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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP MARCELO DA ROCHA RIBEIRO DANTAS Grupos econômicos e a responsabilidade tributária em execuções fiscais SÃO PAULO 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MARCELO DA ROCHA RIBEIRO DANTAS

Grupos econômicos e a responsabilidade tributária em execuções fiscais

SÃO PAULO

2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MARCELO DA ROCHA RIBEIRO DANTAS

Grupos econômicos e a responsabilidade tributária em execuções fiscais

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

para a obtenção do grau de Mestre em

Direito do Estado, subárea Direito

Tributário, sob a orientação do Professor

Doutor José Artur Lima Gonçalves.

SÃO PAULO

2016

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BANCA EXAMINADORA

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Esta dissertação de mestrado foi feita

com bolsa fornecida pela Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior – CAPES e com o apoio da

Fundação São Paulo – FUNDASP, as

quais se agradece pelo auxílio.

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Dedico este trabalho a toda minha família,

com muito amor e carinho, especialmente

a Marcelo, Helena e Ariadna, por quem eu

teria feito isso mil vezes.

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AGRADECIMENTOS

Dizer que foi fácil é impossível: seria menosprezar toda a saudade e

os momentos extremamente solitários que vivi na mudança da minha terra Natal,

para a universo que é a cidade de São Paulo.

Tampouco posso negar que foi prazeroso: foram tempos de

descobertas fascinantes, tanto profissional como pessoalmente e o ser humano que

em meados de 2013 iniciou essa jornada certamente agora, no baixar das cortinas,

é uma pessoa melhor.

Nessas sendas cheias de altos e baixos, algumas pessoas se

destacaram por sua importância na construção desse trabalho.

Primeiramente, agradeço ao meu pai, Marcelo Navarro Ribeiro

Dantas, fonte de inspiração constante como profissional de excelência, de ser

humano digno e preparado que exerce seu mister, na Academia ou no Tribunal, com

dedicação máxima e impecável ética. À você minha eterna devoção e muito

obrigado por ter me forçado a ler Monteiro Lobato quando pequeno: foi lá que

despertei pro mundo do saber, mesmo que a princípio um tanto a contragosto.

Agradeço também à minha irmã, Helena, que em momentos de

muita dor foi quem soube tirar das minhas costas problemas que eu não tinha

capacidade física de resolver em função dos muitos quilômetros que me separam

dos meus. Sua força foi e é a minha força.

À minha mãe, Ariadna, as palavras sempre são poucas, vazias ou

inócuas. Mesmo com tudo o que nos aconteceu do momento em que saí de casa

você sempre soube, na sua fragilidade, ser minha maior fortaleza e é olhando para

você que eu vejo que o mundo pode ser bom, a despeito dos problemas pelos quais

se passa. Sua fé, seu amor, são meu motor. Muito obrigado por existir!

Esse trabalho também se deve – e muito! – aos meus parceiros de

labuta, por quem nutro uma amizade e admiração imensuráveis: Robson Maia Lins,

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Marcela Conde Acquaro Maia, Taísa Silva Reque e Maria Ângela Lopes Paulino

Padilha. Obrigado por todas as conversas que ajudaram, às vezes de formas que

vocês nem sabem, na composição dessa dissertação. Agradeço, em nome destes, a

todos os profissionais da advocacia Barros Carvalho, por sempre serem tão

compreensivos e prontos a me ajudar.

Minha admiração e meus cumprimentos também aos grandes

mestres que me guiaram dentro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo:

professor Paulo de Barros Carvalho, José Artur Lima Gonçalves, Elizabeth Nazar

Carrazza, Regina Helena Costa, Fabiana Del Padre Tomé, Clarice von Oertzen de

Araújo e Willis Santiago Guerra Filho.

Por fim, mas não menos importante, agradeço aos loucos de todos

os gêneros, meus amigos em São Paulo, que foram grandes responsáveis pelos

melhores momentos que vivi, mesmo estando longe de casa: Gabriela Azevedo,

Lucas Azevedo, Rodrigo Dantas, Vanessa Lima, Arthur Rêgo, Carlos Daniel, Felipe

Coelho, Gabriel Veiga, Pedro Veiga, Paula Leão, Renata Feijó, Priscila Holanda,

Lorena Fernandes, Preta Emmeline, Rosa Morena, Roberta Duarte, Marcelo

Macêdo, Léo Almeida, Matheus Freire, Vinício Freire, Francisco Cabral, Giovana

Andrade, Camille Chackra, Luiza Sena, Deo Queiroz, Jair Alecrim, Ana Júlia

Rezende, Carolina Procópio, Max Fontes, Filipe Bulhões, Letícia Daniel, Priscylla

Cavalcanti, Alírio Araújo e tantos outros. Meus dias foram mais leves com vocês.

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LISTA DE ABREVIATURAS

CC Código Civil

CDA Certidão de Dívida Ativa

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CPC Código de Processo Civil

CR Constituição da República

CTN Código Tributário Nacional

Eireli Empresas individuais de responsabilidade limitada

LEF Lei das Execuções Fiscais

LSA Lei das Sociedades Anônimas

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

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RESUMO

O presente estudo busca identificar os limites da responsabilidade tributária dos

grupos econômicos em execuções fiscais no direito brasileiro. Por meio do método

hermenêutico-analítico, em que o Direito é visto como um corpo de linguagem,

aborda-se o tema partindo-se de uma análise do sistema constitucional tributário,

verificando nessa seara quais critérios são importantes na formação da relação

jurídico-tributária. Em seguida, faz-se uma análise detalhada da sujeição passiva,

em que se demonstram quais as balizas legais que existem na escolha daquele que

figurará no polo passivo da obrigação tributária, chegando dessa forma à figura do

responsável tributário. Nesse ponto, se apresentam as formas de responsabilidade

tributária existentes no ordenamento pátrio, verificando sua aplicabilidade ao caso

dos grupos econômicos. Sobre estes, é feito um estudo com suporte em regras de

Direito Civil e Empresarial, para demonstrar a importância dos direitos de

personalidade, autonomia e formação de pessoas jurídicas. Então, em solo firme,

faz-se uma análise de todas as formas de responsabilidade tributária geralmente

usadas no redirecionamento de execuções fiscais contra os grupos econômicos e

qual forma entende-se correta para tanto. Busca-se, com isso, colaborar com o

debate do tema, apresentando uma série de conclusões sobre as possíveis formas

de responsabilização daqueles entes e os limites constitucionais e legais na fixação

dessas responsabilidades.

Palavras-chave: Sujeição passiva. Responsabilidade tributária. Direitos de

personalidade. Grupos econômicos.

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ABSTRACT

This paper aims to identify the limits of economic groups’ tax liability in Brazilian Law

tax foreclosures. Through the hermeneutic-analytical method, in which Law is

constituted by language, it starts with an analysis of the tax constitutional system,

checking what features are important for legal taxing relationship. Then a detailed

analysis of the passive subjection is made, in which is demonstrated what are the

legal beacons that exist for the choice of who will figure in the defendant's tax liability

place, reaching in this point the tax liability. At this point, it is shown tax liability

existing forms admitted by law, with emphasis on those applicable to economic

groups. About these, a study supported in Civil and Business Law is done showing

the importance of personal rights, autonomy and creation of legal entity. Then, based

on all these facts, an analysis of all forms of tax liability often used in the redirection

of tax foreclosures against economic groups is done. The focus is to thereby

collaborate with the subject of debate, with a number of conclusions about possible

ways to tax passive subjection of those entities and the constitutional and legal limits

in fixing these responsibilities.

Keywords: Passive subjection. Tax liability. Personality rights. Economic groups.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14

CAPÍTULO I: CONCEITOS FUNDAMENTAIS ......................................................... 17

1.1 Considerações iniciais e metodologia da pesquisa .......................................... 17

1.2 Conhecimento, linguagem e a busca pela verdade ......................................... 19

1.3 Norma jurídica, validade, vigência e eficácia ................................................... 22

1.4 Decisão jurídica e Valor ................................................................................... 24

1.5 Considerações quanto à prova ........................................................................ 27

CAPÍTULO II: SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO ................................... 32

2.1 Sistema do Direito ............................................................................................ 32

2.2 Norma de conduta stricto sensu e norma de estrutura: importância do limite

posto no art. 146, III, da CR ................................................................................... 35

2.3 Normas primárias e normas secundárias ......................................................... 39

2.4 Princípios constitucionais ................................................................................. 41

2.4.1 Princípio federativo .................................................................................... 42

2.4.1.1 Competência tributária ......................................................................... 44

2.4.2 Princípio da legalidade ............................................................................... 46

2.4.2.1 Limitações ao poder de tributar: tipicidade tributária ........................... 47

2.4.3 Princípio da capacidade contributiva e a vedação à tributação com efeito

confiscatório ........................................................................................................ 51

CAPÍTULO III: INSTITUTOS DE DIREITO PRIVADO E OS GRUPOS ECONÔMICOS .......................................................................................................... 54

3.1 Direitos de personalidade e a pessoa jurídica ................................................. 55

3.2 Pessoa jurídica: natureza e princípio da autonomia ........................................ 56

3.3 Início e término da pessoa jurídica ................................................................... 60

3.4 Desconsideração da personalidade jurídica .................................................... 62

3.5 Classificações das pessoas jurídicas ............................................................... 65

3.5.1 Apontamentos sobre sociedades empresárias .......................................... 67

3.5.1.1 Espécies de sociedades empresariais no direito brasileiro ................. 70

3.5.1.2 Formas de ligações societárias ........................................................... 76

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3.6 Grupos econômicos ......................................................................................... 78

3.6.1 Composição de um conceito ...................................................................... 80

3.6.2 Tipos de grupos econômicos ..................................................................... 84

CAPÍTULO IV: RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA ............................................... 90

4.1 Considerações iniciais ...................................................................................... 90

4.2 Regra-matriz de incidência tributária ................................................................ 92

4.3 Incidência tributária e lançamento .................................................................... 94

4.4 Obrigação tributária .......................................................................................... 97

4.5 Sujeição ativa na obrigação tributária ............................................................ 100

4.6 Sujeição passiva na obrigação tributária ........................................................ 102

4.6.1 Limites na escolha do sujeito passivo e sua implicação na

responsabilidade tributária ................................................................................ 107

4.6.2 O adimplemento da obrigação pelo contribuinte ...................................... 114

CAPÍTULO V: RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA ............................................. 116

5.1 Breves anotações sobre responsabilidade .................................................... 116

5.2 A responsabilidade tributária: o responsável como terceiro ........................... 118

5.3 Solidariedade ................................................................................................. 120

5.3.1 Solidariedade decorrente de interesse comum (art. 124, I, CTN) ............ 122

5.3.2 Solidariedade decorrente de disposição legal (art. 124, II, CTN) ............ 127

5.3.3 Contraste entre solidariedade e subsidiariedade ..................................... 132

5.4 Formas de classificação da responsabilidade tributária ................................. 134

5.4.1 Responsabilidade por sucessão ou transferência ................................... 136

5.4.1.1 Substituição tributária ........................................................................ 137

5.5.2 Responsabilidade de “terceiros” .............................................................. 138

5.5.2.1 A responsabilidade do art. 134, CTN ................................................. 138

5.5.2.2 A responsabilidade do art. 135, CTN ................................................. 141

5.5.3 Responsabilidade por infração ................................................................. 143

5.5.4 Síntese conclusiva: inaplicabilidade dos tipos de responsabilidade do CTN

aos grupos econômicos .................................................................................... 144

CAPÍTULO VI: GRUPOS ECONÔMICOS E AS FORMAS DE RESPONSABILIZAÇÃO ......................................................................................... 146

6.1 Primeiras considerações ................................................................................ 146

6.2 Proposições normativas envolvendo o art. 124 do CTN ................................ 147

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6.2.1 O art. 124, II, do CTN e solidariedade instituída pela Lei n.º 8.212/91 .... 148

6.2.2 Responsabilidade com base no art. 124, I, do CTN ............................... 154

6.3 Proposições normativas envolvendo a desconsideração da personalidade

jurídica .................................................................................................................. 157

6.3.1 Impossibilidade do uso da norma trabalhista na desconsideração da

personalidade jurídica para fins tributários ....................................................... 161

6.3.2 O processo de execução fiscal envolvendo grupos econômicos ............. 165

6.3.2.1 Responsabilidade patrimonial versus responsabilidade tributária ..... 168

6.3.2.2 O incidente de desconsideração de personalidade jurídica: aplicação

aos grupos econômicos ................................................................................. 171

CONCLUSÃO .......................................................................................................... 176

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 179

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INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil é conhecida por

sua analiticidade. Dentro do ordenamento jurídico pátrio é difícil encontrar alguma

questão que não tenha um viés ainda que indiretamente constitucional: desde

assuntos mais banais, que nem sequer precisariam gozar de proteção da Carta

Magna, até os mais complexos, encontram guarida sob sua tutela.

O motivo para tanto é fruto do desmando e insegurança jurídica que

permeavam a sociedade brasileira nos anos de ditadura militar antes de 1988,

quando da promulgação do atual texto constitucional. O legislador constitucional quis

– por bem ou temor – que aquele documento contivesse a maior quantidade de

normas, princípios, direitos e deveres, para que se reestabelecesse a paz social e a

confiança do povo em um novo Estado Democrático de Direito.

Sendo assim, a Constituição não só ocupa o topo da pirâmide

jurídica nacional: ela é grande parte do corpo, reclamando sempre atendimento aos

seus preceitos.

Nessa linha, a tributação também encontra no texto constitucional

enorme quantidade de disposições, que tornam o Sistema Constitucional Tributário

um verdadeiro manancial de princípios, normas e regras que exigem respeito para

que não se impinja a marca da inconstitucionalidade aos dispositivos que dele

venham a beber.

Pode-se, portanto, em seio constitucional tributário, aferir

precisamente inúmeras notas que devem ser interpretadas pelo operador do direito

em sua busca na construção da norma jurídica completa. Nela encontram-se

conceitos sobre veículo introdutor de norma jurídica, competência, lugar, momento,

sujeito ativo, sujeito passivo, base de cálculo, alíquota e tantos outros elementos

responsáveis pela construção das regras-matrizes de incidência tributária que

devem ser meticulosamente observadas.

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Dentro da perspectiva que este estudo pretende desenvolver,

chama-se atenção especialmente para regras de introdução da norma no sistema

jurídico, competência e, principalmente, sujeição passiva tributária.

Tal fato cobra atenção, pois, recentemente, em face do propósito da

Fazenda Pública em arrecadar mais, começam a surgir novas formas interpretativas

de disposições legais com o fito de possibilitar a expansão do rol daqueles que estão

sujeitos ao pagamento de tributos, incluindo-se aí terceiros que não

necessariamente tenham vínculo obrigacional. Todavia, deve-se examinar se essas

novas formas de sujeição passiva por responsabilidade tributária estão de acordo

com normas constitucionais e suas diretrizes, além das regras pertinentes que se

encontram de modo geral no Código Tributário Nacional.

Dessa forma, imprescindíveis as lições sobre a relação jurídico-

tributária para que se verifique como ela se estabelece e assim se poder tratar da

responsabilidade tributária.

Quanto a esta, será necessário que se analise como se estabelecem

os liames que criam essa forma de deslocamento do vinculo obrigacional entre o

Fisco e o destinatário constitucional tributário – sujeito passivo direto – para um

terceiro que efetivamente não realizou o fato gerador da exação, cabendo a ele o

pagamento do débito para com a Administração Fiscal, ainda dentro do que se

entende por sujeição passiva.

Isso porque se verifica jurisprudencialmente o crescimento de

decisões que tratam sobre o que se batizou de “grupos econômicos” – muito por

influência de normas de outros ramos do Direito – como forma de justificativa de

pedidos de redirecionamento de execuções fiscais para pessoas jurídicas que sejam

parte de uma mesma aliança de sociedades, e não faltam supostas bases legais

para que sejam feitos esses requerimentos de responsabilidade tributária por parte

do Fisco, ignorando a tipicidade inerente ao Direito Tributário.

Assim, deve-se estabelecer, através de uma análise de institutos

típicos do Direito Civil – relativos a personalidade, pessoa jurídica e conceitos

empresariais – aqueles que servem ao Direito Tributário e delimitar sua aplicação

como eventual forma de responsabilidade tributária para esses grupos econômicos,

mantendo-se a harmonia do sistema, de modo que se atenda aos preceitos

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basilares constitucionais e, também, em consonância com o Código Tributário

Nacional.

Em busca de elucidar essa problemática, pretende-se demonstrar o

caminho legal entendido como mais correto, apontando motivos para rejeitar

interpretações que não se mantenham coerentes com a sistemática jurídica, sob a

luz do novo Código de Processo Civil e as inovações que ele trará para o debate.

O trabalho será feito com base no método hermenêutico-analítico do

constructivismo lógico-semântico, buscando, primeiramente, fundamentos de base

principiológica, em que serão apresentados aqueles que possuam implicância direta

na solução da questão proposta.

Busca-se, por fim, uma resposta para a possibilidade de grupos

econômicos, no direito brasileiro, serem responsáveis pelo adimplemento tributário

de créditos devidos por integrantes do seu conjunto empresarial dentro das

execuções fiscais e, nesse caso, quais os meios adequados de para fazê-lo.

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CAPÍTULO I: CONCEITOS FUNDAMENTAIS

1.1 Considerações iniciais e metodologia da pesquisa

O ser humano diariamente se põe diante de fatos aos quais busca

dar algum sentido. As respostas que encontrou na sua história, enquanto ser

consciente, passaram por inúmeros níveis de precisão à medida que vai

aumentando a sua experiência com dados físicos que o cercam.

A anima humana sempre inquieta e buscando o aprimoramento das

respostas que já possui, e – mais ainda – buscando novas questões para as quais

voltar sua atenção, (re)começa constantemente a analisar dados e situações por

pontos de vista diversos.

Nessa busca por um conhecimento mais apurado, a linguagem

coloquial diária não se demonstra como a mais confiável para a análise de um dado

específico. Essa dificuldade de lastrear seus apontamentos levou o homem a

desenvolver uma linguagem técnico-científica.

Para a abordagem de um estudo científico é importante que se

demonstre, antes propriamente da tentativa de aproximação com o objeto em

análise, a indicação do modelo dentro do qual se trabalha, visto que será diferente a

resposta dada, em função das premissas que desencadeiam o raciocínio, e do corte

metodológico que se lhe dá.

Há inúmeras possibilidades de interpretação, não necessariamente

excludentes entre si, tanto no plano das ciências sociais quanto no das ciências

naturais, embora, numa perspectiva macroscópica, ainda haja a proposição

descritiva dos operadores lógicos cartesianos. Tese e antítese. Certeza e incerteza.

Valor e desvalor.

É fácil verificar como é importante frisar o corte metodológico

adotado. Pode-se dar como um exemplo disso a aplicação das famosas Leis de

Newton que explicam com perfeição os eventos estudados pela Relatividade Geral,

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mas que perdem sua validade quando o estudo se volta para a Mecânica Quântica1.

A demonstração da técnica escolhida, portanto, nada mais é do que

apontar o método usado pelo cientista, seu referencial, sendo o expediente que o

levará ao conhecimento; em melhores palavras, para os fins almejados, qual é a

forma de abordagem?

Torna-se importante estabelecer quais premissas metodológicas

foram tomadas para a confecção do pensamento, pois se confere a possibilidade de

verificação da coerência do raciocínio construído acerca do objeto cognoscível. Isso

porque, a partir do domínio das ideias primeiras que fundamentam todo argumento,

é possível checar a uniformidade e procedência das conclusões construídas:

mostra-se não só o caminho, mas também os materiais que construíram o

pavimento do saber.

Um dos escopos deste trabalho é demonstrar a natureza jurídica da

responsabilidade tributária, como forma de legitimação passiva, passando, para

tanto, pela análise de conceitos que relevem o que se entende por isso e como se

representa em seara constitucional e legal, e, em seguida, aplicar esses conceitos à

análise de suas implicações quanto aos grupos econômicos empresariais dentro de

processos de execução fiscal, podendo-se dizer, portanto, que esta é a

“macroquestão”. Mas, para chegar a essa conclusão, outras deverão ser

desnoveladas no caminho.

Na busca por respostas aos questionamentos formulados, e com a

finalidade de se reduzir a amplitude semântica do direito positivo, serão realizados

cortes, abstraindo partes do todo, para que se chegue a um número reduzido de

elementos que serão efetivamente analisados.

Nesse ínterim, a realidade será tomada como conjunto de sistemas

linguísticos autorreferentes (metalinguagem), dentro da filosofia da linguagem,

sendo a língua aquilo que constitui a realidade. Nas palavras de Tárek Moysés

Moussallem2, “A importância da linguagem, para o homem, encontra-se plasmada

em sua inevitabilidade. A linguagem é inevitável. Permeia toda a realidade

sociocultural, que, por sua vez, condiciona a ação humana.”. 1 HAWKING, Stephen. Uma breve história do tempo. 1ª ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015, p. 23. 2 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 09.

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Em face dessas afirmações, e tendo em vista o objetivo já

declarado, se investigará o alcance das normas de responsabilidade tributária dentro

da problemática dos grupos econômicos (a) definindo conceitos fundamentais, (b)

analisando as relações obrigacionais tributárias com ênfase na questão da sujeição

passiva, o que conduzirá ao (c) estudo das formas de responsabilidade tributária,

chegando a outras premissas e conceitos que servirão para as (d) conclusões sobre

a sua aplicação ou não aos grupos econômicos. Essas sendas tornam-se

obrigatórias dentro do método analítico-hermenêutico utilizado.

Neste capítulo, portanto, passa-se a demonstrar o método e as

premissas escolhidas pelo emissor, buscando juntar elementos suficientes para que

se definam alguns conceitos importantes para responder aos questionamentos já

esboçados e que serão melhor apresentados oportunamente.

Não se pretende uma análise completa neste momento, deixando

alguns pontos para serem melhor elucidados quando do questionamento. O intuito

maior agora é identificar qual acepção será usada ao longo do trabalho, na tentativa

de reduzir ruídos no canal da mensagem para sua boa compreensão pelo

interlocutor.

1.2 Conhecimento, linguagem e a busca pela verdade

Conhecer, verbo de ação, é um ato específico e determinado no

tempo. O conhecimento é o resultado do ato de consciência, que se caracteriza

como forma deste ato. Na lição de Paulo de Barros Carvalho3, a consciência é a

função através da qual o homem “trava contato com suas vivências interiores e

exteriores”, sendo a “direcionalidade” algo extremamente necessário para a

definição desse conceito, tendo em vista que a consciência é sempre “consciência

de algo”.

O conhecimento pleno somente é possível por meio da linguagem

em seu sentido objetivado, de acordo com Fabiana Del Padre Tomé4, em que se

3 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário Linguagem e Método. 5ª ed. São Paulo: Noeses, p. 08 4 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 05.

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recorda a lição de Wittgenstein de que os limites da linguagem são os limites do

mundo de qualquer pessoa. A autora citada ainda frisa a posição de Paulo de Barros

Carvalho, que afirma: “conheço determinado objeto na medida em que posso

expedir enunciados sobre ele, de tal arte que o conhecimento se apresenta pela

linguagem, mediante proposições descritivas ou indicativas”.

Fala-se ainda em conhecimento em sentido amplo e em sentido

estrito. O primeiro consiste em toda forma de consciência que interliga,

intelectualmente, um objeto com o seu conteúdo. Já em sentido estrito,

conhecimento é quando seu conteúdo vem em forma de juízo, podendo ser

submetido a critério de confirmação e infirmação.

Não existe conhecimento sem sistema de referência: este é

condição sem a qual aquele não subsiste. Isso pode ser demonstrado de maneira

simples analisando-se o comportamento dos primeiros gregos, que, por conhecerem

os sentimentos humanos, atribuíam às forças da natureza características

antropomórficas, já que seus referenciais se baseavam em seus sentidos, e assim

explicavam desde a brisa do mar (calmaria) aos terremotos (fúria). Logicamente, em

dias atuais, com o desenvolvimento científico, os referenciais são mais vastos.

A importância de um sistema de referência reside no fato de o

conhecimento ser marcado por associações; a linguagem, como já mencionado, é

autorreferente, palavras falam a respeito de palavras. Logo, para se conhecer algo é

necessário partir de um ponto de referência do plano sintático com objetivo de

delimitar, principalmente, o campo semântico e pragmático do que está sendo posto.

A compreensão, mesmo aquela mais rudimentar, depende de um

ponto de referência, pois se orienta por coordenadas de tempo e de espaço. É em

consequência desses referenciais variáveis – tempo-espaciais – que as pessoas

podem ter interpretações distintas de um mesmo fato e sem a indicação firme desse

referencial, dentro do qual determinada proposição se aloja, não há como examinar

sua veracidade.

Já esta, a verdade, é traduzida como valor atribuído a determinada

proposição quando se encontra em consonância a determinado modelo, sistema de

referência. É quando a proposição linguística encontra respaldo no mundo fático,

subsumindo-se a este.

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Conhecimento, em resumo, é o ato de consciência no qual, através

da linguagem, o homem cria a realidade e os objetos que conhece.

É nesse acumulo de conhecimento que se chega à cultura, que está

interligada à formação do homem, ou melhor, é o produto dessa formação, ou seja,

o modo de viver, pensar e agir cultivados de acordo com a civilização que habita: é o

seu contexto.

A cultura liga-se intimamente ao sistema de referência em que um

homem se insere. Fabiana Del Padre Tomé5 afirma que “cada pessoa, conforme seu

sistema de referência, ou seja, suas vivências, dispõe de um particular e específico

saber de. É em consequência disso que um mesmo evento ou um único fato podem

ser interpretados diferentemente pelos indivíduos”. Assim, para uma pessoa criada

sobre a influência da cultura muçulmana, o ato de uma mulher andar com seus

cabelos à mostra é tido como um atentado ao pudor, enquanto que para alguém de

cultura ocidental cristã, esse fato é irrelevante.

Dessa forma, o conhecimento, como forma de tradução do dado

bruto que chega aos sentidos, é revelado em proposições, crenças do homem que,

de acordo com a cultura do sujeito cognoscente, do seu sistema de referência, a que

se poderá atribuir ou não o valor da verdade.

Para trazer os fatos para dentro do sistema jurídico, e sendo esses

irrepetíveis e inalcançáveis, há a necessidade de provar sua ocorrência. É nesse

momento que se demonstra a necessidade da prova para o processo jurídico, sendo

ela os rastros e marcas do acontecimento e que o fazem cognoscível para aqueles

que não participaram de sua ocorrência.

Para que a prova ocorra sem nenhum tipo de mácula, material e

formal, é necessário que sua produção e os meios para tanto devem sempre se

pautar pelos princípios e direitos fundamentais que norteiam o sistema jurídico,

sendo, portanto inadmissível prova contaminada por algum tipo de ilegalidade, tendo

em vista que o direito posto tem suas próprias regras que ditam quando certas

provas poderão fazer parte da relação jurídica.

Nesse sentido, será importante para o tema em análise que, na

definição do que seja um grupo econômico, encontrem-se bem caracterizados 5 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 09.

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inúmeros elementos de prova que não sejam meras suposições ou presunções que

desvirtuem conceitos jurídicos que já existem com analogias incabíveis na seara

tributária, principalmente quando se falar em desconsideração da personalidade

jurídica, o que será demonstrado com maior afinco adiante.

1.3 Norma jurídica, validade, vigência e eficácia

Pode-se dizer que normas jurídicas são significações construídas a

partir dos enunciados prescritivos existentes num universo de discurso que é o

sistema de direito posto. São “as entidades mínimas dotadas de sentido deôntico

completo”6.

Como significações, as normas jurídicas são construções feitas pelo

intérprete da norma. Este, por sua vez, produz a norma na acepção de que, posto o

enunciado pela autoridade competente, ele, intérprete, passa a construir a regra de

direito. Assim, haverá uma proposição antecedente de um possível fato do mundo

social; uma descrição de um possível acontecimento na experiência social. Há um

funcionamento duplo: se o antecedente deve ser o consequente.

A norma jurídica (em sentido estrito), enquanto enunciado

prescritivo, terá como requisitos de permanência sua inserção no ordenamento por

autoridade competente e a formalidade do procedimento próprio, tornando-se válida.

Dessa forma, em sentido estrito, o conceito de validade de uma norma jurídica se

liga ao de existência do seu enunciado prescritivo, nos moldes corretos de

introdução no sistema7.

Levando-se em consideração a norma jurídica em sentido amplo –

por exemplo, uma sentença – haverá uma análise da validade por outro ângulo, em

que será observado se o enunciado prescritivo existente (sendo inserido no sistema

por autoridade competente e tendo procedimento adequado), funciona

6 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 69. 7 Tendo em vista que uma norma pode, eventualmente, ser inserida no sistema por uma autoridade incompetente e/ou por procedimento inadequado e mesmo assim ser “válida” e, portanto, existir enquanto não sobrevier ato que a declare inválida, inconstitucional.

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pragmaticamente, observando sua relação sistemática, além de sua relação social

(aplicação ao caso concreto).

Sob outra ótica, ao se falar de validade, há de se mencionar os

requisitos de permanência de uma norma jurídica no sistema, já que a prova

documenta a incidência, sendo ela a linguagem competente para se verificar a

existência de um fato jurídico, em consequência de uma norma individual e concreta.

Nas palavras de Fabiana Del Padre Tomé8, “provado o fato, tem-se

o reconhecimento de sua veracidade. Somente se, questionado ou não, o enunciado

pautar-se nas provas em direito admitidas, o fato é juridicamente verdadeiro

(verdade lógica)”.

Se o antecedente é falso, o consequente pode ser verdadeiro, ou,

em outras palavras, se a prova é ilícita, pode haver uma relação jurídica dela

decorrente. Em sendo a prova (norma jurídica em sentido amplo) introduzida no

sistema por autoridade incompetente, deve haver a demonstração de que ela não

preenche os requisitos de permanência no ordenamento jurídico para que, assim,

ela seja extirpada através do procedimento adequado. À parte que alega, cabe a

prova de suas afirmações, não podendo apenas basear suas teses em suposições,

aparências ou presunções. Esse ponto é fundamental na analise da atual conjectura

sobre responsabilidade tributária de grupos econômicos, tendo em vista que a

Fazenda Pública faz requerimentos de redirecionamento do feito contra terceiros

apenas por indícios ou presunções, muitas vezes apenas pelo fato de ser parte de

um grupo de sociedades, o que vai de encontro a princípios básicos do Direito Civil e

Empresarial da autonomia da pessoa jurídica e de livre iniciativa.

Falando sobre a vigência de uma norma jurídica, esta ocorre em

momento posterior. A norma é introduzida no ordenamento pela sua publicação,

sendo esse o ato que faz com que ela surja para a sociedade, tendo em vista que o

Direito é um sistema comunicacional e é através desse procedimento que ela,

norma/mensagem, chega ao indivíduo/destinatário. A vigência, dessa forma, tem a

ver com a capacidade normativa de irradiar efeitos no mundo social. As hipóteses

formuladas no antecedente agora podem buscar os fatos que a elas se subsumam,

8 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 41.

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sendo nesse momento que se demonstra sua eficácia, que geralmente assume as

seguintes acepções:

(i) Eficácia Jurídica pode ser compreendida em sentido amplo (afirmar a

incidência de uma norma) e em sentido estrito (como atributo do fato jurídico

que possibilita a propagação dos efeitos que lhes são próprios, ou seja, o

mecanismo da incidência);

(ii) Eficácia Técnica é a característica da norma que a torna exigível e garante

sua aplicação, mediante a observação de todas as condições operacionais

previstas no ordenamento jurídico;

(iii) Eficácia Social, sendo a norma que produz efeitos e resultados concretos

na esfera dos fatos sociais.

Feitos esses apontamentos, tem-se por norma jurídica completa a

estrutura construída pelo intérprete, articulando-se sistematicamente os vários

enunciados de direito posto, sob forma de um juízo hipotético-condicional, para que

se compreenda o comando legislado através de uma das modalidades do deôntico,

tal como o fazem Lourival Vilanova9 e Paulo de Barros Carvalho10.

1.4 Decisão jurídica e Valor

Como já aventado no tópico anterior, é importante para a tese que

se defende a valoração da decisão jurídica nos processo de execução fiscal. Nas

palavras de Cristiano Carvalho11:

Passamos o tempo todo efetuando escolhas, o que significa dizer, decidindo. Em contextos intersubjetivos, em que as nossas decisões e as nossas ações geram consequências nas decisões e ações de terceiros, a comunicação humana é a propriedade que permite o surgimento de sistemas sociais complexos.

9 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. São Paulo: Noeses, 2008. 10 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2011. 11 CARVALHO, Cristiano. Teoria da decisão tributária. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 52/53.

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Decidir consiste no ato de emitir um juízo final sobre uma questão ou

causa através da atribuição de valor. Este, por sua vez, pode ser entendido como

aquilo em função do que alguém age para obter e/ou preservar.

Partindo-se dessa premissa, quando se fala em decisão jurídica, se

está tratando de um ato decisório emanado por uma autoridade competente que se

utiliza das regras e procedimentos típicos do Direito para sanar uma questão,

atribuindo a ela uma carga valorativa que emana do seu contexto.

De acordo com Fabiana Del Padre Tomé12, a decisão jurídica:

(...) consiste em norma individual e concreta que relata, no antecedente, o fato jurídico em sentido estrito constituído a partir das provas carreadas aos autos (fatos jurídicos em sentindo amplo), prescrevendo, no consequente, a correspondente relação jurídica, em que se confere a uma das partes determinada obrigação relativamente à parte adversa, a quem é atribuído o direito subjetivo.

Nota-se, pela definição dada acima, que a decisão jurídica é norma

individual e concreta, podendo-se afirmar que, tal qual um contrato, faz lei entre as

partes. Essa norma deverá vir embasada em uma motivação que englobe a

valoração das provas trazidas aos autos pelas partes, onde o julgador esclareça as

razões que o levaram àquela conclusão. É relevante tratar sobre esse tema, tendo

em mira as decisões judiciais que decretam a responsabilização de grupos

econômicos sem prova bastante, ou, ainda mais grave, quando se determina a

desconsideração da pessoa jurídica sem motivação adequada para que seja feita a

responsabilização.

Conceituar “valor jurídico” é tarefa considerada extremamente árdua

e representa um dos maiores desafios filosóficos.

Afirma-se que a importância do valor para o Direito vem da

proximidade que esta ciência tem com a Moral e a Ética. Sendo o Direito um objeto

cultural, ele vai se distinguir radicalmente dos naturais não pelo substrato material, a

constituição física que pode ser comum a ambos, mas sim pelo sentido espiritual

que a atividade humana consegue imbuir nos objetos. Esse sentido espiritual

12 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 277.

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consiste na provocação que é recebida pelos sentidos quanto aos fenômenos ao

redor.

É o julgamento pessoal à provocação recebida que dirá a carga

valorativa que se atribui às coisas do mundo, direcionando quem julga para aquilo

que prefere ou não. Assim, fica visível que o valor não se encontra nas coisas (pelo

menos não na discussão filosófica que aqui se faz), mas no íntimo de cada pessoa.

Também fica bem claro que por causa da ideia de valor, ao se

preferir uma coisa a outra, também se tem o desvalor. Eis a característica

obrigatória: a bipolaridade dos valores, a referência ao cartesianismo, de modo que

onde houver um valor, haverá sempre um contraponto, algo que lute contra aquilo

que se preza, como, por exemplo, o bem e o mal, sendo essa implicação recíproca

outra característica que podemos atribuir ao valor.

Existem outras qualidades inerentes ao valor, como sua

referibilidade, preferibilidade, incomensurabilidade, graduação hierárquica,

objetividade, historicidade, inexauribilidade e atributividade.

Dentre essas, faz-se por bem ressaltar a historicidade e a

atributividade.

A primeira torna-se relevante já que caracteriza a teoria axiológica

pela postulação da impossibilidade de compreender os valores fora de um âmbito

histórico, de modo que a própria História passa a ser reconhecida em termos de um

processo de criação, transformação e aplicação de valores. Coisas anteriormente

tidas como negativas podem vir a se tornar positivas ou irrelevantes. O valor, como

algo cultural, inerente ao espírito humano, também está sujeito aos câmbios do

tempo.

Já a atributividade vem em complemento a essa característica, já

que, a depender do momento histórico, aponta a relação entre o agente do

conhecimento e o objeto, de modo que o sujeito não se comporta com indiferença,

atribuindo ao objeto qualidades positivas ou negativas.

Ao se afirmar que o Direito é objeto cultural, e, portanto, a norma

jurídica também, sendo ambos frutos da conduta humana, pode-se dizer que eles

constituem-se de elementos valorativos, possibilitando o desenvolvimento de uma

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teoria axiológica do Direito, direcionada ao estudo dos valores que interferem em

sua produção, interpretação e aplicação. Ensina Paulo de Barros Carvalho13:

O dado valorativo está presente em toda a configuração do jurídico, desde seus aspectos formais (lógicos), como nos planos semântico e pragmático. Em outras palavras, ali onde houver direito, haverá, certamente, o elemento axiológico.

(...)

Outro tanto se diga no que atina ao modo de regular a conduta entre os sujeitos postos em relação deôntica. As possibilidades são três: obrigatória, permitida e proibida. Os modais “obrigatório” e “permitido” trazem a marca de um valor positivo, porque revelam que a sociedade aprova o comportamento prescrito, ou mesmo o tem por necessário para o convívio social. Caso o functor escolhido seja o “proibido”, fica nítida a desaprovação social da conduta, manifestando-se inequívoco valor negativo. Vê-se que o valor está na raiz mesma do dever-ser, isto é, na sua configuração lógico-formal.

De fato, o dado axiológico penetra a totalidade dos fenômenos

jurídicos, desde a opção por antecedente das normas e suas consequências, até o

modo de aplicação do Direito e a própria obediência do destinatário às prescrições

legais.

Os valores não necessariamente são normas. Somente aqueles

elegidos pelo Direito podem ser tidos como efetivamente normas, mas toda norma

tem valor, o que implica concluir que não há direito positivo sem valor.

1.5 Considerações quanto à prova

Em tópicos anteriores já foram feitas algumas considerações

esparsas quanto à prova, fazendo-se necessária sua complementação.

Toda pretensão está ligada a fatos em que se fundamenta. As

dúvidas sobre a veracidade das afirmações feitas pelas partes no processo

13 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário, Linguagem e Método. 5ª ed. São Paulo: Noeses, 2013, p.174/175.

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constituem indagações sobre fatos que devem ser resolvidas pelo juiz, mediante a

análise de acontecimentos pretéritos importantes.

O vocábulo “prova” origina-se do latim proba, que por sua vez

emana do verbo probare, com o significado de confirmar, verificar, apurar elementos

de convicção ao julgamento14.

No sentido jurídico, a palavra denomina a demonstração que se faz,

pelos meios legais, da existência ou veracidade de um fato material ou de um ato

jurídico, em virtude da qual se conclui por sua existência ou se firma a certeza a

respeito da existência do fato ou do ato demonstrado.

O princípio da busca pela verdade real, também conhecido como

princípio da busca pela verdade material, decorre diretamente da regra da

legalidade, em que a Administração não pode agir baseada apenas em presunções,

sempre que lhe seja possível descobrir a efetiva ocorrência dos fatos

correspondentes.

A demonstração dos fatos em que se assenta a pretensão do autor,

e daquilo que o réu apresenta em contrapartida a essa pretensão, é o que constitui a

prova. O processo seria, portanto, o conjunto de atos legalmente disposto para a

apuração do fato, da autoria, e a exata aplicação da lei. A prova é, principalmente, o

instrumento por meio do qual se forma a convicção do juiz.

Salienta-se que o direito à prova tem importância crucial no quadro

do contraditório, uma vez que a atividade probatória representa o momento central

do processo. Estando a prova estritamente ligada àquilo que é alegado e aos fatos

apontados, visa ela possibilitar a demonstração da verdade, tendo reflexos

profundos no conteúdo do provimento jurisdicional.

Entretanto, o termo “prova” não é unívoco, como quase tudo, quando

se trata da linguagem humana. Numa primeira análise, indica o conjunto de atos

processuais praticados para averiguar a verdade e formar o convencimento do

magistrado sobre os fatos. Seria a atividade, a produção de atos de fala ou a

enunciação linguística nos termos prescritos em lei, realizando-se com a finalidade

14 SIDOU, J.M. Othon. Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 709.

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de (re)construir os fatos alegados, dando suporte às pretensões deduzidas e à

própria decisão.

Já em outra acepção, designa o resultado dessa atividade, o produto

enunciado, designando orações bem construídas e dotadas de sentido, sendo

formulados de acordo com as regras do sistema linguístico a que pertencem. Nesse

sentido, nas palavras de Paulo de Barros Carvalho15, a prova seria:

(...) o produto da atividade psicofísica de enunciação. Apresenta-se como um conjunto de fonemas ou de grafemas que, obedecendo às regras gramaticais de determinado idioma, consubstanciada a mensagem expedida pelo sujeito emissor para ser recebida pelo destinatário, no contexto da comunicação.

Há ainda o sentido que aponta para os “meios de prova”. Nessa

acepção, tem-se o fato de a prova poder ser encarada como norma, já que ela faz

parte do sistema de direito positivo. Pode haver a prova como norma em sentido

amplo, caracterizando o enunciado normativo ou em sentido estrito, na forma de um

juízo hipotético-condicional. Verifica-se que essa prova-norma, para ingressar no

ordenamento, necessariamente terá que ser veiculada pelo instrumento habilitado.

A norma introdutora é derivada de uma regra de competência,

relatando em seu antecedente as delimitações de sujeito, espaço e tempo, sendo

esse o meio de prova. A norma introduzida é o resultado da atividade enunciativa.

Pode-se falar ainda em fonte de prova e objeto de prova.

A prova como fonte se refere às pessoas e coisas utilizadas como

prova, consideradas como fontes dos estímulos sensoriais que chegam à percepção

da entidade decisória (juiz) sobre um fato.

O objeto de prova significa a coisa, o fato, o acontecimento ou a

circunstância que deva ser demonstrado no processo. Encontra-se assim no que se

deve demonstrar, naquilo sobre o que o juiz deve adquirir conhecimento necessário

para resolver o litígio, obtendo a virtual certeza do fato jurídico alegado. O objeto da

15 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 46.

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prova refere-se não apenas ao fato, mas também às circunstâncias relevantes para

a decisão da causa.

Ao contrário do que ocorre no processo civil, no processo penal

nada se exclui do objeto de prova (como por exemplo, um fato incontroverso). O juiz

sancionador, na apuração de uma ilicitude, não está obrigado a admitir o que as

partes afirmam concordes, uma vez que lhe é dado indagar sobre tudo o que lhe

pareça dúbio e suspeito.

Entretanto, não poderá o magistrado se substituir às partes, mesmo

que a pretexto da busca da verdade material, na produção de provas. Entende-se

que, no processo tributário, assim como no penal, essa regra é totalmente aplicável,

tendo em vista o princípio da estrita legalidade e da tipicidade ao qual se encontra

adstrita a Administração. Se ao Fisco só cabe fazer o que se encontra na lei, o juiz

deverá observar se isso realmente foi feito, já que a Certidão de Dívida Ativa,

principal meio de prova de um débito tributário, deve obedecer minuciosamente aos

ditames legais, para que possa presumir-se detentora de fé-pública.

Além disso, dentro da apuração da responsabilidade tributária que

seja desencadeada por um fato ilícito, deve haver a comprovação da conduta

alegada, bem como devem ser dados ao agente meios para que ele possa se

defender. Isso é de extrema importância dentro do novo paradigma processual que

se abre com o Código de Processo Civil de 2015 que possibilitará meios mais

amplos de defesa para os grupos econômicos.

As provas podem ser classificadas, quanto ao objeto, em provas

diretas (quando por si demonstram o fato) e indiretas (provas indiciárias); quanto ao

efeito ou valor, em plenas (quando completas, convincentes) e não plenas

(dependem de outras diligências); em razão de sua forma, em documentais,

testemunhais e materiais; e por fim, quanto ao sujeito, em pessoais (afirmações

pessoais conscientes, exprimem o conhecimento subjetivo) e reais (consistem em

coisas, distintas dos indivíduos).

Existem também diversas modalidades de prova colocadas à

disposição das partes, já que o Código de Processo não limita os meios de prova,

admitindo larga e irrestrita investigação, em honra ao princípio da ampla defesa:

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oitiva de testemunhas, depoimentos das partes e declarantes, perícias e juntada de

documentos.

Para o Processo Tributário, por geralmente tratar-se de documentos,

pode haver a ideia equivocada de que não existem tantos meios de prova, mas a

verdade é que em todos os processos tudo deve estar posto em texto, documentado

de forma escrita, estando o Direito fadado ao cerco inapelável da linguagem. Isso

porque mesmo as oitivas feitas em audiência necessariamente devem ser transcritas

nos autos. Funciona aqui a máxima popular de que o que não está nos autos não

está no mundo do Direito.

Da prova, seja ela qual for, apresentada por uma parte, deve ser

sempre oportunizada a contradita pela parte contrária. Afinal, como já dito, os

intérpretes, a partir de seus referenciais, formam conceitos diferentes sobre os fatos

que são postos diante de si e devem ser ouvidos pelo juízo antes da tomada de

qualquer ação, principalmente quando envolva a adoção de medidas drásticas, em

respeito ao direito de defesa, do contraditório e da dignidade da pessoa humana.

Isso nem sempre é o que se verifica nas execuções fiscais quando

se trata de responsabilidade tributária, colocando-se no polo passivo das demandas

sujeitos que não poderiam figurar nessa posição por completa falta de previsão legal

para tanto, ao arrepio do que determinam a Constituição da República e o Código

Tributário Nacional.

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CAPÍTULO II: SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

Após a apresentação dos objetivos, das premissas metodológicas e

algumas acepções que serão aprofundadas ao longo do trabalho, passa-se a

explorar conceitos de Direito que servirão como argumentos de base para a

dissertação.

A constituição de um país é sua lei basilar e suprema: é ela que

ditará a forma e a organização estatais. Nela estão insculpidos os valores e

princípios que o Estado deverá honrar em seu desenvolvimento, e quais assuntos

devem ser tratados como prioridades.

No Brasil, a Constituição da República de 1988 é a responsável por

esse papel, sendo considerada uma Carta Política moderna e analítica, que, mesmo

com a falta de atenção que sofre por parte dos governantes, recebe elogios da

comunidade internacional.

O Sistema Tributário Nacional também possui suas bases no texto

da Constituição da República. É nela que se encontram as diretrizes que conduzem

o ordenamento jurídico-tributário, suas disposições gerais e princípios. Também

estão traçadas constitucionalmente as linhas mestras das regras de competência

para tributar, consistindo em verdadeiros limites impostos aos designíos tributários

do Estado.

Detalha-se a seguir as disposições constitucionais tributárias que

serão guias neste estudo.

2.1 Sistema do Direito

Sistema é um “conjunto organizado de partes relacionadas entre si e

independentes”16, que se unem debaixo de um princípio unitário comum. É uma

16 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 275.

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composição de unidades que se orientam por um referencial determinado e que

segue uma certa lógica. De acordo com José Artur Lima Gonçalves17:

Sistema é um conjunto harmônico, ordenado e unitário de elementos reunidos em torno de um conceito fundamental ou aglutinante. Esse conceito aglutinante serve de critério unificador, na linguagem de Geraldo Ataliba, atraindo e harmonizando, em um só sistema, os vários elementos de que se compõe.

Nas palavras do próprio Geraldo Ataliba18:

O caráter orgânico das realidades componentes do mundo que nos cerca e o caráter lógico do pensamento humano conduzem o homem a abordar as realidades que pretende estudar, sob critérios unitários, de alta utilidade científica e conveniência pedagógica, em tentativa de reconhecimento coerente e harmônico da composição de diversos elementos em um todo unitário, integrado em uma realidade maior. A esta composição de elementos, sob perspectiva unitária, se denomina sistema.

Ao trabalhar a purificação e isolamento do Direito como Ciência,

Hans Kelsen buscou consolidar sua pureza positiva, colocando o ordenamento

jurídico como seu objeto. A partir de então, a Ciência do Direito consagrou seu

objeto de estudo, passando a ser o ramo do saber que tem como objeto de análise o

sistema de direito.

Quanto se fala em “sistema de direito”, por sua vez, há uma certa

dificuldade em emprestar-lhe um significado unívoco, tendo em vista que o vocábulo

“direito” pode ser usado em inúmeras acepções.

Por mais que direito seja um conceito fundamental, as Ciências

Jurídicas possuem inúmeras variáveis que interferem na fixação de um conceito, tais

como o contexto histórico, sociológico, cultural, etc. Portanto, é necessário que seja

dado um corte metodológico, que, para os fins desse estudo, será conceber o

“sistema de direito” como sinônimo de sistema de direito positivo.

17 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a renda – Pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 40/41. 18 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1968, p. 04.

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Nesse sentido, portanto, utiliza-se a definição dada por Andréa

Darzé19 em que:

(...) sistema de direito positivo pode ser definido como o conjunto formado pelas normas jurídicas válidas em determinado tempo e espaço, organizado segundo nexos de coordenação, fundamentação e subordinação. Manifesta-se em um corpo de linguagem técnica, cuja função é disciplinar coativamente os comportamentos intersubjetivos , modalizando-os com um de seus três operadores deônticos (obrigatório – O; proibido – V; ou permitido – P).

A autora citada ainda afirma em sequência que o direito não é um

fim em si mesmo, mas uma ferramenta feita e usada pelo Estado para ordenar os

fatos sociais, sendo a realidade jurídica constituída pela própria linguagem do direito

positivo, que incide sobre fatos, tipificando-os para fins de imputação de

consequências20.

Essa autonomia autorreferencial, dando a clara percepção de

identidade do objeto jurídico é fruto da teoria da autopoiese, concebida originalmente

no ramo das ciências biológicas e trazida para a teoria dos sistemas das ciências

sociais no modelo de Luhmann. Nesse diapasão, o direito constitui um sistema

autopoiético de segundo grau, tendo adquirido autonomia em face do sistema

autopoiético geral, que é a sociedade. Explica Paulo de Barros Carvalho21:

Surgem os ordenamentos jurídicos como subsistemas autônomos pela emergência de um código próprio e diferenciado (lícito/ilícito), pronto para dar estabilidade a um processo equilibrado de autoproduçãoo recursiva, fechada e circular de comunicações exclusivamente jurídicas. (itálicos do original)

O sistema jurídico autopoiético, portanto, é aquele autorreprodutivo,

em que suas unidades são formadas a partir do próprio sistema, e não pela

influência direta de outros.

19 DARZÉ, Andréa M. Responsabilidade tributária: solidariedade e subsidiariedade. São Paulo: Noeses, 2010, p. 04/05. 20 DARZÉ, Andréa M. Responsabilidade tributária: solidariedade e subsidiariedade. São Paulo: Noeses, 2010, p. 06. 21 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 181.

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Ressalta-se que esse sistema, apesar de fechado no plano

operacional, é aberto em termos cognitivos, significando que ele se comunica com

outros subsistemas sociais, mas de forma exclusivamente cognoscitiva. É assim,

portanto, que o Direito se comunica com outros ramos do saber.

Por esse caráter autopoiético, dentro do próprio sistema do direito se

faz necessário que existam regras que tratem sobre a criação de outras regras,

assim como no corpo humano há o DNA que traz em si o código que deverá ser

replicado pelas células, o que será visto no tópico seguinte.

2.2 Norma de conduta stricto sensu e norma de estrutura: importância do limite posto no art. 146, III, da CR

Dentro do sistema do direito existem inúmeros dispositivos que

tratam do regramento de condutas intersubjetivas, bem como outras que se voltam

mais para o modus operandi para a construção de outras unidades jurídicas.

De um modo geral, toda norma jurídica tem como objetivo a

prescrição de condutas, o que pode tornar um pouco redundante o termo “regra de

conduta”.

Geraldo Ataliba22 ensinava que “interessam dois tipos de normas

jurídicas: a) as que impõem um comportamento e b) as que atribuem qualidade ou

estado (indiretamente, impõem a todos o respeito a esta qualidade ou estado e às

consequências normativas decorrentes desta definição)”. A doutrina, portanto,

costuma dividir as regras jurídicas em dois grande grupos: normas de estrutura e

normas de comportamento (ou de conduta em sentido estrito).

Norberto Bobbio explica que regras de conduta são tanto os dez

mandamentos, quanto as regras de jogos de cartas ou xadrez, regulamentos de

condomínio, bem como aquelas em uma Constituição ou as de Direito Internacional

que buscam regular como um Estado deve se comportar perante o outro. É claro

que essas regras são muito distintas pelos fins que almejam, pelo conteúdo que

carregam, pelo tipo de obrigação que geram, pelo âmbito de suas validades e pelos

22 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 27.

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sujeitos criadores e coordenados. Mas todas têm em comum um elemento

característico que consiste na função diretiva de seus comandos, sendo

“proposições que têm a finalidade de influenciar o comportamento dos indivíduos e

dos grupos, de dirigir as ações dos indivíduos e dos grupos rumo a certos objetivos

ao invés de rumo a outros”23. A diferença entre uma regra de conduta do pôquer e

uma regra de conduta do Direito é a força coercitiva que esta possui; é o poder

cogente que a norma jurídica tem de se impor à sociedade, regulando condutas

intersubjetivas de acordo com os preceitos e fins almejados pelo Estado.

Um exemplo simples que pode ser citado para ilustrar uma norma

jurídica de comportamento stricto sensu é a regra-matriz de incidência de qualquer

tributo. Ela estará regulando a forma de agir entre Fisco (sujeito ativo) e contribuinte

(sujeito passivo; relação intersubjetiva) determinando entre eles uma relação

obrigacional (modal deôntica) onde o segundo deverá recolher aos cofres públicos

uma quantia específica em dinheiro, devido à realização de um fato previamente

prescrito em lei (hipótese de incidência com subsunção do fato praticado pelo sujeito

passivo à norma preexistente).

A norma de estrutura, por seu turno, também se dirige para as

condutas interpessoais, tendo por objeto, porém, os comportamentos relacionados à

produção de novas unidades jurídicas. Elas dispõem sobre órgãos, procedimentos e

estatuem de que modo as regras devem ser criadas, transformadas ou expulsas do

sistema24.

Encontra-se a diferença entre uma norma especificamente de

conduta e uma norma de estrutura, no fato de existirem regras que objetivam

disciplinar a produção de outros comandos jurídicos, instituindo condições, fixando

limites e prescrevendo modos que devem ser obedecidos na construção de outras

regras, sendo por isso que as regras de estrutura também podem ser chamadas de

regras de produção.

Isso porque, em sendo o Direito um sistema autopoiético, gerando a

si mesmo, devem ficar claros os ditames que regem a criação de outros dispositivos,

23 BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. 5ª ed. São Paulo: EDIPRO, 2014, p. 28. 24 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 187.

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para que não padeçam futuramente em embates quanto a sua permanência no

sistema. Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho25:

As regras de estrutura representam, para o sistema do direito positivo, o mesmo papel que as regras de gramática num idioma historicamente dado. Prescrevem estas últimas a forma de combinação dos vocábulos e das expressões para produzirmos orações, isto é, construções com sentido. À sua semelhança, as regras de estrutura determinam os órgãos do sistema e os expedientes formais necessários para que se editem normas jurídicas válidas no ordenamento, bem como o modo pelo qual serão elas alteradas e desconstituídas.

Entre essas normas que regulam a produção de outras, para o

momento, citam-se normas de competência que constam no sistema constitucional

tributário.

Tais normas delimitam o poder de tributar de cada um dos entes

políticos de direito interno. Essa delimitação também decorre de princípios

consagrados pelo modelo de organização de Estado escolhido pela República do

Brasil: o federalismo. Além dele, outro princípio que orienta a Lei Maior é o princípio

da legalidade, grande baluarte de qualquer Estado Democrático de Direito. Isso

porque cada uma das pessoas políticas de direito interno possui na Constituição a

demarcação dos tipos de exações tributárias que poderão instituir (repartindo

tributos pelos entes federados), bem como as diretrizes de como fazê-lo

(procedimento legal adequado).

Percebe-se, assim, que essas regras de competência, que delimitam

o campo de ação de cada pessoa jurídica de direito público interno (União, Estado-

membro, Distrito Federal e Município) e o modo como deverão ser feitas as leis são

típicas normas de estrutura.

Como exemplo de norma de estrutura, citam-se as imunidades

tributárias. As normas que contemplam hipóteses de imunidades caracterizam-se

como normas de estrutura, pois não se reportam diretamente à conduta humana,

25 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 188.

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dirigindo-se ao legislador da pessoa política de direito interno, delimitando seu

campo impositivo.

Demonstra-se a grande importância das normas de produção no

direito posto, pois nelas se encontram os preceitos de imunidade, que nada mais

são do que limites ao poder de tributar do Estado. Explica Paulo de Barros

Carvalho26:

As manifestações normativas que exprimem as imunidades tributárias se incluem no subdomínio das sobrenormas, metaproposições prescritivas que colaboram, positiva ou negativamente, para traçar a área de competência das pessoas titulares de poder político, mencionando-lhes os limites materiais e formais da atividade legiferante. Chegamos até aqui com o propósito de reconhecer que espécie normativa é a figura da imunidade, e já sabemos tratar-se de regra que dispõe acerca da construção de outras regras. Além disso, salientamos que o espaço frequentado por tais normas é o patamar hierárquico da Constituição Federal, porquanto é lá que estão dispostas as linhas definidoras da competência tributária, no direito positivo brasileiro.

Verifica-se, com isso, que as regras de imunidade são como

verdadeiras incompetências ao poder de tributar. Todavia, esse não é o único limite

que a Carta Magna impõe aos desígnios arrecadatórios, sendo apenas um exemplo.

Existe, como bem frisou-se na citação acima, um subdomínio de

sobrenormas e metaproposições prescritivas que devem ser obedecidas para que

não se extrapole a competência tributária que foi estabelecida pela Lei Maior. O

princípio da legalidade é uma delas.

Existem várias regras de estrutura na Constituição da República que

dizem o caminho que o veículo introdutor de norma jurídica deve percorrer para

poder ser considerado apto a entrar no sistema.

Na “Seção I - Dos Princípios Gerais” no “Capítulo I – Do Sistema

Tributário Nacional”, encontra-se o artigo 146, III, da Constituição da República, cuja

redação é:

26 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 236. Grifou-se.

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Art. 146. Cabe à lei complementar: (...)

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; (grifos acrescidos)

A regra posta nesse comando legal, como pode ser claramente

percebido, veicula uma norma de estrutura, ou seja, uma regra que determina o

procedimento adequado para a produção de outra unidade deôntico-jurídica que: (a)

estabeleça uma definição do que seja – dentre outras coisas – contribuinte em

matéria que envolva tributação; e (b) outros tipos de obrigações tributárias que

possam surgir.

Em outras palavras: tão somente uma lei complementar poderá tratar de assuntos que inovem quanto à sujeição passiva tributária e a matérias que envolvam criação de novas formas de obrigação tributária. Assim

como as regras de competência declaram a quem compete estabelecer um tributo,

também na Carta Magna há dispositivos que relatam qual tipo de veículo introdutor é

competente para tratar de certas matérias. Desrespeitar esses comandos estruturais

constitucionais é um atentado ao princípio da legalidade.

Este tópico é de fundamental importância para o entendimento de

diversas questões que surgirão no curso desta dissertação, merecendo que se

mantenha na memória.

2.3 Normas primárias e normas secundárias

Além de tratar da normas de produção e de conduta, a doutrina

também costuma diferenciar as normas jurídicas em primárias e secundárias, tudo

isso sendo fruto de cisões metodológicas, necessárias na busca pela redução de

complexidade da linguagem-objeto, que é o sistema da linguagem do direito positivo.

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Kelsen, em suas primeiras considerações, enxergava um caráter

duplo na norma jurídica, desmembrando-a em “norma primária” e “norma

secundária”. Por esta concepção, bastariam disposições sancionatórias para a

efetiva regulamentação das condutas pelo Direito: a norma primária prevê a sanção

como forma de coação, enquanto a norma secundária dispõe sobre a conduta a ser

cumprida. Entendia o jusfilósofo que a única norma indispensável na

regulamentação do comportamento humano seria aquela que imputasse sanção a

um comportamento ilícito, já que a prescrição seria tomada por inferência,

chegando-se ao dever jurídico esperado. Este, como se percebe, poderia ser

construído indiretamente da norma sancionatória, concluindo-se que a

regulamentação completa está desdobrada em duas normas: a primária, que

prescreve a sanção e a secundária, que prescreve o dever jurídico:

Quando uma ordem social, tal como a ordem jurídica, prescreve uma conduta pelo fato de estatuir como devida (devendo ser) uma sanção para a hipótese da conduta oposta, podemos descrever esta situação dizendo que, no caso de se verificar uma determinada conduta, se deve seguir determinada sanção. Com isto já se afirma que a conduta condicionante da sanção é proibida e a conduta oposta é prescrita. O ser-devida da sanção inclui em si o ser-proibida da conduta que é o seu pressuposto específico e o ser-prescrita da conduta oposta. Devemos a propósito notar que, com o ser-“prescrita” ou o ser-“proibida” de uma determinada conduta se significa não o ser-devida desta conduta ou da conduta oposta, mas o ser-devida da conseqüência desta conduta, isto é, da sanção. A conduta prescrita não é a conduta devida; devida é a sanção. O ser-prescrita uma conduta significa que o contrário desta conduta é pressuposto do ser-devida da sanção. A execução da sanção é prescrita, é conteúdo de um dever jurídico, se a sua omissão é tornada pressuposto de uma sanção.27

Todavia, reconhece-se postumamente um entendimento distinto de

Kelsen quanto ao tema, havendo um recuo teórico quanto à nomenclatura, de modo

a denominar como norma primária aquela que prescreve o dever jurídico e, como

norma secundária, a que estabelece a sanção. Em suas palavras:

Se se admite que a distinção de uma norma que prescreve uma conduta determinada e de uma norma que prescreve uma sanção

27 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 17.

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para o fato de violação da primeira seja essencial para o Direito, então precisa-se qualificar a primeira como norma primária e a segunda, como norma secundária - e não o contrário, como foi por mim anteriormente formulado. 28

Não obstante a inversão sintático-semântica, destaque-se que o

jurista austríaco mantém-se fiel à imprescindibilidade da norma que estabeleça a

sanção, razão pela qual a chamada “norma jurídica completa” deve se compor de

duas outras: a primária, na qual tem-se uma relação de cunho material e a

secundária, em que há uma relação de cunho processual (jurisdicional), visto que o

Estado, na figura do juiz, participa da relação jurídica (logicamente, não como parte).

Assim, passa-se a ser mais adequado dizer que a norma primária

estabelece, em sua hipótese, as notas conotativas que descrevem um fato de

possível ocorrência, identificando um fato lícito relacionando sujeitos, sendo o

consequente o comportamento esperado. Já a norma secundária, conectada à

primária, prevê, em sua hipótese, critérios para a identificação da conduta avessa ao

dever jurídico, traçando um fato ilícito, prescrevendo submissão à sanção mediante

a ação coercitiva do Estado-juiz.

Nesse contexto, “responsável”, como se demonstrará

oportunamente, poderá ser aquele que estará sujeito à sanção (responsabilidade

advinda de uma conduta ilícita).

2.4 Princípios constitucionais

Princípio, pela etimologia da palavra (do latim principium), remete a

uma ideia de começo, origem. Essa perspectiva não se perdeu na linguagem

comum, e os princípios ainda são observados como base ou fundamento de um

fenômeno qualquer. Para Roque Carrazza, princípio “é, ainda, a pedra angular de

qualquer sistema”29.

Relembrando as já citadas palavras de Geraldo Ataliba, quando da

sua lição sobre sistema, percebe-se que ele fala sobre coerência e harmonia. Pode-28 KELSEN, Hans. Teoria Geral das Normas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1986, p. 181. 29 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 29º ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 43.

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se dizer, que essa coerência e harmonia são conferidas a um sistema pelos

princípios: eles são as normas que dão razão às outras.

Nas ciências, portanto, os princípios são os alicerces que dão causa,

sustentação, a outras premissas. Assim sendo, lhes devem homenagem as outras

peças que compõem o sistema científico, para que o estudo não entre em

desarmonia.

O Direito, enquanto ciência, também é composto de inúmeros

princípios, denominados princípios jurídicos e que, dependendo do ramo desta

ciência que esteja sob análise, adquirem feições diferentes, pesos maiores.

Dentro do estudo do sistema constitucional e vislumbrando os fins

almejados por este trabalho, mostra-se particularmente importante a análise de

alguns princípios, especialmente aqueles de maior destaque na seara do Direito

Tributário, que têm repercussão direta na responsabilização de grupos econômicos.

Isso porque, torna-se importante investigar as restrições formais e materiais

impostas para a fixação das pessoas que vão ocupar o lugar sintático de sujeito

passivo, que acabam por impor verdadeiras limitações ao poder de tributar.

Na análise que aqui se faz, portanto, merecem destaque o princípio

federativo, o princípio da legalidade, o princípio da capacidade contributiva e o

princípio da vedação ao confisco.

2.4.1 Princípio federativo

Para o Direito Tributário, um dos princípios mais importantes é o

federativo30. Já no artigo 1º da Constituição demonstra-se a importância desse

assunto, ao se afirmar que a República Federativa do Brasil é composta pela União

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal. Ilustra-se o afirmado

através do que ensina Roque Carrazza31, citando Geraldo Ataliba:

30 Paulo de Barros Carvalho conjuga o princípio federativo ao da autonomia municipal no que ele chama de “princípio da isonomia das pessoas constitucionais” (Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 203/205). 31 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 29º ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 173.

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(...) o princípio federal, em suas mais essenciais exigências, só pode ser revogado por força de uma verdadeira revolução, que deite por terra o Texto Constitucional e ab-rogue categoricamente todo o sistema, a partir de suas bases. Só avassaladora revolução popular pode anular o princípio federal.

Dessa forma, enquanto vigorar a atual Carta Política, é

terminantemente proibida proposta de emenda constitucional que vise a alterar a

forma federativa.

A Federação é uma composição institucional de estados que dá

lugar ao estado federado. A despeito da fórmula literal do artigo 1º da Lei Suprema,

os Municípios não integram a Federação brasileira, porém não deixam de deter

personalidade política, gozando de autonomia. Todavia, a Constituição lhes conferiu

importância constitucional estampada nos artigos 18, 29 e 30. Assim, ficam em

mesmo patamar de igualdade os Municípios e os outros entes políticos. Ensina

Paulo de Barros Carvalho32:

A menção do constituinte eleva os Municípios parificando-os aos Estados-membros e à União. Não são eles entes menores ou meras comunas subordinadas ao controle e a supervisão das unidades federadas ou mesmo da União. São pessoas jurídicas de direito constitucional interno, dotadas de representação política própria, e que vão haurir competências privativas na mesma forma que os fazem as outras, isto é, na Lei Fundamental.

Percebe-se que na federação existe uma descentralização da

capacidade legislativa, repartindo entre as unidades federais a competência

tributária para criar leis.

A importância desse princípio para o estudo tributário reside na

análise segura sobre até onde vai a competência tributária de cada ente político, já

que não há hierarquia entre as pessoas jurídicas de direito público interno (União,

Estados-membros, Municípios e o Distrito Federal). Dessa forma, para que haja

harmonia na produção legiferante tributária de cada uma dessas pessoas políticas, é

32 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 205.

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fundamental que estejam arraigadas no âmbito constitucional os limites de

competência de cada um.

Não se permite, na federação brasileira, a intromissão de um ente

político na área competência tributária de outro, sob o risco de violação ao princípio

federativo e a um de seus desdobramentos, que é o pacto federativo. Cada uma das

unidades federais deve ter capacidade para impor, arrecadar, gerir e despender

tributos, nos limites outorgados pelo texto constitucional.

Percebe-se que o princípio em comento possui desdobramentos

claros diante da divisão de competências tributárias entre os componentes da

federação, o que será mais bem explicado a seguir.

2.4.1.1 Competência tributária

A Lei Maior traçou em seu texto as normas de competência de cada

ente político, delimitando o poder de tributar de cada um dele e, como visto, essa

delimitação decorre de princípios consagrados pelo modelo de organização de

Estado escolhido pela República do Brasil: o federalismo.

Cada uma das pessoas políticas de direito interno possui na

Constituição a demarcação dos tipos de exações tributárias que poderão instituir e

as diretrizes de como fazê-lo. A título ilustrativo, o imposto sobre operações relativas

à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte

interestadual, intermunicipal e de comunicação (ICMS) é um imposto de

competência estadual, enquanto o imposto sobre serviços de qualquer natureza

(ISS) pertence a área de competência municipal, enquanto o imposto de renda (IR)

compete à União.

Assim, o texto constitucional não poupou esforços em distribuir

cuidadosamente as várias competências de cada pessoa política. Do ponto de vista

técnico-jurídico, as pessoas políticas que compõem o Estado Brasileiro são

isônomas, não se podendo admitir que nenhuma delas subjugue a autonomia das

demais, sendo esta – a isonomia entre entes federados – outro desdobramento

desse princípio.

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Nas palavras de Roque Carrazza33 “a competência tributária é a

habilitação ou, se preferirmos, a faculdade potencial que a Constituição confere a

determinadas pessoas (as pessoas jurídicas de direito público interno) para que, por

meio de lei, tributem” e ao tributarem, as unidades da federação garantem para si

autonomia financeira, imprescindível no modelo federativo.

Os entes federados, portanto, são aptos a expedirem enunciados

prescritivos que regulem condutas em matéria tributária, inovando a ordem jurídica,

mediante a edição de um veículo legislativo adequado, exercida pelos órgãos

credenciados a emanarem normas jurídicas, cujo exercício se dá através do

processo de enunciação criador do direito positivo.

Percebe-se que o estudo da competência tributária é a análise de

típica norma de estrutura, pois trata de produção normativa, que limita a permissão

das pessoas políticas de Direito Constitucional interno para instituir tributos,

obedecidas circunstâncias materiais e formais. Nesse sentido, o dever de respeitar e

se sujeitar a um dado tributo tem como condição necessária a sua produção lícita:

deve haver o enquadramento dessa atividade legislativa (criação do tributo) aos

limites materiais constitucionalmente impostos, ao mesmo tempo em que deve

existir uma observância aos limites da norma de competência.

Em última análise, pode-se afirmar que o estudo das competências

permite verificar a validade de um tributo, bem como dos enunciados que o

compõem, incluindo-se aí o critério pessoal passivo, que tem implicâncias quanto à

responsabilidade tributária. Isso ocorre, pois a leitura isolada da norma que institui o

tributo é incapaz de denunciar a existência de vícios. Nas palavras de Andréa

Darzé34:

Não há como a norma instituidora do tributo, ela mesma, isoladamente considerada, denunciar vícios da sua própria enunciação. Daí a necessidade de regressarmos mais uma etapa do processo de positivação, alcançando a norma de competência tributária. Esta, sim, é índice seguro para, diante dos limites estabelecidos pelo Sistema Constitucional Tributário Nacional,

33 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 29º ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 577. 34 DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade tributária: solidariedade e subsidiariedade. São Paulo: Noeses, 2010, p. 37.

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delinear o conjunto das alternativas postas ao legislador para a definição do critério pessoal passivo do tributo.

Dessa forma, não se pode negar a importância das normas de

competência para o Direito Tributário, particularmente se levar-se em conta o

modelo federativo do Estado brasileiro, em que os entes políticos estão rigidamente

subordinados à Constituição da República, o que implica o princípio que se analisará

em seguida.

2.4.2 Princípio da legalidade

Os Estados Democráticos de Direito contemporâneos baseiam-se

fundamentalmente no princípio da legalidade. Isso porque, depois da revolução

francesa e da revolução que culminou com a independência dos Estados Unidos, os

cidadãos passaram a pressionar os governantes por uma legislação sólida, que

demarcasse de forma clara os direitos e garantias individuais.

Vale dizer ainda que o estopim de ambas as revoluções acima

citadas foram pressões estatais para ampliar a arrecadação, ou seja, tiveram

motivos de cunho tributário. Na França, a Corte falida de Luís XVI resolveu criar um

novo imposto, pressionando mais ainda o Terceiro Estado (a população em geral,

que não era do Clero ou da Nobreza) e, nas Treze Colônias, que dariam origem aos

Estados Unidos, a metrópole, a Inglaterra, resolveu criar impostos sobre selos e chá,

levando os colonos a se revoltarem.

Dessa forma, nos novos regimes sociais que surgiram com essas

revoluções, e cujos ecos reverberaram em muitos outros cantos do mundo, fazia-se

necessário conferir maior segurança à sociedade, com constituições e leis que não

pudessem ser alteradas ao bel prazer da política, e esse sentimento se expressa no

princípio da legalidade.

Esse princípio, que se projeta sobre todos os domínios jurídicos, no

Brasil, pode ser encontrado em todas as suas constituições pretéritas. No atual

sistema constitucional brasileiro, encontra-se positivado de forma genérica no art. 5°,

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inciso II, da Lei Maior que declara que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de

fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Esse princípio garante ao particular a liberdade de fazer tudo aquilo

que não se encontra proibido em lei (livre iniciativa), aplicando-se à Administração

Pública, de certa forma, às avessas: a ela, só cabe fazer aquilo que a lei determina.

Esse imperativo encontra-se no art. 37 da Constituição da República.

Há mais: quanto ao Fisco, o princípio toma cores mais fortes, sendo

chamado de princípio da estrita legalidade, que se encontra positivado no art. 150,

inciso I, do Texto Constitucional, acrescentando rigores procedimentais em matéria

tributária, já que “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é

vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou

aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Ou seja, a lei deve carregar elementos

descritores do fato jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional e é isso

que caracteriza a tipicidade tributária.

Toda a pessoa política de direito constitucional interno somente poderá impor obrigações aos particulares mediante expedição de lei. Cumpre

ressaltar que essa regra é válida tanto para o legislador das normas gerais e

abstratas, quanto para administrador público, juiz e todos a quem incumba cumprir

ou fazer cumprir a lei. No desempenho das respectivas funções, todos aqueles

vinculados ao funcionalismo público devem obediência ao mandamento

constitucional. Qualquer tipo de imposição que se pretenda instituir há de curvar-se

aos ditames desse primado, conquista secular dos povos civilizados, permanecendo

como barreira intransponível para os apetites arrecadatórios do Estado.

2.4.2.1 Limitações ao poder de tributar: tipicidade tributária

Percebe-se facilmente que o princípio da legalidade pode ser

analisado por alguns aspectos. Primeiramente, os tributos só podem ser criados por

meio de lei formal, cuja competência será do Poder Legislativo da pessoa jurídica de

direito público interno a quem couber a exação, e, num segundo momento, por ser

um Estado de Direito, as intervenções estatais nas esferas de liberdade e

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propriedade dos cidadãos necessitam de leis que as autorizem, ou seja, se

encontram sob reserva legal, que também obedecem a regras. Destaca Alberto

Xavier35:

É que a noção de Estado de Direito, pelo menos, na sua formulação original, reveste um duplo sentido, material e formal: o conteúdo material do Estado de Direito está na afirmação de que a finalidade essencial do Estado consiste na realização da justiça, concebida, sobretudo, com uma rigorosa delimitação da livre esfera dos cidadãos, em ordem a prevenir o arbítrio do poder e a dar, assim, a maior expressão possível à segurança jurídica; o aspecto formal do Estado de Direito, por seu turno, envolve basicamente a ideia de que, na realização dos seus fins, o Estado deve exclusivamente utilizar as formas jurídicas, de que sobressai a lei formal. Por outras palavras: o Estado de Direito foi, ao menos inicialmente, concebido como aquele que tem por fim o Direito e atua segundo o Direito; isto é, aquele que tem a justiça por fim e a lei como meio da sua realização.

Como limites a essas regras que atuam nas esferas privadas das

vidas dos administrados, têm-se os direitos e garantias fundamentais e, além deles,

regras gerais sobre espécies normativas e suas formas de introdução no sistema

jurídico.

Especificamente quanto ao Direito Tributário, a Constituição da

República traz várias regras para elaboração de normas a partir do art. 145: são

indicadas as espécies de tributos, competências (ou incompetências) para instituí-los

e limitações especiais para cada um deles.

Isto conduz à tipicidade tributária, que significa a exata adequação

do fato à norma, e, por isso mesmo, o surgimento da obrigação se condicionará ao

evento da subsunção, que é a plena correspondência entre o fato jurídico tributário e

a hipótese de incidência, fazendo surgir a obrigação correspondente, nos exatos

termos previstos em lei, ou seja, quem deve, a quem se deve, o que se deve, quanto

se deve e aspectos materiais que provocarão seu nascimento.

Pelo escopo que o presente trabalho pretende, cumpre uma melhor

análise sobre a questão da escolha do “quem deve”; aquele que deverá ser o polo

passivo da obrigação tributária, verificando se há alguma limitação na eleição desse 35 XAVIER, Alberto. Os Princípios da legalidade e tipicidade na tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 08.

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sujeito, ou se o Estado encontra-se livre para indicar qualquer pessoa física ou

jurídica.

Tendo em vista a minuciosidade dada pelo legislador constituinte ao

tratar do poder de tributar, a análise dessa eventual limitação quanto à sujeição

passiva deve, por óbvio, começar pela leitura do texto constitucional. Nessa toada,

verifica-se que já existem um série de definições sobre o tema que poderão ensejar

a imposição tributária, como os arts. 153, 155 e 156 da Constituição da República.

De outra banda, há também uma certa discricionariedade permitida ao legislador

infraconstitucional, como se percebe da leitura de artigos como o 48, 149 ou 154.

Sendo assim, faz-se necessária uma leitura sistemática do texto

constitucional, levando-se em conta inúmeros fatores, como por exemplo, as regras

de estrutura tratadas anteriormente, que estabelecem o modo como devem ser

feitas as inovações na matéria, bem como pondo em conta todos os princípios e

valores expressivos para a seara tributária.

Isso porque o Código Tributário Nacional, aparentemente, ao

abordar responsabilidade, autoriza que qualquer um possa ser colocado nessa

posição, desde que por meio de lei. Todavia, no mesmo diploma há freios para essa

afirmativa, já que a redação do art. 128 limita esse poder, quando dispõe que

somente pessoa vinculada ao fato gerador poderá ocupar o lugar de responsável.

Tal fato se deve, em parte, à vinculabilidade da tributação, recortada

do Texto Supremo e inserida no art. 142 do Código Tributário Nacional, a qual traduz

uma conquista no campo da segurança dos administrados em face dos poderes do

Estado, de tal forma que o exercício da administração tributária encontra-se tolhido, em quaisquer de seus movimentos, pela necessidade de aderência total aos termos inequívocos da lei, não podendo abrigar qualquer resíduo de

subjetividade própria dos atos de competência discricionária.

O regramento constitucional não permite a fixação arbitrária da

sujeição passiva, sob pena de violação de inúmeros direitos e garantias elencados

em cláusulas pétreas, o que iria na contramão da história, pondo por terra as vitórias

conseguidas pela sociedade, quanto aos seus direitos à propriedade privada e ao

não-confisco. Seria, principalmente, uma mácula ao princípio da legalidade, já que é

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totalmente irrazoável uma tributação que não tenha parâmetros para escolha do

sujeito passivo.

Há de se convir que aquele que ocupe o polo passivo de uma

obrigação tributária tenha efetivamente algum vínculo (direto ou indireto) com o ato

ou fato jurídico que a originou, ou, ao menos, condições de se ressarcir ou evitar a

formação do débito, pela vedação de tributação com efeitos de confisco, afinal pagar

tributo sem ter nenhuma relação com o fato gerador significa permitir ao Estado

perseguir de forma arbitrária os bens particulares.

Alberto Xavier36 conclui, portanto, que a Constituição da República

fixa um núcleo essencial das hipóteses de incidência no tocante aos tributos nela

elencados, o que, de modo geral, torna implícitos a base de cálculo e o sujeito

passivo:

Com esta descrição do núcleo essencial dos tipos tributários a Constituição desempenha uma dupla função: uma função horizontal de repartição de competências tributárias entre os entes políticos integrantes da Federação, atribuindo a cada um o poder de tributar certas classes de fatos geradores; e uma função vertical, garantística, dirigida aos cidadãos, pela qual se estabelece um catálogo seletivo das manifestações de capacidade contributiva potencialmente sujeitas à tributação, fora do qual o poder tributário não pode ser exercido.

Assim, quando a Constituição trata, no art. 146, inciso, III, alínea “a”,

da “definição de tributos e de suas espécies (...) dos respectivos fatos geradores,

base de cálculo e contribuintes”, ou na alínea “b”, que trata sobre obrigações, deve o

legislador entender que sua atividade encontra-se pautada, muitas vezes, em

determinar conotação e denotação dos conteúdos semânticos dos conceitos

constitucionais, explicitando o que esteja implícito e conformando o que está

autorizado, lembrando-se sempre que o Direito Tributário, assim como o Penal, é

informado pela tipicidade.

36 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 23.

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2.4.3 Princípio da capacidade contributiva e a vedação à tributação com efeito confiscatório

Não só o princípio da legalidade serve como garantia e limite ao

poder de tributar do Estado. A capacidade contributiva de que cada cidadão dispõe é

outra forma de contenção dos desígnios arrecadatórios do governo, e possui íntima

relação com a sujeição passiva no pagamento de tributos, encontrando-se

positivada na Constituição da República no art. 145, §1º.

Andréa Darzé37 assim escreve sobre o tema:

(...) se a tributação foi o instrumento eleito pelo sistema jurídico para viabilizar a própria existência do Estado de Direito, na medida em que consubstancia fonte de custeio compulsória das suas atividades, a capacidade contributiva aparece como seu contraponto, assegurando, ainda que em termos relativos, os interesses e garantias dos particulares, especialmente no que se refere à isonomia tributária e à preservação do direito de propriedade (artigos 5º, caput e incisos XXII e 150, II, da CF).

Trata-se, portanto, de limitador da atuação impositiva do Estado, que se propõe a estabelecer, de alguma forma, parâmetros para a lícita apropriação de parcela do patrimônio dos administrados, seja no que respeita ao próprio cabimento da imposição, seja no que se refere à mensuração do gravame.

Cabe dizer ainda que é necessário que a norma tributária descreva

situações fáticas que possuam relevância econômica. Todavia, essa afirmativa pode

levar a certa confusão: é extremamente problemática a concretização pragmática

desse princípio, já que, partindo-se apenas do substrato econômico do critério

material da hipótese de incidência da norma tributária, injustiças podem ser

cometidas quanto à fixação de seu conteúdo e alcance.

Para que isso possa ser feito da melhor forma, a doutrina costuma

tratar de dois tipos de capacidade contributiva: absoluta ou objetiva; e relativa ou

subjetiva.

37 DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade tributária: solidariedade e subsidiariedade. São Paulo: Noeses, 2010, p. 39/40.

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A primeira se verifica quando ocorre um fato que expresse

manifestação de riqueza, ou seja, tal acontecimento conforma-se com alguma

atividade descrita pelo legislador, ao selecionar eventos que denotem situações

aptas para custeio de despesas públicas (v.g. auferir renda). Dessa forma, a colheita

de tais fatos pela norma jurídica aponta para a existência de um sujeito passivo em

potencial38.

Já a capacidade contributiva relativa ou subjetiva, como indica seu

nome, vem como baliza: trata da individualização do sujeito, referindo-se à aptidão

de contribuir na medida de suas condições econômicas pessoais (seguindo no

exemplo acima, seria o enquadramento daquele que auferiu renda em uma das

faixas de renda do imposto). Logo, o sujeito potencialmente capaz de contribuir

(capacidade absoluta ou objetiva) torna-se efetivamente passivo de absorver a carga

tributária de acordo de com suas forças.

A conjugação de ambos é tida atualmente como a forma mais justa

de tentar promover esse princípio, mas, certamente, para o objeto ao qual este

trabalho se dedica, imprescindível somar esses ditames àquilo que nos ensina o

princípio do não-confisco. Afinal, a compatibilização dessas regras com a

responsabilidade tributária parece impossível, tendo em vista que nesses casos

aquele que deverá recolher o tributo não manifestou qualquer riqueza, já que não

realizou o fato jurídico.

O art. 150, inciso IV, da Constituição da República, veda à União,

aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a utilização de tributo com efeito

de confisco. Ou seja, a elevação excessiva de carga tributária a ponto de

comprometer, ainda que indiretamente, toda a manifestação de riqueza anotada pelo

fato jurídico, é proibida.

Isso leva à conclusão de que se o legislador desrespeitar os limites

da capacidade contributiva, em última análise, estará confiscando os bens

38 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 28.

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particulares do contribuinte. Sendo assim, trata-se de princípios complementares,

que limitam o poder estatal. Nas palavras de Estevão Horvath39:

Quer-se com isso significar que uma das limitações que o Poder Tributário sofre ao instituir um imposto buscando embasá-lo na capacidade contributiva de alguém, é a de que essa figura não seja confiscatória. Ou seja, o confisco seria a violação, por excesso, da capacidade contributiva.

A vedação de tributação com efeito de confisco reforça a ideia de um sistema tributário justo, mas não somente isso. Impede o excesso de tributo ou que se alcance alguém que não praticou o fato ou não demonstrou capacidade contributiva. Ocorre confisco quando se supõe existente uma riqueza que, na realidade, não existe.

Assim, é importante frisar que a responsabilização tributária deve

atender a todos os seus requisitos legais para que, em última instância, não se

esteja diante de uma violação aos princípios da capacidade contributiva e do não-

confisco, já que, em tese, o responsável não é o contribuinte, aquele que deu causa

ao fato tributário.

Isso torna-se mais polêmico quando se está diante dos casos de

responsabilidade tributária de sociedades empresárias que pertencem a um grupo

econômico, pois é preciso que se constate alguma forma de ligação entre o terceiro

que será chamado a pagar o tributo e o fato gerador, sendo, portanto, necessário um

estudo mais detalhado sobre a formação do liame tributário.

Essas explicações serão devidamente dadas nos tópicos seguintes

à medida que se progrida no estudo do eixo temático.

Antes, todavia, de se adentrar em uma análise mais profunda a

respeito da relação jurídico-tributária e, por conseguinte, na análise da sujeição

passiva, alguns apontamentos sobre Direito Privado devem ser trazidos à baila, já

que terão reflexos, principalmente quando da análise sobre sujeição passiva.

39 HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p, 67. Grifou-se.

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CAPÍTULO III: INSTITUTOS DE DIREITO PRIVADO E OS GRUPOS ECONÔMICOS

Dentro do estudo do tema em análise, faz-se necessário o

apontamento de alguns institutos de Direito Privado que serão importantes para

elucidar as questões propostas.

A norma jurídica, ao descrever fatos que pretende regular, implícita

ou explicitamente, refere-se a um ou vários agentes, da mesma forma que na

imputação de consequências, identifica quem deve sofrer a sanção ou receber um

benefício. Até mesmo em casos de jurisdição voluntária, há direcionamento de

conduta quando se determina que alguém deve mudar de estado civil, etc. Isso

porque “não é possível orientar a superação de conflitos de interesses em sociedade

desconsiderando que todo o interesse tem um titular”40.

Tal afirmação será vista quando se tratar da relação tributária que

envolve, como outra qualquer, no mínimo dois sujeitos que se encontram vinculados

por uma obrigação legal, tendo em vista que as exações fiscais, em decorrência do

princípio da estrita legalidade, devem encontrar sua hipótese de incidência e

consequente previamente designados em lei competente.

A prestação será sempre, ao menos quanto à obrigação principal,

pecuniária e o sujeito ativo sempre será um dos entes de Direito Público interno – ou

quem lhe faça às vezes – ao qual caiba instituir e exigir o tributo. No polo passivo, o

contribuinte será pessoa física ou jurídica de Direito Privado que pratique o fato

jurídico previsto na regra-matriz de incidência tributária ou alguém designado por lei

como responsável, sob a condição de que haja uma relação entre ele e o fato

imponível (relação indireta) ou trate-se de uma conduta ilícita.

Para que se compreenda melhor certos aspectos de uma relação

jurídica tributária, em especial no que tange à sujeição passiva e,

subsequentemente, da responsabilização tributária de grupos econômicos, merecem

análise mais detalhada, pelo objeto deste estudo, as pessoas jurídicas de direito 40 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: parte geral. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 158.

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privado, tendo em vista que será fundamental conceituá-las para os fins propostos.

Cabem também, nesse momento, considerações sobre outros temas básicos de

Direito Privado correlatos.

3.1 Direitos de personalidade e a pessoa jurídica

A ideia de personalidade encontra-se intimamente ligada à ideia de

pessoa, enquanto ser humano. Ter uma personalidade exprime aptidão genérica

para adquirir direitos e contrair deveres.

Parece natural que assim seja, imbuída que se encontra a sociedade

atual dos direitos à dignidade da pessoa humana, mas nem sempre foi assim. Houve

tempo em que os direitos da personalidade eram negados, por exemplo, aos

escravos. No Direito Romano, eles eram tidos como objetos de direito, e não como

sujeitos dele.

Cabe ressalvar que nem todo sujeito de direito é uma pessoa. A lei

reconhece direitos a certos agregados patrimoniais, como o espólio ou a massa

falida, sem personalizá-los. Conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho41, “sujeito de

direito é gênero e pessoa é espécie; isto é, nem todo sujeito de direito é pessoa,

embora toda pessoa seja sujeito de direito”. Personificados, portanto, são os sujeitos

de direito dotados de personalidade jurídica.

Desse modo, o direito reconhece os atributos da personalidade com

um sentido de universalidade, e o Código Civil o exprime em seu artigo 1º, afirmando

que todas as pessoas são capazes de direitos e deveres na ordem civil.

Mas não somente à pessoa, enquanto ser humano, pessoa física, se

dá essa aptidão de personalidade. O mestre Caio Mário da Silva Pereira42 ensina

que:

41 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: parte geral. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 158. 42 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil – Vol. 1. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 181.

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O direito reconhece igualmente personalidade a entes morais, sejam os que se constituem de agrupamentos de indivíduos que se associam para a realização de uma finalidade econômica ou social (sociedades e associações), sejam os que se formam mediante a destinação de um patrimônio para um fim determinado (fundações), aos quais é atribuída com autonomia e independência relativamente às pessoas físicas de seus componentes ou dirigentes. (Grifou-se).

O ordenamento legal, portanto, também faculta a essas “pessoas

morais” capacidade jurídica e elas nada mais são do que as pessoas jurídicas, cujas

denominações são tão numerosas quanto as justificativas para se usar um ou outro

termo: pessoas civis, místicas, fictícias, sociais, abstratas, pessoas de existência

ideal, pessoas compostas, entre outras43.

É importante lembrar que, para as pessoas jurídicas de Direito

Público, a questão da personalidade tem suas próprias nuances, já que para essas

pessoas, a liberalidade encartada no art. 5º, II, da Constituição da República

(princípio da legalidade), funciona, por assim dizer, de forma inversa: o Estado não

pode praticar todos os atos para os quais inexista proibição, só podendo praticar

atos com base legal em preceitos autorizativos (atuação vinculada).

José de Oliveira Ascensão44, em lição precisa, afirma:

Não é que não possa haver também manifestação de autonomia no Direito Público, como é bem visível nas discricionariedade administrativa. Mas a autonomia pública é atribuída para fins que são directa ou indirectamente vinculados; a autonomia privada é-o para a obtenção de fins últimos da livre escolha dos sujeitos. Por isso é que não há nenhum dever de fundamentação no Direito Privado, e há-o no Direito Público.

3.2 Pessoa jurídica: natureza e princípio da autonomia

A natureza jurídica dos entes morais também é tema de constante

debate entre os doutrinadores. Várias são as correntes que tratam do tema, como a

43 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil – Vol. 1. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 252. 44 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil, teoria geral. Volume I: Introdução, as pessoas, os bens. 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 13.

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da ficção, a da propriedade coletiva, a institucional e a da realidade. Para os

objetivos aos quais se propõem esse estudo, elege-se a teoria da realidade como a

corrente a ser seguida.

Seguida por ilustres doutrinadores como Clóvis Beviláqua e Lacerda

de Almeida45, a doutrina da realidade se constrói do dualismo segundo o qual na

pessoa jurídica distinguem-se a ideia que se manifesta e os órgãos que a exprimem,

em alusão clara àquilo que ocorre com a pessoa natural, que manifesta a sua

vontade através dos seus órgãos: se o homem possui animus que é exprimido

através do seu corpo, da mesma forma em uma sociedade, associação ou fundação,

existe um corpus (patrimônio) envolvido por uma ideia dominante (objetivo da

empreitada).

O traço de união entre tantos filósofos desta corrente é a ideia de

realidade do ente coletivo, que se expressa na exposição das bases fundamentais

de sua conceituação científica, abandonando a chamada realidade objetiva

(organicismo) e abraçando a teoria da realidade técnica ou realidade jurídica. Nessa

linha, ensina Caio Mário Pereira da Silva46:

Diante desta situação, advém a conveniência de aceitar o jurista a personalidade real destes seres criados para atuar no campo do direito, e admitir que são dotados de personalidade e providos de capacidade e de existência independente, em inteira semelhança com a pessoa natural, como esta vivendo e procedendo, como esta sujeito ativo ou passivo das relações jurídicas. Não há necessidade de criar artifícios nem de buscar alhures a sede de sua capacidade de direito. Ao revés, a pessoa jurídica tem em si, como tal a sua própria personalidade, exprime a sua própria vontade, é titular de seus próprios direitos, e, portanto, é uma realidade no mundo jurídico. Mas é preciso notar que, ao admitirmos a sua realidade jurídica, e ao assinalarmos a semelhança com a pessoa natural, não recorremos a uma personalização antropomórfica, pois que, já o dissemos, repudiamos a teoria da realidade objetiva. Atentamos, entretanto, em que, encarando a natureza da pessoa jurídica como realidade técnica, aceitamo-la e à sua personalidade sem qualquer artifício. E nem se poderá objetar que esta personalidade e capacidade são fictícias em razão de provirem da lei, porque ainda neste passo é de salientar-se que a própria personalidade jurídica do ser humano é uma criação do direito e não da natureza, reconhecida

45 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil – Vol. 1. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 257/258. 46 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil – Vol. 1. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 259. Destaques do original.

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quando a ordem legal a concede, e negada quando (escravos) o ordenamento jurídico a recusa.

Fica assim consignado que a pessoa jurídica é uma realidade e,

bem como as pessoas físicas, merece atenção e proteção do direito na prática de

atos jurídicos.

E não é diferente no direito positivo: o Código Civil, do art. 40 ao art.

52, dispõe de forma geral sobre os direitos da pessoa jurídica, deixando claro, no

último artigo citado, que “aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção

dos direitos da personalidade”.

Restando demonstrado que o ordenamento legal concede

personalidade às pessoas jurídicas, sua capacidade é inegável. Os membros da

pessoa jurídica não são os titulares dos direitos e obrigações imputados à pessoa

jurídica. Tais direitos e obrigações formam um patrimônio distinto do correspondente

aos direitos e obrigações imputados a cada membro da pessoa jurídica, justamente

pela capacidade que a pessoa jurídica tem de se autogerir.

Sendo assim, pode-se afirmar que uma importante consequência da

capacidade jurídica dessas pessoas é sintetizada no princípio da autonomia: as

pessoa jurídicas não se confundem com as pessoas que a integram. A pessoa

jurídica é quem toma parte nos negócios jurídicos dos quais participe. Da mesma

forma, é ela e não seus integrantes, a parte legítima para demandar e ser

demandada em juízo, em razão de direitos e deveres dos quais é titular. Esse

princípio implica, em regra, a impossibilidade de se cobrarem dos seus integrantes

as dívidas e obrigações da pessoa jurídica.

É interessante consignar esse fato, tendo em vista que a criação de

pessoas jurídicas tem como objetivo facilitar a vida de homens e mulheres que, de

forma independente, não conseguiriam atingir propósitos tão vultosos quanto os que

muitas sociedades realizam. Necessário, assim, que seja sempre feita a separação

entre “criador” e “criatura”: quem se aventuraria em empreitadas muitas vezes

arriscadas sabendo que seu patrimônio pode estar em jogo? Apenas em situações

excepcionais é que existe autorização de imputação de obrigação da pessoa jurídica

aos seus integrantes.

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O princípio da autonomia encontrava-se expresso no art. 20 do

Código Civil de 1916, que dispunha: “As pessoas jurídicas têm existência distinta da

dos seus membros”. No Código Civil de 2002, não há um dispositivo que tenha

redação semelhante a esta, todavia, não se pode cogitar de que a novel legislação

subjetiva tenha abandonado esse primado básico do Direito Civil, até porque, de

forma sistemática, outras normas do mesmo diploma (v.g. art. 46, V, ou art. 1.052),

prestam homenagem a essa autonomia entre pessoa jurídica e seus integrantes.

Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho47:

Diversos dispositivos do Código Civil reforçam a adoção, pelo direito civil brasileiro, do princípio da autonomia da pessoa jurídica. É exemplo, assim, de um princípio não expresso, revelado pela doutrina a partir de dispositivos legais do ordenamento jurídico, para informar a interpretação e aplicação das normas que o compõem.

Além disso, o princípio da autonomia da pessoa jurídica também

guarda relação com a livre iniciativa e a livre concorrência. Ora, não se pode

imaginar, em um sistema capitalista, que possam ser criadas pessoas jurídicas

prontas para atuarem no mercado, se esses dois princípios do direito empresarial

não forem respeitados. Por isso mesmo, a Constituição da República em seu art.

170, IV, afirma que:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

IV - livre concorrência;

(...)

47 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: parte geral. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 257/258.

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Essas duas circunstâncias – livre iniciativa e livre concorrência –

mantêm, portanto, uma relação íntima e de suma importância quando se trata da

organização empresarial, conforme ensina Celso Ribeiro Bastos48:

A livre concorrência é um dos alicerces da estrutura liberal da economia e tem muito que ver com a livre iniciativa. É dizer, só pode existir a livre concorrência onde há livre iniciativa.

(...)

Assim, a livre concorrência é algo que se agrega à livre iniciativa, e que consiste na situação em que se encontram os diversos agentes produtores de estarem dispostos à concorrência de seus rivais.

Isso se dá porque a livre concorrência decorre da manifestação da

liberdade de iniciativa de atuação no mercado econômico. Aquela é a garantia da

livre iniciativa, de modo que se não houver livre concorrência, fatalmente não se terá

também a liberdade de iniciativa, pois a inexistência de um mercado com

concorrentes praticamente impede a liberdade de iniciativa.

Porém, com o acirramento da relações empresariais, a ferocidade

das economias de mercado e o processo contínuo de globalização, além das

pontuais intervenções estatais na regulamentação dos negócios, os próprios

empresários começaram a buscar meios de tornarem suas empreitadas menos

vulneráveis, fazendo com que surgissem figuras como fusões, incorporações e os

grupos econômicos, objeto desse estudo.

3.3 Início e término da pessoa jurídica

Ao nascer, o ser humano tem sua existência incontestável no mundo

físico. Todavia, para os registros jurídicos, ele se torna relevante quando é lavrada

sua certidão de nascimento no órgão competente. Embora ele não dependa

completamente dela para praticar atos da vida civil, já que sua personalidade surge

48 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p. 459.

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simultaneamente a seu nascimento com vida, a prova dele (registro civil) é

necessária, na prática, para que seja formalmente reconhecido como sujeito de

direito. É a ordem jurídica convertendo a linguagem social (nascimento de um ser

humano) em linguagem jurídica (reconhecimento jurídico desse fato).

Pode-se dizer que essa regra também é válida para as pessoas

jurídicas. Por mais que se possa alegar que a manifestação daqueles que a

compõem seja suficiente para criar a pessoa jurídica, para o sistema jurídico, deve

haver um procedimento que colha do mundo dos fatos aquilo que tem relevo para o

Direito, conforme explica Fábio Ulhoa Coelho49:

(...) embora sob o ponto de vista lógico e conceitual seja suficiente para considerar-se a pessoa jurídica personificada a manifestação da vontade de seus instituidores, as exigências relacionadas à regularidade do seu funcionamento e as consequências da inobservância destas recomendam que a pessoa jurídica não pratique nenhum ato jurídico anteriormente à formalidade do registro da sua constituição.

Desse modo, as pessoas jurídicas começam a existir legalmente

com o registro do respectivo ato constitutivo no órgão próprio, de acordo com o art.

45 do Código Civil. As associações, fundações e sociedades simples devem levar

seus atos de constituição ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, enquanto as

sociedades empresárias são registradas nas Juntas Comerciais. O ato de registro no

órgão competente é, portanto, o marco legal de início da personalidade da pessoa

jurídica.

A personificação da pessoa jurídica também tem termo, e esse se dá

com o cancelamento de sua inscrição no registro próprio. Esse procedimento só

pode ser feito após encerrada a liquidação da pessoa jurídica, que é necessária

quando ela é dissolvida pela deliberação da maioria dos seus membros,

observando-se o que ficou determinado em seus atos constitutivos. Em resumo,

sempre que se for dar fim a um pessoa jurídica, extinguindo-se sua personalidade,

deve haver a dissolução, liquidação e por fim o cancelamento no órgão competente,

tudo, também, em atenção ao que estabelece o ato constitutivo da sociedade. 49 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: parte geral. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 263.

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Qualquer outra forma é considerada ilícita e passível de sanção e responsabilização

dos sócios por eventuais prejuízos a terceiros.

3.4 Desconsideração da personalidade jurídica

A distinção entre a pessoa jurídica e os sócios que a compõem,

como já muito se falou, é milenar, podendo ser vista a sua origem ainda no Direito

Romano, que já traçava ideias básicas sobre “corporações” e “fundações”, mesmo

que não tenha havido uma construção doutrinaria, cientificamente organizada, sobre

os entes morais.

De forma geral, os romanos já partilhavam da ideia essencial de que

o ente moral possui unidade e independência relativamente aos seus elementos

compositores. Tal assertiva pode ser extraída dos ensinamentos de Ulpiano, que

ressaltou a oposição entre pessoa física e pessoa jurídica: “Si quid universitati

debent, singulis non debetur, nec quod debet universitas, singuli debent (Digesto III,

4, 7, 1)”50.

Todavia, aparentemente, essas lições, tão antigas, vêm sendo

esquecidas pelas Fazendas Públicas e por parte dos Tribunais e Juízos, que não as

estão confirmando atualmente, quando o interesse é arrecadação tributária,

desconsiderando a personalidade autônoma das pessoas jurídicas sem que se

aperceba a cautela que tal medida requer.

A suspensão dos direitos de personalidade da pessoa jurídica é feita

para que seja possível atingir o patrimônio dos sócios que a compõem. Essa

medida, que deveria ter caráter excepcionalíssimo, sendo tomada apenas depois de

um processo investigativo qualificado, chama atenção hodiernamente pela

banalidade com a qual a é usada no Brasil.

Tal tese, mesmo havendo surgido na legislação alienígena, já

despontava no sistema jurídico nacional, primeiro por construções doutrinarias, 50 “Se se deve algo à ‘universitas’, não se deve a cada um de seus membros, nem o que a ‘universitas’ deve, seus membros devem”, em tradução de Cretella Jr. (Cretella Júnior. Curso de Direito Romano. 4ª ed. Rio de Janeiro: Florense, 1970, p. 75 apud BECHO, Renato Lopes. Responsabilidade tributária de terceiros: CTN, arts. 134 e 135. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 104).

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depois jurisprudencialmente. Sua introdução na legislação nacional se deu antes do

Código Civil de 2002, em alguns dispositivos, quais sejam: o art. 28, caput e §5º, da

Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, conhecida como Código de Defesa do

Consumidor51, e a Lei 8.884, de 11 de junho de 1994, conhecida por Lei Antitruste52.

A desconsideração da pessoa jurídica – embora não se utilize na lei tal expressão –

teve sua positivação com caráter generalista, finalmente, tratada no atual Código

Civil, no seguinte dispositivo:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Esse dispositivo não tem semelhante nem nas principais

codificações estrangeiras nem no Código Civil de 1916. Ao contrário, destoa

inteiramente do já citado art. 20 do diploma civilista anterior.

Conforme visto no item 3.2 deste Capítulo, ainda que não esteja

previsto na codificação civil atual, por certo, isso não significou que, as pessoas

jurídicas deixaram de ter autonomia em relação às pessoas que as compõem ou as

instituíram. Nesse sentido, ensina Renato Lopes Becho53:

51 "Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. (...) § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores." 52 Essa lei foi derrogada pela Lei n.º 12.529/11, todavia, transcreve-se o artigo citado pelo seu significado para o estudo em curso: “Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”. Vale mencionar, por fim, que o art. 34 da lei citada nesta nota, possui redação semelhante à revogada, encontrando-se plenamente aplicável. 53 BECHO, Renato Lopes. A responsabilização tributária de grupo econômico. In: Revista Dialética de Direito Tributário n.º 221, p. 137-138.

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Há que se recordar que quando o legislador excepcionou, no art. 50 do Código Civil, a despersonalização, ele – por imperativo lógico – está garantindo a referida personalização. Em outras palavras, só pode haver um incidente de despersonalização em um ordenamento jurídico em que a personalização seja regra.

Em verdade, pode-se dizer que o que se positivou foi a relativização

dessa regra, através da adoção, pelo Código Civil, da teoria da desconsideração da

pessoa jurídica, expressão nacional da disregard doctrine ou disregard of the legal

entity do direito anglo-americano54, pelo qual se busca impedir o uso indevido ou

lesivo da pessoa jurídica através de sua manipulação, com intuito de prejudicar

terceiros ou para locupletar-se sem causa aceitável, em que se desconsidera

momentânea e especificamente sua autonomia patrimonial, de modo a atingir

diretamente aqueles que a estão deturpando.

Depreende-se ainda pela leitura do artigo transcrito, que a

desconsideração da personalidade jurídica só pode ser aplicada se houver abuso de

personalidade, sendo este o seu requisito. O Código Civil se divorciou da ideia de

que a desconsideração da pessoa jurídica pode ser realizada pela mera má gestão,

tendo estabelecido como pressuposto o abuso no uso da pessoa jurídica, que pode

se manifestar pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

Embora não tenha expressamente utilizado a palavra fraude, o que

seria de bom tom para se coadunar com a origem da disregard doctrine, a

expressão “desvio de finalidade” abarca o conceito de fraude. Mais que isso, o

Código Civil previu a confusão patrimonial, que engloba hipóteses em que o há

excesso de poder se algum dos sócios, para que estes não tratem a pessoa jurídica

como se fosse coisa própria sua.

Essa teoria traz implicações profundas quando se trata de

responsabilização de grupos econômicos, mas nem sempre as premissas utilizadas

pela Fazenda Pública para que se faça esse requerimento em juízo são adequadas.

Aproveitando o ensejo, bom que se frise que a desconsideração é aplicável tão

54 Essa doutrina encontra-se disseminada por todos os sistemas jurídicos mais modernos: no direito alemão com a Durchgriff bei juristischen Personen; no direito francês e o seu mise à l'écart de la personnalité morale; no direito italiano com o superamento della personalità giuridica; ou na desestimación de la personalidad jurídica dos autores de língua espanhola.

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somente por ordem judicial, ou seja, não pode a autoridade fiscal realizá-la sem o

aval de um juiz.

Ressalte-se, por fim, que existe uma diferença entre o término da

pessoa jurídica, referida no tópico anterior, e a sua desconsideração, como avisa

Fábio Konder Comparato55:

Importa, no entanto, distinguir entre despersonalização e desconsideração (relativa) da personalidade jurídica. Na primeira, a pessoa coletiva desaparece como sujeito autônomo, em razão da falta original ou superveniente das suas condições de existência, como, por exemplo, a invalidade do contrato social ou a dissolução da sociedade. Na segunda, subsiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios ou componentes; mas essa distinção é afastada, provisoriamente e tão-só, para o caso concreto.

O efeito da desconsideração se aplica apenas ao caso concreto, não

podendo se cogitar que, por exemplo, a decretação de tal medida em um processo

específico, aproveite aos outros, ou que isso desmantele definitivamente a pessoa

jurídica.

3.5 Classificações das pessoas jurídicas

As pessoas jurídicas também possuem modos de classificação, que

as distinguem entre si. São três as categorias mais relevantes: critério legal,

quantidade de fundadores e de membros e o modo de constituição.

Quanto ao critério legal, as pessoas jurídicas se dividem em dois

grupos: as de Direito Público e as de Direito Privado (art. 40 do Código Civil). As de

Direito Público, quer se atenda ao critério da origem, do fim ou do funcionamento,

têm como paradigma o Estado, havendo a dicotomização entre pessoa jurídica de

55 COMPARATO, Fábio Konder. FILHO, Calixto Salomão. O poder de controle na sociedade anônima. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 353.

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Direito Público internacional (Brasil, Argentina, ONU, União Europeia e outras, nos

termos do art. 42 do Código Civil) e pessoa jurídica de Direito Público interno.

As pessoas jurídicas de Direito Público interno brasileiras, já

mencionadas neste estudo, são as entidades que incorporam organismos estatais

em várias esferas do poder e regem-se por princípios de direito público. De acordo

com o art. 41 do Código Civil, são elas: União, unidades federadas (Estados),

Municípios, Distrito Federal e territórios e os órgãos administrativos, frutos da

descentralização dos serviços, como as autarquias (inclusive as associações

públicas e agências reguladoras). O estudo dessas pessoas é feito pelo Direito

Administrativo.

Já as pessoas jurídicas de Direito Privado encontram-se listadas no

art. 44 do Código Civil e são as fundações, associações, sociedades, organizações

religiosas, partidos políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada

(Eireli).

As fundações se distinguem das demais pois, ao contrário das

outras, elas não resultam da união de esforços de pessoas com o mesmo objetivo,

mas da afetação de um patrimônio a determinada finalidade, que só pode ter fins

não econômicos de caráter religioso, moral, cultural ou assistencial, nos termos do

art. 62, parágrafo único, do Código Civil.

As associações, como já se depreende, são organizadas pela união

de pessoas em torno de objetivos não econômicos (por exemplo, culturais,

filantrópicos, desportivos).

As organizações religiosas e partidos políticos não deixam de ser

subespécies de associações. Porém, são postos de maneira distinta em função de

seus objetivos peculiares, sendo, assim, regidos por normas específicas.

A Eireli é uma nova subespécie de sociedade que difere das demais

pelo fato de ser instituída por uma única pessoa, para a exploração de atividade

econômica com limitação de responsabilidade (a grosso modo, seriam como

empresários individuais, cuja positivação ocorreu com o acréscimo do art. 980-A ao

Código Civil, pela Lei n.º 10.406/2002).

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Por fim, e mais importantes para este trabalho, as sociedades são

também formadas pela junção de pessoas que exploram um conjunto de atividades

econômicas: é o que coloquialmente se convencionou chamar de empresa.

Desse modo, distingue-se a empresa das associações e das

fundações pelo objetivo econômico, ou seja, visa ao lucro, que é, também, o motivo

de sua constituição. As sociedades se dividem em simples e empresárias, de acordo

com a forma como se organizam para explorar a atividade econômica a que se

destinam e serão melhor estudadas em tópico próprio.

Quanto à quantidade de fundadores e de membros, as pessoas

jurídicas podem ser singulares ou coletivas, dependendo da quantidade de membros

que as constituam. Singulares são as que são constituídas por apenas uma pessoa;

coletivas, por mais de uma. As autarquias e as sociedades anônimas subsidiárias

integrais são singulares; as associações e demais sociedades (excluindo-se a Eireli),

coletivas. Fundações, por seu turno, costumam ser instituídas por uma pessoa

apenas, mas existem as que sejam instituídas por mais de uma.

Quanto ao modo de constituição, pode-se dizer que as pessoas

jurídicas classificam-se como contratuais ou institucionais. As primeiras são

organizadas por um contrato firmado entre seus fundadores e por isso obedecem a

contratos sociais que estabelecem relações contratuais entre seus instituidores,

incluindo-se nessa modalidade a maioria dos tipos de sociedades. Já as pessoas

jurídicas institucionais são constituídas pela manifestação de vontade de seus

fundadores, mas sem que se vinculem contratualmente. As sociedades por ações,

associações, organizações religiosas, partidos políticos e Eirelis são institucionais e,

portanto, regem-se por estatutos.

3.5.1 Apontamentos sobre sociedades empresárias

Conforme mencionado no tópico anterior, para o estudo em curso, é

importante destacar o papel das sociedades, espécie de pessoa jurídica de direito

privado que explora atividades econômicas. Basicamente é este tipo empresarial

que poderá eventualmente compor um grupo econômico.

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A atividade empresarial exerce papel de destaque ao longo da

história, especialmente nos últimos dois séculos, sendo parte, direta ou

indiretamente, da vida de praticamente todos os seres humanos. Sendo assim, o

seu estudo é de interesse geral.

É fácil associar o signo “empresa” às Ciências Econômicas, por se

tratar de atividade que possui pesada influência dinâmica e transformadora na

civilização de mercado contemporânea, porém é importante estabelecer um conceito

que seja informado apenas por motivos jurídicos, atendendo aos reclamos da

Ciência do Direito, enquanto ramo do saber específico e independente.

Isso não quer dizer que a Economia, a Contabilidade ou a Política

não possam ser ferramentas complementares à produção normativa. Tendo em vista

o que já foi dito no tópico 2.1 deste estudo, apesar de fechado no plano operacional,

o sistema jurídico é aberto em termos cognitivos, significando que ele se comunica

com outros subsistemas sociais, mas de forma exclusivamente cognoscitiva.

Dessa forma, em observância ao direito positivo brasileiro,

juridicamente a sociedade empresária não pode ser tida apenas por seu aspecto

objetivo, ou seja, como um conjunto de bens. Extrai-se do art. 1.142 do Código Civil,

que “considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para

exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”, ficando claro

que os bens que compõem o estabelecimento são só parte da empresa (um de seus

aspectos). A empresa tampouco tem caráter apenas subjetivo. Não é ela apenas o

sujeito de direito, e sim a atividade de uma sociedade empresária.

Importante frisar que empresa, pela linguagem mais técnica do

Direito, é entendida como atividade econômica organizada que é exercida pelo

empresário ou pela sociedade empresária, como se depreende do art. 966 do

Código Civil56. Todavia, sabe-se que corriqueiramente, ao se falar em empresa, as

pessoas em geral tomam a palavra como sinônimo de sociedade empresária, o que

se vê até mesmo na legislação57.

56 “Art. 966 – Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens e serviços.”. Grifou-se. 57 Tal afirmação pode ser ilustrada por inúmeros artigos de lei e até mesmo em disposições jurisprudenciais. O art. 488 da Consolidação das Leis do Trabalho prevê que “a mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados”. Claramente, a palavra “empresa” foi empregada significando “sociedade empresária”.

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O posicionamento consolidado pela doutrina empresarial

contemporânea serve de base para o estudo feito por Maria Rita Ferragut58 que

resume os conceitos nos seguintes termos:

(...) empresa, entendida como atividade econômica organizada; empresário, definido como a pessoa natural que exerce a atividade empresarial; sociedade empresária, conceituada como a pessoa jurídica que exerce atividade própria de empresário sujeita a registro e, por fim, sociedade simples, tida como a pessoa jurídica que exerce atividade não-empresária.

Feitas as devidas considerações, conclui-se que a sociedade

empresária é o sujeito de direito personificado como pessoa jurídica de direito

privado que exerce atividade própria de empresário (atividade econômica

organizada), sujeita a registro e com expectativa de realização de lucros (fim

econômico), pela produção ou circulação de bens e/ou serviços.

Por causa dos fins que persegue, a atividade empresarial é uma

subespécie de atividade econômica que deve preencher três características:

organicidade, profissionalidade e economicidade.

O primeiro desses quesitos diz respeito à organização dos fatores de

produção, do complexo de bens e de pessoas. O segundo relaciona-se à usualidade

ou continuidade da atividade desenvolvida, ou seja, a atividade não pode ocorrer de

forma pontual ou esporádica, devendo haver real qualificação no desempenho

daquele fim para a caracterização da atividade empresária. Por fim, o terceiro, é a

exigência lógica da criação de riqueza, de destinação mercantil, produzindo bens

e/ou serviços pecuniariamente exprimíveis.

Similarmente, no Código Tributário Nacional, no §3º do art. 133, com a redação dada pela Lei Complementar n.º 118/2005, afirma-se que “em processo de falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo de falência pelo prazo de um 1 (um) ano, contado da data de alienação, somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extraconcursais ou de créditos que preferem ao tributário”. O Judiciário também comete essa atecnia, podendo servir de exemplo a Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. 58 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002. 3ª ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 2.

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A necessidade da reunião dessas três características também

possui implicâncias em aspectos funcionais para a especificação do tipo de

sociedade empresária que se tem, já que a questão da identificação da atividade

empresarial desenvolvida repercute expressivamente no universo jurídico, inclusive

no que toca ao Direito Tributário. Questionamentos como ter que arcar com as

Contribuições aos Serviços Sociais (Sistema “S”), a possibilidade de aderir ao

regime do SIMPLES, a apuração do Imposto de Renda por lucro presumido ou ser

contribuinte de determinado imposto ou não, estão intimamente relacionadas com a

identificação da atividade empresarial.

3.5.1.1 Espécies de sociedades empresariais no direito brasileiro

Antes de adentrar neste tópico, cumpre salientar que não há a

intenção de detalhar os aspectos societários, sendo o único objetivo desta

abordagem das espécies de sociedades empresariais deixar claro o modo como se

dá a questão da responsabilidade dos sócios pelas dividas da pessoa jurídica. Esse

fator mostrar-se-á relevante quando da análise dos grupos econômicos que,

conforme se verá, poderão conter várias das espécies aqui mencionadas.

O direito positivo brasileiro garante ampla discricionariedade na

escolha da formatação empresarial que os membros podem dar para suas

empreitadas. O sistema jurídico, porém, não dá aos sujeitos um cheque em branco,

encarregando-se a legislação de impor formas e regimes jurídicos às espécies

previstas que ganham personalidade com seu registro59.

Aliás, deve-se dizer que o Código Civil, mesmo prevendo a

necessidade do registro para que haja a personificação da sociedade, dispõe sobre

as sociedades em comum (art. 986 a 990), englobando em seu conceito tanto as

sociedades irregulares, que possuem atos constitutivos não registrados em órgão

59 Interessante que se diga que o já citado art. 45 do Código Civil diz claramente que “Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo”. Perceba-se que a parte da letra da lei destacada demonstra o conhecimento do legislador de que existem sociedades empresárias que estão à margem do Direito, ou seja, possuem uma existência que por ele não é reconhecida, somente entrando no mundo jurídico quando feito o registro.

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competente, quanto as denominadas sociedades de fato, que nem sequer possuem

um documento de constituição formalizado, mesmo diante de sua realidade no

mundo social.

Assim, portanto, estas espécies não gozariam, em princípio, dos

direitos inerentes a personalidade, e, consequentemente, a responsabilidade pelas

dívidas societárias será dos seus sócios e de seus patrimônios de forma ilimitada.

As sociedades em conta de participação, mencionadas entre os art.

991 e 996 do Código Civil, contam com dois tipos de sócio: os ostensivos e os

participantes. Aqueles, respondem pela sociedade, assumem o risco empresarial e a

administração. Estes, respondem meramente ao sócio ostensivo nos termos

contratados. Nesse tipo de sociedade tampouco há registro formal, mas a

responsabilidade perante terceiros é somente do sócio ostensivo, que responde de

forma ilimitada.

Percebe-se que esses dois tipos de sociedade não são atrativos

para o empresário, justamente por não haver garantia de que seu patrimônio

pessoal não será afetado pela aventura empresarial. Ainda assim, as sociedades

comuns respondem por uma grande parcela das sociedades empresárias, o que

pode ser explicado por um sistema extremamente burocrático na criação e

manutenção da atividade empresária no Brasil, com gastos com escrituração de

contabilidade, pagamento de tributos e cumprimento de obrigações acessórias que

inibem a regularização dessas sociedades. A formalização acaba restringindo-se a

quem possua melhores condições de estruturar um negócio.

Desse modo, as sociedades formais, ou seja, aquelas que se

encontram registradas, portanto existindo para o Direito, gozando dos atributos

típicos da personalidade, são: as sociedades simples, sociedades em nome coletivo,

sociedades em comandita simples, sociedades limitadas, sociedades anônimas,

sociedades em comandita por ações e as sociedades cooperativas.

Sociedade simples é aquela que não possui caráter empresarial,

explorando atividades de prestação de serviços decorrentes de atividades

intelectuais. A atividade à qual se dedique a empreitada é exercida pelo sócio, que

responde, em regra, subsidiariamente pelas obrigações da sociedade, salvo se

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exista cláusula de solidariedade. Assim, somente com a insolvência da sociedade

simples, o credor poderá valer-se dos bens e direitos dos sócios.

Como o próprio nome entrega, a simplicidade é uma de suas

características, possuindo importância no cenário empresarial brasileiro, de tal sorte

que, mesmo não tendo caráter empresarial, não é incomum que se veja a sociedade

simples figurando em fraudes tributárias que envolvam formação de grupos

econômicos.

As sociedades em nome coletivo (art. 1.039 a 1.044 do Código Civil),

podem ser empresarias ou não, a depender do tipo de atividade que desenvolvam.

Entre os sócios pode haver divisão de responsabilidade, que, todavia, não é

imponível a terceiros, o que faz com que, para eles, aquela seja ilimitada e solidária.

As sociedades em comandita simples são semelhantes as

anteriores, porém com a particularidade de existirem dois tipos de sócios: os

comanditados, responsáveis pela gestão, e os comanditários, que geralmente são

investidores que não podem exercer cargos de administração. Os primeiros

respondem solidária e ilimitadamente, enquanto os segundos têm sua

responsabilidade restringida ao valor de suas quotas.

Pela ordem de disposição do Código Civil, chega-se às sociedades

limitadas. Pode-se dizer que as atividades econômicas de alguma expressão são

exploradas por sociedades anônimas ou limitadas. Esta última formatação

empresarial é sem dúvida a mais numerosa no ordenamento jurídico nacional,

sendo, consequentemente, a grande massa de contribuintes e devedores tributários.

Estão reguladas entre os artigos 1.052 e 1086 da Lei Civil, aplicando-se

subsidiariamente, dependendo do ato constitutivo, regras das sociedades simples ou

das sociedades anônimas.

A responsabilidade desse tipo empresarial já se desenha no seu

próprio nome e está delimitada no art. 1.052 do Código Civil, determinando que “na

sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas

quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”.

Ou seja, o patrimônio do sócio não se comunica com eventuais débitos da empresa,

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não havendo responsabilidade deste sobre obrigações empresariais. Nas palavras

de Fábio Ulhoa Coelho60:

A personalização da sociedade limitada implica a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus membros. Sócio e sociedade são sujeitos distintos, com seus próprios direitos e deveres. As obrigações de um, portanto, não se podem imputar ao outro. Desse modo a regra é a da irresponsabilidade dos sócios das sociedades limitadas pelas dívidas sociais. Isto é, os sócios respondem apenas pelo valor das quotas com que se comprometem, no contrato social (CC, art. 1.052). É esse o limite de sua responsabilidade.

A administração de uma sociedade limitada poderá ser exercida

tanto por membros como por pessoa estranha ao quadro societário contratado para

este fim, havendo, entretanto, uma série de decisões que necessariamente devem

ser tomadas em assembleia pelos sócios, cujo rol exemplificativo consta no art.

1.071 do Código Civil.

Nesse diapasão, para fins de apuração de responsabilidade

decorrente de ato ilícito, é necessário verificar o processo que culminou com a

decisão que deu origem à prática ilegal, para que se determine quem é

verdadeiramente responsável pelo ato em nome da sociedade.

Esse tipo de sociedade empresária é responsável pela formação da

maior parte dos grupos econômicos, pois, além de ter fiscalização menos rigorosa

que as sociedades anônimas, tem organização menos burocrática e a limitação de

responsabilidade atende aos anseios de quem pretende se aventurar no universo

empresarial.

Inclusive, a busca pela proteção de que goza a pessoa jurídica

formalmente organizada levou recentemente à criação das já citadas Empresas

Individuais de Responsabilidade Limitada – Eireli, que seguem basicamente o

mesmo regime jurídico da sociedade limitada.

Equiparadas às sociedades limitadas em questão de importância no

mercado brasileiro, não pela quantidade, mas pelo vulto de suas atividades e da

60 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, vol. 2: direito de empresa. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 434.

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repercussão financeira que são capazes de mobilizar, estão as sociedades

anônimas, também conhecidas como companhias. Esse tipo societário empresarial

encontra-se regulado pelos arts. 1.088 e 1.089 do Código Civil e, especificamente,

pela Lei Ordinária n.º 6.404/76, também conhecida como Lei das Sociedades

Anônimas (LSA).

Essa subespécie de sociedade empresarial ainda pode ocorrer de

dois modos: com capital aberto e fechado.

As sociedades anônimas de capital fechado são sociedades

pequenas, com número restrito de acionistas, devendo a soma de seus patrimônios

ser menor do que o estabelecido pela Comissão de Valores Mobiliários para o

registro das companhias de capital aberto. A característica que a diferencia desta

espécie é que suas ações não podem ser negociadas no mercado. A sociedade,

nesse caso, é constituída por sócios que escolhem outros sócios. Isso significa

restrição na aceitação de novos sócios dentro do grupo já formado. A subscrição

particular da empresa representa menor liquidez nos investimentos.

A companhia de capital aberto, por outro lado, é assim classificada

quando seus valores mobiliários são devidamente registrados na Comissão de

Valores Mobiliários para negociação na bolsa de valores ou no mercado de balcão.

Ou seja, seu capital social é formado por ações negociadas sem o uso de

escrituração pública de propriedade. Os investimentos em sociedades anônimas de

capital aberto acontecem quando o empreendedor objetiva um grande retorno, ou

seja, é necessário juntar uma grande quantidade de recursos com os sócios. A

maior vantagem dessa sociedade é a liquidez que o capital adquire, pois, no caso de

venda de ações, ela se concretiza rapidamente por causa da eventual boa reputação

da empresa.

Esses investimentos são fiscalizados rigorosamente pelo Estado, o

que garante segurança e confiabilidade aos negócios para quem investe.

Normalmente há uma série de processos decisórios que devem ser observados

pelos órgãos administrativos, dentre os quais se destacam o Conselho de

Administração e a Diretoria, além do órgão consultivo denominado Conselho Fiscal.

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Na prática, a análise dos processos decisórios é fundamental para

se aferir a possibilidade de responsabilização dos seus administradores, tendo em

vista que a regra para esse tipo empresarial é somente responder o sócio ou

acionista pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir, nos termos

do art. 1.088 do Código Civil.

Maria Rita Ferragut61, traz importante lição quanto à

responsabilidade dos administradores de sociedades anônimas:

Agindo o administrador dentro do que estabelece o estatuto social e a lei, não haverá responsabilidade pessoal. Entretanto, para aquele que age com culpa ou dolo, infração à lei ou ao estatuto social, causando prejuízos à sociedade e a terceiros, a responsabilidade é pessoal, conforme previsto no artigo 158, I, da Lei das Sociedades por Ações, in verbis: “O administrador responde civilmente pelos prejuízos que causar quando proceder, dentro de suas atribuições e poder, com culpa ou dolo”.

O Código Civil ainda fala de outros tipos societários, as comanditas

por ações, cuja responsabilidade de seus diretores é subsidiária, porém ilimitada, e

as sociedades cooperativas, que, por força do disposto no art. 982 da Lei Civil, são

sociedades simples, formadas exclusivamente por pessoas que se obrigam em torno

do exercício de uma atividade econômica sem objetivo de lucro, mas no interesse

comum de todos os cooperados. Nesse tipo, a responsabilidade pode ser limitada ou

ilimitada de acordo com seu ato constitutivo.

Percebe-se, por este rápido apanhado, que no direito brasileiro há

uma regra basilar que se replica em todas as espécies societárias personificadas,

em que se distingue o patrimônio das pessoas jurídicas do patrimônio dos seus

sócios, pessoas físicas ou jurídicas, honrando o princípio da autonomia.

Fábio Ulhoa Coelho explica que “poucas pessoas – ou nenhuma –

dedicar-se iam a organizar novas empresas se o insucesso da atividade pudesse

redundar a perda de todo o patrimônio, amealhado ao longo de anos de trabalho e

61 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002. 3ª ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 20/21.

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investimentos, de uma ou mais gerações”62 e por isso é tão importante que, na

busca pela responsabilização, não se transponham os limites legalmente criados

para barrar a confusão entre o patrimônio do ente moral e o daquele que o

compõem.

Se a organização de sociedades formais cresce com as garantias

que lhes são dadas pelos direitos de personalidade, um fenômeno inverso pode ser

notado quanto à formação dos grupos econômicos. Neste processo, os empresários

buscam a maior liberdade que é oferecida pela falta de legislação específica,

blindando seu patrimônio da responsabilidade de outras empresas.

3.5.1.2 Formas de ligações societárias

Ainda dentro das formas de organização de sociedades, faz-se

necessário, por suas implicações no eixo temático de estudo, que se conceituem o

que seriam sociedades controladas e coligadas, além de outras formas que podem

existir e conectem pessoas jurídicas distintas.

Diferentemente do que se viu acima, não se trata de formas de

constituição propriamente de uma pessoa jurídica, mas de meios pelos quais se

estabelecem ligações entre sociedades empresárias, já que, grosso modo, uma

dada empresa pode ter como um de seus sócios outra pessoa jurídica.

Assim, sociedade controlada é aquela de cujo capital outra

sociedade participa com a maioria dos votos nas deliberações do quotistas ou da

assembleia geral, tendo o poder de eleger a maioria dos administradores, nos

termos do art. 1.098 do Código Civil. Essa sociedade detentora do poder de controle

é chamada de sociedade controladora e é quem dirige efetivamente os negócios

sociais (art. 116 da LSA). Nesse sentido, por exemplo, a sociedade anônima

controladora terá a mesma responsabilidade que a lei imputa ao controlador pessoa

física, por abuso de poder de controle, nos termos do que preceitua o art. 246 da Lei

das Sociedades Anônimas.

62 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, vol. 2: direito de empresa. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 434.

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Sociedades coligadas ou filiadas, por sua vez, são aquelas em que

uma tem sobre a outra influência significativa, podendo participar de decisões

referentes à política financeira ou operacional, mas sem que exerça controle sobre a

sociedade na qual tenha investido. O art. 1.099 do Código Civil diz que, para que

duas sociedades sejam consideradas coligadas, uma delas (investidora) deverá ter

10% ou mais do capital da outra (investida), sem, contudo, controlá-la.

A simples participação ocorre quando o vínculo existente é pequeno,

titularizando uma sociedade não anônima parte do capital social de uma outra

sociedade, com direito de voto, mas sem nenhuma influência significativa em sua

administração. De acordo com o art. 1.100 do Código Civil, a participação deve ser

menor do que 10%.

Há ainda a subsidiária integral, que, de acordo com Fábio Ulhoa

Coelho63, é:

A única hipótese, no direito brasileiro, de sociedade anônima unipessoal não temporária (...) que adota sempre a forma anônima. Ela pode ser originariamente unipessoal, quando constituída por escritura pública, cujas ações são todas subscritas por uma sociedade empresária brasileira (de qualquer tipo); ou pode resultar da incorporação de suas ações (...).

As joint ventures normalmente aproximam sociedades sediadas em

países distintos, para exploração conjunta de determinada atividade empresarial,

podendo ou não haver a criação de uma nova pessoa jurídica.

Os consórcios são formados quando as companhias ou quaisquer

outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, juntam-se para executar

determinado empreendimento. Dessa união de esforços empresariais não nasce

uma nova pessoa jurídica, não se estabelecendo solidariedade entre as formadoras.

Os consórcios não se confundem com os grupos econômicos, pois

neles existe o claro propósito de realização de um determinado fim (v.g. realização

de uma obra) exterior ao das esferas das próprias sociedades componentes do

consórcio, enquanto que nos grupos econômicos há sincronia no conjunto para uma

atuação em prol da eficiência no exercício dos respectivos objetos sociais.

63 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, vol. 2: direito de empresa. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 524.

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Em tempo, os grupos econômicos, são essencialmente o acima

disposto: grupos societários que resultam da combinação de esforços de sociedades

para realizar seus próprios objetivos sociais. Nele, cada componente conserva sua

personalidade jurídica e patrimônio próprios, não existindo solidariedade entre eles,

salvo exceções. Todavia, deixa-se para o próximo tópico uma análise mais

detalhada.

3.6 Grupos econômicos

Pode-se dizer que da mesma forma que se deu a constituição de

pessoas jurídicas, entes morais que visavam fins que seriam de difícil alcance em

empreitadas particulares, o avanço das relações econômicas e a globalização do

mercado conduziram à formação de grupos econômicos de sociedades.

O panorama de formação dos grupos econômicos começou a se

montar com o fim da Revolução Industrial em meados do século XIX. O acumulo de

capitais das sociedades que já nessa época despontavam, deram origem às

primeiras formas de consórcios e parcerias entre empresários. Todavia, somente

com o final da II Guerra Mundial observa-se uma intensificação de mudanças na

forma com que as sociedades empresárias se relacionam entre si, em que se

criaram efetivamente agrupamentos, aperfeiçoando a exploração empresarial por

meio de coordenação de atividades de diversas pessoas jurídicas, com o escopo de

incrementar os lucros, minimizando custos e riscos.

Fábio Konder Comparato, em análise precisa do que ocorria,

observa:

A associação de empresas juridicamente independentes, atuando sob uma direção unitária compõe a figura dos grupos econômicos, que são atualmente os grandes agentes empresariais. O direito empresarial entra, assim, na terceira fase histórica do seu desenvolvimento. A primeira corresponde ao surgimento do comerciante individual, como profissional dotado de estatuto próprio, destacado do sujeito de direito comum. A segunda fase abre-se com a multiplicação das empresas societárias, notadamente com a vulgarização da sociedade anônima no curso do século passado, como instrumento de captação do investimento popular. Agora, o

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universo das multinacionais, das holdings, joint ventures e consórcios indicam que os atuais protagonistas da vida empresarial são associações de empresas, e não mais sociedades isoladas.64

Exemplificando, pode-se imaginar uma sociedade empresarial que

tão-somente funcionava criando e abatendo porcos, e passa a fazer parte de um

grupo econômico que possui sociedades empresárias frigoríficas, distribuidoras,

supermercados e rede de churrascarias. Percebe-se que se a sociedade empresária

criadora de porcos tivesse apenas persistido em isolar-se em seu filão comercial,

ficaria em situação de vulnerabilidade diante da concorrência do mercado, já que

inserida no grupo, ela tem garantia de vendas.

Traçando-se um paralelo com o que acontece nas Ciências Naturais,

a sociedade empresária passa de uma estrutura molecular para a constituição de

um composto, forma mais complexa, sendo o átomo de toda essa cadeia a pessoa

física empresária.

São diversas as vantagens que se podem elencar com uma atuação

empresarial em conjunto: as vantagens econômicas, que mais atraem os

empresários, configuram-se na maior flexibilidade de mudanças operacionais e

relacionamentos com fornecedores, adquirentes e até concorrentes. Há também

vantagens organizacionais, já que se afastam eventuais problemas decorrentes do

agigantamento da pessoa jurídica unitária, levando a estruturas burocráticas e pouco

eficientes. Financeiramente, a junção de sociedades em grupos, permite o controle

de grandes negócios com investimentos menores.

Para os fins desse estudo, certamente são as implicações jurídicas

decorrentes dessa atuação empresária em grupo que mais interessam. Elas se

demonstram principalmente na limitação de responsabilidades de cada sociedade

empresária à sua área respectiva, já que se houvesse apenas uma única pessoa

jurídica, qualquer problema afetaria todos os “setores da empresa”.

O princípio de livre iniciativa, que encontra guarida constitucional,

garante aos particulares a possibilidade de empreenderem livremente, desde que

respeitados os limites legais, ou seja, desde que não descambem para aquilo que se 64 COMPARATO, Fábio Konder. Grupo societário fundado em controle contratual e abuso de poder do controlador. In: Direito Empresarial – Estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 275

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considera ilícito. Nesse sentido, não existe qualquer empecilho ao agrupamento de

sociedades empresárias, excetuando-se casos como monopólios, cartéis, etc., que

violam preceitos básicos de uma economia de mercado.

A formação desses grupos econômicos é, portanto, constitucional e

legal no Brasil, e, em tempos de enormes dificuldades econômicas, significa uma

forma de manutenção da atividade empresária.

Ainda assim, pela falta de uma regulamentação apropriada, ainda

existem desafios que devem ser superados para que se defina o que são os grupos

econômicos.

3.6.1 Composição de um conceito

Já foi dito no tópico anterior que os grupos econômicos figuram

como forma de ligação entre sociedades. Agora, faz-se uma análise mais detalhada

do instituto.

Terminologicamente, percebe-se que neste estudo se utilizarão

como sinônimos as expressões “sociedades integrantes de grupos econômicos”,

“grupos de sociedades”, “agrupamento de sociedades”, entre outras. Isso se dá, em

parte, porque, semanticamente, não se observa problema no uso das variantes, já

que todas as expressões apontam para o mesmo significado e, em parte, porque a

própria legislação brasileira, nos dispositivos que trata do assunto tampouco é

unânime no uso de uma forma ou outra65.

Ademais, apesar da menção aos grupos econômicos em diversos

diplomas legais de vários ramos do Direito66, não existe realmente um conceito

positivado. As leis que falam sobre grupos econômicos preveem, em regra,

consequências específicas quanto a responsabilidade (civil, ambiental,

consumerista, trabalhista) das sociedades que o formam, não se importando,

todavia, em definir critérios jurídicos do que sejam esses agrupamentos.

65 O art. 2º, §2º da CLT fala em “grupos econômicos”, enquanto os artigos 265 a 277 da Lei das Sociedades Anônimas trata de “grupos de sociedades” e, ainda, o já citado art. 28 do CDC que em seu §2º, fala das “sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas”. 66 Citam-se a título de exemplo: Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei n.º 5.452/1943), Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/1990) e Lei sobre crimes ambientais n.º 9.605/1998.

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A Lei das Sociedades Anônimas parece ser o veículo que esboça

alguma definição mais nítida do que seriam grupos econômicos, em que pese não

tratá-los sob essa nomenclatura.

Na Exposição de Motivos67 dessa lei, pode-se ver que o legislador

exalta esse, então, novo tipo de ligação entre pessoas jurídicas, afirmando tratar-se

de “uma forma evoluída de inter-relacionamento de sociedades que, mediante

aprovação pelas assembléias gerais de uma ‘convenção de grupo’ dão origem a

uma ‘sociedade de sociedades’”. Diz ainda que no grupo “uma sociedade pode

trabalhar para as outras, porque convencionam combinar recursos ou esforços para

a realização dos respectivos objetos” e acrescenta que “as sociedades grupadas

conservam sua personalidade jurídica, e podem voltar a plenitude da vida societária,

desligando-se do grupo”.

Ocorre que a regulamentação dos grupos econômicos não era algo

comum à época da lei citada, tendo-se pouca notícia até mesmo em legislações

alienígenas, já que muitas delas seguiam um modelo mais liberal, ainda que com

pontuais intervenções do Estado, o que, no fim das contas, pode não ter sido de

grande ajuda.

Há ainda construções doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema.

Essas, por sua vez, nem sempre são claras ou objetivas em estabelecer a definição

jurídica do que seria um grupo econômico.

Esta definição, para o estudo da responsabilidade tributária dos

grupos, parece ser um pressuposto óbvio, já que somente assim haverá condições

de identificar se um determinado agrupamento entre sociedades poderá ou não ter

influência no regime jurídico de responsabilização tributária.

Recapitulando ideias anteriormente expostas nos dois primeiros

capítulos, cumpre salientar que as normas jurídicas seguem a lógica do dever-ser

(deôntica), cujas proposições estão sujeitas aos modais válido ou inválido, sendo a

estrutura mínima da norma jurídica dúplice: hipótese (antecedente) e tese

(consequente), em que a primeira deve ser algo possível de ocorrer no mundo

67 Consultado em http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/leis/anexos/EM196-Lei6404.pdf , acessado em 23/12/2015.

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fenomênico e, a segunda, uma consequência que recai entre, ao menos, duas

condutas possíveis.

As normas jurídicas, estando assim organizadas, portanto, recairiam

em normas primárias e secundárias, em que, sendo a primeira desrespeitada,

aplicar-se-ia uma sanção (secundária) que forçasse seu cumprimento. Destarte,

para que se saiba as consequências de um ato, deve ser possível estabelecer

precisamente a hipótese que irá provocá-lo.

Portanto, identificar juridicamente o grupo econômico (hipótese) é

imprescindível para estabelecer as consequências que isto pode trazer para

eventual responsabilização tributárias de seus integrantes.

Nesse sentido, faz-se necessário destacar os traços mais relevantes

e recorrentes. Primeira e logicamente, deve haver uma pluralidade de sociedades

empresárias, havendo, pelo menos, dois sujeitos para que se componha um grupo.

Dessa primeira característica, já se depreende uma segunda: o

grupo deve se voltar para o desenvolvimento de atividade empresarial, bem como os

seus participantes também devem almejar esse fim. Essa característica, por si só, já

limita os tipos de pessoas jurídicas que poderão fazer parte de grupos econômicos,

de acordo com o que já se assentou durante este capítulo.

Um terceiro ponto recorrente é a independência jurídica que deve

ser mantida entre aqueles sujeitos que componham o agrupamento: eles devem

permanecer com suas personalidades jurídicas intactas, nos termos do art. 266 da

Lei das Sociedades Anônimas, que diz em sua parte final, que “cada sociedade

conservará personalidade e patrimônios distintos”.

Na Exposição de Motivos, reforçando o argumento acima, também

se destaca o porquê de não haver o legislador optado pela solidariedade entre os

agrupados:

No artigo 267, o Projeto absteve-se de criar responsabilidade solidária presumida das sociedades do mesmo grupo, que continuam a ser patrimônios distintos, como unidades diversas de responsabilidade e risco, pois a experiência mostra que o credor, em geral, obtém a proteção dos seus direitos pela via contratual, e exigirá solidariedade quando desejar. Ademais, tal solidariedade, se estabelecida em lei, transformaria as sociedades grupadas

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em departamentos da mesma sociedade, descaracterizando o grupo, na sua natureza de associação de sociedades com personalidade e patrimônio distintos. (Grifou-se)

Obviamente, se fosse diferente, se estaria diante de outras formas

de concentração primárias de sociedades, como numa fusão, em que

desapareceriam as pessoas jurídicas originais em favor de um remanescente, não

havendo mais aí uma ligação entre sociedades, mas uma sociedade apenas. Não

deve haver a criação de uma nova pessoa jurídica, tendo a lei determinado que isso

nem sequer ocorra quanto aos grupos de direito.

O surgimento dos grupos de sociedades se deu para que se

evitasse o agigantamento das sociedades empresariais e houvesse maior

dinamicidade nas relações com o mercado. Além disso, presumiu-se que os

credores poderiam se prevenir através de garantias contratuais.

Por fim, deve haver a coordenação, influência dominante ou um

controle comum (unidade de direção econômica), sendo essa quarta característica a

mais polêmica e complexa, já que, apesar da manutenção de suas personalidades

jurídicas, sem confusão patrimonial, entre aqueles que se disponham a compor o

agrupamento, suas decisões negociais não são tomadas de forma completamente

autônoma. Deve ficar caracterizada uma política grupal, um direcionamento de

ações.

Resumidamente, as características básicas para que se conceitue o

grupo econômico são: (i) pluralidade de sociedades empresárias; (ii) exercício de

atividade empresarial; (iii) independência jurídica dos integrantes e; (iv)

coordenação, influência dominante ou controle comum.

Alerta-se, ainda, que nem sempre um conjunto de sociedades

empresárias se reúnem buscado potencializar seus resultados, mas sim visando a

burlar o sistema legal, praticando evasão fiscal e fugindo de credores pela

blindagem patrimonial, o que não se pode aceitar e deve ser coibido pelos

mecanismos legais.

Logo, o conceito mais adequado para os fins desse trabalho é

conceber o grupo econômico como uma forma de interação entre sociedades empresárias, mantidas suas próprias personalidades jurídicas, sem que se

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constitua uma nova, e que atuam de forma harmônica sob uma coordenação ou direção comum, dentro das práticas que são consideradas lícitas (não proibidas) em Direito.

Com este conceito em mente, passa-se a uma melhor análise dos

tipos de agrupamentos.

3.6.2 Tipos de grupos econômicos

As primeiras regras que tratam dos grupos econômicos de forma

contundente, foram introduzidas no ordenamento pátrio com a Lei das Sociedades

Anônimas. Nessa legislação, a nomenclatura utilizada é “grupo de sociedades”.

Sob essa alcunha, inclusive, foi nomeado o capítulo XXI da lei em

comento, que regula, entre os artigos 265 e 277, o que se convencionou chamar de

grupos de direito. Estes serão constituídos preenchendo-se os requisitos formais

expressos nos artigos mencionados, ficando sujeitos a um regime jurídico

específico, diferente da regra aplicável às sociedades empresárias.

Essa diferenciação se dá pela legitimação do poder de comandar

conferido à “sociedade diretora” sobre as demais integrantes, subordinando o

interesse destas ao do agrupamento.

A formação desse tipo de grupo se dá por meio de uma convenção

específica, nos termos do art. 265 da Lei das Sociedades Anônimas, ou seja, é

contratual.

Os grupos de direito são amplamente criticados pela doutrina, por

requererem uma série de formalidades e exigências que não se coadunam com o

objetivo de dinamicidade das relações entre as sociedades. Inclusive, pela leitura da

Exposição de Motivos da Lei das Sociedades Anônimas, parece que o legislador já

previa que essa constante mutação do mercado requereria um acompanhamento da

legislação aos câmbios sociais, pois assim nela ficou consignado:

Os institutos novos para a prática brasileira – grupamento de sociedades, oferta pública de aquisição de controle, cisão de

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companhias e outros – estão disciplinados de forma mais simplificada para facilitar sua adoção, e no pressuposto de que venham a ser corrigidos se a prática indicar essa conveniência; as leis mercantis, sobretudo numa realidade de transformação, como é a do mundo moderno e especialmente a do Brasil, não podem pretender a perenidade têm necessariamente vida curta, e o legislador deverá estar atento a essa circunstância para não impedir o seu aperfeiçoamento, nem deixar em vigor as partes legislativas ressecadas pelo desuso.

Ora, o que se verifica é que efetivamente uma parte da lei ficou

ressecada pelo desuso: por sua maior complexidade, os grupos de direito são

praticamente inexpressíveis no cenário mercantil brasileiro. Em um estudo sobre o

tema dos grupos societários sob a luz da Lei das Sociedades Anônimas, Viviane

Muller Prado informa que menos de 30 grupos de direito foram registrados no

Departamento Nacional de Registro de Empresas68. A própria autora explicita a

causa que fulminou esse tipo de agrupamento:

Ao deliberar a formação dos grupos, os sócios ou acionistas minoritários têm direito de se retirar da sociedade, recebendo o valor das suas ações ou quotas (arts. 270, parágrafo único, 136, V, e 137, II). Com esta previsão do direito de recesso, o custo para a formação do grupo convencional equipara-se ao da realização das operações de fusão ou de incorporação.

A legitimação da unidade econômica do grupo não é suficiente para o empresário incorrer em tais despesas. Uma vez que a participação majoritária no capital da sociedade, sem base contratual, também proporciona o poder de controle sobre toda a empresa, sem o ônus de pagar aos minoritários o recesso, obviamente o empresário opta por não adotar a estrutura do grupo convencional.69

Frise-se ainda que o grupo de direito não é o único mecanismo nem

muito menos a forma obrigatória de se agrupar. Assim, efetivamente não se crê que

o empresário, dispondo de formas muito menos onerosas, venha a optar por este

68 PRADO, Viviane Muller. Grupos societários: análise do modelo da Lei 6.404/1976. São Paulo: Revista DireitoGV, v. 1, n. 2, p. 05/28, jun/dez, 2005, p. 13. 69 PRADO, Viviane Muller. Grupos societários: análise do modelo da Lei 6.404/1976. São Paulo: Revista DireitoGV, v. 1, n. 2, p. 05/28, jun/dez, 2005, p. 16.

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tipo de grupo econômico, já que, de acordo com a citação acima, a própria

participação acionária já pode garantir o controle sobre outras empresas.

Aliás, este é o mote do segundo tipo de grupo econômico que tem

previsão na Lei das Sociedades Anônima: os grupos de fato. Neles, o grupo surge

pela mera participação societária, relações de dependência entre sociedades

empresárias através de controle efetivo (controladas e controladoras) ou por

coligação. Não é feito nenhum procedimento formal regulando o grupo, como há no

modelo anterior em que existe a convenção, definindo-se o grupo por suas ligações

interempresariais e pela finalidade de crescimento conjunto.

No agrupamento de fato não deve haver subordinação das

sociedades componentes aos desígnios do controlador do grupo de maneira que

uma das agregadas sofra perdas ou se prejudique, devendo haver uma

coordenação entre as empresas na busca pela potencialização dos seus resultados.

Com isto, a proteção aos acionistas não-controladores repousa unicamente sobre o

preceito insculpido no art. 246 da Lei das Sociedades Anônimas, que trata do

princípio indenitário por abuso de poder.

Todavia, é claro que se torna extremamente difícil, dentro dos

grupos de fato, aferir se houve essa manipulação dos resultados das empresas

componentes, se estas acordarem nesse sentido, desrespeitando a lei.

Arrebatando tudo o que foi dito, Calixto Salomão Filho70, enfatiza:

Não é exagerado dizer que o direito grupal brasileiro enfrenta momento de séria crise. Do modelo original praticamente nada resta. Sepultadas pela prática ou pelo legislador, as principais regras conformadoras do direito grupal (grupo de direito) como originalmente idealizado não têm aplicação. Os grupos de direito são letra absolutamente morta na realidade empresarial brasileira, em função sobretudo da inexistência de definição de regras de responsabilidade e da possibilidade de retirada em massa dos minoritários da sociedade quando da celebração da convenção de grupo. Já o por assim dizer direito dos grupos de fato flutua entre regras de responsabilidade mal definidas e disciplina de conflito de interesses de difícil aplicação.

70 COMPARATO, Fábio Konder. FILHO, Calixto Salomão. O poder de controle na sociedade anônima. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 414.

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Desse cenário conturbado, além dessas duas categorias, surgem os

grupos não regulados, ou seja, agrupamentos societários que nem são de direito, já

que não formalizam sua situação em uma convenção, nem tampouco podem se

dizer de fato, já que prescindem de participações societárias entre si, não sendo

obrigatoriamente coligadas ou controladas.

O que une essas sociedades em um grupo não são os preceitos da

Lei das Sociedades Anônimas (daí chamá-los de não regulados), mas o fato de

haver uma organização para obtenção de melhores resultados no mercado,

ocorrendo a pluralidade societária e existindo unicidade de controle fático, ou seja,

uma efetiva política grupal, sendo isto o bastante para configurar o grupo.

Atualmente o grupo não regulado é o tipo de grupo mais comum

justamente pela enorme liberdade que confere ao empresariado, mas também é o

que demanda maior esforço do hermeneuta, já que para sua constatação há uma

exigência probatória mais rebuscada, tendo em vista inexistir vínculo direto entre as

sociedades (convenção ou controle societário) que comprove facilmente a existência

de um grupo.

Diga-se, por oportuno, que nada impede que dentro de um grupo

não regulado possam existir sociedades empresárias que sejam coligadas ou

controladas, o que pode ser bem representado pelo diagrama abaixo:

Frise-se que esta constatação possui implicações particulares

quando se tratar de responsabilização.

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Isto porque, quanto mais ligada uma sociedade for a outra, mais esta

responderá por aquela: imagine-se uma grande família, com vários graus de

parentesco. Alguns apenas carregam o mesmo sobrenome, sem contudo se

conhecerem, outros são parentes mais próximos, tios, primos, até chegar a irmãos,

pais e mães. Da mesma forma se pode imaginar num grupo econômico não

regulado.

Cabe ainda um aviso: quanto à nomenclatura utilizada por este

estudo, esses grupos são chamados de não regulados, pois chamá-los de grupos de

fato, genericamente como faz parte da doutrina71 e principalmente a jurisprudência,

causa confusão com os grupos de fato mencionados antes e que se encontram na

Lei das Sociedades Anônimas. Nestes, grupos de fato, a influência da sociedade

empresária dominadora nas demais não se encontra formalizada em uma

convenção registrada, entretanto se formaliza pelas ações, cotas ou qualquer outro

tipo de participação que garantam sua influência. Naqueles, grupos não regulados,

existe um controle que não está formalizado em convenção e tampouco em

participação societária.

O nome escolhido também presta homenagem ao princípio da livre

iniciativa: é sabido que não existe lei que proíba esse tipo de agrupamento, sendo

lícito aos particulares a forma de associação que lhes convenha. Daí porque

também não se pode chamá-lo de grupo ilícito.

Esta, aliás, é uma condição que pode ocorrer a qualquer tipo dos

grupos citados que incorram em desrespeito a lei. A ilicitude não pode ser presumida

como característica de um grupo não regulado, pelo simples fato de não haver

normas específicas, bem como não se pode presumir que qualquer tipo de grupo

econômico seja ilícito sem que se prove a ilicitude. Cabe ao jurista saber separar o

joio do trigo, recorrendo a uma comprovação, por meio da linguagem das provas, de

que houve um abuso de direito.

Por falar em ilicitude, estabelecidas as diferenças entre grupos

econômicos de direito, de fato e os não regulados, há aqueles que agem de forma

ilícita, ou seja, aqueles casos em que em verdade não existe um grupo, mas uma

71 FERRAGUT, Maria Rita. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica e os grupos econômicos In CONRADO, Paulo Cesar. ARAÚJO, Juliana Furtado Costa (coord). O Novo CPC e seu impacto no direito tributário. São Paulo: Fiscosoft, 2015, p. 19.

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simulação de grupo, “agindo como uma unidade nos benefícios e como entidades

distintas nos malefícios”72.

Num grupo econômico, independente do tipo, onde várias pessoas

jurídicas atuam de forma conjunta, reduzindo os riscos, repassando-os ao mercado,

agindo como um agrupamento para se fortalecer diante da concorrência e como

entidades distintas na hora da satisfação dos credores, pode-se dizer que existe um

grupo ilícito e que deverá sofrer as consequências pelo mau uso do direito em

benefício próprio.

Feito esse apanhado de conceitos de direito civil e empresarial, este

estudo agora volta-se à análise das relações jurídico-tributárias.

72 CAMELO, Bradson Tibério Luna. Solidariedade econômica e grupo econômico de fato. In: Revista Dialética do Direito Tributário, n.º 170, p. 22.

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CAPÍTULO IV: RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA

4.1 Considerações iniciais

A sociedade existe em função da interação entre os sujeitos que a

compõem. Sua complexidade é fruto de uma característica fundamental do homem:

ser um animal racional social. Essas interações entre dois ou mais sujeitos são os

relacionamentos que se desenvolvem no curso da vida humana e possuem seu

próprio regramento, como normas de etiqueta e de conduta social.

O Direito, sendo uma metalinguagem do mundo social, também traz

normas jurídicas que tratam de relações, que envolvem tanto as pessoas naturais

entre si, como a relação delas com outras entidades a quem o mundo jurídico

confere direitos de personalidade, como as sociedades empresárias e o próprio

Estado, e que diferentemente das normas citadas no parágrafo anterior, possuem

força coercitiva.

As relações entre sujeitos de direito (sejam eles pessoas naturais ou

pessoas jurídicas), bem como os direitos de personalidade, são estudados pelo

Direito Privado, submetendo-se, em regra, às normas do Direito Civil, como visto no

Capítulo passado.

Já as relações entre o Estado e esses sujeitos são estudadas pelo

Direito Público, campo no qual se encontra o Direito Tributário. Essas relações são

caracterizadas pela presença marcante de leis que modalizam a atuação estatal,

para que ela não viole garantias fundamentais concedidas aos administrados: a

relação tributária só surge com a positivação de uma norma pelo procedimento e

veículo introdutor adequado, em homenagem ao princípio da estrita legalidade.

Isto se conclui da leitura do art. 150, I, da Constituição da República:

“sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,

aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem

lei que o estabeleça”. Em outras palavras, qualquer das pessoas políticas de Direito

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Constitucional interno somente poderá instituir tributo, prescrevendo regra-matriz de

incidência – que será tratada em seguida –, mediante expedição de lei.

Veiculada a lei instituidora de tributo, necessária se faz a exata

adequação do fato à norma. Por isso mesmo, o surgimento da relação está

condicionada ao evento da subsunção, que é a plena correspondência entre o fato e

a hipótese de incidência, fazendo surgir, então, a obrigação.

Nesse percurso, ou ocorre a subsunção do fato à regra, ou não

ocorre, afastando-se terceira possibilidade. Perfaz-se aqui a eficácia da lei lógica do

terceiro excluído: a proposição “p” é verdadeira ou falsa, inadmitindo-se situação

intermediária. Por outro lado, ocorrido o fato, a relação obrigacional que nasce há de

ser exatamente aquela estipulada no consequente normativo.

Em síntese: (i) sem lei anterior que descreva o fato, não nasce

relação tributária; (ii) sem subsunção do fato descrito à hipótese normativa, também

não; e (iii) havendo previsão legal e a correspondente subsunção do fato à norma,

os elementos do liame jurídico irradiado devem equivaler àqueles prescritos na lei.

São condições necessárias para a regular constituição do vínculo obrigacional.

Portanto, para se falar sobre a constituição da obrigação tributária,

que estabelece os vínculos da relação entre sociedade e Estado, faz-se necessária

uma análise sobre sua estrutura, que pode ser resumida pela lição de Maria Rita

Ferragut73:

É o vínculo que se instaura entre dois ou mais sujeitos de direito, em razão da ocorrência de determinado fato jurídico. Por força da imputação normativa, uma pessoa, denominada sujeito ativo, tem o direito de exigir de outa, sujeito passivo, o cumprimento de determinada obrigação prevista na relação.

É fundamental o estudo desses componentes de uma relação

jurídica, principalmente no que tange à sujeição passiva de determinada exação.

Eles são prescritos legalmente e não podem ser relevados, sob pena de violar os

princípios expostos no Capítulo II. Isso porque, no estudo sobre os grupos

73 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002. 3ª ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 30. Grifou-se.

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econômicos e responsabilidade tributária, essas lições são fundamentais para

entender como e por que pessoas jurídicas estranhas àquela relação de direito

direta são chamadas a responder pelo tributo exigido pelo Estado.

Sendo assim, será feita a análise de conceitos inerentes à relação

tributária, como quem pode cobrar (sujeito ativo), quem está sujeito à cobrança

(sujeito passivo, podendo ser o contribuinte ou, em casos especificamente

delimitados em lei, o responsável) e as implicações constitucionais que existam

nessa seara, para que se possa concluir pela viabilidade ou não de um terceiro ser

responsabilizado pelo adimplemento da obrigação, o que será visto no capítulo

seguinte.

4.2 Regra-matriz de incidência tributária

O uso da linguagem apropriada formalizando proposições em termos

lógicos, isolando constantes e variáveis, permite ao cientista construir, partindo de

longos textos, enunciados simples, possibilitando que se tenha uma visão

pormenorizada da estrutura sintática do fato analisado.

Utilizando-se de ferramentas metodológicas, construiu-se um

modelo teórico que atingiu o cerne da norma jurídica instituidora do tributo. Esse

modelo é chamado de regra-matriz de incidência tributária.

A regra-matriz de incidência tributária é o mínimo irredutível de

manifestação do deôntico, ou seja, marca o núcleo de incidência do tributo, trazendo

em sua estrutura apenas os elementos suficientes para que se constate o dever-ser

da norma.

Aprofundando a temática que começou a ser trabalhada no tópico

anterior, pode-se dizer que no antecedente da regra-matriz de incidência tributária

existe a previsão de um fato em abstrato e no consequente encontram-se critérios

para o estabelecimento de uma relação jurídica, em que vai haver um credor e um

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sujeito passivo para dar certa quantia em dinheiro, formando uma obrigação

tributária74. Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho75:

(...) a regra-matriz de incidência tributária é, por excelência, u’a norma de conduta, vertida imediatamente para disciplinar a relação do Estado com seus súditos, tendo em vista contribuições pecuniárias. Concretizando-se os fatos descritos na hipótese, deve-ser a consequência, e esta, por sua vez, prescreve uma obrigação patrimonial. Nela, encontraremos uma pessoa (sujeito passivo) obrigada a cumprir uma prestação em dinheiro. Eis o dever-ser modalizado.

O antecedente normativo descreve um fato lícito e possível; é onde

está a hipótese. Encontram-se no antecedente critérios necessários para a

identificação desse fato: um critério material que tem como pressuposto a conduta

de uma pessoa, natural ou jurídica, a qual será agente da atividade do verbo,

manifestando riqueza. Há ainda um critério temporal, que se dará num momentâneo

específico da conduta estipulada, e um critério espacial, que será o local em que a

realização da conduta estará sujeita à tributação.

A realização, no mundo social, da conduta descrita no antecedente,

relatada em linguagem competente pela ação humana, é o que se chama de

subsunção do fato à norma, ocorrendo a incidência da regra-matriz. Importante frisar

que essa incidência não ocorre de modo automático e infalível, sendo uma

construção da mente humana, formalizada em linguagem adequada.

Por sua vez, o consequente da regra-matriz de incidência tributária,

traz outros aspectos da relação jurídica tributária decorrente do fato previsto na

hipótese normativa. São eles o critério quantitativo e o pessoal.

74 Ressalte-se que, ainda que se possa falar em critérios componentes de uma norma jurídica, não se pode esquecer que esta consiste numa unidade conceitual, sendo tais critérios e componentes construídos para fins didáticos e de estudos analíticos, já que a norma jurídica é uma significação resultado da interpretação do direito positivo e não se resume a critérios ou fórmulas lógicas. Deve-se, dentro do contexto comunicacional do Direito, ter-se em mente que a norma jurídica figura como uma mensagem, que não será totalmente compreendida caso esteja mutilada, fatiada em fragmentos textuais que a tornem sem sentido jurídico. 75 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 416.

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O primeiro compõe-se da base de cálculo e da alíquota, que

expressam o montante que deverá ser pago em razão da manifestação de riqueza

constatada no antecedente da norma pelo critério material. Já o critério pessoal é

aquele que irá identificar os sujeitos componentes da relação jurídica: sujeito ativo,

sendo aquele que será em regra o ente político instituidor do tributo, ou aquele que

lhe faça as vezes, e o sujeito passivo, sendo este o contribuinte ou o responsável

tributário legalmente delimitados.

Sinteticamente, leciona Paulo de Barros Carvalho76:

No descritor da norma (hipótese, suposto, antecedente) teremos diretrizes para identificação de eventos portadores de expressão econômica. Haverá um critério material (comportamento de alguma pessoa), condicionado no tempo (critério temporal) e no espaço (critério espacial). Já na consequência (prescritor), toparemos com um critério pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo) e um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota). A conjunção desses dados indicativos nos oferece a possibilidade de exibir, na plenitude, o núcleo lógico-estrutural da norma-padrão, preenchido com os requisitos significativos necessários e suficientes para o impacto jurídico da exação.

A sujeição passiva, portanto, é elemento desta relação jurídica do

consequente, em que se busca definir quem responderá pelo pagamento em última

instância.

4.3 Incidência tributária e lançamento

No tópico precedente, ficou consignado que a incidência da norma

jurídico-tributária não pressupõe sua aplicação automática e infalível, sendo

necessária a presença e a atuação do homem na constatação, relatando

adequadamente o fato. Em outras palavras, um ato de fala é necessário para que

76 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 137.

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haja a positivação da norma, constituindo-se a relação jurídico-tributária. É essa a

lição de Paulo de Barros Carvalho77:

(...) é importante dizer que não se dará a incidência se não houver um ser humano fazendo a subsunção e promovendo a implicação que o preceito normativo determina. As normas não incidem por força própria. Numa visão antropocêntrica, requerem o homem, como elemento intercalar, movimentando as estruturas do direito, extraindo de normas gerais e abstratas outras gerais e abstratas ou individuais e concretas e, com isso, imprimindo positividade ao sistema (...)

Esse entendimento é fruto dos estudos embasados no giro

linguístico, que considera os dados enunciados pela ação humana como

constitutivos da realidade cognoscível, conforme estudado no Capítulo I.

Ou seja, quando ocorre a subsunção do fato à norma, isso

pressupõe que: 1) houve a ação humana no processo legislativo de enunciação de

enunciados prescritivos; 2) houve outra ação humana que se coaduna com aquela

prescrição prévia e abstrata e; 3) houve a constatação da ocorrência desse fato do

mundo social por um observador que juridiciza o acontecimento, vertendo esse

evento em linguagem adequada78.

Percebe-se, nesse ínterim, uma demarcação entre o mundo do ser e

do dever-ser, em que ocorre uma seleção de fatos do mundo social pelo legislador e

sua posterior “captação” pelo intérprete trazendo esses elementos selecionados

para dentro do ordenamento jurídico de modo organizado. Clarice von Oertzen de

Araujo, lembra que “não é a totalidade do contexto social que será traduzida para o

interior da ordem jurídica, mas apenas os aspectos selecionados pelos conceitos

normativos”79.

Essa junção de fatos selecionados, que denotam a importância que

o Direito lhes dá, e a atividade humana que desencadeia o processo de incidência

de normas jurídicas, quando se verifica no mundo social a ocorrência desses fatos, é

77 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 35. Destaques do autor. 78 Esclarece-se que ao se falar em “ação humana” nesse ponto, não necessariamente implica no ato de um ser humano, mas de um sujeito dotado dos requisitos de personalidade reconhecidas pelo direito, apto a realizá-los. 79 ARAUJO, Clarice von Oertzen de. Incidência jurídica: teoria e crítica. São Paulo: Noeses, 2011, p. 53.

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chamado de processo de positivação80. O plano jurídico (dever-ser) se manifesta,

então, através desse percurso de positivação por meio do qual o agente com

competência atribuída pelo próprio ordenamento81 atua na produção da norma

jurídica, partindo-se das normas de hierarquia superior, objetivando maior

individualização e concretude.

Quando o agente competente for o Poder Público, mediante

iniciativa prevista em lei, esse ato será chamado de lançamento, e quando a

expedição dessa norma individual e concreta couber ao sujeito passivo, chama-se

autolançamento. Nese sentido, serve-se novamente dos ensinamentos de Paulo de

Barros Carvalho82:

Pensando assim, a natureza da norma individual e concreta, veiculada pelo ato de lançamento tributário, ou pelo ato produzido pelo sujeito passivo para apurar seu débito, nos casos estabelecidos em lei, assumirá a feição significativa de providência constitutiva de direito e deveres subjetivos.

O lançamento (em sentido amplo) materializa o fenômeno da

subsunção e a implicação entre a proposição antecedente e a consequente.

Estabelece-se um vínculo de causalidade, quando uma fórmula lógica hipotético-

condicional, utilizando-se, então, de linguagem denotativa, descreve um fato

concreto que preenche os critérios do antecedente da regra-matriz, resultando, no

seu consequente, em uma relação obrigacional individualizada.

Sinteticamente, após a realização do lançamento tributário, quando

ocorre a determinação do valor do objeto da obrigação, surge o crédito tributário.

Portanto, a obrigação tributária – entendida como sujeição ocorrida pelo devedor ao

80 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 442. 81 Interessante ressaltar que ao se falar em processo de positivação e expedição de norma individual e concreta por meio de uma autoridade competente, pode vir a mente do leitor menos atento que se trata tão-somente de ato desempenhado pela Administração ou do Poder Judiciário. Todavia, no ordenamento jurídico tributário brasileiro, não é o que se verifica hodiernamente, havendo um crescimento da participação do sujeito passivo na constituição de normas individuais e concretas, transferindo-se atividades relativas à apuração do débito tributário para a esfera dos deveres instrumentais e formais do sujeito passivo, mediante controle da entidade tributante. 82 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 482/483. Destaques do autor.

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credor pela prática do fato gerador – decorre da expressa disposição de lei, e o

crédito tributário decorre da prática do lançamento.

Neste ponto, a relação antes hipotética, abstrata e genérica, ganha

contornos particulares, deixando de lado sua generalidade, para determinar

especificamente que um dado sujeito passivo pague a um determinado sujeito ativo

um valor pecuniário.

4.4 Obrigação tributária

Recapitulando alguns aspectos já estudados, vale lembrar que o

direito consiste numa unidade, num conjunto de normas jurídicas sistematicamente

dispostas. A construção interpretativa de seus operadores resulta em subsistemas

que dão origem aos diversos regimes jurídicos de enunciados prescritivos, devendo,

contudo, não se afastar da unidade sistemática, bem como manter-se em harmonia

com o todo83.

Dessa forma, ao se falar em Direito Tributário, pressupõe-se a

existência de “princípios que lhe são peculiares e que guardem entre si uma relação

lógica de coerência e unidade compondo um sistema ou regime”84, sendo o conceito

fundamental e aglutinante para essa área jurídica a noção de tributo, já que

“interessa-nos a obrigação, que será tributária se o objeto prestacional for ‘entregar

dinheiro aos cofres públicos’”85. Por ser uma área do Direito Público, também fica

evidente que o estudo da tributação tratará de examinar as relações entre o Estado

e os particulares.

Estes, Estado e particulares, constituem o elemento subjetivo, sendo

os sujeitos componentes desta a relação jurídica, havendo um polo ativo (credor) e

um polo passivo (devedor), onde o primeiro possui o direito de exigir a prestação, e

83 Apesar de serem feitas distinções de regimes jurídicos públicos e privados, o direito é um só, pois, como ensina Tércio Sampaio Ferraz Jr. (Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 112) “a dogmática procura entender o direito como um todo, postulando sua unidade”, sendo, portanto, feitas distinções didáticas e de cunho operacional pragmático. 84 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 53. 85 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002. 3ª ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 31.

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o segundo o dever de a adimplir, concretizando a obrigação tributária, que se

encontra prevista no art. 113 do Código Tributário Nacional:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

Assim, a obrigação jurídica principal pode ser definida como o

vínculo abstrato decorrente da incidência normativa, criada, especificamente, pelo

fenômeno da imputação, que conecta um sujeito ativo, credor, e um sujeito passivo,

devedor, em torno de uma prestação. A relação jurídica que seja efeito resultante da

incidência normativa será considerada como tributária sempre que essa prestação,

objeto do vínculo em análise, envolva remessa de dinheiro dos particulares aos

cofres públicos, que não decorra de fato ilícito, ou seja, que se relacione à

tributação.

A relação tributária principal consiste em uma obrigação patrimonial

de dar, já que é economicamente quantificável, tendo em vista a própria definição de

tributo constante no art. 3º do Código Tributário Nacional86.

Nessa esteira, Rubens Gomes de Sousa87 afirma que o Direito

Tributário é um direito de natureza obrigacional, tendo em vista que seu objeto é a

arrecadação de tributos, somente concretizada através de prestações positivas

86 Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Destaques acrescidos. 87 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro: Financeiras, 1952, p. 28/29.

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efetivamente realizadas pelas pessoas obrigadas, ou seja, mediante pagamento do

tributo. O doutrinador citado define este tipo de obrigação como88:

(…) o poder jurídico por força do qual uma pessoa (sujeito ativo) pode exigir de outra (sujeito passivo) uma prestação positiva ou negativa (objeto da obrigação) em virtude de uma circunstância reconhecida pelo direito como produzindo aquêle efeito (causa da obrigação).

A prestação positiva de pagar tributo, deste modo, configura a

obrigação tributária principal. Portanto, ocasionalmente, quando se fala em relação

tributária, se está levando em conta a obrigação tributária de pagar tributo

(prestação pecuniária), lembrando, porém, que há também relações tributárias que

consistem em outro tipo de dever.

Estes são chamados de deveres instrumentais ou formais,

desencadeando uma relação jurídica acessória (§2º e §3º do art. 113, CTN). A

obrigação acessória destina-se a viabilizar o controle do Poder Público do

cumprimento das obrigações principais. Como exemplos de obrigações acessórias,

é possível citar a emissão de notas fiscais, a apresentação de declaração de

rendimento e o dever de escrituração em livros contábeis. Caso o dever instrumental

não seja observado, será convertido em obrigação principal que consistirá em uma

penalidade pecuniária.

Sendo assim, a obrigação tributária principal pode ser tida como

uma espécie das relações tributárias. Nesse tipo de relação, percebe-se a presença

de três fatores essenciais: prestação pecuniária, sujeito ativo e sujeito passivo,

guardando semelhanças com as obrigações comuns reguladas de modo geral pelo

Direito Civil, mas, todavia, seguindo algumas diretrizes específicas, típicas do ramo

do direito em análise.

Diante do eixo temático escolhido neste trabalho, deixaremos de

lado uma análise detalhada do critério quantitativo (base de cálculo e alíquota, que,

conjugados, exprimem o valor pecuniário da dívida), inerentes à prestação, atendo-

88 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro: Financeiras, 1952, p. 57.

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se ao elemento subjetivo das relações, que conduzirá ao estudo da responsabilidade

tributária de modo geral.

4.5 Sujeição ativa na obrigação tributária

Antes de se adentrar no tema da sujeição passiva, todavia, é

interessante que se fale sobre o sujeito ativo, já que ele é o antagonista de quem

deverá pagar e também se submete a uma série de normas específicas que devem

ser respeitadas.

Ficou consignado que a relação jurídico-tributária é uma relação de

Direito Público, em que ocorrem atos administrativos (ou atos de particulares,

quando ocorrer autolançamento), sendo estes as declarações do Estado (ou de

quem lhe faça as vezes), “no exercício de prerrogativas públicas, manifestada

mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar

cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”89.

Quanto aos sujeitos dessa relação, em regra, se encontrará no polo

ativo o detentor da competência tributária, aquele que pode criar e instituir o tributo,

sendo seu direito receber determinada quantia em dinheiro. Pode-se afirmar,

portanto que o sujeito ativo é o titular do direito subjetivo de exigir a prestação

pecuniária, sendo sua a capacidade ativa. Nos termos do artigo 119 do Código

Tributário Nacional, “sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público,

titular da competência para exigir o seu cumprimento”.

Diante dessas assertivas, verifica-se que o Estado, em suas

múltiplas acepções, ocupará ordinariamente a posição de sujeito ativo em relações

tributárias.

Isto porque o art. 7º do Código Tributário Nacional abre a

possibilidade de delegação da capacidade ativa a outro órgão público. As pessoas

jurídicas de direito público podem, portanto, sere titulares, por delegação, das

funções de arrecadar ou fiscalizar tributos (parafiscalidade), ou executar leis,

89 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 389.

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serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, havendo dois tipos

de sujeito ativo: a) direto, sendo aqueles detentores de competência tributária, ou

seja, poder legiferante de instituição de tributos e; b) indireto, sendo, por sua vez, os

entes parafiscais, detentores de capacidade tributária ativa, podendo arrecadar e

fiscalizar o tributo.

Assim, deve-se relevar a impropriedade textual do art. 119 do

Código Tributário Nacional, quando restringiu a sujeição ativa apenas aos entes

tributantes detentores de competência tributária, que acabou excluindo entes

parafiscais, o que pode ser corrigido através de uma análise sistemática da

legislação. Frise-se que “enquanto a competência tributária, entre outras

características, é indelegável, por assim o ser a competência de natureza legislativa,

a capacidade tributária ativa, de natureza administrativa, pode ser transferida a

outrem, mediante lei”90.

Por fim, é importante ressalvar que, no procedimento administrativo

de gestão tributária, não se permite ao administrador o emprego de recursos

imaginativos. Para tanto, a mesma lei reguladora do gravame, juntamente com

outros diplomas que regem a atividade administrativa, oferece um quadro expressivo

de providências, com expedientes das mais variadas espécies, tudo com o escopo

de possibilitar a correta fiscalização do cumprimento das obrigações e deveres

estatuídos.

É imprescindível que o Estado, ao relatar o fato jurídico tributário,

demonstre-o por meio de uma linguagem admitida pelo direito. Assim se diz que as

provas da ocorrência factual devem ser aptas para certificar a sua ocorrência:

comprovar a legitimidade da norma individual e concreta que documenta a

incidência tributária significa promover a verificação de que o acontecimento fático

narrado e a relação jurídica instaurada mantêm estrita correspondência com as

provas montadas e apresentadas mediante formas linguísticas selecionadas pelo

direito positivo.

90 COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 168.

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4.6 Sujeição passiva na obrigação tributária

No que toca ao sujeito ativo, dentro do eixo temático escolhido, não

existe muita polêmica. Já quando se trata de sujeição passiva, há uma problemática

maior a ser enfrentada pelos cientistas do Direito Tributário. A matéria, atualmente, é

uma das mais controvertidas nos tribunais pátrios, tendo em vista o montante de

pedidos de redirecionamento de execuções fiscais que são requeridos diariamente,

vários dos quais, fugindo do desenho legal. Agora, com a entrada em vigor do novo

Código de Processo Civil, certamente outras discussões surgirão.

Sendo assim, o assunto deste tópico merece um estudo mais

aprofundado para que se possam estabelecer algumas premissas que serão

importantes no desenrolar do trabalho.

O sujeito passivo da obrigação tributária é aquele que se encontra

na posição do devedor. É a pessoa física ou jurídica legitimada de quem se exige o

cumprimento da prestação tributária. Paulo de Barros Carvalho91 o define como:

(...) a pessoa – sujeito de direitos – física ou jurídica, privada ou pública, de quem se exige o cumprimento da prestação: pecuniária, nos nexos obrigacionais; e insuscetível de avaliação patrimonial nas relações que vinculam meros deveres instrumentais ou formais.

A Constituição da República, em várias passagens do seu texto, fala

em “contribuinte”, como sujeito passivo da obrigação tributária92. Também no texto

constitucional encontram-se referências ao responsável (terceiro que pagará o

tributo no lugar do contribuinte)93. Vê-se que a classe da sujeição passiva, portanto,

comporta dois gêneros94 que poderão ocupar o polo passivo.

91 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 372. 92 São exemplos disso os seguintes dispositivos constitucionais: art. 145, §1º; art. 146, III, a; art. 150; art. 155, XII, a. 93 Cita-se para ilustrar o afirmado as seguintes disposições da Lei Maior: art. 34, §9º; art. 150, §7º; art. 155, XII, b. 94 Sobre isso, importante que se frise que o texto constitucional, em alguns momentos, confunde o “gênero contribuinte” com a “classe sujeito passivo”. Exemplo disso pode ser visto no art. 146, III, a, quando o texto fala que caberá a lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária sobre “definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos

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Renato Lopes Becho95, sobre o tema, ensina que:

Extraímos do critério pessoal os sujeitos passivos da obrigação tributária que, nos tributos discriminados na Constituição, serão necessariamente aquelas pessoas que realizarem, inquestionavelmente, a materialidade prevista na norma constitucional tributária. Nos tributos não-discriminados, serão aquelas pessoas que realizarem as condutas descritas em dita materialidade. Os sujeitos passivos tributários estão, portanto, umbilicalmente relacionados com a materialidade descrita na norma.

Nota-se que o jurista mineiro ao mencionar “sujeito passivo da

obrigação tributária” entende que este é quem realiza o fato gerador.

Já Maria Rita Ferragut leciona o seguinte sobre sobre sujeito

passivo96:

A pessoa física ou jurídica, privada ou pública, detentora de personalidade, e de quem juridicamente exige-se o cumprimento da prestação. Consta, obrigatoriamente, do polo passivo de uma relação jurídica, única forma que o direito reconhece para obrigar alguém a cumprir determinada conduta.

Não percamos de vista esse ponto fundamental: sujeito passivo é aquele que figura no polo passivo da relação jurídica tributária, e não aquele que tem aptidão para suportar o ônus fiscal.

(…)

Contribuinte é a pessoa que realizou o fato jurídico tributário e que cumulativamente encontra-se no polo passivo da relação obrigacional. Se uma das duas condições estiver ausente, ou o sujeito será o responsável, ou será o realizador do fato jurídico, mas não o contribuinte. Praticar o evento, portanto, é condição necessária para essa qualificação, mas insuficiente.

impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes”. Nesse caso, a doutrina entende e essa pesquisa endossa, que o texto se refere à sujeição passiva de modo geral. 95 BECHO, Renato Lopes. Sujeição Passiva e Responsabilidade Tributária. São Paulo: Dialética, 2000, p. 190. 96 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 33/34.

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Percebe-se que a doutrina, apesar de convergir em alguns pontos,

apresenta variações em seus conceitos sobre sujeição passiva na obrigação

tributária. Sobre isso, destacam-se os ensinamentos de Marçal Justen Filho97, que

dizem:

A expressão sujeição passiva tributária, como é usual, pode indicar uma pluralidade de conceitos. Para os fins da presente tese, utilizamo-la para indicar a situação de submissão, direta ou indiretamente vinculada à figura do tributo. Ou seja, submetida ao regime jurídico tributário.

Identifica-se o regime jurídico tributário como um conjunto de normas e princípios jurídicos cuja unidade decorre de três aspectos.

O primeiro é a destinação e adequação ao suprimento de recurso financeiros ao Estado. O segundo é a relevância econômica (patrimonialidade) das situações eleitas como pressuposto normativo para o dever de entregar ao Estado. O terceiro é a estrita legalidade-tipicidade que caracteriza as normas tributárias.

Verifica-se que, na opinião do jurista citado, a sujeição passiva

tributária é uma categoria não unitária, vislumbrando a possibilidade de

estabelecimento de classificações e distinções dentro dela, partindo-se da utilização

de critérios jurídicos.

Depreende-se que contribuinte é o sujeito de direito que realiza o

fato gerador, se beneficia ou que guarda com ele relação pessoal e direta, sendo

essa relação da pessoa com o fato hipotético previsto no antecedente da regra-

matriz de incidência legal que serve para conceitua-lo.

Por outro lado, quando é dito que pode haver uma relação indireta de vínculo com o fato gerador do tributo, pode-se afirmar que se estará diante de

uma responsabilização tributária, onde alguém responderá por aquela exação

sem que lhe tenha dado causa.

Mesmo sendo possível verificar esses conceitos, nota-se que a

Constituição não exauriu o tema, deixando este papel reservado à legislação

97 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. Belém: CEJUP, 1986, p. 345.

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complementar (art. 146, III, a, CR), para garantir a harmonia que o sistema requer, já

que seria um verdadeiro caos se cada ente político pudesse, a seu bel prazer, fixar

as normas que disciplinem a sujeição passiva, como já foi citado quando se falou em

competência tributária e o princípio federativo.

No atual sistema jurídico brasileiro, o Código Tributário Nacional

exerce essa peculiar função de ajuste, tendo sido incorporado à ordem jurídica

instaurada com a Constituição da República de 1988, pelo dispositivo contido no §5º,

do art. 34, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que assegura a

validade sistêmica da “legislação anterior”, naquilo em que não for incompatível com

o novo ordenamento.

Não obstante se trate de lei ordinária, o legislador do Código

Tributário Nacional disciplinou, em muitos de seus dispositivos, matéria privativa de

lei complementar e, em função do assunto por eles regulado, em face dessa

orientação semântica, foram tais preceptivos acolhidos pelo ordenamento jurídico

com a força vinculativa daquele estatuto.

O diploma legal em comento separa a matéria referente à

responsabilidade por pagar tributo lato sensu em dois capítulos: “Sujeito Passivo”,

capítulo IV, dos arts. 121 a 127 e “Responsabilidade Tributária”, capítulo V, arts. 128

a 138. Os sujeitos de direito descritos em ambos os capítulos mencionados, em

algum momento, serão obrigados a pagar tributo. Especificamente no art. 121 do

CTN há essa distinção das duas espécies:

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. (Grifou-se)

Seja por seu vínculo direto com o fato gerador, efetivamente

praticando-o (contribuinte), ou indireto, quando não há a prática do fato tributário,

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mas tão somente indicação legislativa (responsável), em última análise, serão estes

sujeitos os responsáveis pela prestação98.

Logo:

Vale dizer ainda que a identificação do contribuinte torna mais fácil

definir o responsável. Isso porque a redação sobre sujeito passivo que encontramos

no inciso II, do artigo acima citado, informa haver responsável “quando, sem revestir

a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa em lei”.

“Esse conceito, tecnicamente pobre, é dado por exclusão: se alguém é devedor da

obrigação principal e não é definível como contribuinte, ele será responsável”99.

Quanto às suas características, a sujeição passiva poderá ser

exclusiva ou pessoal, quando compita a um único sujeito o adimplemento, ou plural

ou concorrente, quando houver concurso de sujeitos passivos tributários

(contribuintes e/ou responsáveis).

Na primeira hipótese, se incluem os casos em que desde o início

apenas uma pessoa é obrigada ao pagamento, como nos casos em que ela é

transferida para novo sujeito passivo, excluindo o devedor original100.

Na segunda hipótese, se incluem os casos de subsidiariedade

(quando alguém é chamado a responder complementarmente ao devedor original,

98 Alguns doutrinadores ainda trabalham com uma terceira espécie, falando em “substituto tributário”, sendo este a pessoa escolhida pelo legislador como sujeito passivo de uma obrigação tributária, substituindo quem efetivamente deu origem ao fato (contribuinte). Alfredo Augusto Becker explica que “toda vez que o legislador escolher para sujeito passivo da relação jurídica um outro qualquer indivíduo, em substituição daquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo” se estará diante de um substituto legal (Teoria geral do direito tributário. 5ª ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 589. Destaques do autor). No que pese as lições dessa parte da doutrina, tendo em vista que as classificações não devem ser julgadas como certas ou erradas, mas úteis ou não para o objetivo almejado, para os fins deste trabalho, os substitutos não são tidos como uma espécie em apartado, mas como um tipo de responsável em sentido estrito. A participação ou não na materialização do fato gerador será, portanto, o único critério adotado aqui na distinção entre contribuinte e responsável. 99 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 329. 100 Exemplo do art. 135 do CTN.

Sujeiçãopassiva

Contribuinte Responsável

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quando esse seja insolvente) e de solidariedade (onde não há esse benefício em

que primeiro se exige a prestação do devedor primário para depois se buscarem os

bens dos outros; ou seja, todos podem ser compelidos ao pagamento integral sem

qualquer espécie de sequência).

Por fim, conclui-se que no sistema jurídico pátrio, a responsabilidade tributária é uma espécie de sujeição passiva, sendo uma das

opções que o legislador possui para imputar a alguém a obrigação de pagar tributo,

podendo fazê-lo tanto contra quem possuir “relação pessoal e direta” com a situação

que constitua o respectivo fato gerador (contribuinte), tanto contra outro sujeito de

direitos, desde que por “disposição expressa de lei” (terceiro responsável).

Quanto a isto, cabe uma ressalva: de certa forma, a expressão

usada para definir o responsável tributário no inciso II do art. 121 do Código

Tributário Nacional – “disposição expressa de lei” –, torna-se sem sentido, já que

toda e qualquer obrigação tributária deve ter seus contornos expressamente

definidos por lei, em honra ao princípio da estrita legalidade, art. 150, inciso I, da

Constituição da República, já estudado.

O que se deve interpretar desse dispositivo é que ao legislador não

se está dando uma carta branca para indicar sobre quem deve recair o ônus de

pagar tributo, mas que ele deverá observar certos limites. Torna-se interessante

demonstrar esses limites com a figura do destinatário constitucional do ônus

tributário, bem como todos os requisitos que existem para a introdução de comandos

no sistema do direito.

4.6.1 Limites na escolha do sujeito passivo e sua implicação na responsabilidade tributária

Como já se mencionou acima, a Constituição da República não é

silente quanto ao contribuinte. Todavia, ela tampouco esgota o tema, deixando ao

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ente público competente pela instituição do tributo certa independência em sua

eleição, como exemplifica Maria Rita Ferragut101:

Tome-se como exemplo o ITBI: o artigo 156, II, da Constituição, não estabelece quem deva ser contemplado pela lei como contribuinte, vale dizer, se o alienante do bem imóvel ou o adquirente. A Carta Magna prevê apenas a materialidade passível de tributação, e a competência dos Municípios para tributá-la.

Pode-se com isso, aparentemente, acreditar que inexiste comando

constitucional indicativo de quem será o contribuinte nessa relação jurídica tributária,

deixando-se livre o legislador infraconstitucional.

Porém, ainda fazendo uso do exemplo acima citado, vê-se que a

própria autora esbarra nos limites constitucionais da sujeição passiva tributária, pois,

ao mencionar “alienante” e “adquirente” como possíveis submissos às cobranças do

Estado, o intérprete é condicionado a observar um grupo específico de pessoas, de

acordo com a materialidade constitucional prescrita, ou seja, o destinatário

constitucional tributário, demonstrando um vínculo entre esse e o fato gerador.

Assim, partindo-se deste específico ponto de vista, é possível concordar com o

posicionamento de que a escolha será do legislador infraconstitucional, ressalvando-

se que esta não pode olvidar os limites impostos pela Constituição.

Verifica-se que a expressão “destinatário constitucional tributário”

serve para demonstrar que, implicitamente, a Constituição da República, ao

determinar a materialidade da hipótese de incidência de qualquer exação, deixa

indícios dos sujeitos de direito que podem vir a ser eleitos como destinatários da

carga tributária e que, quando propriamente escolhidos pelo legislador, serão os

considerados como contribuintes. Quando o sujeito pagador for diferente do traçado

constitucional, estar-se-á diante de um responsável.

Sobre o destinatário constitucional tributário, Marçal Justen Filho diz

tratar-se da102:

101 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 35.

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(...) categoria de pessoas que se encontram em relação com a situação prevista para inserir-se no núcleo da hipótese de incidência tributária e que são as pessoas sujeitáveis à condição de sujeito passivo tributário (ao menos, em princípio). O destinatário constitucional tributário é aquele que, em princípio, pode dizer-se como eleito constitucionalmente para vir sofrer a sujeição passiva tributária.

Em essência, o destinatário constitucional tributário seria aquela pessoa cuja riqueza é resumida através da situação prevista na Constituição para compor a materialidade da hipótese de incidência tributária.

O doutrinador explica que o destinatário constitucional tributário é o

eleito pela Lei Maior para ser o sujeito passivo da obrigação tributária através de sua

manifestação de riqueza. Frise-se que ele deixa aberta a possibilidade desse sujeito

não sofrer a sujeição passiva, ao dizer que ele será “em princípio” quem se submete

ao ônus fiscal.

Interpretando-se a Constituição, existem elementos que fornecem

informações sobre a amplitude da liberdade que o legislador infraconstitucional

poderá dispor, tanto materialmente como formalmente. Paulo de Barros Carvalho103,

discorrendo sobre o tema, informa que:

A Constituição Federal não aponta quem deva ser o sujeito passivo das exações cuja competência legislativa faculta às pessoas políticas. Invariavelmente, o constituinte alude a um evento, deixando a cargo do legislador ordinário, que deverá girar em torno daquela referência constitucional, mas, além disso, escolher o sujeito que arcará com o peso da incidência fiscal, fazendo as vezes de devedor da prestação tributária.

Mesmo afirmando categoricamente que a Carta Magna não aponta

quem é o sujeito passivo, o jurista paulista deixa claro que o legislador ordinário

102 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. Belém: CEJUP, 1986, p. 263. Destaques acrescidos. 103 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. 5ª ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 632. Grifou-se.

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deverá guiar seu processo legislativo “em torno daquela referência constitucional”,

ou seja, orientando-se pelos dados já fornecidos pela Constituição da República.

Nesse sentido, leciona Roque Carrazza104 que:

É certo que a Constituição não indica, de modo expresso, o sujeito passivo de nenhum tributo. Todavia, sinaliza quem, ocorrido o fato imponível, poderá ser compelido a ocupar esta posição: a pessoa que provoca, desencadeia ou produz a materialidade da hipótese de incidência tributária.

A escolha, portanto, é do legislador infraconstitucional, que,

peremptoriamente, deverá prestar homenagem aos contornos rigorosamente

preestabelecidos no seio constitucional, como leciona Marçal Justen Filho105:

Sempre e necessariamente, haverá uma norma tributária instituindo o contribuinte. Ou seja, atribuirá a condição de sujeito passivo tributário ao ocupante da condição de titular do aspecto pessoal da hipótese de incidência tributária.

Será inconstitucional qualquer disposição que pretenda atribuir a condição de contribuinte a quem não seja o ‘destinatário constitucional tributário’ – ou seja, a pessoa envolvida na situação signo presuntiva de riqueza inserida na materialidade da hipótese de incidência tributária, por escolha da própria Constituição Federal.

Contribuinte, nesse caso, deverá ser necessariamente um dos

possíveis sujeitos de direito da classe de destinatários constitucionais tributários,

tendo liame com a situação que denote riqueza. Isso implica o vínculo de submissão

que a atividade legislativa deve manter com o texto constitucional, inexistindo

competência para tributar aquele que não possui capacidade contributiva, de acordo

104 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 29º ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 477. 105 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. Belém: CEJUP, 1986, p. 347/348.

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com o sistema constitucional tributário, sob pena de utilizar a tributação para fins

confiscatórios. Arremata Andréa Darzé106:

Especialmente no Brasil, a Carta Maior é extremamente analítica, definindo uma espécie de planta fundamental do sistema tributário, na qual está presente o conjunto de diretrizes para a criação de quase todas as normas nessa matéria. Se pensarmos nos efeitos da imposição tributária, tocando direitos e garantias individuais, sem olvidar de valores específicos, como os princípios da capacidade contributiva e da vedação à instituição de tributos com efeito de confisco, veremos que, apesar de existente, é muito tênue o espaço de manobra do legislador infraconstitucional para a escolha dos sujeitos passivos.

Nessa esteira, se ao legislador infraconstitucional não é dada carta

branca para apontar qualquer pessoa como contribuinte, o que se dirá quando da

instituição de regra que trate sobre responsabilidade tributária: o cuidado e as

exigências para que esse procedimento seja feito em estrita legalidade torna-se

mais complexo.

Afinal, o responsável tributário é o sujeito que não se reveste das

condições de contribuinte, sendo definido pelo legislador como devedor do tributo

sem ter realizado o fato gerador, unicamente figurando no polo passivo por

disposição de lei, podendo ser um sucessor ou terceiro, responder solidária ou

subsidiariamente ou ainda por substituição. Na lição de Regina Helena Costa107:

(...) na obrigação principal, o sujeito passivo direto ou contribuinte é o protagonista do fato ensejador do nascimento do vínculo; já o chamado sujeito passivo indireto ou responsável, terceiro em relação ao fato jurídico tributário, é o protagonista de relação jurídica distinta, uma vez que alcançado pela lei para satisfazer a prestação objeto da obrigação principal contraída por outrem em virtude da prática de ato ilícito (descumprimento de dever próprio), ou em função de disciplina assecuratória da satisfação do crédito tributário.

106 DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade tributária: solidariedade e subsidiariedade. São Paulo: Noeses, 2010, p. 79. 107 COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 230.

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Como já se aventou, se para a demarcação do contribuinte a

Constituição fornece informações básicas de como proceder adequadamente,

quanto à responsabilização tributária também há a necessidade de identificar os

limites impostos ao legislador em seu processo criativo de regras-matrizes próprias

de responsabilidade.

Constitucionalmente, já se abordaram vários princípios que devem

guiar a atividade legislativa, bem como a exigência de lei complementar108 e –

importantíssimo – razoabilidade orientando a escolha do legislador do terceiro que

virá a responder pelo ônus tributário, uma vez que há de se estar vinculado

indiretamente ao fato gerador.

Quanto ao vínculo com o fato gerador, tal previsão encontra

respaldo no art. 128 do Código Tributário Nacional, que é a disposição geral quando

se trata de responsabilidade tributária:

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Por este comando, em prestígio às limitações constitucionais já

apontadas, inicialmente verifica-se o respeito ao princípio da legalidade tributária, já

que a indicação do terceiro responsável pela prestação deverá ser efetuada

mediante o necessário veículo legislativo (lei complementar). Há também limitação

na escolha, ao se estatuir que o legislador não é livre para colocar no polo passivo

aquele que esteja desvinculado indiretamente do fato descrito na hipótese de

incidência, prestigiando-se a noção de razoabilidade.

Diante do exposto, considera-se que o legislador, no sistema

tributário brasileiro, poderá determinar a sujeição passiva tributária somente nas

seguintes hipóteses: (i) contribuinte, quando o sujeito tiver ligação pessoal e direta

108 Por força do art. 146, III, b, da CR.

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com o fato gerador que conste no antecedente da norma instituidora da obrigação e;

(ii) responsável, quando se tratar de quem, mesmo sem ter essa relação pessoal e

direta, de alguma forma vincular-se com algum elemento do fato jurídico tributário ou

tenha condições de ressarcir ou evitar a formação do débito, a não ser quando se

trate de infração (ilicitude da conduta). Nas palavras de Luciano Amaro109:

(...) o artigo 128 diz que a lei pode eleger terceiro como responsável, se ele estiver vinculado ao fato gerador. Por aí já se vê que não se pode responsabilizar qualquer terceiro, ainda que por norma legal expressa.

Porém, mais do que isso, deve-se dizer que também não é qualquer tipo de vínculo com o fato gerador que pode ensejar a responsabilidade de terceiros. Para isso ser possível, é necessário que a natureza do vínculo permita a esse terceiro, elegível como responsável, fazer com que o tributo seja recolhido sem onerar o seu próprio bolso.

Somente atendidos esses requisitos haverá uma estrutura de

sujeição passiva tributária adequada ao sistema constitucional brasileiro,

observando-se sempre as imposições constitucionais e infraconstitucionais.

A questão ganha relevo para o eixo temático deste trabalho a partir

do momento em que se coloca em discussão a hipótese de que sociedades

empresárias componentes de grupos econômicos venham a responder pelo

adimplemento de obrigações tributárias contraídas por uma pessoa jurídica

específica participante do agrupamento, pois, necessariamente, trabalha-se a

possibilidade de indicação de novos responsáveis tributários para uma relação

jurídica. Afinal, terceiros, cuja personalidade é autônoma em relação àquela de

quem se cobra e que, em princípio, não praticaram o fato gerador, são chamadas a

responder pelo débito.

Tal investigação, além de demandar respeito a todos os critérios já

até aqui revelados, de cunho constitucional ou não, também se orienta por outras

109 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 338. Destaques do autor.

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diretrizes que serão mais bem exploradas, quanto a sua amplitude, limites e

hipóteses no direito pátrio, no próximo capítulo.

4.6.2 O adimplemento da obrigação pelo contribuinte

Por último, tendo sido demarcado o campo da sujeição passiva,

cabe uma rápida análise sobre o cumprimento da obrigação tributária diretamente

pelo realizador do fato gerador: o contribuinte.

A primeira forma de sujeição passiva que se pode admitir diante do

que já se estudou é aquela em que vai existir um contribuinte. Para Luciano Amaro,

é na “pertinência lógica entre a situação e a pessoa, identificada pela associação do

fato com seu autor, ou seja, pela ligação entre a ação e o agente, é que estaria a

‘relação pessoal e direta’ a que o Código Tributário Nacional se refere na

identificação da figura do contribuinte”110.

Fazendo uma conexão com a temática deste trabalho, a pessoa

jurídica que integre um grupo econômico será contribuinte quando praticar conduta

que esteja descrita em uma hipótese de incidência tributária de uma regra-matriz,

sendo a obrigação que daí resultar individual, constituindo-se o crédito tributário

diretamente contra si. Vale lembrar que eventuais convenções feitas pelo

agrupamento não podem ser opostas ao Fisco, diante do que enuncia o art. 123 do

Código Tributário Nacional111.

Será, em princípio, individual a obrigação, já que quem compõe um

grupo econômico não perde sua personalidade jurídica, restando intacta sua

condição de sujeito de direitos e deveres112. Como os componentes dos grupos

econômicos preservam essa característica, inexistindo constituição de uma nova

pessoa jurídica, as obrigações tributárias decorrentes da sujeição passiva direta de

110 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 325. 111 Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes. 112 Diz-se “em princípio” já que há situações em que o fato gerador pode ser praticado por mais de uma pessoa, (como em uma copropriedade, por exemplo, em que a obrigação já nasce plúrima), devendo a autoridade fiscal indicar quem serão os contribuintes, nos termos do art. 124, I, do CTN. O fato é que todos os sujeitos apontados devam ter vínculo direto com o fato gravado pela tributação.

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cada ente não pode se estender aos demais: o contribuinte é responsável por débito

próprio.

Assim, não há maiores ilações a serem feitas quanto ao tema deste

capítulo, partindo para uma análise apurada da responsabilidade tributária.

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CAPÍTULO V: RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

5.1 Breves anotações sobre responsabilidade

A etimologia do termo “responsabilidade” remete ao latim, oriunda da

palavra “respondere”, mas não na acepção de “resposta” ou “contestação”, e sim no

sentido de “assegurar”, “afiançar”. É, em regra, a relação jurídica derivada de uma

obrigação, em caso do não espontâneo cumprimento pelo devedor113.

Tal entendimento é tido como corriqueiro no direito: o responsável é

o sujeito obrigado a assegurar o cumprimento de determinada conduta,

respondendo pelos atos que der causa (via de regra), ou por atitudes de terceiros,

em caráter excepcional, geralmente quando este guarde consigo algum tipo de

relação de cuidado (tutela, curatela ou outro tipo de vínculo jurídico).

Esse traço é comum a vários tipos de responsabilidade, seja ela

civil, ambiental114, criminal115, administrativa116, consumerista117 ou tributária,

aplicando-se a todo o sistema jurídico, “pois, para que a convivência em sociedade

seja organizada e pacífica, o direito deve assegurar que o autor de ato ilícito violador

de direito individual de outrem, responsabilize-se pelos seus atos e pelas suas

omissões”118.

Quando se fala em responsabilidade civil – e sendo dessa fonte em

que geralmente bebem outros ramos do direito – essa característica fica mais nítida,

113 SIDOU, J.M. Othon. Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 762/763. 114 Lei de Responsabilidade Ambiental n.º 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, prevê a responsabilização de pessoas jurídicas que poluam o ecossistema. 115 O Código Penal é o maior exemplo de diploma que trata da responsabilização criminal de sujeitos que atentam contra vida, patrimônio, etc. 116 A Lei n.º 8.112 de 11 de dezembro de 1990 dedica seu capítulo IV, “Das responsabilidades”, para instituir normas que regulam a conduta dos servidores públicos. 117 Código de Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078 de 11 de setembro de 1990, trata da responsabilidade de sociedades empresárias para com os sujeitos que com elas contratam na condição de destinatários finais das mercadorias ou serviços. 118 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002. 3ª ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 36.

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tendo como base a ideia de que ela decorre de um ato ilícito, danoso, surgindo como

forma de reparação e recomposição ao sujeito vitimado pelo descumprimento de

uma norma legal ou contratual.

Percebe-se que a ideia da responsabilidade civil se funda no dever

de indenizar. Isso se constata da leitura de diversos artigos do Código Civil, como o

disposto no art. 927 em que se determina que “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e

187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Sobre isto, Maria Helena

Diniz ensina que119:

(...) a responsabilidade civil é a obrigação de reparar dano causado a outrem por fato de que é autor direto ou indireto. A responsabilidade civil é, portanto, a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou por simples imposição legal.

Pode-se dizer, diante dessa perspectiva, que, mesmo que diversos

subdomínios do direito se utilizem do conceito de responsabilidade, conferindo-lhe

suas próprias cores, há um mínimo de estruturação comum sobre o tema. Nesse

sentido, explica Daniel Monteiro Peixoto120:

(...) haverá sempre um pressuposto normativo que conjugará os seguintes critérios: conduta do sujeito a ser responsabilizado (a) dotado ou não de ilicitude, (b) considerada ou não sob o aspecto subjetivo (culpabilidade), (c) associada ou não à conduta de um terceiro e (d) ligada ou não, por nexo causal, à ocorrência de um resultado (dano). É pela combinação dessas propriedades que o direito regula as mais diversas situações de responsabilidade.

Esse pressuposto normativo estará ligado, por nexo de imputação

deôntica, a um consequente que estabelecerá uma relação jurídica na qual o 119 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 3: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 866/867. 120 PEIXOTO, Daniel Monteiro. Responsabilidade tributária e os atos de formação, administração, reorganização e dissolução de sociedades. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 89. Grifou-se.

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responsável ficará obrigado a (i) sujeitar-se a uma punição ou (ii) entregar dinheiro,

aplicando-se a primeira forma caso trate-se de um paradigma penal ou a segunda,

em sendo um paradigma civil.

Dentro da seara tributária, pode-se dizer que ambos os paradigmas

são usados, havendo uma forma híbrida de responsabilização, pois em certos

momentos o responsável pode estar sendo punido por uma conduta ilícita ou

apenas, por definição legal, está substituindo outrem.

Firmadas essas premissas, procede-se ao estudo da

responsabilidade tributária, tema de interesse desse estudo e que diverge em parte

da responsabilidade civil.

5.2 A responsabilidade tributária: o responsável como terceiro

Primeiramente, ressalte-se o que ficou estabelecido no capítulo

prévio: a responsabilidade tributária é uma das formas de sujeição passiva previstas

no sistema constitucional tributário.

Depois, diante do que se viu no tópico anterior, pode-se dizer que,

conferindo à responsabilidade um quantum de especificidade, a seara tributária a

distingue da responsabilidade civil por não advir exclusivamente da prática de ato

ilícito culposo ou doloso, que resulte em dano a outrem, implicando o dever de

indenizar. Embora em alguns casos requeira a prática de atos ilícitos (v.g. arts. 134,

135 e 137 do CTN), é comum que a responsabilidade tributária exista

independentemente deles (arts. 129 ao 133, mesmo diploma legal).

O responsável aparece na problemática da obrigação tributária

principal por uma série de razões que são apontadas pelo legislador ao definir a

sujeição passiva. Consumado o fato gerador e verificando-se quem “naturalmente”

deveria ocupar o polo passivo, ou seja, o contribuinte, aquele que efetivamente

realiza o fato tributário, o legislador pode ignorar esse sujeito e eleger outra pessoa,

que tenha o mínimo de vínculo com o fato gerador.

Esse personagem, que não é contribuinte (por exclusão, a título do

enunciado no inciso II, art. 121, CTN), nem, obviamente, credor, é um terceiro, que

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não participa do binômio Fisco-contribuinte, ainda que se mantenha como legitimado

na sujeição passiva.

A eleição desse terceiro pode ser determinada: (i) por questões de

conveniência, interesse ou necessidade, de acordo com o modelo de fiscalização e

cobrança, para tornar eficaz a incidência tributária (política fiscal); (ii) pelo

cometimento de ato ilícito contra quem deveria guardar cuidado; e (iii) mesmo sem

que ele realize o fato gerador e sem que tenha cometido qualquer ato ilícito,

respondendo por obrigações tributárias oriundas de fatos jurídicos realizados por

outro sujeito de direito.

A escolha do terceiro para figurar como sujeito passivo não pode ser

feita de maneira arbitrária, havendo critérios fornecidos pelo Código Tributário e

elegendo ele mesmo, em alguns casos, quem será o responsável.

Essa discricionariedade sofre ainda baliza dos ditames

constitucionais já verificados em capítulos anteriores, havendo necessidade de que

haja relação com a materialidade do tributo, ou, excepcionalmente, com quem

realiza o fato gerador, bem como exigências formais, pelos quais a escolha do

legislador poderá ser positivada.

A responsabilidade tributária é, portanto, uma matéria considerada

sensível e que merece maior atenção, demandando rigor em sua disciplina e

devendo ser introduzida no ordenamento mediante veículo introdutor adequado.

Por fim, cabe aqui uma observação importante: escolheu-se, neste

trabalho, alojar o tema da solidariedade na sujeição passiva (art. 124, CTN) dentro

deste capítulo por seu grande reflexo neste campo de estudo e pelos estreitos laços

que os envolvem.

Porém, se esclarece desde já que a solidariedade passiva não é

forma de inclusão de terceiro na relação tributária, mas um tipo de nexo que se

estabelece entre codevedores, configurando específica modalidade de liame jurídico

que existe entre os vários sujeitos passivos de um único débito tributário. A

solidariedade passiva não institui um “novo” devedor, mas pressupõe a existência de

um conjunto deles. Esse ponto será mais bem esclarecido adiante.

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120

5.3 Solidariedade

No Direito Privado, a solidariedade pode decorrer da lei

(solidariedade legal) ou da vontade das partes (solidariedade convencional)121,

falando-se em solidariedade ativa, quando concorrerem credores, cada um com

direito à dívida toda, e havendo solidariedade passiva quando o concurso é de mais

de um devedor, cada um obrigado ao total devido122.

Isso quer dizer que o fracionamento do objeto da obrigação, diante

de quem o cobra, é inconciliável com a solidariedade, mesmo sendo aquele divisível

(dinheiro, por exemplo). Por consequência, se cada devedor estiver obrigado a uma

prestação autônoma ou a uma fração da dívida, e se cada credor tiver direito de

exigir apenas uma parcela do débito, não se terá obrigação solidária. Andréa

Darzé123 escreve que:

A solidariedade funciona, assim, como exceção ao princípio da divisibilidade do crédito e do débito entre os seus diversos titulares ativos ou passivos, decorrendo sempre: i. da deliberação das partes; ou ii. de determinação legal (art. 265, do CC). Tudo como forma de imprimir maior segurança e comodidade às relações obrigacionais.

Focando na solidariedade passiva, pode-se dizer que seu objetivo

primordial é aumentar a garantia e a segurança no recebimento pelo credor do que

lhe é devido. Além disso, como destacado da citação acima, torna-se mais cômoda

a exigência prestacional, pois se pode fazê-la em relação a quem possuir mais bens,

ou a quem os tenha mais facilmente penhoráveis, ou de quem resida na mesma

comarca, ou, ainda, daquele que for mais idôneo.

Frise-se, porém, que isso não quer dizer que cada um dos

devedores, entre si, só deva o percentual que lhe corresponda. Isso porque a

solidariedade pode ser encarada sob dois aspectos distintos: um externo,

121 Código Civil, art. 265: A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes. 122 Código Civil, art. 264: Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda. 123 DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade tributária: solidariedade e subsidiariedade. São Paulo: Noeses, 2010, p. 207. Destaques acrescidos.

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estabelecido entre o credor e os vários devedores, e um interno, composto

exclusivamente pelos devedores. No aspecto interno pode-se falar na divisão do

débito, se pecuniário ou divisível, já que a cada devedor caberia uma cota124.

Diga-se ainda, que, dentro do presente estudo, é interessante a

classificação da solidariedade passiva que utiliza o grau de participação dos sujeitos

no suporte factual da obrigação como critério diferenciador, já que isso terá

importantes reflexos na fixação de consequências na esfera tributária. Assim, pode-

se dizer que ela é classificada de dois modos: solidariedade paritária e

dependente125.

Uma obrigação será dita solidaria paritária quando dois ou mais

sujeitos realizem ou participem da situação base, havendo equivalência e

convergência de interesses no átimo da constituição da obrigação. Essa espécie

difere da solidariedade dependente, já que nesta a prestação é devida por um

sujeito, personagem principal da situação-base, mas, outra pessoa, alheia a este

fato, se obriga juntamente com o primeiro126.

Justamente em razão da praticidade e da segurança propiciadas por

este instituto àquele que esteja no polo ativo, foi que o legislador também o fez

constar expressamente na seara tributária, quando o ocupante tradicional do polo

ativo é o Estado.

Para o Código Tributário Nacional, portanto, interessa a

solidariedade passiva, revelando-se que os dois ou mais devedores do tributo ou

penalidade pecuniária estão obrigados, individualmente, pelo valor total da dívida.

Assim, pode o Fisco exigir o pagamento integral de qualquer um dos obrigados, não

se cogitando da invocação do benefício de ordem, que nada mais é que uma

sequência preestabelecida para a execução de codevedores, operando-se

124 Essa afirmação pode ser corroborada por dois aspectos: primeiramente, quando um dos devedores solidários realiza o pagamento da dívida, ele extingue o débito de todos os codevedores quanto ao credor, todavia, subsiste seu direito de cobrar de seus pares o que ele pagou além de seu quinhão. Por outra ótica, também pode o credor remir a dívida especificamente com relação a um devedor, mantendo-se seu direito de exigir dos demais aquilo que lhe caiba. 125 DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade tributária: solidariedade e subsidiariedade. São Paulo: Noeses, 2012, p. 209. 126 Cita-se como exemplo clássico desse tipo de solidariedade o fiador de um contrato de aluguel.

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primeiramente contra um e só depois contra outro, em decorrência do que dispõe

claramente o parágrafo único do art. 124 do referido diploma legal.

Se a solidariedade passiva na seara cível pode se dar por acordo

entre as partes, na obrigação tributária ela só pode se dar por definição legal, já que

as convenções entre particulares não podem ser opostas ao ente tributante, salvo

disposição de lei em contrário (art. 123, CTN).

O art. 124 do Código Tributário Nacional prevê dois tipos de

solidariedade, em cada um de seus incisos:

Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

II - as pessoas expressamente designadas por lei. (Grifou-se)

Passa-se a uma análise mais profunda desses dois casos.

5.3.1 Solidariedade decorrente de interesse comum (art. 124, I, CTN)

Quanto aos casos previstos no inciso I, parte da doutrina costuma

afirmar que não há necessidade de previsão legal instituindo a solidariedade, já que,

se isso fosse necessário, o dispositivo em comento seria letra morta. É o que eles

chamam de solidariedade passiva de fato, tendo como pressuposto uma realidade

fática – o interesse comum na situação que é fato gerador da obrigação principal

(solidariedade paritária).

Efetivamente o legislador complementar usou a expressão

“designadas por lei” apenas no segundo inciso, o que, aparentemente, poderia

sugerir uma distinção com base nisso para as duas normas, mas o operador do

direito não pode se ater a uma interpretação crua dos dispositivos, olvidando o

contexto normativo em que eles estão inseridos.

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Quando se falou sobre o princípio da legalidade, restou claro que

todos os elementos da regra-matriz de incidência tributária devem ser definidos em

lei formal e, sendo assim, o critério pessoal não está excluído, o que faz com que a

referida proposta não reflita o direito positivo brasileiro. Resumindo: “em qualquer

hipótese o devedor solidário deverá ser necessariamente introduzido por veículo

legal”127.

O dispositivo é polêmico já que no direito positivo não existe uma

definição do conteúdo semântico de “interesse comum”.

No momento em que o legislador o associou a expressão “situação

que constitua o fato gerador da obrigação principal”, fica claro que não é qualquer

interesse comum que é bastante para que se considere a obrigação solidária. Ele

não se revela pelo interesse econômico no resultado ou no proveito da situação que

constitui o fato gerador da obrigação principal, mas pelo interesse jurídico, que diz

respeito à realização comum ou conjunta da situação prevista na hipótese de

incidência. Necessita-se que haja interesse no fato ou na relação jurídica que

constitui o antecedente da regra de incidência do tributo.

Ora, uma determinada sociedade empresária de importação

certamente terá muito interesse em que outra sociedade queira importar algum

maquinário do exterior (interesse econômico), porém ela não participa em conjunto,

diretamente, da realização desse fato jurídico valorado pelo legislador como hábil a

fazer incidir a regra tributária de imposto sobre importação, nem tampouco se

beneficia dele de forma imediata, não se demonstrando o interesse jurídico comum

em sua realização. O Superior Tribunal de Justiça vem decidindo nesse sentido:

(...) tem-se que o interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal implica que as pessoas solidariamente obrigadas sejam sujeitos da relação jurídica que deu azo à ocorrência do fato imponível. Isto porque feriria a lógica jurídico-tributária a integração, no pólo passivo da relação jurídica, de alguém que não tenha tido qualquer participação na ocorrência do fato gerador da obrigação. […] 9. Destarte, a situação que evidencia a solidariedade, quanto ao ISS, é a existência de duas ou mais pessoas na condição de prestadoras de apenas um único serviço para o mesmo tomador, integrando, desse modo, o pólo passivo da

127 DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade tributária: solidariedade e subsidiariedade. São Paulo: Noeses, 2012, p. 227.

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relação. Forçoso concluir, portanto, que o interesse qualificado pela lei não há de ser o interesse econômico no resultado ou no proveito da situação que constitui o fato gerador da obrigação principal, mas o interesse jurídico, vinculado à atuação comum ou conjunta da situação que constitui o fato imponível.128

O interesse jurídico comum, portanto, vem da existência de direitos e

deveres idênticos, entre pessoas que se situem no mesmo polo da relação jurídica

de direito privado tomada pelo legislador como suporte factual da incidência

tributária129. Desse modo, Maria Rita Ferragut entende por interesse comum “a

ausência de interesses jurídicos opostos na situação que constitua o fato jurídico

tributário, somada ao proveito conjunto dessa situação”130.

Quando existe esse interesse comum no fato gerador, os devedores

são postos numa posição comum. Por exemplo, em um caso em que a lei defina

como contribuinte o proprietário, se houver um condomínio, todos os coproprietários

seriam elegíveis para diretamente responderem pela exação. Nesse caso, poderia

se afirmar que o sujeito não seria qualificável como terceiro, sujeito passivo indireto,

mas como contribuinte, sujeito passivo direto131, como já adiantado no tópico

anterior.

Essa situação é alvo de digressões por parte da doutrina, como o faz

Renato Lopes Becho. Ele faz objeção à solidariedade como espécie de

responsabilidade, por ela não ocorrer necessariamente em virtude de um fato

posterior à ocorrência da hipótese prevista no antecedente, podendo ser

concomitante ou mesmo anterior ao fato gerador, não havendo a figura do terceiro.

O jurista mineiro justifica seu ponto de vista usando o seguinte exemplo:

Imaginemos uma sucessão causa mortis, em que os herdeiros sejam o cônjuge sobrevivente e dois filhos do de cujus. Essas três pessoas serão solidariamente responsáveis pelo IPTU devido após a abertura da sucessão. Se o óbito ocorreu em 2011, podemos até aceitar que tenha havido um fato posterior em relação ao IPTU desse mesmo ano: a obrigação tributária surgiu contra uma pessoa, que

128 STJ, REsp 884.845/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 05/02/09. Grifou-se. 129 DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade tributária: solidariedade e subsidiariedade. São Paulo: Noeses, 2012, p. 231. 130 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002. 3ª ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 80. 131 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 342.

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posteriormente faleceu e deixou o imóvel como herança para mais de um herdeiro. Todavia imaginemos que o contribuinte, logo no início de 2011, tenha quitado o tributo. Quando começar o novo exercício financeiro, em 2012, o crédito tributário já vai surgir contra os três contribuintes. Aqui haverá solidariedade e não terá havido, em relação ao IPTU de 2012, nenhum fato posterior que os considere responsáveis tributários (em sentido estrito). Como há mais de um proprietário no ano em que estamos analisando, o fato gerador já terá nascido para mais de uma pessoa, solidariamente obrigadas.132

Nesse sentido, afirma-se que a solidariedade é apenas efeito de

uma tributação que possua múltiplos sujeitos passivos diretos (contribuintes) ou

indiretos (em uma de suas outras espécies). Não seria, portanto, caso de

transferência ou de uma modalidade específica de sujeição passiva indireta, já que

ocorre a solidariedade em uma sujeição passiva direta.

O argumento ganha força, pois o próprio Código Tributário Nacional

não inclui a solidariedade dentro do capítulo da responsabilidade tributária, que lhe é

posterior133. Misabel Derzi134, atualizando a obra de Aliomar Baleeiro, destaca:

A solidariedade não é espécie de sujeição passiva por responsabilidade indireta, como querem alguns. O Código Tributário Nacional, corretamente, disciplina a matéria em seção própria, estranha ao Capítulo V, referente à responsabilidade. É que a solidariedade é simples forma de garantia, a mais ampla das garantias fidejussórias.

Quando houver mais de um obrigado no pólo passivo da obrigação tributária (mais de um contribuinte, ou contribuinte e responsável, ou apenas uma pluralidade de responsáveis), o legislador terá que definir as relações entre os coobrigados. Se são eles solidariamente obrigados, ou subsidiariamente, com benefício de ordem ou não, etc.

132 BECHO, Renato Lopes. Responsabilidade tributária de terceiros: CTN, arts. 134 a 135. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 35. 133 Andréa Darzé faz observação interessante sobre esse fato. Alega a jurista baiana que embora o art. 124 esteja localizado topograficamente entre as normas gerais previstas no capítulo de Sujeição Passiva no CTN, tal dispositivo se enquadra na categoria de normas jurídicas de responsabilidade tributária, existindo razões para tanto, já que “a solidariedade pode vincular não apenas responsáveis, mas também contribuintes. Isso, por si só, justificaria sua não alocação no Capítulo reservado às espécies de responsáveis. Não bastasse isso, o art. 124 não pode ser qualificado pura e simplesmente como mais uma hipótese de responsabilidade tributária. Afinal, o inciso II apenas outorga competência para o ente tributante estabelecer vínculos de solidariedade entre sujeitos passivos já existentes ou por serem criados. Mais um argumento para justificar sua localização topológica” (Responsabilidade tributária: solidariedade e subsidiariedade. São Paulo: Noeses, 2010, p. 258). 134 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11ª ed. atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 729.

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A solidariedade, não é, assim, forma de inclusão de um terceiro no pólo passivo da obrigação tributária, apenas forma de graduar a responsabilidade daqueles sujeitos que já compõem o pólo passivo.

Diante desses ensinamentos, verifica-se que a solidariedade não é

realmente uma modalidade de responsabilidade, e sim um grau de garantia,

possibilitando a exigência simultânea da obrigação tributária sobre mais de uma

pessoa.

Todavia, deve-se lembrar de que o responsável solidário – ainda que

o credor possa cobrar a divida inteira de apenas um sujeito – é obrigado ao

pagamento apenas do quinhão que lhe caiba perante os outros devedores

(solidariedade no aspecto interno). Dessa forma, ele será devedor principal de sua

parcela, mas, ao mesmo tempo, também responde pela cota que caiba aos

codevedores, em uma relação híbrida de sujeito passivo direto e indireto ao mesmo

tempo. Nesse sentido, Luciano Amaro135 explica e de certa forma responde à

objeção de Renato Lopes Becho:

O interesse comum no fato gerador põe os devedores solidários numa posição também comum. Se, em dada situação (a co-propriedade, no exemplo dado), a lei define o titular do domínio como contribuinte, nenhum dos co-proprietários seria qualificável como terceiro, pois ambos ocupariam, no binômio Fisco-contribuinte, o lugar do segundo (ou seja, o lugar de contribuinte). Ocorre que cada qual só poderia se dizer contribuinte em relação à parcela de tributo que correspondesse à sua quota de interesse na situação. Como a obrigação tributária (sendo pecuniária) seria divisível, cada qual poderia, em princípio, ser obrigado apenas pela parte equivalente ao seu quinhão de interesse. O que determina o Código Tributário Nacional (art. 124, I) é a solidariedade de ambos como devedores da obrigação tributária inteira, donde se poderia dizer que a condição de sujeito passivo assumiria forma híbrida em que cada co-devedor seria contribuinte na parte que lhe toca e responsável pela porção que caiba ao outro.

Sob esta perspectiva pode-se falar em solidariedade como uma

forma de responsabilidade. De fato, cada coobrigado se qualifica como

135 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 342. Grifou-se.

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contribuinte em relação ao tributo correspondente ao seu quinhão de interesse na propriedade e será visto como responsável pelo pagamento dos tributos excedentes, relativos ao quinhão dos outros. Essa ideia é compartilhada por

Andréa Darzé136, que complementa:

Assim, o que se percebe é que, em consequência da regra prescrita no art. 124, I, do CTN, configura-se situação híbrida em que um único sujeito, ao mesmo tempo, reúne as condições de contribuinte e responsável, a depender do ângulo de análise. Por conta disso, cada um desses devedores submeter-se-á, simultaneamente, a dois regimes jurídicos diferentes.

É importante que se esclareça que não se está aqui defendendo a autorização para seccionar o fato jurídico tributário, inegavelmente uno, incindível. Nossas afirmações dirigem-se apenas à possibilidade da existência de tantas relações jurídicas que lhe correspondam quantos forem os seus realizadores, bem como a permissão para que cada um desses sujeitos possa a um só tempo compor relações distintas, submetidas, inclusive, a diferentes tratamentos.

Destaca-se que essa forma híbrida de sujeição passiva ocorre

quando há comunhão de contribuintes (sujeitos passivos diretos, como no caso de

uma copropriedade).

5.3.2 Solidariedade decorrente de disposição legal (art. 124, II, CTN)

Com relação ao inciso II do art. 124 do Código Tributário, quando se

trata de “pessoas expressamente designadas por lei”, há um limite muito importante

a se observar: os eleitos como sujeitos passivos de obrigações tributárias e de

mesmo modo quem deva solidariamente, estão circunscritos ao âmbito da situação

factual contida na outorga de competência impositiva, cravada no texto da

Constituição137.

Esse obstáculo impede que o legislador ordinário ao expedir a regra-

matriz de incidência tributária, coloque como devedor solidário, alguém que não 136 DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade tributária: solidariedade e subsidiariedade. São Paulo: Noeses, 2010, p. 238. 137 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 387.

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participou, direta ou indiretamente, da ocorrência do fato típico, pois falta àquele

competência constitucional para fazer recair a carga jurídica do tributo sobre pessoa

alheia ao acontecimento gravado pela incidência.

Em regra, o legislador poderá imputar o dever de pagar tributos a

terceiros que (i) mantêm vínculo indireto com o fato jurídico alvo da tributação

(relação em função do critério material), ou (ii) terceiros que mantenham relação

com o sujeito que praticou o fato (relação em função do critério pessoal).

Esses requisitos não precisam ser obrigatoriamente atendidos nos

casos em que a norma instituidora da responsabilidade descreva uma situação

ilícita. Explica Andréa Darzé138:

Nessas situações não se exige a vinculação indireta do responsável ao fato imponível ou ao seu realizador, já que a repercussão jurídica não é regra que limita a competência, tampouco que informa o seu regime jurídico, sendo sua fixação mera liberalidade do legislador.

Isso se verifica nos artigos do Código Tributário Nacional. Nos

dispositivos em que o coobrigado não foi escolhido no quadro da concretude fática

particular da exação, ele ingressa como tal por descumprir algum dever que lhe

cabia observar139. Vale registrar que tanto para o caso em que a responsabilidade se

estabeleça pelo vínculo existente com o sujeito que praticou o fato, quanto no caso

em que haja imputação de responsabilidade baseado na prática de um ato ilícito, o

veículo introdutor necessário será uma lei complementar. Essa ocorrência se dá pela

sistemática constitucional140, bem como a exemplo do que é feito no próprio Código

Tributário Nacional141, recepcionado como tal.

138 DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade tributária: solidariedade e subsidiariedade. São Paulo: Noeses, 2010, p. 256. 139 Como, por exemplo, no caso do pai que é chamado a responder pelo tributo devido pelo filho menor, nos termos do art. 134, I, do CTN. 140 Art. 146, III, da Constituição da República. 141 Essa verificação pode ser feita pelos exemplos que o próprio Código dá. Cita-se, como caso ilustrativo, a responsabilidade estabelecida no art. 134 e incisos. Em que pese não se tratar de responsabilidade solidária, como consta na cabeça do artigo, nesse caso, se percebe que a ligação do responsável não se dá propriamente pelo fato gerador, nem de forma indireta, mas sim por uma ligação que existe entre aquele que praticou o fato sobre o qual incide o tributo e o responsável. A ligação se dá não pelo critério material, mas pelo critério pessoal (o pai que se responsabiliza pelo pagamento do tributo pelo filho menor; o tutor pelos seus tutelados; o sócio pela empresa em liquidação de sociedade de pessoas).

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O que se entende disso é que os devedores solidários, instituídos

por lei, estranhos ao evento jurídico-tributário, não são na verdade componentes

daquele liame obrigacional, porém de outro, de cunho sancionador, que nasce pelo

descumprimento de algum dever (esse fato é de particular importância quando se

trata da responsabilidade tributária de grupos econômicos). A solidariedade, como já

afirmado, não é espécie autônoma de responsabilidade tributária, pressupondo a

definição dos sujeitos passivos que vinculará, podendo reunir vínculos jurídicos de

naturezas distintas, já que pode se estabelecer entre responsáveis exclusivamente

ou contribuintes e responsáveis142.

Caso o legislador queira estabelecer laço de solidariedade entre os

responsáveis traçados pelo Código Tributário Nacional (art. 128 a 137) e o

contribuinte, também deverá fazê-lo mediante veículo de idêntica natureza, ou seja,

por meio de lei complementar.

Cita-se como exemplo o dispositivo do art. 130, em que se encontra

prescrito que os “créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a

propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a

taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de

melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes”, que passam a ser

os únicos sujeitos passivos dos respectivos tributos. Ou seja, nesse caso fica

estabelecida a exclusão daquele que realiza o fato tributável, estabelecendo-se a

obrigação apenas do responsável.

Se o legislador quiser introduzir regra mantendo o realizador do fato

tributável em caráter solidário (solidariedade entre contribuinte e responsável),

deverá obrigatoriamente fazê-lo por meio de lei complementar. Não agindo assim, a

norma padecerá de inconstitucionalidade para dispor sobre a matéria, não sendo

capaz de alterar o que dispõe o Código Tributário Nacional, que fixou a obrigação

exclusiva do sucessor. Transcreve-se lição de Andréa Darzé143:

(...) se as pessoas eleitas para responder pelo débito fiscal pertencerem à classe dos sujeitos que mantêm relação indireta com

142 Lembra-se que quando se tratar de um conjunto de contribuintes existirá aquela fórmula hibrida de responsabilidade já tratada alhures. 143 DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade tributária: solidariedade e subsidiariedade. São Paulo: Noeses, 2010, p. 260.

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o fato jurídico tributário, o enunciado da solidariedade poderá ser introduzido via lei ordinária. No entanto, se a escolha recair sobre sujeitos que mantêm vínculo apenas com o realizador do suporte factual do tributo, retoma-se a necessidade de introdução por lei complementar. Num e noutro caso, a fixação da espécie de instrumento adequado se dá em razão do que prescreve o artigo 128 do CTN.

Lembra-se, a essa altura, a lição trazida pelo ensinamento de

Renato Lopes Becho no ponto 5.3.1 deste trabalho: o fato que desencadeia a

solidariedade não se confunde com o fato jurídico-tributário, podendo lhe ser

anterior, concomitante ou mesmo posterior.

Algumas vezes a relação entre a solidariedade e o fato jurídico-

tributário é tão íntima que ocorrem casos como o da copropriedade (art. 124, I,

CTN), mas deve se reparar que, mesmo nesse caso, a solidariedade não é

componente da regra-matriz de incidência.

Já em outros casos, o fato ao qual se imputa a responsabilidade é

completamente estranho ao fato jurídico-tributário. Exemplo disso é a

responsabilidade solidária instituída pelo art. 30, IX, da Lei n.º 8.212/91, que trata de

algumas contribuições para a Seguridade Social144:

Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:

(...)

IX - as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta Lei;

Nota-se que, para que ocorra a responsabilidade solidária nesse

caso, hão de ocorrer dois eventos apartados: a sociedade empresária deverá não

pagar as contribuições referidas nessa lei e estar inserida em um grupo econômico,

passando a existir um fundamento legal para ambos (sociedade e grupo de

sociedades) figurarem como sujeitos passivos solidários.

144 Em que pese defender-se a inconstitucionalidade desse dispositivo, como ele ainda não foi assim declarado pelo STF, usa-se aqui como exemplo, inclusive por sua repercussão futura nesse estudo.

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Sobre isto, escreve Luciano Amaro145:

O evento que provoca a solidariedade não integra a definição legal de fato gerador (hipótese de incidência ou fato gerador abstrato). Mas esse evento pode matizar o fato gerador concreto, cujo elemento subjetivo, no polo passivo, nasce plúrimo. Vale dizer, ocorrido o fato gerador, tem-se desde logo mais de uma pessoa ocupando a posição de sujeito passivo, como se dá nas hipóteses de comunhão de interesses de duas ou mais pessoas na situação em que se traduza o fato gerador; realizado este, todas essas pessoas figuram com sujeitos passivos solidários.

Noutras situações, o evento que provoca a solidariedade é estranho ao fato gerador; este é realizado por uma pessoa, mas, em razão de evento (valorizado pela lei para tal efeito), outra pessoa é eleita como responsável solidário. É exemplo a situação em que a lei responsabiliza o usuário de um serviço pelo tributo devido pelo prestador do serviço, caso aquele efetue o pagamento sem exigir nota fiscal ou sem solicitar a prova de inscrição do prestador no cadastro de contribuintes. Se o contribuinte (prestador do serviço) não emite nota fiscal (ou não prova a sua inscrição no cadastro fiscal) o terceiro (usuário do serviço), que não é contribuinte nem sujeito passivo dessas obrigações acessórias, acaba definido como responsável solidário pela obrigação principal do prestador do serviço.

De uma forma ou de outra, o que se percebe é que os fatos aos

quais se faz referência, por mais distintos que sejam, desencadeiam uma única

consequência jurídica: a paridade entre aqueles que devem responder pelo débito

tributário. O responsável e o contribuinte postos como sujeitos passivos de uma

relação jurídico-tributária solidária estarão sujeitos igualmente, sem qualquer ordem

de preferência, independente do caminho percorrido para que se chegue a essa

posição, reforçando a ideia de que a solidariedade não é uma espécie de

responsabilidade, mas um vínculo que se estabelece legalmente entre sujeitos.

Todavia, o que se vê hodiernamente é que, faltando competência ao

legislador para colocar alguém como sujeito passivo de uma obrigação tributária, ele

lança mão de outros recursos, como leis ordinárias ou atos infralegais de caráter

administrativo, instituindo deveres e prescrevendo sanções. Surgem aí sujeitos

solidários que não seguem a prescrição constitucional que reserva à lei

complementar esse expediente.

145 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 334/335.

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Em verdade, as leis que se utilizam do art. 124, II, do Código

Tributário Nacional para instituir “solidariedade”, não podem veicular regras-matrizes

de sujeição passiva, as quais já foram delimitadas no diploma legal referido. O que

vem ocorrendo é a utilização dessa permissão legal de forma totalmente desvirtuada

para o estabelecimento de verdadeiras formas de responsabilização tributária.

No Capítulo VI, o tema será retomado para uma análise específica

das implicações disso dentro da questão dos grupos econômicos, já que o interesse

comum no fato gerador e a expressa designação de solidariedade em leis ordinárias

instituidoras de tributo pelo vínculo com o realizador do fato tributável são as mais

comuns motivações usadas pelo Fisco como fundamento para a responsabilização

das sociedades empresariais componentes daqueles.

Por ora, basta que se tenham as noções traçadas em mente, e a

distinção feita por Paulo de Barros Carvalho146 entre o que seria solidariedade

propriamente, e responsabilidade, de substancial interesse:

Solidariedade, mesmo, haverá tão somente na circunstância de existir uma relação jurídica obrigacional, em que dois ou mais sujeitos de direito se encontram compelidos a satisfazer a integridade da prestação. Ali, onde encontrarmos duas relações, entretecidas por preceitos de lei, para a segurança do adimplemento prestacional de uma delas, não teremos, a bem do rigor jurídico, o laço da solidariedade que prende os sujeitos passivos.

5.3.3 Contraste entre solidariedade e subsidiariedade

Diante de todo o arrazoado que já se fez sobre a solidariedade

passiva, conclui-se categoricamente que esse instituto não comporta qualquer

benefício de ordem. Este é uma condição de exequibilidade do devedor principal, e

somente sendo impossível fazê-lo é que se passa a perseguir os bens dos outros

codevedores. Caso não seja feita primeiramente a tentativa de executar o devedor

principal, o credor não possui justo título para intentá-lo contra os demais.

146 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 388/389.

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Na seara tributária essa afirmação ganha contornos mais nítidos

pela expressa menção a esse fato que é feita no parágrafo único do art. 124: “A

solidariedade referida nesse artigo não comporta benefício de ordem”.

Diante disso, forçoso dizer que o estabelecimento dessa ordem

preferencial de execução dos devedores é incompatível com a solidariedade e

sempre que ela seja empregada irá desnaturá-la em subsidiariedade.

Em que pese não haver um enunciado jurídico conceituando

subsidiariedade, sua etimologia remete ao latim “subisidiarius”, indicando algo de

secundário, acessório, querendo designar aquilo que é auxiliar ou supletivo147.

Assim, fica implícito que haverá algo principal que será subsidiado, reforçado por

algo secundário. Do mesmo modo ocorre com a responsabilidade subsidiária,

decorrente da inviabilidade de executar o devedor primário fundada na insuficiência

de bens penhoráveis, quando, então, se buscam os bens de outros.

Nesse sentido, fica claro que a solidariedade e a subsidiariedade

são conceitos excludentes entre si, não se podendo juridicamente invocá-las ao

mesmo tempo. Em ambas há uma pluralidade de pessoas obrigadas ao pagamento

de determinada quantia. Porém, na primeira, o credor é livre para executar qualquer

um dos coobrigados que lhe apeteça. Na segunda a exigência do crédito deve

respeitar uma ordem em que primeiro se procuram os bens do devedor principal e

só em caso de sua insolvabilidade, procuram-se os bens dos codevedores.

Torna-se interessante deixar claro o contraste entre solidariedade

subsidiariedade, pois, como lembra Andréa Darzé148:

(...) o mero emprego de um ou de outro termo não é suficiente para identificar a realidade que se está regulando, cabendo ao intérprete examinar o contexto normativo no qual está inserido, a fim de verificar, com segurança, o tipo de vínculo que efetivamente foi positivado.

147 SIDOU, J.M. Othon. Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 827. 148 DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade tributária: solidariedade e subsidiariedade. São Paulo: Noeses, 2010, p. 226.

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Esse exame do intérprete é fundamental, pois a atecnia é constante

em termos legais, como será visto quando se apresentarem as classes de

responsabilidade tributária, em que se usa de forma pouco precisa um termo ou

outro (solidariedade e subsidiariedade).

Feitas as devidas considerações sobre o tema da solidariedade,

passa-se a uma análise da responsabilidade propriamente dita.

5.4 Formas de classificação da responsabilidade tributária

O cérebro humano é condicionado a enxergar padrões, fazendo

parte de seu processo de cognição segregar os objetos ao seu redor de acordo com

características em comum que eles possuam. Nesse ínterim, ao separar aquilo que

o cerca em grupos, de certa forma, também se está conceituando cada um desses

objetos, pois, ao rotular qualquer parcela da realidade com determinado nome,

imediatamente se criam dois tipos de coisas: aqueles que possuam a qualidade x à

qual se refere, e as que não possuem a qualidade x, e que, portanto, não se

enquadram no vocábulo empregado, sendo excluídos da categoria.

Desse modo teremos animais racionais e animais não racionais; azul

e não azul; tributo e não tributo; responsável e não responsável. Nas palavras de

Daniel Monteiro Peixoto149: “É por isso que se costuma afirmar que definir um

conceito é, de certa maneira, classificar, pois dividimos, dentre os objetos do mundo,

aqueles que atendem e que não atendem aos critérios definitórios para se enquadrar

no conjunto por esse demarcado”. Destaque-se que a classificação não se encontra

no objeto em si, sendo construída pelo trabalho interpretativo do sujeito

cognoscente.

Diante disso, pode-se afirmar que, ao tratar de responsabilidade

tributária, no momento em que se especificam categorias dentro desse gênero,

estar-se-á também definindo conceitos sobre essas espécies, que na lição de Paulo

de Barros Carvalho, sempre possuem mais características que o próprio gênero, já

149 PEIXOTO, Daniel Monteiro. Responsabilidade tributária e os atos de formação, administração, reorganização e dissolução de sociedades. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 128.

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que devem conter, além dos traços comuns a este, outros mais que o distingam das

outras espécies150.

A ordem tributária, como já se disse, ao tratar da sujeição passiva,

definiu que existem dois gêneros de pessoas que poderão ter responsabilidade pelo

adimplemento de obrigações tributárias, sendo eles os contribuintes e os

responsáveis, colocando como distinção entre esses dois tipos o vínculo que se

possua com o fato gerador. Nesse sentido, será sujeito passivo na modalidade

contribuinte aquele que “tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua

o respectivo fato gerador”. Por conseguinte, responsável não terá o vínculo pessoal

e direto, não se revestindo da condição de contribuinte.

Essas assertivas, encartadas no art. 121 do Código Tributário

Nacional entre outras que tratam sobre sujeição passiva e responsabilidade

tributária, trazidas pelo direito positivo, não necessariamente se encontram bem

formuladas, segundo postulados lógicos para uma classificação adequada, de modo

que, por vezes, faz-se necessária uma reelaboração pelo cientista do direito.

Todavia, não se pode olvidar que o ponto de partida sempre será aquilo que for

fornecido pelo direito posto.

Assim, pode-se dizer que existem algumas críticas à forma como a

legislação tributária trata da responsabilidade, até pela atecnia do uso de certos

termos, como dito, e diante das possibilidades já traçadas de vínculos que podem

existir entre os sujeitos passivos – sujeição passiva pessoal ou exclusiva, plural ou

concorrente – pode haver alguma confusão.

Cabe ainda dizer que, de acordo com a temática deste trabalho, nem

todo o tipo de responsabilidade tributária se aplica ao problema que envolve a

responsabilização de sociedades empresárias que façam parte de um agrupamento

econômico e que, portanto, não serão amplamente exploradas, demonstrando-se

apenas o porquê disto. A sequência de apresentação optou por respeitar a ordem

topográfica dentro do Código Tributário Nacional.

150 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5ª ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 118.

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5.4.1 Responsabilidade por sucessão ou transferência

A responsabilidade por sucessão ou transferência encontra-se

positivada na Seção II, do Capítulo V, do Título II do Código Tributário Nacional,

precisamente entre os artigos 129 e 133.

Esses comandos legais estabelecem hipóteses em que, ocorrendo a

transferência de titularidade de bens, passem os novos titulares a responder pelos

tributos devidos relativos aqueles até a data em que ocorra a efetiva sucessão.

As situações que podem causar isso são: (i) aquisição pura e

simples; (ii) morte de sujeito em relação ao qual se é sucessor, acompanhado de

aceitação de herança, legado, quinhão ou meação; (iii) fusão ou incorporação; e (iv)

aquisição de estabelecimento empresarial sem a continuação das respectivas

atividades pelo alienante.

Suceder um sujeito de direito na propriedade de seus bens,

universal ou singular, inter vivos ou causa mortis, com relação aos quais haja

débitos tributários é a ocorrência que autoriza a modificação do sujeito passivo,

permitindo a constituição do crédito contra pessoa diversa daquela que realizou o

fato gerador.

Não há qualquer vínculo, direto ou indireto, entre o responsável e o

fato jurídico tributário, fixando-se a responsabilidade em virtude de fato

superveniente. A relação que existe é apenas entre o sucedido e o sucessor

(realizador do evento e tributário e responsável), viabilizando a repercussão jurídica

dos valores pagos.

Esse tipo de responsabilização tributária não se aplica ao caso das

sociedades empresarias que participam de grupos econômicos. Isso se constata

pelo simples fato de que nesses casos ocorre uma transferência de bens, há uma

sucessão e sendo assim aquilo que pertencia a um sujeito sai de sua esfera de

domínio e passa a integrar o patrimônio de outra pessoa.

Nos casos dos grupos econômicos, cada sociedade mantém íntegra

a sua personalidade jurídica, não sendo efeito desse tipo de organização

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empresarial a fusão ou incorporação, onde as personalidades jurídicas das

sociedades envolvidas se fundem em uma nova e única pessoa jurídica.

Portanto, conclui-se – na mesma toada do que se expôs no tópico

4.6.2 do Capítulo passado – que os grupos econômicos não podem ser

responsabilizados por sucessão, tendo em vista que as sociedades componentes

não podem ser entendidas como sucessoras uma das outras, mantendo-se como

pessoas jurídicas independentes.

5.4.1.1 Substituição tributária

Aloca-se o tema da substituição tributária dentro da responsabilidade

por transferência, tendo em vista que a substituição também pode ser tida como

uma forma que o legislador encontrou de transferir a responsabilidade tributária de

um sujeito para o outro.

De forma sucinta, Luciano Amaro151 explica:

O substituto legal tributário é figura bem definível e comum na prática legislativa. Por diversos motivos, em certas situações, o legislador opta por ignorar a pessoa a quem o fato gerador seria naturalmente referenciado (por exemplo, a pessoa que aufere renda, em relação ao fato gerador do imposto de renda) e põe, como sujeito passivo, um substituto.

Complementando o exemplo trazido pelo doutrinador, nesse caso, o

substituto seria a fonte pagadora daquele que aufere a renda.

Esse tipo de responsabilidade tributária tem previsão genérica no

art. 150, §7º da Constituição da República152, bem como, implicitamente, no art. 128

do Código Tributário Nacional.

151 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 334. 152 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)

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Vê-se que, conforme referido no tópico 5.2, por uma questão de

conveniência, interesse ou necessidade, de acordo com o modelo de fiscalização e

cobrança, para tornar mais eficaz a incidência tributária, faz-se com que o

recolhimento tributário se simplifique (já que ao invés de cobrar de um universo de

pessoas, refere-se apenas a uma) e o adimplemento da obrigação recaia sobre

terceiro escolhido pelo legislador.

Em poucas palavras já se percebe que este tipo de

responsabilização tributária também não se aplica aos grupos econômicos nos

moldes aos quais este estudo se refere, já que as sociedades empresárias serão ou

não substitutas tributárias individualmente, em nada afetando sua posição como

componente da aliança societária.

5.5.2 Responsabilidade de “terceiros”

Como já visto, todo responsável tributário é um terceiro, no sentido

de que não é integrante do binômio Fisco-contribuinte (art. 128, CTN). Dessa forma,

pode-se dizer que os artigos que tratam do tema, art. 134 e 135, e que se encontram

sob a alcunha “Responsabilidade de terceiros” na Seção III, do capítulo referente à

Responsabilidade Tributária no Código Tributário Nacional, receberam uma

nomenclatura inapropriada.

Sendo assim, preferiu-se nomear o tópico dessa dissertação sobre o

assunto com a palavra terceiros aspeada, ressaltando a atecnia cometida pelo

Código Tributário como se apenas nos caso aí regulados é que houvesse tais

figuras153.

Prossegue-se à análise dos artigos.

5.5.2.1 A responsabilidade do art. 134, CTN

§ 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. 153 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 352.

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A primeira coisa que se verifica na análise desse dispositivo é,

novamente, o uso inadequado de vocábulos dentro desta Seção III do diploma em

comento. O art. 134 determina que:

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;

II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;

III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;

IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;

V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;

VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;

VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório. (Grifou-se)

Nota-se mais uma falha do legislador: apesar de falar diretamente

em responsabilidade solidária, na verdade, trata-se de responsabilidade subsidiária,

pois o dito “responsável solidário” só é chamado a satisfazer a obrigação “nos casos

de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo

contribuinte”, o que remete à observação feita no ponto 5.3.3, já que há um benefício

de ordem.

Fica patente que uma execução fiscal terá que ser proposta

incialmente contra o contribuinte e, apenas se for demonstrada sua insolvência,

insuficiência ou inexistência de bens patrimoniais passíveis de penhora judicial, se

poderá redirecionar a ação executiva contra os sujeitos enumerados nos incisos

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transcritos acima, desde que presentes também os demais critérios materiais e

formais que imputem esse tipo de responsabilidade.

Também se percebe que existe um animus puniendi no artigo em

comento, já que os responsáveis serão assim considerados pela intervenção ou

omissão de um dever que lhes competia. A aplicação desse recurso –

responsabilidade como forma de punição por ilicitude – se dá àqueles que

provoquem situações indesejadas pela ordem jurídica tributária.

Pela leitura dos incisos, nota-se que nenhum deles traz como

responsável o grupo econômico, no caso de inadimplência de uma das sociedades

empresárias que o componha, até mesmo por ser nítido que o artigo se dirige

apenas a pessoas físicas, mas pode haver algum debate quanto ao que é dito no

inciso VII.

Desse dispositivo se depreende que o sócio poderá responder

subsidiariamente por débito tributário do contribuinte, que no caso é a pessoa

jurídica por ele constituída, desde que: (i) não seja possível cobrar desta o

adimplemento da obrigação; (ii) tenha o sócio intervindo ou se omitido (exigência do

caput do artigo) a respeito do ato relevante para formação do crédito tributário e (iii)

seja a pessoa jurídica contribuinte uma sociedade em liquidação, sendo esses

requisitos cumulativos.

Pois bem: os sócios de uma sociedade empresária que se

subsumam a essa situação poderão ser responsabilizados pelos débitos da pessoa

jurídica.

Em um grupo econômico, não há a constituição de uma nova pessoa

jurídica. O que se pode cogitar, por amor ao debater, é que essas empresas sejam,

entre si, coligadas ou controladas, quando serão responsabilizadas não por serem

integrantes de um agrupamento, mas por outro motivo: ter participação direta da

sociedade em liquidação, responsabilidade de caráter pessoal por serem sócias, e

intervirem ou se omitirem e fato relevante na constituição do crédito, quando

poderão subsidiariamente responder.

Evidentemente, não será responsável aquela sociedade empresária

integrante do grupo econômico que não seja sócia da sociedade liquidada, por se

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tratarem de duas realidades distintas, como se demonstrou pelo gráfico do tópico

3.6.2.

5.5.2.2 A responsabilidade do art. 135, CTN

Já foi visto que na fixação da responsabilidade tributária o legislador

pode se valer tanto de fatos lícitos como ilícitos. A redação do art. 135 do Código

Tributário Nacional não deixa dúvida de que o caso em tela trata de

responsabilização por um ato ilícito cometido pelo sujeito que os pratica com

excesso de poderes, infringindo a lei, contrato social ou estatuto de uma pessoa

jurídica. Dispõe o artigo:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. (Grifou-se)

Em que pese argumento doutrinário em contrário154, no sentido de

que esse artigo impõe solidariedade entre o contribuinte e o agente infrator

(responsável), entende-se que, de modo oposto ao art. 134, esse artigo exclui do

polo passivo da obrigação tributária a figura do contribuinte (que em princípio seria a

pessoa jurídica em nome de quem e por cuja conta agiriam as personagens

gravadas nos incisos). Aqui não se trata de responsabilidade solidária ou subsidiária:

154 Nesse sentido, Hugo de Brito Machado argumenta que “(...) as obrigações tributárias decorrentes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos nascem com mais de um sujeito passivo, sendo um contribuinte, conforme definição do art. 121, I, e um ou mais responsáveis, conforme definição do art. 121, II, do CTN” (Curso de direito tributário. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 166).

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quando o legislador dispõe que se trata de responsabilidade pessoal, entende-se

que a responsabilidade do terceiro exclui a dos demais155.

O caráter volitivo é importante para esse dispositivo, ao passo que a

responsabilidade nesse caso é apurada subjetivamente, prescrevendo de modo

expresso o caput do artigo que a responsabilidade do sujeito decorre de atuação

com excesso de poderes, infringindo lei, contrato social ou estatuto. Isso quer dizer

que deve haver a comprovação por meio da linguagem das provas dessa atuação

dolosa do agente/responsável.

Caracterizados o dolo do sócio, gerente, diretor ou representante na

prática de atos de gestão e se configurando o inadimplemento da obrigação

tributária decorrido de ato contrário a lei, contrato ou estatuto, tem-se o tipo

designado no dispositivo em análise, passando a obrigação de pagar tributo integral

e exclusivamente para a pessoa do infrator, responsável, deixando de existir

fundamento para a validade de exigência do devedor original, contribuinte156.

Feitos os devidos esclarecimentos, pode-se dizer que, pelos

mesmos motivos expostos no tópico anterior, bem como no anterior a este, a

responsabilidade tributária presente no art. 135 do Código Tributário Nacional

tampouco se aplica aos grupos econômicos, por claramente referir-se a pessoas

físicas, incluindo-se uma apuração de caráter subjetivo de culpa ou dolo157.

Ainda assim, pode existir alguma polêmica, caso o intérprete seja

adepto da corrente jurídica que entende que uma pessoa jurídica pode efetivamente

atuar de forma dolosa e se ativer ao inciso I do art. 135, que remete à mesma

problemática do art. 134, VII. Todavia, mais uma vez, os argumentos para combater 155 O mesmo Hugo de Brito Machado, ainda que não concordando com a posição assumida neste trabalho, informa em sua obra que “no 5º Simpósio Nacional de Direito Tributário, realizado em São Paulo em outubro/1980, prevaleceu, contra nosso voto, a tese de que o art. 135 cuida de hipótese de substituição, e por isto a responsabilidade de qualquer das pessoas no mesmo referidas implica a exoneração da pessoa jurídica” (Ob. cit. p. 166). 156 Andréa Darzé explica que “a aplicação da norma sancionatória implica a anulação do crédito tributário já lançado contra o contribuinte ou impede o seu lançamento, por força da ineficácia técnica sintática que produz relativamente ao enunciado da sujeição passiva da regra-matriz em sentido amplo” (Responsabilidade tributária: solidariedade e subsidiariedade. São Paulo: Noeses, 2010, p. 179/180). 157 Maria Rita Ferragut (Incidente de desconsideração da personalidade jurídica e os grupos econômicos In CONRADO, Paulo Cesar. ARAÚJO, Juliana Furtado Costa (coord). O Novo CPC e seu impacto no direito tributário. São Paulo: Fiscosoft, 2015, p. 13/42), alega que o artigo em análise destina-se exclusivamente às pessoas físicas, o que também impossibilita o enquadramento de um grupo econômico no tipo do art. 135, CTN.

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quem assim queira insistir são os de que um grupo econômico não constitui uma

nova entidade, uma nova pessoa jurídica, não havendo como um integrante seu

possa agir de forma a se encaixar no tipo prescrito no comando.

A forma que porventura poderia existir de que se impute a

responsabilidade nos termos do art. 135 é, mais uma vez, se houver vínculos

jurídicos de sócio entre as sociedades em questão: se a pessoa jurídica A é

controladora ou coligada, nos termos do Código Civil, da pessoa jurídica B, e age

com dolo, ocultando um fato gerador que resulta num inadimplemento fiscal, a

pessoa jurídica A irá responder exclusivamente por este ato, por sua condição

particular de sócia de B, pertençam elas ou não a um grupo econômico. O fato de

estar em um grupo econômico é completamente irrelevante.

Portanto, também não há que se falar em responsabilização de

grupo econômico nos termos do art. 135 do Código Tributário Nacional.

5.5.3 Responsabilidade por infração

A responsabilidade por infrações é tratada no Código Tributário

Nacional nos artigos 136 e 137 e visa punir o descumprimento de obrigações

tributárias principais ou acessórias.

Percebe-se, desde logo, que há também alguma impropriedade

nesta nomenclatura usada pela Lei Tributária, tendo em vista que a responsabilidade

dos artigos logo acima estudados também é atribuída a terceiros em face do

cometimento de infrações.

A diferença entre a responsabilidade de terceiros e a

responsabilidade por infrações, portanto, residiria na desnecessidade de verificação

do caráter volitivo, atribuindo-se uma “responsabilidade objetiva” aos agentes

enumerados entre os artigos 136158 e 137, o que não parece se coadunar com uma

visão sistêmica do direito, quanto mais quando se trata de direito sancionatório.

158 O art. 136 do CTN, especificamente, abre exceção a este mandamento, ao dizer que lei poderá dispor em contrário.

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Alguns doutrinadores, como Luciano Amaro, afirmam que os casos

elencados nesses artigos não tratam propriamente de sujeição passiva indireta, na

forma como este estudo vem sendo feito. Isto porque esses comandos sujeitam um

agente infrator a uma determinada consequência que, em que pese poder se

confundir com o adimplemento do crédito tributário, partem de outra premissa, que

seria o cometimento de infração. O agente poderia ser tanto o contribuinte, quanto o

responsável, como alguém completamente estranho ao fato gerador (sem relação,

mesmo que oblíqua, com este). Afirma o autor citado que o responsável, quando se

fala em responsabilidade por infrações, “é a pessoa (não necessariamente o

contribuinte de algum tributo) que, por ter praticado uma infração, deve responder

por ela, vale dizer, deve submeter-se às consequências legais de seu ato ilícito” 159.

Todavia, não se compartilha desta ideia, tendo em vista que já se

demonstrou neste estudo que a responsabilidade tributária também pode se dar por

uma norma primária sancionatória.

Por fim, cabe dizer que a responsabilidade por infrações tampouco

se aplica aos grupos econômicos, não havendo um tipo legal que possa colocá-los

como responsáveis nesses casos, a não ser nos moldes acima estudados, quando

se tratou dos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional, ou seja, a sociedade

empresária que infringe a lei tributária paga por isso de forma independente, não

havendo correlação desse fato com sua condição de membro do agrupamento.

5.5.4 Síntese conclusiva: inaplicabilidade dos tipos de responsabilidade do CTN aos grupos econômicos

Tendo em vista o que se estudou neste capítulo, verifica-se a

inexistência de hipóteses no Código Tributário Nacional, de norma específica para

o enquadramento da extensão da responsabilidade às sociedades empresarias que

componham um grupo econômico.

159 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 332.

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Ainda assim, o contexto atual se caracteriza pela constante

formulação de pedidos de redirecionamento de execuções fiscais, mesmo diante da

ausência de legislação que regule de forma satisfatória a matéria, recaindo-se na

inobservância dos ritos processuais pertinentes aos fundamentos escolhidos.

Constantemente são usadas as regras do art. 124 do Código

Tributário Nacional, que, como visto, nem sequer tratam especificamente de normas

sobre responsabilidade tributária, mas tão-somente de solidariedade, que é elo de

sujeição passiva plural, o que não pode ser permitido pelo operador do direito, sob o

risco de se ferirem preceitos básicos obrigacionais, cuja regra não é a relação

solidária. É, assim, patente a lacuna legislativa no âmbito do Direito Tributário.

Por isso mesmo, o Fisco também se vale de normas de outros

ramos do direito, tomando por base, em regra, o uso da desconsideração da

personalidade jurídica, insculpida no art. 50 do Código Civil.

Mencionem-se ainda as inovações positivadas pela Lei n.º 13.105 de

16 de março de 2015, que introduziu no ordenamento jurídico o novo Código de

Processo Civil, e terão reflexos profundos na matéria, como se verá no próximo

capítulo.

Assim, feitos todos os esclarecimentos que cabiam até o momento

envolvendo institutos do Direito Privado, sujeição passiva e responsabilidade

tributária, considera-se o estudo provido de todas as ferramentas necessárias ao

enfrentamento da questão: como – e se – poderão ser os grupos econômicos

responsabilizados tributariamente.

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CAPÍTULO VI: GRUPOS ECONÔMICOS E AS FORMAS DE RESPONSABILIZAÇÃO

6.1 Primeiras considerações

Pode-se dizer que, neste ponto, todas as premissas foram firmadas.

Nos primeiros dois capítulos houve referência à metodologia, bem

como a conceitos básicos aqui trabalhados, além de um apanhado constitucional e

principiológico de suma importância para o entendimento do sistema do direito.

Em seguida, foram introduzidos institutos de Direito Civil e

Empresarial que conduziram a uma análise conceitual do que seriam os grupos

econômicos, além de fornecerem outras informações que serão agora melhor

desenvolvidas.

No capítulo seguinte, o estudo passou a afunilar-se, voltando-se à

análise da relação jurídico-tributária, com foco na sujeição passiva, que possui

implicação direta no eixo temático aqui explorado.

Assim, buscou-se tratar sobre a responsabilidade tributária, forma de

sujeição passiva à qual se dedica prioritariamente esta dissertação.

Chega-se, por fim, ao capítulo em que os vários argumentos que

foram aventados anteriormente serão analisados em conjunto para que se chegue a

uma resposta sobre a responsabilização tributária dos grupos econômicos.

Repisa-se que as regras que tratam sobre responsabilidade por

sucessão, responsabilidade de terceiros e responsabilidade por infrações, ou seja,

aquelas impressas no Código Tributário Nacional, não se prestam para o

enquadramento dos grupos econômicos como responsáveis tributários, o que já se

consignou no capítulo precedente.

Estes tipos de responsabilidade dirigem-se às pessoas físicas que

integrem as sociedades empresárias, não podendo sofrer interpretações mais

amplas de seu conteúdo, sob pena de se ferir o princípio da tipicidade legal.

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A par disso, ainda restam os incisos do artigo que trata sobre a

solidariedade passiva, art. 124 do Código Tributário Nacional.

Isso porque, recentemente, o constante declínio das contas do

Estado, fizeram com que as Fazendas Públicas passassem a analisar

apuradamente as sociedades empresariais, tornando a fiscalização maior. O

resultado disso foi a constatação de complexas estruturas grupais que, em sua

grande maioria, não possuem qualquer tipo de formalização.

Logicamente, dentro desse esforço do Fisco em arrecadar mais,

criam-se modelos normativos para que se possa requerer ao Poder Judiciário a

responsabilização desses conjuntos societários complexos, mas que, todavia, nem

sempre se utilizam de meios legais adequados, criando situações de extrema

insegurança jurídica por sua inventividade, ainda que o pressuposto básico continue

sendo o da despersonalização dos grupos econômicos. Ou seja, essas entidades

não são sujeitos de deveres e obrigações, pois desprovidos de personalidade

jurídica, permanecendo a individualidade de cada um de seus membros.

O que deveria ser feito, ao invés da tentativa (muitas vezes forçada)

de enquadrar os grupos econômicos em tipos legais que, ora não são adequados,

ora não se aplicam a seara tributária, era uma maior dedicação à análise probatória

pelo sujeito ativo, demonstrando de forma cabal a vinculação existente entre as

sociedades componentes de grupos econômicos, o que em poucos casos é feito,

baseando-se os pedidos fazendários em suposições e indícios que acabam

causando imbróglios judiciais enormes, já que os meios de defesa em execuções

fiscais não são largos como em processos de conhecimento.

O resultado dessa sanha arrecadatória é a repetição de propostas

do Fisco potencialmente capazes de atribuir responsabilidade tributária aos grupos

econômicos, mas que não resistem a uma observação mais apurada.

Desta feita, passa-se a uma análise desses modelos mais

frequentes de atribuição de responsabilidade aos grupos econômicos.

6.2 Proposições normativas envolvendo o art. 124 do CTN

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Como já analisado no Capítulo V, a solidariedade passiva está

presente em uma relação jurídica quando houver um conjunto de devedores que

respondam pela totalidade da prestação, podendo a íntegra deste valor ser exigida

de apenas um deles, sem qualquer benefício de ordem.

O dispositivo do art. 124 do Código Tributário Nacional, em seus

dois incisos, trabalha as hipóteses de solidariedade na seara tributária: no inciso I,

estabelece-se a solidariedade tributária entre todos os sujeitos que tenham interesse

comum no fato jurídico tributário; no inciso II, se afirma que também serão

solidariamente obrigados aqueles que sejam designados por lei.

Recapituladas essas premissas, inicia-se a análise pelo inciso II.

6.2.1 O art. 124, II, do CTN e solidariedade instituída pela Lei n.º 8.212/91

A questão que aqui se debaterá já foi mencionada no tópico 5.3.2,

quando foi dado o exemplo de um situação em que a solidariedade é instituída de

forma completamente estranha ao fato tributário.

Essa norma contida no art. 30, inciso IX, da Lei n.º 8.212/91,

conhecida como Lei de Custeio da Seguridade Social, é a única que trata

expressamente de solidariedade entre sociedades empresárias de um grupo

econômico dirigida ao direito tributário e trata especificamente sobre divida fiscal que

tenha como origem as contribuições nela instituídas, ou seja, não se pode aplicar

esse dispositivo a todos os tributos.

Foi visto no Capítulo III que permanece o apreço do ordenamento

pela autonomia da personalidade jurídica, deixando apenas de constituir um dogma

intocável, já que a sociedade deve ser usada para propósitos legítimos, punindo-se

sua perversão. Assim, se os fins da entidade forem desvirtuados, não se pode fazer

prevalecer a regra da separação entre os patrimônios da pessoa jurídica e os de

seus membros.

A doutrina e a jurisprudência têm buscado estabelecer parâmetros

rígidos para a incidência da desconsideração, para que ela, que surgiu como uma

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evolução ao combate de condutas ilícitas, não se torne prejudicial ao instituto da

pessoa jurídica, uma das maiores e mais importantes criações do Direito.

Um acórdão notável do Supremo Tribunal Federal, que, entre outros

assuntos pertinentes, trata da manutenção da autonomia patrimonial das pessoas

jurídicas em relação aos seus integrantes, merece menção nesse ponto.

Ao apreciar Recurso Extraordinário que discutia, com repercussão

geral, a constitucionalidade da Lei n.º 8.620/93, a qual continha, em seu art. 13 e seu

parágrafo único160, dispositivos que possibilitavam responsabilizar solidariamente, e

com seus bens pessoais, o titular de firma individual e os sócios de empresas por

quotas de responsabilidade limitada por débitos junto à Seguridade Social, disse o

Supremo:

(...)

6. O art. 13 da Lei 8.620/93 não se limitou a repetir ou detalhar a regra de responsabilidade constante do art. 135 do CTN, tampouco cuidou de uma nova hipótese específica e distinta. Ao vincular à simples condição de sócio a obrigação de responder solidariamente pelos débitos da sociedade limitada perante a Seguridade Social, tratou a mesma situação genérica regulada pelo art. 135, III, do CTN, mas de modo diverso, incorrendo em inconstitucionalidade por violação ao art. 146, III, da CF. 7. O art. 13 da Lei 8.620/93 também se reveste de inconstitucionalidade material, porquanto não é dado ao legislador estabelecer confusão entre os patrimônios das pessoas física e jurídica, o que, além de impor desconsideração ex lege e objetiva da personalidade jurídica, descaracterizando as sociedades limitadas, implica irrazoabilidade e inibe a iniciativa privada, afrontando os arts. 5º, XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição. 8. Reconhecida a inconstitucionalidade do art. 13 da Lei 8.620/93 na parte em que determinou que os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada responderiam solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social. 9. Recurso extraordinário da União desprovido. 10. Aos recursos

160 Art. 13. O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social.

Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa.

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sobrestados, que aguardavam a análise da matéria por este STF, aplica-se o art. 543-B, § 3º, do CPC.161

Com isso, restaram proclamados, com efeito vinculante, dois fatos

que têm profunda implicância para o debate:

(i) o legislador não pode, sob pena de infração aos arts. 5º, XIII, e 170,

parágrafo único, da Constituição da República, eliminar a autonomia

patrimonial da pessoa jurídica em relação a seus sócios. O STF blindou o

princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica contra inovações do

legislador, devendo-se, pois, interpretar o Código Civil em vigor como se

contivesse norma nesse sentido;

(ii) o art. 13 e seu parágrafo único, da Lei n.º 8.620/93, se imiscuíram em

seara incompatível com sua forma (lei ordinária), ao colocarem no polo

passivo da demanda fiscal terceiro estranho à relação, sem que sobre ele

recaísse qualquer problema relativo à fraude ou dolo. O veículo introdutor,

de acordo com as regras básicas sobre normas de estrutura, para esse

tipo de inovação deveria ser uma lei complementar, o que não foi feito

pelo legislador, violando frontalmente os dispositivos do art. 146, III, b, da

Constituição, por se tratar, em verdade, de um novo tipo de obrigação

tributária.

Com essas informações, parece ser totalmente inviável que o Fisco,

para embasar execuções fiscais contra sociedades integrantes de grupos

econômicos, defenda o uso do art. 30, IX, da Lei n.º 8.212/91, cuja redação enuncia:

Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:

(...)

IX - as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta Lei; (Grifou-se)

161 STF, RE 562276, Relatora Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado 03/11/2010, repercussão geral – mérito, publicado em 10/02/2011. Grifou-se.

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Vê-se de forma cristalina que incorreu o legislador, nesta lei, nos

mesmos problemas daquela legislação analisada pelo Supremo Tribunal Federal.

Ao vincular à simples condição de pertencimento a um agrupamento

de sociedades a obrigação de responder solidariamente pelos débitos, percebe-se

claramente que o legislador ordinário (frise-se) na verdade ampliou o polo passivo

dos tributos instituídos por esta lei, valendo-se do comando do art. 124, II, do Código

Tributário Nacional. Isto, na verdade, é, disfarçada de solidariedade, uma forma de

responsabilizar tributariamente os grupos econômicos.

Não se dá ao legislador ordinário ampla liberdade para impor a

sujeição passiva que arbitrariamente desejar. Aceitar isso seria fazer ruir parte

relevante das limitações ao poder de tributar e à distribuição de competências

tributárias. Mesmo o inciso II do art. 124 requer, em regra, que o sujeito passivo

eleito tenha relação com a hipótese de incidência realizada e/ou com o contribuinte.

Jimir Doniak Júnior, em artigo sobre o tema, corrobora:

Integrar um grupo econômico não é um indicativo de ter relação com a hipótese de incidência. É igualmente questionável que existam condições de repassar os custos do tributo. Com efeito, embora empresas possam ter relações societárias próximas e até intensas, elas frequentemente têm sócios parcialmente distintos (minoritários de cada empresa). De qualquer modo, os interesses são autônomos e até conflitantes.

Por tais motivos, o inciso II do art. 124 do CTN também não autoriza o art. 30, IX, da Lei nº 8.212/91.162

Acrescenta ainda o jurista citado:

A nosso ver, esse dispositivo da Lei nº 8.212/91, ao prever a sujeição passiva solidária pela mera participação em um grupo econômico, estabelece de forma transversa uma automática desconsideração da personalidade jurídica, ainda que parcial. Para efeito das contribuições tratadas na Lei nº 8.212/91, a personalidade jurídica de cada empresa integrante de um grupo econômico esvanecer-se-ia e o grupo passaria a ser tratado como se fosse uma só pessoa, um só contribuinte. Ocorre que dar esse tratamento normativo é tratar de

162 DONIAK JR, Jimir. In MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord). Grupos econômicos. Porto Alegre: Magister, 2015, p. 598.

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sujeição passiva, e de forma não permitida pelo CTN. Como visto, este nada prevê quanto a estabelecer uma automática sujeição passiva solidária pelos simples fato de pertencer a um grupo econômico.163

É válido para este caso, portanto, o argumento da Ministra Ellen

Gracie no julgado acima transcrito: o art. 30, IX, da Lei 8.212/1991, também deve ser

considerado materialmente inconstitucional, porquanto não é dado ao legislador estabelecer confusão entre os patrimônios de pessoas jurídicas distintas, impondo desconsideração ex lege e objetiva da personalidade jurídica de cada uma das sociedades empresariais, sem que esteja presente seu requisito básico, qual seja, o abuso de personalidade, implicando conduta irrazoável, que inibe a iniciativa privada de procurar meios para manutenção e concorrência no mercado.

Sintetizando o arrazoado, segue a lição de Robson Maia Lins164:

Seja, portanto, pelo caminho da inconstitucionalidade formal ao usar lei ordinária quando o correto seria o veículo complementar, seja pela responsabilidade objetiva que pretende a lei previdenciária instalar ao relacionar as empresas integrantes de mesmo grupo econômico como responsáveis solidárias, os motivos que levaram o Supremo a declarar a inadmissibilidade do art. 13 da Lei nº 8.620/93 também se confirmam no exame do art. 30, IX, da Lei nº 8.212/91.

Por fim, ainda pode-se alegar ofensa ao princípio federativo,

trabalhado no Capítulo II dessa dissertação, que garante isonomia entre as pessoas

de Direito Público interno, já que a União, aqui tida em sua acepção como ente

parcial, através da edição de Lei Ordinária n.º 8.212/91, ampliou, no inciso IX do art.

30 desta lei o rol de contribuintes sujeitos ao pagamento de contribuições

previdenciárias. Não poderia um ente federado, por respeito aos demais, seus

pares, ampliar dessa forma o quadro de sujeição passiva de uma exação que só o

beneficia.

163 DONIAK JR, Jimir. In MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord). Grupos econômicos. Porto Alegre: Magister, 2015, p. 598. 164 LINS, Robson Maia. In MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord). Grupos econômicos. Porto Alegre: Magister, 2015, p. 788.

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Tal ato traz insegurança jurídica, ao passo que outros entes políticos

podem começar a editar normas que desdobrem a sujeição passiva dos tributos que

lhes competem, o que traria prejuízos à sociedade. Nesse sentido, escreve José

Artur Lima Gonçalves165:

Não basta, portanto, que a eleição do sujeito passivo seja veiculada por lei. Essa indicação é limitada, em nosso entender, pela própria Constituição. Esse diploma, de maneira mais ou menos flexível, indica os possíveis sujeitos passivos, ou as possibilidades que o legislador infraconstitucional tem para elegê-los, sempre sob a sombra do Princípio da Isonomia.

Ocorrendo desrespeito à isonomia entre os entes federado, leis

estaduais que regulamentam o ICMS poderiam ampliar seu rol de contribuintes,

através de supostas solidariedades, afetando aqueles que estão submetidos, por

exemplo, ao pagamento de ISS, de competência municipal (o que, atualmente, já é

causa de grandes debates) e então o sistema entraria em um caos completo.

Em verdade, parece pouco provável que outro ente federado, por

mais que se fale em paridade entre eles, venha a editar uma regra nesse sentido,

tendo em vista que a competência residual que lhes resta é pouca, sendo os

impostos estaduais, municipais e distritais suas principais fontes de arrecadação, e,

em se tratando de impostos, havendo verdadeira vedação pelo texto do art. 146, III,

a, da Constituição da República.

Fica, portanto, patente a inconstitucionalidade da disposição legal

em comento por: (i) vício formal, tendo em vista que não obedeceu às regras de

introdução no sistema determinadas pelas normas de estrutura, em violação ao art.

146, III, b, da Constituição da República e art. 124, II, do Código Tributário Nacional;

(ii) vício material, por estabelecer a desconsideração objetiva das pessoas jurídicas

agrupadas, desrespeitando seus direitos de personalidade e autonomia e os

enunciados dos artigos 5º, XIII e 170 da Lei Maior, além da (iii) violação ao princípio

federativo, em decorrência da quebra de isonomia, sendo, portanto, inaplicável aos

grupos econômicos. 165GONÇALVES, José Artur Lima. Princípios informadores do critério pessoal da regra-matriz de incidência tributária. In RDT n.º 23/24, p. 261.

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6.2.2 Responsabilidade com base no art. 124, I, do CTN

Com se viu acima, ainda que o art. 30, IX, da Lei n.º 8.212/91 não

tenha sido declarado inconstitucional estando apto a produzir efeitos na ordem

jurídica, sua aplicabilidade restringe-se às contribuições previdenciárias nele

retratadas.

Sendo assim, em função de tal restrição, esse modelo normativo

torna-se insuficiente aos desígnios arrecadatórios, motivando novos esforços

interpretativos por parte do Fisco no que tange à responsabilização tributária de

grupos econômicos, conduzindo à utilização da norma de responsabilização indireta

contida no art. 124, I, do Código Tributário Nacional.

Sobre este dispositivo, já houve no tópico 5.3.1 amplo debate quanto

à sua redação que fala sobre “as pessoas que tenham interesse comum na situação

que constitua o fato gerador da obrigação principal”.

A celeuma reside na definição do que seria esse “interesse comum”

e se é bastante para caracterizá-lo ser integrante de um grupo econômico.

Ficou consignado que “ter interesse comum no fato gerador”, não

pode ser interpretado no sentido de comunhão de interesse econômico, já que a

delimitação jurídica do fato tributável e da sujeição passiva, marcados pela

tipificação da estrita legalidade, impede que o intérprete amplie o polo passivo da

obrigação com fulcro em conceitos extrajurídicos.

Nessa linha, demonstrou-se em tópico próprio que tanto a doutrina

quanto a jurisprudência rechaçam a interpretação de interesse comum como sendo

sinônimo de interesse econômico, exigindo que a solidariedade advenha de

interesse jurídico compartilhado. Ainda assim, seguem os ensinamentos de Paulo de

Barros Carvalho166:

(...) o interesse comum dos participantes no acontecimento factual

166 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 386.

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não representa um dado satisfatório para a definição do vínculo da solidariedade. Em nenhuma dessas circunstâncias cogitou o legislador desse elo que aproxima os participantes do fato, o que ratifica a precariedade do método preconizado pelo inc. I do art 124 do Código. Vale, sim, para situações em que não haja bilateralidade no seio do fato tributado, como, por exemplo, na incidência do IPTU, em que duas ou mais pessoas são proprietárias do mesmo imóvel. Tratando-se, porém, de ocorrências em que o fato se consubstancie pela presença de pessoas em posições contrapostas, com objetivos antagônicos, a solidariedade vai instalar-se entre sujeitos que estiveram no mesmo polo da relação, se e somente se for esse o lado escolhido pela lei para receber o impacto jurídico da exação. É o que se dá no imposto de transmissão de imóveis, quando dois ou mais são os compradores; no ICMS, sempre que dois ou mais forem os comerciantes vendedores; no ISS, toda vez que dois ou mais sujeitos prestarem um único serviço ao mesmo tomador.

Aplicando-se o raciocínio acima aos grupos econômicos, constata-se

que somente haverá solidariedade entre seus integrantes quando tais sujeitos

participem na constituição do fato jurídico tributário. Ser parte de um grupo

econômico, de per si, não representa a existência de um vínculo de solidariedade.

Isso é reflexo da autonomia de cada integrante, lembrando-se aqui

da Exposição de Motivos da Lei das Sociedades anônimas, citado no tópico 3.6.1,

ao tratar do grupos econômicos:

(...) tal solidariedade, se estabelecida em lei, transformaria as sociedades grupadas em departamentos da mesma sociedade, descaracterizando o grupo, na sua natureza de associação de sociedades com personalidade e patrimônio distintos.

Em tratando-se de grupos lícitos, nos grupos econômicos de direito

ou de fato, talvez seja até mais fácil caracterizar esse acontecimento. Todavia, o

primeiro, como visto, é raro, e, quanto ao segundo, pode-se dizer que dificilmente

todas as pessoas jurídicas que o componham tenham interesse jurídico comum em

um específico fato tributário: é possível que uma sociedade que detenha controle de

outra possa ter esse interesse, mas daí a concluir que todas as outras do mesmo

grupo, com menor nível de participação, também o tenham, parece bastante

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improvável. Inclusive o fato de haver ligações acionárias entre as sociedades,

tampouco basta, como já julgou o Superior Tribunal de Justiça167:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS. EXECUÇÃO FISCAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. EMPRESAS PERTENCENTES AO MESMO CONGLOMERADO FINANCEIRO. SOLIDARIEDADE. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 124, I, DO CTN. NÃO-OCORRÊNCIA. DESPROVIMENTO. 1. "Na responsabilidade solidária de que cuida o art. 124, I, do CTN, não basta o fato de as empresas pertencerem ao mesmo grupo econômico, o que por si só, não tem o condão de provocar a solidariedade no pagamento de tributo devido por uma das empresas" (HARADA, Kiyoshi. "Responsabilidade tributária solidária por interesse comum na situação que constitua o fato gerador"). 2. Para se caracterizar responsabilidade solidária em matéria tributária entre duas empresas pertencentes ao mesmo conglomerado financeiro, é imprescindível que ambas realizem conjuntamente a situação configuradora do fato gerador, sendo irrelevante a mera participação no resultado dos eventuais lucros auferidos pela outra empresa coligada ou do mesmo grupo econômico. 3. Recurso especial desprovido.

Quanto aos grupos não regulados, torna-se ainda mais difícil

constatar a atuação conjunta na realização do fato jurídico tributário, tendo em vista

que deverá haver um conjunto probatório muito contundente para sua

demonstração. Ensina Ives Gandra da Silva Martins168:

(...) empresas integrantes de um mesmo ‘grupo econômico’, desvinculadas em suas ações, objetivos, atos ou fatos geradores de tributos, não estão sujeitas à solidariedade e, por consequência, ao redirecionamento da dívida tributária.

Todo esse arrazoado dedica-se aos grupos lícitos. A ilicitude não

deve ficar impune: em casos de fraude, é certo que os envolvidos deverão ser

167 STJ, REsp 834.044/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJe 15/12/2008. Grifou-se 168 MARTINS, Ives Gandra da Silva. In MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord). Grupos econômicos. Porto Alegre: Magister, 2015, p. 37.

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penalizados. Mas o art. 124, I, do CTN, não é o fundamento correto para que isso

seja feito, como assevera Maria Rita Ferragut169:

O art. 124, I, do CTN, é o fundamento legal frequente e equivocadamente utilizado para corresponsabilizar grupos econômicos na hipótese de fraude, muito embora esta norma regule tão somente a prática comum do fato gerador, em que o ilícito não se encontra presente. Não deve ser aplicado, portanto, na responsabilidade dos grupos pelo passivo fiscal de seus componentes.

O que não se pode admitir é a presunção de que fazer parte de um

grupo econômico seja algum tipo de ilicitude, como parecem crer as Fazendas

Públicas.

Sendo assim, a solidariedade tratada no art. 124, I, do CTN só

poderá ser utilizada para responsabilizar um grupo econômico quando houver prova

de que todos os seus componentes agiram para a realização do fato jurídico

tributário. Caso apenas alguns dos integrantes tenham agido nesse sentido, a

responsabilidade será parcial e particular de quem competiu para a geração do fato,

não sendo permitida a generalização da exação apenas com base em pertencer ao

agrupamento.

6.3 Proposições normativas envolvendo a desconsideração da personalidade jurídica

Superados os argumentos baseados no dispositivo da solidariedade

tributária, outra forma encontrada pelas Fazendas Públicas para atingir integrantes

de um grupo econômico é pela desconsideração da personalidade jurídica, inserida

no art. 50 do Código Civil.

Esse tema já foi alvo de estudo no tópico 3.4, todavia de forma

genérica, além de ter sido demonstrado no tópico 6.2.1 que ele também interessa no

169 FERRAGUT, Maria Rita. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica e os grupos econômicos In CONRADO, Paulo Cesar. ARAÚJO, Juliana Furtado Costa (coord). O Novo CPC e seu impacto no direito tributário. São Paulo: Fiscosoft, 2015, p. 20.

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momento em que se atribui “solidariedade”, tolhendo a autonomia da pessoa

jurídica.

É de suma importância, repise-se, que o jurista tenha em mente que

a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é uma ferramenta

excepcional que só deve ser usada em casos extremos em que se constate o abuso

de personalidade que se caracteriza pelo desvio de finalidade ou pela confusão

patrimonial, nos termos do art. 50, já mencionado.

Importante mencionar uma particularidade quanto à aplicação da

teoria da desconsideração da personalidade jurídica sobre grupos econômicos, já

que nesses casos a aplicação do instituto deve se dar de forma “inversa”, de acordo

com a nomenclatura que se tornou comum na doutrina e na jurisprudência.

Isso porque, quando se fala em desconsideração da personalidade

jurídica, conforme estabelecido no Código Civil, na parte final do art. 50, é dito que

“os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos

bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. Isto quer dizer

que mesmo que se usasse a disregard doctrine nos casos de grupos econômicos,

ela poderia ser uma medida de pouca ou nenhuma efetividade.

Explica-se: a depender do tipo de grupo econômico, desconsiderar

uma pessoa jurídica, pode efetivamente atingir uma outra sociedade, desde que elas

sejam coligadas e controladas, como já estudado no tópico 3.5.1.2.

Num grupo de direito, onde existe uma convenção, a media poderia

ser realmente efetiva, mas como já dito, esse tipo é praticamente inexistente no

mercado brasileiro. Para o grupo de fato, onde as empresas são coligadas, a

depender da forma de participação, alguns sócios podem acabar sem sofrer as

consequências da conduta ilícita.

Por fim, em se tratando de um grupo não regulado, em que não haja

qualquer vínculo formal entre as empresas, mas tão somente uma influência

dominante, como uma “mão invisível” sobre os negócios, desconsiderar a

personalidade jurídica de uma pessoa específica parece ter efeito praticamente nulo

sobre as demais, que continuariam sendo pessoas jurídicas autônomas.

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Pensando nisso, e levando em conta qual é a real premissa da teoria

da desconsideração da personalidade jurídica, que é punir a desvirtuação das

pessoas jurídicas em prejuízo do meio social, é amplamente aceita a

desconsideração inversa da personalidade jurídica: se no processo de

desconsideração é “levantado o véu” que protege a pessoa jurídica, de modo

inverso, é como se fosse “posta uma lona” sobre todas essas sociedades

empresárias (pessoas jurídicas que componham o grupo econômico).

Grosso modo, assemelha-se a situação em que todas as pessoas

jurídicas atuassem como “sócios” de um grande empresa, quando estão agindo de

forma a potencializarem seus lucros (fim econômico), porém, se valem dos direitos

de personalidade da pessoa jurídica reconhecidas pelo direito, como forma de

evitarem a tributação, quando atuarem de forma ilícita.

Quem primeiro tratou sobre o assunto foi Fábio Konder Comparato,

afirmando que “a desconsideração da personalidade jurídica não atua apenas no

sentido da responsabilidade do controlador por dívidas da sociedade controlada,

mas também em sentido inverso, ou seja, no da responsabilidade desta última por

atos do seu controlador”170.

Na mesma linha, ensina Maria Rita Ferragut171:

A desconsideração da personalidade jurídica pode ser tanto tradicional como inversa. Ao tratarmos de grupos econômicos, interessa-nos a modalidade inversa, que se caracteriza pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente ao que ocorre na desconsideração “tradicional”, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações dos sócios ou administradores.

Há ainda jurisprudência na linha defendida. A esse respeito, segue

decisão do Superior Tribunal de Justiça172:

170 COMPARATO, Fábio Konder. FILHO, Calixto Salomão. O poder de controle na sociedade anônima. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 464. 171 FERRAGUT, Maria Rita. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica e os grupos econômicos In CONRADO, Paulo Cesar. ARAÚJO, Juliana Furtado Costa (coord). O Novo CPC e seu impacto no direito tributário. São Paulo: Fiscosoft, 2015, p. 07.

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PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. ART. 50 DO CC/02. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA. POSSIBILIDADE. (...) III - A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. IV - Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma. V - A desconsideração da personalidade jurídica configura-se como medida excepcional. Sua adoção somente é recomendada quando forem atendidos os pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito estabelecidos no art. 50 do CC/02. Somente se forem verificados os requisitos de sua incidência, poderá o juiz, no próprio processo de execução, “levantar o véu” da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens da empresa. VI - À luz das provas produzidas, a decisão proferida no primeiro grau de jurisdição, entendeu, mediante minuciosa fundamentação, pela ocorrência de confusão patrimonial e abuso de direito por parte do recorrente, ao se utilizar indevidamente de sua empresa para adquirir bens de uso particular. VII - Em conclusão, a r. decisão atacada, ao manter a decisão proferida no primeiro grau de jurisdição, afigurou-se escorreita, merecendo assim ser mantida por seus próprios fundamentos. Recurso especial não provido.

Toda essa argumentação serve apenas para demonstrar algo que já

se encontra positivado: com o novo Código de Processo Civil, a desconsideração

inversa tornou-se realidade no ordenamento pátrio, tendo em vista a redação do §2º

do art. 133:

Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

(...)

172 STJ, REsp 948.117/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 03/08/2010.

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§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Dessa forma, pode-se concluir que, quando se tratar do uso especial

da desconsideração da personalidade jurídica com o fito de atingir um grupo

econômico, é bom ter-se em mente que se está falando da modalidade inversa.

A excepcionalidade dessa medida – desconsideração da

personalidade jurídica – relevando-se as proteções que lhe conferem o direito da

personalidade, é fundamental na manutenção da segurança jurídica, como já ficou

demonstrado no Capítulo III, pela importância que esses entes morais possuem na

sociedade. Deve sempre haver um conjunto probatório robusto, para que se aplique

a desconsideração da personalidade jurídica.

Atualmente, a questão vem tendo maior destaque, já que o tema

ganha tratamento processual específico com a introdução do novo Código de

Processo Civil, que traz uma ferramenta sem precedentes na codificação anterior,

entre seus artigos 133 e 137, que é o Incidente de Desconsideração da

Personalidade Jurídica.

Vale lembrar ainda que antes da positivação da desconsideração da

personalidade jurídica no Código Civil em 2002, já havia dispositivos em outros

documentos normativos tratando desse instituto, porém sua introdução na Lei

Material Civil deu outros contornos ao tema, que começou a ser usado em maior

escala, inclusive em outros ramos do direito, como o tributário.

Um caso emblemático de legislações anteriores e que já foi usado

nesse sentido é o do art. 2º, §2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que merece

atenção pelo seu uso indiscriminado.

6.3.1 Impossibilidade do uso da norma trabalhista na desconsideração da personalidade jurídica para fins tributários

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Alguns autores alegam que a teoria da desconsideração, mesmo

antes do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil de 2002, já encontrava

previsão no ordenamento brasileiro por força do que prescreve a norma contida no

§2º do art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que tem como redação:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

(...)

§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

Essa norma, como se pode depreender de sua leitura, determina a

solidariedade, em relação às obrigações trabalhistas173, das empresas que

eventualmente componham um grupo econômico, independente da verificação, no caso concreto, de abuso ou fraude e sendo assim, não se trata de hipótese de

desconsideração da personalidade jurídica: se está diante de mera hipótese legal de

solidariedade obrigacional.

A redação do dispositivo não estabelece o pressuposto da

ocorrência de fraude ou dolo, mantém o reconhecimento da distinção das

personalidade jurídicas das empresas (portanto, não as desconsidera), tratando-se

apenas de responsabilidade civil com responsabilização solidária das sociedades

que pertençam ao mesmo grupo.

O que se verifica é a presença do princípio trabalhista da

hipossuficiência do trabalhador, que impregna as leis dessa seara, estipulando-se

uma regra de proteção ao empregado, que em sua demanda laboral, tem estendida

173 É de bom alvitre lembrar, que, apesar da unicidade do Direito, existe a separação pela dogmática. Quanto às normas elencadas na CLT, ainda pode-se afirmar que, em seu art. 1º, deixou-se claro que as regras lá contidas referem-se tão-somente às relações de trabalho, quando é dito que a “Consolidação estatui as normas que regulam as relações individuais e coletivas de trabalho, nela previstas”, excluindo-se da competência daquele diploma qualquer interferência nas relações, v.g., tributárias, consumeristas, penais etc.

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sobre todas as empresas do grupo, o direito de perseguir aquilo que lhe seja

devido174.

Frise-se ainda que, mesmo havendo o reconhecimento por órgão

judicante trabalhista de existência de um grupo econômico175, ele não tem força

vinculante em outras esferas normativas, por expressa regra do Código Civil, que

em seu art. 265 estabelece que “solidariedade não se presume; resulta de lei ou

vontade das partes” e não se pode conceber a aplicação de uma lei do trabalho,

com todas as suas particularidades, a um processo de execução fiscal que é regido

por outras tantas totalmente estranhas.

Ives Gandra da Silva Martins176, traz preciosa lição sobre o tema:

As leis tributárias não se confundem com as trabalhistas. As tributárias têm regras próprias de interpretação distintas das que vigoram para as regras trabalhistas. Quando da consolidação do direito social no Brasil, após as duas primeiras Constituições sociais no mundo (mexicana, 1917, Weimar 1919), o direito social ou trabalhista foi considerado um direito de proteção à parte mais fraca da relação de emprego, ou seja, o trabalhador. Esta é a razão pela qual, os tribunais, na dúvida, decidem a favor do trabalhador, sendo da essência do direito a defesa do denominado “hipossuficiente”, na linguagem do Mestre Cesarino Jr., ou seja, sem a proteção do Estado, não teria como se defender.

Na relação tributária, ocorre o contrário. O Estado todo poderoso, em função de suas necessidades, determina o que bem entende na relação, tornando o contribuinte mero pagador de tributos. Não tinha direitos no passado, na época dos escravos da gleba. Hoje, tem cada vez menos direitos, em função das necessidades, grande parte delas de mera burocracia, propiciando o nível de corrupção existente no Brasil, cujos detentores do poder (...) estão mais interessados em

174 “O conceito [de grupo econômico] se reveste de relativa informalidade no âmbito laboral, na medida em que se presta, essencialmente, a ampliar as garantias de satisfação do crédito de natureza alimentar. Em decorrência disso, não há necessidade, como em outros ramos do direito, de provar a existência de uma relação de dominação entre as integrantes do grupo, com uma das empresas (dominantes) exercendo direção ou controle sobre as filiadas. É suficiente identificar a presença de liames subjetivos ou objetivos que sugiram a existência de uma relação de coordenação entre os entes coligados, de forma a lhes imprimir orientação empresarial comum (TRT 2ª Região, Proc. n.º 2000.0256840, 8ª Turma, Rel. Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva, publicado em 13/06/2000).” 175 “[…] SOLIDARIEDADE. GRUPO ECONÔMICO. – O conceito de grupo econômico aqui examinado é estritamente trabalhista. A abrangência objetiva dessa figura jurídica não ultrapassa, pois, o Direito do Trabalho, não possuindo tal tipo legal efeitos de caráter civil, tributário, comercial ou de qualquer outro ramo do Direito [...]. (TST, AIRR - 785822-27.2001.5.09.5555 , Relatora Ministra: Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, Data de Julgamento: 22/10/2008, 3ª Turma, publicado em 21/11/2008).” 176 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Grupos econômicos e responsabilidade tributária. In: Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 236, p 101/102.

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obter o poder e mantê-lo, sendo a prestação de serviços públicos um mero efeito colateral e não necessário.

Sacha Calmon Navarro Coelho177 é adepto do mesmo pensamento,

quando se refere ao uso do art. 2º, §2º da CLT para imputação de responsabilidade

tributária ao grupo econômico:

O dispositivo baseia-se na lógica trabalhista em que se encontra arraigada a concepção de hipossuficiência do empregado em relação ao empregador, notadamente quando se trata de ente empresarial. Nada mais inadequado, afinal, no âmbito do direito tributário, a sociedade empresária, embora figure como sujeito passivo da obrigação tributária, tal como figura na obrigação pecuniária trabalhista, assume posição nitidamente hipossuficiente, uma vez que seu sujeito ativo é ninguém menos que o Estado, a Fazenda Pública, ente cuja força política e econômica não é dado a qualquer pessoa do direito privado conseguir se equiparar (...)

Não se pode crer – mesmo tendo-se em mente não se tratar de

hipótese de desconsideração da pessoa jurídica – na afirmação de que a

solidariedade estabelecida nesse dispositivo legal, pode ser estendido para a seara

tributária, para que os grupos econômicos tornem-se corresponsáveis pelo tributo:

as normas trabalhistas são postas por leis ordinárias, que disciplinam a

reponsabilidade dos empregadores enquanto tais. Determinações dessa natureza

não podem ser aplicadas às obrigações tributárias, regidas por preceitos próprios,

no âmbito dos quais imperam os já mencionados princípios da estrita legalidade e

tipicidade tributária, assim como a necessidade de lei complementar que estabeleça normas gerais de direito tributário relacionadas à sujeição passiva, em consonância com o art. 146, III, da Constituição da República.

Diga-se, por oportuno, que a mesma argumentação usada para

negar que haja no contexto do Direito do Trabalho um enlace com a disregard

doctrine anterior às normas do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil,

pode ser usada para combater alegações de que os artigos 117 e 158 da Lei das

Sociedades Anônimas e o art. 135 do Código Tributário Nacional, sejam expressões

dessa teoria. Em todos esses dispositivos o que se vê são casos de 177 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. In MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord). Grupos econômicos. Porto Alegre: Magister, 2015, p. 160.

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responsabilidade pessoal pura e simples de sócios, administradores ou

assemelhados. Não se prevê nesses dispositivos o desvirtuamento da finalidade da

pessoa jurídica, regulando-se apenas as sanções aplicáveis a quem atuar de modo

lesivo à lei ou aos atos constitutivos, respondendo, na medida de suas

responsabilidade, tampouco se prestando para o caso dos grupos econômicos.

Enfim, pode-se afirmar de forma categórica que o pioneirismo, em

relação à acolhida legal no Brasil da doutrina da desconsideração da pessoa jurídica

se deu, primeiramente, com o Código de Defesa do Consumidor, dentro das

situações que regula, tendo o Código Civil alargado sua aplicação a qualquer caso

em que seja cabível, desde que haja o atendimento aos requisitos vinculados em

seu art. 50.

Superada esta questão, passa-se a verificar como, usando-se a

disregard doctrine, um grupo econômico pode ser chamado aos autos em um

processo de execução fiscal.

6.3.2 O processo de execução fiscal envolvendo grupos econômicos

Como advertiu-se no tópico 3.4, a desconsideração da

personalidade jurídica somente poderá ser aplicada por ordem judicial. Configurado

o ilícito, surge a possibilidade de o magistrado desconsiderar os contornos dos atos

jurídicos praticados, atingindo-se indistintamente os bens particulares dos sócios.

Assim, importante que se demonstre o caminho processual para

tanto, repassando algumas lições sobre o processo de execução fiscal que também

serão aproveitadas mais adiante, quando se tratar do incidente de desconsideração.

Paulo Cesar Conrado178, de forma sucinta ensina que:

(...) fiscal é a execução que, a um só tempo, tem por sujeito ativo entidade inserida no conceito de Fazenda Pública (expressão que compreende as figuras denotativamente arroladas no art. 1º da Lei n. 6.830/80), e, por objeto, o valor qualificado como dívida ativa.

178 CONRADO, Paulo Cesar. Execução Fiscal. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2015, p. 25.

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Já se viu no Capítulo IV quem pode figurar como sujeito ativo nas

obrigações tributárias, sendo a União, Estados, Municípios, Distrito Federal e

respectivas autarquias, qualificando-se como dívida ativa qualquer valor cuja

cobrança seja atribuída por lei aos sujeitos mencionados, interessando para este

estudo, por óbvio, aqueles referentes a tributos.

A matriz normativa desse tipo de processo encontra-se na Lei n.º

6.830/80, conhecida como Lei das Execuções Fiscais (LEF), usando-se

subsidiariamente o Código de Processo Civil.

A petição inicial do processo de execução fiscal deverá conter em

seu bojo a Certidão de Dívida Ativa, que é o resultado do procedimento de

lançamento, sobre o qual se tratou no tópico 4.3, em que se define quem deverá ser

o sujeito passivo a responder por esta dívida. Em regra, a figura do devedor caberá

aquele que realizou o fato tributário, relacionando-se materialmente com o crédito

exequendo.

O art. 4º da LEF, em seus incisos, informa ainda sobre quem poderá

recair a execução fiscal, trazendo no inciso V que ela também poderá ser promovida

em face do “responsável, nos termos da lei, por dívidas tributárias ou não, de

pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado”. Ou seja, é deferido à

Fazenda Pública perseguir o valor da dívida tanto contra o contribuinte (devedor

ordinário), como contra pessoas fora dos limites desse vocábulo, mas que mantêm

algum vínculo reputado como relevante.

Como já visto, essa responsabilidade não implica necessariamente

um desaparecimento ou exclusão do contribuinte do polo passivo, havendo casos

em que o vínculo estabelecido entre os corresponsáveis pode se dar de forma

solidária ou subsidiária. Sendo assim, pode-se dizer que em muitos casos, em uma

execução fiscal tributária, poderá haver um litisconsórcio passivo, nos termos do que

preceitua o Código de Processo Civil em seu art. 113179.

Para que se possa instalar esse litisconsórcio já no inicio do

processo executivo, de acordo com o que já se reportou, a Certidão de Dívida Ativa

deverá conter tanto o nome do contribuinte, bem como o nome daquele a quem se 179 Correspondente ao art. 45 do CPC/1973.

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imputa a responsabilidade pelo débito conjuntamente (regras de responsabilidade

inseridas no CTN).

Não custa lembrar que o contribuinte presumidamente encontra-se

juridicamente vinculado ao fato imponível, enquanto que a canalização dessa

obrigação ao responsável tributário, deverá se demonstrar – para além do fato

gerador – por haver incorrido na prática de algum evento considerado

normativamente relevante para esse fim. Ou seja, para que exista essa

responsabilidade em um litisconsórcio inicial, deverá ser verificado se houve o

preenchimento de algum daqueles tipos estudados no tópico 5.4 e que estes

constem da Certidão de Dívida Ativa. Paulo Cesar Conrado corrobora com o

afirmado:

Portanto, para que uma dada pretensão executiva seja de plano direcionada em face de afirmado responsável, necessário que a respectiva inicial (nela incluída, reforce-se, a Certidão de Dívida Ativa), além do devedor, também o refira; se o fizer, dada a especial presunção de que se reveste, impor-se-á ao responsável o ônus de descaracterizar, formal e/ou materialmente, sua legitimidade/responsabilidade.

Dentro dessas circunstância, torna-se bastante improvável que um

grupo econômico possa vir a compor um litisconsórcio desde o início de um

processo de execução fiscal, constando na Certidão de Dívida Ativa, tendo em vista

que se demonstrou que nenhuma das categorias que constam no Código Tributário

Nacional dirigem-se a eles, não havendo enquadramento legal para tanto180.

Todavia, não se pode olvidar que o fato que implique

responsabilização de terceiro pode vir a surgir ou ser apurado no curso da execução

fiscal, após seu ajuizamento181. Nesses casos, ao invés de um direcionamento da

execução fiscal, ocorre um litisconsórcio ulterior, por meio de um redirecionamento. 180 O que pode ocorrer é que, juntamente com a petição inicial, seja feito um requerimento pelo sujeito ativo ou pelo Ministério Público, desde que haja motivação suficiente para tanto, cabendo o deferimento ao magistrado, o que será explicado adiante. A par disso, pode ocorrer essa situação caso as sociedades componentes do grupo tenham realizado o fato tributário em conjunto, nos termos do art. 124, I, conforme já se explicou, o que autoriza a inscrição conjunta em dívida ativa. 181 Exemplo disso pode ser visto na súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça, que prescreve: Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio gerente”.

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Percebe-se que o aparelhamento da execução contra o terceiro se dá por meio da

constatação intercorrente ao curso do processo de uma situação especial que

permite que a responsabilidade seja redirecionada contra si.

Nesse sentido, vislumbra-se, depois de uma descida ao universo

probatório, uma forma de se imputar a responsabilidade a um grupo econômico.

6.3.2.1 Responsabilidade patrimonial versus responsabilidade tributária

Viu-se no tópico precedente que a responsabilidade insculpida no

art. 4º, inciso V, da Lei de Execuções Fiscais é a que se entende propriamente como

responsabilidade tributária. Sendo assim, deverá atender a todos os requisitos que

já foram estudados nessa dissertação, fundamentando-se legalmente no Código

Tributário Nacional, em consideração à prescrição da Constituição da República

disposta no art. 146, III, em que está consignado que somente lei complementar

poderá dispor sobre normas gerais de direito tributário.

A par disso, deve-se lembrar que há um outro tipo de

responsabilidade que também é contemplada pela legislação processual, qual seja,

a responsabilidade patrimonial. Esse tipo de responsabilidade consta do Código de

Processo Civil, legislação usada de maneira subsidiária à Lei de Execuções Fiscais,

nos termos de seu art. 1º.

Incide em regra sobre o devedor (art. 789 do CPC/2015182), mas

pode também recair sobre terceiros, nos termos do que preceitua o art. 790 do

Código de Processo Civil183:

Art. 790. São sujeitos à execução os bens:

I - do sucessor a título singular, tratando-se de execução fundada em direito real ou obrigação reipersecutória;

II - do sócio, nos termos da lei;

III - do devedor, ainda que em poder de terceiros;

182 Correspondente ao art. 591 do CPC/1973. 183 Correspondente ao art. 592 do CPC/1973.

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IV - do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida;

V - alienados ou gravados com ônus real em fraude à execução;

VI - cuja alienação ou gravação com ônus real tenha sido anulada em razão do reconhecimento, em ação autônoma, de fraude contra credores;

VII - do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica. (Grifou-se)

Isso quer dizer que embora a execução deva se dar ordinariamente

sobre os bens dos legitimados prescritos no art. 4º da Lei n.º 6.830/80, englobando-

se aí os sujeitos passivos já tratados neste estudo – contribuintes e responsáveis

tributários –, nada impede o uso da lei processual civil para que se busque a

responsabilização patrimonial de outros. Sobre isso, alerta Paulo Cesar Conrado184:

Não se quer dizer, com isso, que novos legitimados passivos surgiram em função de sobreditos preceitos [do CPC/2015]. Não são (esses dispositivos) descritivos de legitimidade, mas sim da decantada responsabilidade patrimonial, espécie que permite a prática de atos de expropriação além do patrimônio dos que figuram na ação.

À primeira vista, pode parecer que essas colocações põem por terra

o estudo já feito sobre sujeito passivo, de acordo com toda a especificidade da

matéria tributária: como aceitar que a Fazenda Pública postule a execução do

patrimônio de alguém estranho ao fenômeno da sujeição passiva, modalidade, frise-

se, alvo de especial disciplina normativa reservada à lei complementar?

Para responder a este questionamento, deve-se buscar uma análise

mais minuciosa dos verdadeiros desígnios do art. 790 do Código de Processo Civil.

Esse patrimônio que se busca atingir, embora a princípio relacionados a terceiros,

acaba por se confundir com o da parte executada.

Exemplos disso encontram-se nos próprios incisos do referido artigo:

no inciso III, trata-se do bem do devedor que se encontra em poder de terceiro; no

inciso V, são atingidos aqueles alienados em fraude à execução; no inciso VI, fala-se 184 CONRADO, Paulo Cesar. Execução Fiscal. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2015, p. 61.

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na fraude contra credores; e no último, inciso VII, são tratados os responsáveis em

casos de desconsideração da personalidade jurídica.

Fica clara a tônica que a legislação buscou imprimir ao dispositivo,

conferindo-se meios de blindar o trespasse de bens a terceiros de forma fraudulenta,

em que se permite reconhecer que tais bens seguiriam afetados ao devedor: o

patrimônio do terceiro responde porque os bens que o integram são reconhecidos

como se do devedor fossem185.

Para este estudo, chama atenção o que se encontra disposto no

inciso VII do art. 790 do Código de Processo Civil186, destacado acima, que submete

os bens do responsável à satisfação do crédito em execução em casos de

desconsideração de personalidade jurídica.

Este responsável, adianta-se, não se confunde com os responsáveis

tributários já estudados, elencados no Código Tributário Nacional. Isso porque o

responsável tributário compõe o polo passivo da demanda, tendo seu nome gravado

na Certidão de Dívida Ativa (em regra), por sua condição de legitimado para

responder por aquele débito como devedor. Nesse sentido, pode-se dizer que o

sistema reconheceria um outro tipo de responsabilidade, considerada pertinente

para fins executórios, mas não para fins de legitimação passiva.

Logicamente, para que seja processualmente aceito esse

“responsável” de que estamos tratando, deve haver fundamento no direito

substantivo, tendo em vista que a função do direito processual é adjetiva. Como

exemplo disso, pode-se citar o art. 50 do Código Civil, já estudado no tópico 3.4,

mas que merece ser novamente transcrito:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (Grifou-se)

185 CONRADO, Paulo Cesar. Execução Fiscal. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2015, p. 61. 186 Esse dispositivo não possui correspondente no CPC/1973.

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Diante de situações que atentam contra a ordem jurídica, pode-se

estender os efeitos das obrigações sobre os bens particulares daqueles que se

envolvam na conduta ilícita perpetrada. Isso não implica dizer que essas pessoas

serão consideradas legitimadas passivamente: elas respondem como terceiros, com

seus bens, como forma de sanção, pois a partir do momento em que ocorre a

desconsideração da personalidade jurídica, os patrimônios se confundem,

permitindo a produção dos efeitos desejados pelo dispositivo.

O infrator não se coloca como sujeito passivo da obrigação fiscal,

mas vincula seus bens à satisfação desta, o que permite a desconsideração da

personalidade jurídica como possível de ocorrer dentro de um processo de execução

fiscal.

Dessa forma, é possível entender que os grupos econômicos que

incidam em condutas fraudulentas, obviamente diante de um conjunto probatório

bastante, nos termos do art. 50 do Código Civil, após decisão judicial, podem ser

chamados ao processo na condição de terceiros, de acordo com o art. 790, VII, do

Código de Processo Civil.

Ou seja, haverá o responsável tributário, sujeito passivo, e o

responsável patrimonial, chamado a responder como terceiro.

6.3.2.2 O incidente de desconsideração de personalidade jurídica: aplicação aos grupos econômicos

Pois bem, ficou claro que a teoria da desconsideração da

personalidade jurídica pode ser usada na execução fiscal para chamar o grupo

econômico ao processo, quando preenchidos os requisitos do abuso de

personalidade (desvio de finalidade e confusão patrimonial). Viu-se também que a

autorização processual para tanto está positivada no art. 790, VII, do Código de

Processo Civil.

Verificando o novel diploma processual civil, constata-se que o artigo

citado encontra-se geograficamente inserido no título que trata da “intervenção de

terceiros”. Ou seja, deferida a desconsideração da personalidade jurídica, aqueles

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que forem trazidos aos autos o farão nesta condição. Isso revela outras implicações,

afinal, quais os meios de defesa disponíveis? Poderão estas pessoas ter seus

nomes inscritos na dívida ativa, passando a sofrer todas as restrições que isso

impõe?

Na dinâmica processual anterior, a defesa do grupo, em vão,

recorria à exceção de pré-executividade como meio de defesa prévia, que, via de

regra, era rechaçada pelo órgão judicante, de acordo com o entendimento da

Súmula 393 do STJ187, que entende ser inviável o uso desse instrumento para

exclusão do responsável, tendo em vista a necessidade de dilação probatória. De

acordo com Maria Rita Ferragut188, esse fato causa embaraço ainda maior a estas

sociedades, pois:

(...) faz com que as pessoas jurídicas alegadamente integrantes de grupos econômicos tenham de aguardar muitos anos para ter seus argumentos e provas apreciados nos autos dos embargos à execução fiscal, em indiscutível mitigação do direito constitucional ao devido processo legal e ao contraditório, que não são meramente formais, e que não nos parece terem sido assegurados somente pela possibilidade de oposição dos embargos do devedor.

Afora isso, as pessoas corresponsabilizadas sujeitam-se à necessidade de oferecimento de bens para garantia do débito, ao Bacen-Jud, à certidão positiva de débitos, ao provisionamento da dívida, à indisponibilidade de bens etc. As consequências, muitas vezes, são devastadoras.

Percebe-se, dessa forma, que havia um hiato processual para a

defesa daqueles que sofriam sua inclusão no processo por meio da

desconsideração da personalidade jurídica, já que, a despeito do que prescreve o

art. 50 do Código Civil, não havia nenhum instrumento processual especificamente

voltado à identificação dessa forma de responsabilização patrimonial.

Talvez por este motivo o uso do art. 50 do CC sempre fosse feito

requerendo-se o redirecionamento da execução como se “surgisse” um novo

legitimado, o que não parece apropriado, em virtude de não se tratar de uma forma 187 Súmula 393 do STJ: “A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória”. 188 FERRAGUT, Maria Rita. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica e os grupos econômicos In CONRADO, Paulo Cesar. ARAÚJO, Juliana Furtado Costa (coord). O Novo CPC e seu impacto no direito tributário. São Paulo: Fiscosoft, 2015, p. 02.

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de sujeição passiva, mas de uma forma apenas de submeter o patrimônio do

infrator, por uma conduta ilícita.

Preenchendo essa lacuna normativa, o Código Civil de 2015

positivou instrumento processual específico para que a autoridade judicial aprecie o

pedido de desconsideração de personalidade jurídica: o Incidente de

Desconsideração de Personalidade Jurídica, encontrado entre os artigos 133 e 137

do diploma em comento189, que, permitindo que antes da apreciação do pedido de

corresponsabilidade, o sujeito defenda-se, apresente provas e tenha seus

argumentos apreciados, faz com que o contraditório seja observado desde o início,

assegurando o devido processo legal.

Tratando deste assunto, Paulo Cesar Conrado190 fornece valiosa

lição:

Esse novo instrumento processual, assim pensamos, tem (terá) especial relevo para os casos em que a responsabilidade suscitada pela Fazenda Pública credora toma como referência os assim chamados “grupos econômicos de fato” constituídos e operados na intenção de frustrar a satisfação do crédito tributário; situações há, com efeito, em que a inclusão do terceiro na lide, via redirecionamento, encontra-se prejudicada pela inviabilidade de enquadramento nas hipóteses de responsabilidade tributária registrada na legislação própria (o Código Tributário Nacional); a despeito disso, demonstrados os requisitos do art. 50 do Código Civil

189Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. § 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei. § 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica. Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. § 1o A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas. § 2o Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica. § 3o A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o. § 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica. Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias. Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória. Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno. Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente. 190 CONRADO, Paulo Cesar. Execução Fiscal. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2015, p. 66/67.

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(na forma do parágrafo 4º do art. 134 do Código de Processo Civil de 2015), esses casos autorizam a desconsideração da personalidade jurídica do terceiro e a consequente responsabilização de seus bens – sempre mantida, porém, sua qualidade primitiva (de terceiro, relativamente ao processo de execução), visto que essa é a tônica das modalidades de intervenção de terceiros.

Sobre a citação acima, faz-se apenas uma breve consideração, para

que ela se mantenha harmônica com os termos usados nesta dissertação: o autor

trata de “grupos econômicos de fato”, como se isso já fosse a premissa da ilicitude.

Entende-se que a melhor redação seria “grupos econômicos ilícitos”, já que

conforme referido alhures, a ilicitude pode ser encontrada em qualquer tipo de grupo

econômico e não apenas nos de fato ou não regulados. Talvez, inclusive, tenha sido

esta a ideia do jurista citado, já que ele complementa a expressão criticada dizendo

“constituídos e operados na intenção de frustrar a satisfação do crédito tributário”.

Voltando ao tema: ao fim do incidente, constatada a culpa do grupo

econômico, e realizada a desconsideração inversa da personalidade da pessoa

jurídica, não sofreria ela, de qualquer forma, a responsabilização? Não haveria, por

acaso, o dever de pagar? A resposta para essa pergunta, por mais que seja positiva,

conduz a uma série de novos desenlaces.

Primeiramente, como já se disse, o incidente é considerado uma

forma de intervenção de terceiros, de acordo com o CPC/2015. Dessa forma, em

sendo procedente a desconsideração, quem sofrer as consequências desse ato

entrará no processo não como sujeito passivo, mas como terceiro. Ou seja, não

existirá uma sujeição passiva nos termos do Código Tributário Nacional, mas uma

responsabilidade patrimonial, pelo uso do Código Civil.

Materialmente falando, em caso de condenação no processo

executório, o ônus será o mesmo tanto para quem ocupa o polo passivo, como para

aquele na posição de terceiro, pois seu patrimônio ira satisfazer a pretensão

fazendária. Grosso modo, o Fisco arrecadará da mesma forma.

Todavia, processualmente falando, quem chega aos autos como

terceiro não se utiliza dos mesmos meios processuais que o sujeito passivo: sua

defesa, por exemplo, não será por embargos à execução (embargos do devedor),

mas por embargos de terceiros. Ele tampouco participará do lançamento, tendo em

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vista não ser parte (e portanto não constará da CDA), o que também faz com que

não caiba prazo decadencial contra si, etc.

Cabe dizer que não se pretende, para os fins deste trabalho, uma

análise mais profunda sobre esta nova ferramenta processual.

Devido à recente entrada em vigor do novo Código de Processo

Civil, apenas a pragmática poderá demonstrar os efetivos caminhos que a

jurisprudência tomará e como a doutrina passará a interpretar os artigos que tratam

do incidente de desconsideração.

Adiantar previsões quanto a isto pode tornar-se frustrante, sendo

bastante a constatação de que efetivamente, agora, existe um meio contundente de

apreciação da desconsideração da personalidade jurídica, o que vem em boa hora,

tendo em vista a forma desarrazoada com que se vinha usando este instituto no

Direito Tributário, em claro desrespeito aos princípios básicos de Direito Civil e

empresarial.

Deixa-se claro também que não se defende aqui um festim da

ilicitude, mas uma defesa maior dos administrados, hipossuficientes diante da

estrutura imensurável do Estado. Os grupos econômicos de todos os tipos que

incorram em práticas fraudulentas, desvirtuando a finalidade não só das sociedades

empresárias, como da própria forma de associação, deverão, sim, receber a punição

adequada, seguidos os caminhos legais para tanto.

O que importa cravar neste momento é que os grupos econômicos

que agem com abuso de personalidade, nos termos do que preceitua o Código Civil

em seu art. 50, deverão sofrer a consequência dos seus atos e receber as punições

que a Fazenda Pública imponha, dentro desse novo paradigma processual que

começa a se desenhar agora.

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CONCLUSÃO

Seguindo uma tendência mundial, as sociedades empresárias

brasileiras passaram a se organizar em estruturas mais complexas, que evitassem a

burocracia de uma fusão, mantendo sua autonomia como pessoas jurídicas, mas

que, ao mesmo tempo, pudesse lhes conferir menos riscos num mercado cada vez

mais competitivo.

O resultado disso foi a criação de grupos econômicos, em que uma

pluralidade de sociedades com fins lucrativos se unem com o objetivo de fomentar

seus crescimentos, havendo entre eles uma influência dominante.

A identificação, por parte das Fazendas Públicas, destes

agrupamentos, trouxe aos administradores uma série de questionamentos quanto à

correta forma de tratamento jurídico-tributário que lhes deveria ser dispensada,

tendo em vista que há entre eles um centro de controle comum, uma política grupal.

Analisando esses fatos, torna-se mais fácil entender porque essa

matéria tornou-se tão polêmica: esse tipo de ligação societária passou a ser lida

como uma simulação, já que preencheu um nicho, antes vazio, entre um grande

conglomerado (empresas fundidas) e uma pessoa jurídica isolada.

Dentro do corpo de linguagem que é o direito, a designação “grupo

econômico” passou a ter uma conotação negativa, institivamente ligada a fraudes,

abuso de personalidade e confusão patrimonial, mesmo que na própria legislação

houvesse menção expressa à sua formatação, além de ser conferido pela

Constituição da República o direito à livre iniciativa, garantido pela liberdade de que

se faça tudo aquilo que não está proibido em lei.

A despeito disso, o Fisco passou a procurar maneiras de arrecadar

desses entes despersonalizados, sem preocupação em demonstrar provas para que

se requeressem redirecionamentos de execuções fiscais, baseando-se unicamente

no fato de ser integrante de um grupo econômico, tratando uma forma de

organização empresarial lícita, como se fosse uma organização criminosa.

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Obviamente, assim como existem boas e más pessoas, também

existem grupos econômicos que agem de forma lícita e aqueles que agem de forma

ilícita, e é nesse momento que o Estado precisa saber diferenciar quais condutas

encontram-se dentro da lei, sob o risco de cometer enormes injustiças. Não se faz

necessário dizer que, diante do aparelhamento do Fisco, com certeza não lhe

faltaram ferramentas.

A par disso, o Direito Tributário, dentro de sua tipologia legal, não

prevê qualquer dispositivo que possa colocar os grupos econômicos como sujeito

passivo de obrigações tributárias. Sendo assim, passou-se ao uso de modelos de

imputação de responsabilidade tributária que não abarcam a ideia do grupo

econômico, já que a personalidade jurídica é pressuposto para que se possa ser

sujeito passivo legitimado.

Esses atos atentam contra o princípio da legalidade, já que, por

exigência constitucional, os enunciados normativos que tratem de sujeição passiva e

obrigações tributárias, por serem normas de estrutura, devem obrigatoriamente ser

introduzidos por lei complementar (Capítulo II).

Concluiu-se, após longo debate, que dentre as formas constantes no

Código Tributário Nacional, não é possível imputar responsabilidade tributária aos

grupos econômicos. A única maneira pelo qual o agrupamento pode efetivamente

responder, dentro dos dispositivos da Lei Tributária, é em caso de prática conjunta

do fato tributário, nos termos do art. 124, I da norma em comento (Capítulo VI).

Ademais, a maneira que o direito encontrou de fazer com que os

grupos econômicos ilícitos respondam por suas condutas antijurídicas, foi através da

desconsideração inversa da personalidade jurídica, consagrada no art. 50 do Código

Civil, e que agora, dentro do processo de execução, irá receber novo tratamento, em

razão das novidades trazias pelo Código de Processo Civil de 2015, tendo em vista

o Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica.

Esse tipo de responsabilização, embora não seja propriamente uma

responsabilidade tributária, já que não põe o grupo econômico como componente do

polo passivo, mas como terceiro, servirá aos mesmos propósitos, ou seja, levar

dinheiro aos cofres públicas. Todavia, um novo paradigma processual surge, dando

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possibilidade de que se exerça a ampla defesa e o contraditório àqueles que muitas

vezes ficavam em um verdadeiro limbo processual.

A verdade é que uma nova realidade jurídica tributária se apresenta

e certamente haverá mais reflexões sobre o tema aqui exposto. As consequências

dessa legislação processual tão jovem e uma possível nova interpretação de velhos

institutos impõem a necessidade de reavaliação de regimes jurídicos aceitos pela

jurisprudência e defendidos pela doutrina.

Dentro da temática à qual se dedicou esta dissertação, certamente

muitos outros novos paradigmas surgirão.

É tempo de travessia.

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