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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Anna Claudia Pardini Vazzoler Usucapião coletiva como instrumento de eficácia do direito fundamental à moradia MESTRADO EM DIREITO Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito do Estado, área de concentração Direito Urbanístico e Ambiental, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Doutor Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos. SÃO PAULO 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

Anna Claudia Pardini Vazzoler

Usucapião coletiva como instrumento de eficácia do direito fundamental à moradia

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito do Estado, área de concentração Direito Urbanístico e Ambiental, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Doutor Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos.

SÃO PAULO

2008

Livros Grátis

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Milhares de livros grátis para download.

B a n c a E x a m i n a d o r a

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Dedico este trabalho a todos aqueles que

acreditam e lutam pelo Direito à Moradia, em

especial aos companheiros da Associação dos

Trabalhadores da Região da Mooca, da

Unificação das Lutas de Cortiço e da

Comunidade do Moinho.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao professor orientador Dr. Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos,

pela gentileza e atenção.

Aos meus pais, Marco e Heloisa, pelo apoio incondicional em todos os momentos;

às minhas irmãs, Paula e Carolina, incentivadoras de todos os meus projetos; às

crianças Giovanna e Beatriz, por tornarem meus dias mais alegres.

Agradeço o apoio fundamental dos meus amigos do Curso de Mestrado, em

especial a Antonio Carlos, Mariana, Max e Sylvio.

Agradeço, por fim, aos meus amigos, de todos os tempos, do “Escritório Modelo

Dom Paulo Evaristo Arns” da Faculdade de Direito da PUC/SP.

Quem tem “por que” viver é capaz de suportar

qualquer “como”. (Friedrich Nietzsche)

RESUMO

O trabalho tem por objetivo analisar o instituto da usucapião

coletiva, prevista na Lei nº 10.257 de 2001, como instrumento de eficácia do direito

fundamental à moradia. A usucapião, em sua modalidade coletiva, visa a

regularização fundiária de áreas ocupadas por população de baixa renda que,

historicamente, vive em situação de insegurança jurídica da posse, tendo violado

seu direito fundamental à moradia. De forma abrangente, discorremos sobre os

direitos fundamentais e, em especial, sobre os direitos fundamentais sociais e sua

eficácia. Posteriormente, contextualizamos o direito à moradia tanto no plano

sociológico, como também no plano do direito pátrio e internacional. Por fim,

tratamos do instituto da usucapião, em suas diversas modalidades para chegarmos,

enfim, ao instrumento da usucapião coletiva. De fato, a usucapião coletiva tem

função fundamental para a regularização das áreas ocupadas por população de

baixa renda, que não encontrava no ordenamento jurídico instrumento que lhe

garantisse uma das facetas do direito fundamental à moradia, que é a segurança

jurídica da posse.

Palavras-chave: usucapião coletiva, direito à moradia, direitos fundamentais.

Anna Claudia Pardini Vazzoler

A usucapião coletiva como instrumento de eficácia do direito fundamental à

moradia

ABSTRACT

The scope of this work is to analyze the legal principle of

acquisitive prescription (usucaption or usage) in the special collective urban mode,

included by the Law 10.257 of 2001, as a tool of fundamental housing right efficacy.

The acquisitive prescription, in the colletive urban mode, aims the landing regulation

of areas ocuppied by low income population that, historically, live in possession law

insurence, having their fundamental housing rights violated. In a enclosement way,

we discourse about fundamental rights, in special, the social rights and their efficacy.

Afterwards, we put on context the housing right in the sociological view, as in the

national and international law view. Finnaly, we analyze the acquisitive prescription in

their many modality and treat, specially, the acquisitive prescription in the collective

mode. In fact, the collective acquisitive prescription has a fundamental function to

landing regulation of areas occupied by low income population, who didn´t find in the

law, regulation tool that guarantee one of the dimensions of the fundamental housing

right, that include the possession law ensurance.

Keywords: collective acquisitive prescription, housing right, fundamental rights.

Anna Claudia Pardini Vazzoler

The collective acquisitive prescription as a tool of fundamental housing right

efficacy

SUMÁRIO

RESUMO....................................................................................................................VI

ABSTRACT...............................................................................................................VII

INTRODUÇÃO...........................................................................................................10

CAPÍTULO I: DIREITOS FUNDAMENTAIS..............................................................13

1.1 Conceito de direitos fundamentais...................................................................13

1.2 Direitos fundamentais X Direitos humanos.....................................................19

1.3 Garantias X Direitos fundamentais..................................................................22

1.4 Construção dos direitos fundamentais............................................................24

1.5 Princípio da dignidade humana como substrato

dos direitos fundamentais......................................................................................29

1.6 Funções dos direitos fundamentais.................................................................34

1.7 Direitos fundamentais sociais...........................................................................38

1.8 Eficácia constitucional dos direitos sociais....................................................49

CAPÍTULO II: O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA......................................61

2.1 Breves considerações sobre a crise habitacional e a irregularidade formal

das habitações brasileiras.......................................................................................61

2.2 O direito constitucional fundamental à moradia.............................................76

2.3 O direito à moradia na ordem Internacional....................................................84

2.4 Moradia e função social da propriedade..........................................................95

CAPÍTULO III: USUCAPIÃO COLETIVA COMO INSTRUMENTO DE EFICÁCIA DO

DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA.................................................................102

3.1 Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) como marco regulatório do direito à

cidade......................................................................................................................102

3.2 Concessão de uso especial para fins de moradia........................................109

3.3 usucapião imóvel individual............................................................................114

3.3.1 Etimologia, gênero e origem...................................................................114

3.3.2 Conceito e forma de aquisição...............................................................116

3.3.3 Espécies de usucapião............................................................................119

3.3.3.1 Requisitos do justo título e boa-fé.................................................121

3.3.4 Usucapião especial urbana.....................................................................124

3.4 Usucapião coletiva prevista no Estatuto da Cidade.....................................130

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS.......................................................................146

BIBLIOGRAFIA........................................................................................................151

10

INTRODUÇÃO

De acordo com estudos feitos pelo Laboratório de Habitação da

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, estima-se

que algumas capitais brasileiras apresentam grande número de pessoas moradoras

de favelas: Rio de Janeiro, 20%; São Paulo, 22%; Belo Horizonte, 20%; Goiânia,

13,3%; Salvador, 30%; Recife, 46%; Fortaleza, 31% entre outros. No entanto, a

informalidade dos imóveis é ainda maior se somado o universo dos loteamentos

ilegais existentes, sendo que, em municípios como São Paulo e Rio de Janeiro,

quase metade da população mora de forma irregular. Grande parte da população

não participa do mercado hegemônico1.

Ao poder público cabe ignorar os fatos ou regularizar as

ocupações. Nesse diapasão, ressalta-se a importância do instrumento de

regularização fundiária introduzido pelo Estatuto da Cidade, lei nº 10. 257 de 2001,

que é a usucapião urbana coletiva.

No entanto, para estudar a usucapião urbana coletiva criada pelo

Estatuto da Cidade, deve-se abandonar a visão individualista e liberal do direito civil,

uma vez que sua razão de ser não é de se criar um novo modo de aquisição da

propriedade imóvel ou um novo tipo de tutela desse antigo direito, mas,

principalmente, ordenar a propriedade urbana, tomando como referência os

princípios urbanísticos, que tem como um dos pontos fundamentais a garantia do

1 Ermínia MARICATO. Brasil, Cidades: alternativas para a crise urbana. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2001. p. 39.

11

direito à moradia. O presente trabalho, como opção metodológica, irá desenvolver a

temática da usucapião coletiva sob o olhar do direito público, já que se trata de

contextualizá-lo no âmbito da política urbana, tendo como ponto de partida os artigos

182 e 183 da Constituição Federal e o Estatuto da Cidade.

O objeto dessa pesquisa, portanto, é demonstrar a importância da

usucapião urbana coletiva para a garantia e efetividade do direito fundamental à

moradia. O reconhecimento do direito à moradia e sua inclusão na Constituição

Federal como direito social, reforçado pela Emenda Constitucional nº 26/2000,

consistiram em consideráveis avanços no tocante ao atendimento ao princípio da

dignidade humana, por um lado, e na consolidação da política urbana, por outro.

O primeiro capítulo traça questões gerais relacionadas à teoria

dos direitos fundamentais. Dessa forma, além de conceituar os direitos fundamentais

e apresentar o posicionamento de grandes pensadores sobre o tema, também

assinalaremos a questão da eficácia dos direitos fundamentais sociais, uma vez que

em seu rol está incluído o direito à moradia.

No segundo capítulo, traçaremos algumas linhas sobre a crise

habitacional e a irregularidade formal das habitações brasileiras, informações essas

que reforçam a necessidade de instrumentos que levem à regularização e

urbanização das áreas informalmente ocupadas. Trataremos sobre o direito à

moradia, conceituando-o e contextualizando-o em relação aos direitos fundamentais

sociais, além de o identificarmos como direito previsto na ordem internacional. Por

12

fim, relacionaremos o direito à moradia e a necessária adequação da propriedade à

sua função social.

Finalmente, o terceiro capítulo tratará do instrumento da

usucapião em si. Ressaltaremos a importância do Estatuto da Cidade como marco

regulatório do direito à cidade, lei que inclui a modalidade de usucapião em estudo

como instrumento fundamental de regularização fundiária e consolidação da política

urbana. Discorreremos sobre a concessão especial para fins de moradia, uma vez

que é relevante identificar as diferenças e as similitudes com a usucapião urbana

coletiva. Adentraremos na teoria geral da usucapião, identificando seus principais

elementos e suas espécies. Por fim, trataremos da usucapião urbana e, em especial

de sua modalidade coletiva, que é um dos pontos centrais desse estudo.

13

CAPÍTULO I

DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

A Constituição Federal de 1988 alargou de modo considerável o

campo dos direitos e garantias fundamentais, estabelecendo-se como uma das

Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito a essa questão.2

O direito constitucional brasileiro vive um momento virtuoso, já

que duas mudanças de paradigma lhe deram nova dimensão: o compromisso com a

efetividade de suas normas e o desenvolvimento de uma dogmática de interpretação

constitucional.3 A efetividade das normas de direitos fundamentais passou a ser uma

preocupação constante dos estudiosos e aplicadores da lei, assim como a

interpretação constitucional tem dispensado atenção também para a questão dos

direitos fundamentais como diretriz da atividade hermenêutica.

De fato, os estudos doutrinários têm suscitado a questão da

existência e efetividade dos direitos fundamentais e provocado os aplicadores da lei,

que passaram a ter que enfrentar a questão em seu dia-a-dia.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 25. 3 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. In BARROSO, Luís Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 43.

14

Como bem ensina Sarlet, os direitos fundamentais são conditio sine qua non do

Estado constitucional democrático.4

Realmente, não há como imaginar um Estado democrático sem

um rol de direitos eleitos como fundamentais, alicerce e base para todos os demais

direitos conferidos pelo ordenamento jurídico. É na garantia dos direitos

fundamentais que se deve colocar o reduto antropológico do Estado de Direito5. E o

“direito é indissociável da realização da justiça, da efetivação de valores políticos,

econômicos, sociais e culturais”6 que, sem dúvida, devem se consubstanciar em

direitos com status privilegiado no ordenamento jurídico. É dessa forma que entende

Sarlet7:

“Os direitos fundamentais integram, portanto, ao lado da definição da

forma de Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a

essência do Estado constitucional, constituindo, neste sentido, não

apenas parte da Constituição formal, mas também elemento nuclear

da Constituição material.

4 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006, p. 70. 5 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 249. 6 CANOTILHO, op. cit., p. 244. 7 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 70.

15

...o Estado constitucional determinado pelos direitos fundamentais

assumiu feições de Estado ideal, cuja concretização passou a ser

tarefa permanente.”

“Estado de Direito” pressupõe limitação da atuação do Estado, ou

seja, o Estado também se submete ao direito e esse é conformado a partir da

Constituição, que lhe dá força e vida para que dela emanem todas as normas que

regerão a vida em sociedade.

Ensina Jorge Miranda8 que não há direitos fundamentais em

Estado totalitário ou, pelo menos, em totalitarismo integral. Contrariamente, não há

verdadeiros direitos fundamentais sem que as pessoas estejam em relação imediata

com o poder, beneficiando de um estatuto comum e não separadas em razão dos

grupos ou das condições a que pertençam.

A limitação do poder estatal é pressuposto do Estado democrático

de direito, pois democracia é o governo do povo, que é soberano e detentor do

poder. É o que prevê o parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal:

“Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por

meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta

Constituição.”

Os representantes do Estado devem ao poder popular se

submeter. É tarefa do legislador e do aplicador da lei ter sempre em mente que 8 MIRANDA, JORGE. Manual de direito constitucional:direitos fundamentais. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. v. 4, p. 7.

16

aquele que detém o poder em suas atuações é o povo, e a consecução do bem

comum a sua finalidade precípua.

Para J. J. Gomes Canotilho9, os direitos fundamentais são um

elemento básico para a realização do princípio democrático, pois possuem uma

função democrática, uma vez que o exercício democrático do poder significa a

contribuição de todos os cidadãos para o seu exercício e implica participação livre

para exercer esse direito (direito de associação, de formação de partidos políticos

etc.).

Paulo Bonavides, ao tratar da conceituação de direitos

fundamentais em seu clássico livro “Curso de Direito Constitucional” escolheu

Konrad Hesse para sua caracterização: “criar e manter os pressupostos elementares

de uma vida na liberdade e na dignidade humana, eis aquilo que os direitos

fundamentais almejam”.10

Vincula o autor alemão a dignidade humana e a liberdade como

fundamentos para a fruição dos direitos fundamentais.

Também Bonavides apresenta o entender de Carl Schmit, que

estabeleceu dois critérios formais de caracterização.11

9 CANOTILHO, op. cit., p.437. 10 HESSE, Konrad, “Gundrecht” apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 560. 11 SCHMITT, Carl “Verfassungslehre, apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 561.

17

Pelo primeiro critério, os direitos podem ser designados como

fundamentais se assim nomeados ou especificados na Constituição. Podem ser

designados por direitos fundamentais todos os direitos ou garantias nomeados e

especificados no instrumento constitucional.

Pelo segundo critério, os direitos fundamentais são aqueles que

receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança: ou

são imutáveis ou tem mudança dificultada (erschwert), ou seja, alteráveis por

emenda à Constituição.

Do ponto de vista material, os direitos fundamentais, ainda

segundo Schmitt, variam conforme a ideologia, a modalidade de Estado, a espécie

de valores e princípios que a Constituição consagra.

Nessa linha, podemos dizer que a Constituição, além de mero

texto, é um “fenômeno construído historicamente como produto de um pacto

constituinte, enquanto explicitação do contrato social.”12

Jorge Miranda, de maneira clara, define direitos fundamentais

como “os direitos ou as posições jurídicas ativas das pessoas enquanto tais,

individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição, seja na

Constituição formal, seja na Constituição material”.13

12STRECK, Lenio Luiz. A jurisdição constitucional e as possibilidades hermenêuticas de efetivação da constituição: um balanço crítico. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, São Paulo, n. 3, p. 369-404, 2003, p. 374. STRECK, Lenio Luiz, op. cit., p. 375. 13 MIRANDA, Jorge, op. cit., p. 7.

18

Explica o eminente constitucionalista, que a noção de direitos

fundamentais implica dois pressupostos: o reconhecimento de uma esfera própria

das pessoas frente ao poder político (impossibilidade de haver direitos fundamentais

em Estado totalitário) e a existência de uma relação imediata das pessoas com o

poder, ou seja, a impossibilidade de serem conferidos a apenas um determinado

grupo de pessoas.14

De fato, os direitos fundamentais são normas constitucionais

diferenciadas, e sua qualificação reside no fato de pertencerem a regime jurídico de

proteção especial previsto na Constituição, que se revela pelo nível singular de

proteção de suas normas (cláusulas pétreas) e pela aplicabilidade imediata de seus

preceitos que, no Brasil, garante-se pelo art. 5º, § 1º da Carta Constitucional15.

O ordenamento jurídico brasileiro tratou de dar aos direitos

fundamentais lugar privilegiado na Carta Constitucional, elegendo seu o artigo 5º

como locus para enumeração desses direitos.

Merece assinalar, no entanto, que embora o artigo 5º se proponha

a enumerar os direitos fundamentais de nosso povo, não se trata de rol exclusivo, de

tal forma que podemos encontrar a previsão de direitos fundamentais ao longo de

todo texto constitucional.16 O ilustre jurista J. J. Gomes Canotilho os denomina de

14 MIRANDA, Jorge, op. cit., p. 8. 15 SERRANO, Vidal; ARAÚJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva Editora, 2004. 16 Até mesmo o direito à moradia, objeto de nosso estudo, embora seja direito fundamental, encontra-se elencado no artigo 6º de nossa Constituição, introduzido pela Emenda Constitucional nº 8 de 1995.

19

“direitos fundamentais formalmente constitucionais mas fora do catálogo ou direitos

fundamentais dispersos.”17

Para o jurista português Jorge Miranda18, há direitos fundamentais

que podem ser identificados até mesmo fora da Carta Constitucional, tendo em vista

que o art. 16º, n.º1 da Constituição Portuguesa prevê que “os direitos fundamentais

consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e

das regras de direito internacional.” Ou seja, há (ou pode haver) normas de Direito

ordinário, interno e internacional, atributivas de direitos equiparados aos constantes

de normas constitucionais.

1.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS X DIREITOS HUMANOS

Direitos fundamentais se diferem de direitos humanos porque

aqueles pertencem à ordem interna de determinada nação, enquanto estes são

usados para expressar os direitos inerentes à humanidade em sua totalidade,

direitos sem fronteiras que, por sua importância e inerência à condição humana,

devem ser conferidos a todo e qualquer cidadão do mundo. Os direitos fundamentais

são exigíveis independentemente da aplicação de tratados e documentos

legislativos internacionais. A própria ordem interna os garante, como pertencente ao

sistema jurídico vigente. Direitos do homem são válidos para todos os povos,

independentemente do momento, enquanto direitos fundamentais consistem nos

17 CANOTILHO, op. cit. P. 405. 18 MIRANDA, Jorge, op. cit., p. 11.

20

direitos institucionalizados e limitados no tempo e no lugar.19 A positivação de

direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos

considerados ‘naturais’ e ‘inalienáveis’ do indivíduo.20 Direitos humanos são direitos

supra-estatais que valem universalmente e vinculam a maioria constituinte,

representando um critério de legitimação para a legislação estatal e uma fonte

jurídica complementar para o Terceiro Poder.21

Na mesma direção entende Perez Luño, quando diz que direitos

fundamentais são aqueles positivados a nível interno, enquanto que os direitos

humanos são os direitos naturais positivados nas declarações e convenções

internacionais, assim como as exigências básicas relacionadas com a dignidade,

liberdade e igualdade da pessoa que não alcançou um estatuto jurídico-positivo.22

Há aqueles que entendem ser uma primeira diferenciação o fato

de a expressão “direitos humanos” ser usada com mais freqüência entre os autores

anglo-americanos e latinos, enquanto a expressão “direitos fundamentais” tem sido

largamente utilizada pelos publicistas alemães.23

19 CANOTILHO, op. cit, p. 393: “direitos do homem são direitos válidos para todos os povos em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente.” 20 CANOTILHO, op. cit. p. 339. 21 NEUNER, Jörg Neuner. Os direitos humanos sociais. in SARLET, Ingo Wolfgang. Jurisdição e direitos fundamentais. Porto Alegre: Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul – AJURIS, 2006, p. 145. 22 PEREZ LUÑO, apud GARCIA, Maria. “Mas, quais são os direitos fundamentais?” Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, ano 10, número 39, abril-junho de 2002 p. 115. 23BONAVIDES, Paulo, op. cit.: “A primeira questão que se levanta com respeito à teoria dos direitos fundamentais é a seguinte: podem as expressões direitos humanos, direitos do homem e direitos fundamentais ser usadas indiferentemente? Temos visto nesse tocante o uso promíscuo de tais denominações na literatura jurídica, ocorrendo porém o emprego mais freqüente de direitos humanos e direitos do homem entre os autores anglo-americanos e latinos, em coerência aliás com a tradição e a história, enquanto a expressão direitos fundamentais parece ficar circunscrita à preferência dos publicistas alemães.”

21

Ao distinguir os direitos fundamentais, não há como não citar a

posição do renomado jurista lusitano, J. J. Gomes Canotilho, que brilhantemente

pontua que sem a positivação jurídica, “os direitos do homem são esperanças,

aspirações, ideais, impulsos, ou, até, por vezes, mera retórica jurídica.”24 De fato, se

o sistema jurídico ao qual pertencem os direitos fundamentais não apresentar

também mecanismos jurídicos e processuais que garantam a efetivação desses

direitos, não há utilidade na classificação dos direitos como fundamentais.

Entendemos que, embora os direitos humanos, positivados nas

declarações e convenções internacionais, não tenham a carga de eficácia

semelhante aos direitos fundamentais positivados na ordem interna, não são eles

carentes de imperatividade, uma vez que o compromisso perante organismos e

Estados estrangeiros faz com que alguma efetividade seja a eles conferida, ainda

que o país não os tenha incorporado na ordem interna. O Estado descumpridor

destes direitos pode sofrer pressão de ordem política e econômica.

Para o constitucionalista português Jorge Miranda25, há três

razões para que direitos fundamentais não sejam confundidos com direitos

humanos, embora haja constante referência como sendo sinônimos: a) os direitos

fundamentais são assentes na ordem jurídica, e não derivados da natureza do

homem; b) necessidade de, no plano sistemático da ordem jurídica, considerar os

direitos fundamentais correlacionados com outras figuras subjetivas ou objetivas,

não podendo eles ser desprendidos da organização econômica, social e cultural e

da organização política, exercendo importante papel dinamizador; c) os direitos

24 CANOTILHO, op. cit., p. 393. 25 MIRANDA, Jorge, op. cit., p. 53 e 54.

22

fundamentais presentes na generalidade das Constituições do século XIX não se

reduzem a direitos impostos pelo Direito natural, havendo muitos outros: direitos do

cidadão ativo, do trabalhador, do administrado etc.

De outra forma, no Direito Internacional, prevalece o termo

direitos do homem – ou o termo proteção internacional dos direitos do homem por,

assim, ficar mais clara a atinência dos direitos aos indivíduos, e não aos Estados.

1.3 GARANTIAS X DIREITOS FUNDAMENTAIS

A garantia é um instrumento imprescindível sempre que um direito

é violado ou se existe a possibilidade de sê-lo. Os direitos são os bens em si,

enquanto as garantias existem para a fruição desses bens; as garantias só se

projetam nas esferas jurídicas das pessoas pelo nexo que possuem com os direitos.

Dessa forma, exemplificando, ao direito à vida, corresponde a proibição de pena de

morte; ao direito à liberdade e segurança, garante-se a não retroatividade da lei

penal e o habeas corpus; à liberdade de expressão, a proibição de censura.26

Para o Professor Bonavides, a garantia é meio de defesa de

direito, mas com este não deve se confundir: “(...) esse erro de confundir direitos e

garantias, de fazer um sinônimo de outra, tem sido reprovado pela boa doutrina, que

separa com nitidez os dois institutos, não incidindo em lapsos dessa ordem...”27 O

26 MIRANDA, Jorge. op. cit., p. 95 e 96. 27BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 526.

23

eminente constitucionalista cita Rui Barbosa: “Garantia ou segurança de um direito,

é o requisito de legalidade, que o defende contra a ameaça de certas classes de

atentados de ocorrência mais ou menos fácil.”

Para Gomes Canotilho, “as clássicas garantias são também

direitos, embora muitas vezes se salientasse nelas o caráter instrumental de

proteção dos direitos” e “traduziam-se quer no direito dos cidadãos a exigir dos

poderes públicos a proteção dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios

processuais adequados a essa finalidade.”28

O Professor português ensina como aferir quando se trata de uma

garantia ou um direito fundamental. Se for um direito, deverá ele estabelecer uma

faculdade de agir ou de exigir em favor de pessoas ou de grupos, ou seja, ele se

coloca na respectiva esfera jurídica uma situação ativa que uma pessoa ou grupo

possa exercer por si e invocar diretamente perante outras entidades. Ao contrário,

caso se confina a um sentido organizatório objetivo, independentemente de uma

atribuição ou de uma atividade pessoal – haverá apenas uma garantia institucional.29

Jorge Miranda30 muito bem explica a diferenciação entre as duas

categorias, afirmando que:

28 CANOTILHO, op. cit., p. 396. 29 CANOTILHO, op. cit., p. 74 e 75. 30 MIRANDA, Jorge, op. cit., p. 95.

24

“os direitos representam só por si certos bens, as garantias destinam-

se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as

garantias são acessórias e, muitas delas, adjectivas (ainda que

possam ser objecto de um regime constitucional substantivo); os

direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se directa e

imediatamente, por isso, nas respectivas esferas jurídicas, as

garantias só nelas se projectam pelo nexo que possuem com os

direitos; na acepção jusracional inicial, os direitos declaram-se, as

garantias estabelecem-se.”

1.4 CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

À frente da consagrada classificação dos direitos em gerações ou

dimensões, cabe traçar um breve histórico da construção dos direitos fundamentais,

até a configuração a que se chegou hodiernamente.

Entendemos mais correto o termo “dimensões” de direitos, uma

vez que, de fato, os chamados direitos de primeira e de segunda gerações têm sua

relevante configuração nos dias atuais e o que é de se lamentar, não foram

implementados de maneira satisfatória ao redor do mundo, em especial no caso de

nosso país. Mas, embora atualmente vivamos no que chamam de terceira ou até

quarta geração, o fato é que as dimensões de direitos se inter-relacionam, se

completam e se fazem necessários independentemente da época em que vivemos.

25

Falar que o termo “geração de direitos” se refere ao surgimento

da necessidade de sua regulamentação é até um argumento satisfatório. No

entanto, não significa na regulamentação e efetivação das dimensões de direitos,

pois direitos das chamadas primeira e segunda gerações nem sequer foram, até

hoje, implementados.

Os direitos fundamentais referem-se a direitos de todas as

gerações ou dimensões, positivados no ordenamento jurídico de determinado país.

Passaram na ordem constitucional a manifestar-se em três gerações sucessivas que

traduzem processo cumulativo e qualitativo.31

Assim, a classificação em gerações (ou dimensões) se dá para

fins didáticos e com certa dose de generalização, sendo os direitos todos da mesma

importância, já que fundamentais32.

Jorge Miranda expõe, com perfeição, sobre a classificação dos

direitos em gerações33:

“Conquanto esta maneira de ver possa ajudar a apreender os

diferentes momentos históricos de aparecimento dos direitos, o termo

geração, geração de direitos, afigura-se enganador por sugerir uma

sucessão de categorias de direitos, umas substituindo-se às outras –

quando, pelo contrário, o que se verifica em Estado social de direito é

31 BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 563. 32 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa Garcia. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, ano 14, n. 56, p. 105 a 112, julho-setembro de 2006, p.106. 33 MIRANDA, Jorge. op. cit., p. 24.

26

um enriquecimento crescente em resposta às novas exigências das

pessoas e das sociedades.

Nem se trata de um mero somatório, mas sim de uma interpenetração

mútua, com a conseqüente necessidade de harmonia e concordância

prática. Os direitos vindos de certa época recebem o influxo de novos

direitos, tal como estes não podem deixar de ser entendidos em

conjugação com os anteriormente consagrados: algumas liberdades e

o direito de propriedade não possuem hoje o mesmo alcance que

possuíam no século XIX, e os direitos sociais adquirem um sentido

diverso consoante os outros direitos garantidos pelas Constituições”.

Correntemente, três ou quatro dimensões de direitos são

apontadas: a dos direitos de liberdade; a dos direitos sociais; a dos direitos

coletivamente protegidos (meio ambiente, paz, auto-determinação dos povos); e,

ainda, a dos direitos relativos à bioética, à engenharia genética e à informática.

Os direitos de primeira dimensão referem-se àqueles que exigem

uma abstenção do Estado, um não-agir a fim de que o cidadão tenha preservado

algumas prerrogativas a ele inerentes. Pela clássica classificação de Jellinek, são os

direitos com status negativus, são os direitos de liberdade. Nasceram dos ideais da

Revolução Francesa, consistindo na garantia dos direitos civis e políticos.

Hodiernamente consolidaram-se em grande parte das Constituições dos Estados.

São direitos de primeira dimensão a liberdade de pensamento, a liberdade de

religião, entre outros.

27

Os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais, culturais

e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades.34 Como bem

explica o constitucionalista Paulo Bonavides, foram esses direitos objeto de

formulação em esferas filosóficas e políticas inicialmente e, a partir das declarações

solenes das Constituições marxistas e no constitucionalismo da social-democracia,

passaram a fazer parte das Constituições promulgadas após a Segunda Grande

Guerra.35 Na classificação de Jellinek, são os direitos de status civitatis, aqueles que

exigem uma prestação positiva do Estado, tais como direito ao trabalho, direito à

saúde, direito à moradia e direito à educação.

Os direitos de segunda dimensão têm como objetivo corrigir as

desigualdades sociais e econômicas, procurando solucionar os graves problemas da

chamada questão social, surgida com a Revolução Industrial.

Os direitos de terceira dimensão se relacionam aos chamados

direitos de solidariedade, que dizem respeito ao desenvolvimento, ao meio

ambiente, à paz, à comunicação, entre outros. São direitos que ultrapassam a

dimensão isolada do indivíduo, mas que concernem a uma coletividade ou, até

mesmo, a toda a humanidade.

Há, ainda, autores que se remetem aos direitos da quarta

dimensão, que se referem aos direitos ligados à biogenética e ao patrimônio

genético ou à participação democrática, à informação e o direito ao pluralismo.36

34 BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 564. 35 BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 564. 36BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 571.

28

Tradicionalmente, tem-se afirmado que os direitos fundamentais

constituem um complexo integral, interdependente e indivisível de direitos, de tal

forma que o reconhecimento integral de todos os direitos podem assegurar a

existência real de cada um deles.37

De fato, os direitos se inter-relacionam e se complementam de

forma que a garantia de alguns direitos não se realiza efetivamente sem a garantia

de outros. Essa é, justamente, a lógica das dimensões de direitos, uma vez que a

garantia de certos direitos implicam na necessidade da garantia de outros, levando-

se hoje à quarta dimensão de direitos.

Imagine-se o grande problema contemporâneo que diz respeito

ao aquecimento global: se não houver garantia de cumprimento por parte dos

Estados do compromisso de diminuir consideravelmente a emissão de CO2 na

atmosfera (proteção ao meio ambiente – terceira dimensão de direito), não há como

se falar em direitos de liberdade ou direitos sociais, culturais ou econômicos, pois, o

que está em jogo é a própria manutenção do planeta. As conseqüências do

aquecimento global crescente consistem em grandes catástrofes da natureza, como

elevação do nível do mar. Ou seja, milhões de pessoas terão suas casas invadidas

pelas águas. Dessa forma, como garantir o direito social à moradia, se não

cuidarmos de impedir o aquecimento desenfreado do planeta?

Da mesma forma, como garantir direito de expressão àqueles que

não têm garantido nem sequer o direito elementar à alimentação e à alfabetização?

37 LOPES, Ana Maria D´Ávila. Hierarquização dos Direitos fundamentais? Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, ano 9, n. 34, p. 168-183, janeiro-março de 2001, p. 171.

29

1.5 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA COMO SUBSTRATO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS

O princípio da dignidade da pessoa humana tem sido consagrado

em diversas Constituições e na quase totalidade daquelas concebidas após as

experiências totalitárias que culminaram na 2ª Guerra Mundial, como as

constituições alemã, portuguesa e espanhola.38

Dignidade, do latino dignitate, de acordo com o léxico, em uma de

suas acepções, significa “respeito a si mesmo; amor-próprio, brio, pundonor”.39 “A

etimologia da palavra dignidade nos leva ao termo latino dignus, o qual identifica

aquele que merece estima e honra; aquele que é importante.”40

Importante é todo e qualquer ser humano, independentemente de

sua condição social, sexo, raça ou qualquer outra diferença, conforme preconiza o

artigo 5º de nossa Constituição Federal.

38 BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Métodos para resolução do conflito entre direitos fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 84. 39NOVO AURÉLIO: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999, p. 682. 40 CORRÊA, André L. Costa. Apontamentos sobre a dignidade humana enquanto princípio constitucional fundamental. In Princípios Constitucionais Fundamentais: Estudos em homenagem ao professor Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Lex Editora, 2005, p. 115 a 123, p. 115.

30

A dignidade humana é um valor ético e, como tal, não foi

visualizado pelo homem uma vez por todas e completamente, mas construído pouco

a pouco, no decorrer da História.41

O princípio da dignidade humana consiste na diretriz

constitucional que garante a todos os indivíduos, indistintamente, condições de vida

que possibilitem seu pleno desenvolvimento como pessoa, que permite o

desenvolvimento de toda a sua potencialidade, que garante que não passará por dor

física e mental, por ter protegidos requisitos mínimos de sobrevivência. É um

princípio filosófico supremo. É a condição inerente ao ser humano e que cada um

deve ter o direito de usufruir.

Segundo Francisco Salgado:

“La mayor problemática que había de suscitar esta elevación de la

dignidad del ser humano a la categoría de núcleo axiológico central

del orden constitucional consistia precisamente en definir qué había

de entenderse por “dignidad del hombre”. Quizá una de las

definiciones más citadas sea la de Von Wintrich, para quien la

dignidad del hombre consiste en que “el hombre, como ente ético-

espiritual, puede por su propia naturaleza, consciente e libremente,

autodeterminarse, formarse y actuar sobre el mundo que lo rodea””42.

41 Assim explica Fábio Konder Comparato: “A pessoa é um modelo, ao mesmo tempo transcendente e imanente à vida humana, um modelo que se perfaz indefinidamente e se concretiza, sem cessar, no desenvolvimento das sucessivas etapas históricas. Ao contrário da noção estóica de natureza, que existe na base ou origem de tudo e não muda nunca, a concepção dos valores evolui e aponta claramente para o objetivo de constante e ilimitado aperfeiçoamento do ser humano.” COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 481. 42 SALGADO, Francisco, op. cit., p. 102.

31

A Constituição confere uma unidade de sentido, de valor e de

concordância prática ao sistema de direitos fundamentais, que, por sua vez, tem seu

substrato na dignidade da pessoa humana como fundamento e fim da sociedade e

do Estado.43

Violar a dignidade de uma pessoa é desrespeitá-la, é bani-la de

condições mais singelas, privá-la de condições mínimas para que o ser humano

tenha o direito de se desenvolver física, emocional e mentalmente. Em cada direito

fundamental se faz presente um conteúdo ou, ao menos, alguma projeção da

dignidade da pessoa humana.44

O constitucionalismo do segundo pós-guerra elevou a dignidade

da pessoa à categoria de núcleo axiológico constitucional, e por conseqüência, a

valor jurídico supremo do ordenamento jurídico.45 Após as atrocidades cometidas

durante a Segunda Grande Guerra, uma diretriz protetiva da dignidade da pessoa

humana formou-se a fim de que o erro histórico não mais se repetisse.

No Brasil, a Constituição repousa, entre seus fundamentos, na

dignidade da pessoa humana, ou seja, na concepção que faz a pessoa fundamento

e fim da sociedade e do Estado.46

43SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, 4. ed., ver. Atual. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005., p. 77, com base no pensamento de Jorge Miranda. 44Idem. O Estado social de direito, a proibição de retrocesso e a garantia fundamental da propriedade. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 131-150, 2000, p. 244. 45 SEGADO, Francisco Fernández. La dignidad de la persona como valor supremo del ordenamiento jurídico español y como fuente de todos los derechos in Jurisdição e Direitos Fundamentais. 46PIOVESAN, Flávia, op. cit., p. 26 e 27.

32

Entende-se que houve uma opção material pela dignidade

humana (e por conseqüência, pelos direitos fundamentais) ser ponto central e

fundamental da Constituição de 1988. Essa interpretação é decorrente da leitura do

preâmbulo, dos primeiros artigos da Carta e do status de cláusula pétrea conferido a

tais direitos. 47

A Constituição, reforçando a opção pela dignidade como diretriz

do constitucionalismo atual, menciona também em outros artigos o valor da

dignidade da pessoa humana: o artigo 227 assegura à criança e ao adolescente o

direito à dignidade; o artigo 226, § 6º prevê que o planejamento familiar deve fundar-

se também no princípio da dignidade humana; e o artigo 170, caput determinou que

a ordem econômica tenha por fim assegurar a todos uma existência digna.

O princípio apresenta também sua função de interpretação e

integração da Constituição, uma vez que serve como baliza para a aplicação das

normas constitucionais e de toda legislação infra-constitucional.48

A aplicação do princípio da dignidade humana extrapola os limites

jurídicos para buscar sua fundamentação nos campos da moral49. E por ser assim

considerado, foi eleito pelo legislador constituinte como um dos fundamentos da

República (art. 1º da Constituição Federal), e como tal não pode ser desprezado

cada vez em que é aplicada uma norma.

47 BARCELOS, Ana Paula de. Alguns Parâmetros Normativos para a Ponderação Constitucional. In BARROSO, Luís Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 109. 48 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 80. 49 Para Marilena Chauí, “ética e moral referem-se ao conjunto de costumes tradicionais de uma sociedade e, como tais, são considerados valores e obrigações para a conduta de seus membros”. CHAUÍ, Marilena. Filosofia: série Brasil. São Paulo: Editora Ática, 2005, p. 177.

33

Positivada no ordenamento jurídico brasileiro, a importância da

dignidade humana foi enfatizada pelo legislador e o compromisso reafirmado por

parte do poder estatal, podendo ensejar, além de mera diretriz interpretativa e

legiferante, também, conforme o caso, como direito subjetivo público, uma vez que

muito além do formalismo jurídico, merece o princípio aplicação imediata nos termos

do artigo 5º, §º 1º da Constituição Federal.50

De modo direto e evidente, ensina o constitucionalista Jorge

Miranda que os direitos, liberdades e garantias pessoais e os direitos econômicos,

sociais e culturais têm em comum, sua fonte na ética da dignidade da pessoa, de

todas as pessoas.51

Clémerson Merlin Cléve52afirma que, na atual concepção do

direito constitucional, surgiu uma linha doutrinária conhecida como dogmática

constitucional emancipatória, que estuda o texto constitucional a partir da idéia da

dignidade da pessoa humana. Essa nova linha doutrinária se contrapõe àquela que,

mesmo com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ainda se atém a

conceitos teóricos anteriores a ela, fazendo uma espécie de interpretação

retrospectiva da ordem constitucional, colaborando para manter o status quo.

50 Dignidade humana como direito público: assim entende Emerson Garcia: “Não obstante a indeterminabilidade do conceito, a dignidade humana, uma vez integrada por um núcleo duro de valores inerentes a determinado agrupamento, poderá assumir os contornos de um direito subjetivo público, quer seja sob a ótica da interdição de ações agressivas (v.g., direito de o indivíduo não ser submetido a tortura pelos agentes do Estado), quer seja sob a forma de direitos prestacionais (v.g., direito de o indivíduo receber os medicamentos vitais à sua sobrevivência).” GARCIA, Emerson, op. cit., p. 390. 51 MIRANDA,Jorge A constituição portuguesa e a dignidade da pessoa humana. Revista de Direito Constitucional e Internacional, ano 11, n. 45, p. 81-91, outubro-dezembro de 2003, p. 82. 52CLÉVE, Clémerson Merlin, op. cit., p. 28.

34

A dogmática constitucional emancipatória não é positivista,

embora respeite de modo integral a normatividade constitucional, mas pretende

garantir os princípios constitucionais, os objetivos fundamentais da República e,

sobretudo, a efetividade dos direitos fundamentais.

Uma vez considerada como substrato dos direitos fundamentais,

a dignidade humana também protege os direitos sociais e, como tal, o direito à

moradia. A moradia tem sua relação direta com a dignidade da pessoa humana,

porquanto sua implementação consiste requisito básico para atingi-la. Moradia digna

(com condições de salubridade, fornecimento de energia elétrica e água, sistema de

saneamento ambiental, ventilação adequada) é essencial para que os outros direitos

fundamentais sejam implementados e respeitados.

1.6 FUNÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Ingo Wolfgang Sarlet53 acompanha Alexy na classificação dos

direitos fundamentais em dois grandes grupos: os direitos fundamentais na condição

de direito de defesa e os direitos fundamentais como direito a prestações. Esse

segundo grupo se divide em dois subgrupos, que são o direito a prestações em

sentido amplo (englobando, por sua vez, os direitos de proteção e os direitos à

participação na organização e procedimento) e o dos direitos a prestações em

sentido estrito (direitos a prestações materiais sociais).

53 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 198.

35

J. J. Gomes Canotilho54, de forma diferente, identifica quatro

funções dos direitos fundamentais: função de defesa ou de liberdade; função de

prestação social; função de prestação perante terceiros e função de não

discriminação.

A primeira função dos direitos fundamentais é a de defesa da

pessoa humana e da sua dignidade perante os poderes do Estado e de outros

esquemas políticos coativos. Os direitos fundamentais constituem normas de

competência negativa para o poder público, proibindo ingerências deste na esfera

jurídica individual do cidadão, mas também implicam no poder dos indivíduos de

exercê-los positivamente e de exigir omissões do poder público a fim de evitar

lesões por parte do mesmo.

A função de prestação social dos direitos fundamentais

corresponde ao direito do particular de obter algo por meio do Estado (como, por

exemplo, serviços de saúde e educação).

A terceira função diz respeito à proteção perante terceiros, melhor

dizendo, a garantia do Estado de proteger o exercício dos direitos fundamentais

perante atividades perturbadoras ou lesivas praticadas por terceiros. O esquema

relacional ocorreu entre os indivíduos e não entre indivíduos e Estado.

54 CANOTILHO, op. cit., p. 409.

36

Finalmente, a quarta função, entendida pelo ilustre

constitucionalista, dos direitos fundamentais é a função de não discriminação, em

que o Estado tem o dever de tratar seus cidadãos como fundamentalmente iguais. É

a partir dessa função, ainda por Canotilho, que se trata do problema das quotas e as

afirmative actions, que visam compensar a desigualdade de oportunidades.

No tocante à segunda função assinalada pelo Prof. Canotilho55

(função de prestação social dos direitos fundamentais), o mestre identifica três

núcleos problemáticos dos direitos sociais que, de fato, merecem estudo.

Primeiramente, indaga-se se os particulares podem derivar diretamente das normas

constitucionais pretensões prestacionais. Também se questiona a possibilidade das

normas de direitos fundamentais exigirem atuação legislativa concretizadora de seu

conteúdo. Finalmente, a dúvida recai se as normas consagradoras dos direitos

sociais têm dimensão juridicamente vinculativa dos poderes públicos para que sejam

obrigados à implantação de políticas sociais ativas que conduzam a criação de

instituições e serviços. O Professor português pontua que a resposta aos dois

primeiros problemas é discutível. Contrariamente, acredita que a Constituição de seu

país individualiza e impõe políticas públicas socialmente ativas.

Por política pública entende-se, conforme ensina o Prof. Marcelo

Figueiredo56, como “um programa de ação que tem por objetivo realizar um fim

constitucionalmente determinado. As políticas públicas são mecanismos

imprescindíveis à fruição dos direitos fundamentais, inclusive os sociais e culturais.”

55 CANOTILHO, op. cit., p. 409. 56 FIGUEIREDO, Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário no Brasil. Revista de Direito do Estado, n. 7, p. 217 a 253, julho/setembro de 2007, p. 227.

37

Consideramos que os dois últimos “núcleos problemáticos”

apresentados pelo constitucionalista português não suscitam dúvidas quanto à sua

aplicação. Mais do que direcionar políticas públicas, que sem dúvida é função

precípua de uma Constituição, deve também ensejar a elaboração legislativa nos

assuntos em que os direitos constitucionalmente consagrados não estão plenamente

consolidados. Assim, tomemos como exemplo o direito à moradia, previsto no artigo

6º da Carta Constitucional: tendo em vista o grande déficit habitacional brasileiro,

sobre o qual também trataremos nesse trabalho e, tendo em vista a previsão

constitucional desse direito, devem os legisladores competentes formular legislação

que acelere a resolução do problema mencionado, de forma a perseguirem a

diminuição e a erradicação do problema habitacional brasileiro.

Um dos grandes dilemas dos constitucionalistas atuais paira no

primeiro núcleo problemático assinalado: se os particulares podem derivar

diretamente das normas constitucionais pretensões prestacionais.

Os direitos fundamentais a prestações enquadram-se no âmbito

dos direitos da segunda dimensão, já mencionados neste trabalho. Correspondem à

“evolução do Estado de Direito para o Estado democrático e social de Direito,

incorporando-se à maior parte das Constituições do segundo pós-guerra.” Conforme

assinala o jurista Ingo Wolfgang Sarlet57,

“foi a Carta de 1934, inspirada, principalmente, nas Constituições do

México (1917) e de Weimar (1919), que inaugurou a fase do

constitucionalismo social no Brasil, passando a integrar os direitos 57SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit. p. 216.

38

fundamentais da segunda dimensão ao nosso direito constitucional

positivo”.

O professor gaúcho identifica alguns grupos de posições jurídicas

fundamentais. Assim, podem-se dividir os direitos prestacionais conforme o seu

objeto: direitos a prestações jurídicas (ou normativas) e direitos a prestações fáticas

(ou materiais):

“De outra parte, há que atentar para o fato de que os direitos a

prestações não se restringem aos direitos a prestações materiais

(direitos sociais prestacionais), englobando também a categoria dos

direitos de proteção, no sentido de direitos a medidas ativas de

proteção de posições jurídicas fundamentais dos indivíduos por parte

do Estado, bem como os direitos à participação na organização e no

procedimento”58.

1.7 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

Tema recorrente nos estudos do direito constitucional,

atualmente, é a existência e a eficácia dos direitos fundamentais sociais.

58SARLET, Ingo Wolfgang, op. Cit., p. 219.

39

Para o insigne constitucionalista Paulo Bonavides, “uma linha de

efetividade vincula os direitos sociais ao princípio constitucional da dignidade da

pessoa humana, o qual lhes serve de regra hermenêutica.”59

Ainda que não haja menção expressa na Carta Constitucional

qualificando a República brasileira como um Estado Social e Democrático de Direito,

o princípio fundamental do Estado social não deixou de encontrar guarida em nossa

Constituição, tendo em vista haver princípios expressamente positivados no Título I

da Carta (como, por exemplo, os da dignidade da pessoa humana, dos valores

sociais do trabalho, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, etc.),

além de tal circunstância se manifestar pelo fato de haver previsão de uma grande

quantidade de direitos fundamentais sociais, tais como os direitos dos trabalhadores

(arts. 7 a 11 da CF) e diversos outros direitos a prestações sociais por parte do

Estado (arts. 6º e outros dispersos no texto constitucional).60

Mais do que direitos meramente positivados no ordenamento

jurídico, hodiernamente a fundamentalidade de determinados direitos encontra

respaldo na idéia de que deve ser garantido o mínimo existencial. É nesse caminho

que os direitos sociais têm sido erigidos ao patamar de direitos fundamentais. Assim:

“afirma-se que as normas incluídas no âmbito do conceito de direitos

fundamentais serão efetivadas já não só porque gozam de um

determinado tipo de positividade, mas também porque representam

59 BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 643. 60 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 64.

40

verdadeiros critérios de legitimação do próprio poder criador de

positividade.”61

“Nos direitos sociais, parte-se da verificação da existência de

desigualdades e de situações de necessidade – umas derivadas das condições

físicas e mentais das próprias pessoas, outras derivadas de condicionalismos

exógenos (econômicos, sociais, geográficos, etc.) – e da vontade de as vencer para

estabelecer uma relação solidária entre todos os membros da mesma comunidade

política.”62

Na perspectiva histórica, os direitos sociais nasceram com as

transformações sócio-econômicas ocorridas a partir da revolução industrial, se

aprofundaram com as encíclicas papais de cunho social, com a filosofia marxista,

com a revolução russa e com sua positivação nas constituições do primeiro pós-

guerra, em especial na Constituição de Weimar.63

Se, por um lado, trata-se de direitos fundamentais insculpidos

pela Constituição Federal, por outro há aqueles que ainda insistem tratarem-se de

diretrizes para o legislador e o aplicador da lei, ou seja, sem força normativa

suficiente para implementá-los, servindo apenas como opção para os aplicadores da

lei, cujo descumprimento não implicaria em nenhum tipo de controle.

61SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Fundamentação e normatividade dos direitos fundamentais: uma reconstrução teórica à luz do princípio democrático. In BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional – ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.287. 62 MIRANDA, Jorge, op. cit., p. 105. 63 LAURINO, Salvador Franco de Lima. Globalização, eficácia das normas constitucionais e realização dos direitos sociais. Revista Direito Mackenzie, São Paulo, ano 4, n. 1, p. 191-198, 2003., p. 192.

41

Temos ouvido com freqüência a expressão de que a Constituição

não possui termos inúteis e que todas as suas normas têm eficácia, ainda que em

graus diferentes ou escalonados. No entanto, na vida real, no dia-a-dia dos

cidadãos, não verificamos a vivência destes direitos, mormente na população de

baixa e de baixíssima renda.

Como afirmou Clémerson Merlin Cléve, “o que temos na

normativa constitucional não é uma promessa vã, uma promessa inútil. É, antes, a

resposta normativa à realidade crua que nós conhecíamos e não tolerávamos,

porque nós queríamos – e queremos – um mundo novo, sensivelmente diferente.”64

O constituinte originário, ao incluir os direitos sociais na

Constituição Federal e no Título II – Direitos e Garantias Fundamentais - optou em

dar tratamento prioritário a esses direitos. A Declaração de Direitos constitui-se em

um dos tópicos mais importantes da Constituição, sendo um de seus pilares de

sustentação.

E continua o Professor Clémerson Merlin Cléve:

“Pois bem, esses princípios, esses objetivos, esses direitos

fundamentais, vinculam os órgãos estatais como um todo. Vinculam,

evidentemente, o Poder Executivo, que haverá de respeitar os direitos

de defesa, e ao mesmo tempo propor e realizar as políticas públicas

necessárias à satisfação dos direitos prestacionais. Vinculam o

64 CLÉVE, Clémerson Merlin. O desafio da efetividade dos direitos fundamentais sociais. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, São Paulo, n. 3, p. 291/299, 2003., p. 292.

42

Legislador, que haverá de legislar para, preservando esses valores e

buscando referidos objetivos, proteger os direitos fundamentais,

normativamente, assim como, eventualmente, fiscalizando a atuação

dos demais poderes.

E, por fim, vincula também o Poder Judiciário que, ao decidir, há,

certamente, de levar em conta os princípios, os objetivos e os direitos

fundamentais”.65

Sobre essa temática, posiciona-se o magistério de José Afonso

da Silva:

“A questão da natureza dos direitos sociais ainda se põe porque há

ainda setores do constitucionalismo, especialmente os ligados à

doutrina constitucional norte-americana, que recusam não só a idéia

de que tais direitos sejam uma categoria dos direitos fundamentais da

pessoa humana, mas até mesmo que sejam matéria constitucional,

ou, quando admitem serem constitucionais, qualificam-nos de

meramente programáticos, meras intenções e coisas semelhantes. De

minha parte, sempre tomei a expressão direitos fundamentais da

pessoa humana num sentido abrangente dos direitos sociais, e,

portanto, não apenas os entendi como matéria constitucional mas

como matéria constitucional qualificada pelo valor transcendente da

dignidade da pessoa humana.”66

65 CLÉVE, Clémerson Merlin., op. cit., p. 293. 66 SILVA, José Afonso da. Garantias econômicas, políticas e jurídicas da eficácia dos direitos sociais. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional,São Paulo, n. 3, p. 303-314, 2003, p. 304.

43

E continua o eminente constitucionalista:

“Mas o que são os direitos sociais? Como dimensão dos direitos

fundamentais do homem, já os entendemos como prestações

positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais, que

possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que

tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São,

portanto, direitos que se conexionam com o direito de igualdade.”67

E, de fato, conferir dignidade à pessoa humana é função dos

direitos fundamentais em geral. Se por um lado, os direitos de defesa garantem a

proteção do indivíduo das arbitrariedades do Estado, por outro não há como pensar

em dignidade sem condições mínimas de existência garantidas pelos direitos

sociais. E essas condições mínimas são aquelas que evitam a degradação do ser

humano, que não impingem sofrimento em sua existência como um todo ou em seu

dia-a-dia. Alimentar-se de forma saudável e com as substâncias necessárias para o

bom desenvolvimento do organismo, morar em habitação com chão e com teto, com

fornecimento de água e energia elétrica, com sistema de coleta e tratamento de

esgoto, com ventilação adequada e espaço mínimo de circulação, ter acesso a

transporte coletivo de maneira cômoda e minimamente ágil são exemplos do que é

viver na dignidade. Porque dignidade não é uma palavra mágica e conferida ao

cidadão de forma até romântica, mas é garantir, em seu dia-a-dia, situação mínima

de conforto e segurança. Não há como se falar em direito de expressão se a pessoa

não consegue nem sequer fazer as três refeições diárias. Não há como exigir

participação política do cidadão que mora debaixo de um viaduto e que convive com

67SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 305.

44

o cheiro incômodo de seus próprios dejetos e de sua família. Um direito está

imbricado em outro: não há como exigir que os pais de uma família invistam na

educação de seus filhos, exijam melhores escolas e professores mais qualificados,

se o barraco em que moram é tão quente, sujo e fétido que eles não têm vontade

sequer de levantar da cadeira e a única diversão que lhes resta é a televisão, com a

programação de baixíssimo nível que todos nós conhecemos.

Conforme lição de Hector Gros Espiell:

“só o reconhecimento integral de todos estes direitos pode assegurar

a existência real de cada um deles, já que sem a efetividade de gozo

dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos

se reduzem a meras categorias formais. Inversamente, sem a

realidade dos direitos civis e políticos, sem a efetividade da liberdade

entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais

e culturais carecem, por sua vez, de verdadeira significação”.68

Dignidade não é utopia, uma vontade de que as condições

mínimas se implementem por si só, mas uma diretriz para toda e qualquer atuação

do Estado e dos cidadãos. Toda lei, todo programa de governo, toda política pública,

toda atividade estatal, toda decisão judicial, tem que ser elaborada e efetivada em

torno da dignidade humana. E a dignidade humana tem que ser conferida

especialmente àqueles que são totalmente dela desprovidos. Essas pessoas

merecem uma proteção especial, uma atenção qualificada na implementação de

68 Apud PIOVESAN, Flávia Pobreza como violação de direitos humanos. Revista Brasileira de Direito Constitucional, São Paulo, n. 4, p. 113-129, julho-dezembro de 2004, p. 115.

45

seus direitos. A implementação dos direitos sociais tem relação imediata com a

dignidade da pessoa humana.

Os direitos sociais demandam que o Estado – tal como disposto

em constituições atuais - assuma o seu dever de remover os obstáculos de todo tipo

para fazer acessível o gozo e o desfrute desses direitos, em condições de liberdade

e igualdade de oportunidades para todas as pessoas.69

Como salientou Jacinto Nelson de Miranda Coutinho em palestra

proferida no IV Simpósio Nacional de Direito Constitucional, ocorrido em 2003:

“(...) os Direitos Fundamentais não são meus, Direitos Fundamentais

é (sic) nosso, é coletivo; e que o coletivo é feito da somatória de todos

nós. Enquanto não se tiver uma posição assumida deste porte, não se

tem ética neste país, anômico de ética, porque é comandado por

gente que, quando pensa, pensa em si; pensa no seu estamento;

pensa na sua classe; pensa na sua estrutura e isso é uma

vergonha.”70

69 CAMPOS, Germán J. Bidart. Los derechos sociales, São Paulo, n. 3, p. 671 a 678, janeiro-junho de 2004: O autor, com nítida percepção dos problemas de nossos tempos, ensina: “Cuando sabemos que nuestras comunidades registran altos índices de pobreza, indingencia y miseria, y que en ese espacio de falencias es donde están ausentes los derechos sociales, urge rescatarlos para que el derecho a vivir com dignidad no sea una frase o un slogan, sino una realidad. No se vive en dignidad con solamente titularizar los derechos civiles, porque las personas carenciadas que precisan alimento, vivienda, atención de su salud, educación, medios de subsistencia, y tantas otras cosas más, poco pueden aprovechar – por ejemplo – de la libertad de expresión o del derecho a transitar por el territorio del estado. ¿ Será que para ejercer los derechos civiles es menester que un promedio suficiente de derechos sociales tenga colocado a la persona humana en una verdadera situación de disponibilidad socioeconómica? Cuando la exclusión social, la marginalidad y la miséria nos exhiben a sus víctimas, estamos en condiciones de contestar esa pregunta em forma afirmativa. “Germán J. Bidart Campos, Los derechos sociales, p. 675 e 878. 70COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel da jurisdição constitucional na realização do Estado social. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, São Paulo, n. 3, p. 405 a 423, 2003, p.414.

46

A maioria da população brasileira é de baixa renda e, no entanto,

desprivilegiada apesar do grande número. As políticas públicas são, em sua maioria,

para manter os direitos das classes média e alta. Democracia, etimologicamente,

significa governo do povo. Mas de qual povo? O Estado democrático assenta-se em

dois pilares, que são a democracia e os direitos fundamentais. Mas não há como

mencionar o termo democracia sem a efetiva realização dos direitos fundamentais

sociais e não há direitos fundamentais sociais sem democracia71.

Conforme o entendimento de Asbjorn Eide e Allan Rosas:

“levar os direitos econômicos, sociais e culturais a sério implica, ao

mesmo tempo, um compromisso com a integração social, a

solidariedade e a igualdade, incluindo a questão da distribuição de

renda. Os direitos sociais, econômicos e culturais incluem como

preocupação central a proteção aos grupos vulneráveis. (...) As

necessidades fundamentais não devem ficar condicionadas à caridade

de programas e políticas estatais, mas devem ser definidas como

direitos.”72

A dignidade humana é unitária, desta forma, a divisão dos direitos

fundamentais e humanos em categorias diversas e estanques , tais como direitos

civis e políticos de um lado, direitos econômicos, sociais e culturais de outro,

conduzem à criação de falsas dicotomias, que enfraquecem a efetividade tanto de

uma categoria, como de outra, uma vez que, como já mencionado, os direitos

71 STRECK, Lenio Luiz. A inefetividade dos direitos sociais e a necessidade da construção de uma teoria da constituição dirigente adequada a países de modernidade tardia. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, São Paulo, n. 2, p. 27-64, 2002. 72 Apud PIOVESAN, op. cit., p. 117.

47

fundamentais estão imbricados uns nos outros, de maneira interdependente. Os

direitos econômicos, sociais e culturais não valem menos que os direitos civis e

políticos.73

Para Flávia Piovesan, “a efetiva proteção do direito à inclusão

social demanda não apenas políticas universalistas, mas específicas, endereçadas a

grupos socialmente vulneráveis, enquanto vítimas preferenciais da pobreza.”74

No entender de José Afonso da Silva75:

“é a primeira vez que uma Constituição assinala, especificamente,

objetivos do Estado brasileiro, não todos, que seria despropositado,

mas os fundamentais, e entre eles, uns que valem como base das

prestações positivas que venham a concretizar a democracia

econômica, social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade

da pessoa humana.”

Para o jurista Jorge Miranda76, a efetivação dos direitos sociais,

produziria um efeito pacificador e integrador nas sociedades ocidentais, além de

potenciar o crescimento econômico. No entanto, ressalta o professor:

“(...) nas últimas décadas, o Estado social (também chamado de bem-

estar ou, com certas acentuações, Estado providência ou, no limite

73 BAZAN, Victor. Hacia la exigibilidad de los derechos econômicos, sociales y culturales en los marcos interno argentino e interamericano. Revista Brasileira dos Direitos Fundamentais. São Paulo, n. 4, p. 323-349, julho-dezembro de 2004, p. 342. 74PIOVESAN, Flávia, op. cit., p. 119. 75 PIOVESAN, Flávia, op. cit., p. 27. 76 MIRANDA, Jorge, op. cit., p. 31 e 32.

48

extremo, Estado assistencial) tem entrado em crise, por causa de

excessivos custos financeiros e burocráticos, de egoísmos

corporativos e de quebra de competitividade em face de países com

menor protecção social. E, sofrendo o impacto de correntes

neoliberais e monetaristas, não tem conseguido impedir fenômenos de

exclusão, nem o agravamento de contrastes entre o Norte e o Sul do

planeta, geradores de migrações de conseqüências imprevisíveis.”

A liberdade e a igualdade são complementares, tanto na

concepção liberal como na concepção social. Os direitos de liberdade a garante no

presente, enquanto que os direitos de igualdade pretende garantir a liberdade no

futuro, uma vez que condições mínimas de existência são necessárias para que o

homem possa ser plenamente livre. Os direitos constitucionais de caráter

individualista podem resumir-se num direito geral de liberdade, os direitos de índole

social num direito geral à igualdade.

Os direitos sociais têm por objetivo garantir a igualdade material,

mas como pontua o constitucionalista português:

“(...)sabemos que esta igualdade material não se oferece, cria-se; não

se propõe, efectiva-se; não é um princípio, mas uma conseqüência. O

seu sujeito não a traz como qualidade inata que a Constituição tenha

de confirmar e que requeira uma atitude de mero respeito; ele recebe-

a através de uma série de prestações, porquanto nem é inerente às

pessoas, nem preexistente ao Estado. Onde bastaria que o cidadão

exercesse ou pudesse exercer as próprias faculdades jurídicas,

carece-se doravante de actos públicos em autônoma

49

discricionariedade. Onde preexistiam direitos, imprescindíveis,

descobrem-se condições externas que se modificam, se removem ou

se adquirem. Assim, o conceito do direito à igualdade consiste sempre

num comportamento positivo, num facere ou num dare.”77

1.8 EFICÁCIA CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS SOCIAIS

Eficácia é a qualidade da norma de produzir efeitos jurídicos na

sociedade, “supondo, portanto, não só a questão de sua condição técnica de

aplicação, observância, ou não, pelas pessoas a quem se dirige, mas também de

sua adequação em face da realidade social, por ela disciplinada, e aos valores

vigentes na sociedade, o que conduziria ao seu sucesso.”78

Maria Helena Diniz79, diferencia eficácia social da eficácia jurídica,

uma vez que a primeira “diz respeito, portanto, ao fato de se saber se os

destinatários da norma se ajustam, ou não, seu comportamento em maior ou menor

grau, às prescrições normativas” enquanto a segunda “indica, em sentido técnico,

que ela tem possibilidade de ser aplicada, de exercer, ou produzir, seus próprios

efeitos jurídicos, porque se cumpriram as condições para isto exigidas (eficácia

jurídica), sem que haja qualquer relação de dependência de sua observância, ou

não pelos seus destinatários.”

77 MIRANDA, Jorge, op. cit., p. 104. 78 DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 7. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2006., p. 30 79DINIZ, Maria Helena, op. cit., p. 31.

50

José Afonso da Silva80, em sua clássica obra “Aplicabilidade das

Normas Constitucionais” ensina a diferença conceitual entre vigência e eficácia. Por

vigência, entende o Direito que rege, “aqui e agora, hic et nunc as relações sociais”,

referindo-se ao Direito presente. De outra forma, eficácia do Direito pode ter duas

formas: eficácia social e jurídica. A eficácia social “designa uma efetiva conduta

acorde com a prevista pela norma (...) a norma é realmente obedecida e aplicada”,

também denominada de efetividade da norma. O alcance dos objetivos da norma

constitui a efetividade. Por outro lado, eficácia jurídica consiste na “qualidade de

produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as

situações, relações e comportamentos de que cogita”. Nesse caso, a eficácia diz

respeito à “aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como

possibilidade de sua aplicação jurídica.”

Meirelles Teixeira81 nos ensina que “nenhum dispositivo

constitucional é completamente destituído de eficácia jurídica, pois nada existe inútil

na Constituição.” Explica o saudoso constitucionalista que, ainda que sejam

genéricos e de caráter “aparentemente declamatório, ou demagógico”, sempre há

algum valor normativo nas normas constitucionais. Não há nenhum preceito da

Constituição de eficácia nula. Daí, decorre sua classificação de eficácia das normas

constitucionais, podendo sê-las de aplicabilidade plena ou de aplicabilidade limitada

(ou reduzida). Por normas de eficácia plena, entende o Professor que são aquelas

normas que produzem, desde o momento de sua promulgação, todos os seus

efeitos essenciais, ou seja, todos os objetivos especialmente visados pelo legislador

constituinte. Contrariamente, por normas de eficácia limitada, entende-se aquelas 80SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 66. 81 TEIXEIRA, j. H. Meirelles. Curso de direito constitucional. São Paulo: Forense Universitária, p. 291.

51

que não produzem, assim que promulgadas, todos os seus efeitos essenciais,

“porque não se estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso

suficiente, deixando total ou parcialmente essa tarefa ao legislador ordinário.”82

O Professor, ao discorrer sobre as normas de eficácia limitada,

em especial às normas programáticas, ensina que as mesmas apresentam os

seguintes efeitos: a) mandado ao legislador ordinário; b) condicionamento da

legislação futura; c) revogação das leis anteriores incompatíveis; d) eficácia

interpretativa; e) eficácia integradora; f) condicionamento da atividade discricionária

da Administração e do Poder Judiciário; g) criação de situações jurídicas subjetivas,

de vínculo ou vantagem.

O efeito de mandado ao legislador consiste na ordem dirigida ao

legislador ordinário para que legisle para certo fim, ou num certo sentido. O efeito de

condicionamento futuro significa que, para além de ter que legislar sobre

determinado assunto, o legislador tem que fazê-lo “de certo modo, segundo tais e

tais diretrizes, observando tais e tais princípios.”83 As normas de eficácia limitada,

ainda, devem balizar a interpretação e a aplicação da lei no caso concreto, não só

no âmbito do Poder Judiciário, mas também para condicionar a atuação da atividade

da Administração Pública.

Ao tratar da “criação de situações jurídicas subjetivas, de vínculo

ou vantagem”, menciona o saudoso constitucionalista que:

82TEIXEIRA, Meirelles, op. cit., p. 317. 83 TEIXEIRA, Meirelles, op. cit., p. 335.

52

“a grande dificuldade, neste nosso tema dos efeitos das normas de

eficácia limitada, é justamente determinar, frente a essa diversidade

de normas, relativamente à predominância desta ou daquela classe de

interesses, determinar, primeiro de um modo geral, quais as situações

jurídicas subjetivas de vantagem, produzidas pelas normas

programáticas: darão elas origem a verdadeiros direitos subjetivos, a

interesses legítimos, ou apenas a meros ‘interesses simples’?” E a

seguir, o Professor explica: “Evidentemente, nem sempre as normas

programáticas se apresentam aptas a configurar direitos subjetivos,

podendo-se até mesmo reconhecer que isso sucede na maioria dos

casos. Mas daí a negar-se, de modo absoluto, possam elas, em

determinadas circunstâncias, produzir verdadeiros direitos subjetivos,

a distância é muito grande.”84

Conclui o pensamento sobre o assunto assinalando que:

“(...) se das normas programáticas não podem surgir direitos

subjetivos em seu aspecto positivo, isto é, como faculdade de exigir

uma prestação (por exemplo, o trabalhador desempregado não pode

exigir trabalho; o agricultor não pode exigir crédito para sua lavoura);

(...), e se tal fosse possível, evidentemente as normas já não seriam

programáticas, destas podem, todavia, surgir direitos subjetivos em

seu aspecto negativo, isto é, como faculdade de exigir uma

abstenção, em face de leis e atos administrativos que lhes sejam

manifestamente contrários.”85

84 TEIXEIRA, Meirelles, op. cit., p. 355. 85 TEIXEIRA, Meirelles, op. cit., p. 361.

53

Dessa forma, o constitucionalista acima citado, um dos

precursores brasileiros sobre o debate sobre a eficácia das normas constitucionais,

ainda que não tenha tido a oportunidade de dialogar com a hermenêutica

constitucional atual, sinalizou fortemente que não pode haver norma constitucional

despida de eficácia. Tanto é que conferiu às chamadas “normas programáticas”

todos os efeitos acima mencionados.

José Afonso da Silva86 entende ser insuficiente a classificação da

eficácia em apenas dois grupos. O autor inclui mais um item, considerando que

certas normas prevêem uma legislação futura, mas não podem ser enquadradas

entre as de eficácia limitada. Assim, propõe o constitucionalista uma divisão tríplice

de categorização da eficácia: normas constitucionais de eficácia plena; normas

constitucionais de eficácia contida e normas constitucionais de eficácia limitada (ou

reduzida).

Na primeira categoria incluem-se todas as normas que, desde a

entrada em vigor da constituição, produzem todos os seus efeitos essenciais (ou têm

a possibilidade de produzi-los), todos os objetivos visados pelo legislador

constituinte, porque este criou, desde logo, uma normatividade para isso suficiente,

incidindo direta e imediatamente sobre as matérias que lhes constitui objeto. O

segundo grupo também se constitui de normas que incidem imediatamente e

produzem (ou podem produzir) todos os efeitos desejados, mas prevêem meios ou

conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites, dadas certas

circunstâncias. Ao contrário, as normas do terceiro grupo são todas as que não

86 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 83.

54

produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque

o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma

normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a

outro órgão do Estado.

“Por isso, pode-se dizer que as normas de eficácia plena sejam de

aplicabilidade direta, imediata e integral sobre os interesses objeto de

sua regulamentação jurídica, enquanto as normas de eficácia limitada

são de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente

incidem totalmente sobre esses interesses após uma normatividade

ulterior que lhes desenvolva a eficácia, conquanto tenham uma

incidência reduzida e surtam outros efeitos não-essenciais, ou,

melhor, não dirigidos aos valores-fins da norma, mas apenas a certos

valores-meios e condicionantes, (...). As normas de eficácia contida

também são de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral,

porque sujeitas a restrições previstas ou dependentes de

regulamentação que limite sua eficácia e aplicabilidade”87.

A afirmação dos direitos sociais como constitucionais apresenta

fenomenal importância, pois, a partir desse momento, adquirem sua primeira

condição de eficácia jurídica. No entanto, de nada adianta sua positivação, se essa

não for acompanhada de garantias de sua aplicabilidade.

“Se, por um lado, a necessidade de uma adaptação dos sistemas

de prestações sociais às exigências de um mundo em constante transformação não

87 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 83.

55

pode ser desconsiderada, simultaneamente o clamor elementar da humanidade por

segurança e justiça sociais – em suma, por direitos sociais efetivos – continua a ser

um dos principais desafios e tarefas do Estado.”88

Hoje, a linha de pensamento que considera a natureza também

social dos direitos individuais já prevalece em considerável parte da doutrina

contemporânea, muito além de uma concepção clássica de direitos fundamentais

pertencente ao pensamento liberal, cujo direito era acentuado pela tradição

privatística romana, assentado no binômio indivíduo e Estado, “dois pólos

impermeáveis de materialidade antagônica e confrontante”89

Os direitos fundamentais de primeira dimensão não apresentam

maiores dúvidas quanto à sua aplicabilidade plena, para que possa desencadear

todos os seus efeitos jurídicos. No entanto, o mesmo não ocorre em relação aos

direitos sociais, em especial, aos direitos sociais prestacionais, que exigem conduta

positiva por parte do destinatário da norma (geralmente o Estado), em regra, numa

prestação de natureza fática ou normativa. Ingo Wolfgang Sarlet90, nesse sentido,

pontua que “a razão está com Canotilho ao enfatizar a necessidade de ‘cimentar

juridicamente’ o estatuto jurídico-constitucional dos direitos sociais, econômicos e

culturais.” Apresenta o jurista gaúcho, no tocante à eficácia dos direitos sociais, as

seguintes indagações:

88SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 248. 89 BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 637. 90SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 248.

56

“a) em que medida os direitos a prestações se encontram em

condições de, por força do disposto no art. 5º, parágrafo 1º da CF

serem diretamente aplicáveis e gerarem sua plena eficácia jurídica? b)

quais os diversos efeitos jurídicos inerentes à eficácia jurídico-

normativa dos direitos fundamentais a prestações? c) é possível

deduzir destes direitos um direito subjetivo individual a prestações

estatais? d) caso afirmativo a resposta à pergunta anterior, em que

situações e sob que condições um direito subjetivo a prestações

poderá ser reconhecido?”

Emerson Garcia entende que a dignidade humana não costuma

ser interpretada diretamente invocável a partir de normas constitucionais, mas

necessária se faz a intermediação do legislador. No entanto:

“tratando-se de prestações que se enquadrem, consoante os valores

vigentes no grupamento, em um núcleo, essencial e incontestável,

consubstanciador da dignidade, não vislumbramos óbice à sua

invocação direta com o fim de alicerçar pretensões dessa natureza.

Nesse caso, como veremos, o difundido vetor principiológico da

dignidade assume maior concretude e, consoante a situação

específica, pode assumir o status de direito subjetivo.”91

91 GARCIA, Emerson, op. cit. p. 392 a 394: “Ainda que, a priori, ostente a forma de princípio diretor ou de mandado endereçado ao legislador, o respeito à dignidade humana pode transmudar-se em direito subjetivo quando, à luz do caso concreto, se mostrarem imprescindíveis determinadas prestações que se encontrem ao abrigo de um quadro axiológico já sedimentado no grupamento. Nesses casos, será possível exigir um facere estatal para atender a um rol mínimo de direitos.”

57

Paulo Bonavides, ao fundamentar que o § 4º do artigo 60 da

Constituição Federal também considera os direitos fundamentais sociais como

cláusulas pétreas, analisa magistralmente a importância e a eficácia desses direitos.

Ensina o constitucionalista que a interpretação de que somente os

direitos e garantias previstos no artigo 5º são abrangidos pelo citado parágrafo é

uma interpretação comprimida e restritiva, “pois mediante conceitos jurídicos de

aplicação rigorosa que estampam a face de um constitucionalismo desde muito

abalado e controvertido em suas fronteiras materiais, bem como nas suas antigas

bases de sustentação e legitimidade; seria, por conseqüência, um constitucionalismo

inconformado com o advento de novos direitos que penetram a consciência jurídica

de nosso tempo e nos impõem outorgar-lhes o mesmo grau de reconhecimento, em

termos de aplicabilidade, já conferido aos que formam o tecido das construções

subjetivistas onde se teve sempre por meta estruturar a normatividade constitucional

dos direitos e garantias individuais.”92

Dada a importância do constitucionalista citado ao direito pátrio,

pertinente a citação ipsis literis de seu pensamento acerca do tema93:

“A Nova Hermenêutica constitucional se desataria de seus vínculos

com os fundamentos e princípios do Estado democrático de Direito se

os relegasse (os direitos sociais) ao território das chamadas normas

programáticas, recusando-lhes concretude integrativa sem a qual,

92 BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 638. 93 BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 641, 642.

58

ilusória, a dignidade da pessoa humana não passaria também de

mera abstração.

A observância, a prática e a defesa dos direitos sociais, a sua

inviolável contextura formal, premissa indeclinável de uma construção

material sólida desses direitos, formam hoje o pressuposto mais

importante com que fazer eficaz a dignidade da pessoa humana nos

quadros de uma organização democrática da Sociedade e do Poder.

(...)

Sem a concretização dos direitos sociais não se poderá alcançar

jamais “a Sociedade livre, justa e solidária”, contemplada

constitucionalmente como um dos objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil (art. 3º). O mesmo tem pertinência com

respeito à redução das desigualdades sociais, que é, ao mesmo

passo, um princípio da ordem econômica e um dos objetivos

fundamentais de nosso ordenamento republicano, qual consta

respectivamente do art. 170, VII, e do sobredito art. 3º.

(...) pelos seus vínculos principais já expostos – e foram tantos na sua

liquidez inatacável -, os direitos sociais recebem em nosso direito

constitucional positivo uma garantia tão elevada e reforçada que lhes

faz legítima a inserção no mesmo âmbito conceitual da expressão

direitos e garantias individuais do art. 60.”

59

Para J. J. Gomes Canotilho,94 o núcleo essencial dos direitos

sociais já realizado e efetivado pelo legislador encontra-se constitucionalmente

garantido contra medidas estatais que, na prática, resultem na anulação, revogação

ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial, de tal sorte que a liberdade

de conformação do legislador e auto-reversibilidade a ele inerente encontram

limitação no núcleo essencial já realizado. Dessa forma, não pode o legislador, tanto

em nível infra-constitucional ou mesmo por meio de emendas à Constituição, reduzir

ou esvaziar o conteúdo dos direitos sociais. A modificação das normas jurídicas,

ainda que seja possível, deve atentar-se para o cuidado de não aniquilar seu

conteúdo já consolidado.

“No âmbito da doutrina constitucional portuguesa, que tem exercido

significativa influência sobre o nosso próprio pensamento jurídico, o

que se percebe é que, de modo geral, os defensores de uma proibição

de retrocesso, dentre os quais merece destaque o nome do

conceituado publicista Gomes Canotilho, sustentam que após sua

concretização em nível infraconstitucional, os direitos fundamentais

sociais assumem, simultaneamente, a condição de direitos subjetivos

a determinadas prestações estatais e de uma garantia institucional, de

tal sorte que não se encontram mais na (plena) esfera de

disponibilidade do legislador, no sentido de que não podem ser

reduzidos ou suprimidos (...)”95

94 CANOTILHO, op. cit., 327. 95 CANOTILHO, op. cit., p. 249.

60

Nessa mesma direção, entende Jorge Miranda96 que o sentido da

elevação de certos direitos econômicos, sociais e culturais a limites materiais de

revisão implica em que o conteúdo essencial de cada um deles não possa ser

diminuído por revisão constitucional; e que o regime específico desses direitos,

sobretudo no que concerne às suas formas de proteção e garantia também não

pode ser afetado.

Diante do exposto, entendemos que os direitos fundamentais

sociais têm sua eficácia estendida para obrigar o legislador ordinário a implementar

legislação que os garanta; servir de baliza e fundamento para a atividade

jurisdicional; condicionar todas as atividades da Administração (ainda que em seu

âmbito de discricionariedade) e, finalmente, ensejar a criação de situações jurídicas,

quando a não-implementação do direito viole frontalmente a dignidade da pessoa

humana que, como mencionado, é um dos fundamentos da República brasileira.

96 MIRANDA, Jorge, op. cit., p. 402.

61

CAPÍTULO II

O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA

2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A CRISE HABITACIONAL E A

IRREGULARIDADE FORMAL DAS HABITAÇÕES BRASILEIRAS

Os países da América Latina, incluindo o Brasil, passaram por

intenso processo de urbanização, em especial na segunda metade do século. Em

1940, a população urbana era de 26,3% do total. Em 2000, essa porcentagem

passou a 81,2%97. Em sessenta anos, os assentamentos urbanos foram ampliados

de forma a abrigar mais de 125 milhões de pessoas. Esses milhões de pessoas

demandaram todos os tipos de serviço para suprimento de suas necessidades

básicas, tais como moradia, transporte, saúde, energia etc. Também precisaram

ingressar no mercado de trabalho.98

No período assinalado, o Brasil se transformou, passando de um

país com predominância rural e agrícola para um país com predominância urbana e

industrial. Em 1950, a população brasileira era quase dois terços rural e, trinta anos

mais tarde, dois terços da população era recenseada como urbana. Nesse período,

a taxa de crescimento da economia, em média, foi de 7% ao ano. De 1950 a 1980, o

Produto Interno Bruto foi multiplicado por oito e a renda per capita multiplicada por

97 Esse crescimento se mostra mais impressionante ainda se lembrarmos os números absolutos: em 1940 a população que residia nas cidades era de 18,8 milhões de habitantes e em 2000 ela é de aproximadamente 138 milhões. MARICATO, Hermínia, op. cit., p. 16. 98 MARICATO, Ermínia, op. cit., p. 16.

62

3,4. No entanto, a taxa de crescimento do emprego não acompanhou a do PIB. A

taxa de emprego foi multiplicada em apenas 2,6. A desigualdade na divisão da renda

foi acentuada: a parte mais rica concentrava 39,6% da renda em 1960 e 47,7% em

1980. Dessa forma, o modelo de desenvolvimento gerou maior desigualdade

social.99

De acordo com dados do censo 2000, dos 169 milhões de

habitantes brasileiros, 137 milhões vivem em áreas urbanas, representando 81,23%

de pessoas vivendo em áreas urbanas no Brasil. Existem hoje no país nove Regiões

Metropolitanas, que agregam grande concentração populacional.100

Paulo José Villela Lomar101 explica que:

“A ampliação da demanda habitacional em virtude da intensificação do

processo migratório urbano se deu em velocidade muito maior do que

a capacidade do poder público e da iniciativa privada em atendê-la,

provendo habitação digna em quantidade suficiente. Além disto, os

recursos financeiros disponíveis nos programas de financiamento

habitacional sempre foram insuficientes para atendimento da

demanda. Paralelamente, a intensificação do processo de

concentração de renda aumentou a pobreza, ampliou e aprofundou a

exclusão social.”

99 SACHS, Céline. São Paulo: políticas públicas e habitação popular. São Paulo: Edusp, 1999, p. 40 a 42. 100 AITH, Fernando Mussa Abujamra. O direito à moradia e suas garantias no sistema de proteção dos direitos humanos. 2001. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002, p. 7 e 8. 101 LOMAR, Paulo José Villela. Usucapião coletivo e habitação popular. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, n. 31, p133.

63

Como acima mencionado, a urbanização ocorreu em ritmo rápido,

tendo havido uma verdadeira “explosão urbana”, com a população das cidades

aumentando mais de quatro vezes no período de trinta anos. Os empregos criados

nas cidades não conseguiram absorver a mão-de-obra disponível, apesar da inicial

taxa elevada de crescimento econômico. Houve forte expansão do setor informal de

trabalho.

A urbanização acelerada, ao mesmo tempo em que houve o fim

de um fértil período de expansão da economia brasileira, introduziu no território das

cidades um novo e dramático significado: mais do que evocar progresso ou

desenvolvimento, elas passam a retratar – e reproduzir – de forma paradigmática, as

injustiças e desigualdades da sociedade.

A conjunção do crescimento, sem distribuição de renda, com a

rápida urbanização acarretou em mecanismo de exclusão social e de segregação

espacial, dois traços fundamentais do modelo de desenvolvimento brasileiro. O

desemprego e a divisão desigual da renda polarizaram a sociedade urbana, o que

também ocorreu em relação aos espaços. Os centros das cidades e os bairros

elegantes concentram a maioria das infra-estruturas e vivem um boom imobiliário. A

maioria pobre vê-se empurrada para uma periferia cada vez mais distante, fato que

leva a um crescimento horizontal desmesurado das aglomerações. Excluída do

mercado imobiliário regular por falta de um poder aquisitivo suficiente, e na ausência

de uma promoção pública adaptada a seus meios, a maioria pobre é obrigada a

resolver a questão de sua habitação na “cidade ilegal”, sub-equipada. 102

102 SACHS, Céline, op. cit., p. 40 a 42.

64

Em 1964, foi criado pelo regime militar o Banco Nacional da

Habitação (BNH) integrado ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH). As cidades

brasileiras passaram a ocupar o centro de uma política destinada a mudar seu

padrão de produção. No entanto, o acesso das classes médias e altas foi priorizado.

Infelizmente, o financiamento imobiliário não impulsionou a democratização do

acesso à terra via instituição da função social da propriedade. A atividade produtiva

imobiliária nas cidades brasileiras não subjugou as atividades especulativas, como

ocorreu nos países centrais do capitalismo. Para a maioria da população que

buscava moradia nas cidades, o mercado não se abriu.103 As iniciativas

habitacionais públicas consistentes na construção dos conjuntos habitacionais

populares não foram implementadas nos vazios urbanos das áreas centrais, mas em

áreas carentes de infra-estrutura e desenvolvimento, fazendo com que a população

de baixa renda fosse “jogada” às áreas periféricas.104

“Com a recessão das décadas de 80 e 90, as taxas de

crescimento demográfico superaram as do crescimento do PIB, fazendo com que a

evolução do PIB per capita fosse negativa na década de 1980. Isso trouxe forte

impacto social e ambiental, ampliando o universo de desigualdade social. Nessas

duas décadas, a concentração da pobreza é urbana. Pela primeira vez, o Brasil tem

multidões, que assumem números inéditos, concentradas em vastas regiões –

morros, alagados, várzeas ou mesmo planícies – marcadas pela pobreza

homogênea. Segundo estudo do IPEA, 33% dos pobres brasileiros se concentram

103 MARICATO, Ermínia, op. cit., p. 21. 104 MARICATO, Ermínia, op. cit., p.21.

65

no Sudeste, predominantemente nas metrópoles.” 105 O crescimento industrial no

país ocorreu com uma das maiores concentrações de renda do mundo: enquanto os

10% mais ricos apropriam-se de quase metade da renda total (48,1%) aos 10% mais

pobres cabem apenas 0,8% do total dos rendimentos.

Como pontua Rômolo Russo Júnior106, o desmantelamento do

processo de urbanização que se agravou na segunda metade do século XX deu-se

devido a três causas: a) a desorganização das cidades, marcada pela omissão da

autoridade administrativa; b) a concentração de renda nos grandes centros urbanos,

ao lado da grande elevação da pobreza e conseqüente exclusão social; c) a

ausência de uma política de gestão urbana, firmada a partir de vetores existentes no

Plano Diretor de cada Município.

Como podemos perceber, o problema da desigualdade social107 e

a má distribuição de renda são antigos e têm sido acentuados ao longo das

décadas. O sistema capitalista, por sua própria natureza, privilegia o acúmulo de

capital e a geração de lucro, em detrimento da satisfação de direitos do resto da 105 MARICATO, Ermínia, op. cit., p.22. 106 RUSSO JÚNIOR, Rômolo. Direito à moradia: um direito social. 2006. 235 f. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006., p. 160. 107 CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília: Câmara dos Deputados, 2001, p. 34.: O quadro de contraposição entre uma minoria qualificada e uma maioria com condições urbanísticas precárias é muito mais do que a expressão da desigualdade de renda e das desigualdades sociais: ela é agente de reprodução dessa desigualdade. Em uma cidade dividida entre a porção legal, rica e com infra-estrutura e a ilegal, pobre e precária, a população que está em situação desfavorável acaba tendo muito pouco acesso às oportunidades de trabalho, cultura ou lazer. Simetricamente, as oportunidades de crescimento circulam nos meios daqueles que já vivem melhor, pois a sobreposição das diversas dimensões da exclusão incidindo sobre a mesma população faz com que a permeabilidade entre as duas partes seja cada vez menor. Esse mecanismo é um dos fatores que acabam por estender a cidade indefinidamente: ela nunca pode crescer para dentro, aproveitando locais que podem ser adensados, é impossível para a maior parte das pessoas o pagamento, de uma vez só, pelo acesso a toda a infra-estrutura que já está instalada. Em geral, a população de baixa renda só tem a possibilidade de ocupar terras periféricas – muito mais baratas porque em geral não têm qualquer infra-estrutura – e construir aos poucos suas casas. Ou ocupar áreas ambientalmente frágeis, que teoricamente só poderiam ser urbanizadas sob condições muito mais rigorosas e adotando soluções geralmente dispendiosas, exatamente o inverso do que acaba acontecendo. P. 25 e 26

66

população, marginalizada. A moradia é um desses direitos postos de lado pelo

Poder Público. O déficit habitacional, em 2006, estava na ordem de 7,964 milhões

de residências.

A lógica da especulação imobiliária prevalece sobre a função

social da propriedade urbana. As cidades brasileiras apresentam, em regra, um

crescimento desordenado em virtude, principalmente, da lógica atual do mercado

fundiário. Essa lógica, fundada nas premissas do direito de propriedade absoluto e

do lucro, resulta em cidades com grande número de terrenos ociosos e grandes

áreas não urbanizadas. Nas grandes cidades, as áreas centrais, valorizadas devido

ao acesso de serviços públicos de infra-estrutura, são densamente edificadas. Essa

lógica do mercado fundiário, aliada à inação do Poder Público, incentiva os

comportamentos especulativos de retenção prolongada de glebas e terrenos vagos

e aumenta a demanda por terra para entesouramento como reserva de valor ou

patrimonial.

À população de baixa renda restam as áreas periféricas, seja

porque são expulsas por intermédio de políticas governamentais higienistas, seja por

não conseguirem arcar com os gastos elevados do custo de vida das áreas centrais.

Observa-se, então, o crescimento horizontal excessivo da mancha urbana no

sentido das periferias. Não há, no entanto, investimento público nessas áreas que

garantam a implementação de direitos básicos, como saneamento ambiental,

sistema de transportes, educação, saúde, entre outros. A maior parte das áreas

periféricas são vazios urbanos que não cumprem a função social da propriedade e

que acabam sendo a única opção de moradia para a população de baixa renda. As

67

áreas, então, são ocupadas de forma irregular e clandestina. O enorme número de

invasões e assentamentos em terras alheias, coloca em xeque o direito “absoluto”

da propriedade urbana.

“Um número cada vez maior de pessoas tem descumprido a lei para

ter um lugar nas cidades, vivendo sem segurança jurídica da posse,

em condições precárias ou mesmo insalubres e perigosas, geralmente

em áreas periféricas ou em áreas centrais desprovidas de infra-

estrutura urbana adequada.”108

“As favelas são, para a população, uma estratégia de sobrevivência.

Uma saída, uma iniciativa, que levanta barracos de um dia para outro,

contra uma ordem desumana, segregadora. Uma iniciativa que

desmistifica o mito da apatia do povo: é apático o indivíduo que luta

para sua sobrevivência, que busca resgatar sua cidadania

usurpada.”109

A pobreza e a discriminação não são fenômenos naturais, mas

fruto da ausência ou ineficácia de planejamento e políticas públicas. Existem, por

exemplo, centenas de milhares de habitações no centro de São Paulo que estão

vazias, fechadas, sem utilização. Um estoque de riqueza que afronta a população

que não tem um teto para morar. Os investimentos nas políticas de mobilidade se

concentram em viabilizar a circulação dos automóveis e deixam num plano

absolutamente secundário o transporte público. Educação e saúde pública foram

108 FERNANDES, Edésio. Legalização de favelas em Belo Horizonte: um novo capítulo na história? In A lei e a ilegalidade na produção do espaço urbano. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 176. 109 MARICATO, Ermínia, op. cit., p. 40.

68

sucateados para estimular os que podem pagar a ingressar no sistema privado de

atendimento. Estabelece-se um círculo vicioso onde os pobres não são

considerados nos seus direitos e o que o Estado lhes reserva são as políticas de

repressão e controle. O fenômeno que marca os dias de hoje é que este processo

chegou a uma escala sem precedentes110.

Ensina Raquel Rolnik111 que mesmo tendo havido a intenção dos

governantes, ao longo do século XX, por meio de planos, leis e regulamentos para

rejeitar e proibir as favelas e os bairros periféricos precários, eles não

desapareceram, devido à falta de planejamento e à falta de fiscalização.

A renda da população pobre não permite a compra da moradia no

mercado formal. Por outro lado, as políticas públicas, quando existem, não são

eficientes ou suficientes para assegurar o acesso à moradia. A lógica existente hoje

no mercado habitacional urbano demonstra um processo no qual a modernização de

alguns segmentos da produção habitacional se combina a grande produção

doméstica e ilegal de moradias. Assinale-se, nesse contexto, que a produção

doméstica ilegal, que contou com a conivência das autoridades públicas, omissas na

maior parte das vezes na execução de políticas habitacionais consistentes, forneceu

uma válvula de escape à crise habitacional, equacionando precariamente a

produção de moradia para os mais pobres112.

110 FÓRUM CENTRO VIVO (Org.). Violação dos Direitos Humanos no Centro de São Paulo: propostas e reivindicações para políticas públicas. São Paulo, 2007, p. 14. 111 ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei: Legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo.2. ed. São Paulo: FAPESP, Studio Nobel, 1999, p. 204. 112 AITH, Fernando Mussa Abujamra, op. cit., p. 86.

69

Diversos dados de fontes distintas têm revelado que entre 40% e

70% da população urbana nas grandes cidades dos países em desenvolvimento

está vivendo ilegalmente, sendo que tais índices chegam a 80% em alguns casos.

Dados recentes dos Municípios de São Paulo e Rio de Janeiro têm reconhecido que

pelo menos 50% da sua população vive ilegalmente113.

A invasão de terras é quase mais regra do que exceção nas

grandes cidades. Se somarmos os moradores de favelas aos moradores de

loteamentos ilegais temos quase metade da população dos municípios do Rio de

Janeiro e de São Paulo114.

A cidade informal cada vez mais se distancia da cidade formal.115

Desde as mansões até os cortiços e favelas a diversidade é muito grande.

“Esta diversidade deve-se a uma produção diferenciada das cidades e

refere-se à capacidade diferente de pagar dos possíveis compradores,

tanto pela casa/terreno, quanto pelos equipamentos e serviços

coletivos. Somente os que desfrutam de determinada renda ou salário

podem morar em áreas bem servidas de equipamentos coletivos, em

casas com certo grau de conforto. Os que não podem pagar vivem em

arremedos de cidades, nas extensas e sujas “periferias” ou nas áreas

centrais ditas “deterioradas”. Nestes arremedos de cidades, há

inclusive aqueles que “não moram”, vivem embaixo de pontes, 113 FERNANDES, Edésio, op. cit., p. 181. 114 MARICATO, Ermínia, op. cit., p. 115. 115 “Dentro dos Limites da cidade podemos distinguir dois tipos de terrenos: os que estão legalizados, pagam impostos e taxas e são reconhecidos oficialmente, a denominada “cidade formal”, e os terrenos ilegais que são frutos de invasão ou posse, a “cidade informal”. SILVA, José Carlos Alves da Silva. Favelas e meio ambiente urbano. In DALLARI, Adilson Abreu; SARNO, Daniela Campos Libório di. Direiro urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, p. 274.

70

viadutos, em praças, albergues, não têm um teto fixo ou fixado no

solo. Nestes arremedos de cidade, mergulha-se num turbilhão de

miséria, de sujeira, o que torna cada dia mais difícil ter força para

resistir a estas cidades e aos efeitos da miséria.116”

Nessa mesma direção, ensina Raquel Rolnik117:

“A chave da eficácia em demarcar um território social preciso reside

evidentemente no preço. Lotes grandes, grandes recuos, nenhuma

coabitação é fórmula para quem pode pagar. A lei, ao definir que num

determinado espaço pode ocorrer somente um certo padrão, opera o

milagre de desenhar uma muralha invisível e, ao mesmo tempo, criar

uma mercadoria exclusiva no mercado de terras e imóveis.”

É fácil concluir que a ocupação de terras urbanas tem sido

permitida, uma vez que o Estado não tem exercido, como determina a lei, o poder de

polícia. As áreas de proteção ambiental são inadequadamente ocupadas com a

conivência estatal, que impede, no entanto, ocupação irregular das áreas

valorizadas pelo mercado. Nota-se, em alguns casos, que as populações das áreas

anteriormente tidas como periféricas, mas que estão passando por processo de

116 RODRIGUES, Arlete Moysés. Moradia nas cidades brasileiras. São Paulo: Editora Contexto, 2001, p. 12 e 13. A autora cita Engels: “Diz Engels, quando analisa a crise de moradia na Alemanha de 1872 que “uma sociedade não pode existir sem crise habitacional, quando a maioria dos trabalhadores só tem seu salário, ou seja, o indispensável para sua sobrevivência e reprodução; quando melhorias mecânicas deixam sem trabalho massas operárias; quando crises industriais determinam, de um lado, a existência de um forte exército de desempregados e, de outro, jogam repetidamente na rua grande massa de trabalhadores; quando os proletários se amontoam nas ruas das grandes cidades; quando o ritmo da urbanização é tanto que o ritmo das construções de habitação não a acompanha; quando, enfim, o proprietário de uma casa, na sua qualidade de capitalista, tem o direito de retirar de sua casa, os aluguéis mais elevados. Em tal sociedade a crise habitacional não é um acaso, é uma instituição necessária”. 117 ROLNIK, Raquel, op. cit., p. 47.

71

valorização imobiliária, são vítimas de desocupação forçada. A população de baixa

renda “atrapalha” a venda das unidades habitacionais dos grandes

empreendimentos imobiliários118. Parece que tudo pode desde que não afronte as

áreas valorizadas pelo mercado. É cada vez mais insustentável o nível de

comprometimento ambiental e de qualidade de vida dessas metrópoles que mantém,

através de práticas políticas arcaicas e de ardilosa representação, o encobrimento

da senzala, ou da cidade ilegal.119

Pesquisa elaborada pela Fundação João Pinheiro com base em

dados de 1991 indica que o número absoluto das carências habitacionais é enorme:

10,17 milhões de domicílios não estão conectados à rede de água, 5,4 milhões de

domicílios urbanos não são atendidos por coleta de lixo urbano e 16,5 milhões não

dispõem de instalações sanitárias adequadas120.

De acordo com dados atuais, o déficit habitacional brasileiro

atingiu 7,964 milhões de residências em 2006, segundo estudo realizado pela

Fundação Getúlio Vargas, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra

de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os

Estados com maiores déficits habitacionais, em termos absolutos, são Minas Gerais

(632 mil), Rio de Janeiro (752 mil) e São Paulo (1,517 milhão). Em termos relativos,

os Estados com os maiores déficits são Pará (33,5%), Amazonas (33,7%) e

Maranhão (38,1%). Os Estados com menores déficits são Espírito Santo (9,8%),

118 Cite-se o caso noticiado em 20 de dezembro de 2007 no jornal “Folha de São Paulo”, em que a Comunidade Jurubatuba – Campo Grande, moradora de área de valorização da zona sul do Município de São Paulo foi ameaçada de desocupação forçada pela Prefeitura, em acordo ilegal firmado entre a Subprefeitura de Santo Amaro e a construtora do empreendimento imobiliário ao lado. 119 MARICATO,Ermínia, op. cit. p. 157. 120 AITH, Fernando Mussa Abujamra, p. 88.

72

Paraná (8,9%), Santa Catarina (8,8%). Do total do déficit, 59% se referem a

domicílios considerados “subnormais”, entendidos pelo IBGE como “conjunto

constituído por um mínimo de 51 unidades habitacionais, ocupando ou tendo

ocupado, até período recente, terreno alheio, disposto, em geral, de forma

desordenada e densa e carentes, em sua maioria, de serviços públicos essenciais.”

São Paulo e Rio de Janeiro são os Estados que possuem maior parte desses

domicílios “subnormais”. O número de domicílios desse tipo no país, atualmente, é

de 1,972 milhão.121

O déficit também diz respeito à moradia adequada, com condições

de habitabilidade. Um barraco de madeira, com fornecimento de energia elétrica

clandestina e sistema de esgoto inexistente ou improvisado, por exemplo, não pode

ser considerado moradia. A habitabilidade implica em melhores condições de

saneamento, salubridade, regularização fundiária e de infra-estrutura urbana. O

deslocamento de população moradora em área irregular nem sempre é a melhor

saída habitacional para determinada comunidade. Na maior parte das vezes, se não

for moradora de área de risco, deve a população permanecer no local em que está

fixada, uma vez que já adaptada à área, com empregos e escolas nas proximidades.

O Poder Público, então, deve providenciar a urbanização do local, com a

regularização fundiária da área e fornecimento dos serviços públicos essenciais.

Remover a população de um lado para o outro, de acordo com a política habitacional

do momento fere sua dignidade humana. O aproveitamento da produção doméstica

e das moradias já existentes, mesmo que irregulares, aliado à recuperação ou

melhoramento de áreas já ocupadas, são ações essenciais para a redução efetiva

121 MARICATO, Ermínia, p. 33.

73

do déficit habitacional hoje verificado122. Para se ter idéia das condições de

habitabilidade das moradias no Brasil, dados do Censo Demográfico de 2000

indicam que 29,3% dos domicílios brasileiros não possuem rede de abastecimento

de água, e 47,6% não possuem rede geral de esgoto ou fossa séptica.

De fato, a conseqüência inevitável da posição extralegal das

ocupações é a idéia de que os assentamentos irregulares são provisórios e que um

dia irão desaparecer de onde estão. Nessa provisoriedade, justifica-se a falta de

investimento público, deixando a população envolvida à margem dos serviços

públicos básicos123.

Dentre as principais conseqüências da desigualdade e exclusão

sociais, que implica na falta de alternativa de moradias legais, está a agressão

ambiental. O inacessível mercado imobiliário formal à população de baixa renda tem

relação direta com a questão ambiental, uma vez que, em muitos casos, resta a

essa população a opção de ocupação de áreas de mananciais, encostas

deslizantes, mangues, beiras de córregos, entre outras. É nítida a relação entre a

deterioração das condições de habitação e a depredação do meio ambiente.

Conforme Consuelo Yoshida124,

“a pobreza e a degradação ambiental têm as mesmas causas

originárias relacionadas. De uma perspectiva ecológica e econômica,

tanto uma como a outra são sintomas de sistema econômico

122 AITH, Fernando Mussa Abujamra, p. 90. 123 ROLNIK, Raquel, op. cit., p. 183. 124 apud SILVA, José Carlos Alves da, op. cit., p. 275.

74

funcionando precariamente. A pobreza, vista como condição social de

insegurança crônica, resultante do colapso dos sistemas econômicos,

demográfico, ecológico, cultural e social, que leva as pessoas a

perderem a capacidade de se adaptar e sobreviver, é uma situação

análoga à degradação ambiental, vista como a perda da capacidade

de auto-recuperação dos ecossistemas, dos quais os seres humanos

fazem parte.”

O problema do meio ambiente deverá ser enfrentado em conjunto

com a questão da habitação, vital para qualquer intervenção consistente de

preservação ambiental dos assentamentos humanos nos países em

desenvolvimento. A solução habitacional para as pessoas que hoje vivem em áreas

de preservação ambiental é condição primeira para que, daí então, se possa pensar

na recuperação das áreas verdes e ambientalmente protegidas que hoje se

encontram invadidas.125

O quadro exposto demonstra haver a necessidade de uma política

de distribuição de renda com democratização do acesso à propriedade urbana,

reconhecendo-se a predominância do interesse coletivo sobre o individual,

respeitando-se à função social da propriedade, como dispõe a Constituição Federal,

em seu artigo 5º. Os instrumentos de planejamento e regularização fundiária

previstos no Estatuto Social, somados à gestão das políticas habitacionais

adequadas representam importantes garantias para a plena realização do direito à

moradia.

125 AITH, Fernando Mussa Abujamra, op. cit., p. 12 e 13.

75

O planejamento urbano deve admitir como eixo a política fundiária

para habitação social, para reverter o rumo do crescimento urbano equivalente à

máquina de produzir favelas.126

Em um país como o Brasil, onde a urbanização é indissociável de

processos de favelização e periferização, soluções factíveis e efetivas para melhorar

a qualidade de vida dos moradores de favelas e loteamentos irregulares precisam

ser buscadas. Regularizar fundiariamente e dotar de infra-estrutura favelas e

loteamentos irregulares são coisas essenciais para resgatar a dignidade e a auto-

estima dos pobres urbanos, desde que isso seja realizado de modo sério,

transparente, participativo e tecnicamente correto127.

Para Edésio Fernandes,

“está cada vez mais claro que a promoção da reforma urbana

depende em parte da promoção de uma reforma jurídica ampla,

sobretudo no que se refere à regulação dos direitos de propriedade

imobiliária e do processo mais amplo de desenvolvimento urbano,

planejamento e gestão.”128

126 MARICATO, Ermínia, op. cit., p. 136. 127 SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade. Uma Introdução Crítica ao Planejamento e à Gestão Urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 293. 128 FERNANDES, Edésio, op. cit., p. 174 e 176: “Da mesma forma que a discussão sobre o Direito Urbanístico tem de se dar no contexto de sua relação com as práticas concretas de gestão urbana, não há mais como ignorar que legalidade e ilegalidade são duas faces do mesmo processo de produção do espaço urbano. A ilegalidade urbana deve ser compreendida não apenas nos termos da dinâmica entre sistemas políticos pouco democráticos e mercados de terras especulativos, mas também em função da natureza excludente da ordem jurídica em vigor, sobretudo no que se refere à definição dos direitos de propriedade imobiliária urbana. A partir de meados da década de 90, também no Brasil juristas e não juristas têm cada vez mais debatido as causas e implicações do processo crescente de ilegalidade nas cidades, partindo de, e combinando, diversas perspectivas – jurídica, sociológica, política, econômica, ambiental e antropológicas. Diversos estudos exploram a relação entre legislação, planejamento urbano, exclusão social e segregação espacial. Mais recentemente, outro fator importante vem sendo associado a essa equação, qual seja, a crescente violência urbana.(...) A Campanha Global

76

Em que pesem suas especificidades, tal discussão sobre a

ilegalidade urbana deve se dar dentro do contexto mais amplo da reflexão sobre o

papel central que o Direito – compreendendo não só as leis existentes, mas também

os princípios jurídicos, decisões judiciais e a dinâmica mais ampla da ordem jurídica

– tem tido na determinação do padrão do processo de crescimento urbano nos

países em desenvolvimento. De fato, a discussão crítica sobre a lei e a ilegalidade

no contexto do desenvolvimento urbano vem ganhando destaque nos últimos anos,

especialmente depois que a Agenda Habitat da ONU salientou a importância

fundamental do Direito Urbanístico.”

2.2 O DIREITO CONSTITUCIONAL FUNDAMENTAL À MORADIA

Em nosso direito constitucional atual, o direito à moradia foi

introduzido como direito social expresso, quando da edição da Emenda

Constitucional nº 26 de 14 de fevereiro de 2000. Vejamos:

“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a moradia, o lazer,

a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à

infância, a assistência aos desempregados, na forma desta

Constituição”. (g. n.)

da ONU pela Boa Governança Urbana também revela que a promoção da reforma jurídica é vista por organizações nacionais e internacionais como uma das principais condições para a mudança do padrão excludente do desenvolvimento urbano nos países em desenvolvimento e em transição, e para a efetiva confrontação da ilegalidade urbana.”

77

No entanto, há menção a esse direito ao longo do texto

constitucional em outros dispositivos. Assim ocorre quando a Constituição dispõe

sobre a competência comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios “para

promover programas de construção de moradia e melhoria das condições

habitacionais e de saneamento básico” (art. 23, IX); ao tratar do salário mínimo em

seu artigo 7º, prevendo que deve ele ser capaz de atender às necessidades vitais

básicas do trabalhador e de sua família, nas quais está incluído o direito à moradia.

Também no artigo 5º e nos artigos 170, II e 182, § 2º, podemos entender o direito à

moradia como decorrência do direito à função social da propriedade.

Finalmente, a previsão constitucional da usucapião especial

urbana e rural (arts. 183 e 191) menciona como requisito para a obtenção do título o

uso do imóvel para utilização de moradia, dando o legislador destaque a esse direito

social. Esses dispositivos constitucionais buscam proteger e propiciar moradia à

população de baixa renda, famílias que vivem em assentamentos com condições

precárias de habitabilidade e segurança jurídica da posse, tais como favelas,

loteamentos irregulares e clandestinos.

O direito à moradia, muito mais que um “teto” para morar, tem

abrangência jurídica ampla. Implica na qualidade mínima de habitação, o que inclui

acesso aos serviços e equipamentos públicos. Para Adriana Nogueira Vieira Lima129:

129 LIMA, Adriana Nogueira Vieira. O Direito à Moradia à luz do Estatuto da Cidade. In II Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico, Porto Alegre, 2002, p. 381.

78

“(...) o Direito de Morar significa o direito de todo ser humano a um

espaço na cidade onde possa viver dignamente, um ambiente sadio e

ecologicamente equilibrado que lhe permita ter acesso aos

equipamentos e serviços urbanos, transporte, saneamento básico,

saúde, educação, cultura, esporte e lazer.”

José Afonso da Silva130ensina que “direito à moradia significa, em

primeiro lugar, não ser privado arbitrariamente de uma habitação e de conseguir

uma; e, por outro lado, significa o direito de obter uma, o que exige medidas e

prestações estatais adequadas à sua efetivação”, que são os tais programas

habitacionais de que fala o art. 23, IX da CF, pois é um direito que “não terá um

mínimo de garantia se as pessoas não tiverem possibilidade de conseguir habitação

própria ou de obter uma por arrendamento em condições compatíveis com os

rendimentos da família”

A cidadania e dignidade da pessoa humana como fundamentos

do Estado Democrático de Direito, de acordo com os incisos II e III do artigo 1º, são

mandamentos constitucionais para a proteção e satisfação do direito à moradia. O

direito fundamental à moradia deve ser entendido como decorrência do princípio da

dignidade da pessoa humana, uma vez que este reclama a satisfação das

necessidades existenciais básicas para uma vida com dignidade, podendo servir até

mesmo como fundamento direto e autônomo para o reconhecimento de direitos

130SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 383.

79

fundamentais não expressamente positivados, mas inequivocadamente destinados à

proteção da dignidade131.

Se já havia menção em alguns artigos da Constituição Federal

sobre o direito à moradia, não foi despropositadamente que ele foi expressamente

incluído como direito social. Garantir efetividade a esse direito foi objetivo da

Emenda Constitucional nº 26/2000.

Afirma o constitucionalista Ingo Wolfgang Sarlet:

“(...) com a recente inclusão no rol dos direitos fundamentais sociais, a

possível controvérsia quanto ao reconhecimento inequívoco no plano

constitucional de um direito à moradia resta superada. Se o direito à

moradia, pelos motivos já apontados, não chega a ser propriamente

um “novo direito” na nossa ordem jurídico-constitucional, por certo sua

expressa positivação lhe imprime uma especial significação, além de

colocar novas dimensões e perspectivas no que diz com sua eficácia

e efetividade, pressupondo-se, à evidência, uma concepção de

Constituição que, mesmo reconhecendo que o Direito (também o

direito constitucional) não deve normatizar o inalcançável, nem por

isso deixa de outorgar aos preceitos constitucionais, notadamente os

definidores de direitos e garantias fundamentais, de acordo com suas

peculiaridades, sua máxima força normativa”132.

131 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas Anotações a Respeito do Conteúdo e Possível Eficácia do Direito à Moradia na Constituição de 1988. Revista Trimestral de Direito Público, nº42, p. 55. 132 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 55.

80

Integrante da categoria dos direitos fundamentais sociais, quando

introduzido pela Emenda nº 6/2000, passa a ter o direito à moradia eficácia jurídica e

social, por meio de disponibilidade de recursos, adequação legislativa,

condicionamento da atividade administrativa, balizamento para a atividade

jurisdicional e principalmente por meio de execução de políticas públicas coerentes.

Romolo Russo Júnior133 defende a imediata aplicação do direito à

moradia, nos seguintes termos:

“mesmo que imaginada a teórica incompletude jurídica do direito

social à moradia, não se deve promover, contra o equilíbrio do diálogo

entre as várias fontes normativas e em desacordo com a

plausibilidade jurídica, a nociva imagem de que o homem deve

esperar sua implantação concreta por meio das respectivas políticas

públicas, e, enquanto isso, ter um rebaixamento de sua dignidade

humana, o que fere o sentido orgânico de tal proteção promocional e

constitucional da dignidade humana.

Assim, ao cabo do balanço dos direitos fundamentais no fim de mais

um século, não se deve traçar fileiras no aguardo de regulamentação

não necessária (embora útil) à eficácia do direito de morar, o qual,

pela sua própria dicção, não reclama esforço de reconhecimento e

efetividade imediata, uma vez que, onde estiver, deve haver um lugar

para o homem fixar a sua morada.”

133 RUSSO JÚNIOR, Romolo, op. cit., p. 53.

81

O direito à moradia, fazendo parte do rol dos direitos

fundamentais sociais, coloca-se em posição hermenêutica superior aos demais

direitos positivados no ordenamento jurídico. Desta forma, apresentam as

características de irrenunciabilidade, imprescritibilidade, inalienabilidade, ilicitude de

sua violação, universalidade, inviolabilidade, efetividade, inter-relação,

interdependência, indivisibilidade e complementaridade.134

A moradia permite a fixação em lugar determinado, não só físico,

como também a fixação dos seus interesses naturais da vida cotidiana, exercendo-a

de forma definitiva pelo indivíduo. O bem da “moradia” é inerente à pessoa e

independe de objetivo físico para a sua existência e proteção jurídica. A moradia é

elemento essencial do ser humano, constituindo-se em bem extra-patrimonial. É

uma qualificação legal reconhecida como direito inerente a todo ser humano.

Diferentemente, “habitação” é o exercício efetivo da “moradia” sobre determinado

bem imóvel. No caso da habitação, o enfoque é o local, o bem imóvel. O direito à

moradia deve ser concebido sob o enfoque subjetivo, pois pertence à pessoa o seu

exercício, sendo dever do Estado e da sociedade facilitar sua implementação135.

Percebe-se, no direito à moradia, a real possibilidade de

realização da família, de auto-estima e de cidadania, além de ser fator de inter-

relacionamento, estimulando a cordialidade e a fixação do cidadão. Tendo a casa

própria, a família se resguarda contra os desrespeitos, os medos e a violência que

134 SUGAI, José Jiemon. O direito constitucional à moradia e os instrumentos jurídicos para sua efetividade. 2003. 177 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003. p. 96 e 97 e SILVA, Solange Cristina da. Usucapião imobiliária especial urbana coletiva: instrumento de política de desenvolvimento urbano. 2003. 313 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003, p.50. 135 SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Direito à moradia e de habitação: análise comparativa e suas implicações teóricas e práticas com os direitos de personalidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 45 e 46.

82

caracterizam a vida nas ruas. A moradia precária ou inexistente expõe a família e os

indivíduos a toda sorte de preconceito e violência136.

O direito à moradia decorre do direito à vida (art. 5º, caput), sendo

este o direito primordial do ser humano. O direito à vida não corresponde apenas ao

direito em manter-se vivo, mas também garantir possibilidades para que o indivíduo

tenha condições de capacitar o pleno desenvolvimento das faculdades que lhes são

inerentes137. A moradia é essencial para o bom desenvolvimento humano.

Nelson Saule Júnior138ensina que:

“Ao tratar da relação do direito à moradia adequada como o direito à

vida, devem ser considerados indicadores o respeito ao direito à

saúde, que implica, por sua vez, a relação com o direito à

alimentação, ao saneamento básico e a um meio ambiente saudável.

Neste caso, como indicador, podemos considerar a existência, ou não,

de fornecimento de água potável, do serviço de coleta e do tratamento

do esgoto como, por exemplo, a canalização de córregos nas favelas.”

O mesmo autor139 entende que para que ocorra a efetivação

concreta do direito à moradia, o Estado precisa criar meios materiais indispensáveis

para o exercício desse direito, sendo necessário:

136 SARNO, Daniela Campos Libório di. Elementos de direito urbanístico. São Paulo: Editora Manole, 2004, p. 21. 137 CARDOSO, Simone Alves. A usucapião coletiva como instrumento jurídico de garantia do direito à moradia. 2004. 115 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004, p. 48. 138 SAULE JÚNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004, p. 335.

83

- adoção de instrumentos financeiros, legais e administrativos para a promoção de

uma política habitacional;

- a constituição de um sistema nacional de habitação descentralizado, com

mecanismos de participação popular;

- revisão de legislações e instrumentos, de modo a eliminar normas que acarretem

algum tipo de restrição e discriminação sobre o exercício do direito à moradia;

- a destinação de recursos para a promoção da política habitacional.

Garantir moradia para todo habitante do país é um fim que deve

ser almejado. Apenas por intermédio de políticas públicas sérias e contínuas que

atendam às diversas camadas sociais esse direito será atendido. Aos segmentos

sociais que não tenham acesso ao mercado, um plano e programas habitacionais

subsidiados devem ser implementados.

A Constituição de 1988 define a competência para tratar do direito

à moradia, prevendo em seu artigo 23, IX que devem a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios promover programas de construção de moradia e melhoria

das condições habitacionais e de saneamento básico. Desta forma, todos esses

entes políticos devem ter em seu planejamento políticas públicas habitacionais.

139 Idem. Direito à Cidade. Trilhas legais para o direito às cidades sustentáveis. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 134.

84

Assim, apesar de o direito à moradia ter forma própria de

implementação, que necessita da atuação conjunta e progressiva do Estado, do

município e da sociedade, este deve ter aplicação ampla e imediata, pois é um

direito gerador de direitos individuais.

Tem-se que a moradia, por estar figurada no âmbito dos direitos

sociais, necessita de ações positivas por parte do Estado para ser usufruída pela

população. São necessárias medidas políticas e administrativas cujos esforços

estejam destinados à promoção, à proteção e ao acesso à moradia.

2.3 O DIREITO À MORADIA NA ORDEM INTERNACIONAL

O Sistema Internacional dos Direitos Humanos consiste em um

conjunto de normas, procedimentos e instituições internacionais desenvolvido para

implementar e promover o respeito aos direitos humanos em todos os países, em

âmbito mundial.

Para Fábio Konder Comparato140, “o sistema de direitos humanos

está situado no ápice do ordenamento jurídico, e constitui o ponto de integração do

direito interno ao direito internacional.” Possui normas voltadas ao reconhecimento

dos direitos humanos, bem como à instituição de garantias para a plena realização

desses direitos.

140 COMPARATO, Fábio Konder. O papel do juiz na efetivação dos direitos humanos. Associação Juízes para a Democracia. São Paulo, 2001, p. 23.

85

Os direitos humanos representam os direitos mínimos

necessários para que cada ser humano possua condições básicas para a garantia

de uma existência digna.

O reconhecimento oficial de direitos humanos, pela autoridade

política competente, dá muito mais segurança às relações sociais, além de exercer

função pedagógica no seio da comunidade, no sentido de fazer prevalecer os

grandes valores éticos, os quais, sem esse reconhecimento oficial, tardariam a se

impor na vida coletiva141.

Partindo do critério do reconhecimento expresso pela ordem

jurídica positiva de um direito fundamental à moradia, verifica-se ter sido na

Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948) quando pela primeira

vez restou consignado o reconhecimento, pela ordem internacional, dos assim

denominados direitos econômicos, sociais e culturais, dentre os quais o direito à

moradia. De acordo com o art. XXV (1) da Declaração142:

“1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar

a si e a sua família saúde e bem-estar, alimentação, vestuário,

habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis,

direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez,

viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência

em circunstâncias fora de seu controle.(g. n.)” 141 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Editora Saraiva, 1999, p. 46. 142 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 56.

86

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada em 10

de dezembro de 1948 e ratificada pelo Brasil nessa mesma data, reconhecendo o

direito à moradia como essencial e indispensável ao desenvolvimento e preservação

do ser humano.

Ensina Dalmo de Abreu Dallari que:

“O exame dos artigos da declaração revela que eram consagrados

três objetivos fundamentais: a certeza dos direitos, exigindo que haja

uma fixação prévia e clara dos direitos e deveres, para que os

indivíduos possam gozar dos direitos ou sofrer imposições; a

segurança dos direitos, impondo uma série de normas tendentes a

garantir que, em qualquer circunstância, os direitos fundamentais

serão respeitados; a possibilidade dos direitos, exigindo que se

procure assegurar a todos os indivíduos os meios necessários à

fruição dos direitos, não se permanecendo no formalismo cínico e

mentiroso da afirmação de igualdade de direitos onde grande parte do

povo vive em condições subumanas”143.

Dessa forma, muito mais que mera declaração de intenções, a

Declaração Universal surgiu com o objetivo de efetivação dos direitos nela

elencados, embora evidente a dificuldade de tornar-se exigível.

143 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 16. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1991, p. 179.

87

No Brasil, é na Constituição que se encontra o grau de validade e

eficácia que cada uma das normas internacionais de proteção dos direitos humanos

pode apresentar. Nem todas as normas internacionais possuem validade jurídica

interna. A validade dessas normas depende da manifestação de vontade do Estado,

que deve ocorrer em consonância com as regras determinadas pela Carta

Constitucional. Fazendo uma leitura do artigo 84, VIII, combinado com o artigo 49, I,

da Constituição brasileira, descobrimos como os tratados, convenções e pactos são

internacionalizados para o ordenamento jurídico brasileiro. Vejamos:

“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(...)

VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a

referendo do Congresso Nacional;

(...)

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos

internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao

patrimônio nacional;”

Frisa-se que, somente após a aprovação pelo Congresso

Nacional é que estará o Presidente autorizado a ratificar o documento internacional,

promulgando, por Decreto, o seu teor, sendo que o ato deverá ser publicado no

Diário Oficial da União em vernáculo. Uma vez integrado o Tratado Internacional,

passa este a possuir força jurídica interna obrigatória e vinculante. A violação de um

88

Tratado Internacional ratificado pelo país implica em responsabilização internacional

do Estado violador.144

Conforme esclarece Flávia Piovesan145,

“o reconhecimento de que os seres humanos têm direitos a serem

exercidos no plano internacional implica na noção de que a negação

desses direitos impõe, como resposta, a responsabilização

internacional do Estado violador. Daí nasce a necessidade de novo

delineamento dos limites da soberania estatal, introduzindo formas de

responsabilização do Estado na arena internacional, quando as

instituições nacionais mostram-se omissas ou falhas na tarefa de

proteção dos direitos humanos internacionalmente assegurados. Na

verdade o conceito de soberania estatal sofre importante alteração à

medida em que os Estados comprometem-se a respeitar direitos e a

cumprir deveres em relação aos seus cidadãos e reconhecem a ONU

como órgão e instância de tutela dos direitos fundamentais.”

Cançado Trindade146 com veemência ensina que o Estado pode

perfeitamente ser responsabilizado no plano internacional pelo descumprimento de

normas oriundas de convenções internacionais, ainda que busque estribar-se em lei

ou norma constitucional interna. Ensina que há inúmeros casos em que a

responsabilização se efetiva, conforme a rica jurisprudência sob a Convenção

Européia de Direitos Humanos. Os tratados,uma vez ratificados e incorporados ao

144 AITH, Fernando Mussa Abujamra, op. cit., p. 57. 145 PIOVESAN, Flávia, op. cit., p. 38. 146 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. v. 1, p. 439 e 441.

89

direito interno, obrigam a todos, inclusive aos legisladores e juízes nacionais,

podendo-se presumir o cumprimento das obrigações convencionais de proteção por

parte dos Poderes Legislativo e Judiciário, da mesma forma que o Executivo.

A partir da Declaração Universal, a compreensão do direito à

moradia e as formas de sua proteção internacional decorrem de um conjunto de

normas previstas nos instrumentos internacionais de direitos humanos, em especial

nos que seguem: Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

(1966), Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação Racial147 (1969), Convenção Internacional sobre a Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1965), Convenção sobre os

Direitos da Criança (1989)148.

O artigo 11 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais (adotado pela Resolução n. 2200 da Assembléia das Nações

Unidas, em 16.12.1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992), contém o

principal fundamento do reconhecimento do direito à moradia como um direito

humano, o qual gera, para os Estados partes signatários, a obrigação legal de

promover e proteger esse direito149. O artigo 11 estabelece o seguinte:

147 A Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial assegura em seu artigo 5º, entre outros direitos, o direito à moradia, sem discriminação por motivos de raça, cor, nacionalidade ou origem ética. 148 SAULE JÚNIOR, Nelson (Org.). Direito urbanístico: Vias jurídicas das políticas urbanas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2007, p. 328. 149 O Brasil ratificou o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos por meio do Decreto 592 de 6 de julho de 1992, e o pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais por meio do decreto 591 de 6 de julho de 1992. O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi ratificado por 145 países até fevereiro de 2002 (fonte: Housing Rights Legislation – UN – Habitat, OHCHR, Nairobi, 2002) SAULE, JÚNIOR, Nelson Saule, op. cit. , p. 328.

90

“11. Os Estados partes no presente Pacto reconhecem o direito de

toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua

família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas,

assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os

Estados partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a

consecução desse direito, reconhecendo nesse sentido, a importância

essencial da cooperação internacional fundada no livre

consentimento.”

Para Fábio Konder Comparato, o reconhecimento dos direitos

humanos de caráter econômico e social foi o principal benefício que a humanidade

recolheu do movimento socialista, iniciado na primeira metade do século XIX, por ser

o titular desses direitos não o ser humano abstrato, mas o conjunto dos grupos

sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome e a marginalização.150

De fato, o Pacto acima referido, diferentemente do Pacto de

Direitos Civis e Políticos de 1966, que garante direitos relacionados à liberdade

individual, propõe a efetiva atuação do Estado para a diminuição da situação de

desigualdade e implementação de direitos, em muitos casos, de caráter

prestacional.

O direito à moradia pertence aos chamados ‘direitos sociais”, que

concernem ao estabelecimento de padrões de vida adequados, que também incluem

em seu rol a proteção contra a fome, o direito à alimentação, vestimenta e

educação, entre outros. 150COMPARATO, Fábio Konder, op, cit., p. 42.

91

A Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de São

José da Costa Rica (adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada

Interamericana sobre Direitos Humanos, em São José da Costa Rica, 22.11.1969 e

ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992), faz menção ao direito à

residência, além de mencionar o compromisso em efetivar os direitos previstos no

Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Considerando as convenções, declarações e tratados

internacionais, importante mencionar a Agenda 21, adotada na Conferência das

Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992, no

Rio de Janeiro. Consta na Agenda 21, em seu capítulo 7, item 6, que “O acesso a

uma habitação sadia e segura é essencial para o bem-estar econômico, social,

psicológico e físico da pessoa humana e deve ser parte fundamental das ações de

âmbito nacional e internacional.”

A Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos

Humanos, sediada em Istambul, de 3 a 14 de junho de 1996, adotou a Agenda

Habitat II, aprovada por 185 países, destacando o direito à moradia como um direito

humano, reafirmando como objetivos universais a garantia de uma habitação

adequada para todos, o estabelecimento de assentamentos humanos mais seguros,

saudáveis, habitáveis, eqüitativos, sustentáveis e produtivos. A Agenda Habitat

aprofunda de forma muito detalhada a questão do direito à moradia adequada151,

151 Já no preâmbulo da Agenda Habitat consta que mais de um bilhão de pessoas viviam em condições habitacionais que ferem a dignidade humana, em 1996.

92

traçando também o objetivo de desenvolvimento sustentável em um mundo em

urbanização.

A compreensão de moradia adequada pela Agenda Habitat II

consta do artigo 43 do referido documento: moradia adequada é aquela que possui

privacidade, espaço, acessibilidade física, segurança, (o que inclui segurança da

posse), durabilidade e estabilidade estrutural, iluminação, ventilação e aquecimento,

infra-estrutura básica, suprimento de água, saneamento e tratamento de resíduos,

apropriada qualidade ambiental e de saúde, e adequada localização com relação ao

trabalho e serviços básicos, devendo todos esses componentes ter custo acessível e

estar disponíveis a todos os seres humanos.

Nelson Saule Júnior152 traz à colação o Comentário Geral nº 4 do

Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas de 12 de

dezembro de 1991, que trata dos componentes do direito à moradia, que devem ser

aplicados pelos Estados signatários do Pacto. Dessa forma, a moradia para ser

adequadamente considerada e atender à dignidade humana deve apresentar em

seu conteúdo, conforme o supracitado autor:

“(a) Segurança jurídica da posse

A posse pode se dar de variadas formas, como o aluguel (público e

privado), a moradia em cooperativa, o arrendamento, a ocupação pelo

próprio proprietário, a moradia de emergência e os assentamentos

informais, incluindo a ocupação da terra ou da propriedade. Seja qual

for o tipo de posse, todas as pessoas devem possuir um grau de

152 SAULE JÚNIOR, Nelson, op. cit., p. 332.

93

segurança de posse que lhes garanta a proteção legal contra despejo

forçado, perturbação e qualquer tipo de ameaças. Conseqüentemente,

os Estados partes devem adotar imediatamente medidas destinadas a

conferir segurança legal da posse às pessoas e propriedades que

careçam atualmente de tal proteção, em consulta genuína a pessoas

e grupos afetados;

(b) Disponibilidade dos serviços, materiais, benefícios e infra-estrutura

Uma moradia adequada deve dispor de certos serviços essenciais

para a saúde, segurança, conforto e nutrição. Todos os beneficiários

do direito à moradia adequada devem ter o acesso permanente aos

recursos naturais e comuns, à água potável, à energia para a cozinha,

serviço de aquecimento e iluminação, instalações sanitárias e de

lavagem, meio de armazenamento do alimento, de eliminação de

resíduos, de drenagem do local e serviços de emergência;

(c) Gastos suportáveis

Os custos financeiros pessoais ou habitacionais associados com a

moradia devem estar em tal nível que a realização e a satisfação de

outras necessidades básicas não sejam ameaçadas nem

comprometidas. Os Estados partes deveriam adotar medidas para

garantir que uma porcentagem dos gastos relacionados à moradia

seja, como regra, proporcional ao nível de renda. Além disso, os

Estados partes deveriam criar subsídios de moradia para os

incapazes de obtê-la, assim como formas e níveis diferentes de

financiamento que correspondam adequadamente às necessidades

de moradia.

94

(d) Habitabilidade

A moradia adequada deve ser habitável, oferecendo aos seus

habitantes o espaço adequado e protegendo-o do frio, da umidade, do

calor, da chuva, do vento ou de outras ameaças à saúde, dos perigos

estruturais e dos vetores de doença. A segurança física dos

ocupantes deve ser garantida também. O Comitê incentiva os Estados

partes a aplicar amplamente os Princípios da Higiene da Moradia

preparados pela OMS, que consideram a moradia o fator ambiental

que, com mais freqüência, associa-se às condições favoráveis à

transmissão de doenças em análises epidemiológicas, significando

que, as condições inadequadas e deficientes de moradia e de vida

são associadas, invariavelmente, às taxas mais elevadas de doenças

e mortalidade;

(e) Acessibilidade

A moradia adequada deve ser acessível aos titulares do direito. Os

grupos em condições de desvantagem devem ter acesso pleno e

sustentável aos recursos adequados para conseguir uma moradia.

Deve ser assegurado certo grau de prioridade aos grupos

desfavorecidos, como as pessoas idosas, as crianças, os deficientes

físicos, os portadores de doenças terminais, os HIV-positivos, as

pessoas com problemas médicos persistentes, os doentes mentais, as

vítimas de desastres naturais, os grupos que vivem em áreas de risco,

entre outros;

(f) localização

95

A moradia adequada deve encontrar-se em um lugar que permita o

acesso às opções de emprego, ao transporte, aos serviços de saúde,

às escolas, às creches e a outros serviços públicos essenciais.

(g) Adequação cultural

A expressão da identidade e da diversidade cultural da moradia deve

ser apropriadamente assegurada na maneira como são construídas as

moradias, nos materiais de construção usados e nas políticas em que

se apóiam. As atividades vinculadas ao desenvolvimento ou

modernização na esfera da moradia devem assegurar que suas

dimensões culturais não sejam sacrificadas e que se assegurem os

serviços tecnológicos modernos, entre outros.”

Como pudemos observar, o direito à moradia já fazia parte do

ordenamento jurídico pátrio desde que os pactos, tratados e convenções que dela

trataram foram internalizados.

2.4 MORADIA E FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA

Inicialmente, importante mencionar que a propriedade como

função social vem declarada na Constituição Federal, no rol dos direitos e deveres

individuais e coletivos (Título I, Capítulo I) e como princípio da ordem econômica

nacional. Vejamos:

96

“Art. 5º. (...)

XXIII – a propriedade atenderá a sua função social”

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência

digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes

princípios:

(...)

III – função social da propriedade.”

O direito de propriedade passa a ter outro delineamento, uma vez

que o conjunto de normas constitucionais sobre a propriedade implica no fato de que

ela não pode mais ser considerada como um direito individual, nem tampouco como

instituição de Direito Privado153.

Nesse sentido, ensina Lúcia Valle Figueiredo154:

“O direito à propriedade continua assegurado. Entretanto, também o

está, o direito coletivo e/ou difuso, que é atendido pela função social

da propriedade (art. 5º, incisos XXII e XXIII). Não contém mais, a

democrática constituição de 1988, breve referência à função social

como se fora um “cala-boca” às tensões político-sociais.

153 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 12. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 273. 154 FIGUEIREDO, LÚCIA VALLE. Disciplina urbanística da propriedade. 2 ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 25.

97

Há de se concluir, a lume dos novéis dispositivos, que o Ordenamento

Básico brasileiro acolhe a propriedade privada, porém a que não entre

em rota de colidência com o direito coletivo.”

No ordenamento jurídico brasileiro, a função social da propriedade

começou a ser assinalada a partir da Constituição de 1934. Com exceção à

Constituição outorgada de 1937, todas as demais Cartas Constitucionais trouxeram

em seu bojo essa menção. No entanto, embora positivada nas Constituições, a

implementação da função social estava longe de ocorrer, já que não havia legislação

infra-legal capaz de dar conteúdo ao dispositivo constitucional. As limitações ao

exercício da propriedade privada reduziam-se apenas àquelas constantes do Código

Civil e do Direito Administrativo, relacionadas ao direito de vizinhança e limitações

administrativas.

Na Constituição Atual, porém, observa-se que, com a leitura

sistemática do texto, é possível dar concretização à expressão “função social da

propriedade” não apenas pelo disposto nos artigos 5º e 170, já citados, mas também

pela leitura dos capítulos que tratam da Política Urbana e da Política Agrícola e

Fundiária.

Conforme lição da Profa. Lúcia Valle Figueiredo,

“o direito de propriedade, como concebido atualmente, sofreu nítida

transformação, passando do ius utendi, fruendi et abutendi para

98

adquirir o perfil de propriedade social. E isto não só no Brasil, mas,

também, em outros países”.155

Para José Afonso da Silva156,

“a função social manifesta-se na própria configuração estrutural do

direito de propriedade, pondo-se concretamente como elemento

qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e

utilização dos bens. Por isso é que se conclui que o direito de

propriedade não pode mais ser tido como um direito individual. A

inserção do princípio da função social, sem impedir a existência da

instituição, modifica sua natureza.”

Rubens Tedeschi Rodrigues157 pontua que a lei, ao declarar e

garantir um direito, também impõe um dever. Dessa forma, se o direito é um poder

autorizado pela lei, tal como o direito de propriedade, em que a lei autoriza ao

proprietário o direito de, limitadamente, usar e gozar da coisa e, ilimitadamente,

dispor dela e reivindicá-la, o mesmo direito impõe um dever, uma função ao seu

titular. E onde há dever, há função, assim como a função social da propriedade.

Para Celso Antonio Bandeira de Mello158, a função social da

propriedade deve ser entendida no sentido de que a propriedade responda a uma

155 FIGUEIREDO, Lúcia Valle, op. cit., p. 22. 156 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 77. 157RODRIGUES, Ruben Tedeschi. Comentários ao Estatuto da Cidade. Campinas: Millenium, 2002, p. 6. 158 MELLO, Celso Antonio Bandeira de Mello. Novos aspectos da função social da propriedade no direito público. Revista de Direito Público, São Paulo, n. 84, p. 39-45, agosto de 2004, p. 43.

99

plena utilização, otimizando-se ou tendendo-se a otimizar os recursos disponíveis

com os propósitos de proveito coletivo.

De fato, o direito de propriedade nasce com a capacidade de gozo

vinculada à solidariedade social, que implica na consecução do bem comum e no

respeito das necessidades dos outros cidadãos.159

Ao lado do princípio da função social da propriedade, a política de

desenvolvimento urbano, desenvolvido pelo artigo 182 da Constituição Federal, é

fundamentada pelo princípio da função social da cidade.

O artigo 182 da Constituição Federal traz em seu conteúdo o

princípio da função social da propriedade e da cidade. Esses dois princípios se inter-

relacionam, já que o adequado exercício da propriedade acarreta em cidades mais

justas e igualitárias. Importante ressaltar que o solo urbano se destina, sobretudo,

para dar suporte às atividades desenvolvidas nas cidades e que, portanto, dão

conteúdo à função social da cidade.

Prevê o artigo 182:

“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder

Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por

objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

159 ALFONSIN, Jacques Távora. A função social da cidade e da propriedade privada urbana como propriedades de funções. In ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio. Direito à moradia e segurança da posse no estatuto da cidade. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004, p. 58.

100

(...)

§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende

às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no

plano diretor.”

O cumprimento dos deveres e o exercício dos direitos inerentes à

cidade é o que se almeja na vida urbana. A cidade deve ter uma utilidade para cada

morador individualmente considerado, mas, sobretudo para a coletividade de

moradores. Quando parte da população não pode exercer o direito à cidade, quando

a cidade não oferece as mesmas oportunidades a todos, sua função social não está

sendo cumprida160.

Conforme ensina Daniela Campos Libório di Sarno,

“a função social da propriedade ocorre no equilíbrio entre o interesse

público e o privado, no qual este se submete àquele, pois o uso que

se faz de cada propriedade possibilitará a realização plena do

urbanismo e do equilíbrio das relações da cidade.”161 (g.n.)

Considerando que as funções essenciais da cidade são habitar,

trafegar, trabalhar e divertir, podemos concluir ser a moradia um dos

fins a ser almejado, tanto pela função social da propriedade, como

pela função social da cidade.

160SILVA, Solange Cristina da, op. cit., p. 70. 161 SARNO, Daniela Campos Libório di, op. cit., p. 48.

101

Para a mesma autora, questionar o papel que a propriedade

possui na sociedade é necessário para o amadurecimento das relações entre todos

os tipos de pessoas, sendo que sua função social procura fazer justiça social no uso

das propriedades.162

A garantia da moradia adequada contribui para a realização da

justiça social e tal objetivo só poderá ser atingido considerando-se a função social da

propriedade.

162 SARNO, Daniela Campos Libório di,op. cit., p. 49.

102

CAPÍTULO III

USUCAPIÃO COLETIVA COMO INSTRUMENTO DE EFICÁCIA DO

DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA

3.1 ESTATUTO DA CIDADE (Lei nº 10.257/2001) COMO MARCO REGULATÓRIO

DO DIREITO À CIDADE

O Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257 de 2001, foi editado para

regulamentar163 os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, que compõem seu

capítulo II do Título VII - Da Política Urbana. Com vistas a cumprir esse objetivo,

estabeleceu diretrizes gerais que buscam o desenvolvimento social das cidades.

Conforme definição elaborada por Maria Helena Diniz164, no

tocante às normas especiais, podemos concluir que o Estatuto da Cidade é norma

especial. Vejamos:

“Uma norma é especial se possuir em sua definição legal todos os

elementos típicos da norma geral e mais alguns de natureza objetiva

163 CAMMAROSANO, Márcio. Fundamentos constitucionais do estatuto da cidade. In DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sérgio (Coord.). Estatuto da Cidade: comentários à lei federal 10. 257/2001. São Paulo, Malheiros Editores, 2002, p. 23: a expressão “regulamenta tais e quais dispositivos da Constituição” não é apropriada, uma vez que, quando se fala em regulamentar normas jurídicas usa-se a expressão que a própria Constituição associa ao exercício da competência conferida ao Chefe do Poder Executivo, de expedir regulamentos para a fiel execução da lei. Além disso, as normas regulamentares são de nível hierárquico imediatamente infraconstitucional e têm por objeto não a lei em si mesma considerada, mas a atuação dos agentes que lhe devem dar aplicação. Estatuto da Cidade – comentários. 164 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada. 10. ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2004, p. 22.

103

ou subjetiva, denominados ‘especializantes’. A norma especial

acresce um elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na

norma geral, tendo prevalência sobre esta, afastando-se assim o bis in

idem, pois o comportamento só se enquadrará na norma especial,

embora também esteja previsto na geral (RJTJSP, 29:303). O tipo

geral está contido no tipo especial. A norma geral só não se aplica

ante a maior relevância jurídica dos elementos contidos na norma

especial, que a tornam mais suscetível de atendibilidade do que a

norma genérica.”

O Estatuto da Cidade resultou da aprovação do Projeto de Lei

5.788, de 1990, que tramitou, por mais de dez anos, no Congresso Nacional,

juntamente com dezessete Projetos em apenso.

Ele contempla várias demandas que partiram dos mais diversos

segmentos da sociedade. Desta forma, o projeto de lei último foi resultado de

debates de especialistas e da população interessada no tema. Assim, foi criada uma

lei com respaldo social e que necessita da boa vontade dos administradores

públicos, em especial no âmbito municipal, para que seja efetivamente aplicada.

Considerando que a lei 10.257/01 tem a finalidade de dispor sobre

as diretrizes gerais da política urbana, possuindo instrumentos que podem alterar

significantemente o conteúdo econômico da propriedade imóvel urbana, houve

debates e resistências políticas para aprovação do projeto de lei. No entanto, esses

debates e resistências não recaíram sobre as diretrizes gerais, as competências ou

104

os objetivos, mas sim sobre os possíveis desdobramentos que os instrumentos

urbanísticos poderiam ter sobre a propriedade imóvel urbana.165

Betânia Alfonsin e Edésio Fernandes166 ressaltam que o Estatuto

da Cidade foi acalentado quase como uma “fórmula mágica” por movimentos sociais

de luta pela moradia digna e, não raro, por técnicos, juristas e urbanistas que

acreditavam que o advento da lei que regulamenta o capítulo da política de

desenvolvimento urbano preconizada pela Constituição Federal seria, por si só,

capaz de conduzir as cidades brasileiras a um novo e mais promissor capítulo do

processo de urbanização no País. No entanto, alguns anos depois, avaliam que o

otimismo deu lugar a um realismo que precisa ser canalizado para o imenso trabalho

necessário à superação dos desafios do período pós-Estatuto e para a renovação da

mobilização social em torno da questão urbana no País.

Mesmo partindo do pressuposto acima mencionado, com o

Estatuto da Cidade, o direito à cidade deixa de ser um direito reconhecido somente

no campo da política e passa a também ser um direito reconhecido no campo

jurídico. Ele, de forma inédita, acolhe o desejo popular expressado desde a

Assembléia Nacional Constituinte de o direito à cidade ser incorporado à ordem

jurídica brasileira como um direito, inerente a todos os habitantes da cidade, de ter

uma vida digna urbana167.

165 SARNO, Daniela Campos Libório di, op. cit., p. 60. 166ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio, A lei e a ilegalidade na produção do espaço urbano. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.8. 167 SAULE JÚNIOR, Nelson. O direito a cidades como paradigma para cidade justas, democráticas e sustentáveis. In SILVA, Roberto B. Dias da (Org.). Direito Constitucional: temas atuais. Homenagem à Profa. Leda Pereira da Mota. São Paulo: Editora Método, 2007, p. 172.

105

Sobre a importância do Estatuto da Cidade na ordem jurídica,

Sérgio Ferraz168 afirma que:

“A partir daqui, toda uma nova cultura jurídica se estabelece,

panorama no qual, dentre outras conseqüências, se pode, desde já,

assentar algumas que são fundamentais. Assim:

a) o interesse pessoal do proprietário urbano, ainda que legítimo e

legal, não mais se sobrepõe ao interesse coletivo – função social da

propriedade -, como definido no plano diretor;

b) com isso, abre-se margem bem mais expressiva às intervenções do

Poder Público, inclusive para atenuar os impactos da especulação

imobiliária e para ampliar a efetividade das iniciativas de reordenação

saudável da cidade;

c) por último, o profissional do Direito, do advogado ao juiz, do

legislador ao administrador, terá de reformular seus arquétipos,

abrindo-os para que sejam permeáveis, como critério de elaboração

das normas, de sua interpretação e de sua aplicação, à idéia-força de

função social da propriedade”.

Para Márcio Cammarosano169, a finalidade imediata do Estatuto

da Cidade é viabilizar a democratização das funções sociais da cidade em proveito

de seus habitantes, prevendo mecanismos de promoção do adequado 168 FERRAZ, Sérgio. Usucapião Coletivo, In: Estatuto da Cidade (comentários à Lei 10. 257/2001). São Paulo, Malheiros, 2002, p. 140. 169 CAMMAROSANO, Márcio, op. cit., p. 22.

106

aproveitamento do solo urbano. Já para Adilson Dallari e Sérgio Ferraz170, a grande

novidade trazida pela Lei 10.257/01 é a criação de instrumentos que possibilitem

intervenção mais concreta e efetiva do Poder Público no desenvolvimento urbano,

esperando alcançar dois objetivos – a redução da especulação imobiliária e fazer

com que a propriedade imobiliária urbana cumpra sua função social.

O Estatuto afirmou com ênfase que a política urbana não pode ser

um amontoado de intervenções sem rumo, mas tem direção global nítida, que é

ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade

urbana” (art. 2º, caput), de modo a garantir o “direito a cidades sustentáveis” (incisos

I, V, VIII e X)171.

A política urbana é indispensável para implantar a ordem que

permitirá o pleno desenvolvimento de todas as funções sociais da cidade e da

propriedade urbana.

Ao estabelecer suas diretrizes gerais, o Estatuto expressa a

convicção de que, nas cidades, o equilíbrio é possível – e, por isso, necessário.

Nesse sentido, deve-se buscar o equilíbrio das várias funções entre si (moradia,

trabalho, lazer, circulação etc.), também entre a realização do presente e a

preservação do futuro (art. 2º, I); entre o estatal e o não-estatal (incisos III e XVI);

entre o rural e o urbano (inciso VII); entre a oferta de bens urbanos e as

170 FERRAZ, Sérgio e DALLARI, Adilson Abreu. Estatuto da cidade: comentários à lei federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p 19. 171 SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da cidade: comentários à lei federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 54.

107

necessidades dos habitantes (inciso V); entre o emprego do solo e a infra-estrutura

existente (inciso VI); entre os interesses do Município e os dos territórios sob sua

influência (incisos IV e VIII). O crescimento deverá respeitar os limites da

sustentabilidade, seja quanto aos padrões de produção e consumo, seja quanto à

expansão urbana (inciso VIII), por isso o objetivo do Estatuto não é o crescimento,

mas o equilíbrio. Toda intervenção individual potencialmente desequilibradora deve

ser previamente comunicada (inciso XIII), estudada, debatida e, a seguir,

compensada.172

O Estatuto da Cidade constitui a primeira tentativa de resposta

jurídica abrangente à dicotomia entre a cidade legal e a cidade ilegal e, segundo

Carlos Ari Sundfeld173, isso se deu:

“por meio da instituição de um direito urbanístico popular, que resulta

da adoção de duas orientações convergentes: por um lado, a

transferência dos grupos marginalizados para dentro do mundo jus-

urbanístico (pela criação de novos instrumentos para o acesso à

propriedade formal, bem como de medidas para a regularização

fundiária urbana e para a regularização das urbanizações

clandestinas) e, por outro, a adequação da ordem urbanística à

situação real da população, por meio de normas especiais de

urbanização (ordem urbanística popular).”

172 SUNDFELD, Carlos Ari, op. cit., p. 55. 173 SUNDFELD, Carlos Ari, op. cit, p. 59.

108

Para o exercício dos objetivos previstos no Estatuto da Cidade

acima assinalados, são apresentados instrumentos jurídicos em seu artigo 4º, que

podem ser seguir a seguinte divisão: instrumentos de planejamento; instrumentos

tributários e financeiros; instrumentos jurídicos e políticos; instrumentos

ambientais174.

Dentre os instrumentos jurídicos e políticos de atuação

urbanística, encontra-se a usucapião coletiva, que assegura o direito à moradia,

promove a regularização fundiária, garantindo a segurança da posse de áreas

ocupadas por população de baixa renda, efetivando valores constitucionais e

alterando a ilegalidade urbana.

Tendo em vista a proximidade do instituto da concessão de uso

especial para fins de moradia com a usucapião prevista no artigo 183 e nos artigos

9º a 14 do Estatuto da Cidade, sobre ela discorremos brevemente, a fim de restar

clara a diferença entre os dois institutos.

174 SILVA, Solange Cristina da. Usucapião imobiliária especial urbana coletiva: instrumento de política de desenvolvimento urbano. 2003. 313 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003, p. 145.

109

3.2 CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA

O artigo 183 da Constituição Federal trata do instituto da

usucapião, uma vez que determina que aqueles que observarem determinados

requisitos terão “domínio” da área. O domínio, nessas condições, só pode ser

adquirido por usucapião. No entanto, o § 1º do artigo 183 menciona que “o título de

domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a

ambos, independentemente do estado civil.” (g. n.) Desta forma, o legislador

constituinte sinaliza sobre a possibilidade de serem concedidos imóveis públicos

para fins de moradia.

O instituto da concessão de uso especial para fins de moradia

estava previsto nos artigos 15 a 20 do projeto de lei que veio a se tornar o Estatuto

da Cidade. Ocorre que tais dispositivos foram vetados por razões de interesse

público. No veto, foram apontadas as seguintes objeções175:

a) a previsão do direito de concessão em “edificação pública”, que “poderia

gerar demandas injustificadas do direito em questão por parte de ocupantes

de habitações individuais de até duzentos e cinqüenta metros quadrados de

área edificada em imóvel público”;

175 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Concessão de uso especial para fins de moradia In DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sérgio. Estatuto da cidade: comentários à lei federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 153.

110

b) ausência de norma que ressalvasse o direito à concessão de imóveis públicos

afetados ao uso comum do povo e áreas urbanas de interesse de defesa

nacional, preservação ambiental ou destinadas a obras públicas;

c) a não-fixação de uma data-limite para a aquisição do direito à concessão

especial de uso especial;

d) a inexistência de dispositivo que fixe prazo para que a Administração Pública

processe os pedidos de concessão, sem o quê haverá “o risco de

congestionar o Poder Judiciário com demandas que, num prazo razoável,

poderiam e deveriam ser satisfeitas na instância administrativa”.

Embora a previsão da concessão especial para fins de moradia

tenha sido vetada no âmbito do Estatuto da Cidade, a Medida Provisória 2.220 de

quatro de setembro de 2001, a incluiu no ordenamento jurídico, obviamente com

algumas alterações em relação á previsão contida na Lei 10.257/01. Desta forma,

ficou estabelecida a concessão especial para fins de moradia nos seguintes termos:

“Art. 1º. Aquele que, até 30 de junho de 2001, possui como seu, por

cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e

cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área

urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito

à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem

objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a

qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural”.

111

Podemos verificar a similitude do instrumento com a usucapião

constitucional, uma vez que ambos apresentam como requisito o lapso temporal de

cinco anos de posse ininterrupta e sem oposição, a finalidade para fins de moradia,

e a área restrita a duzentos e cinqüenta metros quadrados. Os principais diferenciais

da concessão em relação à usucapião é que deve se tratar de ocupação em imóvel

público, além da ocupação dever ter, no mínimo, cinco anos, na data de 30 de junho

de 2001.

Maria Sylvia Zanella di Pietro, discorrendo sobre o tema, observa

que:

“como é vedado o usucapião de imóveis públicos, em relação a estes é

cabível a transferência do domínio ou a concessão de uso, não como direito

do possuidor do imóvel, mas a critério do Poder Público.”

Para Betânia de Moraes Alfonsin176, “o dispositivo é um avanço já

que o Poder Público sempre teve a faculdade de fazer a concessão e não a

obrigação.”

De fato, o texto de lei é claro ao prever que se preenchidos os

requisitos, tem o requerente direito à concessão de uso especial para fins de

moradia em relação ao bem objeto da posse. Não se trata mais de uma faculdade

do Poder Público, mas uma obrigação, desde que cumpridas as exigências legais.

176 ALFONSIN, Betânia in OSORIO, Letícia. Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: Novas Perspectivas para as Cidades Brasileiras. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2002, p. 163.

112

O artigo 2º da Medida Provisória 2.220 de 4 de setembro de 2001,

a exemplo ao que foi estatuído pela Lei 10.257/01 em relação à usucapião,

estabeleceu a concessão de uso especial para fins de moradia na forma coletiva.

Assim, a concessão será dada à coletividade habitante de uma determinada área, e

a cada possuidor será atribuída fração ideal igual do terreno, independentemente da

dimensão que cada um ocupe, salvo se houver acordo escrito entre os possuidores.

Vejamos:

“Art. 2º. Nos imóveis de que trata o art. 1º, com mais de duzentos e

cinqüenta metros quadrados, que, até 30 de junho de 2001, estavam

ocupados por população de baixa renda para sua moradia, por cinco

anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível

identificar os terrenos ocupados por possuidor, a concessão de uso

especial para fins de moradia será conferida de forma coletiva, desde

que os possuidores não sejam proprietários ou concessionários, a

qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.

§ 2º. Na concessão de uso especial de que trata este artigo, será

atribuída igual fração ideal de terreno a cada possuidor,

independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe,

salvo hipótese de acordo escrito entre os ocupantes, estabelecendo

frações diferenciadas.”

Podemos notar que são exatamente os mesmos requisitos

apresentados pelo Estatuto da Cidade para a usucapião coletiva que a Medida

Provisória em comento prevê no caso da concessão. O que diferencia, além do

113

imóvel ser público, é o fato de que a concessão pode ser conferida também pelo

Poder Executivo Municipal, além de ser declarada pelo Poder Judiciário.

Observa-se que, pelo artigo 3º, a concessão também poderá ser

dada em relação a imóveis públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios

que estejam situados em área urbana. O artigo 4º garante que, no caso da ocupação

acarretar risco à vida ou à saúde dos ocupantes, o Poder Público garantirá ao

possuidor o exercício do direito em outro local.

O artigo 6º da Medida Provisória estabeleceu o prazo máximo de

12 meses, a partir do protocolo, para a Administração Pública decidir sobre o pedido

de concessão. Em caso de recusa ou omissão, a concessão pode ser requerida por

via judicial.

Entendemos que o ocupante não precisa, necessariamente, fazer

o pedido à Administração Pública para, em caso de indeferimento ou omissão,

recorrer ao Poder Judiciário. O acesso à justiça e a inafastabilidade do Poder

Judiciário são princípios constitucionais do ordenamento jurídico pátrio e devem ser

aplicados no presente caso.

Assim como a usucapião constitucional, também prevista no

Estatuto da Cidade, a concessão especial surge para garantir o direito fundamental

à moradia, especialmente da população de baixa renda, que por viver em área

irregular ou clandestina está sempre em situação de constante medo de sofrer

despejos forçados.

114

3.3 USUCAPIÃO IMÓVEL INDIVIDUAL

3.3.1 Etimologia, gênero e origem

A palavra “usucapião” é proveniente do latim usucapio, do verbo

capio, capis, cepi, captum, capere, tomar, e usus, uso, que tem o significado de

tomar pelo uso, ou seja, tomar alguma coisa em relação ao seu uso. Originariamente

usus significa a posse, (possessio).

Assim, supõe-se que a palavra “usucapião” seja constituída pela

junção de usus a capio – aquisição da posse e, conseqüentemente, do domínio, pelo

uso da coisa, do que resultou usucapio177.

No tocante ao gênero, ensina Silvério Ribeiro178, que o vocábulo é

feminino em latim (usucapionem), francês (usucapión, embora utilize usage), italiano

(usucapione) e inglês (usucaption e usage, apesar da origem latina do idioma).

Contrariamente, a palavra é masculina em espanhol (usucapión) e português, no

entender de autores consagrados. Também é esse o gênero adotado pelo Código

Civil de 1916, que não foi repetido pelo Código de 2002, que se refere ao termo

utilizando o artigo definido “a”.

177RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. São Paulo: Saraiva, 1992. V. 1, pág. 183. 178 RIBEIRO, Benedito Silvério, op. cit., pág. 183.

115

Ensina o professor supracitado, ainda, que em toda a legislação

romana a palavra aparece no feminino, ligando-se à capio, especialmente no Corpus

Iuris Civilis.179

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em seu clássico léxico,

considera o vocábulo “usucapião” no gênero feminino. Já o Dicionário Houaiss o

assinala como substantivo de dois gêneros.

Washington de Barros Monteiro refere-se à palavra “usucapião”

no masculino, uma vez que esse gênero já está consagrado na doutrina.180

No presente trabalho, utilizamos a expressão “a usucapião”, uma

vez que, além de ter sido essa a opção utilizada no Código Civil de 2002 e pela Lei

nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), na origem, a palavra é utilizada no feminino.

De acordo com a Professora Maria Helena Diniz, a primeira

manifestação da usucapião caracterizou-se por uma posse prolongada durante o

tempo exigido pela Lei das XII Tábuas: 2 anos para os imóveis e 1 ano para os

móveis e as mulheres. Posteriormente, o prazo para bens imóveis passou para 10

anos entre presentes e 20 entre ausentes.181

179 RIBEIRO, Benedito Silvério, op. cit., p. 165. 180 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das coisas. Atualização Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.122. 181 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 20 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004. v. 4, p. 156.

116

Silvério Ribeiro182 ensina que o nome “usucapião” já se

encontrava nas regras de Ulpiano, nas quais adquire-se o domínio tanto das coisas

imóveis quanto móveis por meio da usucapião. A aquisição era forma de aquisição

civil, restrita aos cidadãos romanos (quirites, que viviam o Jus Quiritum – direito civil

romano) e quanto a coisas romanas, uma vez que os peregrinos estavam proibidos

de fazê-lo. Em face disso, dizia-se que usucapião é o modo de adquirir o domínio

pelo direito dos Quirites – usucapio est modus acquirendi dominium juris Quiritium. A

ação de usucapião era utilizada para convalidar a aquisição formalmente nula,

exigida a iusta causa, e para sanar vício ou defeito de legitimação do alienante,

presente a bona fides.183

3.3.2 Conceito e forma de aquisição

Usucapião é o modo de aquisição originário do domínio pela

posse prolongada e inconteste, observados os requisitos estabelecidos em lei.

Para Silvério Ribeiro184, monografista do tema, a usucapião é

“uma forma aquisitiva do domínio pela posse prolongada e desde que observados os

requisitos estabelecidos na lei”. Assinala o autor que os elementos caracterizadores

da usucapião ordinária, da extraordinária e das especiais encontram-se como

complementares da definição.

182RIBEIRO, Benedito Silvério, op. cit., p. 134. 183 RIBEIRO, Benedito Silvério, op. cit., p. 136. 184 RIBEIRO, Benedito Silvério, op. cit., p. 180.

117

De forma análoga conceituam os civilistas brasileiros

consagrados. Vejamos:

Para Maria Helena Diniz185, “a usucapião é um modo de aquisição

da propriedade e de outros direitos reais (usufruto, habitação, enfiteuse) pela posse

prolongada da coisa com a observância dos requisitos legais”.

Caio Mário da Silva Pereira186 o conceitua como “a aquisição do

domínio pela posse prolongada”.

Sílvio de Salvo Venosa187 preceitua que “denomina-se usucapião

o modo de aquisição da propriedade mediante a posse prolongada sob

determinadas condições”.

Finalmente, o civilista Silvio Rodrigues188 pondera que usucapião

é o “modo originário de aquisição do domínio, através da posse mansa e pacífica,

por determinado espaço de tempo, fixado na lei.”

O entendimento da usucapião como forma originária ou derivada

de aquisição da propriedade não é pacífico na doutrina pátria. No entanto, a maioria

dos consagrados doutrinadores a entende como forma originária de aquisição de

propriedade. Assim é o entendimento de Maria Helena Diniz, que defende tratar-se

185 DINIZ, Maria Helena, op. cit., p. 158.

186 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004. v. 4, p. 138. 187 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. São Paulo: Editora Atlas, 2005, vol. 5, p. 216.

188RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 28. ed. São Paulo :Editora Saraiva, 2003, vol. 5, p. 108.

118

de modo originário “uma vez que a relação jurídica formada em favor do usucapiente

não deriva de nenhuma relação do antecessor”, além de que “o usucapiente torna-

se proprietário não por alienação do proprietário precedente, mas em razão da

posse exercida.”189 Nesse sentido, entende Washington de Barros Monteiro, pois

“para o usucapiente, a relação jurídica de que é titular surge como direito novo,

independente da existência de qualquer vinculação com seu predecessor, que, se

por acaso existir, não será o transmitente da coisa.”190 Nesse sentido, também se

orientam Sílvio de Salvo Venosa191 e Silvio Rodrigues192.

Em sentido contrário, encontramos o entendimento de Caio Mário

da Silva Pereira, para quem “considera-se originária a aquisição, quando o indivíduo,

num dado momento, torna-se dono de uma coisa que jamais esteve sob o senhorio

de outrem.” Explica o jurista que a usucapião não se enquadra nesta definição, uma

vez que “é modalidade aquisitiva que pressupõe a perda do domínio por outrem, em

benefício do usucapiente.” Entende ser forma derivada de aquisição de

propriedade.193

Em nosso ponto de vista, a usucapião trata-se de forma originária

de aquisição da propriedade, pois o abandono do imóvel por parte do proprietário

anterior enseja quebra das titularidades sucessivas. Tanto é que não há alienação

por parte do proprietário, mas aquisição decorrente do abandono prolongado.

189 DINIZ, Maria Helena, op. cit., p. 159. 190MONTEIRO, Washington de Barros, op. cit., p. 121. 191 VENOSA, Silvio de Salvo, op. cit., p. 108: Ensina o eminente civilista que “o usucapião deve ser considerado modalidade originária de aquisição, porque o usucapiente constitui direito à parte, independentemente de qualquer relação jurídica com anterior proprietário. Irrelevante ademais houvesse ou não existido anteriormente um proprietário”. 192 RODRIGUES, Silvio, op. cit., p. 108. 193 PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., p. 138.

119

3.3.3. Espécies de usucapião

Atualmente, a legislação pátria prevê quatro espécies de

usucapião de coisa imóvel: ordinária, extraordinária, pro labore e usucapião urbana

(também chamada de usucapião especial ou usucapião constitucional).

O Código Civil de 1916 apresentava duas espécies de usucapião

de coisa imóvel: a usucapião extraordinária (art. 550) e a usucapião ordinária (art.

551).

A usucapião extraordinária previa posse prolongada por vinte

anos, independente de título ou boa-fé, devendo apresentar os requisitos comuns a

todas as espécies de usucapião (animus domini e sem oposição). Vejamos:

“Art. 550. Aquele que, por 20 (vinte) anos, sem interrupção, nem

oposição, possuir como seu um imóvel, adquirir-lhe-á o domínio,

independentemente de título e boa-fé que, em tal caso, se presume,

podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual lhe

servirá de título para transcrição no Registro de Imóveis.”

O Código Civil de 2002 repetiu a previsão da usucapião

extraordinária, mas reduziu o prazo para 15 (quinze) anos ou, no caso do

usucapiente utilizar o imóvel para sua moradia habitual ou nele tiver realizado obras

ou serviços de caráter produtivo, o prazo é reduzido para 10 (dez anos):

120

“Art. 1.238. Aquele que, por 15 (quinze) anos, sem interrupção, nem

oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade,

independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que

assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro

no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a 10

(dez) anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua

moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter

produtivo.”

No Código Civil de 1916, a usucapião ordinária exigia posse

prolongada por dez anos entre presentes e quinze anos entre ausentes (entendidos

estes que habitavam municípios diversos), além de justo título e boa-fé. Vejamos:

“Art. 551. Adquire também o domínio do imóvel aquele que, por 10

(dez) anos, entre presentes, ou 15 (quinze) entre ausentes, o possuir

como seu, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé”.

Com o advento do novo Código Civil, a previsão para usucapião

ordinária excluiu a diferenciação de prazos entre presentes e ausentes, passando a

haver um prazo uniforme de 10 (dez) anos. No entanto, o Código de 2002, em seu

artigo 1.242, inovou ao possibilitar a aquisição por usucapião em 5 (cinco) anos

quando o imóvel “houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro

constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os

121

possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimento de

interesse social e econômico.”

Nessa modalidade de usucapião ordinária, além do justo título e

boa-fé, sobre os quais discorreremos a seguir, o legislador considerou a

possibilidade do imóvel já ter sido registrado em cartório, mas cancelado por alguma

ilegalidade e do usucapiente utilizar o imóvel como moradia ou ter nele realizado

investimento de caráter social ou econômico. Nota-se que as hipóteses do artigo

1.242 devem ocorrer simultaneamente para que haja a redução do prazo

prescricional de 10 (dez) para 5 (cinco) anos.

3.3.3.1 Requisitos do justo título e boa-fé

Conforme acima mencionamos, a usucapião ordinária tem como

requisitos o justo título e a boa-fé.

Por justo título, entende-se na doutrina dominante, como sendo

aquele devidamente formalizado e registrado. Como entende Washington de Barros

Monteiro,

“o usucapiente (...) deve ter título, mais que título, título justo, hábil à

aquisição do domínio, como uma escritura de compra e venda, um

122

formal de partilha ou uma carta de arrematação, com aparência de

legítimo e válido.194

Para o eminente civilista, o registro é requisito para que se

configure o justo título. É assim também o entendimento da Profa. Maria Helena

Diniz.195

Por óbvio, o título deve apresentar algum vício, pois, caso tivesse

que apresentar perfeição do ponto de vista jurídico, o imóvel poderia ser transferido

sem necessidade de usucapião.

Finalmente, o último requisito da usucapião ordinária é a boa-fé,

ou seja, a crença de que realmente lhe pertence a coisa possuída. A boa-fé é a

certeza de seu direito, a confiança inabalável no próprio título, sem vacilações, sem

possibilidade de temperamentos ou de meio-termo. A boa-fé ou é integral ou não

existe. Ela há de verificar-se ao ter início a posse do usucapiente e subsistir por todo

o tempo dela. Se o mesmo tem ciência do vício que lhe impede a aquisição do

domínio, inexiste boa-fé, incapaz de conduzir à usucapião ordinária, e só pela

extraordinária conseguirá ele depurá-lo de sua mácula196.

194 MONTEIRO, Washington de Barros, op. cit., p. 126.

195 DINIZ, Maria Helena, op. cit., p. 167: “Há uma espécie de usucapião em que a lei exige que o possuidor tenha justo título (CC, art. 1.242), isto é, que seja portador de documento capaz de transferir-lhe o domínio. Deve ser esse título ou ato translativo justo, isto é, formalizado e devidamente transcrito, hábil ou idôneo à aquisição da propriedade. P. ex.: escritura de compra e venda, doação, legado, arrematação, adjudicação, formal de partilha etc., com aparência de legítimo e válidos. A lei impõe ao prescribente o encargo de exigir tal título, mesmo que tenha algum vício ou irregularidade, uma vez que o decurso do tempo legal tem o condão de escoimá-la de seus defeitos, desde que concorram, como veremos, os demais requisitos para a configuração dessa modalidade de usucapião. Entretanto, tal vício não pode ser de nulidade absoluta.” 196 MONTEIRO, Washington de Barros, op. cit., p. 127.

123

A Constituição de 1934 introduziu no ordenamento jurídico

brasileiro outro tipo de usucapião, aquele chamado de usucapião pro labore, que se

justifica no trabalho do usucapiente, que torna a terra produtiva economicamente.

Essa espécie de usucapião foi repetida pelas Constituições de 1937 e 1946, mas

não teve guarida na Constituição de 1969.197 A Constituição Federal de 1988

retomou essa espécie de usucapião e o tornou norma constitucional, conforme

abaixo transcrito:

“Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou

urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição,

área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares,

tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela

sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.”

Desta forma, para que se concretize a aquisição do imóvel rural

por esse meio, são requisitos: a) que o ocupante não seja proprietário de imóvel

urbano ou rural, uma vez que esse instituto tem por objetivo outorgar o domínio a

quem, não tendo propriedade, cultivou terra alheia abandonada, tornando-a

produtiva com o seu trabalho198; b) a posse, exercida com animus domini, deve ser

ininterrupta, sem oposição e prolongar-se por cinco anos; c) o ocupante deve tornar

o imóvel produtivo por meio de seu trabalho e de sua família; d) o ocupante deve ter

na área sua moradia habitual; e) a área que se pretende usucapir não pode ser

197 RODRIGUES, Silvio, op. Cit., p. 109 e 110. 198 DINIZ, Maria Helena, op. cit., p. 177.

124

superior a 50 hectares; f) finalmente, assim como as demais modalidades de

usucapião, a área não pode ser pública.

E, por fim, a última espécie de usucapião é aquela prevista pelo

artigo 183 da Constituição Federal. Sobre essa espécie de usucapião trataremos no

item a seguir.

3.3.4 Usucapião especial urbana

A Constituição Federal, em seu artigo 183 e parágrafos, dispõe

sobre a usucapião especial urbana:

“Artigo 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até

duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos,

ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou

de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja

proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao

homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de

uma vez.

125

§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”

O Estatuto da Cidade, ao regulamentar os artigos 182 e 183 da

Constituição Federal, trata da usucapião especial em seus artigos 9º a 14. Prevê o

artigo 9º:

“Art. 9º. Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de

até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos,

ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou

de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja

proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º. O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a

ambos, independentemente do estado civil.

§ 2º. O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao

mesmo possuidor mais de uma vez.

§ 3º. Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de

pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no

imóvel por ocasião da abertura da sucessão”.

Desta forma, são requisitos legais para a aquisição do direito de

usucapião especial urbana:

a) área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados.

126

Essa extensão representa um tamanho máximo, fixado pelo legislador

constitucional como suficiente à moradia do possuidor ou de sua família. Pontua

Benedito Silvério Ribeiro que:

“o diploma constitucional [e nem sequer a lei] não distingue, e ao

intérprete não é lícito fazê-lo, cabendo, no entanto, o entendimento de

que não pode ser ultrapassado o limite de duzentos e cinqüenta

metros quadrados, seja para a área do solo, seja para a área

construída, prevalecendo a que for maior, dentro da limitação.”

De igual forma entende Carlos José Cordeiro, primeiro porque

realmente o legislador fixou o critério de metragem a ser seguido. Ademais, o

sentido da norma referida deve ser compatível com o contexto político-social da

propriedade, observando-se que os beneficiários dessa modalidade de

usucapião, em regra, são os necessitados de uma moradia. Compartilhamos

desse entendimento. De fato, se fosse possível usucapir área de duzentos e

cinqüenta metros quadrados, mas com construção de diversos andares e

metragem elevada, o espírito da lei estaria sendo descumprido, uma vez que

essa modalidade de usucapião, com prazo prescricional reduzido, visa garantir o

direito à moradia àqueles que moram irregularmente, em regra, por falta de

opção no mercado formal de imóveis.

127

Cumpre observar, entretanto, que o Estatuto da Cidade pôs fim à

discussão, uma vez que prevê, em seu artigo 9º, que a área ou edificação urbana

deve ter até duzentos e cinqüenta metros quadrados199.

b) posse ininterrupta e sem oposição por cinco anos;

Deve a posse ser exercida de forma direta e pessoal, sem a

interferência de prepostos, mediante residência afixada no local. Deve ser exercida

por meio de atos inequívocos e ensejadores de um comportamento do possuidor, tal

como proprietário da coisa fosse.

A expressão “como sua” prevista tanto no artigo 183 da

Constituição, como no artigo 9º do Estatuto da Cidade revela a necessidade de

configurar-se o animus domini. Deve o requerente usar e cuidar do imóvel como se

dono fosse, havendo a necessidade de que haja atos inequívocos que demonstrem

essa intenção. A posse é animus domini quando o possuidor não reconhece em

outro e em relação à coisa que possui, nenhum poder jurídico alheio200.

A posse – “sem oposição” – refere-se à tranqüilidade e

publicidade que a caracterize, uma vez não impugnada de forma suficiente a

quebrar sua mansuetude e continuidade, de sorte que a oposição deve traduzir

medidas efetivas, sobremaneira na esfera judicial.201 Para que seja caracterizada a

interrupção da prescrição aquisitiva, faz-se necessário que a oposição seja

199 HORBACH, Carlos Bastide. MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 94. 200NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do, apud CORDEIRO, Carlos José. Usucapião constitucional urbano: aspectos de direito material. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 140. 201RIBEIRO, Benedito Silvério, op. cit., p. 865.

128

justificável no plano jurídico. Configura-se a oposição medida séria e tempestiva.

Uma oposição feita por quem não tenha legitimidade, ou apresentada fora do prazo

ou que tenha resposta jurisdicional desfavorável, não poderá aniquilar a mansidão e

pacificidade da posse do prescribente202.

A posse contínua é aquela em que, durante o correr do prazo

estatuído na lei, não deverá haver lapsos de quebra de seu curso, sob pena de

acarretar a descontinuidade, os atos de posse terão de ser regulares e sem

intervalos prolongados.203 Quando os atos, de que resulta o gozo, não apresentem

omissões da parte do possuidor. A posse exercida não pode sofrer intermitências,

descaso ou ausência de cuidados no trato da coisa, sob pena de macular o

processo de aquisição do domínio204.

c) área utilizada para moradia própria e da família;

A intenção do dispositivo é favorecer os possuidores que não têm

acesso ao direito fundamental à moradia. Não há a intenção de favorecimento de

possuidores que explorem o imóvel para comércio ou indústria205.

Observa Carlos José Cordeiro206 que:

“o bem não poderá ser utilizado para outra finalidade, que não a

habitação, como, por exemplo, para a instalação de estabelecimento

202 CORDEIRO, Carlos José, op. cit., p. 143. 203 RIBEIRO, Benedito Silvério, op. cit., p. 650. 204 CORDEIRO, Carlos José, op. cit., p. 141. 205 SILVA, Solange Cristina da, op. cit.,, p. 149. 206 CORDEIRO, Carlos José, op. cit., p. 144.

129

comercial, industrial, ou prestação de serviços (escritórios,

consultórios etc.), excetuando-se o caso do possuidor ter sua

residência conjugada à sua atividade comercial, o que, de fato, é

bastante comum.”

d) não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural;

A idéia dessa espécie de usucapião é favorecer aquele destituído

de qualquer teto para abrigar-se ou a sua família, para que adquira sua moradia. O

fato de o possuidor haver sido no passado proprietário, não induz obstáculo para

usucapir, bastando que haja verificado a destituição do domínio anteriormente ao

início do prazo da prescrição ad usucapionem.207

Quanto à comprovação de que o possuidor não possui outra

propriedade urbana ou rural, muito difícil será a prova negativa. No entanto, algum

interessado pode intervir no processo e providenciar a prova que desfavoreça o

possuidor. O juiz poderá, se considerar de interesse, oficiar órgãos da Administração

a fim de comprovar a veracidade dos fatos alegados pelos requerentes.

e) não ter sido beneficiado da usucapião especial anteriormente.

Com o mesmo desiderato dos requisitos acima, o legislador

proibiu que uma mesma pessoa possa ser beneficiada mais de uma vez da

usucapião especial urbana. O dispositivo faz sentido pelo fato de que o que se visa

garantir é o direito à moradia e não incentivar operações que visem especulação

207 RIBEIRO, Benedito Silvério, op. cit., p. 863.

130

imobiliária dos lotes ou de pessoas que vivam do expediente de compra e venda de

imóveis usucapidos. Foi para atender à garantia do direito à moradia e da dignidade

humana que o legislador se pautou ao criar a usucapião com lapso prescricional

mais exíguo.

Tanto a Constituição Federal como o art. 9º do Estatuto da Cidade

frisa que o título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos,

independentemente do estado civil.

De fato, perante a Constituição de 1988, que tornou límpida a

igualdade de gênero, não poderia ser a interpretação de outra forma. A inclusão

desse dispositivo é até dispensável, não obstante nobre a intenção do legislador

para que não fosse possível suscitar nenhuma dúvida a esse respeito. Do mesmo

modo, a Constituição reconhece a união estável, equiparando-a ao casamento

quanto aos direitos da companheira e dos filhos.

3.4 USUCAPIÃO COLETIVA PREVISTA NO ESTATUTO DA CIDADE

O Estatuto da Cidade trouxe a previsão da possibilidade da

usucapião especial urbana na modalidade coletiva:

“Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros

quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua

moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não

131

for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são

suscetíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os

possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

§1º. O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este

artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que

ambas sejam contínuas.

§ 2º. A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada

pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no

cartório de registro de imóveis.

§ 3º. Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada

possuidor, independentemente de dimensão do terreno que cada um

ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos,

estabelecendo frações ideais diferenciadas.

§ 4º. O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo

passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no

mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de

urbanização posterior à constituição do condomínio.

§ 5º. As deliberações relativas à administração do condomínio

especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos

presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.

132

Art. 11. Na pendência da ação de usucapião especial urbana, ficarão

sobrestados quaisquer outras ações, petitórias ou possessórias, que

venham a ser propostas relativamente ao imóvel usucapiendo.

Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião

especial urbana:

I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou

superveniente;

II – os possuidores, em estado de composse;

III – como substituto processual, a associação de moradores da

comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica,

desde que explicitamente autorizada pelos representados.

§ 1º. Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a

intervenção do Ministério Público.

§ 2º. O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária

gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis.

Art. 13. A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada

como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como

título para registro no cartório de registro de imóveis.

Art. 14. Na ação judicial de usucapião especial de imóvel urbano, o

rito processual a ser observado é o sumário.”

133

A modalidade coletiva de usucapião veio preencher lacuna no

sistema jurídico, que impossibilitava a aplicação do direito subjetivo criado pelo

artigo 183 da Constituição Federal a núcleos habitacionais irregulares e favelas, em

vista da fluidez e falta de certeza material dos limites ocupados208.

Conforme preceitua Celso Augusto Coccaro Filho209, “a função

social da posse que enseja o usucapião avulta nos elementos externos do instituto,

evidenciados na sua utilização como instrumento de consecução da política urbana”.

Para o autor, a usucapião coletiva poderá se transformar em notável instrumento da

política urbana, principalmente porque “transfere a iniciativa de regularização aos

ocupantes de tais áreas, dispensando intervenções muitas vezes destinadas a fins

eleitorais.”

A usucapião urbana coletiva cumpre duas finalidades simultâneas

diante da realidade habitacional brasileira. A primeira finalidade é a de instrumento

de regularização fundiária que assegura o direito à moradia para as inúmeras

famílias de baixo poder aquisitivo que, por estado de necessidade social, encontram-

se vivendo em favelas, cortiços, conjuntos habitacionais invadidos e loteamentos

irregulares na chamada cidade clandestina. A segunda é garantir o cumprimento da

função social da propriedade por meio da promoção de uma política de

regularização fundiária210. Para Francisco Loureiro, na modalidade coletiva, o

208 LOUREIRO, Francisco. Usucapião coletivo e habitação popular. In ALFONSIN, Betânia e FERNANDES, Edésio. Direito à moradia e segurança da posse no estatuto da cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004, p.110. 209 COCCARO FILHO, Celso Augusto. Usucapião especial de imóvel urbano: instrumento da política urbana. Revista de Direitos Difusos, n. 20, p. 2698-2718, julho-agosto de 2003, p. 2699 e 2705. 210 CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília: Câmara dos Deputados, 2001, p. 184.

134

legislador é mais ambicioso e almeja não só a regularização fundiária, mas também

a urbanização da gleba.

Ensina Ibraim Rocha211 que:

“a ação de Usucapião Coletivo, prevista pela Lei nº 10.257/2001 é

uma das fissuras no sistema de propriedade cartulária adotada pelo

código civil, e que necessita a toda hora ser destacado a partir de um

enfoque constitucional, que pode e deve ser valorizado a partir de um

processo histórico hermenêutico da formação da propriedade,

especialmente numa nação jovem como a nossa, onde ainda campeia

gravemente a luta e morte pela terra, e que tal chaga somente

cessará se termos claramente em nossa mente o significado da

propriedade tradicional e logo a necessidade de se dar força e

balizamento constitucional dos novos instrumentos que bloqueiam

esta concepção”.

Questão importante a ser levantada, em relação à usucapião

coletiva, diz respeito se é um novo tipo de usucapião inserido no ordenamento

jurídico, ou se trata-se de modalidade de requerimento da espécie usucapião

especial urbano, com a finalidade de criar instrumento para tornar viáveis situações

peculiares da usucapião já existente.

Essa questão é importante para que se conheça o alcance do

artigo 10. Caso seja considerada nova espécie de usucapião, o termo inicial da 211ROCHA, Ibraim. Breve distinção entre a ação de usucapião coletivo e a modalidade de perda da propriedade, prevista no art. 1.228, § 4º, do código civil. Revista de Direitos Difusos, São Paulo, n. 28, p. 3965-3972, novembro-dezembro 2004, p. 3967.

135

prescrição aquisitiva teria que ser considerada em outubro de 2001. Contrariamente,

se for entendido como uma modalidade ínsita à usucapião urbana, o termo inicial

conta-se da Constituição de 1988, assim como em sua modalidade individual.

Entendemos que não se trata de nova espécie de usucapião.

Primeiro porque o “Estatuto da Cidade teve período de vacatio legis suficientemente

longo para que eventuais titulares de domínio ajuizassem ações para retomar

imóveis ocupados, não sendo colhidos, assim, de surpresa pela suposta nova

modalidade de prescrição aquisitiva. Segundo, porque o chamado usucapião

coletivo nada mais é do que uma espécie de usucapião constitucional urbano,

apenas ostentando algumas facetas peculiares para solucionar situações fáticas que

encontravam obstáculos de natureza formal para consumação da prescrição

aquisitiva.”212 O novo instituto apenas acrescenta à aquisição da propriedade a

possibilidade de urbanização de núcleos habitacionais degradados.

Há aqueles que questionam a constitucionalidade do instrumento

da usucapião urbana coletiva, diante da ausência de expressa menção no art. 183

da Constituição Federal, que prevê a usucapião individual. Entendemos, no entanto,

que não há que se falar em inconstitucionalidade, uma vez que a usucapião coletiva

dá ensejo à exteriorização dos mesmos princípios que geraram a usucapião

individual213. Além disso, a usucapião coletiva dá cumprimento ao direito

fundamental à moradia, previsto no art. 6º da Constituição Federal.

212 LOUREIRO, Francisco, op. cit., p. 92 e 93. 213 COCCARO FILHO, Celso Augusto, op. cit., p. 2706.

136

Paulo José Villela Lomar214 entende que considerar a usucapião

coletiva inconstitucional é interpretar a Constituição de forma literal, em detrimento

dos demais métodos de exegese constitucional. Para o autor, “é preciso ter em

conta que a Constituição é norma fundante do ordenamento jurídico, que acolhe e

protege diferentes valores e princípios de alta relevância social”, que constituem

diretrizes da interpretação constitucional “sob o forte influxo da realidade social

subjacente.”

Dalmo de Abreu Dallari215, ao estudar a temática da usucapião

especial urbana coletiva, admite que havendo a composse, com os requisitos

exigidos para a configuração da posse e suas decorrências, a modalidade da

usucapião deve ser a coletiva:

“A expressão ‘aquele que possuir’ não implica possuir sozinho. Quem possuir

em comum, o compossuidor, pode ser referido como ‘aquele que possuir’,

assim como o condômino estará incluído nos dispositivos legais que fizerem

referência àquele que for proprietário. No caso do artigo 183 da Constituição

pode-se afirmar, com absoluta segurança, que o constituinte sabia que a

posse urbana para moradia é sempre coletiva, sendo extremamente raras as

exceções. Estas, por sua raridade e por sua pequena expressão social, não

justificam uma disposição constitucional inovadora. Assim, portanto, sem

qualquer sombra de dúvida, o artigo 183 da Constituição brasileira permite

que se use o caminho tradicional do usucapião para, tendo por base a posse

comum, se obter o usucapião coletivo. ”

214 LOMAR, Paulo José Villela, op. cit., p. 138. 215 DALLARI, Dalmo de Abreu. Usucapião coletivo. In Informação. Legislativa, Brasília, n. 115, jul/set.1992, p. 379.

137

A primeira exigência da usucapião coletiva é tratar-se de área

urbana que tenha metragem superior a 250 metros quadrados, ocupada por

população de baixa renda, onde não exista a possibilidade de identificar exatamente

a área ocupada por cada possuidor. Área urbana é aquela situada dentro do

perímetro urbano determinado por cada Município. No entanto, há entendimento

com o qual partilhamos que, se o imóvel for utilizado unicamente por moradia, sem

destinação para agricultura ou pecuária, não importa sua localização. Assim

entendemos interpretando o dispositivo à luz do princípio da isonomia e do direito à

moradia e dignidade humana a todos garantidos. Caso o imóvel se encontre em

área rural, com caráter produtivo, deve-se, então, aplicar a modalidade de usucapião

rural.

Quanto à metragem superior a duzentos e cinqüenta metros

quadrados, de forma adequada preconiza Solange Cristina da Silva216:

“se a usucapião coletiva está vocacionada a promover para a

população de baixa renda uma política de inclusão social, que

possibilite acesso ao direito de morar e ao direito à cidade, a

dignidade das pessoas e da moradia deverão ser preservadas. Uma

área com metragem inferior a 250 metros quadrados não oferecerá

condição de dignidade para vários moradores.”

A legitimidade ativa está circunscrita ao universo da “população

de baixa renda”. O legislador não explicita o que entende por população de baixa

216 SILVA, Solange Cristina da,op. cit., p. 147.

138

renda, nem tampouco é essa a função da lei. A população de baixa renda pode ser

entendida como aquela que não tem condições financeiras de adquirir um imóvel

para sua moradia no mercado imobiliário formal. Será o juiz que avaliará, caso a

caso, se a população requerente é ou não de baixa renda. Para Coccaro Filho217, a

exigência de baixa renda “parece-nos pressuposto de direito material, que deve ser

apenas revelado mediante declaração na petição inicial, dispensando-se prova

efetiva”. Ressalta que eventual perícia técnica deverá aferir a real situação

econômica dos beneficiários, pensamento com o qual concordamos.

Finalmente, a usucapião coletiva só poderá ser invocada em

áreas que não seja “possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor”.

Obviamente, se a expressão for tomada em seu sentido raso, a usucapião

constitucional perde sua aplicabilidade prática. Isso porque, ainda que as moradias

sejam compostas por barracos nas áreas irregulares, como favelas, também há

separação interna. Cada família habita em um núcleo separado, muito embora essa

separação seja feita de maneira extremamente precária, sem divisas padronizadas e

não respeitando as mais elementares regras de regulação do solo urbano. Conforme

pontua Francisco Loureiro218, “a expressão deve ser interpretada pelo critério

teleológico e com certa largueza”, pois “a idéia do legislador foi a de alcançar

aquelas situações em que pode haver posse materialmente certa, mas o seu objeto

é fluído, as divisas movediças e, principalmente, o perfil urbanístico indesejável”. A

norma visou atender aquelas situações em que as favelas ou outros tipos de núcleos

habitacionais que “não são dotados de planejamento ou de serviços públicos

essenciais, em que os moradores têm posse material certa de seus barracos, ou de 217 217 COCCARO FILHO, Celso Augusto, op. cit., p. 2708. 218 LOUREIRO, Francisco, op. cit., p. 98.

139

pequenas casas de alvenaria, mas, dado o caos urbanístico das vielas e a própria

precariedade das construções, está a ocupação individual sujeita a constantes

alterações qualitativas e quantitativas”, de forma que “nos aludidos núcleos

habitacionais não há propriamente terrenos identificados, mas sim espaços que não

seriam passíveis de regularização pela via do usucapião individual.”

Os demais requisitos do caput já foram tratados ao discorrermos

sobre a usucapião especial urbana, na modalidade individual.

Inovação importante trata o § 1º do artigo 10, ao possibilitar

acrescentar a posse a de seu antecessor para contagem do prazo prescricional da

usucapião coletiva. Diferentemente da previsão da usucapião urbana individual, em

que é possível o herdeiro legítimo continuar a posse de seu antecessor , desde que

resida no imóvel na ocasião da abertura da sucessão, em sua modalidade coletiva é

possível contar a posse do morador anterior, independentemente de relação de

parentesco.

De fato, a forma de organização dos núcleos habitacionais

coletivos informais, enseja grande mobilidade e rotatividade dos moradores. A falta

de formalidade para transferência da posse contribui para a inconstância do local de

moradia. Se a área for ocupada por população de baixíssima renda, a situação ainda

é mais grave, pois os barracos têm valor de mercado muito baixo e são facilmente

comprados e vendidos pelas famílias.

140

A diferença de tratamento entre a usucapião urbana individual e a

coletiva deve-se aos objetivos traçados pelo legislador: “Enquanto o individual

presta-se primordialmente à regularização fundiária, o coletivo volta-se, também e

com a mesma intensidade, à urbanização de áreas degradadas, mediante

constituição de condomínio peculiar. Daí a especial atenção e facilidades

concedidas pelo legislador ao usucapiente que opte pela modalidade coletiva.219”

Prevê o § 2º do artigo 10 do Estatuto da Cidade que a usucapião

coletiva será declarada pelo juiz mediante sentença, que servirá de título para

registro no cartório de registro de imóveis.

A sentença de usucapião é declaratória, ou seja, a usucapião já

se operou pelo preenchimento dos requisitos legais; a sentença do magistrado

apenas declara este fato. “O registro da sentença tão-somente dará publicidade

àquele fato, permitindo a disponibilidade do imóvel; e, com isso, os atos de

disposição subseqüentes poderão ser admitidos a registro ao se abrir matrícula para

assento dessa sentença220”.

A sentença, nos moldes do § 3º do art. 10 do Estatuto da Cidade,

atribuirá a cada possuidor igual fração ideal do terreno, independentemente da

dimensão que cada um ocupe. Instituirá, pois, condomínio de regime especial entre

os usucapientes. Como especial que é, o condomínio do art. 10 do Estatuto tem a

vocação da durabilidade no tempo. Na realidade, a extinção desse condomínio só

219LOUREIRO, Francisco, op. cit., p. 100. 220 DINIZ, Maria Helena. A lei de registros públicos e o estatuto da cidade. In DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sérgio (Coord). Estatuto da cidade: comentários à lei federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 400.

141

será possível se aprovada por no mínimo dois terços dos condôminos no caso de

urbanização da área superveniente à constituição do condomínio221.

“É que se tem em mente o dado de que a urbanização acresce o valor

ao bem, podendo inclusive beneficiar diferentemente os condôminos –

circunstâncias, essas, que alteram profundamente a situação

econômico-funcional de fato, que justificara sua criação, e o

dinamismo de sua administração222”

Nota-se que a diretriz da regularização fundiária é desenvolvida

em conjunto com a urbanização.

Ressalta-se que a extinção está subordinada a dois simultâneos

requisitos, que são a deliberação de no mínimo dois terços dos condôminos a

existência de projeto de urbanização. A norma direciona a extinção à concomitante

urbanização:

“O legislador usou o usucapião coletivo como primeira etapa para a

urbanização da gleba. Criou facilidades e estímulos num primeiro

momento, induzindo a formação de condomínio entre os

possuidores/proprietários. Num segundo momento, impediu a extinção

do condomínio, subordinando o natural desejo da propriedade plena à

prévia regularização urbanística.223”

221 FERRAZ, Sérgio e DALLARI, Adilson Abreu. Estatuto da cidade: comentários à lei federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 146 222 FERRAZ, Sérgio, op. cit., p. 146. 223 LOUREIRO, Francisco, op. cit., p. 108.

142

O condomínio especial será administrado através das

deliberações tomadas pela maioria dos presentes em reuniões condominiais, que

serão obrigatórias para todos, mesmo para os ausentes ou discordantes nos termos

do § 5º do artigo 10 do Estatuto.

O art. 11 do Estatuto da Cidade dispõe que, na pendência de

ação de usucapião especial urbano, ficarão sobrestadas quaisquer outras ações,

petitórias ou possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imóvel

usucapiendo. O sobrestamento da ação petitória ou possessória ocorre a partir do

ajuizamento da ação de usucapião especial. Caso as ações forem anteriores à

propositura da ação de usucapião, prevê o artigo 13 que o prescribente poderá

argüir usucapião como matéria de defesa, sendo que a sentença proferida valerá

como título para o registro de imóveis. Imprescindível, em tal hipótese, sejam citados

o titular do domínio, os confrontantes e as Fazendas Públicas, para figurarem como

litisconsortes necessários passivos, sob pena de ofensa ao princípio constitucional

do devido processo legal224.

O procedimento escolhido pela lei para a ação de usucapião foi o

sumário (art. 14 do Estatuto). No entanto, tal como ocorre nas demais ações

propostas, eventual complexidade da prova poderá levar o juiz a converter, em

proveito dos autores, o rito para o ordinário. Assim prevê o artigo 277, §§ 4º e 5º. No

caso da ação de usucapião, a conversão de procedimento será conveniente

especialmente nos casos em que houver grande número de autores, já que a prova

será complexa.

224 LOUREIRO, Francisco, op. cit., p. 110.

143

Em consonância com o artigo 12 do Estatuto, são partes legítimas

para a propositura da ação de usucapião especial urbana, o possuidor, isoladamente

ou em litisconsórcio originário ou superveniente; os possuidores em estado de

composse e a associação de moradores, devidamente constituída, com

personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representantes.

O objetivo da norma foi o de facilitar a representação processual,

uma vez que o grande número de autores inviabilizaria o andamento da ação. A

associação comunitária atua, com base nas atribuições estatutárias, como

representante dos moradores da comunidade para a obtenção do direito de moradia

por meio da usucapião.

A legitimidade extraordinária que se atribuiu à associação de

moradores não dispensa o elenco dos possuidores na petição inicial, pois serão os

possuidores beneficiários das frações do imóvel.225.

O parágrafo primeiro do artigo 12 determina a obrigatoriedade da

intervenção do Ministério Público em todas as ações de usucapião urbana.

A intervenção do Ministério Público nas ações de usucapião

sempre foi obrigatória, conforme determina o artigo 944 do CPC em vigor. Ocorre

que muito comumente o Ministério Público vem se manifestando nos autos do

processo alegando não haver interesse na causa. Assim, agiu bem o legislador em 225 LIMA, Márcio Kammer de. O usucapião coletivo como instrumento de atuação da função social da propriedade. 2007. 194.f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007, p. 71.

144

constar a obrigatória intervenção do órgão, uma vez que o Estatuto da Cidade

estabelece normas de ordem pública e de interesse social. No caso específico da

usucapião urbana coletiva, o parquet certamente tem a obrigação legal de se

manifestar, uma vez que os direitos envolvidos estão na categoria dos direitos

coletivos. Todavia, é sempre bom ressaltar que sua intervenção se dá como fiscal da

lei, e não como parte.

Assim, a intervenção do Ministério Público é obrigatória, sob pena

de nulidade, devendo ele verificar se todas as condições da ação e o interesse

público estão sendo cumpridos a cada passo.

O § 2º do artigo 12 da Lei 10.257/01 prevê que o autor terá os

benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório

de registro de imóveis.

Obviamente, por ser voltada a ação de usucapião coletiva à

população de baixa renda, conforme previsão no caput do artigo 10, não terá ela

condições de arcar com as custas do processo, devendo, então ser isenta de seu

pagamento. Importante ressaltar que também a perícia deve ser paga pelo Estado,

uma vez que imprescindível para o andamento da ação. O juiz deve admitir a

propositura da ação sem a apresentação da planta e do memorial descritivo da área,

determinando que sejam elaborados por perito por ele nomeados, às custas do

Estado. O benefício perante o cartório de registro de imóveis significa que as

pessoas beneficiadas pela sentença judicial não terão que arcar com as custas para

145

fins de registro do seu título de domínio nos termos da sentença. Desta forma, estes

não devem pagar pela nova matrícula e pela escritura do imóvel urbano usucapido.

No tocante à assistência jurídica gratuita, a lei não detalha qual

órgão será responsável pela propositura das ações. Entendemos que devem ficar a

cargo das Defensorias Públicas do Estado e da União, que possuem exatamente a

finalidade de prestar assessoria jurídica à população de baixa renda. Nada impede,

no entanto, que essa assessoria possa ser prestada por associações ou escritórios

jurídicos das universidades. A assistência jurídica gratuita deve ser prestada

também para a associação de moradores de uma comunidade de baixa renda.

Entendemos não ser necessária a declaração, nos termos da lei

de assistência judiciária (lei nº 1.060/50), que afirme que o autor é pobre e sem

condições de arcar com as custas do processo, pois o instituto é destinado

exclusivamente a pessoas de baixa renda.

146

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

O direito constitucional brasileiro vive momento de mudanças de

paradigma, uma vez que firmado o compromisso com a efetividade de suas normas,

em especial àquelas relacionadas aos direitos fundamentais. A efetividade dessas

normas passou a ser preocupação cotidiana dos que estudam e aplicam a lei.

Garantir o direito à dignidade humana é, hodiernamente, preocupação comum entre

os pensadores de direito constitucional, devendo servir como diretriz para a

realização de direitos.

Positivada no ordenamento jurídico brasileiro, a importância da

dignidade humana foi fortalecida a partir da Constituição de 1988, podendo ensejar,

conforme o caso concreto, direito subjetivo público.

Uma vez considerada como substrato dos direitos fundamentais,

a dignidade humana também protege os direitos sociais e, como tal, o direito à

moradia. A moradia tem sua relação direta com a dignidade da pessoa humana,

porquanto sua implementação consiste requisito básico para atingi-la. Moradia digna

é essencial para que os outros direitos fundamentais sejam implementados e

respeitados.

No mesmo sentido, não há como imaginar um Estado

democrático, tão enaltecido nos meios jurídico e político, sem um rol de direitos

147

eleitos como fundamentais, alicerce e base para todos os demais direitos conferidos

pelo ordenamento jurídico. Sendo o direito indissociável da realização da justiça,

tem-se que considerar os direitos fundamentais como base e diretriz para toda

interpretação e aplicação da lei. Moradia adequada é medida de justiça social e sua

positivação é forma de reduzir nossas gritantes desigualdades, herança histórica

que deve, de uma vez por todas, ser superada pela sociedade brasileira.

Os direitos fundamentais sociais, dentre os quais se inclui o direito

à moradia adequada, têm sua eficácia estendida não apenas para obrigar o

legislador ordinário a implementar legislação que os garanta; servir de baliza e

fundamento para a atividade jurisdicional; condicionar todas as atividades da

Administração (ainda que em seu âmbito de discricionariedade), mas também para

ensejar a criação de situações jurídicas, quando a não-implementação do direito

viole frontalmente a dignidade da pessoa humana.

Por outro lado, o direito à moradia dos habitantes da cidade é o

núcleo central do direito a cidades sustentáveis. A regularização fundiária objetiva

legalizar a permanência de populações moradoras de áreas urbanas ocupadas em

desconformidade com a lei, o que significa a integração dessas populações ao

espaço urbano, aumentando sua qualidade de vida e resgatando sua cidadania226.

O direito de morar corresponde a um espaço na cidade onde se

possa viver dignamente, com condições mínimas de habitabilidade e com o

fornecimento de serviços públicos essenciais, como fornecimento de água e energia

226 ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio, A lei e a ilegalidade na produção do espaço urbano. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.155.

148

elétrica, saneamento ambiental, coleta de lixo, educação, saúde, transporte, entre

outros.

Durante muitos anos, no Brasil, a proposta de urbanização de

favelas enfrentou resistência junto aos setores conservadores. A remoção era vista

como a forma correta de saneamento físico e moral. Atualmente, entretanto, já se

aceita a consolidação das áreas ocupadas por favelas ou por loteamentos

clandestinos227.

O direito coletivo à moradia dos grupos vulneráveis é parte

integrante da garantia do direito a cidades sustentáveis. O instituto da usucapião tem

a finalidade de assegurar a paz e a igualdade sociais.

A modalidade coletiva da usucapião urbana veio preencher lacuna

no sistema jurídico, que impossibilitava a aplicação do direito criado pelo art. 183 da

Constituição Federal a núcleos habitacionais irregulares e favelas, em vista da

fluidez e falta de certeza material dos limites ocupados228.

Ao incluir a usucapião especial de imóvel urbano entre seus

institutos jurídicos e políticos, o Estatuto da Cidade, regulamentando os artigos

constitucionais que tratam da política urbana (arts. 182 e 183), elege como ponto

fundamental a garantia do direito fundamental à moradia, direito social garantido

pelo artigo 6º da Constituição Federal, uma vez que dá segurança à posse a seus

227 MARICATO, Ermínia, op. cit., p. 42. 228 LOUREIRO, Francisco, op. cit., p.110.

149

moradores e direciona o Poder Público a urbanizar as áreas ocupadas pela

população de baixa renda.

Seja qual for o tipo de posse, todas as pessoas devem possuir um

grau de segurança de posse que possa lhes garantir a proteção legal contra

desocupação forçada e contra qualquer outro tipo de ameaça. No entanto, o

Estatuto da Cidade não esquece de incentivar condutas para que as áreas recém-

regularizadas possam ser também urbanizadas e, nesse ponto, fundamental é o

comprometimento do Poder Público.

A usucapião coletiva contribui para a adequação da função social

da propriedade. O direito à usucapião se configura pelo abandono da área pelo

proprietário, que muitas vezes adquire o imóvel com o único objetivo de utilizá-lo

para especulação imobiliária. Dessa forma, ao mesmo tempo em que garante a

formalização da moradia aos financeiramente hipossuficientes, a usucapião confere

à propriedade utilidade social.

A usucapião coletiva de imóvel urbano destina-se exatamente a

assegurar o exercício do direito fundamental da pessoa humana à moradia, eis que

apresenta a necessidade de morar para sobreviver. A garantia de dignidade da

moradia é atendida por meio de um processo de urbanização das áreas adquiridas

pela usucapião coletiva.

Por todo o exposto, podemos afirmar com veemência que a

usucapião urbana coletiva prevista pelo Estatuto da Cidade contribui para a

150

efetivação do direito à moradia, eleito pelo legislador constituinte como um dos

direitos fundamentais, base e diretriz para todas as normas do ordenamento jurídico

brasileiro.

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