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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-S P
Maruza Rubia Cavassana
DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA E A ALTERAÇÃO TRAZIDA PELO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 3 4 DO
ESTATUTO DO IDOSO (LEI N. 10.742/03)
MESTRADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO
SÃO PAULO-SP 2010
PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-S P
Maruza Rubia Cavassana
DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA E A ALTERAÇÃO TRAZIDA PELO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 3 4 DO
ESTATUTO DO IDOSO (LEI N. 10.742/03)
MESTRADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Previdenciário, sob a orientação da Professora Heloisa Hernandez Derzi
SÃO PAULO-SP 2010
3
Dedico este trabalho primeiramente a Deus, por tudo; Aos meus Pais pelo incentivo, esforço e carinho dedicados;
Ao meu noivo pela compreensão e carinho; A minha orientadora pela ajuda, dedicação e atenção; e
A todos meus amigos pela compreensão.
4
RESUMO
Com a Constituição Federal de 1988, a Assistência Social no Brasil como parte integrante da Seguridade Social e aliada à garantida da dignidade humana transcende a idéia de caridade e benevolência antes estabelecida, passando a ser reconhecida expressamente como um direito fundamental (art. 6º e art. 230 da CF/88).O Benefício Assistencial de Prestação Continuada devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso é a principal provisão da política de Assistência Social hoje existente em nosso Ordenamento Jurídico.Com o Estatuto do Idoso (Lei n. 10742/03) os requisitos exigíveis para a concessão do Beneficio Assistencial de Prestação Continuada devido ao Idoso foram alterados, quais sejam: a redução da idade de 67 anos para 65 anos, e a exclusão da renda proveniente de outro Beneficio Assistencial de Prestação Continuada devido ao idoso do cálculo do requisito de ¼ do salário mínimo per capita, que é utilizado como critério para aferição do estado de miserabilidade do beneficiário. Esta ultima alteração, flexibiliza tal requisito e traz consigo questionamentos a respeito da constitucionalidade do texto infraconstitucional (parágrafo único do art. 34 da Lei n. 10.742/03) quando analisado frente aos ditames constitucionais tais como: o valor da dignidade humana, principio da igualdade, da isonomia, a proibição do retrocesso social, e a sua inter-relação com a reserva do possível.Com relação aos aspectos teórico-metodológicos, foram realizados estudos de artigos, doutrinas,jurisprudências, bem como a legislação Constitucional e infraconstitucional relacionados ao tema em análise.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais- Seguridade Social- Assistência Social - Benefício Assistencial de Prestação Continuada devido ao Idoso.
5
ABSTRACT
With the Brazilian Constitution of 1988, the Social Care in Brazil, as a part of Social Security, is allied to guarantee human dignity and transcends the idea of charity and benevolence established before, now its is explicitly recognized as a fundamental right (articles 6 and 230 of Brazilian Constitution). The Assistance Benefit of Continued Service to the handicapped and the elderly is today the main provision of Social Security of our law system. With the "Elderliness Statute" (law number 10,742/2003) the necessary requirements for granting the Assistance Benefit of Continued Service to the Elderly have changed, which means: to reduce the age of 67 years to 65 years, and the exclusion of income from other Assistance Benefit of Continued Service to the elderly from computation on a quarter of the minimum wage per capita, which is used as a criterion for measuring poverty. This last amendment relaxes the requirement and brings with it questions about the constitutionality of the law (article 34 of law number 10,742/2003) when it is analyzed under constitutional principles such as: the value of human dignity, equality, isonomy, the prohibition of social retrocession, and their relationship with the possibilities of reality. With regard to theoretical and methodological issues, there were done studies of articles, doctrines, jurisprudence, laws, and the Constitution when related to the topic examined.
fundamental rights-social security-social care-assistance benefit of continued service to the elderly
6
SUMÁRIO
Introdução ..................................................... ............. .............................................08
Capítulo I – DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 1.1 Dos Direitos Humanos........................................................................................10
1.2 Da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948..................................12
1.3 Da Acepção dos Direitos Humanos....................................................................17
1.4 Dos Direitos Fundamentais e a Constituição Federal de 1988 ..........................21
1.5. Dos Direitos Sociais na Constituição Federal de 1988......................................28
1.6 Da Supremacia da Constituição Federal ............................................................33
1.6.1 Das Disposições Constitucionais às Infraconstitucionais ...............................33
1.6.2 Dos Direitos e Garantias dos Direitos .............................................................41
1.7 Das Políticas Públicas .......................................................................................42
1.7.1 Da Política Nacional de Proteção ao Idoso .....................................................45
1.8 Da Vinculação dos Poderes Púbicos aos Direitos Fundamentais ......................48
1.8.1Da Vinculação do Poder Legislativo.................................................................50
1.8.2Da Vinculação do Poder Executivo ..................................................................51
1.8.3Da Vinculação do Poder Judiciário...................................................................52
Capítulo II DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
2.1 A Assistência Social Como Direito Fundamental ...............................................55
2.2 A Assistência Social e a Seguridade Social .......................................................57
2.3 Da Assistência e do Assistencialismo ...............................................................83
2.3.1 Breve Evolução Histórica ...............................................................................83
2..4 Da Lei Orgânica da Assistencial Social (LOAS) Lei n. 8.742/93 ...................97
2.5 Dos Princípios da Assistência Social ..............................................................104
2.5.1 Do Princípio da Supremacia do Atendimento às Necessidades
Sociais sobre as Exigências de Rentabilidade Econômica ....................................105
2.5.2. Da Universalização dos Direitos Sociais a Fim de Tornar o
Destinatário da Ação Assistencial Alcançável pelas Demais Políticas Públicas ....107
2.5.3 Do Respeito à Dignidade do Cidadão, à sua Autonomia e ao seu
Direito a
7
Benefício e Serviços de Qualidade, bem como à Convivência
Familiar e Comunitária, vedando-se Qualquer Comprovação Vexatória de
necessidade ...........................................................................................................109
2.5.4 Do Princípio da Igualdade de Direitos no Acesso ao Atendimento,
sem Discriminação de Qualquer Natureza, Garantindo-se Equivalência às
Populações Urbanas e Rurais................................................................................111
2.5.5 Do Princípio da Ampla Divulgação de Informações Relativos à
Assistência Social ............................................................................................... 112
Capítulo III DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃ O CONTINUADA 3.1 Breve Histórico .................................................................................................114
3.2 Requisitos Legais Para ter Direito ao Benefício ...............................................119
3.2.1Beneficiários: Idoso e Pessoa Portadora de Deficiência ..............................119
3.2.1.1 Pessoa Portadora de Deficiência ............................................................120
3.2.1.2 Idoso .......................................................................................................125
3.2.2 Da Definição de Família para Recebimento do Benefício Assistencial ........127
3.2.3 Da Renda Mensal per capita: Aferição do Estado de Miserabilidade ..........132
3.2.4 Da Cessação do Benefício ............................................................................144
3.2.5 Da Regra Matriz do Benefício Assistencial de Prestação Continuada .........145
3.2.6 Da Direito ao Estrangeiro de Receber do Benefício Assistencial de Prestação
Continuada ............................................................................................................150
CAPÍTULO IV-DA ALTERAÇÃO TRAZIDA PELO PARÁG RAFO ÚNICO DO ARTIGO 34 DO ESTATUTO DO IDOSO ( LEI N. 10.742/0 3) 4.1 Da Dignidade Humana ....................................................................................155
4.2 Do Princípio da Isonomia: Igualdade e Proporcionalidade .............................158
4.3 Da Reserva do Possível ...................................................................................161
4.4 Da Proibição do Retrocesso Social ..................................................................165
4.5 Do Controle das Políticas Públicas e as Garantias dos Direitos
Fundamentais pelo Poder Judiciário ......................................................................168
Conclusões ..........................................................................................................176
Bibliografia ..........................................................................................................181
8
INTRODUÇÃO
As práticas de Assistência Social sempre estiveram presentes na
humanidade sob formas variadas, mas via de regra ligadas à missão religiosa,
caridade, benevolência, enfim.
O cenário da Assistência Social no Brasil mudou a partir da
Constituição Federal de 1988, prevendo expressamente que a “Assistência Social
será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição para a
Seguridade Social”, estando elencada no artigo 6º do Texto Constitucional dentre os
direitos sociais bem como direito fundamental.
O presente estudo tem como escopo analisar os principais aspectos
do Beneficio Assistencial de Prestação Continuada previsto no artigo 203, V da
Constituição Federal de 1988 e a alteração trazida pela Lei 10.742/03 (Estatuto do
Idoso) que em seu artigo 34 do parágrafo único, exclui do cálculo do requisito de 1/4
do salário mínimo per capita para aferição do estado de miserabilidade do
beneficiário a renda proveniente de outro beneficio assistencial de prestação
continuada devido ao idoso.
Com o intuito de facilitar a compreensão da Assistência Social
como direito fundamental, inicialmente abordamos os direitos fundamentais, seu
conceito, seus caracteres à luz da Constituição Federal de 1988. Para tanto,
enfatizamos sua inter-relação com os direitos sociais e a garantia de uma existência
digna para adentramos na seara da Seguridade Social, cuja finalidade é a garantia
do bem-estar e da justiça social, instrumento indispensável para a preservação da
dignidade humana.
No segundo Capítulo, dissertamos a cerca da Assistência Social,
sua concepção como direito fundamental e parte integrante da Seguridade Social
juntamente com a Saúde e a Previdência Social, tornando-se instrumentos
importantes para a garantia e manutenção do bem-estar e da justiça social.
Neste mesmo Capítulo, salientamos a diferença entre
assistencialismo e Assistência Social, apontando os momentos e situações em que
9
ambos conceitos se confundiam, ressaltando sua evolução pré e pós Constituição
Federal de 1988, marco importantíssimo para a Assistência Social no Brasil.
Analisamos dispositivo constitucional expresso o artigo 203 da
Constituição Federal de 1988, bem como a legislação infraconstitucional que a
cerca, em especial, a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.742/93) que a
regulamenta, salientando seus princípios norteadores e suas diretrizes.
No terceiro Capítulo, o foco do nosso estudo concentra-se no
Beneficio Assistencial de Prestação Continuada, de modo que, enfatizadas as bases
que o benefício se situa, ou seja, nos direitos fundamentais, direitos sociais, na
Seguridade Social e na Assistência Social, analisamos o benefício assistencial
propriamente dito, apresentando um breve histórico de sua evolução legislativa, de
seus requisitos, abordando acerca dos beneficiários, da definição de família para fins
de seu recebimento, da questão da renda per capita para aferição do estado de
miserabilidade, bem como das hipóteses de cessação do mesmo e sua regra
matriz.
No ultimo Capítulo, abordamos a alteração trazida pelo parágrafo
único do artigo 34 da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso) que flexibiliza o requisito
trazido pela Lei 8.742/03 de ¼ do salário mínimo per capita para a aferição do
estado de miserabilidade, vez que exclui do cálculo somente a renda proveniente de
outro Beneficio Assistencial de Prestação Continuada devido ao idoso.
Da análise desta situação, apresentamos a base principiológica que
norteia tal situação, elucidando o descompasso com os princípios da dignidade
humana, da igualdade, da isonomia, da proibição do retrocesso social e a sua inter-
relação com a reserva do possível.
10
CAPITULO I
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
1.1. DOS DIREITOS HUMANOS
Apesar os direitos humanos, não serem o seu objeto central e as
determinações referentes a esses direitos apresentarem-se de maneira vaga, o
primeiro documento internacional que tratou dos Direitos Humanos e dá um passo
em direção à universalização desses direitos foi a Carta da ONU1, editada em 1945
em São Francisco.
No artigo 1º, item 3 da referida Carta, resta bem claro que o que se
pretendeu foi conseguir “uma cooperação internacional para resolver os problemas
internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e promover e
estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos,
sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”.
Inobstante a Carta da ONU, pode-se dizer que a fase contemporânea
dos direitos humanos tem como marco a promulgação da Declaração Universal dos
Direitos Humanos em 1948, e com ela a proteção internacional de direitos universais
dirigidos a todos os humanos, sobretudo às minorias, passando o homem a ser
reconhecido em face de suas fragilidades e necessidades específicas. Aos grupos
vulneráveis se oferece proteção e instrumentos jurídicos necessários para a
efetividade dos direitos humanos, cuja base fundamental é formada pelo princípio da
dignidade da pessoa humana e pelo princípio da igualdade.
1 A Carta das Nações Unidas foi assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945, após o término da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, entrando em vigor a 24 de outubro daquele mesmo ano.
11
A respeito, o Antonio Augusto Cançado Trindade nos ensina que: “ o
direito dos direitos humanos não rege relações entre iguais; opera precisamente em
defesa dos ostensivamente mais fracos.Não busca obter um equilíbrio abstrato entre
as partes, mas remediar os efeitos do desequilíbrio e das disparidades”.2
Nas palavras de Flávia Piovesan3: “os direitos humanos são a lógica
das minorias, a gramática da inclusão. A ética dos diretos humanos é a ética que vê
no outro um ser merecedor de igual consideração e profundo respeito, dotado do
direito de desenvolver as potencialidades humanas, de forma livre, autônoma e
plena. É a ética orientada pela afirmação da dignidade e pela prevenção ao
sofrimento humano”.
O foco dos direitos humanos é o respeito ao ser humano, vez que
são essenciais à existência do homem em sociedade, sendo o piso mínimo de
direitos que a Ordem Internacional destina a todos os seres vivos, que deve ser
respeitado pelo Estado e oferecido a seus jurisdicionados, ou seja “Os direitos
humanos são essenciais ao ser humano de qualquer nação, são direitos sem
fronteiras e universais, vez que o único requisito ao gozo desses direitos é a
condição humana”.4
Tal fato, constitui-se no reconhecimento de que todos os homens
são igualmente vocacionados pela sua própria natureza ao aperfeiçoamento
constante em si mesmo. Daí a razão do princípio da dignidade humana, que
agregado ao princípio da igualdade, passam a formar a base mais sólida dessa
estrutura jurídica.
2 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. A Humanização do Direito Internacional, Edit. Del Rey, 2006, p. 26. 3 PIOVESAN, Flávia. Igualdade, Diferença e Direitos Humanos: Perspectivas Global e Regional. Jun. 2007, p. 02. 4 GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos Humanos, Princípio da Igualdade e Não Discriminação: sua Aplicação às Relações de Trabalho.São Paulo: Pontifica Universidade Católica, 2007, p. 26.
12
1.2. DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS D E 1948
A elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos
enfrentou certas dificuldades devido à diversidade de pontos de vista entre os Países
membros da ONU em assuntos políticos, econômicos, religiosos e filosóficos.
Essa diversidade de opiniões deu-se, principalmente, entre o Oriente
e Ocidente, vez que para o bloco comunista deveria ser dada primazia aos direitos
econômicos sociais, tais como os de proteção ao trabalho, prevenção ao
desemprego, direitos de sindicalização, entre outros. Já pelos os ocidentais,
protestava-se pela primazia do respeito à dignidade humana e ao valor do indivíduo.5
José Soder nos revela que os direitos políticos também resultaram em
divergências, e cita como exemplo o fato de que a União Sul-Africana não concedia
igualdade de direitos políticos à população, vez que os negros e hindus não podiam
participar de cargos públicos, sendo esse um dos motivos pelos quais a União Sul-
Africana se absteve na votação.
Inobstante a isto, a Declaração de Direitos Humanos, em seu artigo
216, trata do direito universal de acesso aos cargos público e à representação política.
Em 10 de dezembro de 1948, em Paris, a Assembléia Geral das
Nações Unidas, por meio da Resolução 217 A (III), com voto favorável de 48 países,
inclusive o do Brasil, oito abstenções7 e nenhum voto contrário, adotou e proclamou a
5 SODER, José. Direitos do Homem. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1960,p. 210. 6 Declaração de Direitos de 1948.Art. 21 . Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de sue país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. 3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto. 7 Os Países que se abstiveram na votação, foram: Bielorússia, Tchecoslováquia, Polônia, Arábia Saudita, Ucrânia, União Soviética, África do Sul e Iugoslávia.
13
Declaração de Diretos Humanos, que dentre outras finalidade, esclareceu o sentido da
expressão direitos humanos referida na Carta da ONU.
Essa Declaração se caracteriza primeiramente por sua amplitude,
buscando a universalidade, sendo aplicável a todas as pessoas independentemente
de raça, religião, sexo, sendo qual for o regime político dos territórios nos quais incide,
compreendendo um conjunto de direitos e faculdades necessárias ao ser humano
para desenvolver sua personalidade física, moral e intelectual.
A respeito, Adriane Perini Artifon8 pronuncia que: “a Declaração
Universal de 1948 objetiva delinear uma ordem pública mundial fundada no respeito à
dignidade humana, ao consagrar valores básicos universais”.
Desde seu preâmbulo, é afirmado que a dignidade é inerente a toda
pessoa humana, titular de direitos iguais e inalienáveis, sendo a condição de pessoa
humana o requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos.
A dignidade humana como fundamento dos direitos humanos é
concepção que, posteriormente, vem a ser incorporada por todos os tratados e
declarações de direitos humanos que passam a integrar o chamado Direito
Internacional dos Direitos Humanos.
Além da universalidade dos direitos humanos, a Declaração de 1948
traz a indivisibilidade destes direitos, como veremos mais adiante. Estabelece duas
categorias de direitos: os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e
culturais, combinando o discurso liberal e o discurso social da cidadania, e
conjugando o valor da liberdade ao valor da igualdade.
Em uma perspectiva histórica9, observa-se que até então era intensa a
dicotomia entre o direito à liberdade e o direito à igualdade. A não atuação estatal
8 ARTIFON, Adriane Perini. A Internacionalização dos Direitos Humanos: Processo Histórico, Evolução. Paraná: Janeiro de 2005, p. 20.
14
significava liberdade. Daí o primado do valor da liberdade, com a supremacia dos
direitos civis e políticos, ocasionando a ausência de previsão de qualquer direito
social, econômico e cultural que dependesse da intervenção do Estado.
Consoante os ensinamentos de Marília Ivo Neves10, foi após a
Primeira Guerra Mundial, ao lado do discurso liberal da cidadania, que se fortaleceu o
discurso social da cidadania e, sob as influências da concepção marxista foi
elaborada a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado da então
República Soviética Russa. Em 1918, estabeleceu-se a abolição da propriedade
privada da terra, bem como a assunção da propriedade dos meios de produção pelo
Estado e a soberania do povo trabalhador.
Assim, do primado da liberdade transita-se ao primado do valor da
igualdade, ou seja, o direito à abstenção do Estado converte-se em direito à atuação
estatal, com a emergência dos direitos à prestação social.
A Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado da
República Soviética Russa de 1918, bem como as Constituições sociais do início do
século XX (ex: Constituição de Weimar de 1919 e Constituição Mexicana de 1917)
primaram por conter um discurso social da cidadania, em que a igualdade era o direito
basilar e era previsto um extenso elenco de direitos econômicos, sociais e culturais.11
Assim, a Declaração de 1948 introduz extraordinária inovação, ao
conter uma linguagem de direitos até então inédita. Combinando o discurso liberal da
cidadania com o discurso social, a Declaração passa a elencar tanto direitos civis e
9 No final do século XVIII, as Declarações de Direitos, seja a Declaração Francesa de 1789, seja a Declaração Americana de 1776, consagravam a ótica contratualista liberal, pela qual os direitos humanos se reduziam aos direitos à liberdade, segurança e propriedade, complementados pela resistência à opressão. Portanto, no final do século XVIII e início do século XIX, o discurso dos direitos humanos foi uma resposta contestatória ao Absolutismo 10 NEVES, Marília Ivo. O Caráter dos Tratados de Direitos Humanos. Pernambuco: 2005, p. 30. 11 ARTIFON, Adriane Perini. A Internacionalização dos Direitos Humanos: Processo Histórico, Evolução. Paraná: Janeiro de 2005, p. 23
15
políticos (arts. 3º a 21), como direitos sociais, econômicos e culturais (arts. 22 a 28), a
exemplo do direito ao trabalho e à educação.
Ao conjugar o valor da liberdade com o da igualdade, a Declaração
demarca a concepção contemporânea de direitos humanos, pela qual esses direitos
passam a ser concebidos como uma unidade interdependente e indivisível, e,
partindo-se do critério metodológico que classifica os direitos humanos em dimensões,
o entendimento é de que uma dimensão de direitos não substitui a outra, mas com ela
interage.12
Os direitos humanos são todos essencialmente complementares e em
constante dinâmica de interação. Não há, conforme Flávia Piovesan13, “como cogitar a
liberdade divorciada da justiça social, como também infrutífero pensar na justiça social
divorciada da liberdade”.
Esta concepção dos direitos humanos foi reiterada na Declaração de
Direitos Humanos de Viena de 1993, quando afirma, em seu parágrafo 5º, que os
direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados.
Seja por fixar a idéia de que os direitos humanos são universais,
decorrentes da dignidade humana e não derivados das peculiaridades sociais e
culturais de determinada sociedade, seja por incluir em seu elenco não só direitos civis
e políticos, mas também direitos sociais, econômicos e culturais, a Declaração de 1948
demarca a concepção contemporânea dos direitos humanos. Seu propósito, como diz
seu preâmbulo, é promover o reconhecimento universal dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais a que faz menção a Carta da ONU.
12 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Aspectos da Positivação dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Edifeo, 2007, p. 117. 13 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: ed. Max Limonad, 1996, p. 78.
16
Com relação à natureza jurídica e a obrigatoriedade de observância de
seus dispositivos, ainda encontramos opiniões diversas a este respeito, pois, há os que
não reconhecem nela força jurídica vinculante, vez que a mesma não fora elaborada
na forma de um tratado, e tampouco não possui força de lei. Já os que defendem que
ela possui força vinculante, acreditam que ela integra o direito costumeiro internacional
e os princípios gerais do direito, por isso os Estados estão obrigados a observá-la e
respeitá-la.
A respeito, a professora Flávia Piovesan14 elucida que: “há resistência
em reconhecer força jurídica vinculante à Declaração, pois não é um tratado, ou acordo
internacional, e sim uma resolução da Assembléia Geral. Contudo, para muitos
doutrinadores essa teria sim força jurídica vinculante, na medida em que é a
interpretação autorizada da expressão direitos humanos, constante na Carta da ONU;
ainda os princípios contidos na Declaração são princípios gerais do direito, e que essa
integra o direito costumeiro internacional”.
Para a ONU15, a Declaração originalmente não possuía vinculação
jurídica compulsória. Contudo, hoje reconhece que a mesma possui força “jus cogens”,
ou seja, é um direito que se obriga, que se impõe aos Estados por integrar o direito
costumeiro internacional.
A respeito Fabio Konder Comparato16 preleciona que: “por ser uma
declaração, a Declaração Universal de Direitos Humanos teria apenas caráter de
recomendação, mas se reconhece hoje que a vigência dos direitos humanos não
depende de sua declaração em leis ou tratados internacionais, porque se tratam de
exigências de respeito à dignidade humana”.
14 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: ed. Max Limonad, 1996, p. 107. 15 Disponível em Site: http://www.onu-brasil.org.br/documentos_estudos.php. pesquisa realizada em 04/12/2009. 16 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, p.210.
17
Assim, para nós, a Declaração de 1948 tem sido concebida como a
interpretação autorizada da expressão “direitos humanos”, constante da Carta das
Nações Unidas, apresentando, por esse motivo, força jurídica vinculante, devendo os
Estados membros das Nações Unidas, promover o respeito e a observância universal
dos direitos proclamados pela Declaração.
1.3 DA ACEPÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Para se ter uma melhor acepção sobre direitos humanos, faz-se
necessária distinguir as expressões “ direitos humanos” e “ direitos fundamentais”
que comumente são utilizadas como sinônimos.
José Afonso da Silva referencia em sua obra Curso de Direito
Constitucional Positivo17, que “a ampliação e transformação dos direitos
fundamentais do homem no evolver histórico, dificulta definir-lhes um conceito
sintético e preciso, aumentando essa dificuldade a circunstância de se empregarem
várias expressões para designá-los, dentre elas: direitos naturais, direitos humanos,
direitos do homem, direitos fundamentais do homem”, enfim.
Fábio Konder Comparato18 traz que os direitos fundamentais são
os direitos humanos reconhecidos como tais pelas autoridades às quais se atribui o
poder político de editar normas, tanto no interior dos Estados, quanto no plano
internacional, salientando que: “a diferenciação entre as expressões direitos
humanos e direitos fundamentais tem origem na doutrina alemã, a primeira a
sedimentar, no plano pertinente à vigência e obrigatoriedade,os direitos 17 SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros Editores, 15ª Edição, p. 179. 18 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: editora Saraiva, 2. tiragem, 2006, p. 57
18
fundamentais como sendo os direitos humanos positivados nas Constituições, nas
leis e nos tratados internacionais”.
Ingo Wolfgang Sarlet19, destaca que “o critério mais apropriado
para diferenciar direitos humanos e direitos fundamentais, é o da concretização
positiva, tendo em vista que os direitos humanos têm contornos mais amplos e
imprecisos que a terminologia direitos fundamentais, tendo esta, um sentindo mais
preciso e restrito, na medida em que constitui o conjunto de direitos e liberdade
institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo ordenamento jurídico de
determinado Estado”.
Assim, na esteira dos renomados juristas, podemos afirmar que os
direitos fundamentais são o conjunto de direitos do ser humano institucionalmente
reconhecidos e positivados no âmbito do direito constitucional de cada País, ou seja,
se desenvolvem com a Constituição na qual foram reconhecidos e assegurados,
enquanto que, os direitos humanos estão abarcados pelo direito internacional,
estendido a todos os seres humanos, independente de sua vinculação a alguma
ordem constitucional, sendo este universal e de caráter supra-legal e supra-
nacional.
Em conformidade com nosso direito pátrio, e seguindo a base
doutrinária20 elucidaremos a respeito dos direitos fundamentais, apreciando seus
principais caracteres, e suscitando considerações a respeito. Senão vejamos:
Os direitos fundamentais tem como características:
19 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre:Ed. Livraria do Advogado,2005, p. 35. 20 SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros Editores, 15ª Edição, p. 185 e ROTHEMBURG, Walter Claudius. Direitos Fundamentais e Suas Características. Revista dos Tribunais n. 29, 1999, p. 48
19
a)a fundamentalidade- uma vez que os direitos fundamentais
constituem a base (axiológica e lógica) sobre a qual se assenta um ordenamento
jurídico. A fundamentalidade revela-se pelo conteúdo do direito (o que é dito: referência
aos valores supremos do ser humano e preocupação com a promoção da dignidade da
pessoa humana) e revela-se também pela posição normativa (onde e como é dito:
expressão no ordenamento jurídico como norma da CF) concorrendo, portanto, ambos
os critérios (material e formal) para definir a fundamentalidade de um direito;
b)a inalienabilidade- vez que são direitos intransferíveis, inegociáveis,
porque não de conteúdo econômico-patrinomial. O indivíduo não pode “desinvestir-se”
de seus direitos fundamentais renunciando-os, embora possa deixar de atuá-los na
prática, aplicando-se aqui a distinção entre capacidade de gozo (irrenunciável) e
capacidade de exercício (disponível);
c)a imprescritiblidade- que por força da inalienabilidade, tem-se que os
direitos fundamentais não se perdem com o tempo, sendo imprescritíveis inclusive
quanto a seu exercício, ou seja nunca deixam de ser exigíveis, pois a prescrição é um
instituto jurídico que somente atinge, coarctando a exigibilidade dos direitos de caráter
patrimonial, e não a exigibilidade de direitos personalíssimos;
d)a sistematicidade, inter-relação e interdependência- que indica que
eles interagem, influenciando-se reciprocamente, devendo ser sopesados por ocasião
de concorrência ou colisão entre si. Entre eles, há mútua dependência,vez que os seus
conteúdos vinculam-se complementando-os e mostrando-se desdobramentos uns dos
outros;
e)a aplicabilidade imediata- A Constituição Federal de 1988 dispõe
expressamente no art. 5º, § 1º: que “as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata”.
20
Consoante a esta característica, Cláudio Dias Lima Filho21,
elucida que:
“conseqüência desta característica, é a necessidade de previsão de mecanismos de garantia dos direitos fundamentais do que decorre: (1) que a própria Constituição Federal deve, além de apontar os direitos, fornecer-lhes meios assecuratórios adequados; (2) que também os meios assecuratórios devem ser dotados de aplicabilidade direta ou imediata; (3) que os meios assecuratórios nunca podem, a pretexto de regular o direito constitucional, restringi-lo; que (4) na ausência da previsão de meios específicos, pode-se utilizar os meios ordinariamente previstos (por exemplo, o procedimento judicial comum) e que a despeito da preocupação com esta questão, meios judiciais destinados a combater a indevida omissão na aplicação de direitos fundamentais (seja no plano abstrato, do que dá mostras a ação direta de inconstitucionalidade por omissão: art. 103, § 2º; seja no plano concreto, como mostra o mandado de injunção: art. 5º, LXXI) foram por ela estabelecidos, e”
f) a proibição do retrocesso- que representando marcos da conquista
civilizatória, elucida que os direitos fundamentais uma vez reconhecidos não podem
ser abandonados nem diminuídos, ou seja, o desenvolvimento atingido não é passível
de retro-gradação.
Com relação à proibição do retrocesso social, o Professor Walter
Claudius Rothemburg22, salienta que: “esta proteção traduzida pela proibição de
retrocesso, possui uma eficácia impeditiva (negativa) que por si só capaz de sustentar
um controle de constitucionalidade (tanto em relação à ação quanto à omissão
indevidas). No plano normativo, a eficácia impeditiva de retrocesso fornece diques
contra a mera revogação de normas que consagram direitos fundamentais, ou contra a
substituição daquelas por outras menos generosas para com estes; e, no plano dos
21 LIMA FILHO, Cláudio Dias. Considerações a Cerca dos Direitos Humanos. Bahia, 2005. p. 47 22 ROTHEMBURG, Walter Claudius. Direitos Fundamentais e Suas Características. Revista dos Tribunais n. 29, 1999, p. 50
21
atos concretos, permite impugnar, por exemplo, a implementação de políticas públicas
de enfraquecimento dos direitos fundamentais”.
A eficácia impeditiva de retrocesso vale igualmente para a
excepcional possibilidade de restrição de direito fundamental, que jamais poderá
avançar sobre o estágio de desenvolvimento jurídico-normativo por este atingido, bem
como para servir de parâmetro para a aferição da constitucionalidade em abstrato,
protegendo os direitos a prestações e garantias institucionais, impedindo o
desmantelamento de organizações e projetos de assistência social, por exemplo.
1.4 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDE RAL DE 1988
A Constituição Federal de 1988, como resultado das lutas pela
instauração do pleno Estado Democrático no País, cumpre este desiderato quando
com meta específica visa garantir, proteger e assegurar o exercício dos direitos
humanos, positivando e constitucionalizando-os.
A Carta de 1988 demarca no âmbito jurídico o processo de
democratização do Estado Brasileiro ao consolidar a ruptura com o regime
autoritário militar, instalado em 1964. Institucionaliza a instauração de um regime
político democrático no Brasil, introduzindo um indiscutível avanço na consolidação
legislativa das garantias e direitos fundamentais e na proteção de setores
vulneráveis da sociedade brasileira.
A partir dela, os direitos humanos ganham relevo extraordinário,
considerando-se o Documento mais abrangente e pormenorizado sobre os direitos
humanos em nosso País.
22
Jorge Miranda, em sua obra Manual de Direito Constitucional, afirma
que: “ a Constituição confere uma unidade de sentido, de valor e concordância
prática ao sistema dos diretos fundamentais. Ela repousa na dignidade humana, ou
seja, na concepção que faz a pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado”23
Já no preâmbulo, nossa Carta Magna projeta a construção de um
Estado Democrático de Direito, evidenciando que o Estado Brasileiro tem como
valor, fins e meta fundamentais organizar-se para prover, de modo eficaz, o
reconhecimento, a proteção e a concretização dos direitos fundamentais assim
proclamando:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Esta posição tópica da positivação dos direitos fundamentais na
Constituição de 1988, impõe como primeira ilação sua prevalência como elemento
informador para a aplicação de todo o texto constitucional, qualquer que seja o
destinatário das normas definidoras de direito.
No entender de José Afonso de Silva24: “É a primeira vez que uma
Constituição assinala, especificadamente, objetivos do Estado brasileiro, não todos,
23 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional .Coimbra: Editora Coimbra, Vol. 4, 1988, p. 166. 24 SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros Editores, 15ª Edição, p. 93.
23
que seria despropositado, mas os fundamentais, e entre eles, uns que valem como
base das prestações positivas que venham a concretizar a democracia econômica,
social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade da pessoa humana”.
Desta forma, podemos elucidar quão acentuada é a preocupação da
nossa Carta Magna em assegurar os valores da dignidade e do bem-estar da
pessoa humana, como um imperativo de justiça social, bem como que o valor da
dignidade humana, o valor dos direitos e garantias fundamentais, constituem
princípios constitucionais que abarcam os termos justiça e valores éticos,
perfazendo todo o suporte axiológico do nosso sistema jurídico.
Inobstante o preâmbulo, nossa Carta Magna trouxe em seu Título II-
Dos Direitos e Garantias Fundamentais subdividindo-os em cinco capítulos,
estabelecendo cinco espécies ao gênero direitos e garantias fundamentais.
No Capítulo I, artigo 5º e seus incisos, disciplina sobre: os direitos e
deveres individuais e coletivos, que correspondem aos direitos diretamente ligados
ao conceito de pessoa humana e de sua própria personalidade, como por exemplo,
o direito à vida, à dignidade, à honra. No Capítulo II, nos artigos 6º ao 11º, trata dos
direitos sociais, caracterizando-os como verdadeiras liberdades positivas de
observância obrigatória do Estado Social de Direito, cuja principal finalidade é a
melhoria das condições de vida aos cidadãos, visando à concretização da igualdade
social, configurando um dos fundamentos do Estado Democrático ( art. 1º, IV).
O Capítulo III, nos artigos 12 e 13, nossa Carta Magna elucida sobre
o direito da nacionalidade, de modo que esta seja o vínculo jurídico político que
liga o indivíduo a um determinado Estado, fazendo deste indivíduo um componente
do povo, ou seja, da dimensão pessoal deste Estado, capacitando-o a exigir sua
proteção e sujeitando-se ao cumprimento de deveres que lhe são impostos.
24
Já no Capítulo IV, nos artigos 14 ao 16, disciplina os direitos políticos
como o conjunto de regras que dispõe sobre as formas de atuação da soberania
popular, sendo estes direitos públicos subjetivos que investem o individuo no status
activae civitatis, permitindo-lhe o exercício concreto da liberdade de participação nos
negócios políticos do Estado, de maneira a conferir os atributos da cidadania,
constituindo um desdobramento do princípio democrático inscrito no artigo 1º,
parágrafo único da Constituição Federal, que afirma que todo poder emana do povo,
e que este o exerce por meio de representantes eleitos diretamente.
Por fim, o Capítulo V, artigo 17, reza sobre os partidos políticos,
como direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos
políticos, regulamentando-os como instrumentos necessários e importantes para
preservação do Estado Democrático de Direito, assegurando-lhes autonomia e plena
liberdade de atuação, para concretizar o sistema representativo.
Além da citada classificação constitucional acima traduzida, a
doutrina elucida diferentes classificações terminológicas sobre o tema, sem
contudo apresentar diferenciações essenciais em relação ao seu tratamento
Manoel Gonçalves Ferreira Filho25, sugere uma classificação que,
relacionada ao objeto dos direitos fundamentais, seria dividida em: liberdades
(poderes de fazer ou não fazer algo, ex: liberdade de locomoção, enfim); direitos de
crédito (poderes de reclamar alguma coisa, sendo o seu objeto contraprestações
positivas, ex: direito ao trabalho); direitos de situação (poderes de exigir um status,
tendo como objeto uma situação preservada ou restabelecida, por ex: direito a um
meio ambiente equilibrado, direito à paz) e direitos-garantia (poderes de exigir que
não se façam determinadas coisas, por ex: o direito de não sofrer censura).
25 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 100
25
De acordo com a lição de José Afonso da Silva26, a classificação
adotada pelo nosso direito constitucional é aquela que os agrupa com base no critério
de seu conteúdo, que, ao mesmo tempo, refere-se à natureza do bem protegido e do
objeto de tutela. Embasado neste critério tem-se:
(a) direitos fundamentais do homem-indivíduo: aqueles que
reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e independência aos
indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado; por
isso são reconhecidos como direitos individuais, como é de tradição do Direito
Constitucional brasileiro (art. 5º);
(b) direitos fundamentais do homem membro de uma coletividade, que
a Constituição adotou como direitos-coletivos ( art. 5º);
c) direitos fundamentais do homem-social, que constituem os direitos
assegurados ao homem em suas relações sociais e culturais(art. 6º);
d) direitos fundamentais do homem-nacional, os que têm por conteúdo
e objeto a definição da nacionalidade suas faculdades; e
e) direitos fundamentais do homem-cidadão, que são os direitos
políticos (art. 14º), igualmente chamados direitos democráticos ou direitos de
participação política.
No que diz respeito à importância que ocupa os direitos humanos no
âmbito constitucional brasileiro, nossa Constituição no inciso II, do artigo 4º27, deixa
absolutamente claro o comprometimento do Brasil com os direitos humanos, ao afirmar
que o País é regido, nas suas relações internacionais, pela prevalência dos direitos
Humanos, bem como confere tratamento especial aos direitos humanos, ao
26 SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Editores Malheiros, 2005, p. 185/186 27 CF/88-Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (...)II - prevalência dos direitos humanos.
26
reconhecer sua eficácia imediata conforme evidencia o inciso LXXVII, §1º do artigo
5º28, a qual dispõe que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais tem
aplicação imediata.
A respeito Pedro Dallari29 nos esclarece que: “se a Constituição
distinguiu os tratados de Direitos Humanos, o fez para assegurar-lhes uma condição
mais relevante no quadro da hierarquia das normas jurídicas vigentes no Brasil do que
aquela reconhecida para o restante das normas convencionais”.
Torna-se inquestionável esta argumentação, vez que há a equivalência
dos tratados e das convenções internacionais sobre direitos humanos às emendas
constitucionais, conforme a Emenda Constitucional n. 45/2004 alterou, prevendo que
os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, que forem aprovados,
em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais, gozando assim
do status diferenciado em nosso ordenamento jurídico.
Desta forma, é possível afirmarmos que, nossa Carta Magna,
concretiza a concepção de que os direitos e garantias fundamentais possuem especial
força expansiva, projetando-se no universo constitucional como parâmetro
interpretativo das normas existentes em nosso ordenamento jurídico.
A Constituição Federal de 1988 abriga os direitos humanos em sua três
dimensões, podendo-se dizer ainda que aponta, mesmo que timidamente, a quarta
geração de direitos, como veremos a seguir:
28 CF/88 -Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. 29 DALLARI, Pedro B.A. Constituição e Tratados Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 61.
27
Sobre as referidas dimensões, Anna Cândida da Cunha Ferraz30 nos
privilegia com seus ensinamentos, enfatizando que: “Na primeira dimensão,
figuram-se as liberdades públicas em seu sentido estrito, afirmando direitos e
liberdades do individuo frente ao Estado, especificadamente como direitos de defesa
contra o Poder, demarcando-se, assim, uma zona de não interferência do estado na
esfera individual, dentro do qual o indivíduo exerce autonomia de vontade. São os
denominados direitos e garantias individuais e políticos clássicos.( grifo nosso)
“Em sua segunda dimensão, compreende a consagração dos direitos
sociais, direitos econômicos, culturais e sociais.Estes direitos fundamentais
caracterizam-se por outorgarem ao indivíduo direitos à prestações sociais estatais,
como a saúde, a assistência social, a educação, o trabalho, o lazer, revelando uma
transição das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas.
Demandam do Estado uma ‘ atuação positiva’”. ( grifo nosso)
E que: “Os direitos fundamentais de terceira dimensão, também
denominados de direitos de fraternidade e solidariedade, trazem como nota distintiva o
fato de se desprenderem do homem- indivíduo como seu titular, destinando-se à
proteção de grupos e coletividades, tais como família, povo, nação, caracterizando-se
como direitos de titularidade coletiva ou difusa”.( grifo nosso)
Assim, podemos elucidar que assumem particular relevo no rol dos
direitos ditos de primeira dimensão, especialmente pela notória inspiração
jusnaturalista, os direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei.
Com relação aos direitos de segunda dimensão, estes se caracterizam
por outorgarem aos indivíduos a faculdade de exigir do Estado, a promoção e a
30 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Aspectos da Positivação dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Ed. Edifeo , 2007, p. 160
28
possibilidade de que se torne efetivo o exercício do direito considerado. Como direitos
de segunda geração, tem-se os direitos à saúde, à educação, à assistência social,
enfim.
Nos direitos de terceira dimensão, podemos elucidar que o destinatário
fundamental torna-se o próprio gênero humano, por isso sua titularidade ser coletiva,
como por exemplo: o direito à paz, a autodeterminação dos povos, ao
desenvolvimento, ao meio ambiente, enfim.
Alguns autores, em especial Paulo Bonavides31, admitem a existência
dos chamados direitos de quarta dimensão, considerando-os os derivados do
fenômeno da globalização política, no sentido de uma universalização no plano
institucional, que para ele corresponde à derradeira fase de institucionalização do
Estado Social, sendo estes direitos os direitos à democracia, à informação, e o direito
ao pluralismo.
Diante do elucidado acima, cabe-nos observar, que todas as categorias
de direitos fundamentais, sejam os direitos civis ou políticos (1ª dimensão), sejam os
direitos sociais, econômicos (2ª dimensão), de desenvolvimento ou ambientais( 3ª
dimensão), exigem obrigações negativas ou positivas por parte do Estado, sendo de
suma importância tratar os direitos fundamentais como valores indivisíveis e que se
completam.
1.5. DOS DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL D E 1988
Lançadas as considerações preliminares a respeitos dos direitos
fundamentais, passamos à análise dos direitos sociais propriamente ditos, à luz da
31 BONAVIDES, Paulo.Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 524
29
Constituição de 1988, sem ter contudo a pretensão de esgotar a análise de cada
um deles, vez que por si só, reclamaria a elaboração de um estudo próprio.
Os direitos sociais começam a surgir, em decorrência da Revolução
Industrial do século XIX, que substitui o homem pela máquina, gerando, como
conseqüência, desemprego em massa, miséria e grande excedene de mão-de-obra,
gerando evidente desigualdade social. Assim, fez-se com que o Estado se visse
diante da necessidade de proteger o trabalho e outros tantos direitos devidos aos
cidadãos.
Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho32: “Os direitos sociais
como dimensão dos direitos fundamentais do homem, tem como característica a
determinação da atitude do Estado com relação a eles, ou seja, demandam do
Estado uma “ atuação positiva”, de forma que não bastam as declarações ou as
positivações constitucionais de direitos e a não intervenção do Estado nas
liberdades individuais para sua caracterização, mas sim por outorgarem aos
indivíduos direitos a prestações positivas estatais, de modo que tenham a
faculdade de exigir do Estado a possibilidade de promoção do efetivo exercício do
direito considerado.São direitos subjetivos que atribuem ao indivíduo poderes de
exigir. São direitos de crédito, cujo sujeito passivo é o Estado, posto como
responsável pela realização de programas sociais que atendam às necessidades
coletivas”.
São aqueles que têm por objetivo garantir aos indivíduos condições
materiais tidas como imprescindíveis para o pleno gozo dos seus direitos, por isso
tendem a exigir do Estado intervenções na ordem social segundo critérios de justiça
32 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 49/50.
30
distributiva. Diferentemente dos direitos liberais, se realizam por meio de atuação
estatal, com a finalidade de diminuir as desigualdades sociais.
São prestações positivas proporcionadas pelo Estado, direta ou
indiretamente, de forma que, enunciadas em nossa Constituição, possibilitem
melhores condições de vida aos mais fracos, ou seja, são direitos que tendem a
realizar a igualização de situações sociais. São, por conseguinte, endereçados ao
Estado, para quem surge, na maioria das vezes, certos deveres de prestações
positivas, visando a melhoria das condições de vida e à promoção da igualdade
material.
Neste contexto, Fábio Konder Comparato.33, esclarece que: “Os
direitos econômicos, sociais e culturais tem por objeto políticas públicas ou
programas de ação governamental que buscam proteger, prioritariamente, os grupos
sociais despidos de poder, econômico ou político, de forma a realizar, no conjunto
da sociedade, o equilíbrio próprio daquela justiça proporcional de que falou
Aristóteles: distribuir mais aos que tem menos, e vice-versa. Em relação a tais
grupos carentes, a justiça comutativa da relação entre iguais não se aplica, ou
melhor, quando aplicada, produz o efeito perverso de agravar a desigualdade”.
A Constituição Federal de 1988 traz um Capítulo próprio (Capítulo
II) dedicado aos direitos sociais, encartado no Título II- Dos Direitos e Garantias
Fundamentais, trazendo ainda um título especial sobre a Ordem Social (Capitulo
VIII).
Dentre os direitos sociais, o artigo 6º da nossa Carta Magna elenca
os direitos sociais: a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
33 COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na Defesa dos Direitos Econômicos, Sócias e Culturais. In GRAU, Eros Roberto.; CUNHA, Sérgio Sérvulo da. ( Coord.). Estudos de Direito Constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 252.
31
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos
desamparados.
No artigo 7º são proclamados os direitos sociais dos trabalhadores,
tais como: a proteção ao emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, a
equiparação entre trabalhadores urbanos e rurais, o seguro-desemprego, a licença à
gestante, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o salário mínimo e a
aposentadoria. Cabe-nos ressaltar, que a enumeração dos direitos dos
trabalhadores trazida pelo referido artigo não é taxativa, tendo em vista que em seu
caput ultima parte prevê, além desses direitos, “ outros que visem à melhoria de sua
condição social”.
O artigo 8º garante a liberdade de associação profissional e sindical,
que para o trabalhador. Diz respeito ao direito de criação de sindicatos, bem como
ao direito de filiação e de desfiliação a um sindicato.
Ainda dentro do Capítulo dos Direitos Sociais, estão elencados o
artigo 9º, que prevê o direito à greve, e os artigos 10 e 11 que respectivamente,
asseguram “a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos
órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam
objeto de discussão e deliberação”, e, “ nas empresas de mais de duzentos
empregados, assegura a eleição de um representante destes com a finalidade
exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores”.
Insta salientar, que a amplitude dos temas inscritos nos artigos
referentes aos direitos sociais, como vimos, deixa claro que estes não se encontram
apenas consagrados no Capítulo II do Título II da nossa Carta Magna, mas sim
dispersos por todo seu texto, principalmente no Título VIII que trata - DA ORDEM
SOCIAL, nos artigos 193 e seguintes, que dispõe sobre a Seguridade Social (art.
32
194 e 195), sobre a Saúde (art. 196 ao 200), sobre a Previdência Social (art. 201 e
2002) e sobre a Assistência Social (art. 203 e 204).
Convém notar, que as normas previstas no Título VII que trata - DA
ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA, integra igualmente a categoria de direitos
sociais, vez que, conforme disposição expressa do artigo 170, caput, “ a ordem
econômica, fundada na livre iniciativa e na valorização social do trabalho, tem como
objetivo assegurar a todos os indivíduos uma existência digna, conforme os ditames
da justiça social”, trazendo como uns de seus princípios gerais por exemplo: a
função social da propriedade( inciso III), a redução das desigualdades regionais e
sociais ( inciso IV) e a busca do pleno emprego ( VIII).( grifo nosso)
A respeito, o Professor André Ramos Tavares34, evidencia que: “o
Título VIII- que trata- DA ORDEM SOCIAL, além de estar inserido no contexto dos
direitos fundamentais de segunda dimensão, devem ser compreendidos como uma
complementação desses direitos, vez que se refere a Órgãos e Instituições
responsáveis pela implementação de políticas públicas que assegurem a efetividade
dos direitos sociais”.
O referido título foi dividido em oito capítulos sendo eles: Disposição
Geral; Da Seguridade Social; Da Educação; Da Cultura e do Desporto; Da Ciência e
Tecnologia ; Da Comunicação Social; Do Meio Ambiente; Da Família; Da Criança, do
Adolescente e do Idoso; e dos Índios, cuja base é o primado do trabalho, e os
objetivos o bem-estar e a justiça social, estando por conseguinte, em evidente
consonância com os princípios fundamentais de nossa Constituição, e
principalmente com a dignidade da pessoa humana.
34 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 586.
33
Para Bobbio35, os direitos sociais são o conjunto das prestações ou
exigências das quais derivam expectativas legitimas que os cidadãos tem, não como
indivíduos isolados, uns independentes dos outros, mas como indivíduos sociais que
vivem e não podem deixar de viver em sociedade com outros indivíduos. “ Os
direitos sociais são condição para o exercício de liberdade, já que o individuo
instruído é mais livre do que um inculto, um individuo que tem trabalho é mais livre
do que um desempregado, um homem são é mais livre do que um enfermo”.
Para ele, o desenvolvimento dos direitos do homem de maneira que
abarque os direitos sociais indica uma possibilidade de superação da antítese entre
o liberalismo e sua priorização dos direitos de liberdade e o socialismo e sua
priorização da igualdade, ou sejam, enquanto que para garantir os direitos
individuais, ao Estado basta não invadir os espaços pessoais de liberdade, para a
garantia dos direitos sociais sua postura deve ser ativa, exigindo-se que Este
intervenha com providencias para que os direitos sociais sejam respeitados.
Desta forma, elucidamos que os direitos sociais propõem a
realização da justiça social porquanto constituem instrumentos postos pelo Estado e
pela sociedade para a efetiva concretização dos direitos fundamentais em geral.
1.6 DA SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
1.6.1 DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS ÀS INFRACONST ITUCIONAIS
A Constituição Federal, por ser Lei fundamental e suprema do Estado
Brasileiro, toda autoridade nela encontra fundamento, e somente ela confere
35 BOBBIO, Norberto.Teoria Geral da Política. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 508.
34
poderes e competência governamentais. Nem o governo federal, nem os estaduais e
municipais são soberanos, uma vez que são limitados, expressa ou explicitamente
pela norma constitucional, exercendo suas atribuições nos termos nela
estabelecidos.
Portanto, toda norma que integrar o ordenamento jurídico nacional só
será válida se conformar-se às normas da Constituição Federal.
O principio da supremacia, requer que todas as situações jurídicas
se conformem com os princípios e preceitos constitucionais, e, se assim não
estiverem, serão declaradas inconstitucionais
A Constituição Federal de 1988, reconhece duas formas de
inconstitucionalidade: inconstitucionalidade por ação e a inconstitucionalidade por
omissão.
A Inconstitucionalidade por ação ocorre com a produção de atos
legislativos ou administrativos que contrariem normas ou princípios constitucionais.
O fundamento dessa inconstitucionalidade está no fato de que o princípio da
supremacia da constituição resulta na compatibilidade vertical das normas da
ordenação jurídica do nosso País, no sentido de que as normas de grau inferior
somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que no
caso é a Constituição Federal. As que não forem compatíveis com ela, serão
inválidas, pois, a incompatibilidade vertical resolve-se em favor das normas de grau
mais elevado, que acabam por funcionar como fundamento de validade destas.
Esta incompatibilidade vertical das normas inferiores com a
Constituição Federal, é também chamada de inconstitucionalidade das leis ou dos
atos do Poder Público, e se manifesta em dois aspectos: formalmente, quando tais
normas são formadas por autoridades incompetentes ou em desacordo com
35
formalidades ou procedimentos estabelecidos pela Constituição Federal; e
materialmente, quando o conteúdo de tais leis ou atos contrariam preceitos ou
princípios constitucionais.
Tal incompatibilidade não pode perdurar, uma vez que contrasta-se
com o principio da coerência e harmonia das normas do ordenamento jurídico,
sendo entendido como reunião de normas vinculadas entre si por uma única
fundamentação, que é o que está previsto constitucionalmente.
Já a inconstitucionalidade por omissão, evidencia-se nos casos em
que não sejam praticados atos legislativos ou administrativos requeridos para tornar
plenamente aplicáveis as normas constitucionais. Muitas destas, de fato requerem
uma lei ou uma providência administrativa ulteriores para que os direitos ou
situações nelas previstos se efetivem na prática, ou seja, que se tornem eficazes e
em conformidade com os ditames constitucionais.
A Constituição Federal por exemplo, em seus artigos 196 e 205
prevê e reconhece o direito à saúde e à educação como direitos de todos e dever
do estado, mas se não produzirem atos legislativos e administrativos
indispensáveis para que se efetivem tais direitos em favor dos interessados,
estamos diante de uma omissão constitucional do Poder Público, o que possibilita a
interposição da ação de inconstitucionalidade por omissão, conforme prevê o seu
art. 103, sendo legitimados para tanto: o Presidente da República, a mesa do
Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia
Legislativa, o Governador do Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o partido político com representação no
Congresso Nacional e a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito
nacional.
36
Assim, enquanto a ação de inconstitucionalidade por ação é
inconstitucionalidade positiva e se traduz na prática de ato violador à Constituição, a
inconstitucionalidade por omissão é inconstitucionalidade negativa, que resulta de
abstenção, inércia ou silêncio do poder político que deixa de praticar determinado
ato exigido pela Constituição.
A omissão inconstitucional, conforme preleciona Flávia Piovesan36,
caracteriza-se: a) pela falta ou insuficiência de medidas legislativas; b) pela falta de
adoção de medidas políticas ou de governo; e c) pela falta de implementação de
medidas administrativa, incluídas as medidas de natureza regulamentar, ou de
outros atos da Administração Pública.
Aliás, é este o entendimento do Supremo Tribunal Federal
pronunciado na ADIn-MC 1.458-7 –DF, julgada em 23.05.1996, cujo relator foi o
Ministro Celso de Mello, e assim vejamos:
“O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe assim os preceitos e princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em facere (atuação positiva, gera a inconstitucionalidade por ação. Se o Estado deixar de determinar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos constitucionais, em ordem a torna-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impõe, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Deste non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providencia adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público”.
36 PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial Contra Omissões Legislativas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,1995, p. 90.
37
Para Vieira de Andrade, haverá inconstitucionalidade por omissão
“sempre que o legislador não cumpra, ou cumpra insuficientemente, o dever
constitucional de concretizar imposições constitucionais concretas 37.
Isto é, para caracterizar a omissão legislativa, a intervenção do
legislador há de advir não do dever geral de legislar, mas do específico e concreto
encargo constitucional, surgindo uma verdadeira ordem de legislar, de cunho
específico, cujo cumprimento está adstrito à emissão das normas correspondente.
Como já evidenciado no texto da ADIn-MC 1.458-7 –DF acima
epigrafada, a omissão legislativa pode ser total ou parcial.
A inconstitucionalidade por omissão total identifica-se com a falta de
ação, ou seja, em face do dever jurídico de agir, manifesta-se o absoluto silêncio, a
postura totalmente passiva, a omissão total.
Já, quando a inconstitucionalidade por omissão é parcial, verifica-se
a falta de ação nos termos exigidos pela Constituição. Há uma atividade imperfeita,
que não é capaz de responder aos exatos termos do preceito constitucional.
A respeito, Jorge Miranda nos pronuncia que: “É total a
inconstitucionalidade por omissão que consiste na falta absoluta de medidas
legislativas ou outras que dêem cumprimento a uma norma constitucional ou a um
dever prescrito por norma constitucional, e parcial aquela que consiste na falta de
cumprimento do comando constitucional quanto a alguns dos seus aspectos ou dos
seus destinatários”.38
37 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais, Coimbra: Livraria Almedina, 1987, p. 380/381 38 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional .Coimbra: Editora Coimbra, 1988, Vol. 4, p. 339.
38
Flávia Piovesan39, faz a seguinte anotação:
“Existe uma omissão legislativa parcial quando o legislador não efetiva completamente uma imposição constitucional concreta. Como assinalado, a omissão legislativa parcial ocorre especialmente quando leis de cumprimento da Constituição favorecem certos grupos, esquecendo outros, o que importa na exclusão constitucional de vantagens. Caracteriza-s, assim, a omissão legislativa parcial, dado que o legislador tem o dever de tornar exeqüível o direito constitucional, em prol do principio da igualdade, o que justifica o alargamento da solução legal a outras categorias de cidadãos. Nesta perspectiva, a omissão deve ser concebida no ângulo material e não meramente formal, ou seja, a violação ao principio da igualdade implica na inconstitucionalidade por omissão. Configurada a inconstitucionalidade por omissão, impõe-se o dilema da atuação dos Tribunais: ou declaram a inconstitucionalidade das normas que contenham essas omissões, na perspectiva de que houve a inconstitucionalidade por ação em decorrência de violação ao princípio da igualdade, ou, na perspectiva de que houve omissão inconstitucional ( omissão parcial), estendem o âmbito normativo, a fim de que seja observado o princípio da igualdade”.
Desta forma, podemos elucidar que a inconstitucionalidade por
omissão, vem despertar o desafio da efetividade constitucional, preocupação esta
inerente à ordem jurídica do modelo social e à própria realização da constituição de
um Estado do Bem-Estar Social.
O controle de constitucionalidade, que é jurisdicional, quando
combinado com o critério difuso, reconhece o seu exercício a todos os componentes
do Judiciário. Quando combinado com o critério concentrado, somente será
deferido ao Tribunal de Cúpula do Poder Judiciário ou a uma Corte especial que no
caso é o Supremo Tribunal Federal.
Em conformidade com a temática do nosso estudo, que se centra
nos direitos fundamentais, nos direitos sociais e especificadamente à Assistência
Social e a proteção aos idosos hipossuficientes, ao final, pretendemos elucidar se a
39 PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial Contra Omissões Legislativas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,1995, p. 97.
39
alteração trazida pelo parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei
10.741/03) está em descompasso com os ditames constitucionais, contrastando com
os princípios inseridos em nosso ordenamento jurídico.
Nossa Carta Magna, é bem clara ao evidenciar a garantia e a
necessidade de observância de seus dispositivos, como vejamos:
Já no seu preâmbulo, a Constituição Federal de 1988 elucida que
“(...) para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos(...)”( grifo nosso)
Em seu artigo 1º, quando trata dos Princípios Fundamentais, no
inciso III faz referência ao valor da dignidade humana como um de seus
fundamentos, bem como no inciso III do art. 3º que constitui-se objetivo fundamental
da Republica Brasileira, dentre outros, a erradicação da pobreza e a
marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais.( grifo nosso)
No Capítulo II- Dos Direitos Sociais, especificadamente no art. 6º,
proclama : “ são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer,
a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados na forma desta Constituição”, que automaticamente
pelo disposto no art. 5º, §1º, têm eficácia imediata, dispondo que “ as normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata” como
pormenorizaremos mais adiante.( grifo nosso)
No artigo 193, já no Título- Da Ordem Social- diz que “ a ordem
social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça
sociais”, conseguinte no artigo 194 caput, parágrafo único e seus incisos que trata
40
da Seguridade Social elucida que “ a seguridade social compreende um conjunto
integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a
assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência social e á assistência social,
tendo como objetivos: a universalidade da cobertura do atendimento, uniformidade e
equivalência dos benefícios e serviços ás populações urbanas e rurais, a
seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços, a
irredutibilidade do valor dos benefícios, a equidade na forma de participação no
custeio, a diversidade da base de financiamento e o caráter democrático e
descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação
dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgão
colegiados”.
Em seu artigo 203 e incisos, especificadamente prevê que “ a
assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, tendo como objetivos: a proteção à família, à
maternidade, à infância, à adolescência e a velhice, o amparo às crianças e
adolescentes carentes, a promoção da integração ao mercado de trabalho, a
habilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração
à vida comunitária, e a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.
(grifo nosso)
Desta forma, podemos verificar que diante da pressão exercida
pelos setores progressista da sociedade civil, muitas conquistas foram asseguradas
41
pela Constituição Federal de 1988, no que se refere aos direitos de cidadania40,
inclusive lhe atribuindo a denominação de “ Constituição Cidadã”
1.6.2- DOS DIREITOS E GARANTIAS DOS DIREITOS
A afirmação dos direitos fundamentais do homem no Direito
Constitucional positivo é de suma e fundamental importância. Contudo não basta
que um direito seja reconhecido e declarado, é necessário garanti-lo, uma vez que
haverá ocasiões em que será discutido e violado.
Nas palavras de José Afonso da Silva41Ruy Barbosa já dizia que
uma coisa são os direitos, outras as garantias, pois devemos separar nos textos
da Lei Fundamental as disposições meramente declaratórias(aquelas que imprimem
existência legal aos direitos reconhecidos), e as disposições assecuratórias, (as que
em defesa dos direitos, limitam o poder).
Contudo, não é decisivo afirmar em face da Constituição Federal
que os direitos são declaratórios e as garantias assecuratórias, pois as garantias em
certa medida são declaradas, e às vezes se declaram os direitos usando forma
assecuratória.
É o conjunto das garantias dos direitos fundamentais que formam
sistemas de proteção tais como: a proteção social, a proteção política e a proteção
jurídica, que se caracterizam como imposições positivas ou negativas aos órgãos do
40 A referência explicita aos direito de cidadania é dada diante do reconhecimento e da contemplação dos direitos sociais, dentre eles: a educação, a saúde, o trabalho, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade, a infância, a assistência aos desamparados. (título II, “ Dos Direitos e Garantias Fundamentais” e Capítulo II, “ Dos Direitos Sociais” 41 SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros Editores, 15ª Edição, p. 189.
42
Poder Público, limitativas de sua conduta, para assegurar a observância, ou no
caso de violação, a “reintegração” dos direitos fundamentais.
Para a garantia desses direitos, principalmente para a efetivação dos
direitos sociais, as políticas públicas exercem um papel de suma importância, de
modo que, por meio delas se alcance o fim almejado e descrito em nosso texto
constitucional. Assim, diante de sua extrema importância, passamos a analisar,
contudo sem a pretensão de esgotá-lo.
1.7. DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
As Políticas Públicas exercem um papel de suma importância para a
garantia e a realização das garantias e direitos fundamentais. O Direito, dentre
outras atribuições, tem um papel na formação das instituições que impulsionam,
desenham e realizam as políticas públicas de maneira que as expressões da
atuação governamental corresponderão, em regra, às formas definidas e
disciplinadas pelo direito.
À Política, compete vislumbrar o modelo, contemplar os interesses a
ela pertinentes, arbitrando conflitos de acordo com a distribuição do poder, além de
equacionar a questão do tempo distribuindo as expectativas de resultados entre
curto, médio e longo prazo.
Ao Direito, cabe conferir expressão formal e vinculativa a esse
propósito, transformando-os em leis, normas de execução, dispositivos, enfim,
formando o conjunto institucional por meio do qual se opera a Política e realiza seu
plano de ação.
43
A realização de Políticas Públicas deve dar-se dentro dos
parâmetros da legalidade e da constitucionalidade. Os atos e as omissões que
constituem cada política pública devem ser reconhecidos pelo direito e gerarem
efeitos jurídicos.
Inobstante a isto, podemos dizer, corroborando com o entendimento
da Maria Paula Dallari Bucci42 que: “ o ideal de uma política pública, vista pelo
direito, não se esgota na validade, isto é, na conformidade do seu texto com o
regramento jurídico que lhe dá base, nem na eficácia jurídica que se traduz no
cumprimento das normas dos programas. O ideal de uma política pública é resultar
no atingimento dos objetivos sociais (imensuráveis) a que se propôs; obter
resultados determinados, em certo espaço de tempo”.( grifo nosso)
Assim, pensar em Política Pública é buscar a coordenação, seja na
atuação dos Poderes Público: Executivo, Legislativo e Judiciário, seja entre os
níveis federativos, seja no interior do Governo, seja ainda na interação entre os
organismos da sociedade civil e o Estado.
A ação do Estado por Políticas Públicas, como já ressaltado, se faz
vinculada a direitos previamente estabelecidos ou a metas compatíveis com os
princípios e objetivos constitucionais. Nossa Carta Magna, refere-se de maneira
genérica às Políticas Públicas, como por exemplo no caso da política de crédito,
política de câmbio, política nacional de transportes ( art. 22, VII e IX), política de
educação de trânsito( art. 23, XII), dentre outras.Também faz referência com maior
precisão, ou seja, especificando a observância de diretrizes e objetivos como no
caso da política de desenvolvimento (art. 182) que deve ser executada pelo Poder
Público Municipal em conformidade com as diretrizes gerais fixadas em lei, cujo
42 BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas Públicas: Reflexões Sobre o Conceito Jurídico, São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 43.
44
objetivo é o de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem-estar de seus habitantes.
Como exemplo podemos citar o art. 196 também da CF, que
estabelece a garantia do direito à saúde por meio do dever do Estado de
implementar políticas de desenvolvimento e econômicas que visem a redução do
risco de doença e de outros agravos, bem como o acesso universal e igualitário às
ações e serviços para a proteção, a promoção e a recuperação.
A legislação infraconstitucional por sua vez, em alguns casos
consagra a positivação de Políticas Públicas atribuindo uma certa ordem, uma vez
que em vários textos normativos, encontra-se a especificação de elementos bem
definidos, sendo eles: 1º) a finalidade da política, 2º) seus princípios reitores, 3º)as
diretrizes, 4º) a forma de organização e gestão, 5º) as ações governamentais, com
atribuição de deveres e competências e por fim, 6º) a identificação das fontes de
recursos financeiros.
Este conjunto de elementos está presente por exemplo, nas Lei n.
8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção,
proteção e recuperação da saúde e constitui o SUS (Sistema Único de Saúde), Lei
Orgânica da Assistência Social, (Lei n. 8.742 de 07 de dezembro de 1993)
evidenciada no Capitulo II deste trabalho, na Política Nacional de Assistência
Social, instituída pela Resolução de n. 207/93 do Conselho Nacional de Assistência
Social, Lei de n. 7.853 de 24 de outubro de 1989, que disciplina sobre o apoio às
pessoas portadoras de deficiência, bem como na Política Nacional do Idoso, Lei n.
8.842 de 04 de janeiro de 1994, que analisaremos especificadamente no próximo
item.
45
A criação de cada item das Políticas acima descritas são de suma
importância e relevância para a implantação e concretização das Políticas Públicas
em nosso Pais. Em cada uma delas, evidenciamos a relação dos princípios e
diretrizes inerentes à matéria da política, à finalidade de vinculação dos Órgãos dos
Poderes Públicos, bem como a vinculação de sua atuação aos Órgãos e instâncias
controladoras, de modo que com a incorporação destes princípios e diretrizes nas
ações burocráticas estatais, os objetivos visados pelas Políticas Sociais possam se
concretizar, principalmente se tais políticas se voltarem à realização concreta de
direitos sociais, imprescindíveis à dignidade de cada pessoa em sociedade.
Dada a importância da análise de algumas Políticas Sociais, como a
Política Nacional de Proteção ao Idoso e a Política Nacional de Assistência Social
explanaremos sobre a primeira neste momento e sobre a segunda, a abordaremos
de forma mais ampla no capítulo seguinte, vez que a mesma envolve grande parte
deste trabalho.
1.7.1- DA POLÍTICA NACIONAL DE PROTEÇÃO AO IDOSO
A Política Nacional do Idoso consubstanciada na Lei n. 8.842/94 é a
expressão do conteúdo do dispositivo previsto no artigo 230 da Constituição Federal
de 1988, visando assegurar os direitos sociais a pessoa idosa e as condições para a
promoção de sua autonomia, integração e participação na sociedade, consoante se
lê no Texto Constitucional:
Art. 230 . A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito á vida.
46
Em nosso País, a Política Nacional do Idoso, tal como o Estatuto da
Criança e do Adolescente, é considerada um instrumento de grande avanço social.
Trata-se de uma política bastante substantiva, agregando princípios e diretrizes que
visam assegurar os direitos sociais do idoso, e como já dito, promover sua
autonomia, integração e participação efetiva na sociedade.
Em seu texto, supõe a articulação de diversas políticas setorias, tais
como nas esferas de governo e na sociedade civil como um todo, reconhecendo as
múltiplas faces da velhice e do envelhecimento populacional.
A Política Nacional do Idoso, preceituada na referida Lei n.
8.842/94, objetiva impedir omissões e introduzir novos padrões de atenção ao idoso,
pautando-se em garantir o respeito, a dignidade, a cidadania ao idoso no Brasil. Em
seus dispositivos reconhece a totalidade da condição do idoso, caminhando ao
lado da identificação e qualificação dos indicadores que permitem ser a velhice
sinônimo de qualidade de vida. Para sua concretude, retomam-se as diretrizes e as
políticas de seguridade social e inclusão social enquanto direito do idoso.
Traz como princípios norteadores desta política (art. 3º) que: I) a
família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos
da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua
dignidade, bem-estar e o direito à vida; II) que o processo de envelhecimento diz
respeito á sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento e informação
para todos; III) que o idoso não pode sofrer discriminação de qualquer natureza; IV)
o idoso deve ser o principal agente e o destinatário das transformações a serem
efetivadas através desta política; e que V) as diferenças econômicas, sociais,
regionais e, particularmente as contradições entre meio rural e o urbano no Brasil
47
deverão ser observadas pelos poderes públicos e pela sociedade em geral na
aplicação desta lei.
Em seu Capítulo IV,no artigo 10º, trata das ações governamentais,
evidenciando a competência dos Órgãos e entidades públicas na implantação desta
política. Logo no inciso I, referencia-se a àrea de promoção e assistência social que
deverá: a) prestar serviços e desenvolver ações voltadas para o atendimento das
necessidades básicas do idoso, mediante a participação das famílias, da sociedade
e de entidades governamentais e não-governamentais, b) estimular a criação de
incentivos e de alternativas de atendimento ao idoso, como centros de conveniência,
centro de cuidados diurnos, casas-lares, oficinas abrigadas de trabalho,
atendimentos domiciliares e outros, c) promover simpósios, seminários e encontros
específicos, d) planejar, coordenar supervisionar e financiar estudos, levantamentos,
pesquisas e publicações sobre a situação social do idoso, e e) promover a
capacitação de recursos para atendimento ao idoso.
Como podemos observar, a Política Nacional do Idoso em nosso
País traça um bom exemplo de política pública, contudo infelizmente ainda não
podemos afirmar e vivenciar que ela está sendo efetivamente observada e cumprida
por parte dos entes públicos bem como da sociedade, uma vez que vários são os
deslizes e atos importantíssimos relacionados aos idosos brasileiros que não estão
sendo instituídos de conformidade com os princípios constitucionais e diretrizes
norteadoras do direito que os envolve.
Sua concretização como política pública depende da mobilização de
todos, ou seja, da família, da sociedade, dos poderes públicos, digo Legislativo,
Executivo e Judiciário, de modo que possamos obrigar o Estado, principal
responsável pelo desenvolvimento das ações inventariadas nesta política, que
48
através de sua estrutura administrativa compete o desenvolvimento da mesma,
principalmente na formação de Conselhos que se incumbirão de formular,
coordenar, supervisionar e avaliar esta política, inclusive provendo-a de recursos
necessários para atender seus fins, conforme dispõe o inciso V e parágrafo único do
artigo 8º da lei n. 8.842/94.
Deste modo, podemos evidenciar que a proteção aos idosos
constitui real responsabilidade social, de modo que todos, em conjunto, devemos
envidar esforços para viabilizar que estes consigam desfrutar de momentos
agradáveis e felizes, sendo vivenciadores de seus direitos dignamente.
1.8 DA VINCULAÇÃO DOS PODERES PÚBLICOS AOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
A vinculação dos Poderes Públicos aos direitos fundamentais
encontra-se estreitamente ligada ao tema da eficácia e aplicabilidade das normas e
aos postulados de direitos fundamentais, vez que a vinculação dos mesmos
constitui uma das principais dimensões de eficácia.
O principio da aplicação imediata, trazido pelo §1º do artigo 5º da
Constituição Federal, diz respeito a todas as normas de direitos fundamentais,
independentemente de sua função, seja ela assegurando direitos à prestações ou
direitos de defesa.
Não consoante à Constituição Portuguesa que prevê expressamente
em seu artigo 18/1 a vinculação das entidades públicas e privadas aos direitos
fundamentais, nossa Carta Magna neste particular quedou-se silente na formulação
49
do art. 5, §1º, que como já dito, limitou-se a proclamar a imediata aplicabilidade das
normas de direitos fundamentais.
Contudo, a omissão do Constituinte não significa que os Poderes
Públicos, assim como os particulares não estejam vinculados a obrigatoriedade de
observância e respeito aos direitos fundamentais. Tal se justifica, pois, em nosso
direito constitucional o postulado da aplicabilidade imediata das normas de direitos
fundamentais (art. 5, §1º) pode ser compreendido como um mandado de otimização
de sua eficácia, no sentido de impor aos Poderes Públicos a aplicação imediata
dos direitos fundamentais, outorgando-lhes nos termos desta aplicabilidade o
máximo de eficácia possível.
De forma categórica, Flávia Piovesan43 elucida que:” acentuada é a
preocupação da Constituição de 1988 em conferir aplicabilidade imediata a seus
preceitos, especialmente aos definidores de direitos e garantias fundamentai, não
sendo mais admissível exigir-se do destinatário da norma que aguarde, em espera
indefinida, a confecção das normas regulamentadoras faltantes. Se assim o fosse,
configurar-se-ia a omissão infraconstitucional mais eficaz que a atuação do
constituinte, a inexistência de norma regulamentadora mais vinculante que a
existência de norma constitucional”.
Desta forma, passamos a analisar a vinculação dos Poderes Públicos
aos direitos fundamentais, sendo estes importantíssimos para a efetivação dos
mesmos.
43 PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial Contra Omissões Legislativas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,1995, p. 109
50
1.8.1 DA VINCULAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO
No que diz respeito à vinculação do Poder Legislativo aos direitos
fundamentais, podemos vislumbrar que esta implica claramente na renúncia à
crença positivista no que diz respeito à onipotência do legislador estatal.
Nas Palavras de Vieira de Andrade44 “ há que reconhecer que o
Poder Legislativo (potência legislativa) deixou de corresponder a idéia de um
soberano que se auto-limita, devedor apenas de uma veneração moral ou política à
uma Constituição distante e débil” .Assim, “o legislador além de estar obrigado a
atuar no sentido da concretização dos direitos fundamentais, encontra-se vinculado
e proibido de editar normas que atentem contra o sentido e a finalidade da norma
de direito fundamental”45, ou seja, há uma limitação material em sua liberdade no
âmbito de sua atividade regulamentadora e concretizadora.
Neste contexto, cabe-nos ressaltar os postulados de Ca46 que
reconhece a dupla dimensão da vinculação do legislador aos direitos fundamentais,
tendo esta sentido negativo ou proibitivo, uma vez que se refere a proibição da
edição de atos legislativos contrários às normas de direitos fundamentais, que neste
ângulo atuam como normas de competências negativas; e na concepção positiva,
implicando a vinculação do legislador no dever de conformação de acordo com os
parâmetros fornecidos pelas normas de direitos fundamentais. Salienta igualmente
que no âmbito da faceta jurídico-objetiva, os direitos fundamentais assumem a
função de princípios informadores de toda a ordem jurídica, estando assim o
44 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais,Coimbra: Livraria Almedina, 1987, p. 264. 45 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4. ed., rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, p. 352.
46 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional, 5ª edição, Coimbra: Almedina, 1992, p. 592/593.
51
legislador estritamente ligado aos ditames constitucionais instituídos e garantidores
dos direitos fundamentais.
1.8.2 DA VINCULAÇÃO DO PODER EXECUTIVO
Com relação à vinculação do Poder Executivo e dos Órgãos
administrativos em geral, a norma contida no §1º do artigo 5º da Constituição
Federal também reforça a força da eficácia vinculante inerentes aos preceitos
constitucionais à estes Órgãos, podendo-se constatar que os direitos fundamentais
vinculam também os Órgãos administrativos em todas as suas formas de
manifestação e atividades no sentido de guardião, de gestão da coletividade.
Neste sentido, Ingo Sarlet47, mais uma vez nos presenteia com suas
palavras, ressaltando que: ”no que diz com a relação entre os órgãos da
administração e os direitos fundamentais, no qual vigora o princípio da
constitucionalidade imediata da administração, a vinculação aos direitos
fundamentais significa que os órgãos administrativos devem executar apenas as leis
àqueles sejam conformes, bem como executar estas leis de forma constitucional,
isto é, aplicando-as e interpretando-as em conformidade com os direitos
fundamentais”.
Desta forma, resta-nos evidenciado a presença do principio da
constitucionalidade imediata da administração entre os Órgãos da administração e
os direitos fundamentais, e que, a vinculação destes aos direitos fundamentais é
47 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4. ed., rev., atual. e ampl. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, p. 352.
52
evidente, devendo os Órgãos administrativos executarem apenas as leis que
estejam conforme os ditames constitucionais, isto é, aplicando e interpretando-as em
conformidade com os direitos fundamentais, de maneira que a não observância
destes postulados poderá levar à invalidação judicial dos atos administrativos
contrários aos direitos fundamentais.
No que tange a esta vinculação dos Órgãos da Administração aos
direitos fundamentais, podemos vislumbrar que quanto maior for a sujeição da
administração pública às leis, de modo especial na esfera dos atos discricionários e
no âmbito dos atos de governo, tanto maior virá a ser a necessidade dos órgãos
administrativos observarem no âmbito de sua discricionariedade o conteúdo dos
direitos fundamentais, que, como já salientado, contém parâmetros e diretrizes para
a aplicação e interpretação dos conceitos legais, sendo estes muitas vezes
indeterminados. Desta forma, evidencia-se que nas hipóteses de uma maior
fragilidade do principio da legalidade, o conflito deste com o principio da
constitucionalidade acaba por resolver-se tendencialmente em favor do último.
Assim, cabe ressaltar neste contexto, que há a necessidade de os
Órgãos públicos observarem nas suas decisões os parâmetros contido na ordem de
valores da nossa Constituição, especialmente dos direitos fundamentais, o que
assume especial relevo na esfera da aplicação e interpretação de conceitos abertos
e cláusulas gerais, bem como no exercício da atividade discricionária.
1.8.3 DA VINCULAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO
No que concerne à vinculação aos direitos fundamentais, o Poder
Judiciário exerce uma função de extrema relevância para a garantia e respeito aos
53
direitos fundamentais, estando ele também vinculado aos preceitos constitucionais
e exercendo o controle da constitucionalidade dos atos dos demais Órgãos estatais
de tal sorte que, o Tribunais dispõe simultaneamente do poder e do dever de não
aplicar atos contrários à Constituição, de modo especial os ofensivos aos direitos
fundamentais, inclusive declarando-lhes a sua inconstitucionalidade.
Neste contexto, podemos constatar que os direitos fundamentais
constituem ao mesmo tempo parâmetros materiais e limites para o desenvolvimento
judicial do direito, de modo que a condição peculiar do Poder Judiciário de
observância e vinculação à Constituição e consequentemente aos direitos
fundamentais e às leis, possui o poder-dever de não aplicar as normas
inconstitucionais revelando que, diante de eventual conflito entre os princípios da
legalidade e da constitucionalidade, deverá acabar-se por resolver também em favor
do último.
Ademais, no âmbito da vinculação dos juízes e tribunais aos direitos
fundamentais, não se deverá perder de vista de que, se seus próprios atos
atentarem-se contra os direitos fundamentais, estes poderão constituir objeto de
controle judicial, controle e fiscalização este que será exercido em última instância
pelo Supremo Tribunal Federal na condição de Corte Suprema, a quem incumbe
não apenas a guarda da nossa Constituição, mas o próprio desenvolvimento da
nossa Lei fundamental.
Eles possuem o dever, e não meramente o poder de implementar a
Constituição Federal.Contudo, em inúmeras vezes acabamos por nos deparar com
decisões do Supremo Tribunal Federal, que diante da garantia e sustentabilidade
dos direitos fundamentais no âmbito dos direitos sociais, deixa-se envolver pela
questão econômica/política que se encontra, em detrimento às garantias dos direitos
54
constitucionalmente previsto, decidindo em favor desta sob a alegação de que
“causará prejuízo ao erário” ou até mesmo restringindo os direitos fundamentais com
decisões que corroboram parâmetros irreais e apoiadores de incentivo à
miserabilidade e à violação ao valor da dignidade humana.
O papel que o Poder Judiciário exerce em nosso ordenamento
jurídico, é de extrema importância para a garantia e efetivação dos direitos
fundamentais/Sociais, inclusive sendo relevante no controle tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Executivo.
A respeito, Silvia Alapanian48 preleciona: “O Poder Judiciário, nas
sociedades contemporâneas, é resultado da possibilidade e capacidade que lhe é
dada de garantir que a Constituição seja aplicada no que tange também os atos dos
demais poderes-legislativo e o Executivo”
Assim, em conformidade com o exposto e inserida dentre os direitos
fundamentais/sociais enunciados por nossa Constituição Federal, passamos a
analisar especificamente no próximo Capítulo a Assistência Social, que será objeto
específico de nosso estudo.
48 ALAPANIAN, Silvia. Serviço Social e o Poder Judiciário: reflexões sobre o direito e o Poder Judiciário. Vl.1. São Paulo: Veras editora, 2008, p. 87.
55
CAPÍTULO II
DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
2.1 A ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Torna-se inquestionável a firmação de que a assistência social é
parte essencial para a preservação da dignidade humana, assim vejamos:
Evidencia-se sob o prisma do pensamento Kantiano, que as pessoas
devem existir com um fim em si mesmo e jamais como meio a ser arbitrariamente
usado para este ou aquele fim; ou seja, possui um valor intrínseco: a dignidade,
que, diferentemente das coisas, não possui um valor relativo, condicional, ou de
meio, que as leve a ser substituída por outras.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948,
que já referenciamos no capítulo anterior, logo em sua abertura, consagra o
reconhecimento da dignidade humana, imanentemente como sendo esta inerente a
todos os seres humanos. Além dela, a igualdade e inalienabilidade dos direitos
como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo proclamam os
princípios da fraternidade, liberdade e igualdade.
A Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 1º, trouxe o
postulado da dignidade humana como um dos fundamentos do Estado Democrático
de Direito, assim reconhecendo sua eminência como valor supremo, reconhecendo
56
que o Estado existe em função da pessoa humana, e não a pessoa humana em
função do Estado.
Para tanto, não basta somente a proteção à vida e à dignidade
humana como proibição de destruição de sua existência; faz-se necessário um
comportamento ativo dos atores sociais na garantia desta manutenção e das
condições de existência digna do ser humano, o que se revela principalmente na
consagração dos direitos sociais, especialmente no âmbito do direito à Assistência
Social.(Art. 203 e 204 da CF/88)
Neste sentido, Ingo Wolfgang Sarlet, preleciona que ao Estado se
impõe o dever de proteger ativamente a vida humana, já que esta constitui a sua
própria razão de ser, além de pressuposto para o exercício de qualquer direito,
sendo este fundamental ou não.
No seu entender,” a dignidade humana é simultaneamente limite e
tarefa dos poderes estatais, da comunidade em geral, de todos e em especial de
cada um”.49 É necessário que o Estado, além de orientar suas ações em busca da
preservação da dignidade humana, busque igualmente criar condições para a
promoção da mesma, possibilitando seu pleno exercício e fruição, evidenciando,
assim, que a dignidade é dependente de ações na ordem comunitária, porque nem
sempre o individuo é capaz de suprir sozinho suas necessidades básicas.
Destarte, podemos afirmar que vida humana digna só será
alcançada se as necessidades básicas forem atendidas.
49 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre:Ed. Livraria do Advogado,2005, p. 48
57
A Seguridade Social, como instrumento indispensável para a
garantia da dignidade humana, é gênero da qual a Assistência Social é espécie
enquanto direitos fundamentais, e torna-se elemento essencial, instrumento
imprescindível para esse fim, conforme analisaremos a seguir:
2.2 A ASSISTÊNCIA SOCIAL E A SEGURIDADE SOCIAL
O conceito de Seguridade Social, muito discutido na seara
doutrinária, foi a expressão adotada pelo Constituinte de 1988, com o objetivo de
criar um sistema protetivo universal até então inexistente em nosso país. O Estado
passa a ser responsável pela criação de uma teia de proteção capaz de atender aos
anseios e necessidades de todos na área social.
O direito à proteção social pode-se dizer nasceu com a Lei dos
Pobres em 1601 na Inglaterra, tendo evoluído por meio de instrumental jurídico,
tais como o seguro privado, o mutualismo, até se chegar ao Seguro Social de
caráter obrigatório. Com a intervenção necessária do Estado tinha-se como
finalidade garantir a proteção dos trabalhadores diante de situações de risco e, ao
mesmo tempo, propiciar uma melhor distribuição de renda entre os que com o
trabalho contribuíam para gerá-la.
Contudo, passadas algumas décadas da sua criação em 1883, o
Seguro Social conclamado pelo Chanceler Alemão Otto Von Bismarck e idealizado
para a proteção do trabalhador, já não se apresentava como instrumento jurídico
58
adequado para atender a todos, mas diversas situações de risco.
A respeito do seguro social inaugurado em sua gestão, Otton Von
Bismarck assim se pronuncia: “Consideramos ser de nosso dever imperial pedir de
novo ao Reichstag que tome a peito a sorte dos operários. Nós poderíamos encarar
com uma satisfação muito mais completa todas as obras que nosso governo pode
até agora realizar, com a ajuda visível de Deus, se pudéssemos ter a certeza de
legar à Pátria uma garantia nova e durável, que assegure paz interna e desse aos
que sofrem a assistência a que tem direito.É nesse sentido que está sendo
preparado um projeto de lei sobre o seguro dos operários contra os acidentes de
trabalho.Esse projeto será completo por outro, cujo fim será organizar, de modo
uniforme, as caixas de socorro para o caso de moléstia. Porém, também aqueles
que a idade, a invalidez tornaram incapazes de prover o ganho quotidiano, tem
direito a maior solicitude do que a lhe tem, até aqui, dado a sociedade. Achar meios
e modos de tornar efetiva esse solicitude é, certamente, tarefa difícil, mas ao mesmo
tempo, uma das mais elevadas e um estado fundado sobre as bases morais da vida
cristã”50.
Pelas palavras acima, podemos elucidar a intenção de Bismarck em
ampliar a proteção social. O sucesso do plano de seguro social idealizado por ele,
fez com que essa tendência se espalhasse pelos demais países da Europa,
protegendo principalmente os trabalhadores, e sem descuidar da proteção dos
mecanismos de assistência aos demais atores sociais.
50 MORENO, Ruiz. Nuevo Derecho de La Seguridad Social. Apud CASTRO, C.A.P.; LAZARI, J.B.; Manual de
Direito Previdenciário. 4ª Ed. São Paulo: LTr,2003,p.30.
59
Os fundamentos cristãos mais uma vez pesaram a favor da
ampliação da proteção social, como verificamos na encíclica Rerum Novarum do
Papa Leão XIII que, analisando a situação dos pobres e trabalhadores , estabeleceu
um conjunto de princípios da doutrina social da igreja Católica.
Diante desta conjuntura, buscava-se atingir novos marcos de
proteção social, a fim de buscar uma definição cada vez mais ampla de seguro
social dissociada da figura contratual de seguro privado.
Assim, em meados do século XX, floresce a idéia de Seguridade
Social como mecanismo que propiciaria a proteção das necessidades da pessoa
humana, apresentando-se como instrumento capaz de dar objetividade à proteção
social, sempre com fundamento no valor da pessoa humana.
Vale ressaltar que vários foram os documentos jurídicos que
afirmaram o direito à Seguridade Social no âmbito internacional, dentre eles: o
Social Security Act, editado em 14 de agosto de 1935 como uma das medidas do
New Deal, do governo de Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos da América
na época, em que pela primeira vez a expressão Seguridade Social foi usada,
contribuindo para a reformulação dos Seguros Sociais e para o aparecimento de
uma perspectiva diferente da proteção social publicamente organizada, sendo
criados seguros com relação à velhice, desemprego e morte dos trabalhadores,
assistência aos idosos, órfãos e pessoas necessitadas. A promulgação da referida
lei norte-americana teve como finalidade mitigar os problemas sociais trazidos pela
crise de 1929.
A partir de então, a Seguridade Social passou a ser entendida como
60
um conjunto de medidas que deveriam agregar, no mínimo os seguros sociais e a
assistência social, organizadas e coordenadas, visando atender o desenvolvimento
da população, havendo um compromisso do Estado democrático com um nível
minimamente digno aos cidadãos.
Consoante os ensinamentos da Ilustre Professora Heloisa Hernandez
Derzi51, “logo após, em 1942, no cenário do pós-guerra, William Henry Beveridge,
economista inglês e figura-chave no desenvolvimento do estado do bem-estar,
presidindo o Comitê Interdepartamental, apresentou um estudo completo sobre os
diversos sistemas de seguro social existentes na Inglaterra, cujo resultado fora
publicado e denominado de ‘relatório Beveridge’”.Contendo um verdadeiro plano de
reconstrução para eliminação da miséria e a pobreza, o “ relatório Beveridge”
garante um mínimo capaz de fazer frente aos estados de necessidade do ser
humano, passando a tornar-se a “filosofia”, ou seja, o “ideal” da Seguridade Social e
modelo de sistema de proteção social para todos os cidadãos.
Esse modelo foi buscado e seguido por diversos países, criando um
sistema integrado de proteção social a ser desenvolvido pelos modelos de seguro
social e de assistência social para a recuperação da economia e da proteção
social ideal.
Ensina a citada Professora que: “em 1948, a Declaração Universal
dos Direitos do Homem em seus artigos 22 e 25, fez constar que ‘toda pessoa
enquanto membro da sociedade tem direito à Seguridade Social’ , bem como a
obter mediante esforço nacional e a cooperação internacional tendo em conta a
organização e os recursos de cada Estado, a satisfação dos direitos econômicos,
51 DERZI, Heloisa Hernandez. Os Beneficiários da Pensão por Morte: Regime Geral de Previdência Social. São Paulo: Lex editora, 2004, p. 75 a 82
61
sociais e culturais indispensáveis à dignidade e ao livre desenvolvimento da
personalidade, passando desta forma a integrar o acervo cultural da humanidade’,
que desde então não puderam ser ignorados pelos ordenamentos jurídicos mundiais
quando da organização dos respectivos sistemas de proteção social”.52
Posteriormente, com muita propriedade, a VI Conferência
Interamericana de Seguridade Social, realizada em 1960 no México, formulou uma
progressiva declaração atribuindo à Seguridade Social a garantia da liberdade
pessoal mediante a libertação da miséria, da ignorância, da indigência, bem como o
acesso individual aos bens materiais, morais, culturais e sociais criados pela
civilização, com a satisfação das necessidades na medida da dignidade humana.
Não se pode olvidar, que a partir da afirmação de que todos os
homens como membros da sociedade têm direito à Seguridade Social, este conceito
ajustou e incorporou-se no ordenamento de vários países, porém não de forma
homogênea em razão do contexto político-econômico de cada um.
Em nosso País, o Sistema de Seguridade Social foi introduzido com
a Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 194 caput53a define como
sendo um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da
sociedade, destinado a assegurar os direitos à Saúde, à Previdência e à Assistência
Social, traçando as linhas básicas de amplo Sistema, de forma a não existir um
único sistema de proteção, mas sim, três sub-sistemas agindo de modo integrado,
voltados para um fim comum, cuja função é a garantia da libertação das
52 DERZI, Heloisa Hernandez. Os Beneficiários da Pensão por Morte: Regime Geral de Previdência Social. São Paulo: Lex editora, 2004, p. 83 53 CF/88 Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
62
necessidades humanas, em que o Estado deve efetuar a tutela frente aos
necessitados, assumindo a função de integralizar a situação de necessidade do
indivíduo naquele momento, à proteção social na sociedade organizada. Em
1998, com a edição da Emenda Constitucional de n. 20, a Previdência Privada54
passa a integrar em caráter complementar e facultativo o Sistema de Seguridade
Social em nosso País.
Na realidade, como ensina o Professor Wagner Balera55, “a nova
Carta Magna de 1988 institui um autêntico Sistema Nacional de Seguridade Social, o
qual configura um conjunto normativo integrado de um sem-número de preceitos de
diferentes hierarquia e configuração”.
O Sistema de Seguridade Social a que se propõe construir a
Constituição Federal de 1988, assentado na Ordem Social, cuja finalidade deve ser
o bem-estar e justiça sociais, deve existir de modo que garanta a todos um mínimo,
quando submetidos a situações geradoras de necessidades sociais.
É no artigo 194 da Constituição Federal de 1988, que encontramos
as diretrizes fundamentais da Seguridade Social, constando as áreas por elas
abrangidas e os limites dentro das quais suas ações se desenvolvem, que como já
visto, trata-se da saúde, previdência e assistência social, bem como a necessidade
de compreendê-la como Sistema, vez que a seguridade deve formar uma unidade,
uma rede única de proteção.
54CF/88 Art. 202 . O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. 55
BALERA, Wagner. A Seguridade Social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 11.
63
A existência de submissão ao regime de direito público é inegável,
pois deve haver um entrelaçamento destes com os objetivos específicos da
Seguridade Social, e imposto a todos os setores da Ordem Social formando uma
cadeia que não pode ser interrompida.
Consoante os ensinamentos da Professora Heloisa Hernandez
Derzi56, “essa integração pode ocorrer por meio das ações estatais e diferentes
instrumentos nos diversos campos. Na Previdência Social, o instrumental jurídico
utiliza-se de técnicas eminentemente reparadoras, destinadas a suprir a falta de
meios de subsistência (prestações em dinheiro), podendo também suas ações se
perfazerem por métodos de reabilitação e serviços. Na Saúde, a técnica de
proteção está voltada a prestar medidas preventivas e recuperadoras; e a
Assistência Social, vocacionada a prestar serviços voltados para a proteção dos
necessitados, obrigando-se o Estado à garantia do mínimo para a mantença da
dignidade humana dos cidadãos”.
O subsistema da Previdência Social,57 destina-se a cumprir o
relevante papel da garantia da segurança econômica dos que exercem atividade
laboral e consequentemente retiram dela seu sustento, os quais, diante do
impedimento de seu exercício, possam ser amparados do desequilíbrio econômico
gerado pela sua inatividade, ou aqueles58 que não exercem atividade remunerada,
56 DERZI, Heloisa Hernandez. Os Beneficiários da Pensão por Morte: Regime Geral de Previdência Social. São Paulo: Lex editora, 2004, p. 83/86. 57 CF/88 Art. 201 A previdência Social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I-cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II- proteção à maternidade, especialmente à gestante; III- proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV- salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda ; V- pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro ou dependentes, observado o disposto no §2º. 58
Como é o caso do segurado facultativo, disciplinado pelo art. 13 da Lei 8.213/91 , que assim preleciona: Art. 13. è segurado facultativo o maior de 14 ( quatorze) anos que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social, mediante contribuição, desde que não incluídos nas disposições do art. 11.
64
mas que querem filiar-se ao Sistema, exigindo em ambos os casos contribuição
para tanto.
A exigência de filiação prévia à Previdência Social, é igualmente
outro fator importantíssimo para diferenciá-la das demais áreas da Seguridade
Social (Assistência Social e Saúde), vez que enquanto nossa Constituição Federal
estabelece em seu artigo 196 que a saúde é direito de todos, enfatizando o acesso
universal da Seguridade Social e no artigo 203 traz que a Assistência Social dirige-
se a quem dela necessitar, para a Previdência Social, diferentemente determina em
seu artigo 201, que a mesma há de ser organizada em caráter contributivo e de
filiação obrigatória.
No subsistema da Previdência Social, são protegidos sujeitos
específicos, ou seja, basicamente o trabalhador59 e seus dependentes e não
indistintamente a totalidade da população. Por isso, existe a necessidade de
delimitar o quadro de beneficiários que potencialmente receberão as prestações,
vez que o financiamento dessas prestações será feito com recursos específicos, a
partir da contribuição direta e necessária dos sujeitos protegidos, fazendo com que a
exigência de filiação prévia se impõe a saber quais serão os sujeitos protegidos e
obrigados ao custeio.
A respeito, o Professor Daniel Pulino60 esclarece que: “ ao se
estabelecer que o critério essencial de filiação prévia ao sistema previdenciário
consiste no exercício de trabalho ( ou cabe enfatizar- no depender de alguém que
exerce trabalho), visa-se atender duas necessidade: primeiro, a de conservação e
59 Como já salientado, pode ocorrer a filiação daquele que não exerce atividade remunerada, como segurado facultativo. 60 PULINO, Daniel. A Aposentadoria por Invalidez no Direito Positivo Brasileiro. São Paulo: LTr, 2001, p.37.
65
criação de condições favoráveis para que se desenvolva a base com que se há de
construir a ordem social: em segundo lugar, e considerando a particular opção
constitucional de impor ao próprio beneficiário a participação no financiamento da
previdência.
E ainda: “ é válido afirmar que a seguridade social, em nosso direito
atual, conquanto constitui verdadeiro sistema de superação de necessidades sociais
mediante uma série de medidas públicas que formam um todo que se compõem de
diversas ações (preventivas, reparadoras e recuperadoras), nas áreas de saúde,
previdência e assistência social - claramente admite pelo menos duas camadas de
proteção, pois cuida, num primeiro momento, de garantir o que se convencionou
chamar de mínimos sociais, além de, num outro patamar, assegurar níveis
economicamente mais elevados de subsistência, limitados, porém, a certo valor”61,
estando a previdência social concentrada especificadamente neste segundo
momento.
A Saúde, disciplinada nos artigos 19662 da Carta Magna, apresenta-
se como sendo direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas, a redução do risco de doença e de outros agravos, bem
como o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.
61 PULINO, Daniel. A Aposentadoria por Invalidez no Direito Positivo Brasileiro.São Paulo: LTr, 2001, p.33 62 CF/88 Art. 196 A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
66
O Sistema Único de Saúde63, disposto no artigo 20064 da Carta
Magna, teve suas ações e serviços unificados e incluídos em um Sistema Único de
caráter universal, a ser prestado nas três esferas de governos (municipal, estadual
e federal) que, dentre outras disposições previstas constitucionalmente e suas
diretrizes, devem promover o atendimento integral, com prioridade para as
atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais, positivando as
medidas preventivas de Seguridade Social no artigo 19865, II também da Carta
Magna.
Com relação ao subsistema da Assistência Social, o mesmo será
tratado em pormenores no decorrer deste capítulo.
Na composição do Sistema de Seguridade Social, a intervenção
estatal é obrigatória e por meio de ação direta ou controle, a qual deve atender
demandas referentes ao bem-estar da pessoa humana.
63 O Sistema Ùnico de Saúde - SUS, foi criado pela lei de n. 8.080 de 19 de setembro de 1990, com o fito de que o conjunto de ações e serviços de saúde, fossem prestados por órgãos e instituições públicas, no âmbito municipal, estadual e federal, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público. Em seu art. 2º traz que: a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Em seu §1º , elucida que: O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem a redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
64 CF/88 Art. 200 . Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
65 CF/88 Art. 198 . As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;III - participação da comunidade.
67
Na concepção do eminente Professor Wagner Balera a qual
corroboramos: “a Seguridade Social é meio de realização do Bem-estar e Justiça
Social, e para uma completa compreensão da seguridade social, é necessário
vislumbrar-se a importância e alcance dos valores do bem-estar e justiça sociais, os
quais são, de fato, bases do Estado Brasileiro, assim como diretrizes de sua
atuação. A Seguridade social é então meio para atingir-se a justiça, que é o fim da
ordem social”. 66
Daniel Pulino67, sabiamente traz o conceito de Seguridade o qual
coaduanmos, como sendo: “um conjunto sistematizado, integrado, de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar direitos
relativos à saúde, previdência social e assistência social, tendo como base o
primado do trabalho e, como finalidade, superar necessidades sociais para alcançar
bem estar e justiça sociais”.
Assim, resta evidenciado, que, a justiça e o bem-estar social são
os fins colimados pela Ordem Social. Essa acertiva elucida-se no artigo 193 da
nossa Constituição Federal de 198868, vez que prevê como objetivos da Ordem
Social: o bem-estar e justiça sociais, em que a base é o primado do trabalho.
O Bem-Estar Social, materializado pela legislação social, apresenta-
nos a idéia de cooperação, de ideal de solidariedade, que conforme o disposto no
art. 3º da Constituição Federal de 1988, se traduz na erradicação da pobreza e
desigualdades, mediante a cooperação entre os indivíduos.
66 BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário, São Paulo: Quartier Latin, 2004. p.15 a 39. 67 PULINO, Daniel. A Aposentadoria por Invalidez no Direito Positivo Brasileiro.São Paulo: LTr, 2001, p. 21. 68 CF/88 Art. 193 . A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.
68
Com relação à Justiça Social, esta é e deve ser o objetivo do
desenvolvimento nacional, como verdadeira diretriz da atuação governamental,
impondo a ação distributiva da riqueza nacional, perfazendo-se na equânime
distribuição de benefícios sociais, baseada no princípio da seletividade e
distributividade, sem que se olvide que tanto a justiça social como o bem-estar
social são legitimadores de políticas públicas, bem como diretrizes axiológicas para
interpretação e aplicação da normatização protetiva.
Desta feita, o constitucionalista José Afonso da Silva69 assevera que:
“o direito à Assistência Social, constitui a face universalizante da Seguridade
Social”, evidenciando igualmente outra característica da Seguridade Social, que é a
solidariedade financeira, vez que os recursos não provêm de contribuição direta dos
destinatários, e que são “impersonalizáveis” a priori porquanto se constituem
daqueles que não dispõem de meios de sobrevivência.
A) Solidariedade. A solidariedade é o amalgama do Sistema de
Seguridade Social. Transcende a característica de principio. Está elencada no artigo
3º da nossa Carta Magna, como objetivo fundamental da República Federativa do
Brasil. É de extrema relevância, pois traduz o “espírito” da Seguridade Social.
A respeito, a ilustre Professora Heloisa Derzi70, preleciona: “O ideal
de Seguridade Social teve origem num contexto histórico de extrema dificuldade
econômica para o continente europeu do pós-guerra, que não pode ser
desconsiderado como pano de fundo de sua compreensão, pois foi justamente o
69 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros Editores, 2005., p. 313 /
314. 70 DERZI, Heloisa Hernandez. Os Beneficiários da Pensão por Morte: Regime Geral de Previdência Social. São Paulo: Lex editora, 2004, p. 78
69
desfacelamento do tecido social que levou à união de todos ( solidariedade) em
busca do bem-comum”.
A solidariedade a qual nos referimos, traduz-se à solidariedade
financeira do Sistema, em que a contribuição a este, deve ser de toda a sociedade
conforme a capacidade econômica de cada um.
Assim, elucidamos que idéia de solidariedade, é a justificativa para a
compulsoriedade da contribuição de Seguridade Social para a manutenção de toda
a rede protetiva, e não para a tutela do individuo isoladamente.
No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal71, a respeito da
obrigatoriedade de contribuição do aposentado que retorna à atividade, assim se
pronuncia: “A contribuição prevista no art. 12, §4, da Lei n. 8.212/91 e no art. 18,§2º,
da Lei n. 8.213/91, está amparada no princípio da universalidade do custeio da
Previdência Social (CF, art. 195),corolário do princípio da solidariedade, bem como
no art. 201, §11, da CF, que remete à lei os casos em que a contribuição repercute
nos benefícios”
Portanto, para que a Seguridade Social exista como garantidora da
justiça e do bem-estar social, esta deve moldar-se em consonância com os
princípios, objetivos, elencados em nossa Constituição Federal, conforme no art. 3º,
I, e especificadamente nos arts. 194 e 195, §5º que assim dispõe:
71 STF, RE 437640/RS, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, 05.09.2006.
70
Art. 194 (...) .
Parágrafo único . Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
I- universalidade da cobertura e do atendimento;
II- uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
III- seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV -irredutibilidade do valor dos benefícios;
V- equidade na forma de participação no custeio;
VI- diversidade da base de financiamento;
VII- caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.
Art. 195 . A seguridade social será financiada por toda a sociedade de forma direta ou indireta, nos termos da lei, mediante recursos, provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
(...)
§ 5º Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
Como podemos observar, muitas são as tarefas assinaladas pela
nossa Constituição Federal de 1988 à Seguridade Social, existindo várias receitas
que hão de financiar o Sistema. È no artigo 195 que basicamente encontramos as
diretrizes essenciais para que se identifique de quem, de que forma e em que
medida devem ser captados os recursos que financiarão os diversos mecanismos de
proteção social compreendidos no Sistema de Seguridade Social.
Assim, temos a previsão constitucional de medidas que de um lado
conferirão aos membros da sociedade proteção, e outras que serão implementadas
para dar sustentação econômica as primeiras, tendo nesta medida o caráter
71
instrumental em relação aquelas.
Daí, podemos identificar duas relações jurídicas no Sistema de
Seguridade Social: uma conferindo a determinados sujeitos de direitos que os
protegerão quando necessário, no caso da relação jurídica concessivas de
prestação de Saúde, Previdência e Assistência Social, e a outra que impõe a
diversas categorias de sujeitos o dever de contribuir para a arrecadação dos
recursos financeiros, que sem o quais não seria possível realizá-las, formando a
relação jurídica contributiva ou de custeio.
Os princípios acima elucidados, descrevem as normas elementares
da Seguridade Social, as quais devem direcionar toda a atividade legislativa e
interpretativa com relação a esta, senão vejamos:
a) Universalidade de Cobertura e Atendimento . O princípio da
universalidade da cobertura e do atendimento, constitui o mais importante princípio
da Seguridade Social, sua verdadeira razão de existir, e determina que a proteção
social prestada pelo Estado abranja todos aqueles que se encontrem submetidos a
contingências sociais.Este princípio estabelece que qualquer pessoa pode participar
da proteção patrocinada pelo Estado, seja pela Saúde, Assistência Social ou pela
Previdência Social.
Nas palavras do Ilustre Professor Wagner Balera72, “ o primeiro pilar
estrutural da seguridade social se expressa no inciso I do parágrafo único do art. 194
da Constituição e é assim enunciado: universalidade da cobertura e do atendimento.
72 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 19.
72
Pode-se dizer que, a universalidade é o modo pelo qual a seguridade social deverá
ser implementada em nosso País, todas as demais derivam”.
Este princípio possui duas dimensões. A dimensão objetiva, que se
refere à cobertura, ou seja, voltada a alcançar todos os riscos que possam gerar o
estado de necessidade73,em que o estado deve considerar como dignos de
prevenção ou de reparação, e a dimensão subjetiva, que por sua vez se refere ao
atendimento, e se exprime a determinar ao Estado que ampare todos os indivíduos
sujeitos a esses fatos, na busca de tutelar toda a pessoa pertencente ao sistema
protetivo.
Sobre esta concepção, a respeitada Professora Heloisa Derzi74
afirma:“ a universalidade subjetiva e objetiva, pretende a extensão da seguridade
social à totalidade da população, com vistas a proteger os desequilíbrios causados
entre a necessidade e os meios de combatê-la”
O Professor Wagner Balera75, com veemência afirma que: “ a
universalidade da “ cobertura” refere-se a situações da vida que serão protegidas.
Quais sejam: todas quaisquer contingências que possam gerar necessidades. Já a
universalidade do “ atendimento” diz respeito aos titulares do direito à proteção
social. Todas as pessoas possuem tal direito”.
73Nesse sentido, a Professora Heloisa Hernandez Derzi salienta que “ com muita propriedade, Almansa Pastor observa que o sistema jurídico de proteção social foi concebido para ser um sistema em franca expansão, até mesmo pelas transformações das necessidades sociais e suas diferentes peculiaridades nos diversos países. Com base na experiência positiva, ensina o jurista espanhol, que, quanto maior for a abrangência das necessidades sociais protegidas, menor será a intensidade da proteção conservando entretanto uma visão idealista da Seguridade social”. DERZI, Heloisa Hernandez. Os Beneficiários da pensão por Morte: Regime geral de Previdência Social. São Paulo: Lex editora, 2004, p.73. 74 DERZI, Heloisa Hernandez. Os Beneficiários da Pensão por Morte: Regime Geral de Previdência Social. São Paulo: Lex editora, 2004, p.79. 75 BALERA, Wagner. A Seguridade Social na Constituição de 1988. São Paulo: RT, 1989, p. 36.
73
Assim, podemos dizer que a universalidade da cobertura e
atendimento é inerente ao Sistema de Seguridade Social, de forma a buscar
proteger maior número de necessidades, e de pessoas, ou seja, suas prestações
devem abranger situações geradoras de necessidades sociais dentro das
possibilidades do sistema, vez que, as necessidades sociais são infinitas, enquanto
os recursos são finitos.
b) Uniformidade e Equivalência de Prestações entre as
Populações Urbana e Rural. A Constituição Federal de 1988, vedou o tratamento
desigual às populações urbana e rural, corrigindo distorção histórica a respeito.
Em período antecedente à Constituição Federal de 1988, os
trabalhadores rurais e seus dependentes eram cobertos por um restrito plano de
proteção. Os rurais somente possuíam um Estatuto76 com a Lei n. 4.212/63, e eram
excluídos das leis acidentárias. Em 1975, com a edição da Lei n. 6.195, foram a eles
assegurados alguns benefícios, tais como: auxílio-doença, aposentadoria por
invalidez, pecúlio e assistência médica.
A partir da Constituição Federal de 1988, não é mais possível
estabelecer benefício ou serviço unicamente para trabalhadores urbanos, vez que a
norma trouxe regra específica de isonomia para estes e os rurais77.
Consoante a este entendimento, do qual compartilhamos, Wagner
Balera78 preleciona da seguinte forma “ A base estrutural lançada pelo constituinte
exige igual sistema de proteção social, vale dizer, o mesmo elenco de prestações,
76 PICELI, Eros. Direitos Previdenciários e Infortunística.São Paulo: Ed. CPC, 2003 p. 17. 77 CF/88 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: 78 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 20.
74
com critérios idênticos de apuração do respectivo valor, contemplará assim os
trabalhadores do campo como os que laboram na cidade. Ao fim e ao cabo, o que se
quer é a imediata implantação da isonomia entre as diversas categorias de
trabalhadores, qualquer que seja o local do território nacional no qual exerçam as
atividades profissionais “.
Para Marly Cardone79 : “ uniformidade” é igualdade quanto ao
aspecto objetivo, isto é, no que se refere aos eventos cobertos. Equivalência é
quanto ao valor pecuniário ou qualidade de prestação”.
Assim, podemos elucidar que a uniformidade e equivalência de
prestações entre as populações urbana e rural, é princípio essencial do Sistema de
Seguridade Social, vez que impede tratamento desigual entre estes, e
consequentemente proporciona maior justiça social.
c) Seletividade e Distributividade na Prestação de Bens e
Serviços. O princípio da seletividade e da distributividade elucida-se na diretriz
estampada no Inciso III do parágrafo único do art. 194 de nossa Carta Magna, sendo
este de suma importância para o Sistema de Seguridade Social.
Ele dispõe e determina que o aplicador escolha como objeto de
proteção, dentre as necessidades que acometem o ser humano, aquelas que
efetivamente causem perda ou diminuição da capacidade para a sua mantença.
Neste sentido, Luiz Cláudio Flores da Cunha80 preleciona :”O
princípio da seletividade é aquele que propicia ao legislador uma espécie de
79 CARDONE, Marly A. Previdência, Assistência, Saúde: o não Trabalho na Constituição de 1988. São Paulo: LTr, 1990, p. 35
75
mandato específico, com o fim de estudar as maiores carências sociais em matéria
de seguridade social, e que ao mesmo tempo oportuniza que essas sejam
priorizadas em relação às demais.”.
Salta-nos aos olhos a contraposição do principio da seletividade e o
da universalidade. Contudo, estes se complementam, no sentido de que as
necessidades a serem protegidas acabam por serem infinitas, enquanto os recursos
para tanto, são finitos. Assim, a seletividade acaba por identificar qual a contingência
que deve ser “protegida” primeiramente às outras.
Nas palavras da professora Marisa Ferreira dos Santos81:”As
disposições constitucionais que impõem o respeito aos princípios da universalidade
e da seletividade podem parecer, num primeiro momento, contraditórias. Se a
igualdade impõe a universalidade da cobertura e do atendimento, como é possível
limitá-los pela seletividade?Os dois princípios não se excluem, complementam-se.
Justamente para alcançar o bem-estar e justiças sociais o constituinte de 1988
elegeu-os como princípios. A universalidade impõe a cobertura de todas as
situações de necessidades básicas e o atendimento de todas as fases protetivas.
Mas sabe-se que, no terreno da seguridade social, o objetivo está concentrado em
suprir as necessidades sociais relacionadas aos mínimos vitais que importam o
conceito de bem-estar”.
80 CUNHA, Luiz Cláudio Flores. Princípios de Direito Previdenciário na Constituição da Republica de 1988. FREITAS, Vladimir dos Passos (Coord.) Direito Previdenciário: Aspectos Materiais, Processuais e Penais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1999, p. 39
81 SANTOS, Marisa Ferreira dos. O Princípio da Seletividade das Prestações de Seguridade Social. São Paulo: LTr, 2004, p. 181
76
A respeito, mostra-se preciosa a lição do Ilustre Professor Wagner
Balera82 ao afirmar que:” mediante a seletividade, o legislador é chamado a estimar
aquele tipo de prestações que, em conjunto, concretizem as finalidades da Ordem
social, a fim de fixar-lhes o rol na norma jurídica. Realizada a estimativa, a
distributividade faculta a escolha, pelo legislador , de prestações que- sendo direito
comum a todas as pessoas - contemplam de modo mais abrangente os que se
encontrem em maior estado de necessidade”.
Ao selecionar as contingências e os destinatários da proteção, a
distributividade revela-se como um comando ao legislador para que, dentro das
possibilidades do Sistema, escolha aquelas que melhor distribuam, ou redistribuam
a renda arrecadada direta e indiretamente da sociedade, cumprindo uma das
principais funções da Seguridade Social, bem como o fim primordial do Estado
Social.
Neste sentido, a Professora Cristiane Miziara Mussi83 preleciona
que: “Há uma certa discricionariedade no que se refere à seleção e distribuição das
prestações. Contudo, essa discricionariedade não pode ser confundida com
arbitrariedade. O legislador, ao utilizar o principio em analise, deve agir conforme os
ditames constitucionais, tomando decisões legalmente aceitas, sob pena de
desconfigurar a real intenção do constituinte”.
82 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 21. 83 MUSSI, Cristiane Miziara. O Principio da Seletividade e da Distributividade das Prestações no Sistema de Seguridade Social. São Paulo: Pontifica Universidade Católica, 2004, p. 107.
77
Mais uma vez, pautamo-nos nas palavras da professora Marisa
Ferreira dos Santos84, prelecionando que:” A seletividade destina-se à garantia dos
mínimos vitais necessários à obtenção de bem-estar. A distributividade visa à
redução das desigualdades sociais e regionais, com o que implementa a justiça
social. A seletividade e a distributividade, então, são instrumentos que, no campo da
seguridade social, viabilizam a consecução dos objetivos da Ordem Social”
Desta forma, podemos ver que o princípio da seletividade e da
distributividade faz com que a Seguridade Social alcance o seu fim, de forma a
proporcionar justiça social, inclusive, justiça distributiva, permitindo maior amparo à
parcela da população cujas necessidades são maiores.
d) Irredutibilidade do Valor dos Benefícios . Com efeito, ao
assegurar a irredutibilidade do valor dos benefícios, o inciso IV do art. 194 da
Constituição Federal, prestigia a garantia que protege o direito adquirido, também
expresso em seu texto no art. 5º, XXXVI.
As prestações oferecidas pela Seguridade Social são: os benefícios e
os serviços. Os primeiros referem-se às prestações pecuniárias outorgadas pelo
Sistema, como os benefícios previdenciários. O segundo, refere-se a prestações
ofertadas pelo Poder Público, como por exemplo a reabilitação profissional.
Quando se elucida sobre o princípio da irredutibilidade dos valor dos
benefícios, este determina que os benefícios concedidos e mantidos pela
Seguridade Social não podem sofrer redução do seu quantum, não tornando
84 SANTOS, Marisa Ferreira dos. O Princípio da Seletividade das Prestações de Seguridade Social. São Paulo: LTr, 2004, p. 181
78
imutáveis os seus valores fixados em abstrato nos dispositivos legais, mas sim, de
modo que, uma vez adquirido o direito ao benefício por um individuo diante da
ocorrência de fatos indispensáveis para tanto, tornar-se-á irredutível o seu valor.
Wagner Balera85, a respeito se pronuncia:” Os benefícios são
prestações pecuniárias que não podem sofrer modificações nem em sua expressão
quantitativa( valor monetário), nem em sua expressão qualitativa (valor real)”.
E continua: “A fim de que essa diretriz se cumpra, é necessário que a
legislação estabeleça o adequado critério de aferição do poder aquisitivo do
benefício. Poder aquisitivo que, se vier a ser reduzido, deve de pronto ser
recomposto mediante reajustamento periódico do valor da prestação devida”.
O princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios, além de estar
elencado no inciso IV do art. 194 da Constituição Federal, encontra-se
expressamente aclarado no §4º do Art. 201, que trata da Previdência Social, nos
seguintes termos:
Art. 201 . A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (...)
§4º è assegurado o reajustamento do valor dos benefícios para preserva-lhes , em caráter permanente , o valor real, conforme os critérios definidos em lei.
85 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006, p.21/ 22.
79
e) Equidade na Forma de Participação no Custeio. A equidade na
forma de participação no custeio, tem especial relevância no custo direto da relação,
vez que, irradia seus efeitos sobre a atividade pela qual, o Estado extrai recursos
financeiros da sociedade através das contribuições sociais, destinando-os da
maneira mais justa possível no financiamento da Seguridade Social.
A respeito, Lycia Braz Moreira86, expõe da seguinte forma: “decorre
desse princípio que, somente fatos da vida social que sejam indícios, diretos ou
indiretos, de capacidade econômica podem ser levados pela lei a pressuposto de
nascimento da obrigação tributária”.
O princípio da equidade na forma de participação no custeio,
juntamente com a capacidade contributiva, acabam por densificar o princípio da
isonomia, “exigindo um ponto de equilíbrio entre a capacidade econômica do
contribuinte e o esforço financeiro que dele será cobrado para a constituição do
fundo comum de proteção social”.87
E que, “ Aplicado o critério em comento, esse meio indispensável
para a concretização da seguridade, que é a forma de participação no custeio, não
se constituirá em outro elemento apto a propulsionar ou agravar as desigualdades
sociais que, como fatores de risco, a ordem econômica acaba criando”
O §1º do artigo 145 da Nossa carta Magna, ao tratar da Tributação e
do Orçamento no Título VI, vem corroborar as afirmação acima apresentadas,
prelecionando que:
86 MOREIRA, Lycia braz. O Princípio do Mínimo Existencial e a sua Eficácia na Informação do Conceito de Renda. Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, 2004, p. 23 87 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 22.
80
Art. 145 . A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
(...)
§1ºSempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultada à administração tributária, especialmente para conferir a efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Assim, podemos vislumbrar que, o princípio da equidade na forma de
participação no custeio, determina que os atores sociais contribuam para o Sistema
de Seguridade Social de acordo com suas possibilidades, ou seja, sua capacidade
contributiva, bem como com suas peculiaridades perante o Sistema, de modo que,
por exemplo, os empregadores que explorem atividade que expõe seu empregado a
maiores riscos sejam tributados de maneira mais onerosa.
f) Diversidade da base de Financiamento . O inciso VI do parágrafo
único do art. 194 da nossa Constituição federal, determina que deve existir
diversidade da base de financiamento.
Este princípio determina que o legislador procure e selecione os
mais variados fatos econômicos geradores de riquezas, cuja finalidade é a
possibilidade de maior arrecadação para o Sistema de Seguridade Social, bem
como, evitar a privação de recursos necessários para a sua manutenção .
81
Neste sentido, o Professor Wagner Balera88, sabiamente traz que: “O
esquema tradicionalmente adotado pelo direito brasileiro, e que, desde 1934, passou
a ser definido constitucionalmente, baseou-se na chamada contribuição tríplice (dos
trabalhadores, dos empregados, e da União). Quanto mais claramente se afirma a
idéia de seguridade social como organismo protetor da coletividade, tanto mais ela
carece de recursos financeiros e adicionais. O esquema da contribuição tríplice
revelou-se insuficiente e, já de há muito, a seguridade social exigia novas fontes de
recursos”.
Assim, podemos vislumbrar que, a base de financiamento do Sistema
de Seguridade Social deve ser a mais variada possível, de modo que as oscilações
setoriais não comprometam a arrecadação das contribuições, proporcionando maior
segurança ao Sistema.
A respeito, ressaltamos a afirmação de Fábio Zambitte Ibrahim89, a
qual corroboramos, conclamando que : “A diversidade da base de financiamento é
que permitirá a evolução da seguridade social no sentido de implementar os
mandamentos constitucionais, em especial, a garantia efetiva do bem-estar e justiça
social”.
g) Caráter Democrático e Descentralizado da Adminis tração,
mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos
empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgã os colegiados (art.
194, parágrafo único, VII da Constituição Federal).
88 BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário, São Paulo: Quartier Latin, 2004. p.92.
89 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário.11 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 62.
82
Nossa Carta Magna, desde o seu preâmbulo ressalta que, a vontade
política do constituinte definiu o Brasil como um Estado Democrático de Direito.
Este princípio visa à participação da sociedade na organização e no
gerenciamento da Seguridade Social. Para tanto, traz que deve ser de forma
quadripartite, ou seja, com a participação de trabalhadores, empregadores,
aposentados ( incluídos pela Emenda Constitucional n. 20/98) e o governo.
Tanto se faz presente a intenção do constituinte, que além do
estimulo que já seria natural de um Regime Democrático, prevê no artigo 10º da
nossa Carta Magna, disciplinando sobre os direitos sociais, que:
Art. 10 . É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação.
Desta forma, aclara-nos que o princípio da gestão democrática
determina que toda a sociedade, principalmente os atores sociais diretamente
afetados pelo Sistema de Seguridade Social, representados, respectivamente pelo
Governo, os empregadores, os empregados e os inativos (gestão quadripartite)
participem efetivamente da formulação das políticas a serem implementadas pelo
serviço público essencial.
No tocante à descentralização da administração do sistema, esta
determina que o Poder Público distribua as atribuições, entre os diversos atores
83
sociais, com a finalidade de se obter maior eficiência na utilização dos recursos,
seja pelo maior conhecimento das peculiaridades locais, regionais, ou estaduais,
seja pelo ganho de produtividade obtido pela especialização de tarefas, uma vez que
quem está mais perto do problema, muitas das vezes tem mais facilidade para
resolvê-lo.
Mais uma vez nos pautamos nas palavras do Professor Wagner
Balera90, ressaltando que : “ A fim de dar consistência à estrutura que idealizou,
permitindo que a mesma se aproxime dos destinatários das medidas de proteção
social, o constituinte determinou a descentralização da gestão da seguridade social”
Destarte, salientamos que os princípios brevemente explanados são
diretrizes de todo o Sistema de Seguridade Social, ou seja, da Previdência Social e
Privada, da Saúde, e da Assistência Social em nosso País, e que indubitavelmente
se apresentam democratizantes no que se refere à elaboração, financiamento e
implementação de políticas sociais.
2.3 DA ASSISTÊNCIA E DO ASSISTENCIALISMO
2.3.1 BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Com relação à terminologia assistência e assistencialismo pode
existir confusão ainda entre ambos, uma vez que vários conceitos foram atribuídos
90 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 24
84
a esses termos dentro do contexto histórico da hoje denominada Assistência Social.
O termo “assistência”, compreendido em seu mais amplo sentido,
abrange todas as formas de amparo, seja por meio de auxílios, subsídios, apoio,
orientação, socorro ou intervenção, podendo esta relação protetiva se estabelecer
tanto na informalidade das relações entre familiares, vizinhos, amigos, como
também mediante legislação específica, que faz previsão a direitos a serem
atendidos e amparados pelo Estado.
Como oposição a esta idéia de assistência, coloca-se a noção de
assistencialismo, entendido como a prática de assistência através de benesses,
favores, enfim, de doações caridosas. Nesta relação entre o sujeito do
assistencialismo e o beneficiário sujeitado estabelece-se uma relação de
dependência decorrente do desprendimento de bondade do outro.
Aldaíza Sposati91, relata que “ em todo o Brasil, as práticas
assistenciais com maior visibilidade partiram da Irmandade de Misericórdia, que
mantinham orfanatos e Santas Casas. Inaugurando a transferência das
responsabilidade do Poder Público para as ações de benemerência, instalou-se em
São Paulo, uma pequena enfermaria que era ao mesmo tempo albergue e hospital,
atendendo com abrigo, alimentação e enfermagem a escravos e homens livres”.
As Casas de Misericórdias, irmandades e comunidades, sob a
invocação de algum santo, e com práticas devotas (Franciscanos, Beneditinos,
Carmelitas) se obrigavam, por compromissos, a prestar auxílios e praticar o
assistencialismo.
91 SPOSATI, Aldaíza. História da Pobreza Assistida em São Paulo. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 1987, p. 32 .
85
Com o advento do Regime Republicano no Brasil, em 1889,
inaugura-se um período de transformações, em que os grandes centros do Brasil
são marcados pela emergência do modo de produção de mercadorias. São Paulo,
em particular, é marcado pelo crescimento da atividade cafeeira, o desenvolvimento
comercial da cidade e a instalação de melhoras púbicas.92
Neste período, a mão de obra estrangeira era muito volumosa e os
salários eram rentáveis somente para os proprietários. Assim, o imigrante era o mais
expropriado, vivendo em situações de pobreza. Para apoio a estes, em 1888, foi
criada por fazendeiros paulistas, juntamente com a Irmandade de Misericórdia, a
Hospedaria do Imigrante que abrigava o recém-chegado, adotando medidas de
higiene, vacinação, alimentação sob a direção da Sociedade Protetora da Imigração.
Durante a Primeira Guerra Mundial (1945), a indústria brasileira
registrou alto índice de expansão, fruto do declínio do comércio internacional. “Com
o aumento das atividades industriais, cresce o contingente de trabalhadores
organizados, o que fortaleceu o movimento operário. Uma das formas iniciais de
manifestação coletiva dos trabalhadores foi o mutualismo ou a organização de
sistemas de socorro mútuo”.93
Neste contexto, as ações assistenciais ainda eram praticadas por
particulares e preponderantemente pela Igreja Católica. Proliferaram as entidades
sociais dos religiosos, cuja maioria delas destinava-se ao amparo às crianças,
meninos e meninas órfãos, educandários, enfim. Multiplicaram-se também as
92 SPOSATI, Aldaíza. História da Pobreza Assistida em São Paulo. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 1987, p. 36 93. MESTRINER, Maria Luiza. Assistência Social: Oposições e Aproximações. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 1992, p.46.
86
instituições centradas na disciplina e no preparo para o trabalho, tais como:
escolas paroquiais, escolas noturnas, albergues, associações de benemerência,
etc.
Aldaíza Sposati94, com veemência, relata que: “na medida em que o
número e o tipo dessas instituições aumentavam, o Poder Público desenvolve seu
caráter fiscalizador, e para este fim, cria-se a Junta de Auxílios e Subvenções”
E prossegue que: “os ideais para propor a criação de um Órgão
Nacional de controle das ações assistenciais, deveria associar-se a ação pública e
privada, visando introduzir uma organização racional e um saber no processo de
ajuda.”
Nessa concepção, era preciso saber dar esmolas. A ação estatal,
teria fiscalização da filantropia para não alimentar a aparição de mendigos e
bandidos. O Estado deveria posicionar-se como fiscalizador, para que os asilos
socorressem os verdadeiros mendigos.
A Professora Aldaíza Sposati95, em sua obra Vida Urbana e Gestão
da Pobreza, a respeito preleciona:
”Ataulpho de Paiva, articulista do Jornal do Comercio do Rio de Janeiro, difundiu a idéia da criação de um Órgão Nacional de Controle das ações de assistência, que, associando as iniciativas públicas e privadas, romperia o espontaneísmo da assistência esmolada e introduziria uma organização racional no processo de ajuda. Conforme esta concepção, o Estado manteria posição supletiva à iniciativa privada na atenção àqueles temporária ou definitivamente impossibilitados de, pelo trabalho ou pelo apoio familiar, prover as necessidades de sobrevivência”.
94 SPOSATI, Aldaíza. História da Pobreza Assistida em São Paulo. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 1987, p. 36 .
95 SPOSATI, Aldaíza. Vida Urbana e Gestão de Pobreza. São Paulo: Ed. Cortez, 1988, p. 54.
87
Apesar dos apelos de Ataulpho de Paiva, somente em 1938, durante
o governo de Getúlio Vargas, consolidou-se a primeira regulamentação da
Assistência Social no Brasil, com a criação do Conselho Nacional de Serviço Social
(CNSS). Inaugura-se uma nova forma de inserção do Estado na relação, na qual
tem primazia, o trabalho como princípio regulador.
A regulação estatal da Assistência Social no Brasil começa na
década de 1930, com a atribuição direta de auxílios e organizações sociais, cuja
contribuição da caridade era cobrada sobre a importação de bebidas alcoólicas e
distribuída em cotas anualmente.
Esse processo continuou com a criação, em 1931, da Caixa de
Subvenções, pelo Decreto 20.531/31, para auxiliar instituições de caridade, exigindo
atestado de funcionamento e gratuidade dos serviços e atribuindo ao Ministério de
Justiça e dos Negócios a fiscalização e o registro dos requerentes.
A Lei Federal 119/35 extingue essa Caixa e cria um Conselho de
caráter consultivo, formado por cinco especialistas da área, e nove representantes
governamentais, vinculados ao presidente da Republica, ampliando o universo de
instituições e incluindo as de saúde e educação. “O Conselho Nacional de Serviço
Social foi um dos Órgãos de cooperação do Ministério da Educação e Saúde e
constitui-se na primeira forma de presença da assistência social na administração
88
estatal federal, com a função de subsidiar as organizações sociais de amparo social”
.96
A Professora Maria Luiza Mestriner97, preleciona ainda que: “Ao
reconhecer a ‘questão social’, o governo Vargas faz seu enquadramento jurídico,
intervindo no domínio das relações entre capital e trabalho. A compreensão da
natureza desta “ questão” será colocada no discurso governamental como dever do
estado nacional, que reconhece a sua função de velar pelo bem-estar da sociedade
e de proteger os mais fracos, propiciando-lhes uma situação mais digna e humana
(é claro que de forma ocasional e não universal). O trabalho, antes forma de
escravidão, será enfocado no novo discurso oficial como valor social. Passa a ser
um direito e um dever do homem, uma tarefa moral e um ato de realização, uma
obrigação para com a sociedade e o Estado e uma necessidade do próprio
individuo”.
Nesse contexto, a Constituição Federal de 1934, com influência da
Constituição alemã de Weimar, alarga os direitos fundamentais, incluindo direitos
sociais dentre eles: o da família98 e o do trabalho.99
A este respeito, Silvina Maria Carro100, ressalta que: “Os conteúdos
constitucionais de 1934, além de dar legitimidade à legislação social, incluíram
96 MESTRINER, Maria Luiza. O Estado Entre a Filantropia e a Assistência Social. São Paulo: Ed. Cortez, 2001, p. 58 a 63. 97 MESTRINER, Maria Luiza. O Estado Entre a Filantropia e a Assistência Social. São Paulo: Ed. Cortez, 2001, p. 72/73 98
CF/34Título III- Da Declaração de Direitos. Capítulo II. Dos Direitos e das Garantias individuais. Art. 34. A todos cabe o direito de prover à própria subsistência e à de sua família, mediante trabalho honesto. O Poder Público deve, na forma da lei, os que estejam em indigência. Título V. Da família, da Educação e da Cultura. Capítulo I. Da Família.Art. 114 . A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. 99
CF/34Título IV. Da ordem Econômica e Social. Art. 121 A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhadores e os interesses econômicos do país.
89
interesses expressos da Igreja Católica por meio da garantia de institucionalização
de alguns de seus princípios fundamentais e posições no aparelho de Estado
essenciais a sua função de controle social e político”.
Em 1942, paralelamente à regulamentação e legislação que protege
os trabalhadores, criam-se formas institucionalizadas com vasta presença feminina
na assistência social, como por exemplo, a Legião Brasileira de Assistência101 (LBA).
“Nela, o caráter de doação é exaltado para aqueles que não são capazes de prover
sua própria subsistência”.102
A Professora Aldaíza Sposati103, não nos deixa esquecer de que: “ a
ação da mulher como voluntária e a mobilização da contribuição da sociedade para
enfrentar situações diversas seguem, até os dias atuais, marcos que a LBA
institucionalizou na sociedade brasileira. A LBA em sua criação, portanto, é a
expressão da parceria entre o Estado, o empresariado e o voluntariado feminino
civil, para entender a pobreza. 104
100 “Em 1931, comemorando os 40 anos da Encíclica Rerum Novarum ( centrada na questão operária),
divulgava--se em Roma a encíclica Quadragésimo ano, na qual promovia a restauração da ordem social, a reforma das instituições e a melhora dos costumes e da qual se inferem componentes da prática do serviço social. A Rerum Novarum f oi inspiradora de uma verdadeira ciência social católica, avaliava as relações operárias-patrimoniais, o papel do Estado, a função dos católicos”. CARRO, Silvina Maria. A Assistência Social no Universo da Proteção Social- Brasil, França, Argentina. Pontifica Universidade Católica, São Paulo, 2008, p. 154. 101
Esta foi considerada a primeira grande instituição brasileira de assistência social, com origem na mobilização do trabalho civil, feminino e de elite em apoio ao esforço nacional representado pela entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. 102
CARRO, Silvina Maria. A Assistência Social no Universo da Proteção Social- Brasil, França, Argentina. Pontifica Universidade Católica, São Paulo, 2008, p. 157. 103
SPOSATI, Aldaíza. BRANT DE CARVALHO, Maria do Carmo. LBA: Identidade e Efetividade das Ações no Enfrentamento da Pobreza Brasileira. São Paulo: EDUC, 1989, p. 16. 104
Com o final da guerra, a LBA tornou-se um órgão de assistência às famílias necessitadas em geral. Em 1991, sob a gestão de Rosane Collor como primeira dama, foram feitas denuncias de esquemas e desvios de verbas da LBA, sendo extinta durante o governo de Fernando Henrique Cardoso
90
A Legião Brasileira de Assistência (LBA)105 foi criada em nível federal
pela então primeira-dama Darcy Vargas, com o objetivo de ajudar as famílias dos
soldados enviados à segunda guerra mundial. Foi “registrada no Ministério da
Justiça e negócios Interiores, com núcleos por todo o País, como uma sociedade
civil de finalidades não econômicas e voltadas para congregar as organizações
assistenciais, e desde a sua criação expressava um vinculo entre o público e o
privado e atuando fundamentalmente com parcerias”.106 “O pacto do pós-guerra
começa a exigir do empresariado maior organização e novas atitudes e relação à
força de trabalho. O desenvolvimento social passa a ser compreendido como um
dever do Estado, e a figurar nos discursos governamentais como bandeira”.
A Professora Aldaiza107, mais uma vez revela que:
“A era de Juscelino Kubistchek (1956-1961) representou o início da modernização do aparelho do Estado, pela implantação de grandes usinas elétricas, siderúrgicas e da institucionalização gradativa de órgãos estatais voltados às políticas sociais com um tom nitidamente assistencial. A LBA seguiu sua trajetória de órgão paralelo à ação governamental. Suas ações assistenciais evoluíram desde a arrecadação de fundos para a manutenção de instituições carentes, auxilio econômico, amparo e apoio à família, orientação maternal, campanhas de higiene, fornecimento de filtros, assistência médico-odontológica, manutenção de creches e orfanatos, lactários, colônias de férias, concessão de instrumentos de trabalho, etc”.
105 Port. MPAS 2.771/95 - Port. - Portaria MINISTRO DE ESTADO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL - MPS nº 2.771 de 14.11.1995 D.O.U.: 14.11.1995 Dispõe sobre a guarda e o controle do acervo documental da extinta Fundação Legião Brasileira de Assistência - LBA, ficará a cargo e sob responsabilidade das Superintendências Estaduais do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, excetuando o acervo técnico necessário para o desenvolvimento das atividades da Secretaria de Assistência Social deste Ministério.
105 SPOSATI, Aldaíza. BRANT DE CARVALHO, Maria do Carmo. LBA: Identidade e Efetividade das Ações no Enfrentamento da Pobreza Brasileira. São Paulo: EDUC, 1989, p. 19
.
91
Assim, podemos verificar que, até então, o Estado se estabelece
como regulador da proteção social, cuja função da administração se dava à primeira-
dama, e independente de uma política estatal.
Silvina Maria Carro, 108 nos relata que: “A política de assistência
social, a partir da década de 1940, foi administrada como uma forma sócio-
assistencial que nasceu centralizada, construiu uma destacável estrutura
administrativa descentralizada e uma rede de serviços próprios, ancorada sob os
cuidados da primeira-dama, mas independente de uma política estatal, e
desvinculada da perspectiva do direito.Por outro lado, os programas de seguridade
social, durante os governos de Getúlio Vargas, foram influenciados pelo modelo
alemão de fins do século XIX; basearam-se no principio da contribuição individual e
foram co-financiados pelo empregador e pelo Estado. Nesse período, o modelo
ainda não avançou para aqueles trabalhadores não inseridos formalmente no mundo
do trabalho”.
Em 26 de agosto de 1960, foi editada a Lei de n. 3.807, chamada Lei
Orgânica da Previdência Social- (LOPS) que uniformizou as normas existentes
sobre Previdência Social, padronizando o Sistema, aumentando as proteções
oferecidas, tais como; auxílio-natalidade, auxílio-funeral, aposentadoria especial e
auxílio-reclusão. Contudo, alguns trabalhadores não foram contemplados por esta
norma, como por exemplo: os domésticos, os rurais e os autônomos.
108 CARRO, Silvina Maria. A Assistência Social no Universo da Proteção Social-Brasil, França, Argentina: Pontifica Universidade Católica, São Paulo, 2008, p. 169
92
A unificação administrativa da Previdência Social somente ocorrera
em 1966, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) pelo
Decreto-lei de n. 72, de 21 de novembro do referido ano.
No ano de 1974, foi criado o Ministério da Previdência e Assistência
Social, desmembrando-se do Ministério do Trabalho e Previdência Social. No
entanto, foi somente com a criação do Sistema Nacional de Previdência e
Assistência Social (SINPAS) pela Lei de n. 6.439 de 1º de setembro de 1977, que se
desenvolve um modelo concentrado de ações para a Assistência Social no nível
federal, e se estende a cobertura previdenciária à população.
O SINPAS, traçou o caminho para a construção do Sistema de
Seguridade Social, trazido pela Constituição Federal de 1988. Esse Sistema foi
composto por sete entidades, sendo elas: o Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS), o Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social
(IAPAS), o Instituto nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS),
a Legião Brasileira de Assistência (LBA), a Fundação Nacional de Bem-Estar do
Menor (FUNABEM), a Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social
(DATAPREV), e a Central de Medicamentos (CEME)109.
Entre os anos de 1985 a 1988, a Assistência Social passou a ser
amplamente debatida e a ter espaço definido nas áreas públicas. A inclusão da
Assistência Social na Constituição Federal de 1988, como parte do tripé formativo da
Seguridade Social (Previdência Social, Assistência Social e saúde) torna-se inédito.
109 PEREIRA JÚNIOR, Aécio. Evolução Histórica da Previdência Social e os Direitos Fundamentais. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n.707, 12 jun.2005. Disponível em: HTTP://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6881&p=3. Acesso em: 14/07/2009.
93
Assim, a Assistência Social na Constituição Federal de 1988, passa a
ser definida como um conjunto de bens e serviços que são prestados pelo Estado
em benefício dos membros da comunidade social, atendendo as necessidade
públicas.Ergue-se como marco legal para a compreensão da redefinição do perfil da
Assistência Social em nosso País, e em seu artigo 194 a qualifica como parte
integrante do Sistema de Seguridade Social.
A professora Ivanete Boschetti110, nos revela que vários foram os
elementos que retardaram o reconhecimento legal da assistência social como
direito, e que estão agindo como obstáculos para sua concretização, ou seja, “ a
mesma particularidade que dificulta o reconhecimento e a materialização do direito
se alimenta e se reproduz da condição de não direito”.
Sob esta perspectiva, a autora pontua tais particularidades: a) a
subordinação aos interesses clientelistas dos governantes e de muitos
parlamentares que fazem das verbas e subvenções públicas um patrimônio privado;
b) a implementação que ocorre em decorrência de interesses político-econômicos-
partidários do governo, c) tratada como prática “assistemática e descontínua”, a
Assistência Social teve dificuldades até mesmo para receber a nomenclatura de
política social; d) eterna confusão entre assistência e filantropia, que é resultado de
mero desconhecimento das diferenças, do antagonismo entre assistência social
como política pública e benemerência, o que revela a intenção de manutenção da
assistência no plano do dever moral e submetida a interesses clientelistas e
paternalistas, confirmando que a assistência social, é política que sempre esteve à
margem do direito, do financiamento e das prioridades do governo.
110 BOSCHETTI, Ivanete. A Assistência Social no Brasil: um Direito entre Originalidade e Conservadorismo. 2 ed.
Brasília: UNB, 2003, p. 42
94
Nossa Carta Magna, dedica no Capítulo II, que trata da Seguridade
Social, uma seção específica sobre a Assistência Social, prevendo em seu artigo
203, os destinatários da mesma, assim dispondo:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social e tem por objetivos:
I- a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II- o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III- a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V- a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
O artigo 204 da Constituição Federal de 1988, não somente indica a
fonte primária dos recursos que custarão às ações sociais, como também traz as
diretrizes a serem adotadas na política de Assistência Social , assim vejamos:
Art. 204 . As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:
I- descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas à esfera estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;
II- participação da população , por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.
95
A respeito, Almansa Pastor111 assegura que “a assistência é
instrumento de tutela em situações de indigência àquele que não consegue ao
menos satisfazer as necessidades básicas para sua subsistência, e o Estado deve
assumir esta carga pública de redistribuição, estando a proteção social aos seus
cuidados “.
A definição legal da Assistência Social, vem disciplinada na Lei n.
8.742/93, em seu artigo 1º, apresentando-se como direito do cidadão e dever do
Estado.
O conceito de Assistência Social tradicionalmente considerado, e
efetuada como ação de caráter assistencialista, como já mencionado, avançou após
a Constituição Federal de 1988, alcançando o patamar de política pública,
apontando a possibilidade de executar uma política de Seguridade Social não-
contributiva, capaz de prover os mínimos sociais para atender os fenômenos sociais
gerados na injusta distribuição de renda.
Aldaíza Sposati, elucida que a discussão da assistência social como
política pública, foi inaugurada no movimento constituinte a partir de 1985, como
parte da proposta da unificação entre a previdência e a saúde e, conseqüentemente,
com sua interface com a assistência social.
E que: “Um primeiro passo para compreendê-la como política de
seguridade social é romper com a idéia de que assistência social é o campo estrito
da assistência com um significado tutelador”. Uma política de proteção social
111 PASTOR, José Manuel Almansa, Derecho de la Seguridad Social. Séptima Edición, Madrid: Editora Tecnos, 1991, p. 34.
96
compõe o conjunto de direitos de civilização de uma sociedade ou o elenco das
manifestações e das decisões de solidariedade de uma sociedade para com todos
os seus membros. Ela é uma política estabelecida para a preservação, a segurança
e dignidade a todos os cidadãos. O fato de não ser uma política de desenvolvimento
mas sim, de proteção social, não constitui um caráter depreciativo, como querem
alguns, mas sim uma nova exigência no trato das relações sociais”.112
Assim, vislumbramos que foi com a ausência do pleno exercício de
cidadania e de um Estado democrático, que se justificou e fundamentou
historicamente o casuísmo e negligência tradicional por parte dos governantes ao
tratar da pobreza e da miséria, pelas quais não se sentiam responsáveis. O assunto
era da competência de quem praticava a filantropia, uma vez que, por não ser
ainda uma política pública, o Estado fazia concessões mediante algumas
emergências, mas não mantinham ações permanentes para atender as carências
sócio-econômicas.
Com relação á proteção social, não havia uma lei que desse
cobertura aos atingidos pela dinâmica do capitalismo, buscando a sociedade fazer
uma reposição material aos pobres com seus excedentes (sobras) por solidariedade.
Nossa Constituição Federal de 1988, traz como diretriz fundamental
no artigo 230 que, “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as
pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua
dignidade e bem estar e garantindo-lhe o direito à vida”.
112 SPOSATI, Aldaiza. Assistência Social: Desafios para uma Política de Seguridade Social. cadernos ABONG, outubro de 1995, p. 24
97
E é com base no artigo 194 da Constituição Federal, que em
07/12/1993 foi promulgada a Lei n. 8.742 a Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS) que dispõe sobre a política de Assistência Social, que como política pública
destina-se a superar a debilidade de certos segmentos, desfazer exclusões e
assegurar o direito à vida como padrão mínimo de dignidade, ou seja, busca-se a
preservação dos indivíduos, dentro de “padrões éticos de dignidade constituídos
historicamente numa dada sociedade”.113
Desta forma, elucidamos que a Assistência Social avançou e avança
em direção a descentralização e a democratização de sua gestão, em que Órgãos
governamentais, não governamentais e sociedade civil vêm compondo e
trabalhando para ampliar o significado das necessidades básicas postas
historicamente pela sociedade em busca do aprimoramento da interpretação e
aplicação da legislação nos moldes constitucionais da Seguridade Social, em que a
Assistência Social é elemento importantíssimo, como já salientado.
2.4 DA LEI ORGÂNICA DA ASSISTENCIA SOCIAL (LOAS) LEI N. 8.742/93
A Lei n. 8.742 de 07 de dezembro de 1993, dispõe sobre a
organização da Assistência Social e dá outras providências, trazendo desde
113 SPOSATI, Aldaiza.Assistência na Trajetória das Políticas Sociais Brasileiras..5 ed. São Paulo. Cortez, 1992, p. 66 a 77.
98
definições da própria Assistência Social em seu artigo 1º114, traçando seus
objetivos, tratando dos princípios e das diretrizes que devem reger a mesma.
Elucida sobre a organização e gestão das competências dos
Conselhos de Assistência Social nos âmbito municipal, estadual e federal, bem
como dos benefícios, serviços, programas e projetos de enfrentamento da pobreza,
do financiamento e das disposições gerais e transitórias.
Com relação aos objetivos da Assistência Social, estes estão
presentes na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em seu artigo 2º115, nas
mesmas letras do texto Constitucional, especificadamente no art. 203, ou seja, “ a
proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice, o amparo
às crianças e adolescentes carentes, a promoção da integração ao mercado de
trabalho, a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a
promoção de sua integração á vida comunitária e a garantia de 01 (um) salário
mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que
comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família”.
114Lei 8.742/93: Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva , que prove os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. 115 Lei 8.742/93: Art. 2º A assistência social tem por objetivos:
I- A proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II- O amparo às crianças e adolescentes carentes;
III- A promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV- A habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração á vida comunitária;
V-A garantia de 01 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Parágrafo único. A Assistência Social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências e à universalização dos direitos sociais.
99
A Carta Magna de 1988, bem como a Lei n. 8.742/93,
estabeleceram mudanças da estrutura institucional e o conceito de Assistência
Social como política pública em nosso País.
A professora Potyara, a respeito preleciona: “a LOAS é a
regulamentação de um princípio constitucional e representa a vontade e a decisão
pública. É uma Política de Seguridade Social, guiada pela lógica não contributiva, é
desmercadorizada além de não participar da concorrência de mercado. Deve
configurar-se como progressiva, preventiva, redistributiva e não contratual.”116
A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), fez com que
efetivamente a política de Assistência Social integrasse o conjunto da Seguridade
Social, inovando quanto a afirmação de suas diretrizes, sobre a importância da
integração social e econômica, e contribuindo principalmente para o reconhecimento
da universalização e da garantia de acesso às Políticas Sociais, como um exercício
de cidadania.
O modelo de assistência social proposto, preconiza nos artigos 5º e
8º desta Lei, as diretrizes117 da sua organização e a co-responsabilidade118 das três
esferas de governo (União/Estados/DF e Municípios) exigindo a contrapartida local e
116, PEREIRA A. P. Potyara A Assistência Social na Perspectiva dos Direitos- Critica aos Padrões Dominantes de Proteção aos Pobres no Brasil, p. 96 117 Lei n. 8.742/93 Art. 5º A organização da assistência social tem como base as seguintes diretrizes:
I-Descentralização político-administrativa para o Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo;
II-Participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis;
III-Primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo. 118 Lei 8.742/93 :Art. 8º A União, Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, observados os princípios e diretrizes estabelecidos nesta Lei, fixarão suas respectivas Políticas de Assistência Social.
100
incentivando a participação da sociedade civil na formulação, fiscalização e controle
das Políticas Públicas por intermédio dos conselhos estaduais e municipais.
Com relação à definição de mínimos sociais119, colocou-se em
debate os limites da cidadania que a normativa constitucional expressa na
seguridade social brasileira traria, impulsionando um conjunto de ações e de
medidas que foram usadas para operacionalizar a política de assistência social com
a perspectiva de um patamar de direitos e de cidadania120.
Sobre as possibilidades dos mínimos sociais, a argumentação da
Professora Aldaíza Sposati121, é esclarecedora a respeito, que: “a provisão dos
mínimos sociais prevista na LOAS, está longe de uma proposta minimalista ou de
um pacto de conformismo, uma vez que, exprimiu um padrão básico122 de inclusão
do vinculado a patamares de padrão de vida digno”.
119 A noção de mínimos sociais é muito heterogênea. Varia de acordo com o tipo, a alógica ou o modelo de
proteção social adotado. Pode ser ampla, concertada e institucionalizada em uns paises, e restrita, isolada e não institucionalizada em outros. Contudo, os mínimos sociais geralmente definidos como recursos mínimos, destinados a pessoas incapazes de prover por seu próprio trabalho a sua subsistência . Tais recursos assumem frequentemente a forma de renda e de outros benefícios incidentes, setorialmente sobre as áreas da saúde, da educação, da habitação, etc., ou sobre categorias particulares de beneficiários como: idosos, pessoas portadoras de deficiência, pias solteiros, viúvas. Seu financiamento advém, preponderantemente de fonte orçamentária -e não de contribuições- e o seu funcionamento o mais das vezes prevê: obrigações recíprocas entre o beneficiário, o Estado e a sociedade; a inserção profissional e social; e contrapartidas.( PEREIRA, Potyara A.P.Necessidades Humanas: subsídios à critica dos mínimos sociais. São Paulo: Cortez, 2000, p.16) 120
O Brasil, representado pelo Secretário-Executivo do Ministério da Previdência Social (MPAS) Carlos Eduardo Gabas, presidiu a Reunião Tripartite de Especialistas sobre estratégias para a extensão da Cobertura da Seguridade Social, que ocorreu entre os dias 02 e 04 de setembro de 2009 em Genebra, na Suíça, na sede da Organização Internacional do Trabalho (OIT).Painéis foram coordenados por temas, cujo ponto comum foi o conceito de “piso social básico”, segundo o qual cada país apresenta medidas de garantia para as populações de baixa renda, independentemente de contribuições. Exemplos do Brasil, foram citados. 121 SPOSATI, Aldaíza. Mínimos Sociais e a Seguridade Social: Uma Revolução da Consciência da Cidadania,.São Paulo: Cortez, 1997 , p.35. 122PEREIRA. A.Potyara. Necessidades Humanas: Subsídios a critica dos mínimos sociais, São Paulo: editora Cortez, 2000, pg. 26/27, elucida de forma clara o significado da terminologia “ básico” que deve ser buscado pela política de assistência social nos seguintes termos: “ O básico expressa lago fundamental, principal, primordial, que serve de base de sustentação indispensável e fecunda ao que a ela se acrescenta. O básico requer investimentos sociais de qualidade para preparar o terreno a partir do qual maiores atendimentos podem ser prestados e otimizados. O básico é a mola mestra que impulsiona a satisfação básica de necessidades em direção ao ótimo”.
101
E que: “ mínimos sociais são os pressupostos para a cidadania, isto
é, oferta de oportunidades de educação, saúde, trabalho, segurança e qualidade de
vida, e não somente o atendimento às necessidade básicas”. 123
Essa conceituação, entendida em geral como limite de subsistência
no limiar da pobreza absoluta, ou sobrevivência biológica, implica ter condições para
o enfrentamento do mercado de trabalho e obter renda, na perspectiva de alcançar
um padrão de vida digno e de atenção e acesso a um padrão de qualidade de vida
por meio de serviços e garantias.
Isso implica, em considerar a provisão social como uma política em
movimento, que não pode retroceder, nem se contentar em procurar suprir de forma
isolada e estática as privações que por serem extremas, exigem respostas mais
complexas, vez que, somente terão eficácia se estabelecerem inter-relações com
diversas medidas de proteção, que visem incrementar a qualidade de vida, de
cidadania dos mais desprotegidos.
Nesta inter-relação, os efeitos conjuntos de programas, projetos,
serviços, segundo Potyara, deverão, necessariamente, produzir encadeamentos
positivos para frente e para trás, sendo estes devidamente previstos e
administrados. Ressalta que os possíveis encadeamentos negativos hão de existir,
vez que toda política encerra contradições.
Traz que: “são encadeamentos para frente da política social, em seu
próprio âmbito, os efeitos acumulados (positivos ou negativos) que a oferta de um
123 SPOSATI, Aldaíza. Mínimos Sociais e a Seguridade Social: Uma Revolução da Consciência da Cidadania,.São Paulo: Cortez, 1997 , p.36.
102
programa ou medida cria sobre outros programas ou medidas sociais, facilitando-os
ou dificultando-os”124.
É exemplo de encadeamento positivo para frente, o produzido por
um programa integrado de merenda escolar, cujos efeitos ultrapassem a função
alimentar que o motivou e propiciem a melhoria das condições de saúde e de
aprendizagem das crianças contempladas, e é exemplo de encadeamento negativo
para frente, o produzido por um programa focalizado de atendimento à pobreza
extrema, que, justamente por ser focalizado, deixa no abandono consideráveis
parcelas de pobres, que logo irão engrossar as fileiras dos miseráveis.
“São encadeamentos para trás da política social, em seu próprio
âmbito, os efeitos (positivos ou negativos) que um programa ou medida provocam
na decisão pública de criar ou fortalecer outros programas, iniciativas ou políticas
que lhes sirvam de pré-condição”125.
Constitui exemplo positivo o encadeamento produzido por
programas de alimentação e nutrição, que, para serem desenvolvidos, demandam
preliminarmente a atenção ao sistema de produção e comercialização de alimentos
básicos em apoio ao pequeno produtor rural, e é exemplo negativo, o encadeamento
produzido por programas que, para serem implementados, enfraquecem ou
determinam a extinção de medidas preexistentes, que poderiam ampliar e fortalecer
o rol da segurança social.
124 PEREIRA. A.Potyara. Necessidades Humanas: Subsídios a critica dos mínimos sociais, São Paulo: editora
Cortez, 2000, pg. 28/29. 125
PEREIRA. A.Potyara. Necessidades Humanas: Subsídios a critica dos mínimos sociais, São Paulo: editora Cortez, 2000, pg. 29.
103
Assim, percebemos que em todas as variantes de encadeamentos
(positivos e negativos), há que se privilegiar os positivos, vez que são eles que
deverão ser perseguidos e reforçados pela política social comprometida, que busca
a melhoria da satisfação das necessidades humanas básicas. Contudo, não se tem
como deixar de levar em conta os encadeamentos negativos, pois a sua
desconsideração pode conduzir a fracassos na otimização da provisão social, ou
seja, é preciso buscar alcançar maiores metas de equidade, a partir das
características das questões a enfrentar relacionadas às necessidades humanas
consideradas básicas.
Movimentos, estudos e debates foram registrados, no sentido de
garantir densidade ao tema, tais como o Simpósio Nacional sobre Assistência Social
em 1989, Seminário de Assistência Social em 1991, e finalmente em 1993, em que o
Ministério o Bem-estar Social, em Brasília, promoveu encontros em diferentes
regiões do Brasil , os quais procederam a Conferência Nacional de Assistência
Social, gestando sua regulamentação constitucional, e posteriormente encaminhado
ao Congresso Nacional pela Deputada Fátima Pelaes, e que fora sancionado em 07
e publicada em 08 de dezembro de 1993, trazendo definições, traçando diretrizes,
disciplinando sobre a organização e gestão, dos benefícios, do financiamento da
Assistência Social, dos projetos de enfrentamento da pobreza, e especificando
princípios aos quais passamos a analisar.
104
2.5 DOS PRINCÍPIOS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
A Lei n. 8.742/93- LOAS, em seu art. 4º , traz os princípios e as
diretrizes que norteiam, amoldam e vocacionam a constituição de relacionamentos
entre governo e sociedade civil, entre organismos prestadores de assistência social
e usuários, à Política de Assistencial Social no Brasil, da seguinte forma:
Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:
I- Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica;
II- Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;
III- Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito à benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;
IV- Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;
V- Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.
Como podemos observar, os princípios acima elencados
harmonizam-se com os princípios norteadores da Seguridade Social, vez que a
Assistência Social, como já salientado, é parte integrante do Sistema de Seguridade
Social, não podendo em hipótese alguma contradizê-los. Desta forma, passamos a
analisar cada um deles:
105
2.5.1 DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO ATENDIMENTO ÀS NECESSIDADES
SOCIAIS SOBRE AS EXIGÊNCIAS DE RENTABILIDADE ECONÔM ICA;
Este princípio coaduna-se da lógica da Assistência Social, em que,
se tratando de direito fundamental e consagrado na Constituição Federal, os
Poderes Públicos, em todas as esferas (Legislativo, Executivo e Judiciário), devem
utilizar-se de critérios e políticas que beneficiem o maior número possível de
pessoas necessitadas, não utilizando critérios e parâmetros excludentes,
principalmente com relação à rentabilidade econômica, devendo as ações sociais
visando o tratamento prioritário das necessidades sociais sobrepor-se às exigências
da rentabilidade econômica para tanto.
Neste sentido, a Potyara Pereira, afirma que: “a Assistência Social é
desmercadorizável, não se guia pela lógica do mercado, e não exige contrapartida
financeira de seus demandantes”.126
Pela trajetória da Assistência Social no Brasil podemos observar
que esta conservou uma característica peculiar e que se mantém na formulação
constitucional atual, qual seja: o fato de que a Assistência, enquanto prática e
política, usualmente tem sido concebida e realizada como ação complementar a
diferentes áreas de atuação estatal, realizando um papel suplementar junto á
serviços básicos prestados pelas demais políticas públicas sociais, como na área da
126 PEREIRA, A. P. Potyara. Assistência Social na Perspectiva dos Direitos: Crítica aos Padrões Dominantes de Proteção aos Pobres no Brasil, Brasília, Thesaurus, 1996, p. 29.
106
saúde, educação, habitação, enfim, mantendo interface com as políticas sociais
setoriais.
A Assistência presente na política de educação pública, por
exemplo, é identificada no repasse de verbas para a merenda escolar, material
didático, através do antigo programa ” Bolsa Escola” que agora encontra-se incluído
no programa “Bolsa Família”, sem os quais boa parte das crianças e adolescentes
inseridos no ensino público não teriam condições de concluí-los. Da mesma forma,
ocorre na área da Saúde, onde vários serviços assistenciais são prestados, como
por exemplo no fornecimento de medicamentos, transportes para os doentes e etc.
Desta forma, salientamos que as ações sociais voltadas para o
tratamento prioritário das necessidades sociais devem sobrepor-se às exigências da
ordem econômica, que muitas vezes confrontam-se como a alegação da reserva
do possível, como veremos no Capítulo IV quando tratarmos especificadamente do
princípio da reserva do possível, evidenciando que é a lei de orçamentos que deve
se adequar aos direitos garantidos e não os direitos que deve se adequar à mesma,
bem como que, os direitos fundamentais devem prevalecer sobre os demais, ou
seja, direitos como : o direito à vida, à alimentação, ao trabalho, à saúde, à moradia,
dentre outros elencados em nossa Carta Magna, não podem estar condicionados
somente à “ sobra” de valores de uma má administração pública para serem
cumpridos.
107
2.5.2 DA UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS A FIM DE TORNAR O
DESTINATÁRIO DA AÇÃO ASSISTENCIAL ALCANÇÁVEL PELAS DEMAIS
POLÍTICAS PÚBLICAS;
A universalização dos direitos sociais está como principio da
Assistência Social, vez que esta tem como primazia à pretensão e busca da
extensão dos benefícios a todos que dele necessitarem.
Essa universalização compreende o respeito às diferenças
individuais, tentando-se a partir da heterogeneidade alcançar o nível que a justiça
social exige, a fim de tornar o destinatário alcançável pelas demais políticas
públicas. Para tanto, essa universalidade deve ser concretizada ao lado de demais
direitos sociais, como por exemplo, incluí-lo a uma política de emprego, de
qualificação profissional, de educação, dentre outras.
Portanto, a Assistência Social compreendida como um direito
fundamental, sozinha não será capaz de alcançar essa universalidade pretendida,
como nenhuma política social isoladamente será capaz de suprir as necessidades
sociais.
Potyara127, a respeito preconiza: “As políticas públicas sociais
tendem a ser genéricas nos destinatários e especializadas na atenção, com exceção
da política assistencial que é genérica na atenção e especifica nos destinatários, vez
127 PEREIRA, A. P. Potyara. Assistência Social na Perspectiva dos Direitos: Crítica aos Padrões Dominantes de
Proteção aos Pobres no Brasil. Brasília, Thesaurus, 1996, p. 53.
108
que objetiva tornara as demais políticas sociais penetráveis a parcelas excluídas da
sociedade”.
Assim, por exemplo, crianças nascidas em famílias extremamente
empobrecidas, que mesmo contando com a escola pública em suas cidades,
dificilmente freqüentarão a escola regularmente e darão continuidade nos estudos,
vez que precisarão trabalhar para a melhoria da pequena renda familiar, bem como
a educação básica, que se pretende ser universal enquanto política pública não
atingirá seu objetivo.
Entretanto, uma vez entrando em campo de medidas de política
assistencial, em que esta família receberá um auxílio, como por exemplo o bolsa
família 128 para as famílias carentes com filhos em idade escolar, essas crianças
poderão freqüentar a escola.
Desta forma, a Assistência Social atinge o objetivo da universalização
dos direitos sociais, fazendo com que os seus destinatários, sua população alvo,
sejam alcançáveis por políticas públicas essenciais, como por exemplo a educação,
o amparo ao desemprego, atuando como um instrumento capaz de resgatar as
128 O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 69,01 a R$ 137,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 69,00), de acordo com a Lei de n. 10.836, de 09 de janeiro de 2004 e o Decreto n. 5.209, de 17 de setembro de 2004.
O PBF integra a estratégia FOME ZERO, que visa assegurar o direito humano à alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar e nutricional e contribuindo para a erradicação da extrema pobreza e para a conquista da cidadania pela parcela da população mais vulnerável à fome.
O Programa pauta-se na articulação de três dimensões essenciais à superação da fome e da pobreza:
Promoção do alivio imediato da pobreza, por meio da transferência direta de renda à família;
Reforço ao exercício de direitos sociais básicos nas áreas de Saúde e Educação, por meio do cumprimento das condicionalidades, o que contribui para que as famílias consigam romper o ciclo da pobreza entre gerações;e
Coordenação de programas complementares, que têm por objetivo o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários do Bolsa Família consigam superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. São exemplos de programas complementares: programas de geração de trabalho e renda, de alfabetização de adultos, de fornecimento de registro civil e demais documentos. (pesquisa feita em 03/07/2009 no site: WWW. mds.gov.br/o_programa_bolsa_familia/o-que-e)
109
pessoas do estado de miserabilidade indigência, elevando-se suas condições de
vida digna, para que, a partir daí, outras políticas públicas possam atender seus
anseios e efetivamente cumprir sua universalização.
2.5.3 DO RESPEITO À DIGNIDADE DO CIDADÃO, À SUA AU TONOMIA E AO
SEU DIREITO A BENEFÍCIO E SERVIÇOS DE QUALIDADE, BE M COMO Á
CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA, VEDANDO-SE QUAL QUER
COMPROVAÇÃO VEXATÓRIA DE NECESSIDADE;
Este princípio, está descrito no inciso III do art. 4º da LOAS, e como
pode se observar, em seu texto traz explícito qual deverá ser o objeto a ser
preservado e assegurado, consagrando o compromisso do Estado Brasileiro de
fazer cumprir os direitos humanos, muito evidenciado na seara da Seguridade Social
e da Assistência Social, vedando ao Poder Público submeter os cidadãos que se
encontram em estado de necessidade social a situações vexatórias
No âmbito da Assistência Social, apesar de ser inconcebível o
desrespeito à dignidade do cidadão como em qualquer outra hipótese, a mantença
da autonomia do cidadão, bem como o direito a benefícios e serviços de qualidade
devem ser buscado e preservado.
Vedando-se em qualquer hipótese, a comprovação vexatória da
necessidade, acaba-se por assegurar a autonomia daquele cidadão, evitando
infortúnios que acabam por expô-los a situações vexatórias e indignas, exigindo por
110
exemplo documentos dispensáveis, reiterado retornos desnecessários, extensas
filas e péssimos serviços, sejam superados.
Esse princípio, veda a prática clientelística muito comum ao velho
estilo assistencialista, onde o atendimento ao carente era visto como favor, e não
como direito, bem como a estigmatização do usuário com a redução de sua
autonomia e a comprovação vexatória de suas necessidades para que possa ter
acesso a benefícios e serviços essenciais à própria manutenção.
A despeito desta forma clientelística, salientamos a distribuição em
espécie (alimentos), ao invés de ajuda financeira, apostando na incapacidade das
famílias pauperizadas em gerir o próprio orçamento, assim retirando-se a autonomia
do beneficiário da assistência social.
Luiza Frischeisen, elogiosamente comenta o veto de José Orcírio
Miranda dos Santos , conhecido como “Zeca do PT”, então governador do Estado, à
lei estadual que previa distribuição de gêneros alimentícios a famílias carentes
daquela unidade federativa, considerando que tal prática fere a dignidade humana e
desrespeita a autonomia do cidadão, uma vez que, a Assistência Social
renovada pela Constituição Federal de 1988, deve prover complementação
da renda familiar de núcleos carentes, permitindo que estes construam a sua
emancipação, na Obra Políticas Públicas, a Responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público ( p. 93/94). 129
129 Trechos do veto do ex-governador sul mato grossense:“ Analisando o autógrafo do projeto de lei aprovado pelos doutos Deputados Estaduais, com a preocupação de respeitar a ordem jurídica e o interesse público, entendi por bem adotar a medida extrema do veto total, porquanto suas disposições contrariam a política de Assistência Social que vem sendo implementada neste Governo e, por conseguinte, vulneram os princípios estabelecidos pela Lei Orgânica da Assistência Social, conforme ao final restará satisfatoriamente demonstrado.Com efeito, a Lei Federal n. 8.742/93, Lei Orgânica da Assistência Social- LOAS, que regulamenta os artigos 203 e 204 da Constituição Federal, define que a assistência social, direito do cidadão e dever do
111
Com efeito, a dignidade da pessoa humana, emana autonomia do
indivíduo, uma vez que o mesmo deve possuir a capacidade de conduzir sua própria
existência, e isso somente ocorrerá, se possuir meios necessários para tanto,
através de benefícios e serviços de qualidade.
2.5.4 DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE DIREITOS NO ACES SO AO
ATENDIMENTO, SEM DISCRIMINAÇÃO DE QUALQUER NATUREZA ,
GARANTINDO-SE EQUIVALÊNCIA ÀS POPULAÇÕES URBANAS E RURAIS.
Elencado também como princípio da Assistência Social, o principio
da igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer
natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais está expresso
no inciso VI do art. 4º da LOAS.
“Trata-se de princípio que visa não somente a densificar, ao lado do
princípio da universalidade, o sobreprincípio da igualdade, mas também a adequá-lo
à realidade e às nuances da proteção social”130.
Estado, é políticas de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais.Isso significa dizer que a assistência social se inscreve no campo da seguridade social para assegurar proteção social à população excluída involuntariamente das políticas públicas básicas e das oportunidades de acesso a bens e serviços produzidos pela sociedade.(...) Como facilmente se constata, o projeto de lei ora vetado não guarda conformidade com os princípios que regem a assistência social (...) porquanto se limita a regulamentar meramente uma atividade paternalista de distribuição de gêneros alimentícios, sem qualquer correlação com outras políticas sócias, desrespeitando a dignidade e autonomia do cidadão. (...)À vista das razões acima expendidas, não é difícil concluir que o projeto de lei vetado (...), é inoportuno e contrário ao interesse público, uma vez que representa um retrocesso aos avanços da assistência social como política pública, por caracterizar-se como uma ação assistencialista, paternalista, que fere a dignidade e a autonomia do cidadão”.
130 PEREIRA FILHO, Luiz Clemente. Princípios Constitucionais da Seguridade Social. São Paulo: Pontifica Universidade Católica, 2006, p. 127.
112
Essa preocupação pelo legislador, já vinculada constitucionalmente,
é a equivalência entre as populações urbanas e rurais quanto á Seguridade Social, e
igualmente na seara assistencial, pelo fato, de que antes da Constituição Federal de
1988, o que havia era um discrímem entre a população urbana e a rurícola, que
era brutalmente desfavorável ao rurícola, como já evidenciamos na análise dos
princípios relativos à Seguridade Social, ficando estes fora do ordenamento jurídico
de proteção social.
Assim, verifica-se acertadamente que nossa Carta Magna, bem como
a LOAS, aprimoraram-se no sentido de que, sendo a miséria no meio rural
brasileiro expressiva tanto quanto a urbana, a legislação deve prever e assegurar
que o homem do campo socialmente excluído faça jus aos mesmos meios em que
o homem urbano que assim se encontra, seja amparado pela Assistência Social de
forma equânime.
2.5.5 PRINCÍPIO DA AMPLA DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES RELATIVOS À
ASSISTÊNCIA SOCIAL
Este principio proclama a ampla divulgação dos benefícios, serviços,
programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder
Público e dos critérios para sua realização.
Com relação aos destinatários da Assistência Social, até pelo fato de
exclusão em que se encontram, dificilmente os mesmos tem conhecimentos sobre
113
seus direitos e a melhor forma de usufruí-los.
Portanto, o Estado deve sair de sua cômoda condição de só atender,
quando solicitado pelos carentes, e prestar sistematicamente a estes da melhor
forma possível, a garantia de êxito com relação aos serviços prestados na esfera
assistencial, de modo que com as divulgações destes direitos, possam torná-los
mais eficazes, e fielmente um instrumento capaz de propiciar o real alcance dessa
proteção social.
A ausência de informações acaba por impedir que pessoas
necessitadas tenham acesso às prestações assistenciais, privando-os assim do
recebimento e utilização dos benefícios assistências, inclusive com relação ao
Benefício Assistencial de Prestação Continuada, que analisaremos no próximo
capítulo, fazendo com que a situação de necessidade continue, e muitas vezes
favorecendo seu uso eleitoreiro para manipulações desleais e indevidas.
Assim, diante da extrema importância da análise de conceitos
complexos referentes à Assistência Social, em especial ao benefício assistencial de
prestação continuada como benefício “chave” desta, os abordaremos
especificadamente no próximo capítulo.
114
CAPITULO III
DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
3.1- BREVE HISTÓRICO
O benefício assistencial de prestação continuada, que assim
denominamos, teve e tem muita divergência em relação a sua nomenclatura, vez
que alguns o reconhecem como Amparo Social, outros como Beneficio de
Prestação Continuada e outros ainda Renda Mensal Vitalícia.
Da análise dos antecedentes do referido benefício, verificaremos tais
denominações desde a fase inaugural do mesmo até o seu desenvolvimento nos
dias atuais.
Originalmente, fora denominado de Renda Mensal Vitalícia pela Lei
n. 6.179, de 12 de dezembro de 1974, que assim dispunha:
Art. 1º Os maiores de 70 (setenta) anos de idade e os inválidos, definitivamente incapacitados para o trabalho, que, num ou noutro caso, não exerçam atividade remunerada, não aufiram rendimentos, sob qualquer forma, superior ao valor da renda mensal fixada no artigo 2º, não sejam mantidas por pessoa de quem dependam obrigatoriamente e não tenham outro meio de prover ao próprio sustento, passam a ser amparados pelo Previdência Social, urbana ou rural, conforme o caso, desde que:
I- Tenham sido filiados ao regime do INPS, em qualquer época, no mínimo por 12 (doze) meses, consecutivos ou não, vindo a perder a qualidade de segurado; ou
II- Tenham exercido atividade remunerada atualmente incluída no regime do INPS ou do FUNRURAL, mesmo sem filiação à Previdência Social, no mínimo por 5 ( cinco) anos, consecutivos ou não; ou ainda
115
III- Tenham ingressado no Regime do INPS após completar 60 ( sessenta) anos de idade sem direito a benefícios regulamentares.
Art. 2º As pessoas que se enquadrem em qualquer das situações previstas nos itens I e III, do artigo 1º, terão direito á:
I- Renda mensal vitalícia, a cargo do INPS ou do FUNRURAL, conforme o caso, devida a partir da data da apresentação do requerimento e igual à metade do maior salário-mínimo vigente no País, arredondada para a unidade de cruzeiro imediatamente superior, não podendo ultrapassar 60% (sessenta por cento) do valor do salário-mínimo do local de pagamento.
II- Assistência médica nos mesmos moldes da prestada aos demais beneficiários da Previdência Social urbana ou rural, conforme o caso,
§1º A renda mensal de que trata este artigo não poderá ser acumulada com qualquer tipo de benefício concedido pela Previdência Social urbana ou rural, por outro regime, salvo, na hipótese do item III, do artigo Iº, o pecúlio de que trata o §3º, do artigo 5º, da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, na redação dada pelo artigo 1º,da Lei nº 5.890, de junho de 1973.
§2º Será facultada a opção, se for o caso, pelo beneficio, da Previdência Social, urbana e rural, ou de outro regime, a que venha a fazer jus o titular da renda mensal.
Como se observa, nesta relação jurídica tem-se como sujeito ativo o
ex-trabalhador, e como sujeitos passivos o FUNRURAL (quando se tratasse de
trabalhador rural como sujeito ativo) e o INPS- Instituto Nacional de Previdência
Social (quando o sujeito ativo fosse o ex-trabalhador urbano), cujo objeto, era não
apenas uma prestação pecuniária (renda mensal vitalícia), mas igualmente
assistência médica, não gerando direito ao abono anual ou qualquer outra prestação
assegurada pela Previdência Social urbana ou rural.
O valor da renda mensal vitalícia131 era equivalente a metade do
maior salário-mínimo vigente no país, não podendo ultrapassar 60% (sessenta por
cento) do salário mínimo do local do pagamento (art. 20, I da Lei 6.179/74).
131 Com relação á denominação “ renda mensal vitalícia” que fora adotada na época pelo INPS e FUNRURAL,
Nair Lemos Gonçalves em sua obra Novo Benefício da Previdência Social: Auxílio-Inatividade, Renda Mensal Vitalícia criada pela Lei n. 6.179 de 11/12/1974, assinala que tal expressão não goza de qualquer utilidade, uma
116
A fixação de tal quantia perdurou até julho de 1991, quando
regulamentando o disposto no art. 203 da Constituição Federal de 1988, a Lei 8.213
entrou em vigor, e proibiu a fixação de qualquer benefício com valor inferior a um
salário mínimo.
Apesar do forte traço assistencial contido na referida norma (Lei
6.179/74), não se poderia falar de benefício assistencial, era exigida a prévia filiação
ao sistema previdenciário para o recebimento do mesmo, ou seja, deveria haver o
exercício de atividade laboral remunerada.
Em 1993, a Lei n. 8.742 que regulamentou o Art. 203, V da
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 40132, disciplina sobre a implantação
do benefício de prestação continuada e dos benefícios eventuais previstos nos seus
artigos 20 e 22, inclusive tratando da extinção do benefício de renda mensal
vitalícia ora em questão, do auxílio-natalidade e do auxílio-funeral também
existentes no âmbito da Previdência Social.
Na época, salientava-se que a transferência dos beneficiários do
Sistema Previdenciário para a Assistência Social deveria acontecer de forma que o
atendimento à população não fosse interrompido.
Assim, podemos perceber que o entendimento norteador desta
substituição, foi a caracterização do benefício de natureza jurídica assistencial e
vez que não se distingue das demais prestações previdenciárias que pertencem a este mesmo gênero, pois renda mensal vitalícia é toda e qualquer possibilidade de pagamento de determinada importância com fundamento no mesmo fato gerador do direito, como por ex. a renda mensal de aposentadoria. Acaba por trazer por melhor definição a expressão “ auxílio inatividade”, querendo denominar “ auxilio” como socorro, ajuda, amparo, e “ inatividade” como qualidade do inativo, requisito imprescindível para este benefício. 132 Lei n. 8742/93 Art. 40. Com a implantação dos benefícios previstos nos arts. 20 e 22 desta Lei, extinguem-se a renda mensal vitalícia, o auxílio-natalidade e o auxílio-funeral existentes no âmbito da Previdência Social, conforme o disposto na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.
117
não previdenciária, ou seja, de abrangência universal e sem caráter contributivo
prévio, sendo esta a grande distinção entre a Renda Mensal Vitalícia e o Benefício
Assistencial de Prestação Continuada.
O aspecto contributivo evidenciava-se, posto que, enquanto no
primeiro exigia-se como condição a contribuição de pelo menos doze meses para a
Previdência Social, o segundo independe de contribuição, implicando em um grande
avanço na cobertura de beneficiários.
Desta feita, podemos concluir que o primeiro benefício de natureza
puramente assistencial foi estabelecido pela Constituição Federal de 1988, em seu
artigo 203, V, conferindo ao idoso e à pessoa portadora de deficiência o beneficio
de um salário mínimo, nos seguintes termos:
Art. 203 . A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I- a proteção á família, á maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II- o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III-a promoção da integração ao mercado de trabalho;
III- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
IV- a garantia de um salário mínimo de benefício me nsal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem n ão possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la pr ovida por sua família, conforme dispuser a lei .( grifo nosso)
Contudo, somente após sua regulamentação, que ocorreu com a
edição da Lei 8.742/93, o mesmo se tornou efetivamente instituído e garantido,
118
trazendo assim a provisão de benefício assistencial mensal, passando a constituir
um direito subjetivo com características eminentemente assistenciais.
Entretanto, este benefício somente em 1996 foi efetivamente
implantado nas vias administrativas, em 1996, após a edição do Decreto 1.744/95
que regulamentou a Lei 8.742/93.
Sobre a extinção do benefício de renda mensal vitalícia e a
implantação do benefício assistencial de prestação continuada, há discussão na
doutrina no sentido de que, o primeiro era devido à idosos e deficientes que no
passado tivessem contribuído para o Sistema Previdenciário, como já descrito, ou
simplesmente trabalhado e estivessem sem remuneração própria,
independentemente da renda mensal per capita, e o segundo, apesar de não exigir
prévia contribuição para o seu recebimento, prevê requisitos inexigíveis no
primeiro, como por exemplo a renda per capita mensal inferior a ¼ do salário
mínimo, ocasionando desta forma um retrocesso na cobertura da Seguridade
Social, posto que alguns idosos, por exemplo, fariam juz ao benefício de renda
mensal vitalícia (Lei n. 6.179/74) e não o fazem ao benefício de prestação
continuada (Lei 8.742/93).
Com relação às mudanças ocorridas no histórico do benefício em
questão, as mesmas evidenciaram-se nas condições e modificações dos
requisitos exigíveis para a concessão do referido benefício, que passamos a
analisar:
119
3.2 REQUISITOS LEGAIS PARA OBTER DIREITO AO BENEFÍ CIO TRAZIDOS
PELA LEI N. 8.742/93.
A Constituição Federal de 1988, coerente com os princípios e
objetivos já salientados nos capítulos anteriores, estabelece que a Assistência Social
será prestada a quem dela necessitar. Tal enunciado demonstra que a importância
do cumprimento deste direito social é fundamental para o alcance do bem-estar
social e para a redução das desigualdades sociais.
Ao conferir bem-estar a quem dela necessitar, o legislador
conseqüentemente reduziria as desigualdades e realizará a justiça social,
consoante previsto na Carta Magna. Para tanto, criou beneficio específico para dois
tipos de sujeitos que expressamente quis proteger: a pessoa portadora de
deficiência e o idoso que comprovassem não possuir meios de prover a própria
manutenção ou tê-la provida por sua família, na forma da lei.
Assim, passamos a analisar em especifico os requisitos legais
trazidos pela Lei n. 8.742/93 para ter direito ao beneficio assistencial de prestação
continuada:
3.2.1- BENEFICIÁRIOS: A PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊ NCIA E O IDOSO
A Constituição Federal de 1988 previu casuisticamente o benefício
120
assistencial de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso (art.
203, V)133.
3.2.1.1- PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA:
Para fins de percepção do benefício, dispõe o § 2º da LOAS (Lei n.
8.742/9) que “pessoa portadora de deficiência é aquela pessoa incapacitada para a
vida independente e para o trabalho” .
Diante de tal dispositivo, podemos notar que a referida lei dispõe
sobre novo conceito de pessoa de pessoa portadora de deficiência, definindo-a
como pessoa incapacitada para qualquer ato da vida independente, o que se choca
com a própria Constituição Federal e nas palavras de Aldaíza Sposati134 “com todo
movimento mundial de inclusão da pessoa portadora de deficiência”, vez que a
Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação
contra as pessoas portadoras de deficiência, aprovada em 06 de junho de 1999 pelo
Conselho Permanente da Assembléia Geral da Organização dos Estados
Americanos, e aprovado pelo Brasil através do Decreto n. 3.956/2001, define
deficiência da seguinte forma:
133 CF/88 Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...)V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 134 SPOSATI, Aldaiza. Proteção Social de Cidadania: inclusão de idosos e pessoas com deficiência no Brasil, França e Portugal. São Paulo: Cortez, 2008, p. 181.
121
Artigo 1º : O termo “ deficiência” significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social.
Nossa Constituição Federal, em nenhum momento refere-se à
pessoa portadora de deficiência como aquela inválida ou incapaz para qualquer ato
da vida, mesmo porque traz como um dos objetivos da Assistência Social a
habilitação da pessoa deficiente e sua integração à sociedade e ao mercado de
trabalho. (art.203, III e IV)
Inobstante o texto trazido pela Lei 8.742/93, o Decreto 1.744/95, em
seu artigo 2º inciso II, estabelece que: pessoa deficiente “ é aquela incapacitada
para a vida independente e para o trabalho em razão de anomalias ou lesões
irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou adquiridas, que impeçam o
desempenho das atividades da vida diária e do trabalho”.
O referido Decreto, acaba por criar mais limitações que não existem
no texto da Lei 8.742/93, como por exemplo, fazendo referência a irreversibilidade
da deficiência. Tal dispositivo por tratar-se de um Decretos, que são instrumentos
para regulamentar as leis e não para “criar ou modificar“ seus dispositivos, como
falar em irreversibilidade da deficiência se há mecanismos de revisão do benefício
estipulado justamente para a avaliação da cessação da causa da deficiência?
Com efeito, nossa Constituição Federal135 não estabeleceu que a
impossibilidade de prover a própria manutenção em razão da deficiência fosse
135 CF/88 Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:(...)III- a promoção da integração ao mercado de trabalho;IV
122
definitiva e insuperável. Ao contrário, reconheceu como objetivo a ser buscado, a
habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiências e a promoção de
sua integração à vida Comunitária, como já salientado.
Assim, adotar o conceito trazido pela Lei Orgânica da Assistência
Social n. 8.742/93 (LOAS), é restringir o benefício a determinadas deficiências e
idades das pessoas deficientes, deixando desprotegidas uma infinidade de pessoas
portadoras de deficiência que não possuem meios de obter um fonte de renda.
Entendemos que referida definição entra em contradição com o
estabelecido pela atual Constituição, no tocante à concessão do benefício para a
pessoa portadora de deficiência que comprove “não possuir meios de prover a
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”. E só é capaz de prover à
própria manutenção, a pessoa que tenha condições de exercer alguma atividade
remunerada ou se a sua família tiver condições de mantê-la.
Assim, a incapacidade de exercer alguma atividade remunerada, ou
se sua família não tiver condições de mantê-la, é que deve servir de parâmetro
para a concessão do beneficio em questão. O fato de a pessoa conseguir exercer
algumas atividades diárias como locomover-se, alimentar-se, não a torna
necessariamente apta para que exerça alguma atividade remunerada.
Neste sentido, nos ensina Sérgio Fernando Moro136: “Se a
deficiência for grave o suficiente para incapacitar o seu portador para a vida laboral,
afigura-se evidente que este, impossibilitado de exercer atividade remunerada, não
- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; 136 MORO, Sérgio Fernando. Questões Controvertidas sobre o Benefício da Assistência Social. Porto Alegre : Livraria do Advogado , 2003, p. 156.
123
terá condições de prover o seu próprio sustento. A capacidade para comer ou andar
sozinho ou mesmo para prática de atos da vida diária não garante o sustento do
deficiente. São eles fatos relevantes apenas à medida que constituírem indicativos
da capacidade laboral. Se não for este o caso, ou seja, se não estiverem associados
à capacidade laboral, não tem qualquer relevância”.
Coadunando com este entendimento, a Jurisprudência137, em
consonância com o dever de amparo aos deficientes imposto ao Estado, tem se
posicionado da seguinte forma:
BENEFICIO ASSISTENCIAL. INCAPACIDADE PARA O TRABALH O E PARA A VIDA INDEPENDENTE. (...) A exigência, para p ercepção do benefício, de ser a pessoa incapaz para a vida inde pendente, se entendida como incapacidade para todos os atos da vida, não se encontra na Constituição. Ao contrário, tal exigênc ia contraria o sentido da norma constitucional , seja considerada em si, seja em sintonia com o principio da dignidade humana (CF, a rt. 1º, III) ao objetivo da assistência social de universalidade da cobertura e do atendimento (CF, art. 194, parágrafo único, I) e à ampla garan tia de prestação da assistência social (CF, art.203, caput ) (...).( TRF 4º Região. Processo n. 200170070003963 UF: PR. Órgão Julgador: 5ª Turma. Relator: Juiz Nefi Cordeiro. Data julgamento: 08/06 /2004 DJU 25/08/2004) grifo nosso)
Sob tal argumento, é considerável a crítica de que a vontade do
preceito constitucional não seja a perícia médica do INSS analisa e verifica a
possibilidade e necessidade da pessoa portadora de deficiência para fazer juz ao
recebimento do benefício em questão, vez que dão parecer favorável ao
recebimento deste benefício somente às pessoas dependentes de terceiros,
inclusive nas atividades mais básicas do dia-a dia, contrariando assim o ideal da
137 TRF- Quarta Região. AC. Processo: 200170070003963. PR. ÓRGÃO Julgador: Quinta Turma. Relator Juiz Néfi Cordeiro. Data decisão: 08/06/2004. DJU 25/08/2004.
124
Constituição Federal ao prover a Assistência Social que privilegia a dignidade da
pessoa humana.
Corroborando com este entendimento o STJ138 se manifesta nos
seguintes termos:
O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples f ato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar , fazer sua higiene pessoal ou se vestir, não pode obstar a percepção d o benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do in divíduo, - o que não parece ser o intuito do legislador .(Grifo Nosso)
O que se deve ter em mente, é que, para a exclusão social não
restar estimulada diante de tantas objeções de textos infraconstitucionais, o
conceito de pessoa portadora de deficiência, para fins de recebimento deste
benefício, deve ser interpretado sem exageros, para que assim a justiça social seja
efetivamente aplicada, garantindo proteção à dignidade humana, inclusive de forma
harmoniosa com a inclusão da pessoa portadora de deficiência na sociedade,
estimulando a preparação das mesmas para tanto.
138 RESP. N. 360.202/ AL, 5ª TURMA, REL. MINISTRO GILSON DIPP, DJU 1º DE JULHO DE 2002.
125
3.2.1.2- IDOSO:
O outro sujeito de direito à percepção do referido benefício, é a
pessoa idosa.
Ressaltamos que, o idoso restará por evidenciado no decorrer deste
trabalho, diante da temática abordada, pela situação que os mesmos encontram-
se em relação ao benefício assistencial de prestação continuada.
Juridicamente, a definição legal de pessoa idosa é variável,
dificultando precisão em sua definição, pois vários são os dispositivos legais que
dispõem sobre o idoso no Brasil, apresentando diversidade nesta definição,
principalmente em relação ao limite de idade em que pessoa é considerada idosa
em nosso País.
O art. 230, §2º da Constituição Federal139, por exemplo, considera
pessoa idosa para fins de gratuidade em transportes coletivos urbanos, aquela
pessoa maior de 65 (sessenta e cinco) anos. Já a Lei 8.842/94140, que trata da
Política Nacional do Idoso, afirma que é idosa a pessoa com idade ou maior de 60
(sessenta) anos.
139 CF/88 Art. 230 . A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.(...)
§2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.
140 Lei n. 8.842/94 Art. 2º Considera-se idoso, para os efeitos desta lei, a pessoa maior de sessenta anos de idade.
126
Mesmo com a edição do Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741 1º de
outubro de 2003, não se tem um consenso de definição específica da idade em que
a pessoa independentemente da situação será considerada idosa, posto que há
esta variável, principalmente de 60 (sessenta)141 e 65 (sessenta e cinco)142 anos
dependendo da área relacionada143.
Com relação ao benefício assistencial de prestação continuada foram
várias as determinações referentes ao idoso, quais sejam:
No período de 1º de janeiro de 1996 a 31 de dezembro de 1997,
vigência da redação original do art. 38 da Lei 8.742/93, a idade para fins de
recebimento do benefício devido ao idoso, era de 70 (setenta) anos, tendo sido
alterada para 67 (sessenta e sete) anos pela Lei 9.720/98, no período de 1º de
janeiro de 1998 a 31 de dezembro de 2003, que passou a ser de 65 (sessenta e
cinco) anos com a implementação do Estatuto do Idoso Lei 10.741/03, partir de 01
de janeiro de 2004, perdurando até o presente.
141Lei 10.742/03 Art. 1 o É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
Lei 10.742/03 Art. 71. É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância. 142 Lei 10.742/03 Art. 39. Aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos fica assegurada a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos, exceto nos serviços seletivos e especiais, quando prestados paralelamente aos serviços regulares. 143 § 3o No caso das pessoas compreendidas na faixa etária entre 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos, ficará a critério da legislação local dispor sobre as condições para exercício da gratuidade nos meios de transporte previstos no caput deste artigo.
127
3.2.2 DA DEFINIÇÃO DE FAMÍLIA PARA FINS DO RECEBIM ENTO DO
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
Conforme já mencionado, a Constituição Federal de 1988, em seu
art. 203 V, estabelece a garantia de um salário mínimo à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso144 que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família. Vinculando a concessão do referido
benefício à impossibilidade de a família prover a manutenção, tanto do idoso quanto
do deficiente, a Constituição Federal adota o principio da subsidiariedade. 145
Neste contexto, a proteção social exercida pelo Estado através do
benefício assistencial, é deflagrada de forma subsidiária à condição individual e
familiar.
A fixação das pessoas pertencentes ao grupo familiar, como veremos
logo adiante, será de extrema relevância para a verificação da possibilidade do
recebimento do benefício, inclusive apresentando diferentes enfoques na legislação
pátria.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, considera a
família como base da sociedade. Para efeito de proteção do Estado, reconhece a
união estável entre homem e mulher compondo a entidade familiar, bem como
144 Como já salientamos a idade é de 65 (sessenta e cinco) anos com a alteração trazida pela Lei 10.741/03 – Estatuto do Idoso. 145 Conforme o Professor José Alfredo de O. Baracho, “ a subsidiariedade não deve ser interpretada como um principio que propõe o Estado mínimo e débil, que se retrai a simples funções de vigilância, resguardo ou arbitragem. Com isso, estaria declimado de toda promoção do bem-estar, de toda a presença ativa para orientar e articular as atividades humanas” (O Principio da Subisidiariedade: Conceito e Evolução, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1995, p. 36)
128
considera um dos pais e seus descendentes neste mesmo dispositivo (§4º).
Disciplina também sobre a obrigatoriedade de mútua assistência entre pais e filho,
no seu art. 229.
O Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406/2002) ao tratar do direito aos
alimentos (Arts. 1694 a 1710), amplia esta regra ao estabelecer que “podem os
parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns para os outros os alimentos de
que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social”(art.
1694), bem como que: “ o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e
filhos, extensivos a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos
em grau, uns em falta de outros” (art. 1696).
Assim, podemos vislumbrar que os alimentos são devidos quando
quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover pelo seu trabalho a
sua mantença, e aquele de quem se reclama a possibilidade de fornecê-lo, o faz
sem desfalque no necessário ao seu sustento, conforme prevê o art. 1695 do Código
Civil. Na falta de ascendentes, a obrigação cabe aos descendentes, observada a
ordem de sucessão, e que na falta destes, caberá aos irmãos. (art. 1697). Desta
forma, podemos notar que com relação à obrigação alimentar, a lei civil é bem
mais ampla.
O Estatuto do Idoso, Lei 10.742/03146, em seu Capitulo III, que trata
“Dos Alimentos” no artigo 11, ao estabelece que os mesmos serão prestados ao
idoso na forma da Lei Civil, esclarece que “ se o idoso ou seus familiares não
146 Lei n. 10.742/03 Art. 11. Os alimentos serão prestados ao idoso na forma da lei civil.
Lei 10.742/03 Art. 14 . Se o idoso ou seus familiares não possuírem condições econômicas de prover o seu sustento, impõe-se ao Poder Público esse provimento, no âmbito da assistência social.
129
possuírem condições econômicas de prover o seu sustento, impõe-se ao Poder
Público esse provimento, no âmbito da Assistência Social”.
Com relação à “família” intitulada no dispositivo referente ao
Benefício Assistencial em questão, a Lei 8.742/93 define família a luz da regra
traçada no campo previdenciário, entendendo como família, “ o conjunto de
pessoas elencadas no art. 16 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que
vivam sob o mesmo teto” ( Art. 20 §1º) assim estabelecendo:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
§1 Para os efeitos do disposto no caput , entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto.
E o Art. 16 da Lei 8.213/91 que disciplina sobre os Planos de
Benefícios da Previdência Social e dá outras providências, assim dispõe:
Art. 16 São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I-o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 ( vinte e um) anos ou inválido;
II- os pais;
III- o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.
130
Sobre tal elucidação, verifica-se que o legislador ordinário restringiu
a caracterização da família ao convívio sobre o mesmo teto entre cônjuge,
companheiro (a), filho (a) menor de 21 anos ou inválidos, pais e ou irmãos inválidos.
Em que pese o conceito de família utilizado no âmbito do direito
previdenciário, tal dispositivo acaba por restringir o conceito de família com relação
ao benefício assistencial, uma vez que o mesmo busca tutelar o hipossuficiente147,
que para efeitos do benefício em questão, verifica-se tal situação, consultando
apenas o cadastro de informações sociais (Cadastro Nacional de Informação
Social- CNIS), juntamente com a somatória da renda das pessoas elencadas no art.
16 da Lei 8.213/91.
Ocorre que, em muitos dos casos, o requerente convive com
pessoas com quem possui laços familiares, como por exemplo, um filho maior de
21 anos, um irmão, que possuem condições e o ampararam, sustentando-o
economicamente, e concomitantemente recebem o benefício assistencial, não
sendo hipossuficentes, e não estando em situação de necessidade.
Por isso, resta plausível a aplicação mais ampla do termo “família”
como por exemplo o trazido pela Constituição Federal148 e pelo Código Civil149
147 Com relação a caracterização como hipossuficiente, várias são as vertentes na seara jurídica. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 203, V, traz que será garantido um salário mínimo como beneficio mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. A Lei 8.742/93, em seu art. 20, §3º § 3º traz que: Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. Sobre o requisito de ¼ do salário mínimo per capita, o STF já julgou a ADIN 1.232-1 DF, declarando ser o mesmo constitucional. Contudo, há discussão sobre esta decisão, e no próximo item será por menor analisada.A Lei 9.533/97 traz que o critério a ser adotado para verificação do estado de miserabilidade é de ½ salário mínimo per capita. 148 CF/88 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...)§4º Entende-se como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
131
para fins do recebimento do benefício assistencial, verificando-se a real situação do
requerente e conseqüentemente a sua necessidade, fazendo com que o escopo
protetivo buscado seja melhor atingido, uma vez que acabaria por afastar
situações injustas, principalmente na esfera administrativa, em que não são feitas
visitas nas residências e acompanhamentos por profissionais especializados
(assistentes sociais) para verificar a real condição do requerente.
Para tanto, adotar-se-ia o principio da subsidiariedade previsto na
Constituição Federal como atingível, e não como um critério capaz de ferir a
dignidade humana, de modo que a promoção da dignidade humana deve, além de
ser atribuída ao Estado, ser atribuída também a todos, inclusive à família, uma vez
que esta é o núcleo básico e fundamentador da sociedade, prestigiando o dever de
solidariedade que deve imperar nas relações familiares.
A respeito, Ingo Wolfgang Sarlet nos ensina: “ a ordem comunitária
e, portanto, todas as entidades privadas e os particulares encontram-se diretamente
vinculados pelo principio da dignidade humana, o que implica a existência de
deveres de proteção e respeito também na esfera das relações particulares”.150
Inobstante a escolha seguida pelo legislador ordinário, não há como
apontar mácula para afastar a higidez constitucional desse dispositivo, pois a
definição trazida pela Lei 8.742/93 em seu art. 20, §3º, apesar de ser mais restrita
do que a disciplinada em nossa Carta Magna, não vai de encontro ao núcleo
CF/88 Art. 229 . Os pais tem o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores tem o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 149 Código Civil Art. 1696 O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. 150SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, Porto Alegre: Livraria do advogado, 2002, p. 114.
132
básico traçado pelo Texto Maior, vez que, o termo “família” utilizado para fins
previdenciários (art. 16 da lei 8.213/91) está embasado no princípio da seletividade
e da distributividade que lhe são aplicáveis.
3.2.3 DA RENDA MENSAL PER CAPITA: AFERIÇÃO DO ESTADO DE
MISERABILIDADE.
A erradicação da pobreza está contemplada em nossa Carta Magna
como um dos objetivos da república ( Art. 3º, IV).
Desta forma, a pobreza não pode ser concebida como um fenômeno
inscrito na ordem natural das coisas como um problema individual e resultado de
uma condenável incompetência pessoal, mas sim, encarado como um problema
coletivo que diz respeito à toda sociedade e por esta deve ser enfrentado.
Para a Socióloga Sonia Rocha151, “a pobreza é um fenômeno
complexo, podendo ser definido de forma genérica como a situação na qual as
necessidades não são atendidas de forma adequada”
Amartya Sen152, a respeito preleciona: “a pobreza deve ser
entendida sob a perspectiva da privação de capacidades básicas, em vez de
meramente como baixo nível de renda”. Segundo o Autor, tal concepção não nega a
idéia de que a renda baixa é claramente uma das principais causas da pobreza, já
151 ROCHA, Sonia. A Pobreza no Brasil. Afinal do que se trata?. São Paulo: FGV editora, 2003, p.09 152 SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2000, p. 109.
133
que a falta de renda pode ser a razão primordial da privação de capacidades de uma
pessoa.
A Lei 8.742/93, no texto do §3º do artigo 20 estabeleceu que:
“considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência
ou idosa, a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário mínimo".
Contudo, entendemos que a escolha da referida renda per capita de
¼ do salário mínimo mensal restringiu excessivamente o acesso ao benefício. “O
limite de ¼ do salário mínimo per capita fixado pela LOAS como critério objetivo para
determinar quem são os pobres não tem fundamentos empíricos, e exclui cidadãos
em situação de crítica pobreza, configurando-se uma afronta ao direito fundamental
assistencial”153.
Neste diapasão, Potyara Pereira154 pronuncia que: “o critério de
elegibilidade nela contido inovou em matéria de retrocesso político. Nunca, no Brasil,
uma linha de pobreza foi tão achatada, a ponto de ficarem acima dessa linha
cidadãos em situação de pobreza crítica”.
Este dispositivo traz consigo divergências entre o posicionamento do
Supremo Tribunal Federal proclamado no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1.232-1-DF, a doutrina e a jurisprudência, a qual vejamos:
153 MORO, Sérgio Fernando in ROCHA, Daniel Machado da. Temas Atuais de Direito Previdenciário e Assistência Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 148. 154 PEREIRA, A. P. Potyara. Necessidades Humanas: subsídios à critica dos mínimos sociais. São Paulo: Cortez, 2002, p. 128.
134
Procedendo a analise literal deste dispositivo, resta evidenciado que
somente será considerável para afeitos de recebimento do benefício assistencial de
prestação continuada, aquele cidadão cuja renda familiar per capita for inferior a ¼
do salário mínimo, sendo este entendimento que o Supremo Tribunal Federal
traduziu quando enfrentou o tema na Ação Direta de Inconstitucionalidade –ADIN
1.232-1/DF com a seguinte ementa:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203 DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPOTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSITENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.155
Muitas foram e são as indagações a respeito da decisão tomada e
do posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal que determinou e
estabeleceu o critério de aferição da miserabilidade para fins do benefício
assistencial, o traçado pelo artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93, ou seja, o critério do
¼ do salário mínimo per capita e a sua constitucionalidade. Assim vejamos:
Pelo seu voto, o Ministro Gilmar Galvão, tentou traçar o
entendimento de que a regra de “ mensuração” de miserabilidade trazida pela Lei
8.742/93, como exposta acima, não era absoluta, permitindo ao intérprete flexibilizá-
la diante do caso concreto, assim se pronunciando:
155 ADIN n. 1.232-1, Relator Ministro Nelson Jobim, por maioria, DJU de 01/06/01.
135
(...) o §3º do art. 20 da lei Federal n. 8.742, de 1993, nada mais estava fazendo, senão instituindo típica PRESUNÇÃO JURIS ET DE JURES , ou seja, DISPENSADO DE QUALQUER COMPROVAÇÃO, NO ESPECÍFICO CASO CONSIDERADO - continuando OS DEMAIS CASOS - submetidos a regra geral de COMPROVAÇÃO - no que não extrapolou a outorga que lhe foi conferida pelo texto constitucional.
Entretanto, tal entendimento restou afastado pelo voto dos demais
ministros, conforme se vê explicito no voto vencedor do Ministro Nelson Jobim, que
assim fora prolatado:
“ Sr. Presidente, data vênia do eminente Relator, compete a lei dispor a forma da comprovação. Se a legislação resolver criar outros mecanismos de comprovação, é problema da própria lei. O gozo de benefício depende de comprovar na forma da lei, e esta entendeu de comprovar dessa forma. Portanto não há interpretação conforme possível porque, mesmo que se interprete assim, não se trata de autonomia de direito algum, pois depende da existência da lei, da definição”.
Na ação proposta pelo Ministério Público Federal (ADIN 1.232-1)
argumentava-se que a disposição da norma já descrita, limitava e restringia
indevidamente o direito constitucional ao benefício assistencial.
Contudo o STF assim não entendeu, inclusive reiterando e firmando
o posicionamento de que o critério de aferição da miserabilidade trazido pela Lei
8.742/93 é o único para definir o que seja miserável, como vemos na decisão
proferida pela então Ministra Ellen Graice ao julgar a Reclamação de n. 2264
ajuizada pelo INSS contra a 2ª Turma do TRF da 3ª região que determinou o
pagamento de benefício assistencial previsto pelo inciso V, do art. 203 da CF a
necessitado com renda familiar mensal per capita superior a ¼ do salário mínimo ,
136
por considerar inconstitucional tal limite trazido e inscrito pela Lei n. 8.742/93, assim
se pronunciando:
“ (...) 2- Do exame destes autos verifico que a decisão impugnada adotou fundamentação contrária ao entendimento proclamado pela maioria do Plenário desta casa por ocasião do julgamento da ADIN 1.232-1, consubstanciando afronta ao julgado apontado como paradigma. Anoto que, naquela oportunidade, o Colegiado rejeitou a proposta de interpretação conforme então sugerida pelo relator. Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que outros critérios pudessem ser utilizados para a verificação da condição de miserabilidade, alhures daquele inscrito no art. 20,§3º, da lei n. 8.742/93. (...) Julga procedente a presente reclamação, nos termos do art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno do STF, de modo a cassar a decisão que concedeu o benefício previdenciário sem a observância do limite inscrito na Lei n. 8.742/93”.
Quando da propositura da ADIN 1.232-1, o então Procurador –Geral
da Justiça do Estado de São Paulo, Dr. José Emmanuel Burle Filho, encaminhou
representação ao Procurador Geral da República, na época o Dr. Aristides
Junqueira Alvarenga, pedindo a impetração da mesma contra a redação do
parágrafo 3º, do artigo 20 da Lei 8.742/93, reputando a inconstitucionalidade do
critério de elegibilidade para o benefício assistencial de prestação continuada, e
atendendo aos proclamos da sociedade civil organizada, inconformada com a
regulamentação restritiva dada a Texto Constitucional ( art. 203, V).
A Procuradoria Geral da República, filiando-se à interpretação
exposta pelo Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo, aduziu, em
síntese, que houve um esvaziamento do benefício assistencial constitucionalmente
previsto, tamanha a restritividade usada pelo legislador ordinário ao regulamentá-
lo.
137
A dignidade da pessoa humana e a justiça social são os principais
vetores deste entendimento.
Mas de nada adiantou, uma vez que o STF, como já mencionado,
interpretou e julgou a referida ADIN, decidindo pela sua improcedência e pela
constitucionalidade de tal dispositivo.
Sérgio Fernando Moro156 , assevera-nos mais uma vez que: “O que é
mais criticável no julgado do STF é que o órgão descurou-se de qualquer exame
mais profundo da referida norma, como por exemplo se o legislador, ao elabora-la,
teve por base algum dado empírico, ou ainda assim não fosse, se ela teria algum
respaldo da espécie. Embora não seja usual na jurisdição constitucional brasileira a
utilização de dados empíricos ou de informações fornecidas por ciência não -
jurídica, não há qualquer empecilho em seu emprego, como aliás admite
expressamente o artigo 9º, §1º, da Lei n. 9.868, de 10.11.1999157. O recurso a
dados extraídos de ciências não-jurídicas é necessário quando a interpretação da
norma constitucional demandar investigação empírica, sob pena de serem proferidas
decisões dissociadas da realidade, o que é irracional”.
Assim, analisando os fundamentos da Assistência Social, como
vimos no Capítulo anterior, de que a mesma se destina aos necessitados, aos
pobres, não podemos coadunar com o entendimento do STF ao declarar a
constitucionalidade do requisito de ¼ do salário mínimo per capita, como
156 MORO, Sérgio Fernando. Temas Atuais de Direito Previdenciário e Assistência Social, Porto Alegre: Livraria dos advogados, 2003, p. 149/150. 157 Lei n. 9.868 Art. 9º (...)§ 1o Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria.
138
parâmetro de miserabilidade para fins do benefício assistencial de prestação
continuada, vez que tal decisão pauta-se no conceito de pobreza absoluta.
O conceito ou categoria de pobreza com que trabalham e pelas quais
se pautam os formuladores e gestores de políticas sociais em nosso País, é de
extrema importância para que os objetivos e anseios da Assistência Social
desenhados em nosso Texto Constitucional sejam efetivamente alcançados.
Para tanto “o conceito de pobreza absoluta deve ser afastado das
Políticas de Assistência Social, posto que, está estreitamente ligado às questões de
sobrevivência física, portanto ao não atendimento das necessidades vinculadas ao
mínimo vital”158, ou seja, trata-se das necessidades biológicas humanas mais
prementes, estando o ser humano sob seu triste manto, quando a sua privação
material for profunda e degradante.
Desta forma, estigmatiza-se seu usuário, focando excessivamente
numa margem de necessidade calamitosa, restritivamente seletiva, adotando
medidas simplesmente compensatórias, sem consistência orgânica, ou seja, sem
integração com as demais políticas sociais e humilhando aqueles que procuram e
necessitam da mesma.
Quando tratar-se de Assistência Social, o conceito que deve ser
utilizado é o de pobreza relativa, que “define necessidades a serem satisfeitas em
função de modo de vida predominantemente na sociedade em questão, o que
significa incorporar a redução das desigualdades de meios entre indivíduos como
objetivo social. Implica, consequentemente, delimitar um conjunto de indivíduos
158 ROCHA, Sonia. A Pobreza no Brasil. Afinal do que se trata?. São Paulo: FGV editora, 2003, p.11
139
‘relativamente pobres’ em sociedades onde o mínimo vital já é garantido a todos” 159
ou seja, não só relacionado à comezinhas necessidades de previsão biológica,
como no conceito de pobreza absoluta, mas sim, voltado à necessidade de se atingir
um padrão mínimo de serviços e rendas a que o desenvolvimento médio de uma
dada sociedade permite, guiando-se por necessidades historicamente determinadas
não voltada para setores exclusivamente miseráveis, de modo a não estigmatizar
os seus beneficiários, mas sim, com o intuito de melhorar o “status” de cidadania
destes.
Apesar do STF ter decidido de tal forma, o Superior Tribunal de
Justiça firmou inteligentemente jurisprudência com entendimento oposto, elucidando
que o preceito contido no art. 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não é o único critério válido
para comprovar a condição de miserabilidade preceituada no artigo 203,V, da
Constituição Federal, como podemos observar nos julgados abaixo, ou seja,
admitindo outras formas de comprovação e verificação da condição de
miserabilidade do cidadão:
PROCESSUALCIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. . PREQUESTIONAMENTO. ASSISTENCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUSIITOS LEGAIS. ART. 203 DA CF. ART.20 §3ºDA LEI 8.742/93. (...) II- A assistência social foi criada com o intuito de beneficiar os miseráveis, pessoas incapazes de sobreviver sem a ação da previdência. III- O preceito contido no art. 20 § 3º, da Lei nº 8.742/93 não é único critério válido para comprovar a condição de miserabilidade preceituada no artigo 203, V, da Con stituição Federal. A renda familiar per capita inferior a ¼ do salário m ínimo, um quantum objetivamente considerado insuficiente à subsistênc ia do portador de deficiência e do idoso, o que não impede que o julg ador faça uso de outros fatores que tenham o condão de comprovar a c ondição de
159 ROCHA, Sonia. A Pobreza no Brasil. Afinal do que se trata?. São Paulo: FGV editora, 2003, p.11/12
140
miserabilidade da família do autor . Recurso não conhecido”. (RELATOR MINISTRO FÉLIX FISCHER, DJ, 18/03/2002)(grifo nosso )
PREVDIENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITO . ART. 20 §3º, LEI Nº 8.742/93. CUMPRIMENTO. DESNECESSIDADE. MISERABILIDADE. AFERIÇÃO. DEMAIS MEIOS DE PROVA. POSSIBILIDADE CONCLUSÃO. REVISÃO. SÚMULA Nº 7 DO STJ. REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A teor de pacífico entendimento das Turmas integrantes da Egrégia Terceira Secção, o cumprimento do comando inserto no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não constitui condição sine qua non para a concessão do benefício assistencial. 2. É possível, ao magistrado, diante do caso conc reto, aferir a carência e o estado de miserabilidade autorizador es do deferimento do benefício por outros meios legais de prova , sendo que a revisão de sua conciliação é inviável em sede de recurso especial, por força do comando da súmula nº7 do STJ. 3. Agravo regimental desprovido. ( STJ- AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 49084 1- MINISTRA LAURITA VAZ, 5ª TURMA, DJU 15.09.2003)(gri fo nosso)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 6º DA LICC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTENCIA SOCIAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. ART. 20 §3º,DA LEI 8.742/93. ANÁLISE DO CRITÉRIO UTILIZADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA AFERIR A RENDA MESNAL PER CAPITA DA PARTE. IMPOSSIBILIDADE DE REAPRECIAÇAÕ POIR ESTA CORTE. INCIDÊNCIA SÚMULA N. 7/STJ. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. (...) 3- A Terceira Seção deste Superior Tribunal consolidou o entendimento de que o critério de aferição da renda mensal deve ser tido como um limite mínimo, um quantum considerado insatisfatório à subsistência da pessoa portadora de deficiência ou idosa, não impedindo, contudo, que o julgador faça uso de outros elementos probatórios, desde que aptos a comprovar a condição de miserabilidade da parte e de sua família. ( STJ- RESP N. 868600- MINISTRA MARIA THEREZA DE AS SIS MOURA, 6ª TURMA- DJU 26.03.2007)(grifo nosso)
Cabe-nos ressaltar, que apesar de declarada a constitucionalidade
pelo STF, o posicionamento do STJ pela não literalidade do dispositivo da Lei
8.742/03 admitindo outros meios de prova para comprovação da miserabilidade do
beneficiário e de sua família, é corroborado pelos entendimento dos juízes da 3ª
Região do Tribunal Regional Federal que continuam concedendo benefício
assistencial às pessoas cuja renda familiar per capita ultrapassa ¼ do salário
mínimo, verificando através de meios hábeis (Ex: solicitação de visitas e elaboração
141
de laudos socioeconômicos) em conformidade com a realidade fática das pessoas
idosas e deficientes que se encontram em situação de necessidade, como
vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, V DA C.F. . REQUISITOS DEMONSTRADOS. ÓBICE DE IMPOSSIBLIDADE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA AFASTADOS. RECURSO PROVIDO.(..). Precedentes no Superior Tribunal de Justiça.II - Constitui entendimento jurisprudencial assente que o benefíci o assistencial, por sua natureza, tem na miserabilidade, na incapacidad e laboral e na idade os requisitos para sua concessão,sendo que ne sta E. Corte, em inúmeros julgados, tem-se entendido que cabe ao mag istrado observar os elementos colhidos nos processos individualmente , caso a caso, procurando verificar se estão preenchidos os requis itos para a concessão do benefício, atendendo assim aos "fins s ociais" e "às exigências do bem comum", estabelecidos pelo artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil.III - Cancelamento administrativo do benefício fundado no não preenchimento do requisito previsto no parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, que exige renda per capita familiar igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo, sendo que a conclusão acerca da miserabilidade do grupo familiar decorre do fato de ser ele composto por mais 4 pessoas, sua mãe, irmão, cunhada e sobrinho,todos desempregados, sem condições de prover ao próprio sustento e ao custeio das despesas do agravante. IV - O risco de dano irreparável se dessume do próprio caráter alimentar do benefício e das conseqüências que a postergação da execução podem acarretar à subsistência da agravante, que se encontra com sua capacidade laboral anulada e não possui rendimentos que lhe permitam aguardar o desfecho da ação. V - Agravo provido. (TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO- AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO – 199673, JUIZA MARISA SANTOS-30/08/200 4)A Turma Regional dos Juizados Especiais Federais160 que integram o TRF da 1ª e 4ª
160 PREVIDENCIÁRIO LATO SENSU. BENEFÍCIO de PRESTAÇÃO CONTINUADA. CONCESSÃO. REQUISITOS VERTIDOS NO ART. 20 da LEI 8.742/93. DEFICIENTE. INCAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE. RENDA "PER CAPITA"INFERIOR A 1/2 SALÁRIO MÍNIMO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA. BENEFÍCIO DEVIDO.RELATÓRIO Trata-se de recurso interposto pelo INSS contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido de concessão de benefício de prestação continuada ao deficiente em favor da Recorrida. Alega o Recorrente que a perícia realizada não concluiu pela incapacidade do Autor para o trabalho e para os atos da vida independente, de forma que não existe embasamento legal para a concessão do já citado benefício. Sustenta, ainda, que a renda per capita familiar é superior ao limite legal. Requer, assim, a reforma do julgado. Contra-razões apresentadas às fls. 47/50. O MPF manifestou-se pelo improvimento do recurso às fls. 55/59. É o relato. VOTO Insurge-se o Recorrente contra a sentença prolatada pelo Juízo do 1º Juizado Especial Federal da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso, que deferiu pedido de benefício de prestação continuada ao deficiente em favor da Recorrida.Constato inicialmente que a Autora encontra-se parcial e permanentemente incapaz para o trabalho, conforme perícia médica (fls. 14/17). Cumpre ainda verificar o requisito da incapacidade para a vida independente. Este critério não se restringe à impossibilidade de alimentar-se, vestir-se, fazer a higiene pessoal, etc, pois, se assim fosse, exigindo-se incapacidade total do postulante, haveria restrição indevida a preceitos constitucionais, em especial ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), ao objetivo de universalidade da cobertura e do atendimento previsto para a seguridade social (art. 194, parágrafo único, I), bem como à ampla garantia de prestação da assistência social (art. 203, caput); encontrando-se caracterizada quando a pessoa necessite de atenção, vigilância e cuidados de outrem. Destarte,
142
Região, adotaram o posicionamento de que “ o critério de verificação objetiva da miserabilidade correspondente a ¼ do salário mínimo como previsto no art. 20, § 3º, da lei n. 8.742/93, restou modificado para ½ salário mínimo, a teor do disposto no art. 5º, I, da lei n. 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações sócio-educacionais, e art. 2º, § 2º, da Lei n. 10.689/2003, que cria o Programa
de acordo com o laudo pericial, a Recorrida (62 anos) apresenta lumbago com ciática, outras lesões no ombro direito e fibromialgia há mais de 2 (dois) anos. O tratamento para as doenças atacadas é apenas paleativo conforme informe do expert. Devido à idade avançada e também ao fato de as moléstias serem evolutivas a sua recuperação esta comprometida tornando-a incapaz para atividade laboral, trabalho braçal que demande esforço físico de intenso a moderado e para a vida diária independente necessitando frequentemente da ajuda de terceiros. Assim, verifica-se que a Recorrida é incapaz de prover ao seu sustento, caracterizando, assim, a deficiência a autorizar a concessão do benefício assistencial, ante a demonstração da presença de incapacidade tanto para o trabalho quanto para a vida independente. Nesse sentido, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a seguinte súmula:"Súmula n. 29 - Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento". Colaciono ainda o seguinte aresto:"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE (CF/88, ART. 203, V; LEI Nº 8.742/93, ART. 20, §§ 2º E 3º). EXIGÊNCIA de QUE BENEFICIÁRIO DEPENDA DE OUTREM PARA OS ATOS da VIDA COTIDIANA E de QUE A RENDA PER CAPITA de SUA FAMÍLIA SEJA INFERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO. DESCABIMENTO. I - omissis. II - Não é lícito condicionar o benefício à prova de que o deficiente está incapacitado para os atos da vida cotidiana, como alimentar-se, higienizar-se ou locomover-se. O que a lei exige (Lei 8.742/93, art. 20, § 2º) é que seja incapacitado para a vida independente e para o trabalho. A incapacidade para a vida independente se caracteriza sempre que dependa do amparo, ou acompanhamento, ou vigilância, ou atenção de outrem, semelhantemente ao que ocorre com os idosos que, mesmo sadios, não devem ser deixados sós. III - A exigência de que a renda per capita da família do deficiente seja inferior a ¼ do salário mínimo (art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93) deve ser lida como uma presunção legal de incapacidade econômica, podendo esta se caracterizar mesmo quando aquele percentual for excedido, de conformidade com as circunstâncias específicas de cada caso." (TRF 4ª Região, AG 2001.04.01.068468-6/SC, 5ª Turma, DJU 10/04/2002, Rel. Juiz A. Ramos de Oliveira) (Grifo nosso). Quanto à questão relacionada à possibilidade ou não de concessão do benefício de prestação continuada quando a renda "per capita" da família do beneficiário excede ¼ do salário mínimo vigente, conforme disciplina o §3º do art. 20 da Lei 8.742/93, analiso-a doravante. Deve-se, destarte, voltar-se para a Constituição da República que em seu art. 1º, que preceitua, in verbis:"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I... II... III - a dignidade da pessoa humana". A renda per capita familiar superior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo, ao contrário do que defende o Recorrente, não é obstáculo, por si só, à concessão do benefício pleiteado, desde que esteja demonstrada, por outros meios, a miserabilidade da postulante. Ora, o Judiciário, como órgão de justiça, não deve se ater à letra fria da lei, mas deve, sim, adequar o preceito normativo à Constituição Federal (art. 1º, III) e ao caso concreto, dando-lhe contornos que realmente se coadunam com a realidade fática. Desse modo, o requisito para a concessão do benefício de prestação continuada descrito no §3º da Lei 8.742/93 não deve ser tomado como absoluto, devendo servir apenas como parâmetro, podendo ser adequado, portanto, à especificidade de cada caso.Apesar de o STF ter se manifestado pela constitucionalidade da limitação inserta no parágrafo terceiro do art. 20 da Lei 8.742/93 na ADI 1.232-1/DF, é necessário observar que o critério estabelecido visa possibilitar a verificação da existência da miserabilidade do postulante, conforme disposto no art. 203, V, da Constituição Federal. Ainda que a renda per capita familiar da parte autora seja superior ao valor previsto, cumpre analisar os motivos pelos quais ela alega viver em condição de miserabilidade, a fim de não ser indevidamente restringido o mandamento constitucional, autorizando-se, em tese, a concessão do amparo social caso seja verificada a condição legal. Dessa forma, cumpre observar que o critério objetivo de aferição de miserabilidade restou modificado de ¼ para ½ salário mínimo, por força do disposto nas Leis nº 9.533/97 (autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações sócio-educativas) e nº 10.689/2003 (cria o Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA), que consideram carente a pessoa cuja renda mensal não ultrapasse a soma de meio salário mínimo mensal, previsão esta incompatível com o disposto no parágrafo terceiro do art. 20 da LOAS. Esse entendimento restou consagrado pela Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência da 4ª Região, nos seguintes termos:"O critério de verificação objetiva da miserabilidade correspondente a ¼ (um quarto) do salário mínimo, previsto no art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, restou modificado para ½ (meio) salário mínimo, a teor do disposto no art. 5º, I, da Lei nº 9.533/97, que autorizava o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituíssem programas de garantia de renda mínima associados a ações sócio-educativas, e art. 2º, §2º, da Lei nº 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA." (JEF - TRF1-Processo: 200736007027962-DJMT 05/07/2007-RELATOR JULIER SEBASTIÃO da SILVA) 160
143
Nacional de acesso à alimentação, pois tais dispositivos consideram carente a pessoa cuja renda mensal não ultrapasse a soma de meio salário mínimo.
Como se pode observar, várias foram e ainda são as divergências
de entendimentos com relação ao critério de aferição de miserabilidade trazido pela
art. 20, § 3º da Lei 8.742/93.
O Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741/03, especificadamente no
parágrafo único do art. 34, traz outra alteração no texto infraconstitucional que reza
sobre o benefício assistencial de prestação continuada, excluindo do cálculo da
renda per capita o valor advindo de um outro benefício assistencial pago ao idoso,
assim dispondo:
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 01 (um) salário-mínimo, nos termos da lei orgânica de assistência Social- LOAS.
Parágrafo único . O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do calculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS.(grifo nosso)
De acordo com tal dispositivo, o benefício assistencial que tinha
como uma das regras (regra geral) o critério de ¼ do salário mínimo per capita para
a aferição do estado de miserabilidade do individuo necessitado, passa a
desconsiderar para fins de cálculo da renda mensal per capita, aquela que seja
proveniente de outro benefício assistencial ao idoso.
144
A primeira vista, parece-nos elogiável a conduta e a intenção do
legislador infraconstitucional quando da elaboração deste dispositivo. Contudo, tal
dispositivo encontra-se ao nosso ver em descompasso com o Texto Constitucional,
violando direitos fundamentais indispensáveis para a garantia da dignidade humana,
como veremos especificamente no próximo capítulo, quando tratarmos da base
principiológica que o norteia.
Em que pese o avanço dos posicionamentos jurisprudenciais161 a
respeito do critério de ¼ do salário mínimo por pessoa para aferição do estado de
miserabilidade, entendemos necessária a alteração do parâmetro fixado na Lei
Orgânica da Assistência Social, Lei 8.274/93, com sua elevação, uma vez que tais
critérios são excludentes do bem-estar e da justiça social e consequentemente da
dignidade humana, elegidos como objetivos da Ordem Social.
3.2.4- DA CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO
O benefício assistencial de prestação continuada, é um benefício
personalíssimo e intransferível, ou seja, não gera direito à pensão por morte aos
herdeiros ou sucessores, cessando com a morte do beneficiário.
Como se trata de um benefício assistencial, cuja finalidade é suprir
as necessidades básicas do cidadão que preencher os requisitos fixados para tanto,
161 Decisões proferidas e entendimentos contrários ao posicionamento do STF (pgs. 83 a 85) que como já salientamos, admitem outros meios de aferição e comprovação do estado de miserabilidade e desrespeito aos preceitos constitucionais que envolvem a matéria.
145
com o fito de impedir sua marginalização na linha da pobreza, poderá ser cessado o
seu pagamento quando houver a superação das condições que lhe deram origem,
entre elas162: (a) a morte do beneficiário, mesmo sendo esta presumida, mas
declarada em juízo; b) pela ausência declarada do beneficiário na forma da lei civil;
c)pela falta de comparecimento do beneficiário portador de deficiência ao exame
médico pericial por ocasião de revisão de benefício; e d) pela falta de apresentação
pelo idoso ou pela pessoa portadora de deficiência da declaração de composição
do grupo e renda familiar, por ocasião de revisão de benefício.
Insta salientar, que o beneficio em questão, não poderá ser
cumulado com qualquer outro benefício previdenciário devido ao seu caráter
assistencial.163
3.2.5. DA REGRA MATRIZ DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÂO
CONTINUADA
Para entendermos melhor a norma jurídica e compreendermos a
relação jurídica prestacional com relação ao benefício assistencial em questão,
162 Decreto Lei 1.744/95 : Art. 34 O benefício de que trata este Regulamento deverá ser suspenso se comprovada qualquer irregularidade. Decreto Lei 1.744/95 Art. 35 O pagamento do benefício cessa: I-No momento em que forem superadas as condições que lhe deram origem;II -Em caso de morte do beneficiário;III- Em caso de morte presumida, declarada em juízo;IV- Em caso de ausência, declarada em juízo, do beneficiário.
163 Lei 8.742/93 . Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.(...)
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência média.
146
traçaremos a regra matriz164 baseada nos ensinamentos dos Professores Paulo de
Barros Carvalho e Wagner Balera, da seguinte forma:
A relação jurídica é concebida pelo Direito como uma construção
lógica, cuja finalidade é regrar o comportamento humano165, em que se tem uma
conseqüência, ou seja, um efeito da atuação da regra jurídica como um instrumento
construído pelo ser social (o Estado) disciplinando o agir. Nas palavras do Professor
Paulo de Barros Carvalho “ a conseqüência da imputação normativa é sempre
previsão do surgimento de uma relação jurídica, pois é esse o único instrumento de
disciplina do comportamento humano”166.
Assim, podemos dizer que a norma jurídica em sua estrutura formal,
é composta de duas partes: a hipótese ou descritor e o conseqüente ou prescritor.
Sempre que houver a ocorrência de fato previsto na hipótese, desencadear-se-á
uma relação jurídica desenhada no conseqüente confirmando a vocação de juízo
hipotético –condicional das normas de direito, de que : se ocorrer o fato “X” ou seja a
hipótese que descreve o fato, então deverá ser a prestação “Y” o conseqüente, que
traça a relação jurídica que se vai observar quando e onde se der o fato.
Consoante o Ilustre Professor, o fito de haver incidência da norma
jurídica geral e abstrata, faz-se necessária a produção de um ato humano que
relate e descreva a ocorrência de um fato concreto, que coincidentemente com o
164 Curso de Direito Tributário, 10ª Ed., São Paulo, 1998, p. 167/245
165 Para PONTES DE MIRANDA, a relação jurídica é essencialmente pessoal, ou seja, há de se instaurar inexoravelmente entre dois sujeitos de direito, e jamais entre um sujeito e um objeto. Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado: Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1954. 166 Teoria da Norma Tributária, São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 188
147
evento descrito em sua hipótese, impõe nos termos do seu conseqüente, o dever de
uma conduta determinada de um sujeito em favor de outro sujeito.
Tanto na hipótese, como no conseqüente, existem critérios distintos
que ajudam a entender melhor a norma e sua estrutura. Assim vejamos:
Critério Material
Hipótese FATO Critério Espacial
(Dever ser) Critério Temporal
Critério Pessoal
Conseqüente
Critério Quantitativo
Critério Material: é o núcleo da hipótese de incidência, formado por
um verbo e seu complemento.
Critério Espacial: delimita em que local ou espaço o fato será
relevante à incidência.
Critério Temporal: indica o momento exato em que o fato torna-se
relevante para a relação jurídica que se instaura no conseqüente
148
Critério Pessoal: tem como escopo delimitar os sujeitos jurídicos que
irão compor a relação ou situação jurídica, bem como posicioná-los em face do
objeto jurídico, sendo eles: Sujeito ativo: quando o sujeito for detentor de direito
subjetivo, e Sujeito Passivo: quando recair sobre o sujeito o ônus do dever jurídico
ou da sujeição.
Critério Quantitativo: visa delimitar o objeto da relação jurídica, por
meio de institutos da base de cálculo, cujo escopo é mensurar o valor do
conseqüente normativo, e da alíquota, que, aplicada sobre a mesma auxilia na
mensuração e delimita o valor do objeto.
Passamos agora a tomar por base o beneficio assistencial de
prestação continuada, objeto de nosso estudo, traçando sua regra matriz, para que
seja aclarada a norma jurídica que o configura, com a multiplicidade de elementos
que a formam:
Hipótese:
1)Critério Material:167 dentro da estrutura da norma jurídica, utilizando
do critério material, é possuir (verbo) renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do
salário mínimo ( mais complemento).
2)Critério Espacial: A norma jurídica tem aplicabilidade em todo o
Território Nacional.
3) Critério Temporal: verificando que a lei não estabeleceu período de
carência, vez que não existe a contrapartida, ou seja independe de contribuição
167Lei 8.742/93. Art. 20 (...) §3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼( um quarto) dos salário mínimo.
149
direta ao Sistema, a norma incide e a prestação é devida a partir data do
requerimento do benefício desde que preenchidos os requisitos para a sua
concessão.
Conseqüente:
4) Critério Pessoal: com o critério pessoal, chega-se a definição dos
sujeitos ativo e passivo da obrigação assistencial:
a) Como sujeitos ativos estão o idoso com 65 (sessenta e cinco) anos
ou mais e a pessoa portadora de deficiência, e
b)Como sujeito passivo, configura a União.
5)Critério Quantitativo:
a)Base de Cálculo: A Constituição Federal de 1988 deixa bem claro o
valor do benefício, perfazendo este de 01 (um) salário mínimo vigente no País.
b)Alíquota: 100% (cem por cento) do valor de 01 (um) salário mínimo.
Assim, nos depreendemos a analisar a estrutura da norma jurídica
que configura o benefício assistencial de prestação continuada a que nos
dispusemos a analisar.
150
3.2.6 DO DIREITO AO ESTRANGEIRO DE RECEBER O BENEFI CIO
ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
Relacionado ao critério espacial, cabe-nos suscitar a questão da
abrangência do beneficio assistencial de prestação continuada aos estrangeiros.
O Decreto n. 1744/95, que regulamenta o beneficio em tela, em seu
art. 4º dispõe que:
Art. 4º São também beneficiários os idosos e as pes soas portadoras de deficiência estrangeiros naturalizados e domiciliad os no Brasil, desde que não amparados pelo sistema previdenciário do pa ís de origem .(grifo nosso)
Como podemos observar, o referido Decreto expressamente elucida
que somente terá direito à percepção do referido beneficio na condição de
estrangeiro, aquele naturalizado e domiciliado no Brasil, excluindo o estrangeiro
não-naturalizado e residente no País.
Contudo, esta limitação não encontra fundamento constitucional,
estando em descompasso com a efetivação dos direitos humanos, pelos
fundamentos explanados nos capítulos anteriores.
Para corroborar tal assertiva, nossa Constituição Federal em seu
artigo 5º caput, ao dispor sobre os direitos e garantias fundamentais, expressamente
disciplina que:
151
Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinçã o de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estra ngeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: ( grifo nosso)
O art. 6º que também está inserido no texto constitucional destinado
aos direitos e garantias fundamentais, estatui que:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a prote ção à maternidade e à infância, a assistência social aos desamparados na forma desta Constituição. (grifo nosso)
Vê-se, portanto, que o nosso Texto Constitucional é claro,
garantindo tratamento isonômico quando se trata de direitos e garantias
fundamentais aos brasileiros e estrangeiros residentes no País, não havendo quanto
a estes a exigência de serem naturalizados.
Assim, não resta dúvida de que a distinção trazida pelo
Decreto n. 1744/95 está mais uma vez em descompasso com o texto da nossa Carta
Magna, na medida em que, quando a Constituição Federal de 1988 confere
exclusivamente direitos ou prerrogativas168 quer aqueles que detenham a
nacionalidade primária, quer aos brasileiros em geral, ela o faz expressamente,
visto que o parágrafo 2º do artigo 12, disciplina que “ a lei não poderá estabelecer
168 CF/88 Art. 12 São Brasileiros: (...)§ 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos:I - de Presidente e Vice-Presidente da República;II - de Presidente da Câmara dos Deputados;III - de Presidente do Senado Federal;IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;V - da carreira diplomática;VI - de oficial das Forças Armadas.VII - de Ministro de Estado da Defesa.
CF/88 Art. 222 . A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País
152
distinções entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta
Constituição”.
A respeito José Afonso da Silva169 preleciona: “ o principio é o de
que a lei não distingue entre nacionais e estrangeiros quanto à aquisição e ao gozo
dos direitos civis (C.C, art. 3º). Há, porém, limitações aos estrangeiros estabelecidas
na Constituição, de sorte que podemos asseverar que eles só não gozam dos
mesmos direitos assegurados aos brasileiros quando a própria Constituição autoriza
a distinção”.
Consoante a este entendimento, o qual também corroboramos, a
jurisprudência se manifesta:
PROCESSUAL CIVIL-AGRAVO DE INSTRUMENTO-BENEFICIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA-TUTELAANTECIPADA-ESTRANGEIRO DOMICILIADO NO BRASIL-POSSIBILIDADE. I- Os artigos 3º,IV e 5º da Constituição Federal, garantem a igualdade entre as pessoas, independentemente de cor, raça, sexo, bem como asse gura aos estrangeiros residentes no país as mesmas garantias dadas aos nacionais. II- presentes os requisitos autorizadores à conces são da tutela antecipada, tendo em vista o caráter de extr emada necessidade alimentar que cerca o beneficio em questão. III- Ag ravo de Instrumento provido. Prejudicado o agravo regimental do INSS. ( TRF3-AGRAVO DE ISNTRUMENTO-356234: AL 46398 MS 2008.03.00.046398-7 - DÉCIMA TURMA.Relator: Sergio Nascimento, DJ: 05/05/2009) ( grifo nosso)
Assim, se a Constituição Federal de 1988 admite como exceção aos
direitos conferidos aos estrangeiros apenas o que ela prevê, assegurando no mais
que os estrangeiros residentes no País são destinatários da proteção dos direitos e
169 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 337.
153
garantias fundamentais e inserindo-se neste rol o direito à Assistência Social, não
pode o legislador infraconstitucional a fazer.
No próximo capítulo, abordaremos sobre a alteração trazida pelo
Estatuto do Idoso (Lei n. 10.742/03) que merece ser evidenciada e debatida,
invocando a base principiológica que a norteia.
154
CAPÍTULO IV
DA ALTERAÇÃO TRAZIDA PELO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO
34 DO ESTATUTO DO IDOSO (LEI N. 10.741/03)
O estudo dos temas epigrafados até este momento, servem de
base para análise da repercussão trazida pela modificação normativa criada pelo
parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso(Lei n. 10.741/03) que como já
evidenciado no capítulo anterior, disciplina sobre o benefício assistencial de
prestação continuada.
O benefício assistencial está inserido na Assistência Social, que
como vimos, é parte integrante da Seguridade Social, sendo instrumento
importantíssimo para a garantia e preservação da dignidade humana.
Anteriormente à edição do Estatuto do Idoso em 2003, o benefício
assistencial ora em questão era devido à pessoa portadora de deficiente e ao idoso
maior de 67 (sessenta e sete anos) cuja renda familiar per capita fosse inferior a ¼
do salário mínimo.
Inovando e logrando êxito, a Lei 10.741/03 em seu artigo 34 reduziu
a idade como requisito para o recebimento do referido benefício de 67 (sessenta e
sete) anos para 65 (sessenta e cinco anos), ampliando em busca da universalidade
o rol de pessoas idosas a serem amparadas e atendidas pela Assistência Social.
Em seu parágrafo único, igualmente inovando, preleciona que a
renda proveniente de outro benefício assistencial ao idoso não será mais computada
para aferição do requisito de ¼ do salário mínimo por pessoa.
A alteração de tal requisito, acabou por gerar discussão em nosso
ordenamento jurídico, vez que, para alguns doutrinadores e juristas a alteração
155
trouxe um avanço, por menor que seja, incluindo mais um beneficiário ao beneficio
assistencial de prestação continuada, ou seja, o idoso com 65 anos ou mais, que
tinvesse a renda familiar composta de outro beneficio assistencial de prestação
continuada ao idoso, não sendo mais óbice à esta o critério do ¼ do salário mínimo
per capita para a concessão do mesmo nas vias administrativas170.
Em outra vertente, a qual nos inserimos, há os que entendem que tal
alteração significou um avanço social, contudo trouxe consigo violação aos direitos e
garantias fundamentais, como poderemos observar pelos motivos abaixo aduzidos:
4.1 DA DIGNIDADE HUMANA
A dignidade humana tem reconhecimento expresso na Carta Magna
brasileira vez que em seu artigo 1º, inciso III, já prevê que a República Federativa
do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal constitui-se como Estado Democrático de Direito e tem como um dos seus
fundamentos a dignidade da pessoa humana, reconhecendo que é o Estado que
existe em função da pessoa humana e não o contrário, pois o homem constitui a
finalidade precípua à atividade estatal e não meio desta.
“A Constituição Federal de 1988 efetivamente ocupou-se das
condições materiais de existência dos indivíduos, pressuposto de sua dignidade,
dedicando-lhe considerável espaço no texto constitucional e impondo a todos os
170 Instrução Normativa- INSS/PRES n. 20, de 11 de outubro de 2007, DOU de 10/10/2007. §2º do art. 625
156
entes da Federação a responsabilidade comum de alcançar os objetivos
relacionados com o tema”.171
A idéia do valor da pessoa humana encontra suas raízes no
pensamento clássico e também na ideologia cristã. Tanto no Antigo quanto no Novo
Testamento, encontram-se referências no sentido de que o homem foi criado à
imagem e semelhança de Deus, sendo desta premissa, que o Cristianismo extraiu
que o ser humano é dotado de um valor próprio que lhe é intrínseco, não podendo
ser transformado em mero objeto ou instrumento.
A dignidade como qualidade intrínseca da pessoa humana, é algo
que simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável, na medida em que
constitui elemento que qualifica o ser humano como tal, ou seja, é inerente à
pessoa humana.
Ingo Sarlet172, a respeito, preleciona que: “na condição de limite da
atividade dos poderes públicos, a dignidade é algo que pertence a cada um e que
não pode ser perdido ou alienado. Como tarefa (prestação) imposta ao Estado, a
dignidade humana reclama que este guie as suas ações tanto no sentido de
preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade e o
pleno exercício e fruição da dignidade”.
Ademais, completa que: “para tanto, se torna dependente esta da
ordem comunitária, visto que é de se perquirir até que ponto é possível ao indivíduo
realizar, ele próprio, parcial ou totalmente suas necessidades existenciais básicas,
ou se necessita para tanto, do concurso do estado ou da comunidade” 171
BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Principio da Dignidade da Pessoa Humana.2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 223.
172 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, 4ª Ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2006, p. 47.
157
Associada ao valor da dignidade humana está a garantia de
condições justas e adequadas de vida para o individuo e sua família. Neste contexto,
assume relevo de modo especial, os direito fundamentais e sociais previstos
constitucionalmente, tais como o direito ao trabalho, o direito a um sistema efetivo de
seguridade social, enfim à garantia e proteção da pessoa contra as necessidades
de ordem material e a segurança de uma existência com dignidade.
Constitui também pressuposto essencial ao respeito à dignidade da
pessoa humana, a garantia da isonomia de todos os seres humanos, não podendo
serem submetidos a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual são
intoleráveis a escravidão, a discriminação racial, perseguições em virtude de motivos
religiosos, etc..173
A dignidade humana na condição de princípio fundamental constitui
valor-guia a toda ordem constitucional, justificando-se plenamente sua
caracterização como principio constitucional de maior hierarquia axiológica.
Desta forma, não restam dúvidas de que a atividade estatal encontra-
se vinculada ao principio da dignidade humana, impondo-lhes um dever de respeito
e proteção que se exprime tanto na obrigação por parte do Estado de abster-se de
ingerências na esfera individual que sejam contrárias a dignidade, quanto no dever
de protegê-la contra agressões sendo ela de qual for.
Sua concretização no programa normativo, incumbe aos Órgãos
Públicos, inclusive ao legislador que está encarregado de edificar uma ordem
jurídica justa que corresponda principalmente às exigências do princípio da
dignidade humana. Ao Poder Judiciário incumbe o dever de resguardá-la, e diante
173 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto alegre: Livraria do Advogado,2007, p.122.
158
de seu desrespeito, de sua violabilidade, deve impor-se e fazê-la restabelecer e
prevalecer, pois a dignidade humana encontra-se estritamente ligada aos demais
princípios e preceitos fundamentais.
4.2 DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA: IGUALDADE E PROPORCI ONALIDADE
O principio da igualdade e da isonomia são princípios clássicos
trazido pela Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 5º, primeira parte,
caput, traz expressamente que “ todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza”
Com a Revolução Francesa foram derrubadas as barreiras que
separavam os homens nitidamente em classes sociais diferentes, algumas
detentoras de muitos privilégios. Nesse momento, a igualdade voltava-se à
extinção das discriminações de nascimento, isto é, alguém era nobre porque nasceu
de pais nobres, sem que ele necessariamente tivesse algum mérito para conquistar
este título. A igualdade então proclamada era uma situação de identidade de todos
perante as possibilidades e os benefícios que a vida oferecesse.
Com o tempo, o princípio da igualdade foi ampliando-se para impedir
que os homens fossem diferenciados pelas leis, isto é, que estas viessem a
estabelecer distinções entre as pessoas independentemente do mérito.
Nossa Carta Magna adotou o princípio da igualdade de direito,
trazendo em seu texto, como já dito, que todos os cidadãos tem direito a
tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo
ordenamento jurídico, vedando-se assim as diferenciações arbitrárias e as
discriminações absurdas.
159
Hannah Arendt 174 afirma que: ”a igualdade, em contraste com tudo o
que se relaciona com a mera existência, não nos é dada, mas resulta da
organização humana, porquanto é orientada pelo princípio da justiça. Não nascemos
iguais, tornamo-nos iguais como membros de um grupo por força da nossa decisão
de nos garantirmos direitos reciprocamente iguais”.
Diante da lesão a este principio constitucional, quando o elemento
discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade colhida pelo direito, Fabio
Konder Comparato ressalva que “as chamadas liberdades materiais tem por
objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio
de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal”175
Desta forma, elucida-nos que a igualdade se configura como uma
eficácia transcendente, de maneira que toda situação de desigualdade persistente
contrária à Norma Constitucional não deve ser recepcionada se não demonstrar
compatibilidade com os valores que a Constituição Federal como norma suprema
proclama.
Neste contexto, nossa Constituição opera o princípio da igualdade
inicialmente em dois planos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio
executivo, na edição de leis, atos normativos, medidas provisórias, de forma que
estes estejam impedidos de criar tratamentos abusivamente diferenciados à
pessoas que se encontram em situações iguais; e de outra parte, na obrigatoriedade
do intérprete, basicamente a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos
de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações não razoáveis ou
arbitrárias.
174 ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo: anti-semitismo, imperialismo, totalitarismo. Tradução Roberto Raposo. 4ª reimpressão. São Paulo: Companhia das letras, 2000, p. 335 175 COMPARATO, Fábio Konder. Direito Público: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 59
160
Alexandre de Moraes176 neste sentido, leciona que: “a desigualdade
na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um
tratamento específico às pessoas que se encontram nas mesmas situações. Para
que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias,
torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável de acordo com
os critérios e juízos valorativos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à
finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente uma razoável
relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida,
sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente
protegidos”.
Com relação a alteração trazida pelo parágrafo único do artigo 34
do Estatuto do Idoso (lei n. 10.741/03) entendemos que o legislador
infraconstitucional quando da elaboração deste dispositivo, tratou de forma desigual
idosos maiores de 65 anos que se encontram em situações iguais, ou seja, cuja
renda familiar perfaz de um salário mínimo mensal, de forma arbitrária e não
razoável utilizando como critério a “origem” da renda que perfaz a renda familiar
para diferenciá-los, privando-os de terem o direito ao recebimento do beneficio
assistencial de prestação continuada simplesmente por este motivo, ou seja,
penalizando aquele idoso que tem como ente do seu grupo familiar uma pessoa que
não recebe o beneficio assistencial ao idoso, como por exemplo, aquele que recebe
uma aposentadoria também de um salário mínimo, atentando assim contra os
ditames constitucionais, ferindo dentre outros princípios o da igualdade, o valor da
dignidade humana, como já evidenciado, bem como sua relação com a reserva do
possível e a vedação do retrocesso social.
176 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 93.
161
O principio da igualdade com relação ao legislador, consubstancia
uma limitação com relação à edição de normas, de modo que, sendo violado,
importará na inconstitucionalidade da mesma. Ao Poder Judiciário incumbe o papel
de sempre dar a lei o entendimento que não crie distinções.
Jose Afonso da Silva177, em sua obra Curso de Direito Constitucional
Positivo, elucida que são inconstitucionais as discriminações não autorizadas pela
Constituição, e traz como exemplo exatamente a situação que consiste em
outorgar benefício legitimo a pessoas ou grupos discriminando-os favoravelmente
em detrimento de outras pessoas ou grupos em igual situação, não estendendo-se
às pessoas ou grupos discriminados o mesmo tratamento dado aos outros, e que
assim proceder estaria ferindo o principio da isonomia, evidenciando que esta
inconstitucionalidade deverá ser resolvida estendendo o benefício aos
discriminados que se encontram em igual situação, e que arbitrariamente estão
excluídos de tal proteção.
4.3. DA RESERVA DO POSSÍVEL
Como já salientado, os direitos humanos e sociais, em regra, tem
por objeto prestações do Ente Estatal com vistas à garantia de uma efetiva e igual
fruição de liberdade que se dá através de uma igualdade material.
Geralmente, como pretensão positiva, passa a demandar o emprego
de meios financeiros para sua realização, apontando para uma dimensão
economicamente relevante desses direitos, de modo que sua efetivação dependerá
177 Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editores Malheiros, 2005, p. 230/231.
162
em grande parte da distribuição de recursos e criação de condições materiais
alegando-se que sua implementação deve ser realizada dentro da denominada
“ reserva do possível”.
Baseada nesta “reserva do possível”, impõe-se a limitação de
recursos financeiros à implementação de tais direitos, constituindo uma barreira à
efetivação dos mesmos.
A respeito, Canotilho assim denota:
“Uma das maiores dificuldades surgidas na determinação dos elementos dos direitos fundamentais é esta: os direitos sociais só existem quando as leis e as políticas sociais os garantem. Por outras palavras: é o legislador ordinário que cria e determina o conteúdo de um direito social.Este é discurso saturado da doutrina e da jurisprudência. ‘Os direitos sociais ficam dependentes, na sua exacta configuração e dimensão , de uma intervenção legislativa, concretizadora e conformadora, só então adquirindo plena eficácia e exiquibilidade’. Uma tal construção e concepção da garantia jurídico-constitucional dos direitos sociais equivale praticamente a um ‘grau zero de garantia’ (Haverkate) Quais são, no fundo, os argumentos para reduzir os direitos a uma garantia constitucional platônica? Em primeiro lugar, os custos dos direitos sociais. Os direitos de liberdade não custam, em geral, muito dinheiro, podendo ser garantido a todos cidadãos sem se sobrecarregarem os cofres público. Os direitos sociais, pelo contrário, pressupõem grandes disponibilidades financeira por parte do Estado. Por isso, rapidamente se aderiu à construção dogmática da reserva do possível para traduzir a idéia de que os direitos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos. Um direito social sob ‘reserva dos cofres cheios’ equivale, na prática, a nenhuma vinculação jurídica”178
Américo Freire Júnior, em sua obra Controle Judicial de Políticas
Públicas179, traz que: “ a reserva do possível vem sendo um dos principais óbices à
efetivação de políticas pelo Poder Público “ e faz importantes considerações a
respeito do tema, dentre elas: a de que há de se ponderar que, antes de os finitos
178 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional, 5ª edição, Coimbra: Almedina, 1992, p. 481 179 FREIRE JUNIOR, Américo Bedê. Controle Judicial de Políticas Públicas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 71
163
recursos do Estado se esgotarem para os direitos fundamentais, precisam estar
esgotados em áreas não prioritárias do ponto de vista constitucional e não dos
detentores do poder, bem como, de que não basta simplesmente alegar que não há
possibilidade financeiras de se cumprir por exemplo a uma ordem judicial, vez que
para tanto é preciso demonstrá-la. E suscita: “seria possível se falar em falta de
recursos para por exemplo, a saúde, a assistência social, quando existem no mesmo
orçamento recursos para propaganda do Governo?”
O que podemos observar e corroborar, é que a “ reserva do possível”
não pode ser fator determinante para a garantia e acesso aos direitos sociais, uma
vez que, são de suma importância para a garantia da dignidade humana, bem como
para o desenvolver do Estado Democrático de Direito em que vivemos.
Inobstante, entendemos que não se deve repudiar a existência da
chamada reserva do possível, pois sabemos que os recursos financeiros são finitos
e seguem todo um planejamento definido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias-
LDO. Contudo, deve-se ter como prioridade a garantia e a acessibilidade dos
direitos fundamentais, incluindo os direitos sociais que dependem de recursos
financeiros para sua garantia e acessibilidade por parte dos que necessitam para
suprirem as necessidades básicas de sobrevivência.
Cabe aos Poderes Públicos (Poder Executivo, Legislativo e
Judiciário) a equalização das verbas públicas e o direcionamento destas para a
garantia dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente, através de
políticas públicas, vez que estão obrigatoriamente vinculados à garantia de tais
direitos, aprimorando cada um em sua competência, os mecanismos de gestão
democrática do orçamento público para a utilização de recursos e implementação
164
das demandas nas áreas das políticas públicas que envolvem diretamente a
garantia dos direitos fundamentais.
Assim, temos que a reserva do possível deve ser encarada com
grandes ressalvas, já que infelizmente tem sido utilizada como razão impeditiva para
a efetivação dos direitos sociais, constituindo um argumento para a omissão estatal
nesta área, não podendo prevalecer como uma cláusula supralegal de
descumprimento da Constituição.
Nesta esteira, Ingo Wolfgang Sarlet adverte que “não se deve, em
uma verdadeira inversão hierárquica, privilegiar a legislação orçamentária em
detrimento de imposições e prioridades constitucionais e, o que é mais grave, de
caráter jusfundamental”.180
Desse modo, cumpre salientar que a cláusula da "reserva do
possível", ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível, não pode ser
invocada pelo Estado com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas
obrigações constitucionais, notadamente quando dessa conduta governamental
negativa, puder resultar nulificação ou até mesmo aniquilação de direitos
constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
Desta forma, elucidamos que são os recursos públicos que devem
adequar-se aos direitos sociais e não os direitos sociais aos recursos públicos,
sendo este determinante para a garantia e efetivação dos direitos fundamentais
indispensáveis para a mantença e garantia da dignidade humana.Além do que, a
“meta central” da nossa Constituição, resumidamente é a promoção do bem-estar do
homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria
180 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.377
165
dignidade, que inclui além da proteção dos direitos individuais, condições materiais
mínimas de existência.
Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo
existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos
públicos, e que apenas depois de atingi-los é que poderá discutir se relativamente aos
recursos remanescentes em que outros projetos deverão investir. O mínimo
existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias é
capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.
4.4 DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL
O principio da proibição do retrocesso social está implícito no texto
constitucional de 1988, decorrendo especialmente em nosso sistema jurídico da
segurança jurídica como elemento nuclear do Estado de Direito181, cujo escopo é a
não supressão ou redução de direitos fundamentais sociais já alcançados e
garantidos em nosso ordenamento jurídico.
Além disso, através deste principio deve-se buscar não somente a
mantença de tais direitos, mas a sua ampliação, buscando a redução das
desigualdades sociais, bem como a construção de uma sociedade alicerçada na
solidariedade e na justiça social.
Proclama que, uma vez dada concretização a um direito social,
sendo este decorrente da Constituição Federal, ou de tratados internacionais, este
181
Do princípio da proibição do retrocesso social também decorre a obrigação da progressividade na implementação dos direitos humanos sociais, culturais e econômicos, presente no Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, na medida em que se torna vedado aos Estados retroceder no campo da implementação destes direitos.
166
direito não pode ser mais ser eliminado, descartado, passando a fazer parte do
patrimônio da coletividade.
Segundo Luis Roberto Barroso182 “ se uma lei, ao regulamentar um
mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao
patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser arbitrariamente suprimido”.
Com relação à alteração que o parágrafo único do Art. 34 da Lei n.
10.742/03 trouxe para nosso ordenamento jurídico, nas condições em que foi
estabelecido, está sujeito a questionamento de ordem jurídica se analisado diante
da hipótese de estar a referida Lei em descompasso com o estabelecido pelo artigo
20, §3º, da Lei n. 8.742/93, que define o critério do ¼ do salário mínimo per capita,
bem como na decisão do Supremo Tribunal Federal através da ADIN 1.232-1-DF
que declarou sua constitucionalidade, pois, o Estatuto do Idoso (Lei n. 10.742/03) o
modificou excluindo do cálculo da renda per capita o valor advindo de um outro
benefício assistencial pago ao idoso, e este está vigorando e incorporado em
nosso ordenamento jurídico.
Para Canotilho183, a proibição de retrocesso social faz com que os
direitos sociais estejam garantidos como núcleo efetivo do ordenamento. Destarte,
ao legislador fica proibido instituir políticas discriminatórias.
Assim, a violação do núcleo essencial dos direitos sociais poderá
afetar a própria dignidade humana.
A respeito, Ingo Wolfgang Sarlet184 leciona que: “ A garantia de
intangibilidade desse núcleo ou conteúdo essencial de matérias, além de assegurar
182 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas - limites e possibilidades da constituição brasileira. Rio de Janeiro:Renovar, 2001, p. 152. 183 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Constitucional e Teoria da Constituição.3 ed. Coimbra, 1998, p. 340. Consoantes com este pensamento estão os doutrinadores: Ingo Wolfgang Sarlet, Luis Roberto Barros, Flávia Piovesan, dentre outros.
167
a identidade do Estado brasileiro e a prevalência dos princípios que fundamentam o
regime democrático, especialmente o referido principio da dignidade humana,
resguarda também a Carta Constitucional dos casuísmos da política e do
absolutismo das maiores parlamentares”.
Desta forma, resta-nos evidenciado que o principio da proibição do
retrocesso social está centrado na vinculação do legislador aos ditames
constitucionais relativos aos direitos sociais, significando que, uma vez alcançada
concretização de uma norma que reza sobre direito social, descrevendo uma
conduta omissiva ou comissiva a ser seguida, seja por particulares ou pelo Estado,
fica o legislador proibido de suprimir ou reduzir essa concretização sem a criação de
mecanismo substituto ou equivalente.
Neste sentido, Canotilho185 leciona que: “O núcleo essencial dos
direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve
considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer
medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou
compensatórios, se traduzam na pratica de ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’
pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o
núcleo essencial já realizado”.
De acordo com grande parte da doutrina186, o núcleo essencial do
direito humano e social corresponde ao suprimento das necessidades básicas,
conforme elucidamos no capítulo II deste trabalho.
184 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 354. 185
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Constitucional e Teoria da Constituição. 3 ed. Coimbra, 1998, p. 340
186 Canotilho, a respeito do direito português nos ensina que: “ o rendimento mínimo garantido, as prestações de assistência social básica e o subsidio de desemprego fazem parte do chamado núcleo básico de direitos sociais. Consagradas legalmente as prestações de assistência social, o legislador não pode eliminá-las posteriormente sem alternativas ou compensações retornando sobre os seus passos”( Constitucional e Teoria da Constituição.3 ed. Coimbra, 1998, p. 479)
168
As prestações da Assistência Social, por sua vez, encontram-se
voltadas à satisfação de tais necessidade, não podendo ser reduzidas ou
suprimidas, de forma que ferindo o principio da proibição do retrocesso social, todos
os demais princípios dos quais decorre estariam sendo infringidos.
O principio da proibição do retrocesso social é de suma importância,
favorecendo a estrutura da Assistência Social e a sustentação dos direitos
fundamentais e sociais.
4.5 DO CONTROLE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E A “GARANT IA” DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS PELO PODER JUDICIÁRIO
Como já salientado, tem-se as Políticas Públicas como um dos meios
em que se busca efetivar direitos fundamentais previstos constitucionalmente.
O controle destas políticas e o dever de consagrar a Constituição
Federal, apesar das mesmas serem implementadas pelo legislador e aos
governantes democraticamente eleitos, e somente em casos de desvios e de
passividade arbitrária ao Poder Judiciário, é à este que incumbe determinar a sua
execução diante da inobservância dos preceitos constitucionais, vez que ao Juiz
cabe o poder e o dever de implementar os preceitos constitucionais, através do
controle de constitucionalidade.
O controle de constitucionalidade pode-se dar de duas maneiras:
pela ação de inconstitucionalidade por ação, fazendo a decisão coisa julgada com
efeito erga omnes, e pela ação de inconstitucionalidade por omissão em que se é
declarada por decisão judicial tornando efetiva a norma constitucional. Ao Supremo
169
caberá decidir e dar ciência ao poder competente para que sejam tomadas as
medidas necessárias à cessação da omissão, e em se tratando de Órgão
administrativo deverá ser no prazo de 30 dias, conforme disciplina o §2º do artigo
103 da Constituição Federal.
O controle judicial nos casos de políticas públicas insuficientes, que
entendemos ser a política publica de Assistência Social com relação ao beneficio
assistencial de prestação continuada, se dá quando as mesmas são insuficientes
para atender a demanda necessitada, excluindo determinados grupos ou cidadãos
de sua abrangência, sendo a realização mínima (simbólica) de direitos fundamentais
a mais freqüente omissão dos Órgãos Públicos, principalmente do Poder Legislativo
na edição das leis como no caso em questão.
À vista do princípio da igualdade, não pode o Estado escolher quem
serão os destinatários de políticas públicas de forma arbitrária e injustificada, uma
vez que estas devem se ater aos ditames constitucionais e devem ter a abrangência
mais global possível.
Ao Poder Judiciário, incumbe buscar o equilíbrio entre a sua
atuação e a do Poder Legislativo. Para tanto, deve utilizar da técnica conhecida
como “apelo ao legislador” consistindo na possibilidade do Tribunal, em vez de
simplesmente declarar a lei inconstitucional, aplicar a analogia a outro dispositivo,
avisar o legislador que deve ser suprida a inconstitucionalidade, para que em prazo
razoável seja implementada.
Quando o legislador infraconstitucional exclui do rol de beneficiários
os idosos e os deficientes cuja renda familiar perfaz também de um salário mínimo,
mas que provêem de outras fontes, tais como: aposentadorias, salários, nos faz
suscitar: qual a diferença de um idoso cuja renda familiar perfaz de um salário
170
mínimo proveniente de um benefício assistencial ao idoso, de um idoso cuja renda
familiar perfaz de um salário mínimo proveniente de uma aposentadoria, seja ela por
idade, por tempo de contribuição, por invalidez ou até mesmo do salário de seu
cônjuge? Nenhuma, pois a mesma situação de miserabilidade em que um se
encontra, o outro também, uma vez que ambos sobrevivem com renda familiar de
um salário-mínimo.
Qual seria a necessidade do idoso cuja renda familiar provêm de um
benefício assistencial e o outro de uma aposentadoria também de um salário
mínimo? Não seria maior a necessidade de um idoso aposentado por invalidez, cuja
idade por exemplo é superior a 65 anos e que além de ter os gastos decorrentes da
idade avançada, está acometido de uma doença que necessite de mais cuidados e
consequentemente de mais remédios, alimentação específica, enfim?
O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, administrativamente
está concedendo o benefício assistencial apenas ao idoso cuja renda familiar perfaz
de outro benefício assistencial ao idoso. Para esta constatação, o referido Órgão
apenas consulta esta informação em seus cadastros de informações, deixando de
verificar “in loco” a real situação em que o idoso ou a pessoa portadora de
deficiência vive.
O Poder Judiciário, neste diapasão, vem se pronunciando sobre a
inconstitucionalidade deste dispositivo, de modo que em casos isolados, tem
invocado o respeito ao principio da isonomia, igualdade e dignidade humana, e, por
analogia, concedendo o benefício ao idoso maior de 65 (sessenta e cinco) anos
cuja renda familiar perfaz um salário mínimo, independentemente da fonte
proveniente, como elucidamos nas decisões abaixo:
171
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MÃE AUFERE APOSENTADORIA MÍNIMA. ARTIGO 34 PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI 10.741/03. ESTATUTO DO IDOSO. ANALOGIA. DEMONSTRAD A A MISERABILIDADE. CUMPRIDOS OS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. I - É pacífico o enten dimento nesta E. Corte, segundo o qual não cabe alterar dec isões proferidas pelo relator, desde que bem fundamentadas e quando não se verificar qualquer ilegalidade ou abuso de poder que possa ge rar dano irreparável ou de difícil reparação. II - Não merec e reparos a decisão recorrida. III - Laudo médico, de 15/07/05, informa que a requerente é portadora de ceratocone em ambos os olhos, caracter izado por afinamento corneano progressivo nas áreas centrais e paracentrais das córneas, com evolução, invariavelmente, para ba ixa visão. Conclui que está totalmente incapaz para as atividades pro fissionais. IV - Auto de constatação, datado de 16/05/06, dá conta que a autora, vive com a mãe, idosa, viúva, em casa própria. A renda advém d a aposentadoria mínima auferida pela mãe.V - Deve ser aplicado ao c aso, por analogia, o Estatuto do Idoso( Lei nº 10.741, de 1º de outubr o de 2003), que no artigo 34,parágrafo único, estabelece que o "benefí cio já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capit a e a que se refere a Loas". VI - Núcleo familiar composto por duas pesso as, uma idosa e a requerente, incapaz para atividades laborativas, de scontada a aposentadoria mínima auferida pela mãe idosa, não h á como se deixar de reconhecer a hipossuficiência da requerente. VII - Presentes os requisitos necessários para concessão do benefício, idade e incapacidade para o trabalho . VIII - A explanação de matérias com finalidade única de estabelecer prequestionamento a justificar cabimento de eventual recurso não elide a inadmissi bilidade dos recursos, quando ausentes os requisitos legais. IX - Agravo não provido. Origem: TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO Classe: AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1325594 Processo: 200361070071629 UF: SP Órgão Julgador: OITAVA TURMA Data da decisão: 15/12/2008 Documento: TRF300211668.187
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. OCORRÊNCIA. BENEFÍ CI O ASSISTENCIAL. REQUISITOS. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI10.741/2003. APLICABILIDADE. EMBARGOS DE DECLARA ÇÃO ACOLHIDOS. APELAÇÃO DO INSS IMPROVIDA. - Razão assi ste à embargante no tocante à omissão apontada. - Recolhe -se dos autos, a autora da ação é pessoa idosa (fls. 16),nos termos do da Lei nº 10.741/2003.- O laudo social de fls. 109/111, reali zado em 24.02.2005, apontou que a autora reside em imóvel simples, próp rio, com seu marido idoso, este beneficiário de aposentadoria po r invalidez, há 12 anos por depressão - transtorno mental, percebendo pouco mais de um salário-mínimo, estando comprovado que o valor p ercebido pelomarido era insuficiente à subsistência da famíl ia. - Não se pode olvidar que o art. 34, parágrafo único, da Lei 10.7 41/2003 (Estatuto do Idoso) dispõe que o benefício mensal de um salário- mínimo, recebido por qualquer membro da família, como única fonte de recursos, não afasta a condição de miserabilidade do núcleo famil iar, em cuja situação se justifica a concessão de amparo social a outro membro da
187 Grifo nosso
172
família que cumpra o requisito idade. - Na apuração da renda familiar, não será computado o benefício assistencial concedi do a outro membro da família (Lei 10.741/2003, art. 34, parágr afo único), com extensão da referida regra por analogia, para não d esfavorecer aquele que comprovadamente trabalhou, nos casos em que a r enda familiar é composta por outro benefício de valor mínimo, como aposentadoria ou pensão. - A Excelsa Corte já decidiu que a aplicaçã o da legislação superveniente (artigo 34, parágrafo único, do Estat uto do Idoso) aocaso concreto, não traduz violação ao artigo 203, V, da Constituição Federal ou à decisão proferida na ADIN nº 1232-1, o que autoriza o exame da hipótese vertente à luz do mencionado disp ositivo legal. Precedentes. - Devido o benefício assistencial ao a utor que, comprovadamente, preencheu os requisitos da idade e da condição de miserabilidade, nos termos artigo 20 da Lei nº 8.74 2/93. - Embargos de declaração acolhidos, para sanando a omissão aponta da, negar provimento à apelação do INSS. Origem: TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO Classe: AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1047008 Processo: 200503990325801 UF: SP Órgão Julgador: NONA TURMA Data da decisão: 30/06/2008 Documento: TRF300170040.188
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PRELIMINAR. ARTIGO 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E LEI Nº 8.742/93. PESSOA IDOS A. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. BENEFÍCIO DEVIDO. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO DE OFÍCIO.1. Não há falar em litisconsórcio passivo necessário com a União, porquanto é o INSS a parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda, na qual se pleiteia a concessão de benefício assistencial previsto no art . 203, V, da CF. 2. O benefício previdenciário em valor igual a um salá rio mínimo, recebido por qualquer membro da família, não se com puta para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refer e o art. 20 da Lei nº 8.742/93, diante do disposto no parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), cujo preceito é ap licável por analogia.3. Comprovada a incapacidade total e p ermanente, bem como a ausência de meios de prover à própria manute nção ou de tê-la provida por sua família, é devida a concessão do be nefício assistencial de que tratam o art. 203, inciso V, da Constituição Federal e a Lei nº 8.742/93. 4. Agravo retido desprovido. Apelação do INSS parcialmente provida. Erro material corrigido de of ício. Origem: TRIBUNAL -TERCEIRA REGIÃO Classe: AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1266377Processo: 200703990508928 UF: SP Órgão Julgador: DÉCIMA TURMAData da decisão: 22/04/2008 Documento: TRF300158545189
Este posicionamento está sendo também utilizado pela Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da 3ª Região, inclusive editando a Súmula de
n. 30 que assim dispõe:
188 Grifo nosso 189 Grifo nosso
173
Súmula n.30. O valor do beneficio equivalente a um salário mínimo, concedida a idoso, a partir de 65 anos, também não é computado para fins do cálculo da renda familiar a que se refere o artigo 20,3º da Lei n. 8.742/93. (Origem: Súmula 12, do JEFMS)
Corroborando com este entendimento, a Turma Nacional de
Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais190 estão
decidindo por aplicar o disposto no parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do
Idoso, quando o provento da família for de valor mínimo. A decisão, acompanhada
pelo Colegiado, cujo relator foi o Juiz Federal Otavio Port, baseia-se no
entendimento de que “ excluir a aplicação (parágrafo único do artigo 34 do Estatuto
do Idoso)quando o autor é deficiente ou idoso, cuja renda familiar perfaz de um
salário mínimo, e depende exclusivamente de seu grupo familiar para a sua
subsistência, não atende ao sentimento de justiça da lei, fundada no principio da
tutela especial ao idoso”.
Consoante este posicionamento, a Juíza Federal Jacqueline Bilhalva,
considera que: “a Assistência Social se destina à cobertura do mínimo existencial, e
esse mínimo não varia em função do destinatário ou beneficiário, motivo pelo qual a
apuração da renda do grupo familiar é pautada por um critério objetivo: o valor
monetário que integra a renda do grupo familiar, e não pelo tipo de beneficio por via
do qual se dá o ingresso: assistencial ou previdenciário”. Ressaltando que: “ em se
tratando de valor correspondente a um salário mínimo, o benefício deve ser excluído
da renda do grupo familiar, ainda que tenha natureza previdenciária. Aqui, a
190 Caderno TNU n. 04-abril de 2009. Título “ TNU exclui aposentadoria de valor mínimo do cálculo da renda familiar”
174
diferença entre a natureza dos benefícios secunda o valor essencial de cunho
econômico”.
As decisões tomadas pelo Poder Judiciário são de suma importância.
Contudo, as mesmas estão sendo tomadas isoladamente, ou seja, suprimindo a
desigualdade arbitrária naquele caso.
Enquanto isso, milhares de idosos que se encontram excluídos do
rol de proteção, vez que administrativamente o INSS indefere o beneficio quando
pleiteado nestas condições, ou seja, por aqueles idosos com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais cuja renda familiar perfaz de 01 (um) salário mínimo, mas não
proveniente de beneficio assistencial de prestação continuada devido ao idoso,
estando assim desamparados e excluídos da proteção social, caracterizada como
direito fundamental.
Muitas vezes, idosos que batem à porta do Poder Judiciário para ter
seu direito garantido, e consequentemente a sua dignidade humana preservada, não
conseguem nem sequer saber que o seu direito será assegurado pelo Poder
Judiciário, pois a demora que acaba por surgir da propositura da ação, sentença e
da implantação do referido benefício pelo INSS, os mesmo acabam muitas vezes
por falecer e a vontade do legislador constitucional não efetivada.
Este problema precisa ser solucionado pelos Poderes Públicos, a
quem compete aplicar e assegurar os direitos fundamentais. Em caso de violação
dos mesmos, cabe ao Poder Judiciário o dever de resguardá-los e efetivá-los.
Desta forma, podemos vislumbrar da análise deste dispositivo que
há uma afronta os direitos fundamentais e sociais, ferindo o princípio da dignidade
humana, da igualdade, da proporcionalidade, da isonomia, da proibição do
retrocesso social, e contra a função das políticas públicas que sempre devem buscar
175
a universalidade em harmonia com a reserva do possível, principalmente com
isonomia entre os beneficiários para que o valor da dignidade humana seja
reservado aos beneficiários que necessitam do amparo da Assistência Social em
nosso País, conforme proclama nosso Texto Constitucional.
176
CONCLUSÕES
01-Os direitos humanos são responsáveis por concretizar em cada momento
histórico a exigência do respeito à dignidade humana, à liberdade e à igualdade,
cujo foco é o respeito ao ser humano, sendo o piso mínimo de direitos essenciais
para a existência do homem em sociedade que a Ordem Internacional destina a
todos, que deve ser respeitado pelo Estado e oferecido a seus jurisdicionados.
02-A Declaração de Direitos Humanos de 1948 é considerada o marco da fase
contemporânea dos Direitos Humanos universais. É dirigida sobre tudo às minorias,
oferecendo proteção e instrumentos jurídicos para a efetividade destes, possuindo
força vinculante e integrando o direito costumeiro internacional e os princípios
gerais do direito.
03-A Constituição Federal de 1988, como resultado das lutas pela instauração do
pleno Estado Democrático, cumpre este desiderato quando com meta especifica
visa garantir, proteger e assegurar o exercício dos direitos humanos, positivando-os
e constitucionalizando-os, estando a dignidade da pessoa humana e o bem estar
social como imperativo de justiça social, proporcionando todo o suporte axiológico
do nosso sistema jurídico.
04- A dignidade como qualidade intrínseca da pessoa humana, é algo que
simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável, na medida em que constitui
elemento que qualifica o ser humano como tal, ou seja, é inerente à pessoa humana
não podendo ser ignorada.
05-A Constituição Federal de 1988, abriga os direitos humanos em sua três
dimensões, podendo-se dizer ainda que aponta mesmo que timidamente a quarta
geração.Com relação à Assistência Social, esta faz parte dos direitos de segunda
dimensão, que compreende a consagração dos direitos sociais, direitos econômicos
e culturais, caracterizando-se por outorgar ao individuo o direito a prestações sociais
estatais, revelando uma transição das liberdades formais abstratas para as
liberdades materiais concretas, demandando do Estado uma atuação positiva,
através de Políticas Públicas, propondo a realização da justiça social porquanto
177
constituem instrumentos posto para a efetiva concretização dos direitos
fundamentais em geral.
06-O Sistema de Seguridade Social foi introduzido com a Constituição Federal de
1988, disciplinando em seu art. 194 as linhas básicas do Sistema, de forma que não
exista um único Sistema, mas sim, três Sub-Sistemas agindo de modo integrado,
voltados a um fim comum, cuja função é a garantia da libertação das necessidades
humanas, assumindo a função de integralizar a situação de necessidade do
individuo naquele momento à proteção social na sociedade organizada.
07-A justiça e o bem-estar social são os fins colimados pela Ordem Social, sendo
esta acertiva elucidada no artigo 193 da Constituição Federal 1988, que prevê como
objetivos da Ordem Social, o bem-estar e justiça sociais, cuja base é o primado do
trabalho.
08-A Seguridade Social consagra alguns princípios que devem necessariamente ser
observados dentre os quais se destacam o prota-princípio da solidariedade que
traduz o “espírito” de todo o Sistema, bem como os demais que integram o art. 194,
§ único da Constituição Federal de 1988. Tais princípios são guias para que o
Sistema protetivo cumpra seus objetivos mantendo a viabilidade financeira.
09-A idéia de assistência, vinculada ao assistencialismo como caridade, favores,
benesses, em que o beneficiário se sujeita a uma relação de dependência
decorrente do desprendimento da bondade do outro, opõe-se a de Assistência
Social como um direito do cidadão, que hoje, alcança um patamar de política pública
capaz de proporcionar uma política de Seguridade Social não-contributiva como
exercício de cidadania, que busca prover os mínimos sociais.
10-Pela trajetória da Assistência Social no Brasil, podemos observar que esta
conservou uma característica peculiar e que se mantém na formulação
constitucional atual, qual seja: o fato de que a Assistência, enquanto prática e
política, usualmente tem sido concebida e realizada como ação complementar a
diferentes áreas de atuação estatal, realizando um papel suplementar junto á
serviços básicos prestados pelas demais políticas públicas sociais, como na área da
saúde, educação, habitação, enfim, mantendo interface com as políticas sociais
setoriais.
178
11-Dentre os benefícios assistenciais previstos no ordenamento positivo, o Beneficio
Assistencial de Prestação Continuada devido ao idoso e a pessoa portadora de
deficiência disciplinado no Art. 230, V da Constituição Federal de 1988 e no Art. 20
da Lei 8.742/93, destaca-se como o primeiro beneficio de natureza purante
assistencial, sendo considerada hoje a principal provisão da Política de Assistência
Social existente em nosso Ordenamento Jurídico.
12-Com relação à pessoa portadora de deficiência, deve ser considerada como tal a
pessoa incapacitada para exercer alguma atividade remunerada, uma vez que
somente o trabalho remunerado é capaz de prover a própria manutenção do ser
humano, sendo que o exercício de algumas atividades diárias como locomover-se,
alimentar-se, não torna uma pessoa necessariamente apta a prover a sua
subsistência.
13-A definição da família para fins do recebimento do Beneficio Assistencial de
Prestação Continuada deve ser interpretada de forma mais abrangente do que prevê
a Lei 8.742/93 que utiliza a regra traçada pela legislação previdenciária (art. 16 da lei
8.213/91) adotando o principio da subsidiariedade previsto constitucionalmente.
14-Com relação ao requisito do ¼ do salário mínimo per capita para aferição do
estado de miserabilidade do beneficiário, entendemos que a escolha da referida
renda per capita de ¼ do salário mínimo mensal, restringiu excessivamente o acesso
ao benefício, vez que este critério objetivo utilizado para determinar quem são os
pobres, não tem fundamentos empíricos e exclui cidadãos em situação de crítica
pobreza, configurando-se uma afronta ao direito fundamental assistencial.
15- A erradicação da pobreza contemplada em nossa Carta Magna como um dos
objetivos da República não pode ser concebida como um fenômeno inscrito na
ordem natural das coisas ou como um problema individual e resultado de uma
condenável incompetência pessoal. A pobreza deve ser encarada como um
problema coletivo que diz respeito à toda sociedade e por esta deve ser
enfrentado. Por conseguinte, os fundamentos da Assistência Social, e a quem ela
se destina (os necessitados, os pobres) não podemos coadunar com o
entendimento do Supremo Tribunal Federal ao declarar a constitucionalidade do
requisito de ¼ do salário mínimo per capita, como parâmetro de miserabilidade
para fins do benefício assistencial de prestação continuada, vez que tal decisão
179
pauta-se no conceito de pobreza absoluta que deve ser combatido pelo Estado
Democrático de Direito.
16-Do mesmo modo, entendemos que o estrangeiro residente no País, mesmo não-
naturalizados, devem ser amparados pela Assistência Social, que atua como
instrumento garantidor da dignidade humana a quem dela necessitar independente
de credo, raça, religião, origem, etc.
17-Com relação a alteração trazida pelo parágrafo único do artigo 34 do Estatuto
do Idoso (Lei n. 10.741/03) entendemos que o legislador infraconstitucional quando
da elaboração deste dispositivo, tratou de forma desigual idosos maiores de 65 anos
que se encontram em situações iguais, ou seja, cuja renda familiar perfaz de um
salário mínimo mensal, de forma arbitrária e não razoável utilizando como critério a
“origem” da renda que perfaz a renda familiar para diferenciá-los, privando-os de
terem o direito ao recebimento do beneficio assistencial de prestação continuada
simplesmente por este motivo, ou seja, penalizando aquele idoso que tem como
ente do seu grupo familiar uma pessoa que não recebe o beneficio assistencial ao
idoso, como por exemplo, aquele que recebe uma aposentadoria também de um
salário mínimo. Desta forma, compreendemos que deve utilizar como critério
objetivo para aferição do estado de miserabilidade referente ao beneficio assistencial
de prestação continuada, o valor de 01 (um) salário mínimo independentemente da
origem da renda.
18- Não se deve repudiar a existência da chamada reserva do possível, vez que os
recursos financeiros são finitos e seguem todo um planejamento definido pela Lei
de Diretrizes Orçamentárias- LDO. Contudo, deve-se ter como prioridade a garantia
e a acessibilidade dos direitos fundamentais, incluindo os direitos sociais que
dependem de recursos financeiros para sua garantia e acessibilidade por parte dos
que necessitam para suprirem as necessidades básicas de sobrevivência.Desta
forma, o mínimo existencial associado ao estabelecimento de prioridades
orçamentárias é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.
19-O principio da proibição do retrocesso social é extremamente importante, e está
centrado na vinculação do legislador aos ditames constitucionais relativos aos
direitos sociais, de forma que, uma vez alcançada a concretização de uma norma
que reza sobre direito social, descrevendo uma conduta omissiva ou comissiva a ser
180
seguida, seja por particulares ou pelo Estado, fica o legislador proibido de suprimir
ou reduzir essa concretização sem a criação de mecanismo substituto ou
equivalente, de modo que, ferindo o principio da proibição do retrocesso social,
todos os demais princípios dos quais decorre estariam sendo infringidos.
20-Desta forma, podemos vislumbrar da análise do referido dispositivo que há uma
afronta os direitos fundamentais e sociais, ferindo o princípio da dignidade humana,
da igualdade, da proporcionalidade, da isonomia, da proibição do retrocesso social,
e contra a função das políticas públicas que devem na medida do possível buscar a
universalidade em harmonia com a reserva do possível, principalmente com
isonomia entre os beneficiários para que o valor da dignidade humana seja
reservado aqueles que necessitam do amparo da Assistência Social em nosso País,
conforme proclama nosso Texto Constitucional.
21-A Assistência Social é um direito fundamental, cujas diretrizes podem ser
relacionadas diretamente aos objetivos fundamentais da República, quais sejam: a
construção de uma sociedade justa, livre e solidária, o desenvolvimento nacional, a
redução das desigualdades sociais, a erradicação da pobreza e a promoção do
bem-estar social. Sua plena realização constitui-se em poderoso instrumento na
busca destes objetivos e do resgate da dignidade da pessoa humana.
181
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