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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS MARIA DO CARMO JURGENSEN LENCIONI Deficiência mental: o papel da dimensão lúdica e afetiva na aprendizagem CAMPINAS - SP 2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS MARIA DO CARMO JURGENSEN LENCIONI

Deficiência mental: o papel da dimensão lúdica e afetiva na aprendizagem

CAMPINAS - SP 2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS MARIA DO CARMO JURGENSEN LENCIONI

Deficiência mental: o papel da dimensão lúdica e afetiva na aprendizagem Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Educação da PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS, como requisito parcial para a obtenção do título de Psicopedagogo, sob a orientação da Profª Drª Maria Silvia P. L. da Rocha

CAMPINAS - SP 2007

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SUMÁRIO

RESUMO....................................................................................................................................3

DEDICATÓRIA.........................................................................................................................4

AGRADECIMENTOS...............................................................................................................5

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................6

BASE TEÓRICA: A APRENDIZAGEM HUMANA E A INFLUÊNCIA DA DIMENSÃO

LÚDICO-AFETIVA...................................................................................................................9

1.1 A aprendizagem na visão de Vygotsky e Wallon.................................................................9

1.2 A importância da afetividade e das atividades lúdicas no processo de desenvolvimento e

aprendizagem............................................................................................................................16

1.2.1 A dimensão afetiva...............................................................................................16

1.2.2 A dimensão lúdica................................................................................................21

1.3 O desenvolvimento e a aprendizagem de crianças com deficiência mental: o papel das

atividades lúdicas nesse processo.............................................................................................30

1.4 O papel da Psicopedagogia.................................................................................................35

2 METODOLOGIA..................................................................................................................41

3 RESULTADOS......................................................................................................................42

CONCLUSÃO..........................................................................................................................47

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................50

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RESUMO

Este trabalho realiza uma análise a respeito da literatura científica sobre a atividade

lúdica e a dimensão afetiva em crianças com deficiência mental. O lúdico ganha destaque no

cenário educacional por ser uma atividade que agrada à maioria das crianças, além de poder

contribuir para a promoção do desenvolvimento integral da mesma, proporcionando uma

aprendizagem mais significativa. Já a dimensão afetiva vem colaborar e muito no trabalho

pedagógico, em função das relações interpessoais em que ocorre a aprendizagem, seja do

professor com os alunos ou entre os próprios alunos. Valorizar as atividades lúdicas e a

dimensão afetiva no cenário educacional de crianças com deficiência mental é de extrema

relevância para o desenvolvimento e a aprendizagem das mesmas, justificando a importância

de abordar esse tema. Assim, o principal objetivo deste trabalho foi analisar como tem sido

estudada nos trabalhos científicos a importância da afetividade e do lúdico no

desenvolvimento e aprendizagem de crianças que possuem deficiência mental. Para isto, foi

utilizada como metodologia a Pesquisa Bibliográfica, com apoio em livros, artigos de revistas

e pesquisas realizadas em trabalhos acadêmicos. Como resultado, obteve-se dois livros

publicados que discorrem sobre a importância do lúdico em crianças com deficiência mental,

encontrados nos trabalhos de Aufauvre (1987) e Vygotsky (1995). Já em artigos científicos,

destacam-se três trabalhos relacionados ao tema: Silva (1997) e as pesquisas realizadas por

Victor (2003) e Pinto e Góes (2006). Os trabalhos e pesquisas realizadas evidenciaram a

importância da dimensão lúdico-afetiva no desenvolvimento e aprendizagem do aluno com

deficiência mental, destacando a mediação do professor como desencadeador de interações

entre o grupo. Constatou-se que existem poucos trabalhos relacionados a esse tema, o que

implica dizer que há necessidade de maiores pesquisas nessa área, assim como maior

produção literária a respeito do assunto.

Palavras-chave: afetividade, lúdico, deficiência mental.

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Dedico a Deus, pois planejamento também faz

parte de seus planos. Não podemos prescindir

de Deus no encaminhamento do nosso futuro.

Importa seguir o conselho de Martim Lutero:

orar como se tudo dependesse de Deus e agir

como se tudo dependesse de nós.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todas as pessoas que direta ou indiretamente me ajudaram na realização

desse trabalho, especialmente:

À minha família, pelo apoio constante.

Aos professores da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, pelos ensinamentos

e trocas compartilhadas, especialmente à Profª Drª Maria Silvia P. L. da Rocha, pela atenção,

dedicação e orientação na construção desse trabalho.

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INTRODUÇÃO

A questão fundamental que orienta esse trabalho pode ser resumida na seguinte

pergunta: “O que tem sido pesquisado na literatura científica sobre a atividade lúdica e a

dimensão afetiva, tão importantes quando se refere às crianças com deficiência mental ?

A hipótese para o problema é a de que tanto a afetividade quanto o lúdico são

elementos imprescindíveis no processo de desenvolvimento e da aprendizagem da criança,

(especialmente), inclusive quando ela apresenta alguma necessidade educacional especial.

Minha experiência profissional revela que o papel da dimensão afetiva, na atualidade,

assume crescente importância na vida dos alunos, pois muitos deles sofrem com dificuldades

afetivas bastante freqüentes em seus lares. Associado a esse fator, a inversão de valores tem

gerado aumento da falta de respeito, limites, regras, solidariedade, dentre outros; estas

condições têm contribuído para distanciar as pessoas, que perderam a possibilidade de

constituir dentro de si o humano em suas mais desejáveis qualidades.

Numa era tecnológica, as pessoas tendem a se tocar menos e a comunicação entre elas

ao mesmo tempo em que pode se enriquecer, por um lado, pode sofrer com o distanciamento

físico advindo do computador. Todos estes aspectos elucidam a situação atual que revela um

homem mais distante, frio e racional. Perdeu-se o contato, o carinho, o diálogo, as trocas de

experiências, as emoções e interações entre as pessoas, aspectos essenciais em suas vidas e

que fazem parte da afetividade. Por outro lado, ganhou-se tecnologia e velocidade de

informações por meios eletrônicos.

Se, no passado, as crianças ficavam em seus lares aos cuidados da mãe, onde

brincavam livremente pelos campos ou nas ruas, atualmente a situação não é a mesma. As

mães, para promoverem o sustento da casa trabalham e os filhos, desde cedo, já ingressam nas

instituições escolares, como creches e pré-escolas. O tempo livre é despendido dentro de casa,

pois o aumento do trânsito, a violência e a falta de segurança, preocupam os pais, que

preferem que as crianças brinquem dentro de casa que nas ruas. Assim, as crianças ficam

confinadas, em geral empregando seu tempo de brincar com jogos eletrônicos (sejam os de

vídeo-game, sejam os da Internet). Ou seja, as crianças de hoje não brincam mais como as de

ontem.

As atividades lúdicas são importantes para a formação da criança, pois além de

ajudarem no desenvolvimento motor, são boas práticas para propiciar maior interação entre

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elas, cooperação, assimilação de regras, desenvolvimento do raciocínio, dentre outras

habilidades importantes para a aprendizagem infantil.

Sendo assim, acredito ser de grande relevância realizar este assunto, uma vez que este

poderá responder a alguns questionamentos que ainda estão em aberto, adquirindo relevância

pessoal e social.

Crianças que não brincam podem ser mais tristes, introvertidas, de difícil convivência

e terem mais dificuldades quanto à aceitação de regras, além de poderem apresentar uma série

de problemas, seja ele motores, sociais, afetivos e cognitivos que repercutem diretamente na

aprendizagem. Mas, não se pode deixar de falar que não são apenas esses fatores que podem

ser desencadeadores das dificuldades de aprendizagem, existem muitos outros aspectos.

Sendo assim, este trabalho poderá apontar alguns caminhos para que a escola cumpra o seu

papel na educação dos alunos, consolidando sua relevância social.

Minha experiência profissional em instituições escolares da rede pública e,

principalmente em instituições especializadas em educação especial também releva que existe

não apenas as dificuldades afetivas das crianças decorrentes de relações familiares, mas as

dificuldades das instituições educacionais para lidarem com elas, tanto em relação à

afetividade, como na realização de atividades lúdicas. Por meio dos comentários anteriores,

acredito que os motivos para essa situação são: mudança no relacionamento familiar e dos

valores, falta de embasamento teórico dos professores, falhas na formação inicial e continuada

do docente, as condições de funcionamento das instituições, dentre outras.

No que diz respeito à relevância científica, este trabalho poderá ser fonte de pesquisas

para a realização de outros trabalhos acadêmicos, podendo ser um ponto de partida para

reflexão e aprofundamento do assunto em questão.

O principal objetivo deste trabalho é analisar como tem sido estudada nos trabalhos

científicos a importância da afetividade e do lúdico no desenvolvimento e aprendizagem de

crianças que possuem deficiência mental.

Dentre os tópicos que aqui serão abordados, a fim de fundamentar o objetivo principal,

destaca-se:

• conhecer como se dá o processo da construção do conhecimento e da afetividade na

proposta sociointeracionista, fundamentados em Vygotsky e Wallon;

• definir afetividade, sentimentos e emoções;

• conceituar o lúdico;

• diferenciar brinquedo, brincadeiras e jogos;

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• conceituar deficiência mental.

Para atingir o objetivo principal foi realizada uma pesquisa bibliográfica.

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1 BASE TEÓRICA: A APRENDIZAGEM HUMANA E A INFLUÊNCIA DA

DIMENSÃO LÚDICO-AFETIVA

1.1 A aprendizagem na visão de Vygotsky e Wallon

Para explicarmos o desenvolvimento psicológico, partiremos dos pressupostos de

Vygotsky (1995), que argumentou ao longo de toda sua obra que a sociedade é dimensão

crucial na constituição dos seres humanos. O desenvolvimento psíquico “(...) se traduz

entrelaçado ao desenvolvimento histórico da humanidade”. (VYGOTSKY, 1995, p.89).

Desse modo, para o autor e os teóricos do modelo histórico-cultural, é na interação

com o outro que o indivíduo se constitui e se desenvolve.

A formação do sujeito se dá no seio da cultura, em parceria e em presença do outro, que se traduz por uma articulação de saberes, por uma troca que mobiliza e permeia os processos cognitivos. Nessa interação, expõe seus pensamentos, seus modos de interpretar a realidade, suas perspectivas, seus afetos. E essa exposição afetiva se encontra embate com os pensamentos, modos de interpretação, sentimentos, reações e motivos do outro. Nesse encontro, ocorrem transformações que constituem ambos os sujeitos da relação como identidades separadas e ao mesmo tempo, imbricadas com o ambiente social de que provêm e no qual estão. (VYGOTSKY, 1998, p. 37)

Isso quer dizer que as interações sociais permitem a constituição das funções psíquicas

no indivíduo e impulsionam o desenvolvimento, produzindo a construção de um

conhecimento:

Conforme Vygotsky, as funções psíquicas humanas, como a linguagem oral, o pensamento, a memória, o controle da própria conduta, a linguagem escrita, o cálculo, antes de se tornarem internas ao indivíduo, precisam ser vivenciadas nas relações entre as pessoas: não se desenvolvem espontaneamente, não existem no indivíduo como uma possibilidade, mas são experimentadas inicialmente sob a forma de atividade interpsíquica (entre pessoas) antes de assumirem a forma de atividade intrapsíquica (dentro da pessoa). (MELLO, 2004, p.141)

O sujeito, dentro da abordagem vygotskiana é visto como um ser ativo que,

interagindo com outras pessoas, sofre influências das mesmas e, concomitantemente,

interioriza vários conhecimentos a partir de sua ação. Ao longo de todas as aprendizagens,

primeiro se dá a atividade interpsíquica e, posteriormente, a intrapsíquica.

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Nesta visão, o indivíduo é analisado como uma pessoa que traz conhecimentos

decorrentes de suas estruturas, aprendizagens e experiências vividas, assim como também os

recebe do meio social em que se insere.

É nessa interação entre o nível intrapessoal (dentro de si próprio) e da interpessoal

(com o meio e a interação com os outros), que os conhecimentos são adquiridos e o processo

de desenvolvimento se efetiva.

De acordo com Vygotsky (1989) a formação dos conceitos passa por três estágios

principais:

a) 1º estágio: a criança realiza conjuntos e agrupamentos de nexos sem sentido e relação

com os atributos dos objetos, de acordo com as suas percepções.

b) 2º estágio: conhecido como “pensamento por complexos”:

Em um complexo, as ligações entre seus componentes são concretas e factuais, e não abstratas e lógicas. As ligações factuais subjacentes aos complexos são descobertas por meio da experiência direta. (VYGOTSKY, 1989, p. 53).

Portanto, complexo é um agrupamento concreto de objetos, que são unidos por meio

de ligações factuais (ausência da lógica), manifestando-se de vários tipos. Na formação de um

conceito, ocorre o agrupamento de objetos em função de seus atributos. Os complexos são

formados através da combinação de objetos similares.

c) 3º estágio: formação dos conceitos e agrupamento de objetos baseados em um

atributo, abstraindo as características individuais.

A formação conceitual não é linear, porém a passagem de um estágio para outro só se

complementa quando o anterior completou todo o seu curso. O que varia é a antecipação de

um estágio para outro.

É na fase do pensamento por complexos que se iniciam as impressões desordenadas,

que darão a base à generalização, abstração, isolamento dos elementos e análise individual

dos conceitos:

Na verdadeira formação dos conceitos, é igualmente importante unir e separar: a síntese deve combinar-se com a análise. O pensamento por complexos não é capaz de realizar essas duas operações. A sua essência mesmo é o excesso, a superprodução de conexões da debilidade da abstração. (VYGOTSKY, 1989, p.66)

Percebemos que na fase da formação dos complexos ocorrem várias relações, mas a

operação de síntese e análise ainda é impossível. Estas relações conduzem a criança à

generalização e abstração futuras.

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Outra questão importante se trata dos meios utilizados para que essa operação se

efetive: o signo mediador, “na formação de conceitos esse signo é a palavra, que em princípio

tem o papel de meio na formação de um conceito e, posteriormente, torna-se o seu símbolo”.

(VYGOTSKY, 1989, p. 48).

Desse modo, a palavra media o processo de formação de conceitos, pois o indivíduo

aprende pela interação com o objeto e/ou indivíduo, principalmente utilizando-se da

linguagem oral.

No desenvolvimento das funções superiores, a formação dos conceitos é fundamental,

já que a criança interage com os atributos da realidade por meio das palavras, que determinam

as categorias que são organizadas pela cultura. A partir daí, “a linguagem, internalizada, passa

a representar essas categorias e a funcionar como instrumento de organização do

conhecimento”. (OLIVEIRA, 1992, p.31).

Vygotsky diferencia os conceitos em cotidianos e científicos. Os conceitos cotidianos

são adquiridos espontaneamente. Estes diferem dos conceitos científicos, que são formados

através do ensino, por meio da organização do conhecimento.

Existem várias diferenças entre estes dois tipos de conceitos:

A criança adquire consciência dos seus conceitos espontâneos relativamente tarde: a capacidade de defini-los por meio de palavras, de operar com eles à vontade, aparece muito tempo depois de ter adquirido os conceitos. Ela possui o conceito (isto é, conhece o objeto ao qual o conceito se refere), mas não está consciente do seu próprio ato de pensamento. O desenvolvimento de um conceito científico, por outro lado, geralmente começa com sua definição verbal e com sua aplicação em operações não-espontâneas – ao se operar com o próprio conceito, cuja existência na mente da criança tem início a um nível que só posteriormente será atingido pelos conceitos espontâneos. (OLIVEIRA, 1992, p.31).

Observamos que a tomada de consciência dos conceitos acontece após a sua aquisição,

enquanto que no caso dos conceitos científicos, inicia-se anteriormente à sua aquisição: no

primeiro caso, ocorre a exploração antes da consciência e no segundo caso, ocorre o inverso,

primeiro a consciência e depois a exploração.

Oliveira (1992) afirma que essa diferença se dá em função de sua origem: o

conhecimento espontâneo advém de situações conflituosas e concretas, enquanto que o

científico decorre de um comportamento mediado em relação ao objeto. Assim, os conceitos

científicos são formados por um conjunto de relações numa atitude metacognitiva, isto é “de

consciência e controle deliberado por parte do indivíduo, que domina seu conteúdo no nível

de sua definição e de sua relação com outros conceitos”. (OLIVEIRA, 1992, p. 32).

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As interações têm repercussão significativa na aprendizagem e no desenvolvimento do

sujeito e, por meio delas, internalizamos os produtos da cultura (crenças, valores,

conhecimento, práticas), nos apropriando das mesmas. As interações são fundamentais no

processo de aprendizagem, especialmente quando atuam decisivamente na zona de

desenvolvimento proximal ou potencial da criança.

Tendo em vista a afirmação acima, é necessário definirmos as zonas de

desenvolvimento propostas por Vygotsky (1998):

• zona de desenvolvimento real: consolidam-se como os conhecimentos já adquiridos

pelo sujeito e por sua capacidade de resolver os problemas sozinha;

• zona de desenvolvimento potencial: constituem os conhecimentos que deverão ser

adquiridos pelo sujeito ao longo do processo de aprendizagem. São os conhecimentos

e habilidades esperadas por esse indivíduo.

• zona de desenvolvimento proximal: corresponde ao processo de toda a caminhada na

aquisição dos conhecimentos. É a ponte que liga os conhecimentos já adquiridos pelo

sujeito (zona de desenvolvimento real) até ele atingir os conhecimentos esperados, o

ideal (zona de desenvolvimento potencial).

Constata-se que todos os níveis de desenvolvimento estão relacionados com aquilo

que a criança já tem: o desenvolvimento real ou efetivo – todo o conhecimento já adquirido

pela criança e o desenvolvimento potencial – todo o conhecimento a ser conquistado.

Em relação à zona de desenvolvimento proximal, esta consolida-se como:

(...) o caminho que o indivíduo vai percorrer para desenvolver funções que estão em processo de amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas no seu nível de desenvolvimento real. A zona de desenvolvimento proximal é, pois, um domínio psicológico em constante transformação; aquilo que uma criança é capaz de fazer com a ajuda de alguém hoje, ela conseguirá fazer sozinha amanhã. É como se o processo de desenvolvimento progredisse mais lentamente que o processo de aprendizado; o aprendizado desperta processos de desenvolvimento que, aos poucos, vão tornar-se parte das funções psicológicas consolidadas do indivíduo. (OLIVEIRA, 1995, p.60)

Com estes dizeres podemos afirmar que todos os alunos possuem zonas de

desenvolvimento real e que o professor, ao ensinar os conhecimentos, deve esperar que estes

atuem na zona de desenvolvimento potencial. A caminhada de todo este processo é chamada

de zona de desenvolvimento proximal.

Porém, muitas vezes constatamos que esse processo não se efetiva, haja vista que

existem professores ensinando coisas que os alunos não têm a menor condição de aprender e

tantos outros “ensinando” coisas que eles já sabem. Assim, não tomam como base a zona de

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desenvolvimento real do aluno, prejudicando sua aprendizagem e, conseqüentemente, seu

desenvolvimento.

Dessa maneira, compreendemos que para que o desenvolvimento aconteça, é

necessário considerar tanto o nível de desenvolvimento real quanto o potencial. O educador

deve, portanto, trabalhar na zona de desenvolvimento proximal, pois se o mesmo ficar restrito

apenas à zona de desenvolvimento real, trabalhará apenas com os conhecimentos que as

crianças já dominam.

Ao se procurar investir na zona de desenvolvimento potencial, os conteúdos serão

difíceis de serem assimilados, já que constituem saberes que vão além das competências já

consolidadas do aluno, de seus conhecimentos prévios.

A relevância do trabalho com a zona de desenvolvimento potencial também permite:

Verificar não somente os ciclos já completados, como também os que estão em via de formação, o que permite o delineamento da competência da criança e de suas futuras conquistas, assim como a elaboração de estratégias pedagógicas que a auxiliem nesse processo. (REGO, 1995, p. 74)

Sendo assim, o ideal é o educador trabalhar com aquilo que os educandos dominam,

para ampliar gradativamente os seus conhecimentos.

Vygotsky (1998) explica que a origem do pensamento é oriunda de uma necessidade,

interesse, desejo, afeto, emoção: decorre daí a necessidade de compreender o homem em sua

plenitude. Assim, para compreender o pensamento humano, é necessário analisar também a

sua emoção e sua socialização. Não se pode separar o intelecto do afetivo e, este autor:

Demonstra a existência de um sistema dinâmico de significados em que o afetivo e o intelectual se unem. Mostra que cada idéia contém uma atitude afetiva transmutada com relação ao fragmento de realidade ao qual se refere. Permite-nos ainda seguir a trajetória que vai das necessidades e impulsos de uma pessoa até a direção específica tomada por seus pensamentos, e o caminho inverso, a partir de seus pensamentos até o seu comportamento e a sua atividade. (OLIVEIRA, 1992, p. 77).

Constatamos que o pensar engloba situações significativas da esfera afetiva e vice-

versa, demonstrando a complementaridade destes aspectos na totalidade. O fator afetivo

também deve ser tomado como ponto de partida para a análise do desenvolvimento

psicológico.

Wallon, assim como Vygotsky, postula uma teoria do desenvolvimento centralizada na

psicogênese da pessoa em sua totalidade. A origem da inteligência é genética e organicamente

social, ou seja, “O ser humano é organicamente social e sua estrutura orgânica supõe a

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intervenção da cultura para se atualizar”. (GALVÃO, 1995, p. 33). Por isso, o homem é um

ser social e nesse processo de socialização, como na busca de conhecimentos em que entram

em cena os aspectos orgânicos, é necessária a presença da mediação, uma mediação que

depende diretamente das questões culturais. Assim, a atuação do sujeito sobre o real é sempre

mediada pelo social.

Galvão (1995), fundamentada em Wallon, aponta que o desenvolvimento da

personalidade se dá pela integração da motricidade, emoção e pensamento. O homem não

pode ser analisado sem estes três aspectos, já que um depende diretamente do outro.

A motricidade humana, descobre Wallon em sua análise genética, começa pela atuação sobre o meio social, antes de poder modificar o meio físico. O contato com este, na espécie humana, nunca é direto: é sempre intermediado pelo social, tanto em sua dimensão interpessoal, quanto cultural. (DANTAS, 1992, 38).

A relação entre os diversos aspectos do desenvolvimento humano é trabalhada pela

teoria walloniana, porque a genética é um dos fatores que determinam o desenvolvimento

humano, que é influenciado pelas questões culturais e se assim é, constitui-se em sinal de que

ocorre a intermediação de outrem, ou seja, a questão social.

O conhecimento, a consciência e o desenvolvimento não podem ser separados das

emoções:

Estas primeiras relações de similitudes e diferenças entre a debilidade motora e a debilidade mental, somadas à contribuição de Wallon relativa à ação recíproca entre o movimento, emoção, indivíduo e meio ambiente, fazem o delineamento de um primeiro momento do campo psicomotor: é o momento do paralelismo e, portanto, da relação (tentativa de separação do dualismo cartesiano) entre o corpo, expressado basicamente no movimento e a mente, expressada no desenvolvimento intelectual e emocional do indivíduo. (LEVIN, 1999, p. 45).

Observamos, novamente, a integração dos aspectos do desenvolvimento humano por

Wallon, que relaciona os aspectos motores aos cognitivos, afetivos e sociais. É o estudo da

criança contextualizada, que no processo de desenvolvimento sofre conflitos resultantes de

sua ação com o meio, numa construção progressiva e descontínua.

O desenvolvimento da criança, segundo Wallon (apud Galvão 1995) passa por cinco

estágios:

• Impulsivo-emocional: ocorre no primeiro ano de vida. As primeiras reações do bebê

são motoras-afetivas, como por exemplo, mexer os braços ao ver a mãe. São estes

movimentos que colocam o bebê em contato com o mundo físico e ele necessita de

alguém para sobreviver neste meio;

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• Sensório-motor e projetivo: do primeiro ao terceiro ano de vida e caracteriza-se pelo

pensamento na realização das ações “motoras-afetivas”. O bebê começa a ter um

maior controle de seus movimentos e, nesta fase, surgem a linguagem e o andar

decorre disto, o nome sensório-motor, em que o ato precede o pensamento. A

passagem do ato ao pensamento se dá com o estágio denominado de projetivo –

porque a ação do pensamento precisa dos gestos para exteriorizar. É o que permite a

Wallon dizer: o ato mental se desenvolve a partir do ato motor. (DANTAS, 1992).

Surge neste estágio a função simbólica.

• Personalismo: fase que vai dos três aos seis anos de idade, caracterizada pela

consciência de si mediante as interações sociais, colaborando para a formação da

personalidade, daí o nome personalismo. Isso faz com que ocorra o interesse pelas

pessoas, embora ocorram também processos de oposição e negação.

• Categorial: inicia-se aos seis anos e caracterizada pelo avanço intelectual em que a

criança dirige seus interesses para as coisas, para o conhecimento e a conquista do

meio exterior.

• Adolescência: inicia-se com a puberdade, ou seja, aproximadamente aos 12 anos de

idade; durante este estágio ocorre a redefinição da personalidade, em função das

características pessoais, morais e de valores conquistados ao longo de seu

desenvolvimento e devido às modificações corporais resultantes da ação dos

hormônios.

A afetividade, na teoria walloniana, ocupa destaque principal, tanto no

desenvolvimento do indivíduo, quanto na formação dos conhecimentos. A conceituação da

atividade emocional é bastante complexa, ela é “simultaneamente social e biológica em sua

natureza; realiza a transição entre o estado orgânico do ser a sua etapa cognitiva, racional, que

só pode ser atingida através da mediação cultural, isto é social.” (DANTAS, 1992, p. 85).

Assim, a emoção é social porque as emoções envolvem sentimentos entre as pessoas e

biológica porque a emoção provém de mecanismo de nosso organismo (biológico), num ato

reflexivo que faz com que o sistema nervoso dispare uma reação (motricidade).

Dantas (1992) explica que as teorias das emoções tradicionais tratam este processo de

maneira mecanicista, não enxergando as relações entre ela e as outras áreas do

desenvolvimento humano; diferentemente, Wallon procurou analisar as emoções como

reações organizadas e que exercem o comando do sistema nervoso central, estando, portanto,

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na origem da atividade intelectual. O mesmo autor além de relacionar as áreas do

desenvolvimento humano, compara com a relação existente entre o sujeito e o objeto:

Deve-se então concluir que a construção do sujeito e a do objeto alimentam-se mutuamente, e mesmo afirmar que a elaboração do conhecimento depende da construção do sujeito nos quadros do desenvolvimento humano concreto. (DANTAS, 1992, p.91).

Compreendemos, com esses dizeres, que a relação entre o sujeito e o objeto de

conhecimento acontece pela por meio de interações e inter-relações e nesse processo,

concomitantemente ocorre o desenvolvimento da inteligência e a afetividade, que se

processam e se afetam mutuamente.

1.2 A importância da afetividade e das atividades lúdicas no processo de

desenvolvimento e aprendizagem da criança

1.2.1 A dimensão afetiva

Muitas pessoas costumam utilizar o termo afetividade como sinônimo de emoções e

sentimentos. Existe entre diversos autores a idéia consensual de que estes termos representam

significados e funções diferenciadas, as quais necessitamos distinguir, uma vez que nos

propomos em falar da influência da afetividade na aprendizagem infantil.

No Dicionário Aurélio, o vocábulo emoção define-se como “Reação intensa e breve do

organismo a um lance inesperado, a qual se acompanha dum estado afetivo de conotação

penosa ou agradável”. Ou seja, uma reação do sujeito a um fato inesperado; diante disso, o

organismo lança uma reação para determinado fato e isso chama-se emoção.

As emoções são:

(...) conjuntos complexos de reações químicas e neurais, determinadas biologicamente e dependentes de mecanismos cerebrais. As emoções usam o corpo como teatro e afetam o modo de operação de inúmeros circuitos cerebrais. (DAMASIO, 2000, p.74-75).

Desse modo, compreendemos que as emoções constituem dispositivos internos do

organismo, cuja função está atrelada à regulação do funcionamento corporal e mental do

homem.

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Podemos citar diversas emoções: alegria, tristeza, raiva, ciúmes, vergonha, medo,

dentre outras. Araújo (2003, p. 153) inclui também as chamadas emoções de fundo, como a

calma e a tensão, pois as mesmas “(...) fazem parte de nossos mecanismos biorreguladores

que, desenvolvidos filogeneticamente, visam à nossa sobrevivência e ao nosso bem-estar”.

Na concepção de Maturana (2004, p.23), “A emoção fundamental que torna possível a

história da hominização é o amor. O amor é a emoção que constitui o domínio de condutas em

que se dá a operacionalidade da aceitação do outro como legítimo outro na convivência, e é

esse modo de convivência que conotamos quando falamos do social”.

A emoção explicitada pelo autor é diferente de sentimento e expressa as “disposições

corporais dinâmicas que definem os diferentes domínios de ação em que nos movemos”.

(MATURANA, 2004, p.15).

O termo sentimento refere-se:

(...) à experiência mental privada de uma emoção. Em organismos superiores, como é o caso do ser humano, a consciência permite que tais emoções sejam “sentidas” e, portanto, sejam conhecidas, na forma de sentimentos. (DAMÀSIO, 2000, p.64).

Em suma, os sentimentos não são reações a um estímulo, como acontece com as

emoções, que são exteriorizadas. No caso dos sentimentos, esses constituem na interiorização

de uma emoção, formando um sentimento. As emoções são sentidas e o ser humano toma

consciência deles por meio dos sentimentos, ou seja:

A consciência permite que os sentimentos sejam conhecidos e, assim, promove internamente o impacto da emoção, permitindo que ela, por intermédio do sentimento, permeie os processos de pensamento. (DAMÁSIO, 2000, p.80).

O conhecimento das relações entre emoções e sentimentos torna-se válido porque

evidencia não apenas a diferenciação entre os termos, mas também estabelece a importância

da consciência e a constatação de que emoções e sentimentos influenciam o funcionamento

cognitivo do ser humano, já que o mesmo é influenciado por eles.

Após isso, se faz necessário definirmos o conceito de afetividade:

Conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre da impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza. (AURÈLIO, 1994)

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Nessa definição, a afetividade é um conjunto de reações que são manifestadas por

meio de emoções e sentimentos e estes influenciam as ações humanas, pois quando estamos,

por exemplo, nervosos agimos de maneira diferente de quando estamos calmos.

Já Ballone (2005, p.1) define a afetividade como:

O estado de ânimo ou humor, os sentimentos, as emoções e as paixões e reflete sempre a capacidade de experimentar sentimentos e emoções. A afetividade é quem determina a atitude geral da pessoa diante de qualquer experiência vivencial, promove os impulsos motivadores e inibidores, percebe os fatos de maneira agradável ou sofrível, confere uma disposição indiferente ou entusiasmada e determina sentimentos que oscilam entre dois pólos, a depressão e a euforia. (BALLONE, 2005, p.1).

O mesmo autor também explica que a afetividade valoriza todos os aspectos externos

(acontecimentos) e internos (causas subjetivas: medos, conflitos, anseios), sejam estes

presentes, assim como os fatos passados e projeções do futuro. Compara a afetividade com

óculos, responsável pela visão das pessoas: se estes estiverem corretos, projetam uma visão

adequada; se incorretos, causam a distorção do que é visto, da realidade. No entanto,

compreende-se que a visão das coisas varia de pessoa para pessoa. O que é certo para um

indivíduo, pode ser considerado como errado para outro.

Nesse sentido, compreendemos que a afetividade é o fator que influencia o modo

como o sujeito percebe e se relaciona com a realidade, sendo portanto, um aspecto que

participa, de modo ativo e constante, da formulação dos pensamentos e as ações das pessoas.

O papel do professor no processo de aprendizagem é vital, pois as relações

estabelecidas em sala de aula dependem, sobretudo, da postura pedagógica do docente e “essa

interrelação é o fio condutor, o suporte afetivo do conhecimento”. (SALTINI, 1997, P.89).

Indo mais além, o mesmo autor declara:

Neste caso, o educador serve de continente para a criança. Poderíamos dizer, portanto, que o continente é o espaço onde podemos depositar nossas pequenas construções e onde elas tomam um sentido, um peso e um respeito, enfim, onde elas são acolhidas e valorizadas, tal qual um útero acolhe um embrião (SALTINI, 1997, p. 89).

A criança quando adentra para a escola rompe com sua vida familiar para um novo

tipo de convivência social, que deve ser a mais agradável possível e, quando esta encontra

apoio do professor e dos colegas, tornam-se redobradas as chances da facilitação da

aprendizagem.

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Sobre essa questão:

A todo momento, a escola recebe crianças com auto-estima baixa, tristeza, dificuldades em aprender ou em se entrosar com os coleguinhas e as rotulamos de complicadas, sem limites ou sem educação e não nos colocamos diante delas a seu favor, não compactuamos e nem nos aliamos a elas, não as tocamos e muito menos conseguimos entender o verdadeiro motivo que as deixou assim. (MUKHINA, 1995, p.208).

É importante destacar que os sentimentos fazem parte de todos os aspectos da vida da

criança e, analisando sua afetividade, poderemos reconhecer que tipos de sentimentos

imperam em sua vida. Outra constatação é a de que:

A criança extrai suas vivências principalmente do contato com outras pessoas, adultos ou crianças. Se os que a rodeiam a tratam com carinho, reconhecem seus direitos e se mostram atenciosos, a criança experimenta um bem-estar emocional, um sentimento de segurança, de estar protegida. (MUKHINA, 1995, p. 209).

O mesmo autor complementa: “O bem estar emocional ajuda o desenvolvimento

normal da personalidade da criança e a formação de qualidades que a tornam positiva,

fazendo-a mostrar-se benevolente com outras pessoas” (MUKHINA, 1995, p.210). Assim,

reconhecemos o valor da dimensão afetiva sobre o desenvolvimento da criança, assim como

na formação de sua personalidade, já que a vivência de sentimentos positivos tende a

desencadear ações também positivas.

A afetividade é também um fator primordial para a aprendizagem:

Assume-se que a natureza afetiva da experiência (prazerosa ou aversiva) depende da qualidade da mediação vivenciada pelo sujeito, na relação com o objeto; na escola, as condições de mediação são planejadas e desenvolvidas, principalmente, pelo professor. (...). A afetividade se constitui como um fator de grande importância na determinação da natureza das relações que se estabelecem entre os sujeitos (alunos) e os diversos objetos de conhecimento (áreas e conteúdos escolares), bem como na disposição dos alunos diante das atividades propostas e desenvolvidas. (LEITE, 2006, p.26)

Desta forma, se a questão da afetividade for um aspecto de destaque no contexto

escolar, tenderá a favorecer a aprendizagem dos alunos, já que os mesmos formarão

experiências prazerosas oriundas das interações estabelecidas entre as pessoas e o objeto de

conhecimento.

Perrenoud (1993) afirma que o ensino é uma profissão relacional, ou seja, o professor

com suas palavras, seus gestos, seu corpo, dá sentido, luz ou sombras às informações que faz

chegar aos alunos:

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Será preciso acrescentar que as profissões relacionais complexas, além de competências, mobilizam fundamentalmente a pessoa que intervém; é o principal “instrumento de trabalho”. É com seu espírito, mas também os sentimentos, o corpo, as entranhas, as palavras e os gestos que tenta dar sentido aos conhecimentos e influenciá-los. (PERRENOUD, 1993, p.180).

Então, se ser professor é uma profissão relacional complexa e se boa parte dos saberes

é construída na relação com o outro, os professores precisam conhecer e valorizar as relações

interpessoais, nas quais todos se encontram enredados.

Para que os professores realizem o ensinar de uma forma efetiva e significativa, ele

precisa saber que o condimento essencial nesse processo é o vínculo afetivo, pois as emoções,

necessidades e interesses permeiam toda relação pedagógica:

Ensinar é desencadear um programa de interações com um grupo de alunos, a fim de atingir determinados objetivos educativos relativos à aprendizagem de conhecimentos e à socialização. (TARDIF, 2002, p.118).

Nesse sentido, ensinar requer a disponibilidade para lidar com o outro, aceitá-lo e

compreendê-lo. A interação humana é educativa na medida em que convivendo num grupo, o

sujeito se educa e é educado. Nesta relação alguns sentimentos negativos serão atualizados em

todos: tanto nos alunos, quanto nos professores.

O mesmo autor postula que ensinar não exige apenas o pensar nos alunos, mas

também perceber e sentir suas necessidades, emoções, desejos, conflitos, alegrias. O professor

não transmite apenas conhecimentos (aspecto cognitivo), mas também dissemina valores e

princípios (aspecto afetivo).

A interação entre esses aspectos é que propicia a formação da personalidade do

indivíduo. É na relação interpessoal que o sujeito forma suas idéias, valores, princípios

morais, hábitos e atitudes do convívio social. É dentro desse contexto que se reconhece a

importância do grupo como elemento formador do sujeito.

A escola é um grupo social e nela, a interação se consolida por meio das relações

concretas e específicas existentes em seus diversos espaços e/ou situações. Existem diversas

atividades que favorecem essas relações. Uma delas, é a atividade lúdica, que é uma situação

privilegiada pela criança, pois nela são desencadeadas as relações interpessoais, favorecendo a

socialização, trocas afetivas, cognição.

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1.2.2 A dimensão lúdica

O lúdico é um tema de grande relevância na educação infantil, pois é uma atividade

que agrada às crianças, podendo se tornar um recurso bastante rico para o desenvolvimento de

aprendizagens significativas. Neste ponto do capítulo discutiremos a relação das atividades

lúdicas com o desenvolvimento da criança, mais precisamente os benefícios dessas atividades

sobre o processo de aprendizagem infantil.

Esta questão torna-se imprescindível, pois muitos educadores, levados por tradicionais

paradigmas, acreditam que as brincadeiras são meras atividades de lazer, desvinculadas do

processo de aprender. No entanto, atualmente são vários os autores que afirmam que as

atividades lúdicas beneficiam não apenas a aprendizagem, como também o desenvolvimento

infantil em seus mais diversos aspectos: cognitivo, social, afetivo, motor etc.

Sabemos que a função da escola é promover o desenvolvimento integral da criança,

em todos os seus aspectos, ao menos no que se formula no nível discursivo. Na imensa

maioria dos casos, entretanto, o lado afetivo é um dos aspectos menos trabalhados em

decorrência da “formalidade” do ensino e dos moldes tradicionais de educação a que fomos

sujeitos e que continuamos transmitindo às novas gerações: de um lado, o professor detentor

do saber e de outro, o aluno receptor de informações, que não compartilha com o outro os

conhecimentos.

A questão lúdica também é, freqüentemente, colocada como prática de menor

importância, haja vista como as aulas de Educação Física (em que a modalidade de jogos de

regras é uma de suas principais práticas) são desvalorizadas no ambiente escolar em

detrimento a outras áreas/disciplinas que possuem grande importância, como a Língua

Portuguesa e a Matemática.

Essa desvalorização se faz presente também na forma como o movimento é de certa

maneira contido no ambiente escolar: as crianças, principalmente as menores necessitam do

movimento e, vêem na escola a oportunidade para liberá-lo, como nos intervalos, em que os

alunos ficam agitados, correm, brincam. Porém, a escola cobra das crianças certa rigidez

corporal, pois é preciso formar filas, no recreio não se pode correr, entre outras formas

utilizadas para subordinação do corpo.

A própria disposição das salas de aula, arranjadas em carteiras demonstram a

desvalorização do movimento e a afirmação de que dentro da sala de aula é o momento de

“parar”, de pensar. Valoriza-se a cognição em detrimento à motricidade:

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Na escola, a criança permanece durante muitas horas em carteiras escolares nada adequadas. Muitas vezes a criança apresenta uma certa resistência para ir à escola. O fato não reside no total desagrado pelo ambiente ou pela nova forma de vida e, sim, por não encontrar canalização para as suas atividades preferidas. O crescimento, ainda em marcha, exige maior consumo de energia e não se pode permitir que a criança permaneça por longo tempo, trancafiada numa sala de aula, calma e quieta quando ela mais necessita do movimento. (ROSA; NISIO, 1998, p.18).

Isso quer dizer que a criança necessita gastar sua energia e que em casa e na escola ela

muitas vezes não encontra essa condição, pois no ambiente escolar a preocupação é com a

cognição e alfabetização do aluno. Porém, esses professores desconhecem que:

Ao alfabetizador cabe a responsabilidade de, através de situações concretas envolvendo objetos e o próprio corpo do aluno, com atividades motoras, preparar a criança antes de expô-la a atividade gráfica. (ROSA;NISIO, 1998, p. 33).

Muitos professores desconhecem que, brincando, a criança além de se socializar,

aprender a respeitar regras, estabelecer vínculos afetivos, aprende e ao mesmo tempo, prepara

para a etapa de alfabetização, onde é importante a criança já ter adquirido algumas habilidades

necessárias a esse processo, como a coordenação motora, a lateralidade, a orientação espaço-

temporal, dentre outras. No caso da atividade lúdica, os jogos de faz-de-conta são

especialmente importantes para a constituição da capacidade de operar no campo simbólico e

de construir narrativas, habilidades extremamente importantes para a alfabetização e o

letramento.

As relações entre as pessoas e as trocas de experiências são elementos cruciais da

afetividade, já que é no convívio com os seus pares que a criança busca a soluções dos

problemas, constrói saberes e vivências, conduzindo a atitude geral da pessoa e a construção

de sua personalidade. Isso pode ser conquistado de modo extremamente rico por meio das

atividades lúdicas.

Vale lembrar que na Educação Infantil estes aspectos devem ser especialmente

promovidos, pois a sua finalidade é com o desenvolvimento integral da criança, como

estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/96. Nesse

sentido, um professor que se compromete a atingir tais objetivos “necessita” inserir em sua

prática diária as atividades lúdicas por dois motivos básicos:

• primeiro porque promove o desenvolvimento integral da criança;

• segundo, porque é uma atividade de grande interesse pela criança, que, em geral,

desenvolve-a com prazer.

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O educador, ao inserir no seu dia-a-dia as atividades lúdicas estará atendendo os

interesses de seu alunado, pois a criança nesta etapa do desenvolvimento “necessita” do

movimento, já que ele constitui a linguagem corporal: “A criança se expressa e se comunica

por meio dos gestos e das mímicas faciais e interage utilizando fortemente o apoio do corpo”

(BRASIL, 1998, p. 18). Assim, torna-se relevante conceituar este termo.

Segundo Michaelis (1998, p.1281), lúdico é tudo “que se refere a jogos e brinquedos

ou aos jogos públicos dos antigos”. Por essa conceituação podemos entender que o lúdico

refere-se a uma atividade que causa divertimento, mas será que jogo, brinquedo e brincadeira

são palavras que possuem o mesmo significado ?

Retomando a Michaelis (1998, p. 359), a definição para brincadeira é a seguinte:

“Ação de brincar. Brinquedo. Folgança. Festa familiar. Baile improvisado. Gracejo,

zombaria”.

Quanto ao brinquedo: “Objeto feito para o divertimento das crianças; brinco.

Divertimento entre crianças. Brincadeira. Reunião em que há danças. Folguedo, folia”

(MICHAELIS, p. 359).

Em relação ao jogo: “Brincadeira, divertimento, folguedo” (MICHAELIS, 1998,

p.1204).

Por estas conceituações, acabamos por entender que brincadeira, brinquedo e jogos

possuem muitas semelhanças e são, freqüentemente, usados como sinônimos; mas, na

realidade, cada uma dessas atividades apresenta especificidades. Devido a esse motivo,

diversos autores tentaram definir as características de cada uma dessas atividades,

diferenciando-as.

O lúdico é um conceito abrangente, mas Huizinga (1971, p.5) identifica a sua principal

característica “O lúdico é encontrado por meio do jogo, que têm na sua essência o

divertimento (prazer, agrado, alegria)”.

Sendo assim, toda e qualquer atividade lúdica, seja ela uma brincadeira, um brinquedo

ou um jogo; proporcionará a seus participantes o agrado e alegria. Se, brinquedos,

brincadeiras e jogos são atividades lúdicas, estas, embora pareçam semelhantes, possuem

características específicas.

Marcellino (1997, p. 26) diferencia o brinquedo, dos jogos e brincadeiras:

Pela caracterização do brinquedo como objeto, cuja utilização seria marcada, com maior intensidade, pelo exercício individual e pela gratuidade, enquanto o jogo e a brincadeira seriam distinguidos pela ação coletiva mais próxima do culto a excelência na prática, á destreza, ao desejo de vencer e à disputa.

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O autor evidencia que o brinquedo é uma atividade caracterizada pela ação individual,

que a criança brinca com o apoio de um objeto, ou seja, o “brinquedo”. Quando falamos dos

brinquedos, estamos nos referindo tanto àqueles construídos pelo adulto (bola, boneca,

carrinho, pião etc), como aqueles construídos pela criança, que podem ou não parecer com

reais objetos que procuram representar.

Podemos citar, por exemplo, um cabo de vassoura, que no jogo simbólico (faz-de-

conta) vira um cavalinho. Então, a vassoura na brincadeira é um brinquedo, isso porque:

É a função lúdica que atribui o estatuto de brinquedo ao objeto fabricado pela indústria de brinquedo ou a qualquer outro objeto. (...). A caneta enquanto preenche sua função usual é apenas um objeto. Passa a ser brinquedo quando a criança a utiliza com outro significado (colher, pente). (KISHIMOTO, 2002, p.08).

Kishimoto (2002, p. 07), de maneira objetiva, define brinquedo “será entendido

sempre como objeto, suporte da brincadeira”. Nesse sentido, compreendemos que o brinquedo

refere-se apenas ao objeto que a criança utiliza em sua brincadeira, seja ele real (bola) ou os

objetos que se transformam no lúdico em verdadeiros brinquedos (vassoura que vira

cavalinho).

Rego (1995), citando Vygotsky, diz que as brincadeiras são excelentes meios que

podem ser utilizados pelos educadores para intervir na zona de desenvolvimento proximal,

beneficiando o desenvolvimento infantil e explica que por meio do brinquedo, a criança

diferencia o significado das coisas do que ela vê: se antes ela era orientada pelo que via no

ambiente, agora, passa a ser orientado pelas suas idéias.

Nesse mundo imaginário, a criança utiliza símbolos (materiais) que servem para

representar uma realidade inexistente, por exemplo, uma caneta se transforma numa colher

em uma brincadeira. Diante dessa situação, a criança imagina e abstrai as características dos

objetos reais para incorporá-los à brincadeira com um novo significado:

A criança passa a criar uma situação ilusória e imaginária, como forma de satisfazer seus desejos não realizáveis. Esta é, aliás, a característica que define o brinquedo de um modo geral. A criança brinca pela necessidade de agir em relação ao mundo mais amplo dos adultos e não apenas ao universo dos objetos a que ela tem acesso. A brincadeira representa a possibilidade de solução do impasse causado, de um lado, pela necessidade de ação da criança e, de outro, por sua impossibilidade de executar as operações exigidas por essas ações (REGO, 1995, p. 82)

Com isso, observamos que a criança brinca como forma de satisfazer os seus desejos,

pois estes às vezes consolidam-se como operações impossíveis de serem realizadas na prática,

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como é o caso de dirigir um carro ou cuidar de um bebê. Assim, a criança no faz-de-conta se

espelha no adulto, procurando assumir papéis que sejam atrativos para elas experimentarem.

É interessante notar que em qualquer brincadeira existem regras. Por exemplo, na

situação em que a criança “tenta” cuidar do bebê (boneca), ela o faz assumindo o papel de

mãe. Ao realizar tal façanha, acaba assimilando as regras: “A criança sempre se comporta

além do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário: no

brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade” (VYGOTSKY, 1995, p. 83).

Segundo Rego (1995), mesmo ocorrendo uma distância entre o comportamento da

vida real e aquele observado no brinquedo, estes criam zonas de desenvolvimento proximal na

medida em que a criança atua no mundo imaginário, pois conduzem à assimilação de

conceitos e processos em desenvolvimento.

E quanto à brincadeira ?

Huizinga (1971) caracteriza a brincadeira como uma atividade marcada pelo prazer,

sendo, portanto, voluntária e não-séria. Cabe aqui, discutirmos mais a questão do não-sério,

pois isso não quer dizer que a brincadeira seja uma atividade não-séria, muito pelo contrário:

para a criança, brincar é uma atividade muito importante. A falta de seriedade evidenciada

pelo autor refere-se à própria atividade lúdica, que causa alegria e divertimento, sem a

preocupação de produzir algo; portanto, na sociedade capitalista, tende a ser visto como algo

improdutivo, que se contrapõe ao trabalho, que é considerada uma atividade séria e

valorizável. É uma concepção errônea, pois o lúdico é muito produtivo na aprendizagem e

desenvolvimento infantil, porém como a escola está a serviço apenas de uma minoria,

interessada em produtividade e consumismo, o lúdico é considerado como uma atividade não-

séria, improdutiva. É um paradigma que necessita ser mudado.

Kishimoto (2002, p. 07) também define a brincadeira como “uma conduta estruturada,

com regras” diferenciando-a do jogo, que serve para designar “tanto o objeto e as regras do

jogo da criança (brinquedo e brincadeiras)”. Assim, a brincadeira consolida-se como a

atividade lúdica em que a criança brinca, mas sem o apoio de um brinquedo e o jogo consiste

na associação da brincadeira e do brinquedo.

No tocante ao jogo, diversos autores tentam caracterizá-lo e, mediante este fato,

recorreremos às principais características dos jogos:

O prazer demonstrado pelo jogador, o caráter “não-sério” da ação, a liberdade do jogo e sua separação dos fenômenos cotidianos, a existência de regras, o caráter fictício ou representativo e a limitação do jogo no espaço e no tempo. (HUIZINGA, 1971, p.87).

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Um aspecto importante apontado pelo autor é a questão do “caráter não-sério” da

atividade, pois o autor na verdade não quis defini-la como tal, mas no caráter lúdico, pois

descontrai o sujeito, saindo da seriedade e dos constrangimentos mais típicos do dia-a-dia. A

liberdade definida pelo autor refere-se à ação voluntária do mesmo.

Segundo o mesmo autor, o jogo dos “humanos” é diferente dos jogos dos animais e

caracteriza-se pelo caráter não-sério e simbólico, a liberdade, o prazer, o estabelecimento de

regras dentro de um tempo e de um espaço e a uma situação diferenciada do cotidiano.

Embora o autor defenda o prazer como uma característica do jogo, outros autores não

compartilham com essa mesma idéia, como é o caso de Vygotsky (1998). Para esse autor, às

vezes, a criança está brincando e acaba sendo forçada a realizar uma atividade que acaba

gerando desprazer na sua realização. Kishimoto (2002, p. 12) também se posiciona favorável

a essa idéia: “há momentos em que o jogo tem o papel inverso, isto é, pode gerar o desprazer

mediante situações de esforço ou descontentamento na busca dos objetivos do jogo”.

A mesma autora complementa: “A psicanálise também acrescenta o desprazer como

constitutivo do jogo, especialmente ao demonstrar como a criança representa, em processos

catárticos, situações extremamente dolorosas”. (KISHIMOTO, 2002, p.4)

Kishimoto (2002, p. 4) aponta as principais características do jogo infantil:

• não-literalidade: nos jogos a realidade externa é trocada pela interna. Uma

situação não-literal é a criança utilizar a boneca para ser o seu filho; • efeito positivo: apresenta como marca a alegria, pois ao jogar, o riso é uma

constante, o que repercute como um efeito positivo para o desenvolvimento da criança;

• flexibilidade: nos jogos as situações são mudadas em função do interesse da criança, bem como existe a proposição de novas idéias para a solução de problemas;

• prioridade do processo de brincar: na brincadeira, a criança se preocupa com a atividade e não com os resultados que ela possa trazer;

• livre escolha: é caracterizado como jogo a atividade escolhida pela criança e não determinada pelo adulto;

• controle interno: as crianças acabam tendo o controle de toda a situação do jogo, já que elas têm liberdade para agir.

Assim, observamos que cada autor caracteriza a brincadeira ou jogo dentro de

determinados referenciais, havendo um consenso maior a respeito do brinquedo, que é o

objeto utilizado pela criança ao brincar. Todas estas atividades são lúdicas e trazem benefícios

às crianças.

Analisaremos como a literatura explicita a função dos jogos e brincadeiras no

desenvolvimento emocional, social, psicológico e físico das crianças. Essa preocupação se faz

presente porque é muito importante que as crianças brinquem e, de outro lado, percebemos a

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resistência de muitos educadores em proporcioná-la de modo mais adequado às necessidades

infantis:

Na escola tradicional, os jogos são pouco utilizados como estratégia, caracterizando uma cisão entre o lúdico e o pedagógico motivada pela acomodação dos educadores e pelo desconhecimento da importância do jogo no desenvolvimento infantil. (AROEIRA et. al., 1996, p.69).

Como se vê, os educadores não utilizam os jogos como uma estratégia de ensino; têm

como prioridade a garantia de desenvolvimento de algumas atividades mais prestigiadas,

como a alfabetização da criança, por exemplo; às vezes, os educadores até reconhecem a

importância do jogo, mas tendem a realizá-lo fazendo uma relação com seu trabalho

pedagógico. Na verdade, o que acaba ocorrendo é o desconhecimento por parte dos

educadores de como o jogo ajuda no desenvolvimento da criança.

A maioria das crianças se interessa pela atividade lúdica (brincadeira, jogo). Na

realização de quaisquer umas dessas atividades, o movimento está presente, o que permite o

desenvolvimento motor em sua amplitude, ou seja, a exploração e ampliação das habilidades e

capacidades físicas. É também nessas atividades que a imaginação e criatividade se

desenrolam, possibilitando o desenvolvimento cognitivo, aliado ao desenvolvimento sócio-

afetivo.

A atividade lúdico-motora apresenta significativa importância para a criança, pois

como aponta o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI):

O movimento para a criança pequena significa muito mais do que mexer partes do corpo ou deslocar-se no espaço. A criança se expressa e se comunica por meio dos gestos e das mímicas faciais e interage utilizando fortemente o apoio do corpo. (BRASIL, 1998, p. 18).

Sim, são por meio dos movimentos, expressos nas mais variadas atividades lúdicas é

que a criança se comunica com as pessoas. Para os bebês essa situação é evidente, já que é

com os movimentos das mãos que ele “diz” que quer pegar algo, com as expressões faciais é

que constatamos se está contente ou vai chorar.

É importante, mais uma vez destacar que as atividades lúdicas constituem um recurso

em que à criança se expressa e comunica de modo “informal” com as pessoas e com o mundo

que a rodeia:

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Mas deve-se considerar também que, através do prazer, o brincar possibilita à criança a vivência de sua faixa etária e ainda contribui, de modo significativo, para sua formação como ser realmente humano, participante da cultura da sociedade em que vive, e não apenas como mero indivíduo requerido pelos padrões de “produtividade social” (...) a vivência do lúdico é imprescindível em termos de participação cultural crítica e, principalmente, criativa. (MARCELLINO, 1997, p.72).

O autor frisa que o brincar, além de trazer o prazer, permite que a criança vivencie a

sua faixa etária (naturalização do movimento), ou seja, o professor estará propondo atividades

adequadas às necessidades da faixa etária da criança. Ora, a infância lembra as brincadeiras e

estas possibilitam a plena vivência de uma das etapas mais importantes de nossa vida. O autor

ressalta também que o brincar ajuda na formação do indivíduo participante e criativo na

cultura o qual está inserido. A criatividade se manifesta em situações em que tem que criar

gestos, movimentos e soluções em função de sua percepção, sentimentos e imaginação.

De fato, a criança que brinca torna-se mais participante e com isso, está mais propensa

a situações de diálogo, de trocas, críticas, criações, soluções. Como sabemos, a situação

desumana que nos encontramos só se modificará se a educação formar cidadãos

participativos, críticos e criativos. Aliás, estes são os objetivos que mais aparecem nos

planejamentos escolares, mas tornam-se também os objetivos mais difíceis de serem

atingidos.

No tocante ao aspecto cognitivo:

O jogo é uma situação privilegiada de aprendizagem infantil onde o desenvolvimento pode alcançar níveis mais complexos, exatamente pela possibilidade de interação entre os pares numa situação imaginária e pela negociação de regras de convivência e de conteúdos temáticos. Ao definir papéis a serem representados, auferindo significados diferentes aos objetivos para uso no brinquedo e no processo de administração do tempo e do espaço em que vão definindo os diferentes temas dos jogos, as crianças têm a possibilidade de levantar hipóteses, resolver problemas e ir cedendo, a partir da construção de sistemas de representação, ao mundo mais amplo ao qual não teriam acesso no seu cotidiano infantil. (FRANÇA, 1990, p.52/53).

A cognição é desenvolvida quando a criança procura solucionar um problema,

partindo de noções que já possua baseadas em sua experiência diária sobre peso, velocidade,

quantidade, força e resistência, postura corporal, variações de seus movimentos, força da

gravidade e centrífuga, equilíbrio, orientação espacial e esquema corporal. A criança usa as

noções que já possuem como estratégias para solucionar alguma dificuldade que possa

aparecer na brincadeira.

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O desenvolvimento cognitivo também se efetiva em situações em que as crianças

procuram novas soluções para resolver um problema. Pode até ser que a criança erre, mas é

com o erro é que ela irá aprender, pois se apegará aos detalhes do seu erro para observar o que

errou e tentar propor novas estratégias que cheguem à uma solução, dependendo do jogo pode

ser sozinha ou com o outro. Isso ocorre bastante nos jogos de tabuleiro (dama, xadrez, gamão,

baralho etc), pois estes se caracterizam pela busca de estratégias para a vitória.

Enfim, as atividades lúdicas auxiliam a criança a formar suas estruturas cognitivas e

mediante estas considerações, deve ser um rico instrumento utilizado pelos educadores, já que

essa atividade é:

(...) livre de pressões e avaliações, cria um clima adequado para a investigação e a busca de soluções. O benefício do jogo está na possibilidade de estimular a exploração em busca de respostas, em não constranger quando se erra. (KISHIMOTO, 2002, p. 21).

Esse dado é muito importante porque o conceito de aprendizagem atualmente não é

mais aquele em que o educador ensina e o aluno aprende, ou seja, a abordagem tradicional.

Além do desenvolvimento motor e cognitivo, a criança está se socializando, pois nas situações

de jogos e brincadeiras pode ser necessário que elas cooperem, umas com as outras, respeitem

as regras do jogo e/ou grupo, tenham que liderar, tomar iniciativa, ter responsabilidade e

serem solidárias com as demais. O brincar tende a ser uma atividade especialmente

importante para promover o desenvolvimento integral do educando.

É necessário enfatizar algumas dicas referentes ao educador, que sempre deve

estimular a criança e não condená-la em seu desempenho durante as atividades, pois isto gera

frustrações. O outro aspecto é a não comparação entre as crianças, já que:

Esses modelos inacessíveis podem despertar na criança um sentimento de inferioridade que se revelará futuramente como um obstáculo ao desenvolvimento de suas faculdades e a tornará inapta à luta pela existência (CHATEAU, 1987, p. 128)

A comparação acontece mesmo indiretamente, quando o educador chama a atenção de

uma determinada criança, elogiando-a. Na verdade, ele quis dizer que o desempenho de todos

deve espelhar no “fulano”. Não se pode também comparar o desempenho de crianças que

apresentam diferenças de idade muito grande, embora, Chateau (1987, p. 129) saliente que:

Os pequenos gostam de brincar com os grandes. Mas, em tal companhia, mesmo que se

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mostrem inferiores, não se sentem, absolutamente, diminuídos, pois se sabem pequenos,

espera de seu crescimento esse poder que vêem nos grandes.

E por falar nos grandes, ganha destaque a figura do professor, que deve conquistar a

confiança de seus alunos, pois nesta faixa etária o contato entre educador e educando é

extremamente importante.

Além do mais, o professor é considerado um modelo para a criança e este modelo deve

ser o mais positivo possível, orientando a criança nessa caminhada: o desenvolvimento deve

ser mediado pelo professor, pois não devemos esperar que a criança desenvolva-se sozinha.

Eis a abordagem histórico-cultural em evidência, já que o desenvolvimento e a

aprendizagem ocorrem por meio das relações interpessoais e do ambiente sócio-cultural nesse

processo. E, nessas relações, o desenvolvimento da afetividade, crucial na teoria walloniana

para o desenvolvimento infantil, pois é o impulso que conduz os pensamentos e ações

humanas.

Não há como negar essa influência, pois um aluno com raiva reage de modo diferente

que um aluno feliz. Nas situações de jogos, o aluno pode aprender a administrar melhor suas

emoções, nas situações de vitórias e perdas. Isto se dará mais e melhor em função da

quantidade e qualidade das participações dos educadores.

Com as considerações já realizadas a respeito do jogo, enxergamos a necessidade de

sua inserção no cotidiano escolar. Visto assim, o lúdico é importante para o desenvolvimento

e a aprendizagem infantil Marcellino (1997) atenta para a questão de se assegurar tempo e

espaço nas instituições de educação para a prática lúdica.

Um rico repertório lúdico auxilia na formação de crianças que sentem prazer pela vida

e que por isso, participam com criatividade na escola e na sociedade.

1.3 O desenvolvimento e a aprendizagem de crianças com deficiência mental: o papel

das atividades lúdicas nesse processo.

Para se falar sobre crianças que possuem deficiência mental é importante, a priori, que

se conheçam as atais definições existentes sobre o que é deficiência mental. Até os dias de

hoje prevalece à idéia de deficiência mental onde os indivíduos são analisados conforme o

grau de déficit cognitivo que apresentam. Assim, essas pessoas são vistas através do

problema: não sabem isso, não fazem aquilo.

Porém à luz de novos estudos, especialmente decorrentes do processo de inclusão, essa

idéia vem sendo criticada e, gradualmente, abandonada:

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A última revisão da definição de deficiência mental, propõe que se abandonem os graus de comprometimento intelectual, pela graduação de medidas de apoio necessárias às pessoas com déficit cognitivo e destaca o processo interativo entre as limitações funcionais próprias dos indivíduos e as possibilidades adaptativas que lhe são disponíveis em seus ambientes de vida. Essa nova concepção da deficiência mental implica transformações importantes no plano de serviços e chama a atenção para as habilidades adaptativas, considerando-as como um ajustamento entre as capacidades dos indivíduos e as estruturas e expectativas do meio em que vivem, aprendem, trabalham e se aprazem. (MANTOAN, 1998, p.1).

A autora desafia os leitores a banirem a idéia de incapacidade e propõe a idéia de

graduação de medidas de apoio necessárias às pessoas com deficiência mental, onde o meio é

quem deve proporcionar condições, oferecendo medidas de apoio a esses sujeitos, para que os

mesmos possam desenvolver suas habilidades.

Desse modo, não é mais a pessoa com deficiência que tem que se adaptar ao meio e

sim, o contrário. Esta é, em síntese, a proposta da inclusão social e escolar dos portadores de

necessidades especiais.

O mesmo texto revela a necessidade de mudanças nos planos de serviços para o

oferecimento das medidas de apoio às pessoas com deficiência mental, que assim vão

adquirindo habilidades adaptativas no decorrer desse processo. Dentro dessa nova proposta, o

indivíduo com deficiência mental não é mais visto como um ser incapaz, ele é considerado

como um ser de direitos.

No sistema educacional o mesmo deve acontecer: escolas necessitam analisar esses

indivíduos na interação com o meio. A educação desses alunos, que antes estava atrelada

apenas em analisar as características e seus déficits, passa a fazer uma análise minuciosa

acerca dos relacionamentos estabelecidos em sala de aula. A autora propõe a valorização das

habilidades intelectuais alternativas dos alunos, que se dá por meio de uma prática de ensino

que mobiliza o sujeito a pensar, descobrir, criar, juntamente com o outro. É um crescimento

mútuo.

Concordamos com esse levantamento apontado porque, apesar de se falar em inclusão

muitos desses alunos permanece o tempo todo em sala de aula fechados em si mesmos. O

aluno está presente de corpo, ou seja, está integrado, mas é impedido de interagir com o outro

porque este o professor o trata como doente, como alguém que requer cuidado exclusivo e que

não possui capacidade para aprender com o outro.

Segundo Mantoan (1998), a principal meta educacional é a preocupação com a

autonomia do deficiente mental e acredita-se que esse aspecto seja de imensa importância na

questão inclusiva, pois o deficiente mental é tido como dependente na realização de suas

atividades, inclusive as escolares. Se não criar condições para que eles possam pensar e agir

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de forma mais autônoma, conseqüentemente, no convívio social, estes sempre serão

dependentes de alguém. Desse modo, não estamos contribuindo para a inclusão dos

deficientes mentais na escola e na sociedade, por isso a relevância desse objetivo na área

educacional.

De acordo com Silva (2007), a concepção tradicional de deficiência está presente nas

práticas pedagógicas na educação dos alunos com deficiência mental. Para essa autora, é

preciso em concepções pedagógicas naturalizantes da deficiência, que reitere a necessidade do

conhecimento do mundo externo (entorno social) como fonte de informações sobre a

deficiência mental.

É importante, num primeiro momento, que a questão da deficiência seja ressignificada,

ultrapassando os muros da insuficiência e direcionando os investimentos educacionais para o

desenvolvimento de suas habilidades e capacidades.

Existem vários graus de deficiência mental; então, quando se fala de desenvolvimento

e aprendizagem desses sujeitos, não se pode fazer uma padronização. Além disso:

Para julgar corretamente, então, as possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem do deficiente mental, é necessário saber que suas relações interfuncionais se formam de maneira peculiar e diferente. Nesse sentido, a relação com o ambiente é privilegiada, uma vez que o sujeito interioriza determinadas ações considerando os recursos funcionais que já construiu (competências motoras, cognitivas, sociais e lingüísticas) como condições para a realização de seus objetivos. (SILVA, 2007, p.6).

É preciso um currículo adaptado que aborde o fazer técnico sobre o processo de

ensino, distanciando a idéia de que o aluno deficiente mental seja atrasado, lento e desligado.

Também é preciso acabar com os “achismos” dos professores que determinam as

possibilidades de aprendizagem e como conseqüência, o ensino mais apropriado a eles.

Silva (2007) defende a idéia de que as adaptações curriculares devem permitir a todos

o acesso ao conhecimento historicamente produzido e não a eliminação dos conteúdos

socialmente necessários ao aluno, pois estes se reduziam no caráter reabilitador da criança.

Infelizmente isso decorre a visão do deficiente mental ser um ser incapacitado:

Com certeza é um trabalho difícil e a longo prazo, deve haver persistência. O fator fundamental seria a “personalidade” até então construída no meio em que vive. É muito difícil, pois o indivíduo portador de necessidades especiais vai encontrar muitas barreiras (...) discriminação (...) muitas vezes dos próprios professores. Não devemos ver os sujeitos diferentes como uma barreira, mas sim como um desafio que depende de nós professores para mudar este quadro, devemos vê-lo como uma pessoa que tem necessidades, direitos e deveres, respeitar seus limites. (SILVA, 2007, p.6-7).

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Verificamos que as práticas pedagógicas fundamentam-se em contradições, porque a

aprendizagem do aluno deficiente mental se resume em sua deficiência, o que faz repercutir

negativamente na ação educativa desse sujeito, que se torna limitante e não levam em

consideração as reais necessidades e potencialidades desses indivíduos. Os alunos com

deficiências acabam sendo excluídos do ambiente pedagógico em decorrência do preconceito

incapacitante e limitante desses alunos.

Nessas condições, há o predomínio de práticas tradicionais nas escolas, que tendem a

se resumir em:

Ditado de letras, sílabas, palavras isoladas e frase, com o objetivo do sujeito representar graficamente seu aprendizado em sonorização e grafação; Fazer bingo do alfabeto para montar palavras usando a vogal A (exemplo: LATA, MATA, BATA, GATA, etc.);identificação de palavras em parlenda (escolha de alunos para irem circular a palavra ditada pela professora). (SILVA, 2007, p.9).

Essas são típicas atividades tradicionais, formadas pela execução de exercícios

repetitivos, mecanizados e sem sentidos às crianças. Também é desconsiderado o contexto

social na produção dos conhecimentos e as relações interpessoais. É preciso “considerar o

sujeito deficiente como um ser social e, assim, determinado por suas relações com os sujeitos

normais e com sua deficiência”. (SILVA, 2007, p.11). Ou seja, a abordagem histórico-

cultural, que requer da prática pedagógica as interações, o trabalho em grupo, a troca de

experiências e emoções.

Parafraseando a mesma autora:

A visão do processo de elaboração de atividades, na perspectiva de uma constituição histórico-cultural, pressupõe que esteja envolvido um trabalho de linguagem e pensamento, de transformação de significados e sentidos, de relações com objetos mediados pela palavra. (SILVA, 2007, p.12).

A construção de conhecimento, portanto, deve privilegiar os processos discursivos: é

com o significado das palavras que se conquista a consciência, uma vez que a criança

interioriza esses significados e utilizam em seus discursos.

Nesse contexto, compreendemos o papel atribuído às relações interpessoais

desenvolvidas no âmbito escolar, pois a comunicação entre os alunos far-se-á mediante o

diálogo, a troca de pensamentos e sentimentos.

O lúdico é um instrumento que pode ser amplamente utilizado em sala de aula por

desenvolver esses aspectos. No caso de alunos com deficiência mental, esses benefícios são

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redobrados, pois essa atividade possibilita o amplo desenvolvimento motor, aspecto que

merece destaque, haja vista a quantidade de alunos que apresentam problemas motores.

Já Vygotsky (1995), em seus estudos acerca do desenvolvimento e da aprendizagem

humana, revela a necessidade do abandono da visão “biologizante” sobre as pessoas com

deficiências, havendo a necessidade de ter um enfoque social; observou, coerentemente com

seus pressupostos teóricos, que o avanço insuficiente da criança com deficiência mental está

relacionado com o tipo de educação na qual ela é submetida.

Para esse autor, a educação deveria fundamentar-se em métodos que permitissem o

convívio das crianças com deficiência, junto àquelas que não possuíam deficiências, pois para

ele o desenvolvimento de todas as crianças é igual: as que possuem deficiência mental

apresentam um desenvolvimento típico que em relação às demais crianças de sua idade, mas

esta segue uma trajetória específica, que difere nos aspectos qualitativos.

Segundo Vygotsky (1995), na educação de crianças com deficiência mental é vital o

papel do professor que deve procurar caminhos alternativos pelas quais elas aprendem. As

alternativas são colocadas em seu meio social e conduzidas para fins sociais, por isso, elas

deveriam ser analisadas a partir dessas condições para a compreensão de como corre o

desenvolvimento e aprendizagem das crianças com deficiência mental.

Vygotsky (1995) afirma que o déficit intelectual pode ser compensado por outras vias

de desenvolvimento, como o motor, reconhecendo assim, a necessidade de estudar outras vias

do desenvolvimento infantil e não apenas aquelas ligadas à leitura, escrita e cálculo:

As possibilidades de surgimento das vias indiretas do desenvolvimento são influenciadas pelas condições afetivas favoráveis que conduzem a criança a reinventar um novo caminho para transpor as suas deficiências e seguir de um modo peculiar pela via direta do desenvolvimento. No entanto, as possibilidades criativas da criança com deficiência de dar outro rumo ao seu processo de desenvolvimento por via indireta dependerá das solicitações do meio. (VYGOTSKY, 1995, p.89).

Verifica-se que o pensamento vygotskyano sobre o desenvolvimento e aprendizagem

da criança com deficiência mental, está consoante com o processo inclusivo, pois nesse

movimento, reconhece a necessidade da inclusão de crianças com necessidades educacionais

especiais (NEE), em salas regulares de ensino.

Com base nessas idéias é que muitos especialistas e professores buscam alternativas

metodológicas para se trabalhar com crianças que possuem deficiência mental, sendo uma

delas as atividades lúdicas, analisadas não apenas sob o aspecto didático mas, sobretudo,

como uma forma de mediação entre o mundo real e a fantasia (simbólico).

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Aufauvre (1987) afirma que o jogo é um componente essencial para o equilíbrio da

criança em relação ao mundo que a cerca. Tal atividade possibilita o desenvolvimento das

crianças com deficiência mental, pois ajudam a melhorar sua motricidade e contribui para o

aumento da linguagem, ampliando as experiências da criança com o real. Nesse processo,

ocorre o desenvolvimento da personalidade infantil. Também favorece o desenvolvimento

intelectual e facilita a inserção da criança no meio social, já que em situações lúdicas ela se

familiariza com os esquemas do comportamento social da brincadeira/jogo e a repassa para o

plano real. Ocorre a assimilação de regras e, as trocas sociais, trazendo como conseqüência, as

trocas afetivas.

De modo sintetizado, apresenta-se os principais benefícios das atividades lúdicas para

crianças que apresentam deficiência mental:

• O aprimoramento do uso dos órgãos sensoriais, diferenciando-os; • O aumento da estabilidade emocional e, em conseqüência, a auto-confiança; • A estimulação cognitiva, através da prática da orientação, da concentração, da

reflexão e da memória; • A possibilidade de apresentar suas próprias necessidades, limitações e

capacidades para os outros; • A socialização, através da cooperação, da participação, dos conflitos e suas

soluções; • Apropriação da cultura, através da descoberta das regras do jogo e por extensão

das regras do comportamento social. (AUFAUVRE, 1987, p.15-16).

Sendo assim, verifica-se a necessidade de se repensar o componente lúdico como

estratégia de ensino aos alunos com deficiência mental, pois este é desencadeador de

benefícios cognitivos, motores e afetivo-sociais.

1.4 O papel da Psicopedagogia

De acordo com Porto (2007) o objeto de estudo da Psicopedagogia é a pessoa a ser

educada, bem como os seus processos de desenvolvimento e os fatores que influenciam esses

processos, seja em casa, na escola ou comunidade. Do mesmo modo, a Psicopedagogia

analisa as diversas formas de aprender e deve orientar professores, pais e a escola sobre as

características das diferentes etapas do desenvolvimento, sobre o processo de aprendizagem,

as situações dinâmicas do aprender e os fatores que interferem na aprendizagem. Em suma, a

finalidade da Psicopedagogia, “(...) continua sendo a aprendizagem e a relação do sujeito com

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a aprendizagem. Isso não significa deixar de lado a compreensão do fenômeno dificuldade de

aprendizagem” (RUBISTEIN; CASTANHO, NOFFS, 2004, p.225).

Isso quer dizer que a Psicopedagogia tem como objeto de estudo a aprendizagem

humana e, para isso, não estuda o mecanismo da aprendizagem e o sujeito aprendente, mas

também os possíveis fatores que podem estar influenciando a aprendizagem infantil, como os

fatores ambientais (família, escola, sociedade). Desse modo, a Psicopedagogia preocupa-se

com o processo de aprender e ensinar, considerando a integração das condições internas e

externas do sujeito, analisando-o em sua totalidade (aspectos cognitivos, motores, afetivos e

sociais).

Para que tenha um aprofundamento teórico e prático nessa questão, a Psicopedagogia

necessita das produções teóricas e técnicas de outras áreas do conhecimento, tais como a

Pedagogia, a Psicologia, Lingüística, Psicanálise, Sociologia, Neurologia, Filosofia, dentre

outras áreas. Isso tudo porque o objeto de estudo da Psicopedagogia - a aprendizagem humana

é muito complexo e requer conhecimentos específicos de outras ciências.

A contribuição de cada área específica do conhecimento pode ser analisada da

seguinte forma:

• a Psicanálise encarrega-se do mundo inconsciente, das representações

profundas, operantes por meio da dinâmica psíquica que se expressa por sintomas e símbolos, permitindo-nos levar em conta a face desejante do homem;

• a Psicologia Social encarrega-se da constituição dos sujeitos, das que responde às relações familiares, grupais, institucionais, em condições socioculturais e econômicas específicas e que contextuam toda a aprendizagem;

• a Epistemologia e Psicologia Genética se encarregam de analisar e descrever o processo construtivo do conhecimento pelo sujeito em interação com os outros e com os objetos;

• a Lingüística traz a compreensão da linguagem como um dos meio que caracterizam o tipicamente humano e cultural: a língua enquanto código disponível a todos os membros de uma sociedade e a fala como fenômeno subjetivo, evolutivo e historiado de acesso à estrutura simbólica;

• a Pedagogia contribui com as diversas abordagens do processo ensino aprendizagem, analisando-o do ponto de vista de quem ensina;

• fundamentos na Neuropsicologia, possibilitando a compreensão dos mecanismos cerebrais que subjazem ao aprimoramento das atividades mentais, indicando-nos a que correspondem, do ponto de vista orgânico, todas as evoluções ocorridas no plano psíquico. (PORTO, 2007, p.6-7).

Assim, é nesta gama de conhecimentos que a Psicopedagogia vai se formando, na

tentativa de buscar soluções e novos caminhos para seu objeto de estudo: a aprendizagem

humana, os fatores que podem interferir nesse processo, como identificá-los, tratá-los e

prevenir dificuldades que porventura possam se instalar. Em decorrência disso, a

Psicopedagogia pode ter duas áreas de atuação, a clínica e a preventiva:

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• O trabalho clínico se dá na relação entre um sujeito com sua história pessoal e sua modalidade de aprendizagem, buscando compreender a mensagem de outro sujeito, implícita no não-aprender. Nesse processo, onde investigador e objeto-sujeito de estudo interagem constantemente, a própria alteração torna-se alvo de estudo da Psicopedagogia. Isto significa que, nesta modalidade de trabalho, deve o profissional compreender o que o sujeito aprende, como aprende e por que, além de perceber a dimensão da relação entre psicopedagogo e sujeito de forma a favorecer a aprendizagem.

• No trabalho preventivo, a instituição, enquanto espaço físico e psíquico da aprendizagem, é objeto de estudo da Psicopedagogia, uma vez que são avaliados os processos didático-metodológicos e a dinâmica institucional que interferem no processo de aprendizagem. (BOSSA, 2000, p.21-22).

Em outras palavras, a atuação clínica, também conhecida como terapêutica, visa

identificar, analisar e elaborar um diagnóstico e tratamento das dificuldades de aprendizagem.

Compreende de forma integrada os aspectos cognitivos, emocionais, culturais, orgânicos e

pedagógicos que interferem na aprendizagem, com o objetivo de propiciar condições que

resgate o prazer da aprendizagem, com a colaboração de especialistas, comunidade, escola,

professores, coordenadores e os pais. No trabalho terapêutico há também o trabalho

preventivo, já que quando falamos de dificuldades de aprendizagem, pensa-se também em

realizar ações preventivas e de promoção do trabalho escolar.

Já a atuação preventiva corresponde à orientação do processo ensino e aprendizagem,

com o objetivo de ajudar na apropriação do conhecimento pelo aluno. É um trabalho que tem

a finalidade de identificar possíveis dificuldades de aprendizagem, participando ativamente da

escola, realizando orientações metodológicas para o processo ensino aprendizagem, levando

em consideração as características do indivíduo ou grupo, além de orientação educacional,

vocacional e ocupacional.

Desse modo, a Psicopedagogia preocupa-se com a intervenção preventiva e curativa,

uma vez que identifica dificuldades de aprendizagem e propõe soluções.

O profissional responsável na identificação e na resolução dos problemas no processo

de aprendizagem, é conhecido como psicopedagogo. Masini (1993) relata que existe uma

tendência em identificar esse profissional como aquele que atende alunos com dificuldades de

aprendizagem. Porém, a autora ressalta que existe um equívoco nessa definição e há

necessidade de se compreender o psicopedagogo em decorrência de sua atuação:

Ele é identificado pela função que desempenha de lidar com a aprendizagem, propiciando condições para sua ocorrência, acompanhando o processo do aluno para que este compreenda o que é ensinado e supere suas dificuldades. Por esta definição, tanto o professor de diferentes áreas, como o orientador educacional, o psicólogo escolar, o fonoaudiólogo, ou qualquer outro profissional, será psicopedagogo enquanto lidar com o processo de aprendizagem. (MASINI, 1993, p.174).

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A mesma autora relata que se função estiver ligada à análise dos aspectos afetivos e de

personalidade que podem afetar a aprendizagem, a atuação não será a do psicopedagogo e

sim, do psicoterapeuta.

O psicopedagogo deve estar capacitado a lidar com as mais diversas dificuldades de

aprendizagem, um dos principais fatores que conduzem os alunos à repetência, ao fracasso

escolar e à sua evasão.

Bossa (2000, p.77) compreende o fracasso escolar como:

(...) uma resposta insuficiente do aluno a uma exigência ou demanda da escola. Se o aluno não corresponde a esta demanda "exigida" pela unidade escolar, algo deverá ser investigado, num envolvimento global, onde todos os profissionais que fazem parte desta organização caminhem juntos ao encontro e no repensar de suas posturas pedagógicas.

Isso quer dizer que muitas dificuldades de aprendizagem podem ser decorrentes do

próprio ambiente escolar, que exige/impõe uma padronização de habilidades e competências

de seus alunos. Nesse ambiente, muitos não conseguem responder suficientemente aos

padrões exigidos pela escola.

Nesse contexto, o psicopedagogo, por meio dos conhecimentos adquiridos pelas

diversas ciências, realiza a intervenção psicopedagógica, atuando diretamente nas dificuldades

de aprendizagem (ação terapêutica) ou promovendo ações para evitá-las (ação preventiva).

O profissional da Psicopedagogia detém um conhecimento científico específico

oriundo da articulação de várias áreas envolvidas nos processos e caminhos do aprender. Cabe

a ele intervir, visando à solução dos problemas de aprendizagem e tendo como foco o aluno

ou a organização educadora (escola).

A Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp (1996) cita os principais deveres

dos psicopedagogos, conforme o Código de Ética:

• Manter-se atualizado quanto aos conhecimentos científicos e técnicos que se referem

ao fenômeno da aprendizagem humana.

• Zelar pelo bom relacionamento com especialistas de outras áreas, mantendo uma

atitude crítica, de abertura e respeito em relação às diferentes visões do mundo.

• Assumir somente as responsabilidades para as quais esteja preparado dentro dos

limites da competência psicopedagógica.

• Colaborar com o progresso da Psicopedagogia.

• Difundir seus conhecimentos e prestar serviços nas agremiações de classe sempre que

possível.

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• Responsabilizar-se pelas avaliações feitas fornecendo ao cliente uma definição clara

do seu diagnóstico.

• Preservar a identidade, parecer e/ou diagnóstico do cliente nos relatos e discussões

feitos a título de exemplos e estudos de casos.

• Responsabilizar-se por crítica feita a colegas na ausência destes.

• Manter atitude de colaboração e solidariedade com colegas sem ser conivente ou

acumpliciar-se, de qualquer forma, com o ato ilícito ou calúnia. O respeito e a

dignidade na relação profissional são deveres fundamentais do psicopedagogo para a

harmonia da classe e manutenção do conceito público.

Verificamos que o que diferencia o psicopedagogo de outros profissionais é que este

preocupa-se em analisar como o sujeito aprende, os fatores que podem interferir nessa

aprendizagem, os problemas e distúrbios de aprendizagem, assim como a melhor maneira de

fazer com que esses alunos, independentemente de possuírem dificuldades, aprendam de

forma significativa. Para isso, o trabalho interdisciplinar e o conhecimento em diversas teorias

favorecem na intervenção ou prevenção psicopedagógica. Cabe ao psicopedagogo a criação

de sua própria teoria e prática, na busca de seu espaço, seja no setor de saúde ou educacional,

elaborando e reelaborando hipóteses em colaboração com outras pessoas.

Scoz (1994) salienta a importância da atuação do trabalho psicopedagógico na rede

escolar, pois traz benefícios para o professor e, conseqüentemente para o aluno.

Sumariamente apresentaremos esses benefícios:

• Auxiliar os educadores no sentido de conhecerem mais sobre as teorias do processo

ensino e aprendizagem e com isso, proporem uma ação educativa que mais se

aproxime do processo de aprendizagem da criança, indo de encontro ao

desenvolvimento do aluno.

• Oferecer subsídios para que os professores tenham mais clareza acerca dos problemas

de aprendizagem e de possíveis intervenções, já que estas podem ser solucionadas por

diversos meios (próprio professor, equipe técnico-pedagógicas ou profissionais

especializados).

Scoz (1994) também apresenta as ações necessárias para que a escola, sociedade e

governo possam promover a melhoria do trabalho psicopedagógico e da aprendizagem dos

alunos:

• estrutura e condições para o funcionamento da escola;

• abertura de espaços permanentes para a discussão entre os professores;

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• maior compromisso com a prestação do serviço público;

• fiscalização para evitar sonegação, desperdício ou desvio de recursos/verbas;

• ação multidisciplinar na escola;

• parceria escola e família;

• enfoque nos cursos de formação sobre os problemas de aprendizagem e da atuação

psicopedagógica, para a utilização de técnicas de diagnóstico e tratamento, que pode

eliminar os problemas em suas raízes;

• necessidade de uma psicopedagoga para requalificação e revalorização do educador;

além da orientação e realização de encaminhamentos a profissionais especializados,

quando necessário;

• necessidade de reestruturação das condições do trabalho em sala de aula e da atuação

do professor, que deve propor um trabalho pedagógico que vá de encontro ao processo

do desenvolvimento do aluno sob o enfoque histórico-cultural, que prioriza a troca de

experiências, os questionamentos, socialização, afetividade, etc. Um trabalho onde o

indivíduo constrói seu conhecimento com autonomia, criticidade e criatividade,

promovendo um aprendizagem significativa.

Nesse sentido, compreendemos que a atuação psicopedagógica torna-se imprescindível

na chamada escola inclusiva, uma vez que estes profissionais poderão auxiliar pais e

professores em como agir da melhor forma possível para ajudar na aprendizagem dos alunos

que possuem dificuldades de aprendizagem.

Os alunos com deficiência mental possuem déficits intelectuais e podem se beneficiar

da ajuda deste profissional, que como já visto, pode utilizar o instrumento lúdico para ajudar

nas dificuldades apresentadas por essas crianças.

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2 METODOLOGIA

Como metodologia, utilizou-se a Pesquisa Bibliográfica, interessada em diversas

fontes, tais como livros, artigos de revistas científicas e meios eletrônicos (internet) para as

pesquisas desenvolvidas acerca do trabalho lúdico com alunos que apresentam deficiência

mental. Essas fontes darão sustentação teórica para a realização deste trabalho, onde

poderemos fazer uma discussão aprofundada acerca do tema, sob a perspectiva de vários

autores.

Demo (2000, p.22) explica que nenhum tipo de pesquisa é auto-suficiente, já que “na

prática, mesclamos todos, acentuando mais este ou aquele tipo de pesquisa” e define a

pesquisa bibliográfica como pesquisa teórica: “Trata-se da pesquisa que é "dedicada a

reconstruir teoria, conceitos, idéias, ideologias, polêmicas, tendo em vista, em termos

imediatos, aprimorar fundamentos teóricos".

A finalidade dessa abordagem é refletir, analisar e reconstruir teorias, dados

polêmicos, situações explicativas; porém esta não intervém na realidade, apenas é um ponto

de referência para propor condições para a intervenção.

Já Gil (1994) divide os tipos de pesquisa com base em seus objetivos e também

apoiado nos procedimentos técnicos adotados. A pesquisa bibliográfica inclui-se no tipo de

classificação com base nos procedimentos técnicos adotados, uma vez que para analisar os

fatos é preciso delinear um modelo conceitual e operatório.

Nesse trabalho, a pesquisa bibliográfica foi necessária para a reflexão acerca da

importância do lúdico e da afetividade no desenvolvimento infantil, assim como para a

reflexão acerca da deficiência mental. Esse tipo de pesquisa também propiciou a oportunidade

de análise da literatura científica sobre a atividade lúdica e a dimensão afetiva em crianças

com deficiência mental.

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3 RESULTADOS

Ao finalizar este trabalho, verificamos que existem muitas produções literárias

voltadas para a importância da dimensão afetiva e lúdica no desenvolvimento e na

aprendizagem da criança, como as relatadas até o presente momento. Também são vastas as

publicações relacionadas ao desenvolvimento e a aprendizagem da criança com deficiência

mental. Porém, quando se trata de relacionar esses dois aspectos, ou seja, discutir os

benefícios da afetividade e do lúdico no desenvolvimento e na aprendizagem da criança com

deficiência mental, o assunto fica restringido.

Dentre os livros que tratam desse assunto em específico, destacamos as obras de dois

autores:

• Aufauvre (1987), no livro “Aprender a brincar, aprender a viver: jogos e brinquedos

para a criança deficiente, opção pedagógica e terapêutica”. Essa obra destaca o papel

do jogo como componente essencial na vida da criança com deficiência mental, pois

ajuda no desenvolvimento de inúmeras habilidades necessárias na construção de sua

personalidade e para o convívio social, tais como: uso dos órgãos sensoriais, aumento

da estabilidade emocional e auto-confiança, estimulação cognitiva, aumento da

concentração e memória, maior socialização, cooperação e da participação na

resolução de conflitos, apropriação da cultura, assimilação de regras etc.

• Vygotsky (1995), no volume V do livro “Obras escogidas”. Nessa obra, o autor

destaca a importância da afetividade, expressa por meio das relações interpessoais na

aprendizagem das crianças com deficiência mental. Esse autor constatou que o avanço

insuficiente da criança com deficiência mental está relacionado com o tipo de

educação na qual ela é submetida e afirma que o déficit intelectual pode ser

compensado por outras vias de desenvolvimento, como o motor. Assim, ele reconhece

a necessidade de estudar outras vias do desenvolvimento infantil e não apenas aquelas

ligadas à leitura, escrita e cálculo, destacando as atividades interativas, como as

atividades lúdicas.

No que diz respeito às pesquisas realizadas por meio de trabalhos científicos

publicados por meio eletrônico (Internet), foi pesquisado o site da Anped, através das reuniões

anuais, grupos de trabalho, publicações, pôsteres, trabalhos no GT 15 (Educação Especial),

minicursos e encomendados. Os critérios de busca foram diversos: aprendizagem do

deficiente mental, deficiência mental e lúdico, deficiência mental e afetividade, dentre outras

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formas. O objetivo era coletar dados relativos à dimensão lúdica e afetiva em crianças com

deficiência mental, portanto, não foram selecionados trabalhos realizados na educação de

jovens e adultos (EJA).

Dessa maneira, no site da Anped obtiveram-se três trabalhos relacionados ao tema,

como o presente em Silva (1997) e as pesquisas realizadas por Victor (2003) e Pinto e Góes

(2006).

Silva (1997) realizou apenas uma pesquisa bibliográfica acerca do assunto, onde o

autor destaca a importância das relações interpessoais, e, portanto, da afetividade na

aprendizagem do aluno com deficiente mental. Destaca a importância da inclusão desses

alunos com àqueles tidos como “normais”, o que requer uma prática pedagógica que valorize

as interações, o trabalho em grupo, a troca de experiências e emoções. Assim, fundamenta-se

na abordagem histórico-cultural e destaca a importância da afetividade, indo de encontro com

a abordagem walloniana na educação de crianças com deficiência mental. Nesse sentido, foi

encontrada apenas uma publicação referente à importância da afetividade nos processos

educacionais dos alunos com deficiência mental.

Já em relação da importância do lúdico na educação de alunos com deficiência mental,

foram encontrados apenas duas referências, a de Victor (2003) e a de Pinto e Góes (2006),

ambas fundamentam-se em pesquisas de campo, as quais discutiremos seus principais

objetivos e considerações.

Victor (2003) realizou sua pesquisa em uma escola pública da rede estadual de ensino

de São Paulo, cujo objetivo era investigar a brincadeira do faz-de-conta da criança com

síndrome de Down em seus diversos aspectos.

Para isso, o autor utilizou como instrumento metodológico de pesquisa a observação

direta (observação participante), entrevista semi-estruturada e análise documental, com a

filmagem das situações lúdicas vivenciadas por essas crianças, utilizando no total 28 fitas de

vídeo.

Os sujeitos envolvidos foram quatro crianças com Síndrome de Down (três meninas e

um menino), com idades entre 8 e 11 anos de idade, que freqüentavam classes especiais

destinadas à educação infantil.

Assim, a pesquisa preocupou-se em acompanhar as atividades lúdicas de todas as

crianças com Síndrome de Down, que freqüentavam classes especiais destinadas à educação

infantil da criança com deficiência mental de uma escola da rede pública de ensino, durante

47 dias letivos.

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Após sua longa pesquisa, Victor (2003) constatou que o jogo é criado e desenvolvido

de acordo com as condições de vida da criança, pois os elementos e enredos criados por essas

crianças fundamentavam-se mais em acontecimentos da realidade externa, que de

acontecimentos do “fantástico”.

Na comunicação lúdica, o autor observou que as falas das crianças pareciam ser mais

rica em detalhes, utilizada de maneira diferente em situações não-lúdicas.

Com esta conclusão do autor, compreende-se a importância das interações sociais no

desenvolvimento infantil, tendo em vista que esta situação influencia diretamente no

desenvolvimento e na aprendizagem infantil.

Foi constatado também que a criança muda de papel conforme surge um novo

personagem e que a necessidade de possuir o objeto era maior que a brincadeira realizada em

conjunto, pois os próprios objetos tinham papéis também (o cavalo com chapéu representava

o pai).

Os sentidos atribuídos a esses objetos no faz-de-conta também não são os mesmos,

pois conforme a necessidade da criança, ele era substituído por outro.

No tocante às relações sociais, Victor (2003) constatou que as agressões físicas e

verbais de ambas as partes, impediram que as crianças de classe especial brincassem junto

com as de educação infantil, pois nessas situações as primeiras tinham um papel secundário

na brincadeira. Porém, o autor verificou que mesmo atuando em segundo plano, essas

crianças demonstraram ter uma bagagem maior de temas e atos lúdicos na representação de

seus personagens.

Remetendo a Vygotsky (1991) no conceito de zona de desenvolvimento proximal,

observa-se que na brincadeira de crianças com deficiência mental, existem maiores condições

de desenvolvimento quando esta partilha com o outro, brincando com outras crianças.

Por fim, ao final da pesquisa obteve-se à seguinte conclusão:

A análise dos resultados obtidos destacou que a criança parece ter dificuldades de dar continuidade às ações na interpretação do papel porque o seu entendimento da realidade por via direta é pouco eficiente, portanto, falta-lhe metodologias educacionais que enfatizem atividades que venham mediar sua interação com a realidade sócio-cultural mais pautada em uma via não-verbal. (VICTOR, 2003, p.32).

Com estas considerações, constata-se mais uma vez a necessidade das interações

sociais com o contexto histórico-cultural de que faz parte, ressaltando a necessidade de

inclusão das crianças com deficiência mental em salas regulares de ensino. Também foi

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observado que a criança com deficiência mental possui maior necessidade da via não-verbal

para se desenvolver, expressa por meio dos jogos e da necessidade do professor ajudar nesse

processo, para que essa criança possa dar prosseguimento de seu papel com base na

compreensão de sua realidade.

Já Pinto e Góes (2006) atentaram para a importância da imaginação para o

desenvolvimento da criança com deficiência mental, utilizando o brincar como um recurso

propício ao desenvolvimento dessa habilidade.

As autoras se fundamentaram na perspectiva histórico-cultural e realizaram um estudo

sobre o brincar em 12 crianças, na faixa etária de 4 a 6 anos de idade, que freqüentavam uma

escola especial de uma cidade do interior do estado de São Paulo. Essas crianças

apresentavam déficits cognitivos, de linguagem e alguns deles, motores.

O principal objetivo da pesquisa foi investigar relações entre a mediação de outros –

adultos e parceiros – e ações imaginativas da criança, em termos de sua capacidade de

ultrapassar o campo da percepção e criar seqüências de faz-de-conta.

A metodologia utilizada foi a pesquisa de campo que se fundamentou em assistir

sessões semanais de brincadeira livre, num período de sete meses. Com o uso de fitas de

vídeo, as brincadeiras foram gravadas e a análise consistiu na abordagem microgenética, que

segundo as autoras, valoriza os detalhes dos acontecimentos para a construção dos fatos.

Os resultados da pesquisa indicaram que as crianças, quando deixadas com seus

próprios recursos, apresentam pouca disposição para participarem de brincadeiras coletivas e

a compartilhar dos diálogos.

Nessa constatação, verifica-se a importância da interação entre as crianças, como

fatores desencadeantes de participação social, pois esses alunos com deficiência mental

tinham baixa disposição para atuarem em atividades coletivas porque estão acostumadas a

ficarem isoladas, longe do convívio social.

As autoras observaram também que, dependendo das formas de mediação, as crianças

adentravam em situações imaginárias mais complexas, com características que ajudam no

desenvolvimento intelectual, na compreensão do contexto histórico-cultural e na criação de

situações criativas sobre o mundo, o que levaram às autoras concluírem que:

A grande dependência do outro, mostrada pelas crianças, não deve conduzir a expectativas rebaixadas quanto ao brincar na deficiência mental. Ao contrário, deve alertar para a necessidade de um trabalho educativo que se comprometa a promover esse aspecto tão importante do desenvolvimento infantil. (...) Os ganhos propiciados pelo brincar não ocorrem de maneira automática, é preciso criar condições concretas nas interações sociais, nas relações que a criança estabelece com o adultos e

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parceiros. Nesse sentido, a atuação dos profissionais da educação é fundamental para que essa atividade aconteça e seja promovida de maneira tal que tenha repercussões favoráveis ao desenvolvimento da criança. (PINTO; GÓES, 2006, p.26).

Nessas palavras, evidencia-se mais uma vez o papel relevante das atividades lúdicas

no desenvolvimento do aluno com deficiência mental, mas da mesma forma que Victor

(2003), Pinto e Góes (2006) salientam a necessidade da mediação do professor nesse

processo, como desencadeador de interações entre o grupo. Quando os autores convictos

afirmam que existe uma expectativa rebaixada quanto ao brincar na deficiência mental,

podemos considerar a explicação, ao menos parcialmente, sobre o baixo investimento de

pesquisadores neste tema.

A literatura apresenta uma vasta bibliografia e pesquisas realizadas sobre deficiência

mental, assim como em relação à importância da afetividade e das atividades lúdicas no

desenvolvimento e na aprendizagem infantil, no entanto, trabalhos voltados para a relação

desses aspectos, são ainda muito precários. Ao fazer uma análise da literatura científica sobre

a atividade lúdica e a dimensão afetiva em crianças com deficiência mental, constatou-se que

existem poucos trabalhos relacionados nessa direção, o que implica dizer que há necessidade

de maiores pesquisas nessa área, assim como maior produção literária a respeito do assunto.

Após esses resultados, enxerga-se a necessidade de maior produção literária nesse

aspecto, tanto em relação à parte teórica, quanto na prática, pois as pesquisas indicaram que as

atividades lúdicas foram benéficas ao desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos com

deficiência mental.

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CONCLUSÃO

A criança quando adentra para a escola rompe com sua vida familiar para um novo

tipo de convivência social, que deve ser a mais agradável possível e, quando esta encontra

apoio do professor e dos colegas, tornam-se redobradas as chances da facilitação da

aprendizagem. Nesse novo ambiente, reconhecemos o aspecto afetivo como fundamental para

a aproximação da criança com seus pares.

Porém, a afetividade é ainda vista como sinônimo de carinho, afetos, desvinculando-se

de outras possibilidades de sentido, pois ela representa um conjunto de reações que são

manifestadas por meio de emoções, sentimentos e relações interpessoais. A afetividade é o

fator que influencia o modo como o sujeito percebe e se relaciona com a realidade, sendo

portanto, um aspecto que participa, de modo ativo e constante, da formulação dos

pensamentos e as ações das pessoas.

Conclui-se que a afetividade deve ser um aspecto de destaque no contexto escolar,

uma vez que ela favorece a aprendizagem dos alunos, ajudando na formação de experiências

prazerosas, oriundas das interações estabelecidas entre as pessoas e o objeto de conhecimento.

E por falar em interações, nunca a literatura foi tão vasta em reconhecer, principalmente após

a abordagem histórico-cultural, a sua importância na aprendizagem dos alunos.

O professor possui uma ação pedagógica relacional e, sabendo que os saberes são

construídos na relação com o outro; estes profissionais precisam conhecer e valorizar as

relações interpessoais, nas quais todos interagem, dialogam, trocam pensamentos, valores e

emoções. Para que o professores realizem o ensinar de uma forma efetiva e significativa,

outro elemento vital no processo ensino-aprendizagem é a afetividade, pois as emoções,

necessidades e interesses é que permeiam toda relação pedagógica.

A escola é um grupo social e nela a interação se consolida por meio das relações

interpessoais existem em seus diversos espaços e/ou situações. O lúdico é uma situação

privilegiada pela criança, pois nele são desencadeadas as relações interpessoais, favorecendo a

socialização, trocas afetivas, cognição. Desse modo, conclui-se que as atividades lúdicas

podem se transformar em valiosos recursos no desenvolvimento e na aprendizagem infantil.

No decorrer deste trabalho foi visto que a literatura explicita a relevância de tais

atividades no desenvolvimento emocional, social, psicológico, cognitivo e físico das crianças.

A utilização de jogos e brincadeiras no contexto escolar se faz necessária porque as crianças

têm necessidade de brincar e de outro lado, percebe-se a resistência de muitos educadores em

proporcioná-la de modo mais adequado às necessidades infantis, visto na desvalorização

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destas atividades em detrimento de outras disciplinas, como às relacionadas à leitura, escrita e

cálculo, que são supervalorizadas na escola.

Desse modo, há necessidade da inserção das atividades lúdicas no cotidiano escolar,

que deve assegurar tempo e espaço destinadas a sua prática, tendo em vista que um rico

repertório lúdico auxilia na formação de crianças que sentem prazer pela vida e participam de

modo mais autônomo, crítico e criativo no ambiente escolar e social.

Em relação às crianças com deficiência mental, este trabalho apresentou que é preciso

acabar com a idéia de incapacidade, que deve ser substituída pela idéia de graduação de

medidas de apoio necessárias às pessoas com deficiência mental, onde o meio é quem deve

proporcionar condições, oferecendo medidas de apoio a esses sujeitos, para que os mesmos

possam desenvolver suas habilidades.

A principal preocupação na educação de crianças com deficiência mental é com

relação à sua autonomia, pois elas são consideradas como dependentes e incapazes. Vimos

que no processo educativo, a independência, o desenvolvimento e a aprendizagem são obtidos

por meio de caminhos alternativos de aprendizagem, já que o déficit intelectual pode ser

compensado por outras vias de desenvolvimento, como o motor. Desse modo, é necessário

estudar outras vias do desenvolvimento infantil e não apenas aquelas ligadas à leitura, escrita

e cálculo, como os jogos e as brincadeiras.

Ao fazer uma análise da literatura científica sobre a atividade lúdica e a dimensão

afetiva em crianças com deficiência mental, constatou-se que existem poucos trabalhos

relacionados nessa direção, o que implica dizer que há necessidade de maiores pesquisas

nessa área, assim como maior produção literária a respeito do assunto.

Dentre a literatura pesquisada, foi possível analisar que a atividade lúdica para a

criança com deficiência mental ajuda na formação da personalidade, visto que é um

componente essencial para o equilíbrio da criança em relação ao mundo que a cerca,

possibilitando o desenvolvimento intelectual, assim como a motricidade, linguagem,

socialização e afetividade.

Porém, as pesquisas evidenciaram que esses benefícios somente são adquiridos

quando ocorre a mediação do professor, pois nesse processo, as crianças com deficiência

mental dialogavam, interagiam, criavam situações complexas em relação a outras atividades

não-lúdicas.

Conclui-se após esses resultados, a necessidade de maior produção literária que se

comprometa a analisar a importância do lúdico no desenvolvimento e na aprendizagem de

alunos com deficiência mental. Os dados também indicaram a necessidade de maior

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capacitação dos professores que trabalham com essas crianças, uma vez que foi percebido que

a criança parece ter dificuldades em dar continuidade às ações na interpretação do papel

porque o seu entendimento da realidade por via direta é pouco eficiente, fruto das

metodologias educacionais, que enfatizam atividades que venham mediar a interação da

criança com a realidade histórico-cultural.

Desse modo, há necessidade de maiores investimentos na formação inicial e

continuada dos professores, que se pautarem em uma base sólida mais consistente, poderão

exercer uma ação educativa mais direcionada à diversidade de sua turma, lidando com os

alunos tidos como “normais”, os especiais, os que possuem dificuldades de aprendizagem etc.

É preciso também investir na contratação de psicopedagogos nas unidades escolares, uma vez

que estes profissionais poderão auxiliar pais e professores em como agir da melhor forma

possível para ajudar na aprendizagem dos alunos. As crianças com deficiência mental

possuem déficits intelectuais e podem se beneficiar da ajuda deste profissional, que como já

visto, utiliza o instrumento lúdico para ajudar nas dificuldades apresentadas por essas

crianças. É a semente de um longo processo de transformação e de efetiva promoção de

aprendizagem a todos os alunos, sem distinção.

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