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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Carlos José Fávaro Carrasco O pensamento socrático: a busca da verdade e sua influência na investigação policial MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Carlos José Fávaro Carrasco

O pensamento socrático: a busca da verdade e sua influência na investigação policial

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Carlos José Fávaro Carrasco

O pensamento socrático: a busca da verdade e sua influência na investigação policial

MESTRADO EM DIREITO Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito (Filosofia do Direito), sob a orientação da Profa. Doutora Márcia Cristina de Souza Alvim.

SÃO PAULO

2013

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Banca Examinadora

_________________________________

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela vida, pela minha família, por ter restaurado minhas forças e me

concedido o equilíbrio necessário no momento em que mais precisei.

Aos meus pais, Cristina e Jorge, e aos meus avós e bisavós, por terem me

proporcionado uma educação primorosa e um amor incondicional, e pela

participação de todos em minha vida.

À minha orientadora, Márcia Cristina de Souza Alvim, aos meus professores

e outros profissionais da PUC, que demonstraram, no transcorrer do mestrado,

intensa dedicação, paciência, inteligência na transmissão de seus vastos

conhecimentos e, principalmente, pela confiança em mim depositada.

Muito obrigado!

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CARRASCO, Carlos José Fávaro. O pensamento socrático: a busca da verdade e sua influência na investigação policial. São Paulo, 2013. 78 f. Dissertação de Mestrado ‒ Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

RESUMO A presente dissertação explicita, em síntese, o pensamento socrático deixado como legado ao mundo pelo grande filósofo Sócrates (Atenas, 470 ou 469 a.C. – 399 a.C.), o qual, ao longo de sua vida, sacrificou suas ambições pessoais pelo interesse de seus concidadãos. “Conhece-te a ti mesmo” e “Somente sei que nada sei” demonstram seu anseio incansável pela sabedoria que, para ele, era a maior virtude e, ser justo, a maior felicidade. A leitura do presente trabalho nos faz refletir acerca de seu método próprio na busca da verdade/conhecimento. Veremos sua influência nas metodologias de investigação policial atuais, respeitando-se as peculiaridades cabíveis a cada caso e as modalidades de infração penal, no que tange à relevância do trabalho da Polícia Judiciária para a identificação de autoria, condições do crime, bem como da sua motivação, a fim de possibilitar a condenação dos infratores. Palavras-chave: Sócrates, pensamento socrático, verdade, investigação policial.

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CARRASCO, Carlos José Fávaro. The Socratic thought: the search for truth and its influence in the police investigation. São Paulo, 2013. 78 f. Master’s Dissertation ‒ Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

ABSTRACT

This essay explains, in short, the Socratic thought left as a legacy to the world by the great philosopher Socrates (Athens, 470 or 469 BC - 399 BC), who, throughout his life, sacrificed his personal ambitions for the sake of their fellow citizens. “Know thyself” and “I just know that I know nothing” demonstrate his relentless yearning for wisdom, the greatest virtue, and being fair, the greatest happiness. This work makes us reflect about his own method in the search for truth/knowledge. We will see his influence in current police investigation methodologies, regarding the peculiarities applicable to each case and the terms of a criminal offense, in relation to the relevance of the work of the Judicial Police to identify authorship, circumstances of the crime, as well as its motivation, in order to enable the prosecution of the offenders. Keywords: Socrates, Socratic thought, truth, police investigation.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária

BO Boletim de Ocorrência

CD Compact Disc

CEPOL Centro de Operações da Polícia Civil

CET Companhia de Engenharia de Tráfego

CFTV Circuito Fechado de TV

CNPJ Cadastro de Pessoas Jurídicas

COAF Conselho de Controle de Atividades Financeiras

CP Código Penal

CPB Código Penal Brasileiro

CPF Cadastro de Pessoas Físicas

CPP Código de Processo Penal

CTB Código de Trânsito Brasileiro

CTN Código Tributário Nacional

DEIC Diretoria Estadual de Investigações Criminais

DETRAN Departamento Estadual de Trânsito

DGP Delegacia Geral de Polícia

DHPP Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa

DIPOL Departamento de Inteligencia Policial

DISCCPAT Divisão de Investigação de Crimes Contra Patrimônio do DEIC

DOE Diário Oficial do Estado

EUA Estados Unidos da América

FATF Financial Action Task Force

FBI Federal Bureau of Investigation

GAFI Grupo de Ação Financeira

GEACRIM Grupo Especial de Atendimento a Local de Crimes

GTI Grupo de Geotecnologia da Informação

IC-Sangue Instituto de Criminalística-Sangue

IIRGD Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt

IML Instituto Médico Legal

ONU Organização das Nações Unidas

RDO Registro Digital de Ocorrência

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RG Carteira de Identidade (Registro Geral)

RENACH Registro Nacional de Carteiras de Habilitação

RENAVAM Registro Nacional de Veículos Automotores

SAP Secretaria de Assuntos Penitenciários

SINARM Sistema Nacional de Armas

SISNAD Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas

SSP Secretaria de Segurança Pública

STF Supremo Tribunal Federal

SUS/MS Sistema Único de Saúde/Ministério da Saúde

TC Termo Circunstanciado

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 9

2 O PENSAMENTO SOCRÁTICO......................................................................... 10

2.1 Os Quatro Sócrates .......................................................................................... 11

2.2 Apologia de Sócrates ....................................................................................... 13

2.3 O Método Socrático .......................................................................................... 14

2.4 A Ironia Socrática.............................................................................................. 15

2.5 Os Discursos Indutivos de Sócrates ............................................................... 16

2.6 A Verdade em Sócrates .................................................................................... 17

2.7 Sociedade após Sócrates ................................................................................. 19

3 A POLÍCIA CIVIL ................................................................................................ 21

3.1 Poder de Polícia ................................................................................................ 23

4 INVESTIGAÇÃO POLICIAL GERAL.................................................................. 29

4.1 Modernidade e Metrópole ................................................................................. 32

4.2 Locais de Crime ................................................................................................ 32

4.3 Rapidez Persecutória ........................................................................................ 37

4.4 Laudo ................................................................................................................. 37

4.5 Indícios e Álibi ................................................................................................... 37

4.6 A Relevância das Informações de Vítimas e Testemunhas .......................... 38

4.7 Homicídio ........................................................................................................... 40

4.8 Informações Criminais ..................................................................................... 44

5 INVESTIGAÇÃO POLICIAL NOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO ............ 49

5.1 Roubos a Condomínios .................................................................................... 49

5.2 Edifícios e Condomínios .................................................................................. 50

5.3 Receptação dos Produtos do Crime ............................................................... 59

5.4 Combate ao Crime Organizado e à Lavagem de Dinheiro ............................. 60

6 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 73

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 75

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1 INTRODUÇÃO

A presente dissertação, dividida em duas partes distintas, tem por finalidade

demonstrar a importância da investigação policial, uma das principais atividades da

Polícia Judiciária, como forma de buscar a tão sonhada paz social, incluindo a

sensação de segurança, uma vez que desvendadas a autoria, a materialidade e a

motivação das infrações penais, o Estado tem condições de aplicar a legislação

vigente e, desta forma, alcançar a justiça aclamada pela sociedade. Pretendemos

também abordar de que forma o pensamento socrático, ou seja, o legado deixado

por Sócrates (Atenas, 470 ou 469 a.C. ‒ 399 a.C.) está relacionado direta e

indiretamente a este contexto de busca pela verdade.

Investigações bem feitas e a descoberta da verdade coíbem novas práticas

delituosas, na medida em que garantem a diminuição da impunidade, o que permite

que os cidadãos usufruam suas vidas, conquistas e desafios com segurança, sem

interrupções de sonhos individuais e/ou planos familiares, sendo esse o objetivo

maior das políticas de segurança pública.

A verdade em Sócrates e sua influência na metodologia das investigações

policiais, por si só, não garantem o êxito. Entretanto, veremos que se todos os meios

legais, de campo ou tecnológicos, forem usados de forma correta e atrelados à ação

responsável, ao comprometimento individual e em conjunto pelos integrantes da

Polícia Civil, com humildade, sem excesso de confiança no conhecimento e nas

técnicas, nem tampouco subestimando o mundo do crime, estarão garantidas as

chances de sucesso na solução de boa parte dos problemas públicos ligados

diretamente à área da segurança pública. Esta é um verdadeiro calcanhar de

Aquiles em qualquer mandato eletivo, assim como em outras áreas de atuação do

Estado onde o exercício do Poder de Polícia é aplicado com maior frequência,

regulando a vida em sociedade.

A preocupação com a consecução do bem comum é geral, mas somente

algumas pessoas têm o poder para fazer acontecer. Nisso é o que a vida de

Sócrates, grande filósofo, nos faz refletir.

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2 O PENSAMENTO SOCRÁTICO

Sócrates (Atenas, 470 ou 469 a.C. – 399 a.C.), fruto da união entre o escultor

Sofronisco e a parteira Fainareté, teria adquirido algum conhecimento em escultura,

bem como estudado astronomia e geometria com o pitagórico Arquelau; casou-se

com Xantipa, com quem teve três filhos. Desprezava valores materiais e abdicou de

suas ambições individuais, sacrificando-as e procurando viver voltado aos interesses

de seus concidadãos atenienses. Ele acreditava que, desta forma, estaria mais

próximo do divino.

Era um filósofo ambulante que discutia qualquer assunto na praça e no

mercado. Porém, visto que o povo local dava importância à beleza das formas,

Sócrates era hostilizado com frequência, em razão da sua vida módica e,

consequentemente, pelos seus trajes simplórios, mas, principalmente, em razão da

segurança em suas afirmações. Todavia, mesmo quando agredido fisicamente com

um pontapé, não reagiu, por entender que tal atitude era comparada aos coices de

um asno. Sendo assim, como bom orador que era, aos presentes indagou,

justificando sua conduta, levaria um asno aos tribunais se dele recebesse coices?1

Considerado pelo oráculo de Delfos como o mais sábio dos homens, procurou

investigar dentre os considerados sábios (políticos, poetas e artífices) o significado

dessa afirmação divina, chegando à conclusão de que realmente ele era o mais

sábio dos homens por ter consciência da sua ignorância (“Só sei que nada sei”), pois

os outros presumiam ter sabedoria, se julgavam sábios. Aliás, esse era o grande mal

dos atenienses, os quais, à época, possuíam opinião sobre todas as coisas sem

nada saber, falavam sobre tudo, inclusive de coisas que pouco conheciam ou nada

sabiam, sem amar a verdade.

Foi soldado de Atenas e não se dedicou à vida política por entender que

longe das incumbências públicas seria mais útil. Porém, como um dos delegados

que como prítanes compunham o Conselho dos 500 em assembleia, participou do

julgamento de seis generais, ocorrido após a batalha de Arginos. Sócrates pleiteava

que cada general tivesse um julgamento individual e negou-se a participar da

1OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Filosofia na antiguidade: Sócrates e Platão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

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votação em bloco sem analisar individualmente o comportamento dos réus, mas foi

voto vencido e foram todos condenados em julgamento coletivo.2

Considerava a sabedoria o maior bem e, ser justo, a maior felicidade, sendo

então, portanto, a maior virtude o conhecimento do bem e sua prática, entendendo

que um homem com esse valor serviria de exemplo para todos. Seguia seu deus

interior, sempre na busca da verdade (procura natural da verdade).

Quanto às tradições, asseverou que teriam sentido apenas se pudessem ser

avaliadas pelo seu significado, sendo preciso desconfiar dos hábitos.

Durante o Governo dos Trinta Tiranos, recusou-se a cumprir uma ordem de

prisão de um acusado, todavia nada sofreu, quiçá por sorte, em razão da queda

deste governo. Foi então restabelecida a democracia em Atenas, período em que foi

concedida anistia política a todos, sob a promessa do não derramamento de sangue

e com os indivíduos a serviço da tirania sendo exilados, cabendo aos cidadãos

atenienses se vigiarem para o cumprimento da lei.

Contrário a quaisquer tipos de injustiças, Sócrates as combatia com

veemência. Exigindo a pena de morte para ele, Meleto (recebendo apoio de Ânito na

acusação), acusou Sócrates de não acreditar nos deuses de Atenas, de pregar

novas crenças e desprezar tradições, de corromper a juventude, tendo seu nome

sido fixado no pórtico do Arconte. Dispensando o melhor dos oradores (Lísias), fez

sua autodefesa. Todavia, em tese, por ter desafiado a moral de seus julgadores com

seu método próprio e ironia peculiar, que inclusive devem ter lhe propiciado diversos

inimigos ao longo da vida, acabou condenado à morte (por cicuta), cuja sentença foi

executada algum tempo depois. Morreu, portanto, aos 70 anos de idade, vítima de

injustiças, intrigas e inveja de seus concidadãos.

2.1 Os Quatro Sócrates

Sócrates não deixou textos escritos. Foi retratado nas obras de Xenofonte,

seu contemporâneo no exército ateniense, de Platão, seu discípulo, bem como de

2WOLFF, Francis. Sócrates. São Paulo: Brasiliense, 1987.

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Aristófanes, e também de Aristóteles, que não chegou a conhecer Sócrates

pessoalmente, porque nasceu cerca de quinze anos após a morte dele.

Xenofonte, que não era filósofo, em Memorabilia (Memoráveis), Banquete,

Econômico e Apologia, descreveu Sócrates como sendo um cidadão leal à pátria e

aos amigos, cumpridor de seus deveres, justo, piedoso, crente nos deuses (no

sentido de tributar sacrifícios a eles), cuja virtude era a preocupação com a ética,

acreditando que toda a educação deveria ser política. Para ele, Sócrates não foi

irônico ao reconhecer sua ignorância; tinha o domínio de si mesmo em relação aos

prazeres da carne (enkrateia), resistência às dores físicas (karteria) e

autossuficiência (autarkeia).

Platão, que considerava a democracia a segunda pior forma de governo

depois da tirania, talvez em razão do tratamento dispensado a Sócrates, foi quem

mais utilizou a sabedoria socrática em seus diálogos (Apologia de Sócrates e Críton,

apologéticos; Lisis, aporético; Protágoras e Primeiro Livro da República, sofísticos;

Banquete e República, clássicos). Para Platão, utilizando o método rotulado como

maiêutica (método da mãe, que era parteira, e arrancava ideias, pensamentos,

informações, enfim, coisas de seus interlocutores e/ou ouvintes para combatê-las),

Sócrates teria sido o fundador da filosofia especulativa. Ao reconhecer sua

ignorância, estava sendo irônico/desconcertante. Era crítico dos políticos, tendo a

política como dever moral, tanto que, nesse sentido, Platão defendia que, enquanto

a política não fosse exercida por filósofos, iria de mal a pior; sua virtude era o

conhecimento, não existindo filosofia enquanto o espírito não se voltasse para si

mesmo.

Aristófanes, comediógrafo, em As Nuvens, por exemplo, ridiculariza Sócrates

como sendo um sofista que ilude as pessoas, inclusive fornecendo má orientação

aos jovens; enfatiza um ser grosseiro à procura de novas divindades.

Para Aristóteles, Sócrates foi o fundador da filosofia conceptual, pela

determinação dos conceitos universais (essência) e o método indutivo de

investigação. Na metafísica, reconheceu o mérito de Sócrates, no que tange a duas

descobertas: o discurso indutivo e a definição geral (ambas no ponto de partida da

ciência).

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2.2 Apologia de Sócrates

Essa obra, na qual Platão retrata os últimos dias de Sócrates, é na verdade

seu único monólogo, e contém a autodefesa do filósofo perante o Tribunal Julgador

de Atenas, que à época contava com 501 julgadores.

No Pórtico de Atenas, Meleto, contando com o apoio de Ânito e Lícon,

colocou uma acusação em desfavor de Sócrates, de que ele corrompia a juventude

e negava os deuses gregos (no sentido de não acreditar neles), os ridicularizando,

objetivando a mudança nas tradições e crenças da população à época.

Tendo dispensado Lísias, o mais preparado orador, Sócrates, aos setenta

anos, realizou a sua defesa, tendo inicialmente elogiado a acusação em razão da

persuasão dos seus colóquios; ato contínuo, pede que seus julgadores ajam com

justiça, ressaltando que essa é a grande virtude do juiz, asseverando que ele utiliza

somente a verdade e portanto são falsas todas as acusações postas em seu

desfavor. Após esse breve preâmbulo, examina a acusação de maneira

pormenorizada. Nega que tenha corrompido a juventude, pois não poderia uma só

pessoa corromper uma polis inteira, tendo em vista o avanço das gerações

presentes e, se de fato isso tivesse ocorrido, a sociedade estaria toda ela

corrompida, visto que ali estavam presentes diversas gerações presenciando seu

julgamento.

Com relação aos deuses, asseverou que apenas segue seu deus interior, na

busca da verdade e, nesse sentido, teria sido apontado pelo oráculo de Delfos como

o mais sábio dos homens e que, ao investigar tal palavra divina, chegou à conclusão

que realmente era o mais sábio dos homens, em razão de reconhecer a sua

ignorância, enquanto aqueles considerados sábios possuíam a presunção de ter

conhecimento. Inquirindo Meleto com relação aos deuses, teria afirmado ainda que

muitas coisas que eram imputadas em seu desfavor eram calúnias e malevolências

de outras pessoas e de fato estas poderiam ser a causa de sua condenação, mas

muitas das afirmações não eram suas e sim encontradas nos textos de Anaxágoras,

os quais podiam ser adquiridos em qualquer lugar.

Indagado se havia vergonha por estar no banco dos réus, respondeu

negativamente, em razão de não ter feito nada de errado e que vergonha seria o

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cometimento de uma injustiça. Defensor da justiça, confirmou sua ausência em

qualquer participação política, relembrando que quase foi morto por dizer a verdade

no episódio do julgamento dos seis generais, quando não aceitou julgá-los

coletivamente.

Platão, discípulo de Sócrates, tentou, sem êxito, realizar a defesa do seu

mestre, ficando inconformado com a condenação anunciada. É certo que o discurso

de Sócrates não lograva precipuamente a sua absolvição, mas tão somente fazer

com que todos pensassem no que de fato estava acontecendo, e deixando muito

claro que jamais renunciaria à filosofia, base de toda a sua vida e motivo pelo qual

renunciou a todos os bens materiais, riquezas possíveis e que certamente estariam

ao seu alcance, a fim de interagir e participar dos interesses de seus concidadãos.

Vale ressaltar que o método do diálogo socrático deve ter lhe angariado muitos

inimigos ao longo da vida, pois sua peculiar ironia fazia com que seus interlocutores,

na maioria das vezes, saíssem humilhados. Quiçá tenha sido condenado por ter

ferido a moral de seus julgadores, o que certamente fez com Meleto durante o

julgamento.

2.3 O Método Socrático

Regis Fernandes de Oliveira afirma que:

Como define Marilena Chauí, o sofista é “o mestre ou professor de uma arte ou técnica ou ofício que o exerce de maneira admirável. É um erudito – possui todos os conhecimentos úteis para ele ou para o objeto de seu ensinamento – e é um virtuoso – sabe escolher e apresentar os seus temas de maneira atraente”.

3

A sofística, arte de ensinar cujo objeto de maior persuasão é a retórica,

certamente influenciou o desenvolvimento das ideias de Sócrates e de Platão.

Todavia, Sócrates não se considerava um sofista, ao reconhecer a sua ignorância

relativa ao conhecimento, ao asseverar que não cobrava pelos ensinamentos, uma

vez que deles não dispunha e, principalmente, pelo fato de que ele, diferentemente

dos sofistas, realizava diálogos.

3CHAUÍ, apud OLIVEIRA, 2012, p. 24.

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Utilizava para isso a ironia, o raciocínio indutivo (investigação partindo de

casos particulares para o geral) e a ideia (no sentido de promover a reunião de

determinadas características de traços particulares sobre determinado tema,

formando uma noção geral), tudo em busca da verdade, em obediência a seu deus

interior. Esse é o entendimento de alguns autores, embora tal assertiva não seja

totalmente aceita, pois seria decorrente do cristianismo que veio a aparecer em

época posterior a Sócrates. Para outros autores, Sócrates desprezava os oráculos

da Grécia e seguia apenas o daimon (demônio ou oráculo interior), ao qual atribuía a

virtude da busca pela sabedoria/verdade.4

2.4 A Ironia Socrática

Um dom peculiar de Sócrates, citado por Platão e Aristóteles em algumas

obras, era sua ironia indicando vontade de mistificação, em oposição à bravata

(alazoneia), expressão de meia modéstia que é mais definida como um rebaixar-se e

que, como tal, forma o contraste mais agudo com a fanfarrice.

Esta característica que se ajusta perfeitamente com o refinamento do espírito ático e com a delicadeza das relações sociais era, em geral, estendida a Atenas e se sobressaiu particularmente em Sócrates. Este dom pessoal, seu cultivo como recurso bem-vindo da conversação e seu fomento, proveniente da situação peculiar do terreno escolhido pelo grande inovador para suas investigações, combinaram-se para criar a famosa ironia socrática, que não seria mais correto interpretar como mero mascaramento feito até a perfeição, do que tomá-la por expressão sincera e cabal de sua natureza.

5

Senhor de suas emoções na sustentação de colóquios, condição

indispensável para o exercício de sua vocação, Sócrates, conforme a ocasião e

onde estivesse, seja na praça, próximo do mercado ou em locais arborizados,

mantinha conversação com qualquer pessoa, de jovens a homens maduros, sobre

os mais variados assuntos. Ele começava invariavelmente pelos mais insignificantes

até que, de modo imperceptível e de certa forma espontâneo, ao menos sob a ótica

de seu interlocutor, passava às discussões de problemas importantes, atuais à

época, cuja forma artística (diálogo socrático, cultivado por seus discípulos) fez parte

e foi transmitida por quase todas as escolas filosóficas. Sócrates desejava que o

4WOLFF, 1987.

5GOMPERZ, Theodor. Os pensadores da Grécia: história da filosofia antiga. São Paulo: Ícone, 2013. Tomo II, p. 49.

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solicitassem; acredita-se que ele procurava não manifestar a sua superioridade

sobre os participantes nos diálogos, tendo em vista que, em seu tempo, a

investigação científica e exata das chamadas coisas humanas era algo novo.

Afirmava ainda ser um explorador que humildemente vivia em busca da verdade

sobre as coisas (verdade esta que iria além do conceito e definições acerca das

coisas investigadas), se esforçando nesse sentido, a fim de manter tal aparência.

Pode-se dizer que as pessoas atraídas por Sócrates acreditavam possuir

conhecimentos sólidos sobre as coisas e, ao final das conversações, geralmente

saíam com uma amarga lembrança do episódio. Era um sentimento de humilhação

levado para o lado pessoal, pois o grande filósofo tentava convencer a todos,

inclusive a ele próprio, da existência de enigmas não resolvidos relacionados aos

mais importantes problemas da vida. Assim procedia, demonstrando que as palavras

e os conceitos trazidos e usados por todos, como bagagem de vida, consistiam num

emaranhado de contradições e confusões. Por vezes, alguns assuntos levados à

baila, relacionados à justiça, à religião e seu deslinde, faziam com que Sócrates

parecesse uma espécie de subversor do sistema, principalmente quando o tema era

ligado à política. Isso acontecia pelo fato de que os atenienses acreditavam que,

nessa matéria, o conhecimento era natural de cada um, intrínseco, somente pelo

fato de viverem na polis e em sociedade.

2.5 Os Discursos Indutivos de Sócrates

Com relação aos discursos, pode-se dizer que estavam voltados à formação

de conceitos mediante indução, vocábulo com significado distinto da concepção

moderna. Trata-se de uma operação do espírito que consiste em tirar de certo

número de casos individuais uma regra geral, que se aplica a toda uma categoria de

fatos. Segundo Theodor Gomperz, a indução lícita mostra que todos os seres

humanos são mortais, e uma ilícita, mostra que mamíferos não põem ovos, mas que

são vivíparos. A indução socrática também segue a comparação de casos

individuais, sua finalidade é a averiguação de normas conceituais e não naturais.6

6GOMPERZ, 2013.

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Posto isto, conclui-se que tal orientação opera-se de duas maneiras: na

primeira, examina-se uma série de casos particulares, quiçá isolados, visando extrair

coisas comuns por meio da comparação, deduzindo-se então uma definição geral do

conceito (do particular para o geral). Na segunda maneira, partindo-se de definições

de conceitos, em tese preexistentes, é averiguado até que ponto estão apoiados em

peculiaridades comuns dos casos individuais, adequando caso a caso, ampliando ou

restringindo, para a definição do respectivo conceito, a fim de que o conteúdo

corresponda às peculiaridades comuns a todos.

Platão, talvez influenciado por Sócrates, passou a defender que, enquanto a

política não fosse exercida por filósofos, iria de mal a pior. Tal posicionamento, em

tese, pode estar atrelado ao método indutivo socrático. Há relatos de que, ao tratar

de política, Sócrates, em diálogos com seus interlocutores, em determinado

momento realizou algumas indagações no sentido de fazer seus ouvintes pensarem

se de fato chamariam um sapateiro para curar o corpo, um pescador para fazer um

calçado, ou então um ferreiro que não conhece o mar para conduzir uma

embarcação, ou algo dessa magnitude.

2.6 A Verdade em Sócrates

Conhecimento, de uma forma muito simples e objetiva, pode ser

compreendido como o “esforço psicológico pelo qual procuramos nos apropriar

intelectualmente dos objetos”7, para que tenhamos condições de, como seres

humanos, interagir no mundo, na medida em que nos situamos nele.

A busca pelo conhecimento começa cedo; em algum momento da infância

grande parte das pessoas deve ter ouvido, e passado de geração a geração, a

recomendação de que não se deve falar com estranhos ou até mesmo não aceitar

doces de estranhos. Com este tipo de informação, o indivíduo passa a organizar,

quiçá até a nível inconsciente, suas experiências, de forma a construir o seu

conhecimento de mundo no qual está inserido, como o carvão que, burilado, pode se

tornar um diamante.

7ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2003. p. 52.

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18

Sócrates, ao que tudo indica pela forma como interagia com as pessoas,

levando-as a pensar, já sinalizava sobre os perigos da sucumbência ao comodismo,

no que concerne às opiniões prontas. Isso porque, muito à frente de seu tempo, na

busca da verdade (conhecimento discursivo) num primeiro momento conceitual

sobre as coisas, já fazia com que seus concidadãos refletissem sobre as diferenças

no que tange ao ato de conhecer (relação estabelecida entre a consciência que

conhece e o objeto a ser conhecido) e ao produto do conhecimento (que advém da

tradição como conjunto de saberes acumulados), demonstrando assim, com certo

ceticismo (relativismo), que o conhecimento absoluto não é possível. Tal fato não

era aceito, principalmente quando o assunto era política, pois o cidadão ateniense

acreditava que, pelo simples fato de ser ateniense, já nascia com o conhecimento

sobre política. Era como algo intrínseco, como um dogma assumindo caráter

ideológico com a imposição da doutrina oficial do Estado, em tese, com todas as

perversidades (censura, violência, repressão, etc.) decorrentes da força nesta

imposição. Portanto, resistiam ao diálogo e eram refratários às críticas, tornando-se

intransigentes e prepotentes por temor ao novo.

Tem-se o dogmatismo como uma doutrina segundo a qual é perfeitamente

possível atingir a certeza. A palavra, que vem de domatikós, grego para “o que se

funda em princípios” e/ou “relativo a uma doutrina”, se contrapõe ao ceticismo, do

grego sképsis igual a “investigação” ou “procura”, cuja sabedoria está em procurar a

verdade mesmo que não seja alcançada. Verdade e realidade são coisas distintas,

as quais não se pode confundir, mas caminham juntas, par e passo.

“Há verdade ou não dependendo de como a coisa aparece para o sujeito que

conhece”8, em outras palavras, no juízo, no valor de verdade da afirmação. Nessa

esteira de raciocínio Sócrates, em seus diálogos com qualquer indivíduo, em

qualquer lugar, ao indagar, por exemplo, hipoteticamente, “O que é belo?” e seus

desdobramentos relacionados ao tema (“Então, se isto é belo, aquilo não é?” “E os

deuses?”) buscava estabelecer o vínculo entre o sujeito e o objeto apresentado

como belo, o que é típico do processo de conhecimento (tradição filosófica), visando

obter o conceito de belo, nesse caso.

8ARANHA; MARTINS, 2003, p. 53 .

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19

Já o real, ou a realidade, pode ser conhecido(a) pela razão ou pela intuição. A

razão, por meio do discurso capaz de formar juízo de valores chegando-se a uma ou

mais conclusões (quiçá um dos motivos pelos quais Sócrates não se considerava

um sofista e, de certa forma, criticava aqueles que tinham opinião formada sobre

todas as coisas sem de fato nada saber). Já a intuição exprime a imediatividade

como forma de conhecimento, é o pensar, presente no espírito (sem alusão à

religião), sem intermediário (“ver” significando tueri em latim). Porém, através de

suas considerações de mundo, das suas reperguntas insistentes sobre os diversos

temas que tratava com base nos colóquios e, por seu aspecto peculiar de agir,

decerto irônico, colocava seus interlocutores em situações embaraçosas, a ponto de

desconversarem, retirando-se de cena munidos de sentimentos deveras baixos.

Naquele momento sentiam-se humilhados intelectualmente e, no íntimo, concluem

que os conceitos que adquiriram ao longo dos anos, que lhes haviam sido passados

com uma espécie de herança de gerações, não são válidos, não se autossustentam

quando auferidos com maior profundidade, pois carecem de noção, coerência nas

virtudes, precisão de conceitos. É o chamado intelectualismo moral (doutrina que

identifica a virtude como saber), através do qual se conclui que, para ele, somente

poderia ser justo aquele que soubesse o que é de fato justiça, por exemplo.

2.7 Sociedade após Sócrates

É fato que Sócrates representou um grande marco na história da evolução da

filosofia. O período anterior a ele ficou conhecido como Pré-Socrático, época em que

a filosofia estava voltada para temas referentes à natureza e à cosmologia. Após

Sócrates, os pensadores passaram a se ocupar de questões relacionadas ao ser

humano. “Conhece-te a ti mesmo” – para ele não existia filosofia enquanto o espírito

não se voltasse reflexivamente sobre si mesmo, principalmente às questões

relacionadas à educação, à moral e à política (mudança antropológica).

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20

Segundo o professor e filósofo Olavo de Carvalho,

A vida de Sócrates repete uma situação das tragédias gregas: a do sujeito que descobre uma lei que está para além da constituição da sociedade e, ao encarnar ou expressar essa lei, coloca-se em oposição à sociedade; esta, então, volta-se contra ele ao mesmo tempo que reconhece, de algum modo, a sua superioridade.

9

Para o referido doutor, o mecanismo repete a famosa teoria de René Girard

sobre o bode expiatório:

O sujeito que repentinamente é escolhido como o polo em torno do qual há reunião das agressividades todas da sociedade. Ao voltar-se contra ele, restaura-se um senso pelo menos ilusório de solidariedade, de unanimidade, e, uma vez destruído, o bode expiatório se torna posteriormente objeto de culto.

10

Tal fato, séculos depois, com ressalvas às devidas proporções, repete-se com

relação ao sacrifício de Jesus Cristo, em que pese alguns autores entenderem que

tal comparação em hipótese alguma é válida, pois Sócrates estaria muito longe do

divino.

“Pai de nossa tradição metafísica, Sócrates encarna aos olhos dos gregos a

oposição do ser e do parecer, da alma do corpo, oposição que eles tornaram o

fundamento de sua reflexão e da qual somos ainda tributários”.11

A história nos mostra que o homem se transformou, em tese, evoluiu em

alguns aspectos, mas alguns assuntos e descobertas incontestes ontem podem ser

imprecisos hoje. Reflexões sobre conhecimento e verdade (critérios de verdade) na

atualidade, utilizadas sobremaneira nos diversos ramos do Direito, sofreram

influência direta do chamado pensamento socrático, herança que a sociedade

extraiu da vida de Sócrates, em sua eterna busca pela sabedoria. Tal fato pode ser

verificado através das técnicas de investigação utilizadas pela polícia na elucidação

dos diversos tipos de crimes, independentemente dos aprimoramentos e do uso dos

recursos tecnológicos existentes, que certamente nunca deixarão de fazer parte

essencial de todo um conjunto probatório.

9CARVALHO, Olavo de. Sócrates e Platão. São Paulo: É Realizações, 2006. p. 5.

10Ibid, p. 5.

11WOLFF, 1987, p. 12.

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21

3 A POLÍCIA CIVIL

Felizmente ou infelizmente, o Brasil é um país de muitas polícias. A

Constituição Federal de 1988, em seu artigo 144, dispõe que a segurança pública,

dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação

da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através da Polícia

Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Ferroviária Federal e das Polícias

Civil e Militar, cada qual com suas incumbências e tipos de competência dentro das

diversas classificações de polícia utilizadas pela doutrina, sejam administrativa,

judiciária, ostensiva, preventiva ou repressiva.

O crime é contemporâneo à vida humana em sociedade; outrossim, têm sido

eternos a repulsa e o combate a qualquer forma de conduta ilícita, já que em grupo o

indivíduo pratica toda a sorte de infração, quer com argumentação de sobreviver,

quer para satisfazer seus ímpetos emocionais.

Da vingança privada até nossos dias, inúmeras formas de repressão criminal

foram empreendidas, até que surge a competência estatal para gerenciar a

harmonia e a segurança dos grupos, nascendo dessa forma a polícia, tornando-a

imprescindível em qualquer grupamento organizado ou forma de governo.

A Polícia Civil, autenticamente brasileira, nasceu com o Alvará de 10 de maio

de 1808, por ordem do Príncipe Regente Dom João VI, com o que estava

implantada a investigação criminal, por meio da Polícia Judiciária.

A polícia de carreira surge em 1904, mas foi efetivada só em 23 de dezembro

de 1905, por meio da Lei nº 979, no governo de Jorge Tibiriçá, tendo sido

organizada por Washington Luiz Pereira de Souza, então Secretário da Justiça.

A Secretaria de Segurança Pública surge em 1930, pelo Decreto nº 4.789, no

período do Coronel João Alberto Lins de Barros, interventor federal no governo,

ocasião em que a polícia desmembrou-se da Secretaria de Justiça, subordinando-se

às Corporações Policiais existentes na oportunidade: Polícia Civil e a Força Pública.

Como órgão administrativo, a Secretaria de Segurança Pública foi extinta em

1931/1939 e restabelecida em 1934/1941, respectivamente. Desta última vez, no

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governo de Fernando Costa, transformando atualmente a polícia deste Estado numa

instituição moderna e eficiente.

O inquérito policial a cargo do delegado de polícia, com a formação até hoje

exigível, surge a partir de 1875, interrompendo-se durante o Império e as primeiras

décadas da República (1879), regido então pelo Código de Processo Criminal de

1832, revogado em 1941, vigorando a partir de 1º de janeiro de 1942, por meio do

Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.

Inúmeras tentativas reformulatórias da Lei Processual Penal Subjetiva de

1941 foram intentadas e insurgiam na subtração da atribuição do exercício de

Polícia Judiciária. Com o advento da Constituição Federal, promulgada em 5 de

outubro de 1988, encerrou-se qualquer discussão nesse sentido.

Desde a sua criação em 1905, a Polícia Civil do Estado de São Paulo, cuja

função é essencialmente investigativa, sempre mostrou um segmento preventivo.

A Lei Complementar nº 207, de 5 de janeiro de 1979, em seu artigo 3º, dispõe

que: “Artigo 3º. São atribuições básicas: I - da Polícia Civil: O exercício da Polícia

Judiciária, Administrativa e Preventiva Especializada; [...]”.

O emprego de técnicas e recursos modernos por meio da investigação,

servindo-se esta como objeto do inquérito policial materializado por meio de

procedimentos, apoia-se nos trabalhos precursores de Alphonse Bertillon

(1853-1914)12, no que concerne ao campo da identificação.

Na identificação das impressões digitais surge o pesquisador argentino

especializado em datiloscopia, Juan Rucetich13, que aperfeiçoa o sistema de Galton

(1822-1911), e assim se segue a evolução, quer em criminalística, balística e perícia

documental, quer nos campos da medicina legal e das informações criminais.

O influxo dos estudos dos autores acima apontados deixou elevado teor

científico no campo da investigação policial. Entretanto, o esmero nos

procedimentos de combate à incidência criminal é sempre imperioso, em face do

aumento da criminalidade, dos crimes patrimoniais violentos, da corrupção

12

ROCHA, Luiz Carlos. Investigação policial: teoria e prática. São Paulo: Edipro, 2003. p. 3. 13

Juan Rucetich, pesquisador argentino, que aperfeiçoou a identificação digital criada por Francis Galton, antropólogo inglês.

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23

associada ao uso, porte e tráfico de entorpecentes, bem como dos denominados

crimes de colarinho branco, aliados ao surgimento de novas maneiras de crime

organizado.

A investigação policial metodológica é uniforme em todos os países, o que

difere um do outro é o procedimento. No Brasil, a materialização da investigação

policial ocorre pelo inquérito policial corroborado pelas normas legais do Código de

Processo Penal. O inquérito policial é o procedimento administrativo, de caráter

inquisitivo, que dá vida à investigação policial.

A investigação, de investigatio, é o meio efetivo de procura para se descobrir

alguma coisa.

3.1 Poder de Polícia

O homem, como integrante da sociedade, é afligido por pesados encargos, e

esta, em contrapartida, proporciona-lhe escassos dividendos. Na atualidade, o

sentimento de segurança é, para o ser humano, um dos valores de maior

importância que pode existir entre os grupos. Todavia, para a manutenção desse

bem-estar, a sociedade criou um mecanismo fiscalizador das aspirações e

realizações humanas, repassando tal responsabilidade ao Estado, o qual interage

em seu domínio, restringindo no todo ou em parte os direitos individuais. Para tanto,

criou-se o Poder de Polícia.

Cada autor, ao elaborar sua obra, procura oferecer um conceito próprio sobre

o tema em pauta.

O artigo 78 do Código Tributário Nacional (CTN) traz a seguinte definição:

Art. 78 - Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

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Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente, nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

14

Odete Medauar é magistral quando nos oferece seu próprio conceito que, em

suma, mostra todo o significado de uma pequena palavra, a qual encerra em seu

âmago todo o poder da instituição policial: “Em essência, poder de polícia é a

atividade da Administração que impõe limites ao exercício de direitos e liberdades”.

E mais: “É uma das atividades em que mais expressa sua face autoridade,

sua face imperativa. Onde existe um ordenamento, este não pode deixar de adotar

medidas para disciplinar o exercício de direitos fundamentais de indivíduos e

grupos”.15

Segundo Diógenes Gasparini, Poder de Polícia é o poder que a

Administração Pública determina para condicionar o uso, o gozo e a disposição da

propriedade e limita o exercício da liberdade dos administrados no interesse público

ou social.16

Álvaro Lazzarini, por sua vez, conceitua o Poder de Polícia, invocando-o

como razão de existir. Segundo o autor, “é um conjunto de atribuições da

Administração Pública, como poder público e indelegável aos entes privados,

tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas naturais ou jurídicas, a

ser inspirado nos ideais do bem comum”.17

Dessa forma, tem-se que os direitos individuais não são tão amplos a ponto

de se permitir que alguém os exerça com flagrante prejuízo para a segurança e o

bem-estar, pois, sobre o interesse pessoal deve prevalecer sempre o coletivo. Por

isso mesmo é que o poder público, para o bem dos cidadãos considerados em

conjunto, limita o exercício das franquias individuais, cerceando-lhes, de certo modo,

a liberdade. A limitação dessa liberdade é um imperativo de ordem pública, de direito

14

BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, artigo 78. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm>. Acesso em: 20 out. 2012.

15MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 361.

16GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 1999.

17LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 168.

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à tranquilidade dos habitantes da nação e, nos últimos tempos, da segurança da

força política e social vigorante no País.

Como ensinam os doutrinadores acima elencados, os atributos do Poder de

Polícia são: a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade.

Segundo Hely Lopes Meirelles, o ato de polícia é, em princípio, discricionário,

mas passará a ser vinculado se a norma legal que o rege estabelecer o modo e a

forma de sua realização. Neste caso, a autoridade só poderá praticá-lo, validamente,

atendendo a todas as exigências da lei ou regulamento pertinentes. Assim, se a

Administração tem que decidir qual o melhor momento de agir, qual o meio de ação

mais adequado, qual a sanção cabível diante das previstas na norma legal, o Poder

de Polícia será discricionário. Se a lei já estabelece o procedimento diante de

determinados requisitos, a Administração terá que adotar a solução previamente

estabelecida, sem qualquer possibilidade de opção, e assim o Poder de Polícia será

vinculado.

A coercibilidade geralmente é associada à autoexecutoriedade. O ato

discricionário só é autoexecutório se dotado de coercibilidade. Segundo Hely Lopes

Meirelles é a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração.18 Para

este autor, todo ato de polícia é imperativo, obrigatório para seu destinatário,

admitindo-se até o emprego da força pública para o seu cumprimento, quando

resistido pelo administrado.

O Brasil tem experimentado, nos últimos anos, um complexo processo de

reformas em sua estrutura, decorrente da nova ordem econômica instalada no

mundo: o neoliberalismo. Nesse contexto, e para satisfazer interesses globalizados,

realizada foi a reforma administrativa, com a promulgação da Emenda Constitucional

nº 19, de 4 de junho de 1998, que incluiu no ordenamento jurídico brasileiro, de

forma expressa na Constituição Federal, o princípio da eficiência, alterando o artigo

37. A legislação que trata do processo administrativo no âmbito federal também

inseriu a eficiência como um dos princípios norteadores da Administração Pública,

anexada aos princípios da legalidade, da finalidade, da motivação, da razoabilidade,

18

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998.

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da proporcionalidade, da moralidade, da ampla defesa, do contraditório, da

segurança jurídica e do interesse público.

Os princípios são as ideias centrais de um sistema que apresentam um

sentido lógico, harmonioso e racional, permitindo a compreensão de seu modo de

organizar-se. A enunciação dos princípios de um sistema tem a utilidade de facilitar

o ato de conhecimento do sistema jurídico que o ordena, e possui um caráter

normativo, pois é usada para resolver casos concretos. É dever do administrador

agir em conformidade com o ordenamento jurídico, com a moral administrativa e

com o princípio da boa Administração Pública.

O princípio da eficiência pouco tem sido objeto de estudo na doutrina

brasileira. Representa inovação que merece sensível cuidado, por tratar-se de

importante instrumento para fazer exigir a qualidade dos serviços e produtos

advindos do Estado.

O renomado Hely Lopes Meirelles, referindo-se à eficiência como sendo um

dos deveres da Administração, ou seja, aquele que determina a todo agente público

a realização de suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional.19

Este é o mais moderno princípio da função administrativa, a qual já não se contenta

em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o

serviço público e o satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de

seus membros. O autor ainda acrescenta que ao dever de eficiência corresponde o

dever de boa administração adotado na doutrina italiana.

Para a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro20, o princípio apresenta dois

aspectos, podendo tanto ser considerado em relação à forma de atuação do agente

público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atuações e

atribuições para lograr os melhores resultados, como também em relação ao modo

racional de organizar, estruturar e disciplinar a Administração Pública, e idem quanto

ao intuito de alcance de resultados na prestação do serviço público.

19

MEIRELLES, 1998. 20

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 1999.

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Ela acrescenta que a eficiência é princípio que se soma aos demais princípios

impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles,

especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao

próprio Estado de Direito.

A eficiência aproxima-se da ideia de economicidade. Visa atingir os objetivos,

traduzidos por boa prestação de serviços, do modo mais simples, mais rápido e mais

econômico, elevando a relação custo/benefício do trabalho público.

O autor Alexandre de Moraes define o princípio da eficiência como aquele que

[...] impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia, e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social.

21

Com proficiência, acrescenta que urge a interligação desse princípio com os

da razoabilidade e da moralidade, pois o administrador deve utilizar critérios

razoáveis na realização de sua atividade discricionária.

A eficiência, hoje princípio da Administração, é de observância obrigatória

pelos administradores. Com este argumento devem se pautar pelo mínimo de

satisfatoriedade na execução de suas atividades.

Pelo que se percebe, pretendeu-se, com a inclusão do dever de eficiência

dentre os princípios constitucionais aplicáveis às atividades da Administração

Pública, tornar induvidosa que a atuação do administrador, além de ater-se a

parâmetros de presteza, perfeição e rendimento, deverá se fazer nos exatos limites

da lei, sempre voltada para o alcance de uma finalidade pública e respeitados os

limites morais válidos e socialmente aceitáveis. E tudo isso mediante a adoção de

procedimentos transparentes e acessíveis ao público em geral. Significa dizer que

não bastará apenas atuar dentro da legalidade, mas que ter-se-á ainda,

necessariamente, que objetivar resultados positivos para o serviço público, o

atendimento satisfatório, tempestivo e eficaz das necessidades coletivas. Vale

21

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 1999. p. 294.

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28

ressaltar que o pacto social vislumbrado por Jean-Jacques Rousseau traz até hoje

seus fundamentos: “o Estado é constituído para satisfazer a coletividade”.22

E continua:

As cidades só existem para propiciar o bem do homem; quando os princípios estão estabelecidos, a máquina deve funcionar e cumpre localizar o poder as decisões em conformidade com a lei; os associados escolhem um soberano e dão-lhe poderes para administrar o coletivo; a passagem do estado de natureza ao estado civil faz surgir no homem o instinto pela Justiça, e conferindo às suas ações a moralidade que lhe faltava antes.

23

Ato contínuo, somente a título de reforço nesta mesma esteira de raciocínio,

convém deixar consignado que o Poder de Polícia não se confunde com as

atribuições atinentes às polícias do Brasil. Todavia, cabe ao administrador público,

chefe do executivo, respeitados seus limites de competência e atribuições, dentro da

lei, orientado pelos princípios da Administração Pública e poderes da administração

e, independentemente da burocracia legislativa, traçar políticas públicas (public

policy) nas diversas áreas do interesse humano, visando à consecução do bem

comum (justiça pública), principalmente na solução dos problemas públicos, que

Sjoblom (1984) define como a diferença entre a situação atual e uma situação ideal

possível.

Um problema existe quando o status quo é considerado inadequado e quando existe a expectativa do alcance de uma situação melhor. Acrescentando que este problema, para ser público, deve ter implicações para uma quantidade ou qualidade notável de pessoas.

24

Nesse sentido, é nítido que atualmente passamos por uma crise com relação

à segurança pública.

22

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Contrato social. São Paulo: Martins Fontes, 1996. 23

Ibid., 1996. 24

SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. São Paulo: Cengage Learning, 2010. p. 7.

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29

4 INVESTIGAÇÃO POLICIAL GERAL

Em que pese a existência de diversas teorias, entendimentos,

fundamentações legais acadêmicas, interpretações legislativas e do posicionamento

do Supremo quanto a quem pode ou não investigar, podemos afirmar que a

investigação policial, propriamente dita, é uma atividade estritamente policial, que

compete privativamente à Polícia Judiciária (artigo 4º do CPP), ou seja, à Polícia

Civil e à Polícia Federal, cujo objetivo é obter informações sobre a existência ou não

de um crime, de todas as suas eventuais circunstâncias e autoria.

A investigação policial tem início com a notícia de um crime (através do

Boletim de Ocorrência e/ou Registro Digital de Ocorrência, Prisão em Flagrante,

Representação, Requisição) ou de um acontecimento que desperte o interesse da

polícia, podendo ser uma delação, inclusive anônima, de fato que, em tese, exija

intervenção policial. Termina com o seu efetivo esclarecimento ou sem

esclarecimento, quando se esgotam todas as diligências possíveis de ser realizadas

sem resultados frutíferos. Geralmente é formalizada através do inquérito policial,

mas, pode anteceder à sua instauração. Segundo o professor Luiz Carlos Rocha, a

investigação busca informações sobre pessoas, objetos e fatos, e o inquérito

formaliza essa investigação. No caso de inquérito policial, a investigação é uma

atividade estatal da persecução criminal, de caráter informativo, determinada a

preparar a ação penal.25

No âmbito penal/processual penal, para que o Poder Judiciário, nos casos de

positivação (materialidade) de infrações penais, possa dizer o direito, impondo aos

responsáveis (autoria) as penas previstas (não há crime sem lei anterior que o

defina; não há pena sem prévia cominação legal) através de sentença proferida em

audiência, obedecidos os princípios do Devido Processo Legal, Contraditório e

Ampla Defesa, ele precisa ser provocado pelo Titular da Ação Penal, Ministério

Público (fiscal da lei), através da Denúncia, ou mediante Representação ou

Requisição quando a lei o exigir, e/ou pela própria vítima, mediante Queixa, em

determinados casos. Mas, para que Judiciário e Ministério Público possam

desempenhar as suas atribuições legais, a Polícia Judiciária deve executar a sua

25

ROCHA, 2003.

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30

missão preliminar, visando fornecer àquelas entidades os elementos necessários

para o oferecimento da Denúncia e, assim, provocar a manifestação do Poder

Judiciário. É uma atividade coordenada pelo delegado de polícia de carreira e

realizada com o auxílio de seus agentes, e tem por objetivo a apuração das

infrações penais (crimes e/ou contravenções penais) e sua autoria.

A palavra investigação origina-se de investigatio, que significa indagar com

cuidado, observar os detalhes, sendo nítido que, isoladamente e de forma simplória,

objetiva a descoberta de algo (verdade) diante de uma situação controversa e/ou de

um problema a ser resolvido.

A Lógica é a ciência do raciocínio; apresenta métodos aptos a identificar,

entre os argumentos/proposições/premissas, os que são logicamente válidos e os

que não o são. Em uma investigação podem ser aplicados diferentes métodos

(dedutivo, indutivo, analógico, intuitivo), independentemente da metodologia a ser

adotada ou do tipo de investigação a ser realizada, inclusive na investigação policial.

Esta é entendida como a técnica de treinamento do agente para que desenvolva

plenamente as suas potencialidades psíquicas e de ação, observação e raciocínio

sobre um fato que está apurando e de realizar seu mister com segurança e precisão.

Vale ressaltar que os métodos lógicos tradicionais não são os únicos a ser aplicados

pelo investigador, devendo também ser utilizado o bom senso para se tentar

descobrir o que realmente aconteceu.

Método Dedutivo: parte do geral para o particular; formula-se uma série de

preposições e um argumento, que podem ser considerados como provas evidentes

da verdade primeira.

Método Indutivo: parte do particular para o geral ou universal; limita-se a

estabelecer conclusões como prováveis ou provavelmente verdadeiras (na

investigação policial, é de suma importância quando há somente uma possível prova

testemunhal).

Método Analógico: idem a analogia; parte de fatos ou circunstâncias

particulares anteriores para outro acontecimento particular semelhante que está

sendo apurado.

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31

Método Intuitivo: depende da capacidade da pessoa, da sua faculdade de

pensar, observar e sentir, da visão direta, imediata e interna de um objeto.

Na investigação policial, além da possibilidade do uso dos métodos

supracitados, o investigador conta ainda com um aparato policial-legal (banco de

dados) à sua disposição, também denominado de informações criminais.

No local de crime, o delegado de polícia e sua equipe fazem uma

investigação preliminar:

a) observam e examinam o local;

b) colhem informações;

c) examinam as provas materiais encontradas e

d) têm uma impressão pessoal do que ocorreu.

Na continuação das investigações, o delegado de polícia determina à equipe,

através da expedição de uma Ordem de Serviço, com prazo de 15 dias, que:

a) retorne ao local, no mesmo dia e hora da semana em que o crime ocorreu;

b) reconstrua o caminho feito pela vítima;

c) reconstrua o caminho feito pelo criminoso;

d) verifique se o criminoso saiu ferido, solicitando seu perfil;

e) levante a identidade, os antecedentes e o perfil da vítima;

f) verifique se no dia do crime foi visto algum veículo suspeito no local ou

imediações;

g) requisite possíveis imagens gravadas pelo CET ou por câmeras de segurança;

h) localize testemunhas que possam fazer uma descrição do suspeito, para feitura

do retrato falado.

O delegado examina as pistas levantadas, estabelece as ligações possíveis e

forma uma imagem provisória do que teria ocorrido. Formula a teoria do crime, faz

um planejamento racional de hipóteses e determina diligências para sua

constatação.

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As investigações devem seguir o processo móvel das concatenações, e a

descoberta da autoria do crime está dentro das estruturas lógicas, do estudo dos

elementos levantados e das constatações.

Esses elementos devem ser interpretados com o auxílio da recognição,

porque, ao praticar o crime, o autor deixa as suas impressões digitais, genéticas e

psicológicas.

Na elucidação do crime, o delegado e sua equipe devem ter em vista:

a) a materialidade do crime;

b) o motivo do crime;

c) as testemunhas;

d) o suspeito;

e) a reconstituição do crime;

f) o inquérito policial, com o esclarecimento da autoria, o indiciamento do autor e o

pedido de sua prisão.

4.1 Modernidade e Metrópole

Com o avanço da modernização e a ampliação dos grandes centros urbanos,

o dilema que se abateu sobre os comandantes na primeira linha da repressão penal,

a Polícia Judiciária em fase pré-processual, foi a dificuldade de identificação da

autoria. Daí que o mais conceituado departamento de polícia paulista tem sido

sempre o de Homicídios, o qual se especializou em investigações em locais

preservados à perícia e com vítima não socorrida. Portarias, recomendações,

orientações, tudo se faz visando sempre à melhor preservação do local, de

preferência intacto.

4.2 Locais de Crime

Neste capítulo veremos as noções gerais sobre local de crime e os tipos de

trabalho que são feitos nesses locais.

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33

Entende-se por local de crime, ou simplesmente local, qualquer área

(perímetro/espaço físico) sob jurisdição nacional onde se tenha verificado uma

ocorrência de interesse policial-judiciário. Tal amplitude na conceituação é

necessária, pois, em certos casos, ao tempo do inquérito policial pode não haver

elementos aptos a estabelecer clara distinção entre crime, acidente, simulação,

autolesão ou similares. Somente o estudo e a análise cuidadosa dos indícios irão

revelar se de fato trata-se de homicídio, suicídio, acidente etc.

Vários critérios podem ser adotados para a classificação dos locais: quanto à

área (externa ou interna), quanto à localização (região urbana ou rural), quanto aos

indícios (maior importância nos locais) etc.

Local preservado é aquele onde os indícios permanecem inalterados desde a

ocorrência dos fatos até seu completo registro; assim, em razão desta manutenção

do estado das coisas, esses locais são considerados idôneos e, portanto, ideais

para a investigação.

O CPP, em seu artigo nº 169, dispõe:

Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.

Daí a necessidade da interdição da área, por tempo determinado, o razoável

para as providências legais incluindo o registro para posterior liberação do local.

Há só uma hipótese em que o local pode legitimamente ser alterado: no caso

de haver vítima a ser socorrida, conforme Lei nº 5.970, de 11 de fevereiro de 1973,

artigo 1º:

Em caso de acidente de trânsito, a autoridade ou agente policial que primeiro tomar conhecimento do fato poderá autorizar, independentemente de exame do local, a imediata remoção das pessoas que tenham sofrido lesão, bem como dos veículos nele envolvidos, se estiverem no leito da via pública e prejudicarem o tráfego.

Local contaminado (inidôneo) é aquele em que há alteração dos indícios, a

qual pode ocorrer de três formas diversas: adição, subtração e substituição. A

adição se dá por acréscimo de dado/informação estranhos aos fatos/local. A

subtração, culposa ou dolosa, ocorre quando há a retirada do local de objetos que

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interessam à investigação (o instrumento do crime, por exemplo). A substituição

nada mais é do que uma subtração associada a um acréscimo. Tais alterações

podem ter sido praticadas tanto pelo agente do crime como por cúmplices ou mesmo

curiosos, sendo completamente reprovável, e quiçá criminosa, quanto ocorre através

das mãos de servidores responsáveis pela segurança pública, em tese, preparados

para o exercício de suas atribuições. Por vezes, a contaminação do local prejudica

as investigações no que tange à configuração adequada do delito e até na

identificação do agente. Decorrem daí a necessidade e a importância de cuidados

especiais no registro do local e da ocorrência, bem como do conhecimento de

técnicas de investigação, de métodos específicos para se trabalhar com o que está

disponível no momento. Isso se aplica, por exemplo, ao se tratar somente de

suspeito e/ou testemunha, uma vez que muitas provas são insuscetíveis de

repetição, e quanto mais o tempo avança, maiores são as chances de se perder

informações importantes para a obtenção da verdade.

Local referido é aquele relacionado a duas áreas diferentes que se associam

ou se completam na configuração do delito. Exemplo: na falsificação, geralmente

num local se prepara o material e em outro ocorre a negociação.

No registro ou levantamento do local, dependendo do caso, diversos recursos

estão à disposição: descrição, desenho (esboço ou croqui, levantamento

topográfico, rebatimento topográfico), fotografia, entre outros.

A descrição é um relatório escrito de tudo o que o perito policial pôde

observar no local. Subjetivo? Não. Existem duas razões para tal afirmação: o treino

(capacidade de observação que se aguça pela experiência) e a técnica (critérios

centrípeto e centrífugo). No primeiro critério, a anotação dos dados a serem

estudados se inicia na periferia do elemento mais importante até se chegar

progressivamente a ele; no segundo, o rumo é inverso. Além da polícia técnica, é

desejável a presença do perito médico, pois seus conhecimentos médico-legais

aplicados ao bojo dos fatos, no local, podem evitar uma distorção da realidade dos

acontecimentos, conclusões equivocadas, possíveis de ocorrer por simples

observação.

O desenho pode ilustrar a descrição: o esboço ou croqui é a representação

simples, esquemática e sem escala de algo de interesse.

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O levantamento topográfico é uma forma especial de desenho usado no

registro local, é feito em escala e assemelha-se às plantas de construção usadas

pelos construtores; o rebatimento topográfico, também em escala, é a representação

dos diversos planos (vertical e horizontal), em que a parede, no plano vertical, é

representada no papel ao lado do solo, no plano horizontal, sendo certo que a

maneira mais simples de desenho é aquela idealizada por Kennyers e conhecida por

projeção em cruz.

A fotografia, sem retoques em razão da necessidade do registro fiel, pode ser:

simples (não há indícios das dimensões da coisa fotografada); seriada (a mesma

anterior, mas ao invés de uma isolada, uma série, quando o fato a ser analisado e

compreendido é dinâmico); estereoscópica (para percepção da profundidade

estereoscópica ou tridimensionalidade) ou métrica (noção dos tamanhos dos objetos

fotografados, com introdução de escalas). Existem ainda, e podem ser realizados: o

levantamento fotográfico, rebatimento fotográfico (se destina a avaliar distâncias à

custa da medida de um ângulo), e a cinegrafia.

Este item aborda o outro lado, qual seja, o melhor modo de aprimorar as

investigações em locais não preservados. Primeiramente, para melhor didática, nos

permitimos dividir em dois os tipos de locais de homicídio, genericamente:

Preservado e vítima não socorrida: é farto campo à perícia. É o local por

excelência. Interessa ao DHPP.

Não preservado e vítima socorrida. Não interessa ao DHPP (em regra).

Entre os locais preservados, podemos subdividir em dois tipos, conforme

segue:

Intacto: sem nenhuma alteração.

Não intacto: com pequenas alterações, verbi gratia, a vítima em posição

diversa (o corpo foi virado ou arrastado), ou outros elementos foram sutilmente

alterados.

Os locais não preservados serão subdivididos em três, do modo seguinte:

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Quase preservado: parcialmente mexido, com vítima socorrida, mas com sangue no

local (não interessa ao DHPP, mas interessará ao IC-Sangue).

Nada preservado: totalmente mexido, limpo e arrumado, com vítima socorrida e sem

resíduos hemáticos no local (lavado). Contudo, o local é certo e poderá ser avaliado

do ponto de vista logístico do embate entre autor e vítima. Exemplo: dentro de um

bar (não interessará ao DHPP, nem ao IC-Sangue). Costumeiramente é classificado

como prejudicado, o que, ao nosso ver, é um equívoco.

Prejudicado: a vítima se arrastou e foi socorrida por populares que sequer sabem

informar o local do evento, à míngua de informações da vítima já desfalecendo; ou

então o evento deu-se no leito carroçável do asfalto, em via de grande movimento,

onde o local é certo, mas não oferece elementos de pesquisa (não interessa ao

DHPP nem ao IC-Sangue). Quando a vítima é socorrida, mas restam resíduos

hemáticos no local, que podem ser da própria vítima ou do agressor, a perícia

solicitada será a comum, batizada de IC-Sangue.

Nosso ponto de vista é que o único local que pouco interessará à autoridade

de base territorial, o delegado do distrito policial (ou das delegacias dos rincões mais

afastados), será o local prejudicado, assim corretamente identificado. Todos os

demais poderão ser aproveitados nos aspectos possíveis, até mesmo vários anos

depois do evento.

Convém notar que a partir dos últimos anos da década de 1990, o DHPP

paulista vem aplicando o método da recognição visuográfica de local de crime,

criado pelo delegado Marco Antonio Desgualdo, que busca a reconstrução do todo

através dos fragmentos, obtendo inigualável êxito nas investigações.

Este estudo, no entanto, com a ideia de um simples croqui ou termo de

diligência, objetiva um melhor aproveitamento de locais de crimes não preservados

mas corretamente identificados, buscando oferecer subsídios àquelas equipes

policiais desprovidas de melhores recursos, especialmente quando decorridas

semanas, meses ou anos da ocorrência do fato.

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4.3 Rapidez Persecutória

Antônio Carlos de Castro Machado lecionando sobre a investigação em

crimes de autoria desconhecida, adverte: “Ora, no campo da investigação policial se

faz presente mais do que nunca o já célere e não menos cediço brocardo: ‘O tempo

que passa é a verdade que foge’ […]”.26 Machado citou também Coriolano Nogueira

Cobra, que assim sentenciou: “Não basta olhar e escutar. É preciso enxergar e ouvir

distinguindo aquilo que interessa, daquilo que não interessa”.27 A conclusão é que se

não estivermos atentos, poderemos olhar sem enxergar e escutar sem ouvir.

Já tivemos a oportunidade de ver uma carta precatória tramitando dois anos e

meio para nova oitiva de policial militar sobre determinadas dúvidas suscitadas a

respeito do local e circunstâncias em que socorreu a vítima, quando bastaria ouvir o

outro policial, seu parceiro, ou a testemunha que acionou a polícia e a tudo

presenciou, sem necessidade de precatória. Neste particular, duas providências

precisam mudar a “praxe”: a) sempre colocar no Boletim de Ocorrência de homicídio

os dois policiais (ou mais) que primeiro atenderam a ocorrência; b) toda precatória

deve ser transmitida por telex, sempre que possível (e quase sempre é possível).

4.4 Laudo

É sempre possível, analisando um laudo necroscópico, chegarmos a

conclusões cientificamente prováveis do ponto de vista indiciário. Em cotejo com

outros elementos dos autos se poderá chegar a conclusões preciosas, mesmo sem

perícia no local.

4.5 Indícios e Álibi

“O álibi é indício negativo que deve gerar certeza absoluta para poder

invalidar e se contrapor a um indício positivo de autoria”.28 Portanto, o indício

positivo de autoria poderá autorizar não só o processo, mas até mesmo um decreto

26

MACHADO, Antônio Carlos de Castro. Arquivos da Polícia Civil – Acadepol. Revista Tecnocientífica, v. 43, p. 36-41, 1993.

27COBRA, apud MACHADO, 1993, p. 36-41.

28NORONHA, Edgard Magalhães. Curso de direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 1979. p. 32.

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condenatório. Gerson Silveira Arraes, em sua linguagem simples, leciona: “O Juiz,

notadamente no sistema do livre convencimento, pode proferir decreto condenatório,

apoiando-se, apenas, nos indícios encontrados no processo”.29

Ademais, se a dúvida beneficia o réu em sede penal (in dubio pro reo), outro

princípio estabelece que, em matéria processual penal, a dúvida favorece a

sociedade (in dubio pro societate), razões fortes para intensificar investigações em

homicídios de autoria desconhecida, mesmo em local não periciado.

4.6 A Relevância das Informações de Vítimas e Testemunhas

Valendo-se da Psicologia, ciência que estuda o comportamento humano de

crianças, adolescentes, adultos e idosos, com suas limitações e/ou peculiaridades

etárias, cabe ao policial, exceto, naturalmente, nos casos de manifesta

impossibilidade (homicídio, latrocínio, ocultação de cadáver e sequestro, por

exemplo), procurar a vítima para ouvi-la informalmente, preferencialmente sem a

presença de outras pessoas, deixando-a à vontade, criando um ambiente amistoso e

utilizando uma linguagem que facilite a conversação. Este policial, atento ao

comportamento (linguagem corporal) da vítima, poderá distinguir suas emoções

(subtaneidade) e/ou os sentimentos (afeição, em cuja graduação encontramos

simpatia, camaradagem, amizade e amor; desafeição, em cuja graduação

encontramos antipatia, inimizade, raiva e ódio) que podem influenciar diretamente no

relato dos acontecimentos. Assim, ele irá tentar saber se as vítimas estão falando a

verdade, pois elas podem estar agindo de acordo com seus interesses, por vaidade

ou orgulho, representando um falso protagonismo e/ou apresentando-se como

pseudovítimas, estarem sob domínio do medo e/ou de temor reverencial ou

experimentando uma sensação ou sentimento de ridículo. Procurando promover um

vínculo de confiança e, sem deixar de estabelecer um parâmetro sociopolítico,

econômico e cultural de vida observada, o policial, com a ajuda desta vítima, irá

mentalmente tentar configurar o modus operandi (caminhos do crime) adotado, em

tese, pelo criminoso.30

29

ARRAES, Gerson Silveira. Mil perguntas. Rio de Janeiro: Rio, [19--]. p. 188. 30

COBRA, Coriolano Nogueira. Manual de investigação policial. São Paulo: Saraiva, 1983.

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A lei processual penal brasileira vigente exige o compromisso de honra de se

dizer somente a verdade perante as autoridades policiais e judiciárias, cuja não

observância pode acarretar a responsabilização pelo Crime de Falso Testemunho

(artigo 342, do CP). Porém, isso se aplica somente às testemunhas, diferentemente

da forma como são encaradas as informações prestadas pelas vítimas e pelos

acusados, preocupação que ainda não existe na fase de investigação.

Apenas para evitar confusões, vale lembrar que o conceito veracidade diz respeito ao campo da moral e, nesse sentido, é antônimo de mentira. Ao fazer um enunciado, a pessoa veraz é aquela que não mente, mas diz o que, para ela, é considerado verdadeiro.

31

Vale ressaltar que nem todas as informações prestadas por pessoas não

envolvidas nas infrações penais a serem investigadas vão para os Inquéritos

Policiais, mas, se forem, podem constituir documentos ou constar em relatórios de

investigação ou partes de serviço, por exemplo.

O levantamento de testemunhas e a coleta de suas informações, além de

tornarem-se muito importantes quando as vítimas, eventualmente, não podem se

manifestar e quando a autoria é desconhecida ou duvidosa, ganham maior

relevância – e muitas vezes disto depende o sucesso do Inquérito Policial – quando

as provas materiais não fornecem elementos indicativos para a descoberta dos

autores de uma infração penal.

Neste trabalho, para a obtenção de um rendimento satisfatório, o investigador

deverá estar ciente dos fatos e circunstâncias já apurados; conhecer os locais dos

acontecimentos; procurar avaliar a personalidade das testemunhas e/ou sua ligação

com os envolvidos e/ou fatos a serem apurados; preparar previamente o roteiro das

perguntas (cronologia) para não perder a sua autoridade, sabendo que as pessoas,

em sua maioria, podem e querem colaborar. Recomenda-se iniciar a abordagem

preliminar conversando sobre coisas diversas, deixando-as à vontade, para só

depois entrar no assunto, com perguntas curtas, simples e objetivas, sem no entanto

influenciá-las (sugestioná-las) com insinuações diretas ou indiretas (que levam a

testemunha a optar entre alternativas ou a aceitar determinados fatos ou coisas)

nem com perguntas capciosas (que a levam a admitir coisas e fatos não

31

ARANHA; MARTINS, 2003, p. 54.

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perguntados de forma clara). O investigador deverá ainda prestar atenção no

comportamento da testemunha, para avaliar a veracidade das informações.

Preferencialmente ele deverá realizar essa entrevista onde os fatos se passaram, o

que facilita a transmissão (relato) dos acontecimentos e sua compreensão.

As informações podem ser provocadas e ordenadas por perguntas

(interrogatório) ou obtidas através de narrações, devendo ser utilizadas estas duas

técnicas. Elas se complementam, pois o objetivo a ser alcançado é a verdade e não

a confirmação de hipóteses já aceitas como certas ou mais plausíveis. Em regra,

para que um fato e/ou acontecimento seja expresso por uma pessoa, por meio de

informações, existe um mecanismo de formação do testemunho (percepção, fixação,

expressão) passível de falhas e defeitos, tendo em vista que as ações criminosas

e/ou fatos delituosos são anormais, no sentido de fugir à normalidade dos

acontecimentos rotineiros e habituais da vida cotidiana. Eles podem ser

inesperados, rápidos e violentos, de modo a tomar as testemunhas pela surpresa,

quando estão desatentas, fato que por si só pode fazer com que detalhes, muitas

vezes importantes, se percam.32

Muitas vezes, o testemunho ou a palavra da vítima são tão relevantes que

acabam não só informando os fatos, mas passam a ser provas, indícios, ganhando

força principalmente nos chamados crimes silenciosos, em que não é comum haver

qualquer indício/vestígio do ocorrido.

4.7 Homicídio

O crime de homicídio ou os crimes de sangue são aqueles que causam mais

impacto na sociedade e indignação coletiva. Assim, todo o trabalho da Polícia

Judiciária, neste tipo de delito, tem seu início no atendimento no local de crime.

Neste capítulo analisaremos com mais detalhes as investigações feitas em

ocorrências de crime contra a pessoa.

32

COBRA, 1983.

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Local de crime, segundo Carlos Kehdy, é toda área onde tenha acontecido

um fato que apresenta a configuração de delito e que impõe as providências da

Polícia.33

O Código de Processo Penal, quando trata das provas, silencia sobre o

atendimento a local de crime. Destarte, através da Resolução SSP-177/92,

deram-se os primeiros passos para suprir tal deficiência, que foi alterada com a

Resolução SSP-382, de 1º de setembro de 1999, divulgando as diretrizes para a

preservação do local e para o deslocamento rápido da especializada, o que propicia

o sucesso da investigação criminal.

A investigação no local dar-se-á no trabalho em conjunto da Polícia Judiciária

e dos peritos da Superintendência da Polícia Técnico-Científica. Outrora esse mister

se desenvolvia a contento, com o Núcleo de Perícias instalado no Departamento de

Homicídios e Proteção à Pessoa proporcionando maior eficácia na elucidação de

crimes. Uma das equipes de investigação da 1ª e 2ª Delegacias da Divisão de

Homicídios prosseguia nas investigações.

Com o advento do Geacrim (Grupo Especial de Atendimento a Local de

Crime), ocorreu um distanciamento entre a equipe de investigação e a que faz o

levantamento do local de crime mas não prossegue nas investigações, fato ainda

mais agravado com a retirada do Núcleo de Perícias, que hoje se encontra

subordinado ao IC-Sangue, o que impede o contato diário que antes existia.

Nos casos de indeterminação inicial do óbito, a Delegacia Geral de Polícia

estatuiu a Portaria DGP nº 14, de 23 de fevereiro de 2005, que disciplina a coleta,

registro, processamento, análise e difusão das informações relativas às ocorrências

de morte.

Trata-se de crime doloso, caracterizado pela vontade livre e consciente de

eliminar a vida humana. É o chamado animus necandi. O dolo pode ser direto ou

eventual, quando o agente assume o risco de produzir a morte.

A vida, portanto, é assegurada pela lei e só pode ser interrompida pela

inevitabilidade da morte natural ou espontânea. A proteção à vida abrange a vida

33

KEHDY, Carlos. Manual de locais de crime. São Paulo: Escola de Polícia, 1959.

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intrauterina e a vida extrauterina. A eliminação da primeira configura crime de aborto

e a eliminação da segunda constitui homicídio, participação em suicídio ou

infanticídio.

O homicídio é a eliminação da vida de uma pessoa causada por outra,

intencional ou culposamente. O crime poder ser cometido tanto por ação como por

omissão e é qualificado quando praticado mediante certas circunstâncias, denotando

perversidade ou perigo.

Os meios de execução do homicídio podem ser:

a) insidiosos: através do uso de veneno (em muitos casos, indica que o autor, ou

possível autor, é do sexo feminino) ou, ainda, com uso de armadilha;

b) cruel: tortura ou asfixia;

c) perigo comum: fogo ou explosivo;

d) traição: emboscada.

A polícia deve investigar todos os casos de morte suspeita cujas

circunstâncias indiquem violência ou anormalidade, conforme Portaria DGP nº 14/05.

Analisemos o encontro de cadáver comunicado à polícia. O corpo pode estar

na via pública, em casa, em quarto de hotel ou no interior de veículo – neste caso,

cabe um parêntese, pois quando o corpo é encontrado carbonizado no interior do

veículo, trata-se de justiciamento, homicídio determinado por facção criminosa,

comumente pelo Primeiro Comando da Capital. Neste, como nos demais casos de

morte ocorrida em interior do veículo, o local geralmente é ermo.

Assim, o Policial Militar, ao atender um local de crime, deverá isolar e

preservar adequadamente a área imediata e, se possível, a mediata, cuidando para

que não ocorram, salvo os casos previstos na lei, modificações por sua própria

iniciativa, impedindo o acesso de qualquer pessoa, mesmo familiares da vítima ou

outros policiais alheios à ocorrência.

O delegado de polícia de plantão, ao comparecer na sede dos

acontecimentos, verifica o que ocorreu, se foi morte natural ou crime contra vida.

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Observe-se que uma morte não pode ser classificada como natural ou acidental até

que seja descartada qualquer outra possibilidade que a explique.

Tratando-se de morte violenta, um homicídio de autoria desconhecida, o

delegado de polícia fará o registro dos fatos e suas impressões acionando, via Cepol

(Centro de Operações da Polícia Civil), o Departamento Estadual de Homicídios e

de Proteção à Pessoa que, através do Geacrim, diligenciará até o local uma equipe

composta por delegado, investigador e papiloscopista. Será então feito o

levantamento do local junto ao perito do IC-Sangue, para que se possa examinar os

vestígios e determinar a equipe que irá colher informações e proceder a localização

de testemunhas e de suspeitos.

Através da recognição visuográfica de local do crime, o delegado reconhece

alguém ou alguma coisa, ele sabe quem é ou o que é, porque os tinha percebido ou

ouvido antes ou porque eles lhe haviam sido descritos.

A recognição é formalizada por um relatório preliminar de investigação, que é

a descrição intuitiva feita pelo delegado de polícia que atendeu à ocorrência sobre o

que viu e sentiu no local.

Com base nos elementos apontados nesse relatório são feitas as primeiras

investigações para a elucidação do crime. Trata-se de um procedimento de

investigação baseado na heurística e na semiótica. A primeira é um método que

conduz à descoberta de sinais, a partir do reconhecimento visual do local de crime, e

a segunda é o estudo e a descrição desses sinais.

Adotado pelo FBI, esse procedimento foi introduzido no Departamento

Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa em 1995.

A recognição não deve ser juntada ao inquérito policial, não obstante seu

valor como ponto de partida para as diligências policiais, porque pode conter

equívocos e conclusões precipitadas que, posteriormente, poderão ser contestadas

ou exploradas no Tribunal do Júri. Elas são as impressões do delegado de polícia

sobre as possíveis condições da morte da vítima.

No que tange à perícia, é elaborado o exame perinecroscópico, isto é, o

exame externo do corpo, assinalando e fotografando os ferimentos e os sinais de

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morte recente ou antiga, anotando-se os fenômenos da rigidez ou putrefação

cadavéricas.

Fotografa-se o cadáver por diversos ângulos e coleta-se as impressões

digitais, tudo isto para posterior identificação e reconhecimento do morto. Nos casos

duvidosos ou de suicídio atípico, colhe-se material para o exame residuográfico, não

só do cadáver, como também do suspeito ou de testemunhas que se encontravam

com a vítima na ocasião do fato.

Depois de efetuado o levantamento do local, a autoridade policial requisitará

carro de cadáver e determinará a remoção para o Instituto Médico Legal, evitando-

se que o corpo permaneça no local por muito tempo.

No IML, o corpo é submetido à necropsia para que se determine a causa

mortis, e depois é liberado e entregue à família para sepultamento ou cremação,

esta somente com autorização judicial e o “nada a opor” do titular da investigação, o

delegado de polícia.

Segundo LeMoyne Snyder, “a investigação de homicídio inicia-se, de fato,

quando se há estabelecida com certeza a causa da morte”.34

4.8 Informações Criminais

A intranet utiliza princípios e conceitos idênticos à rede mundial de

computadores, a internet. Através da intranet é disponibilizada a maioria dos

sistemas informatizados da Polícia Civil. Inicialmente, a intranet foi criada para

substituir o antigo telex para a comunicação entre as unidades policiais.

Os softwares i-2 em funcionamento nas Unidades de Inteligência da Polícia

Civil do Estado de São Paulo são produtos com funcionalidades visuais, analíticas e

estatísticas, integrantes de bancos de dados relacionais, ou seja, que identificam

vínculos diversos e que são apresentados sob a forma de diagramas.

O sistema de identificação civil, criado em 1986, é um banco de dados com a

identificação civil das pessoas que requereram a carteira de identidade (RG).

34

SNYDER, LeMoyne. Investigación de homicidios. São Paulo: Edipro, 2003. p. 23.

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Recentemente, concluiu-se um sistema de legitimação via fax-símile,

tornando a identificação pessoal mais segura e rápida, bastando para isso o envio

ao IIRGD de um fax da planilha do indivíduo a ser identificado, que por sua vez

efetua a classificação da informação solicitada.

Atualmente, através do Sistema de Identificação Criminal, pode-se, além de

consultar dados e características pessoais do identificado, saber também se ele

possui antecedentes criminais e qual é a sua respectiva situação prisional. Assim

são obtidas informações sobre termos circunstanciados, inquéritos, processos

criminais, mandados e contramandados de prisão, bloqueio de RG, capturas e

solturas, coautores do identificado e movimentação de condenados em situação

prisional na Secretaria de Assuntos Penitenciários (SAP) ou na Polícia Civil.

O sistema de identificação criminal possui cerca de quatro milhões de

registros, informações estas de grande importância e imprescindíveis para o trabalho

da Polícia Judiciária. Por meio desses dados as autoridades policiais, os juízes e os

promotores de justiça buscam subsídios para identificar a autoria de crimes.

Com a implantação a partir de 2001 do RDO (Registro Digital de Ocorrência),

a Polícia Civil deu um passo importante para a integração e padronização do banco

de dados de ocorrências no Estado de São Paulo.

Este aplicativo possibilita ao policial consultar automaticamente e on-line, no

momento da elaboração do TC ou do BO, informações sobre o envolvimento de

pessoas, veículos e armas em ocorrências anteriores, facilitando e antecipando

assim o trabalho investigativo. O software ainda tem um módulo de elaboração das

peças necessárias à formação do inquérito policial, além de fornecer dados ao

Infocrim e ao sistema Ômega.

O mapeamento da criminalidade é parte fundamental no processo de

conhecimento, análise e combate à criminalidade. Na última década, a coleta

manual feita por meio de alfinetes coloridos afixados em um grande mapa deu lugar

ao geomapeamento informatizado. Em 1999 foi implantado o Infocrim, desenvolvido

pelo Grupo de Geotecnologia da Informação – GTI da SSP em conjunto com outros

órgãos de segurança pública. Inicialmente, o sistema tinha como meta mapear os

delitos de furto de veículos e outros, roubos de veículos e outros, bem como os

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homicídios, ou seja, cinco categorias de crimes apenas. O Infocrim é alimentado por

três bases de dados: Sysbo, RDO e Delegacia Eletrônica, totalizando

aproximadamente 5,5 milhões de ocorrências. Através deste aplicativo o usuário tem

acesso aos registros de ocorrências podendo classificá-las por tipo, logradouro,

envolvidos, frequência, histórico, natureza, mapas e objetos. O Infocrim possibilita

pesquisas e consultas de dados reais e atualizados diariamente de ocorrências,

dando a real situação da criminalidade e indicando medidas necessárias à

prevenção e à repressão da violência.

Havia uma grande carência de um aplicativo único de busca simultânea de

informações, pois cada um dos principais bancos de dados da Polícia Civil dispunha

de sistemas de pesquisas específicos.

Foi desenvolvido então o sistema Ômega, que tem o conceito de aplicativo de

busca inteligente com o objetivo de auxiliar no processo de investigação utilizando a

técnica de recuperação de dados. Apresenta um conjunto de ferramentas de

consulta a campos estruturados através de filtros de inteligência artificial no campo

do histórico nos Boletins de Ocorrência. Tem várias vantagens, tais como: facilidade

de acesso às informações em bases consolidadas do Dipol, possibilitando acesso a

informações organizadas com dados padronizados disponíveis para as consultas

atuais e futuras; agilidade na elucidação de ocorrências, gerando resultados mais

eficientes, rápidos e seguros; integração das informações registradas a todos os

demais projetos, fortalecendo a capacidade de investigação. Como funcionalidades

do aplicativo temos: alertas observadores, recurso de consulta às novas ocorrências

registradas a partir de filtros pré-selecionados e alertas investigativos, consulta de

novas ocorrências utilizando inteligência artificial nas naturezas dos delitos. Os

objetivos específicos são: consultar os relacionamentos dos BOs a partir de

determinada delegacia para que se possa identificar: destino das ocorrências,

correção dos BOs, prazo de finalização da ocorrência, fraudes a seguradoras e

veículos clonados, consulta por fragmento de placa de veículos, consulta parcial ou

total do registro, consulta por chassis e por descrição, além de combinar

informações e restringir a busca, facilitando o encontro do item desejado.

Ferramenta disponível: árvore hiperbólica e pesquisa por nome ou vulgo, desde que

tenha sido cadastrado, permitindo identificar os relacionamentos de pessoas

envolvidas direta ou indiretamente com alguma ocorrência. Executa ainda a busca

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inteligente no banco de dados do RDO, ampliando as possibilidades de pesquisa,

pois permite utilizar todos os campos do sistema.

O sistema Phoenix é uma das mais recentes inovações na coleta e confronto

de imagens, dados, sons e digitais disponíveis para o trabalho de inteligência

policial. Trata-se de um poderoso software usado pela polícia italiana, os carabinieri,

capaz de armazenar e filtrar dados de pessoas e o retrato falado de indivíduos

relacionados a delitos. O equipamento é composto de estação de trabalho com

máquina fotográfica digital, scanner para coleta das digitais e com gravador de

imagem e voz dos envolvidos em crimes, além de impressora e videocassete. Coleta

de dados: boletim de identificação pessoal, inserção e consulta via web, dados

gerais referentes à unidade policial, qualificação de indiciados, endereços,

relacionamentos pessoais, peculiaridades físicas, dados somáticos, incidências

penais, modus operandi, imagens, captura de impressões digitais, aquisição de voz.

Modo pesquisa: por campos de dados gerais, logradouros, dados somáticos, delitos,

conduta criminosa e qualificação. Aplicativo Identikit Photonet: recurso para

elaboração de retrato falado; o sistema Winlase utilizado tem uma interface, o Face

Gen 3D, que gera imagens em terceira dimensão, tela genética que modifica uma

mesma imagem e suas possíveis variações de disfarce ou envelhecimento,

interpolação de imagens e prováveis combinações, tela transformar com variações

de expressões faciais de raiva, medo, tristeza, etc.

Sistema de monitoramento legal de ligações telefônicas: a partir de uma

autorização judicial, o Dipol-Setel viabiliza no sistema a gravação e geração de CDs

com os dados digitalizados. O projeto utiliza um software de análise visual para

monitoramento de atividades criminosas, suas movimentações e modus operandi.

Com esta ferramenta acompanha-se a movimentação de ligações telefônicas, das

transações comerciais e financeiras, além dos relacionamentos pessoais em

investigações policiais. Possui quatro módulos distintos e complementares: o Sbase,

banco de dados desenhado especificamente para investigadores e analistas do

serviço de inteligência: constrói base de dados de acordo com as reais

necessidades do interessado, sendo uma solução flexível, adaptável e portável a

diversas plataformas de dados, é uma poderosa ferramenta de organização,

estruturação e comunicação de dados; o Ibridge possibilita a análise em tempo real,

recupera e reúne informações a partir de diferentes bases de informações, cria

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diagramas e fluxos de informações relevantes; o Analysis Notebook enfoca

elementos faciais dentro da análise, permite relacionamentos entre pessoas e

organizações, revela métodos operacionais, utiliza mapas e imagens para ilustrar as

análises investigativas; o Analysis Workstation consolida dados, direcionando-os ao

serviço de inteligência, sugere padrões de análise criminal, possibilita comunicação

rápida e segura e otimiza recursos disponíveis.

O Infoseg foi implantado em 2002 pela Senasp/MJ, Secretaria Nacional de

Segurança Pública, com o objetivo principal de integrar em âmbito nacional as

informações da justiça e da segurança pública. Atualmente, o sistema, na sua 2ª

versão, contém informações de 29 bancos de dados, sendo 26 Estados, o Distrito

Federal, a Polícia Federal e a Justiça Federal, totalizando cerca de nove milhões de

registros criminais. O acesso pode ser feito até mesmo pela internet, desde que o

usuário tenha uma senha previamente cadastrada. Estão concentradas em suas

bases as informações de indivíduos com antecedentes criminais, os dados do

sistema nacional de veículos, o Renavam, a consulta ao registro nacional de

carteiras de habilitação, Renach, e ao sistema nacional de armas, o Sinarm. Em

breve será franqueado no Infoseg o acesso ao cadastro de CPF e CNPJ da Receita

Federal. A alimentação do banco de dados se dá via bases estaduais, refletindo

desta forma a realidade nacional e facilitando o trabalho dos profissionais de

segurança pública e da justiça em todo o país.

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5 INVESTIGAÇÃO POLICIAL NOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

O título II do Código Penal Brasileiro trata especificamente dos denominados

crimes contra o patrimônio.35

O referido título contém oito capítulos, sendo que os sete primeiros tratam dos

crimes em espécie, partindo do crime de furto (artigo 155 do CPB), indo até o crime

de receptação (artigo 180 do CPB).

O último capítulo contém somente disposições gerais, estabelecendo as

imunidades em relação a tais crimes, podendo tais imunidades ser absolutas ou

relativas, as quais também somente se aplicam nos casos de crimes contra o

patrimônio praticados sem violência e/ou grave ameaça.

Especificamente neste trabalho, voltaremos nossa atenção para o crime de

roubo, conduta delitiva que mais aflige a sociedade de uma forma geral, e o que

gera maior sensação de insegurança, pois afeta não só o patrimônio da vítima, como

também a possibilidade de se perder o seu bem mais precioso, que é a vida.

5.1 Roubos a Condomínios

Dentre os crimes de roubo que nos últimos anos mais têm preocupado a

sociedade e a própria polícia são os denominados roubos a condomínios.

Locais antes considerados intocáveis, cuja segurança empregada dava aos

moradores (condôminos) a efetiva garantia de segurança e tranquilidade não

existem mais.

Verifica-se, através de dados estatísticos obtidos no sistema Infocrim, que no

ano de 2011 ocorreram na Capital 64 roubos a condomínio residencial, chegando a

36 somente no primeiro semestre de 2012.

O aumento de tais crimes praticados por quadrilhas organizadas, na maioria

das vezes contando com aparato bélico de grande poder de impacto e a

35

BRASIL. Código Penal Brasileiro. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-2848-7-dezembro-1940-412868-normaatualizada-pe.html>. Acesso em: 20 out. 2012.

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necessidade de prevenção e repressão a essas atividades criminosas fez com que a

Secretaria da Segurança Pública de São Paulo editasse normas específicas para o

controle dessa conduta criminosa, promulgando então a Resolução SSP nº 230,

publicada no D.O.E. em 2 de setembro de 2009.

Podemos considerar roubo a condomínio “toda ação delituosa que tenha

como alvo a subtração a uma ou várias unidades de um mesmo condomínio, ainda

que a abordagem da vítima ocorra em local externo, visando a facilitação do

ingresso na área condominial”.36

Na Capital, as ocorrências de roubo a condomínio são encaminhadas para a

DISCCPAT (Divisão de Investigação de Crimes Contra Patrimônio do DEIC), a qual

conta com uma delegacia especializada (4ª DISCCPAT) para a realização das

investigações e demais atos de Polícia Judiciária referentes a tais crimes.

A prevenção a tais ações delituosas passa efetivamente por normas de

controle rígidas, sejam elas referentes aos seus moradores/condôminos, as quais,

em síntese devem observar o que segue:

5.2 Edifícios e Condomínios

Edifícios

As normas de segurança a serem adotadas devem ser decididas em

assembleias de condôminos, com ampla difusão para todos os moradores do prédio,

sob pena de perderem a eficiência.

É importantíssimo um sistema de segurança com:

‒ Iluminação em todas as entradas.

‒ Iluminação e instalação de câmeras nos principais pontos sensíveis do

condomínio e alarmes em centrais de monitoramento.

‒ O acesso de estranhos deve ser precedido das cautelas disponíveis

(identificação de todas as pessoas, confirmação e identificação visual de visitas

36

SÃO PAULO. Resolução SSP nº 230, de 31 de agosto de 2009, artigo 1º, § único. Disponível em: <http://www.adpesp.org.br/legislacao.php?id=3>. Acesso em: 15 jul. 2012.

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antes de sua efetiva entrada, área de recebimento de materiais que impeçam o

contato e a entrada de estranhos etc.).

‒ Os funcionários, principalmente aqueles que desempenham funções na portaria

do prédio, devem ser alertados para os diferentes expedientes usados pelos

delinquentes e devem estar capacitados para tomar providências quando

necessário (ligação emergencial para a polícia, agências de segurança,

acionamento de sistemas de alarme etc.).

‒ A entrada social, a de serviço e a garagem devem ser suficientemente

iluminadas, evitando objetos (obras de arte, decoração, jardinagem) que

obstruam a ampla visão do local à distância.

‒ As guaritas e recepções devem ter vidros escurecidos ou espelhados, além de

ficarem afastadas da rua, de forma que impeçam que seus funcionários possam

ser facilmente rendidos.

‒ Os acessos aos apartamentos devem ser dotados de boa iluminação controlada

do interior da residência. As portas devem ser sólidas e dotadas de “olho mágico”

ou outros dispositivos que permitam a observação da área externa.

‒ O interfone é fundamental para a comunicação de situações de emergência

(presença de suspeitos ou de indivíduos indesejáveis em seu hall de entrada

etc.).

‒ Havendo outros prédios próximos, por consenso dos moradores poderá ser

instalada uma ligação pelo interfone de suas portarias, ou mesmo de um simples

alarme sonoro ou visual, que funcione como pedido de auxílio nos momentos de

perigo.

‒ O mesmo alarme sonoro e/ou luminoso poderá ser instalado em uma casa

vizinha, estabelecimento comercial ou simplesmente em local externo, à vista dos

moradores das imediações, alertando sobre o perigo.

‒ A seleção de pessoal doméstico e do condomínio deve ser rigorosa, com

pesquisa da vida pregressa dos candidatos e criteriosa verificação das fontes de

referência. De preferência deve ser mantida a máxima discrição quanto aos

valores guardados em apartamentos, cofres etc.

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‒ As chaves que forem confiadas a serviçais não devem abranger todas as portas

do apartamento, permitindo-se o isolamento de algumas dependências privadas,

especialmente durante o repouso noturno, pois os empregados podem ser

atacados e forçados a abrir as portas das quais possuam as chaves.

‒ A entrega de encomendas, flores, correspondência etc., que não tenham sido

solicitadas ou que não estejam sendo esperadas, deve ser recusada, ainda que o

portador se apresente na companhia de empregados do condomínio.

‒ Quando estiver aguardando entregas, instrua a portaria para receber as

encomendas, evitando a presença de estranhos em seu apartamento.

‒ Quando recepcionar pessoas que não conheça, faça-o nas áreas de uso comum

do edifício, à vista dos funcionários da portaria.

‒ Encomendas ou objetos devem ser entregues sem que o condômino ou porteiro

tenham que sair do prédio. Elas devem ser passadas através de um receptáculo

de segurança onde os objetos sejam deixados, sem contato entre as pessoas e

sem permitir a entrada de estranhos.

‒ Ao chegar e ao sair, esteja alerta para a presença de estranhos nas imediações

de seu prédio. Qualquer suspeita deverá ser comunicada imediatamente à

polícia.

‒ Verifique se as entradas de seu condomínio são iluminadas, se existem câmeras

nas principais entradas e pontos de acesso.

‒ Caso seja surpreendido por assaltantes, procure manter a calma.

‒ Não encare seus atacantes diretamente e nem discuta com eles.

‒ Festas no salão do prédio podem ser um sério problema, por isso estabeleça

uma forma criteriosa de identificar os convidados (lista de convidados,

identificação pessoal, identidade junto à portaria etc.). Seguranças particulares

podem ser uma boa alternativa.

‒ Evite receber na portaria do prédio documentos bancários com números

referentes a aplicações financeiras e saldos bancários.

‒ Aos moradores dos 1º e 2º andares recomenda-se um cuidado especial,

protegendo as áreas de acesso.

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‒ Muros e grades devem ter altura suficiente.

‒ Procure ter à mão o número do telefone da polícia.

Funcionários

‒ Ao atender estranhos, mantenha os portões fechados e as pessoas do lado de

fora.

‒ O portão somente pode ser aberto após a identificação do visitante.

‒ Avisar o morador sobre a conveniência da entrada etc.

‒ Na dúvida, solicite ao morador para identificar tal visitante.

‒ No caso de entrega de encomendas:

· Avisar o condômino e solicitar sua presença na portaria.

· Na ausência do condômino, receber a encomenda e guardá-la para que,

posteriormente, seja retirada por um morador ou entregue a um funcionário.

· Jamais permita que o entregador leve pessoalmente a encomenda.

‒ É importante a instalação de câmeras na portaria para identificação visual de

visitas e recebimento de mercadorias.

‒ Nos horários de limpeza e recolhimento de lixo, manter as entradas do edifício

fechadas.

‒ Ao receber prestadores de serviços, identificá-los, confirmando seus dados com

sua respectiva companhia. Anote os dados de seus documentos, avise o

condômino e só permita o acesso às dependências mediante autorização do

morador e devidamente acompanhado por um funcionário.

‒ Na entrada ou saída de pessoas do condomínio, somente abrir o portão após

verificar se não há suspeitos próximos.

‒ As fichas de todos os empregados do condomínio, mesmo dos eventuais, devem

ser mantidas à vista. O ideal é que todos sejam identificados por crachás.

‒ Os porteiros devem ser orientados a permanecer sempre no interior das

portarias.

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‒ Códigos ou senhas devem ser combinados com os porteiros, para que o morador

saiba se eles estão sendo forçados a usar o interfone ou a bater em sua porta.

Condôminos

‒ A sua compreensão e colaboração são fundamentais para a segurança do

condomínio.

‒ Tenha certeza do gabarito e da competência de toda equipe de segurança de

seu condomínio.

‒ Elogiar as ações dos funcionários que visam garantir a segurança de todos os

condôminos, mesmo quando representam algum transtorno para si ou para suas

visitas.

‒ Ao chegar ou sair da garagem, observar se não há pessoas estranhas ou

suspeitas próximas à entrada de seu condomínio.

‒ Ao estacionar seu veículo na garagem, mantê-lo trancado, sem pacotes e objetos

à vista e com o alarme ligado.

‒ Alertar a portaria para que receba as encomendas feitas ou o avise para que vá

atender ao entregador na recepção.

‒ Quando solicitado pela portaria, verificar se o assunto lhe diz respeito, só então

desça para atender.

‒ As chaves de todas as dependências não devem ser deixadas com os

empregados, mantendo algumas dependências isoladas.

‒ Não deixe cópias das chaves na portaria.

‒ Evite deixar portões abertos enquanto se despede dos visitantes.

‒ Todos os condôminos devem conhecer e respeitar as regras e todo o sistema de

segurança. É importante ainda zelar por sua boa conservação.

‒ Evite dar informações a estranhos sobre os hábitos do condomínio.

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Administradora/síndico

‒ Desenvolva reuniões periódicas com os condôminos a fim de despertar a

consciência para a segurança de todos.

‒ Cadastre todos os condôminos com dados pessoais, dos veículos e até de

parentes próximos, para uso em caso de emergência.

‒ Estabeleça um sistema de identificação para todos os visitantes, com ciência do

condômino visitado.

‒ Acompanhe o andamento de todos os trabalhos realizados no edifício.

‒ Na contratação dos funcionários, após exigir documentos e referências e

certificar-se quanto à autenticidade e veracidade das informações, dê preferência

para os que possuam cursos de formação e treinamento.

‒ Realize a reciclagem e treinamento periódico de seus funcionários, visando à

segurança do condomínio.

Estranhos em sua porta

‒ Tome muito cuidado. Doações, entrega de salmos etc. podem ser uma forma de

você ser surpreendido.

‒ Não é difícil vigaristas e marginais, especialmente em datas festivas,

aproveitarem-se do espírito de solidariedade e confraternização para fazerem

novas vítimas.

‒ Identifique qualquer pessoa antes de sair de sua casa, mantenha-se em um local

distante e seguro para confirmar as informações.

‒ Sempre procure saber o que vai ser feito com o material a ser doado.

‒ Prefira fazer suas doações pessoalmente, a instituições que você conhece, se

possível diretamente às pessoas que serão beneficiadas.

‒ Fique alerta com pesquisas que identificam renda ou hábitos de sua família. Não

divulgue informações pessoais e oriente todos os moradores da casa a agirem da

mesma forma.

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Organizando festas

‒ Preferencialmente sirva bebidas não alcoólicas aos seus convidados.

‒ Sirva algo que os convidados possam comer antes de servir bebidas alcoólicas.

‒ Saiba quais são seus limites e respeite a vida.

‒ Tenha uma alternativa de transporte ou acomodação para convidados que

tenham bebido demais.

‒ Lembre-se que apenas o tempo eliminará o álcool de seu organismo.

‒ Nunca dirija após a ingestão de bebidas alcoólicas.

‒ Tenha um especial cuidado em receber seus convidados. Faça uma lista e peça

para que a identificação seja criteriosa. Contratar uma equipe de recepcionistas e

seguranças pode ajudar.

‒ Prefira fazer sua festa em buffet, restaurantes ou casas noturnas.

‒ Caso a festa seja realizada em sua casa, acomode os convidados em um local

predeterminado, deixando isoladas as dependências privadas.

‒ Esteja preparado para problemas, por isso identifique as saídas.

‒ Tenha equipamentos contra incêndio em locais de fácil acesso (uma equipe de

brigada pode ser necessária) e faça um planejamento para calcular o número

máximo de convidados dentro do espaço disponível.

Empregados e funcionários

‒ Somente contrate funcionários com referências de amigos ou pessoas que você

conhece e confia.

‒ Não entregue todas as chaves a seus funcionários, somente as necessárias.

‒ Não comente sobre bens ou valores aos funcionários.

‒ Não divulgue senhas e códigos de segurança.

‒ Procure observar sempre o comportamento de seus empregados e suspeite caso

alguma coisa não esteja normal.

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‒ Observe e fique atento ao desaparecimento de pequenos objetos.

‒ Observe a mudança de comportamento, de humor, o início de depressão, e o

próprio aparecimento de lesões e hematomas em crianças e idosos que

permaneçam sob cuidados de empregados ou enfermeiros. Eles podem estar

sofrendo agressões.

Quanto à repressão a tais delitos, a metodologia de investigação deverá ser

aplicada partindo da busca do conhecimento no local do crime, devendo-se observar

o seguinte:

‒ Qual foi o modus operandi?

‒ Quantos foram os autores?

‒ Quais foram os veículos utilizados? Indicar características específicas dos

veículos – exemplo: Focus amarelo (sabe-se que não existem muitos assim).

‒ A placa estava trocada ou estava adulterada com fita isolante? (Se for placa

trocada estamos diante de autores mais organizados).

‒ Havia equipamentos de comunicação entre os autores?

‒ Qual foi o período de estada no local do crime?

‒ Como foi o início da abordagem?

‒ Usava touca ou estava de cara limpa? (Está na moda entrega pelo correio)?

‒ Havia um líder?

‒ Quem estava no local?

‒ Quais são os funcionários?

‒ Quais são os serviços terceirizados (NET, TVA, SKY, ar condicionado,

jardinagem, etc.)?

‒ Sobre os funcionários e prestadores: Onde moram? Tempo de serviço? São de

confiança?

‒ Como foi a fuga dos autores?

‒ Como foi a conduta deles? (Truculentos, violentos, etc.).

‒ Qual foi o pedido principal dos autores?

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‒ Buscavam algo específico?

‒ Como era o diálogo utilizado entre os integrantes? (Gíria, apelido, etc.).

‒ Foi feita a filmagem por CFTV (Circuito Fechado de TV) interno e externo?

‒ Os vizinhos têm monitoramento?

‒ Os estabelecimentos comerciais da região têm monitoramento?

‒ O monitoramento é gravado?

‒ Quem tem as chaves da residência?

‒ Tem cachorro? (Tivemos casos de envenenamento dos cães para entrada na

casa).

‒ Há vigilantes noturnos? Quais informações eles deram? (Alguns auxiliam).

‒ Houve movimentação estranha antes do fato em locais próximos ao local do

crime?

‒ Notou-se algum vício ou peculiaridade de linguagem? (Gagueira, sotaque etc.).

‒ Apresentavam sinais físicos? (Cicatriz, aparelho dentário, prótese, tatuagem,

óculos etc.).

Após tais levantamentos, efetuar o registro da ocorrência (RDO) e pesquisas

junto aos bancos de dados:

RDO – Registro Digital de Ocorrência (antigo BO).

Infocrim – local, horário, incidência, modus operandi, mapeamento da criminalidade

(somente BOs).

Ômega – banco de dados virtual (é possível pesquisar placas de veículos até por

fragmento).

Phoenix – sistema de identificação dos autores por foto, voz e digitais.

Guardião – Sistema de monitoramento e interceptação telefônica e telemática.

Infoseg – Justiça e Segurança Pública – Banco de dados do Brasil (condutores,

veículos, armas, empresas, CPF – Cadastro de Pessoas Físicas e CNPJ –

Jurídicas).

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Alpha – planilha do IIRGD digitalizada com possibilidade de pesquisa pelos dados

das fichas.

5.3 Receptação dos Produtos do Crime

Em roubo a residências e/ou condomínios, os objetos subtraídos são, via de

regra, joias, relógios, celulares, computadores (notebook), dinheiro (“Cadê o

cofre?”), equipamentos eletrônicos de pequeno porte, armas de fogo, etc.

Qual é o controle do Estado em relação a tais produtos?

Como identificar os produtos? Exemplo: joias (identificação por algo

específico/valor sentimental), relógios (controle pela própria marca), computador

(identificação por I.P.).

A finalidade de buscar a identificação do objeto subtraído é tentar localizar o

receptador e, através dele, chegar ao autor.

Exemplos atuais:

‒ Autores utilizaram o controle remoto do portão de entrada da garagem para

entrar na residência. Este é um dado importante.

‒ Autores entraram na casa exatamente na hora em que as empregadas saíram

para ir até a farmácia.

‒ Autores roubaram um veículo de terceiro na saída da residência roubada e

utilizaram o telefone da vítima para contatos após certo período do crime

(pesquisar telefones e antenas utilizadas – interceptação dos contatos dos

autores).

‒ Autores abandonaram o veículo utilizado no crime e no seu interior foi localizado

um cartão de recarga de créditos de uma determinada operadora. Pesquisar em

qual telefone foram habilitados os créditos e pedir a quebra de sigilo dos dados

telefônicos para futura interceptação telefônica.

Assim, levando-se em consideração os aspectos de prevenção e repressão,

com certeza vamos obter resultados positivos no combate a tais condutas

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criminosas, devolvendo à sociedade, em especial aos moradores de

edifícios/condomínios, a segurança que todos merecem ter.

5.4 Combate ao Crime Organizado e à Lavagem de Dinheiro

A organização criminosa que pratica diversas atividades ilícitas como tráfico

de entorpecente, de armas, extorsão, extorsão mediante sequestro, jogos de azar e

exploração da prostituição pode ser definida, ou melhor, tipificada como pertencente

ao crime organizado.

Consigne-se, ainda, que o crime de terrorismo hoje, muitas vezes definido

como crime de consciência, está há pelo menos duas ou três décadas ligado à

criminalidade organizada, da qual obtém recursos.

Alguns detalhes proporcionam aos operadores do Direito meios para

identificar a criminalidade organizada, tendo em vista alguns caracteres

fundamentais, tais como: a associação permanente e estável de diversas pessoas,

estrutura empresarial, hierarquizada e em forma de pirâmide, poder de corrupção,

violência, entre outros caracteres que visam sempre à busca de lucro e de um

sistema para lavagem e ou branqueamento do lucro que a atividade proporcionou.

Entende-se como certo que o crime organizado não se especializa na prática

de um único tipo de delito, mas expande seus tentáculos onde houver a

probabilidade de obter lucro.

Destarte, por ser multifacetado, é de melhor alvitre não definir crime

organizado ou organização criminosa, mas sim, buscar identificá-lo dentro das

características que nos permitam conhecê-lo e ter à mão a legislação específica

para combatê-lo.

Somente a partir dos anos 1980 é que o Brasil passou a se preocupar com o

combate ao crime ou organização criminosa, deixando de lado o sofisma de que

nosso país servia apenas de trânsito para o tráfico de drogas ou de armas e que

éramos apenas um paraíso para criminosos internacionais viverem tranquilamente,

em um refúgio paradisíaco.

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Todavia, através da edição de legislações específicas, fomos buscando

aperfeiçoar nosso sistema penal e processual penal, visando combater esta prática

delituosa. Nesse sentido, destacam-se as seguintes leis:

1. Lei nº 7.492/86 – Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional

2. Lei nº 8.137/90 – Crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de

consumo

3. Lei nº 9.034/95 – Crime organizado

4. Lei nº 9.613/98 – Lavagem de dinheiro

5. Lei nº 9.807/99 – Proteção de testemunhas e réus colaboradores

6. Lei nº 11.343/06 – Lei antitóxicos

Mais recentemente, entrou em vigor a Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012,

que altera a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, na busca de maior combate às

práticas de branqueamento de capitais em todas as suas matizes criminosas,

trazendo um avanço técnico ao traçar sua abrangência às contravenções penais e

ao tratar as condutas não como crimes, mas como infrações penais.

A nova lei trouxe um dispositivo que reforça o entendimento de que o sigilo

protegido pela Constituição não se refere a dados cadastrais.

Cite-se ainda a Lei nº 12.694, de 24 de julho de 2012, que dispõe sobre o

processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes

praticados por organizações criminosas, alterando o Código Penal e o de Processo

Penal e as Leis nºs 9.503, de 23 de setembro de 1997 (CTB) e 10.826, de 22 de

dezembro de 2003, instituindo alterações nos instrumentos de apreensão de

veículos e armas, além de criar a figura do “juiz sem rosto”.

Com a nova alteração, fica muito mais fácil para a autoridade policial

investigar o crime de lavagem de capitais, devido ao fato de que muitos dos delitos

de massa podem ser crimes antecedentes de lavagem de capitais, possibilitando ao

Ministério Público a acusação do crime de lavagem de capitais de diversas pessoas,

muitas delas simples particulares que lavam dinheiro para lucro extremamente

próprio, não possuindo vinculação com organizações criminosas. Outra vantagem

introduzida foi a condição de se repatriar valores encaminhados ao exterior.

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Ressalte-se finalmente que o crime organizado como fenômeno deve ser

estudado e combatido como qualquer outro fenômeno criminológico, por edições

legislativas que possibilitem meios para a sua contenção.

A investigação de combate e de contenção ao crime organizado e/ou

organização criminosa tem como meio para sua instrumentalização o inquérito

policial e os institutos processuais penais da busca e apreensão, sequestro de bens,

delação premiada, escuta telefônica, escuta ambiental, quebra de sigilo fiscal,

quebra de sigilo bancário, agente infiltrado, agente controlado, ação monitorada.

Trata-se de uma investigação que, ao começar, não se sabe aonde vai

chegar ou quando vai terminar. A estratégia passa por um trabalho sério de

inteligência policial, principalmente nas Unidades de Inteligência Policial e no Centro

de Inteligência Policial das Diretorias Departamentais e Seccionais e pela troca de

informação com as demais instituições.

Todavia, fazer trabalho de inteligência policial não passa apenas pelas

estatísticas e análises criminais infrutíferas, em outras palavras, não é fazer fofoca

para agrado de alguns e prejuízo de outros. Faz-se necessário o treinamento de

homens e mulheres que estejam aptos a abdicar da vida pessoal na busca do bem-

estar da sociedade e que contem com o amparo das instituições às quais venham a

pertencer.

A Lei do Crime Organizado – Lei nº 9.034/95 trouxe algum avanço, como na

previsão da infiltração e da ação controlada visando desbaratar as organizações

criminosas, mas peca quando traz à baila a figura do juiz investigador. Este, além de

determinar diligências, também participará delas, o que fere os princípios

constitucionais por torná-lo eivado por uma conhecida parcialidade.

Se o Promotor de Justiça Pública não deve investigar, também não o deve o

Juiz de Direito, com mais razão ainda, por ferir os princípios da imparcialidade e da

ampla defesa, devendo manter a equidistância necessária para um julgamento justo.

Frise-se que a figura do juiz abordada nesta lei não se confunde com os poderes de

instrução do juiz previstos no princípio do contraditório.

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Agente Infiltrado

Consiste basicamente em permitir a um policial, geralmente da Inteligência,

infiltrar-se no seio da organização criminosa, passando a integrá-la como se

criminoso fosse. Atuando como integrante da organização e participando das

atividades diárias, das conversas, problemas e decisões, como também por

situações concretas, ele passa a ter condições de melhor compreendê-la para

melhor combatê-la, através do repasse das informações às autoridades.

As vantagens que podem advir desse mecanismo processual são evidentes:

fatos criminosos podem ser desvelados, assim como o modo de ação da

organização, nomes, principalmente dos chefes da organização e dos testas de

ferro, bens, planos de execução de crimes, agentes públicos envolvidos, nomes de

empresas e outros mecanismos utilizados para lavagem de dinheiro etc.

As questões que essa técnica de investigação suscitam poderiam ser

esquematizadas, distinguindo-se:

a) Fase prévia à infiltração:

‒ casos em que se pode permitir a atividade;

‒ autoridade competente para autorizá-la;

‒ pessoas que podem atuar como agentes infiltrados.

b) Fase de desenvolvimento da infiltração:

‒ autoridade competente para o seu controle e modo de exercê-lo;

‒ possível vulneração de direitos fundamentais;

‒ possíveis delitos cometidos pelo agente infiltrado.

A exclusão da antijuridicidade é evidente e inafastável quando há autorização

para a infiltração do agente, o que significa integrar o bando ou quadrilha para fins

de investigação policial.

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Agente Provocador

Este parte para a ofensiva, atuando ativamente como provocador da prática

criminosa, sem integrar ou participar da organização mas estimulando ou induzindo

o criminoso a praticar o delito.

A conduta do agente infiltrado é de obter provas da autoria e da materialidade

delituosas, mediante a inserção do agente às atividades criminosas, com a

conquista de certo grau de confiança da criminalidade, órgãos de persecução. Ele

não estaria na verdade integrando a organização criminosa, mas sim dissimulando a

sua integração com a finalidade de coletar informações e melhor viabilizar o seu

combate.

Assim, a ação controlada e a infiltração de agentes devem coexistir

harmoniosamente, pois o sucesso do mecanismo, tal como uma engrenagem, faz

um do outro depender.

Destarte, com a Lei nº 10.217/01, em seu artigo 2º, soluciona-se a questão

com a prévia autorização judicial, cujo requerimento deve ser fundamentado em

elementos de convicção do delegado de polícia. Sem tal solicitação e a consequente

autorização judicial a atuação encontra-se vedada.

Não se pode confundir o agente infiltrado com o agente provocador, pois o

infiltrado recebe ordem e autorização para infiltrar-se, com o intuito de manter

atividade passiva de observância e análise, passando a atuar em conjunto com os

criminosos ou dando apoio a eles. Por exemplo: infiltra-se numa organização de

narcotraficantes com o objetivo de entender quem, como e em que circunstâncias

eles fabricam, compram e/ou vendem entorpecentes ou armas. Quanto mais crimes

tiverem sido imputados ao agente, maior a confiança e maiores as estrelas

colocadas no peito dele pelos criminosos.

Já a atuação do agente provocador objetiva o desencadeamento da atividade

típica. Este é aquele que encoraja, induz, implanta, instiga e precipita a prática do

fato delituoso, provocando, segundo parte da doutrina, o chamado crime impossível.

Tal ocorre porque entendem, doutrina e jurisprudência, que sem a provocação o

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crime não ocorreria, não cabendo portanto a punição, por ineficácia absoluta do

meio ou objeto.37

Origens: Money Laudering, 1928, Chicago, Lei Seca, Al Capone, lavanderias

para ocultar o dinheiro ilicitamente auferido; 1970, caso Watergate. Inicialmente

originária do crime antecedente de tráfico de drogas (legislação de primeira geração,

EUA década de 70).

Depois disso, rol de crimes antecedentes como tráfico de drogas, armas e

munições, terrorismo, extorsão mediante sequestro, crimes contra a Administração

Pública, contra o sistema financeiro, praticado contra a Administração Pública

estrangeira e por organização criminosa (segunda geração, Brasil, Lei nº 9.613/98).

A Itália e os Estados Unidos foram os primeiros países a criminalizar a prática

da lavagem de dinheiro, a qual foi configurada internacionalmente apenas no final

dos anos 1980, pela ONU, através da Convenção de Viena de 1988 e, mais tarde,

em 1989, pelo Grupo de Ação Financeira – GAFI (ou Financial Action Task Force –

FATF), como coordenador que é da política internacional nessa área específica,

relacionando a atividade com a macrodelinquência econômica.

Alguns fatores foram cruciais para o crescimento da prática de lavagem de

dinheiro, dentre eles o narcotráfico, o surgimento dos bancos internacionais, o crime

organizado, a globalização do mercado financeiro internacional e o desenvolvimento

tecnológico que possibilitou a ampliação dos meios de comunicação.

Lavagem de dinheiro é a aplicação de bens ou valores de origem ilícita na

economia formal, dando-lhes assim aparência lícita. Por exemplo, um servidor

público corrupto pode aplicar o dinheiro obtido ilicitamente na criação, compra e

venda de gado. Com essa atividade, formalmente correta, poderá justificar o

aumento de seu patrimônio.

O crime de lavagem de dinheiro é atividade típica de organização criminosa,

vez que elas necessitam branquear o seu capital, ou seja, torná-lo lícito. Tal

atividade é praticada há décadas pelas organizações criminosas, desde as grandes

e transnacionais, como a Cosa Nostra Siciliana, até criminosos que operam o Jogo

do Bicho, infração penal prevista no artigo 48 da Lei das Contravenções Penais do

37

Súmula nº 145, do STF, artigo 17 do CP.

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Brasil. A lavagem de capitais é umas das atividades essenciais para uma

organização criminosa se manter, tornando seu dinheiro sujo com aparência de

limpo, dificultando o rastreamento de sua origem ilícita pelos órgãos estatais.

No Brasil, em 1998, foi editada a Lei nº 9.613, com o propósito de combater a

lavagem de dinheiro, também conhecida como branqueamento de capitais. Porém, a

redação conservadora dificultava a sua efetividade. Por tal motivo foi editada a Lei nº

12.683, de 9 de julho de 2012, alterando diversos dispositivos da lei antiga, com o

propósito de adequá-la à realidade e dar-lhe meios de alcançar os infratores.

A presente lei alterou o artigo 1º da anterior, revogando todos os crimes

antecedentes e colocando a lavagem proveniente de infrações penais, como

também ampliou o poder investigativo da polícia judiciária e determinou outros

mecanismos de controle legal sobre as atividades financeiras.

A mudança não é teórica e é fácil exemplificar. Banqueiros do Jogo do Bicho,

ao empregar seu capital em atividades comerciais (por exemplo, churrascarias), não

podiam ser acusados de lavagem de dinheiro, porque o antecedente era uma

contravenção (Lei das Contravenções Penais, artigo 58) e não um crime. Com a

nova redação dada ao artigo 1º, eles podem agora ser responsabilizados.

A pena prevista é rigorosa: 3 a 10 anos de reclusão e multa. O tipo penal

consiste em “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,

movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou

indiretamente, de infração penal”. E os parágrafos do artigo 1º alcançam todos que

colaborem para o branqueamento do capital. Por exemplo, quem: “utiliza, na

atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração

penal”. Aí, por exemplo, pode ser enquadrado o sócio de um servidor público

corrupto que, com ele, explora atividade comercial.

Mas a lei não fica só na repressão. A nova redação do artigo 10 ampliou o rol

de pessoas físicas ou jurídicas obrigadas a adotar medidas preventivas à lavagem

de dinheiro. Por exemplo, um corretor de imóveis que faça a intermediação de

negócio que, segundo orientações das autoridades competentes, possa constituir

sério indício de crime de lavagem de dinheiro ou com ele relacionar-se, está

obrigado a comunicar a transação ao COAF (Conselho de Controle de Atividades

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Financeiras), sob pena de severas sanções administrativas que, no grau máximo,

poderão chegar ao cancelamento da sua atividade.38

No âmbito processual, um novo dispositivo foi introduzido sob o nº 4-A,

permitindo a alienação antecipada de bens apreendidos para a preservação de seu

valor. Levados a leilão, preferencialmente eletrônico, terão que atingir valor mínimo

equivalente a 75% da avaliação. A quantia ofertada será depositada em conta

judicial e seu destino será decidido após o trânsito em julgado: devolvida ao

acusado, se absolvido, recolhida aos cofres do Estado, se condenado. Acaba-se

com o grave problema de fóruns e delegacias, com bens apreendidos amontoados

que se deterioram, aguardando o trânsito em julgado da sentença.

O artigo 17-B agora existente também é de relevância prática. Por ele a

autoridade policial e o agente do Ministério Público podem dirigir-se diretamente a

instituições (por exemplo, companhia telefônica), requisitando dados cadastrais do

investigado (por exemplo, endereço). Outrora estes órgãos exigiam ordem judicial,

levando a investigação a um emaranhado burocrático que em muito contribuía para

o insucesso.

O artigo 17-D, também ora introduzido, é dos mais polêmicos, pois dispõe

que: “Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo

de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente

autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno”. O afastamento preventivo não

fere a presunção de inocência, é medida cautelar prevista nos Estatutos dos

Servidores Públicos.39 Além disto, o indiciado poderá sempre ingressar em juízo.

A inovação legal visa pôr fim à usual prática de permanecer o servidor

acusado exercendo suas funções anos a fio, até que termine a ação penal ou o

processo administrativo, passando à sociedade a mensagem de que o crime

compensa.

Como se vê, as alterações da Lei de Lavagem de Dinheiro são um avanço na

tentativa de coibir a prática da criminalidade mais sofisticada, que na verdade é a

mais nociva ao Estado e à sociedade. Mas para que ela seja efetiva, é preciso que

38

Lei nº 9.613/98, artigos 9º, inciso X, 11, inciso II e 12, parágrafo 4º. 39

Lei nº 8.112/90, artigo 147.

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se prepare a Polícia Judiciária para as suas novas funções e que o Judiciário,

principalmente o estadual, especialize varas em crimes contra a ordem econômica.

Um dos pontos de grande valia da lei foi a ampliação dos poderes

investigativos do delegado de polícia e da atribuição do Ministério Público. Assim,

ambos podem, sem autorização judicial, requisitar dados cadastrais de pessoas

físicas e jurídicas, de órgãos e entidades privadas, validando em muito a

investigação policial e o processo penal.

a) Colocação ou conversão (placement):

Tendo como momentos anteriores a captação de ativos oriundos da prática de

crimes, essa fase consiste em uma instância de ocultação e escamoteação, que

se utiliza de diversos canais e procedimentos para a separação física do

criminoso e os produtos de seus crimes. Conta quase sempre, mas não

necessariamente, com a participação instrumental de instituições financeiras

tradicionais (bancos e empresas de crédito) e não tradicionais (bolsas de valores,

vendedores de metais, pedras preciosas e obras de arte, casas de câmbio,

doleiros e utilização de paraísos fiscais via transferência eletrônica).

b) Dissimulação ou cobertura (layering):

Para disfarçar a origem ilícita e dificultar a reconstrução da trilha do papel (paper

trail) e do caminho percorrido pelos valores, o criminoso procede a uma

superposição de transações, diluindo em incontáveis e disseminadas operações

e transações no país e no exterior, envolvendo multiplicidade de contas

bancárias, sob nomes diferentes, sujeitas a regimes jurídicos diferentes. Meios

para isso são a aquisição de títulos ao portador em sociedades anônimas,

transferências eletrônicas via cabo (wire transfer), descontos de cheques,

superfaturamento, fraudes bancárias, utilização fraudulenta de cartões de crédito,

falências fraudulentas, malversação de recursos públicos, criação de pistas

falsas no papel e o suporte de uma empresa off shore onde o controle estatal

seja escasso ou inexistente. Com a dissimulação, pretende-se dar aparência

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lícita e legítima, estruturando-se uma nova origem do dinheiro – é a “lavagem”

propriamente dita.40

c) Integração (integration):

Caracteriza-se pelo emprego dos ativos criminosos no sistema produtivo, pelo

retorno ao mercado pela criação, aquisição e/ou investimento em negócios lícitos

ou em compra de bens. É frequente que os lucros daí decorrentes passem a

“esquentar”, vale dizer, legitimar, o afluxo de novos volumes de dinheiro “sujo”,

agora disfarçados em lucros do negócio, muitas vezes fornecendo ao criminoso

uma fonte “legítima” para justificar seus rendimentos, caracterizando um

verdadeiro ciclo econômico.

As técnicas mais utilizadas para a execução de lavagem de capitais no Brasil

são estas:

a) Estruturação (smurfing): o agente divide o bolo do dinheiro em diversas quantias

pequenas, no limite permitido pela legislação. Nos Estados Unidos o limite

permitido para transferência de uma vez só é de U$ 10.000,00.

b) Mescla (commingling): o agente mistura seus recursos ilícitos com os lícitos de

uma empresa verdadeira, e depois apresenta o volume total como sendo

proveniente da receita lícita da empresa. Utiliza desde logo os recursos obtidos

ilegalmente na própria empresa para pagamento de pessoal etc., de forma a

dificultar o rastreamento.

c) Empresa-fachada: entidade legalmente constituída que participa ou aparenta

participar de atividade lícita. Está presente o imóvel, mas a sua destinação é

diversa da constante no contrato social.

d) Empresa fictícia: a empresa existe apenas no papel. Não há qualquer imóvel

destinado a qualquer tipo de atividade.

e) Compra de bens: o agente de lavagem de dinheiro comercializa bens ou

instrumentos monetários. Exemplo: Compra por 100 – declara ter pago 20 –

vende por 100.

40

VIGNA, Piero Luigi. La criminalità transnazionale organizzata. [S.l.: s.n.], 1998. p. 8

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f) Contrabando de dinheiro: transporte físico de dinheiro para outro país, aplicando-

o em banco estrangeiro, rompendo assim a ligação física.

g) Transferência eletrônica de fundos: transferência de fundos através de rede

eletrônica de comunicação entre bancos. Essa técnica permite distanciar

rapidamente o dinheiro de sua origem.

h) Compra/troca de ativos ou instrumentos monetários: o agente, por exemplo,

compra cheque administrativo e troca-o por traveller-cheque e então por dinheiro

novamente.

i) Venda fraudulenta de propriedade imobiliária: o agente compra um imóvel e

declara haver pago valor infinitamente menor. Paga a diferença ao vendedor às

escuras. Depois, a vende pelo preço normal justificando, por exemplo, a

realização de benfeitorias, transformando aquela diferença em lucro.

j) Mercado negro de câmbio colombiano: esse sistema, que os EUA chamam de “o

maior mecanismo de lavagem de dinheiro de drogas do hemisfério ocidental”,

surgiu nos anos 90. Um oficial colombiano se reuniu com o Departamento do

Tesouro americano para discutir o problema dos produtos americanos que

estavam sendo importados ilegalmente pela Colômbia usando o mercado negro.

Quando pensaram na questão considerando o problema de lavagem de dinheiro

de drogas, os oficiais americanos e colombianos analisaram os fatos e

descobriram que o mesmo mecanismo servia aos dois propósitos.

k) Reciclagem: Um estágio posterior a essas três fases, que pode ser chamado de

reciclagem ou recycling, consiste na adoção de procedimentos permanentes para

limpar os rastros logo após a conversão dos ativos ilícitos em bens, a esta altura

já “lavados”.

Recursos utilizados na investigação

‒ Interceptação das comunicações telefônicas: análise qualitativa e quantitativa de

conta reversa.

‒ Coleta e análise de dados: Sistema SEF, Junta Comercial, SRF, Detran e outras

fontes abertas (Google, sites de notícias, jornais, etc.).

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‒ Intercâmbio de informações com órgãos de inteligência: COAF, ESPEI-SRF, CSI-

MPRJ, SSINTE-RJ (disque-denúncia) etc.

‒ Técnicas operacionais de inteligência (CSI-MPRJ): Recons, vigilâncias, captação

ambiental etc.

Sinais de alerta de inteligência financeira

‒ Grande captação e movimentação de recursos.

‒ Incompatibilidade do estilo de vida com a renda lícita.

‒ Inexistência de bens em nome próprio.

‒ Desprezível movimentação financeira em contas pessoais.

‒ Utilização de empresas de fachada ou com atividade destinada à ocultação de

capitais.

‒ Saques ou depósitos em espécie e hipotecas (mortgages loans).

Ainda considerada uma legislação recente, a Lei nº 11.343/06 instituiu o

denominado Sisnad (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas),

prescrevendo também medidas para prevenção do uso indevido, atenção e inserção

social do usuário e dependentes de drogas, bem como estabeleceu normas para a

repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, definindo também

crimes e penas correspondentes. As Leis nos 6.368/76 e 10.409/02 que tratavam do

tema foram expressamente revogadas.

É de se observar que a atual Lei de Drogas entrou em vigor 45 dias após sua

publicação, isto é, no dia 8 de outubro de 2006.

Para os fins da nova lei, consideram-se drogas as substâncias ou produtos

capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em

listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.

Depreende-se, portanto, que a referida lei continua sendo norma penal em

branco e a sua complementação é publicada pela Anvisa, estando, por ora,

regulamentada pela Portaria SUS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998.

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Apesar de ser uma legislação recente, pode-se dizer que a nova Lei de

Drogas, no aspecto repressivo, é uma falácia. Insiste nos erros do passado.

Despenalizou o usuário, como se ele não integrasse o macrossistema criminal; não

avançou no procedimento investigatório; limitou-se a aumentar o prazo de conclusão

do inquérito no caso do réu preso; exigiu, no plano administrativo, prévia licença da

autoridade para preparação ou qualquer forma de manipulação da droga; impôs aos

delegados de polícia o dever de incinerar de imediato as plantações ilegais de

drogas; tipificou o crime de oferecimento ocasional para consumo conjunto e lhe

impôs uma pena branda (favorecendo o tráfico entre próximos); estabeleceu a

cooperação internacional (intercâmbio de informações legislativas, de inteligência e

de informações sobre criminosos), bem como outras similitudes decorrentes do

direito penal mínimo, adotados e venerados no país.

Apesar da lei também conter dispositivo específico referente à possibilidade

de infiltração de policiais, tal medida não é adotada em especial por total falta de

norma que regulamente tal procedimento.

Quanto à metodologia das investigações visando à repressão ao tráfico de

drogas, continua sendo eficaz a infiltração de policiais, passando-se por usuários de

drogas, para a localização de microtraficantes, em especial nas denominadas

baladas, além da interceptação telefônica para a localização de grandes traficantes

de drogas, inclusive internacionais.

Também são utilizados mecanismos de áudio e vídeo para identificação das

chamadas “bocas” de droga, principalmente das próximas às escolas e

estabelecimentos públicos com movimentação elevada de pessoas. Aliás, a

legislação prevê aumento da pena (artigo 40, § III) quando a infração for cometida

nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino e

hospitalares, etc.

Por fim, atualmente, a ferramenta de grande importância é a investigação

sobre a lavagem de dinheiro proveniente do tráfico ilícito de drogas.

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73

6 CONCLUSÃO

A instituição da Polícia Civil necessita repensar o aprimoramento da

investigação policial, não só através dos seus dirigentes, mas de todos os policiais

civis. O emprego de novas técnicas de investigação com criatividade, iniciativa,

ações previamente analisadas, eficiência, utilização dos recursos de que se dispõe,

resultará, sem dúvida nenhuma, na melhoria dos maiores índices de esclarecimento

de crimes.

O que se pretendia com a elaboração do trabalho em pauta, resultado este

que foi efetivamente alcançado, era demonstrar que Sócrates não representou

somente o marco divisório no estudo da Filosofia, por voltar suas atenções ao ser

humano em detrimento do cosmos ou da natureza, mas, sob uma óptica mais

apurada, concluir que ele foi o precursor do que conhecemos hoje por investigação

policial, principalmente no que diz respeito à busca do conhecimento, da verdade

junto às pessoas (vítimas, partes, testemunhas), independentemente das provas

materiais. Com seu método próprio de interagir com seus concidadãos, Sócrates

tinha a capacidade de conversar com todos, em qualquer lugar e sobre todas as

coisas, iniciando os diálogos com assuntos de somenos importância, até alcançar os

de interesse, verificando, de situação em situação, as peculiaridades, as

particularidades e, principalmente, em que contexto aquele indivíduo estava inserido,

qual era a sua concepção de mundo, e até onde ele acreditava que era detentor do

conhecimento sobre as coisas e fatos cotidianos. A princípio buscava conceitos,

acreditando que somente estes, com clareza, poderiam ter a virtude da prática do

bem, deixando evidente a sua posição, através da sua frase característica –

“Somente sei que nada sei”. Todavia, ele reconhecia sua superioridade intelectual

em relação a seus interlocutores, revelando a sua aversão aos cidadãos atenienses

que tinham opinião sobre tudo e todas as coisas sem nada saber, deturpando a

verdade, desinteressados na busca da verdade/sabedoria, pelo comodismo

decorrente de ideias prontas.

Por enquanto, não se vive em uma sociedade justa, sem criminalidade,

sobretudo por causa da presença de fatores sociais que diferenciam as pessoas que

convivem proximamente. Mas, quanto maiores forem os índices de esclarecimento

de crimes, com os autores presos, a população perceberá a importância da

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investigação policial, e consequentemente, terá plena sensação de segurança, o que

aumentará a credibilidade na instituição da Polícia Civil. Assim, e conforme esse

enfoque, ao se comprovar os vários processos de investigação para os diversos

tipos de infrações penais, verificar-se-á que a Polícia Investigativa se constitui em

um dos meios mais eficazes de inibição do alto índice de criminalidade.

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