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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Telma Cristina da Silva Frasca Castelhano Um enfoque da organização composicional de textos “bem formados”, segundo a Fuvest MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO 2016

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · identificar a noção de completude de um texto e buscar uma tipologia textual. Com o desenvolver da

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Telma Cristina da Silva Frasca Castelhano

Um enfoque da organização composicional de textos “bem formados”,

segundo a Fuvest

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

SÃO PAULO

2016

2

Telma Cristina da Silva Frasca Castelhano

Um enfoque da organização composicional de textos “bem formados”,

segundo a Fuvest

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para a obtenção

do título de MESTRE em Língua Portuguesa,

sob a orientação da Profª Dr.ª Regina Célia

Pagliuchi da Silveira.

SÃO PAULO

2016

3

Banca examinadora

4

Agradecimentos

À minha orientadora Regina Célia Pagluichi da Silveira, pelos ensinamentos,

encontros, beijos, cafés, desafios, abraços, carinho, incentivo, pelas conversas,

dedicação, paciência, exigência, atenção, ternura, simpatia, firmeza, solidez,

segurança e confiança;

À Professora Irenilde Pereira dos Santos, pela suavidade, leitura minuciosa e

pelas sugestões no momento de qualificação;

À Professora Jeni Silva Turazza, pela simpatia, leitura atenta e pelas questões

levantadas na qualificação;

A todos os meus professores : Neusa Barbosa Bastos, Luiz Antônio Ferreira,

Sueli Cristina Marquesi, Ana Rosa Ferreira Dias, João Hilton Sayeg Siqueira,

que participaram ativamente da minha formação profissional;

À Pontifícia Universidade Católica, instituição que tenho muito apreço e

carinho, pelo acolhimento;

À CAPES, pela bolsa concedida;

À Dinalva Torres Nelessen, pelo incentivo ao meu ingresso no mestrado, pela

confiança, pelo apoio e algumas dispensas do Colégio São Teodoro de Nossa

Senhora do Sion para cumprimento de compromissos do curso;

Ao meu marido, Carlos Eduardo, pela paciência e por ter sido minha base, meu

porto seguro, meu protetor em todos os momentos;

À minha família, que está sempre ao meu lado;

5

A todos os amigos que fiz durante o curso, em especial ao Carlos Mesquita,

que participou ativamente da revisão desta pesquisa.

6

CASTELHANO, Telma Cristina da Silva Frasca. Um enfoque da organização

composicional de textos “bem formados”, segundo a Fuvest. Dissertação

de Mestrado. Programa de Estudos Pós-graduados em Língua Portuguesa.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil, 2016.

RESUMO

Esta dissertação se insere na linha de pesquisa “Texto e Discurso nas

modalidades oral e escrita”, do Programa de Pós-Graduados em Língua

Portuguesa da PUC-SP. O objetivo geral é contribuir com professores e alunos

na situação de preparação para prestar o vestibular, com resultados que

possam oferecer orientações a respeito da produção de textos dissertativos. Os

objetivos específicos são: destacar as sequências textuais e suas incrustações

no esquema textual dos textos considerados modelo pela banca corretora da

Fuvest; confrontar o ponto de vista projetado pelo texto reduzido proposto pela

Fuvest como ponto de partida para a produção das redações pelo candidato,

com a projeção de um novo ponto de vista selecionado pelo candidato, tendo

por parâmetro a compreensão do tema reduzido proposto, ou seja, a estratégia

utilizada para a construção opinativa; evidenciar a tematização e expansões

por progressão semântica das redações consideradas “bem escritas”, ou seja,

a referenciação. A fundamentação teórica situa-se na Linguística Textual e,

mais especificamente, na Análise Textual dos Discursos. Para atingirmos

nossos objetivos, buscamos os estudos das sequências textuais em Adam

(2011) e os estudos de Silveira (2012) sobre o gênero dissertativo de uma tese

e de duas teses. Os resultados obtidos das análises apontam que: a sequência

explicativa hierarquizada é mais recorrente nos textos publicados pela Fuvest

que a sequência argumentativa; há progressão semântica por tematização por

meio do ponto de vista novo selecionado pelo candidato.

Palavras-chave: Texto dissertativo. Sequência textual argumentativa.

Sequência textual explicativa. Redações modelo segundo corretores da Fuvest.

7

CASTELHANO, Telma Cristina da Silva Frasca. Focus on compositional organization of "Well formed" texts according to Fuvest. Master’s Thesis. Program of Postgraduate Studies in Portuguese Language. Pontifícia Universidade de São Paulo, SP, Brasil, 2016.

ABSTRACT

This work is related to the research line "Text and Discourse in oral and written

forms" of Postgraduate Program in Portuguese Language of PUC-SP. The

general objective is to contribute to teachers and students regarding the

preparation for taking entrance examinations with results that might provide a

guideline on textual production of dissertative texts. The specific objectives are:

highlight the text sequences and their encrustation on the textual scheme of the

texts that are considered as model by the board that corrects the exams of

Fuvest; confront the point of view projected by the reduced text proposed by

Fuvest as a starting point for the production of essays by the applicant, with the

projection of a new point of view selected by the candidate, having as

parameter the understanding of the reduced proposed theme, i.e. the strategy

used for the opinionated construction; highlight the theming and expansions by

semantic progression of essays considered "well written", i.e. referral. The

theoretical foundation is based on Textual Linguistics and, more specifically, in

Textual Analysis of Discourses. To achieve our goal, we followed the study of

textual sequences of Adam (2011) and the studies of Silveira (2012) on the

argumentative text of a thesis and two theses. The results of the analyzes

indicate that: the hierarchical explanatory sequence is most frequent in the texts

published by Fuvest compared with the argumentative sequence; there is

semantic progression by theming through the new point of view selected by the

candidate.

Keywords: Argumentative text. Argumentative textual sequence. Explanatory

text sequence. Model of Essays according to Fuvest.

8

LISTA DE ESQUEMAS

Esquema 1: Níveis ou planos da análise do discurso ............................... 42

Esquema 2 : Operações de textualização ................................................. 44

Esquema 3: A sequência narrativa ............................................................ 48

Esquema 4: A superestrutura do texto argumentativo ............................... 48

Esquema 5: A sequência argumentativa ................................................... 49

Esquema 6: A sequência explicativa ......................................................... 49

Esquema 7: A sequência dialogal .............................................................. 50

Esquema 8: Estruturação sequencial ........................................................ 51

Esquema 9 : Ligações textuais .................................................................. 52

Esquema 10: Dissertativo de uma tese ..................................................... 60

Esquema 11: Dissertativo de duas teses .................................................. 61

Esquema 12: Esquema textual dos textos “Pontos de Vista” ................... 62

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................... 11 CAPÍTULO I: CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA .............................. 15 1.1 O problema ................................................................................ 15 1.2 O gênero dissertativo em manuais didáticos ............................ 16 1.3 A Fuvest .................................................................................... 20

1.4 Os critérios de correção da Redação, segundo o Manual do Candidato ........................................................................................ 30

CAPÍTULO II : UM BREVE HISTÓRICO DA LINGUÍSTICA TEXTUAL .... 34

2.1 Texto e Discurso ........................................................................ 34 2.2 A virada pragmática ................................................................... 38 2.3 A virada cognitivista ................................................................... 38 2.4 A perspectiva sociocognitivo-interacionista ............................... 40 2.5 Tendências atuais e principais perspectivas ............................. 41 2.6 A análise textual dos discursos ................................................. 42

CAPÍTULO III: AS SEQUÊNCIAS TEXTUAIS, O GÊNERO DISSERTATIVO E A REFERENCIAÇÃO ................................................................................. 45 3.1 As sequências textuais .............................................................. 45 3.1.1 A sequência descritiva ................................................. 46 3.1.2 A sequência narrativa .................................................. 47 3.1.3 A sequência argumentativa ......................................... 48 3.1.4 A sequência explicativa ............................................... 49 3.1.5 A sequência dialogal ................................................... 50 3.2 Incrustações, hierarquia e plano de texto ................................. 50

3.3 O texto expandido ..................................................................... 53 3.4 Gênero ....................................................................................... 55 3.5 O gênero dissertativo ................................................................ 59 3.5.1 O gênero dissertativo de uma tese .............................. 59 3.5.2 O gênero dissertativo de duas teses ........................... 60 3.6 O processo de referenciação .................................................... 62 CAPÍTULO IV: OS ESQUEMAS TEXTUAIS, A CONSTRUÇÃO OPINATIVA E A REFERENCIAÇÃO ................................................................................. 65 4.1 Procedimentos analíticos .......................................................... 65 4.2 A proposta ................................................................................. 66 4.3 Sobre o corpus .......................................................................... 68 4.4 Análise do corpus ...................................................................... 68

4.4.1 Texto 1: A perda de referências e o consumismo na globalização .......................................................................... 68

4.4.1.1 O esquema textual ......................................... 69 4.4.1.2 A construção opinativa ................................... 70 4.4.1.3 A referenciação .............................................. 72

4.4.2 Texto 2: Ditadura da propaganda ................................ 75 4.4.2.1 O esquema textual ......................................... 76

10

4.4.2.2 A construção opinativa ................................... 77 4.4.2.3 A referenciação .............................................. 79

4.4.3 Texto 3: As catedrais de Xangai .................................. 82 4.4.3.1 O esquema textual ......................................... 83 4.4.3.2 A construção opinativa .................................. 85 4.4.3.3 A referenciação .............................................. 87

RESULTADOS PARCIAIS ........................................................................ 91 4.4.4 Texto 4: Apenas uma contestação .............................. 92

4.4.4.1 O esquema textual ......................................... 93 4.4.4.2 A construção opinativa ................................... 94 4.4.4.3 A referenciação .............................................. 95

4.4.5 Texto 5: Consumismo e felicidade ............................... 98 4.4.5.1 O esquema textual ......................................... 99 4.4.5.2 A construção opinativa ................................... 100 4.4.5.3 A referenciação .............................................. 102

4.4.6 Texto 6: Do consumo ................................................... 105 4.4.6.1 O esquema textual ......................................... 106 4.4.6.2 A construção opinativa ................................... 107 4.4.6.3 A referenciação .............................................. 108

RESULTADOS PARCIAIS ......................................................................... 112 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 114 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 118 ANEXOS .................................................................................................... 123

11

INTRODUÇÃO

Esta dissertação se insere na linha de pesquisa “Texto e discurso nas

modalidades oral e escrita”, do Programa de Estudos Pós-Graduados em

Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Temos,

como tema, a organização composicional de textos produzidos por alunos,

candidatos da Fuvest e avaliados como “bem formados” pela Banca Corretora

da Fuvest.

Justificamos o tema, pois, após a correção da Fuvest, os textos

considerados pela banca bem escritos são publicados como modelo para

orientar futuros candidatos ao vestibular. Todavia, não há a indicação dos

critérios seguidos pelos avaliadores para aprovação dos textos produzidos.

Sendo assim, esta dissertação tem, por objetivo geral, contribuir com

professores e alunos na situação de preparação para prestar o vestibular, com

resultados que possam oferecer orientações a respeito da produção de textos

dissertativos.

São objetivos específicos:

- destacar as sequências textuais e suas incrustações no

esquema textual dos textos considerados modelo pela banca

corretora da Fuvest;

- confrontar o ponto de vista projetado pelo texto reduzido

proposto pela Fuvest como ponto de partida para a produção das

redações pelo candidato com a projeção de um novo ponto de

vista selecionado pelo candidato, tendo por parâmetro a

compreensão do tema reduzido proposto, ou seja, a estratégia

utilizada para construção opinativa;

- evidenciar a tematização e as expansões por progressão

semântica das redações consideradas “bem escritas”, ou seja, a

referenciação.

A pesquisa realizada tem um procedimento teórico-analítico e um

método quantitativo-qualitativo para análise documental. Todos os documentos

12

redacionais analisados correspondem ao total das redações modelo publicadas

pela Fuvest, Fundação para o vestibular, em 2013. Este total é de 27

documentos redacionais. Após as análises realizadas, verificamos que 24

foram compostos com a hierarquização textual da sequência explicativa e

apenas 3 com a sequência argumentativa. Foram selecionados, a título de

exemplificação, 6 documentos redacionais: 3 (o total) com a sequência

argumentativa e 3 (dos 24 por apresentarem tematizações diversificadas em

relação aos demais) com a sequência explicativa.

As análises realizadas foram orientadas pelas propostas de Adam

(2011) e de Silveira (2012). Segundo Adam (2011), a Linguística Textual

instaurou-se e desenvolveu-se separadamente da Linguística do Discurso. O

objeto de estudo da Linguística Textual é o texto bem formado e as tarefas

privilegiadas pelos linguistas textuais são tratar da coesão e coerência,

identificar a noção de completude de um texto e buscar uma tipologia textual.

Com o desenvolver da Linguística Textual, vários tipos de texto foram

propostos. Ocorreu uma variação tipológica, pois, segundo Isenberg (1987), os

estudiosos de textos adotaram critérios diferentes para organizar suas

tipologias.

Os tipos textuais apresentados, por exemplo, foram:

- as superestruturas textuais, entre as quais a da história, a do relato científico

ea da notícia;

- os tipos de texto de enunciação fixa (por exemplo, protocolo, B.O. e abaixo-

assinado);

- textos de enunciação variável;

- textos monológicos e textos dialógicos/ polifônicos etc.

O autor propõe que uma tipologia de texto deveria ser elaborada a partir

de classes de texto, por exemplo, textos poéticos, textos com predominância

da auto manifestação, textos com predominância exortativa, textos com a

predominância da informação etc.

Adam desenvolveu uma série de estudos a respeito da superestrutura

dos textos até que, em 2011, fez uma proposta de tratar não dos tipos, mas

também dos gêneros textuais. Portanto, seria necessário associar a Linguística

Textual à Linguística Discursiva: seria uma análise textual-discursiva dos

textos. Sendo assim, diferencia textos primitivos de gêneros textuais. Os tipos

13

de texto passam a ser tratados pelo autor como sequências textuais a saber:

narrativa, descritiva, explicativa, argumentativa e dialogal.

Os gêneros textuais são textos em uso interacional comunicativo aceitos

socialmente e eles se definem por uma organização composicional hierárquica

de sequências, sendo que a mais alta é o eixo central em que se incrustam as

demais sequências selecionadas para a definição de um gênero textual.

Silveira (2012) tem, por objetivo, tratar dos textos do discurso científico

e, entre esses, situa os textos dissertativos acadêmicos, que, segundo ela, são

organizados por uma ou duas teses.

Os textos de uma tese são produzidos no contexto situacional e

discursivo em que os participantes são assim definidos: o locutor tem a posse

do saber e dirige-se a seus interlocutores que desconhecem a área e o tema

tratado por ele. Sendo assim, os interlocutores não têm nenhuma opinião já

formada acerca do que está sendo tratado no discurso.

Os textos de uma tese são definidos, na sua organização coesiva, por

redução > expansão e tem, por objetivo, oferecer ao interlocutor um conjunto

de conhecimentos de forma a produzir, para ele, as inferências que o autor

intenciona que ele faça. É a partir da redução > expansão que se apresenta a

justificativa da tese proposta.

O dissertativo de duas teses é produzido na situação discursiva

conflitante na qual o locutor tem a intenção de levar seus inerlocutores a

abandonar a opinião que eles já têm construída a respeito da área e do tema

tratado. Sendo assim, o texto dissertativo de duas teses progride com a

sequência: tese 1 (opinião já formada, atribuída aos interlocutores) > contra-

argumentos > argumentos > tese 2 (opinião do locutor).

O termo “tese” é definido como uma conclusão que contém a opinião do

locutor. Toda opinião, segundo van Dijk (1997), é um conhecimento avaliativo,

ou seja , uma crença.

Esta dissertação está composta por 4 capítulos. No primeiro,

contextualizaremos nossa pesquisa e definiremos o problema. No segundo,

faremos uma revisitação no percurso da Linguística Textual da segunda

metade da década de 1960 até os dias de hoje. No terceiro capítulo,

apresentaremos as sequências textuais, propostas por Adam; em seguida,

abordaremos o gênero; por fim, a referenciação, para verificarmos a

14

manutenção temática do nosso corpus. No quarto capítulo, procederemos à

análise do corpus e verificaremos as sequências textuais que organizam os

textos considerados “de bom nível” pela banca corretora da Fuvest.

15

CAPÍTULO I : CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA

1.1 O problema

Diversos vestibulares utilizam o texto dissertativo, além das questões ou

testes, como forma de selecionar os candidatos que ingressarão na

universidade. Entendemos, portanto, que é um gênero textual que merece

destaque. É por meio dele que os corretores avaliam se o candidato foi capaz

de compreender a proposta, se soube selecionar, relacionar, organizar e

interpretar informações, fatos e opiniões para desenvolver a temática proposta

com adequação.

É por meio da escrita que o corretor, representante da universidade,

avalia as formações discursivas do estudante, a utilização da norma de padrão

gramatical, o conhecimento de mundo, o posicionamento do candidato em

relação ao tema, os interdiscursos presentes, ou seja, a capacidade de

relacionar diversas áreas do conhecimento com um mesmo tema, a coesão e a

coerência textual.

O texto dissertativo é privilegiado nas universidades como texto

acadêmico. Estudos já realizados, de forma geral, definem o texto dissertativo

acadêmico como opinativo.

A Fuvest é considerada o parâmetro para a elaboração de vestibulares e

também para os professores de Ensino Médio proporem suas aulas de

redação.

Anualmente a Fuvest publica redações consideradas, pela banca

examinadora, textos “bem formados”. A apresentação desses textos, no site,

inicia-se com a inscrição: Exemplos de redações consideradas de bom nível

pela Banca Corretora por terem atendido, total ou parcialmente, os aspectos

avaliados: tipo de texto e abordagem do tema, estrutura, expressão.

Portanto, há a pretensão de que aspectos linguísticos (“tipo de texto”,

“estrutura”) e discursivos (“abordagem do tema” e “expressão”) sejam

criteriosamente avaliados pela instituição.

Como se trata de um domínio público, todos podem ter acesso a esses

textos “de bom nível”. Os estudantes do 3º ano do Ensino Médio, estando em

16

fase preparatória para o vestibular, frequentemente acessam o site (na maioria

das vezes, pela indicação do professor de educação básica, pois nem todos os

estudantes o conhecem) e tentam encaixar os textos lidos em uma “receita”

para assim reproduzi-la em diversas avaliações escolares ou vestibulares.

Todavia, a mídia publica, constantemente, a correção de textos

dissertativos feita pelos corretores do ENEM (Exame Nacional do Ensino

Médio). Recentemente, a rede Globo, por meio do programa Fantástico,

veiculou uma reportagem em que alguns jornalistas se inscreveram para a

realização do ENEM e, após obtenção da nota do texto dissertativo, a matéria

apresentou como resultado a ineficiência, falta de critérios, extrema

subjetividade e disparidade na menção alcançada.

A não concordância com a nota obtida sempre esteve em discussão

pelos estudantes, por meio da mídia. Sendo assim, entendemos que há uma

incongruência entre a correção dos examinadores e a que os alunos desejam

ou esperam.

Nesse sentido, revimos alguns manuais didáticos. Entendemos que essa

revisão era importante a fim de confrontá-la com a organização composicional

das redações consideradas de “bom nível” pelos corretores da Fuvest.

1.2 O gênero dissertativo em manuais didáticos

Selecionamos três manuais didáticos para representarem o que é

proposto pelas instituições escolares para o ensino do texto dissertativo. Eles

foram escolhidos tendo por critério o prestígio de seus autores entre os

professores do curso do Ensino Médio e cursos preparatórios para o vestibular.

Terra e Nicola (2002, p.43) descrevem:

Muitos dos textos que produzimos, sejam eles escritos ou falados, são

motivados pela nossa necessidade de expor um ponto de vista, defender uma

ideia ou questionar algum fato. São os chamados textos dissertativos.

Quando os produzimos, devemos observar certas normas de organização

bastante particulares.

Em geral, para se obter maior clareza na exposição do ponto de vista,

distribui-se a matéria em três partes:

17

- introdução – em que se apresenta a ideia ou ponto de vista

que será defendido;

- desenvolvimento ou argumentação – em que se

desenvolve o ponto de vista (para convencer o leitor, é preciso

usar uma sólida argumentação, citar exemplos, recorrer a

opiniões de especialistas, fornecer dados etc.);

- conclusão – em que se dá um fecho coerente com o

desenvolvimento, com os argumentos apresentados.

Cereja e Magalhães (2005, p.289) intitulam um capítulo como “O texto

dissertativo- argumentativo” e afirmam:

Nas aulas de produção de textos, tradicionalmente a escola tem

trabalhado com um tipo de texto chamado dissertação. Alguns exames de

seleção, como os vestibulares e os chamados vestibulinhos para as escolas

técnicas e para escolas do ensino médio, também exigem a produção de um

texto dissertativo.

Dissertar é o mesmo que explanar sobre um tema, desenvolvê-lo. Em

princípio, o texto dissertativo não está comprometido com a persuasão, e sim

com a transmissão de conhecimentos. Apesar disso, os temas propostos para

o texto dissertativo são quase sempre polêmicos – maioridade penal,

desarmamento, violência urbana, meio ambiente, ética. Por essa razão, o que

se espera é um texto em que seu autor analise e discuta o tema proposto,

defenda seu ponto de vista e, às vezes, proponha soluções.

Além disso, a dissertação escolar apresenta uma estrutura formada por

três partes convencionais – a tese (ou a ideia principal), o desenvolvimento e a

conclusão -, que coincidem com a estrutura da maior parte dos gêneros

argumentativos.

Continuam:

O texto dissertativo apresenta três partes essenciais: uma introdução,

na qual é exposta e tese ou a ideia principal que resume o ponto de vista do

autor acerca do tema; o desenvolvimento, constituído pelos parágrafos que

explicam e fundamentam a tese; e a conclusão.

(Cereja e Magalhães, 2005, p.290)

18

Seguem:

O desenvolvimento é formado pelos parágrafos que fundamentam a

tese. Normalmente em cada parágrafo é apresentado e desenvolvido um

argumento. Cada argumento pode ser desenvolvido por meio de

procedimentos como: comparação, alusão histórica, citação, exemplificação,

oposição ou contraste, definição, apresentação de dados estatísticos, relação

de causa.

(Cereja e Magalhães, 2005, p.291)

Finalizam:

O texto dissertativo-argumentativo faz uso de dois tipos básicos de

conclusão: a conclusão-resumo, que retoma as ideias do texto, e a conclusão-

sugestão, em que são feitas propostas para a solução de problemas.

(Cereja e Magalhães, 2005, p.291)

Rosado (2011, p.73) afirma:

A rigor, a dissertação é uma estrutura tripartida: tese (ou proposta),

desenvolvimento (ou argumentação) e fecho (conclusão).

A tese equivale a uma proposta que fazemos ao nosso leitor-corretor: é

sobre o que vamos falar, defender. É como se você apresentasse seus pontos

de vista iniciais e que serão desenvolvidos ao longo do que escreverá.

O desenvolvimento é a grande “prova dos nove”: é argumentação pura,

com exemplos, aproximações, citações. É ali que seu corretor centrará a mais

aguda observação; e é ali também que você, caso não saiba adequadamente

sobre o assunto, poderá tirar sua menor nota apreciativa. Quem lê está

informado sobre os fatos e passa por esta parte com facilidade e rapidez.

O fecho é a parte última, a finalização de todos os registros, ideias e

especulações contidas no texto. A melhor maneira de “fechar” um texto é

supondo algo, fazendo uma hipótese.

Em síntese, a revisão dos manuais didáticos feita indica que a

composição do texto dissertativo tem suas origens em Aristóteles. Este

apresenta o texto a partir de três partes: introdução (do geral ao particular),

desenvolvimento (progressão de argumentos) e conclusão (o posicionamento

do autor). Sendo assim, verificamos que os manuais didáticos aperfeiçoam o

modelo de Aristóteles.

19

No que diz respeito à introdução:

- Terra e Nicola (2002): a introdução apresenta a ideia ou ponto de vista

que será defendido;

- Cereja e Magalhães (2005): a introdução é designada tese (a ideia

principal);

- Rosado (2011): coincide com Cereja e Magalhães, designando a

introdução por tese.

No que se refere ao desenvolvimento:

- Terra e Nicola (2002): desenvolvimento é onde se desenvolve o ponto

de vista a partir de uma sólida argumentação;

- Cereja e Magalhães (2005): desenvolvimento são os parágrafos que

fundamentam a tese, sendo que cada parágrafo apresenta e desenvolve

um argumento;

- Rosado (2011): desenvolvimento é a argumentação pura.

No que se refere à conclusão:

- Terra e Nicola (2002): conclusão é o desfecho coerente com os

argumentos apresentados;

- Cereja e Magalhães (2005): desenvolvimento e conclusão são as

partes maiores da estrutura dos gêneros argumentativos. Há conclusão-

resumo, que retoma as ideias do texto, e conclusão-sugestão, que

compreende as propostas para a solução de problemas;

- Rosado (2011): a conclusão é designada fecho por ser a maneira de

fechar um texto, e a melhor forma de fazer isso é supondo algo, fazendo

uma hipótese.

A organização composicional do texto dissertativo, segundo os manuais

didáticos, indica uma não correspondência com a estrutura composicional das

redações consideradas de bom nível pelos corretores da Fuvest,

20

principalmente no que se refere ao dissertativo de duas teses, que nem é

abordado pelo manuais.

Além disso, o texto dissertativo não é tratado como um texto opinativo.

Segundo Terra e Nicola (2002), dissertar é expor um ponto de vista, defender

uma ideia ou questionar algum fato. Segundo Cereja e Magalhães (2005),

dissertar é o mesmo que explanar sobre um tema, desenvolvê-lo. Segundo

Rosado (2011), a tese equivale a uma proposta a respeito do que vamos falar,

defender, logo nenhum dos autores revistos tratam da construção da opinião

de forma a considerá-la como um conhecimento avaliativo.

1.3 A Fuvest

Selecionamos como corpus de nossa pesquisa textos dissertativos

publicados como modelo pela Fuvest. Mas por que decidimos adotar como

referência os textos que a Fuvest publica anualmente? Nesta seção,

responderemos a essa pergunta.

Fuvest é acrograma de Fundação para o Vestibular, esta vinculada

fundamentalmente à USP, Universidade de São Paulo. Constitui-se em uma

fundação de direito privado, sem fins lucrativos e com a finalidade precípua de

cuidar do exame vestibular, de acordo com as diretrizes do Conselho de

Gradução.

A palavra “vestibular” surge como referente aos “vestíbulos”. Vestíbulo,

no que se refere aos espaços arquitetônicos, pode se referir ao espaço entre a

porta principal e a escadaria interior, à entrada de um edifício, ao espaço que

antecede a entrada desse edifício ou mesmo à porta principal. Sendo assim, o

vestibular é condição para ingresso em algo superior: o princípio de uma

“escada” social, o que o ensino universitário representa no Brasil. Esta é a

simbologia implícita no termo e, exatamente por causa dela, o vestibular

representa um momento de tanta importância na vida das famílias e das

universidades.

O exame vestibular surgiu em 1911. O ministro da Justiça e de Negócios

Interiores, Rivadário Corrêa, empreendeu uma reforma no ensino. E uma delas

foi a obrigatoriedade da realização de exames para a seleção de candidatos ao

21

ingresso no ensino superior por meio de provas orais e escritas. Os

vestibulares passaram a ser feitos pelo corpo docente das faculdades e, por

muitas décadas, calcaram-se em questões dissertativas longas e provas orais.

As questões-testes e a redação foram introduzidas somente na década de

1950 pela Escola Paulista de Medicina.

Segundo Samara (2006), o ensino secundário no Brasil, começando no

Império e chegando até a chamada Reforma Francisco Campos, em 1931, era

eminentemente preparatório para o ensino superior – tanto que, ainda em

1930, o Governo Federal legislava sobre ambos de uma vez só. Após essa

reforma, não se popularizou tanto quanto deveria, permanecendo delegado

primeiramente a um número reduzido de particulares – por isso, até a década

de 1960 eram poucos os jovens que conseguiam concluir todas as séries

escolares e chegar às portas da universidade. Dessa forma, o vestibular era o

“grande exame final” que, se vencido, garantiria a continuidade dos estudos e

um futuro profissional diferenciado. Nesse momento, a demanda de candidatos

era menor que o número vagas oferecidas.

Mesmo assim, cada curso da Universidade de São Paulo aplicava os

exames de ingressos aos candidatos. Dessa forma, o vestibular possuía um

caráter fragmentado. Alguns cursos aplicavam testes orais, outros preferiam

cobrar a escrita também. As bancas eram formadas, geralmente, por três

professores.

Quando o aluno não tinha um bom conhecimento, realizava estudos

rápidos – cerca de dois meses – em locais que ofereciam aulas. Ou seja, já

existiam, na década de 1940, alguns “cursinhos”, pequenos ainda.

Os vestibulares daquela época feitos pelos cursos oferecidos pela

Universidade de São Paulo não apresentavam um preparo sistemático, embora

as provas já tivessem rigor e dificuldade. Em outras palavras, a simplicidade

desses exames contrasta com a sofisticação das atuais provas dos

vestibulares da Fuvest.

Segundo Roberto Celso Fabrício Costa, professor aposentado do

Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo e

atualmente consultor de operações, concursos e vestibular da Fuvest, em

entrevista concedida a Samara (2006, p.31):

22

Pedíamos aos professores de letras que fizessem questões

para nós, assim como pedíamos para os professores de física, química

etc. Também fazíamos questões para eles, e todos colaboravam

bastante a fim de que todos os vestibulares departamentais

ocorressem da melhor forma, a despeito de todo o amadorismo que

existia. Naquele tempo, a universidade não era obrigada a preencher

as vagas todas, então, se você tinha trinta vagas no diurno, elas

existiam para quem tirasse cinco no exame, no mínimo. Se não

houvesse trinta aprovados, só quinze, tudo bem. A obrigatoriedade do

preenchimento de vagas veio na década de 1970, na época do Jarbas

Passarinho, por causa do crescimento vertiginoso dos candidatos.

Em alguns cursos, no entanto, o problema de falta de vagas já se

apresentava: o número de vagas era bem menor que o de candidatos. No

vestibular da Escola Politécnica, por exemplo, bem antes da década de 1970,

já existia um excesso de candidatos. Em 1951, já havia 3 mil candidatos para

180 vagas.

Em síntese, pudemos verificar a heterogeneidade dos exames

vestibulares da Universidade de São Paulo entre as décadas de 1930 e 1960.

Cada unidade resolvia a questão do ingresso de alunos à sua forma, pedindo

diferentes matérias, mudando seu rol de cobranças em certos momentos, mas

sempre envolvendo o seu corpo docente e lidando com números muito

diversos de candidatos. Cada qual tinha o seu “estilo” de prova, de maneira a

imprimir no vestibular departamental as características do corpo docente e do

curso no qual os aprovados – ou seja, os considerados aptos – se adaptariam.

Com exceção dos cursos de engenharia (conforme supracitado o caso

da Escola Politécnica), Medicina e Direito, entre as décadas de 1930 a 1950, o

número de candidatos era baixo, mas, na segunda metade dos anos de 1960,

esse painel começou a se alterar. Enquanto em algumas poucas carreiras

ainda não havia mais de dois ou três candidatos por vaga, em outras tal

relação poderia subir tanto que colocava os responsáveis pelos exames em

situação difícil.

Em 1971, estatísticas do Ministério da Educação e Cultura do Brasil

registravam a existência de 1,9 inscrição para cada vaga nas universidades

brasileiras em geral – sendo que, em 1968, esse número chegara a 2,4,

23

incluindo a rede pública e privada. Sendo assim, aumentou bastante a

porcentagem de saídos do colegial, mas as vagas existentes nas universidades

públicas estavam longe de atender a demanda.

O resultado disso foi a contestação do sistema educacional feita por

manifestações estudantis. A mais famosa foi a daqueles estudantes

considerados “excedentes” nos vestibulares, pois, mesmo tendo atingido a nota

mínima exigida para aprovação, não conseguiam vagas. Nesse momento, os

aprovados eram sempre em número maior que a quantidade de vagas,

demonstrando uma inversão em relação à situação do período anterior.

Em 1967, o decreto-lei 252, de 28 de fevereiro, determinou que cada

unidade universitária fosse estruturada em núcleos menores, chamados

departamentos, que, por sua vez, deveriam reunir disciplinas afins.

Em 1969, por meio do decreto-lei 477, de 26 de fevereiro, foram

proibidos os movimentos de greve e as agitações de caráter político, visando a

acabar com todo protesto estudantil, inclusive com aquele por vagas no ensino

superior. Em 1971, o decreto 68.908, de 13 de julho, dispôs sobre o Concurso

Vestibular, instituindo de fato o vestibular classificatório e eliminando, assim, a

questão dos “excedentes”.

Foi durante essa Reforma Universitária que houve a formação de

agrupamento de docentes que se especializaram na criação, aplicação e

correção dos exames vestibulares. Esses grupos vieram atender às

dificuldades dos diferentes departamentos que, às voltas com o crescente

número de candidatos, passaram a contratá-los.

Dessa forma, Cescem, Cescea e Mapofei constituíram-se

espontaneamente, por intermédio da iniciativa de alguns professores (tanto da

casa quanto externos). Seriam coordenarias realmente pequenas, comparáveis

a microempresas, porém informais, que reuniam pessoas para trabalhar

somente em dado momento do ano letivo, sustentando-se das taxas que

cobravam nos exames vestibulares.

Os serviços prestados por esses profissionais tinham um padrão de

qualidade que foi muito apreciado, e o impacto dos vestibulares foi tão grande

que universidades do interior começaram também a agregar seus exames a

elas.

24

O Cescem – Centro de Seleção de Candidatos às Escolas Médicas –,

que partiu de uma iniciativa dos professores da Escola Pinheiros de Medicina

(USP) em 1964, acabou por agregar todo o pessoal da área de Biológicas da

USP, da Escola Paulista de Medicina, da Santa Casa e outras. Além de

atender ao problema do crescimento numérico de candidatos para várias

carreiras, o surgimento do Cescem envolvia também outro fator: o problema da

excessiva pessoalidade dos exames. (Havia boatos de que os filhos dos

professores da Pinheiros tinham lugar assegurado nos exames. Com a criação

do Cescem, isso acabou, pois a organização imposta aos exames vestibulares

era quase militar).

As provas eram aplicadas em dois dias. E, após a primeira fase, havia

exames práticos de física, química e biologia em laboratórios da Cidade

Universitária.

Alguns vestibulares já seguiam, havia alguns anos, a ideia de selecionar

os candidatos em duas fases, uma vez que isso facilitava o processo seletivo

quando a concorrência era grande. Na verdade, a estrutura de aplicação das

provas se tornara mais calculada para dar conta de números sempre

crescentes de candidatos.

A nova estruturação dos vestibulares trouxe uma efervescência

crescente por parte dos cursinhos preparatórios. Em 1965, já existiam vários: o

André Dreifus, o Nove de Julho, Castelões e o Anglo eram alguns dos mais

renomados, segundo Samara (2006). Eles ofereciam revisões de fim de ano,

ou mesmo algo que se aproximaria do “cursinho extensivo” que conhecemos

hoje.

Nesse momento, surgiu uma novidade: o sistema de opções. O

candidato escolhia duas opções de carreira, respeitando a ordem de primeiro a

mais concorrida e, em segundo lugar, a menos concorrida.

Pouco depois, em 1969, surgiu a Mapofei – Vestibulares Unificados de

Ciências Exatas e Engenharia Mauá, Poli e FEI. A partir dos resultados vistos

com a atuação dos Cescem, três professores, um de cada uma das

instituições, tiveram a ideia de agregar essas três grandes escolas de

engenharia.

As provas da Mapofei não possuíam duas fases. Tinham apenas uma.

Elas não eram compostas por questões-testes. Inicialmente, as quatro matérias

25

cobradas eram matemática, física, química e português, mas, com o tempo, à

medida que outras carreiras além das engenharias iam se agregando ao

sistema, as provas foram se tornando mais complexas. Passou-se a criar

questões de outras disciplinas. Tanto a Cescem quanto a Mapofei mantinham

uma rigidez na aplicação das provas e impessoalidade crescente.

O Cescea surgiu em 1967, pelas mãos dos professores da Faculdade de

Economia e Administração da Universidade de São Paulo. Pouco depois,

passou a anexar vários vestibulares da área de Humanas. As provas do

Cescea eram aplicadas apenas em uma fase. Quanto ao conteúdo do exame,

assim descreveu Lúcia Helena Gama, socióloga, que prestou vestibular, em

1976, para Ciências Sociais:

Sempre tive dificuldades com testes, por isso o exame foi

horrível para mim. Na prova de história, fomos muito demandados

quanto a datas e detalhes. Os exames foram feitos em várias dias, mas

em uma fase só; tivemos provas de inglês, biologia, matemática,

geografia, história e português, não me lembro se tinha física e

química.

(Samara, 2006, p.43)

A ideia de unificar todos os vestibulares da Universidade de São Paulo

surgiu em 1973. Segundo Samara (2006), a criação da Fuvest pode ser

interpretada como uma forma de resistência da USP perante o processo de

reformas do ensino que vinha ocorrendo desde 1966.

Elas tratavam de dirigir boa parte do público escolar para a formação

técnica, esvaziando a demanda por vagas nas universidades. E, para isso, os

chamados “primeiro e segundo graus” passaram a constituir um nível de ensino

cujo objetivo primordial era a habilitação profissional.

Além disso, havia, conforme alguns relatórios preliminares à lei e ao

decreto-lei, a possibilidade de nomeação de reitores e diretores de unidades

que não fizessem parte do corpo docente.

Nesse momento, pareceu a muitos que, com a unificação do vestibular,

a Universidade de São Paulo daria seu recado ao governo e à rede de ensino

26

de primeiro e segundo graus, alicerçada na força moral que dispunha, por ser a

maior universidade do país.

Segundo Setembrino Petri (apud Samara, 2006, p.50), professor

aposentado do Departamento de Geologia da Universidade de São Paulo e

presidente do Conselho Curador da Fuvest de 1976 a 1980:

Entre tantas razões para se criar a Fuvest, a mais importante

era impormos um padrão de exigência bastante claro para o ingresso

na USP. Eu particularmente acho que os exames que estavam sendo

feitos não estavam a contento, pois cada uma das instituições que

existia enfocava um tipo diferente de exame, e havia até aqueles

vestibulares somente compostos por questões-testes. Ora, eu

lecionava para turmas de Geologia e de Geografia, e me ressentia

bastante disso tudo. Então, achei que o vestibular precisava melhorar

nesse aspecto; deveria, por exemplo, cobrar todo mundo em redação.

Havia muitos alunos que não sabiam se expressar direito em

português, pois só haviam estudado gramática para o vestibular.

De acordo com José Goldemberg (apud Samara, 2006, p.51), secretário

do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e professor aposentado do Instituto

de Física da Universidade de São Paulo:

A Mapofei unificou os exames das escolas de Engenharia não

usando o método de múltipla escolha, coisa pela qual sempre lutei

muito. Mas ela não era uma organização legal, no sentido de ter CNPJ;

quando chegava a época de se realizar os exames vestibulares, nos

reuníamos e saía o trabalho. Ela deu certo, fez muito sucesso, mas,

naquele momento, se precisava de algo mais palpável. A

responsabilidade de se fazer esses exames era muito grande, e ter

criado padrões de absoluta objetividade nos vestibulares, com

qualidade na prestação dos serviços, já não bastava mais.

Portanto, era necessária alguma instituição plenamente regularizada que

representasse a Universidade de São Paulo na seleção do futuro corpo

discente, dando conta do número crescente de candidatos, impondo um padrão

de exigência para admissão no ensino superior. E ela foi corporificada pela

Fuvest.

27

Conforme Motoyama (2007, p.26):

A Fuvest surgiu, de forma oficial, no dia 20 de abril de 1976,

época do início da distensão do regime militar, resultante do golpe de

1964. A Universidade de São Paulo tentava readquirir a normalidade

passados os anos de repressão durante o governo do general Emílio

Garrastazu Médici (1969 – 1974), quando vigorou o Ato Institucional

nº 5, o famigerado AI-5, editado em fins de 1968. Havia ainda o

decreto-lei 477, de fevereiro de 1969, que, entre outras, proibia

qualquer manifestação contra o regime no âmbito universitário.

Porém, com o advento do governo do general Ernesto Geisel (1974 –

1979), com a sua política de distensão gradual, o sistema repressivo

começou a enfraquecer. Os institutos de ensino superior, sobretudo

públicos, readquiriram certa autonomia. Ao final de 1978, decretou-se

o término do AI-5.

Retomando, as universidades tinham de aprimorar o seu sistema de

seleção estudantil, pois houve uma expansão quantitativa no ensino

fundamental e no antigo segundo grau, atual ensino médio. A qualidade dos

estudantes era desastrosa, uma vez que a lei nº 5692, de 1971, transformou

em profissionalizante todo o segundo grau. Os autores da obra “Fuvest 30 anos

da Fundação Universitária para o Vestibular” apresentam algum

questionamento quanto ao fato de somente essa transformação do segundo

grau ter causado o déficit da qualidade do segundo grau: “Qual a razão das

escolas técnicas federais, em curioso contraste, apresentarem excelente nível,

mormente em São Paulo?” (Motoyama, 2007, p.26)

Apontam, também, outro fator como falha do regime militar na falência

do ensino fundamental e o segundo grau. Os autores não discutem muito as

causas e nós também não a investigaremos, já que não é o foco desta

pesquisa.

O fato é que os estudantes que pleiteavam uma vaga nas universidades

se apresentavam com péssima qualidade e a concorrência para os

estabelecimentos afamados e conceituados aumentou. A referência para os

cursos de segundo grau em São Paulo era o vestibular aplicado pela

Universidade de São Paulo. E a ela caberia efetuar os exames da melhor forma

28

possível para escolher bem os discentes e assistir a elevação do nível do

segundo grau. E, por esses motivos, surgiu a Fuvest.

O primeiro vestibular foi em 1977 e as normas adotadas foram:

a) A matéria a ser exigida nos vestibulares não deve ir além do nível

do 2º grau;

b) Tendo em vista os reflexos no ensino do 2º grau, dever-se-á, na

medida do possível, realizar provas analítico-descritivas;

c) Como o número de candidatos deve ultrapassar muito as vagas

oferecidas, provas analítico-descritivas serão impraticáveis para todos

os candidatos. O vestibular deverá, portanto, ser realizado em duas

fases: a 1º, sob forma de testes de múltipla escolha, com cinco

opções, das quais uma certa. Para a 2º fase, será convocado número

de candidatos igual a três vezes o número de vagas para cada

carreira, e as provas dessa fase serão analítico-descritivas;

d) A prova de Comunicação e Expressão da 2º fase deve conter,

obrigatoriamente, um item de redação;

e) Para se evitar a especialização precoce do 2º grau, o vestibular

deve ser unificado para as três áreas de conhecimento.

(Motoyama, 2007, p.27)

É possível perceber que quase todas as normas continuam válidas

atualmente. Até hoje, o vestibular é realizado em duas fases, mas já houve

discussões acerca dessa forma de seleção. Heraldo Marelin Vianna, da

Fundação Carlos Chagas, colocou-se contra a aplicação da prova objetiva.

Segundo ele, o exame não era fidedigno, faltava validade, e havia uma

pequena quantidade de questões: 72. Para ele, um número grande de

perguntas poderia identificar os indivíduos mais talentosos.

Walter Borzani, professor aposentando da Escola Politécnica da USP,

coordenador do vestibular em 1979, não aderiu ao teste de múltipla escolha.

Para ele, a seleção deve ser feita para verificar a capacidade do estudante de

aprender e criar e não apenas saber o grau de conhecimento.

Mesmo com tantos questionamentos e indagações, a Fuvest manteve as

duas fases, mas vale ressaltar que nenhum dirigente defendeu,

persistentemente, as duas fases. A manutenção de tais provas parece ser

29

resultado de razões práticas e financeiras. A seleção fundamental fica por

conta da prova analítico-expositiva e, para os testes, um papel auxiliar.

Além de abordar as características do vestibular, Motoyama (2007) não

deixa de focar a questão da inclusão social. Sendo uma universidade pública, a

USP tem a obrigação de servir a qualquer camada da população. No entanto,

para poder servir bem a essa mesma sociedade, ela caracteriza-se por ser

uma instituição de alto nível e sua função é a de formar elites capazes de

enfrentar os desafios colocados nesse mundo globalizado, de competições

acerbas.

De certa forma, os exames vestibulares não conseguem escapar do

envolvimento com o processo de inclusão ou exclusão social. E, com o objetivo

de oportunizar que os alunos carentes possam participar do filtro do vestibular,

o Conselho Curador autorizou, em 1999, a isenção da taxa de inscrição para 5

mil candidatos para o vestibular de 2000. Para obter a isenção, além da

solicitação para tal, o candidato deveria estar entre os 5 mil classificados no

Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Esse número de isenções foi

aumentando a cada ano, chegando, em 2007, a 65 mil alunos isentos.

Conforme Roberto Celso Fabrício Costa (apud Samara, 2006, p.111-

112), professor aposentado do Instituto de Matemática e Estatística da

Universidade de São Paulo e atualmente consultor de operações, concursos e

vestibular da Fuvest:

Poderíamos aumentar o ingresso da população mais pobre na

USP dando um ensino médio de melhor qualidade. A Fuvest é como

um termômetro. Ela não é responsável pelo ensino, é apenas um

mecanismo de aferição na porta da universidade. A isenção da taxa de

inscrição foi uma maneira de aliviar esse problema, mas é só um

processo tapa-buraco, não resolve o problema fundamental.

Além dessa política, o momentoso debate sobre as cotas de pessoas de

cor iniciou. Seria necessário possibilitar o acesso aos estabelecimentos

superiores de gente situada na periferia social e econômica, resultado até de

uma situação histórica injusta.

30

Em síntese, a palavra Fuvest tornou-se sinônimo de padrão de

excelência em exames vestibulares, isso se deve ao fato de que, nos últimos

39 anos, o corpo de funcionários, conselheiros e diretores demonstrou

responsabilidade, experiência e apoio técnico. Ano após ano, os trabalhos

desempenhados são revistos e aprimorados em qualidade sempre visando a

critérios claros e justos e, tentando minimizar possibilidades de falha numa

rotina incansável de planejamentos e discussões antes de cada nova ação.

Esse breve histórico sobre a Fuvest é apenas para demonstrar que se

trata de uma Fundação com 39 anos de existência e que, atualmente, o

ingresso à Universidade de São Paulo, por meio da Fuvest, é almejado por

alguns estudantes.

Dessa forma, selecionamos os textos “de bom nível” publicados no site

da Fuvest, por se tratar de uma instituição que, ao longo do percurso, não

enfrentou questionamentos mais sérios quanto à correção das provas.

1.4 Os critérios de correção da redação, segundo o Manual do Candidato

O Manual do Candidato é um documento que o candidato recebe. Nele,

há diversas instruções, como documentos a serem apresentados, relação de

endereços dos postos de inscrição, calendário de provas e conteúdos exigidos.

Os pesos das matérias nas provas de cada carreira, das provas de aptidão,

informações sobre as escolas participantes e os locais de publicação dos

resultados também constam na publicação. A partir de 2003, o material passou

a ter o kit do vestibulando, contendo o Manual, a ficha de inscrição em

separado e o guia A Universidade e as Profissões.

Segundo Samara (2006), esse Manual não é simples de ser feito e

mudou várias vezes de formato conforme as necessidades de cada ano e das

possibilidades econômicas da Fundação. Interessa sobremaneira descrevê-lo,

tanto no conteúdo como no formato, pois é a partir dele que os candidatos

formam a primeira imagem da Fuvest e do exame vestibular que prestarão,

além do caráter oficial que tem, trazendo, muitas vezes, até excertos do Diário

Oficial com a regulamentação do vestibular.

31

Um dado fundamental dos manuais é que eles incluem o questionário

que pede os dados socioeconômicos dos candidatos, que deve ser entregue

com a ficha de inscrição. Este, o questionário, se tornou um elemento

fundamental não só de reconhecimento da população de vestibulandos, mas

também de análise visando a ações de inclusão social por parte da

Universidade de São Paulo. Além disso, ele vem sendo reelaborado, ganhando

mais questões através dos anos. O de 2006 trouxe 26 questões, todas de

múltipla escolha. Elas diziam respeito a: que outros vestibulares o candidato

prestou/ está prestando; onde cursou os ensinos fundamental e médio, e em

que período; se fez cursinho pré-vestibular; se possui alguma outra formação

superior; o grau de instrução e a situação profissional dos pais; estado civil; cor

e dados variados sobre a renda e bens familiares.

Além dessas informações, o Manual também traz os “mecanismos”1 de

correção das provas. Reproduzimos abaixo o “mecanismo” de correção da

Redação (Manual do Candidato, 2013, p.37):

A Redação merece uma correção especial, descrita a seguir.

Logo que as provas chegam à Fuvest, procede-se a uma leitura

eletrônica do texto preparado pelo candidato. Em seguida, são feitas

duas cópias desse texto, sem identificar o candidato pelo nome, que

são encaminhadas a dois corretores independentes, previamente

treinados. Eles deverão atribuir nota a essa Redação, levando em

conta três características: Tipo de texto e abordagem do tema,

Estrutura e Expressão.

Cada uma de tais características recebe notas 0, 1, 2, 3 ou 4.

Se as duas avaliações independentes não convergirem (discrepância

detectada pelos computadores), a Redação é encaminhada a uma

“banca superior”, que analisa tudo novamente e atribui a nota definitiva.

A fuga ao tema proposto anula a Redação, que receberá nota zero.

1 O termo “mecanismos” é utilizado pelo Manual do Candidato; por isso, preferimos mantê-lo.

No entanto, acreditamos ser mais adequada a utilização do termo “parâmetros” ou “critérios” de

correção.

32

Mais adiante, na seção Programas – Português e Inglês, há um

detalhamento sobre o processo de correção. Reproduzimos o que se refere à

Redação (Manual do Candidato, 2013, p.59):

A redação deverá ser, obrigatoriamente, uma dissertação, na

qual se espera que o candidato demonstre capacidade de mobilizar

conhecimentos e opiniões, argumentar coerentemente e expressar-se

de modo claro, correto e adequado.

Na correção da redação, serão avaliados três aspectos (Tipo

de texto e abordagem do tema, Estrutura e Expressão), sendo que a

cada um deles poderão ser atribuídos 0, 1, 2, 3, ou 4 pontos.

1- Tipo de texto e abordagem do tema

Verifica-se aqui se o texto do candidato configura-se como uma

dissertação e se atende ao tema proposto. Pressupõe-se, então, que o

candidato demonstre a habilidade de compreender a proposta de

redação e, quando esta contiver uma coletânea, que ele se revele

capaz de ler e de relacionar adequadamente os trechos que a

integram. A simples paráfrase da coletânea, da proposta e/ou das

instituições não é, em princípio, um recurso recomendável para o

desenvolvimento adequado do tema. A elaboração de um texto que

não seja dissertativo ou a fuga completa do tema proposto farão com

que a redação não seja objeto de avaliação em qualquer outro de seus

aspectos, recebendo, portanto, nota zero em sua totalidade. No que diz

respeito ao desenvolvimento, verificar-se-á, além da efetiva progressão

temática, também a capacidade crítico-argumentativa que a redação

revele.

2- Estrutura

Avaliam-se aqui, conjuntamente, os aspectos de coesão textual (nas

frases, períodos e parágrafos) e de coerência das ideias. O grau de

coerência reflete a capacidade do candidato para relacionar

argumentos e organizá-los de forma a deles extrair conclusões

apropriadas e, também, sua habilidade para o planejamento e a

construção significativa do texto. Serão considerados aspectos

negativos a cópia ou a simples transposição de elementos da proposta,

bem como a presença de contradições entre frases ou parágrafos, a

falta de encadeamento das ideias, a circularidade ou a quebra da

progressão argumentativa, a falta de conclusão ou a presença de

conclusões que não decorram do que foi previamente exposto. Serão

33

tidos também como fatos negativos referentes à coesão, entre outros, o

estabelecimento de relações semânticas impróprias entre palavras e

expressões, assim como o uso inadequado de conectivos.

3- Expressão

Avaliam-se nesse item o domínio do padrão culto escrito da língua e a

clareza na expressão das ideias. Serão examinados aspectos

gramaticais como ortografia, morfologia, sintaxe e pontuação. Espera-

se que o candidato revele competência para expor com precisão os

argumentos selecionados para a defesa do ponto de vista adotado e,

também, que demonstre capacidade de escolher e utilizar

expressivamente o vocabulário, evitando o uso abusivo de clichês ou

frases feitas.

Em síntese, ao confrontarmos os resultados obtidos da pesquisa feita

com o Manual do Candidato da Fuvest, com os manuais didáticos e com os

objetivos propostos por esta pesquisa, entendemos que:

- no que se refere às orientações da Fuvest: há a apresentação de uma

série de critérios utilizados pelos corretores do vestibular e que tais

critérios podem contribuir para a construção de textos “bem formados”;

- no que se refere aos manuais didáticos: há uma apresentação do texto

delimitada à proposta aristotélica: tese, desenvolvimento e conclusão.

Nesse sentido, o conteúdo do manual didático não é adequado aos

critérios propostos pela Fuvest.

Dessa forma, numa outra etapa da pesquisa, buscamos analisar a

estrutura composicional das redações consideradas “bem formadas”, a fim de

constatarmos quais processos de produção textual foram utilizados e os

resultados serão apresentados a seguir em outro capítulo.

Os dois próximos capítulos apresentam as bases teóricas que foram

utilizadas no referido processo composicional das redações.

34

CAPÍTULO II : UM BREVE HISTÓRICO DA LINGUÍSTICA TEXTUAL

Este capítulo tem por objetivo revisitar o percurso da Linguística Textual

da segunda metade da década de 1960 até os dias de hoje.

2.1 Texto e Discurso

A Linguística Textual e a Linguística do Discurso aparecem na metade

do século XX. Elas foram instauradas e desenvolvidas de forma isolada. A

Linguística Textual tem por objeto de análise o texto, em busca de uma

tipologia e de um modo de completude, trata também da coesão e da

coerência. A Linguística do Discurso tem, por objeto, o discurso, em busca da

construção dos sentidos. Atualmente, a tendência é juntar os resultados da

Linguística do Texto com a Linguística do Discurso, construindo uma

Linguística Textual Discursiva, que é proposta por Adam (2011), ou seja, não

há como dissociar texto de discurso e/ou discurso de texto.

Segundo Koch (2013), desde a segunda metade da década de 1960 até

meados dos anos de 1970, a Linguística Textual teve por preocupação inicial o

estudo dos mecanismos interfrásticos, ou seja, o objeto de indagação não é o

texto em si, mas os tipos de ligação entre enunciados em uma série de

enunciados. A maior parte das pesquisas, nessa época, baseava-se nas

relações referenciais. Além disso, a seleção de artigos, a ordem das palavras,

a concordância dos tempos verbais e as relações entre enunciados não ligados

por conectores explícitos, entre outros, eram temas de pesquisas também.

Nesse momento, o texto era concebido como “uma ‘frase complexa’,

‘signo linguístico primário’ (Hartmann, 1968), ‘cadeia de pronominalizações

ininterruptas’ (Harweg, 1968), ‘sequência coerente de enunciado’ (Isenberg,

1971), ‘cadeia de pressuposições’ (Bellert, 1970)” (apud Koch,2013, p.3).

Um dos principais fatores da coesão textual eram as relações

referenciais, uma vez que eram os pronomes que iriam constituir uma

sequência de frases em texto. O termo “pronome” deve ser entendido como

toda expressão linguística que retoma outra expressão linguística.

35

Portanto, o texto é resultado de um múltiplo referenciamento e era

definido como uma sucessão de unidades linguísticas constituída mediante

uma concatenação pronominal ininterrupta.

Essa fase inicial da Linguística Textual, a da pesquisa interfrástica, foi,

na verdade, uma fase preparatória para a da gramática textual, a segunda fase

da Linguística Textual. As tarefas básicas de uma gramática de texto seriam as

seguintes:

- verificar o que faz com que um texto seja um texto, ou seja,

determinar seus princípios de constituição, os fatores

responsáveis pela sua coerência, as condições em que se

manifesta a textualidade;

- levantar critérios para a delimitação de textos, já que a

completude é uma de suas características essenciais;

- diferenciar as várias espécies de textos.

Nesse momento, o nível do enunciado e das relações entre eles é

extrapolado. Há um novo objeto que modifica as perspectivas de abordagem

até então feitas: a existência da competência textual.

O texto foi considerado a unidade hierarquicamente mais alta e é a partir

dele que se pretende chegar, por meio da segmentação, às unidades menores

para classificá-las. Entretanto essa segmentação e classificação só poderiam

ser feitas sem se perder de vista a função textual dos elementos individuais, ou

seja, o texto não poderia ser definido simplesmente como uma sequência de

cadeias significativas.

O texto, na verdade, era visto como a unidade linguística

hierarquicamente mais elevada e constituía uma entidade do sistema

linguístico, cujas estruturas possíveis em cada língua devem ser determinadas

pelas regras de uma gramática textual.

Weinrich (1964), van Dijk (1972) e Petöfi (1973) são exemplos de

autores, entre outros, que tratam da gramática textual. Seus modelos

compreenderam três características: um quadro teórico gerativo, instrumentos

conceituais e operativos da lógica e a integração da gramática dos enunciados

na gramática textual.

36

Weinrich (1964) era estruturalista e sempre teve em mira a construção

de uma gramática textual. Ele preconizava a elaboração de uma macrossintaxe

do discurso, com base no tratamento textual de categorias gramaticais.

Promoveu também como método heurístico o da “partitura textual”, que

consistia em unir a análise por tipo de palavras e a estrutura sintática do texto

num só modelo, como se se tratasse de uma partitura musical a duas vozes.

Weinrich (1964) definia o texto como uma sequência linear de lexemas e

morfemas que se condicionam reciprocamente e que, também, constituem o

contexto. O texto seria uma estrutura determinativa, em que tudo está

interligado.

O modelo apresentado por van Dijk (1972) apresenta três características

principais:

- insere-se no quadro teórico gerativo;

- utiliza em grande escala o instrumental teórico e metodológico

da lógica formal;

-busca integrar a gramática do enunciado na gramática do texto,

sustentando, porém, que não basta estender a gramática da

frase, como faziam muito autores da época, mas que uma

gramática textual tem por tarefa principal especificar as estruturas

profundas a que denomina macroestruturas textuais.

O ponto de partida, para o autor, é a distinção entre a estrutura profunda

e a estrutura textual superficial, que introduz as noções de macro e

microestruturas, respectivamente.

O modelo elaborado por Petöfi (1973) refere-se a uma gramática textual

com base estabelecida não-linearmente, ou seja, a base textual consta de uma

representação semântica indeterminada no que se refere à manifestação linear

da sequência dos enunciados. A parte transformacional determina a

manifestação linear do texto.

O modelo de gramática textual elaborado por Petöfi (1973) demonstra

ser possível a análise de textos, a síntese de textos e a comparação de textos.

Esse modelo revela que o léxico tem uma função eminente com suas

representações semânticas intencionais.

37

A gramática textual, para Petöfi (1973), é apenas um componente de

toda a teoria de texto por ele projetada, em que distingue um componente co-

textual de um componente con-textual.

Ligado ao componente co-textual, há dois subcomponentes: um

gramatical (que é a gramática textual) e um não-gramatical (que circunscreve

as questões internas ao texto, como metro, rima e eufonia). Ao componente

con-textual, estão ligadas a interpretação semântica extensional (mundos

possíveis, modelos) e questões da produção de texto e de sua recepção (ou

seja, do contexto pragmático no qual ocorre o texto).

Para Marquesi (2004), foi exatamente o trabalho de Petöfi (1973) que

estabeleceu ponte entre o segundo momento da Linguística Textual (o da

gramática de texto) e o terceiro (o de uma teoria de texto), em que a visão

pragmática é inserida à análise dos textos, ou seja, a pesquisa estende-se do

texto ao contexto (segundo Petöfi, do co-texto – regularidade interna ao texto –

ao con-texto - conjunto de condições externas ao texto, referentes à sua

produção, recepção e interpretação).

O ponto de partida, nesse momento, é o ato de comunicação (com todos

os seus complexos pressupostos psicológicos e sociais) inserido numa

situação comunicativa.

Para Marcuschi (1983), a amplitude de campo de investigação da

Linguística Textual é sintetizada em dois focos maiores de definições:

- de critérios internos ao texto, em que esse é observado do ponto

de vista imanente do sistema linguístico;

- de critérios temáticos ou transcendentes ao sistema, em que o

texto é considerado unidade de uso ou unidade comunicativa.

Sendo assim, a Linguística de Texto é a descrição da correlação entre a

produção, a constituição e a recepção de textos, comportando a implicação de

dois tipos de elementos: os internos ao texto e os externos a ele,

respectivamente.

38

2.2 A virada pragmática

Na metade da década de 1970, os linguistas de textos sentiram a

necessidade de ir além da abordagem sintático-semântica, visto que o texto é a

unidade básica de comunicação/ interação humana.

Surgem, assim, as teorias de base comunicativa e a Linguística Textual

ganha uma nova dimensão: já não se trata de pesquisar a língua como sistema

autônomo, mas sim o seu funcionamento nos processos comunicativos de uma

sociedade concreta.

O ouvinte não se limitava a “entender” o texto, no sentido de “captar”

apenas o seu conteúdo referencial, mas necessitava reconstruir os propósitos

comunicativos que tinha o falante ao estruturá-lo, isto é, descobrir o “para que”

do texto. A enunciação é sempre movida por uma intenção de atingir

determinado objetivo ilocucional.

Para Koch (2013), van Dijk foi um dos responsáveis pela “virada

pragmática”. Conforme o autor, a compreensão de um texto obedece a regras

de interpretação pragmática, de modo que a coerência não se estabelece sem

se levar em conta a interação, bem como as crenças, os desejos, as

preferências, as normas e os valores dos interlocutores.

2.3 A virada cognitivista

Na década de 1980, delineia-se uma nova orientação nos estudos do

texto. Todo fazer (ação) é necessariamente acompanhado de processos de

ordem cognitiva. Quem age precisa dispor de modelos mentais de operações e

tipos de operações. Portanto, o texto passa a ser considerado resultado de

processos mentais. O texto produto é resultado de um processo de escolhas

reais motivadas por preferências e valores em resposta a perguntas que se faz

do mundo e com base nas possibilidades que ele apresenta.

Para o estudo das operações cognitivas, há diferentes teorias sobre a

memória. Kintsch e van Dijk (1983) priorizam a teoria da memória por

armazéns, que distingue Memória de Curto Prazo, Memória de Médio Prazo e

Memória de Longo Prazo.

39

A Memória de Curto Prazo possibilita a entrada da informação, levando-

a para a Memória de Trabalho. Essa entrada é realizada com a informação

estruturada em algum código semiótico que é captado por um dos sentidos

humanos. De forma geral, para a informação linguística, os sentidos que dão

entrada à informação para o processamento desta seriam os da audição e da

visão.

A Memória de Trabalho opera tanto com a Memória de Curto Prazo

quanto com a de Longo Prazo. A de Curto Prazo transforma as expressões

linguísticas em sentidos secundários, as proposições. Ela é quantitativa,

portanto há um limite que é determinado pelo chunk. Quando este está

sobrecarregado, a informação nova fica perdida.

Para esvaziar o chunk, os sentidos mais globais são armazenados na

Memória de Médio Prazo, formando nela um contexto cognitivo. As

proposições da Memória de Médio Prazo são também modificadas, pois, ao

processar a informação, o sujeito constrói suas proposições orientadas por

uma hipótese de leitura, relativa aos conhecimentos já armazenados da

Memória de Longo Prazo.

Como um dos fatores da textualidade é a informatividade, ao deparar

com o novo, o processador precisa reformular o seu contexto cognitivo, porque

é necessário fazer uma inferência ostensiva a ele.

Para Heinemann e Viehweger (1991), o processamento textual concorre

com três grandes sistemas de conhecimento:

- o linguístico: relativo aos conhecimentos gramaticais e lexicais,

sendo assim, o responsável pela articulação som-sentido. É

responsável pela organização do material linguístico na superfície

textual;

- o enciclopédico: também pode ser chamado de conhecimento

semântico ou conhecimento de mundo e é aquele que se

encontra armazenado na memória de cada indivíduo. Esse

conhecimento representa as experiências que vivenciamos em

sociedade e serve de base aos processos conceituais. Constitui

conhecimentos sobre cenas, situações e eventos, como

40

conhecimentos procedurais sobre como agir em situações

particulares (estocados na memória episódica). Após uma série

de experiências do mesmo tipo, tais modelos tornam-se

generalizados e passam a fazer parte da memória enciclopédica;

- o interacional: é o conhecimento sobre as formas de inter-ação

por meio da linguagem. Engloba conhecimentos ilocucional,

comunicacional, metacomunicativo e superestrutural.

-ilocucional: significa reconhecer o objetivo do falante;

- comunicacional: diz respeito à quantidade de informação

necessária para que o parceiro seja capaz de reconstruir o

objetivo do produtor do texto;

- metacomunicativo: possibilita que se evitem perturbações

previsíveis na comunicação. Trata-se do conhecimento

sobre os vários tipos de ações linguísticas que permitem ao

locutor assegurar a compreensão do texto;

- superestrutural: permite aos falantes reconhecer textos

como exemplares de determinado gênero ou tipo.

Sendo assim, o processamento textual é estratégico e implica a

mobilização on-line dos diversos sistemas de conhecimento: cognitivo,

sociointeracionais e textualizador.

2.4 A perspectiva sociocognitivo-interacionista

Para o cognitivismo, interessa explicar como os conhecimentos que um

indivíduo possui estão estruturados em sua mente e como são acionados para

resolver problemas postos pelo ambiente. No entanto, a cultura e a vida social

exigiriam a representação, na memória, de conhecimentos especificamente

culturais. Entender a relação entre cognição e cultura seria entender que

conhecimentos os indivíduos devem ter para agir dentro da sua cultura.

Se, na visão cognitivista, a concepção de mente desvinculada do corpo

predominou, na perspectiva sociocognitivista-interacional, não. A partir desse

41

momento, as várias áreas (ciências, neurobiologia, antropologia, linguística

etc.) dedicam-se a investigar essa relação (corpo e mente) e constatam que

muitos dos nossos processos cognitivos têm por base a percepção e a

capacidade de atuação física no mundo.

Uma visão que incorpore aspectos sociais, culturais e interacionais à

compreensão do processamento cognitivo baseia-se no fato de que existem

processos cognitivos que acontecem na sociedade e não exclusivamente nos

indivíduos. Essa visão têm se mostrado necessária para explicar tanto

fenômenos cognitivos quanto culturais.

Nesse momento, na base da atividade linguística, está a interação e o

compartilhar de conhecimentos, ou seja, os eventos linguísticos não são a

reunião de vários atos individuais e independentes, na verdade, são uma

atividade que se faz com os outros, conjuntamente. A língua é um tipo de ação

conjunta.

Portanto, o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e

os interlocutores, sujeitos ativos que, dialogicamente, nele se constroem e por

ele são construídos.

2.5 Tendências atuais e principais perspectivas

Com o desenvolvimento cada vez maior das investigações na área da

cognição, as questões relativas ao processamento do texto, em termos de

produção e compreensão, à representação do conhecimento na memória, aos

sistemas de conhecimento posto em ação por ocasião do processamento e às

estratégias sociocognitivista-interacional nele envolvidas, entre muitas outras,

vêm ocupando o centro dos interesses dos diversos estudiosos do campo.

Muitos autores (Heinemann e Viehweger, Koch e Oesterreicher, Adam,

van Dijk, Marcuschi, Koch) dão ênfase em seus estudos aos processos de

organização global dos textos, à questão da referência textual, ao tratamento

da oralidade e da relação oralidade/ escrita, bem como ao estudo dos gêneros

textuais. Este último, agora conduzido na perspectiva bakhtiniana, ocupa lugar

de destaque nas pesquisas sobre o texto e revela-se um terreno bastante

promissor.

42

Cabe mencionar a obra de Adam (2011) que, com base nos estudos dos

gêneros textuais, vem propondo unir os níveis do discurso e do texto,

apresentando a Linguística Textual Discursiva.

Em síntese, o conceito de texto sofreu profundas alterações: visto

primeiramente como simples unidade transfrástica ou como unidade

comunicativa e, mais recentemente, como unidade de processamento

cognitivo, ele passa agora a ser conceituado como um evento discursivo, no

qual convergem ações de ordem linguística, cognitiva e social.

2.6 A análise textual dos discursos

Segundo Adam (2011), há níveis de análise de discurso e níveis de

análise textual que podem ser sintetizados no esquema abaixo:

Esquema 1: Níveis ou Planos da Análise do Discurso (Adam, 2011, p.61)

NÍVEIS DA ANÁLISE DO DISCURSO

FORMAÇÃO INTERAÇÃO SOCIAL AÇÃO DE LINGUAGEM

SOCIODISCURSIVA (VISADA, OBJETIVOS)

(N2) (N1)

(N3)

INTERDISCURSO

Socioletos

Intertextos

GÊNERO(S)

TEXTO

Textura Estrutura Semântica Enunciação Atos do discurso

(proposições Composicional (representação (responsabilidade (ilocucionários)

enunciadas e (sequências e discursiva) enunciativa) e orientação

períodos) plano de textos) (N6) e coesão polifônica argumentativa

(N4) (N5) (N7) (N8)

NÍVEIS OU PLANOS DA ANÁLISE TEXTUAL

43

Todo discurso possui uma intencionalidade, e, a partir disso, dá-se início

ao fazer comunicativo, logo à interação social (as condições de produção e

recepção, interação em EU-TU).

A formação sociodiscursiva determina o que se pode e deve dizer.

Utiliza-se o socioleto (dialeto social) e, no seio de um interdiscurso, o texto

media-se por um gênero. Segundo Adam (2011, p.63) “toda ação de linguagem

inscreve-se (...) em um dado setor do espaço social, que deve ser pensado

como uma formação sociodiscursiva, ou seja, como um lugar social associado

a uma língua (socioleto) e a gêneros de discurso.”

Os gêneros, efetivamente, circulam pela sociedade e, por isso, no

Esquema 1, situam-se na fronteira entre texto/ discurso ou discurso/ texto.

No nível da análise textual, os níveis 4 e 5 correspondem, de forma

ampla, à sequencialidade ou linearidade dos textos. Os demais são “dimensões

constantes ao longo do texto, tanto em nível local como global, pois cada

enunciado elementar do texto expressa, simultaneamente, um conteúdo

semântico, um ponto de vista e um valor ilocucionário/ argumentativo”. (Bentes,

2010, p.268)

Adam (2011) define que a linguística textual tem como papel, na análise

do discurso, “teorizar e descrever os encadeamentos de enunciados

elementares no âmbito da unidade de grande complexidade que constitui um

texto. Ela tem como tarefa detalhar as ‘relações de interdependência’ que

fazem de um texto uma ‘rede de determinações’ ” (Weinrich, 1973, p.174).

Adam (2011) determina ainda que cabe à linguística textual descrever e

definir as diferentes unidades como as operações, em todos os níveis de

complexidade, que são realizadas sobre os enunciados.

As unidades textuais são submetidas a dois tipos de operações de

textualização:

- segmentação: a segmentação permanente das palavras na escrita,

marcação de parágrafos ou estrofes e subdivisões em partes de um

texto escrito;

- ligação: consiste na construção de unidades semânticas e de

processos de continuidade pelos quais se reconhece um segmento

textual.

44

Esquema 2 : Operações de Textualização (Adam, 2011, p. 64)

Nossa pesquisa focará as operações de ligação (continuidade) e

analisaremos as sequências textuais a fim de se verificar a unidade semântica

do texto.

Portanto, no próximo capítulo, enfocaremos as sequências textuais, o

gênero dissertativo e a referenciação.

OPERAÇÕES DE SEGMENTAÇÃO (DESCONTINUIDADE)

[9]

[8] [6] [5] [3] [1]

Partes de (Parágrafos Períodos (Frases Palavras

um plano ou estrofes) e/ou e/ou versos Proposições signos

de texto [7] sequências [4] enunciadas [2]

OPERAÇÕES DE LIGAÇÃO (CONTINUIDADE)

TEXTO

P

E

R

I

T

E

X

T

O

45

CAPÍTULO III : AS SEQUÊNCIAS TEXTUAIS, O GÊNERO DISSERTATIVO

E A REFERENCIAÇÃO

Para tratar do gênero, no caso desta pesquisa o dissertativo, é

necessário verificar qual é a sequência textual hierárquica e as incrustações.

Para isso, apresentaremos, neste capítulo, as sequências textuais, propostas

por Adam (2011); em seguida, abordaremos o gênero, segundo Bazerman

(2006) e Silveira (2012) e, por fim, a referenciação, de acordo com Koch

(2010), a fim de verificar a manutenção temática do nosso corpus.

3.1 As sequências textuais

Conforme o Esquema 2, há operações de segmentação de um texto:

- palavras-signos;

- proposições-enunciadas;

- frases e/ou versos;

- períodos e/ou sequências;

- parágrafos ou estrofes;

- partes de um plano de texto.

As proposições-enunciadas estão sujeitas a dois grandes tipos de

agrupamentos que as mantêm juntas: os períodos e as sequências.

O período, segundo Aristóteles (apud CHARAUDEAU &

MAINGUENEAU, 2014, p.373), “é uma frase que tem um começo e um fim nele

mesmo, e uma extensão que se deixa abarcar de um relance”. Mais tarde, o

período é definido como uma frase complexa, cujo conjunto forma um “sentido

completo” e no qual cada proposição constitui um membro, o último formando

um fechamento.

As sequências são unidades textuais complexas, compostas de um

número limitado de conjuntos de proposições-enunciados: as

macroproposições. Para Adam (2011, p.205), “macroproposição é uma espécie

de período cuja propriedade principal é a de ser uma unidade ligada a outras

46

macroproposições, ocupando posições precisas dentro do todo ordenado da

sequência”. Cada macroproposição obtém seu sentido em relação às outras,

na unidade hierárquica complexa da sequência. Sendo assim, uma sequência

é uma estrutura, isto é:

- uma rede relacional hierárquica: uma grandeza analisável em

partes ligadas entre si e ligadas ao todo que elas constituem;

- uma entidade relativamente autônoma, dotada de uma

organização interna que lhe é própria e, portanto, em relação de

dependência-independência com o conjunto mais amplo do qual faz

parte (o texto).

(Adam, 2011, p.205, grifos do autor)

Um conjunto de tipos de sequências guia o empacotamento de tipos de

proposições que formam as diversas macroproposições (narrativas, descritivas,

explicativas, argumentativas, dialogais) e, segundo Silveira (2012, p. 22), “as

sequências são unidades textuais elementares que, por si só, não constituem a

estrutura global do texto”.

A teoria das sequências foi elaborada em virtude da grande

generalização das tipologias de texto. As sequências são consideradas um

nível intermediário entre a frase e o texto. Para Adam (2011), as sequências

são mais originais que os gêneros textuais e o autor propõe cinco sequências:

a descritiva, a narrativa, a argumentativa, a explicativa e a dialogal.

3.1.1 A sequência descritiva

Segundo Adam (2011), a sequência descritiva não comporta uma ordem

de agrupamento das proposições-enunciados em macroproposições ligadas

entre si. Por esse motivo, é de frágil caracterização. As sequências descritivas

podem ser agrupadas em quatro macrooperações: tematização,

aspectualização, relação, de expansão por subtematização.

A macrooperação tematização é a principal e “dá unidade a um

segmento e faz dele um período tão fortemente característico que aparece

como uma espécie de sequência” (Adam, 2011, p.218). A tematização pode ser

47

aplicada de três formas: pré-tematização, pós-tematização ou retematização. A

primeira anuncia um todo, abre o período descritivo, nomeia de imediato; a

segunda somente nomeia o quadro da descrição no curso ou no fim da

sequência; a terceira não nega uma primeira nomeação, mas há uma nova

denominação do objeto descrito, interrompendo o escopo.

A macrooperação aspectualização se apoia na tematização e pode ser

classificada em: fragmentação ou qualificação. A primeira fragmenta as partes

do objeto a ser descrito; a segunda evidencia propriedades do todo.

A macrooperação de relação agrupa as seguintes operações:

contiguidade e analogia. Aquela situa o objeto do discurso no tempo (situação

temporal) ou no espaço (situação espacial); esta compara o objeto descrito

com outros por analogia.

A macrooperação de expansão por subtematização consiste em

expandir a descrição pelo acréscimo de operações (supracitadas) que se inter-

relacionam. Uma qualificação (macrooperação aspectualização) combinando-

se com uma analogia (macrooperação relação), por exemplo.

3.1.2 A sequência narrativa

A sequência narrativa é construída a partir de cinco momentos: situação

inicial, nó, re-ação ou avaliação, desenlace e situação final.

A situação inicial corresponde ao período anterior ao processo; o nó, ao

início do processo, o desencadeador; a re-ação ou avaliação corresponde ao

“durante o processo”; o desenlace, ao fim do processo; e a situação final, ao

depois do processo.

Segue o esquema resumidor, proposto por Adam (2011 p. 226):

48

Esquema 3: A sequência narrativa (Adam, 2011 p. 226)

3.1.3 A sequência argumentativa

A sequência argumentativa tem como característica evidenciar dois

movimentos: demonstrar-justificar uma tese e refutar uma tese. Os dois

movimentos partem de premissas que não poderiam ser admitidas sem levar

em conta outras considerações para chegar a uma conclusão-assertiva. Van

Dijk (1980, p.119, apud Adam 2011, p.233) propôs um modelo simplificado da

superestrutura do texto argumentativo:

Dados Asserção

(Premissas) Conclusiva

Fato(s)

Apoio

Esquema 4: A superestrutura do texto argumentativo (Van Dijk, 1980, p.119, apud Adam 2011,

p.233)

A sequência argumentativa mantém um princípio dialógico, uma vez que

defender uma tese consiste em defendê-la contra outras teses. Sendo assim,

segundo Adam (2011, p. 234) a sequência argumentativa deve dar lugar à

contra-argumentação:

Limites do processo

Núcleos do processo

Situação Inicial Nó Re-ação ou Desenlace Situação

(Orientação) (Desencadeador) Avaliação (Resolução) Final

49

Esquema 5: A sequência argumentativa (Adam, 2011, p. 234)

3.1.4 A sequência explicativa

A sequência explicativa apoia-se nos operadores POR QUE/ PORQUE.

O primeiro apresenta um objeto complexo e questiona-o; o segundo apresenta

a esquematização explicativa, chegando assim a uma terceira

macroproposição: ratificação, conclusão ou avaliação. Segundo Grize (1990,

p.107), a estrutura da sequência explicativa é a seguinte:

Esquema 6: A sequência explicativa (Grize, 1990, p.107)

A explicação conduz à construção final de um objeto, por meio do

compartilhamento de crenças, tendo por objetivo uma ação; dessa forma, a

explicação funciona como um ato intermediário entre ilocução primária

(partilhar crenças ou conhecimentos) e ilocução final ou do último ato

(persuadir para fazer agir).

Conclusão (nova)

tese Tese

anterior

Dados

Fatos

Sustentação A menos que

Portanto,

provavelmente

Objeto complexo POR QUÊ? Problema PORQUE Explicação

50

3.1.5 A sequência dialogal

A sequência dialogal marca uma concepção interacionista em que toda

declaração (enunciação) estabelece um réplica ao que o locutor precedente

acaba de estabelecer, ou seja, a alternância entre EU e TU garante a

articulação dialogal.

Há dois tipos de sequências dialogais: fática e transacional. A primeira

marca a abertura e o fechamento do texto e a segunda constitui o corpo da

interação. Adam (2011, p.250) propõe o seguinte esquema para a estrutura da

sequência dialogal:

Esquema 7: A sequência dialogal (Adam, 2011, p.250)

Os cinco tipos de sequências apresentadas encontram-se em pé de

igualdade quando se trata de texto escrito, ou seja, um texto pode apresentar

diversos tipos de sequências. No caso dos gêneros textuais, pode-se fixar um

tipo dominante.

3.2 Incrustações, hierarquia e plano de texto

As sequências podem se encadear de forma homogênea (sequências do

mesmo tipo) ou heterogênea (sequências de tipos diferentes). Elas podem se

Sequências fáticas

Sequência transacional

Pergunta Resposta Avaliação

Intercâmbio

de abertura

Intercâmbio

de

fechamento

51

combinar de maneira coordenada (sucessão), inseridas (encaixadas) ou

alternadas (montagem em paralelo).

Conforme Travaglia (2007), após analisar alguns gêneros, pôde-se

observar que os tipos (descrição, dissertação, injunção e narração) podem se

cruzar, conjugar ou se intercambiar para compor um gênero. Tanto Adam

(2011) quanto Travaglia (2007) propõem que, num texto, pode haver a

conjugação de tipos (Travaglia, 2007) ou sequências (Adam, 2011) e que essa

conjugação pode transparecer:

- um tipo dominante necessário, como o caso dos romances,

contos e novelas, mesmo que não haja predominância de sequências

narrativas;

- um tipo predominante, mas não necessariamente, como é o

caso das cartas em que todos os tipos de sequências podem estar

conjugadas, mas não há uma dominante, ou pode haver a dominância

de um tipo de sequências;

- tipos conjugados, mas nunca algum deles é dominante, como as

bulas de remédio, em que há todos os tipos, mas nenhum tipo é

subordinado a outro.

Adam (2011) propõe o seguinte esquema:

Estruturação sequencial

1- Tipos de sequência da base dos agenciamentos

- agenciamento unissequencial (o mais simples e o mais raro);

- agenciamento plurissequencial :

-homogêneo (um único tipo de sequências

combinadas);

- heterogêneo (mistura de sequências diferentes).

2- Combinações de sequências:

- sequências coordenadas (sucessão);

- sequências alternadas (montagem em paralelo);

- sequências inseridas (encaixamento).

3- Dominante:

- pela sequência encaixante (que abre e fecha o texto);

- pelo maior número de sequências de um mesmo tipo;

52

- pela sequência pela qual o texto pode ser resumido.

Esquema 8: Estruturação sequencial (Adam, 2011, p. 272)

Na elaboração do gênero dissertativo, diversos tipos de sequências

podem se conjugar para a construção da argumentação ou exposição das

ideias, mas há um ato ilocucionário definido: a exposição de opinião acerca de

um tema proposto pela instituição. Portanto, ressalta-se como sequência

hierárquica dominante a argumentativa ou explicativa.

Adam (2011, p.257) propõe este esquema de conjunto de ligações de

alto nível que faz toda a complexidade da organização textual:

Esquema 9 : Ligações Textuais (Adam, 2011, p.257)

Dois tipos de operação fazem de um texto um todo configurado: o

estabelecimento de uma unidade semântica (temática) global e (pelo menos)

um ato de discurso dominante. Unidade temática e unidade ilocucionária

determinam a coerência semântico-pragmática global de um texto ou de uma

parte.

LIGAÇÕES TEXTUAIS

ESTRUTURAÇÃO SEQUENCIAL ESTRUTURAÇÃO

COMPOSICIONAL NÃO-SEQUENCIAL

Plano de texto Sequências RETICULAR CONFIGURACIONAL

Convencional Ocasional Léxico Colocações

Série de Dominante Temática Ilocucionária

sequências (macroestrutura (macroatos

semântica) de discurso)

Tipos de texto

Homogêneas Heterogêneas

_

53

O corpus desta pesquisa são textos dissertativos. Portanto, em sua

estrutura sequencial composicional, adotam um plano de texto convencional e

possuem uma sequência textual dominante e, por isso, inserem-se no gênero

“dissertativo”.

3.3 O texto expandido

Um conjunto de frases pode não constituir um texto. A coerência

de texto está diretamente ligada à ordem de aparição dos segmentos. A

coerência de um enunciado deve ser conjuntamente determinada de um ponto

de vista local e global, pois um texto pode ser coerente microestruturalmente

sem o ser macroestruturalmente. Charolles (1988) propõe quatro condições ou

metarregras de coerência textual:

- repetição;

- progressão;

- não contradição;

- relação.

Portanto, há critérios eficientes de boa formação que instituem uma

norma mínima de composição textual.

A repetição designa que é necessário que haja elementos de

recorrência escrita. Para isso, existem vários recursos da língua que

asseguram essas repetições, como pronominalizações, referenciações

contextuais, substituições lexicais e retomadas de inferência.

A progressão infere que é necessário que haja uma contribuição

semântica constantemente renovada a fim de evitar a circularidade do texto.

Não se pode repetir indefinidamente um assunto. Deve-se haver um equilíbrio

entre as repetições e a progressão. Charolles (1988) afirma que é difícil avaliar

exatamente tal equilíbrio, uma vez que a informação “nova” deve estar

ancorada na “velha”.

A não contradição postula que nenhum elemento deve se contradizer.

Não é possível que uma proposição seja, ao mesmo tempo, verdadeira e não

54

verdadeira. As informações “novas” não podem contradizer o já posto ou o

pressuposto.

A relação designa que os fatos que se denotam no mundo representado

devem estar relacionados. Segundo Charolles (1988, p.72), “para que uma

sequência seja admitida como coerente, é necessário que as ações, estados

ou eventos que ela denota sejam percebidos como congruentes no tipo de

mundo reconhecido por quem a avalia”.

Essas quatro metarregras designam “certo número de condições, tanto

linguísticas como pragmáticas, que um texto deve satisfazer para ser

considerado bem formado (por um receptor dado, numa situação dada)”.

(Charolles, 1988, p.74)

No momento atual, os estudos linguísticos tratam a coerência definindo-

a como o sentido mais global do texto. Tal sentido global é de natureza

memorial e não de língua. Charolles (1988) situa a coerência no texto produto e

define-a como a boa formação do texto na organização textual da informação.

Na década de 1970, ainda eram privilegiadas as bases teóricas da

gramática de texto. Esta era definida como um conjunto finito de regras capaz

produzir um número infinito de textos. Neste texto revisto de Charolles (1988),

ele usa a terminologia “regras”. A partir da década de 1980, os estudiosos do

texto entenderam que a produção do texto não é realizada por regras, e sim

por estratégias aplicadas para a produção do texto (cf Kintsch e van Dijk,

1983). Na ocasião, o emprego do termo estratégia é justificado, pois, para uma

gramática, o uso das regras é obrigatório; porém, o uso de estratégias é

variável. Os estudiosos do texto entendem que os textos não se repetem, pois

o ato da enunciação é único.

Nesta dissertação, foram tomados por fundamento os termos utilizados

por Charolles (1988), ou seja, tema, manutenção temática e progressão

semântica, mas, entendemos que a produção de texto é variável, pois ela é

resultado da aplicação de estratégia de produção.

Segundo Kintsch e van Dijk (1983), as estratégias são aprendidas. Esta

dissertação buscou verificar em que medida os produtores de texto bem

formados avaliados pelos corretores da Fuvest conheciam tais estratégias.

55

3.4 Gênero

Segundo Marcuschi (2010), gêneros textuais são fenômenos históricos e

estão vinculados à vida cultural e social. Contribuem para ordenar e estabilizar

as operações comunicativas do dia a dia, além de serem entidades

sociodiscursivas. Não são instrumentos estanques e enrijecidos, são

maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem a partir de necessidades e atividades

socioculturais, por isso é perceptível a grande quantidade de gêneros textuais

atualmente existentes em relação a realidades anteriores.

Os gêneros caracterizam-se mais por suas funções comunicativas,

cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades linguísticas e

estruturais. São práticas sociodiscursivas de difícil definição formal. Há uma

diversidade de formas e, assim como surgem, podem desaparecer. Embora os

gêneros não se caracterizem nem se definam por aspectos formais, sejam eles

estruturais ou linguísticos, e sim por aspectos sociocomunicativos e funcionais

conforme supracitado, não significa que a forma esteja sendo desprezada. Há

casos em que as formas determinam o gênero. Em outros, serão as funções

que determinam ou até mesmo o suporte em que os textos aparecem que vão

determinar o gênero.

A intensidade de uso das novas tecnologias e suas inferências nas

atividades comunicativas diárias dão origem a novos gêneros. E esses não são

inovações absolutas, estão ancorados em outros gêneros já existentes.

Bazerman (2006) baseia-se em uma série de conceitos para fazer um

exame do trabalho realizado pelo texto na sociedade. Tal série de conceitos

circunscreve: fatos sociais, atos de fala, gêneros, sistemas de gêneros e

sistemas de atividades. Esses conceitos sugerem como as pessoas criam

novas realidades de significação, relações e conhecimento, fazendo uso de

textos.

O autor exemplifica com uma sequência de eventos típicos dos meios

acadêmicos em que muitos textos são produzidos, além de fatos sociais. Tais

fatos não poderiam existir se as pessoas não os realizassem por meio da

criação de textos: requerimentos de graduação, programas definindo o trabalho

das várias disciplinas, matrícula de cada aluno em disciplinas etc. Nesse ciclo

de textos e atividades, vemos sistemas organizacionais bem articulados dentro

56

dos quais tipos específicos de textos circulam por caminhos previsíveis, com

consequências familiares e de fácil compreensão (principalmente para os

familiarizados com a vida universitária, segundo o exemplo do autor). Sendo

assim, temos gêneros altamente tipificados de documentos e estruturas sociais

que afetam as ações, os direitos e os deveres das pessoas.

Com esse exemplo, o autor sugere que cada texto se encontra

encaixado em atividades sociais estruturadas e depende de textos anteriores

que influenciam a atividade e a organização social. Cada texto bem-sucedido,

ou seja, cumprindo seu papel, atingindo seu objetivo, cria um fato social.

Os fatos sociais consistem em ações sociais significativas realizadas

pela linguagem ou atos de fala. Esses atos são realizados por meio de formas

textuais padronizadas, típicas e, portanto, intelegíveis, ou gêneros, que estão

relacionados a outros textos e gêneros que ocorrem em circunstâncias

relacionadas. Juntos, os vários tipos de texto se acomodam em conjuntos de

gêneros dentro de sistemas de gêneros, os quais fazem parte dos sistemas de

atividades humanas.

Bazerman (2006) afirma que compreender esses gêneros e seu

funcionamento dentro dos sistemas e nas circunstâncias para as quais são

desenhados pode ajudar o escritor a satisfazer as necessidades da situação,

de forma que esses gêneros sejam compreensíveis e correspondam às

expectativas dos outros.

Retomando os conceitos propostos por Bazerman (2006), os fatos

sociais são coisas que as pessoas acreditam que sejam verdadeiras. Portanto,

afetam o modo como elas definem uma situação. As pessoas agem como se

esses fatos fossem verdades. Por exemplo, embora muitas pesquisas apontem

que os aviões possuem estatísticas de segurança bem melhores do que os

meios de transporte terrestres, muitas pessoas não acreditam de forma segura

nesses fatos e preferem o deslocamento terrestre.

Os fatos sociais dependem dos atos de fala e, segundo Searle (1969),

toda declaração realiza alguma coisa, mesmo que apenas declare um certo

estado de coisas como verdadeiro, logo todo enunciado incorpora atos de fala.

Searle (1969) demonstra que os atos de fala operam em três níveis:

57

- ato locucionário: é literalmente o que é dito;

- ato ilocucionário: é aquilo que se pretende que o ouvinte

reconheça;

- efeito perlocucionário: é o modo como as pessoas

recebem os atos e determinam as consequências deste ato

para futuras interações.

Essa distinção em três níveis mostra como é difícil coordenar o que é

dito com o que realmente pretendemos e como as pessoas entendem que

estamos tentando fazer. A comunicação por meio da escrita pode agravar esse

problema, uma vez que não podemos ver gestos e atitudes uns dos outros.

Uma maneira de melhor coordenar nossos atos de fala é agir de modo

típico, ou seja, modos facilmente reconhecidos como realizadores de

determinados atos em determinadas circunstâncias. Essas formas de

comunicação reconhecíveis e autorreforçadoras emergem como gêneros.

O processo de mover-se em direção a formas de enunciados

padronizados, que realizam certas ações em determinadas circunstâncias, e de

uma compreensão padronizada de determinadas situações é chamado de

tipificação.

A definição de gênero apresentada por Bazerman (2006) é um pouco

diferente daquela noção trivial que temos acerca do tema. Para o autor, a

definição de gênero como apenas um conjunto de traços textuais ignora o

papel dos indivíduos no uso e na construção dos sentidos; ignora as diferenças

de percepção e compreensão, o uso criativo da comunicação para satisfazer

novas necessidades percebidas em novas circunstâncias e a mudança no

modo de compreender o gênero com o decorrer do tempo.

Ele afirma que gêneros “são fatos sociais sobre os tipos de atos de fala

que as pessoas podem realizar e sobre os modos como elas os realizam.

Gêneros emergem nos processos sociais em que pessoas tentam

compreender umas às outras suficientemente bem para coordenar atividades e

compartilhar significados com vistas a seus propósitos práticos” (Bazerman,

2006, p.31).

58

Para caracterizar como os gêneros se enquadram em organizações, o

autor propõe vários conceitos que se sobrepõem: conjunto de gêneros, sistema

de gêneros e sistema de atividades.

Um conjunto de gêneros é a coleção de tipos de textos que uma pessoa

num determinado papel tende a produzir; um sistema de gêneros compreende

os diversos conjuntos de gêneros utilizados por pessoas que trabalham juntas

de uma forma organizada e também as relações padronizadas que se

estabelecem na produção, na circulação e no uso desses documentos.

Um professor, em sua rotina diária, pode utilizar diversos gêneros para

desempenhar suas funções, ou seja, um conjunto de gêneros. A junção do

conjunto de gêneros usados por um professor e o conjunto de gêneros

empregados por um aluno compreende um sistema de gêneros.

Esse sistema de gêneros é parte do sistema de atividades que se

desenvolve numa sala de aula, por exemplo. Levar em consideração o sistema

de atividades junto com o sistema de gêneros é focalizar o que as pessoas

fazem e como os textos ajudam as pessoas a fazê-lo, em vez de focalizar os

textos como fins em si mesmo.

Segundo Silveira (2012), o uso social dos textos (ponto de vista

discursivo) possibilita que as pessoas reconheçam quando uma organização

textual funciona bem em determinada situação e que pode ser compreendida

em outra circunstância similar. Portanto, seguir padrões comunicativos (formas

padronizadas e reconhecíveis) com os quais as pessoas estão acostumadas é

usar gêneros textuais.

Do ponto de vista textual, o gênero é entendido como a organização dos

textos em sua regularidade composicional. Como a tendência atual é aproximar

a Linguística textual da discursiva, Adam (2011) propõe integrar os planos

discursivos e textuais, por meio dos atos intencionais do discurso (ilocucional) e

sua orientação argumentativa.

Sendo assim, para esta pesquisa, analisaremos a estrutura

composicional do gênero dissertativo e o macroato deveria estar guiado pela

intenção de se expressar da melhor forma possível por estar em situação

avaliativa e de exclusão.

59

3.5 O gênero dissertativo

Segundo Adam (2011), o texto dissertativo apresenta estrutura

composicional fixa e, conforme Silveira (2012), manifesta um tipo de crença,

uma emissão de opinião, que é guiada pelas cognições sociais, apresentando

uma dimensão avaliativa. Um ponto de vista é guiado por objetivos, interesses

e propósitos sociais e pessoais.

O gênero dissertativo, solicitado por diversos vestibulares, enquadra-se

na classe opinativa e apresenta como objetivo avaliar a criticidade (Dias, 1986)

do candidato perante um tema proposto.

Essa criticidade pode apresentar-se com uma organização textual de

sequências explicativas ou argumentativas. De acordo com Silveira (2012), os

textos dissertativos organizados com a sequência explicativa são expositivos

ou de uma tese e os textos organizados com a sequência argumentativa são

argumentativos ou de duas teses.

3.5.1 O gênero dissertativo de uma tese

O texto dissertativo que adota a sequência explicativa como plano

pretende fazer o outro “saber” aquilo que “não sabia”, ou seja, explicitar o que

está implícito. Portanto, “trata-se da expansão das informações (PORQUE), por

explicitações de conhecimentos não compartilhados pelo auditório, de forma a

conduzi-lo a fazer inferências e a hierarquizar a construção do sentido global, a

fim de que aceite a conclusão (tese) comunicada pelo cientista.” (Silveira, 2012,

p.100)

A sequência explicativa aparece incrustada na categoria Justificativa:

60

Esquema 10: Dissertativo de uma tese (Silveira, 2012, p. 100)

Na categoria “Apresentação - síntese informativa”, o autor começa seu

texto com uma série de palavras e frases para situar o fato; na categoria

“Justificativa - explicação informativa”, o autor, por uma estratégia

argumentativa, apresenta informações necessárias que comprovem e

justifiquem a tese a ser comunicada. Nesse momento, o autor faz a expansão

dos sentidos específicos mencionados no texto reduzido, ou seja, há a

progressão semântica; na categoria “Conclusão”, há a tese defendida pelo

autor.

Utilizar a sequência explicativa (texto-reduzido e texto-expandido) no

texto dissertativo de uma tese trata-se de uma estratégia argumentativa para

propiciar que o autor faça as inferências fundamentais para que o leitor aceite a

tese proposta (conclusão).

3.5.2 O gênero dissertativo de duas teses

O texto dissertativo que adota a sequência argumentativa é organizado

com a oposição do candidato à cognição social. Sendo assim, o leitor é

representado como aquele que conhece a tese 1, à qual o autor do texto se

opõe, e, por isso, defende a tese 2, que é de sua criação. Para isso, o autor

contra-argumenta para fazer o leitor abandonar a tese 1 e argumenta para ele

(o leitor) aderir à tese 2.

Silveira (2012, p.103) propõe a seguinte sequência textual:

Dissertativo de uma tese

Apresentação-síntese informativa Justificativa-explicação informativa Conclusão

Texto síntese Texto expandido Tese defendida

61

Esquema 11: Dissertativo de duas teses (Silveira, 2012, p.103)

A autora inclui a categoria “Paradigma científico” unido à categoria

“Cognições sociais”, mas, como nossa pesquisa tem como corpus textos em

que os alunos não consultam nenhum tipo de material físico para produzi-lo,

preferimos não incluir essa categoria nesta pesquisa.

Na categoria “Tese 1”, o autor apresenta as palavras e frases que

representam as cognições sociais, ou seja, o saber atribuído ao leitor; na

categoria “Contra-argumento”, o autor, a partir do “saber” do leitor, constrói

contra-argumentos para fazer com que o leitor abandone o que sabia. Nem

sempre os contra-argumentos aparecem explícitos. Eles podem estar implícitos

e podem aparecer em menor quantidade que os argumentos enunciados; na

categoria “Argumentos”, o autor reforça a tese 2 com argumentos para que o

leitor aceite-a e é apresentada como um “saber novo”; a categoria “Tese 2” é o

resultado da discordância do autor em relação à tese 1, no caso, o saber do

leitor, a cognição social. A tese 2 é o “saber novo”.

A seguir, Silveira (2012) propõe um esquema simplificador dos textos

que abordam “Pontos de vista”:

Dissertativo argumentativo de duas teses

Apresentação Justificativa Conclusão

Tese 1 Cognições sociais Circunstância Tese 2

Pontos de partida Fato

Contra-argumentos

da tese 1 x argumentos

da tese 2

Outra versão do Fato para a tese 2

62

Esquema 12: Esquema textual dos textos “Pontos de Vista” (Silveira, 2012, p. 335)

3.6 O processo de referenciação

Segundo Koch (2010, p.33), “a remissão textual por meio de formas

nominais referenciais consiste na construção e na reconstrução de objetos-de-

discurso”, que são representações semióticas instáveis (constantemente

reformuláveis) e não entidades da realidade preexistentes à interação.

Continua a autora:

[...] defendemos em Koch & Marcuschi que a discursivização

ou a textualização do mundo por meio da linguagem não consiste em

um simples processo de elaboração de informações, mas em um

processo de (re)construção do próprio real. Os objetos-de-discurso

não se confundem com a realidade extralinguística, mas

(re)constroem-na no próprio processo de interação: a realidade é

construída, mantida e alterada não apenas pela forma como

nomeamos o mundo, mas, acima de tudo, pela forma como,

Ponto de vista

Texto reduzido Texto expandido

Título Apresentação Justificativa Conclusão (tese 2)

Objeto Tema Cognições sociais Circunstância

extra e intergrupais

Síntese: tese 1 x tese 2 exposição-informativa

uma versão (tese 1)

Dissertativo de uma tese

Pontos de Partida Fato

Legitimidade Reforço Questão social

valores das cognições sociais de domínio

contra-argumentos da tese 1 x argumentos tese 2 público com

outra versão, a

do escritor

cientista

Dissertativo de duas teses

Valores negativos - tese 1 x valores positivos – tese 2

versão 1 do fato versão 2 do fato

63

sociocognitivamente, interagimos com ele. Interpretamos e

construímos nossos mundos na interação com o entorno físico, social

e cultural.

(Koch, 2010. p. 33-34)

A autora cita Mondada para distinguir referência de referenciação e

referente de objeto-de-discurso. Mondada propõe a substituição dos termos.

A questão da referência é um tema clássico da filosofia da

linguagem, da lógica da linguística: nestes quadros, ela foi

historicamente posta como um problema de representação do mundo,

de verbalização do referente, em que a forma linguística selecionada

é avaliada em termos de verdade e de correspondência com ele (o

mundo). A questão da referenciação opera um deslizamento em

relação a este primeiro quadro: ela não privilegia a relação entre as

palavras e as coisas, mas a relação intersubjetiva e social no seio da

qual as versões do mundo são publicamente elaboradas, avaliadas

em termos de adequação às finalidades práticas e às ações em curso

dos enunciadores.

No interior dessas operações de referenciação, os

interlocutores elaboram objetos do discurso, i.e., entidades que não

são concebidas como expressões referenciais em relação especular

com objetos do mundo ou com sua representação cognitiva, mas

entidades que são interativamente e discursivamente produzidas

pelos participantes no fio da enunciação. Os objetos de discurso são,

pois, entidades constituídas nas e pelas formulações discursivas dos

participantes: é no e pelo discurso que são postos, delimitados,

desenvolvidos e transformados objetos de discurso que não

preexistem a ele e que não têm uma estrutura fixa, mas que, ao

contrário, emergem e se elaboram progressivamente na dinâmica

discursiva. Dito de outra forma, o objeto do discurso não remete a

uma verbalização de um objeto autônomo e externo às práticas

linguageiras; ele não é um referente que teria sido codificado

linguisticamente.

(Koch, 2010, p. 34)

Sendo assim, o processo de referenciação constitui-se uma atividade

discursiva. Visando à concretização de sua proposta de sentido, o sujeito

seleciona dentro do material linguístico os vocábulos que melhor traduzem o

64

estado de coisas. O processo de referenciação constitui escolhas do sujeito a

fim de demonstrar um querer-dizer. O fenômeno não se limita à remissão e à

retomada de elementos linguísticos, explicitados no co-texto.

O perfil do que hoje se entende como referente, em Linguística Textual,

sofreu radical transformação: saiu da relação entre expressões referenciais e

marcas co-textuais explícitas para uma entidade construída de forma conjunta,

negociada e, ao mesmo tempo, representada na mente dos participantes da

enunciação. Os processos referenciais são recategorizados no transcurso da

interação.

Sendo assim, nessa perspectiva, o referente é um objeto-de-discurso, ou

seja, uma criação que vai se reconfigurando não somente pelas pistas que as

estruturas sintático-semânticas e os conteúdos lexicais fornecem, mas também

por dados do entorno sociodiscursivo e cultural que vão sendo mobilizados

pelos participantes da enunciação.

A referenciação pode se dar por meio de formas nominais ou

pronominais. Essas expressões anafóricas remetem a algum tipo de

informação anteriormente alocada na memória discursiva; não são utilizadas,

simplesmente, para localizar um segmento linguístico no texto.

As anáforas podem ser de dois tipos: diretas ou indiretas. A primeira é

qualquer ocorrência em que um objeto-do-discurso seja recuperado de alguma

maneira (com formas nominais ou pronominais), mesmo que passe por

processos de recategorização. A segunda se refere a um objeto novo no

discurso, que ainda não foi mencionado no co-texto anterior, de modo que sua

interpretação só é alcançada dentro do universo do discurso que permeia o

texto com os conhecimentos compartilhados entre os participantes da

enunciação.

Em síntese, a retomada do mesmo objeto-do-discurso são as anáforas

diretas e a não retomada do mesmo objeto-do-discurso são as anáforas

indiretas.

No próximo capítulo, procederemos à análise do nosso corpus, tendo

por fundamento este capítulo e o anterior.

65

CAPÍTULO IV : OS ESQUEMAS TEXTUAIS, A CONSTRUÇÃO OPINATIVA E A REFERENCIAÇÃO

Neste capítulo, procederemos à análise do corpus e temos como

objetivo destacar o tipo de sequência textual que organiza os textos

considerados de “bom nível” pela banca corretora da Fuvest, verificar a

estratégia utilizada para a construção opinativa e evidenciar a progressão

semântica por meio da referenciação.

4.1 Procedimentos analíticos

Com base nos aspectos teóricos apresentados nos dois capítulos

anteriores, apresentaremos, nesta seção, a análise de algumas redações

expostas no painel de textos da Fuvest em 2013. Tal publicação compreende

27 textos. Após nossa análise, dividimos essa totalidade em dois grupos: os

dissertativos de uma tese e os dissertativos de duas teses.

Para cada bloco, selecionamos três textos para representar um modelo

de análise seguindo nossa fundamentação teórica. Orientamo-nos pelas

categorias de análise:

- as sequências textuais e suas incrustações no esquema textual;

- a estratégia utilizada para a construção opinativa;

- o processo de referenciação.

As redações foram digitadas para uma facilidade durante a leitura, mas

enfatizamos que a digitação está ipis litteris, conforme o anexo.

As cores, negritos e sublinhados utilizados nas análises dão suporte

para identificarmos o processo de referenciação ou relação. Sendo assim, a

escolha do pigmento não categoriza os objetos-do-discurso em principais ou

secundários. As cores encaminharão a visão do leitor para a identificação dos

termos com que se relacionam.

66

4.2 A proposta

A Fuvest, em 2013, apresentou como proposta o seguinte tema

(http://www.fuvest.br/vest2013/bestred/temared.html) :

67

O texto multimodal2 selecionado para a prova de redação da Fuvest

2013 é um texto do gênero publicitário3 e apresenta uma imagem com cores

dispostas em gradação: branco, amarelo e laranja. Tais cores apresentam

similitude com as dos cartões de crédito do tipo gold4, ou seja, pessoas com

alto poder aquisitivo, portanto aptas para comprar. O desenho pretende retratar

o interior de um shopping, onde há seis andares e diversas pessoas bem

vestidas, elegantes que circulam pelos andares. Algumas carregam sacolas, a

maioria está acompanhada, formando pequenos grupos, e estes podem

simbolizar a união e harmonia com que um dia de compras no shopping pode

proporcionar.

É uma imagem interativa, pois as pessoas retratadas se olham, mas não

é interacional, pois não há uma comunicação com o leitor. Numa leitura

vertical, há uma centralização para a distribuição uniforme dos corredores. A

imagem destaca a leitura vertical e não horizontal, uma vez que não há leitura

horizontal. 2 texto multimodal: Kress e van Leeuwen (1996) definem o texto multimodal como aquele

construído com imagens, cores e o verbal. Segundo os autores, toda mudança social produz

uma mudança no discurso e vice-versa. Sendo assim, a pós-modernidade com as altas

tecnologias e a globalização propiciaram a preferência pelos textos multimodais. A Fuvest, por

vezes, tem dado, também, preferência aos multimodais. Esses autores buscam estratégias de

leitura para os textos multimodais e publicaram uma gramática desses textos de forma a

considerar linhas de espaçamento geográfico do texto, na vertical e na horizontal; a

centralização das imagens em relação à moldura, a posição direcional das imagens na

transitividade das imagens nas relações intratextual e interacional; os valores culturais das

cores e dos matizes das cores para diferenciar ou identificar figura e fundo.

3 gênero publicitário: Nota apenas para diferenciar publicidade e propaganda: Rabaça e

Barbosa (1987) afirmam que a publicidade divulga, torna público, informa a respeito de um

produto; já a propaganda está relacionada à comunicação persuasiva de ideias.

4 gold: Os cartões de crédito são divididos em algumas categorias. As instituições bancárias

adotam categorias diferentes, porém similares. Uma instituição, que preferimos chamá-la por X,

determina as seguintes categorias (em ordem crescente de limites para gastos): nacional,

internacional, gold, platinum, personnalité e black. Essas categorias classificam o poder

aquisitivo do consumidor. Embora o cartão do tipo black denote um consumidor mais

“poderoso” financeiramente, o anúncio preferiu utilizar cores que remetem ao ouro. Para as

cognições sociais brasileiras, o ouro é mais valioso e simboliza o poder. Culturalmente o ouro é

considerado o metal mais precioso desde sua descoberta no século XVII pelos bandeirantes

em Minas Gerais.

68

Há um texto reduzido: “Aproveite o melhor que o mundo tem a oferecer

com o Cartão de Crédito X”, que corrobora para a interpretação da imagem. É

um anúncio de cartão de crédito, mas, ao mesmo tempo, vende a ideia de um

shopping ser o local ideal para consumir. O texto evidencia que o melhor que o

mundo tem a oferecer é um dia de compras. E, para ter acesso a esse mundo,

o cartão de crédito anunciado será a chave. A proposta solicita que o estudante

assuma um ponto de vista sobre o assunto.

4.3 Sobre o corpus

Os 27 textos que compõem o corpus de análise desta pesquisa foram

extraídos do site http://www.fuvest.br/vest2013/bestred/bestred.html, acessado

em dezembro de 2014.

A Fuvest apresenta como texto que introduz a publicação das

dissertações o seguinte enunciado:

“Exemplos de redações consideradas de bom nível pela Banca Corretora por terem

atendido, total ou parcialmente, os aspectos avaliados: tipo de texto e abordagem do

tema, estrutura e expressão.”

4.4 Análise do corpus

4.4.1 Texto 1: A perda de referências e o consumismo na globalização (Texto

1 do Anexo)

O shopping center talvez seja, hoje em dia, o maior símbolo da

globalização. Em qualquer lugar do mundo, o interior de um shopping é

praticamente o mesmo. Este símbolo apenas, é um grande exemplo de dois

dos mais importantes aspectos da globalização: a perda de referências e o

consumismo.

O historiador Nicolau Sevcenko, ao caracterizar o processo de

globalização comparou o sujeito inserido neste processo a uma pessoa em

69

uma viagem de montanha russa, mais especificamente no loop de uma. Para

Sevcenko, a perda de referências sofrida no loop de uma montanha russa é

semelhante à sofrida na constante corrida de avanço tecnológico e progresso

da sociedade contemporânea. Seja na arte ou nas relações sociais, o sujeito

globalizado parece estar sozinho, desorientado e à procura de algo. Esta

procura muitas vezes se traduz na compra e apologia de mercadorias, o

consumismo.

O shopping center funciona exatamente como a montanha russa.

Bombardeados por anúncios, luzes e lojas, os consumidores entram em um

estado de frenesi, que os induz a comprar mais. A perda de referências se dá

pela ausência de marcadores de tempo (relógios ou entradas de luz natural) e

pela rapidez com que os produtos se renovam. Absolutamente tudo é novo e

melhor. Com a inovação constante, o velho se torna obsoleto e a felicidade se

encontra em obter as novidades, dispensando até mesmo o seu

aproveitamento.

Ideologia, no seu sentido marxista é uma ideia que tem como objetivo

ofuscar a visão da realidade. Utilizando este conceito, é possível situar o

shopping center como ferramenta de uma ideologia da classe dominante. No

estágio em que o capitalismo se encontra hoje, de progresso pelo progresso e

reprodução não produtiva do capital, a única engrenagem que mantém o

sistema de produção é o consumismo, que por sua vez é mantido por anúncios

veiculados na mídia. É preciso desacelerar a montanha russa da globalização

ou perderemos todas as nossas referências e nos tornaremos apenas

consumidores.

4.4.1.1 O esquema textual

O texto do candidato apresenta a sequência explicativa na sua

organização composicional. É um texto dissertativo de uma tese e apresenta

em sua estrutura: Texto Reduzido > Texto Expandido > Tese, como estratégia

argumentativa. Aplicando o modelo de Silveira (2012) à redação do candidato,

podemos construir a seguinte visualização:

70

TEXTO REDUZIDO: TEXTO EXPANDIDO: TESE DEFENDIDA:

- shopping é símbolo de

globalização

- dois aspectos da

globalização: perda de

referências e o

consumismo

Nicolau Sevcenko –

perda da referência em

uma viagem de

montanha russa, assim

como a corrida de

avanço tecnológico e o

progresso da sociedade

contemporânea.

- sujeito globalizado está

sozinho, desorientado e

à procura de algo –

portanto consome.

- shopping center=

montanha russa, que

ocasiona a perda de

referência (sem

marcador temporal) e

renovação rápida de

produtos.

É preciso desacelerar a

montanha russa da

globalização ou

perderemos todas as

nossas referências e

nos tornaremos apenas

consumidores.

4.4.1.2 A construção opinativa

O texto reduzido da proposta afirma:

Aproveite o melhor que o mundo tem a oferecer com o

Cartão de Crédito X.

O texto reduzido do candidato afirma:

O shopping center talvez seja, hoje em dia, o maior

símbolo da globalização. Em qualquer lugar do mundo, o interior

de um shopping é praticamente o mesmo. Este símbolo apenas, é

um grande exemplo de dois dos mais importantes aspectos da

globalização: a perda de referências e o consumismo.

71

Confrontando o texto reduzido da proposta da Fuvest com o ponto de

vista novo assumido pelo candidato, verificamos que o seu texto reduzido

recategoriza os objetos-do-discurso:

Texto reduzido da Fuvest Texto reduzido do candidato

“o melhor” shopping center

“o mundo” globalização

“cartão de crédito” consumismo

Nesse sentido, há uma opinião opositiva em relação à opinião expressa

na proposta. Logo a mudança de ponto de vista para representar o shopping

center e o cartão de crédito propicia a construção de uma nova opinião que

está intertextualizada com a anterior, embora oposta a ela.

Todas as vezes que ocorre a mudança do ponto de vista ocorre também

a mudança do tema:

- proposta da Fuvest: valor positivo atribuído aos shoppings centers para

consumir produto gastando dinheiro e pagando com cartão de crédito;

- proposta do candidato: valor negativo atribuído aos shoppings centers para

consumir produto gastando dinheiro e pagando com cartão de crédito.

No texto multimodal da proposta, a cor ouro e a imagem do interior de

um shopping por andares é sintetizada nas palavras: Aproveite o melhor que o

mundo tem a oferecer com o Cartão de Crédito X.

No texto reduzido do candidato, por haver oposição com o gasto pelo

consumo de produtos existentes no shopping, houve a mudança para palavras

que sintetizam a leitura feita por ele: “perda de referência” e “consumismo”.

O candidato, após a leitura do texto multimodal, ressemantiza

produzindo uma nova opinião. Para tanto, utiliza os seguintes procedimentos:

- relexicaliza palavras do texto base;

- muda o foco, portanto há tematização;

72

- seleciona no seu texto expandido algumas palavras do seu texto reduzido e

insere outras que serão também expandidas a fim de construir seus

argumentos, preservando a manutenção temática.

4.4.1.3 A referenciação

Abaixo o texto foi reescrito e dividido novamente em Texto Reduzido >

Texto Expandido > Tese.

As cores servem para visualizarmos a expansão das palavras do texto e

como se relacionam, conforme descrito nos Procedimentos Analíticos.

A perda de referências e o consumismo na globalização

TEXTO REDUZIDO:

O shopping center talvez seja, hoje em dia, o maior símbolo da globalização.

Em qualquer lugar do mundo, o interior de um shopping é praticamente o

mesmo. Este símbolo apenas, é um grande exemplo de dois dos mais

importantes aspectos da globalização: a perda de referências e o

consumismo.

No Texto Reduzido, o candidato apresenta uma série de palavras para

situar o fato: shopping center, globalização, perda de referências e

consumismo.

TEXTO EXPANDIDO:

1º parágrafo:

globalização- O historiador Nicolau Sevcenko, ao caracterizar o processo de

globalização comparou o sujeito inserido neste processo a uma pessoa em

uma viagem de montanha russa, mais especificamente no loop de uma.

perda de referências- Para Sevcenko, a perda de referências sofrida no loop

de uma montanha russa é semelhante à sofrida na constante corrida de avanço

tecnológico e progresso da sociedade contemporânea.

73

sujeito- Seja na arte ou nas relações sociais, o sujeito globalizado parece estar

sozinho, desorientado e à procura de algo.

No primeiro parágrafo do Texto Expandido, o candidato expande os

termos globalização e perda de referências citados no Texto Reduzido e faz

uma nova expansão do termo sujeito, citado no Texto Expandido.

2º parágrafo:

procura- Esta procura muitas vezes se traduz na compra e apologia de

mercadorias, o consumismo.

shopping center- O shopping center funciona exatamente como a montanha

russa. Bombardeados por anúncios, luzes e lojas, os consumidores entram em

um estado de frenesi, que os induz a comprar mais.

perda de referências- A perda de referências se dá pela ausência de

marcadores de tempo (relógios ou entradas de luz natural) e pela rapidez com

que os produtos se renovam.

produtos se renovam- Absolutamente tudo é novo e melhor. Com a inovação

constante, o velho se torna obsoleto e a felicidade se encontra em obter as

novidades, dispensando até mesmo o seu aproveitamento.

No segundo parágrafo do Texto Expandido, o candidato expande os

termos shopping center e perda de referências, ambos citados no Texto

Reduzido. O candidato também faz novas expansões: dos termos procura e

produtos se renovam, ambos citados no Texto Expandido.

Cita novamente o termo consumismo, já mencionado no Texto

Reduzido e relaciona-o ao termo procura.

CONCLUSÃO (TESE):

Ideologia- Ideologia, no seu sentido marxista é uma ideia que tem como

objetivo ofuscar a visão da realidade.

shopping center- Utilizando este conceito, é possível situar o shopping center

como ferramenta de uma ideologia da classe dominante.

74

consumismo- No estágio em que o capitalismo se encontra hoje, de progresso

pelo progresso e reprodução não produtiva do capital, a única engrenagem que

mantém o sistema de produção é o consumismo, que por sua vez é mantido

por anúncios veiculados na mídia.

TESE: É preciso desacelerar a montanha russa da globalização ou

perderemos todas as nossas referências e nos tornaremos apenas

consumidores.

No último parágrafo, ele apresenta o conceito de Ideologia para

introduzir sua conclusão e relaciona-o a shopping center, citado no Texto

Reduzido.

Num processo de “amarramento”, apresenta como Tese o seguinte

enunciado: “É preciso desacelerar a montanha russa da globalização ou

perderemos todas as nossas referências e nos tornaremos apenas

consumidores.”, ou seja, das quatro palavras citadas no Texto Reduzido e

expandidas no Texto Expandido, três figuram na Tese: globalização, perda da

referência, consumismo.

Sendo assim, o candidato expandiu as suas palavras atualizadas no seu

Texto Reduzido e fez novas expansões a partir do Texto Expandido.

Relacionou a Tese/ Conclusão com as palavras citadas no Texto Reduzido.

A expansão do texto analisado foi realizada da seguinte forma:

- durante toda a expansão, houve a manutenção temática << shopping center

com globalização dos produtos é pernicioso, pois ocasiona com o consumismo

a perda financeira para as pessoas>>

- o texto é expandido com a progressão semântica, ou seja, embora haja a

manutenção temática, ocorre a progressão semântica pela construção dos

argumentos de legitimidade e de reforço.

O candidato utilizou a estratégia argumentativa de sequenciar Texto

Reduzido> Texto Expandido > Palavras reduzidas (no Texto Expandido –

sujeito, procura e produtos se renovam) > novas expansões para fazer com

que seu auditório aceite a tese proposta.

75

Adotou na organização composicional a sequência explicativa ou o

gênero dissertativo de uma tese. Além disso, utilizou a norma de padrão

gramatical para se expressar.

Portanto esse texto apresenta uma boa formação e atende totalmente

aos itens avaliados pela Fuvest: tipo de texto, abordagem do tema, estrutura e

expressão.

4.4.2 Texto 2: Ditadura da propaganda (Texto 10 do Anexo)

A propaganda é uma das mais usadas e mais eficazes formas de

difundir determinadas mensagens com o objetivo de promovê-las, ou vendê-

las, para um grande público. Largamente utilizada por Estados totalitários, a

propaganda, por ter um caráter não violento, tornou-se um importante

instrumento de manipulação social. Assim, quando a força física era inviável

para conter a desaprovação popular em relação ao governo, anúncios

publicitários que promoviam a prosperidade e o desenvolvimento do país,

mentirosos ou não, eram feitos frequentemente. Porém, o uso da propaganda

vai além da promoção de governos e governantes: as imposições de valores e

as regras ditadas pelos anúncios publicitários de empresas fazem a

propaganda ser tão coercitiva em democracias quanto em ditaduras.

A ditadura militar brasileira foi marcada por uma enorme repressão aos

opositores e por uma rígida censura da imprensa e da cultura. Assim,

principalmente durante o período de grande crescimento econômico do país, o

chamado “milagre brasileiro”, o governo buscou o apoio popular através de

anúncios e slogans como o “Brasil, grande potência”, manipulando as massas,

de modo a mascarar o caráter repressor do Estado e divulgar uma

prosperidade que duraria pouco. Logo, a propaganda foi fundamental, através

da manipulação, para transmitir o sentimento de progresso e diminuir o

descontentamento com o governo.

Soma-se, ainda, à característica manipuladora da propaganda, a

natureza impositora que os anúncios publicitários têm. Ao relacionar um

shopping com o “melhor que o mundo pode oferecer”, pressupõe-se que tal

76

“melhor” possa somente ser encontrado nas vitrines e à venda. Dessa forma, a

hábil combinação entre a imposição de valores, como o “melhor” sendo

comprar num shopping e a função do produto promovido, como um cartão de

crédito, permite que valores pré-concebidos sejam abandonados em virtude

dos apresentados nos anúncios, levando a pessoa a consumir o produto

exposto por eles.

Portanto, o uso da propaganda e dos anúncios publicitários não é tão

grande por acaso: a união entre manipulação e a imposição é capaz de gerar

resultados muito satisfatórios para quem a emprega, seja o governo de um

país, uma comissão partidária, ou uma empresa de cartões de crédito. Para

algumas pessoas, um cartão de crédito pode fazê-las aproveitar um shopping,

tornando-o a melhor coisa do mundo; para outras, a melhor do mundo não é

um shopping, mas este passa a o ser.

4.4.2.1 O esquema textual

O texto do candidato apresenta a sequência explicativa na sua

organização composicional. É um texto dissertativo de uma tese e exibe a

estrutura: Texto Reduzido > Texto Expandido > Tese, como estratégia

argumentativa. Aplicando o modelo de Silveira (2012) à redação do candidato,

podemos construir a seguinte visualização:

TEXTO REDUZIDO: TEXTO EXPANDIDO: TESE DEFENDIDA:

- propaganda é a

melhor forma de difundir

determinadas

mensagens

- propaganda é um

importante instrumento

de manipulação social

- anúncios publicitários

promoviam prosperidade

- ditadura foi marcada

por uma enorme

repressão aos

opositores

- durante o “milagre

brasileiro”, o governo

buscou apoio popular

por meio de anúncios

que retratavam o slogan

O uso da propaganda e

dos anúncios

publicitários não é tão

grande por acaso: a

união entre a

manipulação e a

imposição é capaz de

gerar resultados muito

77

quando a força física era

inviável para conter o

descontentamento da

população com o

governo

- os valores impostos

pela propaganda são

coercitivos

“Brasil, grande potência”

- as massas eram

manipuladas

- o caráter opressor do

Estado era mascarado

- a propaganda foi

fundamental para

transmitir o sentimento

de progresso e para

diminuir o

descontentamento

- propaganda possui

natureza impositora

satisfatórios

4.4.2.2 A construção opinativa

O texto reduzido da proposta afirma:

Aproveite o melhor que o mundo tem a oferecer com o Cartão de

Crédito X.

O texto reduzido do candidato afirma:

A propaganda é uma das mais usadas e mais eficazes

formas de difundir determinadas mensagens com o objetivo de

promovê-las, ou vendê-las, para um grande público. Largamente

utilizada por Estados totalitários, a propaganda, por ter um

caráter não violento, tornou-se um importante instrumento de

manipulação social. Assim, quando a força física era inviável

para conter a desaprovação popular em relação ao governo,

anúncios publicitários que promoviam a prosperidade e o

desenvolvimento do país, mentirosos ou não, eram feitos

frequentemente. Porém, o uso da propaganda vai além da

78

promoção de governos e governantes: as imposições de valores

e as regras ditadas pelos anúncios publicitários de empresas

fazem a propaganda ser tão coercitiva em democracias quanto

em ditaduras.

Confrontando o texto reduzido da proposta da Fuvest com o ponto de

vista novo assumido pelo candidato, verificamos que o seu texto reduzido

recategoriza o objeto-do-discurso em quatro termos dispostos em gradação

crescente, pois é nesta ordem que aparecem em seu texto reduzido:

Texto reduzido da Fuvest Texto reduzido do candidato

“Aproveite” propaganda, manipulação,

imposição, ditadura

Nesse sentido, o candidato assumiu seu ponto de vista explorando a

função conativa das propagandas e foca a sua dissertação no caráter

imperativo delas. O espectador é praticamente “forçado” a executar as ordens

impostas pelas propagandas, mesmo que ele não concorde com elas.

O candidato assumiu uma opinião opositiva em relação à imposição das

propagandas e à comunicação persuasiva de ideias veiculadas por elas.

Como ocorreu a mudança do ponto de vista, ocorreu também a

mudança do tema:

- proposta da Fuvest: valor positivo atribuído às ideias que a propaganda

veicula: a felicidade está em realizar compras num shopping center, então seja

feliz e compre;

- proposta do candidato: valor negativo atribuído às ideias que a propaganda

veicula: a propaganda é uma forma de manipular a sociedade, impondo valores

e ditando regras como numa ditadura.

79

No texto multimodal da proposta, a cor ouro e a imagem do interior de

um shopping por andares é sintetizada nas palavras: Aproveite o melhor que o

mundo tem a oferecer com o Cartão de Crédito X.

No texto reduzido do candidato, por haver oposição à manipulação que a

propaganda exerce na sociedade, houve a mudança para palavras que

sintetizam a leitura feita por ele: “imposição de valores”, “regras ditadas pelos

anúncios” e “ditadura”.

O candidato, após a leitura do texto multimodal, ressemantiza

produzindo uma nova opinião. Para tanto, utiliza os seguintes procedimentos:

- relexicaliza palavras do texto base;

- muda o foco, portanto há tematização;

- seleciona no seu texto expandido algumas palavras do seu texto reduzido e

insere outras que serão também expandidas a fim de construir seus

argumentos, mantendo a manutenção temática.

4.4.2.3 A referenciação

Abaixo o texto foi reescrito e dividido novamente em Texto Reduzido >

Texto Expandido > Tese.

As cores servem para visualizarmos a expansão das palavras do texto e

como se relacionam, conforme descrito nos Procedimentos Analíticos.

Ditadura da propaganda

TEXTO REDUZIDO:

A propaganda é uma das mais usadas e mais eficazes formas de difundir

determinadas mensagens com o objetivo de promovê-las, ou vendê-las, para

um grande público. Largamente utilizada por Estados totalitários, a

propaganda, por ter um caráter não violento, tornou-se um importante

instrumento de manipulação social. Assim, quando a força física era inviável

para conter a desaprovação popular em relação ao governo, anúncios

publicitários que promoviam a prosperidade e o desenvolvimento do país,

80

mentirosos ou não, eram feitos frequentemente. Porém, o uso da propaganda

vai além da promoção de governos e governantes: as imposições de valores

e as regras ditadas pelos anúncios publicitários de empresas fazem a

propaganda ser tão coercitiva em democracias quanto em ditaduras.

No Texto Reduzido, o candidato apresentou a seguinte série de palavras

para situar o fato: propaganda, manipulação social, as imposições de

valores, as regras ditadas pelos anúncios publicitários e ditaduras.

TEXTO EXPANDIDO:

1º parágrafo:

ditaduras: A ditadura militar brasileira foi marcada por uma enorme repressão

aos opositores e por uma rígida censura da imprensa e da cultura.

propaganda instrumento de manipulação social: Assim, principalmente

durante o período de grande crescimento econômico do país, o chamado

“milagre brasileiro”, o governo buscou o apoio popular através de anúncios e

slogans como o “Brasil, grande potência”, manipulando as massas, de modo a

mascarar o caráter repressor do Estado e divulgar uma prosperidade que

duraria pouco. Logo, a propaganda foi fundamental, através da manipulação,

para transmitir o sentimento de progresso e diminuir o descontentamento com

o governo.

No primeiro parágrafo do Texto Expandido, há a expansão dos termos:

ditaduras, propaganda (“anúncios e slogans” citados no Texto Expandido)

e manipulação social.

2º parágrafo:

as imposições de valores: Soma-se, ainda, à característica manipuladora da

propaganda, a natureza impositora que os anúncios publicitários têm. Ao

relacionar um shopping com o “melhor que o mundo pode oferecer”,

pressupõe-se que tal “melhor” possa somente ser encontrado nas vitrines e à

venda.

as regras ditadas pelos anúncios publicitários: Dessa forma, a hábil

combinação entre a imposição de valores, como o “melhor” sendo comprar

81

num shopping e a função do produto promovido, como um cartão de crédito,

permite que valores pré-concebidos sejam abandonados em virtude dos

apresentados nos anúncios, levando a pessoa a consumir o produto exposto

por eles.

No segundo parágrafo do Texto Expandido, há expansões dos termos :

as imposições de valores e as regras ditadas pelos anúncios

publicitários, ambos citados no Texto Reduzido do candidato.

Apresenta também o termo cartão de crédito que será expandido

adiante.

CONCLUSÃO (TESE):

TESE: Portanto, o uso da propaganda e dos anúncios publicitários não é tão

grande por acaso: a união entre manipulação e a imposição é capaz de gerar

resultados muito satisfatórios para quem a emprega, seja o governo de um

país, uma comissão partidária, ou uma empresa de cartões de crédito.

cartões de crédito : Para algumas pessoas, um cartão de crédito pode fazê-

las aproveitar um shopping, tornando-o a melhor coisa do mundo; para outras,

a melhor do mundo não é um shopping, mas este passa a o ser.

No último parágrafo, o candidato cita, novamente, as palavras

atualizadas no Texto Reduzido: propaganda, manipulação, imposição e

ditadura (por meio da expressão mas este passa a o ser) e expande o termo

cartões de crédito, citado no segundo parágrafo do texto reduzido.

Sendo assim, o candidato expandiu as suas palavras atualizadas no seu

Texto Reduzido e fez novas expansões a partir do Texto Expandido.

Relacionou Tese/ Conclusão com as palavras citadas no seu Texto Reduzido.

A expansão do texto analisado foi realizada da seguinte forma:

- durante toda a expansão, houve a manutenção temática <<a propaganda

manipula a sociedade e impõe valores determinando as regras que devem ser

obedecidas>>

82

- o texto é expandido com a progressão semântica, ou seja, embora haja a

manutenção temática, ocorre a progressão semântica pela construção dos

argumentos de legitimidade e de reforço.

O candidato utilizou a estratégia argumentativa de sequenciar Texto

Reduzido> Texto Expandido > palavra reduzida (no Texto Expandido - cartões

de crédito) > Nova Expansão (na Conclusão) para fazer com que seu auditório

aceite a tese proposta.

Adotou, na organização composicional, a sequência explicativa ou o

gênero dissertativo de uma tese. Além disso, utilizou a norma de padrão

gramatical para se expressar.

Portanto esse texto apresenta uma boa formação e atende totalmente

aos itens avaliados pela Fuvest: tipo de texto, abordagem do tema, estrutura e

expressão.

4.4.3 Texto 3: As catedrais de Xangai (Texto 4 do Anexo)

Um anúncio publicitário de cartão de crédito exibe como ponto de vista a

imagem de um vão. O vazio é o elemento comum aos seis pavimentos

(adivinham-se seis, mas poderiam ser sete ou setenta e sete) e bem uma

centena de pessoas estão debruçadas nas amuradas; são pequenas escalas

humanas de cabelos negros, traços achinesados, que servem para dar a

dimensão desse enorme edifício que, na foto, só vemos por dentro. Das

escadas rolantes alguns chineses contemplam os patamares que se deram

sucessivamente nessa construção que tem características de catedral gótica,

ainda que a iluminação que inunda o edifício apresente um aspecto amarelado,

baço e artificial.

A comparação não é arbitrária. É possível encontrar hoje literatura em

que autores se recusam a empregar o termo “shopping center” adotando, ao

invés, “catedrais de consumo”. O ganho teórico implicado na adoção dessa

nomenclatura seria dar a entender uma espécie de sacralização do consumo

nos dias de hoje, o que consiste um tremendo desfavor à ideia de religiosidade.

83

O viés arquitetônico, fugindo da mania de culpar a religião por tudo, é,

no entanto, bastante interessante. Assim como as catedrais góticas o

“shopping center” se configura como um edifício fechado, amplo e iluminado,

que diminui o indivíduo e engradece as práticas ali realizadas (nenhuma das

duas construções tem o homem como escala)

Talvez pareça despropositado, mas o desenvolvimento do consumismo

rumo ao que temos hoje está bastante relacionado com o surgimento de

determinados tipos de edifícios e algumas alterações no espaço urbano. O

Flanêur foi a personagem símbolo da modernidade, flanando pelas ruas recém-

ampliadas de Paris, observando toda a nova dinâmica da cidade. Essa

personagem parisiense do século XIX encontra sua morte, como nos mostra

Marshal Berman, justamente nas galerias, quando estas se transformam em

grandes magazines.

A existência de Flanêur hoje estaria restrita a observar vitrines em uma

das tais “catedrais de consumo”, uma vez que não existem experiências

possíveis fora delas. O mais assustador é o mundo, enquanto universo de

possibilidades, ter se transformado em algo estritamente consumível, mas o

quanto essa nova dinâmica afeta o comportamento das nossas cidades.

Os espaços onde o consumo acontece de maneira acirrada tem

somente qualidades nocivas: o alheamento, em um espaço fechado, em

relação ao tempo “natural” e ao restante da cidade, essa alienação com a qual

as pessoas consentem ao entrar em um shopping center e que cada uma das

características da construção tem como principal objetivo agravar. O mais

assustador no anúncio que mostra os seis pavimentos de um shopping é sem

dúvida o texto que insinua que aquilo tudo é o melhor que o mundo tem a

oferecer.

4.4.3.1 O esquema textual

O texto do candidato apresenta a sequência explicativa na sua

organização composicional. É um texto dissertativo de uma tese e apresenta

em sua estrutura: Texto Reduzido > Texto Expandido > Tese, como estratégia

84

argumentativa. Aplicando o modelo de Silveira (2012) à redação do candidato,

podemos construir a seguinte visualização:

TEXTO REDUZIDO: TEXTO EXPANDIDO: TESE DEFENDIDA:

- imagem de um vão é

exibido no anúncio,

“vazio” é o elemento

comum

- comparação da

imagem com os prédios

de Xangai, por meio de

descrição

- na literatura é utilizado

o termo “catedrais de

consumo” ao invés de

“shopping center”,

significando

sacralização do

consumo, oposto à

religiosidade

- o projeto arquitetônico

de um shopping diminui

o indivíduo e

engrandece as práticas

ali realizadas

- o desenvolvimento do

consumismo provocou

alterações no espaço

urbano

- argumento de

autoridade: Marshall

Berman, citação de uma

personagem parisiense

que morre em galerias,

quando estas se

transformam em

magazines.

- não existe experiência

possível fora das

“catedrais de consumo”

- o consumo afeta o

O mais assustador no

anúncio que mostra os

seis pavimentos de um

shopping é sem dúvida

o texto que insinua que

aquilo tudo é o melhor

que o mundo tem a

oferecer.

85

comportamento da

cidade

4.4.3.2 A construção da opinião:

O texto reduzido da proposta afirma:

Aproveite o melhor que o mundo tem a oferecer com o Cartão de

Crédito X.

O texto reduzido do candidato afirma:

Um anúncio publicitário de cartão de crédito exibe como ponto de

vista a imagem de um vão. O vazio é o elemento comum aos seis

pavimentos (adivinham-se seis, mas poderiam ser sete ou setenta e

sete) e bem uma centena de pessoas estão debruçadas nas amuradas;

são pequenas escalas humanas de cabelos negros, traços achinesados,

que servem para dar a dimensão desse enorme edifício que, na foto, só

vemos por dentro. Das escadas rolantes alguns chineses contemplam os

patamares que se deram sucessivamente nessa construção que tem

características de catedral gótica, ainda que a iluminação que inunda o

edifício apresente um aspecto amarelado, baço e artificial.

Confrontando o texto reduzido da proposta da Fuvest com o ponto de

vista novo assumido pelo candidato, verificamos que o seu texto reduzido

recategoriza os objetos-do-discurso:

Texto reduzido da Fuvest Texto reduzido do candidato

“o melhor” o vazio

“shopping center” catedrais de consumo

86

Nesse sentido, o candidato assumiu seu ponto de vista comparando o

melhor que o mundo tem a oferecer com uma das catedrais de Xangai, uma

das maiores cidades da China e uma das maiores áreas metropolitanas do

mundo. Possui uma localização favorável devido ao porto e, por isso, floresceu

como centro comercial. Em 2005, Xangai tornou-se o maior porto de cargas do

mundo. A cidade também é famosa por seus pontos turísticos, pois possui

alguns marcos históricos. Atualmente, Xangai é conhecido como o maior centro

comercial e financeiro e tem sido descrita como o grande exemplo da pujança

da economia chinesa.

O candidato aproxima “catedrais de Xangai” e “o melhor que o mundo

tem a oferecer” para demonstrar o processo de sacralização que o consumo se

transformou. Ele assumiu um ponto de vista pautado em construções de viés

arquitetônico moderno e fechado e isso leva o consumidor a se sentir “menor”

diante das gigantescas edificações.

Há uma opinião opositiva em relação à opinião expressa na proposta. A

mudança do ponto de vista faz com que ocorra, também, a mudança do tema:

- proposta da Fuvest: valor positivo que a imagem retratada apresenta: o

melhor que o mundo tem a oferecer;

- proposta do candidato: valor negativo que a imagem retratada apresenta: o

vazio.

No texto multimodal, a cor ouro e a imagem do interior de um shopping

por andares é sintetizada nas palavras: Aproveite o melhor que o mundo tem a

oferecer com o Cartão de Crédito X.

No texto reduzido do candidato, por haver oposição com o valor que a

imagem retratada apresenta, houve a mudança para palavras que sintetizam a

leitura feita por ele: “vazio” e “catedrais de consumo”.

O candidato, após a leitura do texto multimodal, ressemantiza

produzindo uma nova opinião. Para tanto, utiliza os seguintes procedimentos:

- relexicaliza palavras do texto base;

- muda o foco, portanto há tematização;

87

- seleciona no seu texto expandido algumas palavras do seu texto reduzido e

insere outras que serão também expandidas a fim de construir seus

argumentos, mantendo a manutenção temática.

4.4.3.3 A referenciação

Abaixo o texto foi reescrito e dividido novamente em Texto Reduzido >

Texto Expandido > Tese.

As cores servem para visualizarmos a expansão das palavras do texto e

como se relacionam, conforme descrito nos Procedimentos Analíticos.

As catedrais de Xangai

TEXTO REDUZIDO:

Um anúncio publicitário de cartão de crédito exibe como ponto de vista a

imagem de um vão. O vazio é o elemento comum aos seis pavimentos

(adivinham-se seis, mas poderiam ser sete ou setenta e sete) e bem uma

centena de pessoas estão debruçadas nas amuradas; são pequenas escalas

humanas de cabelos negros, traços achinesados, que servem para dar a

dimensão desse enorme edifício que, na foto, só vemos por dentro. Das

escadas rolantes alguns chineses contemplam os patamares que se deram

sucessivamente nessa construção que tem características de catedral gótica,

ainda que a iluminação que inunda o edifício apresente um aspecto amarelado,

baço e artificial.

No Texto Reduzido, o candidato apresentou a seguinte série de palavras

para situar o fato: enorme edifício e catedral gótica.

TEXTO EXPANDIDO:

1º parágrafo:

88

catedral gótica: A comparação não é arbitrária. É possível encontrar hoje

literatura em que autores se recusam a empregar o termo “shopping center”

adotando, ao invés, “catedrais de consumo”.

catedrais de consumo: O ganho teórico implicado na adoção dessa

nomenclatura seria dar a entender uma espécie de sacralização do consumo

nos dias de hoje, o que consiste um tremendo desfavor à ideia de religiosidade.

No primeiro parágrafo do Texto Expandido, o candidato expandiu o

termo catedral gótica, citado no Texto Reduzido e fez novas expansões não

citadas co-textualmente no Texto Reduzido, mas introduzidas no discurso pela

descrição do texto imagético da propaganda comparando-o a uma catedral, no

caso de consumo.

2º parágrafo:

enorme edifício: O viés arquitetônico, fugindo da mania de culpar a religião

por tudo, é, no entanto, bastante interessante.

catedral gótica : Assim como as catedrais góticas o “shopping center” se

configura como um edifício fechado, amplo e iluminado, que diminui o

indivíduo e engradece as práticas ali realizadas (nenhuma das duas

construções tem o homem como escala)

No segundo parágrafo do Texto Expandido, o candidato expandiu os

termos enorme edifício e catedral gótica, ambos citados no Texto Reduzido.

Apresenta a expressão edifício fechado, que será expandida adiante.

3º parágrafo:

edifício fechado: Talvez pareça despropositado, mas o desenvolvimento do

consumismo rumo ao que temos hoje está bastante relacionado com o

surgimento de determinados tipos de edifícios e algumas alterações no espaço

urbano.

(exemplificação): O Flanêur foi a personagem símbolo da modernidade,

flanando pelas ruas recém-ampliadas de Paris, observando toda a nova

89

dinâmica da cidade. Essa personagem parisiense do século XIX encontra sua

morte, como nos mostra Marshall Berman, justamente nas galerias, quando

estas se transformam em grandes magazines.

No terceiro parágrafo do Texto Expandido, o candidato expandiu o termo

edifício fechado. Trata-se de uma nova expansão não citada no Texto

Reduzido. Apresenta como reforço o escritor e filósofo de tendência marxista

Marshall Berman.

4º parágrafo:

catedrais de consumo: A existência de Flanêur hoje estaria restrita a observar

vitrines em uma das tais “catedrais de consumo”, uma vez que não existem

experiências possíveis fora delas. O mais assustador é o mundo, enquanto

universo de possibilidades, ter se transformado em algo estritamente

consumível, mas o quanto essa nova dinâmica afeta o comportamento das

nossas cidades.

No quarto parágrafo do Texto Expandido, o candidato expande,

novamente, o termo catedrais de consumo e relaciona-o com Flâneur, termo

que vem do francês e tem o significado de "vagabundo", "vadio", "preguiçoso",

que, por sua vez, vem do verbo francês flâner, que significa "para passear” ou

seja, não há como “passear” fora dos shoppings centers.

CONCLUSÃO (TESE):

Os espaços onde o consumo acontece de maneira acirrada tem somente

qualidades nocivas: o alheamento, em um espaço fechado, em relação ao

tempo “natural” e ao restante da cidade, essa alienação com a qual as pessoas

consentem ao entrar em um shopping center e que cada uma das

características da construção tem como principal objetivo agravar.

TESE: O mais assustador no anúncio que mostra os seis pavimentos de um

shopping é sem dúvida o texto que insinua que aquilo tudo é o melhor que o

mundo tem a oferecer.

90

Na conclusão, o candidato cita espaço fechado, já expandido no Texto

Expandido e enorme edifício (características da construção), já mencionado

no Texto Reduzido.

Sendo assim, o candidato expandiu as suas palavras atualizadas no seu

Texto Reduzido e fez novas expansões a partir do Texto Expandido.

Relacionou a Tese/ Conclusão com as palavras citadas no Texto Reduzido.

A expansão do texto analisado foi realizada da seguinte forma:

- durante toda a expansão houve a manutenção temática << os shoppings

centers são comparados a catedrais de consumo, demonstrando a

sacralização do consumo e o viés arquitetônico dos shoppings centers

engrandece as práticas consumistas realizadas no local.>>

- o texto é expandido com a progressão semântica, ou seja, embora haja a

manutenção temática ocorre a progressão semântica pela construção dos

argumentos de legitimidade e de reforço.

O candidato utilizou a estratégia argumentativa de sequenciar Texto

Reduzido> Texto Expandido > Nova redução (catedrais de consumo, edifício

fechado, utilizado no Texto Expandido) > Nova Expansão (no próprio Texto

Expandido) para fazer com que seu auditório aceite a tese proposta.

Adotou na organização composicional a sequência explicativa ou o

gênero dissertativo de uma tese. Além disso, utilizou a norma de padrão

gramatical para se expressar.

Dessa forma, esse texto apresenta uma boa formação e atende

totalmente aos itens avaliados pela Fuvest: tipo de texto, abordagem do tema,

estrutura e expressão.

91

Resultados parciais

No que se refere ao esquema textual: as três análises realizadas

anteriormente representam modelos de textos dissertativos que selecionaram a

sequência explicativa na sua organização composicional. Apresentaram uma

tese e esta foi explicitada na conclusão. A estratégia argumentativa adotada foi

sequenciar Texto Reduzido > Texto Expandido > Tese/Conclusão.

No que se refere à construção opinativa : os três textos assumiram

pontos de vista opositivos ao ponto de vista da proposta da Fuvest. No entanto,

apresentaram tematizações diferentes, pois recategorizaram os objetos-do-

discurso do texto reduzido proposto pela Fuvest:

Texto 1: o shopping center com a globalização dos produtos é nocivo, pois

ocasiona com o consumismo a perda financeira para as pessoas;

Texto 2: a propaganda é um instrumento de manipulação social que impõe

valores e determina regras que devem ser obedecidas por toda a sociedade;

Texto 3: o shopping center é comparado a uma catedral gótica, pois aquele

sacraliza o consumo e o viés arquitetônico da construção das catedrais de

consumo corroboram para as práticas consumistas ali realizadas.

No que se refere à referenciação: Os três textos apresentaram uma

série de palavras para situar seu ponto de vista no Texto Reduzido. Esses

vocábulos foram expandidos no Texto Expandido e novas palavras foram

expandidas a partir do Texto Expandido. Os textos mantiveram a manutenção

temática e progrediram semanticamente.

92

4.4.4 Texto 4: Apenas uma contestação (Texto 7 do Anexo)

A infinidade de relações sociais que caracterizam o mundo do século

XXI seria excelente meio de intercâmbio entre diversas mentalidades,

concepções de vida e culturas. Contudo, verifica-se o oposto: a massificação

de comportamentos e de opiniões.

A sociedade está se degradando com a imposição de um Império do

Consumo por um fantasma capitalista e as pessoas estão sendo reduzidas a

meros objetos, que, como tais, podem ser facilmente descartadas com um

piparote. A riqueza e a complexidade emocional de cada indivíduo sublimaram.

E o que surge do lugar da antiga diversidade humana é um exército de

transfigurados.

F.kafka não poderia ser mais contemporâneo: o homem está literalmente

tornando-se um repugnante inseto, alienado do contexto histórico-político ao

qual está inserido e preocupado de maneira assustadora com o trabalho, com o

lucro e com quantas horas de compras consegue arcar. Os valores que

supostamente cuidariam das interações humanas para estas serem morais e

éticas decretaram greve e o sentido da vida passou a ser explicado com uma

bela locução: cartão de crédito. Antes seguíssemos o pessimismo de

Schopenhauer e crêssemos que não há sentido algum.

Contudo, ainda que o mundo esteja enfrentando essa situação caótica,

há uma esperança (por sorte, Pandora não a deixou escapar): basta o homem

se conscientizar de que a felicidade não é comprável, de que não devemos

permutar nossa individualidade por um padrão social e de que satisfazer-se

através de uma “tarde de compras no shopping” é um indício de um intelecto

infantil, já que o consumo não traz nenhum avanço a ninguém.

Quando o homem, ao ver um anúncio com os dizeres “aproveite o

melhor que o mundo tem a oferecer com o cartão de crédito X”, conseguir

gargalhar com essa ironia ou rasgar a página da revista por considerar a

propaganda uma ofensa a sua capacidade intelectual, então o mundo terá

conquistado uma perspectiva real de evolução e talvez possamos aprender a

sermos felizes.

93

4.4.4.1 O esquema textual

O texto do candidato apresenta a sequência argumentativa na sua

organização composicional. É um texto dissertativo de duas teses e apresenta

em sua estrutura: Tese 1 > Contra-argumentos > Tese 2 > Argumentos. O

modelo de Silveira (2012) sequencia: Tese 1 > Contra-argumentos >

Argumentos > Tese 2.

Sendo assim, entendemos que o candidato não utilizou adequadamente

a sequência argumentativa. Entendemos que expor a tese antes de apresentar

os argumentos pode enfraquecer a argumentação, pois o auditório poderá

questionar a tese. Os argumentos antepostos à tese são uma estratégia

argumentativa para fazer com que o auditório aceite mais facilmente a tese 2 (a

proposta pelo candidato).

Aplicando o modelo de Silveira (2012) à redação do candidato, podemos

construir a seguinte visualização:

Tese 1 Contra-

argumentos

Argumentos Tese 2

Há massificação

de

comportamentos

e de opiniões.

- degradação da

sociedade devido

ao Império do

Consumo

- pessoas são

reduzidas a

objetos e podem

ser descartadas

- não há mais

diversidade

humana, há

exército de

transfigurados

- argumento de

autoridade: F.

Kafka se torna

contemporâneo: o

homem torna-se

- conscientização

do homem que a

felicidade não é

comprável; o

consumo não traz

avanço.

- ainda há uma

esperança

(Pandora não

deixou escapar):

94

um inseto

- o sentido da

vida passou a

ser: cartão de

crédito

- era melhor

termos seguido o

pessimismo de

Schopenhauer e

crêssemos que

não há sentido

algum

4.4.4.2 A construção opinativa

O texto reduzido da proposta afirma:

Aproveite o melhor que o mundo tem a oferecer com o Cartão de

Crédito X.

O texto do candidato:

A tese 1 (opinião já formada pelo interlocutor): As relações sociais

propiciam a massificação de comportamentos e de opiniões.

A tese 2 (opinião do locutor): Há uma esperança.

Confrontando o texto reduzido da proposta da Fuvest com o ponto de

vista novo assumido pelo candidato, verificamos que o candidato recategorizou

os objetos-do-discurso:

Texto reduzido da Fuvest Tese 1 (opinião já formada pelo

interlocutor)

“o melhor que o mundo tem a

oferecer”

massificação de comportamentos e

opiniões

95

Nesse sentido, o candidato aproximou o texto reduzido da proposta da

Fuvest à tese 1, a opinião já formada pelo interlocutor. Há uma opinião

opositiva em relação à opinião expressa na proposta da Fuvest. Dessa forma,

há uma mudança de ponto de vista, pois a tese 1 é vista com valor negativo,

portanto deve ser abandonada.

Todas as vezes que ocorre mudança de ponto de vista ocorre também a

mudança do tema:

- proposta da Fuvest: o cartão de crédito pode proporcionar o melhor que o

mundo tem a oferecer;

- proposta do candidato: As relações sociais podem massificar os

comportamentos e opiniões, mas há uma esperança, basta a conscientização

do homem de que a felicidade não é comprável.

No texto multimodal da proposta, a cor ouro e a imagem do interior de

um shopping por andares são sintetizadas nas palavras: Aproveite o melhor

que o mundo tem o oferecer com o Cartão de Crédito X.

Na proposta do candidato, por haver oposição com a felicidade

comprável, houve a mudança para palavras que sintetizam a leitura feita por

ele: “massificação de comportamentos e opiniões”

O candidato, após a leitura do texto multimodal, ressemantiza

produzindo uma nova opinião. Para tanto, utiliza os seguintes procedimentos:

- relexicaliza palavras do texto base;

- aproxima o texto base da tese 1, a ser abandonada;

- seleciona, na sua tese 1, algumas palavras que serão expandidas a fim

construir seus argumentos, mantendo a manutenção temática e insere outras

que também serão expandidas.

4.4.4.3 A referenciação

Abaixo, o texto foi reescrito e dividido novamente em Tese 1 > Contra-

argumentos > Tese 2 > Argumentos.

96

As cores servem para visualizarmos a expansão das palavras, conforme

descrito nos Procedimentos Analíticos.

Apenas uma contestação

TESE 1:

A infinidade de relações sociais que caracterizam o mundo do século XXI seria

excelente meio de intercâmbio entre diversas mentalidades, concepções de

vida e culturas. Contudo, verifica-se o oposto: a massificação de

comportamentos e de opiniões.

A categoria Tese 1 reúne palavras e frases do texto que representam “o

saber” atribuído ao auditório. Sendo assim, é tomado como marco de cognição

social: a massificação de comportamentos e de opiniões.

CONTRA-ARGUMENTOS:

1º parágrafo:

massificação: A sociedade está se degradando com a imposição de um

Império do Consumo por um fantasma capitalista e as pessoas estão sendo

reduzidas a meros objetos, que, como tais, podem ser facilmente descartadas

com um piparote. A riqueza e a complexidade emocional de cada indivíduo

sublimaram. E o que surge do lugar da antiga diversidade humana é um

exército de transfigurados.

No primeiro parágrafo da categoria Contra-argumentos, o candidato

expande o termo massificação citado na Tese 1.

2º parágrafo:

exército de transfigurados: F.kafka não poderia ser mais contemporâneo: o

homem está literalmente tornando-se um repugnante inseto, alienado do

contexto histórico-político ao qual está inserido e preocupado de maneira

assustadora com o trabalho, com o lucro e com quantas horas de compras

97

consegue arcar. Os valores que supostamente cuidariam das interações

humanas para estas serem morais e éticas decretaram greve e o sentido da

vida passou a ser explicado com uma bela locução: cartão de crédito. Antes

seguíssemos o pessimismo de Schopenhauer e crêssemos que não há sentido

algum.

No segundo parágrafo da categoria Contra-argumentos, o candidato

utiliza como argumento de autoridade Kafka e expande o termo exército de

transfigurados citado no parágrafo anterior.

TESE 2:

Contudo, ainda que o mundo esteja enfrentando essa situação caótica, há uma

esperança (por sorte, Pandora não a deixou escapar):

Na metade do texto, o candidato apresenta a Tese 2. A categoria Tese

2 é proposta como o “saber novo” comunicado pelo candidato, resultado de

uma insatisfação em relação ao “saber” atribuído ao auditório. Portanto o

auditório não tem conhecimento de que há uma esperança para o que fora

apresentado na Tese 1.

ARGUMENTOS:

basta o homem se conscientizar de que a felicidade não é comprável, de que

não devemos permutar nossa individualidade por um padrão social e de que

satisfazer-se através de uma “tarde de compras no shopping” é um indício de

um intelecto infantil, já que o consumo não traz nenhum avanço a ninguém.

Quando o homem, ao ver um anúncio com os dizeres “aproveite o melhor

que o mundo tem a oferecer com o cartão de crédito X”, conseguir

gargalhar com essa ironia ou rasgar a página da revista por considerar a

propaganda uma ofensa a sua capacidade intelectual, então o mundo terá

conquistado uma perspectiva real de evolução e talvez possamos

aprender a sermos felizes.

98

Na categoria Argumentos, o candidato apresenta as justificativas para

que o auditório abandone a Tese 1 e aceite a Tese 2 proposta por ele. Afinal, a

Tese 2 concretizar-se-á caso o homem mude sua postura.

Identificado pelas cores, vemos, ao final, um confronto entre a Tese 1 e

a Tese 2.

Sendo assim, o candidato utilizou a estratégia argumentativa de

sequenciar Tese 1 > Contra-argumentos > Tese 2 > Argumentos. Fez também

expansões e utilizou argumentos de autoridade.

Adotou, na organização composicional, a sequência argumentativa ou o

gênero dissertativo de duas teses. Além disso, utilizou a norma de padrão de

gramatical para se expressar.

Portanto, esse texto apresenta uma boa formação e atende parcialmente

aos itens avaliados pela Fuvest: tipo de texto, abordagem do tema, estrutura e

expressão, uma vez que o item “estrutura” não está de acordo com a

sequência proposta por Silveira (2012).

4.4.5 Texto 5: Consumismo e felicidade (Texto 13 do Anexo)

O mundo vive uma época de consumismo e individualismo cada vez

mais exacerbados. Os homens são constantemente incentivados a produzir

mais para que possam ganhar mais e, consequentemente, consumir mais.

Apregoa-se essa ideia de que quanto maior o sucesso financeiro do indivíduo e

maior a quantidade de bens e serviços que este possa adquirir, mais próximo

ele estará da felicidade. Mas será que isso é verdade? Ou melhor, será que é

toda a verdade?

A florescência de “shoppings centers” cada vez mais opulentos e

destinados às camadas mais ricas da população faz parecer que a realidade

desta sociedade de consumo seja uma experiência muito bem sucedida e que

responda plenamente a um dos supostos anseios mais primevos (sic) do ser

humano: o ter para ser.

99

A facilidade da obtenção de financiamento e crédito junto a instituições

bancárias e a procura cada vez maior da população por estes recursos

parecem sinalizar na mesma direção.

Na contramão desta realidade, porém, diversos pesquisadores e

ativistas sociais e ambientais sinalizam que seriam necessárias várias “Terras”

para suprir esta ânsia consumista desenfreada caso a totalidade da população

global tivesse a mesma taxa de produção e consumo dos países mais ricos.

Isto mostra que se todos os cidadãos do planeta assumissem esta mesma

postura dos “mais bem sucedidos” a Terra se tornaria um lugar insustentável,

para todos.

Enganamo-nos se pensamos que esta crítica à posse desmedida seja

exclusividade da sociedade contemporânea. Já no século XVIII, o filósofo

francês Rousseau aludia ao fato de que nenhum homem fez tanto mal à

humanidade quanto aquele que pela primeira vez cercou suas terras e as

declarou como propriedade sua. A diferença é que o planeta nunca teve uma

população tão grande como a atual e este desejo de possuir é

exponencializado cotidianamente. Vivenciamos uma quantidade crescente de

bens de consumo e serviços “imprescindíveis” que, até ontem, nem existiam.

Faz-se necessário, então, que a sociedade global repense seus valores

e assuma um modelo de produção e consumo mais humanizado e responsável

e que seja capaz de abranger a totalidade da população mundial de forma

sustentável, afinal, todos os indivíduos devem ter direito ao acesso aos

mesmos bens, à mesma dignidade e à mesma felicidade. Somente assim cada

indivíduo poderá desfrutar do melhor que o mundo tem a oferecer, de maneira

mais comedida, coletiva e verdadeira.

4.4.5.1 O esquema textual

O texto do candidato apresenta a sequência argumentativa na sua

organização composicional. É um texto dissertativo de duas teses e apresenta

em sua estrutura: Tese 1 > Contra-argumentos > Argumentos > Tese 2, como

estratégia argumentativa. Aplicando o modelo de Silveira (2012) à redação do

candidato, podemos construir a seguinte visualização:

100

Tese 1 Contra-

argumentos

Argumentos Tese 2

- quanto maior o

sucesso

financeiro do

indivíduo e maior

a quantidade de

bens e serviços

que este possa

adquirir, mais

próximo ele

estará da

felicidade.

- os shoppings

fazem parecer

que o consumo é

bem sucedido

- faz o homem ter

para ser

- a facilidade para

obter

financiamento e a

procura por este

serviço sinalizam

na mesma

direção

- pesquisadores

sinalizam que

várias Terras

seriam

necessárias para

suprir a ânsia

consumista

- argumento de

autoridade:

Rosseau – o

homem fez mal à

sociedade

quando cercou

suas terras e as

declarou sua

- a sociedade

global deve

repensar seus

valores e assumir

um modelo de

produção e

consumo mais

humanizado e

responsável e

que seja capaz

de abranger a

totalidade da

população

mundial de forma

sustentável.

4.4.5.2 A construção opinativa

O texto reduzido da proposta afirma:

Aproveite o melhor que o mundo tem a oferecer com o Cartão de

Crédito X.

O texto do candidato:

Tese 1: Quanto maior o sucesso financeiro do indivíduo e maior a

quantidade de bens e serviços que este possa adquirir, mais próximo ele

estará da felicidade;

Tese 2: A sociedade global deve repensar seus valores e assumir

um modelo de produção e consumo mais humanizado.

101

Confrontando o texto reduzido da proposta da Fuvest com o ponto de

vista novo assumido pelo candidato, verificamos que o candidato recategorizou

os objetos-do-discurso:

Texto reduzido da Fuvest Tese 1 (opinião já formada pelo

interlocutor)

o melhor maior o sucesso financeiro do

indivíduo

o mundo tem a oferecer a quantidade de bens e serviços

que este [o indivíduo] possa adquirir

com o Cartão de Crédito X mais próximo ele [o indivíduo] estará

da felicidade

Nesse sentido, o candidato aproxima o texto reduzido da proposta da

Fuvest à Tese 1. A seguir propõe o abandono dessa tese e apresenta uma

nova tese a fim de que o auditório aquiesça a ela. Há uma opinião opositiva em

relação à opinião expressa na proposta.

Como ocorreu a mudança do ponto de vista, ocorreu também a

mudança do tema:

- proposta da Fuvest: A felicidade está em consumir bens materiais;

- proposta do candidato: A busca desenfreada pela “felicidade” deve ser

repensada para que se assuma um modelo de produção e consumo mais

humanizado e responsável.

No texto multimodal da proposta, a cor ouro e a imagem do interior de

um shopping por andares é sintetizada nas palavras: Aproveite o melhor que o

mundo tem a oferecer com o cartão de crédito X.

102

No texto do candidato, por haver oposição com a busca desenfreada

pela felicidade, houve a mudança para palavras que sintetizam a leitura feita

por ele: “sucesso financeiro”, “quantidade de bens” e “felicidade”.

O candidato, após a leitura do texto multimodal, ressemantiza

produzindo uma nova opinião. Para tanto, utiliza os seguintes procedimentos:

- relexicaliza palavras do texto base;

- aproxima o texto base da tese 1, a ser abandonada;

- seleciona, na sua tese 1, algumas palavras que serão expandidas a fim

construir seus argumentos, mantendo a manutenção temática e inserindo

outras que também serão expandidas.

4.4.5.3 A referenciação

Abaixo o texto foi reescrito e dividido novamente em Tese 1 > Contra-

argumentos > Argumentos > Tese 2.

As cores servem para visualizarmos a expansão das palavras do texto,

conforme descrito nos Procedimentos Analíticos.

Consumismo e felicidade

TESE 1:

O mundo vive uma época de consumismo e individualismo cada vez mais

exacerbados. Os homens são constantemente incentivados a produzir mais

para que possam ganhar mais e, consequentemente, consumir mais. Apregoa-

se essa ideia de que quanto maior o sucesso financeiro do indivíduo e

maior a quantidade de bens e serviços que este possa adquirir, mais

próximo ele estará da felicidade. Mas será que isso é verdade? Ou melhor,

será que é toda a verdade?

103

O candidato apresenta como Tese 1 - ou seja, o saber atribuído ao

auditório - o fato de que quanto maior o sucesso financeiro do indivíduo e

maior a quantidade de bens e serviços que este possa adquirir, mais

próximo ele estará da felicidade.

CONTRA-ARGUMENTOS:

1º parágrafo:

consumismo: A florescência de “shoppings centers” cada vez mais opulentos

e destinados às camadas mais ricas da população faz parecer que a realidade

desta sociedade de consumo seja uma experiência muito bem sucedida e que

responda plenamente a um dos supostos anseios mais primevos (sic) do ser

humano: o ter para ser.

a quantidade de bens: A facilidade da obtenção de financiamento e crédito

junto a instituições bancárias e a procura cada vez maior da população por

estes recursos parecem sinalizar na mesma direção.

Na categoria Contra-argumentos, no primeiro parágrafo, o candidato

expande o termo consumismo e a expressão a quantidade de bens citados

no parágrafo introdutório. Este último também se relaciona com o ter, termo

anterior.

ARRGUMENTOS:

2º parágrafo:

Na contramão desta realidade, porém, diversos pesquisadores e ativistas

sociais e ambientais sinalizam que seriam necessárias várias “Terras” para

suprir esta ânsia consumista desenfreada caso a totalidade da população

global tivesse a mesma taxa de produção e consumo dos países mais ricos.

Isto mostra que se todos os cidadãos do planeta assumissem esta mesma

postura dos “mais bem sucedidos” a Terra se tornaria um lugar insustentável,

para todos.

Na categoria Argumentos, o candidato convida o auditório a ir

abandonando a Tese 1, apresentando seus argumentos antes de evidenciar a

104

Tese 2. Apresenta os termos ânsia consumista desenfreada e taxa de

produção e consumo, que serão expandidos adiante.

3º parágrafo:

ânsia consumista desenfreada : Enganamo-nos se pensamos que esta

crítica à posse desmedida seja exclusividade da sociedade contemporânea. Já

no século XVIII, o filósofo francês Rousseau aludia ao fato de que nenhum

homem fez tanto mal à humanidade quanto aquele que pela primeira vez

cercou suas terras e as declarou como propriedade sua. A diferença é que o

planeta nunca teve uma população tão grande como a atual e este desejo de

possuir é exponencializado cotidianamente.

taxa de produção e consumo: Vivenciamos uma quantidade crescente de

bens de consumo e serviços “imprescindíveis” que, até ontem, nem existiam.

Neste parágrafo, o candidato apresenta mais argumentos a favor da

Tese 2, expandindo os termos ânsia consumista desenfreada e taxa de

produção e consumo.

TESE 2:

Faz-se necessário, então, que a sociedade global repense seus valores e

assuma um modelo de produção e consumo mais humanizado e

responsável e que seja capaz de abranger a totalidade da população mundial

de forma sustentável, afinal, todos os indivíduos devem ter direito ao acesso

aos mesmos bens, à mesma dignidade e à mesma felicidade. Somente assim

cada indivíduo poderá desfrutar do melhor que o mundo tem a oferecer, de

maneira mais comedida, coletiva e verdadeira.

No último parágrafo, o candidato apresenta a Tese 2: Faz-se

necessário, então, que a sociedade global repense seus valores e assuma

um modelo de produção e consumo mais humanizado e responsável.

Sendo assim, o candidato utilizou a estratégia argumentativa de

sequenciar Tese 1 > Contra-argumentos > Argumentos > Tese 2. Selecionou

algumas palavras e expandiu-as no decorrer do texto e utilizou argumentos de

autoridade.

105

Adotou, na organização composicional, a sequência argumentativa ou o

gênero dissertativo de duas teses. Além disso, utilizou a norma de padrão de

gramatical para se expressar.

Sendo assim, esse texto apresenta uma boa formação e atende

totalmente aos itens avaliados pela Fuvest: tipo de texto, abordagem do tema,

estrutura e expressão.

4.4.6 Texto 6: Do consumo (Texto 19 do Anexo)

Dado que os anúncios publicitários têm o objetivo de atingir determinado

público para difundir determinada ideia, é fato que ela reflete os valores desse

mesmo público e do tempo em que foi produzido. Nesse sentido, se mudam os

valores, muda o anúncio: se antes chaminés expelindo fumaça eram

propaganda do progresso, são hoje o contrário devido à preocupação

ambiental a que a opinião pública tem aderido. Desse modo, um anúncio que

associa “o melhor que o mundo tem a oferecer” a um shopping center não é

menor indicativo de que o consumo é, hoje, parte central do modo de vida

urbano, fundamental no que se entende por lazer e, muitas vezes, o objetivo do

cidadão comum.

Não é, pois, à toa que o “melhor que o mundo tem a oferecer” não seja

um laço afetivo forte com outra pessoa ou as maravilhas do mundo natural,

mas sim o consumo, já que, afinal, ele tem um valor social muito grande hoje

por ser um indicador de status social, associado a poder financeiro e, portanto,

a prestígio: o tipo de consumo que alguém pode sustentar é fundamental na

formação de sua identidade perante aos outros.

No entanto, se o incentivo ao consumo tem lógica no raciocínio

macroeconômico, no sentido de se acompanhar a oferta crescente de uma

sociedade industrial, transformá-lo em ideologia tem implicações muito maiores

na vida cotidiana do que a manutenção do funcionamento das engrenagens do

sistema: as relações interpessoais passam a seguir lógica do consumo e se

tornam mais líquidas, nos termos de Bauman, sendo mais frágeis e superficiais

já que, afinal, são agora muitas vezes mediadas por bens materiais. Nesse

106

sentido e ainda mais, o individualismo tende a crescer atrelado a esse

processo, provocando junto uma valorização excessiva do espaço privado em

detrimento do espaço público.

Surge, então, o shopping center como refúgio de lazer dentro desse

modo de vida. Afinal, ele oferece o que há de “melhor” nesse mundo do

consumismo: um espaço à parte do resto da cidade, repleto de lojas, exclusiva

para quem nele pode comprar. É, pois, símbolo tanto do poder financeiro dos

bancos, que oferecem cartões de crédito que facilitam o aproveitamento desse

“ melhor” que há, como também é símbolo de reificação das relações sociais e

de segregação econômica. A publicidade, enfim, pode vender em um anúncio o

que há de melhor em determinada visão de mundo, mas existem muitas outras,

e a do consumo pode muito bem não ser a melhor delas.

4.4.6.1 O esquema textual

O texto do candidato apresenta a sequência argumentativa na sua

organização composicional. É um texto dissertativo de duas teses e apresenta

em sua estrutura: Tese 1 > Contra-argumentos > Argumentos > Tese 2, como

estratégia argumentativa. Aplicando o modelo de Silveira (2012) à redação do

candidato, podemos construir a seguinte visualização:

Tese 1 Contra-

argumentos

Argumentos Tese 2

- o consumo é,

hoje, parte central

do modo de vida

urbano,

fundamental no

que se entende

por lazer e,

muitas vezes, o

- o consumo tem

valor social muito

grande por indicar

status e é

fundamental na

formação da

identidade

perante os outros

- transformar o

consumo em

ideologia tem

implicações: as

relações pessoais

se tornam

líquidas

(argumento de

- o consumo pode

muito bem não

ser a melhor

visão do mundo.

107

objetivo do

cidadão comum.

autoridade :

Bauman), o

individualismo se

destaca e há

valorização do

espaço privado

4.4.6.2 A construção opinativa

O texto reduzido da proposta afirma:

Aproveite o melhor que o mundo tem a oferecer com o Cartão de

Crédito X.

O texto do candidato afirma:

Tese 1: o consumo é parte central do modo de vida urbano,

fundamental no que se entende por lazer e, muitas vezes, o objetivo do

cidadão comum;

Tese 2: o consumo pode muito bem não ser o que há de melhor

no mundo.

Confrontando o texto reduzido da proposta da Fuvest com o ponto de

vista novo assumido pelo candidato, verificamos que o candidato recategorizou

os objetos-do-discurso:

Texto reduzido da Fuvest Tese 1 (opinião já formada pelo

interlocutor)

o melhor que o mundo tem a oferecer o shopping center

com o Cartão de Crédito X consumo

108

Nesse sentido, o candidato aproximou a Tese 1 ao saber atribuído ao

auditório. Há uma opinião opositiva em relação à opinião expressa na proposta

da Fuvest. Como ocorreu uma mudança de ponto de vista, houve também

mudança de tema:

- proposta da Fuvest: o melhor que há no mundo é consumir em um shopping

bens materiais e utilizar o cartão de crédito como forma de pagamento;

- proposta do candidato: o consumo é o principal objetivo do cidadão comum,

mas este objetivo não é o único e pode não ser o melhor [objetivo] do mundo.

No texto multimodal da proposta, a cor ouro e a imagem do interior de

um shopping por andares são sintetizadas nas palavras: Aproveite o melhor

que o mundo tem a oferecer com o Cartão de Crédito X.

No texto do candidato, por haver oposição com aquilo que seria a melhor

coisa do mundo, houve a mudança para palavras que sintetizam a leitura feita

por ele: “shopping center” e “consumo”.

O candidato, após a leitura do texto multimodal, ressemantiza

produzindo uma nova opinião. Para tanto, utiliza os seguintes procedimentos:

- relexicaliza palavras do texto base;

- aproxima o texto base da tese 1, a ser abandonada;

- seleciona na sua tese 1 algumas palavras que serão expandidas a fim

construir seus argumentos, mantendo a manutenção temática e insere outras

que também serão expandidas.

4.4.6.3 A referenciação

Abaixo, o texto foi reescrito e dividido novamente em Tese 1 > Contra-

argumentos > Argumentos > Tese 2.

As cores servem para visualizarmos a expansão das palavras do texto,

conforme descrito nos Procedimentos Analíticos.

109

Do consumo

TESE 1:

Dado que os anúncios publicitários têm o objetivo de atingir determinado

público para difundir determinada ideia, é fato que ela reflete os valores desse

mesmo público e do tempo em que foi produzido. Nesse sentido, se mudam os

valores, muda o anúncio: se antes chaminés expelindo fumaça eram

propaganda do progresso, são hoje o contrário devido à preocupação

ambiental a que a opinião pública tem aderido. Desse modo, um anúncio que

associa “o melhor que o mundo tem a oferecer” a um shopping center não

é menor indicativo de que o consumo é, hoje, parte central do modo de vida

urbano, fundamental no que se entende por lazer e, muitas vezes, o

objetivo do cidadão comum.

O candidato apresenta como Tese 1 que o consumo é, hoje, parte

central do modo de vida urbano, fundamental no que se entende por lazer

e, muitas vezes, o objetivo do cidadão comum.

No parágrafo que introduz essa tese, o estudante apresenta uma análise

sobre o que as propagandas projetam: os valores do homem. Essa já seria

uma forma de apresentar contra-argumentos antes de evidenciar a Tese 1, o

“saber” atribuído ao auditório.

CONTRA-ARGUMENTOS:

“o melhor que o mundo tem a oferecer” : Não é, pois, à toa que o “melhor

que o mundo tem a oferecer” não seja um laço afetivo forte com outra pessoa

ou as maravilhas do mundo natural, mas sim o consumo, já que, afinal, ele tem

um valor social muito grande hoje por ser um indicador de status social,

associado a poder financeiro e, portanto, a prestígio: o tipo de consumo que

alguém pode sustentar é fundamental na formação de sua identidade perante

aos outros.

Na categoria Contra-argumentos, o candidato expande o termo “o

melhor que o mundo tem a oferecer”, citado no parágrafo introdutório da

Tese 1 e enfatiza que esse seja o consumo.

110

ARGUMENTOS:

No entanto, se o incentivo ao consumo tem lógica no raciocínio

macroeconômico, no sentido de se acompanhar a oferta crescente de uma

sociedade industrial, transformá-lo em ideologia tem implicações muito

maiores na vida cotidiana do que a manutenção do funcionamento das

engrenagens do sistema: as relações interpessoais passam a seguir lógica

do consumo e se tornam mais líquidas, nos termos de Bauman, sendo mais

frágeis e superficiais já que, afinal, são agora muitas vezes mediadas por bens

materiais. Nesse sentido e ainda mais, o individualismo tende a crescer

atrelado a esse processo, provocando junto uma valorização excessiva do

espaço privado em detrimento do espaço público.

Para apresentar os argumentos a favor da Tese 2, a ser apresentada, o

estudante eviencia as consequências dessa manutenção constante do

incentivo ao consumo: as relações interpessoais se tornam líquidas (Bauman

é citado como reforço) e o individualismo imperará.

ARGUMENTOS:

espaço privado : Surge, então, o shopping center como refúgio de lazer

dentro desse modo de vida. Afinal, ele oferece o que há de “melhor” nesse

mundo do consumismo: um espaço à parte do resto da cidade, repleto de lojas,

exclusiva para quem nele pode comprar. É, pois, símbolo tanto do poder

financeiro dos bancos, que oferecem cartões de crédito que facilitam o

aproveitamento desse “ melhor” que há, como também é símbolo de reificação

das relações sociais e de segregação econômica.

Reforçando os argumentos já apresentados, o candidato expande o

termo espaço privado, citado no parágrafo anterior e relaciona-o a shopping

center, citado no parágrafo introdutório da Tese 1.

111

TESE 2:

A publicidade, enfim, pode vender em um anúncio o que há de melhor em

determinada visão de mundo, mas existem muitas outras, e a do consumo

pode muito bem não ser a melhor delas.

Por fim, a Tese 2 aparece: o consumo pode muito bem não ser a

melhor visão do mundo.

Sendo assim, o candidato utilizou a estratégia argumentativa de

sequenciar Tese 1 > Contra-argumentos > Argumentos > Tese 2. Selecionou

algumas palavras e expandiu-as no decorrer do texto e utilizou argumentos de

autoridade.

Adotou, na organização composicional, a sequência argumentativa ou o

gênero dissertativo de duas teses. Além disso, utilizou a norma de padrão

gramatical para se expressar.

Portanto, esse texto apresenta uma boa formação e atende totalmente

aos itens avaliados pela Fuvest: tipo de texto, abordagem do tema, estrutura e

expressão.

112

Resultados parciais

No que se refere ao esquema textual: as três análises realizadas

anteriormente representam modelos de textos dissertativos que selecionaram a

sequência argumentativa na sua organização composicional. Apresentaram

duas teses. A primeira se refere ao “saber” atribuído ao auditório e esta tese foi

aproximada ao texto reduzido da proposta da Fuvest. A segunda tese se refere

ao “saber novo” que será proposto pelo candidato. Ou seja, o auditório deve

abandonar a tese 1 e as ideias veiculas pela proposta da Fuvest e aquiescer à

tese 2, a proposta pelo candidato. A estratégia argumentativa adotada foi

sequenciar Tese 1 > Contra-argumentos > Argumentos > Tese 2 (Silveira,

2012). Apenas o texto 4 apresentou outra estratégia: Tese 1 > Contra-

argumentos > Tese 2 > Argumentos. Entendemos que a estratégia adotada

pelo candidato não é tão eficiente quanto à proposta por Silveira (2012): expor

a tese antecedendo a justificativa enfraquece a argumentação.

No que se refere à construção opinativa: Os três textos assumiram pontos

de vista opositivos ao ponto de vista da proposta da Fuvest. No entanto,

apresentaram tematizações diferentes, pois recategorizaram os objetos-do-

discurso do texto reduzido proposto pela Fuvest:

Texto 4: As relações sociais acabam massificando os comportamentos e

opiniões, por isso é necessário o homem se conscientizar de que a felicidade

não é comprável;

Texto 5: A felicidade reside na quantidade de bens e serviços que um indivíduo

possa adquirir causando, assim, prejuízos para o meio ambiente, no entanto a

sociedade necessita repensar esses valores e assumir um modelo de produção

e consumo mais humanizado;

Texto 6: O consumo é, hoje, parte central do modo de vida do cidadão, porém

esta é apenas uma visão, pois existem muitas outras e a do consumo pode não

ser a melhor.

113

No que se refere à referenciação: Os três textos expandiram termos citados

na categoria Tese 1. Apresentaram novos termos que também foram

expandidos nas categorias Contra-argumentos e Argumentos a fim de chegar à

Tese 2.

114

Considerações Finais

No término desta dissertação, revemos o objetivo geral, que orientou a

pesquisa realizada:

- contribuir com professores e alunos na situação de preparação

para prestar o vestibular, com resultados que possam oferecer

orientações a respeito da produção de textos dissertativos.

Acreditamos que o objetivo geral foi atingido, pois os resultados

apresentados aqui mostram a inadequação existente entre os conteúdos dos

manuais didáticos em relação aos critérios propostos pela Fuvest no Manual do

Candidato e a estrutura composicional das redações produzidas pelos

vestibulandos, consideradas textos bem formados pela Banca Corretora.

Alguns autores de manuais didáticos apresentam a seguinte estrutura

organizacional: tese (ou introdução) > argumentação (ou desenvolvimento) >

conclusão para elaborar um texto dissertativo. No entanto, vimos que essa

estrutura tão disseminada pelos manuais didáticos não atende aos critérios de

correção da Banca Corretora da Fuvest.

Sendo assim, enfatizamos a necessidade de reestruturação dos

manuais didáticos de maneira a tornar mais clara, objetiva, concisa, unânime e

adequada a estrutura do texto dissertativo. Dizemos unânime, pois Adam

(2011) enquadra o texto dissertativo como uma estrutura composicional fixa.

Essa inadequação precisa ser modificada a fim de que professores e

alunos tenham mais sucesso na produção textual desde o ensino fundamental,

passando pelo médio e chegando ao vestibular.

Revemos também os objetivos específicos e para atingirmos todos os

objetivos específicos propostos, analisamos os 27 textos que compõem o bloco

de “exemplos de redações consideradas de bom nível”, segundo a Banca

Corretora da Fuvest 2013:

1-) destacar as sequências textuais e suas incrustações no esquema

textual dos textos considerados modelo pela banca corretora da Fuvest;

No que se refere a esse objetivo, chegamos a duas estruturas

composicionais: os dissertativos de uma tese (ou que adotaram a sequência

115

explicativa) e o dissertativo de duas teses (ou que adotaram a sequência

argumentativa).

Em dados quantitativos, 3 textos foram organizados em torno da

sequência argumentativa e 24, organizados em torno da sequência explicativa.

Como exemplificação, apresentamos seis análises nesta pesquisa: 3 para

representar os dissertativos de uma tese e 3 para representar os dissertativos

de duas teses.

Entendemos que, para que um texto dissertativo seja considerado de

bom nível, não há a obrigatoriedade de que apareça uma contra-

argumentação. A sequência explicativa, que fora explorada pela maioria dos

textos, 24, talvez seja a preferência da Banca Corretora da Fuvest, de 2013.

2-) confrontar o ponto de vista projetado pelo texto reduzido proposto

pela Fuvest como ponto de partida para a produção das redações pelo

candidato com a projeção de um novo ponto de vista selecionado pelo

candidato tendo por parâmetro a compreensão do tema reduzido

proposto, ou seja, a estratégia utilizada para a construção opinativa;

No que se refere a esse objetivo, analisamos o anúncio e o texto

reduzido da proposta de redação. Por meio do confronto entre o texto reduzido

da proposta e o ponto de vista assumido pelos candidatos, observamos que

cada um recategorizou os objetos-do-discurso do texto reduzido da proposta, e

isso conferiu tematizações diferentes aos textos, logo progressões semânticas

também distintas.

Texto 1: o shopping center com a globalização dos produtos é nocivo, pois

ocasiona com o consumismo a perda financeira para as pessoas;

Texto 2: a propaganda é um instrumento de manipulação social que impõe

valores e determina regras que devem ser obedecidas por toda a sociedade;

Texto 3: o shopping center é comparado é a uma catedral gótica, pois aquele

sacraliza o consumo e o viés arquitetônico da construção das catedrais de

consumo corroboram para as práticas consumistas ali realizadas;

116

Texto 4: As relações sociais acabam massificando os comportamentos e

opiniões, por isso é necessário o homem se conscientizar de que a felicidade

não é comprável;

Texto 5: A felicidade reside na quantidade de bens e serviços que um indivíduo

possa adquirir causando, assim, prejuízos para o meio ambiente, no entanto a

sociedade necessita repensar esses valores e assumir um modelo de produção

e consumo mais humanizado;

Texto 6: O consumo é, hoje, parte central do modo de vida do cidadão, porém

esta é apenas uma visão, pois existem muitas outras e a do consumo pode não

ser a melhor.

3-) evidenciar a tematização e expansões por progressão semântica das

redações consideradas “bem escritas”, ou seja, a referenciação.

No que se refere a esse objetivo, os textos que adotaram a sequência

explicativa como estrutura organizacional (os de uma tese) apresentaram no

Texto Reduzido algumas palavras e/ou frases que foram expandidas no Texto

Expandido. Mas novas palavras e/ou frases foram introduzidas no Texto

Expandido e novas expansões também ocorreram.

Na verdade, nos demais textos que adotaram a sequência explicativa,

mas não expusemos sua análise nesta pesquisa, também ocorreram novas

expansões a partir do Texto Expandido. Sendo assim, um texto dissertativo de

uma tese pode conter novas expansões a partir do Texto Expandido, não

necessitando expandir apenas o que fora citado no Texto Reduzido. Todos

apresentaram a tese no último parágrafo e tal estratégia tornou os textos

altamente persuasivos. Expor a tese antecedendo a justificativa enfraquece a

persuasão, uma vez que o auditório poderia questionar a tese

antecipadamente.

Os textos que adotaram a sequência argumentativa como estrutura

organizacional (os de duas teses) apresentaram Tese 1> Contra-argumentos >

Argumentos > Tese 2. Apenas um deles, da totalidade de 3, sequenciou Tese 1

> Contra-argumentos > Tese 2 > Argumentos.

117

Como a Fuvest apresenta este enunciado antes da publicação dos 27

textos: “Exemplos de redações consideradas de bom nível pela Banca

Corretora por terem atendido, total ou parcialmente, os aspectos avaliados: tipo

de texto e abordagem do tema, estrutura e expressão”, entendemos que é

provável que alguns do textos publicados tenham alguns deslizes quanto a sua

estrutura organizacional ou manutenção temática. E exemplificamos com uma

amostra.

Os três textos analisados expandiram termos citados na categoria Tese

1 e apresentaram novos termos que também foram expandidos nas categorias

Contra-argumentos e Argumentos a fim de se chegar à Tese 2.

O gênero dissertativo é frequentemente solicitado por grande parte dos

principais vestibulares e as correções ainda são motivo de recurso (no caso,

dos vestibulares ou ENEM) ou discordância (no caso das instituições escolares

ou cursos preparatórios para o vestibular).

Não acreditamos, porém, que nossa pesquisa encerrará a discussão

sobre o tema. Achamos necessário investigar os interdiscursos presentes nas

dissertações. Nossa pesquisa tratou de como organizar textualmente o gênero

dissertativo, mas é necessário, ainda, investigar “o que dizer”, para dar conta

da construção de novos pontos de vista a serem projetados sobre um tema e

da organização textual-discursiva das opiniões.

118

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123

ANEXOS:

Texto 1 (Texto 1 do item 4.4 Análise do corpus)

124

Texto 2:

125

Texto 3:

126

Texto 4: (Texto 3 do item 4.4 Análise do corpus)

127

Texto 5:

128

Texto 6:

129

Texto 7: (Texto 4 do item 4.4 Análise do corpus)

130

Texto 8:

131

Texto 9:

132

Texto 10: (Texto 2 do item 4.4 Análise do corpus)

133

Texto 11:

134

Texto 12:

135

Texto 13: (Texto 5 do item 4.4 Análise do corpus)

136

Texto 14:

137

Texto 15:

138

Texto 16:

139

Texto 17:

140

Texto 18:

141

Texto 19: (Texto 6 do item 4.4 Análise do corpus)

142

Texto 20:

143

Texto 21:

144

Texto 22:

145

Texto 23:

146

Texto 24:

147

Texto 25:

148

Texto 26:

149

Texto 27: