicos da Empreitada de Obras Públicas. Coimbra: Almedina, 2002. p. 152-153.

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Precisamente o ponto de encontro da ingerência da Administração e da autonomia do empreiteiro, e daí a determinação do limite para além do qual não deve exercer-se a primeira e deve pelo contrário poder manifestar-se a segunda, constitui o ponto crucial de toda a teoria da empreitada, especialmente desde que mesmo entre os particulares, pela dimensão das obras que também eles constroem, se instituiu uma forma de ingerência na execução que, modelada sobre o exemplo da que é exercida pela Administração, vai para além da simples fiscalização e do puro controle. O problema que surge a este respeito é um problema de limites”.

O que importa aqui e agora é reter que, na empreitada de obras públicas tradicional, o procedimento de execução da obra é tipicamente, um procedimento unilateral e formalmente conformado pela Administração, cabendo essencialmente ao empreiteiro, dentro de certos limites, desempenhar um papel executivo e de destinatário das ordens, avisos e notificações escritas daquelas110.

No Direito Português, o regime do contrato administrativo de empreitada de obra

pública foi delineado de modo específico pela lei. Segundo constava do art. 2º, nº 3 do

Decreto-Lei nº 59/1999, a empreitada de obras públicas é:

o contrato administrativo, celebrado mediante o pagamento de um preço, independentemente da sua forma, entre um dono de obra pública e um empreiteiro de obras públicas e que tenha por objecto quer a execução quer conjuntamente a concepção e a execução das obras mencionadas no nº 1 do artigo 1º, bem como das obras ou trabalhos que se enquadrem nas subcategorias previstas no diploma que estabelece o regime do acesso e permanência na actividade de empreiteiro de obras públicas, realizados seja por que meio for e que satisfaçam as necessidades indicadas pelo dono da obra111.

Registre-se, por oportuno, que o precitado nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei 59/99

elencava, para efeitos daquele diploma, as realizações materiais apontadas como obras

públicas, a saber: “construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação,

conservação, limpeza, restauro, reparação, adaptação, beneficiação e demolição de bens

imóveis, destinadas a preencher, por si mesmas, uma função económica ou técnica,

executadas por conta de um dono de obra pública”.

Sobre a empreitada de obras públicas, Diogo Freitas do Amaral aponta que aquilo

que a caracteriza é a “execução de uma obra pública por uma empresa particular, cabendo

à Administração pagar a esta o respectivo preço”112.

Na sequência, aduz o jurista português:

110 AMARAL, Diogo Freitas do; QUADROS, Fausto de; ANDRADE, José Carlos Vieira de. Aspectos Jurídicos da Empreitada de Obras Públicas. Coimbra: Almedina, 2002. p. 153-154. 111 O referido Decreto-Lei nº 59/1999, após sucessivas mudanças, foi definitivamente revogado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de janeiro, o qual instituiu o Código dos Contratos Públicos em Portugal, mais alinhado ao sistema de contratações definido pelo direito comunitário europeu. 112 AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo. Vol. II. Coimbra: Almedina, 2001. p. 525.

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Por via de regra, são executadas deste modo as obras públicas de pequena e média dimensão, pois se entende ser o processo de maior economia e de melhor rendimento. É que, na empreitada, em vez de ser a Administração a suportar o pesado fardo de proceder à organização dos meios humanos e materiais necessários para a execução dos trabalhos (Administração directa), ela põe, mediante o pagamento de um preço, essa tarefa a cargo do co-contratante, tirando inclusivamente vantagem da concorrência existente entre os empreiteiros. Por outro lado, é este também o processo adequado para a construção daquelas obras de maiores dimensões que, atenta a sua própria natureza ou outro tipo de condicionalismos, não sejam efectuadas por recurso ao sistema da concessão (v.g., a construção de um tribunal, de uma barragem, de um edifício para instalar uma Direção-Geral)113.

Interessante ainda a observação do autor:

No que respeita ao regime jurídico, verifica-se que no Brasil, em França, na Itália, na Bélgica, no Luxemburgo, na Alemanha e na Suíça os contratos de empreitada de obras públicas, para além de algumas diferenças de pormenor, designadamente quanto à sua formação, estão sujeitos às regras estabelecidas nos respectivos códigos civis. Nestes países, as empreitadas de obras públicas apresentam-se como contratos regidos pelo Direito Privado.

Mas, não obstante a diferença entre a empreitada pública e a privada, aplica-se às empreitadas de obras públicas, em tudo o que não esteja previsto no seu regime, nas leis e regulamentos administrativos que prevejam casos análogos e nos princípios gerais de direito administrativo, as disposições do Código Civil (v. artigo 273º do D.L. nº 59/99)114.

Marcello Caetano, por seu turno, ao diferenciar as espécies de contrato

administrativo – segundo a perspectiva jurídica portuguesa – define o contrato de

empreitada de obras públicas como sendo:

[...] o acordo pelo qual alguma pessoa se encarrega de trabalhos de construção, adaptação, reparação ou conservação de bens imóveis do domínio público ou do patrimônio administrativo por conta de uma pessoa colectiva de direito público, com materiais subministrados por esta ou pelo empreiteiro, mediante certa retribuição115.

Nessa ordem de ideias, o autor trata do contrato de concessão de obra pública

como aquele no qual:

[...] uma pessoa colectiva de direito público transfere para outra pessoa o poder de construir, por conta própria, determinadas coisas públicas artificiais, destinadas ao uso público directo ou ao estabelecimento de um serviço público, as quais ficarão na posse do concessionário durante certo número de anos para que este cobre dos utentes as taxas que forem fixadas116.

113 AMARAL, Diogo Freitas do. Op. cit., p. 525. 114 AMARAL, Diogo Freitas do. Op. cit., p. 530. 115 CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo. Vol. II. Coimbra: Almedina. p. 583. 116 CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo. Vol. II. Coimbra: Almedina. p. 583.

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A Diretiva da União Europeia nº 24/2014 em seu art. 2, item 6, define como

contrato de obra pública a execução das atividades contempladas em seu Anexo II,

Construção. Nele estão incluídos os atos de execução de novas construções, restauração

e reparação de rotina; a preparação dos locais de construção; a demolição e destruição de

edifícios, assim como a execução de terraplenagens; perfurações e sondagens; construção

de edifícios e execução de atividades de engenharia civil; construção de coberturas e

estruturas; construção de estradas, vias férreas, aeroportos e de instalações desportivas;

execução de serviços de hidráulica, elétrica, isolamento, canalizações, climatização,

instalações de sistemas de iluminação e sinalização, estucagem, trabalhos de carpintaria

e de caixilharia, revestimento de pavimentos e de paredes, pintura e colocação de vidros,

acabamentos e aluguel de equipamentos de construção e demolição com operador.

Em relação à norma comunitária, observa Jorge Andrade da Silva, em comparação

com os paradigmas portugueses, que ela não se afasta das definições legais portuguesas

já mencionadas:

A noção de obra dada pelo texto legal não se afasta substancialmente das que vem sendo adoptadas ao longo dos tempos pelos vários diplomas legais que regeram e regem esta matéria, pela doutrina e pela jurisprudência. O que o novo texto legal fez, foi proceder a uma mais completa enumeração dos tipos de objectivos que os trabalhos podem prosseguir; mesmo mais completa do que a que é feita na noção de obra dada pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 12/2004, de 9 de janeiro, que estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício de construção e onde se não faz referência aos trabalhos de adaptação e beneficiação117.

Esses contratos, consoante a legislação vigente, materializam-se por meio de dois

principais instrumentos contratuais, bastante semelhantes, mas regidos por diplomas

legais distintos: a Lei Federal nº 8.666/93 e a Lei Federal nº 12.462/11. A seguir,

avaliaremos cada um desses diplomas legais com a finalidade de extrairmos suas

principais características.

4.3 Os contratos de obra pública conforme o regime da Lei Federal nº 8.666/93

Existem diferenças significativas que imprimem um regime de execução própria

aos contratos de obra pública regidos pelo aludido diploma legal. Inicialmente, observa-

117 SILVA, Jorge Andrade da. Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas. Coimbra: Almedina, 2006. p. 19.

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66

se que, a depender do objeto que é contratado, o regime de execução contratual obedece

a critérios bastante específicos.

Obra, nos termos do artigo 6º, I, da Lei 8.666/1993, é “toda construção, reforma,

fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta”. Em

suma, trata-se de toda realização material a cargo da Administração Pública.

Em contraponto, os serviços são caracterizados como “toda atividade destinada a

obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição,

conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação,

manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-

profissionais” e as compras “toda aquisição remunerada de bens para fornecimento de

uma só vez ou parceladamente”.

Veja-se, destarte, que, por definição legal, o contrato de obra pública não é

sinônimo de contrato de engenharia. Um contrato de demolição, conserto, instalação,

montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, consoante o

critério estabelecido pela legislação, não estará sujeito à lógica da contratação por escopo.

Estará, em contraponto, sujeito às regras do contrato de prestação de serviços.

Perceba-se, ainda, que é viável admitir-se a existência de objetos distintos dentro

de uma mesma contratação. Isso significa dizer que, em um mesmo contrato de obra,

podem estar contempladas a prestação de serviços e mesmo a compra do próprio material

que nela será empregada.

Deve-se avaliar, todavia, qual o objeto preponderante para identificar-se o critério

ao qual esteja inserida determinada contratação. Essa preponderância nem sempre será

em relação ao valor pecuniário da parcela correspondente. Por exemplo, na grande

maioria dos contratos de edificação, haverá, também, o fornecimento de materiais. Mas,

evidentemente, o só fornecimento da matéria-prima não satisfará o interesse público

demandado na contratação, que é a construção.

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Portanto, é preciso avaliar a finalidade maior do contrato para a identificação da

sua natureza. Em outras palavras, avaliar a finalidade maior da contratação. Sendo ela a

edificação de uma determinada construção, reforma, fabricação, recuperação ou

ampliação, o contrato poderá ser classificado como de obra pública.

Em âmbito nacional, muito embora não haja uma definição legal específica do

conceito e da abrangência dos contratos de obra pública, a Lei Federal nº 5.194/66, que

regula o exercício das profissões de Engenheiro, Arquiteto e Arquiteto Agrônomo, na

medida em que indica as atividades cuja execução fica restrita a esses mesmos

profissionais, possui alguns parâmetros para uma aferição preliminar.

Em manual intitulado, “Obras Públicas, recomendações básicas para a

Contratação e Fiscalização de Obras de Edificações Públicas”, o Tribunal de Contas da

União consagra que como “obra pública é considerada toda construção, reforma,

fabricação, recuperação ou ampliação de bem público. Ela pode ser realizada de forma

direta, quando a obra é feita pelo próprio órgão ou entidade da Administração, por seus

próprios meios, ou de forma indireta, quando a obra é contratada com terceiros por meio

de licitação”.

Acerca do regime jurídico característico desses contratos, é importante nos

atermos ao quanto dispõe o Capítulo III da Lei Federal nº 8.666/93. Do dispositivo, é

possível extrairmos que os contratos devem ser firmados em um instrumento formal,

registrado em arquivo cronológico (art. 60), sujeito ao regime jurídico de direito

administrativo, o que, como vimos, outorga à Administração os poderes de modificar,

rescindir, fiscalizar, sancionar e, inclusive, realizar ocupações provisórias. Em

contrapartida, recai sobre a Administração o dever de manter a incolumidade da sua

cláusula econômico-financeira.

Recai à Administração, nesse tipo de contrato, o dever de acompanhar e fiscalizar

o seu cumprimento. Este dever se realiza por meio de um representante da Administração

especialmente designado, ou terceiro contratado para auxiliá-lo nessa mesma atividade,

inclusive com o registro das ocorrências relacionadas com o contrato (art. 67).

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68

A legislação também impõe ao contratado o dever de indicar um preposto para

representá-lo na execução do contrato (art. 68), bem como de reparar e corrigir às suas

expensas os defeitos resultantes da má-execução do contrato ou qualidade dos materiais

(art. 69).

Ao contratado da Administração recai, também, a responsabilização em relação a

danos causados a terceiros e à própria Administração (art. 70). Deve ele, outrossim,

manter em ordem as suas obrigações trabalhistas, previdenciárias, fiscais e comerciais

(art. 71). Há, em tese, a possibilidade de subcontratação, mas ela deve observar os

contornos estabelecidos no contrato e no edital que o precedeu (art. 72).

Quanto aos procedimentos necessários à consagração do escopo do contrato, deve

a Administração recebê-lo em ato formal, provisoriamente até quinze dias da

comunicação escrita do contratado, este dispensado no caso de contratos abrangidos no

valor da modalidade de convite (art.74, III) e, definitivamente, após o decurso do prazo

de observação ou vistoria fixado em contrato (art. 73). Contudo, deve rejeitá-lo se

executado em desacordo com o contrato (art. 76). Correm por conta do contratado os

testes e provas exigidos por força de normas técnicas oficiais para a boa execução do

objeto contratado (art. 75).

Ainda consoante a disposição da Lei de Licitações e Contratos Administrativos,

estes contratos de obra distinguem-se quanto ao regime de sua execução. Podem ser,

consoante proclamam as alíneas “a” e “b” do inciso VIII do artigo 6º, executados a critério

da Administração, nos regimes de empreitada por preços global, empreitada por preço

unitário e empreitada integral118.

118 Art. 6º [omissis] VIII – Execução indireta – a que o órgão ou entidade contrata com terceiros sob qualquer dos seguintes regimes: (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994.) a) empreitada por preço global – quando se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo e total; b) empreitada por preço unitário – quando se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo de unidades determinadas; [omissis] e) empreitada integral – quando se contrata um empreendimento em sua integralidade, compreendendo todas as etapas das obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada até

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A distinção básica havida entre os dois primeiros regimes de execução reside

especialmente na maneira de se remunerar o contratado e nos riscos alocados a cada uma

das partes contratantes: os contratos executados sob o regime de execução empreitada por

preço global são remunerados por preço certo e total. Por isso mesmo, nas licitações que

os precedem, a Administração deverá fornecer obrigatoriamente, junto com o edital, todos

os elementos e informações necessários, para que os licitantes possam elaborar suas

propostas de preços com total e completo conhecimento do objeto da licitação (art. 47).

Já os contratos submetidos ao regime de empreitada por preços unitários são

remunerados por preço certo de unidades determinadas. Ante a execução de parcelas da

obra, sua medição e aceitação pelo contratante, remunera-se o contratado pelo valor

equivalente da unidade de medida efetivamente empregada na obra.

Há muita confusão entre ambos os critérios de remuneração, e não raras vezes

os instrumentos contratuais mesclam indevidamente um regime de execução de

empreitada por preço global, sob o critério de remuneração de valor unitário. Todavia,

cuida-se de critérios de remuneração absolutamente distintos e incompatíveis. Ou bem

a obra será remunerada por preço fechado e por etapas previamente fixadas (a

realização das obras de terraplanagem; a construção das estruturas e fundações; a

edificação, por exemplo), ou ela será remunerada por unidades de medida dos serviços

(metros cúbicos de terra removida; estacas de fundação efetivamente lançadas; metros

quadrados, entre outros).

O diferencial legal dos contratos de empreitada integral, por sua vez, reside no

escopo e na abrangência da contratação. Conforme disposição legal, ela incidirá “quando

se contrata um empreendimento em sua integralidade, compreendendo todas as etapas das

obras, serviços e instalações, sob inteira responsabilidade da contratada até a sua entrega

nas devidas condições”.

a sua entrega ao contratante em condições de entrada em operação, atendidos os requisitos técnicos e legais para sua utilização em condições de segurança estrutural e operacional e com as características adequadas às finalidades para que foi contratada.

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Válido consignar que a legislação, ao definir o conceito de “obra”, faz, no caso

especial das obras públicas, expressa remissão à sua forma de execução: se em regime

de execução direta ou indireta, ou se por empreitada por preço global; unitário ou

integral.

Especialmente em relação ao exercício das prerrogativas estatais – que são

os marcos característicos dos contratos administrativos –, observamos a incidência

da hipótese de alteração do escopo desses contratos por meio de acréscimos

contratuais, conforme a disposição do artigo 65 da Lei nº 8.666/1993. Nesse

particular, os contratos administrativos podem ser alterados basicamente por duas

formas distintas.

A primeira, por determinação da Administração, no exercício de sua prerrogativa

extroversa. Essa hipótese terá cabimento em duas situações: (i) quando houver

modificação do projeto ou de suas especificações para a melhor adequação técnica aos

objetivos do poder público; e (ii) quando necessária a modificação do valor do contrato

em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites

permitidos pela própria lei.

A segunda possibilidade legal de alteração contratual se dá por acordo entre as

partes. Ela terá cabimento em quatro casos previamente previstos pela lei: (i) quando

conveniente a substituição da garantia de execução; (ii) quando necessária a modificação

do regime de execução da obra; (iii) para realizar alteração na forma de pagamento em

razão da ocorrência de circunstâncias supervenientes; e (iv) para o restabelecimento da

relação econômico-financeira da contratação.

Do que vimos, os contratos de obra pública regidos pela Lei Federal nº 8.666/93,

além de se qualificarem como contrato por escopo, como vimos anteriormente, podem

ser executados sob o regime de execução de empreitada por preço global, unitário ou

integral. As alterações contratuais terão cabimento nas hipóteses em que haja imposição

da Administração ou nos casos de acordo entre as partes, consoante as regras acima

mencionadas.

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4.4 O Regime Diferenciado de Contratações Públicas

O Regime Diferenciado de Contratações Públicas, inicialmente promulgado para

o atendimento de situações pontuais relacionadas aos eventos da Copa do Mundo de

Futebol e das Olimpíadas e Paraolimpíadas realizadas em nosso país, nos anos de 2014 e

2016, respectivamente, consagraram também um novo regime de execução aos contratos

de obra pública: o regime de contratação integrada.

Aludido regime, posteriormente, foi estendido a uma série de outros contratos

como aqueles que têm por propósito a realização de obras de infraestrutura em aeroportos

de capitais; ações integrantes do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento); obras

de engenharia no âmbito do SUS; obras de estabelecimentos penais e unidades

socioeducativas; ações no âmbito da segurança pública; obras de melhoria na mobilidade

urbana ou ampliação de infraestrutura logística; contratos de locação precedidos de obra

e contratos no âmbito das ações em órgãos e entidades dedicados à ciência, à tecnologia

e à inovação.

Portanto, desde a sua criação, houve um considerável alargamento das hipóteses

de incidência do Regime Diferenciado de Contratações, de maneira que ele pode ser

utilizado, em caráter discricionário da Administração Pública a uma considerável parcela

de obras públicas.

Embora o aludido diploma legal não afaste por completo a aplicação da Lei

Federal nº 8.666/93 às licitações e contratos por ela regidos (p. ex.: art. 1º, § 2º; art. 14;

art. 25, III; art. 35), trouxe algumas inovações na matéria das obras públicas, com

destaque na criação de um novo regime de execução contratual, denominado “contratação

integrada”.

Esse regime de contratação integrada permite que a Administração lance

procedimento licitatório apenas com um anteprojeto de engenharia (estudo menos

elaborado que o projeto básico) e transfira a responsabilidade da sua execução,

juntamente com o projeto executivo, da construção do objeto da obra e de sua pré-

operação ao contratado.

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72

Referida opção somente poderá ser utilizada, consoante a disposição do artigo 9º

no caso de contratos envolvendo inovação tecnológica ou técnica; possibilidade de

execução com diferentes metodologias; ou possibilidade de execução com tecnologias de

domínio restrito no mercado.

Considerando-se, todavia, que o art. 39 é enfático ao dizer que “os contratos

administrativos celebrados pelo RDC reger-se-ão pelas normas da Lei nº 8.666”, com

exceção das suas regras específicas, além da possibilidade de executar o contrato por meio

da aludida contratação integrada, destacamos como marca dos contratos de obra pública

regidos pelo RDC a vedação da realização de aditamentos, exceto se para a recomposição

do seu reequilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou força maior e por

necessidade de alteração do projeto ou de suas especificações técnicas.

4.5 O equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo de obra pública

Embora a proteção ao equilíbrio econômico-financeiro se estenda a todas as

espécies do gênero contrato administrativo por imperativo constitucional, sua

compreensão se torna ainda mais fácil sob a ótica dos contratos de obras, cuja

disciplina, como já dissemos, é principalmente dada pela Lei nº 8.666/93.

Isso ocorre porque tais contratos estão sujeitos a um menor número de

variáveis, muito em razão de possuírem um dinamismo diminuto e se prestarem a

reger ajustes de menor duração no tempo e com escopo previamente delimitado, ainda

que por elementos básicos de um projeto básico ou anteprojeto de engenharia.

Em resumo, nesse modelo de contratação, de um lado está a Administração

Pública a despender recursos do orçamento público, devidamente consignados em

leis orçamentárias, para retribuir as prestações realizadas pelo particular, e de outro,

o contratado, executando os termos do contrato e sendo remunerado por isso,

conforme preços previamente estipulados.

Sobre esses contratos, Egon Bockmann Moreira, valendo-se da figura

ilustrativa de uma balança, pondera que “se trata de contratos bilaterais com

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reciprocidade de efeitos: a Administração e particular; contratante e contratado;

credor e devedor; retribuição e encargos”119.

O legislador não negou a possibilidade da duração dos contratos

administrativos de obra pública, a despeito de serem contratos por escopo, ser

formalmente prorrogada (art. 57, § 1º, da Lei Federal nº 8.666/93). Todavia, foi

enfático ao estabelecer que os prazos de início de etapas de execução, de conclusão

e de entrega admitem prorrogação, desde que mantidas as demais cláusulas do

contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro.

Ou seja, embora seja uma prerrogativa da Administração Pública prorrogar a

duração desses seus contratos, deve ela compensar, imediata ou consentaneamente

com a prorrogação, os encargos decorrentes dessa prorrogação.

Não parece ter sido por acaso que o legislador incluiu a regra de

intangibilidade das cláusulas econômico-financeiras e monetárias do contrato (art.

58, § 2º, da Lei Federal nº 8.666/93), logo após estabelecer o rol de prerrogativas que

recaem sobre a Administração. Dessa forma, fica bastante evidente que o exercício

das prerrogativas contratuais estatais não pode ser utilizado sem a consequente

correção das eventuais distorções econômicas e financeiras que impactarem o

contrato.

Do que vimos, como características essenciais do equilíbrio econômico-

financeiro dos contratos administrativos de obra pública podemos destacar: o fato de

ele estar intimamente ligado à remuneração do contratado, independentemente do

regime de execução eleito pela Administração como regedor do contrato; a

remuneração daquilo que foi efetivamente aplicado, empregado e despendido com a

obra em questão e funciona como um verdadeiro condicionamento na hipótese de

prorrogação do prazo contratual e na inclusão de prestações extracontratuais.

119 MOREIRA, Egon Bockmann. Contratos Administrativos, Equilíbrio Econômico-Financeiro e a Taxa Interna de Retorno – A lógica das Concessões e Parcerias Público-Privadas. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 82.

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Admitir o contrato administrativo como contrato por escopo, portanto, no

regime legal acima especificado, não significa dizer que o vínculo contratual deve

perpetuar-se inclusive nas hipóteses de inadimplemento por parte da Administração

Pública. Tal vinculação somente será possível quando garantido o equilíbrio

econômico-financeiro da contratação tanto da perspectiva de adimplemento da regra

contratualmente posta, como de todas as demais circunstâncias exteriores ao contrato

que possam instabilizar a sua relação econômica inicial (circunstâncias decorrentes

da teoria da imprevisão; fatos do príncipe e de sujeições imprevistas).

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5 A APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS AOS

CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Como observa Romeu Felipe Bacellar Filho: “O contrato é uma categoria

jurídica que não pertence nem ao direito privado nem ao direito público, com caráter

de exclusividade. Insere-se no Direito e como tal deve ser estudado”120.

Ainda, consoante Fernando Dias Menezes de Almeida: “O contrato

administrativo preserva as características essenciais da categoria jurídica contrato:

resulta de acordo de vontades; importa criação de obrigações; respeita a autonomia

da vontade; vincula-se aos princípios inter partes e pacta sunt servanda”121.

José Cretella Júnior também analisa o contrato enquanto categoria jurídica:

“trata-se de figura iuris tomada em sua generalidade máxima, caracterizada por

conotações típicas do gênero, mas não identificadora da espécie”122.

A compreensão do contrato como uma categoria jurídica, pertencente,

portanto, à teoria geral do Direito, aponta José Cretella Júnior, afasta a ideia de

alguns institutos públicos “como ‘derrogatórios’ e ‘exorbitantes’ do direito comum

(civil), quando na realidade, não ocorrem nem ‘derrogação’, nem ‘exorbitância’, mas

apenas diferenças específicas, sabidamente existentes nas espécies, ao serem

confrontadas com os respectivos gêneros de que descendem”123.

As posições desses autores, adicionalmente àquelas mencionadas que

entendem o contrato administrativo como espécie do gênero de contratos, estão a

indicar que não existe uma regra de supletividade da teoria geral do direito aos

120 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo. 5. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 77. 121 MENEZES DE ALMEIDA, Fernando Dias. Contrato Administrativo. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 16. 122 CRETELLA JÚNIOR, José. Matrizes Civilísticas do Direito Administrativo. In: DI FRANCESCO, José Roberto Pacheco (Org.). Estudos em Homenagem ao Professor Silvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva, 1989 apud MENEZES DE ALMEIDA, Fernando Dias. Op. cit., p. 16. 123 CRETELLA JÚNIOR, José. Matrizes Civilísticas do Direito Administrativo. In: DI FRANCESCO, José Roberto Pacheco (Org.). Estudos em Homenagem ao Professor Silvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva, 1989 apud MENEZES DE ALMEIDA, Fernando Dias. Op. cit., p. 16.

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contratos administrativos, mas, verdadeiramente, de inerência na medida em que os

contratos administrativos devem conter todos os elementos oriundos da teoria geral

dos contratos. Desse modo, se as regras de direito público não estão suficientemente

indicadas para reger a relação contratual pública, é mais que evidente que os

elementos da teoria geral dos contratos, que orientam também as disposições dos

contratos privados, serão aplicáveis àqueles contratos públicos. Ademais, a

disposição do artigo 54 da Lei Federal nº 8.666/93124 (válida, vigente e eficaz)

também admite de forma expressa a utilização de disposições do direito privado de

forma supletiva.

Consoante as lições de Norberto Bobbio, a completude do sistema jurídico

pelo método da autointegração se dá, sobretudo, por meio de dois procedimentos: a

analogia e os princípios gerais de direito. Ensina o autor que “[...] por completude

se entende a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem uma norma para

regular qualquer caso. Posto que a ausência de uma norma se chama, com frequência

de ‘lacuna’ (em um dos sentidos do termo ‘lacuna’) completude significa ‘ausência

de lacuna’”.125 Ainda adverte que “a completude é uma condição sem a qual o

sistema, em seu conjunto, não poderia funcionar”126.

Adiante, assevera que “entende-se por analogia aquele procedimento pelo

qual se atribui a um caso não regulado a mesma disciplina de um caso regulado de

maneira similar”127. E completa:

A analogia é certamente o mais típico e o mais importante dos procedimentos interpretativos de determinado sistema normativo: é aquele procedimento mediante o qual se manifesta a chamada tendência de todo sistema jurídico a expandir-se para além dos casos expressamente regulados128.

124 Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado. 125 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 113. 126 BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 115. 127 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 142. 128 BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 142.

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Ainda acerca dos princípios gerais de direito contidos expressamente em lei

– a exemplo daqueles que informam a teoria geral dos contratos –, Maria Helena

Diniz afirma que estes são elementos componentes do direito:

Os princípios gerais de direito, entendemos, não são preceitos de ordem ética, política, sociológica ou técnica, mas elementos componentes do direito. São normas de valor genérico que orientam a compreensão do sistema jurídico, em sua aplicação e integração, sendo que algumas são de tamanha importância que estão expressamente contidas em leis.129

Logo, no âmbito da Teoria Geral do Direito, a aplicação da teoria geral dos

contratos privados aos contratos administrativos pode ser fundamentada na analogia

às regras aplicáveis aos contratos privados na aplicação dos princípios gerais de

direito contratual. Mas o fato é que a aplicação supletiva da primeira em relação à

segunda se dá também por expressa previsão normativa.

Ademais, a previsão normativa contida no artigo 4º da Lei de Introdução às

normas do Direito Brasileiro expressamente prevê a analogia e os princípios gerais

de direito como formas válidas de integração das lacunas normativas. Dessa

maneira, já não se sustentaria qualquer alegação de violação ao princípio da

legalidade por aplicação analógica ou supletiva das regras de direito privado aos

contratos administrativos.

Nessa toada, como vimos, os princípios contratuais tradicionais fixaram

importantes dogmas dessas relações, como a liberdade de contratar, a intangibilidade

das regras contratadas (pacta sunt servanda) e a equidade entre as partes

contratantes.

Esses princípios estão incorporados no nosso sistema jurídico com raízes na

Constituição Federal, como na previsão do direito social à liberdade e seus

correlatos, como a liberdade de associação; o direito de propriedade e a livre

iniciativa, que conferem, como decorrência lógica, a liberdade de se contratar. Para

129 Cf. DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

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além desses princípios contratuais, com o passar do tempo a doutrina passou a

reconhecer também a existência de outros, incluindo-se, dentre eles, a boa-fé

objetiva, a justiça contratual e função social do contrato.

Ao remeter o regime jurídico das contratações públicas, de forma supletiva,

à teoria geral dos contratos, o artigo 54 da Lei Federal nº 8.666/93 incorpora essa

mesma sistemática para os contratos administrativos e, assim, incumbe-se de

preencher um grande vazio normativo com uma valiosa função integradora.

Basta dizer que a Lei de Licitações e Contratos regulamenta os aspectos

atinentes aos contratos administrativos de forma geral, sem fazer qualquer distinção

quanto à sua natureza, se de obra pública, se prestação de serviços, ou de compra e

venda, por exemplo. A matéria dos contratos administrativos é tratada em 26 artigos,

abrangendo de maneira indistinta disposições preliminares, aspectos de sua

formalização, alteração, execução, inexecução e rescisão.

A teoria geral dos contratos privados, por seu turno, já desde há muito

desenvolvida e debatida pela doutrina e pela jurisprudência atingiu um grau de

maturidade muito mais elevado do que a atinente aos contratos administrativos, que

apenas recentemente passaram a ser reconhecidos como uma categoria jurídica.

O fato é que a lei geral de regência das contratações públicas não trata de

todos os aspectos atinentes à execução dos contratos administrativos, tornando quase

que obrigatório ao intérprete e ao aplicador da norma se socorrerem da teoria geral

dos contratos privados para dirimir os conflitos das contratações públicas.

Essa remissão supletiva, contudo, não enfraquece a noção de um regime

jurídico próprio aplicável aos contratos administrativos, por um simples motivo: se

a aplicação da teoria geral se dará de forma supletiva, evidentemente, ela somente

poderá incidir naquilo que não contrariar as disposições da lei especial.

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Portanto, remanesce uma diferença significativa entre os regimes jurídicos

dos contratos públicos e dos contratos privados. Essa distinção, por sua vez, tem

como principal marca a existência de prerrogativas contratuais em favor da

Administração nos contratos que ela entretém com os particulares e, por outro lado,

o dever de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro contratual.

As hipóteses clássicas de incidência de um regime próprio dos contratos

públicos, vimos, extraem-se do artigo 58 da Lei Geral de Licitações e Contratos (Lei

nº 8.666/93), especialmente no que confere à Administração-contratante o poder de

modificar e rescindir unilateralmente os seus contratos e fiscalizar a sua execução,

podendo aplicar sanções ao contratado e, inclusive, intervir na atividade particular

para a preservação de serviços de natureza essencial.

Mas o reconhecimento da existência de regimes jurídicos próprios aos

contratos civis e administrativos não implica o afastamento das regras do direito

civil aos contratos da Administração. Muito ao contrário: como se verifica por

expressa previsão legal, a teoria geral dos contratos se aplica às contratações

públicas de forma supletiva.

A doutrina e a jurisprudência vêm admitindo elementos da teoria geral dos

contratos privados aos contratos administrativos tal como na aplicação da exceção

do contrato não cumprido. Como se extrai da lição do professor Celso Antônio

Bandeira de Mello abaixo transcrita:

Costumava-se afirmar que a exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimplet contractus) não é invocável pelo contratado nos contratos administrativos. Tal assertiva (que, ao nosso ver, dantes já era inexata) hoje não mais poderia ser feita, pois o art. 78, XV, expressamente estabelece que, se a Administração atrasar por mais de 90 dias os pagamentos devidos em decorrência de obras, serviços, fornecimentos ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo no caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, o contratado poderá suspender o cumprimento de suas obrigações até a normalização desses pagamentos, ou então obter a rescisão do contrato. Assim também o inciso XIV – sempre com a ressalva das situações excepcionais aludidas – autoriza-o, no caso de suspensão da execução do contrato, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 dias, ou por repetidas

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suspensões que totalizem o mesmo tempo, a suspender o cumprimento de suas obrigações ou obter a rescisão do contrato.130

No que se refere especialmente aos casos de rescisão do contrato

administrativo em razão de atraso no pagamento pela Administração superior a 90

dias, há ainda farta jurisprudência consagrando a possibilidade de o contratado, tanto

nos contratos de obra, como de prestação de serviços, dar o vínculo contratual como

rescindido sem a desnecessidade de provimento judicial para a sua extinção131.

O precedente RESP 326.871/PR, do Superior Tribunal de Justiça, aliás,

alicerçado na doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, admite a aplicação da

exceção do contrato não cumprido aos contratos administrativos, com a utilização

de uma interpretação conforme o regime jurídico aplicável da previsão legal que

confere à Administração (ainda que implicitamente) a possibilidade de atrasar os

seus pagamentos em até noventa dias:

Grande parte dos doutrinadores entende que essa exceção não pode ser aplicada no direito administrativo, principalmente pelo fato de que, neste, o contratado assume o papel de colaborador da Administração Pública e, como tal, age no interesse público, que não pode ficar prejudicado pela paralisação na execução do contrato. Essa doutrina sofre hoje algum abrandamento, pois já se aceita que a exceptio non adimpleti contractus seja invocada pelo particular contra a Administração, embora sem a mesma amplitude que se apresente no direito privado. Neste, os interesses das partes são equivalentes e se colocam no mesmo pé de igualdade; no contrato administrativo, os interesses das partes são diversos, devendo, em determinadas circunstâncias, prevalecer o interesse público que incumbe, em princípio, à Administração proteger. Por isso, o particular deve, como regra, dar continuidade ao contrato, evitando de, sponte sua, paralisar a execução do contrato, já que a rescisão unilateral é prerrogativa da Administração; o que o particular pode e deve fazer, até mesmo para acautelar seus interesses, é pleitear a rescisão, administrativa ou judicialmente, aguardando que ela seja deferida. Essa regra admite exceção pela aplicação da teoria do fato da Administração, quando sua conduta tornar impossível a execução do contrato ou causar ao contratado um desequilíbrio econômico extraordinário, que não seria razoável exigir que suportasse, pela desproporção entre esse sacrifício e o interesse público a atingir pela execução do contrato. A Lei nº 8.666/93 previu uma hipótese em que é possível, com critério objetivo, saber se é dado ou não ao particular suspender a execução do contrato. Trata-se da norma do artigo 78, inciso XV, segundo a qual constitui motivo para a rescisão do contrato “o atraso superior a 90 dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou

130 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 652. 131 RESP 910.802/RJ; RESP 326.871/PR.

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parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação”. Isto significa que, ultrapassados os 90 dias sem que a Administração efetue os pagamentos em atraso, é dado ao contratado, licitamente, suspender a execução do contrato. O dispositivo prevê exceção para os casos de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, hipóteses em que não se aplica a regra dos 90 dias, se as ocorrências previstas no dispositivo impuserem a paralisação antes desse prazo limite132.

O mesmo julgado também faz menção à doutrina de Odete Medauar, para

quem, o particular pode invocar o direito de rescisão do contrato e mesmo suspender

o seu cumprimento até a normalização da situação com fundamento na mesma

exceção do contrato não cumprido:

[...] a Lei 8.666/93 contempla casos em que o particular pode invocar a exceção do contrato não cumprido. Possibilita que o particular solicite a rescisão do contrato ou suspenda seu cumprimento até a normalização da situação nos casos de: a) suspensão da execução, por ordem escrita da Administração, por mais de 120 dias, salvo calamidade, guerra, grave perturbação da ordem, ou por repetidas suspensões que totalizem esse prazo; b) atraso dos pagamentos, superior a 90 dias, salvo calamidade, guerra, grave perturbação da ordem. O particular também poderá pleitear a rescisão se a Administração não liberar área, local ou objeto necessário à execução do contrato (art. 78, incs. XIV, XV e XVI)133.

O precedente também faz menção à doutrina de José dos Santos Carvalho

Filho, segundo quem, reportando-se ao inciso XV do art. 78 da Lei Federal nº

8.666/93, é possível, inclusive, a suspensão da execução contratual pelo particular

antes dos 90 (noventa) dias, mas, nessa específica hipótese, não prescindiria ela da

necessária tutela jurisdicional134.

Importante consignar que todos os posicionamentos acima invocados não

mencionam a necessidade prévia da existência de um termo aditivo formal ao

contrato administrativo com a inclusão de serviços não previstos inicialmente no

132 DI PEITRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 261-262. 133 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 215. 134 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense. p. 164.

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contrato como condição para o exercício desse direito por parte do contratado

admitindo-se, destarte, que os atos unilaterais praticados pelo particular podem,

também, produzir efeitos perante a relação contratualmente estabelecida. Dessa

maneira, parece fundamental a análise do regime jurídico dos atos unilaterais como

fonte de obrigações, o que será feito no decorrer do próximo capítulo.

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6 OS ATOS UNILATERAIS COMO FONTE DE OBRIGAÇÕES

Vimos que as disposições legais são as principais fontes de obrigações que recaem

sobre os particulares em convívio social, mas a vontade humana também pode produzir

obrigações análogas decorrentes das várias relações jurídicas travadas entre os

particulares.

Consoante observa Carlos Roberto Gonçalves:

Hodiernamente, predomina o entendimento de que a lei é a fonte principal das obrigações. Estas emanam direta e imediatamente da vontade do Estado, por intermédio da lei (como a de pagar alimentos aos parentes necessitados, ser eleitor, pagar tributos etc.) ou da vontade humana, por meio dos contratos, das declarações unilaterais da vontade e dos atos ilícitos dolosos e culposos135.

Já vimos, também, que as obrigações civis decorrem basicamente dos contratos,

dos atos ilícitos e dos atos unilaterais. Acerca especificamente dos atos unilaterais, o

Código Civil Brasileiro dedica o seu título VII nele contemplando as hipóteses de

Promessa de Recompensa (artigos 854 a 860); Gestão de Negócios (artigos 861 a 875);

Pagamento Indevido (artigos 876 a 883); Enriquecimento sem causa (artigos 884 a 886),

bem como as provenientes de títulos de crédito (artigos 887 a 926).

Maria Helena Diniz lembra que a principal marca dos atos unilaterais de vontade

está no fato de serem eles decorrentes da vontade de um só sujeito, independentemente

da aquiescência de sua contraparte, e, mesmo assim, servirem como fonte de obrigação a

ela:

[...] a declaração unilateral de vontade é uma das fontes das obrigações resultantes da vontade de uma só pessoa, formando-se a partir do instante em que o agente se manifesta com intenção de se obrigar, independentemente da existência ou não de uma relação creditória, que poderá surgir posteriormente136.

Os atos unilaterais de vontade são, portanto, ao lado dos contratos, espécies de

negócio jurídico, e, como tais, reconhecidos como fontes de obrigações. No entanto,

135 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 601-602. 136 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais – Vol. 3. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 828.

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diferentemente dos contratos, que decorrem, em linhas gerais, do encontro de

manifestações de vontades de duas ou mais pessoas, os atos unilaterais possuem o condão

de gerar obrigações a partir da declaração de uma única vontade137.

A seguir, aprofundaremos a análise de duas espécies de atos unilaterais: a gestão

de negócios e o enriquecimento sem causa. Destacamos essas duas espécies, pois

acreditamos serem aquelas as que mais possuem relação com o tema das prestações

extracontratuais e o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos de

obra pública.

6.1 A gestão de negócios

As prestações extracontratuais, no decorrer dos contratos de obras públicas,

podem ser exercidas em função da gestão de negócios. Nessas hipóteses, o particular

assume, por sua conta e risco, as vezes do Estado e, assim, exerce algumas prestações não

previstas na contratação inicial para preservar o resultado útil da contratação. A seguir,

analisaremos de maneira mais aprofundada esse instituto jurídico, inclusive, melhor

sustentando essa afirmação inaugural.

A gestão de negócios, a despeito de ser um ato unilateral, na medida em que ocorre

nas hipóteses em que alguém intervém, sem autorização do interessado, na Administração

de negócios alheios, dirigindo-os segundo os interesses, e a vontade presumível de seu

dono é, também, fonte de obrigação.

Os autores consultados destacam que a gestão de negócios está, na maioria das

vezes, correlacionada com a prática de atos de altruísmo ou de benemerência, hipóteses

137 A respeito da declaração de vontade, importante destacar as palavras de Antônio Junqueira de Azevedo: “Ao falarmos, portanto, em declaração de vontade, estamos utilizando esta expressão como uma espécie de manifestação de vontade que socialmente é vista como destinada a produzir efeitos jurídicos. A declaração é, do ponto de vista social, o que o negócio é, do ponto de vista jurídico, ou seja, a declaração tende a coincidir com o negócio na medida em que a visão jurídica corresponde à visão social. O ordenamento jurídico procura tomar a declaração como hipótese normativa (hipótese legal) dessa espécie de fato jurídico, que é o negócio jurídico. Por isso mesmo, num contrato, por exemplo, não há como às vezes se diz, duas ou mais declarações de vontade; há, nele, mais de uma vontade e mais de uma manifestação de vontade, mas essas manifestações unificam-se à visão social de uma só declaração, que juridicamente será um só fato jurídico” (AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico – Existência, Validade e Existência. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 18). O autor, anota-se, confere ao negócio jurídico uma perspectiva estrutural, na qual “o negócio não é o que o agente quer, mas sim o que a sociedade vê como a declaração de vontade do agente” (AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Op. cit., p. 21).

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em que uma pessoa age com a intenção de evitar um prejuízo maior a um terceiro, como

no caso em que um vizinho intervém na propriedade de outro para estancar um vazamento

de água na ausência do dono, ou a fim de acudi-lo em caso de necessidade ou de mal

súbito, transportando-o e internando-o em um hospital mais próximo.

Para Maria Helena Diniz, a gestão de negócios (negotiorum gestio) é a

intervenção, não autorizada, de uma pessoa (gestor do negócio – negotiorum gestor) na

direção dos negócios de uma outra (dono do negócio – dominus negotti), feita segundo o

interesse, a vontade presumível e por conta desta última138.

Para Carlos Roberto Gonçalves, “dá-se gestão de negócios quando uma pessoa,

sem autorização do interessado, intervém na Administração de negócio alheio, dirigindo-

o segundo o interesse presumível de seu dono”139. Contudo, “quando uma pessoa, com

conhecimento e sem desaprovação do dono, assume a Administração de negócio alheio,

há mandato tácito (CC art. 656), e não gestão de negócios”140

Sílvio de Salvo Venosa adverte que a gestão de negócios e a “intervenção em

negócio alheio, sem autorização do titular, no interesse e de acordo com a vontade

presumida deste. Como percebemos, cuida-se de fonte unilateral de obrigações, mas sua

proximidade com o mandato é evidente”141.

Ainda como ressalta Sílvio de Salvo Venosa, o negócio alheio pode ser definido

como qualquer atividade em prol da vontade presumida do dono, incluindo qualquer

conduta em benefício ou na preservação do patrimônio de outrem:

Negócio alheio consta do dispositivo no sentido de qualquer atividade em prol da vontade presumida do dono do negócio que dê origem a obrigações, sejam atos meramente materiais, sejam atos ou negócios jurídicos. O objetivo não se limita a atividades profissionais ou lucrativas. Inclui qualquer conduta em benefício e na preservação do patrimônio de outrem142.

138 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos – Vol. 3. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 835. 139 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 610. 140 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 610. 141 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. Vol. 3. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2017. p. 799. 142 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 801.

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Como ensina o mesmo autor, o gestor de negócios alheios atua como se seu

representante fosse, embora sem poderes de representação e investidura. Portanto se trata

de uma Administração oficiosa de negócios de terceiro:

O gestor atua como representante, embora sem a investidura de poderes. Gestão de negócios é a Administração oficiosa de interesses alheios. Característica do instituto é a espontaneidade que se reveste a conduta do gestor. Se esta for contra a vontade manifesta ou presumível do dono, o gestor responderá até mesmo pelas perdas decorrentes de caso fortuito, salvo se provar que teriam sobrevindo independentemente de sua atividade (art. 862). Na ocorrência de intervenção contra a vontade manifesta ou presumível do dono, a tipificação na realidade é de ato ilícito143.

A gestão de negócios há de ser concebida como verdadeira exceção, na medida

em que a máxima vigente em nosso ordenamento jurídico é aquela segundo a qual a

ninguém é dado intervir em coisa alheia sem autorização, sob pena de responder civil e

criminalmente por isso.

Sílvio de Salvo Venosa ainda adverte que para a caracterização da gestão de

negócios:

O critério é o da necessidade, e não o da utilidade, questão que se afere posteriormente. Trata-se, pois, de atividade excepcional. A ideia provém do Direito Romano, no qual a gestão destinava-se à Administração dos bens de pessoas ausentes. O instituto surge intimamente ligado ao mandato, mas também imbuído dos princípios que objetivam evitar o enriquecimento sem causa, permitindo o ressarcimento ao gestor144.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery bem sintetizam que “a gestão

é um mandato sem outorga: é a Administração de direitos ou interesses alheios, sem a

declaração negocial prévia do interessado”145.

Os autores civilistas apontam, ainda, uma estreita ligação da gestão de negócios,

por semelhança e afinidade à figura contratual do mandato, tanto que, por disposição

expressa do artigo 873 do Código Civil, a ratificação posterior do negócio retroage ao dia

de início da gestão produzindo todos os efeitos do mandato.

143 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. Vol. 3. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2017. p. 801. 144 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 802. 145 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 8. ed. São Paulo: RT. p. 770.

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Carlos Roberto Gonçalves chega a sustentar, inclusive, que a gestão de negócios

ocorrerá somente no caso de desconhecimento do dono, sendo que a sua inércia implicaria

mandato tácito consoante a previsão do artigo 656 do Código Civil146.

Por outro lado, Sílvio de Salvo Venosa destaca a existência de algumas

importantes distinções entre ambas as figuras especialmente no que se refere aos direitos

das partes; à validade do instituto; e à sua finalidade:

O mandatário tem direito ao reembolso de todas as despesas efetuadas e ao ressarcimento das perdas sofridas, salvo se resultarem de sua culpa ou de excesso de poderes (art. 678); o gestor apenas será reembolsado de todas as despesas desde que o negócio tenha sido administrado com utilidade para o dono (art. 869). Na gestão de negócios, sob o aspecto de validade, não se leva em conta a capacidade do gestor, pois o que importa é evitar o injusto enriquecimento do dono do negócio; no mandato a incapacidade do mandatário inquina o contrato. Acrescentamos, ainda, que o mandato tem o fito precípuo da prática de atos jurídicos; na gestão ocorre indistintamente a prática de atos materiais e atos jurídicos147.

Sílvio Venosa ainda aponta, em adição, que “a característica mais marcante dessa

gestão é a vinculação do dono do negócio sem concorrência de sua vontade”148, por isso

mesmo tratar-se de ato unilateral de vontade.

No âmbito legislativo nacional, ela encontra previsão legal no Título VII,

intitulado “Dos atos unilaterais”; capítulo II, “Da Gestão de Negócios”, artigos 861 a 875

do Código Civil. Cuida-se, portanto, de declaração unilateral da vontade e, como visto,

fato gerador de direitos e obrigações às partes envolvidas nessa relação. Aquele que

intervém na esfera jurídica de terceiro e atua de forma a gerir positivamente os interesses

envolvidos no caso concreto denomina-se “gestor de negócios”. O titular do negócio

gerido é comumente denominado “dono do negócio”.

A disposição contida no artigo 863 do Código Civil proclama que, se os prejuízos

ao dono do negócio forem superiores aos benefícios decorrentes do exercício da função

de gestão, pode este exigir a recomposição do status quo ante ou, então, pleitear a

146 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 611. 147 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. Vol. 3. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2017. p. 803. 148 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 803.

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indenização pertinente no caso de impossibilidade da reposição do estado anterior da

coisa.

Dos outros dispositivos do Código Civil extraem-se, igualmente, importantes

regras que permeiam esse tipo de relação jurídica. Em linhas gerais, o gestor deve

comunicar a intervenção ao dono do negócio, tão logo seja possível (art. 864). O gestor

do negócio deve envidar toda diligência habitual na Administração do negócio,

ressarcindo ao dono o prejuízo resultante de qualquer culpa de gestão. O gestor deverá

velar pelo negócio até o levar a cabo sem se descuidar das medidas que o caso reclame

(art. 865). O gestor deve envidar toda sua diligência habitual na Administração do negócio

ressarcindo ao dono o prejuízo resultante de qualquer culpa na gestão (art. 866). O gestor

responderá pelo caso fortuito em realizando operações arriscadas (art. 868). Querendo o

dono aproveitar-se da gestão será obrigado a indenizar o gestor das despesas necessárias

e dos prejuízos que por motivo da gestão houver sofrido (art. 868, parágrafo único). Sendo

o negócio utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas em seu

nome, reembolsando ao gestor as despesas necessárias ou úteis que houver feito (art. 869).

A utilidade ou necessidade da despesa apreciar-se-á não pelo resultado obtido, mas

segundo as circunstâncias da ocasião em que se fizerem (§ 1º). A indenização não deve

exceder em importância as vantagens obtidas com a gestão (art. 870). Caso o dono do

negócio desaprove a gestão, deverá indenizar pelas benfeitorias úteis e necessárias (art.

874).

Mas a doutrina estabelece ainda alguns pressupostos ou requisitos para a sua

incidência, que serão a seguir mais bem estudados.

6.1.1 Pressupostos da gestão de negócio

Interpretando as disposições contidas no Código Civil, a doutrina estabelece

alguns pressupostos ou requisitos para que haja a incidência da gestão de negócios.

Para Carlos Roberto Gonçalves são basicamente cinco os pressupostos da gestão

de negócios: 1) tratar-se de negócio alheio; 2) haver a ausência de autorização do dono

do negócio; 3) atuação do gestor no interesse e vontade presumida do dono do negócio;

4) limitar-se a gestão aos atos de natureza patrimonial; e 5) que a intervenção seja

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motivada por necessidade ou por utilidade, com a intenção de trazer proveito para o

dono149.

Em relação ao primeiro pressuposto (tratar-se de negócio alheio), pondera o autor

que o dispositivo legal não possui o sentido técnico de negócio jurídico, mas, sim, de

interesses de terceiro em sentido amplo de maneira que os preceitos da gestão de negócios

se aplicam, inclusive, aos casos em que o gestor trate de negócio alheio pensando que era

dele próprio, ou mesmo supondo que seria de outra pessoa.

O segundo pressuposto (haver a ausência de autorização do dono do negócio),

para o mesmo autor, é fundamental para a caracterização da gestão de negócios, portanto

o dono do negócio não deve ter o conhecimento da gestão ocorrida. Caso o tenha e dê a

sua autorização, caracterizado estará o mandato.

No que diz respeito ao terceiro pressuposto (a atuação do gestor no interesse e

vontade presumida do dono do negócio), para o mesmo autor, é fundamental para a

caracterização do instituto, que o gestor procure fazer exatamente o que o dono faria se

estivesse presente. Se o negócio não for bem gerido, poderá ele não ser ratificado, e se a

gestão for iniciada contra a vontade do interessado, responderá o gestor até mesmo pelos

casos fortuitos. Nesse ponto especial, o autor adverte que, se a gestão for realizada de

maneira contrária à vontade manifesta do dono, já não mais haverá gestão e, sim, ato

ilícito com a aplicação dos preceitos a ele atinentes.

Quanto ao quarto pressuposto (limitar-se a ação a atos de natureza patrimonial),

adverte o autor que estão excluídos da gestão de negócios os assuntos de interesse

público150, tais como os relativos às qualidades de cidadão, eleitor, jurado etc. Para o

aludido autor, somente podem ser objeto da gestão os atos de natureza patrimonial e,

dentre eles, somente aqueles que suscetíveis de execução por meio de mandato, desde que

149 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 610-612. 150 Evidentemente, a expressão interesse público utilizada pelo autor não parece ter o mesmo sentido daquela noção semântica da preconizada pela melhor doutrina de direito público que nos dizeres do professor Celso Antônio Bandeira de Mello “a dimensão pública dos interesses privados”. Parece, em verdade, que o autor quer se referir às questões de ordem pública por ele próprio mencionadas (condição de cidadão, eleitor, jurado, estado civil, interesses familiares etc.) a fim de reforçar a sua ideia de que a gestão de negócios deve se restringir aos aspectos patrimoniais do negócio.

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não haja a necessidade de mandato expresso como, por exemplo, na doação, repúdio a

herança etc.

Por fim, no quinto pressuposto (intervenção motivada por necessidade ou por

utilidade com a intenção de trazer proveito para o dono do negócio), adverte o autor que

a utilidade é fundamental de modo que sendo proveitosa a Administração, o dono do

negócio ficará vinculado aos compromissos assumidos pelo gestor ainda que tal fato o

desagrade.

Sílvio de Salvo Venosa aponta a existência de dois elementos como requisitos da

gestão de negócios, sendo o primeiro deles a existência de negócios alheios, e o segundo,

a ausência de outorga de poder conjugada com um elemento positivo, a conduta positiva

ou negativa do agente151.

Adicionalmente, o mesmo autor conclui que, para a caracterização da gestão de

negócios, deverá ocorrer a intervenção em negócio alheio; a atividade deve ser exercida

em prol dos interesses do dono do negócio; a intenção do gestor deve ser apenas a de

ocasionar proveito ao titular do negócio e, por fim, a gestão deve ser espontânea e limitar-

se aos interesses de natureza patrimonial:

[...] haverão de concorrer determinados pressupostos ou requisitos: a intervenção em negócio alheio; a atividade no interesse do dono, segundo sua vontade real ou presumida; a intenção de ocasionar proveito ao titular do negócio; a espontaneidade dessa intervenção e a limitação aos interesses de natureza patrimonial para os quais não se exigem poderes específicos nem legitimação especial152.

Acrescenta, ainda, a impossibilidade de o dono atuar conforme seus interesses

pessoais e o fato de que a intervenção do gestor deve ocorrer sem oposição do dono. Nesse

sentido, a intervenção não deve ter cunho especulativo, sendo que a vontade do gestor

deve ser unicamente a de auxiliar, “o gestor não interfere objetivando lucro”153.

151 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. Vol. 3. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2017. p. 804. 152 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 804. 153 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 804.

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Dessa maneira, complementa que “o interesse do gestor para que se amolde à

essência do instituto deve ser dirigido ao interesse do dono, conforme o que este

presumivelmente faria na situação, ou segundo a vontade que já teria externado antes da

citada intervenção”154.

Maria Helena Diniz elenca seis pressupostos da configuração da gestão de

negócios: a ausência de qualquer convenção ou obrigação legal entre as partes a respeito

do negócio gerido; a inexistência de proibição ou oposição por parte do dono do negócio;

a vontade do gestor de gerir o negócio alheio; o caráter necessário da gestão; a licitude e

fungibilidade do objeto de negócios; e a ação do gestor limitada aos atos de natureza

patrimonial.155

Quanto à ausência de qualquer convenção ou obrigação legal entre as partes a

respeito do negócio gerido, a autora assevera que a gestão de negócios pressupõe uma

intervenção voluntária do gestor, pois estando ele munido de procuração, ter-se-á

mandato.

Já em relação à inexistência de proibição ou oposição por parte do dono do

negócio, destaca que deve haver, em regra, a vontade presumida do dono do negócio, mas

excepcionalmente poderá ocorrer a gestão, mesmo havendo oposição do dono, como se

extrai do artigo 862 do Código Civil, que estabelece o dever do gestor de indenizar pelos

casos fortuitos, se for iniciada contra a vontade manifesta do dono.

Acerca da vontade do gestor de gerir o negócio alheio, a mesma autora pondera

que, se o negócio for do interesse do gestor, e não do dono do negócio, ter-se-á

administração de negócio próprio, e não gestão de negócios alheios, e se forem interesses

conexos aos seus, haver-se-á o gestor por sócio daquele cujos interesses agenciar de volta

com os seus, prevalecendo as normas inerentes ao contrato de sociedade.

Sobre o caráter necessário da gestão, a legitimação da intervenção de alguém em

negócio alheio exige que ela tenha sido determinada por uma necessidade, e não por mera

154 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. Vol. 3. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2017. p. 805. 155 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos – Vol. 3. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 837-838.

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utilidade. O gestor deverá exercer uma atividade com intenção de ser útil ao dono do

negócio, agindo em proveito do interesse dele procurando fazer precisamente o que ele

faria se não estivesse ausente.

A licitude e a fungibilidade do objeto dos negócios impõem seja o negócio, além

de lícito fungível, suscetível de ser realizado por terceiro, eis que a gestão de negócios

não se coaduna com atos personalíssimos, que só podem ser exercidos pelo próprio dono

do negócio.

Por fim, quanto à limitação do gestor ao exercício de atos de natureza puramente

patrimonial, a autora ressalva que os atos de natureza extrapatrimonial requerem a outorga

de poderes de maneira que os atos do gestor devem restringir-se a atos de mera

administração.

Os pressupostos da gestão de negócios são, portanto, consoante destaca a doutrina

especializada: i) a ausência de qualquer convenção ou obrigação legal; ii) a inexistência

de proibição ou oposição por parte do dono do negócio; iii) a vontade do gestor de gerir

negócio alheio; iv) o caráter necessário da gestão; v) a licitude e fungibilidade do objeto

de negócios; vi) que a ação do gestor se limite a atos de natureza patrimonial; vii) tratar-

se de negócio alheio; viii) haver a ausência de autorização do dono do negócio: ix) atuação

do gestor no interesse e vontade presumida do dono do negócio; x) limitar-se a gestão aos

atos de natureza patrimonial; e xi) que a intervenção seja motivada.

Estando caracterizados os pressupostos acima nas relações contratuais de direito

público que envolvam as obras públicas, os atos unilaterais praticados pelo contratado

gerarão, como decorrência, direitos e obrigações para a Administração Pública e para o

gestor dos negócios. Esses direitos e obrigações serão objeto de tratamento no decorrer

do tópico seguinte em que se ensaiará a sua incidência.

6.1.2 Direitos e obrigações decorrentes da gestão de negócios

Carlos Roberto Gonçalves enumera basicamente três obrigações que recaem ao

gestor do negócio alheio. A primeira delas é comunicar acerca da gestão ao seu dono,

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logo na primeira oportunidade, aguardando a resposta para agir, se da espera não resultar

perigo, por força do quanto dispõe o artigo 864 do Código Civil156.

A segunda, envidar diligência habitual de dono na gestão dos negócios alheios,

ressarcindo todos os prejuízos decorrentes de qualquer culpa na gestão. Nesse sentido,

deve o gestor agir com a mais absoluta diligência e responsabilidade e cuidar dos

interesses do dono do negócio como trataria dos seus. Essas cautelas abrangem um dever,

inclusive, de não se fazer substituir por outro gestor.

Como terceira obrigação que recai ao gestor, impõe-se a ele o dever de não

promover operações arriscadas, ainda que o dono do negócio costumasse fazê-las.

Em contrapartida, o mesmo autor destaca que as obrigações do dono do negócio

perante o gestor consistem, basicamente, em: indenizar o gestor das despesas necessárias

e dos prejuízos que houver suportado; cumprir as obrigações contraídas em seu nome

reembolsando o gestor das despesas úteis e necessárias, caso o negócio seja utilmente

administrado, sendo que a utilidade deve ser analisada não pelo resultado obtido, mas

segundo as circunstâncias da ocasião em que se fizerem; cumprir as obrigações assumidas

em seu nome e efetuar os aludidos pagamentos quando a gestão se proponha a acudir a

prejuízos iminentes ou redunde em proveito do dono do negócio; reembolsar despesas de

alimento, quando obrigado legalmente a oferecer.

Sílvio de Salvo Venosa trata conjuntamente das obrigações e dos direitos que

recaem ao gestor de negócios. Como obrigações, levanta um rol extenso de deveres: a)

conduzir o negócio dentro dos moldes de mandatário aplicando a diligência habitual do

bônus páter-famílias (art. 866); b) ressarcir o dono de todo prejuízo decorrente de culpa

na gestão; c) velar pelo patrimônio e pelos bens alheios com esmero maior do que aos

seus próprios; d) continuar e concluir o negócio que iniciou a fim de evitar prejuízos

decorrentes de uma execução parcial; e) limitar-se ao necessário, sendo sua intervenção

circunstancial; f) comunicar sua gestão ao dono, logo quando possa; g) conduzir a

atividade utilmente para o administrado; h) fazendo-se substituir por terceiro, o gestor

responderá pelas faltas do substituto perante o dono; i) restringir ao máximo a sua

156 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 613-614.

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intervenção de modo a evitar prejuízos ao dono, e não exatamente para proporcionar

lucro; j) responsabilizar-se por operações arriscadas; e k) prestar contas ao final da

gestão157.

Em contrapartida, o direito básico do gestor “é o de reembolsar-se das despesas

efetuadas com a administração, sendo a ação de prestação de contas a adequada para o

acerto específico na via judicial”. Quanto às obrigações e deveres do dono, o mesmo autor

assevera que o dono se vincula ao gestor, sempre que o negócio haja sido conduzido

utilmente. Essa vinculação o obriga a reembolsar o gestor das despesas úteis e necessárias

incorridas com juros desde o seu desembolso. A utilidade e a necessidade da despesa

devem ser avaliadas conforme a especificação do caso concreto, levando-se em

consideração os motivos que levaram o gestor a agir e o momento em que a gestão se

iniciou.

Por fim, destaca que “a lei procura afastar qualquer caráter especulativo na gestão,

ao lado do espírito da coibição de injusto enriquecimento, cuja noção integra

inelutavelmente a gestão”158.

Maria Helena Diniz destaca como obrigações do gestor de negócios: administrar

o negócio conforme a vontade presumível do seu dono; comunicar o dono da gestão,

assim que possível; velar pelo negócio enquanto o dono não providenciar, até a sua

conclusão; aplicar diligência na administração do negócio, agindo com prudência e

probidade, ressarcindo o dono de todo o prejuízo resultante de culpa na gestão; responder

pelas faltas do substituto, se se fizer substituir; vincular-se solidariamente, caso haja

pluralidade de gestores; responder pelo caso fortuito, se a gestão for iniciada contra a

vontade manifesta ou presumível do interessado; e prestar contas de sua gestão159.

Como direitos do gestor, a mesma autora enumera: o reembolso das despesas

feitas na administração de coisa alheia; reaver a importância que pagou com as despesas

157 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. Vol. 3. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2017. p. 805-806. 158 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 807. 159 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos – Vol. 3. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 839-840.

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de enterro e na alimentação do de cujus; obter restituição do que despendeu com

alimentos devidos a uma pessoa na ausência do obrigado a prestá-los.

Ainda como deveres do dono do negócio para com o gestor, destaca: reembolsar

o gestor das despesas úteis com juros legais e se ratificou o negócio também dos prejuízos

que teve com a gestão; indenizar o gestor pelas despesas com os juros legais desde o

desembolso, se a gestão se propôs a acudir prejuízo iminente (gestão necessária), ou

redundou em proveito ou vantagens do dono do negócio ou da coisa ante as atividades

executadas (gestão proveito); pagar apenas as vantagens que obtiver com a gestão;

indenizar o gestor das despesas e dos prejuízos que sofreu por motivo da gestão; e

substituir o gestor nas posições jurídicas por ele assumidas perante terceiros.

Como direitos do dono do negócio destaca a autora exigir que o gestor restitua as

coisas ao estado anterior ou indenize a diferença se por acaso os prejuízos da gestão contra

a sua vontade excedam o seu proveito e ratificar ou desaprovar a gestão, sendo tal

ratificação declaração unilateral de vontade, somente sendo possível recusar a ratificação

se demonstrar que a gestão foi contrária a seus interesses.

Por fim, a autora ainda destaca as obrigações do gestor e do dono do negócio com

terceiros, “pois: a) o gestor ficará pessoalmente responsável por tudo quanto houver

contratado com terceiros (CC, art. 861, in fine), em seu próprio nome; b) o dominus

negotti deverá assumir, perante terceiros, as obrigações contraídas pelo gestor em seu

nome, até o limite do enriquecimento obtido, desde que o negócio tenha sido utilmente

administrado (CC, art. 869, 1ª alínea). Se os prejuízos da gestão forem maiores do que o

seu proveito, o dono do negócio não estará obrigado para com terceiros, mesmo que o

gestor tenha atuado em nome dele”160.

Não há grandes divergências doutrinárias a respeito dos direitos e das obrigações

decorrentes da gestão de negócios. O que se extrai, em verdade, é que algumas

enumerações são mais completas do que outras. Ainda em termos de classificação, alguns

autores cuidam das obrigações que recaem ao gestor de negócios e ao dono já nelas

160 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos – Vol. 3. 6. ed. São Paulo: Saraiva. p. 842.

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incluindo os mesmos direitos que recaem à contraparte. Outros, contudo, preferem fazer

de maneira explícita tratando também dos direitos incidentes a ambos.

De toda forma, o que se extrai é que, em linhas gerais, as obrigações que recaem

ao gestor do negócio são bastante significativas, especialmente porque a gestão, como

vimos, trata-se de intervenção não autorizada no patrimônio alheio. Dessa maneira, é fácil

concluir que as obrigações que acometem o gestor são realmente mais intensas que

aquelas que recaem sobre o dono do negócio.

Agrupando-se as obrigações enumeradas pela doutrina acima citada, parece-nos

válido admitir que as seguintes obrigações básicas recaem ao gestor de negócios:

comunicar, tão logo possa, ao dono do negócio sobre o início da gestão; agir com

diligência até a conclusão, ou assunção do dono negócio pelo dono, conforme a sua

vontade presumível; restringir a gestão àquilo que for necessário e útil para a contenção

da situação; responder perante o dono e terceiros por atos decorrentes da má gestão;

vincular-se de maneira solidária aos eventuais outros gestores do mesmo negócio e prestar

contas da gestão ao seu final.

Portanto, na mesma linha, os direitos do dono do negócio são: ser comunicado

imediatamente sobre o início da gestão; exigir diligência pretérita do gestor até a

conclusão do negócio ou sua assunção; exigir que a gestão se restrinja àquilo que for

necessário e útil para a contenção da situação; obrigar que o gestor responda perante

terceiros por atos decorrentes da má gestão; cobrar solidariedade de todos os eventuais

outros gestores do mesmo negócio; e obrigar o gestor a prestar contas ao final da gestão.

Em contrapartida, as obrigações que são impostas ao dono do negócio são

basicamente: indenizar o gestor das benfeitorias úteis e necessárias agregadas ao negócio

e cumprir com as obrigações assumidas pelo gestor perante terceiros por atos decorrentes

da gestão. Da mesma forma, os direitos que recaem ao gestor de negócios são basicamente

o de ser indenizado pelos desembolsos decorrentes das prestações úteis e necessárias que

foram realizadas ao longo da gestão e transferir ao dono do negócio todas as obrigações

de mesma natureza por atos decorrentes da gestão válida.

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Notamos que a doutrina não enumera de forma objetiva como direito do gestor de

negócio, tampouco obrigação do dono, indenizar o gestor pela parcela de lucro que o

mesmo teria aferido pela realização dos serviços, caso os tivesse realizado em condições

normais de mercado, como contraprestação de um contrato bilateral.

Apenas Sílvio de Salvo Venosa destaca, em uma de suas passagens, que “a lei

procura afastar qualquer caráter especulativo na gestão, ao lado do espírito da coibição

de injusto enriquecimento, cuja noção integra inelutavelmente a gestão”161. Parece,

portanto, válido admitir que o autor transporta à gestão de negócios a teoria da vedação

de enriquecimento sem causa tratada pelos artigos 884 a 886 do Código Civil.

6.2 A gestão de negócios e os contratos administrativos

Como já dissemos anteriormente, a razão principal que nos motiva a dedicar uma

atenção especial ao tema dos atos unilaterais como fonte de obrigações econômico-

financeiras para a Administração Pública, especialmente a gestão de negócios e o

enriquecimento sem causa nos contratos de obra pública, advém de uma tentativa de

encontrar soluções – ainda que complementares – para as situações em que o contratado

realiza prestações materiais não cobertas pela regra que delimita o escopo inicial do

contrato, sem a prévia repactuação com a Administração Pública.

Inicialmente é preciso destacar que, muito embora a gestão de negócios possa

originar-se de uma sujeição imprevista constatada ao longo da execução de um contrato

administrativo, a execução das prestações extracontratuais necessárias para a sua

conformação, independentemente de aditamento contratual prévio – portanto sem um

vínculo contratual obrigacional para o contratado –, é hipótese que bastante se assemelha

à gestão de negócios consagrada pela doutrina de direito privado, na medida em que

depende de sua mera liberalidade. Não se confundem, todavia, as sujeições imprevistas

com as hipóteses de gestão de negócios nos contratos administrativos essencialmente,

porque na gestão de negócios não haverá uma obrigação contratual prévia (aditamento ao

161 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. Vol. 3. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2017. p. 807.

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contrato), enquanto, no caso de sujeições imprevistas, a alteração contratual por meio de

aditamento é o único mecanismo apto à adequação do contrato.

Admitir a incidência da teoria geral dos contratos privados aos contratos

administrativos pode ser um excelente ponto de partida para tratar principalmente as

situações em que haja parâmetros contratuais a serem seguidos – acréscimos contratuais

meramente quantitativos – na medida em que ela proclamará a incidência dos princípios

regedores dos contratos privados como o da equidade, da boa-fé, da função social do

contrato e da justiça contratual, dentre vários outros deveres deles decorrentes,

demandando um dever de remuneração162.

Mas, o regime jurídico de direito administrativo, como vimos, pauta-se, dentre

outros princípios fundamentais, pela noção do exercício de uma função administrativa, o

que, por sua vez, pressupõe uma outorga legítima de poder a determinado sujeito para

agir em nome do interesse público. Mesmo assim, não se afasta a possibilidade de que

haja, de fato, no decorrer da execução de um contrato administrativo de obra pública, a

expedição de atos unilaterais por parte dos particulares que poderão servir de fonte de

direitos e obrigações para a Administração.

Os contratos administrativos, como vimos, são atos essencialmente formais por

força de previsão legal expressa do art. 60 da Lei Federal nº 8.666/93163, cujo parágrafo

único, aliás, expressamente proíbe a celebração de contratos administrativos verbais,

exceto se de pequenas compras de pronto pagamento.

Válido lembrar que os contratos administrativos de obras públicas ainda têm a

natureza de contrato por escopo, o que significa dizer, como vimos, que ele está vinculado

à consagração de um objetivo final delimitado de acordo com as prestações previamente

162 A admissão da incidência da teoria geral dos contratos privados aos contratos administrativos. 163 Art. 60. Os contratos e seus aditamentos serão lavrados nas repartições interessadas, as quais manterão arquivo cronológico dos seus autógrafos e registro sistemático do seu extrato, salvo os relativos a direitos reais sobre imóveis, que se formalizam por instrumento lavrado em cartório de notas, de tudo juntando-se cópia no processo que lhe deu origem. Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea “a” desta Lei, feitas em regime de adiantamento.

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definidas. Estas prestações, por sua vez, são voltadas ao atendimento do interesse público,

na medida em que servem de suporte para a prestação de serviços públicos lato sensu ou

se prestam para a otimização da atividade administrativa.

Nos casos de expedição de atos unilaterais para a consagração de atividades não

contempladas inicialmente no escopo de uma contratação de obra pública, portanto, o

interesse demandado não será o interesse do dono do negócio (Administração Pública),

mas, sim, o próprio interesse público.

Portanto, a primeira questão a ser avaliada na aplicação da teoria da gestão de

negócios aos contratos administrativos é se a gestão foi exercida em prol do interesse

público. Válido destacar, ademais, que o interesse público não se confunde com aquele

interesse puramente egoístico da Administração Pública (interesses secundários). Deve,

sim, ser avaliado o interesse público de natureza primária envolvido na mesma

contratação.

Isso porque, como bem ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, muito embora

haja interesses públicos de ordem primária e secundária, a atuação administrativa deve se

pautar sempre pelos primeiros que, realmente, constituem a dimensão pública dos

interesses individuais164. Considerando-se, portanto, que o particular estará nessas

hipóteses de gestão de negócios em colaboração com a própria Administração, válido

admitir-se a necessidade de aplicação dessa mesma lógica.

Além dos princípios aventados, a teoria geral dos contratos privados,

especialmente no que se refere aos contratos de empreitada, contém também previsões

normativas extremamente úteis para o caso das prestações extracontratuais que

evidentemente se aplicam aos contratos de obra pública, como aquela contida no artigo

619 e parágrafo único do Código Civil, que proclama o dever do dono da obra de, mesmo

164 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.

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sem a sua autorização escrita, remunerar o empreiteiro pelos acréscimos e aumentos

realizados se, sempre presente, não podia ignorar o que estava se passando165.

Ocorre que a aplicação subsidiária da teoria geral dos contratos aos contratos

administrativos parece bastante útil para dirimir as questões envolvendo principalmente

os acréscimos de natureza quantitativa, que possuem referência contratual. Todavia, pode

não ser suficiente para o exaurimento da questão, mormente nos casos em que as

prestações extracontratuais sejam de natureza qualitativa, portanto, sem qualquer

parâmetro anterior a ser seguido, seja da metodologia de serviço a ser empregada, seja

dos valores das suas contraprestações.

Nessa toada, poderá haver a realização de prestações extracontratuais pelo

particular, que sejam fundamentais para a conclusão do escopo do contrato, e que não

estejam contempladas nas especificações técnicas e demais descritivos do seu escopo.

Para essas prestações, em um primeiro plano, portanto, não haveria falar de direitos e

deveres de ordem contratual, eis que não suportadas por um instrumento de contratação

anterior.

Essa situação poderia, então, juridicamente ser analisada sob duas perspectivas

distintas: a primeira delas é que as prestações contratuais não contempladas, sendo

essenciais para a consagração do seu escopo, fazem parte integrante da relação jurídica

contratual inicial, porque o contratado, em uma relação contratual de obra pública, fica

responsável pela consagração do escopo da obra.

No mesmo plano, essas prestações extracontratuais, embora não incluídas no

instrumento inicialmente firmado pelas partes, podem ter sido objeto de entendimentos

prévios, passíveis de serem comprovados de diversas maneiras como, por meio de

165 Art. 619. Salvo estipulação em contrário, o empreiteiro que se incumbir de executar uma obra, segundo plano aceito por quem a encomendou, não terá direito a exigir acréscimo no preço, ainda que sejam introduzidas modificações no projeto, a não ser que estas resultem de instruções escritas do dono da obra. Parágrafo único. Ainda que não tenha havido autorização escrita, o dono da obra é obrigado a pagar ao empreiteiro os aumentos e acréscimos, segundo o que for arbitrado, se, sempre presente à obra, por continuadas visitas, não podia ignorar o que se estava passando, e nunca protestou.

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relatórios de gerenciamento de obras, atas de reunião ou outros instrumentos análogos, a

despeito de uma expressa previsão contratual.

Nessas hipóteses, já vimos que a teoria geral dos contratos possui normas bastante

eficientes para justificar um dever de indenização por parte da Administração Pública,

mormente em razão da aplicação dos princípios que lhe compõem, aplicáveis

paralelamente com o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.

Contudo, é possível enxergarmos a mesma situação de maneira diversa: ou seja,

que as prestações não contempladas no contrato inicial, exatamente por não possuírem

qualquer vinculação jurídica formal antecedente que obrigue as partes à sua realização,

não são suficientes a erigir direitos e obrigações contratuais entre elas, sendo que, se

realizadas pelo contratado, tratar-se-ia de ato absolutamente unilateral. Daí a importância

de analisarmos a questão também sob a ótica dos atos unilaterais, em especial mediante

a aplicação da teoria da gestão dos negócios.

Tomemos por exemplo hipotético uma situação em que o particular é contratado

pela Administração Pública para executar parcela remanescente da obra de construção de

uma ponte, consoante projetos e informações a ele franqueados, a indicar que no local das

obras teriam sido realizadas apenas as suas estruturas, e que estas teriam sido executadas

consoante as melhores práticas de engenharia.

No decorrer da vigência desta contratação, todavia, a contratada decide realizar

sondagens adicionais próximas às estruturas, para se certificar de que elas teriam sido

corretamente executadas e que possuiriam, portanto, as condições de suportar toda a carga

de peso adicional do pavimento superior a ser construído.

Nessa oportunidade, a contratada se depara com o fato de que as obras

anteriormente executadas não seguiram os projetos franqueados pela Administração,

tampouco foram executadas conforme as melhores técnicas de engenharia. Identifica-se

que as estruturas anteriormente executadas não estavam devidamente calçadas e

estruturadas, de maneira que a construção do pavimento superior, independentemente de

reparo, certamente comprometeria toda a integridade da obra.

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Temendo por isso, e também pela possível caracterização de um inadimplemento

contratual, ante o não atendimento dos prazos e datas marco de contrato, a contratada

comunica esse fato à Administração e adverte que será necessário fazer esses serviços

não contemplados originalmente na sua contratação. Diante desse fato, o contratado

solicita a elaboração de um aditamento contratual, com inclusão dos serviços não

compreendidos inicialmente. Apresenta sólidos estudos técnicos a robustecer as suas

conclusões e destaca que todas as alterações estariam dentro dos limites de acréscimos

contratuais permitidos pela legislação, bastando que as partes estipulassem o valor da

referida prestação, consoante proclama a legislação.

Mesmo comunicada acerca desse fato, a Administração Pública não adota

nenhuma providência tendente a incluir a referida prestação no escopo do contrato, e, ao

revés, passa a notificar a contratada acerca da caracterização de um possível

inadimplemento ante não cumprimento das datas previstas inicialmente no contrato.

Adicionalmente, passa a intimar a contratada a se defender em processos administrativos

tendentes à aplicação de várias penalidades contratuais (multas, suspensão dos direitos de

licitar e até mesmo a declaração de sua inidoneidade).

Diante disso, sopesando todas as consequências da caracterização de um

descumprimento contratual, ainda que justificável, bem como zelando pela sua reputação

e por todas as responsabilidades decorrentes da má execução do contrato, a contratada

opta por fazer os serviços por sua conta e risco, independentemente da celebração de um

aditivo contratual.

Nas situações como a acima aventada em que o particular executa parcela de

alguns serviços de maneira unilateral, sem o consentimento prévio da Administração, o

ato praticado pelo contratado é fonte de obrigação para a Administração Pública?

Ademais, este ato gera um dever de indenização para a Administração em favor do

particular, e em que medida? Há limites para a atuação do particular nessa empreitada?

Para obtermos a resposta dessas indagações sob o prisma dos atos unilaterais, já

percorremos uma etapa fundamental concernente à análise do conteúdo jurídico dos atos

de gestão de negócios. A referida avaliação nos revelou quais são os pressupostos da sua

incidência e os direitos e obrigações dela decorrentes em âmbito civil. A partir disso,

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ensaiaremos a compatibilidade da aplicação dessa mesma teoria aos contratos

administrativos de obra pública.

6.2.1 Pressupostos da aplicação da gestão de negócios aos contratos administrativos de

obra: direitos e obrigações dela decorrentes

Apesar de reconhecermos que a gestão de negócios, cada vez mais, torna-se um

negócio jurídico de difícil ocorrência, sobretudo em razão da sua transitoriedade e de sua

limitação a negócios menos vultosos nas relações entre particulares166, é um instituto que

ainda guarda repercussões jurídicas relevantes, e que podemos ensaiar a sua aplicação no

âmbito dos contratos administrativos de obra.

A bem da verdade, em muitas oportunidades, a gestão de negócio, inclusive por

sua brevidade, não é sequer percebida, de sorte que o instituto acaba sendo relegado a um

segundo plano (mesmo na esfera civil).

No caso hipotético aventado, contudo, durante a execução de uma obra, o

contratado se vê diante da necessidade de realizar prestações não previstas no instrumento

contratual, mas que demandam uma atuação rápida e eficiente, impelido a assumir a

gestão da empreitada para a realização dessas tarefas indispensáveis à conclusão da obra

(considerando-se a vontade presumível da Administração para a consagração do próprio

interesse público).

Nessas circunstâncias, é possível admitir-se que a relação jurídica decorrente da

execução de prestações extracontratuais não previamente anuídas se instaura sem que

houvesse qualquer convenção entre as partes, na medida em que ela desborda das

especificações da contratação inicial. Tratar-se-ia, portanto, de uma declaração de

vontade unilateral do executor da obra.

A configuração da gestão de negócios destacou-se anteriormente, depende de uma

série de pressupostos. Consoante a sistematização proposta por Maria Helena Diniz, são

eles: i) a ausência de qualquer convenção ou obrigação legal; ii) a inexistência de

166 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da Vontade – Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 400.

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proibição ou oposição por parte do dono do negócio; iii) a vontade do gestor de gerir

negócio alheio; iv) o caráter necessário da gestão; v) a licitude e fungibilidade do objeto

de negócios; vi) que a ação do gestor se limite a atos de natureza patrimonial. Para Carlos

Roberto Gonçalves, lembramos que são basicamente cinco os pressupostos da gestão de

negócios: vii) tratar-se de negócio alheio; viii) haver a ausência de autorização do dono

do negócio: ix) atuação do gestor no interesse e vontade presumida do dono do negócio;

x) limitar-se a gestão aos atos de natureza patrimonial; e xi) que a intervenção seja

motivada. As classificações acima parecem se complementar de maneira que avaliaremos

a situação à luz das duas perspectivas.

Na hipótese que aventamos, parece inexistir qualquer convenção ou obrigação

legal de realizar o ato em testilha. O contratado não tem por dever executar as prestações

que não estejam lastreadas em contrato e, tampouco, possui o dever legal de executá-las

sem o acerto prévio de uma justa contraprestação à revelia da equação econômico-

financeira da contratação.

Parece inexistir, também, qualquer proibição ou oposição por parte do dono do

negócio em relação à gestão. Advertida do fato, a Administração Pública silencia167 a

respeito e passa a adotar conduta tendente a pressionar o contratado para a conclusão das

várias etapas do contrato, não havendo resistência expressa ou tácita.

Parece evidente, da mesma maneira, haver a vontade do particular de agir como

gestor de negócio alheio, seja para resguardar os seus interesses contratuais, seja mesmo

para garantir a incolumidade da obra e o interesse público.

O caráter necessário da gestão igualmente se demonstra presente, considerando-

se que o reparo dos serviços é fundamental para a consagração do escopo do contrato.

167 Muito embora haja diplomas legais modulando os efeitos do silêncio da Administração Pública (v.g. da disposição do § 1º do artigo 33 da Lei nº 10.177/98, que estabelece as normas de Processo Administrativo no âmbito do Estado de São Paulo) considerando-se o silêncio da Administração como um mero “fato jurídico”, e não ato administrativo, assim como define o professor Celso Antônio Bandeira de Mello em seu Curso de Direito Administrativo (na 33ª ed., p. 426), independentemente de a lei atribuir determinado efeito, este resultará da omissão como imputação legal, e não de ato presumido, inexistindo ato administrativo tácito.

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Com relação, ainda, à licitude e à fungibilidade do objeto de negócios, também

não parece haver grandes obstáculos. Ainda que exista, nas contratações administrativas,

um dever prévio de licitar para a Administração Pública, o que poderia ser encarado como

proibição de agir ao particular independentemente de contratação, não há proibição legal

ao contratado para prosseguir com a execução do serviço extracontratual, mormente

legitimado pela cobrança da Administração em concluir as parcelas de seu contrato.

O reconhecimento do contrato de obra pública como obrigação de fim (contrato

por escopo) e a investidura do contratado na condição de particular em colaboração com

a Administração parecem também legitimar a sua atuação em face da urgência e

emergência da situação, revelando-se até mesmo a impossibilidade da adoção de conduta

diversa. Em outras palavras: como agente provisoriamente investido da tutela do interesse

público consubstanciado naquela mesma contratação, há quase que um dever de sua

atuação nesse sentido.

Sem dúvidas, há vontade do gestor em gerir o negócio alheio, inclusive com o

objetivo de logo se desincumbir das obrigações que assumiu, e a gestão do negócio se

apresenta útil e essencial, na medida em que é fundamental para a conclusão do escopo

da obra.

A despeito da incidência desses pressupostos, poder-se-ia discutir a própria

possibilidade de um contratado, a partir de uma declaração unilateral de vontade, criar

uma obrigação para a Administração. Ainda, questionar-se a possibilidade de um

particular assumir uma gestão de um negócio público. Essas indagações, todavia,

demandam um raciocínio complexo.

Vimos, consoante a definição da doutrina, que o contrato administrativo de obra

pública é um contrato cujo adimplemento está vinculado à consagração de um resultado,

qual seja, a entrega da obra contratada. Em razão disso, a doutrina o classifica como um

contrato por escopo, diferindo-o daqueles contratos, cujo prazo é a única marca da

duração do vínculo contratual.

Como contrato por escopo que é, válido admitirmos que tais vínculos contratuais

outorgam ao contratado privado a delegação de uma função administrativa

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consubstanciada no dever de consagração de uma série de atos administrativos, que

atingem o seu ápice com a conclusão da obra na exata maneira do que contratado, desde

que, como vimos, fique mantida a equação econômico-financeira da avença.

Para tal afirmação, valemo-nos das lições de Celso Antônio Bandeira de Mello,

que, de maneira bastante lúcida, destaca, em diversas passagens, a possibilidade de os

particulares também exercerem função administrativa, quando vinculados a um

instrumento que os legitima.168

Assim sendo, é válido pensar que, no âmbito dos contratos de obra pública, a

Administração outorga ao seu contratado algumas prerrogativas inerentes a ela própria.

Evidentemente, em linhas gerais, essas prerrogativas devem ser exercidas no limite do

escopo da própria contratação e, via de regra, materializam-se de maneira quase

imperceptível, dado que, com o acompanhamento contínuo e fiscalização da

Administração Pública no uso de suas competências de fiscalização da execução

contratual, pressupõe-se, haja uma satisfatória execução do contrato.

Há, todavia, como no exemplo aventado, circunstâncias que podem demandar a

adoção de providências extraordinárias por parte dos particulares. Hipóteses em que o

contratado simplesmente não pode aguardar a adoção de providências por parte da

Administração, sob pena de perecimento do próprio interesse público demandado na

contratação e ocorrência de prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação posterior.

168 Celso Antônio Bandeira de Mello, em diversas passagens de sua obra clássica, revela a possibilidade de os particulares exercerem funções administrativas, em nome do Estado, visando alcançar um interesse público. Ao tratar das funções estatais, impingindo-lhes um critério formal, o autor define função administrativa como sendo aquela em que “o Estado, ou quem lhe faça as vezes, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquicos e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada mediante comportamentos infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, submissos todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 36). Mais à frente, ao conceituar o ato administrativo, o jurista ressalta que este pode ser entendido como a “declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. cit., p. 397). De qualquer modo, a assunção de prerrogativas públicas por particulares, para que estes as exerçam em consonância com os interesses públicos justificadores da associação entre o Estado e os particulares, está presente em uma série de passagens do ordenamento jurídico, com destaque especial para as situações que envolvem a prestação de um serviço público.

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107

Essas hipóteses, em verdade, criam ao contratado a faculdade de agir, por expressa

consagração da função em que está investido naquela situação, imbuído do dever de

finalização do escopo do seu contrato.

Com essas considerações, pode-se dizer que restam preenchidos os pressupostos

para aplicação da teoria da gestão de negócios aos contratos administrativos de obra

pública no caso aventado. O particular contratado pela Administração, se não pleitear a

rescisão do contrato pelos meios adequados, obtendo o seu provimento, terá que

desempenhar as tarefas que não estavam compreendidas dentre suas atribuições e que são

indispensáveis à conclusão de uma obra pública, e diante da inércia da Administração,

assumirá ele a condição de verdadeiro gestor de negócios.

Ademais, não há vedação quanto ao fato de o contratado gerir o negócio – ainda

que se diga que se trata de uma obra pertencente à Administração –, sobretudo porque o

contrato de obra pública, enquanto contrato por escopo, demanda do contratado a entrega

do objeto da contratação, devendo-se admitir que a Administração não deverá apresentar

resistências e oposições aos trabalhos realizados de maneira útil e necessária ao interesse

público.

No entanto, as hipóteses normativas incidentes no caso das prestações

extracontratuais – em especial aquelas constantes da Lei nº 8.666/1993 sobre as alterações

de contrato para essa finalidade – não contemplam o regramento necessário para

solucionar as situações ensejadoras da gestão de negócios pelo particular no esteio dos

contratos da Administração, demandando atenção aos princípios gerais da teoria geral dos

contratos e demais preceitos de direito privado.

As previsões legais existentes, especialmente aquelas voltadas aos contratos

administrativos, limitam-se a tratar das alterações contratuais para a incorporação de

parcelas não abrangidas pelo escopo inicial dos projetos em decorrência de atos

unilaterais de imposição emanados pela Administração Pública (art. 65, I) ou por acordo

entre as partes (art. 65, II). Em ambas as hipóteses, como já vimos, havendo aumento de

encargos ao contratado, a Administração Pública deverá zelar pela manutenção do

equilíbrio econômico-financeiro da contratação.

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Não há previsão normativa, todavia, concernente às hipóteses nas quais o

particular executa parcelas do serviço, por sua conta e risco, independentemente de

aditamento contratual prévio, seja para sua inclusão no escopo da contratação, seja para

a repactuação das condições econômico-financeiras dela decorrentes.

Diante desse quadro, pode-se dizer que surge para a Administração uma obrigação

oriunda de declaração unilateral de vontade do particular, mas indissociavelmente

atrelado ao contrato administrativo de obra pública, conforme todos os pressupostos já

analisados.

Poder-se-ia, nessas circunstâncias, falar em dois negócios jurídicos firmados entre

a Administração-contratante e o particular contratado para execução de uma mesma obra:

um, de natureza contratual, e outro, de índole extracontratual, resultado de uma

declaração unilateral de vontade do particular (gestão de negócios).

No entanto, a declaração unilateral de vontade pelo particular em face da

Administração, que o faz assumindo a gestão de um negócio público, não é estranha ao

objeto contratual, e, sim, a ele indissociável. Não se trata, portanto, de uma relação

jurídica emanada do nada, alheia a qualquer outro negócio jurídico pretérito. É justamente

para o desempenho do objeto da relação contratual que o particular poderá promover uma

declaração unilateral de vontade, geradora de obrigações para a Administração Pública,

eis que investido na condição de particular em sua colaboração.

De qualquer modo, admitindo-se a hipótese de gestão de negócios nos contratos

administrativos de obras públicas para as prestações não previstas no escopo inicial da

contratação, ainda uma questão fundamental que deve ser enfrentada é saber como o

ordenamento jurídico modula as soluções para as situações cujas respostas não

necessariamente estão destacadas na lei de regência das contratações públicas e na teoria

geral dos contratos privados.

Vimos, nesse particular, que a Lei Federal nº 8.666/1993 emana regra segundo a

qual se aplica, supletivamente, aos contratos administrativos, os princípios da teoria geral

dos contratos e as disposições do direito privado.

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Sem embargo, ao dizer que aos contratos administrativos se aplicam,

supletivamente, além da teoria geral dos contratos, as disposições de direito privado, a lei

abre espaço para que seja reconhecida a possibilidade de o particular constituir a

Administração em uma obrigação de ressarci-lo por despesas realizadas para a gestão de

um negócio, que afete o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de obra pública,

desde que os pressupostos acima destacados incidam no caso concreto.

Ora, se o Código Civil prevê uma determinada obrigação que surge a partir de

declaração unilateral de vontade de alguém, o fato de esta obrigação recair sobre a

Administração Pública não constitui, por si só, um problema; isto é, a Administração

Pública não está imune às declarações de vontade, regular e necessariamente exercidas,

que a constituem em obrigação, devendo-se, apenas, perquirir a validade da declaração

promovida pelo particular.

Ademais, como acima se anotou, o particular, ao travar com a Administração uma

relação jurídica, passa a exercer funções administrativas que o permitem expedir atos

dessa mesma natureza. Importante destacar, portanto, que o relacionamento entre o

Estado e o particular, no caso da gestão de negócios, segue as regras estabelecidas pelo

Código Civil, devidamente amoldadas ao regime jurídico de direito público.

Portanto, presentes os pressupostos externados pela doutrina civilista e

caracterizado o ato de gestão de negócios, poderá ela ser aplicada aos casos de prestações

extracontratuais advindas em decorrência da prestação de contratos de obra pública.

No entanto, isso não significa dizer que o particular poderá executar toda e

qualquer prestação extracontratual apenas por estar investido na condição de titular de

um contrato de obra pública. Por isso, mais importante do que saber se a gestão de

negócios se amolda ou não ao regime jurídico de direito público, em caso afirmativo, é

extrair do nosso ordenamento jurídico quais são as obrigações que incidem aos

particulares que se inserem na situação de declaração unilateral de vontade em face do

Estado e, após, quais os direitos decorrentes dessa intervenção legitimamente realizada.

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A seguir, portanto, avaliaremos as obrigações erigidas a partir da gestão de

negócios nos contratos administrativos de obra e os direitos decorrentes da gestão

validamente executada.

6.2.2 Direitos e obrigações do gestor de negócios

Como dissemos, a questão mais importante que exsurge da aplicabilidade da teoria

da gestão de negócios a contratado da Administração Pública diz respeito aos limites

incidentes nas ações do particular como gestor desse mesmo negócio, exatamente para

que não se extraia dessa aplicabilidade uma transferência desmedida e injustificada de

funções administrativas sem a prévia investidura do gestor em um mandato.

Como vimos anteriormente, a classificação proposta por Sílvio de Salvo Venosa

proclama um rol de onze deveres que recaem ao gestor de negócios. Sendo essa

classificação a que entendemos mais completa dentre as analisadas, partiremos dela para

externar as obrigações decorrentes da gestão de negócios nos contratos administrativos

de obra pública. São elas: a) conduzir o negócio dentro dos moldes de mandatário,

aplicando a diligência habitual do bônus pater-famílias (art. 866); b) ressarcir o dono de

todo prejuízo decorrente de culpa na gestão; c) velar pelo patrimônio e pelos bens alheios

com esmero maior do que aos seus próprios; d) continuar e concluir o negócio que iniciou

a fim de evitar prejuízos decorrentes de uma execução parcial; e) limitar-se ao necessário,

sendo sua intervenção circunstancial; f) comunicar sua gestão ao dono, logo quando

possa; g) conduzir a atividade utilmente para o administrado; h) fazendo-se substituir por

terceiro, o gestor responderá pelas faltas do substituto perante o dono; i) restringir ao

máximo a sua intervenção, de modo a evitar prejuízos ao dono, e não exatamente para

proporcionar lucro; j) responsabilizar-se por operações arriscadas; e k) prestar contas ao

final da gestão.

Todas as obrigações acima mencionadas parecem transponíveis aos contratos de

obra pública sem maiores dificuldades. Todavia, destacaríamos as seguintes como ainda

mais importantes na realidade dos contratos administrativos e que funcionam como um

balizador fundamental para a atuação do gestor: conduzir o negócio com o zelo desejável

daquele que exerce diretamente um múnus público (respeitar aos princípios e regras que

compõem o regime jurídico de direito público), limitando-se ao que for essencial para a

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contenção da situação; comunicar à Administração Pública acerca das prestações que

serão realizadas, na primeira oportunidade possível, para que ela tenha a oportunidade de

exercer o seu poder de contenção e, por fim, prestar contas da gestão ao seu encerramento.

Evidentemente, considerando-se que a gestão de negócios tem como marca

essencial a transitoriedade (uma vez que incumbe ao gestor comunicar, quando puder, o

dono do negócio de sua atuação), não poderá o gestor assumir o negócio perpetuamente,

mas apenas pelo tempo necessário para a efetiva prestação que torne possível a conclusão

da obra pública.

No mais, incumbe ao gestor do negócio todas as demais responsabilidades

aludidas no mencionado capítulo do Código Civil, tais como responder pelas faltas do

substituto (art. 867, Código Civil) e responder pelos casos fortuitos eventualmente

ocorridos, no caso de operações arriscadas ou operar o negócio de acordo com interesses

próprios, desbordado do interesse presumido do dono do negócio.

Por outro lado, ao assumir a gestão de um negócio alheio, não se pode desconhecer

o direito que o gestor tem de ser reembolsado pelas despesas efetuadas para a devida

conclusão da obra, entregando-a de acordo com as exigências presumíveis, da

Administração-contratante e em consonância com o interesse público vislumbrado

através da contratação, e previsíveis, porém de difícil dimensionamento anterior.

Ademais, o desembolso do gestor da obra, resultado de uma situação imprevista

na qual o particular teve que assumir a gestão de uma obra promovida pela Administração,

erige para a Administração um dever de preservar o equilíbrio econômico-financeiro

dessas prestações, em situação semelhante a que ocorre nos casos de acontecimentos

imprevisíveis.

A propósito das obrigações e deveres do dono da obra (no caso a Administração

Pública), vimos também que Sílvio de Salvo Venosa assevera que o dono se vincula ao

gestor, sempre que o negócio haja sido conduzido utilmente. Essa vinculação o obriga a

reembolsar o gestor das despesas úteis e necessárias incorridas com juros desde o seu

desembolso. A utilidade e a necessidade da despesa devem, ademais, ser avaliadas

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conforme a especificação do caso concreto, levando-se em consideração os motivos que

levaram o gestor a agir e o momento em que a gestão se iniciou.

Portanto, é indene de dúvida que sendo reputada útil a gestão e tendo o gestor se

restringido às prestações úteis e necessárias para o caso concreto, será impositiva a sua

remuneração por esses mesmos serviços.

Em suma, ainda que decorrente de prestações extracontratuais e, portanto, não

anteriormente balizadas por um instrumento de contrato, sendo a gestão realizada para os

efeitos acima destacados, deve-se garantir, ao menos, a justa remuneração do gestor pelas

benfeitorias úteis e necessárias, sob pena, inclusive, de se tolerar um enriquecimento sem

causa em favor do Estado.

Mas, além disso, sendo ainda o enriquecimento sem causa, conforme proclamam

os artigos 884 e seguintes do Código Civil Brasileiro, espécie de ato unilateral e, portanto,

negócios jurídicos lato sensu, válido também analisarmos esse instituto jurídico com

maior detença, ainda que, por esforço meramente argumentativo, na busca de

identificarmos direitos e deveres aplicáveis às partes no caso do tema proposto.

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7 O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

O Código Civil de 2002 prescreve: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à

custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização

dos valores monetários”.

O enriquecimento sem causa é um instituto bastante antigo. Assumiu, ao longo do

tempo, diversos contornos e diferentes acepções, em geral relacionadas a como as

comunidades – e, consequentemente, os ordenamentos jurídicos – reagem ao acúmulo de

riquezas de um indivíduo às custas de outrem, ainda que de modo lícito.

Não se olvida que a consolidação da teoria do enriquecimento sem causa tem uma

base filosófica intimamente vinculada à ideia de justiça e equidade, que sempre se fez

presente nas relações contratuais, como vimos.

Inclusive, há autores adeptos de uma vertente mais jusnaturalista que sustentaram

que o enriquecimento sem causa estaria apoiado em uma ordem moral que condena o

proveito locupletado. Desenvolveu-se, nesse sentido, a chamada teoria do dever moral do

enriquecimento sem causa, bem expressa no posicionamento de Agostinho Alvim, para

quem “o fundamento mais diretamente relacionado com a condenação do

enriquecimento, esteja ela expressa, ou simplesmente latente no ordenamento, é a

Moral”169.

De todo modo, ainda que as discussões acerca do ideal de justiça permeassem o

pensamento humano desde a formação das primeiras comunidades – e as discussões em

torno do tema ganhassem maior relevância com os estudos promovidos pelos gregos –, o

tema do enriquecimento sem causa passou a ganhar maior destaque com o tratamento

conferido pelos romanos.

É o que constata Giovanni Ettore Nanni:

[...] aponta-se, com base em duas passagens do Digesto, de Pompônio, quais sejam, jure naturae aequm est neminem cum alteris detrimento et injuria fieri

169 ALVIM, Agostinho. Do enriquecimento sem causa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1957. p. 11.

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locupletiorem (D. 50, 17, 206) e nam hoc natura aequm est neminem cum alterius detrimento fieri locupletiorem (D. 12, 6, 14), que no direito romano antigo esboçou-se um princípio da teoria do enriquecimento sem causa170.

Na evolução do Direito Romano, a noção de enriquecimento sem causa ganhou

novas nuances sobretudo a partir da concepção das conditiones e da actio de in rem verso

que surgem, em linhas gerais, como remédios em face de relações obrigacionais nas quais

uma das partes obtinha um acréscimo patrimonial injustificado associado a um

empobrecimento alheio. Também nesse caminho evolutivo do Direito Romano aparece a

ação contra o enriquecimento sem causa na gestão de negócios (“actio negotiorum

gestorum contraria”), identificando-se os contornos iniciais da teoria que a seguir ainda

seriam mais bem depurados.

Desde então, a concepção do enriquecimento sem causa passou por variações, as

quais se identificavam com o direito de cada país, o que deu ensejo à criação de várias

teorias a respeito do instituto.

No Brasil, o enriquecimento sem causa, apesar de ser um instituto conhecido e

debatido entre os estudiosos do Direito Civil, não foi inicialmente referenciado na

legislação nacional. O Código Civil de 1916, seguindo um modelo construído no Direito

francês (o qual reconheceu o enriquecimento sem causa a partir da evolução

jurisprudencial, e não do tratamento legislativo), não tratou do instituto de maneira

expressa, a despeito de, em algumas passagens, condenar situações que dariam ensejo a

um enriquecimento injustificado.

De fato, não se desconhecia à época a existência do instituto. Nesse sentido,

observava Clóvis Beviláqua: “Por mais que variemos as hipóteses, veremos que o direito

e a equidade se podem plenamente satisfazer, sem criarmos, no Códigos Civil, mais esta

170 NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 16. O autor ressalva, contudo, que “essas previsões não levaram ao entendimento de que consubstanciavam numa efetiva teoria do enriquecimento sem causa, pois o primeiro referia-se ao caso especial de exercício da actio rei uxoriae e o segundo a apenas um fragmento restante do livro IX das Variae lectiones. Verifica-se, então, que o enriquecimento sem causa no direito romano antigo não era uma fonte geral das obrigações, mas tinha apenas aplicação em casos particulares” (NANNI, Giovanni Ettore. Op. cit., p. 16-17).

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figura de causa geradora de obrigação, ou seja uma relação obrigacional abstrata e

genérica”171.

Ainda, como destaca Silvio Rodrigues:

[...] o Código Civil de 1916 não consagrava regra genérica sobre o enriquecimento sem causa, havendo apenas disciplinado, sistemática, o pagamento indevido, que é espécie do gênero do enriquecimento sem causa. A despeito dessa omissão, o legislador brasileiro, na solução legal de numerosas situações, inspirava-se no princípio que veda o enriquecimento sem causa172.

Conclui, ainda, o autor: “Embora a lei brasileira não acolhesse expressamente a

regra geral de repulsa ao enriquecimento sem causa, isso representava uma lacuna que

supria pela analogia e, quando assim não fosse, pelos princípios gerais do direito”173.

A mesma conclusão era partilhada por outros autores. Caio Mário da Silva Pereira

pondera:

Daí não se concluirá que o legislador brasileiro tenha admitido possa alguém enriquecer-se com a jactura de outrem. Apenas não procedeu, como na sistemática suíço-germânica, à unificação do enriquecimento sem causa, o que não impediu que a doutrina e a jurisprudência realizassem a soldadura das várias incidências, e acabasse por estruturar em termos de generalidade a teoria respectiva174.

Orlando Gomes, por seu turno, anota:

A lacuna não deve, entretanto, ser interpretada como rejeição ao princípio segundo o qual deve restituir a vantagem patrimonial quem obteve injustificadamente. Se é certa a inexistência de norma genérica proibitiva do enriquecimento sem causa, também é inquestionável a vigência de regras particulares que o proíbem nos casos mais comuns175.

Portanto, apesar do ordenamento jurídico brasileiro, num passado recente, não

apresentar cláusula genérica vedando o enriquecimento sem causa, enfatizou-se há

tempos a sua repulsa, estribando-se, para tanto, no princípio da equidade. Ademais,

171 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Rio, 1977. p. 96. 172 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Vol. III. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 421. 173 RODRIGUES, Silvio. Op. cit., p. 422. 174 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III – Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 205. 175 GOMES, Orlando. Contrato. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

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garantiu-se ação própria para que aquele que enriqueceu a custas de outrem fosse

compelido a restituir os valores recebidos.

O Código Civil de 2002, nesse sentido, veio a preencher essa lacuna histórica,

prevendo de forma expressa o enriquecimento sem causa como fonte de obrigação.

Enquadrou o instituto no título dos atos unilaterais, atribuindo-lhe, portanto, natureza

jurídica de fonte obrigacional, que gera, para o empobrecido, o direito de buscar a devida

compensação financeira. Essa questão, como se verá, tem implicações relevantes no caso

de se considerar que o particular que contrata com a Administração Pública, e, no bojo

dessa relação emana prestações extracontratuais, constituindo, destarte, o Estado em

obrigação de ressarci-lo pelas despesas efetuadas.

No entanto, o enriquecimento sem causa não pode ser considerado apenas uma fonte

obrigacional. Conforme pondera Giovanni Ettore Nanni, “o enriquecimento sem causa possui

um aspecto mais elástico que a mera fonte obrigacional, sendo um princípio informador de

todo o direito obrigacional”176. Nesse sentido, inclusive, o precitado artigo 884 do Código

Civil pode ser apontado como uma norma que emana uma cláusula geral, informadora de

toda e qualquer obrigação criada, seja ela de natureza contratual, ou extracontratual.

Essa duplicidade da natureza do enriquecimento sem causa é bem observada por

Giovanni Ettore Nanni: “A forma usual de tipificação do enriquecimento sem causa é

como um ato unilateral, que gera uma fonte obrigacional, consubstanciada na ação de

enriquecimento, destinada a outorgar ao empobrecido a compensação financeira oriunda

do desequilíbrio patrimonial sofrido”177. Lembra o autor que esta é perspectiva histórica

dada ao instituto, oriunda das referidas conditiones, presentes no Direito Romano.

Na sequência, ainda predica o mesmo autor:

Visualizando o enriquecimento sem causa como princípio, denota-se uma variada esfera de ação, em que um grande número de situações podem dele socorrer-se, tornando-o um remédio fundamental no direito obrigacional.

176 NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 194. 177 NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 198.

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Nessa circunstância, não há propriamente a interposição de uma ação de enriquecimento, mas sim a utilização do preceito como fundamento de outros remédios, ou como princípio informador das relações jurídicas obrigacionais178.

Admitindo-se a sua aplicação como princípio informador de todo o direito

obrigacional, válido concluirmos que ele se aplica tanto para as relações de índole

contratual – portanto naquelas em que se aplica a teoria geral dos contratos –, como nas

decorrentes da prática de atos unilaterais, desde que exercidos em proveito de terceiro.

Nesse sentido, faz-se necessário analisar os pressupostos de sua incidência,

correlacionando-os, outrossim, com os atos unilaterais de gestão de negócios para a

finalidade de analisar sob essa perspectiva final a questão das prestações extracontratuais

em contraponto com o dever de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos

contratos de obra pública.

7.1 Pressupostos do enriquecimento sem causa

A constatação de um enriquecimento sem causa não é feita de maneira aleatória.

Existem pressupostos que determinam a sua configuração e, consequentemente, a

utilização da ação que a combate: a ação in rem verso.

De maneira geral, os autores têm apontado como pressupostos do enriquecimento

sem causa: i) o enriquecimento (do réu na ação in rem verso, em uma perspectiva

processual); ii) o empobrecimento do outro indivíduo na relação obrigacional; iii) nexo

de causalidade entre enriquecimento e empobrecimento; iv) ausência de justa causa; v) a

inexistência de outra ação para amparar a vítima (ou como propõe Giovanni Ettore Nanni,

a subsidiariedade da ação de enriquecimento179).

O enriquecimento, consoante ensina Silvio Rodrigues, “consiste, em regra, em um

aumento patrimonial, mas pode, igualmente, verificar-se pela diminuição do passivo de

uma pessoa”180. Tal enriquecimento, deve-se dizer, é aquele obtido indevidamente, no

qual um sujeito obtém uma vantagem em face de um empobrecimento alheio.

178 NANNI, Giovanni Ettore. Op. cit., p. 198. 179 NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 295-294. 180 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Vol. III. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 424.

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Giovanni Ettore Nanni, por seu turno, aduz: “O enriquecimento deve

consubstanciar-se num dado objetivo, numa vantagem concreta, permitindo a sua

identificação para o exercício da ação de enriquecimento em busca de extrair-se das mãos

do enriquecido o produto que foi indevidamente auferido181”. O empobrecimento, por seu

turno, é situação na qual alguém tem uma perda (em geral patrimonial) ou acréscimo de

seu passivo.

A ideia de empobrecimento, no entanto, pode ser mais complexa. Conforme

destacado na obra de Giovanni Ettore Nanni, Agostinho Alvim adverte que, “o

empobrecimento pode consistir numa efetiva diminuição do patrimônio, ou no fato de ter

sido impedido o seu aumento, em simetria com o dano emergente e o lucro”182, de sorte

que o empobrecimento pode ser considerado como um requisito dispensável para a

configuração do enriquecimento sem causa (ao menos quando se fala em aspectos

patrimoniais).

Ademais, entre o enriquecimento de um sujeito e o empobrecimento de outro,

deve haver uma relação de causalidade. Trata-se, portanto, de exigência segundo a qual

um mesmo fato deve resultar, simultaneamente, em enriquecimento de um e

empobrecimento de outro.

Ainda, o enriquecimento sem causa não deve ter ocorrido por uma justa causa.

Nesses casos, existe a possibilidade de não incidência do princípio, se assim a lei ou outra

fonte de obrigação assim prever. Silvio Rodrigues, explicando a questão da ausência de

justa causa como pressuposto para admissão da ação in rem verso, exemplifica:

[...] nos contratos aleatórios uma das partes ganha em detrimento da outra; igualmente: o contratante que conserva as arras, pelo inadimplemento de quem as deu, pode experimentar ganha maior que o prejuízo advindo do inadimplemento. Entretanto, embora nesses dois casos haja enriquecimento de um e perda do outro contratante, não se abre ensejo para ação de in rem verso, porque existe uma causa a justificar tais fatos: é o contrato levado a efeito entre as partes.183

181 NANNI, Giovanni Ettore. Op. cit., p. 256. 182 Cf. NANNI, Giovanni Ettore. Op. cit., p. 104. 183 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Vol. III. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 426.

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Por fim, quanto à subsidiariedade da ação de enriquecimento, o último

pressuposto para contestar o enriquecimento sem causa, segundo reiteradamente vem

dispondo os estudiosos do tema, a ação in rem verso deve ser a última medida a ser

utilizada para atacar o enriquecimento sem causa, uma vez que, em muitas oportunidades,

o ordenamento jurídico confere ao empobrecido ações diretas que buscam reverter o

locupletamento sem causa.

De maneira objetiva, portanto, os pressupostos podem ser indicados como: o

enriquecimento sem origem lícita de um; a ausência de justa causa para a caracterização

do enriquecimento; o empobrecimento indevido (em sentido amplo) de outro e o nexo

causal entre o enriquecimento e o empobrecimento experimentados.

7.2 Enriquecimento sem causa e a gestão de negócios

Identificados os pressupostos do enriquecimento sem causa, é de se destacar que

existe a possibilidade de se verificar situações nas quais um sujeito se beneficia em

detrimento de outrem (relação enriquecimento-empobrecimento) em qualquer negócio

jurídico. É dizer: sejam negócios jurídicos formalizados através de contratos, sejam

negócios jurídicos baseados em declarações unilaterais de vontade, a ocorrência do

enriquecimento sem causa é absolutamente possível.

No caso da gestão de negócios, a sua relação com enriquecimento sem causa,

destacou-se acima, tem raízes históricas. Já os romanos entendiam a aplicação da

proibição do enriquecimento sem causa na gestão de negócios, destacando que “gestor –

mesmo na gestão imprópria, poderia solicitar a restituição no limite do enriquecimento

proporcionado ao proprietário, sempre observando as características do caso típico”184.

Nesse sentido, admitindo-se a possibilidade de gestão de um negócio cujo “dono”

é a Administração, a não retribuição do Estado às despesas efetuadas pelo particular para

o cumprimento da obrigação que lhe é incumbida dá ensejo a um enriquecimento sem

causa por parte da Administração, que se vê beneficiada por ações indispensáveis do

particular para entrega de uma obra que é sua.

184 NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 27.

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Destacado que se a gestão de um negócio por particular em um relacionamento

com a Administração não for devidamente retribuída, pode provocar o enriquecimento

sem causa desta última, lembra-se que, no caso debatido no presente trabalho, esse

enriquecimento obtido pela Administração em razão da gestão de uma obra pública,

portanto, também intimamente relacionado a um contrato administrativo.

O enriquecimento sem causa da Administração, portanto, está relacionado ao

contrato administrativo de obra pública (ou melhor, ao equilíbrio econômico-financeiro

do contrato) e às prestações extracontratuais na medida em que estas últimas foram

fundamentais para a consagração do escopo do contrato.

Este enriquecimento sem propósito, ainda que envolvendo entidade ou órgão da

Administração185, por princípio geral do direito e por imposição dos princípios que regem

os contratos (inclusive os administrativos), é rejeitado pelo ordenamento jurídico

brasileiro.

Como destaca Celso Antônio Bandeira de Mello:

De todo modo, como se vê, por um ou outro fundamento, o certo é que não se pode admitir que a Administração se locuplete à custa alheia e, segundo nos parece, o enriquecimento sem causa – que é um princípio geral do Direito – supedaneia, em casos que tais, o direito do particular indenizar-se pela atividade que proveitosamente dispensou em prol da Administração, ainda que a relação jurídica se haja travado irregularmente ou mesmo ao arrepio de qualquer formalidade, desde que o Poder Público haja assentido nela, ainda que de forma implícita ou tácita, inclusive a ser depreendida do mero fato de havê-la boamente incorporado em seu proveito, salvo se a relação irrompe de atos de inquestionável má-fé, reconhecível no comportamento das partes ou mesmo simplesmente do empobrecido186.

Ainda, consoante as palavras de Giovanni Ettore Nanni:

De fato, não se verifica motivo, apesar da particularidade das relações jurídicas firmadas sob a égide do direito administrativo, para o afastamento dos preceitos oriundos da cláusula geral insculpida no art. 884 do Código Civil de 2002, a qual veda o enriquecimento sem causa à custa de outrem.

Se, por expressa disposição constitucional contida no art. 37, caput, da Carta Magna, a Administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios deve obediência, entre outros, ao princípio da legalidade, não se vislumbra lícito

185 Cf. NANNI, Giovanni Ettore. Op. cit., p. 426. 186 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O Princípio do Enriquecimento sem causa em Direito Administrativo, RDA. p. 33.

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sustentar que o Poder Público está isento de obediência à regra geral que veda o locupletamento injusto.

Havendo regra constitucional impondo o respeito ao princípio da legalidade, nada mais adequado do que efetivamente se observar o preceito de justiça social e solidariedade que deflui do enriquecimento sem causa, mesmo que em relação ao Poder Público, o qual é também um corolário da legalidade187.

Na sequência, o mesmo Giovanni Ettore Nanni destaca que o enriquecimento sem

causa no direito administrativo decorre, mormente, de relações contratuais envolvendo a

Administração Pública e sustenta que a própria Lei 8.666/1993, ao admitir a aplicação

subsidiária de preceitos da teoria geral dos contratos e do direito privado, veda o

enriquecimento sem causa188.

Nessa linha de raciocínio, cabe destacar, por fim, a sistematização formulada por

Jacintho Arruda Câmara quanto aos requisitos que indicam o enriquecimento sem causa

pelo Poder Público:

a) deve haver situação de desequilíbrio patrimonial derivado de comportamento probo (de boa-fé) do administrado; b) deve haver enriquecimento do Poder Público e empobrecimento do administrado; c) não deve existir causa jurídica para o enriquecimento da Administração, como também não pode haver regra específica para regular o caso, condição que elimina a aplicação autônoma do princípio; d) é necessária a existência de uma relação entre o enriquecimento do Poder Público e o empobrecimento do administrado.189

Sem embargo, é imperioso pontuar que o enriquecimento sem causa da

Administração, no caso dos contratos administrativos, afeta justamente o que se pode

apontar como essencialmente contratual nesse tipo de relação envolvendo a

Administração Pública e os particulares: seu equilíbrio econômico-financeiro.

Enfim, a gestão útil e indispensável de negócio de obra pública cujo particular,

que foi contratado, não é recompensado, pode afetar o equilíbrio econômico-financeiro

daquele contrato, na medida em que o particular assuma encargos que não sejam

devidamente seguidos de uma contraprestação. Tal fato, se não prontamente recomposto

187 NNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 427. 188 Cf. NANNI, Giovanni Ettore, Op. cit., p. 427 et seq. 189 CÂMARA, Jacintho Arruda. Obrigações do Estado derivadas de contratos inválidos. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 186.

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pela Administração, pode, por fim, caracterizar enriquecimento sem causa, sendo,

portanto, também sob esse viés, fonte de obrigação para o Estado.

Essa situação, como visto, também gera o dever de a Administração ressarcir o

particular para a retomada da equação inicial do contrato, à luz dos princípios da equidade

contratual, pacta sunt servanda, boa-fé e função social do contrato (administrativo).

Por outro lado, aplicando-se a teoria dos atos unilaterais e admitindo-se a sua

incidência das relações contratuais para os casos semelhantes ao da hipótese aventada,

chega-se à mesma conclusão, qual seja, da existência de um dever legal de remuneração

por todas as prestações utilmente empregadas no escopo da contratação

independentemente de aquiescência prévia da Administração, seja por gestão de

negócios, seja por vedação de enriquecimento sem causa.

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8 CONCLUSÕES

Ao longo do presente trabalho, identificamos quais são os elementos principiológicos

da teoria geral dos contratos privados. Essa análise nos revelou que as relações contratuais de

direito privado são pautadas essencialmente pelos princípios da autonomia da vontade das

partes; a relatividade de seus efeitos; a obrigatoriedade da regra contratual; e a boa-fé.

Foram também identificadas as características que marcam o regime jurídico dos

contratos administrativos, especialmente a incidência das cláusulas exorbitantes que se

aplicam à Administração Pública e, em contrapartida, o direito que recai ao contratado no

equilíbrio econômico-financeiro.

Vimos, ademais, que os contratos de obra pública possuem como principal

característica o fato de serem eles contratos, cuja finalidade é a edificação, reforma ou

reparação de prestações materiais estáticas. Além do que, o principal diferencial desse tipo

de contrato reside no fato de que ele se caracteriza como contrato por escopo nos quais a

Administração Pública outorga ao seu contrato o exercício de uma competência

consubstanciada na conclusão da finalidade do contrato. Por isso mesmo, nesse tipo de

contratação o prazo estabelecido para o encerramento do vínculo contratual se dará pela

entrega do objeto contratado, resguardados todos os direitos e prerrogativas contratuais.

Considerando-se que a legislação somente consagra as hipóteses de aditamento

contratual por força de determinação da Administração Pública e por acordo prévio entre as

partes contratantes, não abarcando as prestações executadas por livre e espontânea vontade

do contratado sem suporte contratual, nas situações em que o contratado optar por executar

as parcelas não compreendidas inicialmente no escopo da contratação, é válida a aplicação

da teoria geral dos contratos privados para que se resguardem os seus direitos ao equilíbrio

econômico-financeiro do contrato e bem assim a sua justa remuneração.

Tal situação poderá ser aplicada nos casos em que as prestações extracontratuais

possuam índole quantitativa, em que haverá uma referência objetiva constante do instrumento

contratual. Nessa hipótese, vislumbramos a incidência da teoria geral dos contratos privados

com maior frequência nas situações em que as prestações extracontratuais possuírem

parâmetro contratual prévio (alterações meramente quantitativas) e, portanto, estejam

inseridas no objeto da contratação inicial em termos de preço e qualidade de serviços.

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Mas, admitindo-se que as prestações executadas fujam do escopo inicial do contrato

e, portanto, possuindo elas natureza qualitativa, não havendo referência contratual para a sua

remuneração, aplicam-se as demais disposições de direito privado, em especial a teoria dos

atos de gestão de negócios com os mesmos pressupostos consagrados pela doutrina civilista,

porém adaptados ao regime de direito público.

Portanto, já em relação às prestações extracontratuais de natureza qualitativa, sem

previsão anterior no contrato e cuja inclusão no escopo da contratação é tacitamente permitida

pela legislação de regência, ante a inexistência de acordo prévio entre as partes, mas estando

caracterizados os pressupostos da gestão de negócios, dentre eles, principalmente a

essencialidade da execução dos serviços e a gestão em prol do interesse público demandado,

o fundamento para a remuneração do contratado estará na teoria dos atos unilaterais, em

especial em relação a prestações úteis e necessárias, assim como consagrado na doutrina de

direito privado.

De qualquer maneira, incidirá sempre para a Administração Pública um dever de

indenizar o particular em relação a toda e qualquer prestação, seja ela de índole contratual ou

não, que de alguma forma implique o seu enriquecimento e, de outro lado, o empobrecimento

da sua contraparte, este analisado sob uma perspectiva ampla, desde que haja nexo de

causalidade entre ambos. Nesse caso, por expressa aplicação da vedação ao enriquecimento

sem causa, que recairá em face do Estado ainda com maior dimensão de peso ante o dever

constitucional de se manter a equação econômico-financeira de suas relações.

Ainda que não aceita a gestão de negócios pela Administração Pública, isso não

implicará sua plena e absoluta desoneração do dever de indenizar o particular na medida em

que tal dever sempre recairá sobre a incorporação no nosso sistema normativo da vedação ao

enriquecimento sem causa.

O dever de indenização sempre estará vinculado ao mandamento constitucionalmente

consagrado de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos

administrativos, mas poderá decorrer, ora da aplicação dos princípios incidentes da teoria

geral dos contratos, ora das demais disposições de direito privado que não sejam conflitantes

com o regime especial dos contratos administrativos.

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