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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Geografia Tratamento da Informação Espacial Andressa Virgínia de Faria A DIÁSPORA HAITIANA PARA O BRASIL: o novo fluxo migratório (2010-2012) Belo Horizonte 2012

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS … · de Augusto dos Anjos (1912). RESUMO Após o terremoto de janeiro de 2010, no Haiti, um fluxo crescente de haitianos começou

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Geografia

Tratamento da Informação Espacial

Andressa Virgínia de Faria

A DIÁSPORA HAITIANA PARA O BRASIL:

o novo fluxo migratório (2010-2012)

Belo Horizonte

2012

Andressa Virgínia de Faria

A DIÁSPORA HAITIANA PARA O BRASIL:

o novo fluxo migratório (2010-2012)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Geografia.

Orientador: Dr. Duval Magalhães Fernandes

Área de Concentração: Análise Espacial

Belo Horizonte

2012

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Faria, Andressa Virgínia de

F224d A diáspora haitiana para o Brasil: o novo fluxo migratório (2010-2012) /

Andressa Virgínia de Faria. Belo Horizonte, 2013.

136f.: il.

Orientador: Duval Magalhães Fernandes.

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Tratamento da Informação Espacial.

1. Diáspora haitiana. 2. Haitianos - Migração. 3. Imigrantes. I. Fernandes,

Duval Magalhães. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Tratamento da Informação Espacial. III. Título.

CDU: 325.2

Andressa Virgínia de Faria

A DIASPORA HAITIANA PARA O BRASIL:

o novo fluxo migratório (2010-2012)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Geografia.

_______________________________________________________ Prof. Dr. Duval Magalhães Fernandes (Orientador – PUC- Minas)

_______________________________________________________ Prof. Alexandre Magno Alves Diniz, PhD (PUC-Minas)

_______________________________________________________ Prof. Dr. Oswaldo Bueno Amorim Filho (PUC-Minas)

_______________________________________________________ Profª. Drª. Juliana Gonzaga Jayme (PUC-Minas / Ciências Sociais)

Belo Horizonte, 08 de Novembro de 2012

Ao povo haitiano, pela incessante história de luta e persistência,

bem como àqueles que os assistem neste itinerário muitas vezes inglório.

AGRADECIMENTOS

Ao professor Duval Magalhães Fernandes, pela valiosa orientação, atenção,

respeito e confiança, sempre solícito a “rumar-me ao norte” e em compartilhar seus

conhecimentos. Sua valorosa experiência e sabedoria foram indispensáveis para a

viabilização deste trabalho.

Ao Conselho Nacional de Imigração - CNIg e à Pastoral do Migrante da

Arquidiocese de Manaus (AM), pela disponibilização dos dados.

À Irmã Rosita Milesi (MSCS), pela colaboração e atenção.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),

pela concessão da bolsa de Mestrado.

À Adriana Duarte Costa, pelo companheirismo, incentivo e alegria

contagiante. Obrigada pela nobre convivência e até mesmo pelos embates “água x

fogo”, que sempre se tornaram profícuos.

A meus pais, Antônio Alves de Faria e Cleonice Maria de Faria, e às minhas

irmãs, Márcia Bianc de Faria e Lilian Mara de Faria, pelo apoio incondicional e pela

compreensão de minhas ausências. A certeza da “concessão de refúgio”, quando

solicitada, é reconfortante!

Aos professores do PPGG-TIE: José Flávio Morais Castro, Leônidas

Conceição Barroso, Guilherme Taitson Bueno, Altino Barbosa Caldeira e Alexandre

Magno Alves Diniz. Em especial, ao professor Oswaldo Bueno Amorim Filho,

admirável Mestre, sempre prestimoso.

Aos colegas mestrandos e doutorandos da “turma 2010”: Adriana Duarte

Costa, César Vinícius de Noronha, Conceição Aparecida de Castro, José Alves

Ferreira Neto, Londesperge de Oliveira Ribeiro da Silva, Mariana da Silva Ferreira,

Rose Lane Guimarães, Tércio de Sales Morais, Thiago Antônio da Silva Camini,

Vívia Paula Diniz Abreu, Denise Horta Madsen, Emília Andrade Paiva, Érico

Anderson de Oliveira e Geraldine Braga Rosas, por todas as discussões científicas e

o agradável convívio.

Ao estimado “casal geográfico”, Érico Anderson de Oliveira e Rosália Caldas

Sanábio de Oliveira, sempre disposto a ajudar. Com vocês pude compreender a real

tradução da palavra “companheiro”! Obrigada pela recepção, carinho e bem-querer.

À Elisângela Lacerda, pela assessoria cartográfica e presteza!

Aos colegas do Grupo de Estudos de Distribuição Espacial da População

(GEDEP), Silvana Andrade Pena Knup, Prof.ª Maria Consolação Gomes de Castro,

Romerito Valeriano da Silva e Bruna Beatriz.

Aos queridos professores do Departamento de Geografia do CEFET-MG,

Vandeir Robson Matias, Flávia Machado da Cruz Pinheiro Barbosa, Matusalém de

Brito Duarte, Arley Haley Faria, Daniel Moreira, Malena Nunes e José Alves, pela

troca de experiências profissionais, acadêmica e pela amizade construída ao longo

dos dois anos, cuja compreensão e colaboração estiveram sempre presentes. Com

vocês, a troca diária de papéis na labuta professora-aluna fora bem mais serena.

À Fátima Rosa Santos Nogueira, pela acolhida sempre afetuosa e

tranquilizadora e pela boa vontade em seu atendimento na secretaria.

À Cláudia Cristina Rios Caxias da Costa, pela assistência generosamente

ofertada.

Aos professores e alunos dos colégios Sant’Ana, Educare, Escola Municipal

Professora Celuta das Neves e Escola Estadual Padre Luiz Turkenburg. Obrigada

pela força.

Aos mestres e geógrafos Denise Drummond, Dinalva Freitas e Sebastião

Afonso dos Santos Neto, pela sólida base de conhecimentos transmitida na

seriedade de seus trabalhos e por fazerem da Geografia uma ciência alucinante.

Vocês serão sempre uma importante referência profissional!

À professora Neida Helena de Queiroz, pela fundamental colaboração no

preparo para aprovação no processo seletivo.

Ao grande amigo, “irmão”, Tiago Parreiras Lopes, pela cumplicidade, carinho,

assistência e prestatividade. Em terras “estrangeiras”, a certeza de que sempre

poderia contar com você, “pedaço de minha terra natal”, confortava-me!

Às Pequenas Irmãs de Santa Terezinha do Menino Jesus, migrantes, em sua

maioria, nas suas missões. Meu interesse pela Geografia, migrações e mundo, fora

despertado na infância, quando tentava compreender a diversidade cultural desta

pequena congregação, cujo respeito e admiração em mim permanecem ao longo

dos anos. Agradeço a afeição e orações!

A Deus, presente em cada uma dessas pessoas. “Aequiparat factum nobile

velle bonum”!

(...) Soa o rumor fatídico dos ventos, Anunciando desmoronamentos

De mil lajedos sobre mil lajedos… E ao longe soam trágicos fracassos

De heróis, partindo e fraturando os braços Nas pontas escarpadas dos rochedos!

(...) Invoco os Deuses salvadores do erro.

A tarde morre. Passa o seu enterro!... A luz descreve ziguezagues tortos

Enviando à terra os derradeiros beijos. Pela estrada feral dois realejos

Estão chorando meus amores mortos!

E a treva ocupa toda a estrada longa... O Firmamento é uma caverna oblonga

Em cujo fundo a Via-láctea existe. E como agora a lua cheia brilha!

Ilha maldita vinte vezes a ilha Que para todo o sempre me fez triste!

Fragmentos do poema A Ilha de Cipango, de Augusto dos Anjos (1912).

RESUMO

Após o terremoto de janeiro de 2010, no Haiti, um fluxo crescente de haitianos

começou a direcionar-se ao Brasil. Inicialmente algumas dezenas, que se

converteram, no primeiro semestre de 2012, em números superiores a cinco mil

migrantes. Esta pesquisa empreende um estudo sobre a migração dos haitianos

para o Brasil a partir de 2010, sistematizando as informações sobre este novo fluxo.

Aspectos preponderantes, tais como a rota migratória, o perfil dos imigrantes, o

papel da sociedade civil no acolhimento destes, a política migratória brasileira

aplicada e uma reflexão sobre os deslocamentos humanos por motivos ambientais

foram aqui abordados. Foram utilizados os registros administrativos do Conselho

Nacional de Imigração (CNIg) do Ministério do Trabalho e Emprego- TEM e dados

da Pastoral do Migrante da Arquidiocese de Manaus (AM), bem como notícias

veiculadas pela imprensa brasileira sobre o tema. Verifica-se que as rotas pelas

quais os haitianos chegam ao Brasil são bem definidas, observando-se, na maioria

dos casos, o ingresso através dos países limítrofes com a fronteira norte. O perfil

dos imigrantes haitianos mostra particularidades que os colocam, em termos de

instrução e atividade laboral, acima da média da população do Haiti. Primordial

importância teve a sociedade civil, especialmente a Igreja Católica, que se

empenhou em oferecer abrigo, alimentação e instrução a estes, evitando

degradação humana, sobremaneira minimizando os impactos nos municípios de

destino. Ressalta-se o desafio que este fluxo impõe ao governo brasileiro e as

medidas adotadas pelo mesmo, como a decisão da observância do visto

humanitário, mediante o pedido de refúgio feito pelos haitianos.

Palavras-chave: Diáspora Haitiana. Migração Internacional. Perfil do Imigrante

Haitiano. Refúgio. Deslocados Ambientais. Política migratória brasileira. Haiti-Brasil.

RÉSUMÉ

Après le tremblement de terre de janvier 2010 au Haiti, un flux croissant des haitiens

s’est dirigé au Brésil. Au début quelques dizaines sont arrivées et au premier

semestre de 2012 , ces dizaines se sont devenues un nombre supérieur à cinq mille

migrants. Cette recherche entreprend un étude sur la migration des haitiens au

Brésil depuis 2010, en systematisant les renseignements sur le noveau flux. Des

aspects prépondérants sont abordés dans la recherche comme : la route migratoire,

le profil des immigrants, la rôle de la societé civil pour accueillir ces immigrants, la

politique migratoire brasiliènne appliquée à ce cas et une réflexion sur les

déplacements humains à cause des raisons de environnement. On a utilisé les

enregistrements administratifs du Conseil National d’ Immigration (CNIg) du Ministère

du Travail et de L’Emploi –MTE et des renseignements de la Pastoral du Migrant de

L’Arquidiocèse de Manaus (AM), ainsi comme les nouvelles propagées par la presse

brasiliènne sur ce sujet. On vérifie que les routes por lesquelles les haitiens arrivent

au Brésil sont bien définies et on peut rémarquer dans la majorité des cas l’entrée à

vers les pays voisins , à la frontière nord. Le profil des immigrants haitiens montre

des particularités que les mettent, par rapport à l’instruction et activités de travail,

au-dessus de la population moyenne d’Haiti. La societé civil a eu une importance

primordial pour ça, en particulier, l’Église Catholique, qui s’est engagée a offrir abri,

alimentation et instruction aux immigrants, en évitant la dégradation humaine, surtout

pour diminuer les impacts sur les villes de destin. On peut souligner le défi que ce

flux impose au gouvernement brésilien et les procedés adoptés, comme par

example, la décision de la concession de la permission de séjour (le visa

humanitaire) en accordance avec la demande de refuge.

Mots-clés : Diaspora Haitienne. Migration International. Profil de l’immigrant Haitien.

Refugie. Les Déplacés d’Ambiance. La Politique Migratoire Brasiliènne. Haiti-Brésil.

ABSTRACT

After the January 2010 earthquake in Haiti, an increasing flow of Haitians started

migration to Brazil. They were a few dozen initially, but in the first half of 2012, the

number of Haitians was greater than five thousand. This research undertakes a study

on the migration of Haitians to Brazil since 2010, systematizing information about this

new flow. Preponderant aspects, such as the migration route, the immigrants’

profile, the role of civil society in hosting them, the Brazilian immigration policy

applied and a reflection on the human displacements for environmental reasons have

been discussed here. The data used were the administrative records of the National

Immigration Council (CNIg) of the Ministry of Labor and Employment- MTE, the

Migrant’s Church Service data from the Archdiocese of Manaus (AM), as well as

reports in the Brazilian press about the subject. It is observed that the routes by

which Haitians arrive in Brazil are well defined, in most cases, the entries being

through the countries in the northern border. The profile of Haitian immigrants shows

characteristics that place them, in terms of education and labor activity, above

average in relation to the population of Haiti. It was of primary importance the

participation of civil society, especially the Catholic Church, in providing shelter, food

and education to migrants, avoiding human degradation and greatly minimizing the

impacts on the municipalities where they have arrived. It is emphasized the challenge

that this flow imposes on the Brazilian government and the measures which have

been taken, such as the decision of the observance of humanitarian visa, upon the

request of refuge.

Keywords: Haitian Diaspora. International Migration. The Haitian Immigrant Profile.

Refuge. The Environmentally Displaced ones. Brazilian Migration Policy. Haiti –

Brazil.

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 - Haiti e Republica Dominicana – América Central ....................................... 53 Mapa 2 - Haiti: divisão administrativa, 2012 .............................................................. 64 Mapa 3 - Hipsometria do Haiti ................................................................................... 66 Mapa 4 - Densidade Demográfica do Haiti, 2008 ...................................................... 71 Mapa 5 - Potencial de Erosão do Haiti, 2008 ............................................................ 72 Mapa 6 - Capacidade de uso do solo do Haiti, 1998 ................................................. 73 Mapa 7 - Placas Tectônicas ...................................................................................... 74 Mapa 8 - Sistema de falhas em Hispaniola ............................................................... 75 Mapa 9 - Principais rotas migratórias dos haitianos para o Brasil ............................. 88 Mapa 10 - Municípios de Naturalidade dos Imigrantes Haitianos com solicitação de visto submetida ao CNIg ( chegada ao Brasil até 27/02/2011) ............................... 101 Mapa 11 - Municípios de Origem dos Imigrantes Haitianos no Brasil ( chegada 11/01/2010 – 14/05/2011) ....................................................................................... 106 Mapa 12 - Instituições da Rede Solidária para Migrantes e Refugiados no Brasil (articulada pelo Instituto Migrações e Direitos Humanos – IMDH), por município – 2012. ....................................................................................................................... 112 Mapa 13 - Número de haitianos atendidos pelas Instituições da Rede Solidária para Migrantes e Refugiados no Brasil – por município (2010 – 1º semestre de 2012) .. 113 Mapa 14 - Contratações e Saldo de Contratações de Haitianos no Brasil, 2010 - 2012 ........................................................................................................................ 115 Mapa 15 - Contratações e Saldo de Contratações de Haitianos no Brasil, 2010 - 2012 ........................................................................................................................ 116

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Emigrantes brasileiros segundo o continente de destino, 2010 ............... 40

Tabela 2 - Emigrantes brasileiros segundo o país de destino, 2010 ......................... 40

Tabela 3 - Autorizações de trabalho concedidas a estrangeiros no Brasil, 2000-2011 .................................................................................................................................. 44

Tabela 4 - Refugiados por continente no Brasil - 2011 ............................................. 49

Tabela 5 - Refugiados por nacionalidade no Brasil- 2011 ......................................... 49

Tabela 6 - Ocorrências de Terremotos no Haiti com Magnitude igual ou superior a 6,5 (Escala Richter), 1902-1992 ................................................................................ 77

Tabela 7 - Indicadores Sociais, Demográficos e Econômicos do Haiti e países selecionados ............................................................................................................. 80

Tabela 8 - Distribuição percentual dos haitianos por UF de entrada do pedido de refúgio, segundo o grupo de processos analisados pelo CNIg, 2010 - 2011 ........... 97

Tabela 9 - Distribuição dos haitianos por setor da atividade ................................... 100

Tabela 10 - Setor de ocupação dos imigrantes quando residentes no Haiti ........... 104

Tabela 11 - Nível de Escolaridade dos Imigrantes Haitianos .................................. 117

LISTA DE SIGLAS

AC - Acre

ACNUR - Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados

AM - Amazonas

CNIg – Conselho Nacional de Imigração

CONARE - Comitê Nacional para os Refugiados

CPF – Cadastro de Pessoa Física

CTPS - Carteiras de Trabalho e Previdência Social (CTPS)

EUROSTAT- Gabinete de Estatística da União Europeia.

GEDEP – Grupo de Estudos Distribuição Espacial da População

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IMDH - Instituto Migrações e Direitos Humanos

MINUSTAH - Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti

MRE- Ministério das Relações Exteriores

MTE – Ministério do Trabalho e Emprego

OEA – Organização dos Estados Americanos

OIM – Organização Internacional para as Migrações

OIT- Organização Internacional do Trabalho

ONU – Organização das Nações Unidas

PIB- Produto interno Bruto

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

SPM – Serviço Pastoral dos Migrantes

UF- Unidade Federativa

USGS – United States Geological Survey

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 15

2 BREVE DISCUSSÃO TEÓRICA SOBRE O FENÔMENO MIGRATÓRIO ............ 20

2.1 Os fatores Push-pull ......................................................................................... 23

2.2 A Teoria Neoclássica ........................................................................................ 24

2.3 Teoria da Nova Economia da Migração do Trabalho ..................................... 25

2.4 A Teoria do Mercado Dual de Trabalho ........................................................... 25

2.5 A Teoria das Redes Sociais .............................................................................. 27

2.6 Teoria do Sistema Mundial ............................................................................... 28

2.7 Migrações e refúgio .......................................................................................... 29

2.8 Os refugiados ambientais ................................................................................. 33

3 A MIGRAÇÃO INTERNACIONAL NO BRASIL: os movimentos recentes ......... 37

3.1 Aspectos históricos da migração internacional brasileira ............................ 38

3.2 A intensificação da migração de retorno no início do século XXI ................ 41

3.3 O Brasil como um “país de imigração” ........................................................... 43

3.4 A Anistia ............................................................................................................. 46

3.5 O Refúgio no Brasil ........................................................................................... 47

3.5 A política de imigração ..................................................................................... 50

4 A GÊNESE DA DIÁSPORA HAITIANA ................................................................. 51

4.1 O castelo haitiano em pilares de açúcar: breve histórico (1492-2010) ......... 53

4.2 Panorama Socioambiental do Haiti ................................................................. 64

4.3 A Geografia Física Haitiana: um breve esboço .............................................. 65

4.4 A Instabilidade Geotectônica e o Terremoto de 2010 .................................... 74

4.5 Indicadores sociais, demográficos e econômicos do Haiti ........................... 80

5 OS HAITIANOS NO BRASIL ................................................................................. 85

5.1 O processo de chegada ao Brasil .................................................................... 86

5.2 A política brasileira perante a migração haitiana – a questão humanitária . 92

5.3 O perfil dos imigrantes haitianos ..................................................................... 95

5.3.1 Dados do CNIg ............................................................................................... 96

5.3.2 O perfil dos Imigrantes Haitianos em Manaus ........................................... 102

5.4 A acolhida dos haitianos em território brasileiro: o importante papel da Igreja e sociedade civil ......................................................................................... 107

5.5 A inserção dos haitianos no mercado de trabalho ...................................... 114

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 120

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 123

ANEXOS ................................................................................................................. 129

15

1 INTRODUÇÃO

O Brasil é considerado, historicamente, como um país de imigração e

configura sua sociedade como o resultado das inúmeras correntes migratórias

advindas dos mais diversos países. Nas duas últimas décadas do século XX,

portanto, passou a ser conhecido como um país de emigração, conforme algumas

fontes1 que indicam que milhões de brasileiros viviam fora no ano 2000.

Com a crise econômica dos países centrais, muitos brasileiros tomaram a

decisão de voltar ao seu país de origem e o Brasil passou a conhecer o movimento

inverso, ou seja, o de refluxo de seus cidadãos. Face a esse cenário, concomitante

com o retorno, outro movimento migratório começou a ser reproduzido: o aumento

da imigração em direção ao Brasil.

Nesse contexto, um novo fluxo, com caráter diferente, há não mais de dois

anos começou a se direcionar ao país: a imigração de haitianos pela fronteira com

os países da Amazônia Legal, impelidos, sobretudo, pelo terremoto que assolou o

país no dia 12 de janeiro de 2010 e suas consequências, que perduram até os dias

atuais.

O movimento migratório de haitianos não é uma realidade recente. O

geógrafo George Andrade, apud Louidor (2012), estabeleceu duas grandes ondas

de migração de haitianos no século XX. A primeira, entre 1915 e 1935, durante a

intervenção americana no Haiti e a segunda entre 1965 e 1985, quando vigorava a

violenta ditadura de Duvalier, configurando as duas correntes como “diáspora” 2. De

acordo com Louidor (2012), o terremoto que atingiu o Haiti gerou um grande fluxo de

haitianos em direção à América Latina, configurando-se, muito provavelmente, em

uma terceira onda de migração haitiana no século XXI.

Desse modo, há décadas os haitianos partem para territórios estrangeiros,

principalmente para os países vizinhos, buscando evadir-se da situação miserável

de vida e da violência que acomete historicamente o seu país, agravada,

sobremaneira, pelos desastres ambientais.

1 CABRAL, Maria Cláudia C. Anteprojeto da “nova lei de estrangeiros” in Rios Neto, Eduardo (org.) A

População nas políticas públicas: gênero, geração e raça. CNPD; UNFPA – Brasília – 2006. 2 Dispersão de um povo ou etnia por outras partes do mundo. O uso da expressão “diáspora para o Brasil”,

diferentemente do uso formal que sempre emprega a expressão “diáspora no”, tem como intuito remeter ao

processo migratório haitiano e seu direcionamento ao Brasil, uma vez que a diáspora em outros países já ocorre

há mais tempo.

16

Embora a diáspora haitiana seja secular, seu direcionamento ao Brasil é

recente. A princípio, chegaram ao país apenas algumas dezenas. No início de 2011,

esse contingente superou a casa do milhar e em meados de 2012, o total de

haitianos em território brasileiro superou 6.000 imigrantes. Essas pessoas, de forma

geral, buscam melhores condições de vida longe de seu país de origem, que é o

mais pobre do continente americano e cuja situação social e econômica foi

intensamente agravada pelo terremoto que criou um grande número de

desabrigados e reduziu a escombros parcela importante da infraestrutura

habitacional e governamental, agravando profundamente a situação humanitária

desta nação. O Brasil “entrou no mapa da diáspora haitiana”!

Esse fluxo apresenta-se peculiar ao governo brasileiro, bem como a tantos

outros da América Latina, pela necessidade de se repensar a política migratória,

tendo em vista a migração forçada causada pelos desastres ambientais.

Pelo fato da migração ser temática cada vez mais colocada na pauta política

ao longo das últimas décadas, justifica-se esta pesquisa sob a ótica dos estudos

migratórios, afeitos às questões humanitárias que demandam urgência, ante as

catástrofes de cunho natural e econômico. O novo fluxo migratório, com origem no

Haiti aqui se insere, principalmente ante o fato do Brasil estar no imaginário da

população haitiana, devido a sua participação como coordenador da Missão das

Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), como também pelos

resultados mais positivos de sua economia, quando comparado aos países do

hemisfério norte, que serviriam como “rota de fuga”.

A motivação que resultou neste trabalho dissertativo advém da “curiosidade

acadêmica”, acerca dos fluxos significativos de mobilidade populacional, já que o

fenômeno migratório, sobremaneira a imigração, impacta no social, no econômico e

no cultural de um país. Os estudos sobre a dinâmica migratória buscam respostas,

nem sempre oferecidas pelos governos, no trato com o estrangeiro, o imigrante. A

situação de irregularidade na permanência de alguns grupos gera custos aos cofres

públicos diante do aumento da população e, consequentemente, a demanda por

serviços como hospitais, escolas, creches, além dos problemas como a exploração

da mão de obra.

Faz-se necessário abarcar esta temática no âmbito das políticas públicas de

acolhimento, quase sempre baseadas no endurecimento na exigência de vistos,

17

aumento do controle nas fronteiras, estabelecimento de cotas, deportação e reenvio

aos países de origem.

O objetivo principal deste estudo é sistematizar as informações sobre o fluxo

migratório de haitianos para o Brasil, enfocando aspectos como o perfil do imigrante,

a rota migratória, o processo de entrada e a acolhida no território brasileiro, a

inserção no mercado de trabalho e a política migratória aplicada pelo governo

brasileiro mediante o pedido de refúgio e os deslocados ambientais. Assim, espera-

se contribuir para o conhecimento do processo migratório, com ênfase na diáspora

haitiana, e possibilitar um aprofundamento sobre este fluxo, colaborando para os

estudos atuais e futuros, acerca desta temática.

A primeira etapa da pesquisa foi constituída de uma revisão bibliográfica.

Como ponto de partida, buscou-se a leitura, o estudo e análise de livros, periódicos

e artigos para construir um embasamento teórico significativo e necessário para uma

visão mais ampla sobre a as migrações internacionais, a diáspora haitiana, as

migrações internacionais para o Brasil, o refúgio e a política migratória brasileira.

Visto que a presença de uma parte da diáspora haitiana no Brasil é um fato muito

recente, há uma escassez de fontes científicas que abordam o tema. Assim,

utilizou-se o maior número possível de fontes jornalísticas veiculadas pela

imprensa brasileira, blogs e sites de instituições engajadas com a causa haitiana no

Brasil.

Para fazer o levantamento do perfil do haitiano no Brasil, utilizou-se duas

bases de informações:

a) do Conselho Nacional de Imigração (CNIg) – estruturada com os dados obtidos

junto aos processos encaminhados pelo Comitê Nacional para os Refugiados

(CONARE), ao referido Conselho nos anos de 2010 e 2011, que reproduz as

informações fornecidas pelos haitianos no momento da solicitação de refúgio. Estas

informações foram coletadas pela Polícia Federal nos postos fronteiriços, com o

intuito de instruir o processo de solicitação de refúgio para posterior apreciação e

decisão do CONARE. São informações prestadas por escrito pelos solicitantes de

refúgio no momento em que apresentam seus pedidos em formulários próprios,

preenchidos perante a Polícia Federal (ANEXO I). Ressalta-se que algumas

informações de certos tópicos dos formulários não foram disponibilizadas.

18

Os dados trabalhados referem-se ao conjunto de 714 processos enviados

pelo CONARE. Estes processos foram encaminhados em três momentos distintos: o

primeiro grupo, composto por 197 solicitações, cobrindo o período de entrada de

processos que vai até novembro de 2010, foi analisado pelo Conselho em 16 de

março de 2011 e tratava do primeiro grupo de haitianos a chegar ao país. O

segundo grupo, com 237 solicitações, e o terceiro conjunto de 280 solicitações

tratam de processos, na sua maioria, abertos de dezembro de 2010 até o final de

fevereiro de 2011, foram discutidos nas reuniões de 21 de junho e 10 de agosto do

mesmo ano, respectivamente.

Considerando um universo de 6000 haitianos presentes no Brasil, os dados

disponíveis (714) podem não ser representativos e devem ser considerados com

cautela, pois referem-se aos primeiros grupos que chegaram ao Brasil e, portanto,

podem ter características diversas da maioria daqueles que ingressaram no país.

No entanto, por ser a única fonte disponível no momento, parece-nos importante a

sua utilização para definir o perfil deste primeiro grupo;

b) da Pastoral do Migrante da Arquidiocese de Manaus (AM) – obtidos no momento

do registro da acolhida ou passagem dos haitianos pela entidade em busca de

assistência ou encaminhamento à outras instituições sociais.

Esta fonte é um pouco mais reduzida em termos numéricos, mas apresenta

particularidades quanto ao tipo de informações. Os dados são concernentes a 307

pessoas, tomadas aleatoriamente de um conjunto de mais de 1000 imigrantes

haitianos, que em julho de 2011 estavam em Manaus e procuraram auxílio da

Pastoral do Migrante. Destaca-se que as informações constantes nos registros, que

serviram de base para este levantamento, são dados de interesse da própria

Pastoral para a execução de suas atividades.

Os dados de ambas as fontes foram tratados no software SPSS (Statistical

Package for the Social Sciences), versão 17.0, e os resultados obtidos submetidos à

análise.

Usou-se também dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para

verificar a distribuição e empregabilidade dos haitianos no território brasileiro. Estes

dados referem-se aqueles extraídos no momento em que foram feitas as Carteiras

de Trabalho e Previdência Social (CTPS). Além destes, empregou-se os dados do

Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) sobre a acolhida e assistência a

19

estes em diversas instituições que integram a Rede Solidária para Migrantes e

Refugiados no Brasil.

A fim de possibilitar melhor visualização das informações e otimização dos

dados, foram elaborados mapas temáticos, utilizando o software ArcGis 10.0.

Esta pesquisa contém, além desta introdução, quatro seções. No capítulo dois

tem-se uma revisão das principais teorias sobre as migrações internacionais, refúgio

e refugiados ambientais.

No terceiro capítulo, procurou-se traçar um panorama das migrações

internacionais para o Brasil, os movimentos recentes, o marco jurídico que rege a

política migratória brasileira no que tange ao refúgio e o contexto no qual ocorre a

diáspora haitiana para o país.

No quarto capítulo, apresentam-se os fatores históricos, políticos, sociais e

físicos que corroboram para a diáspora haitiana, incluindo-se aí uma explanação

sobre o terremoto de 2010 e suas consequências para o Haiti.

O capítulo cinco denota os resultados da pesquisa, como o perfil dos

haitianos, a rota migratória, o mercado de trabalho, a entrada e acolhida no Brasil,

as medidas adotadas pelo governo brasileiro e trabalho desenvolvido pela sociedade

civil, principalmente o realizado pela Igreja Católica.

Por fim, expõem-se as considerações finais que sintetizam os resultados e

análises mais importantes da pesquisa.

20

2 BREVE DISCUSSÃO TEÓRICA SOBRE O FENÔMENO MIGRATÓRIO

A migração é um problema demográfico: influencia a dimensão das populações na origem e no destino; é um problema econômico: muitas mudanças na população são devidas a desequilíbrios econômicos entre diferentes áreas; pode ser um problema político: tal é particularmente verdade nas migrações internacionais, onde restrições e condicionantes são aplicadas àqueles que pretendem atravessar uma fronteira política; envolve a psicologia social, no sentido em que o migrante está envolvido num processo de tomada de decisão antes da partida, e porque a sua personalidade pode desempenhar um papel importante no sucesso com que se integra na sociedade de acolhimento; e é também um problema sociológico, uma vez que a estrutura social e o sistema cultural, tanto dos lugares de origem como de destino, são afetados pela migração e, em contrapartida, afetam o migrante (JANSEN apud PEIXOTO, 2004, p.4).

A migração é uma das atividades mais antigas, inerentes ao homem, e

sempre esteve presente na história da humanidade. Apesar disso, apenas em época

recente - meados do século XIX - passou a contar com aportes teóricos específicos.

Várias são as teorias sobre as migrações encontradas no início do século XXI.

Entretanto, são poucos os pontos de tangência entre elas. Apesar da importância

que os fluxos migratórios assumiram, principalmente nos séculos XIX, XX e início do

XXI, o tema é tratado de forma secundária e dissolvido entre as várias ciências.

Massey et al (1990), atestam que esta fragmentação propicia um

conhecimento teórico incompleto e incorreto sobre as migrações e que tal

fragmentação decorre da divergência entre os pesquisadores do tema em relação a

quatro dimensões básicas. A primeira dimensão deriva do conflito sobre a forma

como o tema deve ser estudado, se de forma sincrônica ou em uma perspectiva

histórica, ou seja, diacrônica. A segunda dimensão relaciona-se ao lócus da ação de

migrar, que ora parte de uma análise estrutural e ora no âmbito do indivíduo. A

terceira dimensão refere-se ao nível de análise, seja ela o indivíduo, domicílio,

comunidade, região geográfica, ou outro. Por fim, a quarta dimensão trata do

impasse em relação à ênfase colocada nas causas ou nos efeitos da migração.

Desta forma, seria importante elaborar uma teoria sobre o fenômeno migratório que

incorporasse, concomitantemente, vários níveis de análise contemplados em uma

perspectiva processual.

Segundo Arango (2003, p.1), o conhecimento sobre as migrações

internacionais progrediram consideravelmente, bem como o número de teorias à

21

disposição dos investigadores, porém é duvidoso que o arsenal teórico existente

esteja à altura das exigências de uma realidade tão multifacetada como dinâmica.

A primeira manifestação do moderno pensamento científico-social sobre as

migrações se deu com os textos publicados pelo geógrafo Ernest Georg

Ravenstein3, em 1885 e 1889. “Ravenstein inaugurou uma linha de reflexão e

indagação que se prolonga até os nossos dias: a busca de regularidades empíricas

nos movimentos migratórios” (ARANGO, 1985, p.7).

O desafio que Ravenstein se colocou, estimulado por uma observação do

epidemiologista William Farr, foi o de analisar e indicar leis que eram seguidas pela

migração. Usando os dados do censo inglês de 1881, Ravenstein elaborou um

conjunto de proposições, denominado “As Leis da Migração”. Posteriormente,

ampliou sua análise a mais vinte países. Em síntese, o trabalho de Ravenstein,

enuncia os seguintes princípios:

1. A principal causa da migração é a disparidade econômica e o motivo

financeiro predomina entre as razões para migrar;

2. A maior parte das migrações é de curta distância;

3. Os migrantes que percorrem longas distâncias geralmente preferem os

grandes centros comerciais e industriais;

4. As migrações se produzem escalonadamente, ou seja, os migrantes que

seguem para os centros de absorção deixam vazios que são preenchidos

por outros migrantes, vindos de regiões mais longínquas, criando um fluxo

migratório que chega aos mais remotos rincões do reino;

5. O processo de dispersão é inverso ao processo de absorção e exibe

características similares;

6. Cada corrente migratória produz uma contracorrente compensatória.

7. Os nativos de áreas urbanas tendem a emigrar menos que os nativos de

áreas rurais;

8. Os imigrantes são, na sua maioria, adultos;

9. As mulheres predominam nas migrações de curta distância e os homens

nas migrações de longas distâncias;

10. As grandes cidades crescem mais por imigração que por crescimento

vegetativo;

3 E. G. RAVENSTEIN, The Laws of Migration, Journal of the Royal Statistical Society, 48, pt. 2 (jun.

1885), pp. 167-227; 52 (jun.1889), pp. 241-301.

22

11. As migrações mais importantes são aquelas que se direcionam das áreas

rurais aos grandes centros comerciais e industriais;

12. As migrações tendem a aumentar com o desenvolvimento econômico e

com o progresso da tecnologia e do transporte (RAVESNTEIN, apud

ARANGO, 1985, p.7).

Ravenstein reconhecia que as leis aplicadas à população, assim como as

econômicas, não tinham o mesmo rigor das leis físicas, uma vez que são

constantemente interferidas pela ação humana.

Como ressalta Arango:

Las «leyes» de Ravenstein han sido acertadamente definidas como «um conjunto de proposiciones empíricas generales, vagamente relacionadas entre sí, que describen relaciones migratorias entre orígenes y destinos. Desde luego, la denominación de «leyes» aplicada a tales regularidades empíricas debe tomarse simplemente en sentido figurado, no stricto sensu (ARANGO, 1985, p.7).

Embora os estudos de Ravenstein possam ser considerados primários e sem

a construção efetiva de uma teoria, seu caráter precursor é evidente, pois apresenta

uma análise empírica pormenorizada dos fenômenos migratórios, em que utiliza

muitos dos procedimentos metodológicos adotados ulteriormente. Também se

distingue pelo anúncio de vários temas e conceitos que são posteriormente

estudados, tais como classificações de migrantes (temporários, de curta e média

distância, entre outros), migrações por etapas, regiões de atração e repulsão, efeito

da distância, contracorrentes, ação de estímulos econômicos (PEIXOTO, 2004, p.5-

6).

O que mais se destaca no trabalho de Ravenstein é o pioneirismo no uso do

marco analítico “atração-repulsão”, ou fatores push-pull, ao levar em conta que a

decisão de emigrar pode ser adotada respondendo a fatores que operam no lugar de

origem ou destino. O motor do deslocamento espacial seria, portanto, as diferenças

regionais nos níveis de renda, emprego e a inadequada distribuição territorial da

força de trabalho. Assim, um agente racional, ao ter conhecimento das condições do

lugar onde reside e de outro local, decide pela permanência ou pela migração,

considerando tais diferenças (ARANGO, 1985; PEIXOTO, 2004; LEÓN, 2005).

23

2.1 Os fatores Push-pull

Everet Lee, num esforço em completar as Leis de Ravenstein, elaborou A

Theory of Migration4 (1965), o renomado modelo push-pull. Segundo este modelo,

há uma série de fatores que impelem o indivíduo a deixar um lugar quando o

compara com as condições mais vantajosas que existem em outros lugares. Os

fatores positivos (pull) atraem os migrantes e os negativos (push) os repelem. Como

fatores de expulsão pode-se citar a elevada pressão demográfica, baixos salários,

desemprego, qualidade de vida baixa, falta de acesso a terra, falta de liberdade

política e religiosa, violência generalizada e desastres ambientais. Os fatores de

atração, associados ao lugar de destino, seriam contrários.

A decisão e o processo de migração, portanto, são conduzidos pelos fatores

associados à área de origem, fatores associados à área de destino, aos “obstáculos

intervenientes” e aos fatores pessoais. Na área de origem e destino, observam-se

questões de ordem econômica, como infraestrutura social. Entre os “obstáculos

intervenientes” – elementos que se colocam entre as duas áreas geográficas e que

funcionam como barreiras a migração – inclui-se a distância, custos do

deslocamento, tamanho da família, leis migratórias, etc (PEIXOTO, 2004). Para LEE

(1966, apud Santos et al, 2010), as migrações são sempre seletivas e os obstáculos

intervenientes serviriam “para peneirar alguns dos débeis e incapazes.” Nos fatores

pessoais, inclui-se aqueles que fazem com que as decisões variem individualmente,

como a posição no ciclo de vida, as fontes de informação e os contatos (PEIXOTO,

2004).

Segundo Leon (2005), as críticas feitas a este modelo direcionam-se à

ausência de historicidade e ao individualismo, assim como o fato de não levar em

conta o contexto social e político que limitam a ação dos sujeitos. Além disso, de

acordo com este modelo, são as pessoas mais pobres, dos países menos

desenvolvidos, que tendem a emigrar e a realidade mostra que não são os mais

pobres que emigram, e sim as pessoas de classe média. O modelo push-pull não

explica por que os migrantes escolhem alguns locais e não outros, e ignora que as

migrações não são individuais, mas sociais.

4 LEE, Everett S. A theory on migration. Demography, 3(1): 47-57, 1966 (Population Studies Center,

Series in Studies of Human Resources, 1).

24

Arango (2003) destaca que o famoso e influente modelo push-pull não

constitui uma verdadeira teoria, mas sim um útil marco conceitual. A construção de

teorias sobre a migração é um caso recente, da segunda metade do século XX.

2.2 A Teoria Neoclássica

A teoria neoclássica da migração baseia-se nos pressupostos da escolha

racional, maximização da utilidade esperada, na mobilidade dos fatores de produção

e nas diferenças de oportunidades de emprego e salários.

As migrações são, portanto, resultado da desigual distribuição do capital e do

trabalho, que, assim como os outros mercados, regulam-se livremente pela lei da

“oferta e procura”. O fenômeno migratório exerce uma pressão para a diminuição

dos salários nos países de destino e uma pressão no aumento destes nos países de

origem, até alcançar o equilíbrio entre as duas áreas. Com o aumento da

disparidade salarial, a taxa de emigração se eleva, mas com a eliminação da

diferença salarial, o fluxo migratório tenderia a cessar.

A explicação neoclássica tem a vantagem de combinar a perspectiva micro,

da adoção das decisões por parte dos indivíduos, com a perspectiva macro, dos

determinantes estruturais (ARANGO, 2003). No plano macro, é uma teoria da

redistribuição espacial dos fatores de produção em resposta a diferentes preços

relativos (RANIS e FEI, 1961; TODARO, 1976, apud ARANGO, 2003). No plano

micro, explica-se pela decisão voluntária e racional do indivíduo, que busca

aumentar seu bem-estar ao transladar-se a lugares onde a recompensa por seu

trabalho é maior do que a que obtém no local de origem, em uma medida

suficientemente alta para compensar os custos que derivam do deslocamento

(SJAASTAD, 1962, apud ARANGO).

De acordo com Soares (2002) e Fazito (2005), a perspectiva macroteórica

tem como principais expoentes LEWIS (1963), HARRIS e TODARO (1980) e a

microteórica TODARO (1980), SJAASTAD (1980) e BORJAS (1996).

25

2.3 Teoria da Nova Economia da Migração do Trabalho

A “New economics of labor migration”, desenvolvida principalmente por Oded

Star (1991), emana da teoria neoclássica e atribui a decisão das migrações a um

conjunto maior de pessoas e não ao indivíduo isolado. A análise passa a ter como

foco o domicílio ou outra unidade de produção e consumo, culturalmente definida, e

não mais o indivíduo (SANTOS et al, 2010).

La migración es una estrategia familiar orientada no tanto a maximizar los ingresos como a diversificar sus fuentes, con el fin de reducir riesgos —tales como el desempleo o la pérdida de ingresos o de cosechas— y, a la vez, eliminar cuellos de botella, dadas las imperfecciones que, por lo general, gravan los mercados de crédito y de seguros en los países de origen. En la medida en que la finalidad de la emigración es maximizar los ingresos, no lo es, necesariamente, en términos absolutos cuanto en relación con otros hogares en su grupo de referencia, retomando de este modo la vieja noción de la privación relativa (Stark y Taylor, 1989). De aquí se puede inferir, que cuanto más desigual sea la distribución de ingresos en una comunidad determinada, más se sentirá la privación relativa y mayores serán los incentivos para la emigración. En este sentido, la nueva economía de las migraciones laborales es sensible a la distribución de los ingresos, a diferencia de la explicación neoclásica (ARANGO, 2003, p.12).

Assim, a decisão de migrar é tomada coletivamente por um grupo de não

migrantes, que dividirão os custos e os benefícios da mobilidade. O objetivo, além

da ampliação dos ganhos, é o de reduzir os riscos de queda do padrão de vida.

Como explicita ARANGO (2003), os maiores méritos desta teoria são: a

atenção prestada às remessas, à informação e às complexas interdependências

entre os migrantes e o contexto em que se produzem as migrações, bem como o

reconhecimento do papel decisivo que as unidades familiares frequentemente

desempenham nas estratégias migratórias.

2.4 A Teoria do Mercado Dual de Trabalho

A “Dual Labor Market Theory”, idealizada por Michael PIORE (1979), a partir

de uma perspectiva macro dos fatores estruturais determinantes, considera que as

migrações internacionais são decorrentes da permanente demanda por mão de obra

nos países desenvolvidos, processo inerente ao ordenamento econômico das

sociedades contemporâneas avançadas.

26

Deste modo, os movimentos migratórios não têm como propulsor o

desemprego nos países de origem, e sim a necessidade de mão de obra (migrante)

dos países de destino. Os fatores de atração assumem a causalidade do

movimento, em detrimento dos fatores de repulsão. Mediante a necessidade de mão

de obra, os Estados estimulam ou barram o fluxo migratório, através de medidas

como o recrutamento de estrangeiros, a exigência de vistos e/ou a deportação.

ARANGO (2003, p. 14), atesta que o mérito desta teoria reside no fato de

explicar, de forma técnica e sofisticada, cinco questões:

1. Por que nas economias avançadas existem trabalhos instáveis e de baixa

produtividade;

2. Por que os trabalhadores autóctones refutam este tipo de trabalho;

3. Por que a resistência dos trabalhadores autóctones a ocupar postos de

trabalho pouco atrativos, não pode ser solucionada através de mecanismos

de mercado ordinário, tais como aumentar os salários correspondentes a

estes postos;

4. Por que os trabalhadores estrangeiros, procedentes de países com baixos

salários, estão dispostos a aceitar este tipo de trabalho;

5. Por que esta demanda estrutural de mão de obra já não pode ser atenuada

como se fazia antes, com mulheres e adolescentes.

O autor ainda evidencia que tal teoria destaca-se também pela refutação da

ideia de que os trabalhadores imigrantes competem com os trabalhadores nativos e

que a presença dos primeiros afeta o nível dos salários e as perspectivas de

emprego destes últimos.

Conforme ressalta Blanco (2000), três fatores demográficos tem interferido na

demanda de trabalhadores estrangeiros por parte das economias receptoras: a

participação das mulheres no mercado de trabalho e a pressão por direitos

sociotrabalhistas mais igualitários; o aumento do número de divórcios, que por vezes

impele a mulher a ingressar no mercado de trabalho para sustentar a família; e a

diminuição das taxas de natalidade, que somada ao aumento dos anos de estudo,

eliminam uma boa porção do trabalho juvenil.

27

2.5 A Teoria das Redes Sociais

Segundo a “Network Theory”, a migração se efetiva através das redes de

contatos sociais. Assim, as unidades efetivas de migração não são nem os

indivíduos, nem famílias, mas sim o conjunto de pessoas ligadas por relações de

amizade, de conhecimento, de parentesco e de trabalho. São os contatos nas

comunidades de origem e destino que influenciam a decisão de emigrar,

permanecer ou retornar. Quanto mais esta rede se expande, menores são os custos

e riscos econômicos e sociais do deslocamento, o que aumenta a probabilidade de

migrar, gerando um movimento adicional e ampliando ainda mais as próprias redes.

Na sociedade receptora, o imigrante estabelece novas relações sociais e

familiares, que serão valorizadas por aqueles que foram deixados em sua terra.

Casar-se e ter filhos é um fator determinante para que a migração se converta em

definitiva, entretanto, se a família se encontra na origem, poderá pressionar o

retorno (LEÓN, 2005).

As disparidades salariais não são condições sine qua non para que a

migração internacional ocorra. Pessoas “próximas” podem ter fortes incentivos para

diversificar riscos e/ou acumular capital através do movimento transnacional, mesmo

na ausência de diferenças salariais (MASSEY et al, 1998). A decisão de emigrar

ocorre porque outras pessoas relacionadas ao migrante o fizeram anteriormente,

gerando assim um efeito multiplicador, implícito na noção de migração em cadeia

(ARANGO, 2003).

Segundo Massey et al (1998), as redes migratórias podem ser vistas como

uma forma de capital social, na medida em que se trata de relações sociais que

permitem o acesso a outros bens de importância econômica, tais como emprego ou

melhores salários.

Massey et al (1987), apud Fazito (2005), ao entender o processo social da

migração como dinâmica, cumulativa e interconectada, apresenta seis princípios

sobre o fenômeno migratório:

1. A migração deveria ocorrer segundo um “desequilíbrio” estrutural entre regiões de

origem e destino;

2. Depois de iniciado, o processo de migração seria sustentado por um fluxo

contínuo de trocas, garantido pela criação das redes sociais;

28

3. A consolidação das redes possibilitaria a diversificação das estratégias

migratórias, fortalecendo as organizações familiares e domiciliares;

4. A migração tenderia a ser auto-sustentável;

5. Independente do tempo de duração dos fluxos migratórios e;

6. Reforçada periodicamente pela ação dos retornados.

Assim, os mecanismos de migração vão além da individualidade dos

migrantes. Afora as questões relacionadas as estruturas socioeconômicas e

culturais dos locais de origem e destino, deve-se considerar os vínculos entre os

migrantes e não migrantes, bem como o campo social no qual se inserem (FAZITO,

2005).

Sob esta óptica, as instituições governamentais apresentam grande

dificuldade em controlar os fluxos que iniciaram com o processo de formação das

redes de contato. O desenvolvimento das redes sociais ajuda a explicar o caráter

duradouro das correntes migratórias, com independência das causas que levaram

ao deslocamento inicial (MASSEY et al, 1998).

2.6 Teoria do Sistema Mundial

A “Word System Theory” sustenta que a migração decorre dos desequilíbrios

gerados pela expansão do capitalismo aos países periféricos (MASSEY et al, 1993).

Tal expansão provocou a quebra e transformação dos padrões capitalistas de

organização social e econômica e neste processo de penetração do mercado, um

grande contingente de pessoas, como agricultores, artesãos são deslocados de

modos de vida seguros e tradicionais, o que cria uma população móvel, propensa a

migrar tanto interna quanto externamente (LEÓN, 2003).

Estes trabalhadores buscam a cidade em um primeiro momento, mas com a

economia frágil dos hipercentros subdesenvolvidos, acabam por dirigir-se ao

exterior. Assim, a migração é resultado principalmente da dominação dos países

centrais sobre as regiões periféricas, em um contexto de estrutura de classes e

conflito (ARANGO, 2003).

Nos países centrais, os imigrantes encontram empregos em setores que

necessitam de mão de obra barata, mantendo a lucratividade das empresas,

29

evidenciando as migrações como um sistema de oferta de mão de obra a nível

mundial (SASSEN, 1988, apud ARANGO, 2003).

As relações de exploração colonial do passado deram lugar ao

neocolonialismo, onde as empresas dos países centrais, mediante o desejo de

grande lucratividade, buscam matérias primas e mão de obra barata nos países

periféricos, perpetuando o poder das elites (MASSEY,1998, apud LEÓN, 2003).

A expansão do mercado às regiões subdesenvolvidas efetiva-se através de

uma pequena quantidade de cidades globais, que manejam os processos de

produção cada vez mais dispersos e descentralizados. Nos países pobres

localizam-se as operações de trabalho, já que os salários são mais baixos. Nos

países com altos salários encontram-se os processos intensivos de capital (LEON,

2003).

As críticas a esta teoria decorrem da ênfase excessiva nas variáveis

econômicas, da concepção do imigrante apenas como um sujeito passivo, do poder

que atribui ao mercado e da atenção reducionista que dá aos processos sociais que

impulsionam e reproduzem as migrações (LEÓN, 2003)

2.7 Migrações e refúgio

O primeiro contato dos haitianos com as autoridades brasileiras traduziu-se

na solicitação de refúgio - um amparo jurídico internacional. As justificativas

apresentadas para tal sempre se referiam à necessidade de deslocar impulsionada

pelo terremoto de janeiro de 2010 e suas consequências. Implicam-se aí alguns

pontos que necessitam ser esclarecidos para que se compreenda o tratamento e

desfecho da questão pelo governo brasileiro como a concepção jurídica do refúgio e

a abordagem dos refugiados e deslocados ambientais.

O refúgio sempre fez parte da história da humanidade. Ao longo dos séculos,

milhões de pessoas tiveram que deixar seus países de origem por razões culturais,

religiosas, étnicas, ideológicas e solicitar proteção em outros territórios. Como

exemplo, podemos citar o refúgio dos judeus perseguidos pelos romanos após a

queda de Jerusalém, no ano 70, e a sintomática perseguição aos cristãos que se

estendeu do governo de Nero (54-68) ao governo de Diocleciano (303-305). Trata-

se, portanto de um fenômeno presente em todos os períodos da história.

30

Apesar da antiguidade da busca por refúgio, foi somente no século XX que

os refugiados ganharam a proteção da comunidade internacional, com a Sociedade

das Nações. Isso porque o mundo assistiu a movimentos massivos de pessoas

decorrentes da Primeira Guerra Mundial, da Revolução Russa e da queda do

Império Otomano, o que evidenciou a necessidade de se pensar nos

deslocamentos.

Com a Segunda Guerra Mundial e o nazi-fascismo, o número de refugiados

aumentou consideravelmente e no ano de 1943, os Aliados criaram a Administração

de Socorro e Reabilitação das Nações Unidas (UNRRA5) (FERREIRA BARRETO,

p.14, 2010).

A UNRRA tinha como um de seus propósitos “fornecer à população local

assistência e reabilitação para aliviar seus sofrimentos, assim como alimento, roupa,

e alojamento, e auxílio para a prevenção de epidemias e para a restauração da

saúde”.

Ainda no ano de 1943, foi realizada a Conferência das Bermudas que definiu

como refugiados “todas as pessoas de qualquer procedência que, como resultado

de acontecimentos na Europa, tiveram que abandonar seus países de residência por

terem em perigo suas vidas ou liberdade, devido a sua raça, religião ou crenças

políticas”. Surge o embrião do que viria a ser o conceito empregado nos dias atuais.

Conforme ressalta Ferreira Barreto (2010), a Conferência das Bermudas

trouxe duas inovações: o preâmbulo do princípio non-refoulement – segundo o qual

não se deve obrigar uma pessoa a retornar ao seu país de origem se houver receio

fundado – e o princípio de que um órgão internacional deveria ocupar-se da questão

dos refugiados.

Importante observar que o texto fazia referência exclusivamente à Europa,

deixando de lado os outros países e etnias envolvidas no conflito.

Em 1947, foi criada a Organização Internacional de Refugiados (OIR). O

trabalho dessa instituição ainda era focado nas questões dos refugiados da Segunda

Guerra Mundial, tratando a questão, portanto, exclusivamente no espaço europeu.

No final de 1950, foi criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para

Refugiados (ACNUR) - organização humanitária, apolítica e social cujos principais

objetivos são o de proteger homens, mulheres e crianças refugiadas e buscar

5 Em inglês: United Nations Relief and Rehabilitation Administration -UNRRA

31

soluções duradouras para que possam reconstruir suas vidas em um ambiente

normal. No ano seguinte, o ACNUR promoveu uma conferência em Genebra para

regular o status legal dos refugiados e o tratamento internacional. Dessa conferência

originou a Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados,

conhecida como Convenção de 1951.

A Convenção de 1951 estabeleceu os preceitos internacionais referente aos

refugiados, a proteção legal, os direitos e deveres destes. Estabeleceu que o termo

refugiado aplica-se a pessoa que:

devido a fundados temores de ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, por pertencer a determinado grupo social e por suas opiniões políticas, se encontre fora do país de sua nacionalidade e não possa ou, por causa dos ditos temores, não queira recorrer à proteção de tal país; ou que, carecendo de nacionalidade e estando, em consequência de tais acontecimentos, fora do país onde tivera sua residência habitual, não possa ou, por causa dos ditos temores, não queira a ele regressar ( Estatuto dos Refugiados, 1951).

A perseguição fundamentada em qualquer outro motivo que não seja uma das

cinco apontadas na Convenção dos Refugiados - raça, religião, nacionalidade,

pertencimento a determinado grupo social ou opinião política – não é contemplada.

A Convenção de 1951 apresentava duas barreiras que tornavam difíceis a

sua aplicação em alguns países: restringia o tempo aos acontecimentos ocorridos

antes de 1º de janeiro de 1951- “reserva temporal” - e a outra, chamada de “reserva

geográfica”, limitava aos acontecimentos na Europa. Tais restrições foram

suprimidas pelo Protocolo de 1967(Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados),

permitindo que os demais dispositivos continuassem a ter aplicação.

A criação do ACNUR e a Convenção de 1951 deram início a uma nova etapa

de assistência e proteção internacional aos refugiados. Atualmente, há 140 países

signatários da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967.

Ao longo dos anos, o ACNUR foi ocupando-se cada vez mais de pessoas que

não se enquadravam na definição “clássica” de refugiado, mas que por situações

diversas encontravam-se deslocadas e ameaçadas. Destarte, a organização

intervém em benefício de outros grupos de pessoas. Conforme a classificação

aplicada desde 1993, o ACNUR presta assistência aos:

- Refugiados: pessoas que estão fora de seus países de origem e foram

reconhecidas como refugiadas;

32

- Repatriados: refugiados que retornaram aos seus países de origem e que o

ACNUR auxilia a reinstalar na sociedade.

- Deslocados: pessoas que foram forçadas ou obrigadas a fugir ou deixar seu

lugar ou sua residência habitual, (particularmente) como resultados ou para evitar os

efeitos de um conflito armado, situação de violência generalizada, violação dos

direitos humanos ou desastres naturais ou humanos e que não ultrapassaram a

fronteira de um Estado internacionalmente reconhecido.

- Requerentes de refúgio: pessoas que estão fora de seus países de origem,

solicitaram o refúgio em outro país e esperam uma decisão sobre seus casos.

- Apátridas: pessoas que não são consideradas por qualquer Estado,

segundo a sua legislação, como seu nacional.

De acordo com ACNUR, até janeiro de 2011, o número de pessoas auxiliadas

pela organização somava 33.924,500 (ANEXO C). Observa-se que o maior número

de refugiados encontra-se no continente asiático, especialmente na subregião do

Sudoeste Asiático. Já os requerentes de refúgio, destacam-se na América Latina e

os deslocados internos, na América Latina, seguida pelo Leste e Chifre da África e

África Central e Grandes Lagos.

Apesar do grande avanço da humanidade, as guerras, perseguições,

intolerâncias a determinados grupos sociais devido a suas origens, crenças ou

ideologias, continuam muito intensas no mundo neoliberal. Segundo o ACNUR, a

cada minuto, oito pessoas são obrigadas a deixar sua casa devido à guerra ou

perseguições. Sobre isso, BAUMAN, aponta que:

As guerras e os massacres tribais, a proliferação de ‘exércitos de guerrilheiros’ ou gangues de criminosos e traficantes de drogas posando de defensores da liberdade, ocupados em dizimar as fileiras uns dos outros, mas absorvendo e, no devido tempo, aniquilando nesse processo o ‘excedente populacional’ (principalmente os jovens, que não conseguem emprego e não têm perspectivas) – essa é uma das ‘quase‐ soluções locais para problemas globais’, distorcidas e perversas, a que os retardatários da modernidade são obrigados a recorrer, ou melhor, acabam recorrendo. Centenas de milhares de pessoas, às vezes milhões, são escorraçadas de seus lares, assassinadas ou forçadas a buscar a sobrevivência fora das fronteiras de seu país. Talvez a única indústria florescente nas terras dos retardatários (conhecidas pelo apelido, tortuoso e frequentemente enganoso, de ‘países em desenvolvimento’) seja a produção em massa de refugiados (BAUMAN, Z., 2007).

Segundo Bauman, “tornar-se “um refugiado” significa perder os meios em que

se baseia a existencia social, ou seja, um conjunto de coisas e pessoas comuns que

33

têm significados – terra, casa, aldeia, cidade, país, posses, empregos e outros

pontos de referência cotidianos. Os refugiados, à deriva e à espera, não têm coisa

alguma, a não ser a vida.

O alicerce da proteção ao refugiado, ainda hoje, é a Convenção de 1951.

Nela, algumas alterações foram feitas ao longo das décadas e convenções regionais

foram originadas à sua luz. Entretanto, como é possível verificar, os deslocamentos

forçados decorrentes das questões ambientais não são levados em consideração

para atribuir aos indivíduos a condição de refugiado.

2.8 Os refugiados ambientais

Os movimentos forçados da população por causas ambientais, denominados

“deslocamentos ambientais” ou “desplazados ambientais”, não é um fenômeno

recente. Historicamente, inúmeras populações tiveram que deixar suas terras

devido à intensa degradação e esgotamento do solo, seca prolongada, ou por causa

de desastres naturais como terremotos e tsunamis. O que é recente é o potencial

para grandes deslocamentos de população como resultado de uma combinação da

exaustão de recursos, da destruição irreversível do meio ambiente e do crescimento

da população, entre outros fatores (PENTINAT, 2011).

A expressão “Refugiados Ambientais” ou Environmental Refugees originou-se

na Conferência de Estocolmo (1972) na elaboração da Declaração de Estocolmo

sobre o Ambiente Humano e criação do Programa das Nações Unidas para o Meio

Ambiente (PNUMA6), mas passou a ser mais conhecida a partir da publicação dos

estudos de Essan El – Hinnawi, intitulados Environmental Refugees (1985). O termo

designa:

aquelas pessoas que foram forçadas a sair de seu habitat natural, temporária ou permanentemente, devido a uma ruptura ambiental marcante (natural e/ou provocada pela atividade humana) que ameaça suas existências e/ou afeta seriamente suas qualidades de vida. Por ‘ruptura ambiental’ entende-se qualquer mudança física, química e/ou biológica no ecossistema (ou na base de recursos) que o faz, temporária ou permanentemente, insustentável para suportar a vida humana (EL-HINNAWI, 1985)

6 Em inglês United Nations Environment Programme.

34

Na literatura específica há quem diferencie as pessoas que se deslocam

dentro do próprio país daquelas que cruzam as fronteiras internacionais,

denominando o primeiro grupo de “deslocados internos7 ou desplazados internos” e

o segundo como “refugiados ambientais”.

A degradação ambiental não deve ser considerada como uma causa isolada,

pois existe uma conexão entre os fatores socioeconômicos, culturais e políticos com

o ambiente. Assim, a superposição das causas que originam a situação de refugiado

ambiental determinam a indefinição do reconhecimento jurídico desta situação. O

problema principal é identificar se estes processos são de tal gravidade que geram a

migração e diferenciar os emigrantes econômicos dos refugiados ambientais

(PENTINAT, 2011). Segundo Malta (2011), os refugiados ambientais diferenciam-se,

sobretudo pela causa e, dessa, a intencionalidade, conforme demonstra o quadro

abaixo.

QUADRO 1 – Tipos de Refugiados Ambientais a partir da categorização de

Bates

Desastres Expropriações Deteriorações

Um evento catastrófico não intencional causa

migração humana

A destruição intencional do meio ambiente o torna desapropriado

para a habitação humana

Deterioração gradual do ambiente compele à

migração ao dificultar a sobrevivência humana

Subcategoria

Natural Tecnológico Desenvolvi-

mento Eco-cídio Poluição Depleção

Origem Natural Antropogênico Antropogênico Antropogênico Antropogênico Antropo-gênico

Intenção Não

intencional Não

intencional Intencional Intencional

Não intencional

Não intencional

Duração Abrupto Abrupto Abrupto Abrupto Gradual Gradual

Prazo de Retorno

Curto/ Médio

Longo/- - Longo/- Médio/Longo Médio/ Longo

Causalidade

Uni/ Multicausal

Uni/ Multicausal

Unicausal Unicausal Multicausal Multi-causal

Exemplo Terremoto Acidente Nuclear

Construção de Hidrelétrica

Desfolhação Aquecimento

Global Desflores-tamento

Exemplo Real

Haiti Chernobyl Três

Gargantas Vietnã Bangladesh

Amazônia Equatorial

Fonte: BATES, 2002, apud Malta, 2011

7Além das causas ambientais, os deslocamentos forçados dentro do próprio país podem ser

motivados por outros fatores como violência interna, luta armada, violação dos direitos humanos, incapacidade governamental em garantir segurança.

35

Tomando como base a escala e a categorização de Bates, verifica-se que à

exceção das expropriações, os refúgios ambientais ocasionados por desastres e

deteriorações não são intencionais. Os deslocamentos motivados por deteriorações

ainda permitem uma permanência da população nas residências, dada alguma

medida que minimize o efeito do impacto ou até mesmo à adaptação ao novo

quadro. Entretanto, os refugiados ambientais de desastres constituem uma

excepcionalidade. Mesmo que existam medidas de prevenção (centrais de

monitoramento, estrutura resistente aos terremotos, furacões...) o desastre pode

alcançar níveis inimagináveis e acima do planejamento.

Para MALTA (2011) um importante fator a ser considerado quanto aos

refúgios por desastres ambientais é a solução pós-evento. É preciso diferenciar a

temporalidade dos impactos quanto ao retorno da população após o deslocamento.

Há desastres que permitem o retorno da população a moradia original em curto ou

médio prazo, como os furacões, entretanto, há aqueles que somente permitirão o

retorno da população em longo prazo, como os desastres industriais (Chernobyl, por

exemplo).

De qualquer forma, independente da temporalidade, o fato é que a possibilidade de retorno é dependente da resolução do elemento fundamental que motivou a perseguição. Aos refugiados “clássicos”, esse elemento é condicionado pela ação humana: guerras, conflitos, disputas. Em outras palavras, a partir da resolução do conflito que foi o gatilho para o deslocamento populacional, esse pode começar a ser mitigado. O ponto de excepcionalidade dos refugiados ambientais é que, dependendo do tipo de evento-gatilho que os ocasionou, a solução independe da vontade humana (sucessivos terremotos, monções exageradas), exige um concerto tão global que a própria solução aparenta ser além do alcance (aumento do nível dos mares ocasionado pelas mudanças climáticas) ou tem um tempo de resolução tão longo que sucessivas gerações de refugiados podem nunca conhecer seu lar original (retrocesso em processo de desertificação, limpeza/decaimento da radiação) (MALTA, p.67, 2011).

Outra diferença em relação aos refugiados clássicos é a base sem

procedentes para a atuação. Apesar de ser historicamente recente, o processo de

refugiado moderno assemelha-se a prática política de impérios antigos. Entretanto,

os refugiados ambientais não contam com este aporte, uma vez que o tema nunca

esteve tão em voga quanto na atualidade.

De forma geral, pode-se afirmar que não há bases jurídicas no Direito

Internacional relativas aos refugiados ambientais. Ante a esta lacuna, caberia a

proteção destas pessoas pela aplicação dos Direitos Humanos e dos princípios do

36

Direito Internacional do Meio Ambiente. Observa-se, portanto, que é preciso,

urgentemente, estabelecer o amparo jurídico , político e social em um contexto

onde cada vez mais pessoas se veem forçadas a deslocar-se através de fronteira

internacional devido a motivos ambientais.

37

3 A MIGRAÇÃO INTERNACIONAL NO BRASIL: OS MOVIMENTOS RECENTES

(...)Todos os dias é um vai-e-vem A vida se repete na estação

Tem gente que chega pra ficar Tem gente que vai pra nunca mais

Tem gente que vem e quer voltar Tem gente que vai e quer ficar

Tem gente que veio só olhar Tem gente a sorrir e a chorar

E assim, chegar e partir São só dois lados

Da mesma viagem O trem que chega

É o mesmo trem da partida A hora do encontro

É também de despedida A plataforma dessa estação

É a vida desse meu lugar (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1985).

A migração internacional, no contexto dinâmico da economia globalizada,

aumentou consideravelmente nas últimas três décadas. Apesar de não se

caracterizar por um volume muito elevado, os imigrantes somam aproximadamente

200 milhões em todo o mundo e um número crescente de países tem se configurado

como locais de emigração, imigração e de trânsito, não mais podendo ser

caracterizados unicamente como fornecedores ou receptores de migrantes.

As facilidades de comunicação por diversos meios, inclusive a internet, aliada

à facilidade de acesso aos meios de transporte intercontinentais, fazem com que a

migração internacional de hoje apresente características diversas daquelas

observadas até meados do século passado. Se no início do processo das grandes

migrações na primeira metade do século XIX, o partir significava para muitos um

afastamento definitivo do seu meio social e familiar, hoje é possível fixar residência a

milhares de quilômetros e manter contato com o seu círculo social e familiar como

se, e algumas vezes mais próximo, morasse na mesma cidade.

Talvez, por esta razão, o tema tomou relevância e passou a ser discutido

amplamente pela sociedade civil, meios de comunicação, instituições

governamentais e internacionais, dadas as grandes implicações produzidas pelo

fenômeno. Multiplicam-se as rotas migratórias e as complexidades dos movimentos

exigem análises mais profundas, impondo o abandono da visão simplista que

classifica um país exclusivamente como de emigração ou imigração.

38

3.1 Aspectos históricos da migração internacional brasileira

O Brasil, que desde a década de 1980 definiu-se como um país de

emigração, tem experimentado, como outrora, um fluxo crescente de imigrantes,

configurando-se, concomitantemente, como um país de emigração, imigração e

trânsito.

A imigração internacional para o Brasil, historicamente implica a participação

da mão de obra estrangeira na economia local, desde o início da colonização.

Inicialmente, a imigração buscava atender aos interesses da corte portuguesa e

assegurar a posse do território. Com o desenvolvimento da economia açucareira e,

posteriormente, da mineradora, o fluxo de escravos foi estimulado, formando o mais

numeroso conjunto de imigrantes no período.

Foi no final do século XIX até o primeiro quarto do século XX, que o Brasil

recebeu os maiores fluxos de imigrantes que vieram atender à demanda crescente

por mão de obra na agricultura e indústria incipiente. Estima-se que, neste período,

o Brasil recebeu cerca de 4,4 milhões de pessoas, provenientes, sobretudo de

Portugal, Itália, Espanha, Japão e Alemanha.

A crise econômica mundial de 1929 e, consequentemente, a crise do café,

reduziram progressivamente os fluxos migratórios internacionais. Os conflitos

internacionais de meados do século vieram reduzir ainda mais este fluxo e a partir

de 1970, o Brasil apresentou uma população praticamente fechada à imigração,

onde entradas e saídas se compensavam e tinham pequeno volume. No entanto, na

década seguinte, pela primeira vez, apresentou saldo migratório8 negativo.

De acordo com Patarra (2005), o processo de deslocamento da população

brasileira na década de oitenta refletiu as crescentes transformações econômicas,

sociais, políticas, demográficas e culturais que ocorreram globalmente. Nesse

contexto, situam-se as mudanças provenientes do processo de reestruturação

produtiva, com a inserção de novas formas de mobilidade do capital e da população

em diferentes partes do mundo.

Um grande desafio sempre foi mensurar o volume desses imigrantes e várias

fontes são empregadas com este fim. Os dados dos censos brasileiros, através de

8 Diferença entre o número de pessoas que entrou (imigrantes) e deixou (emigrantes) um

determinado município, estado ou país.

39

da mensuração por métodos indiretos9, permitem avaliar o volume das entradas e

saídas de migrantes. Assim, no período compreendido entre os Censos de 1991 e

2000, o saldo migratório internacional ultrapassou o volume de 500 mil pessoas,

indicando a saída de brasileiros. Também havia indicações de que crescia a

imigração, principalmente a de retorno.

Utilizando as informações de data fixa10, pode-se estimar que aqueles

imigrantes internacionais que escolheram o Brasil como destino, somaram pouco

mais de 66 mil em 1991. Já no ano 2000, eles atingiram a casa de 144 mil – um

incremento de 117%. Na composição desses fluxos internacionais de entrada, os

brasileiros natos que compõe a migração de retorno passaram a ocupar papel

preponderante: enquanto a participação relativa deles subiu de 47% a 61%, de uma

fase a outra, o percentual de estrangeiros sofreu contração, passando de 48% em

1991, para 34% em 2000.

O Censo Demográfico de 2010, pela primeira vez, inseriu, no questionário do

universo, questões sobre a emigração internacional. Nos domicílios, foi questionado

se havia algum dos moradores residindo no exterior no dia 31 de julho de 2010 (data

de referência da pesquisa), seu sexo e a data da última partida. As informações

disponibilizadas, apresentadas nas Tabelas 1 e 2, demonstram que 491.645

brasileiros estariam residindo no exterior, sendo Estados Unidos (117.104), Portugal

(65.969) e Espanha (46.330) os destinos mais importantes.

9 Sobre técnicas indiretas ver: CARVALHO, J. A. M. (O saldo dos fluxos migratórios internacionais do

Brasil na década de 80: uma tentativa de estimação. In: Programa Interinstitucional de Avaliação e Acompanhamento das Migrações Internacionais no Brasil, 2, 1996. Migrações internacionais: herança XX, agenda XXI, 1996. p. 227-238.) e CARVALHO, J. A. M. de; RIGOTTI, J. I. R. (Análise das metodologias de mensuração das migrações. In: Encontro Nacional Sobre Migração, 1998, Curitiba. Anais. Curitiba: IPARDES/FNUAP/ABEP, 1998. p.211-227). 10

Os migrantes de data fixa, no caso brasileiro, são pessoas que em uma data fixada cinco anos antes do recenseamento, residiam em outro local (VASCONCELLOS,I.R.P. ; RIGOTTI, J. I. R. . 2005).

40

Tabela 1 - Emigrantes brasileiros segundo o continente de destino, 2010

Continente de destino

Nº de Emigrantes Brasileiros

Europa 252.892

América do Norte 129.940

Ásia 43.912

América do Sul 38.890

Oceania 13.880

África 8.286

América Central 3.199

Sem declaração 646

Total 491.645

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010.

Tabela 2 - Emigrantes brasileiros segundo o país de destino, 2010

País de destino Nº de Emigrantes Brasileiros

Estados Unidos 117.104

Portugal 65.969

Espanha 46.330

Japão 36.202

Itália 34.652

Reino Unido 32.270

França 17.743

Alemanha 16.637

Suíça 12.120

Austrália 10.836

Canadá 10.450

Argentina 8.631

Bolívia 7.919

Irlanda 6.202

Bélgica 5.563

Outros países 63.017

Total 491.645

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010.

Mesmo considerando as deficiências que estes dados podem apresentar,

como parcela de não resposta e impossibilidade de captar aqueles domicílios onde

todos emigraram, estes números permitem ter, pelo menos, uma ideia da dimensão

41

que poderia ser considerada como o volume mínimo de brasileiros vivendo no

exterior.

Outra fonte para se estimar o contingente de brasileiros residindo no exterior

são os dados compilados pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE),

construídos a partir de levantamentos realizados pelas unidades consulares nos

diversos países. Estas informações retratam que o número de brasileiros vivendo no

exterior no ano de 2010 era de 3.122.813 (MRE, 2011).

3.2 A intensificação da migração de retorno no início do século XXI

No início do século XXI - marcado pelos atentados terroristas de 11 de

setembro de 2001 nos Estados Unidos e posteriormente em Madri e Londres, no

ano de 2004 e 2005 - o mundo viu as políticas antimigratórias enrijecerem e os

direitos já estabelecidos dos imigrantes se restringirem. A imigração passou a ser

tratada por muitos países como questão de segurança e a guerra ao terror, vez ou

outra, tornou-se enfrentamento ao imigrante, que passou a ser visto com

desconfiança.

A crise financeira mundial deflagrada a partir de 2008, e que ainda perdura,

impactou ainda mais o cenário migratório. Muitas economias avançadas, que nas

últimas décadas configuraram-se como maiores polos atrativos migratórios, ainda

hoje buscam superar as dificuldades, e os problemas no mundo globalizado

repercutem-se de forma geral. Ao final de 2011, a taxa de desemprego entre a

população economicamente ativa atingiu índices de aproximadamente 9% nos

Estados Unidos, 5% no Japão e 11% na zona do euro (Eurostat), com destaque

para Espanha (22%) e Portugal (13%).

Com a recessão global, governos de vários países começaram a pressionar

ou a incentivar o retorno dos estrangeiros. Este cenário pode ser exemplificado pela

política adotada pelo Japão, que em 2009, adotou medidas para incentivar o retorno

voluntário, oferecendo uma ajuda financeira condicionada ao não retorno ao país por

determinado período de tempo, bem como a iniciativa da Comunidade Europeia, em

parceria com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), em apoiar o

retorno de emigrantes com ações que visavam contribuir para o desenvolvimento de

empreendimentos no país de retorno.

42

O agravamento da crise econômica internacional, sobretudo nas economias

avançadas, e os altos índices de desemprego, fizeram crescer a migração de

retorno. Apesar de não haver dados suficientes que permitam quantificar este

fenômeno, seus indícios são claros.

Na Espanha, por exemplo, o Instituto Nacional de Estatística (INE) apontou

que de forma diversa do que aconteceu nos últimos dez anos, nos nove primeiros

meses de 2011, o saldo migratório foi negativo. Entraram no país 317.419 pessoas e

359.692 deixaram a Espanha. A guinada é significativa, visto que no boom da

imigração, antes da crise, entraram em média por ano 750 mil pessoas, saindo 220

mil, o que gerava um saldo positivo de mais de 500 mil pessoas por ano. Este

quadro fez com que, até 2008, os imigrantes representassem mais de 10% da

população do país.

Desde a crise, estima-se que 60 mil brasileiros retornaram do Japão. Cerca

de 20 mil aproveitaram a ajuda do governo japonês, para dekasseguis

desempregados que escolhessem deixar o país. Até 2008, aproximadamente 320

mil brasileiros viviam no Japão.

Esta situação de retorno levou o Governo brasileiro a tomar medidas para

auxiliar aqueles que aqui chegavam. Em 2008, foi firmado um convênio entre o

Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e

Pequenas Empresas (SEBRAE) para atender aos imigrantes dekasseguis que

retornaram ao Brasil. O projeto, denominado “Dekassegui Empreendedor”, é voltado

ao desenvolvimento da capacidade empreendedora dos dekasseguis brasileiros,

além de proporcionar apoio educacional, técnico e gerencial na implantação de

negócios por este público no Brasil.

O projeto atende também dekasseguis que estão indo para o Japão e os que

lá estão. Em 2009, a Casa do Trabalhador, mantida no Japão pelo MTE, criou um

sitio11 em português, disponibilizando toda a legislação japonesa para auxiliar os

dekasseguis e ainda ajudar a recolocar no mercado os trabalhadores que foram

demitidos após a crise econômica mundial.

Se por um lado alguns países atraem menos estrangeiros, por outro há

aqueles que experimentam fenômeno inverso, como o Brasil, que atualmente vem

11

Disponível em www.mte.gov.br/casa_japao

43

recebendo contingentes cada vez maiores de imigrantes, seja o de retorno de

brasileiros, seja o de estrangeiros.

3.3 O Brasil como um “país de imigração”

O desenvolvimento progressivo da economia brasileira e sua inserção no

mercado global, a criação de novos postos de trabalho em áreas que demandam

mão de obra especializada, principalmente no setor petrolífero, a ampliação do

mercado interno e posicionamento favorável da economia frente à crise global de

2008, tem atraído muitos estrangeiros motivados por tal conjuntura. Nesse cenário,

além dos tradicionais imigrantes originários de países limítrofes - como paraguaios e

bolivianos – o país tem recebido estrangeiros de territórios ultramar, como africanos

de nacionalidades diversas, asiáticos e até mesmo imigrantes dos Estados Unidos,

países da Europa e Caribe.

A internacionalização da economia brasileira e a projeção do Brasil na mídia

internacional – impulsionada pelo processo de estruturação para sediar grandes

eventos como a Rio +20 (2012), Copa do Mundo da FIFA (2014), Jogos Olímpicos

(2016) – e o papel de protagonista em ações de âmbito internacional como a

liderança das forças de paz no Haiti, ampliam as informações sobre o país e fazem

com que esse entre no imaginário global, tornando-se alvo daqueles que têm o

intento de emigrar. O cenário é atrativo aos estrangeiros que visualizam grandes

chances de trabalho.

O Ministério da Justiça indica que, até setembro de 2012, tinham permissão

ativa12 de residir no Brasil um total de 1.575.643 estrangeiros, sendo em sua maioria

portugueses (330.860) seguidos por japoneses (133.931), italianos (99.336),

bolivianos (97.951) e espanhóis (83.926).

Segundo o MTE, em 2010, as autorizações para estrangeiros trabalharem no

Brasil cresceram 30% em relação a 2009, totalizando 56.006 concessões, conforme

mostra a Tabela 3.

12

Pessoas em situação regular de residência, residentes ou não no Brasil no momento do levantamento.

44

Tabela 3 - Autorizações de trabalho concedidas a estrangeiros no Brasil, 2000-2011

Fonte: MTE, 2011

Entre as autorizações temporárias13, o aumento foi de 32% e entre as

permanentes, de 4,5%. Neste ano, os estados que mais receberam os estrangeiros

foram São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Amazonas e Paraná. Quanto ao

país de origem, os que mais solicitaram autorizações de trabalho são dos Estados

Unidos (7.550), Filipinas (6.531), Reino Unido (3.809), Índia (3.237) e Alemanha

(2.904). Dos países do MERCOSUL, os argentinos foram os que mais solicitaram

autorização para trabalho (644), seguidos dos venezuelanos (562), chilenos (383),

bolivianos (90), uruguaios (66) e paraguaios (28) (MTE, 2011). Em comparação ao

ano de 2010, as autorizações concedidas em 2011 tiveram aumento de 26%.

Naturalmente, o fluxo de imigrantes em situação irregular também aumentou.

As estimativas sobre o volume destes fluxos, apesar de não muito fidedignas, variam

bastante.

Segundo o MTE, em 2008 havia 180 mil imigrantes irregulares. No mesmo

ano, o Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM) indicou mais de 600 mil pessoas nesta

13

A migração temporária ocorre quando a pessoa migra por tempo determinado, ou seja, quando a

migração é só durante um determinado período de tempo. A migração permanente ocorre quando a intenção é continuar residindo no local de destino; não há intenção de retorno ao local de origem.

Ano Nº de Estrangeiros

2000 14.741

2001 15.903

2002 18.062

2003 17.389

2004 20.315

2005 24.158

2006 25.440

2007 29.488

2008 43.993

2009 42.914

2010 56.006

2011 70.524

Total 378.933

Total (1993-2010) 430.248

45

situação. No entanto, no momento do processo da anistia de 2009, um total de

apenas 45.000 estrangeiros buscou regularizar a sua situação no país.

Dentre os estrangeiros regulares, observa-se um movimento claro de

profissionais oriundos de países desenvolvidos, como Estados Unidos, Reino Unido

e Alemanha. O momento não favorável nas economias desenvolvidas soma-se a

carência de mão de obra qualificada no Brasil. Estes profissionais vêm preencher a

lacuna da formação de mão de obra e suprir o mercado que, apesar de esforços

governamentais e empresariais, demoraria muito a se formar no Brasil. A demanda

por pessoal qualificado, como engenheiros, gerentes, executivos e técnicos das

mais diversas áreas é crescente.

O MTE apontou que dos 56.006 estrangeiros autorizados a trabalhar no Brasil

em 2010, o montante de 57,9% tinha nível superior e 38,6% havia cursado o Ensino

Médio ou Técnico Profissionalizante. Os estados que mais receberam essa mão de

obra coincidem com os polos de desenvolvimento industrial e econômico do país:

São Paulo com 45,6%, Rio de Janeiro com 39,9% e Minas Gerais com 4,7% (MTE,

2011).

O Censo 2010 também registrou um grande aumento no movimento de

entrada de pessoas no país, em relação ao ano 2000. Pelo critério de data fixa, ou

seja, considerando os indivíduos que declararam residir no Brasil na data de

referência do Censo, mas que moravam no exterior cinco anos antes, contabilizou-

se 286,5 mil imigrantes. Esse número foi 86,7% maior do que em 2000 (143,6 mil).

Os principais estados de destino desses imigrantes foram São Paulo, Paraná e

Minas Gerais, que juntos receberam mais da metade dos imigrantes internacionais

do período.

Do total de entradas no país, os brasileiros retornados representaram 65%

destes imigrantes internacionais levantados, o que corresponde a um montante de

174,6 mil pessoas. Em 2000, o contingente de imigrantes internacionais retornados

foi de apenas 87,9 mil, correspondendo a 61,2% dos imigrantes do período, o que

demonstra um grande crescimento do retorno na década.

Os principais países de origem dos imigrantes – brasileiros e retornados -

foram os Estados Unidos (51,9 mil imigrantes), Japão (41,4 mil), Paraguai (24,7 mil),

Portugal (21,4 mil) e Bolívia (15,8 mil), conforme mostra o Gráfico 1.

46

Gráfico 1 - Principais países de origem dos imigrantes no Brasil, 2010

Fonte: IBGE, Censo 2010.

Em 2000, os principais países de origem eram o Paraguai (35,5 mil), Japão

(19,7 mil), Estados Unidos (16,7 mil), Argentina (7,8 mil) e Bolívia (6,0 mil).

3.4 A Anistia

Como em outros países, o Governo brasileiro também recorreu ao processo

de anistia14 para a regularização do status migratório de estrangeiros. A partir da Lei

6815/80, foram realizados quatro processos de anistia no país, em 1981, 1988, 1998

e em 2009.

Em julho de 2009, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº

11.961/2009, regulamentada pelo do Decreto nº 6.893/2009 - a Lei da Anistia

Migratória - que em sua primeira fase, estabeleceu a possibilidade de conceder

residência provisória aos estrangeiros que ingressaram no território nacional até 1º

de fevereiro de 2009, e nele permaneciam em situação migratória irregular.

A lei permite ainda a transformação da residência provisória obtida, em

permanente, depois de um período de dois anos, desde que os interessados

atendam a todos os requisitos legais exigidos. Após quatro anos é possível solicitar

a naturalização.

0

10.000

20.000

30.000

40.000

50.000

60.000

51.9

33

41.4

17

24.6

66

21.3

76

15.7

53

12.9

37

11.5

66

10.6

91

8.1

52

6.7

66

43.7

21

36.8

88

13.7

48

16.4

60

3.9

54 11.2

47

9.0

88

7.5

66

2.8

99

3.8

59

Total de Imigrantes

Brasileiros Retornados

47

O principal objetivo ao regularizar os estrangeiros foi proporcionar uma vida

mais digna àqueles que aqui se encontram de forma irregular, à margem de seus

direitos fundamentais. Ao beneficiado com a regularização migratória são

outorgados os direitos civis equivalentes aos dos brasileiros, à exceção daqueles

expressamente reservados aos nacionais, nos termos da Carta Política, permitindo o

trabalho, o estudo, o acesso à justiça, a saúde, entre outros (Ministério da Justiça,

2011).

A medida regularizou a situação migratória de 45.008 estrangeiros e os

principais beneficiados foram os bolivianos, chineses, peruanos, paraguaios e

coreanos. Em janeiro de 2012, o Departamento de Estrangeiros do Ministério da

Justiça declarou que dos 45 mil estrangeiros anistiados, 40% já obtiveram residência

permanente no país. Os bolivianos são a maioria dos que solicitaram residência

permanente, seguidos dos chineses e paraguaios. Do total, 7.942 (44%) têm entre

19 e 30 anos e cerca de 11 mil (61%) são do sexo masculino.

Mesmo com este avanço, ainda há muito o que fazer, pois apesar da anistia

os problemas de ordem burocrática persistem e a regularização da situação dos

estrangeiros residentes no Brasil torna-se um caminho sinuoso e lento.

3.5 O Refúgio no Brasil

O Brasil trata juridicamente da matéria sobre os refugiados de acordo que foi

estabelecido na Convenção de Genebra de 1951 e no Protocolo de 1967. Foi o

primeiro país da América do Sul a ratificar os principais recursos internacionais de

proteção e a regular a proteção aos refugiados.

A lei brasileira que define os mecanismos para implementação do Estatuto

dos Refugiados de 1951, dentre outros procedimentos, é a Lei nº 9.474, de 22 de

julho de 1997. Conforme tal legislação, será reconhecido como refugiado todo

indivíduo que:

I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;

48

III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país (Art. 1, lei 9.474,1997).

Verifica-se que o terceiro parágrafo referente ao reconhecimento dos

refugiados, vai além do que foi estabelecido na Convenção de 1951, o que

demonstra aspecto proeminente e inovador do Brasil no que tange à matéria. Esta

prenúncia baseia-se no que foi estabelecido na Convenção de Cartagena de 1984 –

legislação acerca do refúgio vigente no âmbito do MERCOSUL.

De acordo com HAYUDU (2011), a Declaração de Cartagena é importante

porque reconhece a complementaridade existente entre os três ramos da proteção

internacional da pessoa humana, à luz de uma visão integral e convergente do

direito humanitário, dos direitos humanos e do direito dos refugiados.

A Lei nº 9.474/97 também criou o Comitê Nacional para os Refugiados –

CONARE, cujas principais finalidades são: analisar o pedido sobre o

reconhecimento da condição de refugiado; deliberar quanto à cessação “ex officio”

ou mediante requerimento das autoridades competentes, da condição de refugiado;

declarar a perda da condição de refugiado; orientar e coordenar as ações

necessárias à eficácia da proteção, assistência, integração local e apoio jurídico aos

refugiados, com a participação dos Ministérios e instituições que compõem o

Conare; e aprovar instruções normativas que possibilitem a execução da Lei nº

9.474/97.

O CONARE é um órgão colegiado, vinculado ao Ministério da Justiça. Reúne

segmentos representativos da área governamental, da Sociedade Civil e das

Nações Unidas.

O Comitê é composto por representantes dos seguintes órgãos:

Ministério da Justiça, que o preside;

Ministério das Relações Exteriores, que exerce a Vice-Presidência;

Ministério do Trabalho e do Emprego;

Ministério da Saúde;

Ministério da Educação;

Departamento da Polícia Federal;

Organização não-governamental, que se dedica a atividade de

assistência e de proteção aos refugiados no País – Cáritas Arquidiocesana

de São Paulo e Rio de Janeiro; e

49

Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR, com

direito a voz, sem voto (CONARE, 2012).

Além da proteção física e legal, os refugiados no país têm direito à

documentação e aos benefícios das políticas públicas de educação, saúde e

habitação, entre outras. Para garantir a assistência humanitária e a integração dessa

população, o ACNUR também trabalha com diversas ONGs no país.

Entre os programas implementados estão o de integração local, que busca

facilitar a inserção do refugiado na comunidade, e o de reassentamento, que recebe

refugiados que continuam sofrendo ameaças e problemas de adaptação no primeiro

país de refúgio (CONARE, 2012).

De acordo com o CONARE, ao final de 2011 havia 4.477 refugiados no Brasil.

Destes, 4053 foram reconhecidos por vias tradicionais de elegibilidade e 424

reconhecidos pelo Programa de Reassentamento, ou seja, 90,5% tem o Brasil como

o primeiro país de acolhida e apenas 9,5% como opção posterior.

Do total de 4.401 refugiados, 430 vieram de lugares diferentes do seu país de

origem, e já tinham status de refugiados antes de chegarem ao Brasil. São os

reassentados que, por questões de segurança ou integração, não podem

permanecer no primeiro país de acolhida nem retornar ao de origem. Nesses casos,

não há necessidade de nova solicitação de refúgio. Os outros 3.971 foram

reconhecidos em território brasileiro (Ministério da Justiça, 2011).

O status de refugiado garante ao imigrante os mesmos direitos do cidadão

brasileiro no tocante à moradia, trabalho e saúde, dentre outros.

A maioria destes refugiados origina-se no continente africano, seguido do

americano (Tabela 4). Neste universo, incluem-se nacionalidades de 77 países, com

destaque de Angola, Colômbia e República Democrática do Congo (Tabela 5).

Tabela 4 - Refugiados por continente no Brasil - 2011

Continente Refugiados %

África 2856 63,79

América 1033 23,08

Ásia 486 10,85

Europa 97 2,17

Apátrida 5 0,11

Total 4477 100 Fonte: CONARE, 2011

Tabela 5 - Refugiados por nacionalidade no Brasil- 2011

Nacionalidade Refugiados %

50

Angola 1686 37,66

Colômbia 654 14,61

República Democrática do Congo 470 10,5

Libéria 258 5,76

Iraque 207 4,62

Fonte: CONARE, 2011

Dos 654 refugiados colombianos, 374 foram reconhecidos por vias

tradicionais de elegibilidade e 280 foram reassentados. O Brasil tem se destacado

regionalmente frente à questão colombiana e a não adaptação dos refugiados

colombianos no Equador e Costa Rica.

Segundo MILESI e ANDRADE (2009), o Brasil é conhecido por ter um dos

maiores índices de aprovação das solicitações de refúgio que recebe.

Embora o governo brasileiro tenha uma política para os refugiados, ainda há

muito que se fazer. É preciso ampliar os serviços prestados aos refugiados,

principalmente no que tange à inserção no mercado de trabalho, habitação digna e

inclusão social. Urge a aplicação medidas efetivas que permitam a real integração

dos refugiados à sociedade brasileira.

3.5 A política de imigração

Apesar dos percalços na política migratória brasileira, mesmo que lentamente,

há avanços nas discussões sobre a condição do migrante. O processo de

ampliação de acordos de residência, no qual engajou o Governo brasileiro, teve

seguimento em 2011, quando em julho foi ampliado o Acordo sobre Residência para

Nacionais dos Estados Parte do MERCOSUL, Bolívia e Chile com a inclusão do

Peru, Colômbia e Equador – este último não internalizado - e em breve a Venezuela

devido à sua entrada no bloco (Decreto 6.975/09) que estabelece regras comuns

para facilitar a obtenção de residência legal no território dos Estados Partes.

A Lei de Estrangeiros (nº 6.815/1980) - referência jurídica nacional para o

tratamento ao imigrante, concebida como um projeto de segurança nacional,

retrógrada e inoperante para o perfil atual, deve ser substituída por uma nova

proposta em Discussão no Congresso Nacional (PL 5.655/2009). O novo texto

privilegia a visão dos direitos humanos dos imigrantes em detrimento do caráter da

legislação atual, excessivamente voltada para a segurança nacional,

51

Ressalta-se também o documento intitulado “Política Nacional de Imigração e

Proteção ao(a) Trabalhador(a) Migrante” elaborado a partir do seminário ocorrido

em agosto de 2008 Diálogo Tripartite sobre Políticas Públicas de Migração para o

Trabalho, organizado pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e pela

Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O texto apresenta contribuições à formulação de uma Política Nacional de

Imigração e “tem por finalidade estabelecer princípios, diretrizes, estratégias e ações

em relação aos fluxos migratórios internacionais, com vistas a orientar as entidades

e órgãos brasileiros na atuação vinculada ao fenômeno migratório, a contribuir para

a promoção e proteção dos Direitos Humanos dos migrantes e a incrementar os

vínculos das migrações com o Desenvolvimento” (CNIg, 2010).

Além da legislação, é preciso reaparelhar e dar eficiência ao sistema

decisório, que é moroso e administrativamente ineficiente. O processo de

legalização de entrada no país é visto como um dos mais custosos, dadas às

exigências de uma série de documentos, lentidão na sua análise e burocracia.

Somando os imigrantes regulares e irregulares residentes no Brasil, esse

contingente corresponde a menos de 1% da população brasileira, e mesmo que o

volume da imigração não possa ser considerado como uma ponta de um sistema

consolidado, o fato não deixa de ser importante, pois permite à sociedade refletir

sobre uma “nova situação” - a imigração internacional - buscando-se soluções e, o

mais importante, procurando desenhar uma política pública adequada a essa

realidade, que poderá ser condição estrutural no país, dado seu comportamento

demográfico nas décadas vindouras.

Fato importante a salientar, quando se trata de processos migratórios

recentes, é o fluxo Haiti-Brasil. Embora o número de haitianos não represente um

grande volume frente a outros contingentes migratórios, a maneira peculiar como

este processo vem ocorrendo e o posicionamento do governo brasileiro ante este

fluxo, merece atenção. O Brasil entrou na rota da diáspora haitiana e precisou dar

respostas rápidas ao movimento que se intensificou a partir de 2010, e que em

meados de 2012 estima-se ser de aproximadamente 6.000 pessoas.

4 A GÊNESE DA DIÁSPORA HAITIANA

52

Quando vim da minha terra, se é que vim da minha terra

(não estou morto por lá?), a correnteza do rio

me sussurrou vagamente que eu havia de quedar lá donde me despedia.

Os morros, empalidecidos no entrecerrar-se da tarde,

pareciam me dizer que não se pode voltar,

porque tudo é consequência de um certo nascer ali(...).

(Andrade, C.D, 2002)

Buscando evadir-se da situação calamitante de vida e da violência que

acomete o país historicamente, há décadas, os haitianos partem para territórios

estrangeiros, principalmente para os países vizinhos. O país que outrora fora

conhecido como “Pérola das Antilhas”, chama a atenção pelo maior índice de

pobreza das Américas, e dele um número elevado de cidadãos parte com destino a

territórios onde acreditam obter melhores condições de vida.

Para compreender a gênese da diáspora haitiana, é necessário ter uma visão

global sobre a história do país, que sempre foi marcada pela disputa de poder, onde

o bem estar e qualidade de vida da população constantemente foram relegados em

detrimento de poucos. Este cenário, ao longo das décadas, vem forçando o

deslocamento de milhares de haitianos que partem para outros países em busca de

sobrevivência e, sobretudo, paz.

As seções seguintes buscam recapitular a história do Haiti, do tempo colonial

ao ano de 2010 e levantar alguns pontos que, a nosso ver, foram transformando a

colônia mais rica das Américas em país mais pobre e, consequentemente, uma

nação afeita à repulsão de migrantes. Tem-se ciência de que, certamente, os

esforços aqui empreendidos deixarão lacunas nessa complexa narrativa, mas o que

se segue, permitirá ao leitor uma síntese sobre os caminhos traçados pelos

haitianos ao longo do tempo.

Ao longo deste capítulo, também serão apresentadas algumas importantes

questões ambientais que acentuam a pobreza e dificultam a permanência dos

haitianos no seu território. Destas, umas são de cunho natural, como os terremotos e

furacões, e outras que foram concebidas, insustentavelmente, ao longo da história,

53

tais como o desmatamento e a erosão dos solos. Afora o determinismo ambiental15,

infere-se que os problemas ambientais somente passam a ser um complicador, à

medida que ações ou inações dos gestores, não fazem diferença para sua

sociedade.

Por fim, expõem-se alguns dados socioeconômicos que permitem,

sobremaneira, compor o panorama desta nação.

4.1 O castelo haitiano em pilares de açúcar: breve histórico (1492-2010)

No ano de 1492, Cristóvão Colombo desembarcou na ilha caribenha

Hispaniola, atual território do Haiti e República Dominicana, (vide Mapa 1) e na parte

oeste estabeleceu a capitania Ayiti , que na língua dos nativos significa Terras Altas.

Mapa 1 - Haiti e Republica Dominicana – América Central

Fonte: Elaborado pela autora

15 Friedrich Ratzel, apesar de não ser o expoente máximo da corrente de pensamento determinista, foi o organizador e divulgador da mesma, através, principalmente, da obra Antropogeografia: fundamentos da aplicação da Geografia à História (1882). Seus defensores afirmavam que, as condições naturais e/ou climáticas, determinavam o comportamento do homem, consequentemente o progresso da sociedade.

54

Inicialmente, os espanhóis buscaram minerais preciosos na ilha, à custa da

escravidão e do uso compulsório da mão de obra indígena. Em pouco tempo, este

processo dizimou a população nativa.

O insucesso da atividade mineradora deu lugar, já no século XVI, à produção

de cana-de-açúcar. Com a escassez da mão de obra na ilha, o tráfico de escravos

africanos para trabalhar nas lavouras foi impulsionado.

No final deste mesmo século, os franceses ocuparam o noroeste da ilha. A

disputa entre estes e os espanhóis terminou somente em 1697, quando foi firmado o

Tratado de Ryswick, que concedeu a oficialização do território ocupado aos

franceses. Desta forma, a ilha foi dividida, ficando a porção oriental sob domínio

espanhol - denominada Santo Domingo - e a porção ocidental sob domínio francês,

designada Saint Domingue.

A altíssima produção do açúcar, com base na monocultura, e a intensa

utilização da mão de obra escrava fizeram da ilha a mais rica colônia do Novo

Mundo. Seintenfus (1994) evidencia que “conhecida como a Pérola das Antilhas, a

mais rica colônia da monarquia francesa contava, na época, com sete mil e

oitocentas propriedades agrícolas, onde se produziam café, algodão e, sobretudo

açúcar”.

A metrópole francesa obtinha grandes vantagens com sua colônia, o que lhe

permitiu até mesmo financiar a expansão militar napoleônica.

De acordo com Willians (1970) apud Farmer (2006), a sociedade colonial

haitiana podia ser dividida em cinco grupos: os brancos, proprietários e

comerciantes de monoculturas; os funcionários da monarquia francesa; os brancos

pobres - que tinham ofícios de baixa remuneração, como professores e artesãos; os

mulatos - que eram cidadãos livres, mas sem os mesmos direitos dos brancos - e os

negros escravos. Os brancos somavam aproximadamente 40 mil pessoas, os

mulatos 28 mil e os negros 452 mil.

Mediante tal estrutura social, não era incomum o desencadeamento de

rebeliões, merecendo destaque a Rebelião de 1791, a Rebelião dos Escravos. A

Revolução Francesa, em 1789, instituiu uma convenção na qual proclamava a

libertação dos escravos nas suas colônias. A notícia chegou rapidamente a São

Domingos e, incitados pelos mulatos, os escravos iniciaram a rebelião, destruíram

plantações, engenhos e abandonaram seus postos.

55

Três anos mais tarde, o negro Toussaint Bréda, conhecido como Toussaint

L’Ouverture assumiu a liderança da rebelião. Ele tinha um grau de instrução bem

acima dos outros negros, lia e falava o francês formal. Ganhou a confiança dos ex-

escravos e de forma organizada combateu os exércitos franceses e espanhóis que

visavam apropriar-se da parte francesa da ilha, e dos ingleses, que buscaram conter

o movimento para impedir sua influência em suas próprias colônias.

Em 1801, após uma relativa estabilidade na França, Napoleão Bonaparte,

com o intuito de conter as revoltas na colônia e reestabelecer a escravidão, enviou

um exército a São Domingos, com aproximadamente 25 mil homens, liderados pelo

capitão-general Charles Leclerc, cunhado de Napoleão. Os conflitos geraram muita

destruição e mortes. Segundo Galeano (1994), “num só mês, setembro, duzentas

plantações de cana foram tomadas pelas chamas; os incêndios e os combates

sucederam-se sem trégua à medida que os escravos insurretos iam empurrando os

exércitos franceses até o oceano”.

Em 1802, Toussaint foi capturado e enviado ao cárcere na França e após um

ano, faleceu. A liderança do exército negro logo foi assumida por Jean-Jacques

Dessalines.

O exército francês obteve êxito em alguns combates, mas além da forte

resistência do exército haitiano, as doenças tropicais - sobretudo a febre amarela -

provocaram grandes baixas entre as tropas francesas. O próprio Leclerc morreu com

a doença, em 1802.

Os conflitos causaram grande devastação ao país, principalmente pelo hábito,

de ambos os exércitos provocar incêndios. “Em novembro de 1803, quase toda a

colônia antigamente florescente, era um grande cemitério de cinzas e escombros”,

afirma Lepkowski (1968). A fragilidade na qual se encontrava a França, com as

guerras napoleônicas, impediu o envio do reforço necessário para por fim a rebelião,

até que em 1804, Dessalines e seu exército conseguiram expulsar os combatentes

franceses e proclamaram a independência de Santo Domingo. A primeira colônia da

América Latina a tornar-se independente passou a se chamar Haiti e seu primeiro

chefe de estado foi Dessalines.

O trabalho compulsório nas plantações de cana e nos engenhos logo foi

substituído pela agricultura de subsistência. A potência produtora de açúcar retirou-

se do mercado mundial e abandonou o status de colônia mais produtiva, dando lugar

a um país independente, mas bem menos rico.

56

De acordo com Pierre-Charles et al (2003), entre 1804 e 1820, o país passou

pela fase fundacional. De 1820 a 1915, segunda fase da história nacional, a

economia retornou ao sistema agroexportador, tendo como principal produto o café.

O autoritarismo militar vai se tornando a base dos governos haitianos e o ideal de

uma sociedade justa e igualitária, aos poucos é abandonada. Conforme Diamond

(2005), dos 22 presidentes do Haiti, de 1843 a 1915, 21 foram assassinados ou

depostos.

Nicholls (1996) relata que a estrutura social do Haiti, em pouco fora mudada.

Inicialmente, os mulatos assumiram a governança do país e formaram uma nova

classe elitista, mantendo os negros no trabalho agrícola. A divergência entre os

interesses desses dois grupos deu origem às disputas internas pelo poder, que se

tornaram uma constante até 1915.

Para combater o colonizador, negros e escravos uniram-se. Alcançado o

objetivo, passaram a uma luta incessante pelo poder. A oposição entre os dois

grupos:

levou a cada um, quando ocupou o governo , preferir intervenções externas em assuntos domésticos a permitir que o grupo rival tomasse o poder. Frequentemente, observamos que os políticos haitianos solicitaram assistência estrangeira militar em troca de benefícios (...) (NICHOLLS, 1996).

As constantes solicitações dos governos haitianos para que sobreviessem

intervenções externas em assuntos internos abriram precedentes para a presença

de várias nações no país, interessadas, sobretudo em manter o Haiti sob o domínio

político e econômico com o respaldo de “proteger seus cidadãos”.

Ressalta-se que o Haiti era o único país caribenho sem domínio britânico ou

espanhol e que sua posição geográfica nas ilhas caribenhas – excelente para apoiar

os navios mercantes com destino a outros países americanos – o tornava alvo de

disputas.

Em 1915, sob o pretexto de estabelecer a democracia no Haiti, os Estados

Unidos intervieram militarmente no país. O corpo de fuzileiros navais americanos,

conhecidos como Marines, mantiveram os mulatos no comando, mas tinham poder

de veto sobre todas as deliberações governamentais. Com o intuito de dominar as

revoltas populares foi criada uma força militar composta por americanos e haitianos,

57

denominada Gendarmerie d’Haïti. O comando e treinamento eram feitos pelo

grupamento militar, em questão.

No final do século XIX e início do século XX, a indústria açucareira do Caribe

tomou novo fôlego. Cuba e República Dominicana destacaram-se pela

disponibilidade de grandes porções de terras planas e férteis e chuvas abundantes.

Entretanto, não tinham mão de obra suficiente para a produção intensiva, o que foi

obtida fora, principalmente com trabalhadores haitianos (WOODING; MOSELEY-

WILLIAM, 2004).

Estima-se que a cada ano, entre 1913 e 1931, emigraram para a província

Leste de Cuba entre 30.000 e 40.000 trabalhadores haitianos. A República

Dominicana, cuja produção açucareira era menor do que de Cuba, também recebeu

um número representativo de haitianos, até que em 1919, o governo militar

americano introduziu o sistema de contratos, regulamentados para a importação de

trabalhadores. Embora não exista um número exato de trabalhadores empregados,

estima-se que nas duas décadas, após 1919, tenham sido contratados 5.000

haitianos por ano. O fluxo de haitianos para Cuba foi interrompido somente após a

Segunda Guerra Mundial e os principais destinos para estes emigrantes tornaram-se

a República Dominicana, territórios francófonos do Caribe (Guadalupe, Martinica,

Guiana Francesa e Saint. Martin), Estados Unidos, França e Canadá (WOODING;

MOSELEY-WILLIAM, 2004).

A intervenção norte-americana estendeu-se até 1934. Segundo Haggerty,

apud Matijascic (2010), o ponto negativo da interferência dos Estados Unidos no

Haiti consistiu no fracasso da solidificação da estabilidade política, enquanto o ponto

positivo, além do treinamento militar - que modificara a força militar haitiana –

apresentou-se na melhoria da infraestrutura do país, como estradas, hospitais,

saneamento básico, pontes, sistema de telefonia. Tal estrutura permitiu o

desenvolvimento de atividades comerciais, beneficiando, sobretudo, a elite mulata.

(...) essas melhorias na infraestrutura trouxeram, em longo prazo, a concentração de riquezas na cidade de Porto Príncipe, pois todas as estradas das províncias conectaram-se à capital. Essa concentração trouxe vantagens para a elite mulata, pois facilitou o desenvolvimento das atividades comerciais. Assim, ao sair do país, os Estados Unidos firmaram não somente as famílias mulatas como elite política, mas também favoreceram para que as mesmas se consolidassem como elite econômica atrelada à preservação dos interesses norte-americanos no país (MATIJASCIC, 2010).

58

O período de 1934-1956 foi marcado pela instabilidade política. Stenio

Vincent, último presidente do período da ocupação norte americana, implantou

medidas autoritárias, centralizou o poder e estendeu seu governo até 1941. Não

bastasse a desordem interna, em 1937, o ditador chefe da República Dominicana,

Rafael Trujillo (1930-1961) mandou matar todos os estrangeiros, isto é haitianos,

que não pudessem comprovar o status de dominicanos nas províncias fronteiriças.

Estima-se que o exército tenha matado de 20.000 a 35.000 haitianos ao longo

de seis dias, a partir da noite de 02 até 08 de outubro. Com o intuito de disfarçar o

envolvimento do exército, os militares usaram facões, ao invés de armas de fogo. O

massacre, conhecido como El Corte, injustificado e sem precedentes mostrou-se

claramente racista e anti-haitiano.

As ações de Stenio Vicent desagradaram o alto comando da Gendarmerie

d’Haïti. Vincent foi “desaconselhado” a uma terceira eleição pelo governo dos

Estados Unidos e transferiu o poder a Eli Lescot, cujo mandato perdurou de 1941 a

1946. Eli Lescot tornou-se impopular pela perseguição à oposição política, censura à

imprensa e inabilidade de lidar com a Gendarmerie d’Haïti. Greves e protestos

marcaram seu mandato que se tornou insustentável e o fez renunciar no ano de

1946.

A Gendarmerie d’Haïti assumiu o poder até as eleições que elegeram

Dumarsais Estimé, candidato que contava com apoio dos militares. Dumarsais

Estimé não foi muito popular entre os mulatos e acabou deposto em 1950. A

Gendarmerie d’Haïti novamente assumiu o poder e com as primeiras eleições diretas

realizadas no país elegeu o major Paul E. Magloire (1950-1956), cujo mandato foi

marcado pela forte corrupção.

Em setembro de 1957, foi eleito o médico sanitarista François Duvalier (1957-

1971). Como candidato teve o apoio dos militares e da Igreja Católica; soube lidar

com a elite mulata e se utilizou de discursos de tom popular para chegar ao poder.

Duvalier, que ficou conhecido como Papa Doc (papai médico), foi

extremamente autoritário e repressor. Os agentes de segurança de seu governo os

“Voluntários da Segurança Nacional” (VSN), conhecidos como Tontons Macoutes

(bichos papões, em português), atuavam com violência indiscriminada para garantir

a inexistência de opositores ao regime. Dentre as práticas de terror usava-se

apedrejar e queimar pessoas vivas, além da exposição de corpos pendurados em

59

árvores como forma de intimidação. Fala-se até mesmo de tráfico de órgãos no

período.

Desde que foi criada, a Tontons Macoutes teve total liberdade para agir,

desconsiderando quaisquer direitos civis e éticos dos cidadãos. Não havia qualquer

tribunal que os julgassem, apenas o seu líder Papa Doc. Segundo Ferguson (1987),

estimativas apontam que dezenas de milhares de haitianos foram assassinados pelo

Estado e outros milhares foram obrigados a se exilar nesse período. Coha (2010)

relata que “estes assassinos impiedosos mataram mais de 60.000 haitianos e muitos

mais foram forçados a abandonar suas casas. Consequentemente, o Haiti sofreu

uma fuga de cérebros inigualável e incapacitante que roubou o pequeno país de

muitos de seus cidadãos mais capacitados.”

De acordo com Loesche e Scanlan (1984), apud Matijascic (2010), grande

parte da classe média migrou para a costa leste dos Estados Unidos alguns anos

depois que François Duvalier assumiu a presidência. A ditadura Duvalier perseguiu a

Igreja Católica e expulsou todos os seus representantes do país. Manteve a

hierarquia da estrutura social e os privilégios dos grupos que obtiveram poder

político e econômico (mulatos). Outro fato que auxiliou sua permanência no poder foi

o alinhamento com os EUA no contexto bipolar mundial, pois afastava a ameaça do

comunismo no Haiti.

O apogeu das medidas centralizadoras de Duvalier foi a dissolução, em 1964,

da Assembleia Nacional e, em seguida, a redação de uma nova constituição que

tornava vitalício o mandato de presidente. Porém, seu estado de saúde permitiu que

ele ficasse no poder somente até 1971. Com sua morte, seu filho Jean-Claude

Duvalier - o Baby Doc - assumiu o poder. Embora tivesse a mesma essência do

governo de seu pai, Jean Claude Duvalier permitiu uma tímida liberalização do

regime e foi afastando os Tontons Macoutes. Grupos políticos opositores foram se

reestruturando e a imprensa experimentou uma relativa liberdade.

Em 1984, uma grande onda de violência popular alastrou-se pelo país.

Incapaz de conter o movimento e pressionado pelo governo norte-americano, Baby

Doc abandonou o cargo e estabeleceu-se na França, deixando um país com a

proporção de trinta e cinco prisões para cada escola secundária (FERFUSON, 1987,

p.90), o que retrata seu legado de violência e opressão. Os quase trinta anos da

ditadura dos Duvalier foi provavelmente o período mais doloroso e sangrento da

história do Haiti.

60

Mediante o caos, a Gendarmerie d’Haïti mais uma vez assumiu o poder

executivo e buscou reestabelecer a ordem interna. Nos quatro anos seguintes, dois

presidentes interinos regeram o país: General Henri Namphy e General Prosper

Avril. Contudo, foi um período marcado por uma série de golpes armados e revoltas

populares de difícil coibição. Muitos dos que compunham a Tonton formaram grupos

paramilitares e a violência era generalizada.

A tentativa de preparar as eleições durante o ano de 1987 foi duramente

reprimida pelos militares. Entretanto, a grave e incontrolável situação interna –

dessa vez observada pela comunidade internacional – induziu o governo das Forças

Armada do Haiti (FADH) a solicitar às Nações Unidas uma missão especial para

auxiliar as eleições no final do ano de 1990.

Sob a observação eleitoral da ONU, denominada United Nations Observer

Group for the Verification of the Elections in Haiti (ONUVEH), em dezembro de 1990

o pleito se efetivou. O ex-padre salesiano Jean-Bertrand Aristide, adepto à Teologia

da Libertação, vitorioso, foi o primeiro presidente democraticamente eleito do Haiti.

Assumiu o cargo em 1991, mas em outubro do mesmo ano foi deposto por um

sangrento golpe militar, que apoderou o general Raoul Cedras.

Desse momento em diante, as organizações internacionais começaram a

atuar, buscando reestabelecer o governo de Aristide, modernizar o exército e instituir

a polícia civil haitiana. A Organização dos Estados Americanos (OEA), a

Organização das Nações Unidas (ONU) e os EUA aplicaram sanções econômicas

ao país no período de1991 a 1994, e enviaram tropas de manutenção de paz ao

Haiti.

As sanções econômicas pioraram ainda mais a difícil vida do povo haitiano.

Câmara (1998) retrata que as medidas implantadas não alcançaram o alvo

desejado: as lideranças militares e econômicas do Haiti. Antagonicamente, as elites

se beneficiaram, recorrendo ao contrabando. A importação embargada de cimento

garantiu altos lucros a uma das grandes famílias da elite haitiana. Os líderes

militares, responsáveis pela comercialização de petróleo e outros produtos de

consumo a preços extorsivos, continuaram a beneficiar-se, garantindo a entrada

destes insumos no país, pela fronteira terrestre da República Dominicana.

Dentre os danos causados à população civil, Gibbons e Garfield (1999) apud

Machiavelli et al (2008) apontam:

61

a redução de 29.780 postos de trabalho nos setores eletrônico, desportivo, de brinquedos e vestuário; a perda de 200.000 empregos formais, afetando mais de um milhão de pessoas (dependentes), o que corresponde a 15% da população haitiana; o aumento do preço de alimentos básicos, tais como o arroz (em 137%) e o milho (em 184%), acarretando a diminuição de refeições diárias do haitiano (de duas, em 1990, para uma, em 1995); a diminuição da renda per capta em 30%; a elevação das taxas de inflação em 138%.

(...)

No que concerne à saúde pública, o corte do acesso a bens como a água e o petróleo também causaria prejuízos desproporcionais à população civil. Em 1995, apenas 35% dos haitianos detinham acesso à água potável, enquanto em 1990, este índice chegava a 53%. O embargo ao petróleo não apenas aumentou o preço de medicamentos, mas fez com que ambulâncias não pudessem conduzir doentes a postos de atendimento, resultando em mortes. Ainda, a diminuição do querosene provocaria o colapso do sistema de refrigeração de vacinas que, combinado com o fechamento de inúmeros postos de saúde pública, conduziu a uma considerável redução do alcance de cobertura da imunização de crianças (passando de 40%, em 1990, para menos de 12% em 1993). Esta queda, associada à vedação da entrada de um montante de vacinas em solo haitiano, contribuiria para uma epidemia de sarampo, na qual 15% dos casos revelaram-se fatais.

Segundo Corrêa (s/d), entre 1991 e 1994 mais de 69 mil pessoas deixaram o

Haiti na tentativa de chegar aos Estados Unidos. Grande parte terminou na base de

Guantánamo, em Cuba. Por outro lado, os conflitos internos tinham deslocado mais

de 300 mil pessoas para fora de suas cidades de origem e 30 mil se encontravam na

República Dominicana.

O embargo econômico, que objetivava desestabilizar o governo militar,

acabou desestruturando ainda mais a parca e frágil economia do país, com reflexos

desastrosos sobre a população. Este instrumento legítimo de pressão internacional

parece ter violado ainda mais os direitos humanos fundamentais da população

haitiana, ocasionado, por sua vez, reflexos estruturais sobre o país.

Desta forma, Aristide foi restituído ao poder em 1994, sob a tutela de 20.000

militares, integrantes de tropas multinacionais. No término de seu mandato, em

1995, governante convocou a realização de novas eleições presidenciais, contando

com o auxílio das organizações internacionais. René Préval, aliado de Aristide no

momento, foi então eleito o novo presidente e governou de 1996 a 2000.

Durante o mandato de René Préval, o país recebeu quatro Missões da ONU.

Ainda assim, o crônico ciclo de corrupção, violência e miséria não foi rompido. Em

2000, Aristide novamente se reelegeu presidente e na oportunidade, os resultados

62

das eleições foram amplamente questionados devido às suspeitas de fraude,

desencadeando um movimento contra o governo que se alastrou pelo país.

Em 2003, os protestos contra o governo se intensificaram. Forças

paramilitares avançaram rapidamente, da fronteira com a República Dominicana até

Porto-Príncipe, acarretando várias mortes. O cerco à capital, bem como a ausência

de apoio internacional no momento obrigaram Aristide a renunciar e fugir para a

África.

Imediatamente, a Força Interina Multinacional (MIF), formada por

estadunidenses, chilenos e canadenses, chegou ao Haiti com o propósito de

reestabelecer a paz e a democracia. O Conselho de Segurança da ONU,

observando a gravidade dos problemas no país, aprovou uma operação de

estabilização multinacional, que deu origem à Missão de Estabilização das Nações

Unidas no Haiti (MINUSTAH).

Diferentemente das outras operações, esta força passou a ter o comando de

países em desenvolvimento, tais como Brasil e Chile, respectivamente com os

comandos militar e civil. A intervenção contou ainda com o apoio de tropas

provenientes da Argentina, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Croácia, Equador, Estados

Unidos, França, Filipinas, Guatemala, Jordânia, Nepal, Paraguai, Peru, Sri Lanka, e

Uruguai.

Em janeiro de 2006, depois de várias tentativas fracassadas, foi realizada

nova eleição no país. René Prevál foi eleito governou até 2009. Em 2010, Michel

Martelly assumiu a presidência.

Apesar da presença das forças de paz, a violência generalizada permaneceu

no país e os haitianos continuaram a sustentar o título de população mais pobre das

Américas. Um considerável contingente populacional não tem emprego, e sofre

cotidianamente a ameaça da violência. O que restou da economia é parcamente

sustentado por ajudas internacionais esporádicas e remessas de dinheiro dos

haitianos que conseguiram emigrar, sobretudo para os Estados Unidos.

Lamentavelmente a MINUSTAH não se mostrou menos violenta que operações

militares anteriores. Correia (2009, p. 90) aponta que:

A atuação militar brasileira cumpriu parte de seus propósitos como a pacificação de algumas áreas e o suporte para a realização de eleições. No entanto, a proposta de ter uma atuação mais eficiente, mais próxima da população local, também mostrou-se ineficaz, pois além de não ser capaz de trazer melhores resultados do que aqueles já alcançados por outras

63

intervenções, algumas atuações brasileiras não cumpriram os objetivos previstos no mandato da MINUSTAH como o apoio, a proteção e o monitoramento dos direitos humanos no Haiti, que de acordo com relatórios de reconhecidas organizações internacionais, foram violados. Percebemos que a suposta índole pacifista dos brasileiros não se mostrou consistente nas ações que buscavam tomar o controle de áreas dominadas por forças adversas, demonstrando que violência e imposição nas ações de combate não são características exclusivas de tropas de países desenvolvidos.

Para agravar ainda mais a caótica situação haitiana, a crônica dependência

econômica e o cenário de miséria, em janeiro de 2010 um terremoto de magnitude

7.0 (escala Richter), com epicentro próximo da capital Porto Príncipe, praticamente

destruiu a cidade, matando aproximadamente 250 mil pessoas e deixando um sem

número de desabrigados. As condições de saneamento e saúde, que antes do

tremor já eram precárias, entraram em colapso e no final de 2010, o país foi

assolado por uma epidemia de cólera que matou mais de 4.000 pessoas.

Este quadro dantesco de destruição do tecido social-político e da

infraestrutura é ponto indubitável de capital importância para ampliar a já conhecida

diáspora haitiana.

O conjunto das situações adversas tem servido de estímulo para que

expressiva parcela da população abandone o país em busca de melhores condições

de vida. O Banco Mundial (2011) estima que, aproximadamente, 10% da população

do país tenha emigrado (cerca de 1,0 milhão de pessoas), mas outras fontes

indicam que a diáspora haitiana já tenha ultrapassado a casa de 3.0 milhões de

pessoas (Haitian Diáspora). Vários são os destinos escolhidos, todavia a mais

numerosa comunidade encontra-se nos Estados Unidos, seguida pela República

Dominicana. Outros países da América e Caribe também recebem um grande

contingente de haitianos com destaque para o Canadá, Cuba e Venezuela. Na

Europa, o país de maior afluência é a França.

As remessas enviadas pelos migrantes representam, aproximadamente, 25%

do Produto Interno Bruto (PIB) do país e são estimadas em 1,5 bilhões de dólares

(Banco Mundial, 2011). Apesar dos recursos que aporta ao Haiti, a emigração tem

também seu lado nefasto. Em 2010, 85% daqueles que receberam educação

superior no país encontravam-se no exterior. No caso dos médicos formados no

país, 36,5% estariam, já em 2000, fora do Haiti (Banco Mundial, 2011).

64

4.2 Panorama Socioambiental do Haiti

O quadro ambiental haitiano é também um estímulo à diáspora verificada em

seus domínios. Aliado ao descaso das instituições governamentais, a paisagem

erodida e desarborizada faz do Haiti um país muito mais vulnerável aos impactos

dos desastres naturais, tais como os furacões, tormentas tropicais, terremotos e

outros, agravados sobremaneira pela ação antrópica. A revisão da literatura denota

que o Haiti sempre foi um enigma passível de ser estudado. Ostentando a posição

de segundo lócus americano a conseguir sua independência e o primeiro a ser

criado por ex-escravos. Vale ressaltar que o Haiti é hoje considerado a nação mais

pobre das Américas.

Situa-se no Caribe, América Central, e ocupa aproximadamente 1/3 da parte

ocidental da ilha Hispaniola, cuja parte oriental é a República Dominicana. Possui

uma área total de 27.750 km², sendo que a área continental corresponde a 27.560

km2 e a área marítima de 190 km2 a noroeste. O país é ainda separado de Cuba pela

Passagem de Windward, com aproximadamente 80 km de largura.

A parte continental do Haiti pode ser dividida em três regiões: a região norte,

que inclui a península do norte, a região central e a região sul, que inclui a península

do sul. Além disso, o país domina várias ilhas próximas, sendo a de tamanho mais

notável a Ilha de Gonave, a noroeste de Porto Príncipe.

Administrativamente, o território está dividido em 10 departamentos, 42

distritos (arrondissements) e 140 municípios (communes), subdivididos em 570

seções comunais, como demonstra o Mapa 2. A capital, Porto Príncipe, localiza-se a

sudoeste do país, no Golfo de Gonaives. É a maior cidade haitiana e concentra

aproximadamente 10% de sua população.

A população está distribuída de forma desigual em todo o país. Na esfera

departamental, há predominância no Departamento Oeste, onde a presença da

região metropolitana de Porto Príncipe constitui um elemento importante da

distribuição espacial da população, com todas as suas consequências econômicas,

políticas e sociais. Em 2003, este departamento absorvia 23% da população do país

e 56% do total da população urbana (IHSI, 2009).

O contingente populacional do departamento Oeste e da área metropolitana

de Porto Príncipe cresceu rapidamente, tanto de forma natural, quanto pela

imigração de haitianos de outros departamentos, principalmente de jovens. Segundo

65

o censo de 200316, havia 3.096.967 de habitantes neste departamento. Destes, o

total de 1.916.133 morava na região metropolitana de Porto Príncipe. No mesmo

ano, o país apresentava uma população de 8,4 milhões de habitantes (IHSI, 2009).

16

A contagem populacional no Haiti foi realizada em diferentes intervalos, o que compromete a análise temporal das informações disponibilizadas. Anteriormente ao censo de 2003, foram realizados três outros: 1950, 1971 e 1982.

64

Mapa 2 - Haiti: divisão administrativa, 2012

Fonte: Elaborado pela autora

65

O crescimento populacional de Porto Príncipe é em grande parte alimentado

pela migração de habitantes de comunidades rurais, especialmente de outras partes

do departamento ocidental e outras cidades. O total de 9,4% da população

residente no Haiti declarou ter nascido em localidade diferente daquela onde residia,

o que correspondeu a 790.771 migrantes internos. Esses migrantes são divididos

em dois grupos: os que nasceram no departamento onde residiam (40,1% do total

da população migrante) e os nascidos em outro departamento onde não estavam

domiciliados (57,8% do total da população migrante). Expressivos 80% dos

migrantes internos (637.038) migraram para a região metropolitana de Porto-

Príncipe (IHSI, 2009).

Considerando os departamentos de destino de migrantes, observa-se que o

Departamento Oeste absorve 90% dos migrantes internos. Dos migrantes que

residem no departamento do Oeste, com exceção da Região Metropolitana de Porto

Príncipe, 31,9% nasceram no próprio departamento.

O principal tipo de migração interna é a rural-urbana, que corresponde a 49%

da população de migrantes internos, seguida da migração interurbana, com 43%.

Um total de 350.000 migrantes rurais (com base no local de nascimento) residem na

Região Metropolitana de Porto Príncipe e representam 54,9% das pessoas que

imigraram para esta área (IHSI, 2009).

O departamento Oeste concentra a maior parte das atividades econômicas,

incluindo empreendimentos não agrícolas, o maior número de empregos formais, e

grande parte da infraestrutura física e social. A capital desempenha um papel

importante na atividade econômica e oferta de serviços básicos, como educação e

saúde (IHSI, 2009).

4.3 A Geografia Física Haitiana: um breve esboço

O relevo haitiano é montanhoso e mais de ¾ do país encontram-se acima de

200m de altitude, como mostra o Mapa 3 da hipsometria17 do Haiti.

17

Representação da elevação de um terreno através de um sistema de graduação de cores, sendo

estas utilizadas mediante a uma equivalência com a elevação do terreno mapeado.

66

Mapa 3 - Hipsometria do Haiti

Fonte: Elaborado pela autora

67

O relevo é formado principalmente de montanhas escarpadas18, com

pequenas planícies costeiras e vales fluviais. Os vales encontram-se encaixados e

intercalados entre as cadeias montanhosas, o que gera grandes contrastes de

elevações em todo território. A curtas distâncias retilíneas é possível passar da

altitude zero a outras representativas, como a 1000 metros. As declividades podem

chegar a mais de 40% de inclinação. Ao sul do país, encontra-se o ponto

culminante, o Pico La Selle, com 2.680m de altitude.

A hidrografia é marcada pela presença de 33 bacias hidrográficas. Durante a

estação chuvosa, os rios torrenciais carreiam grandes fluxos das áreas

montanhosas para as planícies, sujeitas às inundações. Na região sul do país, no

extremo leste da Planície de Cul-De-Sac, encontra-se o corpo d’água mais

proeminente do país, o lago Saumatre Etang, de água salgada, que apresenta 20

km de comprimento e 6 a 14 km de largura.

O clima do Haiti é tropical e caracteriza-se pela pequena amplitude térmica

anual. Nas montanhas do leste há uma incidência do tropical semiárido. Nas colinas

e nas planícies a temperatura varia de 21ºC a 35ºC e nas regiões montanhosas de

10°C a 24°C. As precipitações são concentradas durante a primavera e o outono e

variam de 3.600 mm, no extremo oeste da parte sul, a 600 mm na costa sudoeste da

parte norte (DOLISCA et al, 2008).

As chuvas torrenciais que afetam o país anualmente e o baixo nível de

preparação para a estação chuvosa provocam inundações e destruição por todo

território, não raro, altos números de mortos e desabrigados. Também afetam

intensamente o processo de erosão e deposição de sedimentos.

A posição do país, próximo à área de formação de furacões do Atlântico, ainda

o coloca na rota das “temporadas de furacões”, que causam devastações

generalizadas, perdas de vidas, inundações e deslizamentos de terras catastróficos

(como no caso do furacão Georges, em 1998, Jeanne, em 2004 e Hanna, em 2008).

A vegetação do Haiti originalmente era de Floresta Estacional Caducifólia19

(caracterizado por duas estações, uma seca e outra chuvosa). Esta cobertura vegetal

começou a ser degradada na colonização, mediante processo de retirada para o uso

18

Formações geomorfológicas, geralmente resultantes da erosão diferencial em rochas sedimentares ou pelo movimento vertical da crosta terrestre, ao longo de uma falha geológica. A escarpa é uma zona de transição entre diferentes províncias fisiogeográficas, que envolve uma elevação aguda (superior a 45º), caracterizada pela formação de um penhasco ou uma encosta íngreme. 19

Floresta similar a Mata Atlântica brasileira.

68

intensivo do solo, visando o plantio da cana-de-açúcar, estendendo-se até os dias

atuais. “O surto de riqueza agrícola no Haiti veio à custa de seu capital ambiental de

florestas e solo" (DIAMOND, 2005). A exploração intensiva da madeira e a

necessidade de terras para o cultivo e agricultura de subsistência, principal atividade

econômica do país, reduziram consideravelmente as áreas de florestas naturais.

Silva e Morokawa (2007) retratam que as florestas haitianas estão reduzidas

a menos de 3% de sua área original, sendo que destas, apenas 0,5% é considerada

como floresta natural. Tal desmatamento é consequência da agricultura de

subsistência, presente em mais de 70% do território, competindo em espaço com

as florestas naturais.

Aproximadamente 90% das terras agrícolas do Haiti são usadas para o

cultivo de milho, mandioca, feijão, batata, repolho, sisal e cana de açúcar e as

pastagens contribuem com menos de 5% de utilização das terras. Soma-se a

expansão da fronteira agrícola, o fato de 70% da energia consumida advir da

exploração madeireira, que também alimenta a construção civil e o uso doméstico.

Diamond (2005), ao explanar sobre as diferenças entre os dois países de

Hispaniola, destaca:

(...) Vista de avião, a fronteira parece uma linha abrupta e serrilhada, cortada arbitrariamente através da ilha com uma faca: de um lado, a leste da linha, uma paisagem mais escura, mais verde (o lado dominicano); de outro, a oeste da linha, uma paisagem mais pálida e mais marrom (o lado haitiano). Em muitos lugares na fronteira é possível olhar para leste e se deparar com florestas de pinheiros e, então, voltar-se para oeste e nada ver além de campos quase desprovidos de árvores. (...). Ambos os países perderam florestas, mas o Haiti perdeu muito mais a ponto de agora possuir apenas sete trechos substancialmente arborizados, dos quais apenas dois são protegidos como parques florestais, ambos, sujeitos à atividade madeireira ilegal.

O desmatamento e a perda da biodiversidade, agravados pelas queimadas,

intensificam o processo de erosão, o assoreamento20 dos rios e consequentemente

à perda de fertilidade dos solos, o abandono do cultivo e a procura por novas áreas.

O histórico uso e o estado atual observado na paisagem haitiana indicam que os

solos, em geral, têm sido utilizados em sistemas de produção incompatíveis com a

aptidão das áreas, levando à degradação (CHAVES, 2010).

20

Obstrução, por sedimentos, areia ou detritos de qualquer curso d’água, podendo mudar drasticamente seu rumo e ou a redução de sua profundidade.

69

Torna ainda mais agravante a situação, o fato do Haiti ser um país

intensamente povoado. Com apenas um terço da ilha e uma população de

aproximadamente 10,1 milhões de habitantes (2011), a densidade demográfica

média é de 366,5 habitantes por Km². Embora a população esteja concentrada nas

grandes cidades como Porto Príncipe, Cap. Haitien, Carrefour e Delmas,

apresentando verdadeiros formigueiros humanos, não há vazios demográficos

observados em seu território, como mostra o Mapa 4. Esta grande concentração

humana, verificada em um espaço relativamente pequeno e usado pela maioria das

pessoas para agricultura de subsistência, de forma pouco cuidadosa ao longo dos

séculos, intensifica a exaustão dos solos e diminui o tempo de permanência e cultivo

nestes.

Segundo Swartley e Toussaint (2006) apud Chaves (2010), os solos haitianos

são relativamente jovens e férteis. Em todo país encontram-se bolsões de basalto

(rocha ígnea21), dando origem a solos mais intemperizados, de menor fertilidade e

mais susceptíveis a erosão, encontrados principalmente em altitudes maiores de

1.000m.

A erosão de encostas desmatadas provoca deslizamentos de terra, colocando

em risco de vida a população, prejudicando atividades econômicas tais como a

agricultura e a pesca, como também os processos intempéricos que envolvem o

assoreamento dos corpos ‘dágua, consequentemente a produção de energia

hidrelétrica, afetando sobremaneira os habitats naturais.

Todos os anos, cerca de 20 mil toneladas de terra arável são perdidos para o

mar, devido a processos naturais e antrópicos tais com a erosão e o desmatamento.

Esta situação é agravada pela produção de carvão vegetal por todo país (apenas

3% de mata nativa preservada) e forte pressão agrícola em encostas íngremes

(OPAS apud BORDIN e MISOCZKY, 2011).

Os mapas 5 e 6, referentes ao potencial de erosão do solo e capacidade de

uso do solo do Haiti, respectivamente, permitem verificar que há uma combinação

de fatores que tornam partes do território haitiano impróprias para a ocupação

humana e uso pedológico intensivo, devido às condições naturais adversas.

21

Também conhecidas como rochas magmáticas, são aquelas formadas pela solidificação (cristalização) do magma, entendido aqui como material que se movimenta por convecção térmica (700 a 1200ºC) do interior da Terra.

70

O cenário natural do território haitiano, somado ao uso intensivo do solo ao

longo dos séculos, bem como à frágil instituição política-administrativa podem ser

considerados fatores de repulsão da população. O potencial para as catástrofes de

grandes proporções e de grandes efeitos destrutivos sobre os cidadãos haitianos é

excessivo.

71

Mapa 4 - Densidade Demográfica do Haiti, 2008

Fonte: Elaborado pela autora

72

Mapa 5 - Potencial de Erosão do Haiti, 2008

Fonte: Elaborado pela autora

73

Mapa 6 - Capacidade de uso do solo do Haiti, 1998

Fonte: Elaborado pela autora

74

4.4 A Instabilidade Geotectônica e o Terremoto de 2010

Uma imensa diversidade de regimes tectônicos22 caracteriza o perímetro da

Placa do Caribe, pois esta é envolvida por quatro placas23 adjacentes maiores: Placa

Norte Americana, de Cocos, Nazca e Sul Americana, como mostra o Mapa 7.

Mapa 7 - Placas Tectônicas

Fonte: Elaborado pela autora

A ilha Hispaniola situa-se em um ponto de contato das Placas Norte

Americana e do Caribe (Caraíbas). Enquanto a Placa Norte Americana se move na

direção leste-oeste, a Placa do Caribe se move em direção oposta, ou seja, oeste-

leste. Este movimento transcorrente faz do Caribe, uma região de alta atividade

sísmica.

22

Resultados do stress aplicados nas bordas das placas: divergente, convergente e direcional. 23

Blocos que compõem a litosfera, sustentando os continentes e os oceanos, impulsionados pelo movimento convectivo do magma, no interior da Terra.

75

O encontro dessas placas tectônicas proporcionou, tanto ao norte quanto ao

sul de Hispaniola, a existência de um sistema de falhas, regiões em que os tremores

ocorrem com mais frequência.

O Haiti é bastante vulnerável a terremotos potentes, pois além da

convergência das macroplacas, encontra-se sobre a microplaca de Gonave cujo

limite mais ao sul é a zona de Falha Enriquillo-Plantain Garden (EPGFZ em inglês).

A falha de Enriquillo estende-se da porção central de Hispaniola até a Jamaica. Ao

norte de Hispaniola, encontra-se a Falha Setentrional (Mapa 8). O sistema de falhas

vai acumulando tensão ao longo do tempo, o que faz com que os tremores sejam

mais frequentes.

Mapa 8 - Sistema de falhas em Hispaniola

Fonte: USGS, 2003

No dia 12 de janeiro de 2010, um terremoto de magnitude 7.0 (escala

Richter24), manifestou-se no Haiti. O epicentro25 do tremor foi a aproximadamente 25

24

Escala padrão usada para medir a magnitude dos terremotos. Trata-se de uma escala logarítmica, o que significa que os números na escala medem fatores de 10, como por exemplo: um terremoto que mede 4.0 na escala Richter é 10 vezes maior de um que mede 3.0.

76

km sudoeste da capital Porto Príncipe e seu hipocentro26 (18.443°N, 72.571°W) foi

registrado a apenas 13 km de profundidade na crosta terrestre. O tremor,

considerado superficial, manifestou-se em forma de ondas de superfície, que

propagam diretamente a partir do centro do terremoto e se deslocam causando

grandes danos às estruturas existentes. De acordo com o United States Geological

Survey (USGS, 2010), o terremoto foi seguido de 33 réplicas sismológicas, 14 das

quais apresentaram magnitude que variaram de 5.0 a 5.9.

O terremoto originou-se na Falha Enriquillo-Pantain Garden e surpreendeu os

cientistas pelo fato de gerar movimentos verticais, já que devido à configuração

tectônica da placa, eram esperados movimentos laterais na região da falha. Tais

movimentos justificam a capacidade de geração de um terremoto tão intenso, com

uma ruptura relativamente pequena. A peculiaridade do movimento levou a

comunidade cientifica a questionar-se sobre a existência de um sistema de falhas

desconhecido e há pesquisas que avançam nesta direção.

Em décadas recentes, o sistema de Falhas de Enriquillo não produziu eventos

tectônicos de efeitos catastróficos. Entretanto, é a fonte provável dos grandes

terremotos ao longo da história do Haiti, como os verificados nos anos de 1751,

1770, 1860, tendo os dois primeiros forte impacto destruidor sobre a capital Porto

Príncipe (USGS, 2010).

Segundo o USGS (2010), os registros mostram que de 1902 a 1992,

ocorreram no Haiti, 22 tremores de magnitude, maior ou igual a 6.5 na escala

Richter, como apresentados na Tabela 6. Embora o poder de destruição de um

terremoto não esteja relacionado apenas à sua magnitude - pois é preciso

considerar a profundidade do hipocentro, a distância entre este e o epicentro, as

condições geológicas e a engenharia da estrutura habitacional - um sismo de maior

magnitude será sempre mais destrutivo que um de menor magnitude. Pela Escala

Richter, em locais habitados, os tremores de 6,1 a 6,9 graus podem causar

destruição em áreas de até 100 quilômetros de raio.

Os tremores muitas vezes são acompanhados por tsunamis que acabam

acentuando as catástrofes. Os tsunamis mais representativos que atingiram o Haiti

ocorreram em 1770 e 1842 (USGS, 2010).

25

Ponto da superfície terrestre diretamente acima do foco de um terremoto. 26

Ponto no interior da crosta terrestre onde se origina o terremoto.

77

Tabela 6 - Ocorrências de Terremotos no Haiti com Magnitude igual ou superior a 6,5 (Escala Richter), 1902-1992

Fonte: United States Geological Survey (USGS), 2003

O terremoto ocorrido em janeiro de 2010 afetou gravemente Porto-Príncipe.

Em pouco mais de um minuto, a cidade foi devastada e tomada por uma onda

gigantesca de poeira, dando lugar ao caos, visto que o município sentiu

severamente o tremor (ANEXO C).

Estima-se que o evento deixou 316.000 mortos, 300.000 feridos, 1,3 milhão

de deslocados, 97.294 casas destruídas e 188.383 danificadas na área de Porto

Príncipe e em grande parte do sul do Haiti. Outras estimativas sugerem que o

número de vítimas foi substancialmente mais baixo, contabilizando números

menores que 100.000 pessoas. Entre as vítimas, incluem-se pelo menos quatro

pessoas mortas por um tsunami local na área Paradis Petit perto de Leogane.

Ondas do tsunami também foram relatadas em Jacmel, Les Cayes, Petit Goave,

Leogane, Luly e Anse à Galets (USGS, 2010).

Os abalos transformaram Porto Príncipe em pilhas de concreto, fazendo ruir o

Palácio do Governo, os edifícios dos Ministérios, a sede das Nações Unidas, a

Catedral, a Université d’Etat, hospitais, escolas, e a ínfima infraestrutura existente. O

Ano Mês Dia Horário Latitude Longitude Profundidade Magnitude

1902 2 17 00:31 20.000 -70.000 0 6.9

1907 1 14 21:36 18.000 -76.000 0 7.0

1911 10 6 10:16 19.000 -70.500 0 6.8

1915 10 11 19:33 19.000 -67.000 0 6.8

1916 4 24 04:26 18.500 -68.000 80 7.0

1916 11 30 13:17 19.000 -70.000 0 6.8

1917 7 27 01:01 19.000 -67.500 50 7.0

1918 10 11 14:14 18.473 -67.631 35 7.3

1932 2 3 06:16 19.770 -75.850 25 6.8

1943 7 29 03:02 19.250 -67.500 0 7.6

1946 8 4 17:51 19.250 -69.000 0 7.9

1946 8 8 13:28 19.500 -69.500 0 7.5

1947 8 7 00:40 19.750 -75.250 50 6.8

1948 4 21 20:22 19.250 -69.250 40 7.1

1953 5 31 19:58 19.400 -70.400 33 6.9

1956 7 9 09:56 19.737 -72.994 43.9 6.9

1962 1 8 01:00 18.291 -70.461 32.6 6.7

1962 4 20 05:47 20.339 -72.074 35 6.7

1971 6 11 12:56 17.984 -69.808 59 6.5

1979 3 23 19:32 17.964 -69.076 81.5 6.7

1984 6 24 11:17 17.982 -69.369 44.1 6.7

1992 5 25 16:55 19.618 -77.883 23.1 6.8

78

aeroporto fora parcialmente destruído, dificultando ainda mais a chegada da ajuda

internacional ao país. A população ficou sem acesso à água potável e energia por

dias, além de sofrer com escassez de alimentos. A capital tornou-se uma cidade

arrasada e também um grande cemitério.

Nas calçadas que cercavam a grande praça, havia corpos cobertos a espera de serem recolhidos. Alguns corpos tinham uma placa dizendo nome e procedência, na esperança de que alguém avisasse a família. Vimos uma fileira de cadáveres infantis, os pequenos corpos embrulhados em plástico. O único caminhão que passou recolhendo os corpos, capaz de dar conta de uma fração mínima dos cadáveres, era da prefeitura de Porto Príncipe. Os corpos foram dispostos, os vivos esperavam. Nos edifícios caídos vimos corpos pendurados, mutilados. Sobre uma escola de meninas, vimos dezenas de corpos, todas com seu uniforme. Como tirar os corpos lá de cima? Jovens caminhavam para cima e para baixo com o rosto coberto por um lenço, trabalhando nos escombros, sem luvas, sem nada — uma cena que se repetiria nas semanas seguintes. Para além do cheiro nauseabundo de morte, o que se respirava não era violência e desordem, mas resignação e civismo. (...) No quarto dia, observávamos as mesmas cenas, a mesma ausência da “ajuda internacional”. Não víamos nada. Por quanto tempo aguentarão? Os corpos continuavam espalhados, de forma mais ordenada, cobertos. Mas nas ruas. Os jovens continuavam trabalhando sem escavadeiras, e nos pediam luvas e tratores. Falava-se de valas comuns. Em alguns cemitérios, começaram a esvaziar as tumbas de ossadas antigas e não tão antigas. Nas portas dos cemitérios os corpos se acumulavam, e por vezes a difícil decisão de queima-los foi tomada. Também soubemos de corpos enterrados nos jardins das casas. Falava- se em mais de 150 mil vitimas. Hoje a cifra já chega a 250 mil, mas o mais provável é que nunca saibamos o número exato de mortos. Daqueles que morreram vítimas do terremoto, e daqueles que morreram vítimas do abandono e da falta de meios da população haitiana (THOMAZ, 2010).

As condições de saneamento e saúde, que antes do tremor já eram precárias,

entraram em colapso e no final de 2010, o país foi assolado por um surto de cólera

que matou mais de 4.000 pessoas. O ambiente adverso favoreceu a contaminação

de forma rápida e epidêmica.

De acordo com Bidegain (2010), o tremor, além de causar vasta destruição na

região mais populosa do Haiti, fez com que 3 em cada 10 residentes da Região

Metropolitana de Porto Príncipe emigrasse, partindo para outras áreas do país,

aumentando a situação de vulnerabilidade na região de acolhida, fazendo com que

os efeitos deste desastre natural se espalhasse por todo território haitiano.

A grande concentração de pessoas, em áreas de forte sismicidade, somada a

falta de infraestrutura adequada, fazem do Haiti um país extremamente vulnerável

aos abalos sísmicos.

79

Sabe-se que existe a possibilidade de que um novo tremor, de proporções

similares ao que ocorreu em 2010, possa ocorrer novamente nos próximos 20 ou 30

anos sob Porto Príncipe. A localização geográfica do Haiti induz a uma situação de

grande instabilidade geotectônica, ou seja, considerando o tempo cronológico, o

país estará sempre susceptível a este tipo de fenômeno.

O quadro ambiental haitiano, por fatores naturais ou antrópicos, expõe a sua

população a um perigo constante. O impacto exponencial de catástrofes neste país,

institucionalmente frágil, revela um quadro desolador.

A pergunta que todo visitante do Haiti se faz é se há alguma esperança para aquele país; e a resposta mais comum é não. (...) E quanto ao futuro do Haiti? O mais pobre e um dos mais superlotados países do Novo Mundo, ele torna-se cada vez mais pobre e superpovoado, com uma taxa de crescimento populacional de cerca de 3% ao ano. O Haiti é tão pobre, e tão deficiente em recursos naturais e em recursos humanos treinados ou educados, que realmente é difícil saber como melhorar alguma coisa. Se, por outro lado, olharmos para o exterior em busca de ajuda externa de governos, iniciativas de ONGs, ou esforços privados, o Haiti também não tem capacidade de utilizar a ajuda externa de modo eficiente.(...) Todas as pessoas que conhecem o Haiti a quem perguntei sobre as perspectivas do país usaram as palavras "sem esperança" em suas respostas. A maioria respondeu simplesmente que não tem nenhuma (DIAMOND, 2005).

A degradação ambiental, conectada aos fatores naturais, socioeconômicos,

culturais e políticos, sem dúvida, são causas dos movimentos forçados da população

haitiana, cuja sobrevivência depende diretamente dos recursos naturais.

Um dos primeiros e talvez maior teórico sobre a migração, Ravenstein, já

preconizava em seu famoso texto “The Laws of Migration”(1889) a importância da

questão climática na produção de correntes migratórias. No entanto, como

assinalam Pécoud e Guchteneire (2010), mesmo que a preocupação de Ravenstein

tenha sido acompanhada pela de outros autores do século XIX, no século XX esta

relação “migração e meio ambiente” foi relegada a um segundo plano até a última

década do século passado, quando o tema voltou a receber alguma atenção.

Entretanto, não se tornou um ponto central dos debates, já que o paradigma teórico

na atualidade ainda privilegie a relação entre migração e questões de cunho

econômico, social e político (FERNANDES et al, 2011).

Quando os impactos dos eventos naturais são avaliados, os dados

disponíveis não permitem criar uma relação direta de causa e efeito entre desastres

80

naturais e a migração internacional. A literatura disponível, (PÉCOUD e

GUCHTENEIRE, 2010) mostra que, salvo nos casos do efeito da elevação do nível

do mar, a população atingida por circunstâncias extremas, tendem a se deslocar

temporariamente e, quando possível, retornam à região que habitavam.

Se tais eventos são acompanhados de conflitos armados ou mesmo da

impossibilidade de se desenvolver uma atividade econômica, o processo migratório

ocorre, mas neste caso as condicionantes políticas, ligadas ao conflito, ou

econômicas, ligadas à pobreza instalada, é que atuam como responsáveis pelos

deslocamentos. Por outro lado, há a constatação de que as catástrofes naturais,

quando não acompanhadas de conflitos, não necessariamente levam a situações de

migração internacional forçada (PIGUET e PIECOUD, 2010, apud FERNANDES et

al, 2011).

4.5 Indicadores sociais, demográficos e econômicos do Haiti

O processo histórico de instabilidade política, somado aos catastróficos

efeitos do quadro ambiental, conduziu o Haiti ao status de mais pobre das Américas

e um dos mais pobres do mundo. Esta situação cristaliza-se nos indicadores

retratados na Tabela, que para efeito de comparação, serão acompanhados dos

indicadores do Brasil, Estados Unidos, República Dominicana e América Latina e

Caribe:

Tabela 7 - Indicadores Sociais, Demográficos e Econômicos do Haiti e países selecionados

Indicadores Haiti Brasil EUA República

Dominicana Am. Latina

e Caribe

População total em milhões, 2011 10,1 196,7 313,1 10,1 591,4

População em milhões – masculino -feminino

5,0- 5,1 96,7- 99,9 154,6 – 158,5 5,0 - 5,0 292,1-299,3

Taxa de crescimento da população (%), 2010-2015

1,3 0,8 0,9 1,2 1,1

População urbana (%), 2010 52 87 82 69 79

Taxa de fecundidade total, por mulher entre 15-49 anos, 2010-2015

3,2 1,8 2,1 2,5 2,2

Expectativa de vida no nascimento, 2010-2015, Masculino/feminino

61 - 64 71 - 77 76 - 81 71 - 77 72 - 78

População utilizando instalações sanitárias com melhorias (%),2000/2008

17 80 100 83 80

População vivendo com menos de US$1,25 (PPP) por dia (%), 1992/2008

55 5 0 4 7

Taxa de mortalidade até 5 anos para cada 1.000 nascidos vivos, 2009

86,7 20,6 7,8 31,9 22,4

81

Indicadores Haiti Brasil EUA República

Dominicana Am. Latina

e Caribe

Razão de mortalidade materna para cada 100.000 nascidos vivos, 2008.

300 58 24 100 85

Taxa de partos entre adolescentes por 1.000 mulheres- 15 a 19 anos, 1996/2008

69 56 41 98 74

Partos atendidos por pessoal qualificado em saúde (%)- 1992-2009

26 97 99 98 89

Matrícula no ensino fundamental - % líquido de crianças em idade escolar - 1991/2009- masculino -feminino

21-22 96 - 94 93 - 94 82 - 83 94 - 94

Matrícula no ensino médio - % líquido de crianças em idade escolar - 1991/2009- Masculino - feminino

N/D* 78 - 85 88 - 89 58 - 65 72 - 76

Taxa de alfabetização, população 15-24 anos (%),1991/2008 - masculino - feminino

N/D* 97 - 99 N/D 95 - 97 97 - 98

Taxa de prevalência de contraceptivos entre mulheres 15-49 anos, qualquer método, 1990/2010

32 80 79 73 73

Taxa de prevalência de contraceptivos entre mulheres 15-49 anos, métodos modernos, 1990/2010

24 77 73 70 67

Necessidade não atendida de planejamento familiar (%), 1992/2010

38 6 7 11 17

População 15-24 com conhecimento abrangente e correto sobre HIV/Aids (%) 2000/2008, masculino- feminino

40-34 N/D* N/D* 34 - 41 34 - 30

Taxa de prevalência do HIV/AIDS população 15-24 anos (%), 2009 – masculino - feminino

0,6-1,3 N/D* 0,3 - 0,2 0,3 - 0,7 0,3 - 0,2

N/D* - Não divulgado Fonte: UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas. Relatório sobre a Situação da

População Mundial 2011. Nova York, 2011

A análise desta tabela denota que os indicadores do Haiti estão muito aquém

dos países aos quais foi comparado, seja na saúde, educação e infraestrutura em

geral. Aliada as estas variáveis, pôde-se elaborar um apanhado demográfico, a partir

das informações extraídas do Censo de 2003 (IHSI, 2009), que retrata o cenário de

carências extremas do país.

Em relação ao quadro urbano, verificou-se que nas cidades, 68,5% dos

domicílios utilizam carvão vegetal para cozinhar, enquanto que nas áreas rurais,

90,9% dos domicílios utilizam a madeira e a palha para os mesmos fins.

Uma pequena parte da população tem acesso aos serviços de distribuição de

água e eletricidade. Apenas 8,5% das residências estão conectadas a um serviço de

distribuição de água e deste percentual, 80,7% está em áreas urbanas. No país,

82,3% das famílias usam a lâmpada a gás (querosene) como principal fonte de

iluminação. Quanto ao descarte de resíduos sólidos, 36% destes são depositados

em terrenos baldios e barrancos e 25,8% queimados periodicamente.

82

A agricultura continua sendo o principal ramo de absorção da força de

trabalho, apesar da forte regressão de seu peso em 2003, quando comparado aos

censos anteriores. Ela emprega 45,5% da força ativa do país, seguida do comércio

(atacado e varejo) com 25,3%, e das atividades de fabricação com 6,7%.

O setor educacional mostra-se deficitário, quanto aos seus índices. Apenas

59% das pessoas com 15 anos de idade ou mais relataram saber ler e escrever. A

taxa de alfabetização no meio urbano (79,5%) é 1,85 vezes superior a encontrada

nas zonas rurais (42,1%).

Menos de 50% dos indivíduos de 6 a 24 anos frequentaram uma escola ou

universidade no ano letivo de 2002. Apenas 2,7% dos indivíduos de 10 a 59 anos,

declararam graduação em um centro de formação técnica e profissional e ínfimos

1,05% da população com mais de 5 anos, o que corresponde a 78.797 pessoas,

declarou o nível de estudos universitário. A taxa de frequência escolar das mulheres

(45,26%) é ligeiramente inferior a dos homens (46,57%).

Com referência a chefia domiciliar, 38,5% correspondeu às mulheres chefes

de família. No meio urbano, este índice é de 45,7% e no meio rural de 33,8%. A

distribuição dos chefes de família pelo nível de estudos indica que 60,6% de chefes

de família mulheres não tem nenhum nível de escolaridade, contra 51,6% dos seus

pares. Nas zonas rurais, o índice de mulheres chefes de família que não tem

nenhum nível de escolaridade chega a 80%, e no ambiente urbano, 40%.

Um traço cultural notável do Haiti diz respeito à religião e crenças praticadas.

O contingente de 55% dos haitianos declarou-se católico, 28% evangélico, 10,2%

sem religião e apenas 2,10% adeptos ao Vodu27. Embora mais de 80% da

população tenha declarado crenças cristãs, sabe-se que no país o sincretismo

religioso determina a prática conjunta dos demais credos com o vodu, o que explica

o sub-registro referente a esta crença. Destaca-se também o crescimento

considerável dos cultos protestantes em relação ao censo de 1982, principalmente

nas áreas urbanas. Os protestantes chegam a um terço da população urbana e a um

quarto da população rural.

27

Religião que cultua os antepassados e entidades conhecidas como loas. O vodu é parecido com o candomblé e seus rituais são marcados pela música, a dança e muita comida. Tem origem na África e foi trazido pelos escravos, incorporando elementos da cultura dos dominadores, como o batismo católico.

83

Dois anos após o terremoto de 2010, há ainda um contingente estimado de

500 a 600 mil pessoas vivendo sob tendas nos acampamentos, em condições

extremamente precárias, sem água corrente e saneamento (HUMAN RIGHTS

WATCH, 2012).

Há anos, o Haiti é assolado por altos níveis de crimes violentos, mas as

Nações Unidas observaram que desde o terremoto, as tendências demonstram um

aumento nas principais categorias de crimes, incluindo assassinato, estupro e

sequestro (HUMAN RIGHTS WATCH, 2012).

A segurança precária e a situação econômica após o terremoto deixaram as

mulheres e meninas ainda mais vulneráveis à violência sexual, que já apresentava

altos índices antes da tragédia. Muitas mulheres perderam suas casas e meios de

subsistência no terremoto e passaram a viver nos acampamentos ou a depender de

outras famílias para o abrigo. A taxa de gravidez nos acampamentos é três vezes

maior que aquela registrada em meio urbano antes do terremoto. As vítimas de

abuso tem dificuldade de acesso aos serviços médicos pós-estupro, impossibilitando

a gravidez indesejada. Grande parte das que engravidam não tem conhecimento

sobre a existência de serviços pré-natal. Muitas dão a luz nas tendas e algumas na

rua, a caminho para o hospital, por causa das dificuldades de transporte. A falta de

acesso aos recursos econômicos leva muitas mulheres a se prostituírem por comida

ou outras necessidades, sem usar métodos contraceptivos, agravando o impacto da

falta de acesso aos serviços de saúde reprodutiva, da gravidez indesejada e

doenças (HUMAN RIGHTS WATCH, 2012).

Antes do terremoto, apenas cerca de metade das crianças haitianas em idade

escolar frequentavam a escola primária. O Fundo das Nações Unidas estima que o

terremoto danificou ou destruiu quase 4.000 escolas e que 2,5 milhões de crianças

experimentaram uma interrupção prolongada na sua educação. As escolas

retomaram suas atividades meses depois, no entanto, muitas delas experimentaram

queda acentuada no número de matrículas (HUMAN RIGHTS WATCH, 2012).

O emprego de crianças nos trabalhos domésticos, conhecidas como

restaveks, continua usual. Restaveks são crianças de famílias de baixa renda

enviadas para viver com outras famílias, na esperança de que sejam cuidadas em

troca da realização de tarefas domésticas mais simples. Estas crianças, 80% das

quais são meninas, na maioria das vezes não são remuneradas, não tem acesso a

educação e são vítimas de abusos físicos e sexuais. A ONU alerta que grande

84

número de menores que ainda vivem nos acampamentos estão vulneráveis a esta

forma de trabalho forçado ou ao tráfico humano (HUMAN RIGHTS WATCH, 2012).

Verifica-se, portanto, que a diáspora haitiana tem origens remotas e relaciona-

se com o quadro político, social e ambiental deste país e que após o terremoto de

2010, grande número de cidadãos tem buscado partir a procura de melhores

condições de vida, ou mesmo sobrevivência, incluindo o Brasil como país de

destino.

85

5 OS HAITIANOS NO BRASIL

(...) Novas coisas, sucedendo-se, iludem a nossa fome de primitivo alimento.

As descobertas são máscaras do mais obscuro real, essa ferida alastrada

na pele de nossas almas. Quando vim da minha terra,

não vim, perdi-me no espaço, na ilusão de ter saído. Ai de mim, nunca saí Andrade ,C.D, 2002).

O fluxo de haitianos para a América Latina começou a ampliar

consideravelmente a partir do terremoto de janeiro de 2010. Chile e Equador,

principais portas de entrada dos caribenhos à região, que no ano de 2009

registraram a entrada de 477 e 1258 haitianos respectivamente, no ano de 2010,

receberam um número bastante superior, com registros de 820 e 1687 (LOUIDOR et

al, 2011).

Embora não seja um dos destinos de maior afluência, na verdade é um dos

menores, a presença dos haitianos no Brasil também começou a ampliar a partir de

janeiro de 2010. No ano anterior, em 2009, registros do Ministério do Trabalho e

Emprego (MTE) retratam que foram concedidas apenas seis autorizações para

entradas de haitianos no país. A partir de janeiro de 2010, número de autorizações

foi aumentando consideravelmente, passando de 15 naquele ano para 720 em

2011 e até meados de 2012, as autorizações já chegaram a 2.3111 (MTE, 2012). Se

avaliada por meio da concessão da carteira de trabalho, de janeiro de 2010 a 31 de

maio de 2012, o MTE entregou 5.398 Carteiras de Trabalho e Previdência Social a

haitianos, sendo 5.176 somente nas Superintendências dos estados do Acre e

Amazonas.

Frente a outros contingentes populacionais que chegam ao país, o número

de haitianos não representa um grande volume. Entretanto, a simples razão de se

ter um fluxo quase constante de imigrantes de um país do hemisfério norte, por si só

é digno de nota. Soma-se a esta situação, a forma como esta migração vem se

dando e tem-se um quadro no mínimo inusitado.

As razões que deram início a este fluxo migratório são imprecisas. Algumas

hipóteses levantam que a participação do Brasil na força de paz no Haiti, através da

86

MINUSTAH, tenha despertado o interesse pelo país. Outra hipótese é de que ante o

fechamento da fronteira da Guiana Francesa - destino privilegiado dos haitianos na

América do Sul - os mesmos foram impelidos a dirigir-se ao Brasil, onde esperam

encontrar mais oportunidades de trabalho, dado seu crescimento econômico, às

obras de infraestrutura com vistas à Copa do Mundo de 2014 e às Olimpíadas de

2016, à construção de hidrelétricas e ainda à repercussão midiática que vem

adquirindo nos últimos anos. Face ao entrave na possessão francesa, a Bolívia

impediu a passagem para seu território; na Colômbia há um conflito armado e no

Peru há poucas oportunidades de emprego, o que faz do Brasil um destino mais

viável (LOUIDOR et al, 2011). Há ainda a proposição de que o Brasil seja apenas

um país de trânsito na rota rumo a Guiana Francesa.

Louidor et al (2011) atentam para a existência de pelo menos duas redes de

tráfico que recrutam cidadãos no Haiti, principalmente no Oeste e Norte do país.

Estas redes prometem trabalho e estudos em países da América Latina e até

mesmo nos Estados Unidos e Europa; utilizam Cuba e a República Dominicana

como países de trânsito e dirigem os imigrantes ao Equador, onde abandonam suas

vítimas. É possível que a imigração para o Brasil também esteja atrelada a esta

rede, uma vez que a maioria dos haitianos não permanece no Equador.

Se tais hipóteses são passíveis ou não de comprovação empírica, o fato é

que mais de 6000 haitianos ingressaram no Brasil desde o início de 2010. Este fluxo,

embora pequeno quando comparado a outras entradas no país, traz uma nova

situação ao governo e a sociedade brasileira e coloca desafios para a sua

governança em termos de migração internacional em direção ao país.

5.1 O processo de chegada ao Brasil

A trajetória mais comum que os haitianos percorrem para chegar ao Brasil é a

seguinte: por via aérea, partem de Porto Príncipe e fazem escalas nas cidades de

São Domingo (República Dominicana) e Cidade do Panamá (Panamá). Da Cidade

do Panamá, alguns partem para Quito (Equador) e outros partem diretamente para

Lima (Peru). Como estes países não exigem vistos para haitianos, estes não

encontram dificuldades na entrada28. De Quito ou Lima, por trajeto terrestre ou

28

O Peru passou a exigir o visto para haitianos somente em 2012.

87

fluvial, chegam à fronteira do Brasil em diferentes pontos. Tabatinga (AM), Assis

Brasil (AC) e Brasiléia (AC) são os mais frequentes, como demonstra o Mapa 9.

Em alguns casos, a chegada ao território brasileiro se dá através da fronteira

com a Bolívia. A entrada, neste ínterim, ocorre principalmente pelos municípios de

Epitaciolândia (AC) e Corumbá (MS). Acredita-se que a maioria dos haitianos que

percorre esta rota provém do Chile.

88

Mapa 9 - Principais rotas migratórias dos haitianos para o Brasil

Fonte: Elaborado pela autora

89

Com o aumento da fiscalização em pontos das rotas já conhecidas, os

coiotes29 acabam buscando alternativas para promover o ingresso dos haitianos no

país. Já se tem relatos de dois novos trajetos para adentrar o território brasileiro. Em

uma, por via aérea, os haitianos vão até a República Dominicana e deste para

Bolívia, no município de Ibéria. De Ibéria caminham por aproximadamente oito

quilômetros na Floresta Amazônica até chegarem ao município de Cobija, e deste

fronteiriço município boliviano, cruzam uma das duas pontes sobre o Rio Acre,

chegando a Brasiléia. Na outra rota, faz-se um deslocamento aéreo até São

Domingo e daí para Quito. De Quito, através de ônibus, dirigem-se a Letícia, na

Colômbia, e deste município para Tabatinga (AM).

As escolhas das rotas dependem das facilidades de transporte, possibilidade

de entrar no território brasileiro e, ordinariamente, dos interesses dos coiotes que já

atuam neste trajeto.

A ação dos coiotes inicia-se com a “venda” da ideia de que a crise econômica

não afetou o Brasil, de que há carência de mão de obra e empregabilidade

instantânea no país, cujos salários podem chegar a R$ 4.000. O acesso ao

“Eldorado Brasileiro” tem um custo que pode variar de U$1.000 a U$ 4.500.00,

dependendo do serviço pretendido ou persuasão dos coiotes. No entanto, é difícil se

ter uma precisão quanto a este montante, pois por se tratar de uma atividade ilícita,

iniciada fora da fronteira do Brasil, não há como apurar os valores pagos. Tais

recursos, na maioria das vezes, são adquiridos por empréstimos, e não raramente

são frutos de um projeto familiar que soma esforços para enviar um membro da

família, e este, ao chegar ao destino almejado, oferecer melhores condições de vida

aos entes no país de origem ou até mesmo gerenciar sua emigração posteriormente.

Assim, são comuns relatos como:

A motivação de Lovensky em vir para o Brasil é típica dessa nova onda migratória. Depois de perder a casa no terremoto na vila em que morava, perto da capital, Porto Príncipe, ele deixou os três filhos com uma tia, reuniu todas as economias e resolveu partir. Com a ajuda de um amigo que mora nos Estados Unidos, conseguiu US$ 1.237 para a viagem. “Hoje, a maioria das pessoas no Haiti deseja sair de lá e morar em outro lugar, mas elas não têm dinheiro. O Haiti já não era bom antes do terremoto. Depois, acabou qualquer esperança de construir uma vida boa.” (...) “No Haiti, era motorista e mecânico. Espero trabalhar com isso aqui. Se não conseguir, faço qualquer coisa.” O plano é juntar dinheiro para trazer os filhos (“O que fazer

29

Pessoas que aliciam e transportam imigrantes através das fronteiras de países mediante

pagamento. Atividade esta muito comum na fronteira entre os Estados Unidos e México.

90

com os imigrantes do Haiti?” Leonel Rocha e Ana Aranha - Revista Época - 04/02/11). “A mulher sempre tem medo de se arriscar, mas eu sou muito forte e corajosa. No meu caso, não tenho marido. Tenho três filhos pequenos e preciso sustentar meus pais. No Haiti, eu vendia roupas na rua e também trabalhava na lavoura de tabaco. Perdi tudo no terremoto e vim porque preciso ajudar meus parentes que ficaram lá”, diz. Eliane Floreius, em entrevista( “Haitianos vivem rotina de fome, falta de espaço e desilusão na Amazônia”, Luciana Rosseto - G1 - 14/02/11) "Não foi fácil chegar até aqui", diz o professor de inglês Lucien Geln, de Gonaives, uma das cinco maiores cidades do Haiti. Lucien e seu irmão Benjamin tiveram, inicialmente, de economizar US$ 1.500 para a travessia até o Brasil, conhecido por todos eles como o país do futebol. "Trabalhando como professor no Haiti, não conseguia sobreviver e ter excedentes para viagem. Foi preciso uma ação entre todos os membros da família para recolher o dinheiro necessário." (A parte brasileira da diáspora haitiana”, Fernando Gabeira - O Estado de São Paulo - 17/04/11). Sentados na calçada junto a Venel estão Michelet Pierre, de 26 anos, Jen Japarodel, de 32, e Volmy Celina, de 26. Os três já se conheciam no Haiti e decidiram pedir dinheiro emprestado para amigos para vir ao país. Eles também contrataram uma agência na República Dominicana, que cobrou US$ 2,4 mil de cada um.“Com a agência conseguimos os documentos e o passaporte. É bem difícil sem a ajuda deles. Quando a gente ganhar dinheiro, nós vamos pagar esse empréstimo. Nossa família e amigos estão contando com a gente aqui”, afirmou Pierre, que deixou a mãe e sete irmãos no Haiti. Outros cinco morreram no terremoto ( “Haitianos viajam de avião, ônibus e barco por emprego na Amazônia, Luciana Rosseto - G1 - 14/02/1)). Marvens Raymond deixou a mulher e os quatro filhos no Haiti para tentar a sorte no Brasil. (...) “Não sei quando vou receber meus documentos, mas vou voltar todo dia para pedir. Meus filhos passam fome no Haiti e contam com meu dinheiro para sobreviver lá”, diz( “Suspensão do pedido de visto surpreende haitianos em Tabatinga”, Luciana Rosseto - G1 - 15/02/11).

Mediante o endividamento, seja ele financeiro ou social, o maior medo que

estes imigrantes apresentam é o de serem deportados30 e não recuperar o dinheiro

que gastaram no trajeto.

Lamentavelmente, alguns grupos de haitianos que adentraram a mata

amazônica conduzidos por coiotes relataram casos de roubo, estupro, extorsão,

agressão e abandono nos territórios da Bolívia e Peru (CARVALHO, 2012).

30

No Brasil, “a deportação será aplicada nas hipóteses de entrada ou estada irregular de estrangeiros no território nacional. É de providência imediata do Departamento de Polícia Federal e consiste na retirada do estrangeiro que desatender à notificação prévia de deixar o País. A deportação não impede o retorno do estrangeiro no território nacional, desde que o Tesouro Nacional seja ressarcido das despesas efetuadas com a medida, satisfeita, ainda, o recolhimento de eventual multa imposta” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, s/d).

91

O processo de entrada através da Região Norte aparenta ocorrer apenas pela

possibilidade ofertada pelos atravessadores e por nenhuma outra especificidade.

Aos haitianos, o importante é adentrar ao Brasil, independente da “porta de entrada”,

e seguir caminho rumo os grandes centros econômicos. Inexiste, na maioria dos

casos, a noção de distâncias desse país de dimensões continentais,

aproximadamente 300 vezes maior que a pequena porção insular caribenha. Não

sabem que São Paulo e Rio de Janeiro estão bem distantes de Manaus ou Brasiléia.

Ao chegarem ao território brasileiro, o contato dos haitianos com as

autoridades brasileiras resume-se à solicitação de refúgio, justificada pelas situações

adversas provocadas pelo terremoto de janeiro de 201031.

A sistemática se repete em todos os casos. Ao chegar à fronteira do Brasil

com o Peru, por exemplo, o imigrante apresenta junto a Polícia Federal, no posto

fronteiriço, a solicitação de refúgio. Após alguns dias aguardando na cidade, lhe é

fornecido um protocolo confirmando que a sua solicitação será analisada pelas

autoridades brasileiras e, no máximo em seis meses, a decisão será conhecida. De

posse deste documento os haitianos se deslocam para outra cidade (FERNANDES

et al, 2011).

Aqueles que entram por Tabatinga (AM) percorrem 1.106 km, por transporte

fluvial, até Manaus, num translado que perdura quatro dias, a custo aproximado de

R$170,00. Uma vez na capital do estado, buscam auxílio junto à Pastoral do

Imigrante e são orientados no sentido de providenciar uma documentação provisória

(Carteira de Trabalho e CPF) que lhes é permitida obter com o documento emitido

pela Polícia Federal. Desta forma os imigrantes podem acessar o mercado laboral

de forma regular e utilizar os serviços bancários para, por exemplo, fazer remessas.

Ao mesmo tempo, têm acesso aos serviços de educação e saúde. De Manaus, uma

parte desloca-se para as outras regiões do país, principalmente para a centro-sul,

por apresentar maior perspectiva de empregos e renda. No Acre, os que entram por

Assis Brasil e Epitaciolância geralmente dirigem-se para Brasiléia e, após a emissão

da documentação provisória, vão para Rio Branco, buscando, posteriormente,

centros econômicos mais promissores.

31

O capítulo 6 traz mais esclarecimentos sobre o tema e a forma como o refúgio é aplicado no Brasil, bem como o posicionamento do governo brasileiro frente a estas solicitações.

92

5.2 A política brasileira perante a migração haitiana – a questão humanitária

Mediante a falta de amparo júridico que rege a questão dos refugiados

ambientais, o CNIg deu passo histórico ao aprovar, por unanimidade dos seus

conselheiros ,voto que concedia, por razões humanitárias, visto de permanência a

um grande número de haitianos. O Conselho Nacional de Imigração – CNIg é órgão

vinculado ao Ministério do Trabalho e tem nos termos do Decreto n. 840/93, dentre

suas atribuições: “formular a política de imigração”, “coordenar e orientar as

atividades de imigração” e “solucionar casos omissos no que diz respeito a

imigrantes”.

A exposição de motivos preparada pelo Conselho para tal voto, ilustra o

momento impar vivido pela sociedade brasileira na sua relação com os imigrantes o

que pode abrir espaços para uma nova visão da governança do processo migratório

no País.

“As políticas migratórias estabelecidas pelo CNIg se pautam pelo respeito aos direitos humanos e sociais dos migrantes, de forma a que sejam tratados com dignidade e em igualdade de condições com os brasileiros. Esta política está firmemente assentada na Constituição Federal, que consagra dentre os objetivos fundamentais da Repúbica Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Mais além, a prevalência dos direitos humanos é um dos princípios que regem as relações internacionais do Brasil. Tais assertivas refletem-se no caput do art. 5º da Carta Magna que assevera que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residente no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (relacionados nos incisos que seguem)”. Tal política tem se materializado por meio de Resoluções, Normativas e Recomendadas, adotadas por consenso entre os integrante deste Conselho. No que diz respeito “aos casos omissos em relação a imigrantes”, as decisões são tomadas com base na Resolução Normativa N. 27, de 25 e novembro de 1998, que disciplina a avaliação de situações especiais e casos omissos pelo Conselho Nacional de Imigração. Essa Resolução considera como “situações especiais” aquelas que, embora não estejam expressamente definidas nas Resoluções do CNIg, possuam elementos que permitam considerá-las satisfatórias para a obtenção do visto ou permanência; e, como “casos omissos”, as hipóteses não prevsitas em Resoluções do CNIg. Na aplicação da RN n. 27/98, o CNIg tem considerado as políticas migratórias estabelecidas para considerar como “especiais” os casos que sejam “humanitários”, isto é, aqueles em que a saída compulsória do migrante do território nacional possa implicar claros prejuízos à proteção de seus direitos humanos e sociais fundamentais” ( Extrato do voto aprovado pelo CNIg em reunião de 13/03/2011).

93

Como tentativa de ordenar o fluxo dos haitianos para o Brasil e coibir ação de

atravessadores (“coiotes” que na maioria das vezes submetem os imigrantes a

situações de risco e degradantes), em janeiro de 2012, os governos do Brasil e do

Peru estabeleceram novas regras para entrada de haitianos. Os dois países

fecharam as fronteiras e decretaram a obrigatoriedade de visto.

O Conselho Nacional de Imigração- CNIg, no dia 12 de janeiro de 2012

anunciou a Resolução nº 97/2012. Tal resolução dispõe sobre a concessão do visto

permanente a nacionais do Haiti, e assim resolve:

Art. 1º Ao nacional do Haiti poderá ser concedido o visto permanente previsto no art. 16 da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, por razões humanitárias, condicionado ao prazo de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 18 da mesma Lei, circunstância que constará da Cédula de Identidade do Estrangeiro. Parágrafo único. Consideram-se razões humanitárias, para efeito desta Resolução Normativa, aquelas resultantes do agravamento das condições de vida da população haitiana em decorrência do terremoto ocorrido naquele país em 12 de janeiro de 2010. Art. 2º O visto disciplinado por esta Resolução Normativa tem caráter especial e será concedido pelo Ministério das Relações Exteriores, por intermédio da Embaixada do Brasil em Porto Príncipe. Parágrafo único. Poderão ser concedidos até 1.200 (mil e duzentos) vistos por ano, correspondendo a uma média de 100 (cem) concessões por mês, sem prejuízo das demais modalidades de vistos previstas nas disposições legais do País. (...) (CNIg, 2012).

Tal medida impactou diretamente um grupo de aproximadamente 250

haitianos que estavam no vilarejo de Inãpari, Peru, fronteira com Assis Brasil (Acre),

a caminho do Brasil. Quando as mudanças sobre a exigência do visto foram

anunciadas, o grupo estava em trânsito. Ao saírem do Haiti, as fronteiras ainda

estavam abertas, entretanto, a partir do dia 18 de janeiro, conforme a Resolução

97/2012, os haitianos sem vistos passaram a ser barrados. Pelotões da Força

Nacional e da Polícia Federal foram instalados em Assis Brasil, para reforçar a

fiscalização.

Com a proibição, o grupo se instalou na praça pública e ruas de Inãpari, na

expectativa de que o governo brasileiro o acolhesse. Com o decorrer do tempo, a

situação desses haitianos foi se agravando, visto que os parcos recursos que estes

traziam foram se esgotando. A alimentação só ocorria graças às doações feitas por

associações brasileiras. Além das condições precárias pelas quais passaram o

94

grupo, as condições dos familiares deixados no Haiti também foram afetadas, uma

vez que muitos aguardavam ajuda dos que se dispuseram a emigrar.

Impedidos de retornar ao país de origem por falta de recursos e impedidos de

prosseguirem rumo ao Brasil, a solução para estes haitianos - extremamente

reivindicada pela sociedade civil, procuradores, organizações de direitos humanos,

Igreja, etc – foi pronunciada no dia 10 de abril de 2012. Após três meses, o governo

brasileiro permitiu a entrada dos haitianos e garantiu o processo de regularização

dos mesmos.

Tal medida também contemplou um outro grupo de aproximadamente 350

haitianos que estava chegando a Tabatinga (AM) quando a Resolução 97/2012 foi

anunciada, portanto, considerados irregulares e sem perspectivas de obtenção do

visto humanitário em território brasileiro, dada a nova exigência de requerer o visto

em Porto Príncipe.

O governo brasileiro procurou combater a forma precária da imigração

haitiana para o Brasil, entretanto é preciso analisar a efetividade da resolução

implantada já que o cumprimento de todas as etapas do processo para obtenção do

visto é um processo difícil para maioria dos cidadãos haitianos.

Para se candidatar à permissão, o postulante deve ter passaporte em dia, ser

residente no Haiti (o que deve ser comprovado por atestado de residência) e

apresentar atestado de bons antecedentes. Com todos os documentos em mãos,

deve ainda pagar US$ 200 para a emissão do visto.

Segundo dados da Embaixada brasileira em Porto Príncipe, em fevereiro de

2012 foram concedidos apenas 30% dos 100 vistos mensais permitidos pela

resolução. As exigências burocráticas barram uma maior concessão de permissões.

Entretanto, com o passar dos meses e com a divulgação da medida estabelecida

pelo governo brasileiro, o número de pedidos foi aumentando e acredita-se que ao

final de 2012, os 1200 vistos anuais determinados sejam concedidos.

Em visita ao Haiti no dia 02 de fevereiro, a presidente Dilma Rousseff

enfatizou as medidas adotadas pelo governo brasileiro para concessão de vistos e

repressão ao tráfico de pessoas vindas do Haiti.

“Devemos combater esses criminosos, que se aproveitam das vulnerabilidades das famílias, expondo-as a situações desumanas durante a travessia, além de explorá-las, cobrando taxas escorchantes. (...). Reafirmo o duplo propósito das políticas de visto: garantir o acesso em condições de segurança e de dignidade e, ao mesmo tempo, combater o tráfico de

95

pessoas, o que temos feito em cooperação com países vizinhos” (ROUSSEFF, D., 2012)

Segundo o Ministério da Justiça (2012), já foram emitidos 3384 vistos

permanentes (3321 para principais e 63 vistos para de dependentes). Estão em

análise 1.123 processos na Polícia Federal, 945 vistos em análise no CNIg,

totalizando 5.571 vistos. Ao considerarmos os 815 vistos fornecidos pela embaixada

brasileira no Haiti, tem-se 6.386 e agregando os 400 processos dos haitianos que

chegaram a Brasiléia e Manaus após a RN 97/2012, estima-se um quantitativo de

6.700 vistos ou pedidos de visto. Projeta-se que ao final de 2012 encontre-se mais

de 7000 haitianos no Brasil.

5.3 O perfil dos imigrantes haitianos

Por tratar-se de um fenômeno recente, as fontes de informações sobre os

haitianos no Brasil são escassas e precárias e os dados disponíveis são baseados

em registros administrativos, cujos objetivos são distintos daqueles para se fazer

uma análise do perfil do imigrante.

Para esta seção, serão utilizadas duas bases de informações:

a) do Conselho Nacional de Imigração- CNIg – estruturada com os dados obtidos

junto aos processos encaminhados pelo CONARE ao referido Conselho nos anos de

2010 e 2011, que reproduz as informações fornecidas pelos imigrantes no momento

da solicitação de refúgio. Estas informações foram coletadas pela Polícia Federal

nos postos fronteiriços com o intuito de instruir o processo de solicitação de refúgio

para posterior apreciação e decisão do CONARE. São informações prestadas por

escrito pelos solicitantes de refúgio no momento em que apresentam seus pedidos

em formulários próprios, preenchidos perante a Polícia Federal (ANEXO A).

Ressalta-se que algumas informações de certos tópicos dos formulários não foram

disponibilizadas.

Os dados referem-se ao conjunto de 714 processos enviados pelo CONARE.

Estes processos foram encaminhados em três momentos distintos: o primeiro grupo

composto por 197 solicitações, cobrindo o período de entrada de processos que vai

até novembro de 2010, foi analisado pelo Conselho em 16 de março de 2011 e

tratava do primeiro grupo de haitianos a chegar ao país. O segundo grupo, com 237

solicitações, e o terceiro conjunto de 280 solicitações tratam de processos, na sua

96

maioria abertos em dezembro de 2010 até o final de fevereiro de 2011, foram

discutidos nas reuniões de 21 de junho e 10 de agosto de 2011, respectivamente.

b) da Pastoral do Migrante da Arquidiocese de Manaus – obtidos no momento do

registro da acolhida ou passagem dos haitianos pela entidade em busca de

assistência ou encaminhamento à outras instituições sociais.

Esta fonte é um pouco mais reduzida em termos numéricos, mas apresenta

particularidades quanto ao tipo de informações. Os dados são concernentes a 307

pessoas, tomadas aleatoriamente de um conjunto de mais de 1000 imigrantes

haitianos, que em julho de 2011 estariam morando em Manaus. Destaca-se que as

informações constantes nos registros que serviram de base para este levantamento

são os dados de interesse da própria Pastoral para a execução de suas atividades e

não incluem aqueles imigrantes que não procuraram o atendimento.

Os dados de ambas as fontes foram tratados no programa SPSS (Statistical

Package for the Social Sciences), versão 17.0. para análise.

5.3.1 Dados do CNIg

Os haitianos têm como ponto de entrada no Brasil a Região Norte que

totaliza 96,6% dos pedidos de solicitação de refúgio. Destes, 62,6% dos

demandantes deram entrada no Amazonas e 34% no Acre, conforme mostra a

Tabela 8. Percebe-se que há uma variação espacial da chegada, conforme a data

de entrada, uma vez que a maioria do primeiro e do terceiro grupo32 adentrou o país

via estado do Amazonas, enquanto o segundo, pelo Acre.

32

Grupo 1: 197 processos analisados pelo CNIg em 16 de março de 2011; Grupo 2: 237 processos analisados pelo CNIg em 21 de junho de 2011; Grupo 3: 280 processos analisados pelo CNIg em 10 de agosto de 2011.

97

Tabela 8 - Distribuição percentual dos haitianos por UF de entrada do pedido de refúgio, segundo o grupo de processos analisados pelo CNIg, 2010 - 2011

UF Grupos TOTAL (%)

1 2 3

Acre 8,1 60,3 30,0 34,0

Amazonas 85,3 35,0 70,0 62,6

Outras 6,6 4,7 - 3,4

Total 100 100 100 100

Fonte: CNIg, 2011

O tempo para chegar ao Brasil, a partir do Haiti, varia de menos de uma

semana a 26 meses, indicando a passagem em países de trânsito, como já

mencionado em seção anterior.

Em relação à data de saída do Haiti, vale notar que 8,5% dos que solicitaram

refúgio no Brasil tinham deixado o país antes do grande terremoto. Do total de

demandantes de refúgio, 73% deixaram o Haiti após o mês de agosto de 2010,

sendo que quase a metade do total fez a viagem para o Brasil no período

compreendido entre outubro de 2010 e janeiro de 2011. Estes dados indicam que o

movimento recente se ampliou no final de 2010 e na primeira metade de 2011,

quando, provavelmente, a notícia da possibilidade de conseguir visto no Brasil foi

“transmitida” via redes familiares e sociais dos próprios imigrantes.

Importante observar que quando se compara o primeiro grupo de solicitações

encaminhada pelo CONARE ao CNIg - composto por haitianos que apresentaram o

pedido até novembro de 2010 - observa-se que o tempo gasto entre a saída do Haiti

e chegada ao Brasil era mais longo e concentrado entre 1 ou 2 meses de viagem

(45,9%). Para aqueles que em sua maioria chegaram ao Brasil no final de 2010 e

inicio de 2011, o terceiro grupo considerado, 41% deles gastaram menos de um mês

entre a saída do Haiti e chegada ao Brasil, mostrando que o trajeto entre os dois

países já está mais bem assinalado.

A idade dos haitianos varia de 0 a 62 anos e a idade média é de 31,6 anos, o

que demonstra uma população relativamente jovem. Do total, 80% concentram-se

entre as idades de 24 a 40 anos, como demonstra o Gráfico 2.

98

Gráfico 2 - Faixa Etária dos Imigrantes Haitianos*

*Casos válidos: 708 Fonte: Conselho Nacional de Imigração (CNIg), 2011

Quando ao nível de escolaridade, verifica-se que menos de 1% declarou-se

analfabeto e que 59,8% dos que declararam nível de instrução completaram pelo

menos o Ensino Fundamental. É interessante notar a presença de pessoas que

concluíram o Ensino Superior, índice correspondente a 4,2%, como demonstra o

Gráfico 3.

Gráfico 3 - Escolaridade dos Imigrantes Haitianos

Fonte: Conselho Nacional de Imigração - CNIg, 2011

44

188

208

146

75

24

18

4

1

0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 35,0

0-22

23-27

28-32

33-37

38-42

43-47

48-52

53-57

58-62

%

Gru

po

Etá

rio

0,8%

39,5%

8,7%

30,6%

13,1%

3,1% 4,2% ANALFABETO

ENSINO FUNDAMENTAL INCOMPLETO

ENSINO FUNDAMENTAL COMPLETO

ENSINO MÉDIO INCOMPLETO

ENSINO MÉDIO COMPLETO

ENSINO SUPERIOR INCOMPLETO

ENSINO SUPERIOR COMPLETO

Casos válidos: 641

99

Estes indicativos são bastante expressivos, pois, como citado anteriormente,

dados do Censo 2003 apontaram que 41% dos haitianos, com 15 anos de idade ou

mais, não sabem ler e escrever e que apenas 1,05% da população daquele país

tinha o Ensino Superior. Ressalta-se que a frequência no Ensino Médio retratada

inclui ainda os que frequentaram um centro de formação técnica profissional. Tal

quadro indica para o Haiti uma situação de “fuga de cérebros”33 e essa perda de

capital humano afasta ainda mais as possibilidades de mudanças socioeconômicas

e desenvolvimento do país.

Ao se comparar os três grupos, observa-se que, dentre os que declararam o

nível de instrução, o primeiro grupo apresentava maior escolaridade, sendo que

67,4% deles teriam chegado ao Ensino Médio, situação encontrada em 42,4% dos

que compõem o segundo grupo e 45,3% do terceiro.

Em relação à ocupação, os dados coletados pela Polícia Federal permitem

conhecer a situação laboral dos haitianos antes da partida rumo ao Brasil. No

entanto, é importante observar que a informação disponibilizada diz respeito única e

exclusivamente à atividade exercida, sem indicação da condição de trabalho.

Considerando os que indicaram a ocupação exercida, ou seja, 97,6% do total,

observa-se, conforme demonstra a Tabela 9, que a construção civil era o setor onde

38,4% dos imigrantes exerciam a sua atividade laboral. A supremacia deste setor se

mantém independente do momento de chegada ao Brasil. No entanto, mostra-se

mais significativo no último grupo, pois 43,9% deles declararam atuar neste setor.

Seguem, em ordem de importância, o setor de serviços e o de comércio. O conjunto

destes três setores corresponde a 73,8% das atividades de trabalho declaradas

pelos haitianos.

33

A literatura específica utiliza-se da expressão em língua inglesa Brain Drain para referir-se a perda de cérebros, bem como Brain Gain para ganho de cérebros.

100

Tabela 9 - Distribuição dos haitianos por setor da atividade

Setor

Grupos Total

1 2 3

V abs % V abs % V abs % V abs %

Agricultura 8 4,1 11 4,7 15 5,5 24 4,9

Indústria 2 1,0 4 1,7 8 2,9 14 2,0

Construção civil 63 32,6 85 36,8 119 43,9 267 38,4

Comércio 24 12,4 27 11,6 26 9,5 77 11,0

Serviços 52 26,9 63 27,3 55 20,3 170 24,4

Educação 14 7,3 15 6,4 11 4,0 40 5,7

Estudante 10 5,2 9 3,8 16 5,8 35 5,0

Outros 20 10,4 18 7,7 22 8,1 60 8,6

Total 193 100,0 232 100,0 272 100,0 697 100,0

Fonte: CNIg, 2011

Tais dados chamam a atenção pelo fato de que no Haiti a agricultura ainda é

a atividade que mais absorve a força de trabalho. É passível de questionamento, se

as atividades laborais distintas do setor primário tem relação direta com a

escolaridade - que se mostra bastante acima da média do país - ou ainda se há uma

relação com a emigração a partir do meio urbano ou rural.

As informações disponibilizadas pelo CONARE indicam também o município

de nascimento dos imigrantes. Entretanto, não indicam a residência anterior ao

momento da partida. Como indicado no Mapa 10, a maior concentração de

demandas de refúgio é de naturais da região de Porto Príncipe - local do epicentro

do terremoto - e de Gonaives, um pouco mais afastada da área do sismo.

Entretanto, de forma geral, há imigrantes naturais das diversas regiões do país.

Sabe-se que é para o Departamento Oeste, onde se encontra a capital Porto

Príncipe, que se destina grande parte dos imigrantes internos do Haiti. Por se tratar

de uma informação sobre a naturalidade, não é possível saber se houve uma

migração prévia ao momento da partida ou se ainda, de fato, estas pessoas tiveram

origem na região afetada pelo sismo e são imigrantes internos advindos de outras

regiões do país.

101

Mapa 10 - Municípios de Naturalidade dos Imigrantes Haitianos com solicitação de visto submetida ao CNIg ( chegada ao Brasil até 27/02/2011)

Fonte: Elaborado pela autora

102

5.3.2 O perfil dos Imigrantes Haitianos em Manaus

No grupo analisado, composto por 307 pessoas, 87% são do sexo masculino.

Em relação ao estado civil, 63% declaram-se solteiros. A idade dos haitianos varia

de 13 a 53 anos, com média etária de 29 anos, o que demonstra uma população

relativamente jovem. Do total, 86% concentram-se entre as idades de 22 a 40 anos,

como demonstra pirâmide etária abaixo (Gráfico 4).

Gráfico 4 - Pirâmide Etária dos Imigrantes Haitianos

Fonte: Pastoral do Imigrante da Arquidiocese de Manaus

Em relação ao nível de instrução, observa-se que, aproximadamente, 60%

dos que compõem este conjunto de 307 pessoas, informa ter completado o Ensino

Fundamental, 17,7% o Ensino Médio e 1% o curso superior. O total de 3,3%

declarou Ensino Superior Incompleto. Aqueles que se declararam sem instrução são

poucos, apenas 1% do total, conforme mostrado no Gráfico 5.

Quando se compara o nível de instrução entre mulheres e homens, não há

uma diferença marcante entre estes grupos, salvo no caso do Ensino Superior

completo, onde 2,5% das mulheres declararam ter finalizado os estudos, enquanto

os homens somam apenas 0,8%. Por outro lado, na categoria Ensino Fundamental

incompleto, as mulheres representam 42,5% e os homens 35,8%.

100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 10 20 30

10 - 14

15 - 19

20 - 24

25 - 29

30 - 34

35 - 39

40 - 44

45 - 49

50 - 54

Homens Mulheres V.Abs.

103

Gráfico 5 - Escolaridade dos Imigrantes Haitianos

Fonte: Pastoral do Imigrante da Arquidiocese de Manaus

Com referência a inserção no mercado de trabalho, as questões versaram

sobre qual o setor da atividade exercida no Haiti, bem como a atividade na qual o

imigrante gostaria de trabalhar no Brasil. Faz-se necessário frisar que, de forma

diversa às informações levantadas pelo CONARE, no caso da Pastoral foi permitido

ao entrevistado listar mais de uma atividade exercida no Haiti como também a

possibilidade de indicar mais de uma atividade que gostaria de exercer no Brasil.

Para apresentar o resultado deste levantamento nas duas situações,

elaborou-se a Tabela 10, referindo-se, não apenas ao setor de trabalho/ocupação no

Haiti, como também a sua relação com a atividade que os entrevistados

pretenderiam exercer no Brasil.

Considerando a questão da ocupação no Haiti, mais de 60% dos registrados

exerciam uma atividade ligada aos setores da construção civil, de serviços e do

comércio. É importante notar que, mesmo não sendo um contingente expressivo,

9,4% dos que exerciam alguma atividade informaram atuar em dois setores ao

mesmo tempo, o que poderia indicar certo grau de informalidade laboral. Em relação

ao trabalho que poderiam exercer no Brasil, chama a atenção o elevado percentual

daqueles que aceitariam qualquer tipo de emprego caso não encontrassem trabalho

no setor desejado (64,8%). Destaca-se a concentração nos setores da construção

civil e do comércio.

0,7%

36,8%

7,8%

33,2%

13,4%

3,3% 1,0% 3,9% Analfabeto

Ensino Fundamental Incompleto

Ensino Fundamental Completo

Ensino Médio Incompleto

Ensino Médio Completo

Ensino Superior Incompleto

Ensino Superior Completo

Não informado

104

Tabela 10 - Setor de ocupação dos imigrantes quando residentes no Haiti

Setor de Ocupação Ocupação no Haiti

Trabalho desejado no Brasil

V.abs % V.abs %

Construção Civil 84 27,36 40 13,03

Comércio 45 14,66 3 0,98

Serviços 62 20,20 33 10,75

Educação 9 2,93 - -

Agricultura 20 6,51 5 1,63

Indústria 1 0,33 4 1,30

Estudante 6 1,95

-

Outros 15 4,89 4 1,30

Serviços e Construção 14 4,56 2 0,65

Agricultura e Construção 3 0,98 1 0,33

Comércio e Serviços 5 1,63 1 0,33

Educação e Construção 1 0,33 - -

Educação e Serviços 2 0,65 - -

Agricultura e Comércio 4 1,30 - -

O que encontrar - - 135 43,97

Construção Civil ou o que encontrar - - 36 11,73

Comércio ou o que encontrar - - 2 0,65

Serviços ou o que encontrar - - 21 6,84

Agricultura ou o que encontrar - - 1 0,33

Indústria ou o que encontrar - - 3 0,98

Serviços, construção ou o que encontrar

- - 1 0,33

Não informado 36 11,72 15 4,89

Total 307 100,00 307 100,00

Fonte: Pastoral do Imigrante da Arquidiocese de Manaus, 2010-2011

Fazendo-se uma correlação do tipo de trabalho desejado no Brasil com o

índice de escolaridade, verifica-se que muitos dos que possuem o Ensino Médio

Completo, e até mesmo o Superior, declaram desejo de trabalhar no setor da

construção civil.

Infere-se que os imigrantes haitianos não nutrem expectativa de trabalhar nas

mesmas áreas em que atuavam no Haiti. Outro aspecto perceptível é que, por conta

da pouca formalidade nas relações de trabalho na região de origem, ao chegarem

ao Brasil, buscam, acima de tudo, garantir o seu sustento. A maior perspectiva é

“conseguir trabalho”, e assim, obter o meio para subsistência e logo começar a

ajudar os familiares que estão no país de origem.

105

O Mapa 11 assinala as regiões de residência dos haitianos antes da partida

para o Brasil. É interessante notar que, além de Porto Príncipe, três outros

municípios se destacam como principais pontos de origem: Ganthiers, Croix-de-

Bouquets e Gonaives, este último, situado aproximadamente a 150 km da capital,

em área que sentiu muito levemente os efeitos imediatos do terremoto de 2010,

conforme demonstra o Anexo C. Observa-se, ao comparar o mapa dos municípios

de origem com o mapa de nível de exposição da população afetada pelo terremoto,

que aproximadamente 40 % do grupo tem origem em municípios pouco afetados.

Os locais de procedência em regiões dispersas indicam situações distintas

no processo migratório, tanto nas causas da migração independentes do terremoto

quanto nas consequências deste em âmbito nacional e em populações

indiretamente afetadas. A distribuição espacial apresentada no mapa a seguir muito

se aproxima daquela observada quando se tratava do local de nascimento dos

imigrantes no Haiti, retratados no Mapa 10.

Como não foi questionado o tempo de residência nestes municípios antes da

imigração para o Brasil, não se sabe se esta dispersão está relacionada:

a) à migração interna no Haiti após o ocorrido;

b) à causas independentes do sismo ou;

c) aos efeitos indiretos destes, uma vez que, após o fenômeno, um número

considerável da população de Porto Príncipe e proximidades precisou deslocar-

se em busca de sobrevivência, intensificando a pressão socioeconômica em

outros meios.

Em síntese, os dados disponibilizados pelo CNIg e pela Pastoral do Migrante

mostram particularidades que colocam os imigrantes haitianos - em termos de

instrução e atividade laboral - acima da média da população do Haiti e, em alguns

casos, acima até mesmo da média da região de destino. Verifica-se que os que

partem rumo ao Brasil são os que estão em condições um pouco melhor do que

aqueles que permaneceram no país.

106

Mapa 11 - Municípios de Origem dos Imigrantes Haitianos no Brasil (chegada 11/01/2010 – 14/05/2011)

Fonte: Elaborado pela autora

107

5.4 A acolhida dos haitianos em território brasileiro: o importante papel da

Igreja e sociedade civil

"Amareis o estrangeiro, pois fostes estrangeiro na terra do Egito" (Deuteronômio10:19).

Ao chegarem ao Brasil, os haitianos já esgotaram praticamente todo o recurso

econômico que dispunham. Deste modo, necessitam com urgência de alimentação,

abrigo e os documentos que lhes permitam trabalhar legalmente e deslocar-se no

interior do país.

Como o procedimento mais comum é a entrada e a solicitação de refúgio

junto à Polícia Federal (PF) - principalmente pelos municípios de Tabatinga (AM) e

Brasiléia (AC) - os imigrantes ficam aguardando atendimento da PF e a emissão do

protocolo do pedido de refúgio. Com esse protocolo é possível obter o CPF, a

carteira de trabalho e transitar legalmente pelo país, até que o pedido de refúgio seja

julgado pelo CONARE. Com um contingente pequeno de policiais efetivos para

atender as demandas dos haitianos, somado às dificuldades com o idioma - que

fazem com o que o tempo de atendimento e preenchimento dos formulários seja

maior e, consequentemente, menor o número de pessoas recebidas diariamente - os

haitianos precisam aguardar dias nestes municípios até que consigam protocolar o

pedido de refúgio. A ampliação deste prazo reflete nos custos com a permanência

deles, além de impossibilitá-los de sair imediatamente à procura de trabalho no país.

Tabatinga e Brasiléia são municípios pequenos, cuja população em 2010

totalizou 52.272 e 21.398 habitantes (IBGE, 2010), respectivamente. Apresentam

economia frágil, altos índices de pobreza e infraestrutura insuficiente para acolher

um contingente intenso de pessoas em um curto espaço de tempo e menos ainda

inseri-las no mercado de trabalho. Além destes pormenores, Tabatinga encontra-se

na rota do narcotráfico, onde cartéis brasileiros, colombianos e peruanos disputam o

lucrativo negócio das drogas.

Enquanto o protocolo não era emitido, centenas de haitianos passaram a se

aglomerar nos espaços públicos destas pequenas cidades, principalmente nas

praças. Em dado momento, Brasiléia chegou a ter aproximadamente 1.250 haitianos

aguardando a emissão do protocolo pela PF. Considerando que este número

corresponde a 5,8% da população do município e 8,7% da população urbana,

verifica-se a dimensão do impacto social em Brasiléia.

108

O auxílio das esferas governamentais veio tardiamente e sempre foi

insuficiente para garantir adequadamente alimentação, abrigo e saúde aos haitianos.

Muitas vezes, a assistência foi protelada e justificada com discursos como o do

prefeito de Tabatinga, Saul Nunes: “20% da população de Tabatinga está abaixo da

linha da pobreza. Então, se eu tenho que priorizar aqui, eu vou priorizar as pessoas

nativas de Tabatinga” (S/A – Jornal Nacional, 10/01/2012).

No Acre, o governo alugou o Hotel Brasiléia para abrigar os imigrantes. Com

estrutura medíocre para abrigar não mais que 200 pessoas, este espaço chegou a

comportar mil haitianos, alojados até nos banheiros e corredores. Muitos também

foram abrigados nas salas da catequese cedidas pela Igreja, e na quadra

poliesportiva do município.

Em Tabatinga, os haitianos passaram a ser recebidos por representantes da

Igreja Católica. Além dos dias de espera pelo atendimento da PF, muitos

permaneceram na cidade por não ter dinheiro para seguir para Manaus. Além de

abrigá-los, a Igreja promoveu eventos - como jogos e leilões de camisas de futebol e

obras de artistas locais - para arrecadar alimentos e angariar recursos. Também

orientou os haitianos no sentido de não serem cooptados para o tráfico de drogas,

um dos maiores problemas da região da fronteira.

Em Manaus, a Igreja passou a alugar casas, galpões e disponibilizar os

espaços das paróquias para acolher os imigrantes. Os recursos foram adquiridos via

doações da comunidade e promoção de eventos.

Com o passar do tempo, assim que os haitianos chegavam a Manaus, já

procuravam o auxílio da Igreja, visto que a informação de acolhida passou a circular

entre eles.

Por iniciativa dos Jesuítas da Amazônia, com sede na cidade de Manaus, foi

criado o Serviço Voluntário Pró Haiti, missão criada para agregar força e ajudar os

imigrantes haitianos na Região da Amazônia. Os trabalhos são desenvolvidos em

parceria com a Pastoral dos Migrantes, Cáritas da Arquidiocese de Manaus, Grupo

Misgionario Duomo Montecchio Magg e de Carpenedolo (Itália), Associação do

Serviço de Ação, Reflexão e Educação Social (SARES/Manaus), Centro dos Direitos

Humanos da Arquidiocese de Manaus (CDH), voluntários internacionais e

nacionais e os Médicos sem Fronteiras. Tem como colaboradores o Governo

Federal, as irmãs e padres Scalabrinianos de Manaus, os Capuchinhos, a Ordem

109

dos Advogados do Amazonas, a Rede de Advogados voluntários, pastores,

empresários e outras congregações religiosas (WLETER, s/d)

Assim, ressalta-se que os principais serviços prestados pela missão pró-Haiti

são:

Auxílio na documentação, como Novo Passaporte Haitiano, Registro Consular e

envio de documentos via Sedex. Em Manaus não tem representação consular do

Haiti e por isto trabalha-se em parceria com o Consulado do Haiti em Brasília.

Assistência Jurídica Gratuita: aconselhamento, acompanhamento, processos

trabalhistas e encaminhamento para os advogados em Manaus e outras partes

do Brasil. Visitas às empresas e busca de solução para as relações de trabalho

em conflito;

Preenchimento de formulários e guias para a residência permanente no Brasil,

junto a Polícia Federal;

Orientações para o acesso aos Programas da Saúde Pública, Educação,

Emprego e Justiça e sobre os direitos e deveres dos haitianos no Brasil;

Aulas de português;

Auxilio no trato com o trabalho legalizado;

Atendimento nos idiomas: português, espanhol, francês, inglês e crioulo;

Atendimento psicológico e encaminhamento para profissionais;

Acesso gratuito a internet;

Fotocópias gratuitas dos documentos para autenticação em cartório;

Orientação para encontrarem tradutores oficiais de sua documentação;

Oferta de um espaço para partilhar a vida, conquistas e um lugar de encontro para os haitianos imigrantes na cidade de Manaus (WLETER, s/d).

Primordial foi o desempenho da Rede Solidária para Migrantes e Refugiados,

que prestou assistência à maioria dos haitianos que ingressou no país.

Esta rede, articulada pelo Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH),

com o apoio do ACNUR, integra um conjunto de instituições da sociedade civil, tanto

de caráter confessional quanto laico, com a finalidade de atuar na área da

mobilidade humana, direitos humanos e refúgio. Seu principal objetivo é:

110

(...) estabelecer uma interconexão, física ou virtual, entre as entidades que a integram e sensibilizar sobre os fluxos migratórios e os direitos dos migrantes e refugiados, assim como monitorar, desenvolver e incentivar programas de acolhida e de reassentamento de refugiados, e atuar na prevenção das situações de risco e violações de direitos, com particular atenção aos casos de maior vulnerabilidade. Quer atuar, igualmente, na demanda de políticas públicas específicas, quando for o caso e na inclusão do seu público nas políticas existentes (MILESI R.; CABRERA, M, 2010)

Conforme demonstra o Mapa 12, a Rede Solidária está presente em todas as

regiões do país, e reúne um significativo número de instituições em 19 unidades

federativas.

Segundo Milesi e Cabrera (2010), as instituições participantes têm autonomia

e formas de atuação diferenciadas. Entretanto, estão unidas no propósito da defesa

dos direitos humanos, reassentamento, assistência e integração de refugiados, na

ação social e assistência jurídica aos migrantes, na incidência político-social e na

demanda de políticas públicas a favor desta causa. As principais áreas de ação da

Rede são:

Observar periodicamente as regiões de fronteira para identificar pessoas que requerem proteção internacional e para prevenir devoluções;

Submeter os casos identificados para as autoridades nacionais competentes e para o ACNUR, a fim de garantir acesso ao processo de determinação da condição de refugiado;

Fornecer aconselhamento e apoio legal às pessoas que necessitam de proteção internacional;

Garantir tratamento humanitário pelas autoridades nacionais, incluindo assistência de emergência, aos grupos de pessoas que chegam às fronteiras do País em busca de proteção;

Contribuir na preparação para emergências e na elaboração de planos de contenção em casos de fluxos massivos de pessoas;

Fortalecer o intercâmbio de informações com ONG’s nacionais e internacionais e outros setores da sociedade civil;

Promover a adoção de regulamentos e políticas nacionais condizentes com as regras e princípios internacionais relativos ao asilo e aos direitos humanos, levando em consideração as diferentes necessidades de homens, mulheres e crianças;

Fortalecer institucionalmente ONG’s e outros setores da sociedade civil na proteção e assistência de solicitantes de asilo. Isto inclui o treinamento de ONG’s, oficiais do governo e outros setores relevantes envolvidos;

Apoiar soluções para os casos de refúgio que têm caráter duradouro e uma perspectiva de gênero, particularmente através da integração local;

Sensibilizar a opinião pública sobre os problemas que os refugiados enfrentam;

Disseminar informações sobre as Legislações Internacionais e Nacionais de Refúgio a fim de alcançar setores mais amplos da sociedade.

111

Desta forma, a atuação da Rede Solidária teve primordial importância para

evitar maior degradação dos haitianos que adentravam o território brasileiro.

Prestando assistência em vários municípios brasileiros, além daqueles de entrada,

os haitianos receberam abrigo, alimentação, orientações sobre a política migratória

brasileira, mercado e legislação trabalhista, dentre outros. Como apresentado no

Mapa 13, algumas instituições foram muito solicitadas e chegaram a atender

dezenas de centenas de haitianos.

Aos haitianos que buscam o visto na embaixada brasileira no Haiti são

repassadas informações sobre a REDE e seus serviços. Assim, ao chegarem ao

Brasil já sabem onde procurar auxílio.

112

Mapa 12 - Instituições da Rede Solidária para Migrantes e Refugiados no Brasil (articulada pelo Instituto Migrações e Direitos Humanos – IMDH), por município

– 2012.

Fonte: Elaborado pela autora

113

Mapa 13 - Número de haitianos atendidos pelas Instituições da Rede Solidária para Migrantes e Refugiados no Brasil – por município (2010 – 1º semestre de

2012)

Fonte: Elaborado pela autora

114

5.5 A inserção dos haitianos no mercado de trabalho

De janeiro de 2010 a 31 de maio de 2012, o MTE concedeu 5.398 Carteiras

de Trabalho e Previdência Social (CTPS) a haitianos, sendo 5.176 somente nas

Superintendências do Acre e Amazonas (MTE, 2012). A emissão deste documento é

de fundamental importância para que se evite a exploração da mão de obra dos

imigrantes e a submissão destes a trabalhos degradantes ou análogos a escravidão,

visto que tem os mesmos direitos, deveres e benefícios trabalhistas que qualquer

cidadão brasileiro e assim podem acionar a justiça, caso necessitem.

Embora 95% das CTPS tenham sido emitidas no Acre e Amazonas, houve

uma diluição dos trabalhadores haitianos pelo território brasileiro, conforme

demonstram os Mapas 14 e 15 sobre as contratações nas unidades federativas.

Observa-se que é grande o número de haitianos que ingressou no mercado

de trabalho das regiões Sudeste e Sul, além do fluxo “tradicional” na Norte. O saldo

de contratações, de 2010 a julho de 2012, indica o Paraná (427), Amazonas (422),

São Paulo (361), Rondônia (345) e Rio Grande do Sul (298) como estados que

apresentaram maior contingente contratado. Quanto às regiões, o saldo das

contratações indicam 39% na região Sul, 31% na Norte e 24% na Sudeste.

De forma geral, estes imigrantes executam atividades que não exigem grande

qualificação e que não demandam o domínio imediato do português. A atividade

econômica que mais tem empregado é a construção, cujas ocupações principais são

de servente de obras e pedreiro. Destacam-se ainda empregos em atividades como

o abate de aves, locação de mão de obra temporária, transporte rodoviário de carga

e comércio varejista34.

34

Os dados do MTE indicam que os haitianos empregados no Brasil, de janeiro a maio de 2012, foram contratados para as seguintes ocupações: abatedor, ajudante de motorista, alimentador de linha de produção, almoxarife, auxiliar nos serviços de alimentação, carregador (armazém e veículos de transportes terrestres), coletor de lixo domiciliar, faxineiro, pedreiro, repositor de mercadorias, servente de obras, técnico em plástico, trabalhador na elaboração de concreto armado, zelador de edifícios, instalador de redes telefônicas, trabalhador da avicultura de postura.

115

Mapa 14 - Contratações e Saldo de Contratações de Haitianos no Brasil, 2010 - 2012

Fonte: Elaborado pela autora

116

Mapa 15 - Contratações e Saldo de Contratações de Haitianos no Brasil, 2010 - 2012

Fonte: Elaborado pela autora

117

Os dados do MTE ainda permitem verificar que, num universo de 5.398

imigrantes, 83% são do sexo masculino e que 87,5% destes possuem idade entre 21

a 40 anos, conforme demonstra a pirâmide etária (Gráfico 6).

Gráfico 6 - Pirâmide Etária dos Imigrantes Haitianos, 2010-2012

_ Fonte: MTE, 2012

O nível de escolaridade deste grupo é similar à amostra do CNIg. Conforme

apresenta a Tabela 11, o total de 8% dos imigrantes declarou ter frequentado o

Ensino Superior, 28% concluiu o Ensino Médio e 67% completou o Ensino

Fundamental.

Tabela 11 - Nível de Escolaridade dos Imigrantes Haitianos

Nº abs. %

Ensino Fundamental Incompleto 1713 32

Ensino Fundamental Completo 549 10

Ensino Médio Incompleto 1541 29

Ensino Médio completo 1086 20

Ensino Superior Incompleto 229 4

Ensino Superior Completo 208 4

Outros 72 1

Total 5398 100

Fonte: MTE, 2012

2.500 2.000 1.500 1.000 500 0 500 1.000

0-20

21-30

31-40

41-50

51-60

Homens Mulheres

118

Segundo Giffoni (2012), empresas de vários estados foram ao Acre e

Rondônia para recrutar trabalhadores haitianos. A grande procura levou a Secretaria

de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) do Acre a criar um cadastro de

empresas interessadas na mão de obra imigrante. Esta secretaria exige que as

empresas apresentem as condições de trabalho oferecidas e faz uma avaliação

sobre a compatibilidade do perfil dos trabalhadores com as vagas. Os empregadores

dirigem-se ao Acre e entram em contato direto com os imigrantes, esclarecendo

pontos como o tipo trabalho, salários, condições de habitação; também

providenciam o envio de passagens e conduzem os haitianos até o local de trabalho.

A Sejudh notifica o MTE sobre as contratações realizadas e, muitas vezes, os

próprios estados buscam informações sobre estas contratações e empresas para

verificar se não há exploração dos trabalhadores nos locais de destino.

Em Manaus, a Pastoral do Imigrante buscou orientar os haitianos sobre o

mercado de trabalho, direitos e deveres.

Um destaque todo especial merece a questão da inserção no mundo do trabalho. Os meios de comunicação, jornais, rádios, televisão estiveram muito presentes todos os dias. Foi feitos (sic) apelos aos empregadores pequenas e grandes. A resposta foi muito grande. Acho que só num dia apareceram uns 20 empregadores, desde empresas maiores como familiares. A construção civil é a que mais está empregando. Cuidamos para não entregar os imigrantes nas mãos de exploradores. Há muitos pedidos de domésticas, caseiros, zeladores de sítios e de chácaras, criação de animais, pisciculturas, hortas… Evitamos por enquanto de empregar pessoas distantes da cidade e em lugares isolados (COSTA, 2011).

A contratação de trabalhadores haitianos em Manaus se dá através dos

Padres Scalabrinianos e voluntários da Pastoral do Imigrante. As empresas entram

em contato com um membro da Pastoral, apresentam o tipo de ocupação, salário,

benefícios, número e sexo dos trabalhadores que pretendem recrutar.

Posteriormente, os empregadores dirigem-se até Manaus para entrevistar e

selecionar os candidatos, além de esclarecerem informações (WELTER, s/d)

Welter salienta que os empregadores também assumem a responsabilidade

junto a Polícia Federal de mudar o endereço dos haitianos para o novo endereço de

residência na cidade onde vão trabalhar - ponto importante para a regularização

definitiva - como também garantem proporcionar o tempo aos imigrantes para tratar

da sua documentação, e igualmente auxilia-los no encaminhamento para a Fixação

de Residência Permanente no Brasil.

119

A maioria das empresas que contratam os haitianos busca oferecer

alojamento, aulas de português e algum treinamento.

Embora sejam muito embrionárias as informações sobre a inserção dos

haitianos no mercado de trabalho, este panorama refuta a visão, muitas vezes

xenófoba, de que estes imigrantes vêm ocupar postos de trabalho que deveriam ser

de brasileiros. É inegável a carência de mão de obra que o Brasil apresenta, seja ela

qualificada ou não, além disso, é preciso pensar o importante papel que estas

pessoas vêm realizar num país de economia crescente, cuja tendência nas próximas

décadas é o declínio da taxa de natalidade e aumento da população idosa.

120

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A diáspora haitiana tem origens em décadas distantes da atual. O Haiti

revela-se como um “microcosmo de todos os males da sociedade”, uma vez que no

ventre dessa nação parecem endêmicas a violência armada, o desemprego, o

analfabetismo, a corrupção, a subnutrição, a mortalidade infantil, a privação dos

serviços públicos, dentre outros. Corroborando com este cenário, um quadro físico

que, aliado ao uso incorreto do solo, agrava a questão social pelo esgotamento da

cobertura vegetal, erosão e exaustão pedológica, além de estar numa zona

favorável a catástrofes naturais como os terremotos e tempestades tropicais.

Assim, no âmbito deste estudo, configurou-se o Haiti, como uma anomalia

geográfico-histórica cuja população movimenta-se ao exterior, a procura de

melhores condições de vida.

A partir do terremoto de grande magnitude, registrado em 12 de janeiro de

2010, o Brasil entrou na rota da diáspora haitiana. Embora seja um número

relativamente pequeno, totalizando aproximadamente 6000 pessoas em meados de

2012, quando comparado ao contingente populacional brasileiro e a outros fluxos

que ingressaram no país, a maneira como a entrada ocorreu na forma e dimensão

têmporo-espacial exigiu das autoridades brasileiras um posicionamento emergencial.

Porém, refuta-se o uso de expressões “onda migratória”, “avalanche migratória”,

“invasão haitiana” tão disseminadas ao tratar a temática, visto que, o impacto

quantitativo da presença haitiana em terras brasileiras é diminuta, em termos

proporcionais.

A entrada de haitianos no território brasileiro se deu através dos países da

Amazônia Legal, com ingresso principalmente nos municípios fronteiriços Brasiléia

(AC) e Tabatinga (AM). Ao adentrar o território, os imigrantes dirigiam-se ao posto da

Polícia Federal e requeriam o refúgio. Como o Brasil não acata juridicamente o

“refúgio motivado por catástrofes ambientais”, os haitianos tiveram suas solicitações

indeferidas. Entretanto, com vistas à observância dos direitos humanos, o governo

brasileiro concedeu o visto humanitário a eles. Posteriormente, passou a exigir o

visto aos nacionais do Haiti, como condição de ingresso no território.

Verifica-se a necessidade do Brasil, que ora ostenta o título de sexta

economia do mundo, preparar-se para sustentar este título no que ser refere às

121

migrações. Com o aumento da projeção internacional, o país torna-se cobiçado para

aqueles que tencionam migrar, bem como para refugiados e deslocados ambientais.

Apesar de muitas críticas às exigências da retirada do visto em Porto Príncipe

e da limitação destes a 1.200 por ano, percebe-se o impacto inibidor que tal política

impõe ao círculo migratório que beneficia os coiotes e sujeita sobremaneira os

haitianos à exploração e maus tratos. Busca-se assim evitar situações de extrema

degradação humana já vivenciados pelos brasileiros em terras longínquas, evitando

que se faça o mesmo com os estrangeiros, ao ingressarem no Brasil.

O perfil dos imigrantes haitianos mostra particularidades que os colocam, em

termos de instrução e atividade laboral, acima da média da população do Haiti. Tal

fato pode indicar que a migração estaria contribuindo para reduzir no país o número

de pessoas que, pelo tipo de habilitação e qualificação, seria de grande importância

na reconstrução do país. Por outro lado, sabe-se da importância que as remessas

têm para os que ficaram no país de origem, visto que as condições de sobrevivência

e emprego são precárias e que os recursos da cooperação internacional quase

sempre não são alocados adequadamente, seja por corrupção ou trabalhos muito

específicos das ONGs.

A “recepção” dispensada aos imigrantes em território brasileiro, também

constitui uma forma importante de ajudar o Haiti no seu processo de reconstrução,

visto que, efetivamente, as remessas chegam até as famílias, minimizando a

situação de pobreza e miséria em que estas se encontram.

É importante ressaltar o desempenho que a sociedade civil teve no

acolhimento e promoção de condições mínimas de sobrevivência dos haitianos no

território brasileiro, especialmente a Rede Solidária para Migrantes e Refugiados,

que apresentou uma articulação impressionante para evitar maiores sofrimentos a

estes. Acredita-se que sem a atuação desta instituição, muitos haitianos poderiam

submeter-se a atividades ilícitas para garantir a sobrevivência no país e assim

alavancar o sentimento de xenofobia em relação a esta nacionalidade. De outra

forma, muitos também estariam vulneráveis a situações laborais degradantes e/ou

análogas a escravidão.

Embora esta pesquisa seja calcada em eventos muito recentes sobre a

migração haitiana para o Brasil, acredita-se que foi possível agrupar um importante

número de informações sobre a mesma, permitindo uma visão holística deste

processo.

122

O ineditismo da pesquisa, somado à dificuldade de obtenção de informações

precisas sobre o Haiti, à escassez de fontes acadêmicas sobre este novo fluxo, bem

como o fato de grande parte da literatura disponível sobre a diáspora haitiana

encontrar-se nos idiomas inglês e francês, demandando mais cuidado com a leitura,

tradução e redação de termos não usuais em língua portuguesa, impuseram-se

como elementos dificultadores para construção do trabalho. Aliado a estes

pormenores, o tempo institucional limitado, mediante um processo dinâmico e

mutante, apresentou-se também, como ente limitante.

Impôs-se também como desafio, a necessidade de ponderação sobre o que

constituía sensacionalismo ou veracidade veiculada pela imprensa nacional ao

abordar o tema. Assinala-se, portanto, a necessidade de estudos mais

aprofundados sobre a integração dos haitianos na sociedade brasileira, a inserção

destes no mercado de trabalho e a continuidade ou não deste fluxo, bem como a da

perpetuação das redes de coiotes na porosa fronteira brasileira. Também é

instigante e digna de nota, a importância e dimensão da Rede Solidária para

Migrantes e Refugiados. Suas ações em um país de dimensões continentais, bem

como o trabalho desenvolvido, junto não somente aos haitianos, mas imigrantes de

origem diversas, faz merecer uma análise mais minuciosa e científica acerca do seu

papel social.

Acredita-se também que seja possível, em algum momento, acessar a

totalidade do universo amostral ou população deste estudo, a partir das instituições

governamentais que tratam a temática haitiana. Deste modo, o perfil construído

teria bases mais sólidas, verificaria a suficiência amostral deste estudo, além de

permitir novas conclusões mediante outras informações disponibilizadas.

Por fim, observa-se a necessidade cada vez maior do Brasil em tratar as

migrações vinculadas aos direitos humanos e não ao direito penal. O país, que tem

se projetado mundialmente em outras esferas, precisa repensar como tratará a

questão migratória a nível mundial, incluindo-se aí aquela motivada por catástrofes

ambientais.

123

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129

ANEXOS

ANEXO A

Resolução Normativa Nº 002,

De 27 de outubro de 1998 (*)

Adota o modelo de questionário para a solicitação de refúgio.

O COMITÊ NACIONAL PARA OS REFUGIADOS – CONARE, instituído pela Lei n o 9.474, de 22 de julho de 1997, no uso de suas atribuições, objetivando implementar o disposto no artigo 19 do referido diploma legal, RESOLVE:

Artigo 1 o Adotar o modelo de formulário de solicitação do reconhecimento da condição de refugiado constante do Anexo I desta Resolução.

Artigo 2º O referido questionário será preenchido pelo solicitante de refúgio na sede da respectiva Cáritas Arquidiocesana, e posteriormente encaminhado à Coordenadoria-Geral do CONARE para os procedimentos pertinentes.

Parágrafo único. Nas circunscrições onde não houver sede da Cáritas Arquidiocesana, o preenchimento deverá ser feito no Departamento de Polícia Federal e encaminhado juntamente com o termo de Declarações de que trata a Resolução Normativa nº 1, de 27 de outubro de 1998.

Artigo 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Artigo 4º Revogam-se as disposições em contrário.

(*) Republicada de acordo com o Artigo 1º da Resolução Normativa Nº 09/2002.

Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto

Presidente do CONARE

130

QUESTIONÁRIO PARA SOLICITAÇÃO DE REFÚGIO

I – IDENTIFICAÇÃO

Nome completo:.............................................................................................................

Sexo: masculino ( ) feminino ( )

Estado civil: ...................................................................................................................

Nome do pai ..................................................................................................................

Nome da mãe: ...............................................................................................................

País de origem / nacionalidade: ....................................................................................

Data de nascimento: ......................................................................................................

Ocupação: .....................................................................................................................

Profissão: .......................................................................................................................

Escolaridade: .................................................................................................................

Endereço em seu país de origem:..................................................................................

Endereço atual: .............................................................................................................

Documentos de viagem ou Identificação (anexar cópia do documento e dados pertinentes. Se isto não for possível indicar a razão no verso).

Passaporte nº:.................................................Cart. de Identidade nº............................

Outros: ...........................................................................................................................

Grupo familiar que o(a) acompanha no Brasil (esposo(a), filhos(as), pais e outros) :

Nome completo: ............................................................................................................

Data de nascimento: ......................................................................................................

Relação de parentesco: .................................................................................................

Escolaridade: .................................................................................................................

131

Familiares que permaneceram no país de origem (esposo(a), filhos(as), pais e outros) :

Nome completo: ..............................................................................................................................

Filiação: ............................................................................................................................

Data de nascimento: ............................................................................................................................

Relação de parentesco: ............................................................................................................................

Escolaridade: ............................................................................................................................

II-CIRCUNSTÂNCIAS DE SOLICITAÇÃO

01. Cidade e data de saída do país de origem:

Meio de transporte: aéreo ( ) marítimo ( ) terrestre ( )

02. Com quais documentos saiu de seu país de origem? Especifique-os.

........................................................................................................................................

03. Indique os lugares onde fez escalas antes de sua chegada ao Brasil. Especifique o período de permanência em cada localidade. ........................................................................................................................................

04. Cidade e data de chegada ao Brasil

Forma de ingresso: Legal ( ) Ilegal ( )

05. Já solicitou refúgio no Brasil ou em outro país?

Sim ( ) Não ( )

06. Já foi reconhecido(a) como refugiado(a) no Brasil ou em outro país?

Sim ( ) Não ( )

07. Já esteve sob a proteção ou assistência de algum organismo internacional?

Sim ( ) Não ( )

Em caso afirmativo, indicar:

132

Data: ......./......./..........

País(es): ........................................................................................................................

Organismo internacional:................................................................................................

Detalhar as razões (anexar cópias dos documentos): ............................................................................................................................ ............................................................................................................................

08. Você ou algum membro de sua família ou pertenceu a alguma organização ou grupo político, religioso, militar, étnico ou social em seu país de origem?

Sim ( ) Não ( )

Em caso afirmativo, esclarecer:

(a) participação: Pessoal ( ) membro da família ( )

(grau de parentesco)

(b) indicar a organização :.......................................................................................

(c) descrever quais as atividades desempenhadas por você ou por membro de sua família na organização acima citada, especificando o período correspondente.

09. Esteve envolvido(a) em incidente que resultaram em violência física? Em caso afirmativo, descrever a espécie do incidente e a forma de sua participação:

10. Alguma vez foi detido(a) ou preso(a)?

Sim ( ) Não ( )

Em caso afirmativo, indique o(s) motivo(s), a(s) data(s) e o lugar(es) onde tal fato ocorreu:

............................................................................................................................

11. Deseja voltar a seu país de origem?

Sim ( ) Não ( )

Em caso negativo, indique as razões:

• as autoridades de seu país de origem permitiriam o seu ingresso? Por quê?

Sim ( ) Não ( )

• o que aconteceria se regressasse a seu país de origem?

133

• Teme sofrer alguma ameaça a sua integridade física caso regresse?

Sim ( ) Não ( )

Em caso afirmativo, indique as razões: ............................................................................................................................

12. Por que saiu de seu país de origem?

Dê explicações detalhadas, descrevendo também qualquer acontecimento ou experiência pessoal especial ou as medidas adotadas contra você ou membros de sua família que o(a) levaram a abandonar seu país de origem. (se possuir prova, favor anexá-la. Se necessitar de mais espaço, utilize o verso e outras folhas).

........................................................................................................................................

........................................................................................................................................

........................................................................................................................................

........................................................................................................................................

Declaro formalmente que as informações por mim emitidas

são completas e verídicas.

134

ANEXO B: Número de pessoas amparadas pela ACNUR em 2011, por sub-região

Subregião

Refugiados Requer-

rentes

Refúgio

Total de

refugiados

Assistidos

pelo

ACNUR

Requerentes

de Asilo

Repatri-

ados

Deslocados Internos

Protegidos/assistidos

pelo ACNUR

Deslocados

Internos

retornados

Outras

pessoas

Vários Total população

auxiliada

África Central e

Grandes Lagos 628.360 - 628.360 552.350 27.790 32.450 2.071.080 460.750 1.060 162.260 3.383.750

Leste e Chifre da

África 1.206.800 34.300 1.241.100 1.152.990 80.930 7.540 3.644.480 495.990 20.000 10 5.490.050

África Ocidental 168.330 10 168.330 158.370 8.910 1.380 514.520 22.630 - 1.850 717.620

Sul da África 146.160 146.160 34.350 193.630 700 - - - - 340.490

Norte da África 103.670 26.000 129.670 93.420 4.040 1.390 - - - - 135.100

Oriente Médio 1.786.050 25.280 1.811.320 359.570 35.080 28.910 1.564.560 389.480 584.270 - 4.413.620

Sudoeste

Ásiático 2.974.030 6.390 2.980.420 2.980.420 3.900 118.060 1.303.940 1.190.260 - 838.250 6.434.830

Ásia Central 4.730 5.640 10.370 4.040 2.520 - 80.000 200.000 51.420 - 344.310

Sul da Ásia 272.560 2.290 274.850 87.560 4.820 5.060 273.770 161.130 800.000 570 1.520.200

Sudeste Asiático 209.700 200.870 410.560 208.460 23.790 - 201.520 - 1.411.090 80.070 2.127.030

Leste da Ásia e

do Pacífico 332.910 5.000 337.910 3.610 8.390 - - - 1.840 - 348.140

Europa Oriental 24.040 500 24.540 21.460 11.390 300 1.027.950 760 104.810 82.830 1.252.580

Sudeste da

Europa 98.810 510 99.320 93.680 610 1.780 343.930 2.240 18.120 73.470 539.470

Europa Central 30.740 30.740 270 5.750 - - - 6.150 42.640

135

Subregião

Refugiados Reque-

rentes d

Refúgio

Total de

refugiados

Assistidos

pelo

ACNUR

Requerentes

de Asilo

Repatri-

ados

Deslocados Internos

Protegidos/assistidos

pelo ACNUR

Deslocados

Internos

retornados

Outras

pessoas

Vários Total população

auxiliada

Norte, Oeste e

Sul da Europa 1.452.030 1.452.030 80 297.240 - - - 464.310 16.280 2.229.860

América do

Norte e Caribe 430.950 10 430.950 340 59.250 - - - - - 490.200

América Latina 82.560 290.480 373.040 98.170 69.440 60 3.672.050 - 20 - 4.114.610

Total 9.952.430 597.280 10.549.67

0 5.849.140 837.480 197.630 14.697.800 2.923.240 3.463.090 1.255.590 33.924.500

Fonte: UNHCR, 2011. Traduzido pela autora.

136

ANEXO C