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UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO FACULDADE DE DIREITO “LAUDO DE CAMARGO” MESTRADO EM DIREITO EDUARDO AUGUSTO LOMBARDI DIREITO COLETIVO URBANO: A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE LOTEAMENTOS CLANDESTINOS E IRREGULARES COMO EFETIVAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE Ribeirão Preto 2010

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UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO

FACULDADE DE DIREITO “LAUDO DE CAMARGO”

MESTRADO EM DIREITO

EDUARDO AUGUSTO LOMBARDI

DIREITO COLETIVO URBANO:

A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE LOTEAMENTOS

CLANDESTINOS E IRREGULARES COMO EFETIVAÇÃO DA

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Ribeirão Preto

2010

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EDUARDO AUGUSTO LOMBARDI

DIREITO COLETIVO URBANO:

A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE LOTEAMENTOS

CLANDESTINOS E IRREGULARES COMO EFETIVAÇÃO DA

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Dissertação apresentada à Universidade de Ribeirão Preto UNAERP, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Direitos Coletivos, Cidadania e Função Social do Direito.

Orientador: Prof. Dr. Lucas de Souza Lehfeld

Ribeirão Preto

2010

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Ficha catalográfica preparada pelo Centro de Processamento Técnico da Biblioteca Central da UNAERP

- Universidade de Ribeirão Preto -

Lombardi, Eduardo Augusto, 1965 - L842d Direito coletivo urbano: regularização fundiária de ocupações

clandestinas e irregulares como efetivação da função social da

propriedade / Eduardo Augusto Lombardi. - Ribeirão Preto, 2010.

155 f.

Orientador: Prof. Dr. Lucas de Souza Lehfeld.

Dissertação (mestrado) - Universidade de Ribeirão Preto,

UNAERP, Direito, área de concentração: Direitos coletivos,

Cidadania e Função social do direito. Ribeirão Preto, 2010.

1. Direito. 2. Direito coletivo. 3. Função social – Direito.

4. Urbanismo – Direito. I. Título.

CDD: 340

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Dedico este trabalho ao Criador e Senhor de todas as coisas.

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Agradeço

Aqueles que iluminaram meu caminho e cooperaram para a regularização de minha vida no

decorrer deste estudo.

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“Era uma casa Muito engraçada

Não tinha teto Não tinha nada.

Ninguém podia entrar nela, não Porque na casa não tinha chão.

Ninguém podia dormir na rede Porque na casa não tinha parede.

Ninguém podia fazer pipi Porque penico não tinha ali.

Mas era feita com muito esmero Na rua dos Bobos

Número zero.”

Vinícius de Morais, Bardotti, Sérgio Endrigo

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RESUMO Direito Coletivo Urbano: A regularização fundiária de loteamentos clandestinos e irregulares como efetivação da função social da propriedade. Diante da incessante busca de soluções para os problemas de ocupação urbana, o estudo pretende demonstrar que é possível resgatar a dignidade e a cidadania de grupos de indivíduos excluídos socialmente, por meio do reconhecimento e da legalização da moradia, convertendo-a em propriedade, ainda que aparentemente irregular ou clandestina, diante da legislação em vigor, notadamente a Lei Federal de Loteamentos e Parcelamento do Solo e o Código Florestal, levando-se em consideração os aspectos do Estatuto das Cidades. A evolução do Direito Urbano, nos últimos 50 anos, sob o ponto de vista (doutrinário e jurisprudencial) da evolução dos direitos humanos, a partir da visão das constituições até as atuais normas legais e as experiências positivas de iniciativas de Governos Estaduais e Municipais, embora isoladas, é precursora de uma nova etapa do resgate da cidadania, por ações concretas especialmente em São Paulo que criou e efetivou o Comitê de Regularização Fundiária (Cidade Legal) e, recentemente, com a instituição do Programa Minha Casa Minha Vida (Lei nº. 11.977/09) pelo Governo Federal, como a primeira lei nacional de regularização fundiária para a concretização dos ideais traçados constitucionalmente, sob forte influência do florescer do Direito Coletivo e sua função na sociedade, notadamente na ordem econômica e patrimonial. De outro plano, a concretização do direito à moradia e propriedade, no direito brasileiro, se opõe e confronta com as regras efetivamente traçadas para obtenção destes direitos. A busca de solução para estes e outros conflitos legais é o objetivo principal deste estudo.

Palavras-chave: Direito Coletivo Urbano. Urbanismo. Função social. Propriedade clandestina e irregular. Moradia e cidadania.

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ABSTRACT

Urban collective right: landed regularization of clandestine and irregular occupations as effectuation of the function of the property. Before incessant search of solutions for the problems of urban occupation, the study intends to demonstrate that it is possible to rescue the dignity and the citizenship of individuals' groups excluded socially, by means of the recognition and legalization of the home, converting it in property, although seemingly irregular or clandestine, due to the available legislation, especially the Federal Law of Divisions into lots and Subdivision of the Soil and the Forest Code, being taken into account the aspects of the Statute of the Cities. The evolution of the Urban Right in the last 50 years, under the point of view (doctrinaire and jurisprudential) of the evolution of the human rights, since the vision of the constitutions until the current legal norms and the positive experiences of State and Municipal, although isolated initiatives of Governments, is precursory of a new stage of the rescue of the citizenship, by concrete actions especially in São Paulo, that created and it executed Landed Regularization's Committee (Legal City) and recently with the first national law of landed regularization that instituted the Program My House My Life (Law nº. 11.977/09), of the Federal Government, for the materialization of the ideals drawn constitutionally, under strong influence of blooming of the Collective Right and her function in the society, especially in the economical and patrimonial order. Of another plan, the materialization of the right to the home and property, in the Brazilian right, is opposed and it confronts with the rules indeed drawn for obtaining of these rights. The solution search for these and other legal conflicts is the main objective of this study. Keywords: Urban Collective Right. Urbanization. Social function. Clandestine and irregular property. Home and citizenship.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

1 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE............................................................. 17

1.1 OS PRÍNCIPIOS E A FUNÇÃO SOCIAL DO DIREITO NO MEIO AMBIENTE URBANO ......................................................................................... 22

1.2 O DESENVOLVIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NAS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS ................................................................... 27

1.3 A POLÍTICA URBANA E A QUESTÃO FUNDIÁRIA ........................................... 35

1.4 O ESTATUTO DAS CIDADES ............................................................................ 47

1.4.1 A gestão democrática e as sanções ................................................................. 49

1.5 O PLANO DIRETOR ........................................................................................... 50

1.5.1 Os planos territoriais......................................................................................... 50

1.6 O PARCELAMENTO DO SOLO .......................................................................... 52

1.6.1 Os parcelamentos ilegais de solo ..................................................................... 56

1.6.2 O desenvolvimento sustentável ........................................................................ 60

1.6.3 As restrições urbanísticas ................................................................................ 62

2 O DIREITO COLETIVO URBANO ......................................................................... 64

2.1 OS ELEMENTOS DE DIREITO COLETIVO E A TUTELA COLETIVA DE DIREITOS ........................................................................................................... 64

2.1.1 O Direito Coletivo (ao bem estar) urbano ......................................................... 73

2.2 O USUCAPIÃO COLETIVO ................................................................................ 82

2.3 O USUCAPIÃO COLETIVO ADMINISTRATIVO ................................................. 86

2.4 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO DIREITO COLETIVO URBANO ............................................................................................................. 88

3 A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA ........................................................................ 95

3.1 OS INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA ............................. 101

3.1.1 O Direito Coletivo como instrumento de regularização fundiária .................... 101

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3.1.2 A Lei nº. 11.977/2009: instrumentos legais de regularização fundiária .......... 104

3.1.2.1 A regularização fundiária de interesse social .............................................. 109

3.1.2.2 A regularização fundiária de interesse específico ....................................... 113

3.1.3 O Programa Cidade Legal .............................................................................. 116

4 A TUTELA COLETIVA PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA DE OCUPAÇÕES CLANDESTINAS E IRREGULARES .......................................... 127

4.1 OS ASPECTOS PENAIS ................................................................................... 137

4.1.1 A responsabilidade e o crime ......................................................................... 137

4.2 O PODER DE POLÍCIA NO CAMPO URBANÍSTICO ...................................... 141

4.3 A CARACTERIZAÇÃO COMO IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DA OMISSÃO DAS AUTORIDADES MUNICIPAIS NA FISCALIZAÇÃO DO USO DO SOLO ................................................................................................. 143

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 146

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 145

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Introdução 10

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa inicia-se em uma época de transição, tal como a

transição verificada entre o Estado Liberal e o Estado Social que proporcionou o

reconhecimento de novas formas de conceber o direito, posicionando-o em

igualdade de valores com os direitos individuais e os direitos públicos.

Reconhece-se a angústia em estudar e escrever sobre um assunto tão

complexo que envolve e cerca a propriedade imóvel e quais as conseqüências desta

transição do vedado e oneroso para o permitido e incentivado, diante das novas

formas de operacionalizar a regularização fundiária. Formas estas instituídas

recentemente pela Lei Federal n.º 11.977, de 7 de julho de 2009 – primeira lei

brasileira de regularização fundiária – que complementa o Estatuto da Cidade e

estabelece novos paradigmas para tentar incorporar os princípios da função social e

tornar efetivo os princípios constitucionais de cidadania e da dignidade, por meio da

conquista da moradia digna, tendo em vista que um titulo de propriedade, apesar de

simples, proporciona ao seu detentor a confirmação da origem e a identificação dos

cidadãos e a segurança para se sentirem partes integrantes do sistema e buscarem,

para si e para a comunidade, outros serviços básicos.

Nesta concepção, o instituto da propriedade, pública ou privada, e a

função social do direito e sua aplicação, na atualidade, despertam acirrados debates

diante da visão diferenciada quanto a importantes e fundamentais conceitos de

institutos jurídicos complexos, como o direito de propriedade e seus fins.

Buscou-se a base de estudos na concretização do respeito aos Direitos

Coletivos, diversos do paradigma processual de cunho individualista, possibilitando

um avanço em relação à tutela coletiva, sendo este o objetivo da grande área de

estudo que originou o presente trabalho. Direitos classificados não como novos, mas

como nova compreensão de valores, que têm contribuído para atingir diversos

anseios dos operadores do direito com a efetivação de diversos preceitos

constitucionais nos quais o coletivo sobrepõe-se aos interesses pessoais e pela

relevância de seu conteúdo, mais social, mais humano, dirigido à coletividade com

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Introdução 11

amplas possibilidades de resgate da cidadania e recuperação da dignidade e

igualdade material dos tutelados, enquanto sujeitos de direito, tentando inserir no

contexto a sua função social.

Buscou-se, de forma relevante, destacar a Função Social dos Direitos

Coletivos, especificamente na utilização da propriedade urbana enquanto utilidade

para a sociedade e não somente para o proprietário, ou seja, buscando o fim social

do direito de propriedade, uma vez que não há Direito sem um Fim Social, e de

forma a se manter o equilíbrio e não se perder as conquistas do próprio direito,

enquanto liberdade.

A própria origem do direito de propriedade e sua função no ambiente

urbano foi amplamente questionada, tendo como questão central do estudo o seu

parcelamento e a sua inserção no meio ambiente construído, centenas de anos

antes, quando não havia qualquer preocupação urbanista ou social. A pesquisa

iniciou-se anos atrás, no início da década de 90, por diversas discussões e debates

enquanto participante da comissão de regularização fundiária, representando o

Poder Público Municipal, conjuntamente com técnicos do Poder Executivo Municipal

e Representantes do Ministério Público. Debates estes que ocorriam ora através dos

proprietário de áreas que não conseguiram, por inúmeros motivos, realizar o regular

parcelamento, tornando-os irregulares ou totalmente clandestinos, bem como diante

do contato direto com os moradores das referidas áreas no decorrer dos anos,

inclusive contato pessoal nos loteamentos clandestinos, até a sua efetiva

regularização e efetivação dos direitos sociais.

Tal questão causa preocupação há muitas décadas, não só no Brasil

como em todo o planeta, em todos os povos, cada qual com suas próprias

características, mas, em quase totalidade, vitimas da falta de planejamento e do

descaso dos poderes públicos, notadamente pela não intervenção na formação de

novos núcleos até a própria conivência. Por comodidade político-administrativa de

todos os interessados, não excluíndo os próprios compradores que, diante do

escasso mercado imobiliário, optam pela clandestinidade, a baixo custo, com um

custo (invisível) próprio e social elevado, muitas vezes de proporções catastróficas.

Entretanto, aqueles que, por inúmeras razões, adquiriram imóveis

oriundos de parcelamentos irregulares, executados de forma diferente do projeto

aprovado, ou totalmente clandestinos, sem registro do respectivo projeto, e ali

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Introdução 12

ergueram suas residências e fixaram moradia sem conseguir a regularização, em

sua maioria por problemas meramente formais e excesso de requisitos prévios e

burocracia exagerada, podem ter resgatados os valores sociais da propriedade, a

dignidade e a cidadania com o reconhecimento e o respectivo registro imobiliário da

aquisição de sua propriedade.

Cumpre ressaltar, e deixar claro, que em nenhum momento há

concordância com a invasão de terras produtivas ou socialmente utilizadas, bem

como da posição contrária à ocupação de áreas de risco, de vidas, e especialmente

as áreas de preservação ambiental, inclusive com danos para toda a coletividade,

cujas ações devem ser totalmente diferenciadas das aqui apresentadas, para

minimizar as perdas e os danos já causados.

Sendo favorável a regularização fundiária, é sério o temor na forma de

sua efetivação, em não se buscar sérios critérios de equilíbrio, entre o social, o

ambiental e o urbano, diante destas novas formas de regularização e aquisição da

propriedade, formal, e as conseqüências da aplicação destes novos instrumentos, se

forem executados sem responsabilidade na sua concretização.

Dentre as formas de aquisição da propriedade e as questões

fundiárias, todas conhecidas entre nós, notadamente afetadas pelas restrições

urbanísticas, foram tratadas conjuntamente com as experiências efetivas da Política

Nacional Urbana, a sua evolução, bem como a utilização de métodos coercitivos,

como o Plano Diretor, e as restrições legais à utilização da propriedade.

Neste contexto, em tempos de reconhecer novos valores aos antigos

institutos e a disponibilidade de novos instrumentos legais, consagraram a nova

visão coletiva do direito, em nosso País, iniciada pela própria Constituição Federal,

pelo Código do Consumidor, pela Lei da Ação Civil Pública e pelo Estatuto da

Cidade, especificamente no nosso campo de estudo e pesquisa, onde, consagrou-se

o usucapião coletivo, como efetivo instrumento de inclusão social, de grande parcela

da população, resgatando a dignidade com a efetividade dos direitos sociais, de

moradia digna e cidadania, pela conquista do título de propriedade.

Ao Município sempre coube a responsabilidade (ou a falta) pelos

parcelamentos do solo, sempre indiscriminadamente utilizados e sem qualquer

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Introdução 13

controle efetivo, proliferaram por todo o País, e somente agora, buscam minimizar os

efeitos catastróficos desta omissão, na maioria das vezes com seus crimes impunes.

Destaca-se, neste trabalho, com acompanhamento pessoal de seu

desenvolvimento, dentre outros programas, o Programa “Cidade Legal”, do Estado

de São Paulo, por se entender que, pela primeira vez, o Poder Público contempla a

questão da regularização de forma séria e com disponibilização de recursos

financeiros e de mão-de-obra especializada para os trabalhos técnicos que

demandam as regularizações, cujo custo inviabilizou, na maioria das vezes, as

tentativas de busca da solução legal.

Somente no século XXI evoluíram as legislações federal, estadual e

municipal, até então severas e impeditivas na aprovação da regularização fundiária,

por não atenderem e aceitarem a situação urbana consolidada quanto à infra-

estrutura básica, aos arruamentos, às áreas verdes, à área mínima de lotes, às

áreas institucionais, às restrições urbanísticas e ambientais, sofrendo profundas

alterações em seus conceitos.

Assim, em que pesem os esforços anteriores, somente recentemente,

especialmente após a Constituição Federal de 1988, foram criados instrumentos

legais, em níveis estadual e federal com o apoio do Poder Judiciário e do Ministério

Público, para efetivar especificamente as regularizações fundiárias.

Compreende-se que o problema deve ser solucionado como um

conjunto de interesses inseridos dentro do complexo sistema social e não

isoladamente. Assim, pelas novas regras, o Município, diante do caso concreto,

recebe assessoria técnica do Estado para editar as leis municipais específicas para

as ocupações, para elaborar diagnósticos, plantas, memoriais, levantamentos

planialtimétricos e identificação de restrições especiais, a fim de adequar a situação

à legislação, tornando estes imóveis, irregulares ou clandestinos, aptos ao registro

imobiliário e, a partir da regularização da propriedade, implantar a infra-estrutura

necessárias e as alterações do projeto aprovado e irregularmente executado ou,

aprovando-se o novo projeto pela demarcação, criando-se as matriculas respectivas

isoladamente ou de forma coletiva em condomínios.

As etapas buscadas em toda regularização são a efetivação do

reconhecimento do direito de propriedade e a implantação das obras de infra-

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Introdução 14

estrutura básica e outras intervenções pelo Município, Estado ou Sociedade, no

resgate da cidadania e da inclusão social destas comunidades.

Estes programas de regularização fundiária urbana ganharam

substancial reforço a partir da edição do Estatuto das Cidades e, recentemente, com

a redução dos custos para os registros e a primeira legislação federal especifica, Lei

Federal n.º 11.977, de 2009, denominada Programa Minha Casa Minha Vida, de

grande valor para a concretização da função social da propriedade, tema deste

estudo.

O referido programa visa à garantia da função social da propriedade

imobiliária urbana nas cidades, diminuindo as exigências para ampliar o acesso aos

bens e serviços públicos, com a finalidade de promover o reconhecimento dos

direitos sociais e constitucionais de moradia e qualidade de vida digna.

Ações efetivas estão em andamento, sem se poder avaliar os impactos

de determinadas conseqüências como é o caso de favelas, localizadas notoriamente

em áreas de risco, cuja situação pode ser considerada irreversível.

Novas formações, invasões, ocupações ou, ainda, a ampliação de

qualquer núcleo ou ocupação devem ser severamente coibidas para contornar e/ou

minimizar os problemas, advindos da desordenação urbana e da clandestinidade,

para toda a sociedade. Assim, entende-se que a impunidade deve ser repensada e

devem ser ampliadas as possibilidades de tipificação das sanções aos responsáveis

e co-responsáveis, notadamente os agentes públicos e políticos. O poder, o dever e

a capacidade de exercer tal controle e fiscalização são do Município e este deve ser

responsabilizado, incluindo o Chefe do Poder Executivo que, da mesma forma, deve

ser responsabilizado pelos atos e omissões no descumprimento da legislação

federal, caracterizando-os como improbidade administrativa.

Verifica-se ainda que, mesmo que existam inúmeras críticas e diversos

defeitos técnicos jurídicos, tem-se o instrumental necessário para minimizar a

exclusão social de grande parcela da população, para fornecer meios à

reurbanização, bem como para o combate à ilegalidade nos parcelamentos do solo e

ao descaso social urbano.

O início de amplas ações a respeito do saneamento do meio ambiente

urbano é possível. As leis em foco permitem à autoridade administrativa, ao Poder

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Introdução 15

Judiciário (sempre quando instado), ao Ministério Público e, diretamente, aos

Municípios e Serviços de Registro de Imóveis inúmeras possibilidades de ação, de

forma a corrigir ou coibir, a reprimir ou prevenir. Há, portanto, instrumentos legais

para a regularização fundiária e o combate à clandestinidade e à irregularidade.

Serão apresentadas e avaliadas, na parte final do trabalho, ainda que

de interpretação pessoal sem respaldo em culta doutrina, mas apenas em artigos

esparsos e comentários pessoais do ponto de vista jurídico, no texto da própria lei

11.977/09, as diferentes abordagens de elaboração de projetos de regularização da

propriedade e resgate da cidadania, incluindo-se a discussão sobre procedimentos

para a inclusão da opinião da população e de resultados de avaliação pós-ocupação

nas tomadas de decisão. Serão explorados os contextos sociais, políticos e

espaciais em que esses projetos serão a base da intervenção.

Por ser assunto recente, este estudo se caracterizou por ser do tipo

exploratório, em função da existência de poucos estudos que tratam do tema na

realidade brasileira. Embora o conhecimento sobre regularização fundiária seja bem

difundido em diversos países, no Brasil há pouca literatura e as tentativas práticas

estudadas demonstraram que estes conceitos ainda estão em estágios primários.

O universo de pesquisa foi constituído de loteamentos clandestinos e

irregulares nas áreas urbanas consolidadas e as ações efetivas para a sua

regularização.

Estes assentamentos humanos coletivos se caracterizam por

ocuparem áreas utilizadas como moradia, excetuando-se as impróprias ou com

riscos, à sua própria integridade e da sociedade, cuja solução será outra. Acredita-

se que, nestas, como é indicado pela literatura, haverá maior probabilidade de se

encontrar práticas de regularização com relativo sucesso.

A escolha destes assentamentos se deu pelo fato de serem setores

excluídos da legislação com um número elevado de situações de fato. Ao mesmo

tempo, é um dos grandes problemas que figura com grande número de ações

individuais, com foco constitucional e coletivo e com grandes conflitos de princípios,

na atual sociedade urbana moderna.

Em relação ao caráter exploratório e qualitativo deste estudo, não

existe a pretensão de se propor qualquer generalização ou mesmo um modelo ideal,

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Introdução 16

mas sim trazer informações sobre a aplicação dos conceitos de direito coletivo

urbano, na realidade brasileira urbana.

A aplicação do instrumental jurídico e sua efetiva aplicação serão

objeto de melhores e mais profundos estudos e conclusões futuras, a partir das

atuais ações na contribuição para a transformação desta realidade. A carência é

conhecer e aplicar os novos instrumentos na busca do equilíbrio no meio ambiente

urbano, quanto a abrigar seus habitantes de forma digna e saudável, atendendo às

suas funções e a melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes.

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A função social da propriedade 17

1 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Em tempo de transformações o sagrado e natural direito à propriedade

amadureceu. No decorrer da história do homem surgiram diversas concepções para

procurar explicar sua natureza, para entendermos, hoje, a propriedade não como um

direito subjetivo do proprietário, mas uma função social do detentor da riqueza,

devendo gerir seu patrimônio no interesse de todos, trazendo consigo características

gerais, coletivas, unitárias, perpétuas, absolutas, exclusivas, elásticas e sociais e,

acima de tudo, éticas para poder exercer, de forma plena, o direito de uso, gozo,

disposição e reivindicação.

Entende-se tal concepção não como limitação, mas sim adaptação do

direito patrimonial, uma delimitação do direito conforme as necessidades da vida em

sociedade, pois o direito de propriedade é vinculado às normas legais sem que seu

exercício venha a lesar direitos de terceiros, ou seja, utilizado contrariamente à sua

finalidade social e de bem-estar coletivo.

Sem esta nova conformação o direito de propriedade não preexiste ao

perfil que se impõe hoje com novo aspecto, novo contorno, que exige um exercício

contínuo de sociabilidade, num ambiente que favoreça os interesses sociais e

coletivos, buscando harmonia entre os princípios da propriedade privada e da função

social da propriedade.

Apoiada pela melhor doutrina, Rosa M. A. Nery afirma que:

Já não é mais possível preservar a idéia de que o contrato opera efeitos apenas entre as partes que o celebram. Há na compreensão moderna do contrato, bem como da empresa que opera o mercado e da propriedade privada, um sentido funcional de promoção social que ultrapassa os limites da funcionalidade do ato e do negócio, como mera experiência particular de um sujeito. Os institutos do direito de obrigações não podem abdicar de sua função construtiva de uma sociedade mais justa. Não pode o contrato, fruto da mais elaborada técnica jurídica, dispõem-se a representar um papel que se ponha contra essa finalidade científica do direito.

É por isso que o contrato, expressão jurídica máxima da liberdade deve ser estudado não apenas sob o ponto de vista de sua base subjetiva, ou seja,

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A função social da propriedade 18

da manifestação da liberdade negocial das partes, mas também, e principalmente, sob o ponto de vista de sua base objetiva e, porque não dizer, de sua função social.

1

O princípio da função social é decorrência da razão de ser do direito

como um elemento da sociabilidade e de mantença da totalidade do tecido social, de

forma harmônica e não contraditória.

Com importante contribuição, acrescenta Flávio Tartuce:

Sintonizado com o princípio da função social do contrato, não se pode afastar a importância do art. 51 do CDC para a nova visualização dos pactos e avenças celebrados sob a sua égide. Ora, quando Código Consumerista reconhece a possibilidade de uma clausula considerada abusiva declarar nulidade de um negócio, esta totalmente antenado com a intervenção estatal nos contratos e com aquilo que se espera de um direito moderno, mas justo e equilibrado.

[...]

A primeira tentativa relevante de trazer ao nosso sistema o princípio da função social dos contratos ocorreu com a promulgação da Lei 8.078/1990, restrita, em princípio, a sua aplicação aos contratados de consumo. Com o Código Civil de 2002 temos uma ampliação do uso do principio da função social dos contratos, inicialmente pelas previsões gerais que constam dos seus arts. 421 e 2.035, parágrafo único, bem como de outros dispositivos legais específicos, que merecerão um estudo detalhado.

2

O autor, acima referido, completa:

A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

[...]

Pela vanguarda dessa nova visão, os contratos devem ser interpretados de acordo com a concepção do meio social em que estão inseridos, não trazendo onerozidade excessiva ou situações de injustiça às partes contratantes, garantindo que a igualdade entre elas seja respeitada, equilibrando a relação em que houver a preponderância de situação de um dos contratantes sobre a do outro. Valoriza-se a eqüidade, a razoabilidade, o bom senso, afastando-se o enriquecimento sem causa, ato unilateral vedado expressamente pela própria codificação emergente, nos seus arts. 884 a 886.

3

1 NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito

privado. São Paulo: RT, 2008, p. 249, grifo da autora. 2 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código

Civil de 2002. São Paulo: Método, 2007, p. 168-169. 3 Ibid, p. 239-240.

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A função social da propriedade 19

Eis a fórmula, eis o desafio: o equilíbrio entre valores pela ponderação,

razoabilidade e proporcionalidade, entre usufruir e contribuir para uma sociedade

menos egoísta e, da mesma maneira, conscientizar o ser humano, culturalmente

explorador e naturalmente apropriador, a tornar-se sustentável e a dividir.

Entretanto, ações positivas, embora isoladas, estão sendo efetivadas (ainda que

tardias) e novas perspectivas, com a edição da Lei nº. 11.977/09, poderão ser

implementadas na busca de melhores condições de vida a milhões de pessoas

resgatando, efetivamente, a cidadania e a dignidade de possuir um endereço. Um

requisito tão banal para todos que possuem moradia regular, mas de conseqüências

devastadoras para aqueles que não o possuem, pois significa total exclusão social.

Os fundamentos da função social da propriedade, embora de

inspiração divina, solidária e fraternal em constante evolução, notadamente na

Europa, no sistema jurídico brasileiro, salvo normas sanitárias e de desapropriação,

tiveram suas estruturas plantadas apenas após a Constituição Federal de 1988,

conforme Rosa M A Nery, citando Nery-Nery:

Como já se disse os arts. 5. ° XXIII e 170 III da Constituição Federal ali estão por inspiração da Constituição alemã de 1919 (Constituição de Weimar), que no art. 153, in fine, estabeleceu, por inspiração dos civilistas Martin Wolff Otto Von Gierke, os princípios de que „a propriedade obriga‟ (Eigentum verpflichtet) e da „função social da propriedade‟ (Gebrauch nach Gemeinen Besten).

4

E, arrematando, a questão, afirma que:

Assim deve ser visto o direito de propriedade, que - como, aliás, todos os outros institutos jurídicos - não se compadece de uma consideração voltada, exclusivamente, para o atendimento e satisfação apenas dos interesses pessoais de um titular, mas cumpre um papel (uma função) dentro do regime jurídico posto, de atender também a interesses sociais.

5

Entretanto, adverte a autora que o direito real de propriedade, como

complexo lógico-jurídico necessário para a sua plena fruição, somente é

fundamental quando cumpre sua função social. Assim, para Rosa M.A. Nery:

4 NERY-NERY apud NERY, 2008, p. 171, destaques da autora.

5 Ibid, loc. cit..

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A função social da propriedade 20

Pode-se compreender o direito real de propriedade como esse feixe de interações que „juridiciza‟ aspectos velhos e novos da vivência social do homem quanto ao gozo jurídico e econômico de seu patrimônio material, para além do comando da Carta Política (CF 5.° XXII a XXVI; 20; 26; 170 III e VI; 176 caput; 182; 184; 185 parágrafo único; 186; 216; 225 §§ 4.º a 6.°; e 243). Aspectos que respeitam: - ao sistema de responsabilidade ex re, em decorrência dos chamados

direitos de vizinhança (CC 1.277 a 1.313); - à instituição do chamado bem de família (CC 1.711 a 1.722); - à tratativa jurídica do chamado patrimônio mínimo (Lei 8.009/90); - ao sistema de garantias reais (penhor, anticrese e hipoteca - CC 1.419 a

1.510) e ao sistema de propriedade fiduciária (CC 1.361 caput); - ao sistema de responsabilidade ex re, em decorrência das chamadas

obrigações „propter rem‟ (v.g. CC 1.336 I; CC 1.315 caput); - ao sistema real de solidariedade social com institutos como o da

servidão (CC 1378 a 1.389) e o da superfície (CC 1.369 a 1.377); - aos sistemas de segurança real-pessoal, a partir do aparato técnico de

mecanismos institucionais como o usufruto (CC 1.390 a 1.411), o uso (CC 1.412 e 1.413), a habitação (CC 1.414 a 1.416);

- às limitações impostas pela finalidade econômica e social do bem (CC 1.228 § 1.°);

- às limitações impostas pela proteção ambiental (CC 1228 § 1.°); - às limitações decorrentes dos planos diretores das cidades ou do

Estatuto da Cidade; - à destinação da coisa (CC 1.314); - à técnica dos registros públicos imobiliários e de títulos e documentos. Tudo isso é expressão da função social da propriedade dentro do sistema. Na medida em que cabe também ao direito privado prover o sistema jurídico de mecanismos e instrumentos capazes de permitir que o Estado organize a economia ou intervenha nela, e que o contrato e a propriedade são instrumentos tradicionais utilizados para esse fim, bem como na medida em que a empresa adquire diversas formas jurídicas para poder operar o mercado, é perfeitamente atual e necessário que se diga ter a empresa uma função social consentânea com os princípios que o direito privado pretende ver realizados.

6

Conforme se deduz a função social é instituto jurídico indissolúvel do

exercício de qualquer direito, notadamente os de cunho patrimonial que, além dos

princípios que os norteiam, devem orientar-se pela ética, pela boa fé e pela

lealdade, como bases de sustentação de uma sociedade solidária, desenvolvida,

pós-moderna.

Adverte, porém, José Rodrigues Arimatéa:

Todo o panorama constitucional da propriedade privada e a sua disciplina nas legislações ordinárias ainda não receberam o impacto das novas tempestades que se avizinham, trazidas pela nova ordem econômica mundial. A tendência de superação dos Estados Nacionais, verificada na Europa Comunitária, onde os tratados obrigatoriamente integram as

6 NERY, 2008, p. 253.

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A função social da propriedade 21

Constituições dos Estados, certamente, influenciará a disciplina jurídica do direito de propriedade, harmonizando-o com as novas exigências públicas, notadamente, no campo do urbanismo e do meio ambiente.

7

As cidades devem ser sustentáveis. O campo deve ser sustentável.

Deve-se buscar o equilíbrio impondo limitações e restrições ao seu uso, estando

condicionado ao interesse coletivo, difuso e social.

Esta deve ser a regra social imposta nestes novos tempos e, em boa

hora, o Brasil apresenta promissoras intenções legislativas.

Este raciocínio atribui novas formas de intervenção estatal para estes

novos tempos, de relações múltiplas, interesses antagônicos de grupos, gerando

tensão e instabilidade social pela ausência do Estado.

É nesse contexto que o Poder Público é obrigado a intervir, pois os conflitos já não são mais inter-individuais, não interessam somente a pessoas determinadas, passaram a ser multifudiários, opondo os indivíduos aos grupos, ou até mesmo grupos se opondo aos grupos, o que requer a equilibrada atuação estatal

Não se questiona que a propriedade, mesmo diante da nova ordem econômica mundial, terá seu lugar de destaque, haja vista que a nova ordem não prescinde do contrato e nesse particular lembramos, e não é demais repetir, as sábias palavras de Messineo: „Si no se admitiera la riqueza (la propiedad) privada, ésta no podría circular y el contrato careceria casi enterammente de función pratica‟. Mas, a propriedade imóvel continuará sofrendo duras limitações.

Um dos maiores estudiosos do direito civil na Espanha José Luis de Los Mozos, bem destaca as transformações vividas pela propriedade privada: „como consecuencia de las técnicas de la planificación y de la ordenación del territorio, lo que se ha producido verdaderamente, más que una transformación de la propiedad que genera nuevas limitaciones del derecho, ha tenido lugar una nueva delimitación de los objetos sobre los que recae el mismo, mediante la incorporación en muchos casos a la actuación de aquellos del concepto de „finca funcional‟‟. O aumento da população mundial torna os bens, sujeitos a propriedade, mais escassos e, bem por isso, o direito de propriedade sobre eles e cada dia mais limitado.

A distribuição geopolítica das nações, após o término da Guerra Fria e as novas tendências do Direito, diante dos tratados comunitários e integradores, certamente provocarão novas mudanças em todo o cenário jurídico mundial e a propriedade não ficará incólume a estas novidades.

8

7 ARIMATÉA, José Rodrigues. O Direito de Propriedade: limitações e restrições públicas. São

Paulo: Lemos Cruz, 2003, p.42-43 8 Ibid., p. 43.

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A função social da propriedade 22

Que estes novos tempos tragam, de forma equilibrada, a sonhada

justiça social no Brasil, onde as estatísticas demonstram que somos campeões em

produzir riquezas e misérias em igual escala e que, através da atuação do direito,

encontre-se o equilíbrio entre capital e social diante das novas orientações e

disposições legais, surgidas a partir do novo século, precursoras de novos direitos e

deveres ou de novo perfil para tradicionais instituições jurídicas.

Já não são tão recentes, embora ainda isoladas, ações para efetivar-se

a limitação administrativa ao direito de propriedade, em razão de sua função social

no contexto urbano. Assim, decidiu o Supremo Tribunal Federal, como Relator o

Min. Carlos Veloso, no RE 176.836:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. DIREITO DE CONSTRUIR. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. I. - O direito de edificar é relativo, dado que condicionado à função social da propriedade: C.F., art. 5º, XXII e XXIII. Inocorrência de direito adquirido: no caso, quando foi requerido o alvará de construção, já existia a lei que impedia o tipo de imóvel no local. II. - Inocorrência de ofensa aos §§ 1º e 2º do art. 182, C.F. III. - Inocorrência de ofensa ao princípio isonômico, mesmo porque o seu exame, no caso, demandaria a comprovação de questões, o que não ocorreu. Ademais, o fato de ter sido construído no local um prédio em desacordo com a lei municipal não confere ao recorrente o direito de,

também ele, infringir a citada lei. IV - R.E. não conhecido. 9

Novos conceitos e novas definições, pela doutrina e pela produção

jurisprudencial serão de enorme contribuição para se firmarem estas novas

concepções e conceitos de propriedade e função social do direito.

1.1 OS PRINCÍPIOS E A FUNÇÃO SOCIAL DO DIREITO NO MEIO AMBIENTE URBANO

Ao transpor os conceitos capitulados pela Lei nº. 6.938/81 para o

espaço urbano, Vanêsca Buzelato Prestes pontua que:

9 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 178836 / SP - SÃO PAULO, 2ª

Turma. Recorrentes: Antônio Cesar Novaes e outros. Recorrido: Município de Ribeirão Preto e Outro. Relator: Min. Carlos Velloso. Brasília, 8 de junho de 1999. Disponível em: <http://saopaulo.org.br/utilitarios/editor2.0/UserFiles/File/16-Constitucionalidade%20da%20limitao%20do%20direito%20de%20construir%20_%20limitao%20administrativa_STF.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2010.

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A função social da propriedade 23

[...] para o planejamento, a avaliação, a indução, a redução dos impactos visando o equilíbrio ambiental nas cidades, necessariamente precisamos adotar o conceito contemporâneo de meio ambiente, o qual pressupõe a presença do homem e todos os aspectos do espaço construído que interagem e repercutem no ambiente. Sobretudo no espaço urbano, notadamente modificado ao ambiente natural. Na avaliação dos impactos, no planejamento da cidade, é imprescindível considerar o processo de urbanificação, os serviços postos à disposição do mercado consumidor (em-prego, lazer, cultura, habitação, segurança, etc.), a relação com os empreendimentos e a infra-estrutura urbana, a repercussão social e o impacto econômico destes, a fim de efetivamente buscar-se o equilíbrio ambiental no espaço urbano.

10

O presente trabalho, embora inspirado e com visão configurada na

prática de implementação de regularização fundiária, realiza um esforço teórico para

a compreensão do fenômeno da interpretação da norma constitucional a respeito do

conceito de propriedade e moradia, na visão contemporânea da nova hermenêutica,

traçando um percurso histórico dos princípios na hermenêutica jurídica, alçados hoje

à definitiva categoria de norma de efetividade reconhecida. Para tanto, ressalta-se a

relevância do princípio, enquanto referência na decisão dos casos difíceis típicos da

matéria ambiental em conflito com o urbanismo, e a utilização das técnicas de

ponderação na colisão dos princípios que afetam especialmente os princípios

constitucionais do desenvolvimento e da ordem econômica e da precaução na

interpretação de importantes questões desenvolvimentistas relacionadas à proteção

ambiental, à dignidade da pessoa humana e à necessidade de se harmonizar o

conceito de cidadania neste contexto social.

Descrever a trajetória do princípio constitucional, enquanto sede de

reconhecimento de direitos, significa, segundo a maioria dos autores, apontar a sua

característica evolutiva histórica de referência interpretativa à condição de norma

que, mesmo quando não explícita, produza eficácia interpretativa plena.

A linguagem jurídica tem muito de comparação e proporção, algo que

se sustenta e se estabelece a partir de uma estrutura de proporcionalidade, criada

pela palavra, mas que não basta para sustentar a pretensão do jurista que busca

explicações mais precisas para a finalidade científica do direito, conforme leciona

Rosa Maria de Andrade Nery11.

10

PRESTES, Vanêsca Buzelato (Org.). Temas de Direito Urbano-Ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 27.

11 NERY, 2008, p. 20.

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A função social da propriedade 24

“A experiência social é marcada pela presença do homem em situação

de permanente convívio com os seus semelhantes”12, segundo a mesma autora

que, ao discursar sobre a sabedoria jurídica e o direito como arte, ressalta as

preocupações da tensão criada entre o direito ideal e o direito para a vida prática,

citando a exposição de Norberto Bobbio em que enfrenta, entre outras, a passagem

de Aristóteles, em Política (1252), com o seguinte teor:

A comunidade que se constitui para a vida de todos os dias é por natureza, a família [...]. A primeira comunidade de várias famílias para a satisfação de algo mais que as simples necessidades diárias é o povoado [...]. A comunidade perfeita de vários povoados é a cidade, que atingiu o que se chama de nível de auto-suficiência e que surge para tornar possível a vida e subsiste para produzir as condições de uma boa vida.

13

Entretanto, não se pode compreender o direito só como arte, ciência ou

técnica, pois o método jurídico-científico, para o equilíbrio fundamental da

sociedade, visa à igualdade social ainda que somente exista um modo de pensar o

direito, pois tanto o positivismo quanto o direito natural devem nortear seus

caminhos para as normas de convivência em sociedade, hoje globalizada, que

transcende os territórios e nações, atribuindo-lhe relevância internacional e valores

como a eticidade, a sociabilidade e a operabilidade, já insculpidas no Código Civil de

2002.

Inúmeros autores afirmam que o Código Civil, de 1916, foi elaborado

com o objetivo de manter os privilégios do individualismo e, na atualidade,

preponderam fatores tais que os interesses sociais devem sempre merecer

redobrada atenção respaldados na Constituição Federal que direciona o exercício do

direito privado submisso à sua função social, notadamente o de propriedade.

Atendendo aos anseios da nova sociedade, o Código Civil, de 2002,

torna operante o princípio da solidariedade, a partir da orientação constitucional de

construir uma sociedade livre, justa e solidária, como princípio fundamental;

notadamente no que diz respeito ao interesse público e ao social.

12

NERY, 2008, p. 20. 13

Ibid., loc. cit.

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A função social da propriedade 25

A fase atual, comumente denominada pela doutrina de pós-positivista e

pós-moderna, tem seu marco temporal delimitado em meados do século XX, com o

reaparecimento da discussão sobre a divisão característica entre regra e princípio e

seus consequentes desdobramentos, que importam na valoração interpretativa do

princípio e não mais no questionamento de sua validade enquanto norma. Parte-se

da noção de que a temática da interpretação principiológica é fundamental para o

entendimento das questões urbanísticas e ambientais, uma vez que as mesmas

revestem-se, na sua grande maioria, de aplicações de princípios consagrados na

quase totalidade dos ordenamentos constitucionais do mundo ocidental. O conflito

ambiental poderá carregar a idéia da colisão entre estes mesmos princípios, como

ocorre nas situações em que estão envolvidos o princípio da precaução e o princípio

do desenvolvimento explícito nas disposições da Ordem Econômica na nossa

Constituição Federal.

O dogmatismo jurídico requer do aplicador uma elevada dose de

abstração teórica e um distanciamento das questões ideológicas e contextuais que

cercam o intérprete da norma. Por seu turno, as situações de colisão de princípios

requerem um esforço na busca do maior grau possível de objetividade necessária à

atividade interpretativa.

Na adoção das técnicas da ponderação ou razoabilidade, comuns na

aplicação da regra principiológica, a análise da dose valorativa do princípio exige

uma abordagem mais ampla do fenômeno jurídico considerada no vasto leque da

função política da decisão judicial. Essa função, que repercute na questão clássica

da tripartição dos poderes e dos mecanismos de freios e contrapesos, é analisada

por autores clássicos da filosofia jurídica contemporânea sob o ponto de vista da

interpretação da lei, nos moldes do pós-positivismo e da relevância dos princípios na

atividade interpretativa.

Acredita-se que, respeitados os limites éticos e o distanciamento do

intérprete em relação ao seu objeto de estudo – ou situação de aplicabilidade da

norma –, é perfeitamente possível a interpretação “justa”, requerida pela colisão

entre princípios que demanda a ponderação. Ainda, assume-se a ótica segundo a

qual, em Direito, essa representação da realidade não é fácil de verificar,

especialmente no ato de interpretação da norma, sem que as crenças e valores do

intérprete sejam refletidos no seu objeto de atuação. Contudo, considera-se que a

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A função social da propriedade 26

objetividade possível é plenamente alcançável em nome da eficiência do sistema

jurídico. Em se tratando de interpretação principiológica, especialmente na

ocorrência de situações de ponderação, o cuidado que cerca o intérprete deverá ser

redobrado, no sentido de extrair o máximo das possibilidades objetivas que a

atividade interpretativa possa oferecer, sem deixar de exercer a função político-

jurídica própria do intérprete.

Há necessidade de fazer-se uso das técnicas de ponderação que

cercam a interpretação de normas dotadas de natureza constitucional

principiológica, especialmente em questões ambientais que se revestem, com muita

freqüência, da condição de colisão.

São geralmente questões políticas, nas quais o conflito de interesses é

bastante ressaltado ou considerado um caso difícil. A ponderação leva em conta não

só o equilíbrio das situações de colisão de princípios, mas embute percepções dos

intérpretes que carregam, para a solução do conflito, seus valores individuais. Essa

consideração é importante quando se considera a natureza política que assume o

intérprete no momento em que se torna detentor da função de julgar e capaz de,

mediante sua decisão, influenciar o comportamento em um segmento administrativo

ou adoção de medidas de política pública. A ponderação permite ao intérprete,

buscando o distanciamento epistemológico de seu objeto e a busca da consciência

ética, a adoção de escolhas interpretativas com elevado grau de objetividade. O

controle das técnicas de ponderação deve favorecer a possibilidade de que não

possa existir, jamais, a opção por um ou outro princípio sob pena de

inconstitucionalidade da decisão, mas tão somente o sopesamento do princípio no

caso para eleição do menos danoso ao rol de direitos e garantias postos sob análise

na situação concreta.

Seja o desenvolvimento, seja a precaução, enquanto princípios

constitucionais da carta constitucional brasileira, o determinante ético da função do

hermeneuta jurídico assume destaque ao lado da consciência política do julgador,

favorecido pela condição de objetividade possível na técnica de ponderação.

Weinberger, citado por Rosa M. A. Nery, vê a experiência jurídica com

duas vertentes, uma moral e uma legal.

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A função social da propriedade 27

[...] As considerações que determinam as noções doutrinárias de justiça sempre ocorrem em conjunção com considerações utilitárias. Elas não são, portanto, um caso de „justo‟ ou „injusto‟, mas em regra se preocupam em achar modos de agir que sejam tanto justos quanto apropriados para um propósito relevante.

14

A autora continua, citando Childs e Cater, afirmando que em todos os

sistemas é ausente a união entre individuo e comunidade.

No sistema individualista, o erro advém da supremacia dada ao individuo poderoso, tornando a „sociedade um valor decorrente, um meio para os fins do bem estar individual‟. Um sistema coletivista trata o indivíduo como um meio a ser utilizado ou destruído, de acordo com as necessidades, para atingir uma perfeição teórica.

15

Conclui-se que a função do direito é ser justo e o mal do nosso tempo é

a perda da noção de conjunto do direito, que ameaça a exatidão dos julgamentos da

justiça, sobretudo, por uma visão parcial.

A função social da propriedade aplicada ao meio ambiente urbano,

construído, o “habitat humano” é o foco deste estudo, que visa à conciliação entre

urbanismo e meio ambiente e que, através de instrumentos jurídicos, procura-se

minimizar os conflitos e buscar mínimas soluções de convivência, digna e saudável.

1.2 O DESENVOLVIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NAS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS

Em abordagem que demonstra profundo conhecimento sobre Direito

Urbanístico no ordenamento jurídico brasileiro, sob a ótica das Constituições

Federais e do próprio desenvolvimento da função social da propriedade, Carlos

Magno Miqueri da Costa afirma que:

14

WEINBERGER apud NERY, 2008, p. 247. 15

CHILDS; CATER apud NERY, op.cit., p. 248.

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A função social da propriedade 28

A Constituição do Império, de 25.03.1824, foi omissa, porém declarou que as Câmaras Municipais governariam as cidades e vilas nos moldes de lei regulamentar que, por sua vez, veio a viger em 1828. Fez constar, em seu art. 179, inc. XXII, que o direito de propriedade seria uma das bases dos direitos políticos e civis dos cidadãos brasileiros, cuja plenitude e inviolabilidade apenas seriam excepcionadas em casos de interesse público („bem público‟), prevendo a lei essas situações e o direito de ser o proprietário „previamente indenizado do valor dela‟.

[...]

A retro demonstrada concepção, daí por diante, foi pouco alterada, mantendo-se distante de contextualização urbanística ou de ordenação do território mais abrangente. A primeira Constituição da Republica, de 1891 igualmente se restringiu a tratar da propriedade privada, trazendo para seu texto a designação da „desapropriação por necessidade ou utilidade pública‟, mantendo a previsão do direito à indenização previa (art. 72, § 17). A seguinte Constituição Republicana, de 16.07.1934, acrescentou que o direito de propriedade „não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar‟, retirando-lhe sua até então consagrada plenitude e abrindo uma fresta em sua redoma protetora (art. 113, item 17). Fresta que foi eliminada com o retrocesso normativo promovido pela Constituição de 10.11.1937 (art. 122, item 14), interrompendo, momentaneamente, a propagação das raízes da função social da propriedade, por sua vez retomada pela Constituição de 1946, ao ser preconizado por esta que o uso da propriedade estaria condicionado ao bem-estar social e a lei poderia „promover a justa distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos‟ (art. 147). Sendo que esta última norma socializado da propriedade foi extirpada do texto constitucional de 1969, mantida a primeira delas.

16

Por um grande período, conforme se pode verificar, a efetivação da

função social da propriedade não mereceu a devida atenção permanecendo em

legislações esparsas dos três níveis, sem qualquer uniformização, limitadas as

diretrizes quanto ao instituto do direito de propriedade (e sua função social) ou as

desapropriações, em matéria de legislações infraconstitucionais e desarticuladas

ações urbanísticas.

Entretanto, em lição do mesmo autor, a Constituição de 1988

promoveu a implantação das linhas mestras da organização fundiária a serem

estabelecidas no território brasileiro (arts. 182 a 184). Para Victor Carvalho Pinto,

vários foram os fatores que corroboraram com isto, pois

[...] em 1987, quando a Assembléia Constituinte iniciou seus trabalhos, havia no Brasil um conjunto de fatores que convergiam para que a política urbana viesse a ser objeto de atenção: uma política pública e uma burocracia estatal em funcionamento e prestigiada; uma sensibilidade social

16

COSTA, Carlos Magno Miqueri da. Direito Urbanístico Comparado: planejamento urbano – das constituições aos tribunais lusos-brasileiros. Curitiba: Juruá, 2009, p. 147-148, destaques do autor.

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A função social da propriedade 29

para a problemática urbana; uma proposta de institucionalização do direito urbanístico em tramitação no Congresso Nacional; um conjunto de organizações civis mobilizadas para alterar as políticas públicas.

17

A Constituição Federal de 1988 projetou duas dimensões para o

alcance da racionalização da ordenação das áreas urbanas e do território brasileiro

em geral, definindo competências legislativas e as prerrogativas de sua política

urbana confirmando, assim, “o caráter do urbanismo como função pública”, ao

agregar à propriedade conceitos urbanísticos e fortalecer o plano diretor como

instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (art. 182, §

1º).

Pondera, ainda, Victor Carvalho Pinto que “além de modificar o antigo

conceito de propriedade, a Constituição de 1988 deu novos contornos aos princípios

que passaram a reger a política pública de organização territorial brasileira.”18

Os princípios constitucionais e sua positivação têm fundamental

importância na conscientização da população, ainda que de caráter conceitual e

programático, em busca de melhor qualidade de vida e preservação da espécie

criada no ambiente urbano. Entretanto, tem-se que reconhecer a existência de

ocupações em condições extremamente precárias e, muitas vezes, irreversíveis,

salvo disponibilização de tímida presença estatal na prestação dos serviços públicos

e ações isoladas do terceiro setor para minimizar o caos que se instalou exatamente

pela ausência e omissão do mesmo Estado. Estado que, apenas nestas duas

últimas décadas após a Constituição Federal de 1988 e sob sua influência,

promoveu efetivas ações, até então tidas apenas como aspirações principiológicas

ao bem estar urbano.

Dos inúmeros autores que reconhecem este estado de coisas, Carlos

Magno Miqueri da Costa afirma que:

Numa tendência mundial, cujos passos seguem o Brasil, está insculpida na vigente Lei Maior, como um destes princípios, a preservação do meio ambiente, ao menos teórica e ideologicamente. Infra-constitucionalmente o Estatuto da Cidade regulamenta normas constitucionais e simultaneamente dispõe sobre normas de cunho urbano ambiental, ao se referir ao „direito a

17

PINTO, Vitor Carvalho. Direito Urbanístico: plano diretor e direito de propriedade. São Paulo: RT, 2005, p. 128.

18 COSTA, 2009, p. 150, destaques do autor.

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cidades sustentáveis‟; à prevenção e correção das „distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente‟; à ordenação e controle do uso do solo que evite „a deterioração das áreas urbanizadas‟ e „a poluição e a degradação ambiental‟; a proteção de padrões de expansão urbana „compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica‟ do território municipal; à „proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído‟; à participação democrática face a empreendimentos potencialmente nocivos ao meio ambiente. Legislação esta, com o respaldo da Constituição da República Federativa do Brasil, poderá mudar o quadro de danos ao ambiente, „à luz dos princípios da função social da propriedade e da sustentabilidade‟.

[...]

A regulamentação do uso da propriedade urbana está diretamente relacionada à busca do equilíbrio ambiental e inclui em seu conceito de cidades sustentáveis o saneamento ambiental. Como diretrizes da política urbana, impera que o planejamento do desenvolvimento das cidades se consumará de forma a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente (natural e construído), destacadamente quanto à poluição e sua degradação; haverá prerrogativas quanto à proteção, preservação e recuperação do meio ambiente, devendo o Poder Público municipal e a população interessada serem ouvidos em processos de implantação de empreendimentos ou atividades potencialmente negativas/lesivas ao meio ambiente.

19

Dentre os dispositivos constitucionais, verificamos a preocupação com

o exercício do direito de propriedade, em tudo que se relaciona com a preservação

ambiental e manutenção do equilíbrio ecológico, no meio ambiente urbano.

E, ao direito de propriedade garantido constitucionalmente, foi

acrescido o direito a habitação, conforme art. 6º da Constituição Federal de 1988:

“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a

segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, a assistência

aos desamparados, na forma desta Constituição”20, sendo complementado pelo art.

23, inciso IX, que prevê a “promoção de programas de construção de moradias e

melhorias das condições habitacionais”, os quais serão oportunamente comentados

nos próximos capítulos.

Nossa constituição também valorizou a aproximação do urbanismo a

habitação, considerando o bem estar do local habitável e o meio em que está

inserido, conferindo, no capítulo da política urbana, artigo exclusivo acerca do “uso

de um imóvel urbano como moradia”, nos termos da lei, condição para aquisição da

propriedade, recompensando o exercício da função social da propriedade, a quem

19

COSTA, 2009, p. 151-152, destaques do autor. 20

Redação dada pela Emenda Constitucional nº 26, de 2000.

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A função social da propriedade 31

dele fizer este uso, tipificando o usucapião especial urbano (pro casa, pro habitatio

ou pro morare).

Nestes últimos anos, embora tímidas e esparsas, tem se destacado a

evolução de ações governamentais garantidoras do direito à moradia e à efetivação

da função social da propriedade, em busca de um mínino de cidadania e dignidade

humana, nas áreas de ocupação clandestinas e irregulares, notadamente nas de

interesse social, habitacional ou especial, majoritariamente desprovidas de

condições físicas e financeiras para a implantação de moradias compatíveis com a

dignidade humana. Como o estado grave das ocupações tipo “favelas”, constituídas

de casebres rústicos e rudimentares, sobrepostos uns aos outros, sem qualquer

critério que seja, senão a da voraz ocupação dos espaços, onde se podem verificar

apenas intervenções restritas e corretivas, sem modificações profundas urbanísticas,

dada a sua impossibilidade. Tais ocupações necessitam de melhorias no mínimo

razoáveis de serviços públicos de saneamento para a sua habitabilidade e ações

corretivas de adequação aos projetos e planos de reorganização do ambiente

urbano reconhecendo o que está consolidado e provendo sua titulação, porém

limitando e impedindo a sua expansão com medidas eficazes de fiscalização e ação

operacional estatal.

Vem se desenvolvendo, outrossim, o senso de proporcionalidade e

isonomia e a preocupação dos acessórios à moradia, tais como a implantação de

infra-estrutura básica, na qual se busca flexibilizar e simplificar a interpretação e

promover edição de nova legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das

normas edilícias, com objetivo de reduzir custos e aumentar a oferta, promovendo a

regularização de áreas de parcelamentos consolidados, populares, clandestinos e

irregulares, com vistas ao resgate da cidadania de seus moradores e com a titulação

aos proprietários. Outra saudável iniciativa constituiu-se do subsidio financeiro para

a aquisição de habitações, por meio dos agentes financeiros, e a isenção das taxas

e emolumentos decorrentes dos registros imobiliários e, recentemente, com

programas específicos e aporte financeiro para as áreas de parcelamento de solo

passíveis de regularizações propriamente ditas, como ocorre com os loteamentos

clandestinos e irregulares, em quase todos os municípios do território nacional.

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A função social da propriedade 32

Esta preocupação se refletiu nos atuais programas, federais e

estaduais, de regularização e resgate da cidadania com o reconhecimento oficial da

propriedade aos ocupantes, que serão objeto de comentários em capítulos próprios.

O incremento da efetivação do reconhecimento da função social da

propriedade, após a Constituição Federal, ecoou pelo julgamento do famoso caso da

Favela do Pullman, em São Paulo, Capital, de improcedência da ação

reivindicatória, de proprietários contra moradores.

Acórdão STJ

Data: 21/6/2005 Fonte: 75.659 Localidade: São Paulo

Relator: Aldir Passarinho Junior

Legislação: Arts. 524, 589, 77 e 78 do Código Civil; Súmula nº 7 do STJ; art. 524 do Código Civil anterior, c⁄c o art. 274 do CPC e Constituição Federal de 1988.

Ação reivindicatória. Abandono - recuperação de posse - impedimento. Terrenos de loteamento - área ocupada por favela.

Ementa:

Civil e Processual. Ação Reivindicatória. Terrenos de Loteamento situados em área favelizada. Perecimento do direito de propriedade. Abandono. CC, arts. 524, 589, 77 E 78. Matéria de fato. Reexame. Impossibilidade. Súmula n. 7-STJ. I. O direito de propriedade assegurado no art. 524 do Código Civil anterior não é absoluto, ocorrendo a sua perda em face do abandono de terrenos de loteamento que não chegou a ser concretamente implantado, e que foi paulatinamente favelizado ao longo do tempo, com a desfiguração das frações e arruamento originariamente previstos, consolidada, no local, uma nova realidade social e urbanística, consubstanciando a hipótese prevista nos arts. 589 c⁄c 77 e 78, da mesma lei substantiva. II. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” - Súmula n. 7-STJ. III. Recurso especial não conhecido.

Íntegra:

RECURSO ESPECIAL Nº 75.659 - SP (1995⁄0049519-8).

RELATOR: MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR.

RECORRENTE: ALDO BARTHOLOMEU E OUTROS.

RECORRIDO: ODAIR PIRES DE PAULA E OUTROS.

EMENTA

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. TERRENOS DE LOTEAMENTO SITUADOS EM ÁREA FAVELIZADA. PERECIMENTO DO DIREITO DE PROPRIEDADE. ABANDONO. CC, ARTS. 524, 589, 77 E 78. MATÉRIA DE FATO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ.

I. O direito de propriedade assegurado no art. 524 do Código Civil anterior não é absoluto, ocorrendo a sua perda em face do abandono de terrenos de loteamento que não chegou a ser concretamente implantado, e que foi paulatinamente favelizado ao longo do tempo, com a desfiguração das frações e arruamento originariamente previstos, consolidada, no local, uma

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nova realidade social e urbanística, consubstanciando a hipótese prevista nos arts. 589 c⁄c 77 e 78, da mesma lei substantiva.

II. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” - Súmula n. 7-STJ.

III. Recurso especial não conhecido. 21

Inobstante os fundamentos jurídicos utilizados – erigidos sobre

relações constituídas em tempo anterior à vigência da CF/88 e sob a égide do CC de

1916 – sofrerem, até hoje, manifestações de criticas e sustentação, sem entrar neste

mérito, pode-se concluir que se concretizou a hipótese da efetivação do princípio da

função social da propriedade.

Esta conclusão é alicerçada na doutrina de Marcio Kammer de Lima,

que assevera:

Ocorre que, sem embargo da excelência das razões insertas no voto condutor, não parecia sustentável um desfecho assemelhado, ao menos à luz do direito infraconstitucional então vigente. O mais convincente argumento do que resultou decidido parece encartar-se na aplicabilidade direta de normas constitucionais vocacionadas à expressão função social da propriedade e que se sobrepuseram ao direito comum.

Assim igualmente pareceu ao culto Professor Arruda Alvim, ao confeccionar alentados e substanciosos comentários a propósito do famoso julgamento, dos quais sobreveio a seguinte conclusão:

„Apesar do esforço feito pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, dos méritos indiscutíveis do Des. José Osório de Azevedo Júnior, como grande juiz que foi e jurista que é, não nos parece, pelas considerações feitas, que a decisão seja compatível com o ordenamento brasileiro, no plano do direito infraconstitucional, mas o terá sido no plano do direito constitucional, que se impôs sobre o direito ordinário. O mesmo se há de dizer do acórdão do Superior Tribunal de Justiça e do seu eminente relator, o Ministro Aidir Passarinho Júnior. A hipótese, em nosso sentir, foi, realmente, decidida com base na Constituição Federal, à luz da regra do art. 5º, inciso XXIII‟.

Na senda do raciocínio do Professor Arruda Alvim, que se abona, parece que o que realmente se decidiu, com poder de convencimento a mais forte dose, é que a inércia do proprietário, por anos a fio, teve-se por indicador de que este não imprimia ao bem sua adequada finalidade econômica e social, ao passo que a ocupação do imóvel por moradores de núcleo populacional de baixa renda representava tradução de um comportamento socialmente mais prezado. Assim, deliberou-se em detrimento do proprietário que não acudia à convocação para uma atuação sintonizada à função social da propriedade, prestigiando-se o comportamento daqueles que no imóvel perseguiam a consolidação do direito fundamental de moradia (CF, art. 6°),

21

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 75.659 - SP (1995⁄0049519-8), 4ª Turma. Recorrente: Aldo Bartholomeu e outros. Recorrido: Odair Pires de Paula e outros. Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior. Brasília, 21 de junho de 2005. THESAURUS 2005, n. 73, 2005. Disponível em: <http://www.irib.org.br/notas_noti/thesaurus2005.asp>. Acesso em: 10 fev. 2010.

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A função social da propriedade 34

corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado brasileiro (CF, art. 1º, III).

Nesse sentido, porque a legislação ordinária à época talvez não acomodasse adequadamente os direitos fundamentais contrapostos, de- liberou-se a aplicação imediata da norma de coalizão, que se contém no enunciado do art. 5°, XXIII, da Constituição Federal.

E não tisnava essa possibilidade a circunstancia da deflagração do processo ser anterior à vigência da Carta de 1988, quando a prolação dos acórdãos verificou-se sob a malha do regime constitucional vigente, porquanto, nesta seara, é pacífica a diretriz sobre a aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos fundamentais, assim no direito constitucional brasileiro (CF, art. 5o, § 1°), como no direito constitucional comparado.

Nessa mesma contextura, quadra a observação, de todo animada pelo princípio da proporcionalidade, no sentido de que os direitos fundamentais, por sua magnitude, não podem ser deixados „na esfera de disponibilidade absoluta do legislador ordinário‟, o que vale dizer que esses direitos, porque abrigam um conteúdo próprio, se não adequadamente expressado esse conteúdo pelo legislador ordinário, não há empeço para o magistrado, no manejo da proporcionalidade dita concreta, para logo afastar a restrição desproporcional recolhida da legislação infraconstitucional e aplicar esse conteúdo diretamente da Constituição.

22

Esta demonstração de realização da função social da propriedade,

como fonte, tornou-se precursora e marco para outras corajosas decisões na

interpretação do direito de propriedade, no Código Civil atual e na própria

Constituição Federal que, definitivamente, conseguiu inserir, no Direito Brasileiro,

novas concepções destes mesmos direitos, hoje, porém, sob a ótica coletiva e

social.

No mesmo sentido, o preclaro Min. Eros Grau, no Tribunal Pleno do

STF, no RE 387047, sacramenta a efetividade do instituto, em julgamento, cujo

conteúdo trouxe enorme contribuição para a interpretação do seu conceito.

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI N. 3.338/89 DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC. SOLO CRIADO. NÃO CONFIGURAÇÃO COMO TRIBUTO. OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CRIAR SOLO. DISTINÇÃO ENTRE ÔNUS, DEVER E OBRIGAÇÃO. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. ARTIGOS 182 E 170, III DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. SOLO CRIADO Solo criado é o solo artificialmente criado pelo homem [sobre ou sob o solo natural], resultado da construção praticada em volume superior ao permitido nos limites de um coeficiente único de aproveitamento. 2. OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CRIAR SOLO. PRESTAÇÃO DE DAR CUJA SATISFAÇÃO AFASTA OBSTÁCULO AO EXERCÍCIO, POR QUEM A PRESTA, DE DETERMINADA FACULDADE.

22

LIMA, Márcio Kammer de. Usucapião coletivo e desapropriação judicial. Instrumentos de atuação da função social da propriedade. Rio de Janeiro: GZ, 2009, p. 129-131.

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A função social da propriedade 35

ATO NECESSÁRIO. ÔNUS. Não há, na hipótese, obrigação. Não se trata de tributo. Não se trata de imposto. Faculdade atribuível ao proprietário de imóvel, mercê da qual se lhe permite o exercício do direito de construir acima do coeficiente único de aproveitamento adotado em determinada área, desde que satisfeita prestação de dar que consubstancia ônus. Onde não há obrigação não pode haver tributo. Distinção entre ônus, dever e obrigação e entre ato devido e ato necessário. 3. ÔNUS DO PROPRIETÁRIO DE IMÓVEL URBANO. Instrumento próprio à política de desenvolvimento urbano, cuja execução incumbe ao Poder Público municipal, nos termos do disposto no artigo 182 da Constituição do Brasil. Instrumento voltado à correção de distorções que o crescimento urbano desordenado acarreta, à promoção do pleno desenvolvimento das funções da cidade e a dar concreção ao princípio da função social da propriedade [art. 170, III da CB]. 4. Recurso extraordinário conhecido, mas não provido.

23

E, arrematando a questão da constitucionalidade da consolidação da

função social, como direito fundamental, Sérgio Iglesias Nunes de Souza expõe com

propriedade:

Mas na Constituição Federal não bastou só o interesse individual, pois este cedeu espaço ao interesse social, em que se fez constar o direito de propriedade, mas condicionado ao principio da função social, a teor do inciso XXIII, art. 5º “A propriedade atenderá a sua função social.

Quanto ao direito de propriedade, a grande contribuição trazida pela Constituição Federal de 1988 é o principio da função social. Assim, o direito de propriedade é um direito fundamental condicionado a esse principio. Já o atual Código Civil, seguindo o texto constitucional, estabeleceu que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais, de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como seja evitada a poluição do ar e das águas (§1.º do art. 1.228).

24

1.3 A POLÍTICA URBANA E A QUESTÃO FUNDIÁRIA

Lúcia Valle Figueiredo conceitua Urbanismo e Direito Urbanístico

como:

23

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 387047/CS – Santa Catarina, Tribunal Pleno. Recorrente: Koerich Participações, Administração e Construções Ltda. Recorrido: Município de Florianópolis. Relator: Min. Eros Grau. Brasília, 6 mar. 2008. LEXSTF, v. 30, n. 355, p. 263-287, 2008, p. 263.

24 SOUZA, Sérgio Iglesia Nunes de. Direito à Moradia e de Habitação. Análise comparativa e suas

implicações teóricas e práticas com os direitos da personalidade. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 110-111.

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A função social da propriedade 36

Urbanismo vem de urbs, cidade. O conceito de Urbanismo não é, pois, o mesmo que o de Direito Urbanístico.

Direito Urbanístico é, numa definição singela, o conjunto de normas disciplinadoras do ordenamento urbano.

Este tema, de grande importância na atualidade, mereceria, ainda, tratamento sistemático, pelo menos no Brasil.

25

José Afonso da Silva destaca que se trata de um ramo jurídico,

[...] produto das transformações sociais que vêm ocorrendo nos últimos tempos. Sua formação, ainda em processo de afirmação, decorre da nova função do Direito, consistente em oferecer instrumentos normativos ao Poder Público a fim de que possa, com respeito ao principio da legalidade, atuar no meio social e no domínio privado, para ordenar a realidade no interesse da coletividade.

26

Citado por Lúcia Valle Figueiredo, Diogo de Figueiredo Moreira Neto

conceitua Urbanismo relacionando-o aos espaços habitáveis: “Daí se vê a amplitude

que vem ganhando o termo, pois, na realidade, não se vai restringir apenas à

cidade, à urbs, inserindo-se o problema do solo rural quer nas normas referentes ao

Direito Urbanístico, quer nas concepções de Urbanismo.”27

E conclui no sentido de que o campo de atuação do Direito Urbanístico

encontra-se na penumbra, entre o Direito Ecológico e o Direito Administrativo e os

outros ramos do direito.

Ou seja, qualquer lugar habitável (?) ou passível de ocupação humana,

ainda que inconcebíveis e seus registros, equipamentos e espaços comuns, quer

sejam coletivos, históricos, culturais, estéticos, paisagísticos, são abrangidos pela

disciplina urbanística tendo em vista que compõem o cenário urbano.

Em toda a história do homem, foram inúmeras as tentativas de se

encontrar soluções globais para as cidades (aglomerados humanos), restringindo-

se, entretanto, aos planejamentos focalizados em problemas pontuais e específicos.

E, segundo Carlos Magno Miqueri da Costa28, as cidades nos dias atuais, ou

25

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina urbanística da propriedade. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 32.

26 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1.997, p 127.

27 MOREIRA NETTO apud FIGUEIREDO, 2005, p. 76.

28 COSTA, 2009, p. 45 et seq.

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A função social da propriedade 37

cidades pós-modernas, têm problemas, não só quase idênticos aos da antiguidade,

mas agravados e mais complexos, nas relações que se travaram após o domínio e

transformação da máquina, da evolução da indústria, da era da informação e da

pulverização e ocupação, pelo homem, de todo o globo terrestre, na necessidade de

o homem se fixar e criar comunidades estabelecendo-se nos mais longínquos

lugares para se proteger e multiplicar-se.

Na evolução das cidades, desde as formas primitivas e antigas da

relação homem-espaço até as cidades pós-modernas, os conflitos entre valores

sempre se mostraram evidentes diante das crescentes necessidades humanas e as

formas de suprimentos, em sua maioria de forma exploratória e devastadora, com

efeitos negativos na qualidade de vida de toda a comunidade. Nestas, as regras de

boa vizinhança amadureceram e efetivaram-se em estudos e trabalhos de

ordenação das ocupações, com inúmeras tentativas de se organizar os direitos e

deveres, no conflito entre propriedade privada e interesse da comunidade.

Em 1907, na França, foi utilizado pela primeira vez o termo urbanismo

para a ciência que tratava dos assentamentos humanos.

Pela Europa se buscava projetar a cidade, em sua total complexidade,

na exploração de soluções potenciais para problemas técnicos, confrontando a

regularidade do traçado clássico e a irregularidade dos espaços medievais, inserindo

o verde e o equilíbrio entre o funcional e o estético, criando opções para a

formatação fundiária originada do parcelamento e distribuição de suas vias,

desenvolvendo e ampliando o seu campo de inserção nas teorias e funções

originalmente concebidas.

Entretanto, as transformações sociais e econômicas no século XX,

agravadas com a explosão demográfica das cidades, consolidaram o urbanismo

como disciplina autônoma que estuda a “complexidade estrutural e morfológica das

cidades, assim como dos problemas a elas correlatos”.

Neste contexto, o urbanismo do Estado Liberal se confronta com o

direito de propriedade como direito absoluto e a liberdade de construção submissa

apenas a poucos regulamentos sanitários.

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A função social da propriedade 38

Segundo Carlos Magno Miqueri da Costa,29 a primeira Carta do

Urbanismo, com formulação e execução de planos reguladores para as cidades,

ocorreu na França, em 1919, e vários trabalhos importantes surgiram na tentativa de

se traçar um novo ideal de planejamento urbano, destacando-se a Carta de Atenas,

composta pelas conclusões do IV CIAM, em 1933, caracterizador da cidade

moderna, que norteou (ou deveria nortear) inumeráveis normalizações urbanísticas

e ações governamentais, orientando, em síntese, que a cidade é parte de um

conjunto econômico, social e político, inserido em uma região onde é necessária a

conciliação entre o individual e o coletivo e que a existência das urbes é influenciada

pelas situações geográfica, topográfica, econômica e política, devendo-se respeitar

sua história e suas características e que seus preceitos de desenvolvimento sofrem

mudanças contínuas. Desde então, previa-se que a "era da máquina" levaria ao

congestionamento desordenado das áreas urbanas e ao esvaziamento das terras,

bem como, também relata o autor, sobre o estado já crítico das cidades e do

atendimento às suas funções-chave quanto à habitação, ao lazer, ao trabalho e à

circulação, procurando indicar soluções, tais como ser urgente a necessidade de

estabelecimento de programas urbanísticos promulgados por leis que permitissem

sua realização.

O mesmo frisou a urgência quanto à imprescindibilidade de se

regulamentar, por meio legal, a disposição de todo solo útil, harmonizando as

necessidades individuais e coletivas, nas quais o interesse privado será

subordinado ao interesse coletivo.

Estes conceitos da urbanização foram modelos utilizados até a década

de setenta do século XX, buscando o atendimento das necessidades biológicas,

psicológicas, sociais e funcionais do homem, diante da superpopulação nas cidades

e da ausência de saneamento básico, do alto déficit habitacional e do aumento da

intervenção pública no ordenamento das cidades e do solo urbanizado, pela sua

consequente “socialização”.

Entretanto, o modelo não atendia aos anseios da população.

A partir de então a cidade pós-moderna vem se configurando, nas últimas décadas, como forma urbana híbrida que mescla, em algumas ou em

29

COSTA, 2009 p. 45 et seq.

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A função social da propriedade 39

muitas características, as versões históricas anteriores; presentes infindáveis modos de inserção de seus elementos morfológicos. Foi minorada a ação do arquiteto perante a crescente relevância das disciplinas não espaciais no processo de planejamento, posto que „o planejamento urbanístico desenvolve o seu interesse disciplinar para questões de programas, quantidades, esquemas distributivos e funcionamento, decisões políticas e econômicas, estratégias financeiras e sociais‟. O desenho, por si só „ordenador da ocupação do solo‟, perde terreno para o planejamento dinâmico-interdisciplinar, e a cidade contemporânea adquire nuanças de „cidade interativa‟, ao efetivamente ser interligada aos mais diversos segmentos acima referidos.

30

Após a metade do século passado, refletindo a atuação do Estado de

Direito Social (intervencionista e assistencialista), o urbanismo sofreu profunda

normatização, iniciada na Europa, onde o Estado assume papel ativo e operacional,

interagindo com autarquias e particulares, privilegiando a análise macro da

"multiplicidade de fins" inerentes à ocupação, uso e transformação do solo, perdendo

a propriedade o caráter de direito absoluto e adotando conformação, fixada por lei,

social e coletiva. Neste contexto, emergem as primeiras leis gerais em matéria

urbanística, evoluindo em conformação com um mundo globalizado, preocupado

com a qualidade de vida, com fins urbanísticos e ambientais, proteção aos

patrimônios histórico, arqueológico, artístico, natural, paisagístico, com a

minimização da expansão das cidades, reestruturação e renovação urbanas,

descentralização de competências e participação dos cidadãos na elaboração e

execução dos planos urbanísticos.

No Brasil, sempre coube à Administração local executar e controlar o

desenvolvimento das ocupações, restringindo-se a regularem algumas relações de

vizinhança e do direito de construir. Salvo raras exceções e algumas posturas,

diante das características da ocupação majoritariamente dos campos, não havia

normatizações específicas de urbanismo, as mesmas limitando-se aos conceitos do

direito de propriedade vigentes.

As primeiras leis brasileiras de organização municipal remontam ao

século XIX, com medidas de polícia administrativa relacionadas ao direito de

construir e competência municipal de legislar sobre as edificações e suas

decorrências para as cidades, vigorando o máximo individualismo no exercício do

direito de propriedade.

30

COSTA, 2009, p. 50 et. seq.

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A função social da propriedade 40

Com força para intervir no absolutismo deste direito, surgiram as leis de

desapropriação, expropriando imóveis de seus donos em benefício da utilidade

pública com fins urbanísticos, em especial a Lei nº. 816, de 10 de julho de 1855,

regulamentada pelo Decreto nº. 1.664, de 27 de outubro de 1855, que vigoraram até

seu desaparecimento com a vigência do Decreto-Lei nº. 3.365/1941.

Desde 1916, com o Código Civil Brasileiro, foram autorizadas restri-

ções ao direito de construir, por via de regulamentos administrativos (art. 572), e as

posturas constituíam-se em práticas crescentes. Iniciaram-se ações urbanísticas

esparsas e isoladas, sendo o urbanismo regido em muitos lugares pelos Códigos de

Obras com meras definições de ocupação urbana, sofrendo, a partir de então,

influência do socialismo interventivo e do dirigismo estatal da nação e,

consequentemente, da propriedade, até que a

Constituição de 1934 trouxe ao ordenamento jurídico a concepção de propriedade vinculada à função social, figurando como um marco divisor do Direito brasileiro em matéria urbanística, „eis que a partir de então a propriedade se sujeita às limitações da lei impostas ao particular em beneficio do bem comum‟.

Desde então, poder-se-á dizer que começa a se delinear o nosso verdadeiro direito do urbanismo, posto que através das limitações administrativas, de variadas ordens, esse direito começa a ter alguma coerência e as normas começam a conter uma preocupação verdadeiramente urbanística.

31

A lei estava, então, autorizada a restringir direitos inerentes à

propriedade privada, como forma de proteger os interesses sociais e coletivos.32

Entretanto, a evolução do planejamento urbano no Brasil e o seu

desenvolvimento e aplicação acompanharam, de forma desordenada, o

desenvolvimento econômico e a industrialização do País, sendo raras as exceções

de planos bem sucedidos, até a década de 70, o que, ou postergou ações

governamentais neste sentido, ou tais ações foram fadadas ao fracasso por

designarem, sem qualquer capacidade, o município como responsável pela sua

implementação, de forma impositiva, sem qualquer visão ampla; coordenada por

uma política nacional urbana.

31

MUKAI, Toshio. Direito urbano-ambiental. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2002, p. 40. 32

Ibid., p. 43.

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A função social da propriedade 41

Na mesma esteira de evolução, sem grandes efeitos no mesmo

sentido, a modificação da estrutura do direito de propriedade foi pouco influenciada

pelas nossas Constituições, trazendo as mesmas características e submissão

apenas à desapropriação por necessidade ou utilidade pública, com direito à

indenização prévia. Apenas em 1934, a Constituição Federal acrescentou a

sociabilidade ao direito de propriedade que "não poderá ser exercido contra o

interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar", constituindo-se as raízes

da função social da propriedade, restauradas em 1946, ao ser preconizado pela

Carta Magna que o uso da propriedade estaria condicionado ao bem-estar social.

Em matéria especificamente urbanista pouco se produziu, limitando-se

a matérias esparsas nos diversos níveis governamentais, o que gera falta de

unicidade das ações cujo perfil era e ainda é notadamente exploratório.

A Constituição de 1988 traçou, em boa hora, as bases da organização

fundiária a ser implantada no país (arts. 182 a 184), projetando ações para o alcance

da racionalização da ordenação das áreas urbanas e do território brasileiro em geral,

com claras competências legislativas da União, dos Estados e dos Municípios e das

prerrogativas de sua política urbana, confirmando, assim, o caráter do urbanismo

como função pública.

Agregando à propriedade os conceitos urbanísticos, o plano diretor

assume a posição de instrumento básico da política de desenvolvimento e de

expansão urbana e “[...] além de modificar o antigo conceito de propriedade, a Cons-

tituição de 1988 deu novos contornos aos princípios que passaram a reger a política

pública de organização territorial brasileira.” 33

Em sintonia com ações internacionais (ainda que na retaguarda),

seguem-se os conceitos de que a propriedade deve estar em um contexto

sustentável e não predatório, trazendo para o aspecto constitucional a preservação

do meio ambiente e a sustentabilidade da ocupação pelo homem em sociedade. Sua

regulamentação se firmou quando da edição da Lei nº. 10.257/01, o Estatuto da

Cidade, que simultaneamente dispõe sobre normas de cunho urbano-ambiental na

busca de um equilíbrio ambiental do espaço ocupado pelo homem.

33

COSTA, 2009, p. 150 et. seq.

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A função social da propriedade 42

Em 2000, a Carta Magna Brasileira foi alterada pela Emenda

Constitucional nº. 26 para amparar o direito à moradia, em seu art. 6º que agrega

valor ao capítulo da política nacional urbana orientando o proprietário a fazer cumprir

a função social da propriedade.

Para este exercício, não se pode afastar dos conceitos do direito à

propriedade, mas este deve ser dosado em harmonia entre os princípios da

propriedade privada e de sua função social, para se encontrar o equilíbrio entre os

interesses, sem que um sobreponha o outro, em perfeita convivência para o

adequado aproveitamento do solo urbano (CF, art. 182, § 4º).

A legislação federal brasileira sobre o assunto, antes da Constituição

Federal de 1988, afora as normas que tratam estritamente do “sistema financeiro da

habitação” e de “incorporações imobiliárias” (Leis nº. 4.380, de 21 de agosto de

1964, e nº. 4.591, de 16 de dezembro de 1964, com as alterações subsequentes),

resumia-se, na prática, às seguintes normas: Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho

de 1941, que “dispõe sobre desapropriações por utilidade pública”; Lei nº 4.132, de

10 de setembro de 1962, que “define os casos de desapropriação por interesse

social e dispõe sobre sua aplicação”; e Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979,

que “dispõe sobre o parcelamento do solo urbano”.

Conforme afirmado, na verdade, a idéia de instrumentalizar a gestão

urbana ou o direito urbanístico por meio de uma legislação própria e específica

precede a “constitucionalização” do assunto. Antes, no início dos anos oitenta, já se

buscava dar materialidade jurídica ao princípio da função social da propriedade e

estabelecer diretrizes e instrumentos para a política urbana, tentativas infrutíferas,

salvo raras exceções isoladas.

Estava ainda em vigor a Constituição do regime militar, de 1969, e o

país enfrentava os efeitos dos elevados e crescentes índices de urbanização que

marcaram os anos 50, 60 e 70. A Constituição da época, além de caracterizar-se

pelo perfil autoritário, ignorava a natureza já predominantemente urbana do Brasil. A

única vez em que a palavra “urbano” aparecia no texto constitucional era para

referir-se, no capítulo dos tributos, ao Imposto Predial e Territorial Urbano, o IPTU.

Na própria sociedade, ou em boa parte dela, os chamados formadores

de opinião e os detentores da propriedade e de grandes patrimônios sempre se

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A função social da propriedade 43

opuseram ferozmente a qualquer iniciativa de socializar a propriedade ou, ainda,

restringir o seu uso, porém foram derrotados.

Com nossa atual Constituição Cidadã, a partir de 1988, dentre vários

projetos, o que prosperou foi o denominado “Estatuto da Cidade”, de autoria do

falecido Senador Pompeu de Sousa, que se tornou realidade em 2001.

Finalmente, a Constituição da República Federativa de 1988 tornou-se

precursora de nova filosofia para a realização da Política Urbana, consubstanciada

na função social da propriedade e no plano diretor como "instrumento básico da

política de desenvolvimento e expansão urbana", consolidada no Estatuto da Cidade

(Lei nº. 10.257/2001).

Agregando-se o homem torna-se forte e, nas comunidades, as

oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional se multiplicam. A

urbanização traz, sem dúvida, melhores condições de empregos e serviços públicos,

mas impõe a convivência com miséria, precariedade e escassez de bens de

consumo, de serviços urbanos, de transporte e de saneamento, que além de

insuficientes têm alto custo. As cidades são, em si mesmas, uma contradição e o

acesso à terra, hoje elevado a condição de direito fundamental à moradia, é objeto

de garantia e norma constitucional.

Ressalte-se que a Constituição de 1988, destinou todo um capítulo

específico à política urbana (arts. 182 e 183), diante da qual a propriedade é

gravada com a obrigação de realizar sua função social.

As cidades propiciam (ou deveriam propiciar) melhores condições

culturais e materiais, pelos meios e modos de produção de riquezas, com a efetiva

elevação dos padrões de dignidade, do respeito aos princípios éticos que devem

alcançar as sociedades organizadas. E, nelas, o Poder Público deve zelar para a

consecução de seus objetivos mediante ações políticas, entendendo a ocupação

urbana de forma universal, federal, estadual e finalmente municipal, onde se iniciam

as ocupações e que fecham o ciclo nacional da realidade urbanística.

Com esta nova filosofia de ocupação territorial iniciada pela

Constituição de 1988, as competências e responsabilidades urbanísticas são

distribuídas entre as esferas de poder. À Federação caberia traçar as diretrizes e os

objetivos gerais do desenvolvimento urbano, as regiões geoeconômicas do país e a

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A função social da propriedade 44

ordenação especial como no caso dos transportes, meio ambiente, etc. Aos Estados

compete a ordenação do seu território e a sua ordenação especial, respeitadas as

diretrizes federais. Aos Municípios cabem as questões entre regiões administrativas,

elaboração dos planos gerais, especificados nos planos diretores, bem como quanto

ao zoneamento, alinhamento, melhoramentos urbanos, etc., e as normas especiais

para distritos industriais, de renovação urbana, entre outras, ressaltando-se o

respeito pelas normas estaduais e federais, construindo as noções preliminares de

Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano constituído de elementos

interrelacionados que interagem no desempenho de uma função, no caso o tão

complexo desenvolvimento urbano.

Algumas questões como a fragilidade da gestão e do controle dos

recursos públicos, a dificuldade em promover a gestão democrática e o controle

social e a dificuldade na implementação da agenda política do desenvolvimento

urbano, particularmente no âmbito legislativo, diminuem a eficácia dos planos

urbanísticos, instituídos pela Política Nacional de Desenvolvimento Urbano que se

constituí como um conjunto de princípios, diretrizes e normas norteadoras da ação

do poder público e da sociedade em geral na produção e gestão das cidades, ainda

inexistentes em nosso País. Para o desenvolvimento econômico e social, a

integração de políticas setoriais, políticas territoriais, controle social e destinação de

recursos financeiros são fundamentais no combate à desigualdade social existente.

Esses, gerenciados por agentes de diferentes níveis de governo e da sociedade no

âmbito de suas competências e atribuições, deveriam interagir de modo articulado,

integrado e cooperativo visando à formulação e execução do controle social, na

atualização e monitoramento constante da Política Nacional de Desenvolvimento

Urbano.

Não tão diferentes da Carta de Atenas, as Conferências Nacionais das

Cidades aprovaram princípios que devem (ou deveriam) nortear a Política Nacional

de Desenvolvimento Urbano, no sentido de promover o desenvolvimento social e

econômico; o combate à desigualdade sócio-territorial, racial e de gênero; a

integração das políticas setoriais e entre as esferas municipais, estaduais, distrital e

federal; a concretização dos direitos estabelecidos nas legislações existentes; a

garantia de amplo controle social e da democratização do acesso universal à terra

urbana, aos equipamentos, bens e serviços.

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A função social da propriedade 45

Embora lentamente, a elaboração da Política Nacional de

Desenvolvimento Urbano, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988,

em especial os artigos 6º, 182 e 183, e da aprovação do Estatuto das Cidades – Lei

nº. 10.257/01, tornou possível: a edição da Medida Provisória 2.220/01; a criação do

Ministério das Cidades; a criação do Conselho das Cidades e do processo de

Conferências das Cidades; a criação do Sistema e Fundo Nacional de Habitação de

Interesse Social – Lei nº 11.124/05; a aprovação do marco regulatório da Política

Nacional de Saneamento Básico – Lei nº 11.445/07; a aprovação da Lei de

Consórcios Públicos – Lei nº 11.107/05; a proposição do Projeto de Lei da

Mobilidade Urbana – PL nº 1687/07; a aprovação da lei voltada à regularização

fundiária em áreas da União – Lei nº 11.481/07; a retomada e ampliação de recursos

para habitação e saneamento, apesar de ainda insuficientes, e início de um

processo de revisão de prioridades de investimento dos recursos públicos federais

para população de baixa renda; a flexibilização de limites de endividamento para o

setor público; a realização da Campanha Nacional para Elaboração de Planos

Diretores Participativos e, finalmente, a primeira legislação específica de

regularização fundiária, chamada de Programa Minha Casa Minha Vida, Lei nº.

11.977/2009, fruto da conversão em lei da MP nº. 2.220/01, a qual possui regras

específicas de regularização fundiária para loteamentos e parcelamentos do solo

irregulares ou clandestinos.

Neste ínterim, destacam-se ações governamentais estaduais e

esforços individuais, de forma isolada, de alguns municípios para regularização

fundiária, notadamente dos loteamentos clandestinos e irregulares.

Entretanto, apesar dos esforços realizados, esses avanços expressam

o acúmulo obtido em torno das políticas setoriais que historicamente influenciam e

determinam a definição de investimentos, reproduzindo a lógica tradicional de

produção e reprodução das cidades, sem a preocupação de construir um sistema.

A Política Nacional de Desenvolvimento Urbano brasileira ainda é

entendida como a somatória das políticas setoriais de habitação, saneamento,

mobilidade, entre outras, pois pressupõe integração dessas políticas entre si e entre

as demais políticas sociais, devendo passar necessariamente por:

1. planejamento territorial integrado nos âmbitos municipal e regional

(intermunicipal e interestadual), elaborado de forma

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A função social da propriedade 46

comprovadamente participativa, que respeite as peculiaridades

regionais e que considere os graves problemas existentes em

regiões metropolitanas;

2. participação e controle social: a) avançar no controle social,

estabelecendo o caráter deliberativo do Conselho das Cidades no

âmbito nacional, implementando a resolução sobre o tema,

aprovada na 1ª Conferencia Nacional das Cidades; b) tornar

obrigatória a implementação do Sistema de Conselhos e

Conferências Nacional, Estaduais, Distrital, Regionais e Municipais;

c) estabelecer um processo democrático no acompanhamento da

utilização de todos os recursos do PAC e outros de importância

estrutural nas três esferas de Governo;

3. integração de políticas entre os entes federados e entre as políticas

setoriais (de habitação, saneamento ambiental, mobilidade e

gestão territorial) com a criação de mecanismos legais;

4. estrutura institucional construída de forma articulada nas três

esferas de governo, adequada às diretrizes estabelecidas pela

Política Nacional de Desenvolvimento Urbano;

5. financiamento: a) superar o descompasso da política econômica de

manutenção de juros altos, contingenciamento e insuficiência de

recursos para a política urbana; b) implementar uma política de

financiamento; c) garantir a destinação de recursos financeiros com

fontes permanentes; d) atendimento prioritário à população com

renda até 5 salários mínimos; e) instituir o Fundo Nacional de

Desenvolvimento Urbano;

6. elaboração de diretrizes para promoção do desenvolvimento

territorial urbano, regional, metropolitano e aglomerações urbanas;

7. estabelecimento de formas institucionais de participação social

(conselhos, conferências, audiências públicas etc.), definindo as

atribuições de cada instância, em todas as esferas da federação;

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A função social da propriedade 47

8. elaboração de um sistema unificado de informações que articule as

três esferas de governo, para o monitoramento e avaliação da

política;

9. estabelecimento de fontes estáveis e permanentes de recursos

financeiros nos três níveis de governo.

1.4 O ESTATUTO DAS CIDADES

A Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001, conhecida como Estatuto da

Cidade e seus instrumentos, instituiu uma política nacional urbana com o objetivo de

ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade

urbana. Ela tem como objetivo fundamental minimizar as desigualdades sociais, tão

grandes no Estado Brasileiro promovendo a integração social, e densificar direitos

previstos constitucionalmente, mas que ainda não saíram do papel, como o direito

de moradia. Ainda prevê a regulamentação da regularização fundiária através do

usucapião urbano e concessão especial de uso para fins de moradia previstos no

artigo 183 da Constituição Federal, garantido o direito à terra urbana, à moradia

(CF/88, art. 6º), ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e

aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer.

A gestão de uma cidade sustentável tem que ser democrática,

garantindo a participação popular e a do terceiro setor, durante o acompanhamento

de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano e resgate da dignidade

e da cidadania. Entretanto, conflitos deverão surgir e suas respostas e

consequências deverão ser devidamente solucionadas no decorrer do tempo, já que

a nova legislação provoca, no mínimo, limitações ao exercício da propriedade ou de

construção.

O “adequado aproveitamento do solo urbano” concede ao Poder

Público Municipal o direito de exigir a utilização nos termos da lei ou dos planos

urbanísticos, sob pena de ser obrigado a promover o parcelamento ou a edificação

compulsórios, pagar imposto progressivo no tempo sobre a propriedade predial e

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A função social da propriedade 48

territorial urbana ou, ainda, ter seu terreno submetido à desapropriação mediante

pagamento em títulos da dívida pública resgatáveis em até dez anos.

O Estatuto da(s) Cidade(s) regulamentou o desenvolvimento urbano no

Brasil, definindo os específicos instrumentos para a efetivação das diretrizes

encontradas no capítulo "Da Política Urbana", da Constituição Federal de 1988,

conferindo poderes, personalidade, maiores competências e, respectivamente,

maiores responsabilidades, compromissos e custos ao ente político-administrativo

municipal.

Ao reconhecer a função social da propriedade, o Estatuto da Cidade

desvencilha o direito de propriedade de sua visão absoluta, cerrada e dogmática, e

abre as portas para a criação, implementação e exercício das políticas urbanas, tal

qual se tem notícia atualmente.

Com orientação constitucional de que a política de desenvolvimento

urbano seria executada pelo Poder Público municipal, com o objetivo de "ordenar o

pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade” (art.; 2º) e garantir o bem-

estar de seus habitantes (art. 1º), o Estatuto das cidades definiu as diretrizes gerais

de tal política (arts. 1o a 3o), bem como os instrumentos de ação governamental na

busca das finalidades urbanísticas buscadas (arts. 4° a 45).

O Estatuto das Cidades subdivide-se em cinco capítulos:

Diretrizes Gerais (capítulo I, artigos 1º a 3º);

Dos Instrumentos da Política Urbana (capítulo II, artigos 4º a 38);

Do Plano Diretor (capítulo III, artigos 39 a 42);

Da Gestão Democrática da Cidade (capítulo IV, artigos 43 a 45);

Disposições Gerais (capítulo V, artigos 46 a 58).

Dentre seus instrumentos, encontra-se o Plano Diretor como portador

fundamental das normas destinadas a conduzir e regular a política urbana e sua

execução, mediante adequada intervenção na ordenação do território, por meio de

institutos tributários, financeiros, jurídicos, urbanísticos, estruturais, ambientais e

políticos.

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A função social da propriedade 49

Ainda, fixa como meta a visão coletiva contrária à propriedade como

conquista privada absoluta, com base nas garantias constitucionais dos deveres

comuns aos direitos patrimoniais, em proveito da sociedade, para o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade, buscando a

construção de cidades sustentáveis.

1.4.1 A gestão democrática e as sanções

A gestão democrática, enfaticamente dirigida aos cidadãos (e depende

da organização do grupo para o sucesso), visa à atuação de órgãos colegiados de

política urbana mediante a realização de debates, audiências públicas, consultas

públicas, garantindo participação efetiva em leis, planos e projetos.

Com relação ao Plano Diretor de Desenvolvimento urbano obrigatório

(deveria ser para todas), ela orienta seu desenvolvimento e compete ao Município a

sua plena observância, notadamente quanto às sanções ao proprietário omisso, em

caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput

do art. 5º desta Lei ou não sendo cumpridas as etapas previstas no seu § 5º, o

Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial

urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo

de cinco anos consecutivos, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento, até

que se cumpra a referida obrigação.

É grave a consequência que se impõe aos terrenos ociosos, que

infelizmente é pouco praticada no País, ora por conveniência, ora por ações

isoladas.

Não há ou ainda são insuficientes, em nossa legislação, normas legais

específicas em se atribuir a fiscalização e responsabilizar o Prefeito Municipal,

omisso ou conivente com o descumprimento de inúmeras regras de Urbanismo que,

na maioria das vezes, não utiliza as medidas saneadoras e preventivas para o

ordenamento urbano sustentável, inclusive a desapropriação com pagamentos da

divida pública e pelo valor atribuído ao imóvel para fins de lançamento tributário.

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A função social da propriedade 50

Dispõe e aprimora o Usucapião, que mereceria todo um tratado sobre

esta especial modalidade de aquisição de domínio, auto-aplicável, previsto

constitucionalmente e, agora, ampliado pela possibilidade de iniciativa para o

usucapião coletivo, o que facilita e viabiliza a regularização fundiária de quaisquer

áreas urbanas.

O controverso instituto, previsto no Artigo 9º e seguintes da Lei,

regulamenta o Direito de Superfície, flexibilizando a utilização dos terrenos urbanos

e, ainda, atribui o direito de preempção ou de preferência ao Poder Público na

aquisição de imóveis urbanos.

Além disso, institui a elaboração do estudo prévio de impacto de

vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou

funcionamento, a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou

atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas

proximidades.

Estas e outras tantas regras, se respeitadas, poderão trazer

minimização dos efeitos negativos das cidades, caóticas por culpa exclusiva de seus

habitantes, predadores por essência e, contrariando Rousseau, com uma cobiça

nata, cujos instintos vorazes devem ser refreados pela sociedade.

A lei da sobrevivência impera em qualquer ambiente, quer seja

selvagem, quer seja civilizado, competindo à sociedade organizar sua atuação em

função do bem comum e de sua preservação.

1.5 O PLANO DIRETOR

1.5.1 Os planos territoriais

Dentre os instrumentos de política urbana, o art. 4º da Lei nº. 10.257/01

(Estatuto da Cidade) prevê em seus incisos: “I - planos nacionais, regionais e

estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; II –

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A função social da propriedade 51

planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e macrorregiões;

III - planejamento municipal”, cuja ampliação de competência se respalda no art. 24,

I e § 1º da Constituição Federal de 1988, ao dispor que compete a União legislar

sobre as normas gerais de Direito Urbanístico, suplementar aos Estados, reservando

ao Município a primordial função de legislar sobre assuntos de interesse local e

promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante

planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano,

assim como ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e

garantir o bem estar de seus habitantes, ao executar a política de desenvolvimento

urbano (CF/88, art. 30, I e VIII, art. 182).

Deve-se ressaltar, notadamente pelo foco do presente trabalho, dentre

os planos territoriais municipais, os Planos Urbanísticos que englobam o Plano

Diretor e seus desdobramentos específicos de partes das previsões globais e de

interesses especiais de renovação, operações consorciadas, urbanizações

prioritárias, restritivas, industriais e, ainda, as áreas de expansão urbana onde se

encontram as áreas de lazer e chácaras de recreio, ora em forma de condomínios,

ora em forma de loteamentos rurais.

O Plano Diretor, "instrumento básico da política de desenvolvimento e

de expansão urbana" (Lei nº 10.257/01, art. 40), é destinado a todos, salvo para

populações com menos de 20.000 habitantes ou que não se encontrem inseridas em

regiões metropolitanas; as aglomerações urbanas; as áreas de interesse turístico ou

em área de influência de empreendimentos ou atividades que gerem impacto

ambiental de âmbito regional (Lei 10.257/01, art. 41), e tem como objetivo

"sistematizar o desenvolvimento físico, econômico e social do território municipal,

visando ao bem-estar da comunidade local.”

Do ponto de vista do pesquisador, nenhum município brasileiro deveria

ter sido excluído da exigência, a fim de que, desde sua formação, os núcleos

urbanos possuíssem claras diretrizes de desenvolvimento e qualidade de vida.

Carlos Magno Miqueri da Costa afirma que:

O Plano Diretor delimita as áreas que serão alvo de aproveitamento específico, enquanto a lei municipal será a hospedeira dos critérios objetivos do „adequado aproveitamento do solo urbano‟, fixando condições e

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A função social da propriedade 52

prazos para sua implementação. Sendo que, de acordo com os interesses locais diversificados, poderão variar de uma municipalidade para outra. As sanções para o caso de descumprimento também serão inseridas nas regras legais, apesar de que, pela ordem prevista na Lei Maior, o dito desrespeito desaguará na aplicação do IPTU progressivo no tempo e na desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública.

Ressalta-se que o sujeito passivo da obrigação de aproveitar adequadamente o solo urbano é a pessoa de direito privado que ocupe a posição de seu legítimo proprietário. Isso se depreende do fato de que impossível seria a incidência de IPTU em relação à União, Estados, Distrito Federal e outros Municípios (art. 150, inc. VI, CRF/88), bem como a desapropriação de bens de pessoas jurídicas de direito público compo-nentes da administração pública direta ou indireta (art. 2

o, §§ 2

o e 3

o,

Dec.nº. 3.365/1941) impedimentos fulcrados no princípio federativo.34

Assim, o Plano Diretor é uma das máximas expressões da legislação

urbanística e seus desdobramentos, notadamente quanto às restrições impostas ao

direito de propriedade privada, bem como a exigência do cumprimento de sua

função social.

Como as antigas posturas, o Plano Diretor é o instrumento de

preservação dos bens ou áreas de referência urbana, com previsão e moderna

inspiração constitucional e do Estatuto da Cidade, que estabelece diretrizes para a

adequada ocupação do município, determinando o que pode e o que não pode ser

feito em cada parte do mesmo (CF/88, art. 182, § 1º; Lei 10.257/ 01).

O Plano Diretor, vinculado aos anseios da população, estabelece a

delimitação das áreas urbanas parceláveis, a edificação ou a utilização compulsória,

a exigência de infra-estrutura e demanda para a utilização do solo não edificado,

subutilizado ou não utilizado, exercício do direito de preempção, da outorga onerosa

do direito de construir, a alteração de uso do solo e as operações urbanas

consorciadas.

1.6 O PARCELAMENTO DO SOLO

As revoluções do comportamento humano, do domínio da pedra à

nanotecnologia, dos sinais de fumaça à rede de alcance mundial (“www - world wide

34

COSTA, 2009, p. 172 et. seq.

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A função social da propriedade 53

web”) provocaram, notadamente no último século, profundas transformações nos

modos de produção e nos valores sociais, trazidas pelos ideários das Revoluções

Européias, impulsionando o crescimento e a expansão das cidades, transformando-

as em gigantescos nichos de alimentação, proteção e reprodução da espécie

humana, em um ambiente (meio ou fim) predador e cruel criado para suas múltiplas

satisfações pessoais e do subgrupo a que pertence.

O processo de urbanização constitui um importante e complexo objeto

de estudo para a administração pública, para as ciências jurídicas e outras ciências

correlacionadas, tais como a engenharia civil, a arquitetura, as ciências ambientais e

as ciências sociais.

Com a constante expansão e desenvolvimento urbano, a demanda de

prestação de serviços públicos, a infra-estrutura básica e as unidades habitacionais

aumentaram proporcionalmente. Diante disto, cresceram os parcelamentos de solo

realizados pela iniciativa privada e pelo poder público.

A implantação regular de empreendimentos destinados aos

parcelamentos do solo de grandes propriedades implica em um investimento

bastante alto e em um processo burocrático complexo e demasiadamente moroso.

Dessa maneira, fatores externos condicionam o preço da mercadoria, tornando o

acesso à propriedade distante das famílias de baixa renda.

Para minimizar esse problema, o poder público tem interferido e

implantado os chamados “loteamentos populares” e “loteamentos de interesse

social”. Mesmo assim, a oferta alcançada encontra-se distante da demanda

necessária e, muitas vezes, nem mesmo os empreendimentos públicos são

revestidos de plena legalidade.

O déficit de habitação regular reflete na ocorrência e agravamento dos

loteamentos clandestinos e irregulares e suas consequências atingem o sistema

viário, o sistema de abastecimento de água e coleta de esgoto, o sistema de

escoamento das águas pluviais, o meio ambiente e os direitos civis dos adquirentes,

além de sobrecarregar a administração pública municipal.

Atualmente é possível verificar o sucesso de ações que tratam os

aspectos jurídicos e urbanísticos da regularização judicial e administrativa dos

parcelamentos ilegais solo, visando, em um primeiro momento, a regularização da

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A função social da propriedade 54

propriedade e moradia, a integração social aos serviços públicos e de infra-estrutura

básica, saneamento e outras intervenções pelo Estado ou coletividade, com o

resgate efetivo da dignidade e cidadania. Os conflitos legais devem ser superados

com a conjugação dos princípios constitucionais e da nova filosofia, quebrando

paradigmas do direito coletivo e sua função social.

Dentro deste contexto, a legislação administrativa, que define todo o

perfil do direito de propriedade, traça diretrizes para a divisão do solo em lotes,

permitindo (sob severas condições) ao proprietário que faça a alienação parcelada

de sua propriedade.

A Lei nº. 6.766/1979, em seus artigos 4º e 5º, expressa as condições

para a aprovação do loteamento. Os projetos, plantas, memoriais e uma infinidade

de poderes-deveres são objeto de profunda análise, incluindo as obras de infra-

estrutura básica, para tornar possível a habitação, sujeito a algumas espécies de

normas jurídicas: normas de direito civil, emanadas somente pela União; de direito

administrativo e urbanístico, objeto de competência federal, estadual e municipal.

O parcelamento do solo é a divisão geodésico-jurídica de um terreno,

uma vez que por meio dele se divide o solo e, concomitantemente, o direito

respectivo de propriedade, formando-se novas unidades, propriedades fisicamente

menores, mas juridicamente idênticas.

Juridicamente, o parcelamento do solo pode ocorrer através do

loteamento e do desmembramento urbanos, disciplinados pela Lei nº 6.766/79, com

as alterações trazidas pela Lei nº. 9.785/99, e do loteamento rural, disciplinado pelo

Decreto-lei Federal nº 58/37; pela Lei nº 4.504/64 – Estatuto da Terra; pela Lei nº

5.868/72 e pelas Instruções Normativas do Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária (INCRA).

Outras formas simplificadas de parcelamento não se encontram

disciplinadas pela Lei nº 6.766/79 e possuem disposições específicas, adequadas à

sua natureza, como o desdobro (divisão em 2 lotes) e o fracionamento (divisão do

terreno de 2 a 6 lotes).

Outras formas de parcelamento do solo surgiram a partir de inovações

criadas com base em legislações diversas, a exemplo do “condomínio deitado”, ou

“loteamento fechado”, e o “condomínio de lotes” que buscam na articulação de mais

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A função social da propriedade 55

de uma lei ou instituto jurídico o respaldo para sua legitimidade, assim também as

chamadas “chácaras de recreio”, localizadas na zona rural.

Há, ainda, os parcelamentos de solo realizados através de expedientes

fraudulentos ou sem que sejam concluídos os procedimentos iniciados para sua

implantação, objeto de estudo desse trabalho, os parcelamentos ilegais do solo e,

consequentemente, uma proposta para solução de alguns dos inúmeros problemas

de regularização fundiária enfrentados em nosso País.

A Lei nº. 6.766/79 dispõe, em seu artigo 4º, que os loteamentos

deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:

I – as áreas destinadas a sistema de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem;

II – os lotes terão área mínima de 125 m² (cento e vinte e cinco metros quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando a legislação estadual ou municipal determinar maiores exigências, ou quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes;

III – ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias, ferrovias e dutos, será obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica;

IV – as vias de loteamento deverão articular-se com as vias adjacentes oficiais, existentes ou projetadas, a harmonizar-se com a topografia local.

§ 1º. A legislação municipal definirá, para cada zona em que se divida o território do Município, os usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo, que incluirão, obrigatoriamente, as áreas mínimas e máximas de lotes e os coeficientes máximos de aproveitamento.

§ 2º. Consideram-se comunitários os equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e similares.

A reserva de áreas públicas destinadas ao sistema de circulação, à

implantação de equipamentos urbanos e comunitários, bem como as

correspondentes aos espaços livres de uso público, é imposta ao loteador pelo

inciso I, artigo 4º, enquanto o percentual mínimo, a partir das alterações introduzidas

pela Lei nº 9.785/99, deve ser fixado por legislação municipal.

Para efeito de entendimento do inciso I, desse artigo, o parágrafo 2º

estabelece que são considerados equipamentos comunitários ou públicos os que

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A função social da propriedade 56

são destinados à educação, à cultura, à saúde, ao lazer e similares. Pela parte final

do dispositivo tem-se que a lista apresentada não possui caráter taxativo, ou seja,

outras atividades exercidas pelo Poder Público ou por particulares podem ser

consideradas comunitárias.

O dispositivo estabelece que cabe ao Município, ao fixar as diretrizes,

indicar os equipamentos urbanos e comunitários adequados a cada parcelamento,

conforme o planejamento urbano municipal. As vias de circulação do parcelamento

devem integrar o sistema viário oficial existente e o projetado.

As áreas públicas e os equipamentos urbanos e comunitários

implantados passam para o domínio municipal, ficando sob a responsabilidade do

Município ou de seus concessionários e permissionários. A transferência do domínio

ocorre com o recebimento do parcelamento pelo Município, a partir da expedição do

Termo de Verificação das obras, constatando que o projeto foi executado conforme

o ato de aprovação.

São considerados parcelamentos legais, portanto, os que atendem às

legislações municipal, estadual e federal, referentes à aprovação, à execução e ao

registro do projeto.

Assim, só podem ser chamados legais os parcelamentos do solo

urbano, ou para fins urbanos, aprovados pelo Poder Público competente (Município

ou Distrito Federal, quando for o caso) que foram executados conforme o ato de

aprovação e registrados, dentro do prazo fixado em lei, no Cartório de Registro de

Imóveis da situação do empreendimento, nos termos das normas jurídicas vigentes

ao tempo do ato de aprovação, da execução e do registro do empreendimento.

1.6.1 Os parcelamentos ilegais de solo

Os parcelamentos ilegais do solo são considerados um dos problemas

mais graves estudados hoje no direito urbanístico e no direito municipal, com

reflexos nos direitos ambiental, econômico e penal. Esses parcelamentos proliferam

nas periferias urbanas e nas zonas rurais, como resultado da carência de oferta

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A função social da propriedade 57

imobiliária de baixo custo, da especulação e, ainda, da ocupação de terras públicas.

Diversos argumentos são apresentados para a não observância da lei,

como os custos elevados de implantação e a acentuada burocracia para a

aprovação.

A implantação de um loteamento, por exemplo, demanda a obtenção

de diretrizes urbanísticas junto ao município; a elaboração de planta, memorial

descritivo e projeto; a contratação de técnicos, dentre engenheiros, arquitetos,

geólogos e topógrafos; a execução de obras conforme padrões técnicos, incluindo

demarcação dos lotes e áreas, abertura de ruas, implantação de rede de distribuição

de água, de energia elétrica e de coleta e disposição de esgoto, pavimentação,

implantação das galerias de escoamento de águas pluviais, guias e sarjetas; a

comercialização dos lotes considerando profissionais, marketing e propaganda; o

recolhimento de impostos; a manutenção de elemento de empresa e

consequentemente encargos correspondentes, e assim por diante.

Além disso, transferem-se, em regra, 35% da gleba ao patrimônio do

município, gratuitamente, para a formação das vias de circulação, espaços livres,

áreas verdes e de lazer, praças e prédios públicos, e assim por diante.

Todo esse quadro eleva sobremaneira os custos do empreendimento,

o que, obviamente, é repassado ao adquirente, inviabilizando, portanto, a

flexibilização econômica desse mercado.

Quem possui o devido poder aquisitivo, tem a possibilidade de adquirir

sua propriedade regular; quem não o possui passa a compor a demanda dos

parcelamentos realizados à margem da lei.

Unidos ao fator econômico, que reproduz o interesse dos compradores

e compõe a demanda, aparecem outros fatores, não menos importantes, como a

negligência fiscalizatória da Administração Pública, que pouco faz avante o gabinete,

da demora característica dos procedimentos burocráticos, da irresponsabilidade dos

interessados – parceladores e da impunidade dos infratores.

O artigo 40, da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, faculta a

regularização dos loteamentos e desmembramentos não-autorizados ou executados

sem a observância do ato de aprovação. Esse dispositivo não só estabelece as

diferenças entre parcelamento irregular (aprovado, mas executado em desacordo

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A função social da propriedade 58

com a legislação ou não registrado) e clandestino (sem aprovação), como os abriga

na legislação.

Frise-se que, embora distintos para efeito de regularização, tanto a

clandestinidade como a irregularidade do loteamento recebem da lei o mesmo

tratamento.

O parcelamento é clandestino, “na medida em que o Poder público

competente para examinar e, se for o caso, aprovar o plano, dele não tem, nesse

sentido, nenhum conhecimento oficial”.35 Assim, são clandestinos os parcelamentos

do solo não aprovados pela autoridade municipal competente.

O parcelamento é irregular quando o Poder Público competente o

aprova e o interessado “deixa de executá-lo, ou o executa em descompasso com o

ato de aprovação ou, após a aprovação e execução, não o registra”.36 Para José

Afonso da Silva, irregulares são os loteamentos “aprovados pela Prefeitura, mas que

não foram inscritos, ou o foram, mas são executados em desconformidade com o

plano e as plantas aprovadas”.37

Ante a inércia do Poder Público nas questões urbanísticas, o homem

em tempos de “pós-modernidade”, como animal social, buscando segurança e

proteção para reprodução e alimentação, domina um espaço, apossa-se dele e o

transforma para recriá-lo de forma que atenda a suas necessidades, as básicas e as

não-básicas. O meio ambiente, no espaço urbano, é artificial, notadamente

construído/modificado pelo homem e traz peculiaridades distintas do meio ambiente

natural. Assim, o homem por sua inexperiência, falta de conhecimentos técnicos e

ganância de poder arrisca-se a sucumbir no caos que provocou, no emaranhado de

espinhos que floresceu neste novo ambiente.

Ele cria um lugar excludente, tornando-se vítima de violência e fica

atrás das grades de suas casas tentando se proteger sem compreender os

problemas urbanos como problemas ambientais e sociais, sem enfrentá-los de forma

mais eficaz, ignorando a realidade histórica do desenvolvimento dos aglomerados

urbanos e arcando, fatalmente, com o ônus de suas inconseqüências.

35

GASPARINI, Diógenes. O município e o parcelamento do solo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 128.

36 Ibid., p. 130.

37 SILVA, 1997, p. 307 et. seq..

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A função social da propriedade 59

Transformando o ambiente natural, as alterações processadas

terminam voltando-se contra o criador: instala-se a subversão dos valores humanos

no ambiente urbano e o homem fica enredado nele, asfixiado pela poluição que deu

origem e excluído pelo planejamento urbano elitista, sofrendo a violência que

causou, pois esqueceu que a sustentabilidade das cidades, sua função social e o

respeito à dignidade humana são questões que determinam a qualidade de vida e

devem, como tópicos de Segurança Pública, ser providas pelo Poder Público.

Os espaços urbanos são dependentes de recursos naturais, de

energias externas e de atuação do Poder Público; necessitam ser constantemente

monitorados pelo Estado para evitar que a qualidade de vida da população decaia e

ecloda a violência social. O ordenamento urbanístico é pressionado política e

ideologicamente para a adoção de um modelo de auto-sustentabilidade de difícil

consecução na prática, em especial por estarem em jogo aspectos não formais

como a luta pelo poder de facções criminosas. Os moradores do campo migram em

busca de uma vida melhor e encontram a discriminação e a intolerância a esperá-

los, de vez que o respeito ao pluralismo social não é garantido num modelo perverso

de um capitalismo selvagem em que as pessoas valem pelo que possuem ou por

sua aparência.

As cidades não são projetadas, suas soluções derivam do improviso e

o resultado, além do caos urbano, tem como subproduto a violência urbana,

decorrente de comportamento anti-social daqueles que foram, ou se julgam,

excluídos socialmente, como contrapartida ao comportamento dos "incluídos" que

não abrem mão de seus privilégios. Urge que o Poder Público adote uma política

para a sustentabilidade das cidades.

A cidade é o Meio Ambiente Construído. Novas acepções da palavra

Meio Ambiente, como o Meio Ambiente Natural, Cultural, do Trabalho e o

Construído, repercutem nas relações que envolvem Direitos Humanos e Direito

Econômico, além de ter sua tipologia assentada na Constituição com topografia

diferenciada: Natural (art. 225); Construído ou Artificial (artigos 182 e 183); Cultural

(artigos 215 e 216), e do Trabalho (artigos 6º e 200).

Cidades são sistemas abertos, com uma dependência profunda e

complexa de fatores externos, o que não pode ser colocado de lado pelo Poder

Público. Elas tradicionalmente têm sido abordadas como ameaça aos recursos

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A função social da propriedade 60

ambientais, com impactos sobre o sistema natural pelas mudanças que provocam

na ocupação da terra e no uso do solo.

Os lugares mais poluídos são os ocupados pela camada

hipossuficiente da população, criando uma curva perversa dos que "pagam" o ônus

da degradação. É necessário planejar o abastecimento de água e alimentos

(armazéns, silos e distribuição), mas estas regiões também são pouco cuidadas e é

novamente a população de baixa renda que nela constrói suas moradias.

A regularização fundiária das áreas irregularmente ocupadas e a

produção de habitação popular são impositivas. Neste sentido, a Lei nº 10.257, de

10 de julho de 2001, conhecida como Estatuto da Cidade, traz uma nova proposta,

condizente com o princípio da participação da comunidade na gestão pública.

Cresce o terceiro setor ante a ineficiência do primeiro setor. Busca-se uma visão

global da polis, numa conceituação holística e transdisciplinar, pois a única solução

para o desenvolvimento humano está no planejamento participativo e na

solidariedade.

1.6.2 O desenvolvimento sustentável

O desenvolvimento sustentável migrou de um conceito puramente

ambiental para transformar-se em tópico, propondo-se encontrar a solução dos

problemas sociais, compatibilizando o atendimento das necessidades humanas, nos

seus variados aspectos, com a função socioambiental da cidade. No entanto, ele

deve ser acompanhado de transformação contínua, de avanços tecnológicos e

sociais diversos, ou não haverá sustentabilidade.

Um projeto de sustentabilidade urbano-ambiental deve contemplar a

caracterização física, ambiental e socioeconômica, a avaliação dos recursos

ambientais, as obras de infra-estrutura urbana, o saneamento ambiental, as áreas

verdes públicas, os espaços livres e vegetados que garantam a recarga dos

aquíferos, os serviços e equipamentos públicos, o programa de desenvolvimento

comunitário, o programa de habitação e o de regularização fundiária.

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A função social da propriedade 61

As cidades agregam dificuldades aos esforços de avançar para a

sustentatibilidade urbana e o controle da violência, decorrentes da falta de auto-

suficiência de produção, disposição final dos resíduos criados e o desrespeito aos

Direitos Humanos.

A dicotomia entre o objetivo e o seu atingimento demonstra a

complexidade da problemática urbana. A difícil consecução impõe que os conceitos

de desenvolvimento sustentável de cidade e paz urbana ainda precisam ser

abordados, afastando-se o discurso fácil, desprovido de significado e viabilidade. O

envolvimento e a participação da coletividade são essenciais para o êxito do

processo.

A ocupação de áreas ambientalmente frágeis da cidade por pessoas de

menor poder aquisitivo, sem que o estado adote medidas preventivas, coloca em

risco a segurança dessas pessoas e da coletividade. Vive-se assim um círculo

vicioso. Quem fica em posição de risco é quem não tem condições políticas e

econômicas de defesa. É inegável que, nas questões urbanas, o tráfico de

influências políticas resolve muitos problemas, como é exemplo o fechamento de

ruas (logradouros públicos e bens de uso comum) para garantir a segurança dos

moradores, independentemente do caos que provoque na circulação da cidade.

A falta de previsão da destinação final de resíduos líquidos, sólidos e

gasosos agrava os problemas socioambientais, frequentemente fazendo com que as

classes de baixa renda convivam com esgotos a céu aberto e lixões, criando bolsões

de doenças e miséria que facilitam a instalação do crime organizado onde falharam

as Políticas Públicas de inserção social. Frequentemente, bandidos são

considerados, pela população local, como benfeitores e suas mortes homenageadas

como de figuras nacionais, com demonstrações de profundo luto e perda.

A falta de uma infra-estrutura viária dificulta a circulação das pessoas,

presas no trânsito, vivendo longe de seus trabalhos, perdendo muito tempo nesse

deslocamento e ainda sendo vítimas de constantes assaltos.

O passivo sócio-ambiental das áreas urbanas consolidadas, em

especial das áreas irregularmente ocupadas, deve ser recomposto através de

equipamentos urbanos compatíveis com a demanda.

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A função social da propriedade 62

Projetos de produção de habitação popular devem contemplar o

conceito de sustentabilidade urbano-ambiental e desenvolver projetos integrados de

saúde, educação, geração de emprego e renda, bem como dotar de infra-estrutura

urbana, em especial tratamento e destinação de águas servidas e resíduos sólidos.

A globalização, distinguindo produção e consumo geograficamente,

induz impactos ainda maiores se considerarmos os limites tradicionais da cidade e

as exclusões que provocam. Essa dificuldade dos problemas urbanos gera fendas

abissais na estrutura social que, por sua vez, induz à violência e à discriminação

pela não aceitação do pluralismo.

1.6.3 As restrições urbanísticas

José Rodrigues Arimatéa, lecionando sobre as restrições urbanísticas

impostas pela Lei do parcelamento do solo urbano, afirma que:

A Lei nº. 6.766, de 19 de dezembro de 1976 (Lei do parcelamento do solo urbano), é um dos maiores avanços em matéria urbanística do País, pois estabeleceu critérios mínimos a serem observados para o fracionamento do solo urbano, sem prejuízo da disciplina municipal das peculiaridades locais.

O parcelamento do solo urbano, segundo a determinação da Lei, pode ser feito mediante loteamento ou desmembramento (art. 2º). Não são expressões equivalentes, pois o loteamento exige a construção de uma infra-estrutura completa. Por isso, é realizado em solos onde ainda não existem equipamentos públicos de infra-estrutura. O desmembramento aproveita a infra-estrutura pública já existente.

O loteamento é definido como a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos, ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes (art. 2º, § 1º, da Lei nº 6.766/76). Por desmembramento a Lei considera a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique a abertura de novas vias e logradouros públicos, nem o prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes (art. 2º, § 2º, da Lei nº. 6.766/76).

38

Estas restrições, mínimas, estabelecem também como, quando e onde

poderão ser executados os parcelamentos e seus conceitos vigoram até a

38

ARIMATÉA, 2003, p. 145 et seq.

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A função social da propriedade 63

atualidade. Inclui, desde esta época, a preservação ambiental como preocupação

urbanística, condicionando sua alienação e o uso da propriedade, quer seja urbana,

quer seja de expansão urbana e, hoje, busca a efetivação de diversas de suas

diretrizes para qualquer área habitável, inclusive rural.

As restrições urbanísticas ganharam tamanho relevo, em razão do crescimento desordenado das cidades, que exigiu do Poder Público enérgicas intervenções, mas estas não chegam a esvaziar o conteúdo do direito de propriedade. São restrições baseadas no poder de polícia e legitimadas pelo interesse público. A inexistência das restrições urbanísticas tornaria caótica a situação habitacional das cidades. Aliás, esta situação caótica é bem visível nas grandes cidades, onde o Poder Público perdeu o controle sobre o ordenamento da ocupação do solo urbano.

39

A Lei do parcelamento do solo urbano convive, harmonicamente,

inclusive com o instituto da desapropriação, da supressão do direito de propriedade

e com o usucapião, além é claro das restrições urbanísticas peculiares locais que

podem atingir todos os atributos do direito de propriedade, justificado na sua função

social e no direito difuso e coletivo.

Entretanto, Arimatéa faz duas advertências:

Ainda que necessárias, e até essenciais, as restrições urbanísticas não podem resvalar para os abusos, com atos ilegais ou ilegítimos, pois incidem sobre o direito de propriedade, que, repita-se, é constitucionalmente consagrado como um direito individual. A restrição deve, pois, ser moderada e utilizada no patamar mínimo necessário, de forma a possibilitar a coexistência dos direitos individuais.

Não basta a existência dos instrumentos urbanísticos, pois é necessário utilizá-los, com moderação e verdade, de forma a preservar, em última análise, a vida na cidade. Li por este fundamento que as restrições urbanísticas são legitimadas.

40

Analisando todo o contexto histórico e a situação atual do direito à

propriedade e da sua função social, conclui-se que a disciplina e a regulamentação

das questões a ela relacionadas são da competência do Direito Coletivo. Então se

faz necessária a discussão sobre o Direito Coletivo e, mais especificamente, sobre o

Direito Coletivo Urbano, visto que o foco deste trabalho é a propriedade urbana.

39

ARIMATÉA, 2003, p. 147 et. seq. 40

Ibid., p. 149 et. seq.

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O Direito Coletivo Urbano 64

2 O DIREITO COLETIVO URBANO

2.1 OS ELEMENTOS DE DIREITO COLETIVO E A TUTELA COLETIVA DE DIREITOS

Neste campo, notadamente de aspecto econômico e patrimonial, os

Direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, inseridos constitucionalmente,

influenciam todo o Direito Urbanístico e o próprio Direito de Propriedade, com

profundas alterações na forma de se comporem os conflitos diante das novas

técnicas de ponderação e valoração de princípios, ainda que aparentemente

colidentes.

O coletivo estabelece, pois, sua vasta abrangência, ora inserindo-se no

direito de propriedade, ora qualificando o direito urbanístico, ora restringindo o

Estado e ao mesmo tempo ordenando a sua regulação e a eficácia da utilização dos

recursos públicos e, principalmente, especificando o uso social (coletivo) da

propriedade imobiliária, incluindo direitos e obrigações aos não-proprietários, dando

novos contornos e perfis a direitos existentes e já consagrados, sem desqualificá-los

ou retirar suas essências.

A conscientização de que vivemos em uma era que exige mudanças

comportamentais, do ponto de vista ético, moral, na busca do justo e,

principalmente, de ambientes sustentáveis é passaporte para estabelecer novos

conceitos de convivência social.

Os direitos conquistados pela humanidade, garantidos pelo

ordenamento jurídico, fundamentais e basilares, inseridos nos sistemas de Direito e

expressos nos princípios inseridos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e

nas Constituições Federais, representam as diretrizes atuais dos Estados

(Democráticos) de Direito no contexto internacional, em plena era da globalização

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O Direito Coletivo Urbano 65

das relações de mercado cujas consequências devem ser analisadas sob o ponto de

vista social.

Entretanto, para se alcançar o campo prático do Direito, estes direitos

ou garantias evoluíram e adequaram-se às necessidades através de sua época,

sendo consagrados, hoje, como os direitos de terceira geração (em elaboração

conceitual) aqueles denominados direitos solidários, representados no ordenamento

jurídico como direitos “coletivos” ou “difusos”, ou seja, o direito de viver em um

ambiente apto a fornecer a qualidade de vida digna e propícia à sobrevivência de

todas as espécies de seres vivos e jamais poderia deixar de estar inserido no mundo

jurídico (sustentabilidade).

O desenvolvimento do direito, na garantia pela tutela dos direitos

coletivos, busca celeridade no entendimento e dimensão da situação, assim como

na resolução possibilitada ao seu alcance.

Importante ressaltar, ainda, que os direitos difusos e coletivos estão

presentes nas relações de consumo, na proteção dos direitos das crianças e dos

adolescentes, dos idosos, dos deficientes, na habitação/moradia, no trabalho, na

recreação, no transporte e na circulação, todos estes ensejadores de proteção

especial do Estado.

A nova concepção de tutela coletiva também merece nossa atenção,

buscando entender sua teoria geral para inserir seus fundamentos em nossa

capacidade de ser e ter, diante da conflituosidade dos interesses públicos primários

(que consistem nos interesses públicos, sociais e da coletividade) com os interesses

públicos secundários, que se limitam à esfera interna do ente estatal (interesses

individuais do Estado, como quaisquer sujeitos), e com os direitos individuais.

Os direitos tutelados, coletivos, e sua nova instrumentalização não se

enquadram nas classificações tradicionais entre direitos públicos ou privados, mas

buscam a solução da questão comum coletiva.

Nessa “era de direitos”, adverte o processualista Luiz Manoel Gomes

Júnior:

Hoje, não interessa, apenas, a defesa intransigente do lucro ou da livre iniciativa, ambos valorizados, mas, exige-se, ainda que haja o atendimento

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O Direito Coletivo Urbano 66

da função social „indispensável‟ em qualquer tipo de atividade, individual ou coletiva, bem como da própria atuação do Poder Público.

41

Assim, busca-se a tutela dos denominados interesses metaindividuais,

que são os direitos que pertencem a todos, não públicos, derivado das modernas

relações sociais coletivas. É a categoria de direitos, diferente da que alberga os

direitos sociais e também diferenciados da categoria relativa aos direitos subjetivos,

especifica na proteção do bem estar coletivo, em que haja interesses em conflitos

entre princípios de supremacia de valores, frente à tradicional proteção aos

interesses individuais.

Neste contexto, cumpre deixar claro que se entende como interesse

público o próprio interesse do Estado, interesse privado como aquele que tem por

titular o cidadão em suas relações com outros indivíduos e como interesse social

aquele que se refere ao interesse da coletividade no sentido mais amplo, sendo o

individual o que tem o indivíduo como único titular.

Deve-se ressaltar que não se pode confundir defesa de diretos

coletivos com defesa coletiva de direitos (individuais), segundo o Ministro Zavascki,

É preciso, pois, que não se confunda defesa de direitos coletivos com defesa coletiva de direitos (individuais). Direitos coletivos são direitos subjetivamente transindividuais (+ sem titular determinado) e materialmente indivisíveis. Os direitos coletivos comportam sua acepção no singular, inclusive para fins de tutela jurisdicional. Ou seja, embora indivisível, é possível conceber-se uma única unidade da espécie de direito coletivo. O que é múltipla (e indeterminada) é a sua titularidade, e daí sua transindividualidade. „Direito Coletivo‟ é designação genérica para as duas modalidades de direitos transindividuais: o difuso e o coletivo strito sensu.

42

Ele conclui:

Já os direitos individuais homogêneos são, simplesmente, direitos subjetivos individuais. A qualificação de homogêneos não altera e nem pode desvirtuar essa natureza. É qualificativo utilizado para identificar um conjunto de direitos subjetivos individuais ligados entre si por uma relação de afinidade, de semelhança, de homogeneidade, o que permite a defesa coletiva de todos eles. [...] Há, é certo, nesta compreensão, uma pluralidade de titulares, como ocorre nos direitos transindividuais; porém,

41

GOMES JR, Luiz Manoel. Curso de Direito Processual Civil Coletivo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 3, destaque do autor.

42 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo, tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de

direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 41.

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O Direito Coletivo Urbano 67

diferentemente desses (que são indivisíveis e seus titulares indeterminados, a pluralidade, nos direitos individuais homogêneos, não é somente a dos sujeitos (que são determinados), mas também do objeto material, que é divisível e pode ser decomposto em unidades autônomas, com titularidade própria.

43

E, com peculiar sabedoria, o autor leciona:

Não se trata, pois, de uma nova espécie de direito material. Os direitos individuais homogêneos são, em verdade, aqueles mesmos direitos comuns ou afins de que trata o art. 46 do CPC (nomeadamente em seus incisos II e IV), cuja coletivização tem um sentido meramente instrumental, como estratégia para permitir a sua efetiva tutela em juízo.

44

Finalizando, resume: “Quando se fala em „defesa coletiva‟ ou em

„tutela coletiva‟ de direitos homogêneos, o que está se qualificando como coletivo

não é o direito material tutelado, mas sim o modo de tutelá-lo, o instrumento de sua

defesa”.45

Assim, pressupondo que direito coletivo é a denominação genérica

para duas modalidades de direitos transindividuais: o difuso e o coletivo,

compreendem-se por direitos difusos aqueles cujos titulares não são determinados e

nem mesmo determináveis quanto à respectiva titularidade, ligadas umas as outras

por meras e acidentais circunstâncias fáticas, cuja satisfação alcança sempre a toda

uma coletividade.

No coletivo, há perfeitas condições de se identificarem os titulares por

necessário vínculo associativo ou corporativo, um vínculo jurídico, na convergência

dos interesses, legitimando entidade à defesa até por meio de ações coletivas

voltadas à defesa desses direitos.

O direito individual homogêneo, embora contenha as mesmas

características dos direitos coletivos, diferencia-se daqueles considerando-se a

divisibilidade do dano ou da responsabilidade que ele afeta. Eles derivam do mesmo

fundamento de fato onde direito que podem ter, entre si, relação de afinidade por um

43

ZAVASCKI, 2006, p. 43. 44

Ibid., p. 44. 45

Ibid., loc. cit..

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O Direito Coletivo Urbano 68

ponto comum de fato ou de direito, cuja melhor instrumentalização é de forma

coletiva.

A tutela coletiva de direitos (valores) é sempre possível, desde que

considerados bens com interesses coletivos (coletivos e difusos), quando tais

direitos forem afetos à coletividade (nem sempre a própria) e não apenas quando

puder ser considerado no âmbito individual e, ainda assim, poder-se-á pleitear a

proteção, mesmo estando em mãos (propriedade) de particulares ou do Estado, cuja

demonstração do valor a ser protegido deverá ser comprovada por técnicos das

respectivas áreas.

Pelo mesmo motivo, justifica-se inclusive a proteção à ordem

econômica, sempre quando estiver presente a relevância social do interesse

transindividual por meio das denominadas ações coletivas.

Embora posições contrárias, a expressão "ação coletiva" (não

individual) constitui-se em gênero que alberga todas as ações que tenham por objeto

a tutela jurisdicional coletiva (direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos),

diferenciando-se da "ação individual" que tem por finalidade veicular pretensão

puramente subjetiva e particularizada.

Assim, em tempos de pós-modernidade e de evolução dos novos

contornos dos direitos, temos em nosso sistema os direitos coletivos, diferentes e ao

mesmo tempo com estreita relação com o direito civil e com o penal, a partir da

Constituição Federal de 1988, com as consagradas definições, a partir de então, dos

direitos coletivos lato sensu nos incisos do art. 81 do Código de Defesa do

Consumidor (Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990) como:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

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O Direito Coletivo Urbano 69

Esta conceituação é aceita pela maioria da doutrina nacional.

Depreende-se, do conceito legal, o número indeterminado e

indeterminável de pessoas que não se interligam por relação jurídica, mas por

circunstâncias fáticas e indivisibilidade do bem jurídico em litígio. Atinge-se um

número indeterminado de pessoas, ligadas por circunstâncias de fato. O bem

jurídico tutelado, doutra parte, é indivisível e beneficia a todos os interessados.

Assim, como exemplo, o adequado uso da propriedade.

Em sendo prudente, a distinção entre interesses e direitos difusos, de

um lado e, de outro, interesses e direitos coletivos, decorre do direito positivo.

No entendimento, lado a lado, estão os direitos difusos e os coletivos.

São transindividuais, de natureza indivisível. Entretanto, quando coletivo reduz-se a

um número determinável de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por

uma relação jurídica base (art. 81, II, Código de Defesa do Consumidor), enquanto

difuso este número é indeterminável.

São direitos que não representam o interesse de uma só pessoa,

diante de um bem jurídico, indivisível, mas há diversidade de pessoas, com um laço

jurídico unindo-as.

A poluição ambiental por uma indústria, em manancial de

abastecimento urbano é uma hipótese muito real, em nossas cidades, de violação

de direito difuso, eis que as conseqüências ultrapassam as possibilidades de

delimitação de seus efeitos.

Em sendo coletivo, as pessoas são determináveis, têm uma relação

jurídica com a parte contrária e o bem jurídico é indivisível, na acepção de que não é

fruível isoladamente e deve pertencer a uma mesma classe coletiva perceptível por

vínculos, identificando os titulares pelo grupo ou coletividade, mantendo-se a

indivisibilidade do direito.

Assim, determinadas comunidades ao reivindicar direito de

saneamento básico em seus bairros ou ainda energia elétrica, água encanada, são

exemplos enquadrados como interesse coletivo.

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O Direito Coletivo Urbano 70

Pela nova forma de ver ou entender os direitos existentes, classificou-

se os Direitos individuais homogêneos, como aqueles decorrentes de origem

comum (art. 81, III, do Código de Defesa do Consumidor).

Diversos dos interesses difusos e dos coletivos são os direitos

individuais com caráter predominantemente individualizado e divisíveis entre os

titulares, com o bem jurídico perfeitamente individualizado entre os titulares que, no

entanto, podem postular a proteção jurisdicional coletivamente, em face da origem

comum do direito afirmado.

De relevante importância para os embates causados pela

conflituosidade de interesses, no espaço urbano e na sua formação, estes direitos,

conquanto se tratem de direitos individuais e, pois, fruíveis individualmente, podem

ser tratados de forma coletiva.

Os direitos difusos têm indeterminação quanto aos titulares e são

indivisíveis; os direitos coletivos não têm titular individualizado, mas grupo

identificado e natureza indivisível; entretanto, os individuais homogêneos têm a

titularidade perfeitamente individualizada.

E, no contexto do presente trabalho, o direito individual homogêneo é

perfeitamente adequado para fundamentar ações que visem buscar o direito à

regularização fundiária, como novo instrumento de forma coletiva, pois embora

perfeitamente possível pleitear a obtenção do título individualmente (usucapião, p.

ex.), a obtenção do direito de forma coletiva resultaria em todos os benefícios

almejados pela legislação, que consagrou a supremacia do solidário ante o

individual, na aplicação do Sistema Único Coletivo por meio de seus novos

instrumentos colocados à disposição.

Assim, busca-se cumprir as inovações constitucionais e seus valores

principiológicos de cidadania e da dignidade da pessoa humana, quando reforça a

idéia do direito difuso ou coletivo.

Deve-se compreender que o cidadão de hoje é algo além de participar

de sua coletividade em busca de defender seus interesses. Poder e dever são a

chave do sucesso, ao cidadão compete proteger os interesses gerais da coletividade

com autoridade para exigir, do Poder Público, a sua eficiente consecução.

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O Direito Coletivo Urbano 71

Surgem, então, as preocupações dos processualistas que se voltam à

instrumentalidade e à efetividade do processo. Surge renovada idéia de processo e

toma vez a concepção de processo coletivo como instrumento de transformação

social, fator determinante para o rompimento com o modelo clássico, individualista,

de processo até então vigente.

O Ministério Público foi colocado em merecida postura constitucional

condizente. Como guardião da sociedade e nossa maior e mais expressiva voz, foi

obrigado a tomar para si a incumbência principal, a defesa destes direitos, por

omissão da própria sociedade que, a passos lentos, caminha para a sua própria

conscientização.

Desde muito antes, tem-se inúmeras iniciativas do Ministério Público

contra os loteadores clandestinos, ilesos na maioria das vezes, e seus co-autores

sequer chamados ao processo, salvo raras exceções, que serão tratados em

capítulo próprio com suas respectivas tutelas.

Ainda, quanto ao processo, diz Barbosa Moreira, citado por Lucia Valle

Figueiredo:

Não menos pesada no campo do processo que no resto do universo jurídico, a herança individualista reservou por muito tempo lugar exclusivo, no centro das atenções, aos problemas da tutela jurisdicional atinentes a conflitos entre pessoas singularmente consideradas. O mais rápido olhar em esquemas processuais clássicos, tais como os que refletem os grandes monumentos legislativos e a doutrina tradicional, desde logo os descobre, com poucas exceções, fundamentalmente armados à imagem e semelhança das relações jurídicas interindividuais, a cujo trato se ordena, de maneira precípua, o aparelho da Justiça.

46

E, ainda,

[...]. Por outro lado, a ciência jurídica, entre nós, ainda não se debruçou sobre a hipótese de ver-se o próprio interesse coletivo, como algo distinto da mera soma dos direitos individuais, encarnado, por assim dizer, numa associação que se proponha o fim de defendê-lo, e que em tal perspectiva se legitimaria em caráter ordinário, de acordo com os princípios comuns, quando se mobilizar para postular em juízo a respectiva proteção [...].

47

46

MOREIRA, José Carlos Barbosa apud FIGUEIREDO 2005, p. 41. 47

Ibid., p. 42.

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O Direito Coletivo Urbano 72

Superada esta fase, evolui-se para entender os interesses singulares

(individuais) vinculados aos interesses gerais (coletivos), bens individuais

componentes de um todo difuso e coletivo, garantindo-se ambos na busca do

equilíbrio entre seus “valores”.

Maria Helena Diniz, citada por Lúcia Valle Figueiredo, ao comentar

sobre o direito subjetivo individual, nesta árdua valoração e ponderação, entre o

individual e o social, afirma:

O direito subjetivo é sempre permissão que tem o ser humano de agir conforme o direito objetivo. Um não pode existir sem o outro. O direito objetivo existe em razão do subjetivo, para revelar a permissão de praticar atos. O direito subjetivo, por sua vez, constitui-se de permissões dadas por meio do direito objetivo.

48

Assim, ao exercer seu direito de propriedade, este deve ser conforme

sua função social e princípios do direito urbanístico, dentro dos contornos do

ordenamento jurídico vigente.

A partir de então, onde houver pluralidade de interesses individuais,

devemos considerar as novas hipóteses e respeitar a reciprocidade de interesses,

direitos e deveres do grupo, mantendo sua individualidade e unicidade, enquanto

detentores destes direitos, ora individuais, ora coletivo ou difuso.

Depois de acurada análise, Rodolfo de Camargo Mancuso, citado por

Lucia Valle Figueiredo, arremata com o conceito analítico de interesses difusos:

Tais considerações nos levam a propor o seguinte conceito analítico, para os interesses difusos: são interesses metaindividuais que não tendo atingido o grau de agregação e organização necessários a sua afetação institucional junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já socialmente definidos, restam em estado fluido, dispersos pela sociedade civil como um todo (v.g., o interesse da pureza do ar atmosférico), podendo, por vezes, concernir a certas coletividades de conteúdo numérico indefinido (v.g., os consumidores). Caracterizam-se: pela indeterminação dos sujeitos, pela indivisibilidade do objeto, por sua interna litigiosidade interna e por sua tendência à transição ou mutação no tempo e no espaço É, pois, a época da conscientização de que o indivíduo só sobrevive bem se a coletividade, na qual vive, esteja também defendida.

49

48 DINIZ apud FIGUEIREDO, 2005, p. 43. 49

MANCUSO, Rodolfo de Camargo apud FIGUEIREDO, 2005, p. 52.

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O Direito Coletivo Urbano 73

É fato, a Constituição de 1988, no que concerne ao meio ambiente e à

ordenação do território urbano e, em conseqüência, à tutela dos direitos difusos,

impende verificar, trouxe enorme evolução ao pensamento jurídico nacional e

influencia até os dias de hoje os novos conceitos de sobrevivência em coletividade,

merecendo ampla proteção judicial (CF/88, art. 5º, inc. XXXV).

2.1.1 O Direito Coletivo (ao bem estar) urbano

Embora inapropriado, serão utilizados, em diversas oportunidades

nesse trabalho, a expressão direito coletivo abrangendo todos os direitos coletivos,

stricto sensu, os direitos difusos e os individuais homogêneos para caracterizar

determinadas situações em estudo, como passiveis da tutela coletiva.

O homem, como qualquer outro ser vivo, necessita, para sobreviver, de

fontes de alimentação e de um abrigo, um local seguro para se proteger e para se

reproduzir; antes nômade e individualista, hoje sedentário e comunitário (ainda em

estágio egoístico), deve evoluir para inserir, neste novo perfil para o ambiente

urbano, os princípios da dependência recíproca.

E, assim, por inúmeras questões, as sociedades primitivas se uniram

em grupos e estes grupos, por outras inúmeras razões, somente prosperaram à

medida que se organizavam.

E, desta evolução, surgiram as Cidades-Estados, conforme expõe

Lehfeld:

Embora não haja estudos conclusivos sobre como as cidades-Estado evoluíram das comunidades que as precederam, presume-se que, nessas sociedades em que o governo se limitava apenas ao âmbito familiar, houve um processo de unificação dessas famílias. As cidades, com isso, passaram a constituir um empreendimento coletivo, governado por poucos, dotados de certa autoridade sobre as demais.

50

Conforme se depreende, desde essa época havia a preocupação com

o interesse público coletivo e o bem estar de seus habitantes, financiado por rendas

50 LEHFELD, Lucas de Souza. Controle das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008, p. 15.

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O Direito Coletivo Urbano 74

diversas e impostos e, notadamente, pela contribuição referente ao patrimônio, a

título de dever cívico.

O ambiente atual, de novos conceitos e conteúdos, é a Cidade pós-

moderna (no sentido mais abrangente possível), onde convivem todas as

subespécies de seres humanos, em total desarmonia, da lei do mais forte à lei da

inteligência artificial, da selvageria à subserviência, dos sádicos aos masoquistas, do

santo ao bárbaro, dos escravocratas, dos racistas, dos senhores, dos donos, do rico

e do pobre, do sábio ao ignorante, da abundância e fartura aos miseráveis e

esfomeados, das mansões e arranha-céus aos casebres e barracos, diante dos

interesses múltiplos da sociedade, em cada tempo com uma denominação, sempre

com os velhos conflitos que envolvem o capital, o patrimônio, o poder.

Mesmo analisado como ramo novo (ou novo perfil de direitos

existentes) para a Ciência do Direito, em pleno desenvolvimento da raça humana, se

confirma cada vez mais a necessidade e aplicabilidade do direito da solidariedade,

da comunidade, da coletividade, caracterizando sua autonomia científica.

Esta preocupação em defender o direito coletivo, inserido no direito

urbano, de propriedade urbana, principalmente com fundamento na sua função

social, não é recente. Há várias décadas, o Ministro Eros Roberto Grau, tratando da

regulamentação existente para a convivência harmônica dos princípios e o efetivo

impacto sobre o direito de propriedade referido à chamada propriedade urbana – e

seus efeitos concretos em relação à definição do seu perfil, afirma que já existia

sensível regulamentação normativa para o uso solo e sua função, mas

O mesmo não se pode afirmar, no entanto, com relação à propriedade urbana, cujas unidades se encontram inseridas em um conjunto mais amplo: a cidade. Essa carência de instrumentação, no entanto, é inteiramente injustificável, dada a fundamental importância do fenômeno das urbanização, que está inteiramente vinculado aos mecanismos de desenvolvimento econômico, construindo-se mesmo, entre ambos, um processo de causação circular acumulativa, onde causa e efeito se confundem.

51

A concretização dos valores e princípios, consagrados na atual Carta

Magna, direciona a sua dinâmica evolutiva e necessária para a efetivação do direito 51

GRAU, Eros Roberto. Direito urbano: regiões metropolitanas, solo criado, zoneamento e controle

ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 64.

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O Direito Coletivo Urbano 75

coletivo e sua efetiva incidência sobre a propriedade, principalmente a urbana, que

deve ser usada com fins coletivos/sociais.

Mais que evolução, o direito urbano inovou, da mesma forma, em

consonância com os bons fluídos do Direito Coletivo, o próprio Direito Coletivo

Urbano ao se tornar um aliado dos ocupantes irregulares de áreas urbanas

privadas. Nesta nova filosofia de compreender o direito, grupos de moradores

poderão buscar, em conjunto, na Justiça o direito ao terreno ocupado em uma só

ação, desde que esteja há mais de cinco anos no local e não tenham enfrentado

oposição judicial. Propõe-se uma reforma urbana, regularização da propriedade

fundiária das favelas, favorecendo os que vivem em situação precária, aliviando o

volume de processos de reconhecimento de usucapião impetrados individualmente

no Poder Judiciário. Pode ser utilizada em áreas urbanas com mais de 250 metros

quadrados, ocupadas por população de baixa renda que more no lugar por cinco

anos ininterruptos e sem oposição, caso da maioria das vilas e favelas em estado

irregular. A regularização fundiária é vista pelos experts como uma forma de

incentivar a paz social. O morador, sabendo-se titular do direito de propriedade, terá

mais interesse em tornar seu bairro mais seguro, pois isto irá valorizar seu

patrimônio.

O Direito Ambiental como conjunto de regras, princípios e políticas

públicas busca a harmonização do homem com o Meio Ambiente, envolve aspectos

naturais, culturais, artificiais e do trabalho que possuem regulamentação própria,

com institutos jurídicos diferentes, apesar de complementares, e deve estar inserido

no contexto urbano.

Domar os confins da terra, do ar e das águas significa satisfação de

desejos e o atendimento pleno de propósitos e caprichos, como se o conforto de

alguns privilegiados fosse a finalidade maior da “Mãe Natureza”. No entanto, ao

projetar um espaço elitista esquece que o ser humano é plural e fragiliza a ordem

pública pela carência de infra-estrutura. O homem constrói a cidade, e ela vai

contextualizá-lo e influenciá-lo. Criador e criatura atuam em simbiose e em

autopoiese. Satisfazer "desejos humanos urbanos", como morar, se alimentar e se

reproduzir, torna-se prioridade que se julga alcançada mesmo quando a ocupação é

precária e em área de risco.

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O Direito Coletivo Urbano 76

A ocupação desordenada das encostas, em várias cidades brasileiras,

tem acarretado uma ciranda sem fim de desmoronamentos e mortes. Fala-se muito

na violência urbana, nos ataques ao patrimônio, nas mortes no transito etc., é a

violência explicita dos "conflitos" dos sem-terra, dos sem teto, dos sem “endereço”

que atinge o mercado imobiliário, para constatar que há correlação entre infra-

estrutura urbana e violência.

O Código Tributário Nacional, no § 1º do art. 32, para fins de instituição

do IPTU, entende como zona urbana a que tenha pelo menos dois dos seguintes

requisitos: meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;

abastecimento de água; sistema de esgotos sanitários; rede de iluminação pública,

com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; escola primária ou posto de

saúde a uma distância máxima de três quilômetros do imóvel considerado; tornando

a argumentação frágil se pretendida a associação com a realidade. Na visão jurídica

de José Afonso da Silva, ela é a sede do governo municipal, qualquer que seja a sua

população, com ou sem os requisitos supra mencionados.

Freqüentemente os Municípios tendem a superdimensionar sua área

urbana visando a cobrança do IPTU, sem considerar o desamparo que ficam as

pessoas que moram nas periferias desassistidas pelo Poder Público e privadas dos

mais essenciais Direitos Humanos.

Ainda hoje, entretanto, apesar da Declaração do Rio 92 expressar o

aspecto antropocêntrico dessas questões, elas são desatendidas fazendo com que o

papel do Estado Provedor seja arrebatado pelo leigo que passa a organizar, sem

técnica, espaços para suprir a própria necessidade de proteção, mas visando

apenas o lucro e não o bem comum. O tipo de urbanização da cidade evidencia o

grau de desenvolvimento do povo que a construiu e a habita, enriquecendo a

experiência humana com um enorme e amplo universo de ideais de realidades que

se complementam no exercício do respeito, da solidariedade e da cidadania, quando

o que acontece é o choque de culturas e de egoísmos, com a solidariedade só

aparecendo em campanhas públicas, mas escondida no dia-a-dia e nos atos sem

publicidade.

O esgoto e o lixo que a cidade produz estão sem destino, estando a

sua remoção e tratamento dos resíduos líquidos e sólidos intimamente ligados ao

fenômeno da urbanização. Novamente tem-se um segmento social sofrendo os

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O Direito Coletivo Urbano 77

efeitos maléficos da urbanização desordenada. Se a infra-estrutura básica,

constitucional, continuar a ser descuidada e mal planejada, o ambiente ficará

doente, ocorrendo epidemias e/ou endemias que, em geral, atingem mais as classes

menos favorecidas.

Repita-se que a regularização fundiária das áreas irregularmente

ocupadas e a produção de habitação destinada ao re-assentamento são impositivas

para conter a escalada do caos urbano, cada vez mais grave.

Acima de qualquer regularização fundiária atual, está a previsão legal

de responsabilização dos governantes por improbidade administrativa em qualquer

situação de ocupação regular futura, com objetivo de iniciar uma nova cultura de

soluções para os assentamentos humanos.

Desde o final da década de 70, na periferia dos grandes centros

urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro, emergiu a implantação de loteamentos

urbanos sem infra-estrutura urbana e autorização do Poder Público, o que resultou

numa ocupação sem padrões mínimos de qualidade ambiental de grande parte do

território destas cidades. Com o objetivo de fazer a reversão da deteriorização de

áreas urbanas, ainda que algumas irreversíveis, foi instituída a Lei nº. 6.766/79 que

dispõe sobre o parcelamento do solo urbano; estabelece os padrões urbanísticos

mínimos para implantação de loteamento urbano, tais como sistema viário,

equipamentos urbanos e comunitários, áreas públicas, bem como as

responsabilidades dos agentes privados (proprietários, loteadores, empreendedores)

e do Poder Público e tipifica os crimes urbanísticos.

Nestas quase três décadas de aplicação desta lei, muitas críticas têm

sido levantadas quanto à sua eficácia, devido ao aumento do número de

loteamentos irregulares e clandestinos e, principalmente, de favelas nas grandes

cidades brasileiras, como também dos raros casos em que os responsáveis pela

prática dos crimes urbanísticos foram punidos de forma exemplar, seja na esfera

Administrativa, na civil ou na penal.

De fato, a Lei nº. 6.766/79 (ainda que mais eficaz com as novas

legislações) necessita de uma revisão geral para atender os objetivos da política

urbana preconizada em nossa Constituição, de modo que as funções sociais da

cidade e da propriedade urbana sejam cumpridas, através de medidas redutoras das

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O Direito Coletivo Urbano 78

desigualdades e da exclusão social e efetivem os direitos inerentes às pessoas que

vivem nas cidades, especialmente dos que vivem nas cidades informais (favelas,

cortiços e loteamentos populares na periferia urbana). A revisão, efetuada pelo

Congresso Nacional sem garantir a participação dos diversos setores da sociedade

que atuam com a questão urbana, é extremamente preocupante para todos os

cidadãos que lutam pela existência de cidades justas e sustentáveis com padrões

dignos de qualidade de vida.

A Lei nº. 9.785 de 29/01/99, que alterou a Lei nº. 6.766/79, diz respeito

à regularização do registro público dos parcelamentos populares implantados em

áreas desapropriadas pelo Poder Público, destinados à população de baixa renda.

Então, além da Lei nº. 6.766/79, também foram alteradas a lei de registros públicos e

a lei sobre desapropriações de interesse público.

Esta alteração permitiu a dispensa do titulo de propriedade para fins de

registro do parcelamento popular de área desapropriada, sendo necessário que o

Poder Público já tenha judicialmente a posse do imóvel. Outra mudança significativa

é a da lei permitir, nos parcelamentos populares, a cessão da posse para as

pessoas que adquiriram os lotes do Poder Público por instrumento particular tendo

caráter de escritura pública. A cessão de posse deve ser obrigatoriamente aceita

como garantia nos contratos de financiamentos habitacionais.

Estas mudanças têm um alcance social importante, uma vez que um

dos processos mais perversos de desrespeito ao direito à moradia é a falta de

segurança jurídica para a população de baixa renda que adquire os lotes ou

unidades habitacionais dos empreendimentos efetuados pelo Poder público.

Essa Lei alterou também os requisitos e critérios urbanísticos para a

implantação de loteamento urbano, as responsabilidades e obrigações do loteador e

do Poder Público. São diversas as alterações efetuadas na Lei nº. 6.766/79 que

resultam na flexibilização do parcelamento do solo urbano, como impacto negativo

nas cidades.

Entretanto, a qualidade dos efeitos sócio-ambientais das intervenções

tendentes à regularização urbanística depende do trabalho de orientação da

população e da administração pública, sobre os danos produzidos pela ocupação

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O Direito Coletivo Urbano 79

irregular, do planejamento da intervenção e do monitoramento dos resultados

pretendidos.

O combate às causas das ocupações ilegais deve ser priorizado

através da formulação de políticas adequadas de planejamento urbano, habitação

social e preservação ambiental.

Neste contexto, fundada na Constituição, o Estatuto da Cidade, Lei nº.

10.257, de 10 de julho de 2001, estabelece as diretrizes gerais da política urbana

que devem ser observadas por ela própria, pelos Estados e pelos Municípios, tais

como a garantia do direito a cidades sustentáveis e a gestão democrática da cidade

com participação popular. Torna-se, pois, tremendamente desvantajosa a aquisição

de terrenos urbanos, como se fossem fundo de poupança da população

economicamente melhor. Este era o regime de engorda da terra e a especulação

imobiliária que expulsava, cada vez mais, os hipossuficientes para a periferia das

cidades e para áreas desprovidas de infra-estrutura. É uma tentativa de se alcançar

a Justiça Social e, através dela, a Paz e Segurança Pública.

Desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, a

comunidade aguardava ansiosamente a regulamentação dos artigos 182 e 183,

estabelecendo normas de ordem pública e interesse social que regulamentassem o

uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar

dos cidadãos. Era a esperança de que esta mudança trouxesse consigo a Paz

Social e a garantia da Segurança Pública para todos os habitantes da cidade, como

já dito. É a densificação da função social da cidade, através de instrumentos

jurídicos e políticos que garantam a sustentabilidade da polis.

A Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, instituiu uma política nacional

urbana com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade e da propriedade urbana.

Ela tem como objetivo fundamental minimizar as enormes

desigualdades sociais existente no Estado Brasileiro, pela promoção da integração

social, e densificar direitos previstos constitucionalmente, mas que ainda não saíram

do papel, como o direito de moradia. O Estatuto da Cidade regulamenta, também, a

regularização fundiária através do usucapião urbano e da concessão especial de

uso para fins de moradia previstos no art. 183 da Constituição Federal. A gestão de

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O Direito Coletivo Urbano 80

uma cidade sustentável tem que ser democrática, garantida a participação popular e

do terceiro setor, durante o acompanhamento de planos, programas e projetos de

desenvolvimento urbano.

Essa Lei inovou, ao instituir o estudo prévio de impacto de vizinhança

(EIV), a semelhança do estudo prévio de impacto ambiental (EPIA) preconizado na

Lei que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº. 6.938/19981), com o

objetivo de avaliar os efeitos do empreendimento na vida da população da região. O

EIV tentará evitar que uma obra prejudique a qualidade de vida de seu entorno,

considerando a opinião dos vizinhos.

Ao ser sancionada, a nova legislação se tornou uma aliada dos

ocupantes irregulares de áreas urbanas privadas. A partir de agora, grupos de

moradores poderão buscar na Justiça, em conjunto, o direito ao terreno ocupado,

em uma só ação, desde que estejam há mais de cinco anos no local e não tenham

enfrentado oposição judicial. Como uma reforma urbana, reafirmando seus objetivos,

o Estatuto da Cidade, ao regularizar a propriedade imobiliária das ocupações

clandestinas e irregulares (ilegais), favorece o restabelecimento da paz social

porque resulta em minorar o trânsito de processos de reconhecimento de usucapião

individuais, podendo ser utilizada coletivamente em áreas urbanas ocupadas por

diversos indivíduos de baixa renda que usem de moradia um espaço urbano em

estado ilegal. A regularização fundiária é vista pelos experts como uma forma de

incentivar a conciliação do ambiente e das ofertas de bens social. O habitante-

morador, uma vez assegurada a titularidade do direito de propriedade, promoverá

ações (individuais e coletivas) em tornar o local mais propício e seguro, o que irá

estabilizar diversos conflitos sociais.

Demonstrando evolução, a política nacional urbana proporcionou

efetiva ação para a regularização fundiária de assentamentos urbanos, com a edição

da Lei nº. 11.977, de 07 de julho de 2009, que trata especificamente do tema e que

será, sem dúvida, de grande utilidade para a regularização imobiliária dos

loteamentos clandestinos e irregulares, conforme mencionado nos próximos

capítulos.

A referida legislação é complementar à Constituição Federal, que

afirma o imperativo categórico de que a política urbana, a ser executada pelo

Município, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais

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O Direito Coletivo Urbano 81

da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes e há que se ter os princípios

gerais da atividade econômica, indicados no art. 170, sobressaindo a defesa do

meio ambiente e a proteção ao consumidor, por serem princípios de ação política,

cuja implementação é essencial ao bem-estar do homem urbano.

Assim, tem como tendência contemporânea de atender aos interesses

difusos da população urbana, a que se reconhece, sob perspectiva individual, o

direito ao bem-estar urbano compreendendo, no seu amplo espectro, a defesa do

meio ambiente e a proteção do consumidor, tudo convergindo, para maior eficácia

da sadia qualidade de vida, na expressão do art. 225, da Constituição Federal.

Para a tutela de interesses difuso e coletivo, que visem ao direito do

bem-estar urbano, a Constituição Federal de 1988 dispõe que qualquer cidadão é

parte legítima para propor ação popular com objetivo de anular ato lesivo ao

patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio

histórico e cultural (cf. CF/88, art. 5º, LXXII, e Lei nº. 4.717/65), bem como o

mandado de segurança (coletivo) é instrumento de cidadania perante ilegalidade ou

abuso de autoridade, acrescido, nas situações de lacuna ou omissão legislativa, pelo

mandado de injunção, afora a inclusão de outros direitos e garantias compatíveis

aos princípios constitucionais ou aos tratados de que o Brasil seja signatário (CF/88,

art. 5º, LXIX, LXXI, e § 2º).

É oportuno ressaltar a política nacional de desenvolvimento urbano, de

competência administrativa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios (art. 23), notadamente objetivando promover programas de construção

de moradias, de melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (IX);

combater as causas de pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a

interação social dos menos favorecidos (X); estabelecer e implantar política de

educação para segurança do trânsito (XII).

Na Constituição atual encontramos variadas regras de convivência

relacionadas ao bem-estar urbano, evoluindo, desde a liberdade de consciência e de

crença, à inviolabilidade dos locais de culto e liturgias (art. 5º, VI), ou à liberdade de

locomoção e de reunião (art. 5º, XVI) e, ainda, a função social da propriedade sujeita

a desapropriação ou uso no caso de iminente perigo público (art. 5º, XXIII, XXIV,

XXV); restringiu-se ou remodelou-se a atividade econômica, a qual deve respeitar

diversos princípios (art. 170). Ela destaca, igualmente, que a ordem social deve ser

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O Direito Coletivo Urbano 82

compromissada com o trabalho, o bem-estar e a justiça social, em inúmeros

dispositivos e oportunidades, tais como os arts. 194, parágrafo único, I, II e III; art.

196; art. 200 e incisos; arts. 203, 205, 206, 208, 211, 212, 213 e 214; art. 216, V, §§

1º, 4º e 5º; art. 220, § 3º, II, § 4º; e arts. 221, 225 e 227.

Estas regras constitucionais concretizam o direito ao bem-estar urbano,

que é um dos componentes indissociáveis do direito a sadia qualidade de vida,

sendo de todos (Poder Público e sociedade) o poder-dever de garantir a sua

efetivação, em tempos de máximo respeito aos direitos humanos, constituído em um

valor social, um poder atribuído tanto aos indivíduos ou, pela nova doutrina dos

interesses difusos, aos diferentes grupamentos sociais, a defesa de interesses

coletivos, notadamente o bem estar urbano.

Cumpre ressaltar o fato de que os direitos humanos, na pós-

modernidade, assumiram um perfil jurídico-positivo no nível de normas

constitucionais. O direito ao bem-estar urbano é exigência atual, com formas e

contornos ainda não definidos e proporciona, enquanto conceito de conteúdo

indeterminado, um enorme empenho e árduo trabalho exegético, destinando-lhe

compor e estruturar, para a sua concretização constitucional, um sistema aberto de

normas, valores e princípios, passíveis, portanto, de múltiplas interpretações.

2.2 O USUCAPIÃO COLETIVO

O Estatuto da Cidade, no seu art. 4°, V, onde elenca os “institutos

jurídicos e políticos” para fins de regularização fundiária dispõe sobre usucapião

coletivo.

Ele apresenta diversas formas de regularização fundiária e, em

especial, pelo assunto deste tema, a alínea “j”, que trata do “usucapião especial de

imóvel urbano”.52

Por determinação do art. 191, parágrafo único, art. 183, § 3º da

Constituição Federal não há usucapião (literal) de bens públicos, para os quais

52

Utilizado no masculino por preferência do autor.

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O Direito Coletivo Urbano 83

deverão ser utilizadas outras formas de regularização que não transferem o direito

de propriedade sobre o bem.

O usucapião é um instrumento já bastante conhecido no mundo

jurídico, com origens no direito romano e finalidade de transferir a propriedade de

bem móvel ou imóvel, mediante alguns requisitos de tempo de ocupação e posse

incontestada (5 a 15 anos), com o devido processo legal e sentença apta a registro.

Nestes novos tempos, a partir da Constituição Federal de 1988, o

referido instituto foi melhor instrumentalizado, com a coletivização dos seus

princípios e fundamentos, coletivizando o próprio direito ao usucapião, previsto no

art. 10 da Lei nº. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) que disciplina:

Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

Portanto, aqueles que estiverem na posse da área, de forma individual

ou em litisconsórcio, associados ou representados, podem reivindicar sua

regularização e receberão (art. 10, § 3º) “igual fração ideal de terreno a cada

possuidor independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo

hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais

diferenciadas”, com efeito, erga omnes e gratuidade de seus atos, inclusive de

registro.

Com a coletivização do direito ao usucapião, busca a legislação a

aplicação do princípio da função social da propriedade, de seu efetivo uso nas ações

para regularizar as áreas ocupadas ilegalmente por grupos de pessoas excluídas

socialmente, em sua maioria de baixa-renda.

Este novo perfil de direitos, também adotado para o usucapião, não se

pode conceber com horizontes individualistas, dos antigos preceitos consagrados no

direito civil de propriedade, tendo em vista que propõe a regularização, não apenas

para a aquisição da propriedade urbana, mas partindo de premissas diferentes, ou

seja, do todo para a unidade, do ambiente para o seu ator, com o objetivo de

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O Direito Coletivo Urbano 84

otimizar a utilização da propriedade imobiliária urbana, garantindo a constante

observância de princípios urbanísticos voltados ao bem-estar do individuo em

interação com a comunidade em que vive, orientado pelos princípios constitucionais

e de direito público.

Trata-se, como vimos, de mais um importante avanço e de um

instrumento de mecanismo de regulamentação fundiária e, notadamente, de

reorganização urbanística.

Para Márcio Kammer de Lima, este usucapião especial, presente no

art. 183 da Constituição Federal de 1988, legitimamente aparece como um

instrumento de realização da função social da propriedade, diminuindo o prazo para

a conquista da propriedade e estatui sanção àquele proprietário que dignifica o

direito subjetivo a ele outorgado. Para a operacionalização deste instrumento foi

sancionada a Lei nº. 10.271/01, o Estatuto da Cidade, com o objetivo de execução

dos artigos 182 e 183 da referida Constituição. 53

Ressalte-se, também, que o art. 183 da Constituição Federal como

instrumento de concretização da função social da propriedade e ferramenta de

realização de princípios fundantes como o que discorre sobre a dignidade da pessoa

humana e aquele da missão do Estado de erradicar a pobreza e diminuir as

desigualdades sociais não pode ser visto como embaraço “à promoção desses caros

princípios informadores da disposição.” 54

Márcio Kammer de Lima pontua que o art. 10 do Estatuto da Cidade

possui requisitos reproduzidos literalmente do art. 183 da Constituição Federal,

como lapso de tempo exigido, destinação de moradia e não possuir, o favorecido,

título de outra propriedade. Porém,

[...] o legislador ordinário foi além para permitir que áreas urbanas superiores ao limite gizado para o usucapião constitucional (duzentos e cinquenta metros quadrados), onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, possam também ser usucapiadas coletivamente, o que põe logo a lume a questão de se saber se essa novel modalidade de usucapião introduzida pelo Estatuto da Cidade constitui, no plano substancial, direito novo, nova modalidade de aquisição de domínio – e então de perda de propriedade, se voltado o foco para a esfera jurídica do proprietário anterior –, ou se traduz somente nova roupagem, novo figurino

53

LIMA, M. K., 2009, p. 23. 54

Ibid., p. 25.

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O Direito Coletivo Urbano 85

para o mesmo direito subjetivo que frutifica da incidência da disposição constitucional.

55

Seria esta uma nova modalidade de aquisição (ou perda) de domínio

ou uma espécie de usucapião urbano, cuja novidade está na forma de apresentação

de um direito subjetivo derivado diretamente da Constituição Federal. Para Paulo

José Villela Lomar, citado por Márcio Kammer de Lima:

O que o legislador propiciou foi que aquele possuidor suscetível de adquirir o domínio do imóvel que utiliza para moradia própria ou de sua família com base no art. 183 da CF pudesse, livremente, somar-se a outros possuidores com iguais possibilidades para viabilizar a reurbanização capaz de melhorar as condições reais de vida de todos eles naquele ambiente.

56

Assim, pode-se afirmar que a novidade está no reconhecimento

coletivo do usucapião com a instituição de modalidade diferenciada de condomínio

até a completa reurbanização da área ocupada pelas moradias quando se

concretizarão os princípios constitucionais fundamentais. O que leva a concluir que o

usucapião coletivo é somente um direcionamento do usucapião individual especial

para uma finalidade urbanística.57

Posteriormente à criação dessa forma de usucapião, o que facilitou

sobremaneira a aquisição da propriedade por grupos de indivíduos, surge a Lei nº.

11.977/09, que inovou com o usucapião coletivo administrativo, que deverá provocar

inúmeras manifestações e grandes obras doutrinárias quando de sua aplicação, e

que será sintetizado mais adiante.

Todo o contorno jurídico legal, que envolvia as regularizações, se

constituía em um complexo burocrático de documentos e serviços técnicos jurídicos

e de engenharia, muitas vezes inacessível à população economicamente carente. A

ocupação totalmente desordenada, pela total ausência do Poder Público, seja

regulamentando, coibindo ou restringindo, não justifica a retirada do direito de

propriedade destes imóveis, porém até recentemente não havia instrumentos legais

aptos a oficializar estas ocupações.

55

LIMA, M. K., 2009, p. 28, grifo do autor. 56

LOMAR, Paulo José Villela apud LIMA, M. K., op. cit., p. 31. 57

LIMA, M. K., op. cit., p. 32.

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O Direito Coletivo Urbano 86

Com a nova legislação, as infrações urbanísticas foram revistas, em

nome dos princípios sociais, e tentou-se implementar ações efetivas de saneamento

básico e melhoria na qualidade de vida. Foi uma maneira de conceder o direito de

resgatar a cidadania dessa parcela de população excluída socialmente para,

finalmente, conceder-lhes o direito de ter um endereço oficial e seu titulo de

propriedade.

A figura do usucapião coletivo é um instituto criado pelo legislador

brasileiro para a regularização dos loteamentos ilegais (clandestinos e irregulares)

em área urbana, embora não seja suficiente.

O usucapião coletivo foi o primeiro passo capaz de transferir o direito

de propriedade através do registro do título (ainda que coletivo) à população sem

acesso formal ao mercado imobiliário das cidades, efetivando a função social da

propriedade, o direito ao uso do solo, à moradia, contra a especulação fundiária e,

por fim, assegurar condições sociopolíticas de cidadania urbana em busca de uma

sociedade justa e sustentável.

Entretanto, por melhor que fosse referido instituto, carecia de um

instrumento importante, ou seja, o econômico-financeiro, da responsabilidade pelos

custos da regularização, o que gerou diversas ações políticas, sendo

complementado, desde 2001, por ações dispersas e isoladas dos Governos

Estaduais e Municipais, com raros exemplos de sucesso como é o caso do atual

perfil do “Programa Cidade Legal” do Estado de São Paulo que será tratado quando

da análise dos instrumentos de regularização.

2.3 O USUCAPIÃO COLETIVO ADMINISTRATIVO

Para legitimar a posse, princípio e início da aquisição do direito de

propriedade, foi instituído o novíssimo instrumento denominado Demarcação e

Legitimação da Posse que se constitui em um conjunto de medidas preliminares

para o Usucapião Coletivo Administrativo, ou seja, a Demarcação é o ato realizado

pelo Poder público em área pública, ou particular, correspondendo ao registro da

implantação do loteamento existente de fato e a Legitimação é o ato, após o registro

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O Direito Coletivo Urbano 87

do parcelamento, em que o poder público outorgará título de legitimação na posse,

isto na esfera administrativa, não judicial.

Tem-se, pois, como novo marco normativo, a Lei nº. 11977/09, que

define o Usucapião Administrativo para todos aqueles que, após 5 anos da outorga

do título de legitimação da posse, poderão requerer diretamente ao Cartório de

Registro de Imóveis que o converta em usucapião mediante preenchimentos de

alguns requisitos legais.

Cumpre ressaltar que se trata da primeira legislação nacional de

regularização fundiária e corresponde aos anseios de diversos dos princípios da

Constituição Federal de 1988, tendo por fundamento a dignidade da pessoa

humana, a função social da propriedade e o direito à moradia, com efetivo resgate

da cidadania, ao inserirem estas comunidades na propriedade formal urbana, ou

seja, no seu contexto econômico-patrimonial e social.

É a participação popular no espaço urbano, resultado de uma nova

democracia cujo projeto sócio-cultural está assentado em dois pilares: o da

regulação e o da emancipação e cada um deles é constituído por três princípios:

O pilar da regulação constitui-se pelos princípios do Estado, do mercado e da comunidade. Por sua vez, o pilar da emancipação é formado por três lógicas de racionalidade: estético-expressiva da arte e da literatura, moral-prática da ética e do direito e cognitivo- instrumental da ciência e da técnica. A racionalidade estético-expressiva articula-se primeiramente com o princípio da comunidade; a racionalidade moral-prática, com o Estado; a racionalidade cognitivo-instrumental, com o mercado.

58

E afirma que a partir da década de sessenta, o capitalismo

desorganizado fez com que o princípio do mercado adquirisse magnitude sem

precedentes, provocando a transformação de energias emancipatórias em energias

regulatórias. Mas, a partir de uma das heranças da modernidade, a fragmentação,

reconstruíram-se as racionalidades locais, adequadas às necessidades locais,

conscientes da irracionalidade global, porém conscientes de que só a podem

combater localmente. É nesse contexto que emerge a questão urbana, cujos

problemas só as próprias comunidades podem realmente sentir e soluções

58

DEXHEIMER, Marcus Alexsander. Estatuto da Cidade e democracia participativa. Florianópolis: OAB/SC, 2006, p. 48.

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O Direito Coletivo Urbano 88

propostas sem ouvi-las resulta muito provavelmente em ineficácia dos projetos. 59

Neste momento, pode-se fazer uma relação com a ecologia que além

da dimensão ambiental engloba também as dimensões social e mental, no que se

chama de ecosofia – uma articulação ético-política do meio ambiente, das relações

sociais e da subjetividade humana, entendendo a política com caráter

multidimensional, planetário e antropológico. 60

Porém, historicamente, não havia uma arquitetura jurídico-legislativa

apta a possibilitar, aos regularizadores, instrumentos efetivos que propiciassem a

concretização da inclusão social desses espaços urbanos no mercado imobiliário

formal, ou seja, nas cidades, por meio das novas regras de regularização fundiária

de interesse social e específico.

O referido instrumento jurídico, por ser auto-aplicável, busca reverter o

quadro de segregação sócio-econômica espacial nesse país e, se utilizado da forma

a que se propõe, confere importantes ferramentas aos operadores do direito para a

consecução dos objetivos de ordenar para melhorar a urbanização em busca do

bem estar coletivo e da pacificação social.

Para finalizar, pode-se afirmar que a legislação brasileira teve um

grande avanço com o enfrentamento das questões de direito coletivo urbano e de

usucapião para resolver muitos problemas sociais que emergem da falta de infra-

estrutura devida à desorganização e ausência de posse legal de terra urbana para

residir. Porém, fez emergir muitos casos que necessitam regularização. Para que se

possa entender a regularização de ocupações ilegais deve-se, antes, expor os

fundamentos da regularização fundiária, assunto do próximo capítulo.

2.4 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO DIREITO COLETIVO URBANO

“O Direito é.”

Leciona Pontes de Miranda, ao comentar os processos de adaptação

59

DEXHEIMER, 2006, p. 49. 60

Ibid., p. 50.

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O Direito Coletivo Urbano 89

social do homem, e a função social do direito na Constituição Federal de 67:

Em todos os Estado, o Direito exerce papel estabilizante, que lhe é específico. Os princípios políticos e econômicos são mais instáveis do que os jurídicos; ganham peso, transformando-se em princípios jurídicos. Mais estabilizantes do que o Direito só a Arte, a Moral e a Religião, em ordem crescente de valor de frenamento. [...]

O direito é necessário à Sociedade e ao Estado. Ao Estado, porque, sem Direito, não poderá afirmar-se. Ora, a firmação é essencial ao Estado. Quando o direito das gentes considera suficiente o dado social, para que se possa falar da existência do Estado, pressupõe a afirmação político-jurídica; portanto, Estado e Direito.

61

E arremata:

A regra jurídica é, especificamente, mais estabilizante que a regra política. Os fatos jurídicos participam de tal especificidade estabilizante, menor do que a dos fatos religiosos, morais e artísticos, porém assaz sensível para quem se põe do lado dos fatos políticos. As verdadeiras revoluções começam por investir contra os espíritos emperrados dos juristas, contra a ordem retrógrada, que eles confundem com o Direito, como se o Direito fosse outra coisa que processo de adaptação; e irrompem contra o Direito, em vez de investirem contra o direito vigente, direito que somente pode ser destruído com outro direito, que o substitua. Processo adaptativo, estabilizante, fixador, o Direito será sempre o mesmo, como é sempre o mesmo o oxigênio que há na fruta, no ar, na água; ele é o mesmo, e pesa o mesmo; os componentes é que se diferenciam. O direito do estado será mais rígido, mais resistente, se os outros elementos forem mais rígidos e mais resistentes; esses é que variam. O remédio contra o direito que parece demasiado opressor, parado, está em outro direito menos opressivo, e mais novo. De qualquer modo, outro direito.

62

Conforme buscamos constatar, com valiosos subsídios da doutrina de

Frederico Antonio Veigas de Lima, onde, dentre outras, pondera sobre a utilização

da propriedade social, expondo que:

Partindo de uma visão principiológica e filosófica – porém bem ajustada ao Direito -, Rawls indica que os princípios de justiça são reconhecidos por trás de um véu de ignorância (veil of ignorance), de forma que nenhum individuo será favorecido pelas escolhas de princípios que não possuam causas naturais e pelas contingências sociais, fazendo com que a justiça social

61

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967, p. 163. Tomo I.

62 Ibid., loc. cit.

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O Direito Coletivo Urbano 90

deva, em primeiro lugar, ser atingida mediante uma felicidade total, a partir do princípio da diferença.

63

Na interpretação de seus ensinamentos, temos que a aplicação do

direito de propriedade, deve resgatar e abranger que os princípios sociais e deve

compreender que o social precede, necessariamente, o homem, por que não foi o

homem que fez a sociedade. O conjunto, o social, a comunidade e a comunicação

que fizeram o homem, pressupondo que o conjunto tenha de encher-se de

indivíduos, e o individuo sem conjunto não existiria. Não existiria a comunidade, a

sociedade, sequer o grupo, onde conviver. Não há dúvida, somos animais sociais.

Salvo raras excentricidades, não se pode conceber homem sem comunidade

interagindo entre si.

O homem apenas apropriou-se de bens, patrimônios, pessoas e se

elegeu governante, com ajuda do grupo ou de parte dele e, diante de cada realidade

social, criou ordens jurídicas, resultante de muitas regras feitas de pensamentos,

que criam regras abstratas formulando hipóteses para os fatos que ela prevê.

Nas regras de adaptação dos membros da sociedade, entre si, por

meio de regras jurídicas que permitam co-existirem sem lutas insolúveis, o direito

busca estabelecer o processo de passagem de um direito para outro, em evolução e

adaptação, e continuar a existir quando as instituições, suas criadoras, não mais

existirem.

Assim, o direito de propriedade adaptou-se, evoluiu, e a propriedade no

plano geral e imobiliário, em particular, merece ser repensada.

A crise econômica, neste início de século XXI, que apavorou nações

inteiras diante das antigas concepções do instituto da propriedade e de sua

distribuição, enquanto riqueza é indispensável a sua adaptação para corresponder

aos atuais contornos do direito e do próprio instituto para a conceituação do seu, do

meu e do deles.

Ressurge o tema da necessidade de adaptação a estes novos tempos,

das metrópoles e da supremacia dos direitos humanos e sociais, ou seja, do direito

de bem-estar, do bem comum, coletivo. Ressurge diante da necessidade de

63

LIMA, Francisco Antonio Veigas de. A propriedade imobiliária. Brasília: Instituto Brasil de Direito

Civil; Universidade de Brasília, 2009, p. 6.

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O Direito Coletivo Urbano 91

regulamentação das relações inerentes à propriedade, abandonando os velhos

paradigmas da autonomia, do absolutismo e da liberdade contratual.

Em sendo uma instituição política e social, valores sociais e humanos,

além do econômico, foram agregados para constituir a propriedade em uma norma

de obrigação social, em contraposição a inspiração meramente econômica

individual.

Nas últimas décadas, o conceito de propriedade sofreu profundas

alterações, o que nos faz refletir acerca de suas mutações e transformações para

poder definir o que vem a ser a propriedade. Entende-se que se trata de novo

contorno do antigo instituto, convertendo-o em função e não mais somente em

direito individual, mas um direito de todos, sem retirar a sua essência de propriedade

individual destinada ao proveito da sociedade.

Com novos contornos, a propriedade deve se fundamentar na

Constituição Federal, em seus princípios fundamentais, notadamente na

compreensão conjunta dos incisos XXII e XXIII do art. 5º e do art. 183, sem

descuidarmos dos parágrafos do art. 1228 do Código Civil.

Esta perspectiva civil-constitucional destina-se a firmar-se mais como

finalidade de atender às necessidades da coletividade, exigindo do proprietário

respeito a uma série de restrições e limites ao seu uso, convertendo-se em função

ou poder restringido.

A atual concepção do direito corresponde às novas noções de direito

civil e constitucional, em que se busca a solidariedade sobre o individualismo

acentuado, que pelos seus atuais princípios e cláusulas gerais nos remete à busca

do bem estar coletivo.

No contexto de unitariedade sistêmica, com estreita vinculação às

fontes e aos princípios, não mais pode se conceber a propriedade como o poder de

fato que alguém exerce sobre alguma coisa e deve ser respeitado pelos terceiros, ou

seja, mais ter e menos ser.

Imutável por muitos anos, a nova visão deve primar por uma

concepção da propriedade, notadamente a imobiliária urbana, partindo das relações

pessoais que devem atuar em prol da sociedade, inerentes ao ser em conjugação

com o bem, e qual a função do mesmo bem na coletividade.

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O Direito Coletivo Urbano 92

Este raciocínio lógico nos conduz a uma evolução do pensamento para

conceber a propriedade atual como uma relação de pessoas vinculadas a um

determinado bem e não mais de relações entre sujeito e coisa, mediante a atuação

do interesse público sobre o interesse privado, do coletivo antes do individual.

A pluralidade de interesses, que compõe nosso ordenamento jurídico,

desbancou o caráter absoluto e deu novo perímetro legal à propriedade, dotando-a

de plasticidade, da capacidade de se amoldar a novas concepções do mesmo direito

e de se adaptar às situações reais, em busca de seus objetivos sociais, com o

mínimo de garantias, necessárias a sua manutenção e preservação, enquanto

propriedade.

A propriedade atual também deve ser vista como tridimensional, ou

como um “cubo”, não apenas de direito ao solo, mas que irradia seus efeitos em

todas as direções e necessita de regulação em todos os sentidos e de forma

permanente, sem sucumbir à atuação política, separando a noção de função social

da noção de cunho ideológico, possibilitando a sua perpetuação no tempo e sua

manutenção diante das intempéries políticas, periódicas e transitórias.

Isto se consegue firmando, no seio da sociedade, fortes laços e

conceitos de justiça social e solidariedade, do uso racional e da utilização da

propriedade, dos quais a coletividade não estará disposta a abrir mão, por

constituírem o seu próprio bem-estar social, cujos efeitos emancipam e libertam não

apenas o individuo (titular do direito), mas os demais integrantes do grupo social

(titulares do mesmo direito).

Vincula a todos, proprietários e não proprietários, implicando um

compromisso de persecução dos objetivos e interesses sociais, nas

responsabilidades que caracterizam o exercício dos interesses de seus titulares e

como atores sociais mais justos e solidários.

A propriedade deve destinar-se aos fins sociais, entretanto, deve ser

revestida de plena liberdade ao seu titular, sem descaracterizá-la, como garantia de

sua manutenção não apenas como função social, mas também como função

econômica. Este equilíbrio é a principal dificuldade a enfrentar na aplicação de suas

prerrogativas.

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O Direito Coletivo Urbano 93

Mais que assegurar a legitimidade dos direitos coletivos, através de

uma legislação suficiente para estruturar o sistema das relações sociais e do

mercado, deve-se traçar claros parâmetros definidos que permitam a vida em

comunidade, de forma coletiva e harmônica, plena de liberdades e direitos.

É tempo de se reconhecer que todos os proprietários possuem deveres

diante dos não proprietários e estes se vinculam ao uso da propriedade, no sentido

de que todo o excesso deve ser revertido em prol da sociedade, para o seu

desenvolvimento em iguais oportunidades. Sendo a propriedade vista, atualmente,

como norma de obrigação social, deve restabelecer valores (religiosos) no sentido

de se constituir em uma complexa relação entre as pessoas (proprietários e não-

proprietários) para afastar sua concepção apenas como valor de mercado, para ser

utilizada de maneira ampla, porém sem descuidar de seu caráter econômico,

estritamente condicionado ao fator social e moral.

De acordo com o ordenamento vigente, a propriedade deve

proporcionar o atendimento a diversos fatores, além do social, ou seja, o equilíbrio

ambiental, a preservação patrimonial, histórica e cultural.

Este mesmo sistema deve ser visto na atualidade como um sistema

coordenado, unitário e complexo, diferente dos planos superior e inferior, antes

estabelecidos, para se firmar em um conjunto de integração completa a partir da

Constituição Federal, como um direito fundamental e uma liberdade (como função

econômica da garantia da propriedade) até as normas locais de direito urbanístico,

sensíveis às mudanças sociais.

Embora as noções de propriedade privada sofram forte pressão para a

manutenção de seus antigos conceitos, pois se constituem em modo de organização

social, frente às restrições de uso pela legislação ambiental e urbanística, não se

pode arrefecer, porque aos proprietários é garantida (constitucionalmente) a

compensação financeira a suas perdas patrimoniais.

Ainda que se afirme, mesmo em tempos atuais, os conceitos de usar,

gozar, dispor e reivindicar da mesma maneira secular, devemos tentar entender a

propriedade como um complexo de tensões de direitos e deveres, contrapostos, em

que se busca o equilíbrio entre os proprietários e os não proprietários na utilização

da mesma no contexto social, no ambiente urbano, nas cidades.

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O Direito Coletivo Urbano 94

Assim, o caráter absoluto da propriedade deve ser afastado. O

proprietário tem direito de propriedade não direito à propriedade e esta deve estar

revestida da função social, respeitados estes direitos e deveres por toda a

coletividade.

Na propriedade devem coexistir as mais variadas formas, compostas

de um sistema de vários direitos destinados ao uso pelo seu titular, resultante de

uma visão plural e complexa com funções efetivas e justas.

A proteção da propriedade não se vincula mais ao individualismo, mas

à maximização dos benefícios do direito de propriedade para toda a coletividade, em

uma sociedade livre e democrática, numa concepção moderna de direito a liberdade

de ações e limites da própria liberdade, harmonicamente protegendo ambos os

institutos.

Embora duramente criticado, o novo conjunto de legislação está apto a

iniciar, ou desencadear, esta troca de influências entre o individual e o coletivo, em

matéria de propriedade imobiliária, com a possibilidade de regularização de

ocupações (loteamentos) ilegais (clandestinos e irregulares). É tempo de

desprovermos de alguns de nossos direitos em favor uns dos outros, em favor da

coletividade, para assegurar nossa própria qualidade de vida.

Temos, pois, que as aspirações de compreender as novas formas de

direitos e/ou de modificações jurídico-reais, antes não estabelecidas, com uma

flexibilização sistêmica crescente a fim de viabilizar as necessidades do direito de

propriedade na pós-modernidade em busca do equilíbrio dos princípios objetivando

a justiça social, conforme buscamos na doutrina de Frederico.

Cumpre, com ponderação, acompanharmos a sua efetiva aplicação e

concretização de seus conceitos.

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A regularização fundiária 95

3 A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Em pleno século XXI, a desarticulação entre órgãos governamentais,

legislação conflitante, sociedade desorganizada e cartórios de registros de imóveis

fazem com que o poder público ainda esteja muito distante de possuir um mapa das

propriedades públicas e privadas que compõem a planta onde repousa nosso País.

A invasão de terras, urbanas e rurais, em áreas consideradas impróprias, ora

clandestinas, ora fundadas em falsos títulos de propriedade popularmente conhecida

como grilagem, ora incentivada por movimentos sociais, é apenas um dos aspectos

da confusão sobre a propriedade de terras. A regularização fundiária, portanto, se

impõe como questão primordial de desenvolvimento humano, no amplo contexto

sócio-ambiental constitucional, com finalidade de promover a integração social e o

resgate da dignidade humana e da cidadania, em qualquer parte do País.

A regularização fundiária de área urbana, através da consolidação dos

princípios de direito coletivo urbano, objetiva o fortalecimento da dignidade da

pessoa humana por meio da melhoria da qualidade de vida, do direito à moradia e a

habitação saudáveis, do direito de propriedade e do resgate da cidadania, fundados

nos princípios constitucionais e na função social do direito.

Mais que regularização fundiária, esta terá que ser sustentável para

atingir plenamente os objetivos de concretização dos princípios da dignidade e de

cidadania, notadamente pela inclusão social dos indivíduos e dos grupos.

As irregularidades fundiárias mais comuns nas cidades são as

ocupações, loteamentos clandestinos ou irregulares e cortiços.

As áreas mais atingidas são as Áreas de Proteção Permanente (APPs),

que deveriam sofrer severa fiscalização, mas que ficam totalmente abandonadas

pela ausência do Estado (e da própria sociedade), originando ocupações irregulares

nas áreas de mananciais e às margens de rios e canais e, ainda, ocupações de

serras, restingas, dunas e mangues, tendo em vista que a especulação econômica

nestas áreas é limitada.

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A regularização fundiária 96

A ocupação irregular costuma acontecer, ainda, em áreas de risco,

como perto de redes de alta tensão, faixas do domínio de rodovias, gasodutos e

troncos de distribuição de água ou coleta de esgotos. Tudo isto ocorre devido à

baixa oferta de lotes para pobres e o abandono destas áreas pelos respectivos

proprietários e responsáveis (Poder Público, concessionárias, empresas etc.).

Os programas de regularização fundiária em área urbana englobam os

programas de urbanização em áreas informais e a legalização fundiária das áreas e

lotes ocupados informalmente. Os programas devem ter como objetivo não apenas o

reconhecimento da segurança individual da posse para os ocupantes, mas

principalmente o objetivo da integração sócio-espacial dos assentamentos informais.

Entretanto, a busca por soluções para a regularização, não pode

sobrepor-se a princípios também já consagrados, notadamente o da moradia digna,

e do meio ambiente saudável, inclusive urbano, por ultrapassar os limites

constitucionais de proteção social já consagrados em nosso ordenamento jurídico.

Com relação ao meio ambiente saudável, os problemas trazidos pela

crise ambiental da atualidade têm reflexo nas cidades que sofrem e reproduzem tais

problemas integrando este panorama ambiental mundial. Assim o aperfeiçoamento

do Estado Social leva à construção do Estado Democrático-participativo e que

segundo Canotilho, citado por Dexheimer, pode ser traduzido como Estado de

Direito Democrático-Ambiental. 64

Este último está associado ao conceito de Estado Constitucional

Ecológico fundamentado em dois pressupostos:

(1) o Estado constitucional, além de ser e dever ser um Estado de Direito democrático e social, deve ser também um Estado regido por princípios ecológicos; (2) o Estado ecológico aponta para formas novas de participação política sugestivamente condensadas na expressão democra-cia sustentada.

65

Assim, antes de considerarmos a regularização técnica e formal,

devemos repensar o contexto em que se inserem para evitar abusos e soluções com

conseqüências ainda mais devastadoras, sendo vedada a regularização de áreas

64

CANOTILHO, 1995, p. 81 apud DEXHEIMER, 2006, p. 68. 65

DEXHEIMER, op. cit., p. 69.

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A regularização fundiária 97

reconhecidamente impróprias para a ocupação e habitação humana, com os

mesmos fundamentos de sociabilização da propriedade e a proteção do bem-estar

social e do meio ambiente urbano.

Conforme afirmado no inicio deste trabalho, existem situações

realmente irreversíveis, como as favelas paulistanas e cariocas, cuja solução será a

regularização no estado em que se encontram, inibindo a sua expansão e formação

de novos núcleos de ocupação. Em outras, entretanto, sem as mínimas condições

de ocupação, com graves riscos ao próprio ocupante e de toda a coletividade, deve-

se buscar a desocupação e recuperação da área, dentro das possibilidades do caso

concreto.

Podemos considerar, portanto, como infra-estrutura mínima exigível

para a autorização de regularização fundiária a existência de:

a. malha viária com canalização de águas pluviais;

b. rede de abastecimento de água;

c. rede de esgoto;

d. distribuição de energia elétrica e iluminação pública;

e. recolhimento de resíduos sólidos urbanos;

f. tratamento de resíduos sólidos urbanos.

Identificadas as áreas irregulares, deve ser feito um cruzamento de

cadastro da Prefeitura (IPTU) e das concessionárias de serviço público (água e

eletricidade), com informações do censo do IBGE, do cadastro de aprovação de

construções (alvarás e habite-se) e dos domicílios recenseados, para apurar as

características do empreendimento e executar o mapeamento das áreas irregulares,

através da elaboração de plantas cadastrais, para a construção de cadastros

municipais e definição da extensão de cada situação de irregularidade e quantidade

de famílias envolvidas.

As ações de urbanização sempre devem estar harmonizadas com as

ações de regularização fundiária. Os instrumentos de parceria permitidos em lei e a

interlocução com a comunidade ocupante das áreas irregulares são fundamentais.

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A regularização fundiária 98

A regularização jurídica é indispensável e tem como etapas o

levantamento da situação fundiária do terreno a ser regularizado e o levantamento

das famílias que moram no local a ser regularizado.

Junto ao órgão ambiental competente se obtém a autorização para

intervenção ou supressão em APP, desde que o Município se proponha a:

a. incluir no plano Diretor as regras para aplicação dos instrumentos de

regularização fundiária;

b. promover assessoria jurídica e técnica para levantar a situação

jurídica, física e urbanística das áreas a serem regularizadas;

c. criar um programa de regularização com a participação da

comunidade em todas as etapas;

d. criar um fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano;

e. estabelecer um conselho de habitação e desenvolvimento urbano;

f. desenvolver trabalhos sociais com a comunidade, como um

diagnóstico coletivo dos problemas de habitação;

g. elaborar e executar planos de urbanização e de regularização

fundiária;

h. garantir que, depois de aprovado o plano de urbanização, não seja

permitido o remembramento de lotes, exceto para implementação de

equipamentos comunitários públicos;

i. reconhecer o direito e outorgar o titulo de concessão de direito real

de uso ou concessão especial para fins de moradia.

Estas regras se aplicam aos locais onde o município pode efetuar a

regularização fundiária, ou seja: áreas públicas municipais; áreas públicas de

ocupação consolidada para fins de moradia, como favelas; áreas desapropriadas

para desenvolvimento de projetos habitacionais; áreas particulares onde seja

possível aplicar o usucapião; habitações coletivas de aluguel, como cortiços.

Na hipótese de vegetação em APP, o Poder Público poderá autorizar,

em qualquer ecossistema, a intervenção ou supressão de vegetação, eventual ou de

baixo impacto ambiental. Entretanto, existe sempre um entrave maior e efetivo que

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A regularização fundiária 99

inibe ações concretas de regularização, por se constituir crime a derrubada de

árvores e outras formas de vegetação em APP, que configuram ilícito penal previsto

no art. 38 da Lei nº. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, Lei de Crimes Ambientais,

bem como constituiu crime a derrubada de árvores nativas em APP sem autorização

do órgão competente, conforme previsto no art. 39 da Lei de Crimes Ambientais.

Outro não menor obstáculo quanto à regularização fundiária, são sem

dúvida a Lei nº. 6.766/79 e a Lei nº. 6.015/73 diplomas legais que tratam dos

registros públicos dos imóveis. Os loteamentos, para serem válidos e regulares,

necessitam registro em Cartório de Registro de Imóveis, que deve ser requerido até

180 (cento e oitenta) dias após a aprovação do projeto pela Prefeitura Municipal (Lei

nº. 6.766/79, art. 18). O embasamento legal do registro imobiliário está contido no

art. 167, da Lei nº. 6.015, que possui a seguinte redação:

Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos. I – o registro: [...] 19) dos loteamentos urbanos e rurais [...] II – a averbação: [...] 4) da mudança de denominação e de numeração dos prédios, da edificação, da reconstrução, da demolição, do desmembramento e do loteamento de imóveis [...].

Complementa o art. 169, declarando que “todos os atos enumerados

no art. 167 são obrigatórios”.

Dos dispositivos transcritos acima, depreende-se uma inconsistência: a

Lei dos Registros Públicos (Lei nº. 6.015/73) não faz constar do rol dos registros o

desmembramento, enquanto a Lei de Parcelamento do Solo (Lei nº. 6.766/79) o

exige. Essa contradição legal dá margem para a realização de loteamentos

clandestinos sob a forma de desmembramentos, caso a fiscalização do Município

não seja atuante, como na maioria das vezes não o é.

Ainda, na Lei nº. 6.015/73 se houver alguma inconsistência, falta de

documentos ou qualquer hipótese que não preencha os requisitos indispensáveis ao

registro, poderá o oficial suscitar dúvida ao juízo da comarca respectiva, conforme

prevê o art. 198, da Lei de Registros Públicos:

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A regularização fundiária 100

Art. 198 - Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente para dirimi-la, obedecendo-se ao seguinte: I - no Protocolo, anotará o oficial, à margem da prenotação, a ocorrência da dúvida; Il - após certificar, no título, a prenotação e a suscitação da dúvida, rubricará o oficial todas as suas folhas; III - em seguida, o oficial dará ciência dos termos da dúvida ao apresentante, fornecendo-lhe cópia da suscitação e notificando-o para impugná-la, perante o juízo competente, no prazo de 15 (quinze) dias; IV - certificado o cumprimento do disposto no item anterior, remeter-se-ão ao juízo competente, mediante carga, as razões da dúvida, acompanhadas do título.

O procedimento de suscitação de dúvida poderá ser impugnado pela

parte, sendo, após apreciado por Juiz de Direito que prolatará sentença, ouvido o

Ministério Público. Da sentença caberá apelação (Lei nº. 6.015/73, art. 202).

A legislação tenta, de forma bastante rígida, coibir irregularidades e/ou

implantações de empreendimentos em desacordo com as suas diretrizes, entretanto

não existiam normas legais para aqueles casos que não se enquadram em seus

requisitos. Com o rompimento de barreiras jurídicas tradicionais, sob novo prisma e

paradigma de concepção constituída de novos valores, busca-se como objetivos:

garantir a função social da cidade e da propriedade imobiliária

urbana;

diminuir a exclusão territorial, para ampliar o acesso aos bens e

serviços da cidade;

promover o reconhecimento dos direitos sociais e constitucionais de

moradia e da qualidade de vida dos cidadãos;

promover o reconhecimento dos novos direitos, como o usucapião

coletivo urbano e a concessão de uso especial para fins de moradia.

Busca-se, assim, uma efetiva intervenção pública para legalizar a

posse do imóvel de interesse social, com implicações diretas sobre a urbanização da

área e a inclusão social da população, garantindo à população beneficiada o pleno

exercício de seus direitos; como também dar aos moradores das áreas atendidas o

reconhecimento legal da posse da área em que moram e os direitos decorrentes da

condição de cidadão e morador formal da cidade. Ao mesmo tempo, procura-se

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A regularização fundiária 101

possibilitar a melhoria gradativa das habitações e das condições de moradia por

parte do poder público, ações que começam a produzir resultados em algumas

localidades do País.

3.1 OS INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

3.1.1 O Direito Coletivo como instrumento de regularização fundiária

Por influência de uma concepção basicamente individualista atinente à

proteção dos interesses privados, os direitos de tradição romano-germânica, incluído

nesse conjunto o direito brasileiro, permaneceram, por razoável período de tempo,

consideravelmente alheios aos mecanismos coletivos de tutela jurisdicional.

Porém, atualmente, constitui-se um novo estágio na evolução dos

direitos fundamentais que para Paulo Bonavides

[...] tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.

66

Estes novos direitos não existem em detrimento dos direitos anteriores,

mas redefinem o conceito dos direitos estabelecidos agindo em sua forma, em sua

instrumentalidade e em seu conteúdo sem extingui-los. Então, os direitos coletivos e

difusos não extinguem a propriedade, agem impedindo que seja um instrumento

jurídico que se oponha a qualquer direito. 67

Então, a conjugação de direito de propriedade, necessidades sociais e

proteção do meio ambiente gera o que se denomina função sócio-ambiental da

propriedade. A função social da propriedade abandona a concepção do direito

66

BONAVIDES, Paulo. Curso de directo Constitucional.7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 523 , 67

DEXHEIMER, op. cit., p. 99.

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A regularização fundiária 102

absoluto de propriedade, um direito individual, em que o Estado intervém somente

para garantir a mesma ao proprietário, emerge dela um direito de propriedade

condicionado ao cumprimento de exigências vinculadas ao bem-estar social e ao

equilíbrio ambiental. 68

Como defende Peña, citado por Dexheimer:

A propriedade privada é urna instituição que está intimamente vinculada com o conceito de sujeito moderno e a representação da liberdade como ilimitada, característica também da modernidade. Aquele que tem propriedade pode gozar e usar sem limites, sem mais limites que a vontade do proprietário. As liberdades dos outros e os recursos naturais vêem-se amenizados por uma instituição que faz de cada proprietário um soberano e um déspota. É necessário, pois, limitar esta instituição até a linha em que se põe em perigo as liberdades dos outros ou as condições ecológicas de reprodução da vida.

69

Tais modificações vêm acontecendo no Brasil a partir de meados da

década de 1980, em especial com a edição da Lei nº. 7.347/85 e, posteriormente,

com a promulgação da Constituição de 1988. Após a nova Constituição, uma grande

variedade de leis subsequentes incidiu sobre esse mesmo tema, criando no país um

sistema legal detalhado de proteção de interesses coletivos e difusos. Entre essas

leis, merece especial destaque a Lei nº. 8.078/90 (Código de Defesa do

Consumidor) que complementou e aprimorou consideravelmente a disciplina da Lei

nº. 7.347/85, delimitando certos conceitos e ajustando a regulação de temas como

competência, coisa julgada e outros, além de ampliar seu âmbito de incidência, que

passou a englobar “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”.

Essa reforma legislativa representou grande avanço no sentido de

conferir tratamento especial à tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais

homogêneos, representando revolucionária ruptura com o individualismo no

processo civil, com potencial ganho na racionalização do uso da estrutura judiciária,

tendo em vista a extensão dos limites da coisa julgada que traz o sistema em

questão.

A utilização destes instrumentos tem importante relação com o

desenvolvimento de atividades econômicas, pois afeta diferentes campos desde as

68

DEXHEIMER, 2006, p. 100. 69

PEÑA, Francisco Garrido, 1998, p. 219 apud DEXHEIMER, op. cit., p. 101.

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A regularização fundiária 103

relações de consumo até as discussões sobre impactos ambientais que envolvem

projetos de infra-estrutura, entre outros.

A discussão atual, em âmbito nacional, sobre a instituição de

mecanismos para possibilitar projetos de geração de energia, construção e

ampliação de portos etc., especialmente por meio das parcerias público-privadas,

exige uma avaliação aprofundada dos instrumentos de proteção de interesses

coletivos para permitir a racionalização de seu procedimento, a celeridade de suas

conclusões e a garantia de marcos legais para o desenvolvimento de atividades

econômicas permitidas.

O subsistema processual das ações coletivas, atualmente reconhecido

como Sistema Único Coletivo, tem mais de duas décadas de existência servindo de

instrumento para a intensa discussão de políticas públicas de diversas naturezas,

incluindo políticas de regulação de serviços públicos como telefonia, gás e petróleo,

energia elétrica e outras, e também políticas de reforma administrativa em sentido

mais amplo. Tal subsistema serviu, ainda, para consolidar e estruturar o regime

jurídico de proteção e defesa do consumidor, afetando mercados os mais diversos

como os de seguros (com destaque para os seguros de saúde), fornecimento de

bens de consumo e outros. Finalmente, tais ações coletivas consistiram, nesse

mesmo período, em importante instrumento de regulação ambiental e proteção dos

recursos correspondentes.

Entretanto, mesmo diante deste contexto, a importância e profundidade

desses fenômenos não chegaram a motivar um número compatível de tutelas

coletivas relacionadas à garantia de qualidade de vida de grupos dentro do contexto

do meio ambiente urbano, relacionados diretamente ao próprio direito coletivo

urbano, direito de moradia e reconhecimento da propriedade para determinados

grupos de indivíduos, visando a sua inserção social e o resgate de sua cidadania.

Diante das escassas soluções perante a vastidão dos problemas relacionados e

existentes sobre o tema, as informações relevantes são necessárias à compreensão

dos resultados positivos e negativos alcançados até o momento, o que, a seu turno,

consiste em subsídio indispensável à concepção de reformas legislativas e à

implementação de políticas públicas de defesa e aperfeiçoamento do sistema de

tutelas coletivas no país, direcionadas para a regularização fundiária.

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A regularização fundiária 104

A importância do tema extrapola os limites do território nacional, por ser

um problema humano e não apenas nacional, embora mais visível nos países

subdesenvolvidos, naqueles em desenvolvimento e nos chamados emergentes.

3.1.2 A Lei nº. 11.977/2009: instrumentos legais de regularização fundiária

A partir da Lei 11.977/09, a pesquisa e o desenvolvimento do trabalho

deixaram de ser majoritariamente doutrinária para tornar-se interpretativa da nova

legislação, em razão principalmente da escassez de literatura específica sobre o

assunto, direcionando os esforços em interpretar os próprios manuais dos órgãos

públicos envolvidos e o próprio texto legal.

Neste contexto, foi editada a Lei nº. 11.977/09, a qual servirá de

demonstração da possibilidade histórica e jurídica de regularização fundiária,

notadamente se houver disposição e contrapartida dos Municípios, os principais

interessados em resolver seus problemas fundiários.

Avançadas discussões e importantes reflexões, que em muito poderão

contribuir para o estudo do assunto, hoje são foco de atenção de toda a sociedade e

ocupam uma das primeiras posições na pauta de ações dos atuais Governos.

Porém, deve-se ponderar que o principal obstáculo às ações reside no

conflito da regularização fundiária com a lei dos registros públicos, cujas exigências

são, neste primeiro momento, intransponíveis, salvo criativas e mirabolantes

soluções para transpor tais obstáculos legais, mediante fixação de claras e eficientes

regras federais.

Assim, destaca-se a enorme diversidade de necessidades

habitacionais e nos modos de prover a moradia e habitação popular, em área urbana

consolidada e a transferência dos ocupantes de áreas ambientalmente sensíveis.

Atualmente, um dos caminhos que se descortina, respeitando a

Constituição por ser competência privativa da União (art. 21, inciso XX), é o Estatuto

da Cidade que estabelece as diretrizes gerais da política urbana e exige a sua

observância como a garantia do direito a cidades sustentáveis, através da gestão

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A regularização fundiária 105

democrática, participativa, desestimulando a aquisição de terrenos urbanos voltados

ao lucro e à especulação imobiliária, que forçava grande parcela da população

desprovida de recursos financeiros a buscar melhores condições na periferia das

cidades e em áreas desprovidas de infra-estrutura, geralmente parceladas

clandestinamente de forma ilegal.

O conflito latente entre espaço urbano e norma jurídica cria um forte

vínculo entre o Direito e o Urbanismo. Urbanismo que no Brasil apresenta um

processo de concentração urbana iniciado concomitantemente com o processo de

fim da escravidão, o que gerou o fenômeno de moradia precária, que era associada

às idéias de imoralidade e insanidade. Este fato fez com que o Poder Público fizesse

intervenção nestes espaços com finalidade higienista, o que pode ser considerado o

primórdio do Direito Urbanístico Brasileiro. 70

Para Marcus Alexsander Dexheimer,

No caso específico da construção do espaço urbano, também há um conjunto normativo avançado e relevante, a serviço da formulação e execução de políticas urbanas sérias e ousadas, e extremamente importante para a ampliação dos espaços democráticos pátrios. É o Estatuto da Cidade, a Lei n° 10.257, de 2001.

O Estatuto chega para estabelecer diretrizes gerais de política urbana e fixar linhas bem definidas para a consolidação do Direito Urbanístico que está sendo desenhado no Brasil, por vezes tido como ramo autônomo do Direito, por vezes como especialização técnico-funcional do Direito Administrativo. Como se considerava faltar autonomia ao Direito Urbanístico em razão da ausência de um corpo normativo próprio, o Estatuto da Cidade representa também o amadurecimento e a solidificação da discutida autonomia.

71

Buscando efetivar a função social da propriedade imobiliária urbana

(habitação), ao regulamentar os artigos 182 e 183, da CF/88, a legislação trouxe

instrumentos jurídicos e políticos para garantir a sustentabilidade da cidade, com

inovações como o estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) no qual se busca

traçar os efeitos do empreendimento na vida da população em geral, e não apenas

do próprio empreendimento e da região. O EIV embora restrito a obra e as

adjacências, busca preservar a qualidade de vida de seu entorno, em função do

conjunto que é a cidade, coletivamente falando.

70

DEXHEIMER, 2006, p. 132-133 et. seq. 71

Ibid., p. 135-136.

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A regularização fundiária 106

Frise-se que a gestão de uma cidade sustentável tem que ser

democrática, deve-se garantir a participação cidadã na consecução de seus

objetivos.

No Brasil existe uma demanda de mais de 7 milhões de moradia e,

para minimizar os danos foram estabelecidos instrumentos legais como o Estatuto

da Cidade (Lei 10.257/2001) que garante a função social da propriedade e das

cidades, a MP nº. 2.220/2001 que criou a Concessão de Uso Especial para fins de

moradia, e a Lei nº. 11.977/2009, que reconhece o direito à moradia e define

diretrizes de regularização fundiária de assentamentos urbanos, por meio de um

conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à

regularização de assentamentos irregulares e a titulação de seus ocupantes.

A Lei nº. 11.977/09 também determina a realização da demarcação

urbanística, na qual o Poder Público responsável pode lavrar auto de demarcação

urbanística, realizando planta e memorial descritivo da área, cadastro dos

ocupantes, registro da demarcação urbanística na matrícula da área, elaboração do

projeto de regularização fundiária e, finalmente, o registro do parcelamento do solo.

Além disto, torna possível a legitimação de posse, expedida pelo Poder Público aos

ocupantes cadastrados, sendo que após ser devidamente registrada constitui direito

em favor do detentor da posse direta para fins de moradia.

Esta legitimação de posse constitui prova antecipada para usucapião,

tendo em vista que depois de 5 anos do registro, formaliza a conversão do direito

real de posse em propriedade. A referida lei ousou mais, pois instituiu também o

custeio de moradia à população de baixa renda. Com estes instrumentos, busca-se

viabilizar a titulação da propriedade imobiliária à população economicamente

carente, pois o alto custo da terra urbana é um dos grandes limitadores da habitação

regular.

Com relação à regularização fundiária, o Art. 46 da Lei nº. 11.977/2009,

conceitua:

Regularização Fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções

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A regularização fundiária 107

sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Sua abrangência aplica-se a assentamentos irregulares, assim

consideradas as ocupações inseridas em parcelamentos informais ou irregulares,

localizadas em áreas urbanas públicas ou privadas, predominantemente utilizadas

para fins de moradia.

Podendo ser de interesse específico ou de interesse social a

regularização de assentamentos irregulares ocupados, predominantemente, por

população de baixa renda, nos casos:

a) em que tenham sido preenchidos os requisitos para usucapião ou

concessão de uso especial para fins de moradia;

b) de imóveis situados em ZEIS; ou

c) de áreas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios declaradas de interesse para implantação de projetos de

regularização fundiária de interesse social.

Para ser absolvida pela nova legislação, a regularização fundiária de

interesse social em área a regularizar deve apresentar predomínio de ocupações

pertencentes a pessoas de baixa renda, para lotes de extensão superior a 250 m2,

salvo se destinados ao usucapião coletivo nos termos do art. 10 do Estatuto da

Cidade.

O usucapião coletivo é o instrumento previsto pelo Estatuto da Cidade

que permite a delimitação e destinação de determinadas áreas do Município para

abrigar moradia popular, com o objetivo de implantar habitação de interesse social,

com normas especiais de uso, ocupação, parcelamento do solo e edificação para

áreas já ocupadas por assentamentos informais.

Os princípios básicos da regularização fundiária configuram-se pela:

I – ampliação do acesso a terra urbanizada pela população de baixa renda, com prioridade para sua permanência na área ocupada, assegurados o nível adequado de habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade urbanística, social e ambiental; II – articulação com as políticas setoriais de habitação, de meio ambiente, de saneamento básico e de mobilidade urbana, nos diferentes níveis de

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A regularização fundiária 108

governo e com as iniciativas públicas e privadas, voltadas à integração social e à geração de emprego e renda; III – participação dos interessados em todas as etapas do processo de regularização; IV – estímulo à resolução extrajudicial de conflitos; e V – concessão do título preferencialmente para a mulher.

A Lei nº. 11.977/2009 reforça a autonomia dos Municípios para que

legisle sobre o procedimento de regularização fundiária em seu território,

observadas suas próprias disposições e o Estatuto da Cidade, legitimando também

a União; os Estados e o Distrito Federal; os Municípios; os beneficiários, individual

ou coletivamente; cooperativas habitacionais; associações de moradores,

fundações, organizações sociais e OSCIPs, outras associações civis com finalidade

ligada a desenvolvimento urbano ou regularização fundiária.

Por seu turno, o Projeto de Regularização Fundiária deverá definir, no

mínimo, os seguintes elementos:

I - as áreas ou lotes a serem regularizados e, se houver necessidade,

as edificações a relocar;

II - as vias de circulação existentes ou projetadas e, se possível, as

outras áreas destinadas a uso público;

III - as medidas necessárias para a promoção da sustentabilidade

urbanística, social e ambiental da área ocupada, incluindo as

compensações urbanísticas e ambientais previstas em lei;

IV - as condições para promover a segurança da população em

situações de risco; e

V - as medidas previstas para adequação da infra-estrutura básica.

Esta exigência foi excluída para o registro da sentença de usucapião,

da sentença declaratória ou da planta, elaborada para outorga administrativa de

concessão de uso especial para fins de moradia.

Um dos maiores avanços da nova legislação, na regularização

fundiária de assentamentos consolidados antes da publicação da Lei n°.

11.977/2009, foi conceder ao Município o poder de autorizar a redução do

percentual de áreas destinadas ao uso público e da área mínima dos lotes definidos

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A regularização fundiária 109

na legislação de parcelamento do solo urbano, o que inviabilizava a maioria dos

loteamentos já implantados.

3.1.2.1 A regularização fundiária de interesse social

Esta regularização exige prévia análise e aprovação, pelo Município, de

projeto de regularização fundiária, correspondente ao licenciamento ambiental e

urbanístico do projeto, desde que o Município tenha conselho de meio ambiente e

órgão ambiental capacitado.

O Projeto de Regularização Fundiária de Interesse Social deverá

considerar as características da ocupação e da área ocupada para definir

parâmetros urbanísticos e ambientais específicos; identificar os lotes; identificar as

vias de circulação; identificar as áreas destinadas a uso público.

Fixando em 31 de dezembro de 2007 o marco divisor, poderá, por

decisão motivada, admitir a regularização fundiária de interesse social em APPs,

desde que inseridas em área urbana consolidada e que estudo técnico comprove

que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais em relação à

situação de ocupação irregular anterior.

A grande questão, certamente, será a implantação do sistema viário e

da infra-estrutura básica, previstos no § 6º do art. 2º da Lei nº. 6.766/79, a qual

compete ao poder público e de onde se originarão os recursos e se estes serão

suficientes, podendo inclusive serem efetivadas antes da regularização jurídica das

situações dominiais dos imóveis, ou seja, reconhece-se como consolidada a

situação de fato e nesta é que deverão ser efetivadas as ações.

O pressuposto para a realização do processo de regularização

fundiária de interesse social é a existência de assentamentos irregulares (sem título

de propriedade) ocupados por população de baixa renda e que o Poder Público

tenha interesse em regularizar, ainda que sejam outros os legitimados a darem

início ao processo.

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A regularização fundiária 110

A própria Lei n° 11.977/09 regula amplamente o procedimento, pois

estabelece que a ausência da legislação municipal reguladora específica não

impede a realização da regularização.

Ainda de acordo com a referida Lei, o procedimento de regularização

fundiária de interesse social é desenvolvido a partir da lavratura de Auto de

Demarcação Urbanística pelo órgão do Poder Público interessado em realizar a

regularização fundiária (União, Estado ou Município).

A Demarcação Urbanística não tem o condão de proporcionar a

transferência de propriedade imobiliária, apenas sinaliza a possibilidade de

aquisição da propriedade imobiliária pelo usucapião, bem como não constitui título,

não adquirindo, o Poder Público, qualquer direito real em razão da pura e simples

demarcação, destinando-se ao reconhecimento do fato da posse, não tendo

qualquer natureza de ato expropriatório (desapropriação), tendo capacidade,

apenas, para fundar a matrícula da área demarcada quando esta não possui

matrícula ou transcrição anterior, dispensando ação discriminatória.

O referido auto de demarcação urbanística deve ser instruído com:

I - planta e memorial descritivo da área a ser regularizada, nos quais

constem suas medidas perimetrais, área total, confrontantes,

coordenadas preferencialmente georreferenciadas dos vértices

definidores de seus limites, bem como seu número de matrícula ou

transcrição e a indicação do proprietário, se houver;

II - planta de sobreposição do imóvel demarcado com a situação da

área constante no registro de imóveis; e

III - certidão da matrícula ou transcrição da área a ser regularizada,

emitida pelo registro de imóveis, ou, diante de sua inexistência, das

circunscrições imobiliárias anteriormente competentes.

Abrangendo ou confrontando área pública, os órgãos responsáveis

pela administração patrimonial dos demais entes federados devem ser notificados

para que informem se detêm a titularidade da área, no prazo de 30 dias, sob pena

de prosseguir a demarcação urbanística.

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A regularização fundiária 111

Nas áreas de domínio da União, aplica-se o disposto na Seção III-A do

Decreto-Lei nº. 9.760, de 05 de setembro de 1946, inserida pela Lei nº. 11.481, de

31 de maio de 2007, e nas áreas de domínio dos Estados, DF ou Municípios a sua

respectiva legislação patrimonial, podendo haver regularização fundiária também

nesse imóvel.

A diferença é que, ao final da regularização, o título recebido pelo

beneficiário é de uma concessão de uso especial para fins de moradia (que constitui

direito real) sobre o imóvel público regularizado.

O Procedimento da Regularização Fundiária de Interesse Social exige

que, após a demarcação, o órgão do Poder Público deve apresentar ao RI pedido de

averbação do Auto de Demarcação, o qual identifica o proprietário e a matrícula do

imóvel objeto da demarcação e notifica pessoalmente o proprietário da área, com

prazo de 15 dias para impugnação, também por edital; os confrontantes e

interessados têm o mesmo prazo para impugnação.

Em caso de não localização, o proprietário será notificado por edital

com 15 dias para impugnação, nele constando resumo do auto de demarcação

urbanística com descrição que permita a identificação da área a ser demarcada e

seu desenho simplificado. A publicação do edital deve-se dar em até 60 dias, uma

vez pela imprensa oficial e uma vez em jornal de grande circulação local; diante da

impugnação o poder público deverá se manifestar em igual prazo.

Transcorridos os prazos legais, sem manifestação ou impugnação,

procederá à averbação o auto de demarcação na matrícula do imóvel, a qual deverá

ser aberta se não existir. Entretanto, a demarcação somente poderá ser efetivada

por consenso, ou seja, mediante prévio acordo, podendo inclusive propor a alteração

do auto de demarcação urbanística ou adotar qualquer outra medida que possa

afastar a oposição do proprietário ou dos confrontantes à regularização da área

ocupada ou, ainda, poderá inclusive excluir do auto a área impugnada. Ou seja, a

área a ser demarcada, não poderá sofrer impugnação total e, se parcial, o

procedimento deverá seguir em relação à parcela não impugnada.

Uma vez averbado o auto de demarcação urbanística (LRP, art. 167, II,

n° 26), o Poder Público deverá executar o projeto de regularização e submeter o

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A regularização fundiária 112

parcelamento dele decorrente a registro, devendo ser apresentados os documentos

específicos para tal.

O registro do parcelamento determina a abertura de matrícula para

todas as parcelas resultantes do projeto, as quais não podem ser objeto de

remembramento.

A legitimação de posse devidamente registrada constitui direito em

favor do detentor da posse direta para fins de moradia e, após o respectivo registro

do parcelamento, o poder público concederá título de legitimação de posse aos

ocupantes cadastrados, preferencialmente em nome da mulher, e registrado na

matrícula do imóvel (LRP, art. 167, I, n° 41).

Revestido de precariedade, para que se dê sua conversão em título de

propriedade, torna-se necessário ser provado ou implementado o prazo

constitucional de posse ad usucapionem (CF/88, art. 183).

Entende-se que são diferentes: o instituto da legitimação de posse para

fins de moradia resultante de regularização fundiária de interesse social (Lei

11.977/09, art. 59) e o chamado instituto da concessão de uso especial para fins de

moradia em imóveis da União ou de outros entes federados (Lei nº. 9.636/98, art.

22-A), porque somente esta última foi guindada à condição de direito real, nos

termos do art. 1.225, XI, do Código Civil, com alteração da Lei nº 11.481/07.

Assim, o instituto contemplado no art. 60 propõe a introdução do

Usucapião Extrajudicial no ordenamento e será processado perante o Oficial do

Registro de Imóveis, independendo de qualquer decisão ou homologação judicial,

tendo em vista possuir peculiaridades próprias constituídas de prévio processo de

regularização fundiária de interesse social e, somente, o usucapião especial urbano

(ou constitucional).

Verificando as hipóteses estabelecidas na Lei, surgem situações

diferentes em relação à implementação do prazo da posse ad usucapionem (que é

de cinco anos) nos termos do art. 183 da Constituição Federal de 1988, ou seja, já

caracterizado ao tempo da realização da regularização fundiária ou aguardar o

transcurso desse prazo, por inteiro, o qual será contado a partir do registro da

legitimação de posse.

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A regularização fundiária 113

Para resolver tal questão, deverão surgir fórmulas e a prática

consagrará a mais eficaz, relativa à forma como poderá ser provada a posse

quinquenária anterior à concessão do título de legitimação pelo Poder Público.

Entende-se que não há possibilidade de se requerer a conversão antes do tempo

estabelecido de 5 (cinco) anos de seu registro, salvo por decisão judicial.

Em razão da matéria não ter sido regulada pela Lei, não se pode

entender possível a conversão antes do prazo, mediante simples prova feita, perante

o Oficial do Registro de Imóveis, por documentos ou, ainda, através de testemunhas,

nem sequer por meio de escritura pública de justificação de posse. Não se entende

possível, da mesma forma, reconhecer este direito por prova também produzida pelo

Poder Público, com base em seus registros administrativos que demonstrem a

implementação do prazo de 5 anos, senão judicialmente.

Resta, para se configurar o Usucapião Administrativo, aguardar o prazo

legal para a conversão da posse em propriedade. Cumprido o prazo, é simples a

conversão do registro de posse em registro de propriedade, mediante meras

formalidades e certidões especificas.

3.1.2.2 A regularização fundiária de interesse específico

Este tipo de regularização fundiária regulamentou e, também,

oficializou o que muitos empreendimentos já tentam há vários anos, ou seja, formas

de regularizar a ocupação existente, geralmente em loteamentos de classe média-

baixa, onde, embora possuam infra-estrutura, estas foram executadas fora das

normas urbanísticas traçadas para o local, ou seja, os loteamento irregulares.

Este procedimento para a regularização fundiária, também trazido pela

Lei nº. 11.977/09, não apresenta o caráter social presente na regularização de

interesse social, mas interessa igualmente ao Poder Público, visando à organização

das cidades. Nele há maior rigor quanto aos institutos aplicáveis e às exigências da

legislação urbanística e ambiental.

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A regularização fundiária 114

Dependerá, pois, da análise e da aprovação do projeto de

regularização pela autoridade licenciadora e emissão das respectivas licenças

urbanística e ambiental, devendo observar as restrições à ocupação de APPs e

demais disposições previstas na legislação ambiental, cujo saneamento dependerá

de contrapartida e compensações urbanísticas e ambientais, na forma da legislação

vigente.

Para este procedimento, os ônus da regularização serão partilhados e

serão definidas as responsabilidades respectivas entre poder público, loteador e

população a ser beneficiada com a regularização, pela implantação: do sistema

viário; da infra-estrutura básica; dos equipamentos definidos no projeto de

regularização; e das medidas de mitigação e de compensação urbanística e

ambiental eventualmente exigida (mediante termo de compromisso firmado com a

autoridade).

Devem ser considerados, nesta partilha de responsabilidade, os

investimentos em infra-estrutura e equipamentos comunitários já realizados pelos

moradores e o poder aquisitivo da população a ser beneficiada.

Especificamente, o registro do parcelamento resultante do projeto de

regularização fundiária de interesse específico, nos termos da legislação em vigor, é

basicamente a legislação aplicável a loteamentos, notadamente a Lei nº. 6.766/79,

com as suas especificidades constantes do projeto de regularização aprovado.

É vaga a solução para as glebas parceladas para fins urbanos,

anteriormente a 19 de dezembro de 1979, que não possuírem registro e poderão ter

sua situação jurídica regularizada com o registro do parcelamento, desde que o

parcelamento esteja implantado e integrado à cidade, envolvendo parte ou a

totalidade do parcelamento, apresentada a certificação de que a gleba preenche as

condições da Lei, bem como desenhos e documentos com as informações

necessárias à efetivação do registro do parcelamento.

Certamente, somente as situações de fato serão objeto de profunda

análise em busca da efetivação da função social da propriedade e o resgate da

cidadania de seus proprietários, finalmente com o reconhecimento deste direito.

A Lei nº. 11.977/09, para a sua implementação, promoveu grandes

alterações na Legislação Registral Brasileira, notadamente o Decreto-Lei nº.

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A regularização fundiária 115

3.365/41, a Lei nº. 6.016/73, na qual foram inseridos: o n° 41 no inciso I do art. 167,

para possibilitar o registro da legitimação de posse e o n° 26 no inciso II do art. 167,

para possibilitar a averbação do auto de demarcação urbanística; também foi

acrescentado, no art. 221 da LRP, o inciso V, para admitir como títulos registráveis

os “contratos ou termos administrativos, assinados com a União, Estados e

Municípios no âmbito de programas de regularização fundiária, dispensado o

reconhecimento de firma”; além disso, promoveu alterações no Estatuto da Cidade,

acrescendo dois novos instrumentos de política urbana para o país: demarcação

urbanística para fins de regularização fundiária (alínea “t” do inciso V do art. 4º) e

legitimação de posse (alínea “u” do inciso V do art. 4º).

Enfim, a primeira lei brasileira de regularização fundiária merecerá

redobrada atenção de nossos doutrinadores e da jurisprudência na aplicação da

mesma, diante da realidade frustrante das cidades brasileiras.

A legislação protetora da função social da propriedade surge

efetivamente na legislação e no meio social brasileiro como reflexo da pressão e dos

questionamentos oriundos da própria sociedade. Em nenhum município ocorre

fenômeno diferente: a Prefeitura age urbanizando favelas, sem preocupar-se com o

próprio Plano Diretor e, aguardando as manifestações sociais ou não podendo

contê-las, termina por desapropriar algumas áreas – reflexo claro de medidas

movidas, em sua maioria, por interesses políticos; outras vezes ignora as ocupações

por ser conveniente. As comunidades sem-teto já possuem uma organização própria

para pressionar a Justiça e invadir áreas que julgam ociosas. O Poder Judiciário

espera ser acionado para se posicionar e o Ministério Público se faz omisso na

maioria dos casos de ocupação de terrenos urbanos nas cidades.

O déficit habitacional cresce progressivamente porque se defende,

sobremaneira, o bem individual em detrimento da função social da propriedade.

Os administradores públicos são coniventes e, muitas vezes, cooperam

com as implantações irregulares, uma vez que é um problema a menos (ou a mais)

a ocupação clandestina.

Nesse viés, defende-se que comete crime de improbidade o

Administrador Público Municipal, o Prefeito, por deixar de fazer cumprir lei federal,

conforme define a própria Lei de Improbidade Administrativa – Lei nº. 8.429/92,

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A regularização fundiária 116

especialmente pelos incisos I e II do artigo 11 que estabelecem a improbidade por

omissão da prática ou dever de ofício, ou seja, não impedir a formação de núcleos e

invasões em áreas impróprias ou de forma irregular e clandestina, contrariamente ao

Estatuto da Cidade e legislação inerente ao parcelamento do solo.

3.1.3 O Programa Cidade Legal

Algumas cidades, como iniciativas isoladas, apresentam experiência de

programas de iniciativa pública estadual que unem esforços do Poder Público

Municipal, do Ministério Público, da Comunidade diretamente envolvida e da

sociedade civil de modo geral, e que têm conseguido resultados surpreendentes

indicando a viabilidade do desenvolvimento sustentável, que desafia a criatividade

de todos os setores e “atores” da sociedade.

Existem relatos de práticas corajosas do passado e do presente, que

antes de ferir o princípio da legalidade, deram concreção a outro princípio

igualmente cogente, por ser da essência do próprio Estado – o da Supremacia do

Interesse Público sobre o Privado, entendido o interesse público como uma

dimensão pública dos interesses individuais, como interesse dos indivíduos

enquanto membros do corpo social. E, tais atos, foram praticados não em afronta ao

princípio da legalidade, mas, ao contrário, sob a sua égide com a peculiaridade de

se conceber os antigos institutos e suas próprias funções de Juízes Corregedores,

Juízes de Varas de Registros Públicos, Ministério Público e Administradores

Públicos com novos contornos, numa dimensão mais ampla, compatível com a nova

Ordem Constitucional.

É importante destacar a lucidez dos registradores de imóveis do Brasil,

que se uniram ao Ministério Público, quanto à sua responsabilidade social e à

necessidade de sua ativa participação neste processo de discussão e

amadurecimento, posicionando-se como efetivos agentes para as mudanças.

Torna-se necessária, então, uma regulamentação uniforme para todo o

país, ainda que consistente em normas gerais para a questão da regularização

fundiária, em especial a adequada formalização do procedimento, resguardando-se

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A regularização fundiária 117

direitos individuais e coletivos, numa preocupação com a efetividade das políticas

públicas sem o comprometimento da segurança jurídica.

Um destes casos é o Programa Cidade Legal objeto do Decreto

Estadual nº. 52.052, de 13 de agosto de 2007, precursor inclusive de ações de

regularização fundiária. O Governo de São Paulo criou o Comitê de Regularização,

um espaço importante para a articulação das ações entre os órgãos estaduais, com

o Poder Judiciário, junto ao Tribunal de Justiça, o que resultou no parecer nº. 144,

de 23 de junho de 2008, da Corregedoria Geral da Justiça que orienta os Juízes

Corregedores Permanentes e Oficiais de Registro de Imóveis, aprimorando as

Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, no tocante ao registro

imobiliário de processos de regularização fundiária, notadamente aqueles referentes

a loteamentos irregulares e favelas.

Quando do registro, será necessária a exibição do auto de

regularização pela Prefeitura Municipal, sendo este o principal instrumento de

regularização, em substituição a diversos outros documentos e licenças, antes

exigidos. Nesse documento será registrado que a regularização se deu em

conformidade com o Programa Cidade Legal, com orientação e auxílio técnico

prestados pelo Comitê Estadual de Regularização, acompanhado do correspondente

licenciamento, autorização ou aprovação do órgão estadual, quando for o caso.

Também há tratativas com o Ministério Público para que a Promotoria

de Justiça de Habitação e Urbanismo faça gestões para, por meio do Programa

Cidade Legal e com a participação da Prefeitura Municipal, buscar a regularização

fundiária de qualquer espécie de parcelamento para fins urbanos, quer esteja na

fase de Inquérito Civil, quer na de Ação Civil Pública.

Para consecução de seus objetivos, além de financiar a execução dos

projetos e demais documentos técnicos, a Lei Estadual nº. 13.290/08 garantiu custos

acessíveis para a regularização e construção de habitações, destinadas à população

de baixa renda, em imóveis de interesse social.

O Programa Cidade Legal não só auxilia os municípios nos programas

e ações de regularização de núcleos habitacionais (loteamentos, conjuntos

habitacionais e outros núcleos irregulares ou clandestinos) fornecendo orientação e

apoio técnico, mas diretamente (terceirizando as ações, assumindo o ônus e as

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A regularização fundiária 118

despesas) executando os trabalhos técnicos necessários para a efetiva

regularização.

O Ministério Público tem interesse e legitimidade para acompanhar e,

se necessário, intervir nos procedimentos de regularização fundiária (CF/88, art.

129, II e III), especialmente nas regularizações fundiárias de interesse social

promovidas pelo Poder Público ou por terceiros.

O objetivo da participação do Ministério Público é garantir o acesso à

terra e aos serviços públicos essenciais à população de baixa renda, buscando

efetivar a dignidade da pessoa humana, além de fiscalizar o cumprimento das

diretrizes previstas no Estatuto da Cidade (Lei nº. 10.257/01), no art. 1.228, § 1º, do

novo Código Civil e na Lei nº. 6.766/79.

Nesse contexto, é função do Ministério Público zelar pela legalidade do

ingresso dos planos de regularização sustentável no Registro de Imóveis. São

considerados prioritários para a atuação do Ministério Público, na área de habitação

e urbanismo, os procedimentos de regularização de núcleos urbanos ocupados pela

população de baixa renda ou que possuem risco à vida ou à saúde, sejam ou não

objeto de procedimentos de investigação já instaurados pelo Ministério Público ou de

ações civis públicas promovidas pela instituição.

Entende-se por núcleos urbanos aqueles localizados em áreas públicas

ou privadas compreendendo as ocupações e os parcelamentos irregulares ou

clandestinos, além de outros processos informais de produção de lotes e

edificações, ocupados predominantemente para fins de moradia, implantados sem

autorização do titular de domínio ou sem aprovação dos órgãos competentes, em

desacordo com a licença expedida ou sem o respectivo registro imobiliário.

Além das ações já elencadas para a regularização de imóveis, cabe

destacar, adicionalmente, alguns instrumentos legais de apoio ao desenvolvimento

habitacional que podem ser realizados pelo Município visando ao estímulo à

regularização e à produção habitacional de interesse social tais como: lei que

permita ao Município pagar total ou parcialmente, em caráter de subsídio, as custas

e emolumentos devidos aos serviços notariais e de registro, respeitados os limites

orçamentários e dotações próprias a serem criadas ou suplementadas se

necessário; lei de isenção de Imposto de Serviço de Qualquer Natureza (ISS) na

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A regularização fundiária 119

prestação de serviços destinados a obras enquadradas como empreendimentos de

interesse social, ou para a produção de Habitação de Interesse Social (HIS); lei de

isenção do pagamento de Imposto sobre Transmissão “Inter Vivos” (ITBI) para

lavratura de escritura e demais atos relacionados à transmissão de imóveis ou de

direitos a eles relativos, referente à produção e aquisição de unidades habitacionais

de interesse social; lei de isenção de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU)

para imóveis destinados ou utilizados para implantação de empreendimentos

habitacionais de interesse social, até o lançamento individualizado do imposto

referente às respectivas unidades autônomas; lei de Dação em Pagamento,

permitindo ao Município receber imóvel como pagamento de dívida de IPTU ou de

outras taxas e impostos. Tais medidas poderão permitir o equacionamento fundiário

de áreas para intervenções de regularização de núcleos habitacionais ou para a

construção de habitações de interesse social.

O Programa Cidade Legal busca sacramentar o resgate ao direito à

moradia digna, inserido legalmente no ordenamento urbano com a melhoria da

qualidade habitacional. A regularização dos Parcelamentos do Solo, de Núcleos

Habitacionais e a Reurbanização de Assentamentos Precários e Favelas representa

uma vitória dos segmentos envolvidos na obtenção e concretização de uma

sociedade mais justa, resgatando o direito à segurança de uma moradia legalizada,

de um endereço oficial, de uma cidade mais democrática e eficiente.

No Programa de Regularização – Cidade Legal – caberá às partes:

Governo do Estado de São Paulo, através do Comitê de Regularização do

Programa-Cidade Legal da Secretaria da Habitação, e Prefeitura Municipal, o

desenvolvimento de ações de cooperação técnica descritas no Convênio, em que

cada um, dentro de sua competência, contribuirá para o objetivo comum, ou seja, a

obtenção da regularização dos núcleos habitacionais irregulares existentes no

município.

À Secretaria de Estado da Habitação, através da Secretaria Executiva

do Comitê de Regularização, caberá:

a integração dos órgãos estaduais na busca de soluções e das

ações necessárias para o cumprimento das atividades previstas no

Plano de Regularização;

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A regularização fundiária 120

mobilizar e coordenar os trabalhos com os órgãos estaduais

envolvidos na regularização dos núcleos habitacionais, articulando

ações que vão nortear o exame e a análise técnica para a

regularização pelos municípios;

colaborar com os órgãos municipais no cumprimento das

disposições estabelecidas no presente Manual de Orientação

Técnica;

disponibilizar condições aos Municípios para o desenvolvimento das

atividades técnicas na elaboração dos elementos que viabilizem a

regularização;

fornecer orientação técnica aos Municípios na condução das ações e

na efetivação dos atos técnicos e legais inerentes aos processos de

regularização dos núcleos habitacionais.

Ao Município, caberá:

criar instrumentos legais e regulamentares, que viabilizem a

execução do programa;

integrar as ações das Secretarias e Órgãos Municipais envolvidos na

execução do programa;

expedir os atos administrativos apropriados, no âmbito de suas

atribuições, alusivos à regularidade para cada núcleo habitacional,

tendo como parte integrante o cronograma físico-financeiro de obras

complementares a executar, se necessário;

divulgar à população os parcelamentos e núcleos habitacionais

enquadrados no programa, incluindo placa de obras, quando for o

caso, em modelo a ser fornecido pela Secretaria Executiva do Co-

mitê, observadas as restrições impostas pelo artigo 37, § 1º, da

Constituição Federal;

fornecer todos os materiais e documentos existentes sobre os

núcleos habitacionais a serem regularizados;

disponibilizar, se possível, veículo para a locomoção dos técnicos da

Secretaria da Habitação do Estado, nos trabalhos de campo, bem

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A regularização fundiária 121

como reservar um espaço para os técnicos processarem os

relatórios e a tabulação dos dados coletados;

emitir os atos de regularização dos núcleos habitacionais e enviar a

documentação completa ao Cartório de Registro de Imóveis

requerendo o registro do núcleo habitacional;

quando do registro do núcleo, oficiar a Secretaria Executiva do

Comitê de Regularização – Cidade Legal, informando seu registro e

conclusão dos trabalhos.

Na referida Cooperação Técnica, sob a coordenação da Secretaria

Executiva do Comitê e em parceria com os Municípios, está previsto o

desenvolvimento de estudos e trabalhos de identificação, caracterização e produção

de elementos técnicos que instruam e orientem os processos de regularização a

serem conduzidos pelas Prefeituras.

Os núcleos habitacionais enquadrados no Programa Cidade Legal são

loteamentos e desmembramentos para fins residenciais, conjuntos e condomínios

habitacionais e a reurbanização de assentamentos precários e favelas.

As ações, em conjunto com os técnicos dos Municípios, para o

desenvolvimento de serviços previstos no Programa são, a saber:

1) preenchimento dos questionários com informações físicas,

jurídicas, institucionais e sociais do Município e do núcleo

habitacional;

2) produção de peças técnicas preliminares (Levantamentos

Cadastrais e outros, se necessário);

3) sistematização e análise dos dados e peças técnicas, com

identificação das irregularidades e diagnóstico da situação do

núcleo;

4) avaliação do diagnóstico pelo corpo técnico da Secretaria

Executiva e dos membros do Comitê, no que couber, com a

competente proposição de ações e serviços;

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A regularização fundiária 122

5) produção de peças técnicas e legais necessárias aos processos

de regularização, inclusive os termos de compromisso para a

execução de obras ou serviços, se for o caso;

6) caracterização ambiental, quando necessária, constando no

mínimo os aspectos sócio-ambientais de uso e ocupação do solo,

identificando os passivos e as fragilidades ambientais, bem como

as restrições, potencialidades e as unidades de conservação, a

saber:

6.1. carta topográfica em escala compatível, localizando

precisamente a poligonal de trabalho;

6.2. cadastro de toda a rede hidrográfica que ocorre na gleba

trabalhada, nascentes, córregos (canalizados ou não),

lagos/lagoas (naturais ou antrópicas);

6.3. demarcar ocupação irregular da APP (incluir sempre marcos

cronológicos da ocupação que tenham por objetivo facilitar o

enquadramento legal da intervenção frente à evolução da

legislação florestal no que tange a APP);

6.4. locar faixas de restrição de ocupação segundo as Leis

Federais nº. 4.771/65 e nº. 6.766/79, isto é, APP (art. 2º) e

15 m de corpos d‟água segundo a Lei nº. 6.766/79, locar as

faixas de 0-15 m e 15-30 m;

6.5. elaborar “Quadro de Áreas” discriminando em m² a área de

intervenção dentro da APP, incluindo os percentuais

relativos à área impermeabilizada na APP;

7) projetos de solução de esgotamento sanitário, se for o caso;

8) projetos de intervenção sócio-ambiental na área, com ações

mitigadoras e compensatórias, mesmo que seja para inclusão em

termos de compromisso, se for o caso;

9) projeto urbanístico de regularização e respectivos memoriais;

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A regularização fundiária 123

10) execução, pela municipalidade, das ações administrativas de

ajuste da legislação municipal, se for o caso, e da expedição dos

atos de regularização;

11) requerimento, por parte da municipalidade, ao Cartório de

Registro de Imóveis (CRI) competente solicitando o registro do

parcelamento ou núcleo habitacional regularizado;

12) depois de concretizado o registro do parcelamento ou núcleo, a

Prefeitura deve comunicar à Secretaria Executiva do Programa

Cidade Legal, enviando cópia da matrícula.

É importante refletir sobre este tema e sobre estas propostas a respeito

da regularização fundiária, com compartilhamento de experiências e pontos de vista

técnicos de áreas distintas, convergindo todos para os mesmos fins, a fim de

reforçar a imprescindibilidade do envolvimento interdisciplinar nesta discussão, dada

a relevância de suas participações nos procedimentos que não se resumem em

simples aplicações da lei.

A regularização fundiária consiste em um conjunto de medidas

jurídicas, físicas e sociais a serem adotadas pelo poder público, em acordo com a

comunidade, a fim de expedição de títulos de propriedade em favor dos moradores.

Porém, a titulação das áreas ocupadas por estas comunidades envolve diversos

aspectos e critérios que implicam a caracterização de um processo de regularização

fundiária peculiar. Nesse sentido, embora ainda não vigore um conceito adequado,

podem ser destacados alguns elementos constitutivos da noção de regularização

fundiária dessas áreas:

a) noção de processo: a regularização fundiária dos imóveis, com

vistas à melhoria da qualidade de vida da população moradora e da

expedição dos títulos de propriedade, é um processo físico,

jurídico, social e coletivo sobre o qual incidem diversos

instrumentos jurídicos e etapas legislativas, processuais e

administrativas a serem cumpridas;

b) processo físico: refere-se às ações de medição, delimitação e

demarcação das áreas a serem tituladas, bem como às medidas

adotadas para assegurar o saneamento ambiental destas áreas,

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A regularização fundiária 124

dotando-as de serviços e equipamentos de água tratada, energia

elétrica, sistema de esgotamento sanitário e moradias adequadas;

e aos procedimentos de re-assentamento de comunidades

localizadas no perímetro da área considerada de alto risco;

c) processo jurídico: refere-se aos levantamentos da cadeia dominial,

do título de domínio e outros documentos inseridos no perímetro

dos imóveis, e às medidas judiciais visando à desapropriação de

propriedades de terceiros; às medidas legislativas e judiciais

adotadas para remover/solucionar gravames ambientais,

urbanísticos e administrativos incidentes sobre as áreas; ao

processo de expedição dos títulos de propriedade e o seu registro

no cartório de imóveis;

d) processo social: refere-se ao reconhecimento como “morador” ou

“possuidor” dos imóveis pelas famílias e pessoas envolvidas e ao

processo de registro da respectiva certidão; aos processos de

identificação e reconhecimento das comunidades moradoras

ocupantes de determinada área; às políticas públicas de educação,

saúde, alimentação, trabalho e renda, visando à inclusão social das

comunidades excluídas e marginalizadas; e à participação das

comunidades em todo o processo de regularização fundiária;

e) processo coletivo: refere-se às formas de organização social,

cultural, econômica e religiosa das comunidades que incidem no

processo de apropriação e utilização dos imóveis e dos recursos

naturais necessários a sua subsistência, sobrevivência e

reprodução, os quais devem ser considerados para a expedição

dos títulos coletivos de propriedade em benefício da comunidade,

urbana ou rural.

Estes programas públicos têm como objetivo incluir as famílias na

cidade, eliminando barreiras urbanísticas, administrativas e patrimoniais. A fim de

garantir local de moradia legalizado com infra-estrutura adequada para famílias de

baixa renda. A regularização promovida visa garantir o direito constitucional à

moradia e obedece a critérios estabelecidos na Constituição Federal e no Estatuto

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A regularização fundiária 125

das Cidades, além de enfrentar o desafio da regularização fundiária urbana e

prevenir loteamentos irregulares.

Pretende-se o entrosamento do Governo Federal, que apóia estados,

municípios e associações civis sem fins lucrativos, na promoção da regularização

fundiária de assentamentos informais ocupados pela população de baixa renda.

Segundo estimativa do Ministério das Cidades, 12 milhões de famílias

vivem em assentamentos urbanos irregulares, como favelas e loteamentos

clandestinos. São pessoas que, além da carência de serviços básicos como água,

esgoto, coleta de lixo, iluminação e segurança pública, não têm o registro de suas

terras e nem endereço oficial necessário para a requisição de financiamento

bancário e de crediário, por exemplo.

Estes programas devem atuar em três frentes principais. Na primeira, o

Governo Federal repassa recursos do Orçamento Geral da União para estados e

municípios concretizarem os processos de regularização, com ação conjunta do

Ministério das Cidades, da Secretaria do Patrimônio da União, do Instituto Nacional

de Seguridade Social (INSS) e da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA). A

segunda frente visa à remoção de obstáculos à regularização, tanto os relativos à

legislação como os associados a processos administrativos e judiciais; para isso é

importante a revisão da Lei Federal nº. 6.766/79 que dispõe sobre o parcelamento

do solo para fins urbanos – proposta que já tramita na Câmara dos Deputados. A

terceira frente reconhece a importância dos municípios nesse processo, pois investe

na capacitação de equipes municipais no preparo de publicações, biblioteca virtual

jurídico-legal e um banco de experiências em regularização fundiária.

Postos os instrumentos para a regularização fundiária, inclusive com a

exemplificação de ações isoladas, mas bem sucedidas, de governos estaduais, resta

discutir sobre o objeto deste estudo: questões da responsabilidade sobre a

regularização fundiária de ocupações clandestinas e irregulares, que serão

apresentadas no próximo capítulo.

Temos, portanto, as regularizações fundiárias como ações para se

concretizar o direito à moradia, como direito natural, melhor traduzido nas palavras

de Sergio Iglesias Nunes de Souza:

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A regularização fundiária 126

A justificativa para o direito à moradia ser um direito social permite a possibilidade de maior estruturação da legislação infraconstitucional, no sentido de preservá-lo, a fim de proteger o individuo, sem que, sob o pretexto de proteger a coletividade, seja sacrificado. Ou seja, não se justifica o sacrifício do direito a moradia de uma pessoa ou de algumas delas, sob o pretexto do beneficio social. Se o direito à moradia fosse incluído apenas como direito individual, teria fragilidade diante do interesse da função social que a limita.

O direito de propriedade é exercido plenamente quando limitado pelo interesse social, o mesmo se diga quanto ao direito à moradia. É certo que esse direito se constitui como inerente a cada um, sendo inviolável em qualquer hipótese. A sua inclusão como direito social no texto constitucional tem por objetivo a proteção da sociedade, mas visto com o objetivo de proteção, antes, di individuo. E, nesse caso, não se justifica a lesão desse direito a uma ou mais pessoas, ou apenas parte delas, sob o argumento de que o direito à moradia visa a proteção da função social e, nesse passo, estar-se-ia observando o seu regramento fundamental. Ao contrario, o objeto de norma constitucional é a preservação do direito di individuo à moradia e, em decorrência, atende-se a esse direito em beneficio da sociedade.

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SOUZA, Sérgio Iglesia Nunes de. Direito à Moradia e de Habitação. Análise comparativa e suas implicações teóricas e práticas com os direitos da personalidade. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 122.

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 127

4 A TUTELA COLETIVA PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA DE OCUPAÇÕES CLANDESTINAS E IRREGULARES

Lotear, dividir em lotes, ou ainda parcelar (par.ce.la: sf. parte de algo;

fração; pedaço; quota) são inúmeras denominações possíveis para a prática de

assentamento humano. Estes assentamentos concentram-se em torno da metrópole

e, por exclusão social ou falta de opção, boa parcela nas áreas periféricas onde

dividem minúsculos espaços físicos, sem quaisquer vestígios de cidadania, de forma

totalmente desordenada e à margem da legalidade.

Que autoridade pública desconhece a questão do favelamento e das

invasões implantadas em áreas públicas de alto risco? E este é um tema de políticas

públicas – infelizmente insanável ou não passível de regularização fundiária.

Neste contexto se situam os chamados parcelamentos de solo

irregulares ou clandestinos entre as chamadas áreas imobiliárias regulares, nas

quais os cidadãos possuem seu instrumento de propriedade dentro do conceito

urbanístico, as aglomerações, os favelamentos e invasões de alto risco, cuja solução

é a remoção e re-implantação com um mínimo de dignidade, tomando como

exemplos: Projeto Cingapura, reurbanizações, PAC, etc.

O loteamento clandestino caracteriza-se como ilícito administrativo,

sujeito às sanções previstas na legislação federal e de cada Município, como

desrespeito à legislação urbanística que é. Dentre as sanções destacam-se as de

multa, embargo e demolição, tradicionais em nosso direito administrativo.

A legislação procura dotar o sistema de meios e ações adequadas para

aprimorar e ordenar o parcelamento do solo urbano, entretanto, tem se mostrado

ineficaz e, a cada dia, além de ineficiente tem tornado impunes os seus autores,

quer sejam empreendedores, loteadores, corretores e correlatos, e o que é mais

grave, com a ampla participação de agentes públicos, fiscais e até autoridades, quer

por ação ou por omissão, que estão a cada dia contribuindo para a proliferação e

agravamento deste caos social urbano.

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 128

Incomum é o Município que fiscaliza adequadamente o uso do solo.

Quando ocorre a fiscalização, há grande dificuldade em fazer valer o poder de

polícia. As notificações de infração são solenemente desconsideradas pelos

infratores, que não raras vezes usam seu poder político para corromper, comprar ou

intimidar aqueles se opõe aos objetivos; outras vezes rechaçam com violência e com

apoio da mídia e dos grupos de defesa de direitos humanos, gerando, como

conseqüência, um estado catatônico do Poder Público que se omite, por ser sua

melhor opção, e se constitui numa das principais causas da fragilidade do poder de

polícia municipal.

Este comportamento se reforça na idéia de impunidade e de que a

legislação não tem como atingi-los, eis que voltada apenas na defesa dos interesses

privados contra interesses privados, nunca contra o Estado ou seus representantes.

Entretanto, esta é uma nova era de definição de valores e de ideais de

justiça e de revisão do próprio sistema jurídico no País, que se encontra em

profundas transformações de conceitos e paradigmas, voltando finalmente para a

busca do justo, antes do legal, e para a proteção do coletivo, antes do individual, ou

seja, na busca da verdadeira função social do direito.

Neste contexto, não só os empreendedores e os autores

tradicionalmente conhecidos, mas também as autoridades públicas devem ser

responsabilizadas, e não os Municípios e sua sociedade que, de uma forma ou de

outra, arcarão com os custos sociais das ações preventivas, para impedir a

implantação, ou corretivas, para regularização.

Atualmente, diante de um também novo quadro legal de

responsabilidade social, ambiental, urbanística e fiscal dos governantes, a omissão

das autoridades na fiscalização do uso do solo deve ser caracterizada

explicitamente como uma concreta hipótese de improbidade administrativa e como

crime, tratado adiante, o que permitirá a punição dos administradores coniventes

com os loteamentos clandestinos, cuja conduta é tão ou mais grave que a dos

próprios empreendedores.

A conjugação da legislação federal, estadual e municipal, além de

complexa, torna moroso e oneroso o processo de implantação de loteamento

regular. Poucos Estados são dotados de órgãos concentrados e, quando o são, não

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 129

fiscalizam de forma eficaz nem podem coibir de forma preventiva as atividades

desenvolvidas.

Cumpre percorrer, sem esgotar o tema, algumas das questões que o

tema suscita.

Ser proprietário significa ter o direito de usar, gozar e dispor de um

bem, e bem é toda utilidade material, ou imaterial, sobre a qual incide a faculdade de

agir do sujeito. Para ser considerada plena essa propriedade, há a necessidade de

que todos os seus direitos elementares se achem reunidos no do proprietário. A

Constituição Federal em seu artigo 5º, XXII, assegura esse direito aos adquirentes

de lotes, o seu exercício pleno.

Quando estes preceitos não se encontram evidenciados, por qualquer

que seja o motivo, estes fatores influenciam o comportamento social dos

pseudoproprietários (consumidores), que incertos quanto ao futuro do

empreendimento deixam de edificar sobre seus terrenos. Os que já edificaram

deixam de receber as melhorias devidas não conseguindo, assim, o uso que

originalmente pretendiam. Também não usufruem agradavelmente do direito da

propriedade. Convivem diariamente com a insatisfação de ter seus planos adiados, a

privacidade espiada, a família e os bens a mercê da sorte, dada a falta de

segurança, por não possuírem um “endereço”.

Nem mesmo exercer o direito de dispor do bem podem, não sem

prejuízos, já que o loteamento não se enquadra nos moldes da legislação pertinente,

que impede a regularização documental dos mesmos, estando ora irregulares, ora

na clandestinidade.

Torna-se necessário deixar claro, para melhor compreensão da

situação em comento, o que seja loteamento clandestino e irregular.

Loteamento clandestino é aquele que não existe no mundo jurídico, ou

seja, não foi levado a registro. Já o loteamento irregular é aquele que tendo sido

registrado, o empreendedor não realizou, no tempo hábil, as obras de infra-estrutura

ou, as tendo realizado, o fez em desacordo com o projeto aprovado pelo Poder

Público competente. Sua regularização não demanda apenas o registro do

loteamento como também a realização – nas condições impostas pela lei e pelo

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 130

próprio Município no ato da aprovação do projeto – de todos os atos, obras e

benfeitorias que o loteador estaria obrigado a fazer.

Parcelar o solo, no Brasil, é uma árdua tarefa a ser percorrida pelos

empreendedores o que, muitas vezes e por inúmeras razões e intenções, tende a

não atingir seus objetivos. As etapas determinadas pelas legislações federal e

municipal para se aprovar e/ou regularizar o parcelamento do solo urbano, desde

sua concepção a sua efetiva implantação, com a homologação e arquivamento do

respectivo processo na Prefeitura com matrículas imobiliárias individuais

devidamente registradas, são um verdadeiro calvário.

O sistema traçado pela Lei Federal nº. 6.766/79 se constitui,

basicamente, em um complexo de procedimentos técnico-científicos, jurídicos e de

engenharia, bem como toda uma estratégia de execução da infra-estrutura

concomitantemente com a comercialização dos lotes. Qualquer falha poderá

transformar o sonho em pesadelo, os projetos em dramas.

Inicia-se com o requerimento para se obter diretrizes municipais para o

uso do solo (Arts. 6º e 7º) – muitos sequer avançam deste ponto – e apresentação

dos projetos, contendo desenhos e memorial descritivo, acompanhado do título de

propriedade, certidão de ônus reais e certidão negativa de tributos municipais, todos

relativos ao imóvel (Art. 9º); proceder à aprovação do projeto do loteamento (Art. 12)

e registro do loteamento ao Cartório de Registro de Imóveis (Art. 18), acompanhado

de garantia para a execução das obras (Art. 19), não havendo óbice legal em que o

registro seja feito antes das obras de infra-estrutura.

Neste contexto, as áreas circunvizinhas ao perímetro urbano são o

principal alvo do parcelamento ilegal do solo e onde mais florescem as invasões e a

ação de aventureiros ávidos por lucro fácil.

Com isso, forçoso concluir que o empreendedor que, agindo à margem

da lei, vier a desatender a essas diretrizes incidirá, consequentemente, nas

cominações legais prescritas no citado art. 50 e respectivos incisos e parágrafo

único da aludida Lei nº. 6.766/79.

Cabe aclarar que o mencionado diploma, em seu artigo 51, cuidou de

estender a responsabilidade pelo cometimento da infração a todos aqueles que, de

qualquer modo, venham a concorrer ou somar esforços para a consecução do

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 131

desiderato penalmente reprovável, praticando atos tendentes à viabilização material

do ilícito, inclusive no que toca à venda das frações desmembradas no loteamento

irregular, não sendo, pois, imprescindível que o agente venha a praticar os atos

especificamente descritos no núcleo da norma penal incriminadora. Em não sendo

cumprida qualquer das formalidades por parte dos empreendedores, os

compradores, por seu legítimo interesse e direito, podem proceder a suspensão dos

pagamentos restantes e notificação do loteador para suprir a falta, quando for

verificado que o loteamento não se acha registrado ou regularmente executado (Art.

38).

Por obrigação decorrente de lei, a Prefeitura Municipal (cujo

poder/dever de fiscalização ostenta) ou o Ministério Público deverão promover a

notificação ao loteador prevista no caput deste artigo e na forma determinada pelo

Art. 49 (Art. 38, § 2º).

A efetivação dos depósitos das prestações devidas, deverão ser

realizadas junto ao Registro de Imóveis competente, que as depositará em

estabelecimento de crédito, segundo a ordem prevista no inciso I do Art. 666 do

Código de Processo Civil, em conta com incidência de juros e correção monetária,

cuja movimentação dependerá de prévia autorização judicial no caso de ocorrer a

suspensão do pagamento das prestações restantes, na forma do caput deste artigo

(Art. 38, § 1º), cujo levantamento judicial dos valores depositados somente poderá

ocorrer após ter regularizado o loteamento (Art. 38, § 3º).

Caso desatendida a notificação pelo Loteador para regularização, o

Município/Prefeitura Municipal assumirá o loteamento não autorizado ou executado

sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar

lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos

adquirentes de lotes (Art. 40).

O Município, quando promover a regularização (raramente o faz, sem

ação judicial respectiva) na forma deste artigo, obterá judicialmente o levantamento

das prestações depositadas, a título de ressarcimento das importâncias despendidas

com equipamentos urbanos ou expropriações necessárias para regularizar o

loteamento (Art. 40, § 1º). Se os depósitos feitos não cobrirem as importâncias

despendidas para regularização do loteamento, este exigirá a parte faltante do

loteador (Art. 40, § 2º). No caso de o loteador não cumprir o estabelecido no

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 132

parágrafo anterior, a Prefeitura Municipal poderá receber as prestações dos

adquirentes, até o valor devido (Art. 40, § 3º), podendo, para assegurar a

regularização do loteamento bem como o ressarcimento integral de importâncias

despendidas ou a despender, promover judicialmente os procedimentos cautelares

necessários aos fins colimados (Art. 40, § 4º) contra o loteador, sendo que somente

depois de regularizado é que os adquirentes poderão obter o registro de propriedade

do terreno.

O dever de executar as obras de infra-estrutura e de regularizar o

loteamento é do empreendedor. Na omissão deste, a obrigação é repassada,

prontamente, para o Município por força de disposição expressa do artigo 40 da Lei

Federal nº. 6.766/79, que poderá regularizar loteamento ou desmembramento não

autorizado ou executado em observância das determinações do ato administrativo

de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na

defesa dos direitos dos adquirentes dos lotes.

Uma vez regularizado, as importâncias despendidas pelo Município,

serão exigidas na parte faltante do loteador, aplicando-se o disposto no Art. 47, que

poderá promover judicialmente os procedimentos cautelares necessários aos fins

colimados.

Entende-se que a lei não impõe o dever ao Município de regularizar o

loteamento tão somente quando ele agir com culpa, a única exigência é a de que o

loteador não tenha cumprido essa tarefa. Assim, a responsabilidade do Poder

Público Municipal é objetiva.

A urbanização é tarefa eminentemente pública e o empresário-loteador,

antes de fracionar o solo, deve submeter seu intento às conveniências da

coletividade para que este seja tido por viável, dentro da obrigação da função social

do uso da propriedade.

A realização de loteamento em total desacordo com as leis que regem

o parcelamento do solo constitui-se em ato danoso, capaz de gerar situação

prejudicial para os adquirentes desavisados, bem como para a Municipalidade que

se vê obrigada a conviver com situação de risco potencial e desrespeito ao bem

estar público.

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 133

Neste contexto, o Poder Público municipal tem papel preponderante a

realizar, quer fiscalizando todas as áreas urbanas que compõe o município para

detectar, debelar, coibir e determinar a correção de parcelamentos clandestinos e

irregulares, quer analisando, corrigindo e aprovando projetos de parcelamento; ou

regularizando todos os loteamentos clandestinos e irregulares.

É pela existência de tão grande responsabilidade do Município que a

Constituição da República Federativa do Brasil prevê, em seu artigo 182 (e o recente

Estatuto da Cidade), que compete à Administração Municipal disciplinar, no âmbito

de seu território, o uso da propriedade com o objetivo de ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus

habitantes, devidamente detalhado no respectivo plano diretor que é o instrumento

básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

De pouco adianta ter um plano diretor, como instrumento básico da

política de desenvolvimento e de expansão urbana, se o Executivo se mantém

omisso não o cumprindo nem o fazendo cumprir, bem como é vã a previsão

constitucional de que a propriedade deve atender sua função social se o Poder

Público municipal não toma as medidas necessárias para que tal mandamento se

concretize no município.

Ainda, no sentido de determinar o dever-poder da Administração

Pública de defender o consumidor em geral, dentre eles os que compram ou que se

comprometem a comprar lotes de terrenos, a Carta Política é expressa no Art. 5º,

XXXII, bem como no Art. 170, V, ao regular a ordem econômica fundada na livre

iniciativa, mas assegurando existência digna e justiça social, notadamente na defesa

do consumidor, parte frágil do voraz sistema econômico-financeiro.

Quando a Constituição Federal fala em Estado, ela não está se

referindo apenas aos estados-membros, mas o faz de uma forma genérica,

querendo, com isso, abranger, lato sensu, todos os níveis de Poder, quer seja

Federal, Estadual ou Municipal. Assim é que, constitucionalmente, o Município tem

sim o dever de defender o consumidor e quando não o faz está ferindo o próprio

princípio democrático estabelecido pela Carta Maior, cujo ápice é de que "todo poder

emana do povo e em seu nome deve ser exercido".

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 134

Atendendo a estes princípios constitucionais e ao seu papel legiferante

supletivo, as normas municipais têm disciplinado de forma eficaz a ocupação do solo

urbano de quase todos os municípios brasileiros. É preciso que se ressalte que,

geralmente, os empreendimentos são destinados à habitação da classe pobre,

motivo pelo qual as práticas ilegais devem ser duramente fiscalizadas e combatidas

pelo Poder Público.

Longe de cumprir todos esses deveres, as Administrações Públicas

Municipais, invariavelmente, mantêm-se o tempo todo totalmente omissas e/ou

coniventes, restando somente o Poder Judiciário para que, através de um comando

concreto, exija do administrador público que cumpra a lei, defendendo a coletividade

e o plano diretor de urbanismo.

É ainda previsão constitucional que a responsabilidade da

administração pública é objetiva, nos termos do Art. 37, § 6º, da Constituição da

República Federativa do Brasil, bastando ao lesado comprovar apenas que o nexo

de causalidade seja suficientemente demonstrado.

Mesmo que as leis acima citadas não tivessem fixado, com tanta

clareza, a responsabilidade do Município de regularizar, na omissão do loteador, o

Código de Defesa do Consumidor (CDC) impõe essa obrigação. O CDC estabelece

que são responsáveis solidários todos os que de alguma forma deram causa ao

dano. Nesse sentido, estão os artigos 7º, parágrafo único, e 25, § 1º.

É responsável pela causação do dano quando podia e devia agir para

evitá-lo e nada faz, além de que não deve permitir a venda de loteamentos

clandestinos feita ao consumidor leigo e vulnerável.

Assim, o CDC, para proteger o consumidor, determina:

a) notificação aos adquirentes, como prevê o art. 38, "caput", da Lei

nº. 6.766/79, para que suspendam o pagamento das prestações,

tão logo constatada as irregularidades na execução do loteamento;

b) prevenir os futuros compradores, a fim de evitar provável lesão aos

seus direitos;

c) exigir do loteador as garantias necessárias, com realização da

hipoteca prevista em lei;

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 135

d) promover, de pronto, a regularização do loteamento, como é do

seu dever, para minimizar, os prejuízos do consumidor.

Conforme afirmado que o Poder Público Municipal tem por dever a

obrigação de defender o consumidor, isto compreende, indubitavelmente, o dever de

prevenir os danos.

O Poder Público Municipal é responsável em, diretamente, resguardar

os direitos do cidadão e consumidor, preceitos protegidos, no caso, pela

Constituição Federal, artigos 1º, III; 3º, III e IV; 30, VIII, pelo Código de Defesa do

Consumidor, artigo 6º, X; pela Lei nº. 6.766/79, artigo 38.

Dessa forma, ao se omitir, o Poder Público produz danos aos

consumidores adquirentes, que dada sua omissão foram clandestinamente

parcelados e comercializados. E não é só, toda a sociedade também está sendo

atingida à medida que vê os impostos que recolhe sendo engolidos por uma

máquina administrativa ineficiente, perde também com os impostos que deixa de

arrecadar (IPTU), uma vez que estes lotes não existindo de direito, não são

passíveis de cobrança dos impostos devidos. Portanto, os danos advindos dessa

omissão são muitos e variados.

Os adquirentes das frações ideais do loteamento convivem desde

sempre com problemas de infra-estrutura: falta de saneamento básico, de energia

elétrica, de iluminação pública, de pavimentação, etc.

Dada a inexistência dos equipamentos urbanos os moradores sofrem

com a falta de transporte coletivo, com o mato, o lixo e, quando chove, com a lama.

Não possuem também qualquer equipamento comunitário de educação, cultura,

saúde, lazer ou similares; embora estando estes previstos na Lei nº. 6.766/79, art.

4º, I, § 2º.

Além da norma, a própria saúde e vida do consumidor estão sendo

lesadas.

Não têm esses consumidores a escrituração de seus lotes sob a

alegação de terem adquirido frações ideais de gleba clandestinamente parcelada,

então o prejuízo é certo. Dada a falta de documentação, esses lotes sofrem grande

depreciação e seus proprietários acabam não recebendo o preço justo, na hora da

venda. O dano material está mais que caracterizado.

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 136

Decorre também, da falta de legalização dos lotes, problemas com o

endereço, entendendo-se neste caso com o sinônimo de cidadania, de ser

reconhecido na sociedade formal.

Assim, é incontestável a lesão de Direito Fundamental desses

consumidores: o de habitar com dignidade, e dignidade significa ter respeito e amor

próprios.

Nasce, destas ações e omissões, outro dano: o moral. Este decorrente

das insuficientes condições de habitação enfrentadas por esses moradores,

espoliados também de seu sonho de galgarem vida melhor. O preceito

constitucional, em seu artigo 5º, V e X, salvaguarda a reparação do dano moral,

elevando a obrigação da reparação do dano moral à posição de direito fundamental.

Então, este também deverá ser reparado, sem prejuízo dos danos materiais

supracitados (CDC, Art. 95).

O Município não está tão somente como fornecedor dos serviços

públicos, mas também como sujeito de obrigação, consistente em promover o bem

estar do povo, zelar pelos seus direitos básicos e cumprir e fazer cumprir a lei;

falhando neste mister nasce, inclusive, o dever de reparar os danos causados.

É entendido se tratar, destarte, de obrigação de fazer na hipótese do

art. 11 da Lei nº. 7.347/85 e do Codecon, em seu artigo 84.

Assim, o Município, em casos análogos, deve tomar todas as

providências administrativas para a regularização do loteamento (realização de:

diligências e vistorias na área; embargo do empreendimento; cientificação dos

responsáveis acerca de sua ilegalidade e cadastramento dos adquirentes de lotes,

com vistas à consignação do valor das prestações, com fundamento na norma do

art. 38, § 1º, da Lei nº. 6.766/79), propor, a princípio, Ação Cautelar com pedido de

medida liminar, com vistas à imediata paralisação do empreendimento e, em

seguida, Ação Condenatória a Obrigação de Fazer e de Não Fazer para, através do

Poder Judiciário, obrigar as empreendedoras a respeitar o direito dos consumidores

que foram e que seriam lesados.

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 137

4.1 OS ASPECTOS PENAIS

4.1.1 A responsabilidade e o crime

O Art. 50 da Lei nº. 6.766/79 estabelece como crime contra a

Administração Pública dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento do solo

para fins urbanos sem autorização do órgão público competente ou em desacordo

com as disposições desta lei federal de parcelamento do solo urbano ou das normas

pertinentes dos Estados e Municípios.

O parágrafo único deste Art. 50 prevê a qualificação do crime acima se

ele for cometido por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou

quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em

loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis competente.

Já o Art. 51 prevê que quem, de qualquer modo, concorra para a

prática dos crimes previstos no Art. 50 incide nas penas a estes cominadas e, com

vasta doutrina e jurisprudência dominante no sentido de se tratar de crime de

natureza permanente, consumando-se o ato no momento da realização da conduta

incriminada, postergando-se o momento consumativo ao longo do tempo que

perdura a infração.

A simples omissão de funcionários e representantes do Poder Público,

salvo outros mais graves, constitui crimes de prevaricação, na implantação de

loteamento clandestinos, irregulares e/ou não aprovados e invasões de qualquer

natureza.

A responsabilidade penal dos funcionários se dá principalmente em

função da omissão cometida por eles, já que ela foi relevante. Sem ela, o

consumidor não teria sido ludibriado pelo empreendedor.

Nesse sentido, já advertem diversos juristas que as Prefeituras e os

Administradores Públicos desprezam em absoluto as regras de urbanização e são

responsáveis, ao longo dos tempos, por inúmeros problemas que, em áreas

diferentes, têm recebido mínima atenção e afetado toda a coletividade quanto à

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 138

ocupação desordenada do solo, sendo causa de inúmeros problemas sociais,

ambientais e econômicos por todo o Brasil.

A limitação da poluição a resíduos das indústrias, tenta sanar um

problema que não deveria ter ocorrido: moradias em área estritamente industrial, ou

fontes poluidoras em área residencial. A revitalização de um manancial é correção

de sucessivos erros e omissões, todos impunes, inclusive com a facilitação e até o

incentivo à ocupação das regiões próximas de áreas públicas e de preservação

permanente.

A regularização de loteamentos irregulares, ou clandestinos, tem como

objetivo corrigir a omissão dos antigos (e atuais) administradores. Ou seja, nenhum

dos problemas urbanos surgiram sem o concurso das administrações públicas,

especialmente as municipais. Assim, os representantes do Poder Público,

concorrem de maneira preponderante para que os crimes de parcelamento irregular

ou clandestino do solo sejam praticados.

Esta forma de pensar está assentada no Art. 13, § 2º, a, c, e Art. 29, do

Código Penal, c.c.; Lei nº. 6766/79: Art. 50, I, III, Parágrafo único, I, e Art. 51; e no

Código de Defesa do Consumidor: Art. 66, § 2º, Art. 67 e Art. 75.

Em se tratando de agentes públicos e políticos (prefeito, secretários,

fiscais, etc.), bem como de cargo com as atribuições respectivas, a autoria será

facilmente estabelecida, bem como o dolo inerente ao tipo penal em comento devem

encontrar-se, pois, insofismavelmente demonstrados nas condutas específicas.

A intenção de omitir-se diante da conduta de somar esforços diretos e

aderir ao propósito delituoso de levar a efeito o parcelamento da área para fins

urbanos, em frações, em desacordo com o que preconiza a lei, eclode, com clareza,

a responsabilidade do poder público, do administrador público ou de seus

representantes, que espontaneamente se omitem.

A culpabilidade emerge da própria conduta perpetrada contra legem,

voluntária e conscientemente assumida pelo empreendedor, pelo Administrador e

representantes (com a certeza de impunidade), aderindo aos propósitos delituosos

externados por terceiros também envolvidos no loteamento, ciente da ilicitude da

conduta e assumindo, por conseguinte, as conseqüências do seu comportamento

que, mostrando-se extremamente reprovável e danoso à ordem urbanística

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 139

enquanto bem juridicamente tutelado, assume moldura específica nos contornos da

tipificação penal.

As consequências destas condutas eticamente permissivas dos

Administradores mostram-se graves e irreversíveis, em todo o território nacional,

porquanto o empreendimento não seja obstado pelas autoridades administrativas

responsáveis pela fiscalização, e que devem coibir tais atos ainda no seu

nascedouro zelando pelo implemento de uma política de expansão urbana ordenada

e subordinada aos ditames da lei, transforma-se no carrasco dos problemas sociais

urbanos.

Com o advento da Lei nº. 6.766/79 houve consideráveis modificações

no aspecto criminal do parcelamento do solo urbano. Nos anteriores Decreto-Lei nº.

58 e Decreto nº. 3.079 não haviam normas reguladoras que definissem sanções aos

loteadores ilegais, clandestinos ou irregulares, e estes proliferavam em todas as

partes, isentos de qualquer responsabilidade perante a sociedade. Na Lei do

Parcelamento do Solo Urbano (como crimes contra a Administração Pública), o

agente passivo é o Estado (coletividade – ordem jurídica) e o adquirente, em

loteamento ilegal.

Entretanto, grave é a omissão das administrações, no caso de direito

urbano público protegido, tendo em vista o poder/dever de regular desempenho de

seu poder de polícia urbanística, pois é deste que se vale o Estado para exercer sua

atividade regulamentar do ordenamento das cidades, a fim de evitar os crimes

contra a Administração Pública que ofendem exatamente bens e interesses jurídicos

públicos referentes à atividade administrativa do Estado.

As seis figuras delituosas (Art. 50, da Lei nº. 6.766/79), tipificadas como

crimes contra a Administração Pública, objetivam tutelar a boa-fé dos que procuram

comprar terrenos loteados e tencionam proibir o logro por parte de quem deseja

parcelar o solo urbano de maneira desonesta.

Entretanto, o concursus delinquentium, do Art. 51, procura exasperar a

conduta de quem age na qualidade de terceiro, sendo meramente exemplificativas.

Entende-se que os agentes públicos (todos os que mantêm vínculo com a

Administração Pública), de qualquer esfera de governo, podem ser co-autores

desses crimes por ação ou omissão.

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 140

Discorda-se, aqui, de doutrinas e jurisprudências que insistem na teoria

de impunidade aos terceiros que auxiliam na implantação de parcelamentos de solo

e/ou qualquer forma de comercialização de lotes entendendo não constituir crime,

pois caso contrário todos os corretores e intervenientes nas vendas de lotes

clandestinos seriam co-autores.

Não se trata de punir inocentes. O que se pretende é demonstrar que a

maioria dos empreendimentos ilegais, clandestinos e/ou irregulares, não prosperaria

se não fosse a omissão dos administradores, na implantação, e a ativa ação dos

corretores, na comercialização. A impunidade, destes, é o resultado do caos urbano

atualmente constatado.

A iniciativa da ação penal cabe ao Ministério Público (Código Penal -

art. 100), concluindo-se que nos casos de crimes previstos na Lei nº. 6766/79, a

deflagração processual fica a cargo do Ministério Público, podendo a vitima não

apenas intervir como assistente, como também propor a ação penal de iniciativa

privada, subsidiária da de iniciativa pública, consubstanciada no art. 5º, LIX, da

Constituição Federal de 1988.

A lei que regula o parcelamento do solo urbano deveria ser o

instrumento apto ao Poder Público para dispor acerca do espaço urbano, por meio

de divisão em partes destinadas ao exercício das funções urbanísticas, disciplinando

a ocupação urbana, de forma harmônica, em busca do bem estar da população.

Entretanto, em face da banalização da legislação penal no País, a Lei

nº. 9.099/95 e a Lei nº. 9.714/98 provocaram novamente a isenção quase total de

pena, ou seja, em decorrência dessas mudanças no direito penal, adota-se, nos

crimes de loteamento clandestino, a substituição da pena privativa de liberdade por

distribuição de cestas básicas à população carente.

A solução seria, em uma possível futura alteração na legislação, a

elevação da pena mínima do crime qualificado, com a finalidade precípua de defesa

da coletividade.

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 141

4.2 O PODER DE POLÍCIA NO CAMPO URBANÍSTICO

Diante da lacuna institucional quanto ao exercício do poder de polícia

urbanística, temos que, por ser o Município o ente da federação responsável pelo

controle do uso do solo (CF/88, Art. 30, VIII), a competência da guarda municipal

para a repressão às infrações urbanísticas deve ser considerada plenamente viável,

notadamente em áreas públicas.

As medidas administrativas de embargo e demolição de obras, que são

aquelas mais eficazes e imediatas, têm sido executadas com apoio das Polícias

Militares. Essas, entretanto, são estaduais e não consideram tais ações prioritárias,

preocupadas que estão com a criminalidade em geral.

A Constituição Federal de 1988 determina, "os Municípios poderão

constituir guardas municipais destinadas à proteção dos seus bens, serviços e

instalações, conforme dispuser a lei" (Art. 144, § 8º). Esta redação não impede a

atribuição, às guardas municipais, de competência para atuarem no exercício do

poder de polícia municipal, caracterizando a fiscalização do uso do solo como um

serviço municipal, para cuja proteção ela pode ser utilizada.

O poder de polícia urbanística é o exercício indispensável à

consecução das normas imperativas do Plano Diretor. Não há dúvidas de que é a

Guarda Municipal quem exerce o Poder de Polícia Urbanística, especialmente para

coibir novos assentamentos e invasões, auxiliando a regular a fiscalização. Esta

conjugação entre a fiscalização e o apoio das Guardas Municipais poderia e pode

evitar agravamento da situação fundiária urbana, desde que responsabilizada a sua

omissão, permitindo aos Municípios terem maior agilidade na sua atuação

fiscalizadora.

Outro grave obstáculo ao controle do uso do solo consiste na não

aplicação pelos tribunais do princípio da auto-executoriedade dos atos

administrativos, segundo o qual estes independem de autorização judicial para

serem executados. Discordando de muitos Tribunais, Hely Lopes Meirelles, também

afirma que:

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[...] nenhuma procedência tem a objeção de que a ação sumária da Administração Pública pode lesar o indivíduo, na sua liberdade ou no seu patrimônio. Exigir-se prévia autorização do Poder Judiciário equivale a negar-se o próprio poder de polícia administrativa, cujo ato tem de ser direto e imediato, sem as delongas e complicações de um processo judiciário prévio.

73

Embora universalmente aceito pela doutrina, tal princípio é

frequentemente ignorado pelo Poder Judiciário, o que resulta na concessão de

liminares contra o Poder Público, quando este age diretamente na repressão dos

ilícitos urbanísticos. Além disso, as Polícias Militares recusam-se a obedecer

diretamente ao Município, exigindo ordem judicial para a realização dos atos de

embargo e demolição.

Na prática, raros são os Municípios que dispõem de uma Procuradoria

própria para o acionamento do Poder Judiciário. A maioria meramente comunica a

existência do ilícito ao Ministério Público, para que este promova a Ação Civil

Pública; com isso, sobrecarrega-se a Justiça e perde-se um tempo precioso durante

o qual o assentamento se consolida.

Assim, a auto-executoriedade dos atos administrativos, pelo menos na

esfera urbanística, é medida que reduziria a demanda sobre o Poder Judiciário e o

Ministério Público e permitiria uma atuação imediata das Prefeituras desde os

primeiros atos de ocupação irregular do solo.

O parcelamento irregular do solo está na raiz dos principais problemas

urbanos brasileiros. Embora a responsabilidade direta pela fiscalização do uso do

solo seja dos Municípios, estes não utilizam seu amplo espectro de ações à sua

disposição para aperfeiçoar as instituições existentes. Atitudes e ações concretas

visam contribuir para esse objetivo, corrigindo ambiguidades, preenchendo lacunas

e racionalizando a atuação dos órgãos públicos.

73

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 93.

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 143

4.3 A CARACTERIZAÇÃO COMO IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DA OMISSÃO DAS AUTORIDADES MUNICIPAIS NA FISCALIZAÇÃO DO USO DO SOLO

Como desrespeito à legislação urbanística que é, o loteamento

clandestino constitui, evidentemente, ilícito administrativo sujeito às sanções

previstas na legislação de cada Município. Dentre estas, destacam-se as de multa,

embargo e demolição, tradicionais em nosso direito administrativo.

Raros são os Municípios, no entanto, que fiscalizam adequadamente o

uso do solo. Quando ocorre a fiscalização, há grande dificuldade em fazer valer o

poder de polícia. As notificações de infração são solenemente desconsideradas

pelos infratores.

Uma das principais causas da fragilidade do poder de polícia municipal

é a omissão das autoridades, que muitas vezes são pressionadas por políticos

locais, articulados com os empreendedores ou apenas desejosos de constituir um

eleitorado junto aos ocupantes dos terrenos.

A omissão das autoridades na fiscalização do uso do solo deve ser

caracterizada explicitamente como uma hipótese de improbidade administrativa, o

que permitiria a punição dos administradores coniventes com os loteamentos

clandestinos, cuja conduta é tão ou mais grave que a dos próprios empreendedores.

A presente questão cinge-se a definir sobre a ocorrência ou não de ato

de improbidade administrativa decorrente da omissão do administrador público

municipal e seus agentes em cumprir as disposições da legislação referente ao

parcelamento do solo urbano e do Estatuto da Cidade, permitindo a formação de

parcelamentos clandestinos e irregulares no solo urbano e de expansão urbana

municipal, previsto no artigo 11 da Lei nº 8.429/92, com a incursão nas sanções

previstas no artigo 12, inciso III, da mesma lei.

O art. 11, caput e inciso I, da Lei nº 8.429/92 preconiza:

Art. 11 – Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração Pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 144

[…];

II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

[…].

Conforme se entende a norma possui caráter aberto. Isso exige que a

sua interpretação seja orientada por uma atenção especial. Nas palavras de Mauro

Roberto Gomes de Mattos:

[…] Há que se ter temperamentos ao interpretar a presente norma, pois o seu caráter é muito aberto, devendo, por esta razão, sofrer a devida dosagem de bom senso para que mera irregularidade formal, que não se configura como devassidão ou ato ímprobo, não seja enquadrado na presente lei, com severas punições. […].

74

Neste sentido o STJ já decidiu:

No caso específico do art. 11, é necessária cautela na exegese das regras nele insertas, porquanto sua amplitude constitui risco para o intérprete induzindo-o a acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público e preservada a moralidade administrativa.

75

O art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa versa sobre os atos que

atentam contra os princípios administrativos. Condutas ímprobas, nas quais se

identificam imoralidades. Atentar contra princípios da administração pública por

conduta comissiva exige que se descreva e se indique a natureza volitiva para tanto,

o que, embora contrário a maioria doutrinária, entende-se ser perfeitamente

possível, diante de uma omissão pela implantação de invasões e parcelamentos do

solo de maneira irregular ou clandestina independente do dolo ou má-fé do

administrador, caracterizar-se como ato ímprobo.

Deverá, portando, ser indicado ou comprovado que tal omissão deriva

de um elemento volitivo de caráter negativo por parte do Prefeito, a indicar violação

aos princípios norteadores da Administração Pública, pois simples omissão,

74

MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa. 2. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004, p. 382.

75 BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 480387 / SP, 1ª Turma. Relator: Min.

Luiz Fux. Diário de Justiça da União, 24 maio 2004, p. 163.

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A tutela coletiva penal, civil e administrativa de ocupações clandestinas e irregulares 145

infelizmente, com poucas doutrinas contrárias, desacompanhada de vontade

orientada ao descumprimento da lei não caracteriza ato ímprobo.

Entretanto, em determinadas circunstâncias, de risco a pessoas e a

comunidade, principalmente em áreas sensíveis, de notório conhecimento e ciência

das autoridades públicas, constantes dos Planos Diretores, bem como a indicação

direta, objetiva e calcada em elementos dos fatos que caracterizariam tal elemento

de vontade livre, consciente e deliberada em não cumprir a lei, poderá o mesmo ser

enquadrado com ato de improbidade, mesmo na modalidade culposa.

De mesma forma, podemos elencar os princípios norteadores da

própria lei como o do interesse público, da motivação e da finalidade, da

proporcionalidade e da razoabilidade, porquanto incidem eles tanto na

individualização de uma conduta como ímproba quanto na aplicação das sanções

cominadas a tal ato; tudo com vista a demonstrar que o foco dos atos tem de estar

voltado para o respeito aos princípios constitucionais da boa administração pública.

Esta assertiva, inclusive, é o conteúdo da dissertação de Cláudio Dutra

Fontella, na qual procedendo a uma interpretação sistemática do artigo 11 da Lei n.

8.429/92, concluiu pela possibilidade de cometimento de improbidade administrativa

por violação de princípios na modalidade culposa, apesar de o dispositivo a ela não

se referir. 76

76

FONTELLA, Cláudio Dutra. Improbidade por violação dos princípios da administração: uma abordagem sistemática do art. 11 da Lei n. 8.429/92. 2008. 148 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.

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Conclusão 146

CONCLUSÃO

Existem conflitos dos princípios da nossa Constituição Federal com o

Código Civil Brasileiro e entre esses princípios e a vivência concreta de uma

ocupação de terras urbanas. Esse confronto, entre princípios de racionalidade social

nacional com a realidade existencial de grupos humanos sem-teto, é de valor

inestimável para o entendimento da natureza complexa do fenômeno de ocupação

de terras urbanas.

A questão da moradia deve ser discutida integrada a discussões

contemporâneas de urbanismo e planejamento territorial, como os conceitos de

cidade compacta e cidade periférica, funções do cinturão verde e áreas agrícolas.

A questão ambiental se apresenta por meio do conceito de

sustentabilidade ambiental dos assentamentos humanos, da equidade das

condições de vida, qualidade de vida e biodiversidade. Os métodos respectivos se

embasam em pesquisas recentes sobre habitação, meio ambiente urbano e

sustentabilidade.

De modo geral, do estudo se extraiu um consenso tácito quanto ao

prejuízo público já ocorrente em função dos assentamentos irregulares. Tratou-se de

levantar questões importantes a serem consideradas na busca de soluções de

regularização, com o cuidado de não se perder na discussão estéril de que tais

ocupações são, em sua maioria, incompatíveis com a preservação do meio-

ambiente. Este argumento, não obstante constituir constatação da realidade, não

enfrenta o problema, quedando-se inerte diante da situação posta e,

paradoxalmente, termina por agravar ainda mais o próprio meio-ambiente – base de

sua sustentação. Desta forma, a preocupação com a realidade esteve presente em

praticamente todos os autores pesquisados.

Foi, portanto, com esta responsabilidade, vislumbrando a diretriz do

desenvolvimento sustentável da cidade, que a questão da regularização fundiária foi

tratada durante todo este trabalho.

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Conclusão 147

As novas leis alteraram diversos dispositivos legais, conforme

mencionado no trabalho, acrescentaram outros e criaram novos institutos e outras

diversas formas de aquisição da propriedade. Finalmente, instituiram a gratuidade

no Registro de Imóveis, específicos para regularizações fundiárias de interesse

social e para a primeira averbação de construção residencial.

Assim, sem sombra de dúvidas, o advento dos novos institutos legais

destinados a operacionalizar a regularização fundiária em zonas especiais de

interesse social representa um avanço para a organização das cidades e das zonas

rurais em todos os recantos do país. As ações dos Programas Estaduais e Federais

concretizam um avanço derradeiramente revolucionário na instituição de

instrumentos destinados à regularização imobiliária incidente, também, sobre a

propriedade privada, levando-se em consideração, especialmente, as dificuldades

enfrentadas pela população economicamente mais carente para o desenvolvimento

regular de processos de usucapião que, mesmo na modalidade constitucional (CF,

artigos 183 e 191), demandam estrutura de assistência judiciária disponível,

contratação de serviços técnicos de planimetria nem sempre disponíveis, além da

geração de uma natural sobrecarga de trabalho e outros custos para o desempenho

da atividade jurisdicional.

Estes novos instrumentos poderão contribuir para a regularização

fundiária de inúmeros loteamentos clandestinos e irregulares como efetivação da

função social da propriedade, do direito a moradia regular e o resgate da cidadania e

da dignidade.

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