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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO THAIS MATALLO CORDEIRO GOMES AÇÃO RESCISÓRIA COM FUNDAMENTO NA VIOLAÇÃO DE SÚMULA VINCULANTE E PERSUASIVA MESTRADO EM DIREITO SUBÁREA DIREITO PROCESSUAL CIVIL São Paulo 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

THAIS MATALLO CORDEIRO GOMES

AÇÃO RESCISÓRIA COM FUNDAMENTO NA VIOLAÇÃO DE SÚMULA

VINCULANTE E PERSUASIVA

MESTRADO EM DIREITO

SUBÁREA DIREITO PROCESSUAL CIVIL

São Paulo

2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

THAIS MATALLO CORDEIRO GOMES

AÇÃO RESCISÓRIA COM FUNDAMENTO NA VIOLAÇÃO DE SÚMULA

VINCULANTE E PERSUASIVA

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo como exigência

parcial à obtenção do título de Mestre em

Direito Processual Civil, sob a orientação

da Professora Doutora e Livre-Docente

Teresa Arruda Alvim Wambier.

São Paulo

2014

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THAIS MATALLO CORDEIRO GOMES

AÇÃO RESCISÓRIA COM FUNDAMENTO NA VIOLAÇÃO DE SÚMULA

VINCULANTE E PERSUASIVA

Banca Examinadora

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Dedico este trabalho aos meus exemplos

de vida: meus pais, que jamais pouparam

esforços em prol da minha educação e da

minha irmã, Sabrina.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a professora Teresa Arruda Alvim Wambier, que desde o meu

primeiro dia no mestrado, tornou-se uma referência de profissional, cuja

determinação, conhecimento e energia inspira não somente a mim como diversos

novos processualistas. Antes de ser uma excelente professora (e quanto a isso não

há dúvidas) é um exemplo de pessoa que não mede esforços para conceder

oportunidades incríveis aos novos estudiosos do direito.

Não poderia deixar de agradecer aos mestres que efetivamente fizeram a

diferença ao longo dos quatorze anos que frequentei a PUC. Na graduação já pude

ter exemplos primorosos: Antonio Carlos Malheiros, Carlos Alberto Ferriani e Marcus

Vinícius de Abreu Sampaio. A vocês o meu agradecimento pelo exemplo, em

momento tão incerto como é o início do curso de direito. Aos professores João

Batista Lopes, Sergio Shimura e Francisco Cahali, que sempre me apoiaram e

acreditaram no meu potencial para, um dia, tornar-me aluna mestranda. Por fim, mas

nem por isso menos importante, o ilustre professor Cassio Scarpinella Bueno,

profissional que somente tive oportunidade de conhecer quando ingressei no

mestrado, mas que desde a graduação me apoiou e me ensinou demasiadamente,

por meio de suas irretocáveis obras. É um professor digno de muitos aplausos, que

transmite em seus olhos a paixão e o gosto em transmitir, sem qualquer receio, o

seu amplo conhecimento.

A todos os amigos que fiz ao longo desses anos na PUC. A começar pela

“NE”. Turma de amigos que estudavam a noite e que, depois de um dia inteiro de

estágio pesado, eram responsáveis pelas risadas e conversas agradáveis que

duram até os dias de hoje. São amigos que levarei para o resto da minha vida, com

muito orgulho, carinho e dedicação. Após, os amigos de mestrado, que contribuíram

efetivamente para a realização de um sonho que é, justamente, a elaboração deste

estudo. Agradeço a todo esse grupo, na pessoa do meu padrinho de casamento,

Paulo Nasser, as intermináveis discussões, debates e valorosos conselhos.

Ao Escritório Siqueira Castro, nas pessoas dos Doutores Siqueira Castro,

Carlos Fernando e Heitor, por todo apoio que me é fornecido desde o início da

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nossa parceria, em abril de 2002. A minha dedicação incansável é o mínimo que

posso fazer para retribuir tudo o que sempre me foi concedido nesta casa. Tenho

orgulho imenso de fazer parte da história da Siqueira Castro Advogados.

Na pessoa da Aline Tomasi, gostaria de agradecer a toda a minha equipe

de trabalho, que me deu absoluto apoio para que a elaboração deste trabalho fosse

possível. Sem esse time, certamente, o resultado aqui apresentado não seria

possível. A vocês, muito obrigada!.

A minha família, na pessoa do meu avô Lauro de Lucca Matallo, por todo

o suporte e formação, que, certamente, são os diferenciais que tenho para enfrentar

os desafios da vida, independentemente do tamanho que se apresentam.

Por fim, ao meu marido Gustavo Gomes (GGG), um exemplo para mim.

Tenho muito orgulho de poder construir uma família ao seu lado, um homem íntegro,

justo, inteligente, companheiro que, diariamente, busca fazer os nossos dias mais

felizes e sólidos. A sua palavra certa e o seu olhar carinhoso sempre me ajudam a

caminhar e seguir em frente, lutando para conquistar nossos sonhos.

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“A vitória do autor de ação rescisória é menos provável do que as outras vitórias, mas de si só supõe a luta que se travou, para se desconstituir a res iudicata. A própria Justiça condena e corrige o seu erro. Corrigindo-o, eleva-se a si mesma.”

Pontes de Miranda

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RESUMO

GOMES, Thais Matallo Cordeiro. Ação rescisória com fundamento na violação de súmula vinculante e persuasiva. 2014. 177f. Dissertação (Mestrado em Direito)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2014. O objeto deste trabalho é o estudo da possibilidade de ajuizamento de ação rescisória com fundamento na violação de súmula, seja ela vinculante ou persuasiva. O atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça é o de que as súmulas não podem ser equiparadas à lei e, portanto, não podem ser base de ação rescisória, com fundamento no inciso V do art. 485 do CPC. Neste trabalho, que terá como suporte metodológico a técnica de pesquisa bibliográfica, será feita uma análise acerca desse entendimento para, ao final, concluir, de lege lata, se é ou não possível o ajuizamento de ação rescisória por violação de súmula vinculante e/ou persuasiva, tendo como fundamento justamente o inciso V do art. 485 do CPC. Para tanto, optou-se por iniciar a presente dissertação a partir de um breve estudo acerca das principais características da ação rescisória. Como se pretende analisar a possibilidade do ajuizamento de referida ação por violação de súmula vinculante e/ou persuasiva tendo como fundamento legal o inciso V do art. 485 do CPC, no primeiro capítulo será dado um enfoque mais detalhado de referido inciso. Estudos como, por exemplo, envolvendo o sentido de “violação a literal dispositivo de lei” (entre outros) serão amplamente abordados nesta parte do trabalho. Em seguida, as súmulas (tanto as vinculantes como as persuasivas) também serão objeto de análise. Inicialmente, serão estudados aspectos gerais de cada uma das súmulas para, posteriormente, enfrentar temas polêmicos que apresentam relação com o assunto tratado. É o caso, por exemplo, da eficácia e do alcance das súmulas, bem como a polêmica envolvendo eventual usurpação, pelo Poder Judiciário, de poderes que, a princípio, seriam restritos ao Poder Legislativo. Neste ponto do trabalho também será analisada a natureza jurídica das súmulas e a eventual possibilidade de sua equiparação à lei, tudo com base na teoria geral do Direito. Ao final, com esteio em toda a linha argumentativa realizada nos capítulos anteriores, será abordada a possibilidade de ação rescisória por violação de súmula vinculante e persuasiva, e analisados alguns aspectos procedimentais (por exemplo: prazo e termo a quo para o ajuizamento da ação rescisória), necessários à plena compreensão do assunto. Findo o estudo, justamente com fundamento no art. 485, inc. V, do CPC, conclui-se pela possibilidade de ajuizamento de ação rescisória quando constatada violação de súmula vinculante e persuasiva.

Palavras-chaves: Ação rescisória. Sentença de mérito. Trânsito em julgado. Violação

de súmula vinculante e persuasiva. Cabimento.

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ABSTRACT

GOMES, Thais Matallo Cordeiro. Action to reverse res judicata based on binding and persuasive precedents 2014. 177p. Dissertation (Master in Law)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2014. This dissertation has as its aim the study of the possibility of filing an action for the reversal of res judicata based on a Brazilian Superior Court of Justice (STJ) precedent, which may be binding or merely persuasive. The current position of the STJ is in the sense that precedents are not equivalent to legal statutes and, therefore, may not serve as grounds for the action to reverse res judicata, based on article 485, V, of the Brazilian Procedural Law Code (CPC). This paper analyses the aforementioned court position, in order to reach a conclusion (de lege lata) on whether there are grounds for an action to reverse res judicata based on the violation of a binding and/or persuasive precedents. For this purpose, the author opted to initiate the dissertation with a brief study of the main features of the action to reverse res judicata. Emphasis will be given to article 485, V, of CPC, specially to the definition and interpretation of the said "literal violation of the Law" (among others). Subsequently, the precedents (binding and persuasive) will be analysed. The author starts from general aspects towards polemical and practical questions related to the matter under study, e.g., the effects and reach of the precedents, as well as the possible and questionable interference of the Judiciary in the constitutional competence of the Legislature. At this time, the legal nature of the precedents and its possible equivalence to statutory law will be also evaluated under the light of the general law principles. Finally, as a result of the argumentative line developed on the previous chapters, the dissertation will state whether the Brazilian legal system allows an action to reverse res judicata based on binding and persuasive precedents. Procedural aspects of the action will be also tackled (e.g. time limitation and first day of the term to file the action). After the study, precisely on the basis of art. 485, inc. V, of the CPC code, the conclusion is by the possibility of filing a rescission action when observed violation of binding and persuasive precedents.

Keywords: Action to reverse res judicata. Decision on the merits. Res Judicata.

Violation of binding and persuasive precedents. Grounds.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 – AÇÃO RESCISÓRIA ....................................................................... 18

1.1 BREVE HISTÓRICO ........................................................................................... 18

1.2 CONCEITO DE AÇÃO RESCISÓRIA NA DOUTRINA BRASILEIRA .................. 22

1.3 SENTENÇA DE MÉRITO .................................................................................... 24

1.4 TRÂNSITO EM JULGADO E COISA JULGADA ................................................. 34

1.5 DO PRAZO PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA ............................. 39

1.6 SOBRE A EXPRESSÃO “VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSITIVO DE LEI” ......... 53

CAPÍTULO 2 – SÚMULAS ....................................................................................... 68

2.1 BREVE HISTÓRICO NO DIREITO BRASILEIRO ............................................... 68

2.2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DAS SÚMULAS ......................................... 71

2.2.1 Súmulas vinculantes ...................................................................................... 79

2.2.2 Súmulas persuasivas ..................................................................................... 85

2.3 CLASSIFICAÇÃO DAS SÚMULAS ..................................................................... 97

2.4 SÚMULA: NATUREZA JURÍDICA ....................................................................... 99

2.4.1 Súmula: norma jurídica geral e abstrata .................................................... 100

2.4.2 Súmulas como norma jurídica: violação à tripartição de poderes? ....... 106

2.5 EFEITO VINCULANTE DAS DECISÕES DO PODER JUDICIÁRIO NO

BRASIL ................................................................................................................... 111

2.6 RECLAMAÇÃO ................................................................................................. 113

2.6.1 Cabimento ..................................................................................................... 113

2.6.2 Natureza jurídica .......................................................................................... 118

2.7 COMMON LAW ................................................................................................. 121

2.7.1 Precedentes vinculantes no Brasil: uma aproximação do common

law? ....................................................................................................................... 121

2.7.2 Precedentes vinculantes no sistema de common law .............................. 124

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CAPÍTULO 3 – AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO DE SÚMULA

VINCULANTE E PERSUASIVA: QUESTÕES (POLÊMICAS)

RELACIONADAS ................................................................................................... 131

3.1 CABIMENTO ..................................................................................................... 131

3.1.1 Desconstituição da coisa julgada constituída anteriormente e

contrariamente à publicação da súmula ............................................................. 137

3.1.2 A eficácia imediata da súmula e o direito material: análise necessária

para solução de problemas intertemporais ........................................................ 148

3.2 PRAZO PARA AJUIZAMENTO ......................................................................... 150

3.3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DA SÚMULA ............................... 151

3.3.1 Ação rescisória fundamentada em súmula inconstitucional ou

cancelada ............................................................................................................... 156

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 160

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 163

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INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico brasileiro é pautado principalmente na lei, que,

por sua vez, é editada por seres humanos integrantes do Poder Legislativo. Trata-se

de pessoas que, não sendo necessariamente nem operadores nem conhecedores

do direito, algumas vezes, podem cometer excessos no que tange à não

observância do nosso ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional.

Da mesma forma, podem ser editadas leis (e, de fato, são editadas) que,

na medida em que são aplicadas ao caso concreto geram dúvidas com relação a

sua “correta” interpretação1.

A análise das leis – seja para dar a elas a correta interpretação, seja para

verificar a sua harmonia com o ordenamento jurídico existente – é tarefa dos

tribunais superiores2.

É com muito pesar que assistimos, a cada dia, a deturpação da efetiva

função dos tribunais superiores. Hoje, infelizmente, os referidos tribunais são mais

utilizados como “terceira instância” de julgamento de um caso específico do que,

efetivamente, como órgão responsável por guardar a Constituição Federal e as leis

federais, com vistas a lhes garantir a correta interpretação e utilização.

Inúmeros institutos foram criados pelo nosso legislador para que a função

precípua dos tribunais superiores voltasse a ser seguida. É o caso, por exemplo, do

instituto da repercussão geral dos recursos extraordinários, interpostos perante o

1 “A rigidez que poderia se esperar encontrar nos sistemas de civil law, como uma de suas principais

características, tem um contrapeso, que pode gerar um imenso desequilíbrio (como ocorre no Brasil): juízes podem decidir de acordo com suas próprias opiniões a respeito do sentido da lei.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo. São Paulo, RT, ano 34, n. 172, jun. 2009. p. 137. 2 “Há, agora, preocupação em fixar, através do próprio Judiciário, a unidade do direito, ou, mais

precisamente para aquela época, a uniformidade da interpretação da lei no país e nos vários tribunais inferiores. Basicamente, isso se tornou possível por dois motivos. Primeiramente, adquiriu-se consciência de que a leitura do texto da norma implica um ato de compreensão que, assim, abre oportunidade para várias definições e, portanto, interpretações. Outrossim, tornou-se inquestionável que o ato de compreender a lei era incumbência do judiciário e não do legislativo. O que passou a importar, em verdade, foi tão somente se seria conveniente admitir que o judiciário exprimisse, em um mesmo momento histórico, várias interpretações para a mesma lei.” MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 59.

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Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse particular, a preocupação do STF está

relacionada com situações em que a solução jurídica irá alcançar toda a coletividade

e não apenas particulares, como ocorre em uma lide.

Com o mesmo objetivo, verificou-se a criação das súmulas vinculantes.

Assim, a partir do momento em que o STF, analisando determinada divergência

sobre o entendimento de uma lei, fixa um entendimento e edita um enunciado

resultante desta interpretação, é natural que todos os demais órgãos do Poder

Judiciário (subordinados a ele), respeitem e sigam esta orientação.

Independentemente de previsão legal neste sentido, como ocorre no caso

do art. 103-A da Constituição Federal (CF), o ideal seria que os órgãos

hierarquicamente inferiores às cortes superiores observassem a orientação fixada e

sedimentada, curvando-se a ela. Bem aqui, surge a primeira indagação: isso

engessaria o Poder Judiciário? Não. Há situações em que será conferida ao juiz a

ampla possibilidade de julgar determinado caso de acordo com o seu livre

convencimento.

Da forma como o Poder Judiciário está sobrecarregado, existirão

inúmeros casos complexos que o juiz poderá julgar de acordo com a sua convicção3,

desde que mediante decisão fundamentada e nos limites dos preceitos

constitucionais. E não é demais observar que:

A utilização de súmula não diminui juiz nenhum, isso libera o juiz para estudar questões que ainda não foram estudadas. Em vez de o

3 “Continuamos a viver uma ilusão: a de tratar os processos de massa como se fossem processos

individuais de conflitos inter partes, como se fosse o desquite de João com Maria ou o homicídio de Antonio, que matou Joaquim. [...] tem-se que questões decididas pelo Tribunal há três, quatro, cinco anos continuam a congestionar suas pautas, em homenagem à independência do juiz das instâncias inferiores, que não se vincula à decisão e pode, então, por amor à sua própria convicção, permanecer anos, anos e anos a decidir contrariamente à decisão absolutamente tranquilizada no Supremo Tribunal. Isso é o que chamo de uma ‘visão romântica’ que se recusa a ver os mecanismos do processo e da jurisdição para as questões individuais. Pode haver acerto, consenso sobre essa ou aquela questão jurídica, mas a questão de fato é necessariamente única. Não se pode transportar para essa litigiosidade de massa, sobretudo na área previdenciária, que tem trazido, a cada ano, centenas de milhares de processos que nenhuma máquina judiciária comporta. O que chega ao Supremo – nesses números absolutamente astronômicos, indecentes – é uma parcela do que congestiona a Justiça Federal.” PERTENCE, Sepúlveda. Efeito vinculante das decisões do STF: uma solução para o Judiciário. [Parte de palestra transcrita por Fernando da Costa Tourinho Neto]. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 128, out.-dez. 1995. p. 187.

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juiz continuar examinando questões sobre as quais o Supremos já se debruçou, vai estudar o que ainda não foi estudado.4

Não é sempre que os tribunais superiores fixam entendimento em um ou

em outro sentido. Ao contrário disso, infelizmente, há inúmeros casos que a

divergência de opiniões se mantém dentro do mesmo tribunal. Há, ainda, situações

fáticas novas que aos tribunais ainda não foi dada oportunidade de manifestação.

Em casos como estes, o juiz terá liberdade para proferir julgamento de acordo com o

seu livre convencimento.

Não se defende, aqui, o fim de qualquer tipo de discussão (e até mesmo

divergência) entre os operadores do direito, mas há situações em que o

entendimento consolidado dos tribunais superiores deve necessariamente ser

seguido por todos e esta afirmação, infelizmente, parece trazer grande desconforto.

Possivelmente por resquícios de um período de ditadura vivenciado no

Brasil, e não faz muito tempo, a outorga dessa autoridade a um dos três poderes

brasileiros (no caso, ao Judiciário) gera desconfiança e preocupação com a proteção

da democracia conquistada a “duras penas”.

Ocorre que tanto a Corte Suprema do país como o Superior Tribunal de

Justiça (STF) são órgãos máximos do nosso Poder Judiciário e, como tais, devem,

sim, ter certos poderes, sem que isso signifique desrespeito ao nosso Estado

Democrático de Direito. Aliás, ao contrário disso, aceitar que existam decisões

judiciais opostas em casos idênticos, isso, sim, é deveras desrespeitoso com os

jurisdicionados. É desrespeito com o cidadão deixá-lo sem uma orientação de

conduta5 , uma vez que a interpretação de determinada lei, ora é dada em um

sentido, ora em outro.

4 VILLELA, João Guilherme. Efeito vinculante das decisões do STF: uma solução para o Judiciário.

Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 128, out.-dez. 1995. p. 187. 5 “Efetivamente, o nosso País, após ter conquistado a estabilidade monetária, precisa agora também

da segurança jurídica para que as empresas possam planejar o seu futuro e fazer os investimentos necessários e imprescindíveis para a sua sobrevivência numa economia globalizada, dinâmica e cada vez mais competitiva.” WALD, Arnold. Eficiência judiciária e segurança jurídica: a racionalização da legislação brasileira e reforma do Poder Judiciário. In: MACHADO, Fábio Cardoso; MACHADO, Rafael Bicca (Coord.). A Reforma do Poder Judiciário. São Paulo: Quatier Latin, 2006. p. 56.

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Não se pode ignorar que atualmente a população pode estar descrente

com a atuação desses tribunais. Isso se deve, principalmente, ao fato de que, com

certa frequência, verifica-se alteração de entendimentos na Corte, em um mesmo

momento histórico. Bom exemplo disso foi o julgamento proferido no início do ano de

20136 perante o STJ, no sentido de que não era cabível o ajuizamento de ação

rescisória com fundamento em violação de súmula. Meses depois, o mesmo tribunal

entendeu que é, sim, cabível o ajuizamento de referida ação quando à época da

decisão determinada súmula deixou de ser observada.7

A situação jurídica apresentada, embora apresente certo grau de

profundidade teórica, não justifica entendimentos divergentes (na verdade, opostos)

em tão pouco tempo, dentro de um mesmo tribunal.

Se as cortes superiores não são completamente confiáveis (pelas razões

aqui apresentadas), trata-se de outro problema que merece reflexão (como por

exemplo, a forma de indicação dos nossos ministros ou mesmo a maior

transparência no momento de editar uma súmula8), mas é certo que deturpar a

função destes tribunais para corrigir tal fragilidade não parece ser a solução mais

adequada.

Sabe-se que, no presente, o Poder Judiciário vive em estado de colapso.

Também é cediço que não se trata de um problema atual. Em 2004, ou seja, há

quase dez anos, houve a reforma conhecida como “A reforma do Poder Judiciário”,

em que as preocupações eram praticamente as mesmas que afloram nos dias de

hoje, ou seja, conferir aos jurisdicionados maior efetividade na prestação

jurisdicional estribada no pilar da celeridade.

De forma alguma se aponta, aqui, um eventual “fracasso” da mencionada

reforma, mas é fato que o caminho de uma justiça mais efetiva, mais célere, com

6 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação Rescisória 4112-SC (2008/0248523-4), Terceira Seção.

Relator Min. Marco Aurélio Bellizze. Brasília, DF. Julgamento 28.11. 2012. Publicação 26.04.2013. 7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1163267 – RS (2009/0206097-0), Quarta

Turma. Relator Min. Luis Felipe Salomão. Brasília, DF. Julgamento 19.09.2013, aguardando publicação de acórdão. 8 “Cada vez mais e mais transparentes devem ser os critérios de escolha dos ministros do STF, se a

eles agora cabe editar súmulas, que só devem prestar a gerar mais segurança e previsibilidade, nunca ‘engessar’ ou ‘congelar’ o direito.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, Recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 239.

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maior respeito a princípios como isonomia, igualdade, segurança jurídica, ainda não

foi encontrado.

A conscientização da verdadeira função dos tribunais superiores, em

especial do STF, parece ser o primeiro passo para alcançar tal ideal e isso por

diversos motivos.

A fixação de uma tese jurídica pelas cortes superiores faz com que os

jurisdicionados não necessitem bater à porta do Poder Judiciário para definir, por

exemplo, se devem ou não recolher determinado tributo em certa operação. Da

mesma forma, eventuais ações ajuizadas serão julgadas em um único sentido,

respeitando a isonomia entre os jurisdicionados. As consequências dessas teses

são, inegavelmente, positivas.

Em sentido oposto, hoje, ainda é possível notar decisões proferidas em

total dissonância com entendimentos consolidados e fixados pelos tribunais

superiores em súmulas que, conforme será verificado no presente estudo,

estratificam o entendimento fixado pela Corte acerca de determinada tese jurídica.

Em contrapartida, conforme mencionado linhas atrás, há entendimentos

no sentido de que tais decisões não poderiam ser rescindidas, na medida em que

apenas eventual “violação de lei” autorizaria a utilização do instituto.

Visto o problema por esse ângulo, decisões de mérito transitadas em

julgado proferidas sem a devida observância de súmulas, portanto, ficariam

imutáveis. É justamente sobre esta problemática que se debruça o presente

trabalho.

Sem deixar de lado as raízes romano-germânicas do direito pátrio nem a

tradição de civil law, o objetivo precípuo deste estudo é analisar, de lega lata, a

possibilidade de rescisão de decisões de mérito que violem súmulas vinculantes e

persuasivas.

De acordo com o inciso V do art. 485 do Código de Processo Civil (CPC),

somente as decisões que violarem “literal dispositivo de lei” poderão ser rescindidas.

Então, pode-se dizer que é possível estender este dispositivo às sentenças (lato

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sensu) que violarem as súmulas? Há alguma diferença, neste aspecto, para o caso

de a violação ter sido a sumula vinculante ou persuasiva? Essas são, pois, algumas

das perguntas que terão suas respostas apresentadas ao longo deste estudo, na

tentativa de alinhavar a sua solução.

No que tange ao desenho da metodologia, o trabalho monográfico terá

como base a abordagem de raciocínio dedutivo – assim entendido aquele que parte

de proposições mais gerais sobre determinado assunto para, então, vislumbrar uma

explicação para a problemática definida – e como técnica de procedimento a

pesquisa bibliográfica, necessária para arregimentar um referencial teórico

consistente sobre o tema abordado. Os dados, de natureza secundária, serão

extraídos da doutrina especializada, principalmente livros, revistas, artigos e sites

afins, e jurisprudências emanadas das cortes pretorianas pátrias.

Tendo em vista que o tema proposto é a possibilidade de ajuizamento

desta ação e o fundamento de que a violação de súmula vinculante e persuasiva,

não se mostra pertinente nem mesmo possível 9 tratar de todos os aspectos

relacionados à “ação rescisória”, de modo que a abordagem se voltará para

assuntos efetivamente relevantes ao entendimento do tema aqui proposto como é o

caso, por exemplo, do conceito de ação rescisória e respectivo prazo para

ajuizamento. Também extrapola o contorno deste trabalho abordar com

profundidade, por exemplo, cada um dos incisos elencados no art. 485 do CPC, uma

vez que não se relacionam com a presente temática, tampouco se pretende, aqui,

elaborar um manual sobre a ação rescisória.

Assim, para demonstrar e comprovar a possibilidade do ajuizamento de

ação rescisória com fundamento na violação de súmula, a presente dissertação foi

estruturada em três capítulos.

No primeiro capítulo, a análise do tema será iniciada com o estudo dos

aspectos relacionados à ação rescisória. Aqui, a atenção se voltará para a hipótese

específica do inciso V, que trata do ajuizamento da ação rescisória por “violação a

literal dispositivo de lei”, absolutamente importante para o estudo em pauta.

9 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda escreveu um Tratado de quase oitocentas páginas para

abordar dos aspectos relevantes relacionados à ação rescisória.

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17

Em seguida, no segundo capítulo, é a vez de discorrer sobre a súmula

vinculante e, também, persuasiva. Com base no seu histórico no direito brasileiro,

conceito, características e natureza jurídica, será avaliada a possibilidade de

equiparação da súmula à lei, momento em que se enfrentará, por exemplo, a

problemática envolvendo a tripartição de poderes e a possibilidade de o Poder

Judiciário editar normas jurídicas. Neste ponto do estudo também será analisada a

possibilidade de precedentes vinculantes (como no caso da súmula vinculante) no

Brasil, país de tradição romano-germânica, tendo a lei como fonte de direito.

Com base em todos os conceitos estudados e revisitados nos capítulos

anteriores, será, finalmente, analisada a possibilidade de ajuizamento de ação

rescisória para rescindir decisão transitada em julgado que viole súmula vinculante

ou persuasiva e todos os aspectos que advêm desse entendimento. É o caso, por

exemplo, do aspecto temporal relacionado ao assunto e que invocam importantes

questões: decisões de mérito transitadas em julgado antes da edição da súmula,

podem ser rescindidas? A edição das súmulas alcança fatos pretéritos? É possível

haver controle de constitucionalidade das súmulas? Estas e outras perguntas

polêmicas serão respondidas no terceiro e último capítulo do presente estudo, na

esperança de trazer mais luz a tão importante tema do cotidiano da justiça brasileira.

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18

CAPÍTULO 1 – AÇÃO RESCISÓRIA

1.1 BREVE HISTÓRICO

No direito romano encontramos as raízes da ação rescisória. Naquela

época, os romanos já conviviam com um instituto denominado restitutio in

integrum10.

Nas palavras de José Carlos Moreira Alves, restitutio in integrum significa

reposição à situação anterior11, ou seja, o magistrado (pretor) poderia considerar

como não realizada determinada formalidade processual ou negócio jurídico,

restituindo as partes ao estado anterior. E completa a lição:

A restituição in integrum era o ato do magistrado pelo qual ele considerava não realizado o negócio jurídico ou formalidade processual, aos quais o ius civile reconhecia efeitos jurídicos, por considerar que esses efeitos eram contrários à equidade. Assim sendo, a restituição in integrum era, dos meios complementares do processo formulário, o mais radical, pois tinha como não realizados negócios jurídicos legalmente celebrados, ou formalidade processuais regularmente observadas. Em virtude dela, retornava-se ao estado anterior ao da celebração do negócio jurídico ou do cumprimento da formalidade processual. Por isso o magistrado denegava as ações civis que surgiam desses negócios jurídicos, bem como concedia aquelas que, em virtude deles, tinham deixado de existir para o ius civile. [...] No direito clássico, na parte inicial do Edito, uma lista das causas que davam margem à concessão do restitutio in integrum, eram as seguintes: ob aetatem (por causa de idade), ob absentiam (por causa da ausência), ob capitis deminutionem (por causa do capitis deminutio), ob errorem (por causa de erro), ob metum (por causa de coação), ob dolum (por causa de dolo) e ob fraudem creditorum (por causa de fraude contra credores). Mas o magistrado podia conceder a restitutio in integrum mesmo quando ocorressem causas não previstas no Edito. Por outro lado, a restitutio in integrum era concedida se solicitada dentro do prazo de um ano útil, a contar, porém, não da data da

10

“Em certos casos previstos no Edito, o descontente com o julgamento podia pedir ao pretor que lhe concedesse contra a sentença uma restitutio in integrum, a qual, uma vez concedida, fazia com que se considerasse como não tendo havido julgamento algum, dando margem, então, a que se promovesse novo processo.” ALVES, José Carlos Moreira. História do direito romano. Instituições de direito romano. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971. v. I. p. 250. 11

ALVES, José Carlos Moreira. História do direito romano. Instituições de direito romano, v. I. p. 262.

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celebração do negócio jurídico ou do cumprimento da formalidade processual, mas daquela em que fosse possível a solicitação da medida (assim, por exemplo, quando o menor se tornasse maior; quando o ausente regressasse; quando o dolo fosse descoberto).12

Identifica-se, portanto, instituto similar ao da atual ação rescisória, na

medida em que certa decisão poderia ser considerada como “não realizada”, dando

margem, em seu lugar, à elaboração de um novo decisum.

À mesma conclusão chegou Ronaldo Cramer, apoiado em estudos

desenvolvidos por Moacyr Lobo da Costa e José Rogério Cruz e Tucci:

A restitutio in integrum tinha contornos bastante parecidos com a nossa ação rescisória. O pedido podia ser julgado em duas fases. Na primeira, chamada de iudicium rescindens, o pretor apreciava se rescindia o julgado, e na segunda, denominada iudicium rescissorium, que nem sempre ocorria, o pretor decidia novamente o conflito ou determinava que o magistrado privado decidisse conforme determinadas regras. Esses dois juízos perduram até hoje como as fases de julgamento da ação rescisória.13

Com relação à restitutio in integrum, contudo, duas peculiaridades

merecem ser observadas. A primeira alude ao fato de que poderia ser concedida a

restitutio in integrum, mesmo quando a hipótese não estivesse prevista no Edito, ou

seja, caso o pretor considerasse como não realizada certa decisão, poderia assim

fazê-lo, independentemente de qualquer previsão para tanto. A segunda refere-se

ao caráter excepcional do instituto14.

Além da restitutio in integrum, existiam outras formas de impugnação da

sentença no direito romano, como, por exemplo, a infiatio, a appellatio e a querela.

Estudos demonstram, entretanto, que, em razão das coincidentes características, foi

a restitutio in integrum que efetivamente serviu de base para a nossa ação

rescisória.

12

ALVES, José Carlos Moreira. História do direito romano. Instituições de direito romano, v. I. p. 266-267. 13

CRAMER, Ronaldo; Ação rescisória por violação de norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2012. p. 129. 14

“O magistrado, porém, por via de regra, só concedia a restitutio in integrum quando não havia meio normal para a reparação do meio normal para a reparação do prejuízo decorrente do negócio jurídico ou da formalidade processual”. ALVES, José Carlos Moreira. História do direito romano. Instituições de direito romano, v. I. p. 266.

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Há quem sustente, contudo, que a origem da ação rescisória no Brasil

seria a querela nullitatis, prevista no direito italiano.

Alguns autores, como Barbosa Moreira, apontam a querela nullitatis do direito estatutário italiano como o ascendente da ação rescisória brasileira. O instituto comportava duas modalidades, conforme a natureza do vício da sentença: a querela nullitatis sanabilis e a querela nullitatis insanabilis. A primeira assemelhava-se a um recurso e a segunda tinha por objetivo atacar a coisa julgada. No direito intermédio é que se criou, nos estatutos italianos, a querela nullitatis, destinada a atacar as sentenças que contivessem errores in procedendo. Ensina importante estudioso deste instituto que o mesmo se desdobrava em duas modalidades: querela nullitatis sanabilis, para vícios menos graves e querela nullitatis insanabilis, para os mais graves, sendo certo que aquela primeira modalidade acabou por ser absorvida pela apelação, enquanto a segunda modalidade continuou adequada para o ataque a vícios da sentença que não se sanavam com a coisa julgada.15

Seja originário do direito romano, seja originário do direito italiano, fato é

que a preocupação com a rescisão de decisões com vícios não é recente e, na linha

do que afirmou José Carlos Barbosa Moreira16, é possível que ambos os institutos

tenham servido de base para a ação rescisória que temos hoje no ordenamento

pátrio.

No Brasil, em 1850, a ação rescisória já era prevista no Regulamento n.

737, como mecanismo capaz de “anular” a sentença17. Mesmo após a edição de

Códigos Estaduais, a ação rescisória foi mantida (ao menos na maioria dos Códigos

Estaduais) como forma de anular a sentença.

Consoante relato de Ronaldo Cramer18:

Os Códigos Estaduais também acompanharam as regras do Regulamente nº 737, sendo que alguns chegaram a ser cópias fiéis, o que trouxe pouca contribuição ao desenvolvimento da nossa ciência processual. No dizer de Moacyr Lobo da Costa ‘os legisladores estaduais acharam mais fácil copiar do que inovar’.

15

MACEDO, Alexander dos Santos. Da querela nullitatis – sua subsistência no direito brasileiro, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998. p. 49-50. Apud CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 2. 16

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. 5. p. 103. 17

De acordo com o art. 681 do Regulamente 737 de 1850, a sentença poderia vir a ser anulada de quatro formas diferentes: (i) “appellação”; (ii) “revista”; (iii) “embargos á execução”; (iv) “acção rescisória, não sendo a sentença proferida em grau de revista”. 18

CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 134.

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O Código de Processo Civil de 1939 também previu a ação rescisória

como forma de impugnar a coisa julgada, conforme se extrai da disciplina do seu art.

79819. Era hipótese de rescisão a sentença proferida: (i) para juiz peitado, impedido,

ou incompetente racione material; (ii) com ofensa à coisa julgada; (iii) contra literal

disposição de lei; ou (iv) quando o seu principal fundamento fosse prova declarada

falsa em juízo criminal, ou de falsidade inequivocamente apurada na própria ação

rescisória.

O artigo 80020 do referido Código, contudo, consignava a impossibilidade

de manejo da ação rescisória em caso de injustiça da sentença, má apreciação de

prova ou errônea interpretação do contrato.

O artigo seguinte (art. 801) previa o julgamento da ação rescisória em

única instância, pelas Câmaras Reunidas do Tribunal de Apelação, cujo

procedimento era assim disciplinado:

[...] estando regularmente instruída a petição inicial, esta seria distribuída a um magistrado, a quem incumbia ordenar a citação. No caso de haver necessidade de produção de prova testemunhal ou pericial, o relator delegava sua competência para dirigir a instrução probatória ao juízo de direito da comarca onde residissem as testemunhas, ou onde a perícia tivesse de ser realizada. Em seguida, permaneceriam os autos na secretaria durante dez dias, para oferecimento de razões. Após esse prazo, os autos eram encaminhados ao relator (e, se fosse o caso, ao revisor) e, em seguida, levava-se a ação rescisória a julgamento.21

Com a edição do CPC de 1973, algumas mudanças foram atribuídas ao

instituto:

[...] limitou o cabimento para sentença de mérito (caput do art. 485); aumentou as hipóteses de cabimento (incisos do art. 485), previu expressamente os legitimados ativos (art. 487); dispôs sobre a cumulação dos pedidos rescindente e rescisório (inciso I do art. 488);

19

“Art. 798. Será nula a sentença: I – quando proferida: a) para juiz peitado, impedido, ou incompetente racione material e; b) com ofensa à coisa julgada; c) contra literal disposição de lei. II – quando o seu principal fundamento for prova declarada falsa em Juízo criminal, ou de falsidade inequivocamente apurada na própria ação rescisória.” 20

“Art. 800. A injustiça da sentença e a má apreciação da prova ou errônea interpretação do contrato não autorizam o exercício da ação rescisória.” 21

CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 6.

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22

condicionou o ajuizamento da ação ao depósito de 5% do valor da causa (inciso II do art. 488); e estabeleceu o prazo de dois anos, contados do trânsito em julgado, para a propositura da rescisória (art. 495).22

Verifica-se, portanto, que não é recente a preocupação do nosso

ordenamento com a possibilidade de rescisão de sentença com autoridade de coisa

julgada. Desde 1850, o ordenamento jurídico brasileiro já previa a possibilidade de

rescindir eventual decisão que violasse dispositivo de lei, ou seja, há muito o

legislador demonstrou que entre a proteção da coisa julgada e a exclusão de

decisões violadoras de lei do cenário jurídico brasileiro, a opção foi a segunda

alternativa.

Tal orientação permanece até hoje, na medida em que, consoante o atual

CPC, editado em 1973, a violação a literal dispositivo de lei continua como

fundamento para o ajuizamento de ação rescisória, nos termos do inciso V do seu

artigo 485.

O conceito de “literal dispositivo de lei” será oportunamente abordado.

Antes, contudo, é relevante aprofundar o conhecimento sobre o instituto da ação

rescisória no direito processual brasileiro.

1.2 CONCEITO DE AÇÃO RESCISÓRIA NA DOUTRINA BRASILEIRA

Observados alguns aspectos históricos, nada mais oportuno do que

continuarmos a exploração do tema, trazendo o conceito de ação rescisória, de

acordo com os doutrinadores brasileiros.

Para José Carlos Barbosa Moreira23, por exemplo, a ação rescisória visa

à “desconstituição da sentença transitada em julgado, com eventual rejulgamento, a

seguir, da matéria nela julgada”.

22

CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 135. 23

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Revista de Processo, ano IX, n. 34, São Paulo, RT, abr./jun. 1984. p. 279.

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23

Aproveitamos a definição trazida pelo referido doutrinador para evidenciar

algumas premissas com relação a conceitos como “trânsito em julgado” e “coisa

julgada material”.

A doutrina usualmente utiliza a expressão “trânsito em julgado” para

sentenças com autoridade de “coisa julgada material”. No presente trabalho,

utilizaremos a expressão “trânsito em julgado” tanto para sentenças com autoridade

de “coisa julgada formal” como “coisa julgada material”. Como, tecnicamente, ambas

as situações envolvem “trânsito em julgado”, ao utilizar tal expressão, havendo

necessidade, cuidar-se-á de indicar se se trata de sentença com autoridade de coisa

julgada material ou apenas formal.

Tanto as sentenças que analisam o mérito do direito pleiteado como as

terminativas transitam em julgado. Referida observação é necessária para que não

existam dúvidas acerca da terminologia adotada em determinadas situações ao

longo do presente trabalho.

A observação mostra-se relevante na medida em que, conforme

demonstraremos nos próximos capítulos, parte da doutrina sustenta a necessidade

de ajuizamento de rescisória para casos em que, a princípio, resultariam em uma

sentença terminativa. É o que ocorre, por exemplo, com a extinção da ação sem

julgamento do mérito pelo reconhecimento da “impossibilidade jurídica do pedido”.

Independentemente da discussão doutrinária acerca desse aspecto, o

caput do artigo 485 do CPC é claro ao dispor que pode ser rescindida “sentença de

mérito, transitada em julgada”, ou seja, ao menos em princípio, apenas as sentenças

(e decisões com conteúdo de sentença) de mérito poderiam ser objeto de ação

rescisória.

Retornando às definições, o processualista Ronaldo Cramer24 apresenta o

seguinte conceito de ação rescisória: “uma ação impugnativa autônoma, que tem por

finalidade a desconstituição da sentença de mérito transitada em julgado, com

eventual rejulgamento da matéria nela decidida”.

24

CRAMER, Ronaldo. Ação Rescisória por violação de norma jurídica, 2 ed. Salvador: JusPODIVM, 2012. p. 144.

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24

Referida definição é bastante semelhante àquela elaborada por Alexandre

Freitas Câmara25, para quem a ação rescisória pode ser definida como “demanda

autônoma de impugnação de provimentos de mérito transitados em julgado, com

eventual rejulgamento da matéria neles apreciada”.

Nas definições trazidas pelos doutrinadores cariocas, portanto, além da

natureza de ação autônoma26, fica consignado que a rescisória tem como finalidade

a desconstituição de decisão de mérito transitada em julgado.

Assim, das lições colacionadas, pode-se concluir que para o manejo da

“ação rescisória” a decisão a ser rescindida deve: (i) versar sobre o mérito e (ii) ter

transitado em julgado.

Não obstante esses conceitos possam parecer simples, alguns aspectos

tormentosos podem surgir e serão considerados no escopo do presente estudo.

1.3 SENTENÇA DE MÉRITO

Encontra-se disposto no caput do art. 485 do CPC, que, entre outros

requisitos, são rescindíveis as “sentenças de mérito”27.

O conceito de sentença sofreu alteração em 2005, com a edição da Lei n.

11.232/2005. Antes de referida legislação, o §1º do artigo 162 do CPC definia

25

CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 19. 26

Com relação à natureza da ação rescisória – se ação autônoma ou recurso – entendemos ser ultrapassada essa discussão na doutrina. Se não a totalidade da doutrina, a maioria já consignou entendimento no sentido de que se trata de ação autônoma e não recurso. Estamos absolutamente de acordo com esse entendimento, até porque uma das exigências da rescisória é a sentença de mérito com autoridade de coisa julgada material, ou seja, não sendo passível de recurso. 27

“Consoante disposto no caput do art. 485 do CPC, o objeto do pedido de desconstituição é a ‘sentença de mérito’. Portanto, para determinar se o ato é, ou não, passível de desconstituição por ação rescisória, a primeira das questões a resolver é saber se o ato se enquadra no modelo previsto pela norma legal. Aliás, talvez aí resida uma das mais importantes projeções da distinção entre sentenças definitivas e terminativas, na medida em que estas, em tese, estão excluídas da previsão legal.” YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 157.

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sentença como “o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o

mérito da causa”.

A definição de sentença era feita com base no critério topológico,

contudo, tratava-se de um equívoco. Isso porque, proferida a sentença de primeiro

grau, as partes (ou apenas a parte vencida) poderiam interpor recurso, não havendo

que se falar em encerramento do processo (termo ao processo). Da mesma forma,

um acórdão não encerraria o processo se a parte interessada interpusesse recurso

especial e/ou extraordinário ou, ainda, a parte vencedora poderia iniciar a execução,

não havendo, igualmente, o que se cogitar em pôr fim ao processo.28

Com a Lei n. 11.232/2005, sentença passou a ser conceituada como “ato

do juiz que implica alguma das situações previstas no arts. 267 e 269 desta Lei”29. A

definição deixa de lado o critério topológico e, acertadamente, passa a se relacionar

com o conteúdo da decisão30.

Dessa maneira, independentemente do recurso cabível 31 contra a

decisão, se ela for de mérito, é possível a utilização de ação rescisória para rescindir

a sentença, desde que presentes os requisitos legais 32 . Da mesma forma,

independentemente de estarmos diante de uma sentença propriamente dita, um

28

“A antiga redação do referido §1º do art. 162 do CPC, com base no critério topológico, definia sentença como ‘o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa’. Muito embora satisfatório para o sistema recursal, o antigo conceito não correspondia à realidade processual. Sentença não é ato que põe fim ao processo, porque, se a parte vencida interpuser apelação, o processo continua no tribunal. Da mesma forma, se for prolatado um acórdão com conteúdo de sentença, esse pronunciamento não encerra o processo, porque a parte vencida pode interpor recurso especial ou extraordinário. E, ainda que não seja interposto nenhum recurso, a sentença, mesmo transitada em julgado, não constitui o último ato do processo, uma vez que a parte vencedora ainda pode executar as verbas de sucumbência.” CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 29-30. 29

Artigo 162, §1º, do CPC. 30

“O único elemento por meio do qual se pode identificar as sentenças é o seu conteúdo. Dizer poder distinguir-se a sentença das demais manifestações judiciais a partir do critério topológico significava, a nosso ver, endossar a tautologia a que se chegava pela anterior redação do texto legal: o lugar em que a sentença se encontra é o fim do procedimento em primeiro grau. [...] Sempre nos pareceu, portanto, ser esta a nota marcante das sentenças, ou seja, é o seu conteúdo, preestabelecido por lei de forma expressa e taxativa, que distingue dos demais pronunciamentos do juiz.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 32-33. 31

“Nada impede, portanto, que seja cabível ação rescisória contra pronunciamentos agraváveis.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória: recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 484. 32

Como, por exemplo, ter havido uma das hipóteses previstas no art. 485 do CPC ou, também, estar no prazo previsto no art. 495 do mesmo diploma legal.

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acórdão, uma decisão monocrática ou mesmo uma decisão interlocutória, tratando-

se de decisão de mérito, é possível o manejo da ação rescisória33.

Com base no conteúdo da sentença podemos, desde já, classificá-las

como processuais (terminativas) –a princípio, são aquelas previstas no art. 26734 do

CPC – e as sentenças de mérito – elencadas no art. 26935 do CPC. Ao menos em

tese, apenas as hipóteses previstas no art. 269 do diploma processual civil dão

ensejo à sentença de mérito36 e, portanto, são rescindíveis via ação rescisória37.

33

“Fala o caput do art. 485 do CPC em sentença de mérito. Ocorre que a palavra sentença esta aí empregada em sentido bastante amplo, a querer significar provimento judicial. Desse modo, é perfeitamente possível o cabimento da ação rescisória contra acórdãos (e, aliás, pode-se mesmo arriscar dizer que é mais frequente a utilização da ação rescisória contra acórdãos que contra sentenças). E também contra decisões interlocutórias é cabível a ação rescisória, desde que esse provimento verse sobre o meritum causae [Grifo do autor].” CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 37. 34

Art. 267 do CPC. “Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: I - quando o juiz indeferir a petição inicial; Il - quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes; III - quando, por não promover os atos e diligências que Ihe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias; IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada; Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual; Vll - pela convenção de arbitragem; Vlll - quando o autor desistir da ação; IX - quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal; X - quando ocorrer confusão entre autor e réu; XI - nos demais casos prescritos neste Código. § 1

o O juiz ordenará, nos casos dos ns. II e Ill, o arquivamento dos autos, declarando a extinção do

processo, se a parte, intimada pessoalmente, não suprir a falta em 48 (quarenta e oito) horas. § 2

o No caso do parágrafo anterior, quanto ao n

o II, as partes pagarão proporcionalmente as custas e,

quanto ao no III, o autor será condenado ao pagamento das despesas e honorários de advogado (art.

28). § 3

o O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a

sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e Vl; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que Ihe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento. § 4

o Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu,

desistir da ação.” 35

Art. 269 do CPC: “Haverá resolução de mérito: I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor; II - quando o réu reconhecer a procedência do pedido; III - quando as partes transigirem; IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição; V - quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.” 36

Cabe, aqui, fazer uma breve observação acerca das sentenças de mérito típicas e atípicas. A sentença de mérito típica é aquela que se encontra prevista no inciso I do referido dispositivo legal. Isso porque, é a única em que o juiz expõe a sua própria convicção acerca do acolhimento, ou não, do pedido formulado pelo autor. Nos demais incisos o juiz irá se limitar a ‘homologar’ atos das partes,

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27

No que tange às hipóteses previstas no art. 267 do CPC, tratando-se de

vício na relação processual (a princípio, sem contato efetivo com o plano substancial

da causa), entende-se não serem suscetíveis de ação rescisória. O próprio art. 268

do mesmo diploma legal institui que a extinção do processo pelas hipóteses do art.

267 do CPC – à exceção da perempção, da litispendência ou da coisa julgada –

“não obsta a que o autor intente de novo a ação”, não havendo o que se falar,

portanto, em ação rescisória.

Questão um pouco mais polêmica diz respeito à extinção do processo por

carência de ação, hipótese prevista no inciso VI do art. 267 do CPC. Em que pese

estar claro na legislação processual que referida hipótese enseja extinção do

processo sem análise de mérito, há quem sustente que a sentença, ao declarar a

carência da ação, seria equiparável à sentença de improcedência da ação38 e, como

tal, somente seria desconstituída por ação rescisória. Isso porque, diferentemente do

que ocorre com as outras hipóteses do mesmo dispositivo legal (art. 267 do CPC), a

possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse processual,

conforme sustentam alguns doutrinadores39, guardariam relação com o mérito da

causa.

ou irá se limitar a pronunciar a prescrição e a decadência, hipóteses em que estaremos diante de sentenças de mérito atípicas. 37

“Sabe-se que a sentença de mérito é aquela de que trata o art. 269 do CPC. No art. 269, I, tem-se o que chamamos de sentença de mérito típica, em que o juiz, por ato de sua ‘autoria’, acolhe ou rejeita o pedido do autor. Nos incisos II e III temos os atos das partes que, separadamente ou em conjunto, uma vez homologados, levam à extinção do processo COM julgamento de mérito. No inciso IV diz a lei que o juiz decidirá o mérito quando acolher a alegação de prescrição (ou decretar de ofício, em se tratando de direitos não patrimoniais) ou decretar a decadência. Sabe-se que, segundo a melhor doutrina, a prescrição e a decadência seriam preliminares que integrariam o próprio mérito. Todas as sentenças do art. 269 são rescindíveis, já que têm aptidão para fazer operar a coisa julgada material. Estes são os dois pressupostos básicos para que se admita a ação rescisória: sentença de mérito e trânsito em julgado.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória: recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? p. 261. 38

“Este problema, de identificar ou não a força de coisa julgada na sentença proferida, é o que realmente tem relevância; não fora esse crucial envolvimento, careceria de maior importância a discussão em torno da identidade ou dessemelhança entre as locuções ‘carência da ação’ e ‘improcedência da ação’ (ou do pedido, como seria de melhor terminologia). FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Extinção do processo e mérito da causa. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais,.v. 58, abril 1990. p. 23. 39

“O exame das condições da ação implica análise da relação jurídica material. Para o juiz verificar, por exemplo, se o autor é parte legítima, tem de voltar os olhos para a situação da vida apresentada na inicial e verificar quem a integra. Também em relação às demais condições da ação, imprescindível algum grau de cognição da relação substancial.” BEDAQUE, José Carlos dos Santos.

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28

A doutrina, de um modo geral – e certamente firme na premissa de que, à exceção da ressalva legal (coisa julgada), todas as hipóteses de extinção sem julgamento de mérito devem ser tratadas igualmente – não parece fazer distinções ou ressalvas. Contudo, na jurisprudência encontram-se decisões restritivas à nova propositura da mesma demanda nos casos, por exemplo, de impossibilidade jurídica do pedido e de ilegitimidade ad causam; o que, mais uma vez, reforça a ideia de que assim se entende porque tais fundamentos são identificados no – ou quando menos a partir do – plano substancial.40

Diante de uma sentença que reconhece a carência da ação, tem-se o

seguinte impasse: ou o decisum não analisa o mérito e, nesta hipótese, nos termos

do art. 268 do CPC, deve ser autorizada a repropositura da ação (a princípio com

identidade, nas ações, de partes, causa de pedir e pedido) ou, se analisa o mérito da

causa, permite a sua rescisão pela utilização da ação rescisória.

A lição de Flávio Luiz Yarshell aponta no seguinte sentido:

Aparentemente, a solução mais adequada e segura – com a ressalva do quanto expendido na sequência – é a de seguir a literalidade do texto legal (CPC, art. 268) e não fazer distinções que não aquela feita pela própria lei. Nesse particular, ainda que se reconheça, como acima reconhecido, que a categoria das condições da ação represente ponto de estrangulamento entre processo e direito material, se a lei não a distinguiu, não parece, nesse caso, caber ao intérprete distinguir.41

Teresa Arruda Alvim Wambier entende que a sentença que pronuncia a

carência da ação não é de mérito. A doutrinadora processualista também destaca

que a propositura de nova ação somente é viável se sanado o vício, o que originará,

em última análise, uma nova ação (diferente da primeira). Nas suas palavras:

Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 121. “Quando a extinção sem julgamento do mérito dá-se pelo reconhecimento da carência de ação e precisamente pela ligação da categoria das condições da ação com o plano substancial do ordenamento, dúvida surge acerca da possibilidade de propositura – de novo – da mesma demanda.” YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 159. 40

YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 160. 41

YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 162. No mesmo sentido: “Pronunciamentos judiciais como o do indeferimento liminar da reconvenção, da oposição e de outras tantas ações incidentais, ainda que não encerrem a atividade cognitiva realizada pelo juiz de primeiro grau, têm natureza jurídica de sentença. Não é, efetivamente, a circunstância de, ocasionalmente, impor a Lei o agravo como recurso cabível contra determinado pronunciamento judicial que determinaria que, no caso, se estaria diante de pronunciamento diverso de sentença. Nada impede, portanto, seja cabível ação rescisória contra pronunciamentos”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 484.

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[...] é interessante observar que, se a sentença pronuncia a ausência de uma condição da ação, haverá fenômeno assimilável à coisa julgada, porquanto somente poderá propor nova ação se corrigido o vício – e não mais se poderá falar, no caso, que se está diante da mesma ação [...]. Sob este prisma, a sentença que acusa a ausência de uma condição da ação é, a rigor – embora se diga estar diante de sentença que extingue o processo sem julgamento do mérito – algo até mais grave, perante o ordenamento jurídico, que a sentença que julga improcedente o pedido. A sentença terminativa aí proferida declara que a ação sequer poderia ter sido proposta, pois que ausentes os requisitos minimamente exigidos pelo sistema, para que isso ocorresse.42

Para José Roberto dos Santos Bedaque, há identidade entre a

improcedência e a impossibilidade jurídica do pedido. Já o exame da legitimidade e

o interesse, apesar de não se identificarem plenamente com o mérito, produzem

efeitos no plano material, fazendo com que a decisão adquira qualidade de coisa

julgada material.

Até a 3ª edição deste estudo sustentei que ‘ademais, o exame das condições da ação distingue-se do mérito em substância. Enquanto no primeiro o juiz se limita a verificar determinados elementos apenas da relação processual (possibilidade jurídica do pedido, legitimidade e interesse), no segundo aprofunda-se ele na análise de toda a relação, naquilo que interessar para o objeto do processo e a tutela representada pela sentença’. Alterei em parte esse entendimento. Hoje, penso haver identidade entre impossibilidade jurídica do pedido e improcedência. Legitimidade e interesse não se identificam plenamente com o mérito. Mas o exame desses elementos produz efeitos no plano material, razão pela qual deve adquirir qualidade de coisa julgada.43

Mesmo não estando no escopo deste estudo aprofundar esse aspecto,

vale registrar que, de lege lata44, quando há a extinção do processo por carência da

ação, não se pode falar em análise de mérito.

42

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada – hipótese de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 32. 43

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo, p. 106. 44

O projeto de novo Código de Processo Civil, na última versão aprovada pela Comissão Especial do Senado Federal, em julho de 2013, parece aclarar esse impasse na medida em que dispõe, no art. 495, que nos casos de ausência de legitimidade ou interesse processual o órgão jurisdicional não resolverá o mérito. Exclui-se, portanto, a hipótese de impossibilidade jurídica do pedido. Nesse cenário, de acordo com José Roberto dos Santos Bedaque, a impossibilidade jurídica do pedido equivaleria à sentença de improcedência e, como tal, quando reconhecida tal impossibilidade, haverá decisão de mérito (art. 497, inciso I do Projeto do novo CPC). BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo, p. 106.

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30

Nesse sentido, ainda que as condições da ação tenham uma relação

próxima ao mérito da causa (e isto é certo) e que a extinção do processo por

ausência de condição da ação seja mais grave do que a própria improcedência

(neste aspecto concordamos com Teresa Arruda Alvim Wambier), não há razão para

rescisão da decisão por ação rescisória.

Mas a polêmica envolvendo sentenças de mérito e, portanto, rescindíveis

por ações rescisórias não se esgota aqui. Inúmeras são as situações em que se

questiona a possibilidade (ou não) de rescisão de determinada sentença de mérito,

por ação rescisória. É o que ocorre quando se está diante, por exemplo, de decisões

proferidas em execução45 ou mesmo processo cautelar.

Apesar de alguns estudiosos sustentarem a inexistência de análise do

mérito em execução, Flávio Luiz Yarshell apresenta um exemplo “polêmico” que

seria a apresentação de comprovante de pagamento da obrigação (como prova pré-

constituída), na execução. Nesta hipótese, inevitavelmente, o juiz fará uma análise

da relação de direito material, ainda que em sede de execução.

Nesses casos, que não parecem ser dogmaticamente irrelevantes, existe cognição sobre a relação substancial. E, se essa cognição é adequada e suficiente para exaurir a controvérsia, levando, inclusive, à extinção do processo, nada parece justificar que o ato daí resultante tenha eficácia meramente processual. Se o juiz, após cognição adequada e suficiente à extensão da controvérsia, reconhece extinta a obrigação, é preciso superar a ideia segundo a qual não há declaração de direito no processo de execução e, portanto, a sentença que lhe põe fim é somente apta a formar coisa julgada formal.46

45

E, aqui, entende-se por execução tanto a liquidação da sentença (arts. 475-A a 475-H) como o cumprimento de sentença (arts. 475-I a 475-R) como, também, o processo de execução. 46

YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 214. No mesmo sentido Alexandre Freitas Câmara: “Nunca houve qualquer dúvida acerca do cabimento de ação rescisória para impugnar o provimento judicial que julgava a liquidação de sentença ou embargos à execução fundada em sentença. A questão que aqui se põe é saber se, diante das reformas implantadas no processo civil brasileiro, tais provimentos deixaram de ser impugnáveis por ação rescisória. Penso que quanto ao ponto nada mudou. A decisão que resolve o incidente de liquidação de sentença julga o mérito deste incidente, que não se confunde com o mérito da causa principal (aplicando-se, aqui, mutatis mutantis, o que se costuma dizer acerca do mérito do processo cautelar). O incidente de liquidação de sentença tem um objeto próprio, que é julgado, ainda que por decisão interlocutória. Tal provimento judicial, sem qualquer dúvida, é proferido com base em cognição exauriente, e contém conteúdo declaratório suficiente para acertar o quantum debeatur, o valor ou quantidade que o

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Reflexão semelhante deverá ocorrer quando se está diante de decisões

proferidas em processo cautelar. O processo cautelar, em regra, visa a garantir uma

providência futura e definitiva, e não se pode falar, ao menos em tese, que se trata

de lide propriamente dita.

Certo é que o conceito de ‘mérito’ no processo cautelar é, como sabido, objeto de considerável controvérsia. Assim, sendo difícil determinar o que é mérito, é igualmente difícil saber se e quando se está diante de uma decisão de mérito e, nessa medida, se em relação a ela pode-se cogitar ação rescisória. Contudo, sem embargo das dificuldades daí decorrentes, parece possível dizer, até mesmo na tentativa de sistematizar o exame da matéria, que a decisão de mérito no processo cautelar, em primeiro lugar, pode ser considerada aquela que, desviando-se da finalidade clássica desse processo, define desde logo – e não apenas provisoriamente – a relação de direito material e, nesta medida, projeta efeitos para fora do processo. Tal é o que se constata na sentença que, embora proferida no processo cautelar, não apenas pronuncia a decadência ou prescrição (como dito, mencionadas expressamente pelo art. 810 do CPC), mas também a que reconhece a existência de pagamento ou de outra forma de extinção da obrigação, fundamento do pedido do processo principal, bastando que a cognição seja adequada e suficiente para os termos da controvérsia. Essa parece ser a verdadeira decisão de mérito que, nesse contexto, realmente enseja eventual ação rescisória.47

devedor está obrigado a pagar. Assim, não tenho qualquer dúvida em afirmar que tal provimento é apto a alcançar a autoridade de coisa julgada material e, assim, pode ser impugnado por ação rescisória. O mesmo modo de pensar, a meu juízo, pode ser aplicado à impugnação à execução de sentença. Antes da Lei nº 11.232/2005, essa defesa do executado levava à instauração de um processo de conhecimento autônomo, os embargos do executado. Nesse modelo anterior à reforma, indubitavelmente, havia sentença de mérito apta a alcançar a coisa julgada material e, por conseguinte, ser impugnada por ação rescisória. Após a reforma, a meu ver, mudou apenas o modo de se processar a defesa do executado, que não se examina mais em processo autônomo, mas incidentemente ao processo em que a sentença foi proferida e é executada. Não houve, porém, qualquer mudança na profundidade da cognição judicial exercida pelo magistrado no exame da defesa, nem no conteúdo da decisão que ali profere. O fato de não se ter mais ali uma sentença (ao menos como regra, e ressalvado o caso em que tal provimento resulta a extinção da execução), mas mera decisão interlocutória, em nada modifica o que aqui se sustenta, já que – como visto anteriormente – é perfeitamente cabível a ação rescisória contra decisões interlocutórias de mérito”. (Ação rescisória, p. 39-40). Teresa Arruda Alvim Wambier também se manifesta: “[...] se o pedido que se faz na execução equivale a seu ‘mérito’ (que seja satisfeita a obrigação nos moldes em que consta do título) e a sentença ‘declara’ que o que foi pedido foi satisfeito, nesse sentido e nessas dimensões, pode-se dizer que há ‘mérito’ e ‘sentença’ na execução”. (Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 482). 47

YARSHELL, Flávio Luiz, Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 226.

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Com efeito, inúmeras são as situações em que se pode questionar se a

decisão proferida é sentença e, se o é, se julga o mérito, o que, em princípio48,

autorizaria o manejo da ação rescisória, caso fosse verificada uma das hipóteses do

art. 485 do CPC.

Mais produtivo do que apontar todas essas situações – até porque isso

seria impossível – é tentar esclarecer o que se entende por “mérito” e o objetivo é

verificar, dado um caso concreto, se estamos ou não diante de uma sentença que

analisa o mérito da causa49.

De acordo com Enrico Tullio Liebman: “O elemento que delimita em

concreto o mérito da causa não é, portanto, o conflito existente entre as partes fora

do processo, e sim o pedido feito ao juiz em relação àquele conflito.”50

Candido Rangel Dinamarco51 também leciona sobre o tema:

Mérito, meritum, provém do verbo latino mereo (merere) que, entre outros significados, tem de pedir, por preço (é a mesma origem de meretriz e aqui também há a ideia do preço, exigência). Daí se entende que meritum causae (ou, na forma plural que entre os mais antigos era preferida, merita causae) é aquilo que alguém vem a juízo pedir, postular, exigir. O mérito, portanto, etimologicamente é a exigência que, através da demanda, uma pessoa apresenta ao juiz para seu exame. [...] Por tudo quanto foi dito nos itens anteriores, fica portanto a certeza de que é a pretensão que consubstancia o mérito, de modo que prover sobre este significa ditar uma providência relativa à situação tensa representada pela pretensão; eis o escopo social da jurisdição, cumprido mediante a eliminação das incertezas representadas pelas pretensões insatisfeitas.

48

Utilizamos, neste momento, a terminologia “em princípio” porque há casos em que a sentença é de mérito, mas não formam coisa julgada material, de modo que se mostra impensável a utilização da ação rescisória para rescindir a decisão. É o que ocorre, por exemplo, com as ações coletivas (ação civil pública e/ou popular), quando a improcedência ocorre por insuficiência de provas. Nesta hipótese específica, em que pese haver a análise do mérito da causa, não há a formação da coisa julgada material, não havendo o que se cogitar na utilização da ação rescisória. A mesma situação ocorre com as sentenças proferidas perante os Juizados Especiais Cíveis que, por determinação legal, ainda que presentes as hipóteses do art. 485 do CPC não autorizam a rescisão do provimento judicial por ação rescisória. Neste sentido, ver CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 38-39. 49

“É certo que, de volta ao início, as incertezas acerca do conceito de ‘mérito’ mantêm a complexidade do tema, e é necessário encontrar parâmetros quanto menos objetivos para determinar o que seja ‘mérito’ – parâmetros, esses, que parecem ainda longe de ser estabelecidos, quer na doutrina, quer tanto mais na jurisprudência.” YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 184. 50

LIEBMAN, Enrico Tullio. O despacho saneador e o julgamento do mérito. Revista Forense. Rio de Janeiro, n. 104, 1945. p. 220. 51

DINAMARCO, Candido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 202-203.

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O conceito de mérito, contudo, não deve limitar-se aos pedidos

formulados exclusivamente pelo autor. Nessa direção afirma Cassio Scarpinella

Bueno, que assim assevera:

São as decisões que julgam o mérito, sempre entendido para os fins do Código de Processo Civil, como sinônimo de lide ou, de forma mais ampla, como o pedido (ou pedidos) de tutela jurisdicional formulado (ou formulados) pelo autor acrescidos de outros que, eventualmente, tenham sido apresentados ao longo do processo, inclusive pelo próprio réu.52

O mérito, portanto, deve ser entendido como os pedidos formulados ao

longo do processo, valendo destacar que não estão limitados àqueles formulados

pelo autor. Outros pedidos (inclusive formulados pelo próprio réu) poderão ser

formulados ao longo do processo e, da mesma forma, representarão o mérito53.

Ainda, sobre a definição de mérito, pertinentes são os ensinamentos de

Flavio Luiz Yarshell:

‘Julgar o mérito’, como visto, é julgar o pedido, isto é, a pretensão deduzida. Quando o juiz antecipa a tutela (e mesmo quando a denega) não se pode negar que exista, aí, julgamento do mérito, ainda que parcial: ao antecipar total o parcialmente os efeitos da sentença de mérito o juiz o faz nos limites e termos do pedido, que, nessa medida, é decidido. O que ocorre é que essa decisão sobre o mérito – salvo na hipótese do §6º do art. 273 do CPC – é provisória. Nada obstante essa marca, se considerado o objeto do que é julgado, a decisão enfrenta o mérito, embora não o faça de forma a acabar com o ofício jurisdicional. De outro lado, não se descarta que mesmo antes da sentença, parte do pedido – isto é, do mérito – seja julgada.54

52

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 2, t. I. p. 336. 53

“Segundo a doutrina, há demanda do réu dentro do mesmo processo instaurado pelo autor nas seguintes hipóteses: (a) quando oferecida a reconvenção; (b) quando apresentado o pedido de declaração incidente; (c) o pedido de declaração de falsidade documental; (d) quando proposta denunciação da lide; (e) quando formulado o pedido contraposto (embora não haja absoluto consenso quanto a esta última hipótese. [...] A ideia fundamental que permeia essa distinção, acolhida de modo quase unânime pela doutrina, está no fato de que, nos cinco exemplos dados de respostas dos réus configuradas como demanda, o réu age como autor, pois exerce direito de ação, veiculando pretensão que poderia ser deduzida por meio de processo autônomo, mas, como não o foi, provoca a cumulação de demandas no mesmo processo instaurado por iniciativa do autor, ampliando o seu objeto litigioso.” SICA, Heitor Vitor Mendonça. O direito de defesa no processo civil brasileiro – Um estudo sobre a posição do réu. São Paulo: Atlas, 2011. p. 86-87. 54

YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 115.

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Assim, de acordo com os citados doutrinadores, o(s) pedido(s)

formulado(s) pelo autor e, eventualmente, pelo réu (em ações dúplices, pedido

contraposto, reconvenção/declaração incidente), materializa(m) o objeto litigioso do

processo, ou seja, o mérito que, ao transitar em julgado, terá autoridade de coisa

julgada material, rescindida por ação rescisória.

Importante destacar que somente o pronunciamento judicial sobre o

pedido pode adquirir autoridade de coisa julgada material. A fundamentação da

sentença, que poderá tratar de questões prejudiciais, não adquire tal qualidade55.

No sistema do Código (arts. 468 e 469), só o pronunciamento judicial sobre o pedido é idôneo para adquirir a qualidade de coisa julgada. Esta não abrange a fundamentação da sentença, na qual se compreende a solução das questões atinentes às relações jurídicas prejudiciais, assim denominadas aquelas de cuja existência ou inexistência logicamente depende a da relação jurídica deduzida pelo autor, por meio da demanda que de origem ao processo.56

Uma vez conhecidos os conceitos de (i) sentença e de (ii) mérito, passa-

se a analisar o conceito de trânsito em julgado, visto que, conforme mencionado

anteriormente, apenas as sentenças de mérito transitadas em julgado são passíveis

de serem rescindidas, nos termos do artigo 485 do CPC.

1.4 TRÂNSITO EM JULGADO E COISA JULGADA

Tanto no caput do artigo 485 do CPC como nos conceitos elencados na

seção 1.2 deste estudo, verifica-se que o “trânsito em julgado” da decisão que se

pretende rescindir é um requisito necessário ao manejo da ação rescisória.

55

“Questão é toda controvérsia que se constitui no bojo do processo. Controvérsia a respeito de fato (questão de fato) ou relativa a direito (questão de direito). A questão pode ser objeto de um pedido, e se assim for, será decidida pelo juiz com força de coisa julgada. Aquelas, entretanto, que não constituírem objeto de pedido, o juiz as apreciará incidentalmente, com vistas a decidir o que foi objeto do pedido. Muitas delas integram a motivação de sua decisão de mérito [...]. Algumas dessas questões de direito são chamadas de questões prévias, porque a sua decisão precede, sempre, a decisão sobre o mérito propriamente dito. Essas questões prévias, por sua vez, ou são preliminares ou são prejudiciais.” PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao CPC. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. v. 3. p. 477. 56

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista de Processo. São Paulo, n. 416, v. 59, junho 1970. p. 9.

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No que tange ao sentido da expressão “trânsito em julgado”, poucos são

os doutrinadores que efetivamente a exploram com profundidade e, não raro,

observa-se certa confusão com o conceito de “coisa julgada”. Tal não acontece com

José Carlos Barbosa Moreira, cuja doutrina enfrenta o assunto com bastante

clareza:

Por ‘trânsito em julgado’ entende-se a passagem da sentença da condição de mutável à de imutável. Pouco importa que essa imutabilidade haja de limitar-se ao âmbito do processo, ou de projetar-se ‘ad extra’. Quer dizer: pouco importa que a decisão seja ou não seja idônea para revestir-se da ‘auctoritas rei iudicatae’ no sentido material. Como não existe decisão que não produza ao menos coisa julgada formal, tôdas as decisões, seja qual fôr a sua natureza, em certo momento transitam em julgado. Tal momento é aquele em que cessa a possibilidade de impugnar-se a sentença por meio de recurso. Se ela já era, ‘ab origine’, irrecorrível, transitou em julgado no próprio instante em que adquiriu existência como ato processual – ou seja, no instante da publicação. Se é recorrível, transitará em julgado exatamente quando deixe de o ser: ou no têrmo ‘ad quem’ do prazo de interposição do recurso admissível, não utilizado; ou ao verificar-se algum fato capaz de tornar inadmissível o recurso, antes (exemplo: renúncia) ou depois (exemplo: deserção) da interposição; ou ainda com a homologação da desistência manifestada pelo recorrente. O trânsito em julgado é, pois, fato que marca o início de uma situação jurídica nova, caracterizada pela existência da coisa julgada – formal ou material, conforme o caso. A consideração da coisa julgada como situação jurídica permite maior precisão na delimitação dos conceitos com que estamos lidando. Não há confundir ‘res judicata’ com ‘auctoritas rei iudicatae’. A coisa julgada não se identifica nem com a sentença transita em julgado, nem com o particular atributo (imutabilidade) de que ela se reveste, mas com a situação jurídica em que passa a existir após o trânsito em julgado. Ingressando em tal situação, a sentença adquire uma autoridade que – esta, sim – se traduz na resistência a subseqüentes tentativas de modificação do seu conteúdo. A expressão ‘auctoritas rei iudicatae’ e não ‘res indicata’, portanto, é a que corresponde ao conceito de imutabilidade.57

O autor arremata o ensinamento mencionando que não se pode confundir

“trânsito em julgado” e “coisa julgada”: trânsito em julgado alude à “passagem da

sentença da condição de mutável a imutável” e o momento dessa passagem “é

57

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, n. 416, v. 59, junho 1970. p. 12.

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aquele em que cessa a possibilidade de impugnar-se a sentença por meio de

recurso”.58

O conceito parece adequado e suficiente para sustentarmos que a ação

rescisória somente poderá ser ajuizada em face de “decisões imutáveis” sendo certo

que, de acordo com o art. 485 do CPC, devem, ainda, tratar do mérito da causa.

Candido Rangel Dinamarco59, a respeito, também ensina:

Se analisássemos a locução transitada em julgado fora do contexto do art. 485 do Código de Processo Civil, esta exprimiria nada mais nada menos do que a formação da coisa julgada formal, preclusão máxima do processo, ante o esgotamento das vias recursais, pela não interposição do recurso dentro do prazo legal, ou desistência deste, conforme visto no item anterior. Mas a realidade, o que quer expressar o art. 485 do Código de Processo Civil não é a formação da coisa julgada formal e sim a coisa julgada material. Uma análise de todos os termos constantes do caput do referido dispositivo legal mostra que o legislador combinou a sentença de mérito com trânsito em julgado, levando-nos a crer que na realidade o legislador exige que esteja presente a coisa julgada material, que se constitui, assim, em mais uma condição de admissibilidade de ação rescisória [Grifo do autor].

Apesar de as sentenças de mérito e as terminativas transitarem em

julgado, apenas as que resolverem o mérito é que poderão ser objeto de ação

rescisória. Para tanto, é necessário que a decisão tenha passado da condição de

mutável para a condição de imutável.

Ainda, de acordo com os ensinamentos de José Carlos Barbosa

Moreira60, com o trânsito em julgado da decisão de mérito haverá coisa julgada que,

se analisar o mérito, assumirá a qualidade de coisa julgada material, esta sim,

possível de ser rescindida via ação rescisória.

Neste momento, é oportuno e adequado discorrer sobre a “coisa julgada”.

A doutrina nacional estuda o referido instituto por prismas distintos: coisa julgada

formal e coisa julgada material.

58

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ainda e sempre a coisa julgada Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, São Paulo, n. 416, v. 59, junho 1970. p. 12. 59

DINAMARCO, Marcia Conceição Alves. Ação rescisória. São Paulo: Atlas, 2004. p. 83. 60

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Revista de Processo, ano IX, n. 34, São Paulo, RT, p. 273-285, abr./jun. 1984. p. 280.

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37

Para Moacyr Amaral Santos61:

A coisa julgada formal e a coisa julgada material são degraus do mesmo fenômeno. Proferida a sentença e preclusos os prazos para recurso, a sentença se torna imutável (primeiro degrau – coisa julgada formal); e, em consequência, tornam-se imutáveis os seus efeitos (segundo degrau – coisa julgada material).

Da definição acima, conclui-se que para que ocorra a coisa julgada

material, necessariamente, deve ocorrer a coisa julgada formal. Já a coisa julgada

formal ocorre independentemente da coisa julgada material. É o que sucede quando

o processo é extinto sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267 do CPC.

No caso de ação extinta, por exemplo, por desistência do autor (inc. VIII

do art. 267 do CPC), em que não seja mais possível a interposição de recurso,

estará presente a autoridade da coisa julgada formal apenas, ficando a sentença

(lato sensu) imutável naquele processo em que fora proferida (efeito

endoprocessual)62.

De acordo com Maria Conceição Alves Dinamarco63:

A coisa julgada material pressupõe a coisa julgada formal, também chamada de preclusão máxima. Essa última é uma qualidade da sentença que se dá quando não se recorre do decisum ou quando este se torne irrecorrível, trazendo seus reflexos para o próprio processo, ou seja, tornando indiscutível o que fora discutido para aquele processo e somente para ele. Diferentemente, a coisa julgada material tornará indiscutível o comando da sentença não só para o processo em que foi proferida, mas projetará os efeitos da decisão para fora do processo, sobrevivendo a este.

Da transcrição da doutrina retrocitada, extrai-se que a coisa julgada

formal pode ser tratada como sinônimo de “preclusão máxima”.

Nesse aspecto, como estamos fazendo desde o início do presente estudo

e apenas para que não haja nenhuma confusão com a terminologia que aqui está

61

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1985. v. 3. p. 43. 62

“A coisa julgada formal é a imutabilidade da sentença no próprio processo em que foi proferida. Após transitar em julgado, a sentença não poderá mais ser modicada no processo em que foi prolatada. Trata-se de fenômeno endoprocessual, com eficácia para dentro do processo” CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 84. 63

DINAMARCO, Marcia Conceição Alves. Ação rescisória, p. 86.

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sendo adotada, cumpre apresentar algumas diferenças entre “preclusão” e “coisa

julgada formal”.

Embora sejam institutos muito próximos, não podem ser tratados como

sinônimos: a “coisa julgada formal” é uma qualidade que torna imutável a sentença

(lato sensu) dentro de determinado processo; a “preclusão” opera em qualquer ato

processual, não exclusivamente na sentença.

Sobre o tema disserta Cassio Scarpinella Bueno64:

A doutrina distingue as chamadas ‘coisa julgada formal’ da ‘coisa julgada material’. A coisa julgada formal tende a ser entendida como a ocorrência de imutabilidade dos efeitos da sentença ou, mais amplamente, de seu comando ‘dentro’ do próprio processo. É o que ocorre quando não é interposto no prazo da lei o recurso cabível da sentença ou do acórdão, como prevê expressamente o art. 467. Nesse sentido, não há como recusar se tratar de instituto que se aproxima bastante da preclusão, residindo a distinção entre ambos em aspecto exterior a eles, já que a coisa julgada formal tende a ser identificada como o encerramento da ‘etapa cognitiva’ do processo, recaindo, por isso mesmo, sobre sentenças, ainda quando confirmadas em sede recursal, dando ensejo a ‘acórdãos’ (art. 163) e nunca sobre decisões interlocutórias.

Com relação ao entendimento esboçado pelo autor, é pertinente

ressalvar, com base nos apontamentos apresentados no presente estudo, que há

decisões interlocutórias com conteúdo de sentença e, como tal, podem ter a

qualidade a coisa julgada formal e, também, de coisa julgada material. Assim, pode-

se dizer que nas decisões interlocutórias cujo conteúdo não seja de sentença não se

operará o fenômeno da coisa julgada (formal ou material), mas somente a preclusão.

Feita essa observação, com relação à diferença dos institutos (preclusão

e coisa julgada), cabe retomar a afirmação de que, na hipótese de coisa julgada

formal, não há o que se falar em manejo de ação rescisória, devendo a ação ser tão

somente reproposta, com a “exclusão” do vício originalmente constatado.

De outra banda, quando se está diante de uma decisão com autoridade

de coisa julgada material, eventual reforma, regra geral, necessita do manejo da

ação rescisória.

64

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil, v. 2, t. I. p. 370.

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Segundo José Manoel de Arruda Alvim65:

[...] a esta indiscutível conclusão se chega examinando: 1º) o art. 268, que admite a propositura de ação, que tenha sido extinta com base no art. 267 (exceto os casos previstos no art. 267, V [...] e que não invalidam a regra); 2º) o art. 485, que disciplina os pressupostos de cabimento da ação rescisória e a restringe à sentença de mérito transitada em julgado, o que quer dizer é que as que não decidem o mérito são insuscetíveis de serem rescindidas, justamente porque inexiste nelas a coisa julgada, um dos pressupostos – aliás o pressuposto permanente, pois presente em todos os casos – de cabimento da ação rescisória.

Portanto, para que possa ser rescindida, além de analisar o mérito, a

decisão precisará ter transitado em julgado, isto é, ter assumido a qualidade de

imutável e, também, a autoridade de coisa julgada material.

1.5 DO PRAZO PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA

De acordo com o art. 495 do CPC: “o direito de propor ação rescisória se

extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão”.

Como apontado por Alexandre Freitas Câmara, o dispositivo legal conta

com uma falha técnica ao determinar que após dois anos estará “extinto o direito de

propor a ação rescisória”. Isso porque “o prazo estabelecido pela lei é de decadência

do ‘direito de rescindir’ e não o direito de ‘propor a ação’. Afinal, como sabido, a

decadência atinge o direito material, e não o poder de ação” 66.

Bem pertinente é a observação do autor, conquanto, ultrapassados os

dois anos, o que se extingue é o direito de rescisão da sentença e não o direito de

propor a ação rescisória 67 . Ademais, a ação rescisória consiste em ação

constitutiva68 e, como tal, sujeita-se ao prazo decadencial.

65

ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Sentença no processo civil: as diversas formas de terminação do processo e primeiro grau. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 2, 1976. p. 16. 66

CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 158. 67

Sobre a diferença entre prescrição e decadência, parece que o entendimento esboçado pelo Ministro Francisco Resek, no julgamento da ação rescisória n. 1.202-0 é o mais didático e objetivo, de

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Acerca das ações constitutivas e condenatórias, Agnelo Amorim Filho69,

em estudo realizado com bases científicas, sobre critérios para identificar a

prescrição e a decadência, há muito concluiu:

1) estão sujeitas a prescrição (indiretamente, isto é, em virtude da prescrição da pretensão a que correspondem): - todas as ações condenatórias, e somente elas (arts. 177 e 178 do Código Civil); 2) estão sujeitas a decadência (indiretamente, isto é, em virtude da decadência do direito potestativo a que correspondem): - as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado em lei; 3) são perpétuas (imprescritíveis): - a) as ações constitutivas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei; e b) todas as ações declaratórias.

A análise da natureza do prazo da ação rescisória – se decadencial ou

prescricional – não se limita a questões teóricas. Na prática, algumas situações

ocorrem justamente por força do prazo decadencial. É o caso, por exemplo, de não

haver suspensão ou interrupção da sua contagem. Na mesma linha, “por se tratar de

prazo decadencial, indaga-se se o termo final, recaindo em dia tido como feriado

forense, prorrogar-se-ia ou não para o 1º dia útil subsequente”70.

Independentemente da terminologia “equivocada” do legislador,

atualmente, a doutrina quase não diverge quanto ao entendimento de que o prazo

de dois anos da ação rescisória é decadencial e não prescricional71.

fácil compreensão: “A decadência é a falta do exercício do direito objetivo da ação; a prescrição é a falta do direito subjetivo da ação. Naquela a ação é o objeto da proteção jurídica, é o bem da vida em si mesmo. Não se cogita do direito material correlato. Na prescrição, ao contrário, é o direito material que voga, que importa, que morre e se extingue, através da inércia processual”. (AgRg na AR 1.202- 0/MG, relatado pelo Min. Francisco Rezek, Tribunal Pleno, DJU de 09.05.86). 68

“Como a ação rescisória é constitutiva, porquanto visa, primordialmente, a desconstituição da sentença transitada em julgado, chega-se à conclusão, sem nenhuma dificuldade, de que o prazo do art. 495 do CPC é decadencial. Não há hoje na doutrina e na jurisprudência nenhuma divergência sobre essa questão.” CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 151. 69

AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, Saraiva, v. 3, n. 95, jan./jun. 1961. p. 95-132. 70

DINAMARCO, Marcia Conceição Alves. Ação rescisória, p. 151. 71

De acordo com José Carlos Barbosa Moreira: “[...] a rigor, o que se extingue não é, aliás, o direito de propor a ação rescisória: esse existirá sempre, como simples manifestação particular do direito de ação. O fenômeno passa-se no plano material, não no plano processual, como de resto deixa entrever o próprio Código, quando estatui que a pronúncia da decadência acarreta a extinção do processo com julgamento do mérito (art. 269, nº IV). Escoado in albis o biênio, não é a ação rescisória que se torna inadmissível: é o direito à rescisão da sentença, o direito que se deduziria em juízo, que cessa de existir. O direito à rescisão da sentença já nasce com termo prefixado; o titular decairá do direito, se não exercer dentro do prazo. (Comentários ao Código de Processo Civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985. v. 5. p. 217).

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Acrescenta-se que há, inclusive, súmula do Superior Tribunal de Justiça

consignando que “o prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não

for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial [Grifo nosso]”72.

Referida súmula, contudo, muito mais do que esclarecer a natureza do

prazo para ajuizamento da ação rescisória, serviu para sedimentar uma discussão -

há tempo existente – sobre o termo a quo para contagem do prazo de dois anos, em

algumas situações específicas.

De acordo com o verbete, o prazo para a propositura da ação rescisória é

o momento do trânsito em julgado do último pronunciamento judicial.

Não obstante a literalidade da Súmula 401 do STJ, muitas dúvidas ainda

afloram, principalmente na análise do caso concreto. É o caso, por exemplo, de

situações em que o recurso interposto não é conhecido.

Vejamos a problemática da contagem do prazo para a propositura da

ação rescisória na seguinte situação: proferida a sentença de mérito, com o recurso

de apelação apresentado pela parte vencida, mas não conhecido por ausência de

preparo (deserção), por exemplo.

Na doutrina, já se afirmou que o termo a quo para contagem do prazo da

ação rescisória seria o dia posterior à intimação da sentença, posto que a decisão

do não conhecimento do recurso não “substituiria” a sentença proferida, ou seja, a

interposição do recurso não conhecido não teria obstado o trânsito em julgado da

sentença.

Assim já lecionou Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda73:

Como pode ter sido interposto da sentença algum ou alguns recursos, o trânsito em julgado depende de ter havido, ou não, o

No mesmo sentido, Alexandre de Freitas Camara, explicita: “A rigor, nada impede que a ação rescisória seja proposta depois dos dois anos do trânsito em julgado do provimento judicial que se quer rescindir. O que acontece nesse caso é que o demandante não poderá lograr êxito, pois a decadência levará à rejeição de sua pretensão, contra ele resolvendo-se o mérito da causa, na forma do disposto no art. 269, IV do Código de Processo Civil. O fenômeno, portanto, passa-se no plano material e não no plano processual”. (Ação rescisória, p. 158-159). 72

Súmula 401 do Superior Tribunal de Justiça. 73

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória, das sentenças e outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 236.

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recebimento. Se do único recurso interposto, ou se todos os que se interpuseram, não houve conhecimento, a sentença já passou em julgado, porque o tempo para isso só se liga a não haver recurso, ou não ter sido interposto, mas a decisão, no juízo recursal, de não caber, sem que disso possa haver outro recurso, mostra que o trânsito em julgado já se operara.

Outro argumento utilizado para sustentar a mesma tese é o de que a

decisão de análise de admissibilidade recursal seria de natureza declaratória74 e,

portanto, seus efeitos seriam ex tunc75.

Novamente, Maria da Conceição Alves Dinamarco76, a respeito, explicita:

A decisão a ser proferida em sede de juízo de admissibilidade de recursos reconhece a existência ou não dos requisitos indispensáveis para a análise do seu mérito, manifestando-se, assim, acerca da decisão anterior, já existente. Portanto, tal juízo em momento algum irá gerar alguma coisa, ou reconhecer alguma coisa anteriormente existente, ao contrário, irá reconhecer o que já preexistia. Assim, estamos diante de um pronunciamento com natureza declaratória, seja ele positivo ou negativo, tendo eficácia ex tunc.

De acordo com esse entendimento, na hipótese de o recurso não ser

admitido, o trânsito em julgado ocorreria na data da prolação da decisão recorrida.

Em última análise, é como se não houvesse tido recurso.

Tal posicionamento causou certo desconforto e ensejou discussão na

doutrina brasileira, em especial em razão da insegurança que representa para os

jurisdicionados. Isso porque, a parte, ao interpor um recurso, não consegue antever

quando será o seu julgamento e, na situação que ora se apresenta, poder-se-ia até

74

“Positivo ou negativo, o juízo de admissibilidade é essencialmente declaratório. Ao proferi-lo, o que faz o órgão jurisdicional é verificar se estão ou não satisfeitos os requisitos indispensáveis à legitima apreciação do mérito do recurso. A existência ou a inexistência de tais requisitos é, todavia, anterior ao pronunciamento, que não a gera, mas simplesmente a reconhece.” BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. V. p. 162. “Diz-se, comumente, que o juízo de admissibilidade de recursos tem natureza declaratória. Essa afirmação, levada às últimas consequências, significaria que, quando o recurso é indeferido (= quando não se conhece do recurso, quando não se admite), ter-se-ia que, na realidade, este já não cabia quando da sua interposição e, pois, a decisão que transitou em julgado teria sido aquela de que se recorreu, no momento em que foi proferida e não pela decisão que considerou inadmissível o recurso dela interposto”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada – hipótese de relativização, p. 205. 75

“A decisão sobre a admissibilidade do recurso determina o momento em que a decisão judicial impugnada transita em julgado”. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. 76

DINAMARCO, Marcia Conceição Alves. Ação rescisória, p. 68.

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impossibilitar o manejo da ação rescisória, caso o recurso levasse dois anos ou mais

para ser julgado (o que não é incomum).

Se entendermos que no caso de inadmissibilidade do recurso haveria

efeitos ex tunc, poderíamos excluir da parte direito de apresentar os recursos que

entender adequados, sob o argumento de que se ela não tiver “sorte” de ter as suas

pretensões acolhidas e for ultrapassado o biênio legal, poderá perder o direito de ver

a decisão rescindida por ação rescisória. Não parece, portanto, ser esta uma

situação razoável, máxime quando se tem em mente que:

[...] a coisa julgada ocorre no momento em que foi proferida a decisão, cujo recurso não foi admitido, cria-se situação iníqua, pois a parte está de mãos atadas enquanto tramita o recurso. Se essa tramitação durar mais de dois anos, quando sobrevier a decisão de inadmissibilidade do recurso, o prazo para ação rescisória já se terá escoado, pois só neste momento é que se virá a saber que, na verdade, terá sido a decisão recorrida que transitou em julgado. Eventual adoção dessa solução se chocaria frontalmente com o princípio do acesso a justiça e obrigaria a parte a exercer certo tipo de ‘projeção mental’ sobre a decisão do Tribunal, de certo modo tentando ‘prever’ se seu recurso seria, ou não, admitido, previsibilidade esta que, na verdade, só é possível, praticamente sem margem de erro, em casos de intempestividade evidente, que beira a má-fé.77

Para solucionar a problemática, entendemos que, independentemente do

conhecimento ou não do recurso utilizado pela parte, não tem lugar o trânsito em

julgado da decisão recorrida (no caso apresentado, da sentença). Ainda que a

análise de admissibilidade tenha cunho meramente declaratório78, ela não retroage à

data em que fora proferida a sentença, como se recurso não tivesse havido.

77

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada – hipótese de relativização, p. 205-206. 78

Para alguns doutrinadores, como é o caso de Fredie Didier Jr., a decisão da inadmissibilidade do recurso é de cunho constitutivo e, como tal, tendo o efeito da inadmissibilidade efeitos ex nunc. Nesse sentido, diz ele: “Se o juízo de admissibilidade é um juízo sobre a validade; se a invalidação é uma decisão constitutiva, se os atos processuais defeituosos produzem efeitos até a sua invalidação, conclusões já expostas e sedimentadas, a conclusão não pode ser outra: o juízo de inadmissibilidade é constitutivo negativo e tem eficácia ex nunc, ressalvada expressa previsão legal que determine a eficácia ex tunc, que a princípio não se reputa conveniente, tendo em vista que os atos processuais, e o procedimento em particular, produzem efeitos até que seja decretada a sua invalidade (inadmissibilidade, no caso do procedimento)”. De qualquer maneira, entende ele que, no caso inadmissão do recurso, o prazo para o ajuizamento da ação rescisória teria início com o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, “ainda que esta tenha se restringido a não admitir

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Nesse sentido é a doutrina do processualista Nelson Nery Junior79:

Nada obstante o caráter declaratório da decisão sobre a admissibilidade seja positiva ou negativa, sua eficácia é ex nunc. Disto decorre a seguinte consequência: a decisão sobre a admissibilidade do recurso determina o momento em que a decisão judicial impugnada transita em julgado.

Dessas lições, exsurge o entendimento de que, pendente qualquer

recurso de julgamento, ainda que ele venha a ser declarado inadmissível, não terá

havido o trânsito em julgado da decisão que se quer recorrer, devendo o prazo da

ação rescisória ser contado a partir do trânsito em julgado da última decisão

proferida no processo, ainda que esta também seja acerca da inadmissibilidade do

recurso.

Vale apontar, todavia, que esse entendimento não é unânime na doutrina

pátria. Alexandre de Freitas Câmara, por exemplo, adere à tese de que:

[...] o prazo decadencial estabelecido pelo art. 495 do CPC corre do trânsito em julgado da decisão que se queira rescindir, sendo meramente declaratório – e apto a produzir efeitos ex tunc – o juízo de admissibilidade dos recursos. [...] Pode acontecer de se verificar que já se aproxima o termo ad quem do prazo decadencial para o exercício do direito à rescisão de um provimento judicial, mas ainda está em curso processo de cujo resultado depende a apreciação da ação rescisória. Nesse caso, a única solução cientificamente viável é propor-se, desde logo, a ação rescisória, devendo seu processo ficar suspenso até que se encerre o processo em que se discute a admissibilidade do recurso interposto contra a decisão rescindenda. Não posso, aliás, deixar de fazer uma observação. Já houve quem afirmasse que seria esdrúxulo exigir que alguém proponha ação rescisória antes de ter sido julgado algum recurso seu. Data venia, esdrúxulo é que um tribunal demore tanto tempo – anos até – para julgar um recurso. Isso, sim, é que vai contra a solene promessa constitucional de duração razoável do processo. A propositura da ‘ação rescisória condicional’ não seria necessária se os tribunais julgassem celeremente os recursos que lhes são dirigidos, e se as partes não interpusessem tantos recursos manifestamente protelatórios (muitas vezes, registre-se, com o único intuito de prorrogar o dies a quo do prazo decadencial para o exercício do direito à rescisão, confiantes em que prevalecerá o entendimento do STJ). Insisto, pois, em afirmar que o termo inicial do prazo decadencial a que se refere o art. 495 do CPC é o trânsito em julgado da decisão

determinado recurso”. DIDIER JUNIOR, Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 49, 311. 79

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais – teoria geral dos recursos, p. 265-267.

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rescindenda, sendo meramente declaratório (e com efeitos ex tunc) o provimento que declare a inadmissibilidade de algum recurso interposto contra aquela decisão.80

Não obstante o raciocínio apresentado pelo autor, o fato é que, sendo ou

não culpa dos tribunais, um recurso pode, sim, demorar dois ou mais anos para ser

julgado e o jurisdicionado não pode ser prejudicado por essa situação.

Ademais, diante de eventual inadmissibilidade de recurso pode a parte ter

fundamento ao interpor recurso aos tribunais superiores e, ainda, ter a decisão

reformada, de forma que seria inviável (e até mesmo imprestável) o ajuizamento da

rescisória antes de tal definição.

Essa não é, pois, a solução mais razoável e adequada e, neste aspecto,

vale colacionar a opção apresentada por Teresa Arruda Alvim Wambier81, que assim

sustenta:

[...] em que pese o apuro da técnica que transparece nessa minoritária posição doutrinária, que leva sempre às últimas consequências a afirmação de que o juízo de admissibilidade dos recursos é declaratório, tendo eficácia ex tunc, e a decisão que transitaria em julgado, portanto, seria a de que se recorreu, sabe-se que, de acordo com os valores de nossos dias, o que se quer é um processo de resultados e um processo de resultados justos, o que certamente não se obtém com a postura teórica, rígida, inflexível e por demais formalista, que não se harmoniza com o conjunto de tendências que vêm norteando os modernos pensadores do processo, muitas vezes inspiradas no expressivamente modernizante trabalho pretoriano.

Portanto, havendo interposição de recurso, ainda que seja considerado

inadmissível, há óbice ao trânsito em julgado da decisão recorrida até o julgamento

do referido recurso (ainda que a decisão seja pelo seu não conhecimento), ou seja,

não há o que se falar em início do cômputo do prazo decadencial para ajuizamento

da ação rescisória.

80

CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 169-170. 81

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada – hipótese de relativização, p. 206.

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Nessa toada, julgado o último recurso cabível no caso concreto ou, ainda,

não apresentado recurso da última decisão proferida nos autos do processo, aí sim,

terá início o prazo decadencial de dois anos para apresentação da ação rescisória.

A situação pode tornar-se mais delicada quando se constatar o trânsito

em julgado parcial de uma decisão, em que, por exemplo, não foi interposto recurso

especificamente a um - ou alguns - pedidos relacionados ao caso (recorrendo-se

com relação às demais)82.

Nesse caso, com relação à parte não impugnada por recurso, de acordo

com opinião preponderante da doutrina, terá havido trânsito em julgado e nos termos

do art. 495 do CPC: “o direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois)

anos, contados do trânsito em julgado da decisão”.

A polêmica, aqui, relacionasse com a eventual possibilidade de existirem,

em um mesmo processo, diversos trânsitos em julgado83, o que daria margem ao

ajuizamento de diversas ações rescisórias em momentos distintos.

A respeito, opinam alguns doutrinadores:

Quando se recorre da sentença apenas em parte, a coisa julgada forma-se por etapas, em momentos diferentes. O prazo para rescisória também se contará separadamente para cada uma das partes do julgamento da causa. Isto acontecendo, haverá possibilidade de mais de uma rescisória sobre a mesma sentença, atacando-se em cada uma capítulos distintos do julgado, principalmente quando o recurso parcial não tiver ainda sido definitivamente decidido e o prazo decadencial do art. 495 já estiver preste a escoar em relação ao capítulo da sentença já alcançado pela res iudicata.84

82

“Toda decisão contida em sentença é composta de partes entrelaçadas, mas distintas entre si, chamadas capítulos de sentença. Conceituam-se estes como as partes em que ideologicamente se decompõe o decisório de uma sentença ou acórdão, cada uma delas contendo julgamento de uma pretensão distinta.” DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001. v. III. p. 663. 83

“Em casos tais, evidentemente, o trânsito em julgado do capítulo não impugnado se dá em momento distinto do trânsito em julgado do capítulo impugnado por recurso admissível (já que tal capítulo, provavelmente, será substituído por outra decisão, a ser proferida pelo tribunal ad quem, na forma do que dispõe o art. 512 do CPC).” CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 169-171. 84

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. I. p. 173.

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Se a mesma petição continha três pedidos e o trânsito em julgado, a respeito do julgamento de cada um, foi em três instâncias, há tantas ações rescisórias quanto as instâncias.85

Em posição diametralmente oposta, contudo, está a Súmula 401 do STJ

ao consignar que o “prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não

for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”.

De acordo com o referido verbete, portanto, ainda que o último

pronunciamento judicial trate apenas de parte dos pedidos, é a partir deste transito

em julgado que tem início a contagem de prazo para rescindir qualquer decisão de

mérito proferida no processo.

Bom exemplo alude ao ajuizamento de uma ação em que o autor pleiteia:

(i) a rescisão do contrato e, ainda, (ii) a restituição dos valores pagos na ordem de

R$ 100.000,00 (cem mil reais). Advindo a sentença, a ação é julgada integralmente

procedente, em janeiro de 2010. Inconformado com a decisão, o réu interpõe

recurso apenas com relação à determinação de devolução de verbas. O acórdão é

proferido em janeiro de 2012 e a sentença mantida.

De acordo com a orientação sumulada pelo Tribunal Superior, ainda que

o capítulo da sentença referente a rescisão do contrato tenha transitado em julgado

em 2010, adquirindo qualidade de coisa julgada material, somente a partir de janeiro

de 2012 é que se iniciaria o prazo para ajuizamento de eventual ação rescisória

visando desconstituir tal aspecto.

Inúmeras decisões nesse sentido foram proferidas pela STJ antes da

edição do verbete86, tendo todas como o principal argumento seria o caráter unitário

e indivisível da causa o que impossibilita o trânsito em julgado de partes diferentes

85

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória, das sentenças e outras decisões, p. 353. 86

Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EREsp 404.777, Relator Min. Francisco Peçanha Martins, Corte Especia,. Brasília, DF. Julgamento 03.12.2003. Disponível em www.stj.gov.br, Acesso em 8 set. 2013; REsp 405.236, Relator. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, Julgamento 8.06.2004, Disponível em www.stj.gov.br, Acesso em 8 set. 2013; REsp 639.233/DF, Relator Min. José Delgado, 1ª Turma, julgamento 06.12.2005, Disponível em www.stj.gov.br, Acesso em 8 set. 2013; REsp AgRg no EREsp 492171/RS, Relator Min. Humberto Gomes de Barros, 1ª Turma, julgamento 29.06.2007, Disponível em www.stj.gov.br, Acesso em 8 set. 2013

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da decisão rescindenda e, também, a impossibilidade de conceber várias ações

rescisórias em julgados no mesmo processo.

O §6º do art. 273 do CPC claramente é um exemplo da possibilidade de

cisão da causa, ao permitir o julgamento antecipado de um ou mais pedidos

cumulados quando estes se mostrarem incontroversos.

Trata-se de situação típica de julgamento parcial de mérito que, se não

apresentado recurso oportunamente, transitará em julgado e a decisão proferida

antecipadamente terá autoridade de coisa julgada material.

Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno87:

Parece que ele rompeu mesmo e em definitivo com o velho princípio (dogma) da unicidade do julgamento, admitindo, quando a hipótese é de sua incidência, o desmembramento ou a fragmentação do julgamento. A não se pensar assim, o dispositivo não tem qualquer sentido, porque, rigorosamente, ela não é a mesma tutela antecipada de que se ocupam os incisos I e II do art. 273. E a maior prova disso são as lições doutrinárias de onde deriva o novel dispositivo. Sua função, fosse ele um terceiro caso de tutela antecipada, já é muito bem desempenhada pelo inciso II do art. 273. Por que a repetição de regras jurídicas?

Se alguns dos pedidos mostram-se incontroversos, portanto, deve o juiz

julgá-lo antecipadamente. Trata-se de decisão proferida mediante cognição

exauriente88que, se não impugnada mediante recurso próprio, irá transitar em

julgado e adquirir qualidade de coisa julgada material.

Questão interessante e que merece reflexão é se a decisão proferida nos

termos do §6º do art. 273 do CPC é decisão interlocutória (com conteúdo de

sentença) ou se seria uma sentença parcial.

87

BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela Antecipada. 2ª edição. São Paulo. Saraiva, 2007, p. 53-54. 88

“Em princípio, a provisoriedade da medida poderia autorizar a conclusão de se cuidar de cognição sumária e não exauriente. Entretanto, não é essa a interpretação que se extrai do texto legal. Com efeito, a tutela antecipada, na hipótese, implica o acolhimento do próprio pedido, e não de simples efeitos práticos dele, em razão da sua ausência de controvérsia” LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. 2ª edição. São Paulo. Saraiva, 2003, p. 177

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Para Cassio Scarpinella Bueno 89 e Fredie Didier Junior 90 , trata-se de

decisão interlocutória, com conteúdo de sentença, apta a ficar imune pela coisa

julgada material. Já para Daniel Mitidiero91 e Luciano Vianna de Araújo92, trata-se de

sentença parcial de mérito.

Sem aprofundar este impasse doutrinário, até porque desviaria o objetivo

do presente estudo, fato é que esse ato do juiz julga a lide – com cognição

exauriente – e tem aptidão para fazer coisa julgada material. Hipótese clara,

portanto, da possibilidade de cisão da causa, com julgamentos de méritos proferidos

em momentos distintos.

Exemplo semelhante ocorre quando na sentença o juiz analisa dois ou

mais pedidos cumulados, em capítulos independentes. Caso as partes recorram

apenas de parte dos capítulos, àqueles que não foram objeto de impugnação

tornam-se imutáveis com possibilidade de adquirir coisa julgada material.

Nesta hipótese, eventual prazo para ajuizamento de ação rescisória terá

início quando do seu respectivo transito, independentemente de ter recurso

pendente de julgamento, tratando de outros capítulos da sentença.

89

”Dito de forma mais direta: a decisão jurisdicional que aplica o art. 273, §6º, embora pudesse ser considerada substancialmente sentença – afinal terá conteúdo do art. 269, rente ao que diz o art. 162, §1º, na redação da Lei nº 11.232/2005 – é formalmente decisão interlocutória, no sentido de fazer as vezes, ter a mesma função processual, de uma decisão interlocutória, porque, posto ter sido proferida, não significa que não haja, ainda, outras atividades jurisdicionais cognitivas a serem desenvolvidas. Prevalece no sistema, prevalece a ênfase, por causa das alterações promovidas pela Lei 11.232/2005 nos arts. 162, §1º, 269, caput e 463 caput, a regra do 162, §2º: uma sentença e uma interlocutória, independentemente de seu conteúdo, classificam-se também pela sua função. A decisão que aplica o art. 273§6º tem função de decisão interlocutória, característica que é robustecida pelo §5º do art. 273” BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela Antecipada. 2ª edição. São Paulo. Saraiva, 2007, p. 60. 90

“em síntese: a decisão que aplicar o §6º do art. 273 é uma decisão interlocutória que versa sobre parte do mérito, definitiva, fundada em cognição exauriente (juízo de certeza, não verossimilhança), apta a ficar imune pela coisa julgada material e passível de execução também definitiva” DIDIER JUNIOR, Fredie. Apud. Athos Gusmão Carneiro. Da antecipação da tutela. 6ª edição. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2006, p. 65. 9191

“Parece-nos, no mais, que conseguimos demonstrar que o art. 273, §6º do CPC enecerra uma possibilidade de resolução definitiva-fracionada da causa, sendo a decisão judicial apta a tanto caracterizável como uma sentença parcial de mérito.”. 92

“rompe-se com o sistema processual civil, de maneira muito mais grave, quando se admite o julgamento do mérito por decisão interlocutória, a qual não precisa ser confirmada e tem a capacidade de produzir coisa julgada material, do que, simplesmente, aceitar o fim do dogma da unidade da sentença” ARAUJO, Luciano Vianna. Sentenças parciais? 1ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2011, p. 118-119

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Nesse sentido, Humberto Theodoro Junior93:

É longa e consolidada a tradição de nosso direito processual civil, segundo a qual as partes do julgado que resolvem questões autônomas formam per si sentenças que ostentam vida própria, podendo cada qual ser mantida ou reformada sem prejuízo para as demais94.

Tanto na hipótese de sentença parcial (ou decisão interlocutória de

mérito), como na hipótese de recurso parcial (tendo transitado em julgado parte da

decisão que não foi objeto de recurso), haverá duas ou mais decisões de méritos,

com termos a quo absolutamente diferentes para ajuizamento de ação rescisória.

Resume bem todos os argumentos aqui suscitados, a lição de José

Carlos Barbosa Moreira95, no seguinte sentido:

Pelas razões acima expostas, e sem embargo da autoridade do STJ, continuamos a sustentar que:

a) Ao longo de um mesmo processo, podem suceder-se duas ou mais resoluções de mérito, proferidas por órgãos distintos, em momentos igualmente distintos;

b) Todas essas decisões transitam em julgado ao se tornarem imutáveis e são aptas a produzir coisa julgada material, não restrita ao âmbito do feito em que emitidas;

c) Se em relação a mais de uma delas se configurar motivo legalmente previsto para rescindibilidade, para cada qual será proponível uma ação rescisória individualizada;

d) O prazo de decadência terá de ser computado caso a caso, a partir do trânsito em julgado de cada decisão.

93

JUNIOR THEODORO, Humberto. Curso de Direito Processual Civil.52ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2011, p. 744 94

No mesmo sentido, Athos Gusmão Carneiro: A ´res in iudicium deducta´, portanto, que no juízo de

primeiro grau deve ser decidida integralmente (sob pena de sentença infra petita), no juízo recursal pode ser passível de mais de uma cognição parcial; e inclusive, tendo em vista a peculiareidades procedimentais, de conhecimento em momentos processuais diversos. O pressuposto é o de que o pedido da parte, e portanto a sentença (ou no acórdão), contenha capítulos autônomos , destacáveis, suscetíveis destarte de diferentes prestações jurisdicionais. Como decorrência lógica, a coisa julgada poderá formar-se em determinado para um dos capítulos da ´res in iudicium’, em momento diferente para o outro capítulo. Assim, não haverá unidade de dies a quo para o biênio do ajuizamento da eventual demanda rescisória. CARNEIRO, Athos Gusmão, disponível em http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Athos%20Gusm%C3%A3o%20Carneiro%20formatado.pdf, acessado em 18 de Julho de 2014 95

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Sentença objetivamente complexa, transito em julgado e rescindibilidade. In: Nelson Nery Junior e Teresa Arruda Alvim Wambier. Aspectos Polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo, RT, 2007, pág. 177

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O outro argumento utilizado pelo STJ para sustentar a súmula 401 é o de

que seria inadmissível a existência de duas ou mais ações rescisórias sobre um

mesmo processo.

Trata-se, contudo, de argumento frágil.

Isso porque, ainda que se admita a possibilidade de um único termo inicial

para o ajuizamento de ação rescisória (conforme determinada a Súmula 401), há

casos em que existirão duas ou mais ações rescisórias.

Terá competência para rescindir decisão proferia em primeiro grau os

Tribunais Estaduais competentes. Em contrapartida, decisões proferidas pelos

Tribunais Superiores somente poderão ser objeto de rescisão por tais órgãos.

Assim, caso as partes recorram apenas de um Capítulo da sentença até os

Tribunais Superiores, estes serão os órgãos responsáveis pela rescisão do que foi

objeto recursal. Eventual decisão de primeiro grau que não foi objeto de

irresignação, por sua vez, deverá ser rescindida pelo Tribunal Estadual.

Neste aspecto, vale a leitura de José Carlos Barbosa Moreira96:

Realmente: suponha-se que, com referência a uma parte do mérito, a causa haja sido definitivamente julgada em segundo grau, por acórdão no qual, nessa parte, ninguém recorreu; e que, para a parte restante, tenha sobrevindo resolução do STJ, no julgamento do recurso especial. Ainda que se entenda correr só a partir daí o biênio decadencial, inclusive para o órgão da apelação, nem por isso se pré-excluirá uma eventual dualidade de rescisórias. Prazo único não significa necessariamente ação única. Com efeito, para julgar ação rescisória contra seu acórdão, competente será o STJ (CF/88, art. 105, I, e). O mesmo não se dirá, no entanto, a respeito da ação rescisória contra acórdão que julgou a apelação. Nenhuma disposição constitucional atribui ao STJ competência para julgar ações rescisórias de acórdãos que não são seus. Para tais ações, o STJ é absolutamente incompetente; não há o que se cogitar aqui de prorrogação. E vice-versa: o tribunal de segundo grau jamais teria competência para julgar ação rescisória de acórdão do STJ.

96

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Sentença objetivamente complexa, transito em julgado e rescindibilidade. In: Nelson Nery Junior e Teresa Arruda Alvim Wambier (coord). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo, RT, 2007, pág 175-176

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Esvai-se, portanto, o argumento muito utilizado pelo STJ no sentido de

que é inadmissível a existência de mais de uma ação rescisória decorrente de um

mesmo processo.

Até pouco tempo atrás o STF não havia se pronunciado sobre o termo

inicial para ajuizamento de ação rescisória em casos de sentenças parciais. Isso

porque entendia que referida análise “demandaria de prévio exame da legislação

infraconstitucional. Por essa razão, a ofensa ao texto da Constituição de 1988, se

existisse, seria indireta ou reflexa, o que dá margem ao descabimento do recurso

extraordinário, por aplicação, mutatis mutantis, da Súmula 636 desta Corte”97.

Recentemente, contudo, a Corte se pronunciou reconhecendo a

autonomia dos capítulos da sentença98. Apresentado recurso com relação apenas a

parte dos referidos capítulos, portanto, o transito em julgado de cada um deles se

mostra passível de ocorrer em momentos distintos.

COISA JULGADA – PRONUNCIAMENTE JUDICIAL – CAPÍTULOS AUTÔNOMOS – Os capítulos autônomos do pronunciamento judicial precluem no que não atacados por meio do biênio decadencial para propositura da rescisória

Trata-se do mesmo entendimento exarado pelo STF quando do

julgamento da ação penal nº 47099, julgada em 13 de novembro de 2013, de

relatoria do então Min. Joaquim Barbosa. Naquela ocasião, entendeu-se pela

possibilidade de executoriedade imediata dos capítulos autônomos da decisão e

isso no seguinte sentido:

[...] 2.Sempre que a sentença decide pedidos autônomos, ela gera a formação de capítulos também autônomos, que são juridicamente cindíveis. O julgamento da demanda integrada por mais de uma pretensão exige um ato judicial múltiplo de procedência ou improcedência dos pedidos. Doutrina.

97

Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 695.802/CE, Ceará, Relator Min. Joaquim Barbosa,. Brasília, DF. Julgamento 23.6.2009. Disponível em www.stj.gov.br, Acesso em 8 set. 2013 98

Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 555589/DF, Relator Min. Marco Aurélio, Brasília, DF. Julgamento 25.03.2014. Disponível em www.stj.gov.br, Acesso em 19 Jun. 2014 99

Ação Penal nº 470/MG, movida pelo Ministério Público perante o STF, que ficou conhecida popularmente como mensalão. Trata-se de ação que visava apurar eventual corrupção mediante compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional. O caso teve como protagonistas alguns integrantes do governo do presidente Lula, membros do Partido dos Trabalhadores e de outros partidos.

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4. No direito processual penal, o julgamento múltiplo ocorre em razão da diversidade dos fatos típicos imputados e das regras próprias ao concurso material de crimes, em que se exige sentença de estrutura complexa, com condenações múltiplas. 5. É plena a autonomia dos capítulos, a independência da prova e a especificidade das penas impostas aos condenados para cada um dos crimes pelos quais estão sendo processados. 6. O trânsito em julgado refere-se à condenação e não ao processo. A coisa julgada material é a qualidade conferida pela Constituição Federal e pela Lei à sentença/acórdão que põe fim a determinada lide, o que ocorre com o esgotamento de todas as possibilidades recursais quanto a uma determinada condenação e não quanto ao conjunto de condenações de um processo. No mesmo sentido, o artigo 467 do Código de Processo Civil; e o artigo 105 da Lei de Execuções Penais. Este entendimento já se encontra de longa data sedimentado nesta Corte, nos termos das Súmulas 354 e 514 do Supremo Tribunal Federal. 7. A interposição de embargos infringentes com relação a um dos crimes praticados não relativiza nem aniquila a eficácia da coisa julgada material relativamente às condenações pelos demais crimes praticados em concurso de delitos, que formam capítulos autônomos do acórdão. Descabe transformar a parte irrecorrível da sentença em um simples texto judicial, retirando-lhe temporariamente a força executiva até que seja finalizado outro julgamento, que, inclusive, em nada lhe afetará.

Por todos os argumentos aqui expostos, o posicionamento mais recente

proferido pelo STF parece mais adequado e cientificamente correto

1.6 SOBRE A EXPRESSÃO “VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSITIVO DE LEI”

A previsão legal de possibilidade de ajuizamento de ação rescisória por

violação a “literal dispositivo de lei” no atual CPC não foi inédita.

Desde o Regulamento n. 737, de 1850100, já havia dispositivo expresso

tratando da possibilidade de rescisão de sentença “sendo proferida contra a

expressa disposição da legislação comercial”101.

100

“O Regulamento nº 737 de 1850 estabelecia, no §2º do art. 680, que a ‘sentença proferida contra expressa disposição da legislação comercial’ era nula e impugnável por ação rescisória. Repare-se que o termo ‘legislação comercial’ se justificava, porque, quando foi promulgado, o Regulamento nº 737 apenas se aplicava às causas comerciais. Posteriormente, por força do Decreto nº 763/1890, o referido Regulamento passou a incidir, também, sobre as causas cíveis. A partir desse momento, a

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Com a edição dos Códigos Estaduais, posteriores ao referido

Regulamento, a possibilidade de rescisão por violação a dispositivo de lei foi

mantida, havendo alteração, em algumas Constituições específicas, apenas com

relação à terminologia utilizada. Enquanto algumas mantiveram a expressão

“dispositivo de lei”, outras passaram a prever “direito expresso” 102.

Não tardou para que a doutrina começasse a divergir com relação ao

alcance das expressões “literal disposição de lei” e “direito expresso”. Luís Eulálio

Vidigal103 , por exemplo, sustenta que a expressão “direito expresso” seria mais

ampla do que “expressa disposição de lei”.

O CPC de 1939, especificamente em seu art. 798, previu que “será nula a

sentença quando proferida contra literal disposição de lei”. O legislador, como se vê,

deixa de utilizar a expressão “direito expresso” e passa a adotar a terminologia

“disposição de lei”.

O CPC atual (1973), nesse aspecto, não inovou em relação ao Código de

1939, pois manteve a previsão de possibilidade de ajuizamento de ação rescisória

quando a sentença de mérito transitada em julgado “violar literal disposição de lei”.

Parte da doutrina, justamente tendo em vista a diferença terminológica

utilizada ao longo da história, sustenta que, hoje, da forma como está disposto o

inciso V do artigo 485 do CPC, somente seria possível o manejo de ação rescisória

quando houvesse violação de lei. Desta feita, não cabe ação rescisória, por

exemplo, em razão de violação a princípios, costumes e analogia.

Na opinião de Maria Conceição Alves Dinamarco104:

expressão ‘legislação comercial’ passou a abranger, igualmente, a legislação cível”. você CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação de norma jurídica. p. 183. 101

Art. 680, §2º, do Regulamento n. 737 de 1850. 102

“Com relação ao atual inciso V, podemos asseverar que os Códigos de São Paulo, Distrito Federal e Espírito Santo se referiam à nulidade da sentença proferida contra direito expresso, enquanto os diplomas legais do Estado do Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul falavam em sentença proferida contra expressa disposição de lei. Portanto, ao passo que alguns Códigos estaduais falavam em direito, outros usavam o termo lei.” DINAMARCO, Marcia Conceição Alves. Ação rescisória, p. 182. 103

VIDIGAL, Luís Eulálio de Bueno. Da ação rescisória dos julgados. São Paulo: Saraiva, 1948. v. VI. (Coleção de Estudos de Direito Processual Civil). p. 64. 104

DINAMARCO, Marcia Conceição Alves. Ação rescisória, p. 183, 24.

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Essa digressão histórica possibilita a afirmação de que diante dos termos constantes do inciso V, do art. 485, do Código de Processo Civil, não se pode confundir literal disposição de lei com o direito expresso das antigas Ordenações, que era fórmula evidentemente mais ampla, pois não se restringia ao direito escrito, ao direito expresso na lei, como hoje acontece [...] Como dito no início deste item, se ao juiz não é dado o direito de abster-se de julgar sob a alegação de que há lacuna ou obscuridade da lei sendo-lhe facultado aplicar a analogia, os costumes e demais princípios gerais de direito (art. 126, CPC), será que uma decisão, que aplicou determinado costume, e outra, que aplicou outro costume a uma mesma situação fática, ensejariam situação possível de ser rescindida com fundamento no inciso V? A resposta que se impõe a esta questão é negativa, pois estamos diante da interpretação de um fato com base em um costume. Como este não está escrito, não há que se falar em violação a literal dispositivo de lei. O mesmo se diga com relação aos princípios gerais do direito e a analogia.

Com base na transcrição acima já é possível identificar duas

controvérsias com relação a expressão “literal dispositivo de lei”. Somente a violação

a violação a lei pode ser fundamento para ajuizamento de ação rescisória? O termo

literal tem como consequência a exigência de que a infringência ocorra

necessariamente a direito escrito?

Ancorados no argumento da necessária proteção à coisa julgada e

segurança jurídica, muitos processualistas brasileiros105 sustentam a aplicação do

inciso V do artigo 485 do CPC de forma restrita, ou seja, apenas quando houver

violação a lei escrita. Nesse sentido, Sérgio Rizzi106:

A norma do art. 485, V, do Código, sujeita-se, na sua inteligência, aos postulados de segurança e certeza que informam a coisa julgada. A interpretação deve ser, portanto, consentânea com tais postulados, de modo tal que, onde se lê literal, deve-se inferir a existência material da lei. Só é grave o erro da sentença, para fins do

105

Partilham deste entendimento, por exemplo, Coqueijo Costa, José Afonso da Silva e, também, Marcia Conceição Alves Dinamarco. A propósito, na avaliação de Coqueijo Costa: “Prepondera o entendimento de que o direito deve ser escrito e a violação se faça à lei ou à tese jurídica nesta contida. O que se infringe é o conteúdo normativo do direito em tese. Do contrário, não haveria segurança e nem certeza na coisa julgada”. (Ação rescisória. 3. ed. São Paulo: LTr, 1984. p. 60). E José Afonso da Silva anota: “O que se exige para configuração de sentença contra litteram legis é que ela contrarie um dispositivo existente na ordem jurídica objetiva, porque, caso contrário, seria vago o padrão de confronto. Como se haveria de saber se o juiz errou contra a letra da lei, se não se tratasse de uma norma de Direito escrito?” (Do recurso extraordinário no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963. p. 191). 106

RIZZI, Sergio. Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979. p. 105.

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art. 485, V, do Código, quando afronte norma que conste literalmente dos textos normativos. [...] Em nosso entender, as verba legis – literal disposição de lei – devem, necessariamente, implicar uma restrição. A tornar irrestrita a aplicação deste fundamento, vale dizer, possa alcançar também as hipóteses em que as normas decorrem de uma interpretação contra legem, ou, fora da materialidade do texto, seria inútil discriminação que historicamente vem sendo imposta. A lei falou em expresso, hoje fala em ‘literal’; há, nestas palavras, uma ratio manifesta, que não pode ser ignorada. Não se trata, portanto, de emperrar o direito com interpretação literal ou lógico-sistemática, no campo da ação rescisória, ou procurar soluções fáceis, mas de dar rendimento à palavra da lei, mesmo porque, não é absurdo que se restrinja o campo da ação rescisória em consideração aos postulados de segurança e certeza do Direito. O art. 485, V, do Código, portanto, não cuida da violação do direito em tese que não conste de nenhuma norma escrita.

À época em que foi editado o atual Código de Processo (1973), contudo,

a importância da lei em relação às demais fontes de direito era significativamente

superior, sendo considerada como fonte quase absoluta do direito. Assim,

possivelmente ainda influenciado pelo positivismo jurídico107, o legislador manteve a

expressão “literal dispositivo de lei”, ou seja, foi confirmado o entendimento de que

ao juiz cabe, apenas, afirmar aquilo que foi dito (ou melhor, escrito) pelo legislador.

A doutrina de Teresa Arruda Alvim Wambier108 completa o raciocínio

107

Citando Luigi Farrajoli, Luis Guilherme Marinoni explicita: “A mera observação e descrição da norma constitui o ponto caracterizador do positivismo, que dessa forma pode ser visto como ciência cognoscitiva ou explicativa de um objeto, isto é, da norma positivada. Por constituir explicação da norma, o positivismo difere nitidamente da atividade de produção do direito, ou da atividade normativa, pois a tarefa do jurista positivista é completamente autônoma em relação à atividade de produção do direito, ao contrário do que acontecia à época em que a atividade da jurisprudência e dos doutores criava o direito”. (A jurisdição no Estado Constitucional. 21.03.2006. p. 8. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/2174>. Acesso em: 24 out. 2013). 108

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 500-501. No mesmo sentido, disserta Cassio Scarpinella Bueno: “Hoje ninguém mais poderá colocar em dúvida que o estudo do direito, mesmo o estudo científico do direito, já não pode mais ser entendido como fenômeno de neutralidade ou de pureza no sentido de afastar, por completo, o que é jurídico propriamente dito daquilo que não é. Quando menos, que o direito, mais do que nunca, não corresponde à letra da lei e que todas as consequências jurídicas possíveis para quaisquer fatos não estão em estado de latência nos códigos e nos mais variados diplomas normativos na cômoda posição de aguardo de serem pinçados e aplicados pelo juiz (ou, mais amplamente, pela autoridade responsável) quando devidamente convocado para tanto. Definitivamente, esse paradigma do que ‘é’ o direito não pode mais prevalecer. Não que, por vezes, aquela mesma e tradicional forma de se compreender e atuar diante do fenômeno jurídico não possa ser como era há um ou dois séculos atrás, mas, decisivamente, o paradigma do direito, a postura do intérprete e do aplicador diante do fenômeno jurídico, alterou-se por completo. O fato é que hoje se pensa e se aplica o direito de uma forma muito diferente do que se aplicava, por exemplo, no início da década de 1970 no Brasil, quando

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A nós nos parece que a dicção da lei nada mais é do que reminiscência de uma época em que se emprestava mais significativa importância aos textos das leis, em si mesmos e isoladamente considerados. É como se o legislador tivesse dito que a infração à norma jurídica deveria ser ‘séria’ para ensejar ação rescisória. E se entendia que infração séria só poderia ser ao texto da lei. Entretanto, hoje se empresta, em virtude de razões sociológicas, políticas, enfim, de tudo o que se tratou nos primeiros itens deste estudo, muito mais importância a princípios do que há trinta anos. E se o nosso CPC tem mais de trinta anos é, de fato, fruto da dogmática que se praticava anos e anos antes de ter sido editado.

O Estado liberal, contudo, pressupunha a existência de uma sociedade

homogênea, em que as necessidades dos indivíduos eram idênticas e, neste

aspecto, acreditava-se que a legislação seria completa, capaz de solucionar

qualquer caso. A função do juiz seria meramente declaratória109. Tal concepção,

com o tempo, sofreu alterações, especialmente quando se percebeu que a

heterogeneidade da sociedade tinha como consequência anseios distintos. Neste

momento, inicia-se a preocupação estatal com as desigualdades, de modo que a

concepção da lei, como concebida até então, deixa de fazer sentido, assim como o

positivismo jurídico.

Na interpretação de Cassio Scarpinella Bueno110:

Justamente porque não se compreende possa ser mais o juiz dos dias atuais a ‘boca da lei’, deve ele, no seu ofício, bem capturar para bem aplicar, nos casos concretos, os valores e as angústias que estão dispersos na sociedade e no próprio Estado, nas mais variadas facetas de sua atuação especializada. O juiz, pois, tem de se voltar para a sociedade e aplicar o direito.

Afasta-se, com isso, a mera preocupação formal com a lei, e o Estado

passa a analisá-la à luz da Constituição e direitos fundamentais. E, como sustenta

Luiz Guilherme Marinoni111, altera-se o próprio conceito do princípio da legalidade:

da promulgação do Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973”. (Curso sistematizado de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1. p. 64). 109

Trata-se de posicionamento defendido por Chiovenda e Carnelutti. Muito embora as teorias apresentadas por eles apresentassem algumas diferenças (em especial com relação à possibilidade de criação de norma individual para a solução de um caso concreto), a função meramente declaratória do juiz era caraterística sustentada por ambos. 110

BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae no processo civil brasileiro – um terceiro enigmático. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 29.

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A noção de norma geral, abstrata, coerente e fruto da vontade homogênea do parlamento, típica da Revolução Francesa, não sobreviveu aos acontecimentos históricos. Entre outras coisas, vivenciou-se a experiência de que a lei poderia ser criada como modo contrário aos interesses da população e aos princípios da justiça. Assim, tornou-se necessário resgatar a substância da lei e encontrar os instrumentos capazes de permitir a sua conformação aos princípios de justiça [...]. A lei passa a encontrar limite e contorno nos princípios constitucionais, o que significa que deixa de ter apenas legitimação formal, restando substancialmente amarrada aos direitos positivados na Constituição. A lei não mais vale por si, porém depende de sua adequação aos direitos fundamentais. Se antes era possível dizer que os direitos fundamentais eram circunscritos à lei, torna-se exato, agora, afirmar que devem estar em conformidade com os direitos fundamentais. O próprio princípio da legalidade passa a se ligar ao conteúdo da lei, ou melhor, à conformação da lei

com direitos fundamentais.112

Nos dias atuais, relevantes decisões judiciais não mais se baseiam

exclusivamente na letra lei. Bom exemplo nesse sentido é a decisão do STF, que se

manifestou pela possibilidade de reconhecimento da união homoafetiva no

Brasil113,114.

De acordo com a lei posta, a união estável sempre tivera como

pressuposto o relacionamento entre duas pessoas do sexos opostos. Reforça a tese

o fato de o §3º do art. 226 da Constituição Federal115 e o art. 1.723116 do Código Civil

111

“Diante disso, alguém poderia pensar que o princípio da legalidade simplesmente sofreu um desenvolvimento, já que a subordinação o Estado à lei foi levada a uma última consequência, consistente na subordinação da própria legislação à Constituição, que nada mais seria do que a ‘lei maior’. Contudo, essa leitura constitui um reducionismo do significado da subordinação da lei à Constituição, ou uma incompreensão das tensões que conduziram à transformação da própria noção de direito. Na verdade, a subordinação da lei à Constituição não pode ser compreendida como uma mera ‘continuação’ dos princípios do Estado legislativo, pois significa uma transformação que afeta as próprias concepções de direito e de jurisdição.” MARINONI, Luiz Guilherme. A jurisdição no Estado Constitucional. 21.03.2006. p. 23, Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/2174>. Acesso em: 24 out. 2013. 112

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 59. 113

Em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132, Rio de Janeiro, tendo como Relator o Ministro Ayres Britto. 114

Apenas para que não permaneça dúvida com relação ao exemplo utilizado, importante consignar que, de forma alguma, pretende-se sustentar a rescisão da decisão proferida pelo STF em arguição de descumprimento de prefeito fundamental, até porque, de acordo com o artigo 12 da Lei n. 9.882/1999, isso não seria possível. Pretende-se, sim, demonstrar que decisões relevantes são prolatadas tendo como fundamento princípios jurídicos e não a lei. 115

“Art. 226. [...] §3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”

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expressamente consignarem que, para o reconhecimento da união estável, a

relação é entre “homem e mulher”.

Mesmo diante desses dispositivos legais, o STF decidiu reconhecer a

união homoafetiva e, para tanto, pautou o julgamento em critérios sociais, políticos,

fundamentando a sua decisão em aspectos quase exclusivamente principiológicos.

A decisão da Corte Suprema tratou, por exemplo, do conceito de

“família” 117 , utilizada no art. 226 da Constituição da República, e sustentou a

inexistência de distinção entre as uniões estáveis heteroafetivas e homoafetivas118.

Inúmeros foram os preceitos constitucionais utilizados como fundamento

da decisão do STF em comento, com destaque para os seguintes princípios:

igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana, segurança jurídica,

razoabilidade, proporcionalidade, vedação de discriminações odiosas e cidadania.

116

Art. 1.723 do CC: “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e mulher [...]”. 117

“O que, então, caracteriza, do ponto de vista ontológico, uma família? Certamente não são os laços sanguíneos, pois os cônjuges ou companheiros não os têm entre si e, mesmo sem filhos, podem ser uma família; entre pais e filhos adotivos também não os haverá. De igual modo, a coabitação não será necessariamente um requisito – uma família se desintegra se, por exemplo, um filho vai estudar no exterior? É claro que não. O que faz uma família é, sobretudo, o amor – não a mera afeição entre os indivíduos, mas o verdadeiro amor familiar, que estabelece relações de afeto, assistência e suporte recíprocos entre os integrantes do grupo. O que faz uma família é a comunhão , a existência de um projeto coletivo, permanente e duradouro de vida em comum. O que faz uma família é a identidade, a certeza de seus integrantes quanto à existência de um vínculo inquebrantável que os une e que os identifica uns perante os outros e cada um deles perante a sociedade. Presentes esses três requisitos, tem-se uma família, incidindo, com isso, a respectiva proteção constitucional.” Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132. Rio de Janeiro. Plenário. Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. Julgamento 05.05.2011. Publicação DJE n. 198. Divulgação 13.10.2011. Publicação 14.10.2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633>. Acesso em: 9 maio 2014. 118

“O que distingue, do ponto de vista ontológico, as uniões estáveis heteroafetivas das uniões homoafetivas? Será impossível que duas pessoas do mesmo sexo não tenham entre si relação de afeto, suporte e assistência recíprocos? Que criem para si, em comunhão, projetos de vida duradoura em comum? Que se identifiquem, para si e para terceiros como integrantes de uma célula única, inexoravelmente ligados? A resposta a essas questões é uma só: nada as distingue. Assim como companheiros heterossexuais, companheiros homossexuais ligam-se e apoiam-se emocional e financeiramente; vivem juntos as alegrias e dificuldades do dia-a-dia; projetam um futuro comum. Se, ontologicamente, união estável (heterossexual) e união (estável) homoafetiva são simétricas, não se pode considerar apenas a primeira como entidade familiar. Impõe-se, ao revés, entender que a união homoafetiva também se inclui no conceito constitucionalmente adequado de família, merecendo a mesma proteção do Estado de Direito que a união entre pessoas de sexos opostos”. Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132. Rio de Janeiro. Plenário. Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. Julgamento 05.05.2011. Publicação DJE n. 198. Divulgação 13.10.2011. Publicação 14.10.2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633>. Acesso em: 9 maio 2014.

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A temática envolvendo a possibilidade de união homoafetiva é apenas um

exemplo entre tantos que poderiam ser citados para dar substância à questão ora

apresentada, ou seja, há algum tempo não é mais possível sustentar que a lei

escrita teria mais importância do que princípios ou mesmo normas implícitas na

fundamentação das decisões judiciais.

Assim, como mencionado linhas atrás, ainda que, à época da edição do

atual CPC, o legislador, no inciso V do seu artigo 485, estivesse referindo-se

especialmente às leis escritas, tal limitação não se revela adequada nos dias atuais.

A lição de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda 119 reforça esse

entendimento:

O Direito, em sua evolução incessante, ou, pelo menos, em sua mutabilidade, porque lhe faltam os fatores de estabilidade, mais característicos da moral e da religião, constitui o que, em cada momento, é tido pelo mais justo e ao mesmo tempo realizável. Ao primeiro elemento servem a lei, a doutrina e a dicção por parte dos juízes; ao segundo, o processo, como realizador do direito objetivo. Seria pouco provável a realizabilidade do direito objetivo, se o elemento só fosse a lei: não apenas pela inevitabilidade das lacunas, como porque a própria realização supõe provimento aos casos omissos e a subordinação das partes imperfeitas aos princípios do próprio direito a ser realizado.

Sem negar a necessidade de defesa da coisa julgada, em prol da

segurança jurídica dos próprios jurisdicionados, pelas razões que aqui foram

expostas, não se mostra razoável a interpretação restritiva da expressão “literal

dispositivo de lei”, prevista no inciso V do artigo 485 do CPC. Ao contrário, deve ser

compreendido o seu comando de maneira extensiva, abrangendo qualquer espécie

de “norma jurídica”120 que, de acordo com parte doutrina, trata-se de “texto da lei

interpretado e aplicado à luz dos fatos concretos”121.

119

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória, das sentenças e outras decisões, p. 269. 120

Não se pretende, aqui, aprofundar o estudo sobre o conceito de “norma” e isso tendo em vista que correríamos certo risco de nos afastarmos dos aspectos relevantes relacionados ao tema a que nos propusemos desenvolver. 121

BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae no processo civil brasileiro – um terceiro enigmático, p. 17.

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A lei como posta no ordenamento jurídico é, pois, mero texto. A

interpretação desse texto, contudo, resulta na “norma jurídica”. O juiz, em última

análise, complementa a atividade do legislador ao dar ao texto legal a adequada

interpretação.

A respeito, disserta Cassio Scarpinella Bueno122:

A função do juiz, já não há mais como esconder essa realidade, é uma atividade criativa. Não se espera mais do juiz, apenas e tão-somente, que realize uma reflexão quase que lógica ou quase que matemática sobre dadas premissas para concluir em um ou outro sentido, mas, bem diferentemente, que aceite, na formação das suas próprias premissas e na sua conclusão, elementos diferentes, diversos, não levados em conta na evolução do pensamento do direito na primeira metade do século XIX, em especial na era das codificações. Já não se pode falar, em todos e quaisquer casos, que a atividade do intérprete e do aplicador do direito seja meramente subsuntiva; bem diferente, sua função passa a ser concretizadora, no sentido de ser criadora do próprio direito a ser aplicado, justamente em virtude da complexidade do ordenamento jurídico atual. De uma atividade de mero conhecimento (um comportamento passivo) do fenômeno jurídico para sua aplicação, passa-se a uma atividade criadora-valorativa (um comportamento ativo), conscientemente criadora e valorativa do juiz [Grifo do autor].

Esses argumentos afastam, portanto, as teorias clássicas de Giuseppe

Chiovenda e de Francesco Carnelutti. A função do juiz passa a ser maior do que

simplesmente declarar a lei aplicável ao caso ou criar a norma individual (e jamais

geral) à hipótese concreta.

Ainda que esse tema venha a ser estudado com mais detalhes nos

capítulos posteriores123, é prudente consignar, desde já, a estreita relação entre os

termos interpretação (da lei) e criação (do direito) 124 . Ao exercer a atividade

interpretativa que lhe é própria, o juiz cria direito e o faz com base em valores,

122

BUENO, Cassio Scarpinella, Amicus Curiae no processo civil brasileiro – um terceiro enigmático, p. 22. 123

Especificamente no Capítulo 2. 124

Não podemos deixar de mencionar, contudo, o debate criado entre Hebert Hart e Ronald Dworkin acerca, justamente, da criação do direito pelos magistrados. Hart (Concept of law. Oxford: Clarendon Press, 1993) sustenta o papel criativo dos juízes enquanto Ronald não admite tal possibilidade (Taking rights seriusly. Cambridge: Harvard University Press, 1978).

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anseios, perspectivas e ideais de uma sociedade de caraterísticas bastante

heterogêneas125.

Hoje, portanto, a literalidade do texto da lei pouco representa126, de modo

que conceber o comando do inciso V do artigo 485 do CPC como restrito à “literal

dispositivo de lei” é quase rebaixá-lo à inutilidade. Para parte da doutrina, inclusive,

há uma necessidade de “ampliar” referido dispositivo a todas as “normas jurídicas”.

Nesse sentido:

Doutrina e jurisprudência não divergem quanto à ampla abrangência que deve ser dada à palavra lei referida no inciso V do art. 485. Lei, tal qual empregada no dispositivo, é sinônimo de norma jurídica, independentemente de sua gradação. Isto é, tanto se pode conceber a rescisória para impugnar decisão que violou Constituição Federal, Constituições Estaduais ou Leis Orgânicas dos Municípios, leis propriamente ditas, medidas provisórias, que têm força de lei, como atos normativos infralegais, por exemplo, decretos e regulamentos. O Superior Tribunal de Justiça já admitiu a rescisória calcada no inciso V do art. 485 por ofensa a dispositivo do seu próprio Regimento Interno (STJ, 2ª Seção, AR 579/SP; rel. Min. Eduardo Ribeiro, j.m.v. 28.06.2000, DJ 05.02.2001, p. 69).127

125

“O juiz é verdadeiro intérprete de normas jurídicas. Por isso, na atividade judicante de aplicar o direito cumpre o magistrado a tarefa de apurar o real significado do texto legal, a partir de critérios hermenêuticos seguros, que possam revelar o alcance da norma jurídica para o caso específico. A dissonância entre o sentido revelado pela norma, a partir dos métodos hermenêuticos, e aquele que lhe fora atribuído pela decisão rescindenda caracteriza violação ao preceito legal, tornando admissível a ação rescisória” BARIONI, Rodrigo. Ação Rescisória e Recursos para os Tribunais Superiores. Nelson Nery Junior e Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.) 2ª edição. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2013, p. 96-97 126

“Não há, nessas condições, direito sem interpretação e sem aplicação concreta. Interpretação e aplicação são, na realidade, uma só operação, analisada em dois momentos diversos.” BUENO, Cassio Scarpinella, Amicus Curiae no processo civil brasileiro – um terceiro enigmático, p. 17. 127

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, v. 5. p. 330. “Doutrina e jurisprudência não divergem quanto à ampla abrangência que deve ser dada à palavra lei referida no inciso V do art. 485. Lei, tal qual empregada no dispositivo, é sinônimo de norma jurídica, independentemente de sua gradação”. Na lição de Ronaldo Cramer: “Com efeito, o que pode ser infringido por um pronunciamento judicial é a norma jurídica, e não a lei, que constitui diploma legal onde estão inseridas as normas. Nenhum juiz cogita da aplicação de uma lei, mas da norma constante de uma lei. Por isso, a expressão ‘literal dispositivo de lei’ é empregada no sentido de norma jurídica. [...] Em resumo, a expressão ‘literal dispositivo de lei’, constante do inciso V, significa norma jurídica (regra ou princípio), explícita ou implícita, de direito material ou processual, de direito interno ou estrangeiro, pertencer a qualquer diploma legal e, abranger vício de juízo ou de atividade”. (Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 185,195). No mesmo sentido, sustenta Alexandre Freitas Camara: “A própria referência à ‘lei’ no texto legal, não pode ser interpretada literalmente. Qualquer norma jurídica genérica, esteja ou não formalmente veiculada por uma lei, pode levar – se ofendida – à rescisão. Assim, também a ofensa a normas constitucionais ou veiculadas por medidas provisórias, entre outros, permitem rescisão. [...]. Também não importa saber se a norma violada é de direito material ou de direito processual. Fundamental é que a ofensa da norma tenha se dado em um provimento jurisdicional de mérito”. (Ação rescisória, p. 6). Teresa

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Exatamente nesse sentido, conclui Rodrigo Barioni:

O primeiro aspecto relevante na interpretação do inciso V do art. 485 do CPC diz respeito ao vocábulo “lei”. No texto, o termo há de ser compreendido de maneira extensiva, abrangendo qualquer hipótese de ato normativo emanado por Poder Público, quer Executivo (v.g. medida provisória), quer Legislativo – federal, estadual ou municipal – (v.g. Constituição, lei ordinária, lei complementar, etc), quer Judiciário (v.g. regimento interno)

Simplificando a justificativa para interpretação do dispositivo de maneira

extensiva, o autor128 entende que a utilização do termo “lei” ao invés de “norma

jurídica” é técnica legislativa. Para sustentar o seu argumento, o autor aponta

diversos dispositivos constitucionais em que isso ocorre, por exemplo: “a lei não

excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, inc.

XXXV); “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa

julgada (art. 5º, inc. XXXVI); “a lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros

natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição” (art. 12, §2º).

Independentemente do fundamento utilizado, contudo, é certo que a

expressão “lei” contida no dispositivo deve ser interpretada de maneira ampla,

estendendo-se às “normas jurídicas”.

Superada a discussão acerca da necessidade de interpretação ampliativa

do inciso V do art. 485 do CPC, é chegado o momento de responder ao seguinte

questionamento: seria necessária uma alteração legislativa imediata para trocar a

palavra “lei” por “norma jurídica”? Caso a resposta seja negativa, seria possível

ignorar o comando que o legislador efetivamente dispôs em um artigo de lei,

ampliando conceitos que, ao menos em tese, parecem objetivos, sem deixar

margem à interpretação, no caso, o conceito de “lei”?

Ora, uma alteração legislativa nesse sentido seria a melhor opção para

não deixar dúvidas quanto à necessidade de ampliação do inciso V às demais fontes

Arruda Alvim Wambier, que inclui a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória por violação de princípios, também se manifesta: “Pensamos encartarem-se nesse conceito de lei também os princípios jurídicos, ainda que não estejam expressamente positivados. Estar-se-á, neste caso, em face de norma jurídica não escrita”. (Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 500). 128

BARIONI, Rodrigo. Ação rescisória e recursos para os tribunais superiores. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 94-95.

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de direito. Ocorre que, se formos alterar cada um dos artigos que merecem ser

adaptados para acompanhar a evolução socioeconômica e cultural do nosso país,

brevemente os Códigos estariam idênticos a uma colcha de retalhos. Além disso,

possivelmente se chegaria ao extremo de alterar a legislação repetidas vezes em

um curto espaço de tempo.

Para afastar um possível caos legislativo e a insegurança jurídica que daí

decorreria, os operadores do direito (em especial os nossos tribunais superiores), na

medida do possível, devem dar à legislação interpretação adequada à realidade e,

diante de um “vácuo normativo”, não deixar desamparado o jurisdicionado.

Voltando ao julgamento da união homoafetiva pelo STF, foi exatamente

uma interpretação congruente com a realidade atual que fez o Ministro Ayres Brito

consignar em seu voto, no julgamento do mérito da causa, a possibilidade de o

Estado brasileiro reconhecer a união de pessoas do mesmo sexo. Nesse sentido,

apesar da existência de dispositivo expresso limitando a união estável a “homem e

mulher”, assinalou o Ministro:

O que se pretende, ao empregar-se o instrumento metodológico da integração, não é, à evidência, substituir a vontade do constituinte por outra arbitrariamente escolhida, mas apenas, tendo em conta a existência de um vácuo normativo, procurar reger uma realidade social superveniente a essa vontade, ainda que de forma provisória, ou seja, até que o Parlamento lhe dê o adequado tratamento legislativo129.

A toda evidência, diante de tantos casos concretos, não poderia a Corte

Suprema desamparar os casais homoafetivos apenas porque a legislação,

concebida em uma realidade distinta da atual, utiliza expressamente os termos

“homem” e “mulher” para reconhecimento da sociedade conjugal.

O mesmo raciocínio precisa ser aplicado quando se analisa a

possibilidade de interpretação ampliativa do inciso V do artigo 485 do CPC. Como

sustentado, a edição do CPC ocorreu em época em que se dava importância

129

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132. Rio de Janeiro. Plenário. Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. Julgamento 05.05.2011. Publicação DJE n. 198. Divulgação 13.10.2011. Publicação 14.10.2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633>. Acesso em: 9 maio 2014.

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significativa aos textos das leis. Hoje, com a realidade em evolução constante, é

imperiosa a adaptação legislativa ao cenário atual e isso não significa postura

arbitrária por parte do STF.

Assunto igualmente polêmico envolvendo a terminologia do inciso V do

artigo 485 do CPC refere-se ao que deve ser entendido por “literal”. Isso porque,

admitida a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória por violação de norma

jurídica implícita, como compreender o real sentido da palavra “literal”, constante no

citado dispositivo legal?

Parte da doutrina sustenta a incompatibilidade em identificar violação

evidente de norma jurídica, senão quando devidamente escrita. É o entendimento

esboçado pelos já citados Sérgio Rizzi 130 , Coqueijo Costa131 e José Afonso da

Silva132

Esse, porém, não é o melhor fundamento ante o fato de que podem existir

normas implícitas (por exemplo: segurança jurídica e duplo grau de jurisdição) que,

na análise do caso concreto, poderão mostrar-se mais adequadas do que aquelas

que se encontram positivadas133.

É certo que o termo utilizado (literal) exige que a violação seja violação

há de ser “flagrante, inequívoca, palmar, evidente” 134 . Teresa Arruda Alvim

Wambier135, a propósito, acredita

a intenção do legislador ao qualificar a violação de lei que possa

ensejar a ação rescisória como literal foi o de limitar o alcance da expressão, deixando claro que não é qualquer violação à lei que

enseja rescisória.

130

Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979. p. 105. 131

Ação rescisória. 3. ed. São Paulo: LTr, 1984. p. 60 132

Do recurso extraordinário no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963. p. 191 133

A expressão ‘literal disposição de lei’, contida no inciso V, não deve ser compreendida como norma expressamente prevista em um dispositivo legal, porque a norma implícita não tem menos força normativa do que a norma explícita. As duas, explícita ou não, são normas e têm o mesmo valor.” CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 187. 134

É o que sustenta Cassio Scarpinella Bueno, para quem: “violação a literal porque qualquer um que analisar o teor da decisão terá condições objetivas de verificar que o julgador errou na interpretação e na consequente aplicação da lei ao caso concreto”. (Curso sistematizado de direito processual civil, p. 331. 135

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 500.

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Em plena concordância com os doutrinadores citados, entendemos que a

literalidade não esteja vinculada a um texto legal escrito. O “duplo grau de

jurisdição”, por exemplo, apesar de ser norma jurídica implícita, tem o seu conceito

absolutamente sedimentado na doutrina e na jurisprudência, não havendo

dificuldades para se diagnosticar violação literal a esta garantia constitucional diante

de um caso concreto.

Não é, contudo, qualquer violação que serve de fundamento para a

rescisão da coisa julgada. A inexistência de ofensa evidente (independentemente de

a norma ser escrita ou implícita), não suscita a possibilidade de ajuizamento de ação

rescisória com base no inciso V do artigo 485 do CPC.

Sobre este aspecto, Rodrigo Barioni sustenta a necessidade da violação

ocorrer a norma positivada o que, contudo, não excluiria a possibilidade de rescisão

de decisão que violasse princípios não positivados. Isso porque, diz ele, “a violação

a um princípio representa, em última análise, a violação a vários dispositivos

positivados, e, não por outra razão, revela-se potencialmente mais grave do que a

ofensa a um único dispositivo”136.

Ainda sobre a utilização do termo “literal”, conforme mencionado

anteriormente, o juiz não é mais a boca da lei. Em sua função ele interpreta o texto

e, assim, cria o direito. Dessa forma, não apenas a literalidade da norma deve servir

de fundamento para ação rescisória, como também o seu respectivo sentido,

conforme sustenta Alexandre Freitas Câmara137:

A interpretação meramente literal é, pois, inadmissível, já que não é capaz de revelar o verdadeiro sentido da norma jurídica. É perfeitamente possível encontrar-se exemplos de dispositivos legais cuja interpretação literal levaria a absurdos. Veja, por exemplo, o art. 216 do Código Civil, que assim dispõe: “farão a mesma prova que os originais as certidões textuais de qualquer peça judicial, do protocolo das audiências, ou de outro qualquer livro a cargo do escrivão, sendo extraídas por ele, ou sob a sua vigilância, e por ele subscritas, assim como os traslados de autos, quando por outro escrivão consertados” (o grifo é meu). Ora, parece evidente que o legislador equivocou-se

136 BARIONI, Rodrigo. Ação Rescisória e Recursos para os Tribunais Superiores. Nelson Nery Junior

e Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.) 2ª edição. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2013, p. 96-97 137

CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 54.

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ao dizer que os traslados devem ser consertados (isto é, reparados) pelo tabelião. Evidentemente, devem os traslados ser concertados (ou seja, conferidos) pelo tabelião para que tenham força probante. Esse exemplo, a que muitos poderiam ser somados, basta para demonstrar o acerto do que aqui se sustenta. O importante não é saber se houve respeito a letra da lei. Importa, isso sim, saber se seu sentido foi respeitado.

Identificado, portanto, que a decisão rescindenda violou o sentido da

norma jurídica, possível o ajuizamento da ação rescisória com fundamento no inciso

V do Art. 485 do CPC.

Dessa forma, por todos os argumentos suscitados, a termo “violação a

literal dispositivo de lei” deve ser interpretado, em primeiro lugar, como violação a

norma jurídica (e não, apenas, a lei). O termo “literal”, por sua vez, não exige que a

norma seja escrita. É possível que norma não positivada seja o fundamento para o

ajuizamento de ação rescisória com fundamento no inciso V do art. 485 CPC. Há

necessidade, contudo, que a violação seja flagrante.

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CAPÍTULO 2 – SÚMULAS

2.1 BREVE HISTÓRICO NO DIREITO BRASILEIRO

A origem do direito sumular no Brasil está nos “assentos”, herança do

direito português. O instituto tinha como objetivo fixar entendimento de uma

determinada lei, possuindo força normativa vinculante. Inicialmente, em 1518,

referidos assentos eram expedidos pela Casa da Suplicação de Portugal, a mais alta

corte do reino. Apenas em 1808, permitiu-se à Casa de Suplicação do Rio de

Janeiro proferir assentos normativos, também com eficácia vinculante138. Apesar

disso, era admitida a “revisão e alteração, quando ficasse reconhecido que deixaram

de corresponder às necessidades e interesses da ordem jurídica”.139

Segundo o relato de Eduardo de Avelar Lamy140:

Durante o período colonial, como o sistema normativo das metrópoles era aplicado nas respectivas colônias, o Brasil possuía modelos de uniformização de jurisprudência, por meio dos ‘assentos’, que tinham força normativa idêntica à lei. Alguns séculos depois, no entanto, os difundidos ideais liberais, que haviam embasado a proclamação da independência das Treze Colônias Norte-Americanas e provocado a Revolução Francesa, elegeram a lei como fundamento maior para a aplicação do direito.

Com o advento da República, os assentos foram eliminados e, quase

concomitantemente, o recurso extraordinário passou a ser previsto no sistema

jurídico brasileiro, tendo como hipótese de cabimento justamente a divergência de

interpretação de leis entre os tribunais estaduais, a ser dirimida pela Corte Suprema.

138

A respeito dos assentos em Portugal e no Brasil, sugere-se consultar o livro de CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 144, 146. 139

CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito, p. 231. 140

LAMY, Eduardo de Avelar. Súmula vinculante: um desafio. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 30, n. 120, fevereiro de 2005. p. 113.

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Nessa medida, mesmo diante da extinção dos assentos, identificou-se a

permanente preocupação no que diz respeito à manutenção da unicidade de

entendimentos a respeito de determinadas leis.

Mais tarde, precisamente no ano de 1923, foram instituídos no Brasil os

“prejulgados” 141 , que tinham como escopo uniformizar entendimentos diante de

eventuais divergências existentes acerca de uma mesma lei.

Tanto os assentos como os prejulgados foram institutos embrionários do

direito sumular, no Brasil; o primeiro com eficácia normativa vinculante e o segundo

como “norma aconselhável para os casos futuros”.

Posteriormente, no ano de 1963, por norma regimental, foram instituídas

as “súmulas da jurisprudência dominante”, estando até os dias de hoje previstas no

Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISFT), em especial nos artigos

102142 e 103143 . Referidas súmulas, “que também passaram a ser editadas por

outros tribunais, não ostentam eficácia de precedente judicial vinculante, mas tão-

somente relevante influência persuasiva”144

Independentemente da discussão acerca da eficácia vinculativa dessas

súmulas, matéria que será tratada mais à frente, é fato que exerceram importante

papel nos julgamentos que respeitavam os entendimentos ali firmados.

José Carlos Barbosa Moreira145 disserta sobre o tema:

141

Decreto n. 16.273 de 1923. 142

“A jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Supremo Tribunal Federal. § 1º A inclusão de enunciados na Súmula, bem como a sua alteração ou cancelamento, serão deliberados em Plenário, por maioria absoluta. § 2º Os verbetes cancelados ou alterados guardarão a respectiva numeração com a nota correspondente, tomando novos números os que forem modificados. § 3º Os adendos e emendas à Súmula, datados e numerados em séries separadas e sucessivas, serão publicados três vezes consecutivas no Diário da Justiça. § 4º A citação da Súmula, pelo número correspondente, dispensará, perante o Tribunal, a referência a outros julgados no mesmo sentido.” 143

“Art. 103. Qualquer dos Ministros pode propor a revisão da jurisprudência assentada em matéria constitucional e da compendiada na Súmula, procedendo-se ao sobrestamento do feito, se necessário.” 144

CRUZ E TUCCI, José Rogério. Eficácia do Precedente Judicial na história do direito brasileiro. Revista do Advogado. São Paulo, AASP, ano XXIV, n. 78, setembro 2004. p. 47. 145

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Súmula, Jurisprudência, Precedente: uma escalada e seus riscos. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. (Temas de Direito Processual - Nona Série). p. 301.

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Embora nenhuma disposição legal conferisse eficácia vinculativa às proposições insertas na Súmula, ela veio a exercer, na prática, enorme influência nos julgamentos, quer de juízos de primeiro grau, quer de tribunais. Não foram frequentes as sentenças e acórdãos que se animaram a discrepar de alguma tese constante da Súmula. Juízes havia, e não só na primeira instância, que se limitavam a aludir à Súmula como fundamento de suas decisões, se bem que a rigor, insista-se, semelhante referência não satisfizesse o requisito legal (e depois constitucional) da motivação. É pena que não se haja tomado a iniciativa de colher dados e elaborar estatísticas, a cuja luz se pudesse medir objetivamente o impacto produzido pela instituição da Súmula na quantidade de processos e na respectiva duração.

O atual CPC, quando editado (1973), consolidou o instituto das súmulas

no cenário jurídico brasileiro. Nesse sentido, previu o legislador no art. 479: “o

julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o

tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente de uniformização da

jurisprudência”.

Em 1998, com a edição da Lei n. 9.756, regulamentou-se a possibilidade

de o relator negar seguimento ou dar provimento – monocraticamente – a recurso

em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do

Supremo Tribunal ou de Tribunal Superior (art. 557).

Posteriormente, em 2004, houve a chamada Reforma do Judiciário, com a

edição da Emenda Constitucional n. 45. Entre as diversas alterações ocorridas,

merece destaque a previsão do instituto denominado “súmula vinculante”, incluído

na Constituição Federal, por força do art. 103-A146. Na disciplina deste artigo, o STF,

mediante decisão de dois terços dos seus membros, poderá aprovar súmula, que

146

“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.”

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“terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à

administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.

Anote-se que sempre se questionou a necessidade de uma reforma

constitucional para prever súmula com eficácia vinculante e houve mais de um

motivo para tanto. O primeiro se refere ao fato de o art. 557 do CPC já permitir o

julgamento monocrático de recurso contrário às súmulas ou jurisprudência

dominante o que, em última análise, demonstra a eficácia, ainda que em menor

grau, “vinculativa” daquelas súmulas previstas no RISTF. Ademais,

independentemente de previsão legal expressa declarando a eficácia vinculante, já

se concebia que os juízes deveriam curvar-se à jurisprudência consolidada da Corte

Suprema ao proferirem as suas decisões147, sendo este mais um motivo para afastar

a necessidade da previsão constitucional das súmulas com eficácia vinculante.

Apesar das inúmeras críticas relacionadas às súmulas vinculantes

(críticas estas, aliás, existentes até os dias atuais), fato é que, hoje, elas fazem parte

do nosso ordenamento jurídico, convivendo harmonicamente com as súmulas

persuasivas.

2.2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DAS SÚMULAS

Não é rara a existência de casos judiciais similares, em que a tese

jurídica148 discutida é a mesma, porém, com julgamentos diferentes. Ainda que cada

147

“Devo lembrar que, quanto aos juízes, a súmula vinculante seria desnecessária. Porque os juízes, de regra, quando vão decidir uma causa, a primeira coisa que fazem é a pesquisa em torno da jurisprudência. Eu fui juiz de primeiro grau, e era assim que procedia, e é assim que procedo, hoje, na Suprema Corte. Porque a jurisprudência representa a discussão amadurecida de uma questão de direito, pelo que é roteiro seguro para a decisão a ser tomada. A súmula vinculante terá como destinatários, principalmente, a administração pública, as grandes corporações e os demandantes contumazes.” VELLOSO, Carlos Mario da Silva. O poder judiciário e a súmula vinculante. Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, EMERJ, v. 2, n. 5, 1999. p. 27. 148

“[...] ousamos, correndo o risco da imprecisão, definir tese jurídica como sendo uma verdade jurídica, que não deixa de sê-lo em virtude de especificidades dos casos concretos que lhe são subjacentes”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Sumula Vinculante: figura do common law? Revista de Doutrina TRF4. 31.10. 2011. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao044/teresa_wambier.html>. Acesso em: 23 out. 2013.

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caso apresente a sua peculiaridade fática, há situações que não justificam decisões

diferentes e, tampouco, conflitantes. Como exemplo, pode-se citar a divergência

acerca da abusividade (ou não) do aumento de mensalidade de plano de saúde para

segurados a partir dos sessenta anos de idade, à luz do Estatuto do Idoso.

Ainda que o direito não possa existir completamente dissociado dos fatos,

é certo que, nesta hipótese, há predominância do aspecto jurídico, devendo sobre

ele debruçar-se o julgador. Portanto, identificados os mesmos fatos (idade do

segurado e contrato válido), inexiste fundamento para julgamentos díspares.

Situação diferente, mas nem por isso isenta das mesmas consequências,

é a das decisões pautadas, por exemplo, em normas com conceitos vagos e

indeterminados que, de acordo com Teresa Arruda Alvim Wambier 149 : “são

expressões linguísticas (signos) cujo referencial semântico não é tão nítido, carece

de contornos claros. Esses conceitos não dizem respeito a objetos fácil, imediata e

prontamente identificáveis no mundo dos fatos”. Justamente por não serem

conceitos precisos, permitem ao juiz o julgamento do caso com certa margem de

“liberdade”.

E, com Cassio Scarpinella Bueno150, completa-se o raciocínio:

[...] o mesmo pode ser dito, sempre com os olhos voltados para o direito processual civil, com relação aos conceitos vagos ou indeterminados. Não há como negar que, crescentemente, seu emprego pelo ‘legislador do processo civil’ e sua descoberta pela doutrina e pela jurisprudência processuais civis têm sido conscientes de que o emprego daquela fórmula também é técnica legislativa para outorgar, ao magistrado de cada caso concreto, uma maior dose de liberdade de atuação, no sentido de ser técnica voltada a abrir o direito às realidades sociais e às vicissitudes concretas e cambiáveis.

Os conceitos vagos e indeterminados são válidos na medida em que

possibilitam a “adaptação da lei” a conceitos cambiáveis no tempo e no espaço. Por

outro lado, a sua imprecisão “facilita” a existência de decisões judiciais distintas

acerca de uma mesma tese jurídica.

149

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 151. 150

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil, 2. ed. v. 1, p. 69.

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A par da discussão sobre a possibilidade (ou não) de existir em nosso

ordenamento jurídico uma única interpretação/resposta correta para o julgamento de

um caso concreto, o fato é que, para uma mesma situação jurídica, o sistema

jurídico não deve abrigar entendimentos diferentes.

A orientação esboçada por Teresa Arruda Alvim Wambier151 aponta nessa

direção:

[...] entendemos que o direito deve tender a fornecer ao jurisdicionado uma só resposta correta, o que pode ser compreendido ao nível do sistema (= sabe-se qual é a pauta de conduta, sabe-se que tal tributo incide nesta operação mercantil, etc.), ou, em certos casos, ao nível da situação individual (= sabe-se que, naquele caso, a decisão correta foi aquela, e só poderia ter sido aquela).

A existência de diversos posicionamentos acerca de uma mesma situação

jurídica, bem sabemos, traz consequências graves para o ordenamento jurídico,

como imprevisibilidade das decisões judiciais, violação do princípio da isonomia,

descrédito do próprio Poder Judiciário, sobrecarga de trabalho (na medida em que

obriga os jurisdicionados a “tentarem a sorte”, com o ajuizamento de ações),

proliferação infindável de recursos (já que não se sabe qual o entendimento

firmado), entre outras152.

Visando, justamente, evitar esse tipo de situação, há tempo, percebe-se

uma tendência legislativa processual civil no que diz respeito à criação de

mecanismos capazes de uniformizar entendimentos. É o caso, por exemplo, dos

151

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 133. 152

“Grosseiramente descrito, o princípio da legalidade pode ser considerado como aquele segundo o qual o jurisdicionado não pode ser obrigado a fazer senão aquilo que a lei determina que seja feito, e que, também, não pode ser proibido de fazer algo a não ser que haja previsão legal a respeito. A lei, portanto, é sua pauta de conduta. Mas se a lei comporta diversas interpretações e o sistema não engendra meios eficazes para uniformizá-las, fazendo com que uma delas passe definitivamente a prevalecer, o fato é que em vez de uma pauta de conduta, o jurisdicionado terá tantas quantas interpretações houver. Daí se percebe serem ofendidos, nesta situação, tanto o princípio da legalidade quanto o princípio da isonomia, pois, se se entende que a lei deve ser aplicada a todos, é evidente que se entende que estes deverão ter a sua atividade disciplinada por uma única interpretação.” MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A súmula vinculante vista como meio legítimo para diminuir a sobrecarga de trabalho dos tribunais brasileiros. Revista Jurídica. São Paulo, IOB, ano 57, n. 379, maio 2009. p. 30.

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recursos repetitivos (arts. 543-B e 543-C do CPC), do instituto de uniformização de

jurisprudência (art. 476 do CPC) e, também, das súmulas.

As súmulas auxiliam a diminuir a divergência de posicionamentos acerca

de uma mesma tese jurídica, uma vez que seus enunciados exteriorizam de forma

clara e objetiva (ao menos em tese) uma única orientação a ser seguida diante de

uma situação específica153.

Sobre a função da súmula, ensina Humberto Theodoro Junior154:

O teor da súmula obriga como lei, mas só atua em campo de interpretação de norma legal já existente. O STF não está autorizado a proceder como órgão legislativo originário. Não pode criar, pelo mecanismo sumular, norma que não tenha sido instituída pelo poder legislativo, nem mesmo a pretexto de suprir lacuna do direito positivo. Na verdade o que obriga é a lei interpretada pelo STF em súmula de seus julgados. A súmula apenas revela o sentido que tem a norma traçada pelo legislador. Como a Constituição confere autoridade ao STF para tanto, descumprir o enunciado de uma súmula equivale a violar a lei que a inspirou. Daí falar-se em súmula com efeitos vinculantes (obrigatórios).

Portanto, resume o autor, as súmulas devem limitar-se “a revelar o

sentido que tem a norma traçada pelo legislador”155, ou seja, não poderia a Corte

Suprema criar direito, como se “legislar” fosse uma de suas funções.

O entendimento é compartilhado por Lenio Luis Streck156, para quem o

objetivo primordial das súmulas é interpretar legislação preexistente, sob pena de

153

“São enunciados que, sintetizando as decisões assentadas pelo respectivo tribunal em relação a determinados temas específicos de sua jurisprudência, servem de orientação a toda comunidade jurídica.” CUNHA, Sergio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. São Paulo, Editora Saraiva, 1999. p. 124. De acordo com Cassio Scarpinella Bueno: “As chamadas súmulas são a cristalização de entendimentos jurisprudenciais que predominam nos tribunais em certo espaço de tempo. A palavra quer indicar as decisões reiteradamente proferidas em determinado sentido pelos Tribunais” (Curso sistematizado de direito processual civil. 6. ed., p. 349). 154

THEODORO JUNIOR, Humberto. Repercussão geral no recurso extraordinário (Lei nº 11.418) e súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 11.417). Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre, LexMagister, ano III, n. 18, maio-junho 2007. p. 28. 155

THEODORO JUNIOR, Humberto. Repercussão geral no recurso extraordinário (Lei nº 11.418) e súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 11.417). Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre, LexMagister, ano III, n. 18, maio-junho 2007. p. 28. 156

De acordo com o doutrinador, as súmulas podem ser classificadas em quatro grupos distintos: (i) súmulas tautológicas, que apenas enfatizam aquilo que a lei já dispõe, (ii) súmulas intralegem que se limitam a interpretar o disposto em lei, (iii) súmulas extralegem, estabelecem restrições no campo da admissibilidade recursal e (iv) súmula contra legem e inconstitucionais, que seriam aquelas que constituem autênticas criações legislativas. STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

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violar a tripartição dos poderes. Assim, quando ultrapassar os limites da mera

interpretação, ou seja, se efetivamente inovar, na lição do autor, a súmula será

classificada como contra legem e inconstitucional.

Não obstante a concordância com os raciocínios desenvolvidos por estes

doutrinadores157, dois aspectos devem, necessariamente, ser considerados158. O

primeiro se refere ao fato de que nem sempre a edição da súmula decorre de

interpretação de um determinado dispositivo de lei. Há casos em que os enunciados

são editados tendo como base todo o “sistema jurídico” (e não, exclusivamente, um

texto legal); ou, ainda, em determinadas situações a súmula vem preencher um

vácuo legislativo, ou seja, diante da inexistência de legislação a respeito do assunto,

o Poder Judiciário edita súmula para não deixar o jurisdicionado desamparado. Por

fim, ainda que indesejável, há casos ademais em que as súmulas são editadas

contra legem. O segundo aspecto alude à circunstância de que, ainda que a súmula

decorra de simples interpretação normativa, “a toda interpretação é inerente algum

grau de criatividade”159 .

Nesse sentido, colaciona-se a doutrina de Cassio Scarpinella Bueno160:

A inafastável consequência da evolução do pensamento do direito e a concordância, entre os filósofos e os teóricos do direito, de que o fenômeno jurídico não pode ser pensado de forma ‘pura’ ou ‘neutra’, despido de outros elementos que não exclusivamente jurídicos, é a percepção de que o juiz, ao aplicar o direito, é um criador de normas jurídicas. O caráter ‘avalorativo’, típico do positivismo jurídico, já não pode ser acatado. Trata-se, é certo, de uma modalidade de criação

157

“As súmulas editadas pelos tribunais superiores, assim, revelam, ou deveriam revelar, em princípio, como deve ser interpretada uma norma jurídica, já que a função do STF e do STJ é, pelo menos em tese, a de manter a unidade de entendimento acerca do direito constitucional ou federal.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade com objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 34, n. 172, junho 2009. p. 135. 158

A classificação das súmulas e a atividade criativa do juiz serão aspectos abordados com maior profundidade no presente trabalho, em capítulos específicos (seções 2.3 e 2.4). 159

“Contudo, por mais que se considere a súmula como produto de interpretação de normas a ela preexistentes, não se pode perder de vista que toda interpretação é inerente algum grau de criatividade, de modo que, ainda que a súmula contenha um enunciado que expresse a ratio decidendi comum a todas as decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal sobre matéria constitucional, as quais foram, elas próprias, na Constituição Federal fundamentadas, nem por isso a súmula deixará de criar Direito, nem por isso deixará de ser norma e nem por isso poderá ser reduzida a mero esquema interpretativo”. JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, ano 94, v. 838, agosto 2005. p. 46. 160

BUENO, Cassio Scarpinella, Amicus Curiae no processo civil brasileiro – um terceiro enigmático, p. 28-29.

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um tanto diferente daquela que está sob responsabilidade do legislador, mas a interpretação e a aplicação do direito, mesmo quando feitas pelo juiz, que tem o dever de julgar o caso concreto, são, necessariamente, criativas.

Não é qualquer matéria, contudo, que pode ser objeto de súmula. “As

súmulas figuram como patamar intermediário entre o abstrato da lei e o concreto das

decisões judiciárias em casos específicos”161.

Situações, por exemplo, em que as peculiaridades fáticas certamente

terão relevância para solução do caso concreto, não poderão ser objeto de súmula.

Se, contudo, estivermos diante de discussão de tese jurídica, em que a realidade

fática não exerce influência na aplicação do direito, a princípio, mostra-se adequada

a elaboração de súmula.

Em primeiro lugar, é necessário que se mencione que nem tudo pode ser objeto de súmula, mas, exclusivamente, teses jurídicas. Ousamos, correndo o risco de imprecisão, definir tese jurídica como sendo uma verdade jurídica, que não deixa de sê-lo em virtude de especificidades dos casos concretos que lhe são subjacentes. Evidentemente, as súmulas, passando a ter efeito vinculante, devem passar a ser elaboradas com muito mais critério e de forma a não gerar, na medida do possível, problemas interpretativos mais complexos que gerados pela própria norma constitucional que derivam. Para serem consideradas questões de direito – teses jurídicas puras – as regras que podem ser objeto de súmula devem se aplicar a fatos cujos aspectos que têm consequências jurídicas possam ser resumidos em uma ou duas frases, porque não envolvem peculiaridades relevantes para a sua qualificação ou para a indicação de respectivo regime jurídico.162

A título de exemplo do entendimento até aqui exposto, é pertinente

analisar a Súmula vinculante n. 12 e a Súmula de jurisprudência dominante n. 252,

ambas do STF.

161

DINAMARCO, Candido Rangel. O relator, a jurisprudência e os recursos. Aspectos Polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 103. 162

MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A súmula vinculante vista como meio legítimo para diminuir a sobrecarga de trabalho dos tribunais brasileiros. Revista Jurídica. São Paulo, IOB, ano 57, n. 379, maio 2009. p. 33, 34.

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Dispõe a Súmula vinculante n. 12 que: “A cobrança de taxa de matrícula

nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV 163 , da Constituição

Federal”.

Diante desse verbete, não importam as variáveis fáticas do caso concreto.

Não faz diferença se a universidade é federal, estadual ou municipal. Da mesma

forma, não é relevante se o aluno que estuda na universidade pública tem ou não

condições econômicas suficientes para pagar a matrícula. O enunciado é claro no

sentido de que, tratando-se de universidade pública, não pode ser cobrada taxa de

matrícula, sob pena de violação à ordem constitucional em vigor.

Diferente seria se o teor da súmula fosse, por exemplo, “a cobrança de

taxa de matrícula nas universidades públicas de alunos desprovidos de condições

econômicas, viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal”. Os critérios

que levam à conclusão de que uma determinada pessoa não tem condições

econômicas são subjetivos. E, a depender dos critérios utilizados por julgadores

distintos, podem ocorrer julgamentos diferentes em relação a pessoas que, ao

menos em tese, possuem a mesma situação financeira.

A Súmula n. 252 do STF assim prevê: “Na ação rescisória, não estão

impedidos juízes que participaram do julgamento rescindendo”.

De acordo com o citado verbete, não é relevante, por exemplo, o foro de

tramitação da ação, o fundamento da rescisória, as partes envolvidas, a matéria

tratada etc. O fundamento de que determinado juiz estaria impedido de julgar uma

rescisória pelo simples fato de ter participado de julgamento rescindendo não deve

ser acolhido, conforme orienta o enunciado.

Visando justamente evitar dúvidas interpretativas, é importante que as

súmulas não tragam, em seu conteúdo, conceitos vagos ou indeterminados. É o que

sustenta Teresa Arruda Alvim Wambier164:

163

“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] VI. Gestão democrática do ensino público, na forma da lei.” 164

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Súmula vinculante: desastre ou solução? Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 98, abril, 2000. p. 295.

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É importante ressaltar que há casos em que, de fato, se justifica a mudança na interpretação da lei, principalmente quando se trata de textos legais que contenham o que a doutrina chama de conceitos vagos ou indeterminados, cuja função, talvez principal, seja justamente a de possibilitar decisões diferentes (e corretas!!) ao longo do tempo, sem que haja a necessidade de se alterar a lei. Veja-se o exemplo da expressão mulher honesta. Nesses casos, sim, é que a simulação significaria estagnação e morte da jurisprudência e comprometimento, portanto, do desenvolvimento do próprio direito. A jurisprudência é o termômetro mais sensível das oscilações sociais e não pode ser ‘engessada’. Isto não se aplica, porém, a questões como a dos 147% dos aposentados ou a se saber se certo tributo pode ser (ou não ser) cobrado por ser (ou não ser) inconstitucional. Aqui, em casos assim, não se pode deixar de aplicar o princípio da legalidade e da isonomia, como antes se disse, ‘engrenados’. As súmulas só podem dizer respeito a situações capazes de se repetirem ao longo do tempo de modo absolutamente idêntico. Em princípio não se poderia, por exemplo, sumular tese jurídica relativa a direito de família, porque situações de família nunca são idênticas. Diferentemente ocorre no plano do direito tributário, em que um leasing é sempre um leasing, e se deve saber, com certeza, se se trata ou não, de atividade tributável.

Nesse particular, percebe-se que a Súmula vinculante n. 11 do STF165 foi

editada inadequadamente. Além de ser demasiadamente extensa, utiliza conceitos

extremamente vagos que, ao certo, no momento de sua aplicação poderão dar

margem a diversas interpretações. É o caso, por exemplo, da expressão “fundado

receio de fuga”, utilizada no verbete, o mesmo ocorrendo com a expressão “perigo a

integridade física”. O próprio conceito de “integridade física” pode variar de pessoa

para pessoa, o que evidencia que a técnica utilizada pelo STF na edição da súmula

não foi a mais adequada166.

Para elucidar o argumento de que não é qualquer matéria que pode ser

objeto de súmula, dois exemplos foram utilizados, um relacionado à súmula

vinculante e outro relativo à súmula persuasiva.

165

Súmula vinculante n. 11 do STF: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade ou de nulidade da prisão ou ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.” 166

Nesse sentido, concordamos com o entendimento esboçado por Teresa Arruda Alvim Wambier que assim dispõe: “[...] umas das formas de se evitar que a súmula gere problemas de interpretação – e, portanto, de incidência – é que esta não contenha, em seu enunciado, conceitos vagos, salvo se for para dizer o que eles significam” (Estabilidade e adaptabilidade com objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo. São Paulo, RT, ano 34, n. 172, junho 2009. p. 140).

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Nesse momento, emerge o seguinte questionamento: lendo os verbetes,

pode-se identificar facilmente qual é a súmula vinculante e qual é a persuasiva? À

primeira vista, parece que não. Para responder com exatidão à pergunta, contudo,

será necessário primeiro especificar as peculiaridades dessas súmulas.

2.2.1 Súmulas vinculantes

Com a edição da Emenda Constitucional n. 45, promulgada em 8 de

dezembro de 2004, as “súmulas vinculantes” passaram a ter previsão constitucional

(art. 103-A), nos seguintes termos:

O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

Posteriormente, a Lei n. 11.417, de 19 de dezembro de 2006, disciplinou

a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo STF.

À época em que tal instituto passou a ter previsão constitucional, muitas

foram as opiniões acerca da sua real utilidade. Contrariamente, houve quem

sustentasse, por exemplo, que as súmulas vinculantes “engessariam” os

magistrados, que não mais poderiam julgar a causa de acordo com o seu livre

convencimento 167 . Também se apontou a incompatibilidade do instituto com o

167

“Argumentos de peso há a sustentar a tese da inconveniência da adoção do sistema de súmula vinculante. Dois deles são os principais: diz-se que adotar a súmula vinculante feriria a regra da separação de poderes, base dos Estados de Direito modernos, já que o Poder Judiciário seria autor de ato normativo geral, função essa que cabe ao Poder Legislativo; e se diz também que, no sistema brasileiro o juiz só pode decidir com base na lei, que representa a vontade geral”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Súmula vinculante: desastre ou solução?. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 98, abril, 2000. p. 295. “A súmula vinculante cuja a única finalidade declarada é diminuir os trabalhos das mais altas Cortes, traz, em si mesma, vícios insanáveis que não permitem a sua adoção. Assim é que a vinculação retira do juiz o seu dever de julgar, transformando-o em mero

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princípio da separação dos poderes 168 . O argumento de que haveria indevida

substituição da fundamentação das decisões judiciais pela menção de súmula

vinculante também ganhou adeptos169. Por fim, emergiu o argumento de violação ao

princípio democrático170.

De outro lado, defendeu-se que as súmulas vinculantes trariam ao nosso

Poder Judiciário aspectos positivos na medida em que auxiliariam na celeridade da

tramitação dos processos e, também, na uniformização das teses jurídicas,

resultando maior segurança e previsibilidade aos jurisdicionados171.

autônomo cumpridor das normas ditadas pelo grau superior. Com essa súmula, nada mais há para ser criado ou modificado. Ela inibe o julgador, retirando-lhe a livre apreciação dos fatos e do direito. Subtrai-lhe o poder de convicção, próprio do julgador. O direito é a vida e ela deve se adaptar em cada e em todos os momentos. Engessar o julgamento e o julgador é retirar-lhe a própria vida”. MACHADO, Rubens Approbato. A reforma do Poder Judiciário. Revista do Advogado. São Paulo, AASP, n. 56, 1999. p. 98. No mesmo sentido: “Tem sido grande a crítica, especialmente entre os processualistas brasileiros, a este instituto do efeito vinculante. De uma maneira geral, tem-se dito que se trata de uma indevida cópia do sistema jurídico da common law. Além disso, criou-se o mito de que ele terminará com o princípio do livre convencimento do juiz e que engessará a evolução do direito nacional”. TIMM, Luciano Benetti; JOBIM, Eduardo. A súmula vinculante à luz do direito inglês: quebrando mitos e lançando luzes sobre um novo paradigma na redação e na estruturação das súmulas do STF. In: MACHADO, Fábio Cardoso; MACHADO, Rafael Bicca (Coord.). A reforma do Poder Judiciário. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 452. 168

“Ademais, o pretendido efeito vinculante dos precedentes judiciais afrontaria duas garantias institucionais maiores, ou seja, dois institutos postos na Constituição [...]. O primeiro deles é a separação de poderes. Ora, a súmula com efeito vinculante absoluto para os juízes de primeira instância significa a introdução de um sucedâneo da lei em nosso sistema jurídico, produzindo a superposição ou conflito de atribuições entre os Poderes Legislativo e Judiciário”. LINS E SILVA, Evandro. A questão do efeito vinculante. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 4, n. 13, jan.-mar. 1996. p. 113. 169

“Essa é mais uma crítica que merece reflexão acerca da súmula vinculante, já que impõe uma conduta a ser seguida, inclusive desconsiderando o livre convencimento como critério de liberdade de apreciação de determinado caso concreto, além de não refletir o princípio constitucional da motivação das decisões judiciais”. ARAÚJO, José Henrique Mouta. Reflexões envolvendo a implantação da súmula vinculante decorrente da emenda constitucional nº 45. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo, Dialética, n. 26, maio, 2006. p. 72. 170

“É justamente a dialética que se vê ameaçada pelas propostas de instituição das súmulas vinculantes. Elas impedirão que matérias relevantes sejam discutidas e amadurecidas pelos órgãos que formam a base do poder Judiciário”. VILLEN, Antônio Carlos; CINTRA JUNIOR, Dirceu Aguiar Dias. Controle externo e interno do judiciário. O controle político e ideológico e as súmulas vinculantes. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, n. 720, outubro 1995. p. 334. 171

“Somados os prós e os contras (e há inúmeros prós e inúmeros contras), sempre nos pareceu conveniente a adoção do sistema de súmulas vinculantes. Sempre consideramos ser uma medida legítima, já que, se de um lado acaba contribuindo para o desafogamento dos órgãos do nosso Poder Judiciário, de outro lado, desempenha papel relevante no que diz respeito a valores prezados pelos sistemas jurídicos: segurança e previsibilidade. Portanto, alteração do sistema nesse sentido seria boa para os jurisdicionados – já que geraria maior segurança e previsibilidade – e boa para o Poder Judiciário – que ficaria menos sobrecarregado, o que, como se sabe, indiretamente, representa benefício para os próprios jurisdicionados”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Súmula vinculante: desastre ou solução? Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 98, abril, 2000. p. 295.

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Contrapondo o argumento de que as súmulas vinculantes violariam o

princípio da tripartição de poderes, Candido Rangel Dinamarco172 consignou que

não se trata de legislar, mas sim de interpretar uma determinada lei já existente.

A alegação de suposta violação do princípio da motivação das decisões

judiciais, também foi refutada173. O mesmo ocorreu com relação a críticas à suposta

violação do princípio do livre convencimento motivado174.

Opiniões favoráveis e contrárias às súmulas vinculantes existem até os

dias de hoje. Tempos após a aprovação da Emenda Constitucional n. 45, contudo,

verificou-se que grande parte da doutrina se rendeu aos benefícios trazidos pelo

instituto.

Circunscrito nessa polêmica, antecipamos o nosso entendimento no

sentido de que se pode enxergar com “bons olhos” as súmulas vinculantes previstas

na Constituição Federal. Mas vale, de antemão, o alerta de que, infelizmente, se não

constar expressamente em dispositivo de lei a eficácia vinculante da súmula, parte

dos juízes simplesmente a ignorará. A partir do momento em que a vinculatividade é

prevista expressamente, os verbetes passam a ser observados por quase a

totalidade dos magistrados, trazendo uniformidade nos julgamentos, o que, em

última análise, significa segurança jurídica e previsibilidade aos jurisdicionados.

Arnoldo Wald175 reforça o aspecto positivo das súmulas vinculantes:

172

“Ao emiti-las, o Supremo Tribunal Federal não institui preceitos inteiramente novos, equiparando-se ao legislador, o que lhe toca fazer é, partindo de uma lei já existente e pondo-a em confronto com a Constituição Federal, decidir que ele é válida ou inválida, eficaz ou ineficaz, ou que ela deve ser interpretada de determinado modo, e não diferentemente”. DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 340–341. 173

“Os precedentes não devem ser aplicados de forma automática. O precedente deve ser analisado cuidadosamente para determinar se existem similaridades de fato e de direito e para determinar se a posição atual da Corte com relação ao caso anterior”. NORTHFLEET, Ellen Gracie. Ainda sobre o efeito vinculante. Revista de Informação Legislativa. Brasília, Senado Federal, n. 131, jul.-set. 1996. p. 134. 174

“Sou declarado defensor da grande liberdade interpretativa do juiz. Mas essa liberdade não pode ser absoluta, a ponto de ele julgar segundo seus sentimentos pessoais e não como canal de comunicação entre os valores da sociedade e o caso em que atua. O que está à base desse pensamento é a regra da impessoalidade no exercício da jurisdição. Por outro lado, interpretações conflitantes geram incerteza e insegurança. Que os juízes inovem, sim. Mas é preciso que os próprios juízes, apreciando o que vem sendo decidido, parem para refletir e nesse momento de reflexão afastem interpretações que podem ser pessoais e passem a manifestar-se do modo institucionalizado. Daí a legitimidade dos meios pelos quais se busca a uniformização dos modos de decidir”. DINAMARCO, Candido Rangel. Súmulas vinculantes. Revista Forense. Rio de Janeiro, Forense, ano 95, v. 347, jul.-ago. 1999. p. 63.

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Apesar das críticas à instituição da súmula vinculante, entendemos ser um instrumento que, além de garantir a uniformidade da justiça, evitando centenas de milhares de julgamentos repetitivos, trará mais segurança jurídica ao País. A segurança jurídica, aliás, é o fim que se pretende alcançar com o instituto, o que vem expresso no §1º do art. 103-A da Constituição Federal.

José Carlos Barbosa Moreira176 leciona no mesmo sentido:

[...] não se trata de impor aos órgãos judicantes uma camisa-de-força, que lhes tolhesse o movimento em direção a novas maneiras de entender as regras jurídicas, sempre que a anteriormente adotada já não corresponda às necessidades cambiantes do convívio social. Trata-se, pura e simplesmente, de evitar, na medida do possível, que a sorte dos litigantes e afinal a própria unidade do sistema jurídico vigente, fiquem na dependência exclusiva da distribuição do feito ou do recurso a este ou àquele órgão.

Ainda, de acordo com o art. 103-A da CF, a súmula terá eficácia

vinculante não somente em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, mas

também no que toca à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal,

estadual e municipal.

Trata-se de um aspecto positivo das súmulas vinculantes. Isso porque,

conforme consignou José Carlos Barbosa Moreira177:

[...] o principal efeito da respectiva edição poderá talvez consistir na obrigação, imposta aos órgãos da Administração Pública, de respeitá-las. Realmente, muitas queixas têm-se feito ouvir acerca da insistência de órgãos do Poder Executivo em sustentar teses divergentes das esposadas por decisões dos Tribunais Superiores, inclusive da Corte Suprema.

Antes da edição do citado comando constitucional, não era incomum

identificar posicionamentos da Administração Pública em total discordância com

aqueles já sedimentados pelo STF. Tal conduta, além de gerar insegurança no seio

da sociedade, acabava sobrecarregando o Judiciário na medida em que precisava

dizer a “última palavra” diante da divergência.

175

WALD, Arnoldo. Eficiência judiciária e segurança jurídica: a racionalização da legislação brasileira e reforma do Poder Judiciário. In: MACHADO, Fábio Cardoso; MACHADO, Rafael Bicca (Coord.). A Reforma do Poder Judiciário, p. 60. 176

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, Forense, 1974. v. 5. p. 251. 177

BARBOSA, José Carlos. Emenda Constitucional nº 45 e o processo. São Paulo: Saraiva, 2007. (Temas de Direito Processual - Nona Série). p. 35.

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Tendo em vista que um dos principais objetivos da criação do instituto

“súmula vinculante” era desafogar o Poder Judiciário e, ainda, o fato de que o

Estado é um litigante contumaz, foi relevante a previsão que estabeleceu a eficácia

vinculante também para os órgãos da administração pública.

Nos termos do art. 2º da Lei n. 11.417/2006, apenas matérias

constitucionais178 poderão ser objeto de súmulas vinculantes e terão como objeto,

consoante estabelece o §1º do citado dispositivo:

[...] a validade, interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.

Verifica-se, portanto, que a súmula deverá refletir o “entendimento

reiterado” do STF, após julgamentos repetitivos em controle difuso de

constitucionalidade. Além disso, deve tratar de “controvérsia atual”, capaz de

acarretar “grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre

questão idêntica” e, ainda, deve manejar “matéria constitucional”.

Importante registrar, portanto, a necessidade de conjugação de, no

mínimo, cinco requisitos, exigência esta que revela o caráter excepcional que deve

ser dado às súmulas vinculantes.

De acordo com o art. 3º da mencionada Lei n. 11.417/2006, têm

legitimação para propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de

súmula vinculante:

I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV – o Procurador-Geral da República; V - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VI - o Defensor Público-Geral da União; VII – partido político com representação no Congresso Nacional; VIII – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;

178

Entendemos, contudo, que as súmulas vinculantes não devem ficar restritas, exclusivamente, às matérias constitucionais. Sem adentrar profundamente nesse aspecto, é importante que se diga que há matéria legal analisada à luz da Constituição Federal que, da mesma forma, poderão ser objeto de súmula. O termo “matéria constitucional” previsto na legislação, portanto, precisa ser analisado com certo cuidado.

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IX – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; X - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; XI - os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

Em se tratando de eficácia vinculante em relação à administração pública

– além dos órgãos do Poder Judiciário –, nada mais coerente do que ampliar a

legitimação para agentes “exteriores” ao STF (no caso, aos mesmos legitimados à

propositura de ADIN), medida esta que demonstra a preocupação democrática que

se revelou no momento da criação do instituto da “súmula vinculante”.

A mesma Lei n. 11.417/2006 trata do procedimento a ser seguido para a

edição da súmula vinculante. Assim, apresentada a proposta por um dos

legitimados, deve o Procurador-Geral da República manifestar-se 179 . Após

manifestação, em um mesmo sentido, de dois terços dos membros do tribunal, em

sessão plenária180, poderá ser editada, revista ou cancelada determinada súmula,

mas é só a partir da respectiva publicação em Imprensa Oficial181 que o verbete

passará a ter caráter vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e para a

Administração Pública.

Por fim, no caso concreto, violada uma súmula vinculante,

independentemente da interposição do recurso cabível, a parte prejudicada poderá

utilizar o instituto da reclamação182.

179

“Art. 2º. [...] § 2

o O Procurador-Geral da República, nas propostas que não houver formulado, manifestar-se-á

previamente à edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante. 180

§ 3o A edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante

dependerão de decisão tomada por 2/3 (dois terços) dos membros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária.” 181

“Art. 2o O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas

decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei.” 182

“Art. 7º. Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplica-lo indevidamente, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação.”

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2.2.2 Súmulas persuasivas

Já tivemos a oportunidade de discorrer sobre o histórico das súmulas no

direito brasileiro. Nesse sentido, conforme consignado, no ano de 1963 foram

criadas as súmulas183 e o objetivo inicial era organizar os julgamentos já realizados

pelo tribunal, facilitando a sua localização quando necessária, para utilização em

casos posteriores que versassem sobre a mesma matéria.

Victor Nunes Leal184 também aporta sobre a súmula:

Por falta de técnicas mais sofisticadas, a Súmula nasceu – e colateralmente adquiriu efeitos de natureza processual – da dificuldade, para os Ministros, de identificar matérias que já não convinha discutir de novo, salvo se sobreviesse algum motivo relevante. O hábito, então, era reportar-se cada qual à sua memória, testemunhando, para os colegas mais modernos, que era tal ou qual a jurisprudência assente da Corte. Juiz-calouro, com a agravante da falta de memória, tive que tomar nos primeiros anos, numerosas notas, e bem assim sistematizá-las, para pronta consulta durante as sessões de julgamento. Daí surgiu a ideia da Súmula, que os colegas mais experientes – em especial os companheiros da Comissão de Jurisprudência, Ministros Gonçalves de Oliveira e Pedro Chaves – tanto estimularam. E se logrou, rápido, o assentimento da Presidência e dos demais Ministros. Por isso, mais uma vez, em conversas particulares, tenho mencionado que a Súmula é subproduto da minha falta de memória, pois fui eu afinal o Relator não só da respectiva emenda regimental como dos seus primeiros 370 enunciados.

O fundamento para a criação das súmulas, como se percebe, esteve mais

inclinado ao propósito de organização de julgamentos pretéritos para facilitação de

consulta. Em 13 de dezembro de 1963, em sessão plenária do STF, foram

aprovadas as primeiras 370 ementas185.

183

Referidas súmulas foram criadas por emenda ao Regimento, publicada em 30.08.1963, passando a vigorar efetivamente em 1964. 184

LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da Súmula do STF. AJURIS. Porto Alegre, Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, n. 25, ano IX, julho 1982. p. 54. 185

As súmulas de n. 371 a 404 foram aprovadas em 03.04.1964, as de n. 405 a 438 em 01.06 do mesmo ano, as de n. 439 a 472 em 01.10.1964, as de n. 473 a 551 em 08.12.1979 e as de n. 442 a 600 em 1976.

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Naquela época, a violação de súmula já tinha consequências processuais

como, por exemplo, o não conhecimento de recurso extraordinário e embargos de

divergência.

Victor Nunes Leal186 ratifica:

Por tudo isso, dizia o prefácio da primeira edição oficial da Súmula que a sua finalidade ‘não é somente proporcionar maior estabilidade à jurisprudência, mas também facilitar o trabalho dos advogados e do Tribunal, simplificando o julgamento das questões frequentes. Por isso, a emenda ao Regimento [...] atribui à Súmula outros relevantes efeitos processuais’ como fossem: negar-se provimento ao agravo para subida de recurso extraordinário, não se conhecer dos embargos de divergência e rejeitar os infringentes, sempre que o pedido do recorrente contrariasse a jurisprudência compreendida na Súmula, ressalvado o procedimento de revisão da própria súmula. Mais do que isso, poderia o Relator, em tal hipótese, mandar arquivar o recurso extraordinário, ou o agravo de instrumento, facultado à parte prejudicada interpor agravo regimental contra o despacho.

Assim, ainda que não houvesse previsão expressa de vinculação dos

demais órgãos do Poder Judiciário às sumulas, é fato que estavam previstas

consequências processuais relevantes para o caso de descumprimento.

Inicialmente, a previsão das Súmulas constava exclusivamente na

emenda regimental, mas a Constituição Federal de 1967 as sedimentou ao prever

que o RISTF disporia sobre “o processo e o julgamento dos feitos de sua

competência originária ou de recurso”187.

Posteriormente, em 1980 188 , as regras regimentais foram, então,

substituídas pelas disposições que hoje constam nos arts. 102 e 103189 do RISTF e

apontam no seguinte sentido: “a jurisprudência assentada pelo Tribunal será

compreendida na Súmula do Supremo Tribunal Federal” (art. 102 do RISTF) e “a

inclusão de enunciados na Súmula, bem como a sua alteração ou cancelamento,

serão deliberados em Plenário, por maioria absoluta” (art. 102, §1º, do RISTF).

186

LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da Súmula do STF. AJURIS. Porto Alegre, Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, n. 25, ano IX, julho 1982. p. 54. 187

Art. 115, parágrafo único, alínea “c” da Constituição Federal de 1967. 188

Em que pese a aprovação ter ocorrido em 18.06.1970, a consolidação do regimento ocorreu em 1980, com a consolidação das respectivas emendas. 189

Art. 103 do RISTF. “Qualquer dos Ministros pode propor a revisão da jurisprudência assentada em matéria constitucional e da compendiada na Súmula, procedendo-se ao sobrestamento do feito, se necessário.”

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O CPC em vigor reforça sobremaneira o instituto das súmulas. O art. 476,

por exemplo, prevê a possibilidade de elaboração de “súmula de jurisprudência

predominante” pelos tribunais, quando, no julgamento de incidente de uniformização

de jurisprudência, por maioria absoluta de seus integrantes, houver sido fixada uma

determinada tese jurídica (art. 479). E, de acordo com o art. 557 do mesmo diploma

legal190, o relator negará seguimento a recurso contrário a súmula do respectivo

tribunal, do STF, ou do STJ.

Atualmente191, as súmulas do STF estão previstas nos artigos 102 e 103

do seu Regimento Interno. Para a aprovação de uma súmula é necessária votação

em plenário, por maioria absoluta dos ministros. Considerando que o STF é

composto por 11 (onze) ministros, ao menos seis magistrados precisam votar

favoravelmente à aprovação da súmula. O mesmo quorum e procedimento são

exigidos para alteração ou cancelamento de súmula já editada, conforme dispõe o

§1º do art. 102 do RISTF.

Referidas súmulas, diferentemente daquelas tidas como vinculantes

(previstas na Constituição Federal), visam orientar os magistrados e os tribunais

acerca de uma determinada tese jurídica.

Rodolfo de Camargo Mancuso 192 , acerca da definição de súmula

persuasiva, ensina:

[...] é lícito, pois, falar-se em súmulas persuasivas ou não vinculantes, porque se destinam a influir na convicção do julgador, convidando-o ou induzindo-o a perfilhar o entendimento assentado,

190

Editado de acordo com a Lei n. 9.756/1998. 191

Em 1970, as Súmulas do Supremo Tribunal Federal já constavam no art. 98 do Regimento Interno: “Art. 98 – A jurisprudência firmada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Supremo Tribunal Federal. § 1° – A inclusão de enunciados na Súmula, bem como a sua alteração ou cancelamento (art. 99), serão deliberados em Plenário, por maioria absoluta. § 2° – Ficarão vagos com a nota correspondente, para efeito de eventual restabelecimento, os números dos enunciados que o Tribunal cancelar ou alterar, tomando os que forem modificados novos números na série. § 3° – Os adendos e emendas à Súmula, datados e numerados em séries separadas e contínuas, serão publicados três vezes no Diário da Justiça, em datas próximas. § 4° – As edições ulteriores da Súmula incluirão os adendos e emendas. § 5° – A citação da Súmula, pelo número correspondente, dispensará, perante o Tribunal, a referência a outros julgados no mesmo sentido.” 192

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 430.

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seja pelo fato de aí se conter o extrato do entendimento prevalecente, seja pela virtual inutilidade da resistência, já que o Tribunal ad quem tenderá, naturalmente, a prestigiar sua própria súmula, quando instado a decidir recurso que sustente tese diversa [Grifo do autor].

Há doutrinadores, contudo, que sustentam que tais súmulas, mesmo

diante da ausência de previsão legal expressa, teriam eficácia vinculativa. É o caso,

por exemplo, de José Joaquim Calmon de Passos193.

Coisa bem diversa ocorre, a meu ver, quando se trata de decisão tomada pelo tribunal superior em sua plenitude e com vistas à fixação de um entendimento que balize seus próprios julgamentos. O tribunal se impõe diretrizes para seus julgamentos e necessariamente as coloca, também, para os julgadores de instâncias inferiores. Aqui a força vinculante dessa decisão é essencial e indescartável, sob pena de retirar-se dos tribunais superiores justamente a função que os justifica. Pouco importa o nome de que elas se revistam – súmulas, súmulas vinculantes, jurisprudência predominante ou o que for - obrigam. Um pouco à semelhança da função legislativa, põe-se, com elas, uma norma de caráter geral, abstrata, só que de natureza interpretativa. Nem se sobrepõe a lei, nem restringem o poder de interpretar o direito e valorar os fatos atribuídos aos magistrados inferiores, em cada caso concreto, apenas firmam um entendimento da norma, enquanto regra abstrata, que obriga a todos em favor da segurança jurídica que o ordenamento deve e precisa proporcionar aos que convivem no grupo social, como o fazem as normas de caráter geral positivadas pela função legislativa.

O assunto envolvendo a eficácia vinculante das decisões sumuladas

pelas cortes superiores é polêmico. Hoje não há dúvidas de que apenas as súmulas

previstas na Constituição Federal (art. 103-A) possuem eficácia vinculante. Este

posicionamento, contudo, merece reflexão.

Conforme mencionado antes, o conteúdo dos verbetes não é suficiente

para identificar qual seria a súmula vinculante e qual seria a súmula persuasiva. Não

se pode, portanto, identificar o efeito vinculante pelo conteúdo dos enunciados. Aqui,

193

PASSOS, José Joaquim Calmon de. Súmula vinculante. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Brasília-DF, TRF 1ª Região, v. 9, n. 1, jan.-mar. 1997. p. 163. Teresa Arruda Alvim Wambier compartilha do entendimento. É possível concluir isso ao ler o seu comentário justamente sobre o entendimento esboçado por Calmon de Passos. Diz ela: “Calmon de Passos, todavia, entende (e com razão!) que mesmo antes da adoção da súmula vinculante pelo direito positivo a jurisprudência dos tribunais superiores já vincula”. (Estabilidade e adaptabilidade com objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 34, n. 172, junho 2009. p. 163).

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novo questionamento emerge: qual seria, então, o elemento capaz de tornar

vinculante a decisão?

A primeira ideia que surge aponta para a necessidade de previsão

constitucional acerca da eficácia vinculante das decisões, como ocorre, por exemplo,

com as ações diretas194 e com a própria súmula vinculante (art. 103-A). Mas tal

argumento carece de substância, especialmente quando se mira nas decisões de

mérito proferidas em arguição de descumprimento de preceito fundamental. A

decisão de mérito aí proferida é vinculante (apesar de nada dispor a Constituição

Federal neste sentido), mas a previsão legal expressa para tanto se encontra tão

somente na Lei n. 9.882/1999, especificamente no § 3º195 do art. 10, ou seja, em lei

ordinária.

Assim, ainda que as ações diretas e a arguição de preceito fundamental

sejam institutos diferentes das súmulas, analisa-se, aqui, exclusivamente, a origem

do efeito vinculante das decisões proferidas e, neste aspecto, pode-se concluir que a

eficácia vinculante de decisões prescinde de previsão constitucional.

A partir dessa conclusão, outro questionamento poderia surgir: ainda que

a previsão da eficácia vinculante possa ocorrer pelas mãos do legislador ordinário,

há necessidade, ao menos, de disposição “expressa” acerca de decisões que são

efetivamente vinculantes?

Se o órgão máximo do nosso Poder Judiciário (no caso, o STF), que tem

como função primordial resguardar a Constituição Federal do país, fixa

entendimento diante de “interpretação assentada” da Corte, nada mais coerente do

que obrigar os órgãos subordinados ao STF de observarem referido

entendimento196. Não deveria tratar-se de mera faculdade. Negar essa vinculação é

194

§ 2º do art. 101 da CF: “as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e a administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. 195

“Art. 10. Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental. [...] §3º. A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público.” 196

O próprio Supremo Tribunal Federal, quando fixou entendimento na ADC n. 04, ao reconhecer eficácia vinculante em medida cautelar, sem qualquer previsão nesse sentido, balizou o entendimento

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deturpar o próprio Estado Democrático de Direito197, afrontar a soberania das cortes

superiores e reconhecer a imperfeição do Poder Judiciário.

[...] efeito vinculante da decisão está intimamente vinculado à própria natureza da jurisdição constitucional em um dado Estado democrático e à função de guardião da Constituição desempenhada pelo Tribunal, temos de admitir igualmente, que o legislador ordinário não está impedido de atribuir essa proteção processual especial a outras decisões de controvérsias constitucionais proferidas pela Corte. Em verdade, o efeito vinculante decorre do particular papel político-institucional desempenhado pela Corte ou pelo Tribunal Constitucional, que deve zelar pela observância estrita da Constituição nos processos especiais concebidos para solver determinadas e específicas controvérsias constitucionais.198

Não está havendo invasão de competência normativa, muito menos um cerceamento da convicção do juiz. É do sistema processual e constitucional que, em determinada hipótese concreta, o juiz de hierarquia jurisdicional inferior tenha que obedecer ao decidido pela Corte Superior, pelas vias recursais normais; com maior razão de o

que aqui se sustenta. Apenas rememorando, assim assentou a Corte Suprema, naquela oportunidade: “[...] 4. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzem eficácia contra todos e até efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, nos termos do art. 102, §2º, da CF. 5. Em Ação dessa natureza, pode a Corte conceder medida cautelar que assegure, temporariamente, tal força e eficácia à futura decisão de mérito. E assim é, mesmo sem expressa previsão constitucional de medida cautelar na A.D.C., pois o poder acautelar é imanente ao de julgar”. 197

“Temos convicção de que o sistema que desrespeita precedentes compromete o Estado de Direito, na medida em que as coisa passam a ocorrer como se houvesse várias ‘leis’ regendo a mesma conduta: um clima de integral instabilidade e ausência absoluta de previsibilidade”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law, Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, v.172, junho 2009. p. 132. 198

MENDES, Gilmar Ferreira, O efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal nos processos de controle abstrato de normas. Revista Jurídica Virtual. Brasília, Presidência da República, v. 1, n. 4, agosto, 1999, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_04/efeito_vinculante.htm>. Acesso em: 03 out. 2013. No mesmo sentido assevera Rodolfo de Camargo Mancuso: “Mesmo antes que se cogitasse do advento da súmula vinculativa, já era possível sustentar que, ainda na ausência de força obrigatória expressa, as súmulas, na prática, operavam em modo impositivo, e isso por argumentos diversos: (i) pela lógica do sistema, não faria sentido a extração de um enunciado representativo da jurisprudência assente numa Corte Superior, se não fosse para servir como um guia, para si mesma e como uma diretriz em face das demais instâncias, (ii) a súmula vinculante apresenta, ao fim de contas, uma estrutura semelhante à da norma legal (= enunciado geral, abstrato, impessoal e impositivo), e, tanto quanto a norma, não dispensa o labor interpretativo, seja para apurar sua perfeita inteligência, seja para a sua exata subsunção aos casos concretos; (iii) o reconhecimento da obrigatoriedade da súmula não atrita com o princípio da reserva legal, já que, em última análise, é na Constituição, nas leis e nos regimentos internos que vêm previstos e disciplinados os Tribunais – em sua feição institucional e em suas atribuições – sendo as súmulas o produto final, potencializado, de sua atividade precípua, de dizer o Direito; donde inexistir qualquer extrapolação ou excesso na emissão dos assentos”. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 5. ed. São Paulo: RT, 2013. p. 374.

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caso sub judice se enquadrar no mesmo paradigma já traçado pela mais alta Corte, decorrente da interpretação de casos idênticos.199

No mesmo sentido, Lenio Luiz Streck 200 , reportando-se a Anete

Vasconcelos de Borborema, analisa:

[...] um caráter normativo à jurisprudência contida na súmula, entendendo-a obrigatória para todos os juízes e tribunais do país. Explicam que, constituindo o STF (e acrescentaria o STJ) os mais altos sodalícios da justiça brasileira e sendo suas decisões, consequentemente e respectivamente, irreformáveis por outro tribunal, não se pode conceber que juízes de primeiro grau e outros tribunais julguem à revelia das proposições constantes na súmula. Em face da autoridade que a Constituição outorga ao Supremo (e ao STJ), não dar força de lei à jurisprudência dominante firmada em Súmula seria afrontar sua soberania, reconhecer a imperfeição do Poder Judiciário e, finalmente, impedir a certeza jurídica.

Alguns aspectos mais procedimentais poderiam ser sustentados para

afastar a eficácia vinculante de súmulas persuasivas. Nesse sentido, o quorum

poderia ser um argumento necessário para a aprovação das súmulas vinculantes e

persuasivas, que é diferente. Explica-se: a edição de súmula vinculante depende de

quorum qualificado201, enquanto que para a persuasiva basta a maioria qualificada.

Considerando que o quorum de aprovação das súmulas persuasivas não é tão rígido

quanto o das vinculantes, os efeitos de cada uma delas não poderiam ser

equiparados.

Ocorre que as decisões definitivas de mérito, emanadas do STF, nas

ações diretas de inconstitucionalidade e nas declaratórias de constitucionalidade,

produzirão eficácia contra todos e “efeito vinculante”, relativamente aos demais

órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas

federal, estadual e municipal. E, de acordo com os arts. 22 e 23 da Lei n. 9.868, a

decisão, nestas ações, somente será tomada se estiverem presentes na sessão de

julgamento oito ministros. Sendo que, para declaração de constitucionalidade ou

inconstitucionalidade, pelo menos seis deles precisam manifestar-se em um ou em

outro sentido.

199

SHIMURA, Sergio Seiji. Súmula vinculante. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). A reforma do Judiciário. São Paulo: RT, 2005. p. 763. 200

STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função, 1998. p. 142-143. 201

A inclusão de enunciados na Súmula e sua alteração ou cancelamento serão deliberadas em plenário, por maioria absoluta.

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Em suma, o número de ministros que deverá manifestar-se sobre a

(in)constitucionalidade da lei ou ato normativo (com consequente efeito vinculante) é

exatamente aquele necessário à edição de súmula persuasiva, ou seja, seis

ministros, valendo lembrar que ambas as votações ocorrem no plenário do

tribunal202.

Assim, ainda que o quorum da súmula vinculante seja mais rígido

(qualificado de 2/3), não se pode sustentar que a maioria absoluta não permitiria a

eficácia vinculante dos verbetes editados.

Da mesma forma, a legitimação para propor a edição, a revisão ou o

cancelamento de enunciado de súmula é diferente e poderia servir de argumento

para afastar a possibilidade da eficácia vinculante das súmulas persuasivas aos

demais órgãos do Poder Judiciário. Isso porque, diferentemente das vinculantes, a

legitimação, no caso as súmulas persuasivas, está limitada aos ministros da Corte

Suprema.

Ora, atribuir eficácia vinculante a súmulas que somente podem ser

editadas, revistas ou canceladas pelos ministros do tribunal que irá editar o verbete

vinculante, pode soar autoritário.

Todavia, não se pode olvidar que é função dos tribunais superiores dizer

a última palavra acerca da constitucionalidade da lei e da legalidade de lei

infraconstitucional, e isso enfraquece a tese de que seria autoritária a prerrogativa

de delegar exclusivamente aos ministros a possibilidade de revisão e cancelamento

202

Cf. § 2º do art. 101 da Constituição Federal: “as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo

Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e a administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. Art. 22 da Lei n. 9.868/1999. “a decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo somente será tomada se presentes na sessão pelo menos oito Ministros”. Art. 23 da Lei n. 9.868/1999: “efetuado o julgamento, proclamar-se-á a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos seis Ministros, quer se trate de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade”. Art. 173 do RISTF: “Efetuado o julgamento, com o quorum do art. 143, parágrafo único, proclamar-se-á a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do preceito ou do ato impugnados, se num ou noutro sentido se tiverem manifestado seis Ministros.” “Art. 143 do RISTF: O Plenário, que se reúne com a presença mínima de seis Ministros, é dirigido pelo Presidente do Tribunal”.

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de súmula. Ademais, as súmulas previstas na Constituição Federal vinculam

diretamente os órgãos do Poder Judiciário e, também, a administração pública, o

que justifica uma legitimidade mais ampla no que diz respeito ao cancelamento e à

revisão de súmula.

O art. 557 do CPC também merece destaque quando se está analisando

a possibilidade de efeito vinculante das súmulas, independentemente de serem elas

vinculantes ou persuasivas. Isso porque, a previsão legal permite ao relator negar

monocraticamente um recurso em confronto com súmulas, qualquer que seja a sua

classificação.

Reforçando o entendimento acima, vale lembrar a disciplina do §2º do art.

557, que determina o pagamento de multa (entre 1% e 10%), pela parte que

interpuser agravo de instrumento “manifestamente inadmissível”. E, também, o

comando do §1º do art. 518 do CPC, que assim dispõe: “o juiz não receberá o

recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do

Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”.

Diante desses dispositivos, a conclusão a que se chega é a da

possibilidade de eficácia vinculante (ainda que em menor grau do que a eficácia

prevista no art. 103-A da CF) de todas as súmulas, inclusive as persuasivas.

Analisando, justamente, o art. 557 do CPC, sustenta José Carlos Barbosa

Moreira203 que:

Emenda constitucional para estabelecer que as Súmulas, sob certas condições, passarão a vincular os outros órgãos judiciais? Ora, mas se já vamos além, e ao custo – muito mais baixo – de meras leis ordinárias (será somente na acepção técnica da palavra?). O mingau está sendo comido pelas beiradas, e é duvidoso que a projetada emenda constitucional ainda encontre no prato o bastante para satisfazer o seu apetite.

A esse respeito, Lenio Luiz Streck204 - apesar de ser contrário à eficácia

vinculativa das referidas súmulas - admite que a hipótese legal (atual art. 557 do

203

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Algumas inovações da Lei 9.756 em matéria de recursos civis. São Paulo: Saraiva, 2001. (Temas de Direito Processual - Sétima Série). p. 82. 204

O livro foi publicado no ano de 1995, ou seja, anterior a Lei n. 9.756/1998 que introduziu no Código de Processo Civil o art. 557. Assim, a opinião dele é com base no artigo 38 da lei federal n.

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CPC) representa efetivamente a eficácia vinculante de todas as súmulas do STF e

STJ, como se vê:

Com a edição da Lei Federal nº 8.038/90, introduziu-se, através do artigo 38, uma forma indireta de atribuição de efeito vinculante à jurisprudência dos tribunais superiores, mais especificamente às Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. [...] Esse dispositivo legal confere tamanhos poderes e competência ao ministro relator do recurso (especial ou extraordinário), que descaracteriza a natureza dessas decisões como sendo de tribunais, que de regra são fruto de um colegiado e não da cabeça de um só magistrado. O mais grave problema, porém, não reside no caráter monocrático da decisão, mas na vinculariedade que se dá às Súmulas do Supremo Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça.205

Continuando a linha de raciocínio, diz o autor, mesmo que a decisão

fosse proferida pelo colegiado, isso não excluiria do dispositivo a eficácia vinculativa

que confere às súmulas dos tribunais superiores206.

8.038/1990, que dispõe: “O Relator, no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, decidirá o pedido ou o recurso que haja perdido seu objeto, bem como negará seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível, improcedente ou ainda, que contrariar as questões predominantemente de Direito, Súmula do respectivo Tribunal”. Assim como o art. 557 do CPC, portanto, há previsão de negativa de seguimento de recurso – monocraticamente – quando este estiver em desacordo com as Súmulas dos Tribunais Superiores. Assim, ainda que à época da edição do livro o art. 557 não estivesse disposto no CPC, a opinião do autor pode ser utilizada para os dias atuais, já que a previsão legal foi mantida. 205

STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função, p. 159-160. 206

“Aparentemente, a questão surgida com a criação do art. 38 estaria solucionada, consoante manifestação do Supremo Tribunal Federal (RTJ 139/57) com a possibilidade de a parte interpor agravo regimental do despacho do relator do recurso especial ou extraordinário. Porém, deve ficar claro que o problema não se resolve no fato de o despacho do relator ser passível de reforma pela Turma. O ponto nevrálgico reside justamente na circunstância de que o sistema jurídico brasileiro não permite, nem por despacho monocrático e nem por decisão da Turma, que uma Súmula passe a ter força de lei (portanto, caráter vinculante). Dito de outro modo: se o comando do art. 38 fosse no sentido de que a Turma do STF ou do STJ (e não o relator) pudesse, de plano, mandar arquivar o recurso especial ou extraordinário que contrariasse Súmula, a inconstitucionalidade permaneceria pelas mesmas razões. Na verdade, a contradição principal do problema reside no seguinte aspecto: o art. 105, III, a, da Constituição Federal, diz que cabe recurso especial quando a decisão recorrida contrariar lei federal. Nos termos do art. 38, o relator (ou a Turma, depois do agravo) negará, de plano, seguimento a recurso de decisão que for contrária a uma Súmula. Ora, a Súmula não é lei, o art. 38, parte final, está em desacordo com a Constituição Federal. O mesmo vale para a letra c do art. 105, III da CF, pois, se, em tese, deve ser admitido até mesmo recurso especial com pedido flagrantemente contra legem, bastando que haja um acórdão paradigma em sentido contrário à decisão recorrida, não é possível admitir que a ofensa à Súmula do Tribunal possa impedir o conhecimento do mérito do recurso”. STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função, p. 160-161.

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A instituição da eficácia vinculante das súmulas parece ter sido opção do

próprio legislador que, mediante reformas processuais207, fez constar no CPC as

disposições destacadas acima.

Acerca da eficácia vinculante dirigida aos demais órgãos do Poder

Judiciário, Marcelo Alves Dias de Souza208 entende que com a edição da Lei n.

9.756/1998 o nosso ordenamento passou a prever uma “vinculação externa indireta”,

pois além de estarem vinculados às suas próprias súmulas ou jurisprudência

dominante, os tribunais também se vincularam às do STF e do STJ.

A eficácia vinculante das súmulas “persuasivas”, contudo, afetaria

diretamente apenas os órgãos do Poder Judiciário (jamais a administração pública,

como ocorre com as súmulas vinculantes), de modo que eventual cabimento de

reclamação estaria restrito, também, às decisões proferidas por estes órgãos. Trata-

se, portanto, de vinculação mais “branda” do que a das súmulas que estão previstas

na Constituição Federal, mas daí a negar completamente a eficácia vinculante seria

precipitado.

Poderíamos concluir, portanto, em tom de questionamento e diante de

todos os argumentos aqui suscitados, que a previsão constitucional das súmulas

vinculantes teria sido desnecessária?

Também, não é para tanto. Existe uma importante diferença entre as

súmulas vinculantes e as persuasivas, e refere a quem está diretamente sujeito ao

efeito vinculante de cada uma das súmulas. E, nesse aspecto específico, é

impossível falar que as súmulas se equiparam.

De acordo com o art. 103-A da Constituição Federal, a súmula vinculante

“terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do poder judiciário e a

administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal

[Grifo nosso]”. O efeito vinculante, portanto, atinge diretamente o Poder Judiciário e

207

Lei n. 9.756/1998, Lei n. 11.276/2006 e Lei n. 10.352/2001. 208

SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2010. p. 259.

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a administração pública, e só indiretamente irá alcançar, por exemplo, os

jurisdicionados209.

Justamente em razão dessa vinculação “ampliada” é que o legislador

possa ter previsto um critério mais rígido – quorum qualificado de 2/3 dos ministros –

para a edição da súmula vinculante.

Mais do que isso. Talvez tenha sido também este o motivo de o legislador

não aplicar a eficácia prevista no art. 103-A da Constituição Federal a todas as

súmulas já editadas pelo STF, na ocasião da Emenda Constitucional n. 45. De fato,

vincular diretamente a administração pública às súmulas sobre as quais sequer

tiveram a possibilidade de acompanhar a edição seria temerário.

As súmulas “persuasivas”, por outro lado, de forma alguma vinculam

diretamente a administração pública210. Pelas razões aqui expostas, a vinculação

direta estaria limitada tão somente aos órgãos do Poder Judiciário, sendo extensiva,

apenas indiretamente, à administração pública ou mesmos aos jurisdicionados.

Para arrematar o assunto aqui tratado, vale observar que a última súmula

editada pelo STF é a de número 735211, editada em 26 de novembro de 2003, ou

seja, antes da Emenda Constitucional n. 45/2004. Após referida Emenda, contudo,

todas as súmulas foram editadas com base no art. 103-A da CF.

209

“Em relação à súmula, o efeito vinculante desdobra-se em vinculações diretas e indiretas. A vinculação direta é aquela que submete o Poder Judiciário e a Administração Pública, tendo a nota característica do cabimento da reclamação perante o Supremo Tribunal Federal (art. 103-A, §3º, só é interponível contra atos administrativos e jurisdicionais). No entanto, por ser uma expressão da interpretação máxima da Constituição Federal e por rever ser aplicada (sob pena de reclamação) pelos tribunais, gera uma vinculação típica de uma norma jurídica geral e abstrata (haja vista que, como tratarei mais à frente, a súmula vinculante é norma jurídica geral e abstrata).” JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, ano 94, v. 838, agosto 2005. p. 47. 210

“Nessa óptica, e levando em conta os condicionamentos da Emenda nº 45, não parece que ainda sobre espaço muito grande para a incidência das súmulas vinculantes. O principal efeito da respectiva edição poderá talvez consistir na obrigação, imposta aos Órgãos da Administração Pública, de respeitá-las. Realmente, muitas queixas têm-se feito ouvir acerca da insistência de órgãos do Poder Executivo sem sustentar teses divergentes das esposadas por decisões dos Tribunais Superiores, inclusive da Corte Suprema. Atribui-se a esse inconformismo boa parcela de responsabilidade pelo ingurgitamento das vias judiciais, conquanto nem sempre a imputação se acompanhe de dados objetivos capaz de ministrar-lhe a desejável base empírica. De qualquer sorte, não há negar a probabilidade de que venha a reduzir-se o vulto do contencioso com a Administração Pública, e com isso a diminuir em medida ponderável a massa dos pleitos”. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Emenda Constitucional nº 45 e o processo. São Paulo: Saraiva, 2007. (Temas de Direito Processual - Nona Série). p. 35. 211

Súmula 735 do STF. “Não cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar”.

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As súmulas persuasivas do STF, portanto, deixaram de ser editadas após

a criação do instituto das “súmulas vinculantes” o que demonstra a “inutilidade” de

os tribunais superiores ficarem expedindo enunciados apenas para orientar os

demais órgãos do Poder Judiciário. As decisões assentadas destes tribunais,

editadas em súmulas, deveriam, sim, vincular os demais órgãos do Poder Judiciário

a eles subordinados212. A previsão constitucional, contudo, amplia a vinculação à

Administração Pública que, pelas razões expostas, é eficaz e, além disso, possibilita

o ajuizamento de reclamação face às suas decisões.

2.3 CLASSIFICAÇÃO DAS SÚMULAS

Conforme sustentado na seção anterior, ainda que brevemente, não é

sempre que as súmulas terão como objetivo “a validade, a interpretação e a eficácia

de normas determinadas”.

A classificação apresentada por Lenio Luiz Streck 213 , em seu livro

“Súmulas no direito brasileiro – Eficácia, poder e função”, acena nesse sentido:

No primeiro grupo, podem ser encontradas as súmulas tautológicas; no segundo, estão as mais numerosas, ou seja, as que são, verdadeiramente, uma forma de interpretar a lei, denominadas, aqui, intra legem; em terceiro estão as súmulas que denomino extra legem, que têm função precípua de limitar as possibilidades de admissão dos recursos dirigidos aos Tribunais Superiores. E, por

212

“Se a função da jurisprudência é dizer o direito, a sociedade complexa demanda respostas mais precisas do que o texto legal sozinho consegue proporcionar. Apenas por meio da atuação de diferentes fontes é que o sistema poderá responder aos anseios sociais sem o temor da previsibilidade de suas decisões. É nesse sentido amplo que se entende não haver, na iniciativa de trazer vinculatividade aos precedentes jurisprudenciais, desrespeito à cláusula pétrea constituída pelo princípio da legalidade: está-se, apenas, a reinterpretá-lo. Parece claro que a jurisprudência sumulada terá importância tal qual a lei, mas isso não suprime o princípio da legalidade, uma vez que o direito não é constituído apenas pela lei. A norma jurídica não equivale a norma legal em sentido estrito. A doutrina e a jurisprudência também constituem fonte de direito que necessitam ser respeitadas; também constituem normas jurídicas. Ora, o respeito ao princípio da legalidade é o respeito à norma jurídica e não apenas o respeito a lei. A herança do sistema romano-germânico perderá parte significativa de sua força, pois o país não será regrado apenas pela lei, mas também por preceitos jurisprudenciais.” LAMY, Eduardo de Avelar. Sumula vinculante: um desafio. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 30, n. 120, fevereiro de 2005. p. 122. 213

STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função, p. 43-45.

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último, estão as súmulas contra legem e/ou inconstitucionais, que criam direito novo, à revelia da Constituição [Grifo do autor].

Teresa Arruda Alvim Wambier 214 , no artigo intitulado “A função das

Súmulas do Supremo Tribunal Federal em face da Teoria Geral do Direito”, também

classifica as súmulas em três categorias: “súmulas que dizem exatamente o que a lei

diz; há outras que são, verdadeiramente, uma forma de interpretar a lei; e outras que

são flagrantemente contra legem”.

Com base nos dois doutrinadores citados, verifica-se que as súmulas

podem ser assim classificadas: (i) aquelas que simplesmente repetem o que já se

encontra previsto na lei215; (ii) aquelas que, de fato, interpretam o texto legal e lhe

concedem a melhor interpretação possível216 ; (iii) as que efetivamente legislam,

tendo em vista inexistir texto normativo prévio tratando da matéria objeto do

verbete217; e (iv) aquelas contrárias ao que se encontra previsto na legislação.

Especificamente, com relação às súmulas que repetem aquilo que já se

encontra disposto em determinada norma ou, por outro lado, limita-se a interpretá-la,

não há necessidade de divagar a respeito.

Por outro lado, maior reflexão merecem as súmulas que aludem a

matérias que não foram tratadas anteriormente por norma legal ou, ainda, quando

forem editadas com teor divergente daquilo já foi disposto pelo legislador ordinário

ou mesmo pelo constituinte.

214

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A função das súmulas do Supremo Tribunal Federal em face da Teoria Geral do Direito. Revista de Processo. São Paulo, RT, v. 40, out. 1985. p. 224. 215

Teresa Arruda Alvim Wambier cita como exemplo a súmula 266 do STF, que reproduziu novamente aquilo que já se encontrava previsto no caput do art. 1º da Lei n. 1.533/1951. Lenio Luiz Streck, como exemplo da mesma situação, menciona, entre outras, as Súmulas n. 206, 266, 281, 265, 499 e 609 do STF e Súmula n.116 do STJ. 216

Teresa Arruda Alvim Wambier cita como exemplo a Súmula n. 212 do STF: “Tem direito ao adicional de serviço perigoso o empregado de posto de revenda de combustível líquido”, na medida em que interpreta os arts. 212 e 213 da CLT. 217

Como exemplo, Teresa Arruda Alvim Wambier cita a Súmula n. 345 do STF na medida em que, sem qualquer legislação prévia, determina que os juros compensatórios são devidos a partir da perícia; e também a Súmula n. 449, que determina o valor da causa em consignatória.

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2.4 SÚMULA: NATUREZA JURÍDICA

A definição da natureza jurídica das súmulas é tema relevante para o

presente estudo. Isso porque, especificamente na seção 1.6, sustentou-se que a

violação de que trata o inciso V do art. 485 do CPC não está limitada à lei, devendo

ampliar-se as hipóteses de cabimento às normas jurídicas.

Aqui, novos questionamentos exsurgem. As súmulas podem ser

equiparadas à lei? Podem ser classificadas como normas jurídicas? Ou, ainda, trata-

se de gênero específico, não podendo ser equiparadas à lei e tampouco

classificadas como normas jurídicas?

Há quem sustente, como é o caso de Marco Antonio Botto Muscari218, que

as súmulas seriam um tertium genus, localizam-se em um patamar intermediário

entre a lei e a jurisprudência e têm como objetivo complementar ou agregar o Poder

Legislativo; não criam direitos, nem obrigações; não podem ser equiparadas à lei,

nem ser classificadas como norma jurídica.

A respeito, Gevany Manoel dos Santos219 também opina:

Com a nova lei, o Supremo Tribunal Federal passou a exercer essa nova atribuição que tem força de ‘quase lei’. Nisso ocorre certo desvio de competência judiciária e invasão do Poder Legislativo. Essa nova atribuição de poder à Suprema Corte a coloca como um auxiliar do Poder Legislativo para corrigir as leis deficientes editadas por ele.

Há, por outro lado, quem entenda que a súmula tem natureza de “norma

jurídica”. É o caso de José de Albuquerque Rocha220, quando menciona que:

218

“[...] não inauguram a ordem jurídica, criando direitos e obrigações; simplesmente giza o alcance da norma que o legislador, antes, editou” E complementa: “[...] a súmula vinculante é mais do que a jurisprudência e menos do que a lei; situa-se no meio do caminho entre uma e outra. Com a jurisprudência guarda similitude pelo fato de provir do Judiciário e de estar sempre relacionada a casos concretos que dão origem. Assemelha-se à lei pelos traços da obrigatoriedade e da destinação geral, a tantos quantos subordinados ao ordenamento jurídico pátrio. É um tertium genus, portanto.” MUSCARI, Marco Antonio Botto. Súmula vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. p. 53. 219

SANTOS, Gevany Manoel dos. Súmula vinculante e reclamação: forma de aplicação. São Paulo: LTr, 2008. p. 28. 220

ROCHA, José de Albuquerque. Súmula vinculante e democracia. São Paulo: Atlas, 2009. p. 121.

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[...] analisada a súmula vinculante à luz do critério da validade, conclui-se ser uma norma jurídica, ou seja, pertencente ao ordenamento jurídico, já que produzida por um órgão do sistema jurídico, o Supremo Tribunal Federal, e no exercício de poderes conferidos por uma norma superior do sistema, qual seja, a que resulta da interpretação do disposto no artigo 103-A da Constituição.

No mesmo sentido aponta a doutrina de Rodrigo Jasen221:

Uma norma jurídica pode prescrever, proibir ou facultar uma conduta humana, ligando ao seu descumprimento, para torná-la efetiva, uma sanção. Tanto a lei, o contrato e a decisão judicial têm por objeto condutas humanas, contra as quais ligam-se sanções. Quer dizer, são comandos que produzem um mal a quem os desobedece. Todos esses - lei, contrato e decisão judicial – encontram seu fundamento de validade em normas superiores, podendo-se remontar até a Constituição Federal e à norma fundamental. Por isso, são todos eles espécies de normas jurídicas. O dever de obediência à súmula vinculante, não destoa dos esquemas antes expostos. Ela contém um comando prescrevendo, proibindo ou facultando uma determinada conduta humana, tornada efetiva quando exigível perante o Poder Judiciário. Assim, a súmula vinculante é também uma norma jurídica.

Diante dessa salutar divergência, percebe-se que a natureza jurídica das

súmulas é de norma jurídica geral e abstrata. É o que se passa a abordar nas

seções seguintes.

2.4.1 Súmula: norma jurídica geral e abstrata

Durante os séculos XVIII e XIX, por influência da Ecole de l’Exégèse,

imperou em nosso país uma concepção jurídica absolutamente formalista,

cognitivista222. Neste contexto, segundo Daniel Mitidiero223

221

JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, ano 94, v. 838, agosto de 2005. p. 54. Para Elival da Silva Ramos, “[...] importa, contudo, precisar melhor a natureza dos enunciados sumulares vinculativos. Não se trata aqui de ato legislativo, quer em sentido formal, quer em sentido material, por atuarem as súmulas em nível hierárquico inferior àquele em que se manifesta o exercício da função legislativa.” (Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 297). 222

“O positivismo jurídico é tributário dessa concepção de direito, pois, partindo da ideia de que o direito se resume à lei, e, assim, é fruto exclusivo das casas legislativas, limita a atividade do jurista à descrição da lei e à busca da vontade do legislador”. MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 29.

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Em geral, a cultura jurídica de Oitocentos, em parte por influência da Ecole de l’Exégèse, em parte por influência da Begriffsjurisprudenz, identificava o Direito como texto da legislação e o processo de sua produção e reconhecimento com um processo abstrato e puramente lógico-dedutivo, sendo resultado dessas opções a tendência da ciência jurídica a um alheamento da sua matriz cultural

Ao intérprete da norma não caberia nenhuma valoração ou escolha

discricionária, devendo limitar-se a explicitar o seu significado, pré-existente à

interpretação. Outras interpretações – além daquela que declara o conteúdo da lei –

deveriam ser “descartadas”.

Nesse cenário, como o juiz, ao julgar o caso concreto, apenas

reproduziria (sem criar) as normas editadas pelo legislador (único competente para

tanto), suas decisões em nada acrescentariam ao ordenamento jurídico, devendo

ficar restritas ao caso sub judice224.

Com o tempo, a objetividade da “teoria cognitivista (formalista)” – que via

unidade semântica entre “texto” e “norma” – cedeu espaço para a “teoria da

norma”225, em que referidos conceitos passaram a ser estudados separadamente e

não mais como se sinônimos fossem226.

223

MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas – Do Controle à Interpretação da Jurisprudência ao Precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 35. 224

Trata-se de modelo sustentado por Adolf Wach. Handbuch des deutschen Civilprozessrechts. Leipzig: Duncker & Humblot, 1885 e Piero Calamandrei. La Cassazione Civile – Disegno Generale dell’Instituto, 1920. 225

“Não é de surpreender que o século XIX tenha trazido uma reação contra esses conceitos idealizados e formalistas do Direito e de suas regras. F. Geny, na França; R. von Ihering e, mais tarde, a escola do ‘Freirechtsfindung’, na Alemanha; Salmond, e depois Allen, na Inglaterra, lançaram vários protestos contra as falsas premissas de qualquer teoria jurídica excessivamente formalista. Mas em nenhum outro lugar a reação foi mais enérgica do que nos Estados Unidos. Lá, J.C. Gray, O.W. Holmes e Roscoe Pound desferiram vários ataques contra a abordagem das ‘regras jurídicas ideiais’. Eles enfatizaram a necessidade de atenção às decisões reais e juridicamente prescritivas dos Tribunais.” MACCORMICK, Neil. In: MACEDO JR., Ronaldo Porto (Coord.), assinado por HART, Herbert Lionel Alphonsus. Ensaios sobre teoria do direito e filosofia. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus Jurídico, 2010. (Coleção Teoria e Filosofia do Direito). p. 165-166. 226

Daniel Mitidiero, com fundamento nos ensinamentos de Giovanni Tarello e Ricardo Guastini, sustenta: “A inexistência de identidade entre texto e norma está em que a norma é o texto interpretado. Vale dizer: a norma é uma outorga de significado ao texto e a elementos não textuais da ordem jurídica, que são reconstruídos pela atividade do intérprete. É uma atribuição de sentido a um enunciado linguístico. [...] A oportunidade de distinção entre texto e norma é atribuída à potencial equivocidade de todos os enunciados linguísticos, de modo que entre texto e norma existe sempre uma atividade mediativa do intérprete que demanda individualizações, valorações e escolhas entre diferentes possibilidades de sentidos linguísticos para definição da norma”. (Cortes Superiores e Cortes Supremas – Do controle à interpretação da jurisprudência ao precedente, p. 54-55).

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Segundo Riccardo Guastini227:

A primeira tese assume que as leis são dotadas de um significado intrínseco objetivo, e afirmam que os juízes criam o direito quando desatendem o referido significado, oferecendo interpretação ‘falsa’. Surpreendente ingenuidade. Infelizmente, não existe de fato um significado objetivo das leis. [Tradução nossa].

Contudo, sendo a “norma jurídica” a interpretação extraída do “texto

legal”, há de se permitir criação, ou seja, diferentemente do que sustentavam os

defensores da “teoria cognitivista”, o texto pode acabar revelando não apenas uma

única norma (aquela ditada pelo intérprete), mas uma multiplicidade delas.

Essa multiplicidade de interpretações, contudo, pode ocorrer não porque

se trata de texto legal mal redigido, mas sim porque a atividade interpretativa

puramente lógica nem sempre é simples.

Fato é que o processo interpretativo vai além da declaração do significado

do texto, constituindo uma escolha entre diversos outros significados que podem ser

extraídos de um mesmo texto legal.

A respeito, é importante destacar, ainda que brevemente, os

ensinamentos de Herbert Hart228, para quem, há casos em que é possível fazer a

mera interpretação lógica do texto jurídico, em contrapartida, há situações em que a

interpretação demandaria uma análise mais complexa, não podendo os juízes ficar

limitados à tarefa exclusivamente dedutiva.

Faz sentido essa interpretação do citado autor, na medida em que nem

sempre a linguagem do texto traz certeza. Mesmo quando é aparentemente clara e

objetiva, diante de um caso concreto, pode gerar dúvida com relação a sua

227

GUASTINI, Riccardo. Se i giudici creano diritto. In: VIGNUDELLI, A. (Org.). Istituzioni e dinamiche del diritto: I confini mobili della separazione dei poteri. Milano: Giuffrè, 2009. p. 391. No original: “La prima tesi assume che i testi normativi siano dotati di un significato intrinseco oggettivo, e afferma che i giudici creano diritto quando disattendono tale significato, offrendo interpretazione ‘false’. Sorprendente ingenuità. Disgraziatamente non esiste affatto una cosa come il significato oggettivo dei testi normativi. Ogni testo normativo è almeno potenzialmente e almeno diacronicamente equivoco: sicché risulta semplicemente impossibile distinguere tra interpretazioni ‘vere’ e interpretazioni ‘false’. Quale mai dovrebbe essere il critério di verità delle tesi interpretative?” 228

HART, Hebert. O conceito de direito. (Com um pós-escrito editado por Penelope A. Bulloch e Joseph Raz). Trad. de A. Ribeiro Mendes. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p. 332-337.

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103

interpretação ou mesmo aplicação. Nestes casos, poderão estar presentes

interpretações conflitantes, sem haver sobreposição de uma em relação à outra229.

A partir do momento em que a atividade interpretativa do juiz transcende

à mera aplicação lógico-dedutiva do texto legal, há, aí, criação230. A criação de que

se fala deve limitar-se ao pré-estabelecido no ordenamento jurídico pelos

legisladores, mas, ainda assim, há atividade criativa do intérprete.

Nesse sentido, obtempera Miguel Reale Junior231:

A jurisprudência, muitas vezes, inova em matéria jurídica, estabelecendo normas que não se contêm estritamente na lei, mas resultam de uma construção obtida graças à conexão de dispositivos, até então considerados separadamente, ou, ao contrário, mediante a separação de preceitos por largo tempo unidos entre si. Nessas oportunidades, o juiz compõe, para o caso concreto, uma norma que vem completar o sistema objetivo do Direito.

Peculiar é o exemplo dado por Mauro Cappelletti232, em seu livro intitulado

“Juízes legisladores?” O autor compara a atividade interpretativa e criativa com a

música:

Toda reprodução e execução varia profundamente, entre outras influências, segundo a capacidade do intelecto e estado de alma do intérprete. Quem poderia comparar a execução musical de Arthur Rubinstein com a do nosso ruidoso vizinho? E, na verdade, quem poderia confundir as interpretações geniais de Rubinstein, com as também geniais, mas bem diversas, de Cartot, Gieseking ou de Horowitz?

229

HART, H.L.A. O conceito de direito. (Com um pós-escrito editado por Penelope A. Bulloch e Joseph Raz). p.165. 230

“Parece-nos que os hard cases que, muitas e muitas vezes, têm configuração única, autorizam o exercício da criatividade jurisdicional. Também podem os juízes criar quando o sistema não resolve expressa e explicitamente o problema posto ou o faz por meio de norma cujo sentido literal deva inexoravelmente ser, aos olhos do homem médio, definitivamente afastado. Na análise do caso, cria o juiz, quando está diante da aplicação de norma cuja tipologia seja daquelas que implique a análise de numerosos aspectos da situação fática subjacente, aspectos a que o texto da lei não alude expressamente, mas que a norma pede que sejam verificados no mundo empírico para fins de se saber se devem ou não incidir. [...]. Indubitavelmente, identificar, no mundo empírico, casos que seriam abrangidos por uma cláusula geral envolve certa dose de criatividade. No entanto, diante de casos fáceis, identificáveis no mundo dos fatos e disciplinados por normas que levam em conta poucos aspectos da realidade para incidir, e cuja interpretação pelos tribunais majoritariamente não divirja a respeito, espaço não há para a criatividade do juiz. Exercê-la seria agir como legislador”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 134. 231

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 168. 232

CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999. p. 21.

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Em rigor, quando o juiz cria (conforme se analisará na seção seguinte,

não está, necessariamente, usurpando competência do Poder Legislativo), o que se

observa é o fenômeno da inovação e, como tal, passa a integrar o sistema jurídico.

A criação aqui suscitada pode ocorrer ou no julgamento de um caso concreto ou

quando os tribunais, no exercício da função uniformizadora de entendimento,

editam, por exemplo, súmulas.

As súmulas, como previstas no próprio dispositivo constitucional (art. 103-

A), devem ser editadas quando houver “controvérsia” acerca de normas

determinadas. O fato de uma súmula exigir controvérsia acerca do tema, salvo em

situações teratológicas, é suficiente para concluir que a hipótese não trata de mera

interpretação lógico-dedutiva, pois se assim fosse possivelmente não haveria

divergência de entendimentos233. Bom exemplo é o da Súmula vinculante n. 12, que

dispõe – à luz do art. 206, inciso IV, da CF – sobre a inconstitucionalidade da

cobrança de taxa de matrícula em universidades públicas. A conclusão sobre a

inconstitucionalidade da súmula não foi unânime e quatro ministros consentiram a

legalidade da referida cobrança234.

233

“Por mais que se considere a súmula como produto da interpretação de normas a ela preexistentes, não se pode perder de vista que a toda interpretação é inerente algum grau de criatividade, de modo que, ainda que a súmula contenha um enunciado que expresse a ratio decidendi comum a todas as decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal sobre matéria constitucional, as quais foram, elas próprias, na Constituição Federal fundamentadas, nem por isso a súmula deixará de criar o Direito, nem por isso deixará de ser norma e nem por isso poderá ser reduzida a mero esquema interpretativo”. JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, ano 94, v. 838, agosto 2005. p. 55. 234

A Ministra Carmen Lucia, por exemplo, fundamentou o seu voto no princípio da solidariedade. Assim consignou a magistrada: “Quando o Ministro Menezes Direito chama a atenção para o fato de que se tem que pagar esse serviço realmente com os impostos do Estado – e estou de acordo -, nem por isso se dispensa que quem mais recebe pode contribuir muito mais. Neste caso, entendo que o princípio da solidariedade, quanto mais num direito fundamentalíssimo, como é este da educação, que garante não apenas a liberdade, mas a libertação das pessoas de uma para outra condição, deixa de ser formal quando a sociedade comparece”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 500.171-7. Pleno, Relator Min. Ricardo Lewandowski. Brasília, DF. Julgamento 13.08.2008. Publicação 24.10.2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=557455>. Acesso em: 26 out. 2013. O então Ministro Eros Grau, por sua vez, sustenta que “[...] há, sim, espaço constitucional para compatibilizar a ideia de gratuidade do ensino público com essas imposições que permitem às instituições universitárias subsidiar os mais carentes. Podíamos até eventualmente, se essa posição pudesse ou viesse a tornar-se majoritária, indicar as destinações eventuais desses recursos. Sabemos das dificuldades por que passam as instituições de ensino, por razões várias. O Ministro Cezar Peluso feriu esse tópico dizendo inclusive que há segurança quanto a essa informação, por conta do sucesso arrecadatório existente atualmente. Mas o fato é que, no que concerne à distribuição dos recursos orçamentários, as universidades são extremamente carentes. E se nós que militamos na universidade pública levarmos em conta as condições hoje existentes, sabemos que a

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O dispositivo constitucional em comento garante a “gratuidade do ensino

público em estabelecimentos oficiais” e saber se a taxa de matrícula deve ou não

estar abrangida por referido princípio não é tarefa simples, conforme se depreende

da própria análise dos argumentos dos ministros quando discutiram o tema.

Diante disso, poder-se-ia afirmar que a edição da Súmula vinculante n. 12

trata de mero enunciado resultante da interpretação do disposto no texto

constitucional (art. 206, inc. IV), à luz do caso concreto (cobrança de taxa de

matrícula), sem qualquer atividade criativa por parte do Poder Judiciário?

A resposta que se eleva para tal questionamento é não. Bastaria, por

exemplo, que os Ministros Carmem Lucia, Eros Grau, Celso de Mello e Gilmar

Mendes fossem maioria no Plenário da Corte Suprema para que o entendimento

fosse diametralmente oposto ao que ficou consignado no verbete, ou seja, à luz do

mesmo dispositivo constitucional poder-se-ia ter um resultado diverso caso a maioria

dos ministros invocasse algum fundamento distinto como, por exemplo, o “princípio

da solidariedade”.

A edição deste verbete, portanto, é efetiva inovação jurídica de iniciativa

do Poder Judiciário, que, à luz do caso concreto, interpretou dispositivo legal

editando norma jurídica que, como tal, passa a integrar o sistema jurídico do país

como “norma jurídica geral e abstrata”235.

Rodrigo Jansen236, com a seguinte lição, corrobora:

[...] contém um comando prescrevendo, proibindo ou facultando uma determinada conduta humana, tornada efetiva quando exigida

universidade pública é altamente excludente”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 500.171-7. Pleno, Relator Min. Ricardo Lewandowski. Brasília, DF. Julgamento 13.08.2008. Publicação 24.10.2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=557455>. Acesso em: 26 out. 2013. 235

“Um pouco à semelhança da função legislativa, põe-se, com ela (súmula), uma norma de caráter geral, abstrata, só que de natureza interpretativa”. PASSOS, José Joaquim Calmon de. Súmula vinculante. Genesis – Revista de Direito Processual Civil. Curitiba, Genesis, n. 6. 1997. p. 633, 637. No mesmo sentido: “A súmula vinculante, da mesma forma que o assento português, se desvincula do(s) caso(s) que a originaram, ela se impõe como um texto normativo de vinculação geral e abstrata para casos futuros, tal qual a lei, possui dimensão atemporal, logo, duração indefinida, passando a ter validade após sua publicação na imprensa oficial”. ABBOUD, Georges. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 361. 236

JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, ano 94, v. 838, agosto 2005. p. 54.

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perante o Poder Judiciário. Assim, a súmula vinculante é também uma norma jurídica. Será, todavia, à semelhança das leis, uma norma jurídica geral, eis que aplicável a todos indistintamente, e abstrata, enquanto endereçadas a quaisquer hipóteses presentes e futuras.

A súmula guarda, contudo, algumas diferenças com relação à lei, esta sim

emanada do Poder Legislativo, único competente para tanto237.

2.4.2 Súmulas como norma jurídica: violação à tripartição de poderes?

O fato de a súmula, conforme sustentado, ser norma jurídica geral e

abstrata, embora editada pelos tribunais238, leva à conclusão de que haveria, aí,

hipótese clara de violação ao princípio constitucional239 da tripartição de poderes.

Isso porque, em última análise, ao Judiciário se conferiria o poder de efetivamente

legislar, o que, de acordo com a Constituição Federal, é competência exclusiva do

Legislativo.

Inúmeros são os doutrinadores que assim entendem240, como é o caso de

Rubens Approbato Machado241:

237

Sobre este aspecto, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, com fundamento nos ensinamentos na teoria pura do direito, de Hans Kelsen, anotam: “É de Kelsen o esclarecimento de que a função criadora do direito dos tribunais, existente em todas as circunstâncias, surge com particular evidência quando um tribunal recebe competência para produzir também normas gerais por meio de decisões com força de precedentes. Conferir a tal decisão caráter de precedente é tão só um alargamento coerente da função criadora de direito dos tribunais. Se aos tribunais é conferido o poder de criar não só normas individuais, mas também normas jurídicas gerais, estarão eles em concorrência com o órgão legislativo instituído pela Constituição, e isso significará uma descentralização da função legislativa”. (Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 976). 238

“Trata-se de uma prescrição jurídica (imperativa ou critério normativo-jurídico obrigatório) que se constitui no modo de uma norma geral e abstrata, proposta à pré-determinação normativa de uma aplicação futura, suscetível de garantia a segurança e a igualdade jurídicas, que não só impõe com a força ou eficácia de uma vinculação normativa universal como se reconhece legalmente como caráter de fonte de direito, que tipo de entidade dogmático-jurídica manifesta? [...] no conjunto destas determinações não pode deixar de ver-se a natureza de uma disposição legislativa”. NEVES, Castanheira. O instituto dos assentos e a função jurídica dos Supremos Tribunais. Revista da Legislação e Jurisprudência. Coimbra, Universidade de Coimbra, 1983. p. 315. 239

“Art. 2º. São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” 240

Alguns doutrinadores sustentam que a força normativa de algumas decisões do STF, com eficácia vinculante violaria a Tripartição dos Poderes, prevista na Constituição Federal. É o caso de Hugo Nigro Mazzili que afirma: “[...] não tem o Supremo Tribunal Federal legitimidade que lhe permita, em

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Deve ser ressaltado que a súmula vinculante cria uma decisão normativa que, ante a obrigatoriedade nos demais julgamentos, se apresenta erga omnes. Isto, em bom português, quer dizer o seguinte: a decisão dos Tribunais Superiores de efeito vinculante se torna lei, transformando o Poder Judiciário em Poder Legislativo, sem que lhe tenha sido outorgado pelo povo, esse mandato. No caso do Supremo, a situação se agrava ainda mais, uma vez que o efeito normativo terá características não de uma lei ordinária, mas de preceito constitucional.242

Referido posicionamento, contudo, deve ser analisado com certo

temperamento.

A súmula, em regra, é resultado de interpretação de uma situação

concreta, à luz de um ou de diversos dispositivos legais pré-existentes, estes sim,

elaborados pelo Poder Legislativo.

Dessa maneira, ainda que a súmula possa “inovar em matéria jurídica,

estabelecendo normas que não se contêm estritamente na lei”, como sustenta

Miguel Reale Junior, elas “resultam de uma construção obtida graças a conexão de

diversos dispositivos, até então considerados separadamente ou, ao contrário,

mediante a separação de preceitos por largo tempo unidos entre si”243.

nosso sistema, dizer a lei de forma geral e abstrata, pois a tarefa de legislar numa verdadeira democracia é exercida diretamente pelo povo ou seus representantes. Como regra, o poder dos tribunais, até do mais alto deles, consiste em dizer o direito nos casos concretos, em face dos conflitos surgidos; não em dizê-lo em abstrato, e muito menos com força vinculante, capaz de subordinar outros juízes e impor-lhe sua visão sobre qual seria a única maneira certa de aplicar uma lei – o que equivaleria a instituir a ditadura dos Juízes. Ademais, a se acolherem tais soluções vinculantes, ainda deixariam os tribunais, e especialmente o Supremo Tribunal Federal, de receber a saudável influência de decisões mais progressistas, que vêm das bases do Poder Judiciário, as quais estão em contato mais direto com a realidade do país”. (A reforma da magistratura. Revista do Advogado. São Paulo, AASP, n. 56, 1999. p. 56). No mesmo sentido, Evandro Lins e Silva, para quem: “[...] absoluta a inviabilidade de se introduzir o instituto do precedente absolutamente vinculado nos sistemas jurídicos da família romano-germânica. Nestes, como sabido, a fonte primária do direito é sempre a lei, isto é, norma geral e abstrata emanada do Poder competente, o qual, no regime democrático, é o próprio povo diretamente, ou os seus representantes legitimamente eleitos que formam o órgão estatal legislativo. Os juízes não têm legitimidade democrática para criar o direito, porque o povo não lhes delegou esse poder. A sua função precípua, na organização estatal, é a de funcionar como árbitros supremos dos conflitos de interesse na aplicação da lei”. (O efeito vinculante e o mito da efetividade. Justiça e Democracia - Juízes para a democracia. São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 2, 1997. p. 44). 241

MACHADO, Rubens Approbato. A reforma do Poder Judiciário. Revista do Advogado. São Paulo, AASP, n. 56, 1999. p. 98. 242

MACHADO, Rubens Approbato. A reforma do Poder Judiciário. Revista do Advogado. São Paulo, AASP, n. 56, 1999. p. 98. 243

“A jurisprudência, muitas vezes, inova em matéria jurídica, estabelecendo normas que não se contêm estritamente na lei, mas resultam de uma construção obtida graças a conexão de diversos

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As súmulas, nessa concepção, sempre decorreriam da “interpretação” de

um texto normativo isolado ou de vários conjugados, uma vez que não se confere ao

Judiciário o poder de inovar completamente (ou seja: partindo do nada), como se

legislador fosse.

De fato, a experiência mostra que o juiz e o legislador têm formas e modos de atuação muito diversos. O juiz não se sente à vontade em criar o Direito, ele busca (ou deveria buscar) sempre decidir de acordo com aqueles princípios estabelecidos na lei, maturados pela jurisprudência e amplamente estudados pela doutrina. Não tem o juiz, habitualmente, disposição para inovar completamente, fugir daquilo que se escreve nos livros e daquilo que é decidido pelos colegas. Ao contrário, há sempre um movimento natural de uniformização de jurisprudência, assim como tendem a se aproximar os ensinamentos da doutrina das decisões judiciais.244

Teresa Arruda Alvim Wambier, citando Mauro Cappelletti, manifesta o

mesmo entendimento:

Cappelletti, como é sabido, sustenta que os juízes decidem usando certo grau de criatividade, mas afirma, com a clareza que lhe é habitual e própria, que os juízes não criam a lei. Quando se diz que são law markers, está-se, rigorosamente, querendo dizer que eles criam direito, e não que criam leis, já que sua atividade é substancialmente diversa do Poder Legislativo.245

E, também, Riccardo Guastini246:

Antes de tudo, pode-se indubitavelmente admitir que a interpretação é, num certo sentido, produção de normas. Apesar disso, outra coisa é ‘produzir uma norma’ no sentido de interpretar – isto é, decidir o significado de – um texto normativo preexistente; outro é ‘produzir uma norma’ no sentido de formular um texto normativo ex novo. Talvez não haja uma diferença nítida, mas decerto há uma diferença de grau. Ambas as coisas comportam um certo grau de discricionariedade política, é verdade. Mas, para sermos exatos, trata-se de dois graus distintos de discricionariedade. O legislador não está vinculado por textos preexistentes, o juiz sim. É ainda verdade que os textos legislativos jamais possuem um significado unívoco, que se presta a diversas e conflitantes interpretações, de

dispositivos, até então considerados separadamente ou, ao contrário, mediante a separação de preceitos por largo tempo unidos entre si”. REALE JUNIOR, Miguel. Lições preliminares de direito. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 168. 244

JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, ano 94, v. 838, agosto 2005. p. 59. 245

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recurso de estrito direito e ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 102. 246

GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini, Apresentação: Heleno Taveira Tôrres. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 221-222.

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sorte a constituírem para o juiz, um vínculo – ao contrário – débil. Mas mesmo um vínculo débil é sempre um vínculo, um limite: é, de fato, impossível para o juiz atribuir a um texto – literalmente – ‘qualquer’ significado a seu gosto. A atividade legislativa está livre de vínculos desse tipo.

Voltemos a analisar a Súmula vinculante n. 12.

A Constituição Federal, no art. 206, inc. IV, prevê o princípio da

gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. Esta súmula,

interpretando justamente o dispositivo citado, dispôs sobre a impossibilidade de

cobrança de taxa de matrícula, à luz da Constituição Federal.

Ainda que ambas determinações sejam normas jurídicas, gerais e

abstratas, é certo que o dispositivo constitucional trata de absoluta “inovação”,

enquanto a súmula manifesta a “interpretação” da lei, diante de uma situação

específica (cobrança de matrícula). Em determinados casos, a interpretação, como

sustentado antes, pressupõe “criação” 247 , que não pode ser confundida com

“inovação” (esta, sim, restrita ao Poder Legislativo)248.

Em contrapartida, acertadamente, o argumento de que o Poder Judiciário

não poderia editar normas gerais e abstratas, com eficácia normativa, é amplamente

repudiado por parte da doutrina.

O modelo rígido da tripartição de poderes proposto por Montesquieu249 há

tempo já foi adaptado. Hans Kelsen250, por exemplo, sustentou que as funções

legislativa, administrativa e jurisdicional não seriam substancialmente diferenciáveis.

247

Assim como o Tribunal decidiu pela violação à Constituição Federal, poderia ter entendido de forma diametralmente oposta, ou seja, pela possibilidade de cobrança de taxa de diploma. Ainda assim permaneceríamos diante de norma geral, abstrata e vinculante. Não tem como negar, portanto, que na interpretação de dispositivos legais para a edição de súmula há criação. 248

“Certamente, do ponto de vista substancial, tanto o judiciário como o legislativo resultam em criação do direito, ambos são ‘law-making-processes’. Mas diverso é o modo, ou se prefere o procedimento ou estrutura desses dois procedimentos de formação do direito, e cuida-se de diferença que merece ser sublinhada para se evitar confusões e equívocos perigosos. O bom juiz pode ser criativo, dinâmico e ativista e como tal manifestar-se; no entanto, apenas o juiz ruim agiria com as formas e as modalidades do legislador, pois, a meu entender, se assim agisse simplesmente deixaria de ser juiz”. CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? p. 21. 249

“A liberdade política, num cidadão, é esta tranquilidade de espírito que provém da opinião que cada um possui de sua segurança; e para que se tenha essa liberdade, cumpre que o governo seja de tal modo que um cidadão não possa temer outro cidadão. Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo da magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe

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De acordo com José Afonso da Silva251, os poderes Executivo, Legislativo

e Judiciário são, sim, independentes, mas, ao mesmo tempo, harmônicos.

Há interferências (entre os Poderes), que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados.

Sobre o tema, também disserta Daniel Giotti de Paula252:

Na verdade, do início do século XX até hoje, um complexo cenário de transformação se processou no direito e na política: 1) vive-se sob a égide de uma crise de representação parlamentar; 2) fruto, parcialmente, do abandono de uma visão mítica de que a sociedade é homogênea; 3) passou-se de um Estado de Direito para um Estado Democrático de Direito; 4) o que, em consequência, implicou o abandono da subsunção como único método de resolução de impasses sobre a interpretação e aplicação do direito; 5) instaurou-se um quadro em que agências e agentes dentro do ramo governamental, mas com alguma independência, são aqueles que realmente decidem questões técnicas da sociedade, mudança que se dá em um quadro de desformalização do direito; 6) consolidou-se, ainda, o presidencialismo de coalizão, em que às minoria sobra pouco espaço para participar da construção da agenda parlamentar. E esses ingredientes explicam, cada qual com a sua intensidade, o porquê de o Judiciário muitas vezes invadir a esfera própria de

liberdade, pois haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo, e do poder executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria o legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos”. MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1962. v. 10. p. 181. 250

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Coimbra: Armenio Amado, 1964. 251

AFONSO DA SILVA, José. Curso de direito constitucional positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 111. No mesmo sentido, acena Rodolfo de Camargo Mancuso: “Justamente porque dentre nós a tripartição dos Poderes não opera, como visto, como dogma intransponível, verifica-se que, por vezes, a atuação do Poder Judiciário acaba por projetar reflexos nas searas dos demais Poderes da República. Assim se dá em face do Legislativo, quando uma lei é declarada inconstitucional, e é oficiado o Senado para que promova a supressão do texto indigitado (CF, arts. 102, I, a e 52, X); ou em face do Executivo, quando é acolhida uma ação direta interventiva (CF, art. 34, VII, c/c art. 36, III); ou mesmo quando a Justiça Eleitoral declara inelegível um governante (Lei 4.737/65, art. 22, I, j); enfim, quando se ordena a inclusão de precatório judicial na ordem cronológica de pagamentos (CF, art. 100). Ocorrências como essas, numa leitura mais apressada, podem induzir a impressão de que o Judiciário configura um suprapoder, mas, a rigor, cuida-se de aplicação do sistema de pesos e contrapesos, que busca prevenir a exacerbação de um Poder em face dos demais. E, depois, não poderia ser diferente, porque a lei obriga a todos, indistintamente, mas é o Judiciário o seu intérprete e aplicador em caráter de definitividade”. (Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, p. 104). 252

PAULA, Daniel Giotti de. Ainda existe separação de poderes? A invasão da política pelo direito no contexto do ativismo judicial e da judicialização da Política. As novas faces do ativismo judicial. Salvador: JusPodvim, 2011. p. 307.

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competência de outros poderes constituídos e, ainda, o porquê de as minorias político-partidárias ou da sociedade civil se dirigirem aos tribunais, após perder a arena política.

Assim, ainda que os tribunais possam editar normas jurídicas gerais e

abstratas, como é o caso da súmula, não se pode afirmar que sua liberdade e poder

são idênticos aos que tem o legislador no momento de editar as leis, que, por sua

vez, também são normas gerais e abstratas.

Nesse sentido, há muito já revelava Mauro Cappelletti253:

O bom juiz pode ser criativo, dinâmico e ativista e como tal manifestar-se; no entanto, apenas o juiz ruim agiria com as formas e as modalidades do legislador, pois, a meu entender, se assim agisse simplesmente deixaria de ser juiz.

A edição de normas gerais e abstratas pelo Poder Judiciário, por outro

lado, não significa a violação do princípio constitucional da tripartição dos poderes,

que hoje é visto como forma mais flexível do que tempos atrás.

2.5 EFEITO VINCULANTE DAS DECISÕES DO PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL

Não é de hoje que o sistema jurídico brasileiro dá especial relevância a

julgamentos uniformes, assentados pelos tribunais254. Há casos em que a própria

Constituição Federal ou lei ordinária confere a estes julgamentos força normativa,

com eficácia vinculante.

As decisões proferidas pelo STF em ação direta de inconstitucionalidade

de lei ou ato normativo e nas ações declaratórias de constitucionalidade (art. 102,

253

CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? p. 21. 254

“Nenhum operador de direito, de época contemporânea, negaria a utilidade e a eficiência dos precedentes judiciais acerca das várias teses que devem sustentar na defesa de um caso ou para fundamentar uma decisão; qualquer acadêmico sabe da importância do conhecimento da jurisprudência como um dos mais poderosos instrumentos de persuasão. [...] Diante da desmedida pletora de recursos que abarrotam as nossas cortes de justiça, a experiência tem demonstrado que os acórdãos, via de regra, são fundamentados na jurisprudência, em particular dos tribunais superiores, fator esse que aumenta em muito a previsibilidade do resultado do processo”. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte de direito, p. 258.

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inc. I, “a”, da CF) são exemplos disso. As súmulas vinculantes previstas no art. 103-

A da Constituição Federal também.

Com previsão em lei ordinária, pode-se citar como exemplo a Lei n.

9.882/1999, que trata do processo e julgamento da arguição de descumprimento de

preceito fundamental. De acordo com o §3º do art. 11 da citada lei, a decisão aí

proferida “terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais

órgãos do Poder Público [Grifo nosso]”.

Conforme sustentado na seção 2.2.2, mesmo sem expressa previsão

legal, poder-se-ia conferir eficácia “vinculante” (ainda que em menor grau), por

exemplo, às súmulas persuasivas do STF e do STJ, que devem ser observadas por

todas as instâncias do Poder Judiciário.

Em um país que adota o sistema de civil law, como o Brasil, a lei “vincula”

diretamente o Poder Judiciário, a administração pública e também os

jurisdicionados. A súmula vinculante, por seu turno, nos termos do art. 103-A da

Constituição Federal, vincula diretamente apenas os dois primeiros poderes

republicanos. As súmulas persuasivas, ante a ausência de previsão legal, vincularia

(pela lógica do sistema) diretamente apenas o Poder Judiciário.

Ocorre que indiretamente as súmulas (vinculantes e persuasivas)

vinculariam a todos. Isso porque, um caso concreto levado ao Poder Judiciário em

que se verifica a violação de uma súmula terá como consequência uma decisão

judicial que aplicará o enunciado. As partes envolvidas no caso terão de se

submeter à decisão e, portanto, à própria súmula. Assim, ainda que indiretamente, a

súmula vinculará, também, os jurisdicionados255.

255

“Em relação à súmula, o efeito vinculante desdobra-se em vinculações diretas e indiretas. A vinculação direta é aquela que submete o Poder Judiciário e a Administração Pública, tendo a nota característica do cabimento da reclamação perante o Supremo Tribunal Federal (art. 103-A, §3º, CF/88). A vinculação indireta é genérica, abrangendo tanto o Poder Legislativo, como os próprios particulares. Esta vinculação indireta não dá lugar à reclamação (que, na redação do art. 103-A, §3º, só é interponível contra os atos administrativos e jurisdicionais). No entanto, por ser uma interpretação máxima da Constituição Federal e por dever ser aplicada (sob pena de reclamação) pelos tribunais, gera uma vinculação típica de uma norma jurídica geral e abstrata (haja vista que a súmula vinculante é norma jurídica geral e abstrata)”. JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, ano 94, v. 838, agosto 2005. p. 47.

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Conforme explicitado por Rodolfo de Camargo Mancuso256:

[...] a norma emanada do ambiente parlamentar, é direcionada aos cidadãos e pessoas jurídicas de direito público e privado; a súmula, proveniente do ambiente judiciário, é dirigida aos órgãos judiciais e à Administração Pública, mas, através desta e daqueles acaba alcançando, reflexamente, os jurisdicionados e, de modo geral, os que tratam com o serviço público. Os clientes do Judiciário, eventuais ou habituais, ou seja, os jurisdicionados efetivos ou virtuais, provêm todos da sociedade civil, como pessoas físicas ou jurídicas, e assim, quer integrem ou não um processo judicial, sujeitam-se ao raio de incidência das súmulas vinculantes, na medida em que estas projetam, além dos efeitos endoprocessuais, também efeitos panprocessuais (em face dos processos análogos) e ainda reflexos ao interno da coletividade, como antes assinalado. Logo, é só por uma redução de complexidade (intencional ou não) que o art. 103-A da CF diz que as súmulas vinculam o Judiciário e a Administração Pública; o constituinte revisor dixit minus quam voluit, porque na verdade, por extensão, as pessoas físicas e jurídicas integrantes da coletividade também são alcançadas pela irradiação dos efeitos do direito sumular vinculativo.

Em suma, as súmulas vinculam diretamente apenas o Poder Judiciário e,

em alguns casos, a administração pública, mas indiretamente vinculam a todos,

aproximando-se, em mais um aspecto, da lei.

2.6 RECLAMAÇÃO

2.6.1 Cabimento

256

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, p. 356-357. No mesmo sentido, tratando especificamente das súmulas vinculantes, sustenta o autor: “Com efeito, a eficácia expandida da súmula vinculante do STF enseja que o paradigma jurídico nacional, regulador das condutas comissivas e omissivas atuais e futuras, passa a ser não apenas a norma legal, mas também os enunciados dessa súmula obrigatória. Vale notar que essa eficácia expandida não opera apenas no plano dos conflitos judicializados, mas impende reconhecer que as súmulas vinculantes projetam um efeito preventivo geral ao interno da coletividade, já que, por intermédio dos operadores do Direito, os entendimentos assentados chegam ao conhecimento dos jurisdicionados – pessoas físicas e jurídicas – assim influenciando ou até condicionando os seus comportamentos”. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 5. ed. p. 376.

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A reclamação é instituto previsto na Constituição Federal e sua finalidade

é preservar a competência e a garantia da autoridade das decisões do STF (art. 102,

inc. I, “l” ) e do STJ (art. 105, inc. I, “f”)257.

A Emenda Constitucional n. 45/2004 ampliou o cabimento da reclamação

para a hipótese de violação de súmula vinculante. Assim, contra ato administrativo

ou decisão judicial “que contrariar súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar,

caberá reclamação”258.

É importante ressaltar que em nenhuma das hipóteses a reclamação

pode substituir o recurso eventualmente cabível em face da decisão proferida. Da

mesma forma, o instituto não visa à análise de eventual erro no julgamento, mas

apenas identifica se o ato administrativo ou decisão judicial está de acordo com os

limites impostos pelos tribunais superiores.

Conforme afirma Cassio Scarpinella Bueno259, a reclamação é medida

mais relevante e usual para a garantia de decisões com “eficácia vinculante”, como é

o caso das súmulas vinculantes, ações declaratórias de constitucionalidade e ações

diretas de inconstitucionalidade, apesar de não haver previsão expressa do

cabimento do instituto para estas últimas.

Especialmente com relação às súmulas, o entendimento praticamente

unânime que impera na doutrina é o de que apenas a violação de súmulas

“vinculantes” autoriza a utilização da reclamação 260 em razão, justamente, da

eficácia vinculante das suas decisões.

257

Anteriormente à Constituição Federal, o instituto da Reclamação já se encontrava previsto no RISTF, tendo sido, contudo, criação jurisprudencial. 258

Art. 103-A, §3º, da Constituição Federal. 259

“A medida, a olhos vistos, torna-se tanto mais relevante e usual na medida em que existam efeitos vinculantes em determinadas decisões do Supremo Tribunal Federal. É o que expressamente prevê o art. 7º da lei 11.417/2006 para as súmulas vinculantes e, não obstante o silêncio da lei nº 9.868/1999, é o que deve verificar-se com as decisões proferidas por aquele Tribunal em sede de ações diretas de inconstitucionalidade e de ações declaratórias de constitucionalidade (art. 102, § 2º, da Constituição Federal), como, dentre tantos outros julgamentos, reconheceu o Pleno daquele Tribunal na Rcl. 2.600/SE, rel. Min. Cezar Peluso, j. un. 14.09.2006, DJe 3.8.2007”. BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil, 6. ed. p. 410. 260

“Apenas o descumprimento de súmula vinculante é que enseja a utilização de reclamação. As demais súmulas não são de observância compulsória pelos demais órgãos do Poder Judiciário, segundo tem decidido o STF”. ALVIM, Eduardo Arruda. Do cabimento de reclamação pelo descumprimento de súmula vinculante à luz da Lei nº 11417/2006. Revista Forense. Rio de Janeiro,

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Há, todavia, tanto na doutrina como na jurisprudência, incipiente

tendência de flexibilização desse entendimento, ampliando o cabimento da

reclamação para hipóteses sem expressa previsão do efeito vinculante, conforme

reconhecido por Cassio Scarpinella Bueno261:

Admitindo-se que todas as decisões do Supremo Tribunal Federal tendem a ter um quê de objetivação, devendo ser observadas, como tais, por todos os demais órgãos jurisdicionais, independentemente da expressa previsão do efeito vinculante, é coerente sustentar que cabe reclamação para contrastar decisão jurisdicional que se mostra desafinada ao entendimento daquele Tribunal, mesmo que a colidência se dê mais com a tese fixada por aquele Tribunal do que, propriamente, com o caso singular, tal qual julgado.

No mesmo sentido aponta Fredie Didier Junior262:

Tudo isso nos leva a admitir a ampliação do cabimento da reclamação constitucional, para abranger casos de desobediência de decisões tomadas pelo Pleno do STF em controle difuso de constitucionalidade, independentemente de enunciado sumular de eficácia vinculante [Grifo do autor].

Nos tribunais, essa polêmica teve início com o voto proferido pelo Ministro

Gilmar Mendes, ao dar provimento à Reclamação n. 4.335/AC. Referida reclamação

foi ajuizada em face da decisão de um juiz que não teria observado decisão do STF

proferida em sede de “controle difuso de constitucionalidade” (HC 82.959/SP),

declarando inconstitucional a proibição de progressão de regime instituída pela lei

dos crimes hediondos. O entendimento do Ministro Gilmar Mendes foi acompanhado

pelo Ministro Eros Grau263.

Forense, ano 103, v. 394, novembro-dezembro 2007. p. 56-57. No mesmo sentido, João Miguel Coelho dos Anjos: “A propositura de reclamação fundada em descumprimento de súmula vinculante somente será possível diante da sua aprovação por dois terços dos membros do STF, com a devida publicação na imprensa oficial, pois só a partir daí ela terá efeito vinculante”. (Reclamação constitucional. Processo nos Tribunais Superiores de acordo com a Emenda Constitucional nº 45/2004. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 57). 261

BUENO Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 6. ed. v. 5, p. 411. 262

DIDIER JUNIOR, Fredie. Transformações do recurso extraordinário. In: FUX, Luiz; NERY JNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 10. p. 112. Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero compartilham o mesmo entendimento (Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008. p. 449-450). 263

O Ministro Sepúlveda Pertence assentiu a improcedência da reclamação. O veredicto dos Ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski foi o não conhecimento do instituto, este último magistrado, contudo, manifestou-se pelo cabimento de concessão de habeas corpus de ofício. Atualmente, o caso permanece pendente de julgamento.

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A situação fática apontada serve para demonstrar a preocupação – cada

vez maior – no que diz respeito à obrigação de os órgãos do Poder Judiciário

observarem e seguirem as decisões proferidas pelas cortes superiores (no caso

específico, do STF), ainda que não sejam dotadas expressamente de eficácia

vinculante264.

A análise aprofundada do entendimento até então esboçado pelo STF

foge ao escopo deste trabalho, mas não há como deixar passar despercebida uma

preocupação que se tem com relação a ele.

Há na Constituição Federal dispositivo que outorga ao Senado a

possibilidade de suspender a executoriedade da lei julgada inconstitucional em

controle difuso (art. 52, inc. X), não cabendo tal função, portanto, ao STF. Trata-se

do principal argumento contrário à chamada “objetivação dos efeitos da decisão do

Supremo Tribunal Federal”, no controle concreto de constitucionalidade 265 , na

medida em que entender o contrário é negar a Constituição.

Especificamente com relação à violação do art. 52 da Constituição

Federal, o Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, sustentou tratar-se de “mutação

constitucional”, sendo forma de corrigir a disparidade do texto constitucional e a

realidade social. Difícil concordar com esse argumento, conquanto se vislumbra,

aqui, a “imposição” de um novo texto constitucional, em absoluto desencontro com

aquilo que hoje é efetivamente previsto.

264

No mesmo sentido, vale mencionar o entendimento do Ministro Relator Joaquim Barbosa, nos autos da Reclamação n. 2.280/RJ, em que também se verifica a tendência de ampliação do cabimento da reclamação. No caso, alegou-se que o Superior Tribunal de Justiça teria desrespeitado decisão da Corte Suprema exarada em caso concreto (RE 153.371/RJ). A Turma entendeu, por unanimidade, cabível a reclamação no STF ao argumento central de que compete ao Tribunal zelar pela máxima efetividade de suas decisões. Também, no STJ, verifica-se a ampliação do cabimento da reclamação para os casos em que decisões dos Juizados Especiais são proferidas sem observância das decisões emanadas pela Corte. Trata-se de decisão proferida pelo STF, no EDcl no RE 571.572/BA, que tem como relatora a Ministra Ellen Gracie. De acordo com referido julgamento, “[...] até que seja criado o órgão que possa estender e fazer prevalecer a aplicação da jurisprudência do STJ, em razão de sua função constitucional, da segurança jurídica e da devida prestação jurisdicional, a lógica da organização do sistema judiciário nacional recomenda seja dada à reclamação prevista no art. 105, I, f da CF, amplitude suficiente à solução do problema”. 265

A doutrina aponta outros argumentos contrários a tal objetivação dos efeitos da decisão como: (i) a manifestação sobre a inconstitucionalidade da lei em controle difuso de constitucionalidade é apenas da parte recorrente que, certamente, não representa a sociedade. Não há a amplitude da legitimação ativa, como ocorre no controle concentrado e também não há a participação do amicus curiae; (ii) a declaração da inconstitucionalidade de lei se dá mediante a resolução de uma medida prejudicial, com vistas a solucionar um caso específico.

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A objetivação dos efeitos da decisão do STF no controle concentrado de

constitucionalidade, portanto, carece de autorização legislativa. Aliás, ao contrário

disso, há previsão constitucional específica acerca do assunto e ela não pode ser

ignorada pelos ministros.

Excluído tal fato, entretanto, a teoria se mostra sedutora e eficaz. A

propósito, a função do STF é a guarda da Constituição Federal, se o órgão máximo

do Poder Judiciário, ao exercer a sua função em controle difuso ou concentrado,

manifesta-se pela inconstitucionalidade de uma lei, nada mais adequado do que

vincular esta inconstitucionalidade a todos os demais casos que tenham como

fundamento a mesma legislação. Ademais, não é coerente que uma lei seja

inconstitucional para um caso e não o seja para outro. Ou a lei é constitucional ou é

inconstitucional.

Transpondo a mesma polêmica para as súmulas, surge o seguinte

questionamento: é possível o ajuizamento de reclamação por violação de súmula

vinculante e persuasiva?

A resposta é que não se vê nenhuma barreira legal – como acontece com

o controle difuso de constitucionalidade, com o art. 52 da Constituição Federal –

para que a violação das súmulas consideradas persuasivas possam ser objeto de

reclamação, tal qual as súmulas vinculantes. E a inexistência de previsão legal

expressa para tanto não deveria ser empecilho.

Explica-se. Por todas as razões aqui apresentadas, o entendimento

aponta no sentido de que as súmulas persuasivas poderiam (ou mesmo deveriam)

ter efeito vinculante, mesmo “em menor grau” do que as súmulas com previsão

constitucional. Assim, ainda que referida eficácia não conste expressamente em

nenhum dispositivo legal, a interpretação harmônica, lógica e coerente do nosso

sistema jurídico permite essa conclusão.

Na medida em que a própria Constituição Federal prevê como hipótese

de cabimento de reclamação preservação da “autoridade de suas decisões” (tanto

no STF como no STJ, por força dos artigos 102 e 105 da Constituição Federal,

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118

respectivamente), nada mais pertinente do que o seu cabimento para garantir a

aplicação adequada e a eficácia das súmulas.

Nas palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier266:

A reclamação está entre os feitos de competência originária do STF e tem como objetivo preservar a competência desse tribunal e garantir a autoridade de suas decisões. Segundo o dispositivo ora comentado, a reclamação para o STF terá também a função de corrigir decisões que desrespeitem as súmulas desse tribunal, o que, de certo modo, já poderia dizer estar incluído em desrespeitar suas decisões, já que uma súmula consiste exatamente na cristalização de uma posição reiteradamente assumida em decisões isoladas.

Mesmo que não se admita o efeito vinculante das súmulas persuasivas,

ainda assim é possível o ajuizamento de reclamação contra decisão judicial (e,

jamais, ato administrativo) que as violar. Isso porque, se as súmulas representam a

solidificação das decisões dos tribunais e, por outro lado, a reclamação deve ser

utilizada justamente para preservar a autoridade das decisões do STF e do STJ,

nada mais lógico que, diante de violação de súmula, seja possível utilizar a

reclamação.

2.6.2 Natureza jurídica

A natureza jurídica do instituto da reclamação é assunto polêmico na

doutrina. O Ministro Celso de Melo, ao relatar a Reclamação de n. 336, expôs, ainda

que de forma sucinta, os diversos posicionamentos existentes em torno do assunto.

É o que se observa na transcrição do seguinte excerto:

A reclamação, qualquer que seja a qualificação que lhe de – ação (Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo V/384, Forense), recurso ou sucedâneo recursal (Moacyr Amaral Santos, RTJ 56/546-548; Alcides de Mendonça Lima, 1º Poder Judiciário e a nova Constituição, p. 80, 1989, Aide), remédio incomum (Orosimbo Nonato, apud Cordeiro de Melo, O processo no Supremo Tribunal Federal, volume 1/280), incidente processual (Moniz de Aragão, A correição parcial, pág. 110, 1969), medida de

266

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 234-235.

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119

direito processual constitucional (José Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. 3º, 2ª parte, pág. 199, item 653, 9ª edição, pág. 987, Saraiva) ou medida processual de caráter excepcional (Ministro Djaci Falcão, RTJ 112/518-522) – configura-se modernamente, instrumento de extração constitucional, inobstante a origem pretoriana de sua criação (RTJ 112/504), destinado a viabilizar, na concretização de sua dupla função de ordem político-jurídica, a preservação da competência e a garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, l) e do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, f).267

A propósito, afirma-se que a reclamação recurso não é268, isto porque,

conforme previsão legal, visa apenas observar se determinada decisão está de

acordo com os limites impostos pelas cortes superiores. Não tem como objetivo,

portanto, o eventual acerto da decisão proferida no caso concreto. Tanto é assim

que o § 3º do art. 7º da Lei n. 11.417/2006 dispõe que a medida “cassará a decisão

judicial impugnada, determinando que outra seja proferida em seu lugar”. Não se

verifica, como ocorre nos recursos, a possibilidade de reforma ou anulação da

decisão, mas sim a sua “cassação”. Além disso, os tipos de recurso estão

especificados taxativamente na lei, e a reclamação não é um deles.

Da mesma forma, por se tratar de medida jurisdicional e não medida

administrativa, também não há como concordar com o entendimento de que a

reclamação se equipara à “correição parcial” 269 . A hipótese de “incidente

processual”270 também merece ser afastada porque a sua utilização não necessita

267

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação n. 336. Pleno, Relator Min. Celso de Mello. Brasília, DF. Julgamento 19.12.1990. Publicação 15.03.1991. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/752273/reclamacao-rcl-336-df>. Acesso em: 26 out. 2013. 268

A esse respeito, vale conferir a seguinte doutrina de Candido Rangel Dinamarco: “A procedência da reclamação contra ato judicial importa negação do poder do órgão inferior para realizá-lo – poder que ele não tem porque a competência é do STF ou STJ, ou porque a matéria já fora superiormente decidida por um destes. Daí a confirmação de que as reclamações previstas constitucionalmente, sendo embora um energético remédio processual à disposição do sujeito interessado, recursos não são. Não há recurso sem substituição do ato recorrido e, ao mesmo tempo, sem devolução do processo para que outro seja proferido na instância de origem”. (Rangel. A reclamação no processo civil brasileiro. Revista Forense. Rio de Janeiro, Forense, ano 99, v. 366, março-abril 2003. p. 10). 269

No entendimento de José Miguel Garcia Medina, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier: “Parece-nos evidente que a natureza desta medida é jurisdicional, não administrativa ou correicional. Trata-se de expediente de que se podem valer as partes para provocar alteração de decisão judicial: logo, sua natureza não pode ser meramente correicional. Ademais, a decisão, na reclamação, fica acobertada pelos efeitos da coisa julgada, sendo, portanto, rescindível”. (Repercussão geral e súmula vinculante – Relevantes novidades trazidas pela emenda constitucional 45/2004. A Reforma do Poder Judiciário. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 446). 270

De acordo com Leonardo Morato, a reclamação é “[...] questão autônoma, independente, prescindível de outro processo, a reclamação constitui um novo processo, uma nova questão dita principal, a ser decidida, que é lógica e cronologicamente posterior à decisão que deu ensejo à

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de existência anterior de processo judicial, ou seja, trata-se de medida autônoma a

qualquer processo.

Portanto, com lastro na maioria da doutrina, afirma-se que a natureza

jurídica da reclamação é de ação271, com todas as consequências advindas deste

posicionamento como, por exemplo, a autoridade de coisa julgada material das

decisões272 e, também, que somente pode ser disciplinada por lei federal273.

Assim, apresentada a reclamação, os tribunais superiores deverão limitar-

se a observar (i) se a aplicação da súmula foi equivocada (por exemplo, sem

observância de aspectos temporais ou, também, se foi aplicada a caso não

alcançado pelo enunciado), ou, ainda, (ii) se houve a inobservância da súmula em

hipótese em que deveria ter sido aplicada. Não será feita, portanto, a análise dos

fatos do caso concreto. É, inclusive, por esse motivo que a reclamação não obsta a

interposição de recurso cabível à espécie274.

Por fim, é importante mencionar que, de acordo com a Súmula n. 734 do

STF: “não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial

que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”, comando

este bem adequado na medida em que somente a ação rescisória tem o condão de

desconstituir coisa julgada material.

decisão reclamada”. (Reclamação e a sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo: RT, 2007. p. 100). 271

Nesse sentido apontam: BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 6. ed. p. 409; MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: RT, 2007. p. 279; PACHECO, José da Silva. A reclamação no STF e no STJ, de acordo com a nova Constituição. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, n. 646, 1989. p. 30; MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. p. 110. 272

“A decisão final, se de mérito, transita em julgado e, em tese, é rescindível, desde que se configure uma das hipóteses encartáveis no art. 485 do CPC”. MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Repercussão geral e súmula vinculante – Relevantes novidades trazidas pela emenda constitucional 45/2004. A Reforma do Poder Judiciário, p. 447. 273

Constitui matéria de processo, com competência legislativa exclusiva da União, nos termos do art. 22, inc. I, da Constituição Federal. 274

Conforme § 1º do art. 7º da Lei n.11.417/2006.

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2.7 COMMON LAW

2.7.1 Precedentes vinculantes no Brasil: uma aproximação do common law?

Há algum tempo o sistema jurídico brasileiro tem dado especial relevância

a julgamentos uniformes. Nesse sentido, têm-se como exemplos o julgamento

liminar de improcedência (art. 285-A do CPC), o julgamento de recursos repetitivos

(arts. 543-B e 543-C do CPC), a negativa de seguimento – monocraticamente – de

recurso em confronto com súmula ou jurisprudência dominante (art. 557 do CPC), a

criação das súmulas vinculantes (art. 103-A da Constituição Federal), entre outros.

Na competente análise de Teresa Arruda Alvim Wambier275:

O sistema jurídico-processual, nestas alterações recentes que estão sendo aqui comentadas, manifesta evidente e louvável preferência pelos entendimentos sumulados ou, até mesmo, adotados por jurisprudência dominante (v. por exemplo, art. 103-A, CF, e arts. 120, parágrafo único, art. 518, §1º, do CPC, na redação da Lei 11.276/2006, e art. 557, CPC). Naturalmente, busca-se, com isso, a confluência dos entendimentos jurisprudenciais para um só, que seja considerado ‘ótimo’, isto é, o melhor, ou o mais aprimorado, dentre os vários modos de solucionar um problema jurídico [...].

Portanto, a cada dia, observa-se uma maior preocupação com o respeito

aos precedentes 276 . Assim, não obstante o sistema de civil law adotado, para

alcançar objetivos como, por exemplo, segurança jurídica, respeito aos princípios de

igualdade e isonomia277, valorizam-se os precedentes.

275

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 172, junho 2009. p. 137. 276

De acordo com a obra de Antônio Castanheira Neves, o precedente é uma decisão judicial (jurisdicional) que se impõe como padrão normativo para deslinde de decisões análogas. (O instituto dos assentos e a função jurídica dos Supremos Tribunais. Coimbra; Coimbra Editora, 1983. n. 1. p. 2). 277

“O princípio da isonomia significa, grosso modo, que todos são iguais perante a lei, logo, a lei deve a todos tratar de modo uniforme e assim também (sob pena de esvaziar-se o princípio) devem fazer os tribunais, respeitando o entendimento tido por correto e decidindo de forma idêntica casos iguais, num mesmo momento histórico. De nada adiantaria um princípio constitucional, cujo destinatário é o legislador, se o Judiciário não tivesse de seguir a mesma orientação. O princípio da isonomia recomenda que não se decida diferentemente, em face de casos iguais. Só assim será proporcionada

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Diante dessa assertiva, é possível afirmar que está havendo uma

aproximação do nosso sistema com o sistema de common law?

A busca pela previsibilidade e a segurança jurídica que devem ser

fornecidas aos jurisdicionados são aspectos comuns aos dois sistemas. A forma com

que se busca esse objetivo comum, contudo, é diferente.

No sistema de civil law, por exemplo, fala-se em precedente vinculante

apenas após reiteradas decisões do tribunal acerca de uma mesma tese jurídica. De

igual maneira, apenas as questões de direito que estejam relacionadas a ações

repetitivas (ou, ao menos, que tenham possibilidade de ser repetitivas) é que

poderão ser objeto de precedente vinculante.

No sistema de common law, todavia, qualquer tese jurídica pode ter

conteúdo de precedente, não havendo necessidade de estar relacionada com a

multiplicidade de ações tratando da mesma matéria de direito. Além disso, para que

o precedente seja aplicado em um caso “novo”, não é necessária a existência de

reiteradas decisões do tribunal acerca do tema. Uma única decisão278, portanto, pela

doutrina do stare decisis, é suficiente para que decisões futuras sejam proferidas

com base nela. Este aspecto difere do sistema brasileiro e neste sentido vale

acompanhar a explicação de Michele Taruffo279:

[...] existe, antes de tudo, uma distinção de caráter – por assim dizer – quantitativo. Quando se fala do precedente se faz normalmente referência a uma decisão relativa a um caso particular, enquanto que quando se fala em jurisprudência se faz normalmente referência a uma pluralidade, frequentemente bastante ampla, de decisões relativas a vários e diversos casos concretos. A diferença não é apenas do tipo semântico. O fato é que nos sistemas que se fundam tradicionalmente e tipicamente sobre o precedente, em regra a decisão que se assume como precedente é uma só; ademais, poucas decisões sucessivas vêm citadas em apoio do precedente. Deste modo, é fácil identificar qual decisão de verdade ‘faz precedente’. Ao contrário, nos sistemas – como o nosso – nos quais

a plena aplicabilidade do princípio da legalidade, funcionando ambos engrenadamente”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Sumula vinculante: figura do common law? Revista de Doutrina TRF4. 31.10. 2011. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao044/teresa_wambier.html>. Acesso em: 23 out. 2013. 278

Desde que proferida por corte com competência recursal nas esferas estadual ou federal. 279

TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Revista de Processo. São Paulo. Revista dos Tribunais, ano 36, v. 199, set. 2011. p. 142.

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se alude à jurisprudência, se faz referência normalmente a muitas decisões: às vezes são dúzias ou até mesmo centenas, ainda que nem todas venham expressamente citadas. Isso implica várias consequências, dentre as quais a dificuldade – frequentemente de difícil superação – de estabelecer qual seja a decisão que verdadeiramente é relevante (se houver uma) ou então de decidir quantas decisões são necessárias para que se possa dizer que existe uma jurisprudência relativa a uma determinada interpretação de uma norma.

As súmulas, como mencionado antes, são enunciados elaborados,

justamente, com base em reiterados julgamentos acerca de uma determinada tese

jurídica. Após alguns (ou inúmeros) julgamentos em um mesmo sentido, o tribunal

extrai a tese jurídica e edita a súmula, que deverá ser observada nos casos futuros.

Outro aspecto que merece destaque e que demonstra diferença entre os

sistemas – em especial entre as súmulas e os precedentes – é a forma de aplicação.

Diante de divergência acerca de uma determinada tese de direito, os tribunais

editam as súmulas, que prescrevem um enunciado literal tal qual a lei, possuindo

conteúdo facilmente identificável. Os precedentes, ao contrário disso, não precisam

de edição de norma para que possam ser aplicáveis e o caso que os originou deve

ser analisado para que o precedente possa ser identificado.

E, como assinala Ronald Dworkin 280 : “[...] a força gravitacional do

precedente não pode ser apreendida por nenhuma teoria que considere que a plena

força do precedente está em sua força de promulgação, enquanto peça de

legislação”.

Nessa medida, as súmulas traduzem soluções específicas para uma

situação determinada (por exemplo: cobrança de taxa de matrícula em

universidades públicas). Os precedentes possuem certa “maleabilidade” normativa,

não havendo a necessidade de absoluta identificação entre os casos.

280

DWORKIN, Ronald. Levando o direito a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 176. No mesmo sentido: “o precedente é uma concreta decisão jurisprudencial, vinculada como tal ao caso historicamente concreto que decidiu – trata-se também aqui de uma estrita decisão jurisdicional – que se toma (ou se impõe – como padrão normativo casuístico em decisões análogas ou para casos de aplicação concretamente analógica)”. NEVES, Castanheira, Antônio. O instituto dos assentos e a função jurídica dos Supremos Tribunais, p. 228.

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Aliás, conforme será analisado com mais vagar na próxima seção, a

identificação do precedente vinculante (binding element) é uma dificuldade nos

países de common law, situação que não ocorre no Brasil, com a súmulas que

exteriorizam, ao menos em tese, de forma clara e objetiva, a “norma jurídica” a ser

seguida, desvinculando-se em certa medida dos casos que as originaram.

Assim, a possibilidade de haver semelhança entre os sistemas common

law e civil law não significa, necessariamente, que um esteja aproximando-se do

outro. Então, não há como sustentar a aproximação dos sistemas Da mesma forma,

a existência de lei escrita (cada vez mais valorizada) nos países de common law não

descaracteriza o sistema.

Fato é que se pode (e até se deve) utilizar as experiências vivenciadas

por sociedades que adotaram o common law, para aprimorar, no que diz respeito a

precedentes, a nossa atuação281, até porque, em ambos os sistemas, o objetivo dos

precedentes vinculantes é o mesmo: gerar segurança e previsibilidade aos

jurisdicionados.

Essa observação é importante antes da análise de algumas

características específicas do sistema de common law, em contraposição com o de

civil law.

2.7.2 Precedentes vinculantes no sistema de common law

O sistema de common law se baseia, principalmente, no respeito que os

órgãos jurisdicionais devem ter em relação às decisões já proferidas. O direito é

extraído dos próprios precedentes, de modo que a sua observância é a espinha

dorsal desse sistema.

281 “

[...] mesmo atentos às notórias diferenças estruturais que existem entre o sistema de stare decisis e o vigente nas famílias jurídicas de direito escrito, ainda assim as advertências e os bons exemplos vindos de outras plagas merecem frutificar entre nós – obviamente com as salvaguardas e adaptações necessárias a aprimorar o sistema sem comprometer-lhes as raízes mais profundas”. DINAMARCO, Candido Rangel. Efeito vinculante das decisões judiciárias. Fundamentos de Processo Civil Moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. t. II. p. 1.127.

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Lenio Luiz Streck282 sobre o tema disserta:

A doutrina dos precedentes obrigatórios (Doctrine of binding precedent), também chamada de stare decisis, case law, está estreitamente ligada ao sistema denominado de Law Reports. De pronto, deve ser dito (e repetido) que uma das características históricas mais marcantes da lei inglesa é ser produto do trabalho dos juízes (judge made law). Ou seja, a maior parte da common law não é produto do Parlamento, mas sim de trabalho de séculos dos juízes aplicando regras consuetudinárias estabelecidas, aplicando regras a casos novos, à medida em que foram surgindo. O princípio que respalda a doutrina dos precedentes consiste em que, em cada caso, o juiz deve aplicar o princípio legal existente, isto é, deve seguir o exemplo ou precedente das decisões anteriores (stare decisis).

Apesar da Europa ter sofrido influência do direito romano, baseando os

seus sistemas no direito codificado, a Inglaterra manteve a tradição do direito

consuetudinário283. Influenciado pelo direito inglês, o direito americano herdou o

respeito aos precedentes284, consagrado na doutrina do stare decisis285 ,286, que

282

STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função, p. 43-45. Importante mencionar o destaque feito pelo autor no sentido de que o sistema inglês “[...] na atualidade, devido a maior sistematização e clarificação das fontes do Direito – a maior parte do Direito atual encontra-se nos law reports e nas leis originárias do Parlamento -, já não se pode seguir afirmando, sem reserva, que o juiz faz o Direito, uma vez que a sua função é a de decidir os casos conforme as regras legais existentes. Isto é o que fundamenta a doutrina dos precedentes obrigatórios, em virtude da qual o juiz não se remete às decisões precedentes como simples orientação ou guia, mas sim que, está obrigado a aplicar as regras legais contidas em tais decisões”. (Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função, p. 44-45). 283

Teresa Arruda Avim Wambier, em importante trabalho sobre o assunto, alerta que o common law “[...] não teve início com a adoção da explícita premissa ou da regra expressa de que os precedentes seriam vinculantes. Isto acabou acontecendo imperceptivelmente. [...] Foi na metade do século XIX que se pôde notar um enrijecimento do stare decisis. No caso Beamish vs Beamish se estabeleceu expressamente a regra de que a House of Lords estaria vinculada a seus próprios precedentes”. (Precedentes e evolução do Direito. Direito Jurisprudencial. 1. ed. 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 21). 284

“Importa registrar que a recepção do common law nos Estados Unidos não se fez de modo automático. As realidades de uma nação do Novo Mundo, com as dimensões continentais dos Estados Unidos, não permitiram a adoção de institutos forjados para uma sociedade circundada por água e profundamente enraizados em uma mundivisão feudal, como é o caso do direito agrário (land law); ‘por tais razões, os institutos como a primogenitura, que é a base do sistema hereditário na Inglaterra, nunca tiveram qualquer aceitação nos Estados Unidos. Outra diferença notável é o fato de os Estados Unidos terem sido formados sob a égide da liberdade de culto religioso, em uma fase histórica em que a equity já estava laicizada nos tribunais que a aplicavam; a influência do direito declarado pelos tribunais quase-eclesiásticos do Chanceler do Rei, a equity (antes ou após a Reforma anglicana), teve uma influência relativa sobre o direito norte-americano como um todo”. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Parâmetros de Eficácia e Critério de Interpretação do Precedente Judicial. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Direito jurisprudencial. 1. ed. 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 105-106. 285

“Stare Decisis et quieta non movere: conservam-se as decisões de casos passados. Este é o sentido da expressão”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do Direito. In: _____ (Coord.). Direito jurisprudencial. 1. ed. 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 42.

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126

determina o caráter vinculante das decisões das Cortes Supremas a todas as

demais Cortes hierarquicamente inferiores.

Keith Eddley287, discorrendo sobre o stare decisis do sistema legal inglês,

pontua:

This doctrine, in its simple form, means that when a judge comes to try a case, he must always look back to see how previous judges have dealt with previous cases (precedents) which have involved similar facts in that branch of the law. In looking back in this way the judge will expect to discover those principles of law which are relevant to the case which he has to decide. The decision which he makes will thus seek to be consistent with the existing principles in that branch of the law”.

De acordo com a teoria do stare decisis, portanto, os precedentes têm

força obrigatória (binding precedent).

Na lição de José Rogério Cruz e Tucci288:

O efeito vinculante das decisões já proferidas encontra-se condicionado à posição hierárquica do tribunal que as profere. Normalmente, na experiência jurídica do common law, o julgado vincula a própria corte (eficácia horizontal interna), bem como todos

286

“A moderna teoria do stare decisis (da expressão latina stare decisis et non quieta movere = mantenha-se a decisão e não se moleste o que foi decidido) informada pelo princípio do precedente (vertical) com força obrigatória externa para todas as cortes inferiores, veio inicialmente cogitada em prestigiada doutrina de um dos maiores juristas ingleses de todos os tempos, Sir. Baron Parke J., que, por certo, inspirado na velha lição de Blackstone, escreveu: ‘o nosso sistema de common law consiste na aplicação, a novos episódios, de regras legais derivadas de princípios jurídicos e de precedentes judiciais; e, com o escopo de conservar a uniformidade, consistência e certeza, devemos aplicar tais regras, desde que não se afigurem ilógicas e inconvenientes, a todos os casos que surgirem; e não dispomos de liberdade para rejeitá-las e desprezar a analogia nos casos em que ainda não foram judicialmente aplicadas, ainda que entendamos que as referidas regras não estejam tão razoáveis e oportunas quanto desejaríamos que fossem. Parece-me de grande importância ter presente esse princípio de julgamento, não meramente para a solução de um caso particular, mas para o interesse do direito como ciência’”. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente Judicial como fonte de direito, p. 160. 287

EDDEY, Keith. The english legal system. 3. ed. Londres: Sweet & Maxwell, 1982. p. 125. Tradução nossa: “Esta doutrina, de forma suscinta, significa que, quando um juiz vai julgar um caso, deve sempre verificar como os juízes anteriores têm julgado casos anteriores (precedentes) que envolveram fatos semelhantes nesse ramo do direito. Ao olhar para trás, o juiz espera descobrir os princípios relacionados à lei e que são relevantes para o caso que ele vai decidir. A decisão que ele profere procura ser coerente com os princípios existentes nesse ramo do direito”. 288

CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedentes e evolução do Direito. Direito Jurisprudencial. p. 104-105. E vai além: “[...] observe-se, por outro lado, que o estilo de julgamento, no âmbito do common law, é caracterizado pela auto referência jurisprudencial. Na verdade, pela própria técnica do precedente vinculante, impõe-se, na grande maioria das vezes, a exigência de que a corte invoque, para acolher ou rejeitar, julgado ou julgados anteriores. Em outras palavras, a fundamentação de uma decisão deve, necessariamente, conter expressa alusão à jurisprudência de tribunal superior ou da própria corte”. (Precedentes e evolução do direito. Direito jurisprudencial. p. 105).

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127

os órgãos inferiores (eficácia vertical externa). Não se delineia possível, à evidência, a aplicação dessa regra em sentido contrário.

Dessa maneira, identificado que os aspectos relevantes de um

determinado caso possuem identidade com outro já julgado, de acordo com a

doutrina do stare decisis, a solução jurídica apresentada há de ser a mesma. Tarefa

árdua, contudo, é identificar o que, exatamente, vincula em uma determinada

decisão. Para tanto, é necessário identificar a ratio decidendi289 (ou a holding, no

caso do direito inglês), que se trata da “essência da tese jurídica suficiente para

decidir o caso concreto (rule of law). É essa regra de direito (e, jamais, de fato) que

vincula os julgamentos futuros inter alia”.

Na opinião de Francesco Cordopatri290: “É importante saber que a ratio

decidendi, como proposição legal genérica ou princípio legal, ou como critério

decisional, na realidade impede um resultado jurídico imperceptível ou mesmo um

resultado arbitrário [Tradução nossa]”.

A dificuldade de identificação da ratio decidendi alude ao fato de que nem

sempre estará expressamente declarada pelo tribunal, sendo tarefa dos juízes de

casos futuros identificá-la e aplicá-la ao caso concreto291. Conforme visto na seção

anterior (2.7.1), trata-se de característica que diferencia os precedentes dos países

de common law, das súmulas do ordenamento jurídico brasileiro.

289

A definição da ratio pode de se dar de mais de uma maneira, como afirma Geoffrey Marshall: “Out of considerable body of common law literature devoted to this subject over the past century, and from the less structured remarks to be found in judicial opinions, a number of theses, not all compatible, have emerged as to the proper characterization of the ratio decidendi of the case. Given that a ratio decidendi is a legal statement or ruling, whose relationship to the facts of the case in question remains to be established, there are at least there possibilities. The ratio decidendi might be: 1. A rule of law or ruling in the light of material facts that a prior court explicitly declares or believes itself to be laying down or following; or 2. A ruling in the light of material facts that a prior court (when the decision is analysed) is, as matter of fact, laying down or fallowing; or 3. A ruling in the light of material facts that prior court ought properly (in view of the existing lae, facts and precedents) to and laying down or following.” (What is binding in a precedent. In: MaCCORNIK, Neil; SUMMERS, Robert S.; GOODHART, Arthur L. (Org.). Interpreting precedents. England: Ashgate, 1997, n. 4. p. 506-507). 290

CORDOPATRI, Francesco. The ratio decidendi (an historical and comparative review). Italian Yarbook of Civil Procedure. Milano: Giuffrè, 1991. v. 1. p. 74. No original: “It is important to know that the ratio decidendi, as a generic legal proposition or principle of law, or as a decisional criterion, actually prevents a juridically imperceptible or even arbitrary result”. 291

“Finding the ratio decidendi of a case is an important part of the training of a lawyer. It is not a mechanical process but is an art that one gradually acquires through practice and study”. GLANVILLE, Williams. Learning the Law. Londres, 1978. p. 62. Apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, p. 197, nota n. 60.

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Em rigor, o precedente se origina justamente no momento da aplicação

da ratio decidendi de uma determinada decisão ao caso concreto. Desta feita:

[...] uma decisão somente passa a ser considerada como verdadeiro precedente se, além do seu conteúdo envolver uma matéria nova, que ainda não havia sido decidida, for utilizada em uma decisão subsequente. Veja-se que o uso da primeira decisão é essencial para que surja o precedente, caso contrário será apenas uma decisão isolada, sem qualquer força vinculante, característica essa inerente ao sistema de precedentes.292.

A parte da decisão que realmente vincula é a ratio decidendi. Os americanos usam a expressão holding. ‘A holding é a essência da regra (expressa ou implícita na decisão) necessária para explicar o resultado do julgamento. Claro que a expressão ratio decidendi também pode ser entendida em sua dimensão descritiva: descritivamente a expressão significa simplesmente uma explicação do raciocínio que levou a corte à conclusão, baseado em elementos sociológicos, históricos e até mesmo psicológicos [...]’. Mas o que interessa aqui é o sentido prescritivo da expressão ratio decidendi e é deste tema, entre outros, que se ocupará este capítulo. Trata-se da proposition of law (= proposição do direito), explicita ou implícita, considerada necessária para a decisão. É o core da decisão. Há, na decisão, também os obter dicta ou os gratis dicta, termos que significam, literalmente, o que foi dito para morrer (= para perder importância). Obter dicta têm função meramente persuasiva. A ratio decidendi equivale a rule.293

Assim, apenas o que constitui a ideia central de determinada decisão

deverá ser considerada a ratio decidendi e respeitada em casos futuros. Aquilo que

não for relevante para o resultado do julgamento é considerado assunto marginal

(obter dicta) e, como tal, não vincula julgamentos futuros294.

Diferentemente do que ocorre na doutrina do stare decisis, as súmulas

vinculam com base nos enunciados editados (gerais e abstratos) e não pelos

fundamentos das decisões proferidas pelos tribunais.

292

CAMARGO, Júlia Schledorn de. A influência da súmula persuasiva e vinculante dos tribunais superiores brasileiros na arbitragem. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito)-Pontíficia Universidade Católica da São Paulo. São Paulo, SP, 2013. p.110. 293

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do Direito. Direito Jurisprudencial, p. 43-44. 294

“The ratio decidendi of a case is any rule of law expressaly or implyedly treated by the judge as a necessary step in reaching his conclusion having regard to the line of reasoning adopted by him, or a necessary part of his direction to the jury”. CROSS, Rupert. Precedent in english law. 3. ed. Oxford: Clarendon Press, 1977. p. 76.

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Ainda, sobre os precedentes vinculantes no common law, é importante

destacar que não são, necessariamente, considerados imutáveis. Havendo qualquer

razão para que determinado precedente seja superado, não há impedimento para

que assim se faça. Trata-se de técnica denominada de overruling, que, a propósito,

significa “[...] superação de determinado entendimento jurisprudencial mediante a

fixação de outra orientação”295.

Da mesma maneira, diante de um caso concreto, caso o juiz entenda que

o precedente não é aplicável à situação que está sendo julgada (ante as

peculiaridades eventualmente apresentadas), poderá deixar de aplicá-lo. Trata-se

de técnica denominada de distinguishing, assim explicitada por Rodolfo de Camargo

Mancuso296:

Mesmo nos precedentes efetivamente vinculativos (binding, authoritatives precedents), pode dar-se que, presentes certas condições, o julgador decline de aplicá-los, demonstrando a excepcionalidade ou a singularidade da espécie sub judice, assim destacando os pontos que distanciam o caso concreto do indigitado paradigma e assim desaconselham ou mesmo impedem a subsunção (técnica do distinguishing).

No Brasil, as súmulas também podem ser revistas ou mesmo canceladas.

Especificamente com relação às súmulas vinculantes, dispõe o art. 2º da Lei n.

11.417/2006 que:

O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei.

O RISTF também prevê a possibilidade de revisão ou cancelamento de

súmula, conforme disposto no art. 102, §1º, litteris: “A inclusão de enunciados na

Súmula, bem como a sua alteração ou cancelamento, serão deliberados pelo

Plenário, por maioria absoluta”.

295

MENDES, Gilmar Ferreira. Ação declaratória de constitucionalidade: a inovação da Emenda Constitucional n. 3, de 1993. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. Brasília, v. 1, n. 4, p. 98-136, jul./set. 1993. p. 57. 296

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, p. 209.

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Da mesma forma sucede com as súmulas do STJ. De acordo com

Regimento Interno desta Corte Superior: “qualquer dos Ministros poderá propor, em

novos feitos, a revisão da jurisprudência compendiada em súmula, sobrestando-se o

julgamento, se necessário”297. E, ainda: “A alteração ou cancelamento do enunciado

da súmula serão deliberados na Corte Especial ou nas Seções, conforme o caso,

por maioria absoluta dos seus membros, com a presença de, no mínimo, dois terços

de seus componentes”298.

Assim como ocorre no sistema de common law, no Brasil, as súmulas

poderão ser revistas pelos respectivos tribunais e inclusive canceladas, caso haja

fundamento para tanto (hipótese semelhante ao overruling). Do mesmo modo, se o

juiz entender que a súmula não é aplicável a determinado caso concreto, poderá

deixar de utilizá-la desde que fundamente a sua decisão e aponte a peculiaridade do

caso concreto que resultou no afastamento da súmula (hipótese semelhante ao

distinguishing).

Questão relevante refere à hipótese de cancelamento de eventual súmula

que tenha servido de fundamento legal para o ajuizamento de uma ação rescisória

(em trâmite concomitante com o cancelamento da súmula). É assunto a ser

abordado no próximo capítulo.

297

Cf. §1º do art. 125 do Regimento Interno do STJ. 298

Cf. §3º do art. 125 do Regimento Interno do STJ.

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CAPÍTULO 3 – AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO DE SÚMULA VINCULANTE

E PERSUASIVA: QUESTÕES (POLÊMICAS) RELACIONADAS AO TEMA

3.1 CABIMENTO

Há tempo, a Suprema Corte consolidara entendimento de que a violação

de súmula não poderia ser fundamento para ajuizamento da ação rescisória, uma

vez que não haveria previsão legal neste sentido299.

No início do ano de 2013, precisamente em 26 de abril, referido Tribunal

proferiu decisão em que o entendimento foi, justamente, a impossibilidade de

cabimento de ação rescisória quando houvesse violação de súmula vinculante. Na

oportunidade, do voto foram colacionados alguns precedentes neste sentido300.

299

“Previdenciário. Processo Civil. Ação Rescisória. Alegação de violação à súmula. Impossibilidade. A alegação de contrariedade a Súmula é incabível em sede de ação rescisória fundada em violação à literal dispositivo de lei. Recurso Especial conhecido e provido”. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 278879/SC, 6ª Turma. Relator Min. Vicente Leal. Brasília, DF. Publicação DJ 13.08.2011. E também: “Processo civil. Ação rescisória. Art. 485, V do CPC. Decadência inexistente. Improcedência. Inexistindo inércia do autor, não se configura a decadência quando a citação, na rescisória, não foi efetivada dentro do prazo legal (súmula 106 STJ). A pretensa violação de Súmula de Tribunal Superior não constitui motivação justificadora da rescisória, que só tem cabimento quando há, na decisão rescindenda, ofensa a literal disposição de lei”. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AR 433-1/SP, 1ª Seção. Relator Min. Demócrito Reinaldo. Brasília, DF. Julgamento 31.10.1995. 300

“[...] 1. Em observância ao instituto da coisa julgada e, por conseguinte, ao princípio da segurança jurídica, que se refere à busca da necessária estabilidade das relações jurídicas, o autor da ação rescisória deve demonstrar erro de extrema gravidade no acórdão rescindendo, hábil a desconstituí-lo. 2. Não obstante a referência a dispositivos do Código de Processo Civil que, frise-se, não guardam relação com a matéria decidida, a ação rescisória funda-se no argumento de que o acórdão rescindendo – ao assentar que a prova da insinceridade no pedido de retomada do imóvel deve ser cabal e robusta, sendo insuficientes meras alegações ou conjecturas – violou a Súmula 7⁄STJ, porquanto teria reexaminado a matéria fática. 3. Ocorre que eventual violação à referida síntese da jurisprudência qualificada do Superior Tribunal de Justiça não dá ensejo a ação rescisória, por se relacionar à regra técnica de admissibilidade do recurso especial que, por sua vez, visa impedir o reexame do conjunto probatório naquela via recursal. 4. A ação rescisória não se presta para simples rediscussão da causa. Em outras palavras, não tem por finalidade, diante de mero inconformismo da parte, rever alegado equívoco quanto à adoção de orientação jurisprudencial relacionada à admissibilidade de recurso especial. 5. Pedido julgado improcedente. (AR nº 1.027⁄SP, Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ 6⁄8⁄2007).[...] 4 - Outrossim, pretensa violação de Súmula de Tribunal Superior não constitui motivação justificadora da rescisória, que só tem cabimento quando há, na decisão rescindenda, ofensa à literal disposição de lei. Violação ao art. 485, do Código de Processo Civil reconhecida. Precedentes do STF. (AR 1.212⁄RJ, 1.049⁄GO e 1.197⁄SP) e desta Corte (AR 433⁄SP).

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O reconhecimento de falta de previsão legislativa para o ajuizamento da ação rescisória sob o argumento de violação de súmula é medida que está em sintonia com a jurisprudência dessa Corte, não se tratando, portanto, de decisão que de modo flagrante e inequívoco fere texto literal de lei.301

O mesmo assunto já havia sido objeto de análise no STF que, por sua

vez, manifestou-se também em sentido contrário quanto à possibilidade de

ajuizamento de ação rescisória, com fundamento em violação de súmula302.

Ambos os julgamentos foram pautados no argumento de que a hipótese

não encontra previsão legal no ordenamento jurídico, ou seja, a violação de súmula

não está prevista em nenhuma das hipóteses do art. 485 do CPC, impossibilitando o

seu ajuizamento303.

Recentemente, contudo, a 4ª Turma do STJ, no julgamento de Recurso

Especial n. 1.163.267/RS (2009/0206097-0) 304 , reconheceu a possibilidade de

ajuizamento de ação rescisória, tendo como fundamento justamente a violação da

súmula.

Trata-se de um caso em que o juiz singular havia entendido “estarem os

fundos de previdência privada fechada obrigados a restituir a seus associados

apenas e exclusivamente o que de seus estatutos e regulamentos se encontrar

5 - Recurso conhecido e provido para, reformando o v. acórdão de origem, julgar improcedente a ação rescisória, invertendo-se o ônus da sucumbência já fixados. (REsp nº 154.924⁄DF, Ministro Jorge Scartezzini, DJ 29⁄10⁄2001). [Grifo nosso]”. 301

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação Rescisória 4112-SC (2008/0248523-4), Terceira Seção. Relator Min. Marco Aurélio Bellizze. Julgamento 28.11.2012. Voto Min. Rel. Marco Aurélio Bellizze, Brasília, DF. Publicação 26.04.2013. 302

“Ação Rescisória. Registro ‘torrens’. O prazo de decadência só começa a fluir do transito em julgado dos embargos de divergência que versarem a matéria atacada na ação rescisória, ainda quando literal do artigo 75 e parágrafo1º do Decreto 451-B, de 1980, e do artigo 281 do Decreto 4857/39. Contrariedade a súmula 279 do STF não é fundamento para a propositura de ação rescisória com base no inciso V do artigo 485 do CPC. Ação rescisória que se julga improcedente”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno, Ação Rescisória nº 1049/GO. Relator Min. Moreira Alves. Brasília, DF. Julgamento 09.02.1983. 303

Se os Tribunais afastam a possibilidade de ação fundamento por violação de súmula vinculante, nem se cogita, obviamente, do ajuizamento da ação por violação de súmula persuasiva. 304

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº 1.163.267/RS (2009/0206097-0), 4ª Turma. Relator Min. Luis Felipe Salomão, votação unanime, pauta 19.09.2013. Brasília, DF. Publicação DJe 10.12.2013.

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previsto”305. Anota-se que a referida sentença transitou em julgado em 22 de agosto

de 2005.

Diante da não observância da Súmula 289 do STJ306 , o sucumbente

ajuizou ação rescisória, que foi julgada improcedente pelo tribunal estadual, sob o

argumento de que mesmo que a decisão se tenha solidificado contrariamente à tese

do julgamento transitado em julgado, se à época dos fatos havia divergência no

tribunal, não seria viável o ajuizamento de ação rescisória.

Verificando-se que a decisão rescindenda pautou-se pela legalidade, em que pese tenha firmado posição contrária à atual jurisprudência acerca do alegado direito de receber o associado as diferenças da correção monetária plena, incidente sobre o resgate das contribuições vertidas ao plano, não há falar em literal violação a dispositivos legais a ensejar a desconstituição da autoridade da coisa julgada, com fundamento no art. 485, V, do CPC. Preliminares rejeitadas. Ação rescisória julgada improcedente.307

No caso concreto, no momento que ocorreu o julgamento da ação

(22.08.2005), o entendimento já havia sido consolidado pelo STJ, com edição de

súmula (ano de 2004).

Ao julgar o respectivo recurso especial, o STJ decidiu afastar a Súmula

343 do STJ e julgar procedente a ação rescisória. Para tanto, o Ministro Luis Felipe

Salomão consignou que o magistrado que proferiu a sentença, ao não observar o

enunciado, teria agido de modo “deliberado, recalcitrante e vaidoso, atentando

contra os valores fundamentais do Estado Democrático de Direito”308.

305

“Não obstante o dissídio jurisprudencial que grassa a respeito do tema, o que se reconhece, filio-me à corrente que entende estarem os fundos de previdência privada fechada obrigados a restituir a seus associados apenas e exclusivamente o que de seus estatutos e regulamentos se encontrar previsto. [...]”. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Rescisória nº 70021069703, Sexta Câmara Cível. Relator: Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura. Porto Alegre, RS. Julgamento 26/03/2009. 306

Súmula 289 STJ. “A restituição das parcelas pagas a plano de previdência privada deve ser objeto de correção plena, por índice que recomponha a efetiva desvalorização da moeda”. 307

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Rescisória nº 70021069703, Sexta Câmara Cível. Relator: Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura. Porto Alegre, RS. Julgamento 26/03/2009. 308

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. SENTENÇA RESCINDENDA. JULGAMENTO CONTRÁRIO A ENTENDIMENTO SUMULADO NO STJ (SÚMULA Nº 289). DISSIDIO JURISPRUDENCIAL SUPERADO. SÚMULA 343 /STF. NÃO INCIDÊNCIA. SEGURANÇA JURÍDICA. UNIFORMIDADE E PREVISIBILIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NECESSIDADE. [...]

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Trata-se de decisão praticamente inédita (e que se entende correta) do

STJ, chamando a atenção principalmente pelo fato de tratar de violação de súmula

persuasiva e não vinculante.

Neste ponto, vale lembrar o que se sustentou na seção 2.4 do presente

trabalho, quando ficou consignado que a edição de súmula pelos tribunais

exterioriza a “interpretação jurídica mais correta” diante de uma situação específica.

Assim, qualquer decisão judicial posterior à edição do verbete e contrária ao seu

pronunciamento é ordem que viola norma jurídica e, como tal, deve ser

desconstituída.

Tendo em vista que o que pode ser violado pelo juiz para fins de

cabimento de ação rescisória é a “norma jurídica” e não exatamente a lei 309 ,

havendo violação de norma, é possível o ajuizamento de ação rescisória.

Pelas razões apresentadas no Capítulo 2, as súmulas – vinculantes e

persuasivas – são normas jurídicas gerais e abstratas, semelhantes (mas não

equivalentes) às leis.

Assim, decisão de mérito transitada em julgada posteriormente a

publicação de súmula (vinculante ou persuasiva) e contrária a ela poderá ser objeto

de rescisão, nos termos do inciso V do artigo 485 do CPC.

Importante destacar, neste momento, que ao contrário do que sustentam

alguns doutrinadores310, entendemos que, via de regra, a própria súmula servirá de

3. A Súmula nº 343/STF teve como escopo a estabilização da jurisprudência daquela Corte contra oscilações em sua composição, para que entendimentos firmados de forma majoritária não sofressem investidas de teses contrárias em maiorias episódicas, antes vencidas. Com essa providência, protege-se, a todas as luzes, a segurança jurídica em sua vertente judiciária, conferindo-se previsibilidade estabilidade aos enunciados da Corte. 4. Todavia, definitivamente, não constitui propósito do mencionado verbete a chancela da rebeldia judiciária. A solução oposta, a pretexto de não eternizar litígios, perpetuaria injustiças e, muito pelo contrário, depõe exatamente contra a segurança jurídica, por reverenciar uma prestação jurisdicional imprevisível, não isonômica e de baixa efetividade. [...]”. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº 1.163.267/RS (2009/0206097-0), 4ª Turma do. Relator Min. Luis Felipe Salomão, votação unanime, pauta 19.09.2013. Brasília, DF. Publicação DJe 10.12.2013. 309

Conforme demonstrado na seção 1.6 deste trabalho. 310

“Ora, parece óbvio que ao ofender o enunciado de súmula não vinculante, terá o provimento judicial ofendido a própria norma jurídica cuja validade, interpretação ou eficácia tenha sido determinada pelo enunciado. Assim, não pode haver qualquer dúvida acerca da rescindibilidade do provimento judicial neste caso”. CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 57. No mesmo sentido Flavio Luiz Yarshell: “[...] mesmo que a súmula venha a se qualificar como vinculante (por

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fundamento para o ajuizamento ação rescisória. Isso porque, como demonstrado no

Capítulo 02, a edição da súmula trata-se de atividade criativa do juiz que, diante de

uma determinada situação, apresenta a melhor solução jurídica para o caso. Essa

atividade interpretativa do juiz passa a integrar o sistema jurídico como norma

jurídica311.

Para melhor elucidar o que se afirma, é bem oportuno analisar a recente

Súmula vinculante n. 33 do STF, que determina a aplicação “ao servidor público, no

que couber, as regras do Regime Geral de Previdência Social sobre aposentadoria

especial de que trata o artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, até

edição de lei complementar específica”.

Na hipótese de sentença de mérito proferida contrariamente ao verbete,

não parece adequado que o fundamento da rescisória seja o art. 40, §4º, inc. III, da

Constituição Federal e sim a própria Súmula n. 33, que incorpora uma efetiva

“novidade” ao ordenamento jurídico.

Da mesma forma, há a Súmula n. 393 do STJ, que considera admissível o

manejo de exceção de pré-executividade “na execução fiscal relativamente às

matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória”.

Sabe-se que o instituto da exceção de pré-executividade consiste em uma

criação doutrinária, não estando prevista expressamente em nenhum diploma legal.

A doutrina anota que o primeiro a utilizar esse instrumento (pré-

executividade) foi Pontes de Miranda312, em 1966, quando teria sido convidado a

elaborar parecer acerca dos diversos pedidos de falência em detrimento da

exemplo, nos termos do art. 103-A da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional 45 de 08.12.2004), ainda assim não haverá sentido em se falar em ação rescisória contra decisão que tiver violado a respectiva literalidade. O que caberá, eventualmente, é a ação rescisória pela violação à regra jurídica a propósito da qual tenha sido editada a súmula – o que parece coisa bastante diversa”. ( Ação rescisória juízos rescindente e rescisório, p. 324. 311

“Caso, entretanto, por qualquer razão, a súmula vinculante, a pretexto de interpretar um determinado dispositivo legal, criar uma norma que não encontra amparo em nenhum dispositivo legal, forçoso reconhecer que, nesse caso, deverá caber ação rescisória contra a sentença que transgredir essa súmula”. CRAMER, Ronaldo, Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 211. 312

Dez anos de pareceres. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. v. 4, p.125-139, apud MARTINS, Sandro Gilbert. A defesa do executado por meio das ações autônomas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 81.

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Companhia Siderúrgica Mannesmann, fundamentados em títulos extrajudiciais

eivados de nulidade.

Trata-se de verdadeira criação que, se violada em decisão de mérito com

trânsito em julgado, poderá (ela própria) servir como fundamento para o ajuizamento

da ação rescisória.

De outro lado, há situações em que a súmula se limita a repetir o que já

se encontra previsto no texto da lei. Nesta hipótese, em última análise, sequer

haveria necessidade da edição do verbete, de modo que a sua não observância

viola o texto legal e não a súmula propriamente dita.

É o que ocorre com a Súmula n. 365 do STF313, que dispõe sobre a

ilegitimidade da pessoa jurídica para propor ação popular. O artigo 1º da Lei de Ação

Popular314, contudo, é expresso quanto à legitimidade do cidadão para utilização da

medida.

Nesses casos, sim, a não observância da súmula, na realidade, terá

violado o próprio dispositivo de lei, devendo a rescisória ser ajuizada com

fundamento na violação literal daquilo que se encontra previsto no art. 1º da Lei n.

4.717/1965.

Conclui-se, portanto, que há situações em que as súmulas não decorrem

da mera interpretação ou da subsunção do caso a um único texto legal.

Os exemplos utilizados aqui corroboram esta assertiva e demonstram que

as súmulas podem possuir vida própria, sendo praticamente normas jurídicas

autônomas, demasiadamente próximas do texto elaborado pelo Poder Legislativo.

313

Súmula 365 do STF. “Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular”. 314

“Art. 1º. Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.”

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137

Em outras situações, contudo, verifica-se que o verbete praticamente

repete o que já “disse” o legislador, como no caso da Súmula n. 365 do STF,

mencionada anteriormente, não se podendo afirmar que os verbetes possuem vida

própria. Havendo revogação da Lei n. 4.717/1965 ou, apenas, do seu art. 1º, a citada

súmula não deve subsistir.

Afirmar, portanto, que as súmulas sempre são “acessórias” do texto legal

ou, ao contrário, que, uma vez editadas, são normas jurídicas autônomas, parece

generalizar aquilo que não pode ser generalizado. É um erro concluir

exclusivamente de uma ou de outra forma. A análise da situação concreta é medida

necessária para concluir em um ou outro sentido.

Esse entendimento está em plena sintonia com aquilo que dispõe o art. 5º

da Lei n. 11.417/2006315, na medida em que determina a revisão ou o cancelamento

da súmula, conforme o caso concreto, diante da revogação ou modificação da lei em

que se fundou o verbete.

A análise se assemelha àquela que deve ser feita para saber se a ação

rescisória deverá ser ajuizada com fundamento no texto legal ou, ao contrário disso,

com fundamento na violação da própria súmula.

3.1.1 Desconstituição da coisa julgada constituída anteriormente e

contrariamente à publicação da súmula

Questão interessante que ora se coloca alude à possibilidade de

ajuizamento de ação rescisória para desconstituir coisa julgada material formada

anteriormente – e contrariamente – à publicação da súmula. Há tempo, a questão é

objeto de análise pelo próprio STF.

315

“Art. 5º. Revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso.”

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138

No passado, o entendimento majoritário era no sentido de afastar a

possibilidade de utilização da ação rescisória para rescindir decisão proferida

contrária a orientação fixada pela Corte Suprema, desde que a sentença fosse

anterior à publicação do entendimento solidificado.

Se em todos os casos de interpretação da lei, por prevalecer aquela que nos pareça menos correta, houvermos de julgar procedente ação rescisória, teremos acrescentado ao mecanismo geral dos recursos um recurso ordinário com prazo de cinco anos na maioria dos casos decididos pela Justiça. A má interpretação que justifica o ‘judicium rescindens’ há de ser de tal modo aberrante que equivalha à sua violação literal. A Justiça nem sempre observa, na prática quotidiana, esse salutar princípio, que, entretanto, devemos defender, em prol da estabilidade das decisões judiciais.316

Com base nesse entendimento, em dezembro de 1963, foi editada a

Súmula n. 343, segunda a qual “não cabe ação rescisória por ofensa a literal

dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de

interpretação controvertida nos tribunais”.

Após a edição do verbete, contudo, o tribunal passou a manifestar-se pela

inaplicabilidade da retrocitada súmula para os casos em que a decisão rescindenda

tivesse sido fundamentada em lei posteriormente declarada inconstitucional pelo

STF 317 , ou seja, proferida sentença com fundamento em lei posteriormente

declarada inconstitucional, incabível seria a aplicação da Súmula n. 343.

Ivo Dantas318 interpreta:

316

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário 50.046. Relator Ministro Victor Nunes Leal. Brasília, DF. Julgamento 5/04/1963. No mesmo sentido: “Nos termos do parecer da Douta Procuradoria Geral, eu nego provimento ao recurso de agravo e mantenho a decisão agravada do eminente Ministro Afrânio Costa, pelos seus próprios fundamentos: a decisão recorrida não ofendeu a lei, cujos textos interpretou e aplicou como melhor lhe pareceu, nem contrariou jurisprudência específica. O recurso extraordinário não se destina à discussão de teses acadêmicas.” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de instrumento 30.500. Relator Ministro Pedro Chaves. Brasília, DF. Julgamento 21/11/1963. 317

“A cuidadosa análise dos julgados, dos quais resultou o entendimento no sentido da inaplicabilidade da Súmula 343 a textos constitucionais de interpretação controvertida, demonstra que a sua ratio não é genérica, mas sim específica para os casos em que a sentença rescindenda considerou a lei constitucional, vindo posteriormente o Supremo Tribunal Federal a declarar sua inconstitucionalidade, com eficácia erga omnes”. Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. Ação rescisória e divergência de interpretação em matéria constitucional. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, Revista dos Tribunais, outubro 1996. p. 50. 318

DANTAS, Ivo. Da coisa julgada inconstitucional (Novas e Breves Notas). Revista do TRT da 15ª Região. Campinas, n. 25, RTJ 101/209, 2004.

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139

Em verdade, a hipótese é simples. Pretende a recorrente rescindir um acórdão que aplicou dispositivo legal posteriormente declarado inconstitucional. Ora, segundo nos parece, a lei inconstitucional não produz efeito e nem gera direito, desde o início. Assim sendo, perfeitamente comportável a ação rescisória.

O entendimento mostra-se absolutamente coerente. Se a decisão

transitada em julgado está fundamentada em lei, que na realidade não é lei porque é

inconstitucional, a decisão é inexistente. Como rescindir algo inexistente? Nesse

sentido, dizem Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina319:

Segundo o que nos parece, seria rigorosamente desnecessária a propositura de ação rescisória, já que a decisão que seria alvo de impugnação seria juridicamente inexistente, pois que baseada em lei que não é lei (‘lei inexistente’).

O ajuizamento de uma ação declaratória de inexistência é suficiente para

solver a questão320. A esse respeito, ensina Teresa Arruda Alvim Wambier321:

Acertada é a opinião segundo a qual o meio adequado para retirar definitivamente do mundo jurídico as sentenças inexistentes é o da ação declaratória, que, no caso, é imprescritível. Diz-se, quase unanimemente na doutrina, que as ações declaratórias são imprescritíveis. Isto se justifica porque a finalidade das ações declaratórias é a de suprimir, do universo jurídico, uma determinada incerteza jurídica. Segue-se daí que, enquanto existir ou subsistir, e precisamente porque está presente uma determinada incerteza jurídica, não há lugar para a prescrição da ação declaratória, cujo objetivo é precipuamente o de por fim a essa incerteza.

Ocorre que, com o tempo, o STF passou a afastar a Súmula n. 343

também para as hipóteses em que a decisão rescindenda estivesse em desacordo

com orientação emanada pela Corte Suprema, independentemente de ter sido

fixada antes ou depois do trânsito em julgado da decisão que se pretende

rescindir322.

319

MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada – hipótese de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 43

321 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, p. 475. Importante

mencionar que, de acordo com a autora, “diante da intensa controvérsia doutrinária e jurisprudencial que cerca o tema, deve-se aplicar à hipótese o princípio da fungibilidade” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, p. 476 322

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. EREsp 687.903/RS, Corte Especial, Rel. Min. Ari Pargendler. Brasília, DF. Julgamento 04.11.2009, Publicação DJe 19.11.2009; BRASIL. Supremo Tribunal Federal. EREsp 608.122/RJ, 1ª Seção. Rel. Min. Teori Zavascki. Brasília, DF. Julgamento 09.05.2007. Publicação DJe 28.05.2007.

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140

Ampliou-se, portanto, a inaplicabilidade da Súmula n. 343 não apenas

quando diante de declaração de inconstitucionalidade da lei, mas também para a

hipótese de análise da constitucionalidade das próprias decisões judiciais323.

Assim, basta que a decisão transitada em julgado esteja em desacordo

com entendimento consolidado pelo STF, em matéria constitucional, para ser cabível

a ação rescisória e, frise-se, mesmo que a decisão rescindenda tenha transitado em

julgado antes da fixação do novo entendimento.

A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. Cabe rescisória por ofensa a literal disposição de constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida, ou seja, anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal.324

Referido entendimento visa assegurar a eficácia das decisões

sedimentadas pelo STF, guardião da Constituição Federal. Assim, ainda que a

interpretação fosse controvertida em juízos inferiores no instante da prolação da

sentença, a partir do momento que houve sedimentação de entendimento pelo órgão

máximo do Poder Judiciário, todas as decisões (inclusive as pretéritas) devem estar

de acordo com a orientação fixada. 323

“É conveniente advertir que a eficácia retroativa da decisão de inconstitucionalidade não diz respeito ao controle de constitucionalidade das decisões judiciais, mas apenas e tão somente ao controle de constitucionalidade das leis. Embora isso em princípio seja evidente, a tese da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada muitas vezes esquece que nesta hipótese se está diante do controle da constitucionalidade das decisões judiciais”. Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa julgada inconstitucional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 25. 324

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE-ED 328812, 2ª Turma. Relator Min. Gilmar Mendes. Brasília, DF. Publicação DJ 02.05.2008. Em seu voto, o Min. Gilmar Mendes assim consignou: “De fato, negar a via da ação rescisória para fins de fazer valer a interpretação do Supremo importa, a rigor, em admitir uma violação muito mais grave à ordem normativa. Sim, pois aqui a afronta se dirige a uma interpretação que pode ser tomada como a própria interpretação constitucional realizada. Nesse ponto, penso, também, que a rescisória adquire uma feição que melhor realiza o princípio da isonomia. Se por um lado a rescisão de uma sentença representa certo fator de instabilidade, por outro não se pode negar que uma aplicação assimétrica de uma decisão desta Corte em matéria constitucional oferece instabilidade maior, pois representa uma violação a um referencial normativo que dá sustentação a todo o sistema. Isso não é, certamente, algo equiparável a uma interpretação divergente da legislação infraconstitucional”. No mesmo sentido: “Ação Rescisória. Matéria Constitucional. Inaplicabilidade de Súmula 343 quando a norma violada for constitucional. Inaplicabilidade da Súmula 343 em matéria constitucional, sob pena de infringência à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. Precedente do Plenário. Agravo Regimental a que se nega seguimento”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma, AReg no AI nº 555.806/MG. Relator Min. Eros Grau. Brasília, DF. Julgamento 01.04.2008.

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141

O Ministro Gilmar Mendes, ao proferir o seu voto, destacou a necessidade

de se diferenciar uma decisão que viola norma constitucional e outra que viola

norma infraconstitucional. De acordo com o Ministro, em razão da diferença de

“gravidade” de se violar norma constitucional, deve-se permitir a rescisão da

decisão, ainda que transitada em julgado anteriormente à uniformização do

entendimento325.

No mesmo sentido do voto proferido pelo Min. Gilmar Mendes, vale a

transcrição do entendimento do Min. Menezes Direito, sobre o tema.

De fato, se admitirmos que, no período da ação rescisória, houve uma modificação ou, como diz o Ministro Marco Aurélio, uma evolução da jurisprudência constitucional com relação a assentar determinada interpretação da norma constitucional, nada mais razoável do que se admitir a ação rescisória porque, na realidade, o que se está fazendo com a admissão da ação rescisória é especificamente fortalecer a jurisprudência constitucional da Suprema Corte do país.326

A questão também chegou ao STJ, ou seja, provocou-se a análise da

possibilidade de utilização de ação rescisória para desconstituir coisa julgada

material que estivesse em desacordo, em matéria infraconstitucional, com decisão

fixada pela Corte. Não houve, ainda, entendimento consolidado com relação a tal

questão. Mesmo nos dias atuais é possível identificar julgamentos afastando e

outros aplicando a Súmula n. 343.

Desde já é importante destacar que não é sustentável o argumento de

aplicação da Súmula 343 exclusivamente aos casos em que a controvérsia se situa

na interpretação da legislação infraconstitucional, devendo ser afastado para os

casos em que a divergência está no âmbito constitucional.

325

Sobre a possibilidade de se adotar entendimento diferente para decisões que violam coisa julgada constitucional e infraconstitucional, estamos de acordo com o entendimento exteriorizado por Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz Arenhart, que assim se manifestam: “[...] é irrelevante a categoria da regra jurídica em discussão (se é constitucional ou infraconstitucional), razão pela qual é incorreto admitir ação rescisória no caso em que o Supremo Tribunal Federal conferiu à regra constitucional interpretação divergente daquela que lhe foi dada pela sentença que se pretende rescindir. De outro modo, estar-se-ia legitimando evidente paradoxo no sistema hermenêutico nacional, em que o ordenamento pátrio autorizaria mais de uma interpretação adequada e aceitável aos textos normativos infraconstitucionais, mas não faria o mesmo com os preceitos constitucionais, para os quais somente uma interpretação seria correta e, por consequência, válida.” (Processo de conhecimento. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 666). 326

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE-ED n. 328812, 2ª Turma. voto proferido pelo Min. Menezes Direito. Brasília, DF. Publicação. DJ 02.05.2008.

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142

Neste aspecto, a lição de Luiz Guilherme Marinoni327 é precisa:

Não há qualquer razão para se supor que a interpretação constitucional seja diversa da interpretação infraconstitucional no que tange aos seus resultados. A necessidade de coerência impõe essa observação: ou há interpretação “correta” da Constituição e da legislação infraconstitucional – porque, ao fim e ao cabo, tem-se aí sempre um interpretar -, ou não há possibilidade de uma única interpretação correta em qualquer desses planos normativos. Sustentar-se a necessidade de interpretação razoável no plano infraconstitucional constitui evidente contradictio in terminis, porque o ato de interpretar é um só no que tange à compreensão de normas jurídicas.

Sustentou-se em linhas anteriores, que há situações em que a atividade

interpretativa do juiz transcende à mera aplicação lógica-dedutiva do texto legal.

Nestas hipóteses os juízes interpretam o texto dando margem, contudo, a

interpretações divergentes. Essa situação ocorre tanto na âmbito constitucional

como infraconstitucional, não havendo razão para tratamentos dispares.

Somente a partir do momento que o Tribunal (no caso, STF ou mesmo

STJ) fixa o entendimento é que aquela passa a ser a melhor interpretação, devendo,

a partir desse momento, ser seguida pelos órgãos hierarquicamente inferiores.

Ainda, não há fundamento, portanto, que sustente a possibilidade do STF

(ou STJ) desconstituir decisão transitada em julgada se, à época em que proferida,

havia divergência nos tribunais acerca do tema. É o que sustenta Luis Guilherme

Marinoni328:

A aceitação da retroatividade do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre as decisões proferidas pelos tribunais significa colocar a coisa julgada sob condição ou em estado de provisoriedade, o que é absolutamente incompatível com o conceito e com a razão de ser da coisa julgada. Ora, este estado de indefinição nega o fundamento de que está à base da coisa julgada material, isto é, os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança. Aliás, a coisa julgada não é apenas condição para a

327

Coisa julgada inconstitucional, p. 96 328

Coisa julgada inconstitucional, p. 105. Sustenta, ainda, o autor que “a circunstância de uma questão constitucional chegar ao Supremo Tribunal Federal após o transito em julgado de decisões sobre a mesma questão certamente não é motivo para a admissão da retroatividade do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a coisa julgada. As decisões que transitarem em julgado, tratando da questão constitucional posteriormente interpretada de outra maneira pelo Supremo Tribunal Federal, expressam um juízo legítimo sobre a constitucionalidade” Coisa julgada inconstitucional, p. 104

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143

proteção destes princípios, como também necessidade indispensável para a existência de discurso jurídico e, portanto, de proteção jurisdicional

Ao longo do Capítulo 01 do presente estudo, mais especificamente na

Seção 1.6, demonstrou-se que não é qualquer violação a lei (ou norma jurídica) que

possa servir de fundamento para ajuizamento de ação rescisória com base no inciso

V do art. 485 do CPC.

Há necessidade que referida violação seja literal, ou seja, ainda que a

violação não ocorra a norma jurídica, precisa ser flagrante, inequívoca, evidente. Se

á época em que proferida a decisão havia divergência quanto a correta interpretação

do texto legal, não há como sustentar que eventual decisão proferida contrariamente

ao entendimento fixado posteriormente pelos tribunais violou literalmente a norma.

Nesse sentido, alguns julgamos proferidos pelo STJ

A violação de literal disposição de lei que autoriza o ajuizamento de ação rescisória é aquela que enseja flagrante transgressão do ‘direto em tese’, porquanto essa medida excepcional não se presta simplesmente para corrigir eventual injustiça do decisum rescindendo, sequer para abrir nova instância recursal, visando o reexame das provas. Com efeito, na interpretação do art. 485, V, do Código de Processo Civil, que prevê a rescisão de sentença que ‘violar literal disposição de lei’, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal consagrou o entendimento segundo o qual não constitui violação literal da lei, para esse efeito, a que decorre de sua interpretação razoável, de um de seus sentidos possíveis, se mais de um for admitido. A ofensa, portanto, tem de ser especialmente qualificada [...]. Ora, se é certo que ‘não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais’ (Súmula 343/STF), com maior razão não é ela cabível quando há perfeita harmonia entre a decisão rescindenda e a jurisprudência pacificada do Tribunal.329

Trata-se de privilegiar a segurança jurídica, consequência da decisão de

mérito transitada em julgado. Além disso, quando o tribunal depara com

entendimentos divergentes acerca de um mesmo fato, salvo situações absurdas, é

329

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AR 3.991/RJ. Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima. Brasília, DF. Julgamento 27/06/2012. No mesmo sentido: “Após o transito em julgado a lei beneficia a segurança jurídica em lugar da justiça. O fato de a matéria ser controvertida afasta a possibilidade de violação de ‘literal dispositivo de lei’ (art. 485, inciso V, do Código de Processo Civil), ainda que a jurisprudência tenha-se firmado de acordo com a pretensão da parte”. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Seção, Agravo Regimental na ação rescisória nº 3213/AL. Rel. Min. Humberto Martins. Brasília, DF. Julgamento 11.10.2006.

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porque, naquele momento, ambas as interpretações eram razoáveis. Somente após

a consolidação do entendimento (com edição de súmula, por exemplo) é que aquela

passa ser a melhor interpretação possível, devendo ser seguida por todos.

Como já antecipado, contudo, referido entendimento não é unânime e tem

sofrido alguns temperamentos e há algum tempo é possível encontrar no próprio

STJ julgamentos que afastam a aplicação da Súmula n. 343 do STF, também em

matéria infraconstitucional.

Embora tenha a seu favor o argumento da segurança jurídica, é difícil justificar, após a Constituição de 1988, a manutenção dessa súmula. Ao criar o STJ e lhe dar a função essencial de guardião da legislação federal (e, portanto, de seu intérprete oficial), a Constituição impôs ao Tribunal o dever de manter a integridade do sistema normativo, a uniformidade de sua interpretação e a isonomia na sua aplicação. Deu-lhe, também, como missão específica, a de dirimir as divergências dos tribunais locais na interpretação da lei federal, criando, para isso, até mesmo uma específica hipótese de cabimento de recurso especial (CF, art. 105, III, c). Portanto, a partir de 1988, criou-se no País um tribunal superior com a função (importante para a manutenção do princípio da isonomia e do próprio princípio federativo) de uniformização da jurisprudência, bem como a função, que se poderia chamar nomofilácica (entendida a nomofilaquia no sentido que lhe atribuiu Calamandrei), destinada a aclarar e integrar o sistema normativo, propiciando-lhe uma aplicação uniforme, funções essas com finalidades ‘que se entrelaçam e se iluminam

reciprocamente’. 330

Assim como ocorre nos tribunais, a doutrina não mostra unanimidade com

relação ao tema.

Teresa Arruda Alvim Wambier, por exemplo, seguida por outros

doutrinadores, entende que “admitir que sobreviva decisão que consagrou

interpretação hoje considerada, pacificamente, incorreta pelo Judiciário é prestigiar o

acaso” 331 , além disso, viola os princípios constitucionais da igualdade e da

legalidade.

330

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n.º 1.063.310 – BA, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki. Brasília, DF. Julgamento 7/08/2008. No mesmo sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº 1.026.234/DF, 1ª Turma. Rel. Ministro Teori Albino Zavascki. Brasília, DF. Publicação DJe 11.06.2008. 331

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Sobre a Súmula 343. Revista de Processo. São Paulo, RT, v. 86, abril 1997. p. 148. No mesmo sentido, ver: TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 162-168.

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145

De outro lado, Alexandre de Freitas Câmara332, por exemplo, sustenta

que:

A interpretação da norma jurídica pode ser divergente, e nada há de equivocado nisso. Afinal, a interpretação varia conforme o intérprete, que jamais é neutro em sua exegese. [...] Deste modo, é de se afirmar que qualquer interpretação razoável da norma jurídica é compatível com a norma interpretada e, por isso, não a ofende. Por tal razão não se pode rescindir um provimento judicial pelo simples fato de se ter baseado em uma das diversas possíveis interpretações da mesma norma jurídica.

Logo se vê que o cerne da questão está no conflito existente entre, de um

lado, a segurança jurídica (advinda com a coisa julgada material) e, de outro, a

isonomia e a “justiça” da decisão.

Ao longo deste estudo, firmamos o entendimento de que inexiste no

ordenamento jurídico uma única resposta correta para a interpretação da norma,

como entendia Ronaldo Dworkin. Assim, quando consolidado um entendimento

emanado pelos tribunais superiores, logo passa a ser a melhor interpretação para o

caso específico, devendo, a partir de então, ser observado pelos demais órgãos do

Poder Judiciário.

Se, ao tempo em que foi prolatada a decisão rescindenda, era controvertida a interpretação do texto legal por ela aplicado, não se configura a violação literal de dispositivo de lei, para justificar a sua rescisão – art. 485, V, do CPC – ainda que a jurisprudência do STF venha, posteriormente, fixar-se em sentido contrário.333

Até que o entendimento esteja consolidado, portanto, as possíveis

interpretações – salvo em casos absurdos – são possíveis (e corretas), ainda que no

momento da consolidação pelo tribunal possam ser constatadas verdadeiras

injustiças na vida real.

De fato, não é confortável admitir que situações idênticas possam ter

julgamentos absolutamente díspares, mas, por outro lado, tal desconforto não é

332

CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 86. O mesmo entendimento é seguido por Luiz Guilherme Marinoni (Coisa julgada inconstitucional, p. 96) e também THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil.. v. 1. p. 739. 333

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Rescisória nº 70000056978, 1º Grupo de Câmaras Cíveis, Relator: Francisco José Moesch, Porto Alegre, RS. Julgamento 15/09/2000, RTJ 91/312.

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146

suficiente para “passar por cima” da “segurança jurídica” advinda com a coisa

julgada.

Para os processualistas Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade

Nery334:

A sentença de mérito transitada em julgado que seja injusta faz, inexoravelmente, coisa julgada material, sendo insuscetível de impugnação por ação rescisória, por mais grave que possa ter sido a injustiça. Isso porque, sendo a ação rescisória meio excepcional de impugnação das decisões judiciais de mérito transitadas em julgado, e levando-se em consideração o preceito hermenêutico de que as hipóteses de exceção, isto é, de cabimento da rescisória previstas em lei, devem ser interpretadas de maneira estrita, doutrina e jurisprudência têm entendido corretamente não ser possível rescindir-se essa sentença sob o fundamento de sua injustiça.

Admitir que as decisões passadas em julgado pudessem sempre ser

objeto de rescisão – na hipótese de edição de súmula contrária a sentença (lato

sensu) – é deixar extremamente frágil um instituto que visa justamente transmitir

“segurança” aos jurisdicionados.335

Nesse contexto, pode-se afirmar, portanto, que a edição de súmula não

deve retroagir de modo a possibilitar rescisão de decisões que, à época em que

foram proferidas, consignavam interpretação razoável (e correta) do nosso

ordenamento jurídico336.

334

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 10. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 688. Entendimentos diametralmente opostos, todavia, merecem ser respeitados: “Se por um lado a rescisão de uma sentença representa certo fator de instabilidade, por outro não se pode negar que uma aplicação assimétrica de uma decisão desta Corte em matéria constitucional oferece instabilidade maior, pois representa uma violação a um referencial normativo que dá sustentação a todo o sistema”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE-ED nº 328812, 2ª Turma, voto proferido pelo Min. Gilmar Mendes. Brasília, DF. Publicação DJ 02.05.2008. 335

“Note-se que tal raciocínio leva à conclusão de que uma decisão que produz coisa julgada material, e é legitimamente proferida pelo juiz, não gera qualquer proteção à confiança nele depositada. Em sentido inverso, caso se suponha que a parte, por ter uma decisão que produz efeitos desde logo, não precisa se preocupar com eventual ulterior de Supremo Tribunal Federal, estar-se-á colocando o jurisdicionado na posição de alguém que pode ser legitimamente surpreendido depois te ter obtido decisão jurisdicional favorável transitada em julgado. Ora, não é preciso dizer que isto viola, de forma escancarada, a segurança jurídica, princípio concretizador do Estado de Direito.” MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa julgada inconstitucional, p. 108-109. 336

“O precedente deve ser obviamente aplicado para o futuro – e todas as decisões que o violam devem ser reformadas ou rescindidas pelas vias adequadas. Não deve, contudo, ser aplicado de forma retroativa, cuja aplicação pressupõe equivocadamente a existência de um sentido intrínseco e unívoco da legislação e acarreta evidente violação à segurança jurídica. [...] Trata-se de proteção

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Em rigor, a partir do momento em que o tribunal escolhe uma entre as

possíveis interpretações, a orientação passa a ser a mais correta e, desta feita,

deverá ser observada por todos. A sua não observância, portanto, possibilitaria o

ajuizamento de ação rescisória.

Assim é que, à luz do ordenamento jurídico, até a publicação da Súmula

vinculante n. 12 do STF, a interpretação de que a cobrança de taxa de matrícula em

universidades públicas não violava a Constituição Federal era o entendimento

razoável (e correto!).

Aqueles que sustentam a retroatividade do verbete sumular argumentam

que:

[...] enunciado não é norma legal: sua edição obedece ao intento de pacificação da jurisprudência, traduzindo-se na cristalização de um dentre os entendimentos aplicáveis à solução de determinada controvérsia. Trata-se, portanto, de simples diretriz jurisprudencial, sem atributo de criação do direito. Vale dizer, o entendimento consubstanciado no enunciado preexiste e inspira edição deste, não havendo que se cogitar de retroatividade infringente de situações juridicamente consolidadas.337

No Capítulo 02, sustentou-se que a afirmação de que a súmula não cria

normas jurídicas, mas apenas interpreta texto legal precisa ser afastada. Nem

sempre se pode asseverar que é simples subsunção da situação fática ao texto,

tampouco, que se trata de mera estratificação do sentido único do texto legal.

objetiva, que depende tão somente da formação da coisa julgada em momento anterior à pacificação da interpretação judicial pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça. A igualdade realiza-se aí pelo tratamento isonômico deferido a todos que se encontram na mesma situação: aqueles que contam com a proteção da coisa julgada, têm suas esferas jurídicas protegidas contra o precedente superveniente; aqueles que não contam com a proteção da coisa julgada, ficam sujeitos à força do precedente;” MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas – Do controle à interpretação da jurisprudência ao precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 114. 337

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho, 2ª região, RO 02970302084, Ac. nº 02980351797, 8ª Turma. Relatora Juíza Wilma Nogueira de Araujo Vaz da Silva. São Paulo, SP. Julgamento 22.06.1998. Publicação DOESP, PJ, TRT 2ª Região, 21.07.1998. No mesmo sentido, ainda: “Em se tratando de jurisprudência cristalizada, não há aplicação do art. 6º da LICC, pois, não ostentando a qualidade de lei, impossível falar-se em irretroatividade de sua aplicação. Considerando que os enunciados de súmula na mais representam do que a cristalização da jurisprudência que há muito vem se verificando nas decisões pretorianas, impossível requerer a aplicação de determinada súmula ao momento de sua edição”. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho, 10ª Região, RO 899/2004, 1ª Turma, Relatora Juíza Maria Regina Machado Guimarães. Brasília, DF. Publicação DJU 05.08.2005.

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Sem ignorar todas as diferenças apontadas entre súmula e lei, há casos

em que a edição de uma e de outra se aproximam consideravelmente, em especial

por criar, acrescentando ao sistema nova norma jurídica a ser observada por todos.

Nessa medida, assim como as leis, não devem ser aplicadas retroativamente.

A edição de uma súmula, bem sabemos, condensa a interpretação mais

correta a ser seguida pelos demais órgãos do Poder Judiciário, contudo, a sua

eficácia ocorre a partir do momento da sua edição/publicação.

Note-se que, quando o juiz ordinário deixa de adotar decisão proferida em ação direta, súmula ou precedente vinculante do Supremo Tribunal Federal, é possível falar em violação de norma, o que certamente não ocorre quando o juiz ordinário realiza o seu juízo sobre a questão de constitucionalidade e, após ter encerrado o processo, o Supremo Tribunal Federal fixa ‘regra’ contrária. Como se vê, atribui-se desobediência ao efeito vinculante a qualidade de violação literal de lei. Não há como negar que o juiz que decide com infringência a decisão, a súmula ou precedente vinculante do Supremo, decide em sentido contrário profere decisão que viola literalmente o direito firmado pela Corte Suprema. Tal decisão é sujeita à rescisória fundada no inciso V do art. 485 V do Código de Processo Civil [Grifo do autor].338

Dessarte, o ajuizamento de ação rescisória com fundamento em súmula

(vinculante ou persuasiva) somente é possível se a decisão de mérito tiver (i)

transitado em julgado após a publicação do verbete e (ii) for contrária à orientação

ali fixada. Atendidos tais requisitos, nos termos do art. 495 do CPC, a ação

rescisória poderá ser ajuizada no prazo de dois anos.

3.1.2 A eficácia imediata da súmula e o direito material: análise necessária

para solução de problemas intertemporais

Da análise da aplicação das súmulas perante decisões de mérito

pretéritas, presentes e futuras até aqui realizada, extrai-se a conclusão de que é

necessária a aplicação imediata do verbete a todos os casos cuja decisão de mérito

338

MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa julgada inconstitucional, p. 115.

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ainda não tenha transitado em julgado, não alcançando, portanto, aquelas que já

tenham adquirido qualidade de coisa julgada material.

Ultrapassada a análise pela ótica do direito processual, é importante

avaliar a questão pelo ângulo do direito material e para este mister alguns

questionamentos emergem. Fatos ocorridos anteriormente à edição de um verbete

ficam sujeitos ao que lá está disposto? Por exemplo, com a publicação da Súmula

vinculante n. 12, em 2008, a cobrança de taxas de matrícula anteriores a esta data

devem ser consideradas ilegais? Se as taxas de matrículas cobradas antes da

edição da súmula assim o foram ao tempo em que inexistia norma jurídica a respeito

do tema, poder-se-ia dizer que a norma jurídica criada alcança tais fatos pretéritos?

Ao menos em tese, as súmulas representam a estratificação de um

entendimento consolidado dos tribunais. Assim, não se trata de uma inovação que

simplesmente surge no ordenamento jurídico “do nada”339, como pode acontecer no

caso da edição de uma lei. Em outras palavras, se antes da edição da súmula a

situação fática chegasse aos tribunais pela via dos recursos excepcionais, ao menos

em tese, teriam seu julgamento nos exatos termos da orientação fixada pela súmula,

não havendo razão para se sustentar, portanto, que os efeitos da súmula somente

alcançariam os fatos havidos após a sua edição.

Essa é uma das características (talvez a principal delas) que diferenciam

as súmulas das leis. Com a edição da súmula, o jurisdicionado não é surpreendido

com algo absolutamente novo, como pode ocorrer no caso da edição de uma lei.

Além disso, a edição da súmula somente poderá ocorrer após reiteradas decisões

do tribunal exatamente naquele sentido em que editado o enunciado.

Nesse aspecto, pensando bem, pode-se dizer que é um contrassenso

exigir que a súmula esteja pautada em “reiterados” entendimentos acerca de uma

mesma tese jurídica, quando, após a sua edição, apenas fatos futuros ficariam a ela

subordinados.

339

“Nós temos que ver que a súmula vinculante não surge num vácuo”. Min. Joaquim Barbosa. CF. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário, Reclamação 7.358/SP, Rel. Min. Ellen Gracie. Brasília, DF. Julgamento 24.02.2011, votação por maioria.

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A necessária observância das súmulas, portanto, relaciona-se às

decisões proferidas a partir de sua publicação e não da ocorrência dos fatos. É o

que sustentou o Min. Gilmar Mendes ao proferir voto em sede de reclamação

constitucional que analisava, justamente, a eficácia das súmulas diante dos fatos.

De fato, a súmula vinculante é deveras regra de decisão. Portanto, o objeto da súmula é a decisão, de modo que a data da decisão é que conta. Significa isso o quê? Que todas as decisões têm que, a partir da edição da súmula, estar de acordo com o seu teor, não os fatos; as decisões. Por isso, há uma norma de decisão. Desde que a decisão foi proferida, após o início da vigência da súmula, se contraria a súmula, ela tem que recair [Grifo do autor].340

Aos fatos pretéritos e consumados, contudo, entende-se não ser possível

a utilização da reclamação. Isso porque, se o tribunal ainda não havia sedimentado

entendimento acerca do tema, não há que se falar, para os fatos pretéritos e

consumados, violação da autoridade das decisões dos tribunais superiores. Os fatos

que podem ser objeto de reclamação, aí sim, são aqueles praticados após a

publicação da súmula, sem a devida observância de seu comando.

3.2. PRAZO PARA AJUIZAMENTO

Concluiu-se no Capítulo 01, Seção 1.5 do presente estudo, que o prazo

para o ajuizamento da ação rescisória é decadencial e de dois anos.

Dessa forma, decisões de mérito que tenham transitado em julgado sem a

observância de súmulas (vinculantes e persuasivas) já editadas pelos tribunais,

poderão ser rescindidas em até dois anos, mediante utilização de ação de rescisória.

De acordo com o que se sustentou naquela oportunidade, caso a decisão

tenha sido proferida antecipadamente, como por exemplo, na hipótese do art. 273,

§6º do art. 6º do CPC, é a partir do seu transito em julgado que terá início do prazo

para o ajuizamento da ação rescisória.

340

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário, Reclamação 7.358/SP. Rel. Min. Ellen Gracie, voto proferido pelo Min. Gilmar Mendes. Brasília, DF. Julgamento 24.02.2011, votação por maioria.

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No mesmo sentido, interposto recurso parcial de sentença, parte da

sentença que não foi objeto de irresignação transita em julgado341. Caso, referida

decisão tenha violado súmula (vinculante ou persuasiva) é a partir deste momento

que tem início o prazo de dois anos para a rescisão do julgado, mediante ação

rescisória.

Assim, como sustentado anteriormente, haverá tantas rescisórias quanto

forem os capítulos da sentença transitado em julgado em momentos e órgãos

jurisdicionais distintos.

3.3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DA SÚMULA

Parece não fazer sentido falar em controle de constitucionalidade de

normas expedidas justamente por aquele que, em última análise, é o responsável

por avaliar o que é e o que não é constitucional.342

Mas há, nesse sentido, algumas observações a fazer.

Em primeiro lugar, a súmula é obra humana e como tal pode apresentar

defeitos, por exemplo, algum aspecto que deixou de ser percebido pelos ministros

no momento de sua edição, mas que macula o verbete de inconstitucionalidade.

Nada obsta, portanto, que as partes legitimadas a questionar a constitucionalidade

de uma lei também possam fazê-lo com relação às súmulas.

341

Se o Autor apela somente do capítulo da sentença que julgou parte do pedido improcedente, ele delimitou os limites objetivos do recurso interposto e, assim, só poderá permitir ao tribunal o julgamento daquele capítulo de sentença impugnado, vale dizer, o tribunal pode conceder ou negar provimento ao recurso, mas seja qual for a decisão, o capítulo da sentença não impugnado não pode ser atingido pelo resultado do recurso, porque ao juiz é vedado extrapolar o limite objetivo do recurso e, ainda, porque o capítulo não impugnado transitou em julgado, tornando-se imutável.” BENÍCIO, Marcelo José Magalhães. Capítulo de sentença e efeitos dos recursos. São Paulo: RCS, 2006. p. 107. 342

“Ainda que se admitisse a hipótese de haver súmula vinculante inconstitucional, caberia ao Supremo Tribunal Federal julgar a ação direta respectiva. E convenhamos, essa ação nasceria fadada ao insucesso, na medida em que, ao adotarem a tese sumulada, os integrantes do Pretório Excelso obviamente, julgaram-na (ainda que de forma implícita) compatível com a Carta Magna.” MUSCARI, Marco Antonio Botto. Súmula vinculante, p. 94.

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Em segundo, de acordo com o que se vem sustentando ao longo deste

estudo, as súmulas persuasivas deveriam vincular os órgãos do Poder Judiciário.

Ora, sendo identificados vícios constitucionais (formal ou material) nestes verbetes,

nada mais prudente do que a arguição e posterior declaração de

inconstitucionalidade.

Bem a propósito, da doutrina de Rodolfo de Camargo Mancuso343, extrai-

se o seguinte ensinamento:

A conformidade com a Constituição é uma condição de validade e eficácia de todos os atos estatais em sentido largo, e por isso sujeitam-se ao controle de constitucionalidade, na dupla via direta e incidental, as normas legais e os atos normativos, isto é, os ‘produtos finais’ do Estado-legislador e do Estado administrador. A súmula vinculante é produto final, potencializado, do Estado-juiz, participando, a um tempo, da natureza da ‘lei’ – enquanto enunciado geral, abstrato, impessoal e impositivo – e dos ‘atos normativos’, haja vista sua função paradigmática, pan-processual, voltada à resolução isonômica das lides, projetando efeitos diretos e reflexos. [...] Assim como as decisões de mérito, transitada em julgado, quando eivadas de vícios graves e insanáveis sujeitam-se a ser desconstituídas via ação rescisória (CPC, art. 485); assim como uma resolução do Conselho Nacional de Justiça – órgão integrante do Judiciário: art. 92, I-A – pode ter sua constitucionalidade questionada; assim como uma norma constitucional derivada pode ser declarada inconstitucional (JSTF 185/69), também uma súmula vinculante do STF, uma vez emitida em desconformidade com alguns de seus pressupostos constitutivos, [...] poderá ter sua constitucionalidade questionada.

Portanto, as súmulas, como normas jurídicas344 que são, estão sujeitas ao

controle de constitucionalidade, devendo, nesta hipótese, ser observados os critérios

343

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 369. 344

Doutrinadores que entendem não se tratar de norma jurídica geral e abstrata, obviamente, sustentam a impossibilidade de controle de constitucionalidade da súmula: “Assim, tendo em vista o fato de a súmula não ser marcada pela generalidade e abstração, diferentemente do que acontece com as leis, não se pode aceitar a técnica do ‘controle de constitucionalidade’ de súmula, mesmo no caso de súmula vinculante. O que existe é um procedimento de revisão pelo qual se poderá cancelar a súmula. O cancelamento desta significará a não mais aplicação do entendimento que vigorava. Neste caso, naturalmente, essa nova posição produzirá as suas conseqüências a partir do novo entendimento, vinculando os demais órgãos do Poder Judiciário e a administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 159-160.

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estabelecidos pela Lei n. 9.868/1999, inclusive com relação aos legitimados para

sua propositura345 e eficácia. Tanto que:

[...] em razão da vinculação e obrigatoriedade, ao lado da generalidade e abstração, a súmula vinculante pode ser objeto de controle abstrato de constitucionalidade, por equiparar-se a uma verdadeira lei em sentido material.346

Sabe-se que a análise de constitucionalidade pode ocorrer pela via do

controle difuso ou pelo controle concentrado. Apesar de a doutrina ainda ser um

pouco silente com relação ao referido controle das súmulas, parece inadequado (e

até ilógico) o controle de constitucionalidade difuso das súmulas expedidas pelo

STF347.

Bem sabemos que referidas súmulas são editadas pelo órgão máximo do

Poder Judiciário brasileiro, responsável, justamente, pela observância da

Constituição Federal. Por essa razão, não parece lógico, portanto, que um verbete

originário desta esfera judiciária possa ter a sua constitucionalidade contestada por

juízos “hierarquicamente” inferiores. Então, se julgadores de outras instâncias

entenderem, por exemplo, que determinado verbete não tem aplicação em um caso

concreto, devem justificar o entendimento de forma fundamentada.

Assim, seja porque o caso apresenta um aspecto que difere daqueles que

originaram a súmula, seja pela superação do entendimento jurisprudencial com

fixação de nova orientação, pode o juiz afastar a súmula, desde que apresente

fundamentos consistentes para tanto.

345

“Art. 2º Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou a Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou o Governador do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; [...]”. 346

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2009. p. 359. 347

Em sentido contrário, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “Como o juiz pode controlar, in concreto, a constitucionalidade de lei, complementar ou ordinária, ou de ato normativo contestado em face da Constituição Federal, a ele é possível, também, fazer o controle concreto da constitucionalidade de verbete da súmula vinculante do STF, que tem caráter geral e normativo. A decisão do juiz que deixa de aplicar a súmula vinculante ou a aplica incorretamente é impugnável por meio de reclamação ao STF”. (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, p. 864).

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Acrescente-se que a não aplicação da súmula ao caso concreto porque

os juízes de primeiro grau ou tribunais estaduais entendem que os verbetes são

inconstitucionais parece, no mínimo, uma incoerência do sistema.

O mesmo não ocorre, pode-se dizer, com as súmulas do STJ, uma vez

que são editadas por órgão do Poder Judiciário que, ao menos diretamente, não tem

como função primordial a constitucionalidade da lei e de atos normativos348. Ainda

que se espere que um verbete emitido pelo STJ não contenha vício de

constitucionalidade, tal hipótese pode ocorrer.

Sobre o tema, Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery349 anotam

o seguinte:

Se o juiz pode controlar, in concreto, a constitucionalidade de lei ou ato normativo que esteja em desacordo com a CF ou a CE, é possível ao juiz, a fortiori, fazer o controle concreto da constitucionalidade de verbete da súmula simples de qualquer tribunal, decidindo a matéria incidenter tantum. Assim, por exemplo, pode o juiz não aplicar a súmula sob o fundamento de que é contrária ao espírito ou texto da CF.

Para esses casos, portanto, torna-se possível o controle de

constitucionalidade in concreto das súmulas, hipótese em que o STF deverá analisar

e se pronunciar acerca da constitucionalidade da norma jurídica, tal como acontece,

hoje, com o controle difuso de constitucionalidade das leis.

Havendo manifestação do STF com relação à constitucionalidade das

súmulas, contudo, é inviável o posterior controle de constitucionalidade pela “via

difusa”, uma vez que o órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro responsável por

proceder à referida análise já o fez. Bem por isso, não é lógico que instâncias

ordinárias realizem tal controle na análise do caso concreto.

348

“Isso não quer dizer, porém, que o Superior Tribunal de Justiça em recurso especial não possa interpretar a legislação infraconstitucional federal à luz da Constituição – e, portanto, interpretar a própria Constituição. O que ele não pode é realizar o controle de constitucionalidade. Os conceitos pertencem a campos temáticos distintos, embora estreitamente ligados. O Superior Tribunal de Justiça pode interpretar a Constituição, mas não pode aplicá-la visando a formação de um juízo de constitucionalidade” Cf. MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas – Do controle à interpretação da jurisprudência ao precedente, p. 35. 349

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, p. 863.

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Todas as súmulas, entretanto, podem sujeitar-se ao controle abstrato de

constitucionalidade, independentemente de serem emitidas pelo STF ou pelo STJ,

na medida em que são normas jurídicas gerais e abstratas.

Por mais que possa parecer incoerente, o controle de constitucionalidade

das súmulas expedidas pelo STF, como mencionado anteriormente, trata-se de obra

humana e, como tal, pode apresentar defeitos, inclusive com relação à

constitucionalidade. É coerente, portanto, que o STF possa rever o seu

posicionamento, com possibilidade, inclusive, de declaração de

inconstitucionalidade.

A decisão proferida em controle concentrado terá efeito erga omnes, ex

tunc e vinculante 350 , ou seja, tonará a súmula nula desde o seu nascimento,

cancelando-se todos os seus efeitos, uma vez que inconstitucional.

O Tribunal tanto poderá declarar a constitucionalidade da lei como a sua inconstitucionalidade. Neste caso, entende-se que a declaração de inconstitucionalidade correspondente a uma declaração de nulidade da lei. À decisão de inconstitucionalidade atribui-se eficácia ex tunc. O Tribunal poderá, porém, por maioria de 2/3 dos juízes, restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado (Lei 9.868/99, art. 27).351

Trata-se, portanto, de efeito completamente diferente do que ocorre

quando há cancelamento ou revisão de súmula352, na medida em que os efeitos daí

decorrentes seriam ex nunc, não alcançando relações jurídicas ocorridas no

passado.

350

Art. 102 da CF: “§ 2º. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. 351

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional, p. 1.162. 352

“A possibilidade de revisão ou cancelamento de súmula é de extrema relevância quando se tem em vista que é da natureza da própria sociedade e do Direito de estar em constante transformação. Nesse sentido, faz-se imprescindível a possibilidade de alteração de súmulas vinculantes, para que elas possam ser adequadas as necessidades, também de índole prática. Todavia, do mesmo modo que a adoção de uma súmula vinculante não ocorre de um momento para outro, exigindo que a matéria tenha sido objeto de reiteradas decisões sobre o assunto, a sua alteração ou modificação também exige discussão cuidadosa.” MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional, p. 978-979.

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3.3.1 Ação rescisória fundamentada em súmula inconstitucional ou cancelada

É de grande relevância avaliarmos as consequências de ação rescisória

que tenha como fundamento uma súmula declarada inconstitucional pelo STF em

ação direta de inconstitucionalidade.

Na hipótese de a sentença (lato sensu) da rescisória ter sido

fundamentada em súmula posteriormente declarada inconstitucional, cabível será a

ação declaratória de nulidade. Isso porque, em última análise, a sentença terá sido

fundamentada em norma jurídica inexistente.

A doutrina de Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia

Medina353 corrobora a assertiva quando fazem a seguinte observação: “[...] sobre

sentenças inexistentes não pesa a autoridade da coisa julgada”, além de a sentença

fundamentada em norma declarada inconstitucional ser inexistente.

Nesse sentido, o entendimento exarado no seguinte julgado é categórico:

Lei inconstitucional é lei natimorta; não possui qualquer momento de validade. Atos administrativos praticados com base nela devem ser desfeitos, de oficio pela autoridade competente, inibida qualquer alegação de direito adquirido. [...] Se se considera como lei

natimorta, é porque a considera inexistente.354

353

“Assim, a declaração de inexistência da sentença não precisa necessariamente ocorrer, por meio de uma ação, como, de ordinário, acontece com as lides que são objeto das ações declaratórias. Na verdade, a inexistência, no processo, e especificamente a inexistência das sentenças, pode ser alegada a qualquer tempo, por meio (ou no bojo) de qualquer ação, inclusive a ação de execução. Assim nada haverá a ‘rescindir’, propriamente, pois sentenças inexistentes não ficam acobertadas pela autoridade da coisa julgada [Grifo dos autores]”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Meios de impugnação das decisões transitadas em julgado. Coisa julgada inconstitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 323. 354

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS 10527/SC, 5ª Turma. Rel. Min. Edson Vidigal. Brasília, DF. Julgamento 03.02.2000. Publicação DJ 0803.2000.

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Na hipótese, considerando-se que sequer há coisa julgada material, não é

necessário rescindir o julgado, bastando a declaração de inexistência em ação

própria ou, ainda, incidenter tantum, no bojo de outro processo355.

Consequência diversa ocorre quando a súmula é cancelada. Isso porque,

conforme sustentado no capítulo anterior, os efeitos daí decorrentes seriam ex nunc.

Eventual rescisória ajuizada com fundamento em súmula cancelada

deverá ser extinta sem análise de mérito por carência de ação (falta de interesse de

agir). É o mesmo que acontece, por exemplo, quando há revogação de lei. É que:

deixando de integrar o ordenamento jurídico, eventual ação em curso com

fundamento em referida lei é carente por falta de interesse de agir.

Se a decisão (transitada em julgado) for proferida, contudo, sem a

observância do verbete, entendemos desnecessária a utilização de ação rescisória,

tendo em visa que se trata de decisão proferida sem observância de uma das

“condições da ação” sendo, portanto, “inexistente”.

Na mesma linha do que se sustentou antes, é suficiente a utilização de

ação declaratória de inexistência para que cessem os efeitos jurídicos

eventualmente decorrentes dessa decisão. Sequer há necessidade de rescisão do

julgado, na medida em que inexiste coisa julgada material, e a justificativa é a

seguinte:

Por meio de ação declaratória de inexistência serão atingidas as sentenças proferidas em processo, a que tenha faltado pressuposto processual de existência, e em ‘ação’ admitida e julgada no mérito, apesar da falta de uma (ou mais) de suas condições, pois o que terá ocorrido não terá sido exercício de direito de ação, mas o exercício de direito de petição, de índole constitucional.356

355

“A ação declaratória de inexistência, embora seja sempre possível, nem sempre é necessária. Parece-nos, todavia, ser sempre necessária uma declaração judicial a respeito, ainda que incidenter tantum, no bojo de outro processo, qualquer que seja ele. Nada impede, contudo, que, a qualquer tempo, havendo resistência em reconhecer-se a inexistência de uma decisão judicial final (ou porque sobre essa inexistência não se tenha manifestado ainda o Poder Judiciário, ou porque a decisão deste Poder tenha sido exclusivamente incidenter tantum), se intente a ação específica, que, segundo pensamos, é a ação declaratória de inexistência. Procedente esta, suprimir-se-á ex radice e definitivamente a totalidade dos efeitos jurídicos decorrentes da pretensa existência da sentença.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, p. 502, 503. 356

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, p. 502.

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Caso o trânsito em julgado tenha ocorrido em momento anterior à edição

do verbete, a conclusão é a de que se trata de decisão válida, pois quando foi

proferida pautou-se em norma jurídica válida. Diferentemente do que sucede com as

súmulas declaradas inconstitucionais, o cancelamento do enunciando somente

projeta efeitos para o futuro (ex nunc), não havendo o que se falar em invalidade ou

mesmo ilegalidade da decisão pretérita.

Por fim, é interessante analisar a possibilidade de – no momento da

declaração de inconstitucionalidade ou cancelamento do verbete – a ação rescisória

estar em curso perante os tribunais superiores. Obviamente, na hipótese, não terá

havido o prequestionamento. Sendo assim, poderá o tribunal (STJ ou STF), neste

caso, conhecer da matéria de ordem pública?

Sem querer aprofundar o tema da (des)necessidade de

prequestionamento de matéria de ordem pública perante os tribunais superiores, até

porque o assunto é demasiadamente denso e polêmico e, ainda, com respeito às

opiniões divergentes, partilha-se do entendimento de que não é possível o

conhecimento da matéria pelos referidos tribunais com esteio nas exatas razões

apontadas por Cassio Scarpinella Bueno357:

Com o devido respeito, a função taxativamente imposta pela Constituição Federal, a ser desempenhada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça não aceita quaisquer mitigações. Não se trata, diferentemente do que se dá em variadas outras hipóteses, do conflito entre princípios jurídicos, mas da interpretação de uma específica regra constitucional que, ao criar e estruturar os Tribunais de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, reconheceu-lhes determinadas competências para serem desempenhadas em prol da uniformização do direito constitucional e infraconstitucional federal em todo o território nacional. Por essa razão, é o caso de afastar o entendimento que aqueles Tribunais possam, no âmbito do recurso extraordinário e do recurso especial,

357

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, v. 5. p. 288. No mesmo sentido, Teresa Arruda Alvim Wambier: “Em princípio, pensamos que o tribunal fica adstrito a redecidir com os dados constantes da decisão. Assim, como regra geral, se o recurso tiver ultrapassado o juízo de admissibilidade, nem por isso as portas estarão abertas para o tribunal examinar a matéria devolvida em sua profundidade. [...] Os recursos extraordinário e especial não geram, assim, efeito translativo ou não tem o efeito devolutivo que deles decorre a dimensão vertical. [...] Estes são recursos interpostos da decisão, e que podem gerar reforma da decisão – quase como se o restante do processo não existisse. Estes recursos não abrem o acesso a outra matéria, que não decidida e impugnada, chegar à cognição do STF e do STJ”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 358-359.

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desempenhar função meramente revisora, como se fossem Tribunais Regionais Federais ou Tribunais de Justiça dos Estados e Distrito Federal.

Atualmente, há diversos entendimentos nos tribunais superiores

concordando com a necessidade de prequestionamento de matérias de ordem

pública358, apesar de não se tratar de entendimento unânime359.

Saliente-se, que a ideia, aqui, não é negar a possibilidade de sucessivas

rescisórias. Ocorre que as hipóteses apresentadas (declaração de

inconstitucionalidade de súmula ou seu cancelamento) não são hipóteses que

autorizariam o ajuizamento de ação rescisória.

Se, contudo, a decisão sub examine comporta o ajuizamento de uma

rescisória para rescindir coisa julgada material constituída em outra ação rescisória,

entende-se ser possível utilizar duas medidas (ou, se for o caso, de mais de duas).

Se, por exemplo, após a sentença de mérito transitar em julgado, a parte

sucumbente obtiver novo documento que permita a rescisão do julgado, poderá

ajuizar “nova” ação rescisória, desde que observado o prazo decadencial de dois

anos360.

358

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Pet. no Resp 1193793/SP (2010/0085206-0), Terceira Turma. Relator. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Brasília, DF. Julgamento 27.03.2014. Publicação 03.04.2014; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp nº 467929/DF, (2014/0017739-3), Segunda Turma. Rel. Min. Humberto Martins. Brasília, DF. Brasília, DF. Julgamento 25.03.2014. Publicação DJe 31.03.2014. No mesmo sentido: “AgReg no AI. ausência de prequestionamento da matéria constitucional. súmula n. 282 do supremo tribunal federal. inovação da matéria em embargos de declaração juridicamente inaceitável para comprovação de prequestionamento. necessidade de prequestionamento do tema constitucional suscitado, ainda que se trate de matéria de ordem pública. agravo regimental ao qual se nega provimento.” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AgReg no AI. 733.063 AgR/RS, Relator Ministro Carmen Lucia. Brasília, DF. Julgamento 12.03.2014, Publicação 13.03.2014. e também: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag Reg no AI 791473, Primeira Turma. Rel. Min. Rosa Weber. Julgamento 03.12.2013. Publicação DJe 16.12.2013. 359

Referido entendimento não é unânime. Há, neste mesmo Tribunal, entendimentos no sentido contrário, ou seja, posicionamentos que defendem a possibilidade de apreciação de matéria de ordem pública independentemente de prequestionamento, caso tenha sido superado o juízo de admissibilidade. São exemplos: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 856.929/AM, 5ª Turma. Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima. Brasília, DF. Julgamento 29.05.2008. Publicação DJe 04.08.2008. 360

No mesmo sentido, Cassio Scarpinella Bueno: “[...] é plenamente admissível o ajuizamento de mais de uma ação rescisória contra uma mesma decisão de mérito. Fundamentalmente, apenas, que não haja repetição de suas causas de pedir, isto é, de uma das causas de rescisão do art. 485, e que se observe o prazo decadencial de dois anos, contado desde o trânsito em julgado da decisão rescindenda. Se a hipótese for de rescisória do acórdão que julgou anterior o pedido rescisório, o prazo do art. 495 fluirá a partir de seu próprio transito em julgado”. (Curso sistematizado de direito processual civil, p. 288).

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CONCLUSÃO

A edição de súmulas pelas cortes superiores brasileiras não é uma

novidade, mas até os dias de hoje tem sido objeto de amplos debates no mundo

jurídico. A possibilidade de ajuizamento de ação rescisória com fundamento,

justamente, na violação dos verbetes faz parte dessa ampla discussão.

Ao longo do presente estudo diversos aspectos foram analisados para, ao

final, concluir que uma decisão de mérito transitada em julgada contrária a eventuais

súmulas – vinculantes ou persuasivas – pode ser rescindida por meio de ação

rescisória.

Para chegar a essa conclusão, contudo, à luz do Estado Democrático de

Direito e da Teoria Geral do Direito e do Processo, foram construídos argumentos

que levaram às seguintes ilações.

1) Apesar de o inciso V do art. 485 do CPC dispor que serão rescindidas

decisões de mérito transitadas em julgado que violarem literal dispositivo de “lei”,

deve-se estender a aplicabilidade do dispositivo às “normas jurídicas”.

2) As súmulas – vinculantes e persuasivas – são “normas jurídicas gerais

e abstratas” editadas pelo Poder Judiciário, sem com isso violar a tripartição de

poderes. Diferem-se das leis na medida em que não se as concebe como absolutas

inovações. Ao contrário disso, são verbetes editados tendo como pano de fundo a

legislação pré-definida pelo Poder Legislativo.

3) Somente as súmulas editadas pelo STF após a Emenda Constitucional

n. 45/2004 possuem previsão expressa de eficácia vinculante (art. 103-A da CF) em

relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública. As

súmulas editadas pelo STJ e as emanadas do próprio STF antes da referida

Emenda, contudo, deveriam vincular – ainda que em menor grau – diretamente os

órgãos do Poder Judiciário e indiretamente os jurisdicionados e a Administração

Pública.

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4) Tanto a violação da súmula vinculante como a da súmula persuasiva

podem ser fundamentos para o ajuizamento de reclamação, que possui natureza

jurídica de ação.

5) Tanto a violação da súmula vinculante como a da súmula persuasiva

podem ser fundamentos para o ajuizamento de ação rescisória, nos termos do inciso

V do art. 485 do CPC.

6) O prazo para o ajuizamento de ação rescisória com fundamento em

violação de súmula é decadencial, de dois anos, e o seu termo a quo é a partir do

trânsito em julgado da decisão que a violar, ainda que tal ocorra antecipadamente,

como na hipótese do art. 273, §6º, do CPC.

7) O fundamento da ação rescisória poderá ser a própria súmula, uma

vez que nem todos os verbetes decorrem da mera subsunção de um caso a um

texto legal. Há casos em que as súmulas criam. Nestas hipóteses terão “vida

própria”, sendo praticamente normas jurídicas autônomas.

8) Nas hipóteses em que a súmula apenas se limita a repetir aquilo que já

dissera o legislador, o fundamento da ação rescisória deverá ser o dispositivo legal e

não o verbete.

9) Apenas as decisões de mérito que tenham transitado em julgado sem

a observância de comando de súmula já existente é que poderão ser objeto de

rescisão.

10) Decisão de mérito transitada em julgado anteriormente à edição da

súmula (vinculante ou persuasiva), salvo na hipótese de inconstitucionalidade de lei,

não deverá ser rescindida. Trata-se, no máximo, de uma decisão injusta que, em

prol da segurança jurídica advinda com a coisa julgada, deverá ser mantida.

11) As súmulas têm eficácia somente para fatos ocorridos após a sua

edição. Fatos passados e consumados não são alcançados pelo verbete.

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Essas são as principais conclusões extraídas do presente estudo, que

alcançou o seu objetivo não só por demonstrar, com bases científicas, a

possibilidade de rescisão de decisões contrárias às súmulas (vinculante e

persuasiva), mas também, e principalmente, por trazer reflexões profundas sobre o

papel que exercem as cortes superiores de justiça no Brasil.

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