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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Maruza Rubia Cavassana DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA E A ALTERAÇÃO TRAZIDA PELO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 34 DO ESTATUTO DO IDOSO (LEI N. 10.742/03) MESTRADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO SÃO PAULO-SP 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-S P

Maruza Rubia Cavassana

DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA E A ALTERAÇÃO TRAZIDA PELO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 3 4 DO

ESTATUTO DO IDOSO (LEI N. 10.742/03)

MESTRADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO

SÃO PAULO-SP 2010

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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-S P

Maruza Rubia Cavassana

DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA E A ALTERAÇÃO TRAZIDA PELO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 3 4 DO

ESTATUTO DO IDOSO (LEI N. 10.742/03)

MESTRADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Previdenciário, sob a orientação da Professora Heloisa Hernandez Derzi

SÃO PAULO-SP 2010

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Dedico este trabalho primeiramente a Deus, por tudo; Aos meus Pais pelo incentivo, esforço e carinho dedicados;

Ao meu noivo pela compreensão e carinho; A minha orientadora pela ajuda, dedicação e atenção; e

A todos meus amigos pela compreensão.

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RESUMO

Com a Constituição Federal de 1988, a Assistência Social no Brasil como parte integrante da Seguridade Social e aliada à garantida da dignidade humana transcende a idéia de caridade e benevolência antes estabelecida, passando a ser reconhecida expressamente como um direito fundamental (art. 6º e art. 230 da CF/88).O Benefício Assistencial de Prestação Continuada devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso é a principal provisão da política de Assistência Social hoje existente em nosso Ordenamento Jurídico.Com o Estatuto do Idoso (Lei n. 10742/03) os requisitos exigíveis para a concessão do Beneficio Assistencial de Prestação Continuada devido ao Idoso foram alterados, quais sejam: a redução da idade de 67 anos para 65 anos, e a exclusão da renda proveniente de outro Beneficio Assistencial de Prestação Continuada devido ao idoso do cálculo do requisito de ¼ do salário mínimo per capita, que é utilizado como critério para aferição do estado de miserabilidade do beneficiário. Esta ultima alteração, flexibiliza tal requisito e traz consigo questionamentos a respeito da constitucionalidade do texto infraconstitucional (parágrafo único do art. 34 da Lei n. 10.742/03) quando analisado frente aos ditames constitucionais tais como: o valor da dignidade humana, principio da igualdade, da isonomia, a proibição do retrocesso social, e a sua inter-relação com a reserva do possível.Com relação aos aspectos teórico-metodológicos, foram realizados estudos de artigos, doutrinas,jurisprudências, bem como a legislação Constitucional e infraconstitucional relacionados ao tema em análise.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais- Seguridade Social- Assistência Social - Benefício Assistencial de Prestação Continuada devido ao Idoso.

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ABSTRACT

With the Brazilian Constitution of 1988, the Social Care in Brazil, as a part of Social Security, is allied to guarantee human dignity and transcends the idea of charity and benevolence established before, now its is explicitly recognized as a fundamental right (articles 6 and 230 of Brazilian Constitution). The Assistance Benefit of Continued Service to the handicapped and the elderly is today the main provision of Social Security of our law system. With the "Elderliness Statute" (law number 10,742/2003) the necessary requirements for granting the Assistance Benefit of Continued Service to the Elderly have changed, which means: to reduce the age of 67 years to 65 years, and the exclusion of income from other Assistance Benefit of Continued Service to the elderly from computation on a quarter of the minimum wage per capita, which is used as a criterion for measuring poverty. This last amendment relaxes the requirement and brings with it questions about the constitutionality of the law (article 34 of law number 10,742/2003) when it is analyzed under constitutional principles such as: the value of human dignity, equality, isonomy, the prohibition of social retrocession, and their relationship with the possibilities of reality. With regard to theoretical and methodological issues, there were done studies of articles, doctrines, jurisprudence, laws, and the Constitution when related to the topic examined.

fundamental rights-social security-social care-assistance benefit of continued service to the elderly

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SUMÁRIO

Introdução ..................................................... ............. .............................................08

Capítulo I – DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 1.1 Dos Direitos Humanos........................................................................................10

1.2 Da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948..................................12

1.3 Da Acepção dos Direitos Humanos....................................................................17

1.4 Dos Direitos Fundamentais e a Constituição Federal de 1988 ..........................21

1.5. Dos Direitos Sociais na Constituição Federal de 1988......................................28

1.6 Da Supremacia da Constituição Federal ............................................................33

1.6.1 Das Disposições Constitucionais às Infraconstitucionais ...............................33

1.6.2 Dos Direitos e Garantias dos Direitos .............................................................41

1.7 Das Políticas Públicas .......................................................................................42

1.7.1 Da Política Nacional de Proteção ao Idoso .....................................................45

1.8 Da Vinculação dos Poderes Púbicos aos Direitos Fundamentais ......................48

1.8.1Da Vinculação do Poder Legislativo.................................................................50

1.8.2Da Vinculação do Poder Executivo ..................................................................51

1.8.3Da Vinculação do Poder Judiciário...................................................................52

Capítulo II DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

2.1 A Assistência Social Como Direito Fundamental ...............................................55

2.2 A Assistência Social e a Seguridade Social .......................................................57

2.3 Da Assistência e do Assistencialismo ...............................................................83

2.3.1 Breve Evolução Histórica ...............................................................................83

2..4 Da Lei Orgânica da Assistencial Social (LOAS) Lei n. 8.742/93 ...................97

2.5 Dos Princípios da Assistência Social ..............................................................104

2.5.1 Do Princípio da Supremacia do Atendimento às Necessidades

Sociais sobre as Exigências de Rentabilidade Econômica ....................................105

2.5.2. Da Universalização dos Direitos Sociais a Fim de Tornar o

Destinatário da Ação Assistencial Alcançável pelas Demais Políticas Públicas ....107

2.5.3 Do Respeito à Dignidade do Cidadão, à sua Autonomia e ao seu

Direito a

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Benefício e Serviços de Qualidade, bem como à Convivência

Familiar e Comunitária, vedando-se Qualquer Comprovação Vexatória de

necessidade ...........................................................................................................109

2.5.4 Do Princípio da Igualdade de Direitos no Acesso ao Atendimento,

sem Discriminação de Qualquer Natureza, Garantindo-se Equivalência às

Populações Urbanas e Rurais................................................................................111

2.5.5 Do Princípio da Ampla Divulgação de Informações Relativos à

Assistência Social ............................................................................................... 112

Capítulo III DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃ O CONTINUADA 3.1 Breve Histórico .................................................................................................114

3.2 Requisitos Legais Para ter Direito ao Benefício ...............................................119

3.2.1Beneficiários: Idoso e Pessoa Portadora de Deficiência ..............................119

3.2.1.1 Pessoa Portadora de Deficiência ............................................................120

3.2.1.2 Idoso .......................................................................................................125

3.2.2 Da Definição de Família para Recebimento do Benefício Assistencial ........127

3.2.3 Da Renda Mensal per capita: Aferição do Estado de Miserabilidade ..........132

3.2.4 Da Cessação do Benefício ............................................................................144

3.2.5 Da Regra Matriz do Benefício Assistencial de Prestação Continuada .........145

3.2.6 Da Direito ao Estrangeiro de Receber do Benefício Assistencial de Prestação

Continuada ............................................................................................................150

CAPÍTULO IV-DA ALTERAÇÃO TRAZIDA PELO PARÁG RAFO ÚNICO DO ARTIGO 34 DO ESTATUTO DO IDOSO ( LEI N. 10.742/0 3) 4.1 Da Dignidade Humana ....................................................................................155

4.2 Do Princípio da Isonomia: Igualdade e Proporcionalidade .............................158

4.3 Da Reserva do Possível ...................................................................................161

4.4 Da Proibição do Retrocesso Social ..................................................................165

4.5 Do Controle das Políticas Públicas e as Garantias dos Direitos

Fundamentais pelo Poder Judiciário ......................................................................168

Conclusões ..........................................................................................................176

Bibliografia ..........................................................................................................181

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INTRODUÇÃO

As práticas de Assistência Social sempre estiveram presentes na

humanidade sob formas variadas, mas via de regra ligadas à missão religiosa,

caridade, benevolência, enfim.

O cenário da Assistência Social no Brasil mudou a partir da

Constituição Federal de 1988, prevendo expressamente que a “Assistência Social

será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição para a

Seguridade Social”, estando elencada no artigo 6º do Texto Constitucional dentre os

direitos sociais bem como direito fundamental.

O presente estudo tem como escopo analisar os principais aspectos

do Beneficio Assistencial de Prestação Continuada previsto no artigo 203, V da

Constituição Federal de 1988 e a alteração trazida pela Lei 10.742/03 (Estatuto do

Idoso) que em seu artigo 34 do parágrafo único, exclui do cálculo do requisito de 1/4

do salário mínimo per capita para aferição do estado de miserabilidade do

beneficiário a renda proveniente de outro beneficio assistencial de prestação

continuada devido ao idoso.

Com o intuito de facilitar a compreensão da Assistência Social

como direito fundamental, inicialmente abordamos os direitos fundamentais, seu

conceito, seus caracteres à luz da Constituição Federal de 1988. Para tanto,

enfatizamos sua inter-relação com os direitos sociais e a garantia de uma existência

digna para adentramos na seara da Seguridade Social, cuja finalidade é a garantia

do bem-estar e da justiça social, instrumento indispensável para a preservação da

dignidade humana.

No segundo Capítulo, dissertamos a cerca da Assistência Social,

sua concepção como direito fundamental e parte integrante da Seguridade Social

juntamente com a Saúde e a Previdência Social, tornando-se instrumentos

importantes para a garantia e manutenção do bem-estar e da justiça social.

Neste mesmo Capítulo, salientamos a diferença entre

assistencialismo e Assistência Social, apontando os momentos e situações em que

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ambos conceitos se confundiam, ressaltando sua evolução pré e pós Constituição

Federal de 1988, marco importantíssimo para a Assistência Social no Brasil.

Analisamos dispositivo constitucional expresso o artigo 203 da

Constituição Federal de 1988, bem como a legislação infraconstitucional que a

cerca, em especial, a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.742/93) que a

regulamenta, salientando seus princípios norteadores e suas diretrizes.

No terceiro Capítulo, o foco do nosso estudo concentra-se no

Beneficio Assistencial de Prestação Continuada, de modo que, enfatizadas as bases

que o benefício se situa, ou seja, nos direitos fundamentais, direitos sociais, na

Seguridade Social e na Assistência Social, analisamos o benefício assistencial

propriamente dito, apresentando um breve histórico de sua evolução legislativa, de

seus requisitos, abordando acerca dos beneficiários, da definição de família para fins

de seu recebimento, da questão da renda per capita para aferição do estado de

miserabilidade, bem como das hipóteses de cessação do mesmo e sua regra

matriz.

No ultimo Capítulo, abordamos a alteração trazida pelo parágrafo

único do artigo 34 da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso) que flexibiliza o requisito

trazido pela Lei 8.742/03 de ¼ do salário mínimo per capita para a aferição do

estado de miserabilidade, vez que exclui do cálculo somente a renda proveniente de

outro Beneficio Assistencial de Prestação Continuada devido ao idoso.

Da análise desta situação, apresentamos a base principiológica que

norteia tal situação, elucidando o descompasso com os princípios da dignidade

humana, da igualdade, da isonomia, da proibição do retrocesso social e a sua inter-

relação com a reserva do possível.

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CAPITULO I

DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1. DOS DIREITOS HUMANOS

Apesar os direitos humanos, não serem o seu objeto central e as

determinações referentes a esses direitos apresentarem-se de maneira vaga, o

primeiro documento internacional que tratou dos Direitos Humanos e dá um passo

em direção à universalização desses direitos foi a Carta da ONU1, editada em 1945

em São Francisco.

No artigo 1º, item 3 da referida Carta, resta bem claro que o que se

pretendeu foi conseguir “uma cooperação internacional para resolver os problemas

internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e promover e

estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos,

sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”.

Inobstante a Carta da ONU, pode-se dizer que a fase contemporânea

dos direitos humanos tem como marco a promulgação da Declaração Universal dos

Direitos Humanos em 1948, e com ela a proteção internacional de direitos universais

dirigidos a todos os humanos, sobretudo às minorias, passando o homem a ser

reconhecido em face de suas fragilidades e necessidades específicas. Aos grupos

vulneráveis se oferece proteção e instrumentos jurídicos necessários para a

efetividade dos direitos humanos, cuja base fundamental é formada pelo princípio da

dignidade da pessoa humana e pelo princípio da igualdade.

1 A Carta das Nações Unidas foi assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945, após o término da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, entrando em vigor a 24 de outubro daquele mesmo ano.

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A respeito, o Antonio Augusto Cançado Trindade nos ensina que: “ o

direito dos direitos humanos não rege relações entre iguais; opera precisamente em

defesa dos ostensivamente mais fracos.Não busca obter um equilíbrio abstrato entre

as partes, mas remediar os efeitos do desequilíbrio e das disparidades”.2

Nas palavras de Flávia Piovesan3: “os direitos humanos são a lógica

das minorias, a gramática da inclusão. A ética dos diretos humanos é a ética que vê

no outro um ser merecedor de igual consideração e profundo respeito, dotado do

direito de desenvolver as potencialidades humanas, de forma livre, autônoma e

plena. É a ética orientada pela afirmação da dignidade e pela prevenção ao

sofrimento humano”.

O foco dos direitos humanos é o respeito ao ser humano, vez que

são essenciais à existência do homem em sociedade, sendo o piso mínimo de

direitos que a Ordem Internacional destina a todos os seres vivos, que deve ser

respeitado pelo Estado e oferecido a seus jurisdicionados, ou seja “Os direitos

humanos são essenciais ao ser humano de qualquer nação, são direitos sem

fronteiras e universais, vez que o único requisito ao gozo desses direitos é a

condição humana”.4

Tal fato, constitui-se no reconhecimento de que todos os homens

são igualmente vocacionados pela sua própria natureza ao aperfeiçoamento

constante em si mesmo. Daí a razão do princípio da dignidade humana, que

agregado ao princípio da igualdade, passam a formar a base mais sólida dessa

estrutura jurídica.

2 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. A Humanização do Direito Internacional, Edit. Del Rey, 2006, p. 26. 3 PIOVESAN, Flávia. Igualdade, Diferença e Direitos Humanos: Perspectivas Global e Regional. Jun. 2007, p. 02. 4 GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos Humanos, Princípio da Igualdade e Não Discriminação: sua Aplicação às Relações de Trabalho.São Paulo: Pontifica Universidade Católica, 2007, p. 26.

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1.2. DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS D E 1948

A elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos

enfrentou certas dificuldades devido à diversidade de pontos de vista entre os Países

membros da ONU em assuntos políticos, econômicos, religiosos e filosóficos.

Essa diversidade de opiniões deu-se, principalmente, entre o Oriente

e Ocidente, vez que para o bloco comunista deveria ser dada primazia aos direitos

econômicos sociais, tais como os de proteção ao trabalho, prevenção ao

desemprego, direitos de sindicalização, entre outros. Já pelos os ocidentais,

protestava-se pela primazia do respeito à dignidade humana e ao valor do indivíduo.5

José Soder nos revela que os direitos políticos também resultaram em

divergências, e cita como exemplo o fato de que a União Sul-Africana não concedia

igualdade de direitos políticos à população, vez que os negros e hindus não podiam

participar de cargos públicos, sendo esse um dos motivos pelos quais a União Sul-

Africana se absteve na votação.

Inobstante a isto, a Declaração de Direitos Humanos, em seu artigo

216, trata do direito universal de acesso aos cargos público e à representação política.

Em 10 de dezembro de 1948, em Paris, a Assembléia Geral das

Nações Unidas, por meio da Resolução 217 A (III), com voto favorável de 48 países,

inclusive o do Brasil, oito abstenções7 e nenhum voto contrário, adotou e proclamou a

5 SODER, José. Direitos do Homem. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1960,p. 210. 6 Declaração de Direitos de 1948.Art. 21 . Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de sue país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. 3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto. 7 Os Países que se abstiveram na votação, foram: Bielorússia, Tchecoslováquia, Polônia, Arábia Saudita, Ucrânia, União Soviética, África do Sul e Iugoslávia.

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Declaração de Diretos Humanos, que dentre outras finalidade, esclareceu o sentido da

expressão direitos humanos referida na Carta da ONU.

Essa Declaração se caracteriza primeiramente por sua amplitude,

buscando a universalidade, sendo aplicável a todas as pessoas independentemente

de raça, religião, sexo, sendo qual for o regime político dos territórios nos quais incide,

compreendendo um conjunto de direitos e faculdades necessárias ao ser humano

para desenvolver sua personalidade física, moral e intelectual.

A respeito, Adriane Perini Artifon8 pronuncia que: “a Declaração

Universal de 1948 objetiva delinear uma ordem pública mundial fundada no respeito à

dignidade humana, ao consagrar valores básicos universais”.

Desde seu preâmbulo, é afirmado que a dignidade é inerente a toda

pessoa humana, titular de direitos iguais e inalienáveis, sendo a condição de pessoa

humana o requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos.

A dignidade humana como fundamento dos direitos humanos é

concepção que, posteriormente, vem a ser incorporada por todos os tratados e

declarações de direitos humanos que passam a integrar o chamado Direito

Internacional dos Direitos Humanos.

Além da universalidade dos direitos humanos, a Declaração de 1948

traz a indivisibilidade destes direitos, como veremos mais adiante. Estabelece duas

categorias de direitos: os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e

culturais, combinando o discurso liberal e o discurso social da cidadania, e

conjugando o valor da liberdade ao valor da igualdade.

Em uma perspectiva histórica9, observa-se que até então era intensa a

dicotomia entre o direito à liberdade e o direito à igualdade. A não atuação estatal

8 ARTIFON, Adriane Perini. A Internacionalização dos Direitos Humanos: Processo Histórico, Evolução. Paraná: Janeiro de 2005, p. 20.

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significava liberdade. Daí o primado do valor da liberdade, com a supremacia dos

direitos civis e políticos, ocasionando a ausência de previsão de qualquer direito

social, econômico e cultural que dependesse da intervenção do Estado.

Consoante os ensinamentos de Marília Ivo Neves10, foi após a

Primeira Guerra Mundial, ao lado do discurso liberal da cidadania, que se fortaleceu o

discurso social da cidadania e, sob as influências da concepção marxista foi

elaborada a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado da então

República Soviética Russa. Em 1918, estabeleceu-se a abolição da propriedade

privada da terra, bem como a assunção da propriedade dos meios de produção pelo

Estado e a soberania do povo trabalhador.

Assim, do primado da liberdade transita-se ao primado do valor da

igualdade, ou seja, o direito à abstenção do Estado converte-se em direito à atuação

estatal, com a emergência dos direitos à prestação social.

A Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado da

República Soviética Russa de 1918, bem como as Constituições sociais do início do

século XX (ex: Constituição de Weimar de 1919 e Constituição Mexicana de 1917)

primaram por conter um discurso social da cidadania, em que a igualdade era o direito

basilar e era previsto um extenso elenco de direitos econômicos, sociais e culturais.11

Assim, a Declaração de 1948 introduz extraordinária inovação, ao

conter uma linguagem de direitos até então inédita. Combinando o discurso liberal da

cidadania com o discurso social, a Declaração passa a elencar tanto direitos civis e

9 No final do século XVIII, as Declarações de Direitos, seja a Declaração Francesa de 1789, seja a Declaração Americana de 1776, consagravam a ótica contratualista liberal, pela qual os direitos humanos se reduziam aos direitos à liberdade, segurança e propriedade, complementados pela resistência à opressão. Portanto, no final do século XVIII e início do século XIX, o discurso dos direitos humanos foi uma resposta contestatória ao Absolutismo 10 NEVES, Marília Ivo. O Caráter dos Tratados de Direitos Humanos. Pernambuco: 2005, p. 30. 11 ARTIFON, Adriane Perini. A Internacionalização dos Direitos Humanos: Processo Histórico, Evolução. Paraná: Janeiro de 2005, p. 23

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políticos (arts. 3º a 21), como direitos sociais, econômicos e culturais (arts. 22 a 28), a

exemplo do direito ao trabalho e à educação.

Ao conjugar o valor da liberdade com o da igualdade, a Declaração

demarca a concepção contemporânea de direitos humanos, pela qual esses direitos

passam a ser concebidos como uma unidade interdependente e indivisível, e,

partindo-se do critério metodológico que classifica os direitos humanos em dimensões,

o entendimento é de que uma dimensão de direitos não substitui a outra, mas com ela

interage.12

Os direitos humanos são todos essencialmente complementares e em

constante dinâmica de interação. Não há, conforme Flávia Piovesan13, “como cogitar a

liberdade divorciada da justiça social, como também infrutífero pensar na justiça social

divorciada da liberdade”.

Esta concepção dos direitos humanos foi reiterada na Declaração de

Direitos Humanos de Viena de 1993, quando afirma, em seu parágrafo 5º, que os

direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados.

Seja por fixar a idéia de que os direitos humanos são universais,

decorrentes da dignidade humana e não derivados das peculiaridades sociais e

culturais de determinada sociedade, seja por incluir em seu elenco não só direitos civis

e políticos, mas também direitos sociais, econômicos e culturais, a Declaração de 1948

demarca a concepção contemporânea dos direitos humanos. Seu propósito, como diz

seu preâmbulo, é promover o reconhecimento universal dos direitos humanos e das

liberdades fundamentais a que faz menção a Carta da ONU.

12 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Aspectos da Positivação dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Edifeo, 2007, p. 117. 13 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: ed. Max Limonad, 1996, p. 78.

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Com relação à natureza jurídica e a obrigatoriedade de observância de

seus dispositivos, ainda encontramos opiniões diversas a este respeito, pois, há os que

não reconhecem nela força jurídica vinculante, vez que a mesma não fora elaborada

na forma de um tratado, e tampouco não possui força de lei. Já os que defendem que

ela possui força vinculante, acreditam que ela integra o direito costumeiro internacional

e os princípios gerais do direito, por isso os Estados estão obrigados a observá-la e

respeitá-la.

A respeito, a professora Flávia Piovesan14 elucida que: “há resistência

em reconhecer força jurídica vinculante à Declaração, pois não é um tratado, ou acordo

internacional, e sim uma resolução da Assembléia Geral. Contudo, para muitos

doutrinadores essa teria sim força jurídica vinculante, na medida em que é a

interpretação autorizada da expressão direitos humanos, constante na Carta da ONU;

ainda os princípios contidos na Declaração são princípios gerais do direito, e que essa

integra o direito costumeiro internacional”.

Para a ONU15, a Declaração originalmente não possuía vinculação

jurídica compulsória. Contudo, hoje reconhece que a mesma possui força “jus cogens”,

ou seja, é um direito que se obriga, que se impõe aos Estados por integrar o direito

costumeiro internacional.

A respeito Fabio Konder Comparato16 preleciona que: “por ser uma

declaração, a Declaração Universal de Direitos Humanos teria apenas caráter de

recomendação, mas se reconhece hoje que a vigência dos direitos humanos não

depende de sua declaração em leis ou tratados internacionais, porque se tratam de

exigências de respeito à dignidade humana”.

14 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: ed. Max Limonad, 1996, p. 107. 15 Disponível em Site: http://www.onu-brasil.org.br/documentos_estudos.php. pesquisa realizada em 04/12/2009. 16 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, p.210.

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Assim, para nós, a Declaração de 1948 tem sido concebida como a

interpretação autorizada da expressão “direitos humanos”, constante da Carta das

Nações Unidas, apresentando, por esse motivo, força jurídica vinculante, devendo os

Estados membros das Nações Unidas, promover o respeito e a observância universal

dos direitos proclamados pela Declaração.

1.3 DA ACEPÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Para se ter uma melhor acepção sobre direitos humanos, faz-se

necessária distinguir as expressões “ direitos humanos” e “ direitos fundamentais”

que comumente são utilizadas como sinônimos.

José Afonso da Silva referencia em sua obra Curso de Direito

Constitucional Positivo17, que “a ampliação e transformação dos direitos

fundamentais do homem no evolver histórico, dificulta definir-lhes um conceito

sintético e preciso, aumentando essa dificuldade a circunstância de se empregarem

várias expressões para designá-los, dentre elas: direitos naturais, direitos humanos,

direitos do homem, direitos fundamentais do homem”, enfim.

Fábio Konder Comparato18 traz que os direitos fundamentais são

os direitos humanos reconhecidos como tais pelas autoridades às quais se atribui o

poder político de editar normas, tanto no interior dos Estados, quanto no plano

internacional, salientando que: “a diferenciação entre as expressões direitos

humanos e direitos fundamentais tem origem na doutrina alemã, a primeira a

sedimentar, no plano pertinente à vigência e obrigatoriedade,os direitos 17 SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros Editores, 15ª Edição, p. 179. 18 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: editora Saraiva, 2. tiragem, 2006, p. 57

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fundamentais como sendo os direitos humanos positivados nas Constituições, nas

leis e nos tratados internacionais”.

Ingo Wolfgang Sarlet19, destaca que “o critério mais apropriado

para diferenciar direitos humanos e direitos fundamentais, é o da concretização

positiva, tendo em vista que os direitos humanos têm contornos mais amplos e

imprecisos que a terminologia direitos fundamentais, tendo esta, um sentindo mais

preciso e restrito, na medida em que constitui o conjunto de direitos e liberdade

institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo ordenamento jurídico de

determinado Estado”.

Assim, na esteira dos renomados juristas, podemos afirmar que os

direitos fundamentais são o conjunto de direitos do ser humano institucionalmente

reconhecidos e positivados no âmbito do direito constitucional de cada País, ou seja,

se desenvolvem com a Constituição na qual foram reconhecidos e assegurados,

enquanto que, os direitos humanos estão abarcados pelo direito internacional,

estendido a todos os seres humanos, independente de sua vinculação a alguma

ordem constitucional, sendo este universal e de caráter supra-legal e supra-

nacional.

Em conformidade com nosso direito pátrio, e seguindo a base

doutrinária20 elucidaremos a respeito dos direitos fundamentais, apreciando seus

principais caracteres, e suscitando considerações a respeito. Senão vejamos:

Os direitos fundamentais tem como características:

19 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre:Ed. Livraria do Advogado,2005, p. 35. 20 SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros Editores, 15ª Edição, p. 185 e ROTHEMBURG, Walter Claudius. Direitos Fundamentais e Suas Características. Revista dos Tribunais n. 29, 1999, p. 48

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a)a fundamentalidade- uma vez que os direitos fundamentais

constituem a base (axiológica e lógica) sobre a qual se assenta um ordenamento

jurídico. A fundamentalidade revela-se pelo conteúdo do direito (o que é dito: referência

aos valores supremos do ser humano e preocupação com a promoção da dignidade da

pessoa humana) e revela-se também pela posição normativa (onde e como é dito:

expressão no ordenamento jurídico como norma da CF) concorrendo, portanto, ambos

os critérios (material e formal) para definir a fundamentalidade de um direito;

b)a inalienabilidade- vez que são direitos intransferíveis, inegociáveis,

porque não de conteúdo econômico-patrinomial. O indivíduo não pode “desinvestir-se”

de seus direitos fundamentais renunciando-os, embora possa deixar de atuá-los na

prática, aplicando-se aqui a distinção entre capacidade de gozo (irrenunciável) e

capacidade de exercício (disponível);

c)a imprescritiblidade- que por força da inalienabilidade, tem-se que os

direitos fundamentais não se perdem com o tempo, sendo imprescritíveis inclusive

quanto a seu exercício, ou seja nunca deixam de ser exigíveis, pois a prescrição é um

instituto jurídico que somente atinge, coarctando a exigibilidade dos direitos de caráter

patrimonial, e não a exigibilidade de direitos personalíssimos;

d)a sistematicidade, inter-relação e interdependência- que indica que

eles interagem, influenciando-se reciprocamente, devendo ser sopesados por ocasião

de concorrência ou colisão entre si. Entre eles, há mútua dependência,vez que os seus

conteúdos vinculam-se complementando-os e mostrando-se desdobramentos uns dos

outros;

e)a aplicabilidade imediata- A Constituição Federal de 1988 dispõe

expressamente no art. 5º, § 1º: que “as normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais têm aplicação imediata”.

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Consoante a esta característica, Cláudio Dias Lima Filho21,

elucida que:

“conseqüência desta característica, é a necessidade de previsão de mecanismos de garantia dos direitos fundamentais do que decorre: (1) que a própria Constituição Federal deve, além de apontar os direitos, fornecer-lhes meios assecuratórios adequados; (2) que também os meios assecuratórios devem ser dotados de aplicabilidade direta ou imediata; (3) que os meios assecuratórios nunca podem, a pretexto de regular o direito constitucional, restringi-lo; que (4) na ausência da previsão de meios específicos, pode-se utilizar os meios ordinariamente previstos (por exemplo, o procedimento judicial comum) e que a despeito da preocupação com esta questão, meios judiciais destinados a combater a indevida omissão na aplicação de direitos fundamentais (seja no plano abstrato, do que dá mostras a ação direta de inconstitucionalidade por omissão: art. 103, § 2º; seja no plano concreto, como mostra o mandado de injunção: art. 5º, LXXI) foram por ela estabelecidos, e”

f) a proibição do retrocesso- que representando marcos da conquista

civilizatória, elucida que os direitos fundamentais uma vez reconhecidos não podem

ser abandonados nem diminuídos, ou seja, o desenvolvimento atingido não é passível

de retro-gradação.

Com relação à proibição do retrocesso social, o Professor Walter

Claudius Rothemburg22, salienta que: “esta proteção traduzida pela proibição de

retrocesso, possui uma eficácia impeditiva (negativa) que por si só capaz de sustentar

um controle de constitucionalidade (tanto em relação à ação quanto à omissão

indevidas). No plano normativo, a eficácia impeditiva de retrocesso fornece diques

contra a mera revogação de normas que consagram direitos fundamentais, ou contra a

substituição daquelas por outras menos generosas para com estes; e, no plano dos

21 LIMA FILHO, Cláudio Dias. Considerações a Cerca dos Direitos Humanos. Bahia, 2005. p. 47 22 ROTHEMBURG, Walter Claudius. Direitos Fundamentais e Suas Características. Revista dos Tribunais n. 29, 1999, p. 50

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atos concretos, permite impugnar, por exemplo, a implementação de políticas públicas

de enfraquecimento dos direitos fundamentais”.

A eficácia impeditiva de retrocesso vale igualmente para a

excepcional possibilidade de restrição de direito fundamental, que jamais poderá

avançar sobre o estágio de desenvolvimento jurídico-normativo por este atingido, bem

como para servir de parâmetro para a aferição da constitucionalidade em abstrato,

protegendo os direitos a prestações e garantias institucionais, impedindo o

desmantelamento de organizações e projetos de assistência social, por exemplo.

1.4 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDE RAL DE 1988

A Constituição Federal de 1988, como resultado das lutas pela

instauração do pleno Estado Democrático no País, cumpre este desiderato quando

com meta específica visa garantir, proteger e assegurar o exercício dos direitos

humanos, positivando e constitucionalizando-os.

A Carta de 1988 demarca no âmbito jurídico o processo de

democratização do Estado Brasileiro ao consolidar a ruptura com o regime

autoritário militar, instalado em 1964. Institucionaliza a instauração de um regime

político democrático no Brasil, introduzindo um indiscutível avanço na consolidação

legislativa das garantias e direitos fundamentais e na proteção de setores

vulneráveis da sociedade brasileira.

A partir dela, os direitos humanos ganham relevo extraordinário,

considerando-se o Documento mais abrangente e pormenorizado sobre os direitos

humanos em nosso País.

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Jorge Miranda, em sua obra Manual de Direito Constitucional, afirma

que: “ a Constituição confere uma unidade de sentido, de valor e concordância

prática ao sistema dos diretos fundamentais. Ela repousa na dignidade humana, ou

seja, na concepção que faz a pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado”23

Já no preâmbulo, nossa Carta Magna projeta a construção de um

Estado Democrático de Direito, evidenciando que o Estado Brasileiro tem como

valor, fins e meta fundamentais organizar-se para prover, de modo eficaz, o

reconhecimento, a proteção e a concretização dos direitos fundamentais assim

proclamando:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Esta posição tópica da positivação dos direitos fundamentais na

Constituição de 1988, impõe como primeira ilação sua prevalência como elemento

informador para a aplicação de todo o texto constitucional, qualquer que seja o

destinatário das normas definidoras de direito.

No entender de José Afonso de Silva24: “É a primeira vez que uma

Constituição assinala, especificadamente, objetivos do Estado brasileiro, não todos,

23 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional .Coimbra: Editora Coimbra, Vol. 4, 1988, p. 166. 24 SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros Editores, 15ª Edição, p. 93.

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que seria despropositado, mas os fundamentais, e entre eles, uns que valem como

base das prestações positivas que venham a concretizar a democracia econômica,

social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade da pessoa humana”.

Desta forma, podemos elucidar quão acentuada é a preocupação da

nossa Carta Magna em assegurar os valores da dignidade e do bem-estar da

pessoa humana, como um imperativo de justiça social, bem como que o valor da

dignidade humana, o valor dos direitos e garantias fundamentais, constituem

princípios constitucionais que abarcam os termos justiça e valores éticos,

perfazendo todo o suporte axiológico do nosso sistema jurídico.

Inobstante o preâmbulo, nossa Carta Magna trouxe em seu Título II-

Dos Direitos e Garantias Fundamentais subdividindo-os em cinco capítulos,

estabelecendo cinco espécies ao gênero direitos e garantias fundamentais.

No Capítulo I, artigo 5º e seus incisos, disciplina sobre: os direitos e

deveres individuais e coletivos, que correspondem aos direitos diretamente ligados

ao conceito de pessoa humana e de sua própria personalidade, como por exemplo,

o direito à vida, à dignidade, à honra. No Capítulo II, nos artigos 6º ao 11º, trata dos

direitos sociais, caracterizando-os como verdadeiras liberdades positivas de

observância obrigatória do Estado Social de Direito, cuja principal finalidade é a

melhoria das condições de vida aos cidadãos, visando à concretização da igualdade

social, configurando um dos fundamentos do Estado Democrático ( art. 1º, IV).

O Capítulo III, nos artigos 12 e 13, nossa Carta Magna elucida sobre

o direito da nacionalidade, de modo que esta seja o vínculo jurídico político que

liga o indivíduo a um determinado Estado, fazendo deste indivíduo um componente

do povo, ou seja, da dimensão pessoal deste Estado, capacitando-o a exigir sua

proteção e sujeitando-se ao cumprimento de deveres que lhe são impostos.

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Já no Capítulo IV, nos artigos 14 ao 16, disciplina os direitos políticos

como o conjunto de regras que dispõe sobre as formas de atuação da soberania

popular, sendo estes direitos públicos subjetivos que investem o individuo no status

activae civitatis, permitindo-lhe o exercício concreto da liberdade de participação nos

negócios políticos do Estado, de maneira a conferir os atributos da cidadania,

constituindo um desdobramento do princípio democrático inscrito no artigo 1º,

parágrafo único da Constituição Federal, que afirma que todo poder emana do povo,

e que este o exerce por meio de representantes eleitos diretamente.

Por fim, o Capítulo V, artigo 17, reza sobre os partidos políticos,

como direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos

políticos, regulamentando-os como instrumentos necessários e importantes para

preservação do Estado Democrático de Direito, assegurando-lhes autonomia e plena

liberdade de atuação, para concretizar o sistema representativo.

Além da citada classificação constitucional acima traduzida, a

doutrina elucida diferentes classificações terminológicas sobre o tema, sem

contudo apresentar diferenciações essenciais em relação ao seu tratamento

Manoel Gonçalves Ferreira Filho25, sugere uma classificação que,

relacionada ao objeto dos direitos fundamentais, seria dividida em: liberdades

(poderes de fazer ou não fazer algo, ex: liberdade de locomoção, enfim); direitos de

crédito (poderes de reclamar alguma coisa, sendo o seu objeto contraprestações

positivas, ex: direito ao trabalho); direitos de situação (poderes de exigir um status,

tendo como objeto uma situação preservada ou restabelecida, por ex: direito a um

meio ambiente equilibrado, direito à paz) e direitos-garantia (poderes de exigir que

não se façam determinadas coisas, por ex: o direito de não sofrer censura).

25 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 100

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De acordo com a lição de José Afonso da Silva26, a classificação

adotada pelo nosso direito constitucional é aquela que os agrupa com base no critério

de seu conteúdo, que, ao mesmo tempo, refere-se à natureza do bem protegido e do

objeto de tutela. Embasado neste critério tem-se:

(a) direitos fundamentais do homem-indivíduo: aqueles que

reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e independência aos

indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado; por

isso são reconhecidos como direitos individuais, como é de tradição do Direito

Constitucional brasileiro (art. 5º);

(b) direitos fundamentais do homem membro de uma coletividade, que

a Constituição adotou como direitos-coletivos ( art. 5º);

c) direitos fundamentais do homem-social, que constituem os direitos

assegurados ao homem em suas relações sociais e culturais(art. 6º);

d) direitos fundamentais do homem-nacional, os que têm por conteúdo

e objeto a definição da nacionalidade suas faculdades; e

e) direitos fundamentais do homem-cidadão, que são os direitos

políticos (art. 14º), igualmente chamados direitos democráticos ou direitos de

participação política.

No que diz respeito à importância que ocupa os direitos humanos no

âmbito constitucional brasileiro, nossa Constituição no inciso II, do artigo 4º27, deixa

absolutamente claro o comprometimento do Brasil com os direitos humanos, ao afirmar

que o País é regido, nas suas relações internacionais, pela prevalência dos direitos

Humanos, bem como confere tratamento especial aos direitos humanos, ao

26 SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Editores Malheiros, 2005, p. 185/186 27 CF/88-Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (...)II - prevalência dos direitos humanos.

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reconhecer sua eficácia imediata conforme evidencia o inciso LXXVII, §1º do artigo

5º28, a qual dispõe que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais tem

aplicação imediata.

A respeito Pedro Dallari29 nos esclarece que: “se a Constituição

distinguiu os tratados de Direitos Humanos, o fez para assegurar-lhes uma condição

mais relevante no quadro da hierarquia das normas jurídicas vigentes no Brasil do que

aquela reconhecida para o restante das normas convencionais”.

Torna-se inquestionável esta argumentação, vez que há a equivalência

dos tratados e das convenções internacionais sobre direitos humanos às emendas

constitucionais, conforme a Emenda Constitucional n. 45/2004 alterou, prevendo que

os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, que forem aprovados,

em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos

respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais, gozando assim

do status diferenciado em nosso ordenamento jurídico.

Desta forma, é possível afirmarmos que, nossa Carta Magna,

concretiza a concepção de que os direitos e garantias fundamentais possuem especial

força expansiva, projetando-se no universo constitucional como parâmetro

interpretativo das normas existentes em nosso ordenamento jurídico.

A Constituição Federal de 1988 abriga os direitos humanos em sua três

dimensões, podendo-se dizer ainda que aponta, mesmo que timidamente, a quarta

geração de direitos, como veremos a seguir:

28 CF/88 -Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. 29 DALLARI, Pedro B.A. Constituição e Tratados Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 61.

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Sobre as referidas dimensões, Anna Cândida da Cunha Ferraz30 nos

privilegia com seus ensinamentos, enfatizando que: “Na primeira dimensão,

figuram-se as liberdades públicas em seu sentido estrito, afirmando direitos e

liberdades do individuo frente ao Estado, especificadamente como direitos de defesa

contra o Poder, demarcando-se, assim, uma zona de não interferência do estado na

esfera individual, dentro do qual o indivíduo exerce autonomia de vontade. São os

denominados direitos e garantias individuais e políticos clássicos.( grifo nosso)

“Em sua segunda dimensão, compreende a consagração dos direitos

sociais, direitos econômicos, culturais e sociais.Estes direitos fundamentais

caracterizam-se por outorgarem ao indivíduo direitos à prestações sociais estatais,

como a saúde, a assistência social, a educação, o trabalho, o lazer, revelando uma

transição das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas.

Demandam do Estado uma ‘ atuação positiva’”. ( grifo nosso)

E que: “Os direitos fundamentais de terceira dimensão, também

denominados de direitos de fraternidade e solidariedade, trazem como nota distintiva o

fato de se desprenderem do homem- indivíduo como seu titular, destinando-se à

proteção de grupos e coletividades, tais como família, povo, nação, caracterizando-se

como direitos de titularidade coletiva ou difusa”.( grifo nosso)

Assim, podemos elucidar que assumem particular relevo no rol dos

direitos ditos de primeira dimensão, especialmente pela notória inspiração

jusnaturalista, os direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei.

Com relação aos direitos de segunda dimensão, estes se caracterizam

por outorgarem aos indivíduos a faculdade de exigir do Estado, a promoção e a

30 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Aspectos da Positivação dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Ed. Edifeo , 2007, p. 160

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possibilidade de que se torne efetivo o exercício do direito considerado. Como direitos

de segunda geração, tem-se os direitos à saúde, à educação, à assistência social,

enfim.

Nos direitos de terceira dimensão, podemos elucidar que o destinatário

fundamental torna-se o próprio gênero humano, por isso sua titularidade ser coletiva,

como por exemplo: o direito à paz, a autodeterminação dos povos, ao

desenvolvimento, ao meio ambiente, enfim.

Alguns autores, em especial Paulo Bonavides31, admitem a existência

dos chamados direitos de quarta dimensão, considerando-os os derivados do

fenômeno da globalização política, no sentido de uma universalização no plano

institucional, que para ele corresponde à derradeira fase de institucionalização do

Estado Social, sendo estes direitos os direitos à democracia, à informação, e o direito

ao pluralismo.

Diante do elucidado acima, cabe-nos observar, que todas as categorias

de direitos fundamentais, sejam os direitos civis ou políticos (1ª dimensão), sejam os

direitos sociais, econômicos (2ª dimensão), de desenvolvimento ou ambientais( 3ª

dimensão), exigem obrigações negativas ou positivas por parte do Estado, sendo de

suma importância tratar os direitos fundamentais como valores indivisíveis e que se

completam.

1.5. DOS DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL D E 1988

Lançadas as considerações preliminares a respeitos dos direitos

fundamentais, passamos à análise dos direitos sociais propriamente ditos, à luz da

31 BONAVIDES, Paulo.Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 524

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Constituição de 1988, sem ter contudo a pretensão de esgotar a análise de cada

um deles, vez que por si só, reclamaria a elaboração de um estudo próprio.

Os direitos sociais começam a surgir, em decorrência da Revolução

Industrial do século XIX, que substitui o homem pela máquina, gerando, como

conseqüência, desemprego em massa, miséria e grande excedene de mão-de-obra,

gerando evidente desigualdade social. Assim, fez-se com que o Estado se visse

diante da necessidade de proteger o trabalho e outros tantos direitos devidos aos

cidadãos.

Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho32: “Os direitos sociais

como dimensão dos direitos fundamentais do homem, tem como característica a

determinação da atitude do Estado com relação a eles, ou seja, demandam do

Estado uma “ atuação positiva”, de forma que não bastam as declarações ou as

positivações constitucionais de direitos e a não intervenção do Estado nas

liberdades individuais para sua caracterização, mas sim por outorgarem aos

indivíduos direitos a prestações positivas estatais, de modo que tenham a

faculdade de exigir do Estado a possibilidade de promoção do efetivo exercício do

direito considerado.São direitos subjetivos que atribuem ao indivíduo poderes de

exigir. São direitos de crédito, cujo sujeito passivo é o Estado, posto como

responsável pela realização de programas sociais que atendam às necessidades

coletivas”.

São aqueles que têm por objetivo garantir aos indivíduos condições

materiais tidas como imprescindíveis para o pleno gozo dos seus direitos, por isso

tendem a exigir do Estado intervenções na ordem social segundo critérios de justiça

32 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 49/50.

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distributiva. Diferentemente dos direitos liberais, se realizam por meio de atuação

estatal, com a finalidade de diminuir as desigualdades sociais.

São prestações positivas proporcionadas pelo Estado, direta ou

indiretamente, de forma que, enunciadas em nossa Constituição, possibilitem

melhores condições de vida aos mais fracos, ou seja, são direitos que tendem a

realizar a igualização de situações sociais. São, por conseguinte, endereçados ao

Estado, para quem surge, na maioria das vezes, certos deveres de prestações

positivas, visando a melhoria das condições de vida e à promoção da igualdade

material.

Neste contexto, Fábio Konder Comparato.33, esclarece que: “Os

direitos econômicos, sociais e culturais tem por objeto políticas públicas ou

programas de ação governamental que buscam proteger, prioritariamente, os grupos

sociais despidos de poder, econômico ou político, de forma a realizar, no conjunto

da sociedade, o equilíbrio próprio daquela justiça proporcional de que falou

Aristóteles: distribuir mais aos que tem menos, e vice-versa. Em relação a tais

grupos carentes, a justiça comutativa da relação entre iguais não se aplica, ou

melhor, quando aplicada, produz o efeito perverso de agravar a desigualdade”.

A Constituição Federal de 1988 traz um Capítulo próprio (Capítulo

II) dedicado aos direitos sociais, encartado no Título II- Dos Direitos e Garantias

Fundamentais, trazendo ainda um título especial sobre a Ordem Social (Capitulo

VIII).

Dentre os direitos sociais, o artigo 6º da nossa Carta Magna elenca

os direitos sociais: a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

33 COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na Defesa dos Direitos Econômicos, Sócias e Culturais. In GRAU, Eros Roberto.; CUNHA, Sérgio Sérvulo da. ( Coord.). Estudos de Direito Constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 252.

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previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos

desamparados.

No artigo 7º são proclamados os direitos sociais dos trabalhadores,

tais como: a proteção ao emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, a

equiparação entre trabalhadores urbanos e rurais, o seguro-desemprego, a licença à

gestante, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o salário mínimo e a

aposentadoria. Cabe-nos ressaltar, que a enumeração dos direitos dos

trabalhadores trazida pelo referido artigo não é taxativa, tendo em vista que em seu

caput ultima parte prevê, além desses direitos, “ outros que visem à melhoria de sua

condição social”.

O artigo 8º garante a liberdade de associação profissional e sindical,

que para o trabalhador. Diz respeito ao direito de criação de sindicatos, bem como

ao direito de filiação e de desfiliação a um sindicato.

Ainda dentro do Capítulo dos Direitos Sociais, estão elencados o

artigo 9º, que prevê o direito à greve, e os artigos 10 e 11 que respectivamente,

asseguram “a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos

órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam

objeto de discussão e deliberação”, e, “ nas empresas de mais de duzentos

empregados, assegura a eleição de um representante destes com a finalidade

exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores”.

Insta salientar, que a amplitude dos temas inscritos nos artigos

referentes aos direitos sociais, como vimos, deixa claro que estes não se encontram

apenas consagrados no Capítulo II do Título II da nossa Carta Magna, mas sim

dispersos por todo seu texto, principalmente no Título VIII que trata - DA ORDEM

SOCIAL, nos artigos 193 e seguintes, que dispõe sobre a Seguridade Social (art.

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194 e 195), sobre a Saúde (art. 196 ao 200), sobre a Previdência Social (art. 201 e

2002) e sobre a Assistência Social (art. 203 e 204).

Convém notar, que as normas previstas no Título VII que trata - DA

ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA, integra igualmente a categoria de direitos

sociais, vez que, conforme disposição expressa do artigo 170, caput, “ a ordem

econômica, fundada na livre iniciativa e na valorização social do trabalho, tem como

objetivo assegurar a todos os indivíduos uma existência digna, conforme os ditames

da justiça social”, trazendo como uns de seus princípios gerais por exemplo: a

função social da propriedade( inciso III), a redução das desigualdades regionais e

sociais ( inciso IV) e a busca do pleno emprego ( VIII).( grifo nosso)

A respeito, o Professor André Ramos Tavares34, evidencia que: “o

Título VIII- que trata- DA ORDEM SOCIAL, além de estar inserido no contexto dos

direitos fundamentais de segunda dimensão, devem ser compreendidos como uma

complementação desses direitos, vez que se refere a Órgãos e Instituições

responsáveis pela implementação de políticas públicas que assegurem a efetividade

dos direitos sociais”.

O referido título foi dividido em oito capítulos sendo eles: Disposição

Geral; Da Seguridade Social; Da Educação; Da Cultura e do Desporto; Da Ciência e

Tecnologia ; Da Comunicação Social; Do Meio Ambiente; Da Família; Da Criança, do

Adolescente e do Idoso; e dos Índios, cuja base é o primado do trabalho, e os

objetivos o bem-estar e a justiça social, estando por conseguinte, em evidente

consonância com os princípios fundamentais de nossa Constituição, e

principalmente com a dignidade da pessoa humana.

34 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 586.

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Para Bobbio35, os direitos sociais são o conjunto das prestações ou

exigências das quais derivam expectativas legitimas que os cidadãos tem, não como

indivíduos isolados, uns independentes dos outros, mas como indivíduos sociais que

vivem e não podem deixar de viver em sociedade com outros indivíduos. “ Os

direitos sociais são condição para o exercício de liberdade, já que o individuo

instruído é mais livre do que um inculto, um individuo que tem trabalho é mais livre

do que um desempregado, um homem são é mais livre do que um enfermo”.

Para ele, o desenvolvimento dos direitos do homem de maneira que

abarque os direitos sociais indica uma possibilidade de superação da antítese entre

o liberalismo e sua priorização dos direitos de liberdade e o socialismo e sua

priorização da igualdade, ou sejam, enquanto que para garantir os direitos

individuais, ao Estado basta não invadir os espaços pessoais de liberdade, para a

garantia dos direitos sociais sua postura deve ser ativa, exigindo-se que Este

intervenha com providencias para que os direitos sociais sejam respeitados.

Desta forma, elucidamos que os direitos sociais propõem a

realização da justiça social porquanto constituem instrumentos postos pelo Estado e

pela sociedade para a efetiva concretização dos direitos fundamentais em geral.

1.6 DA SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

1.6.1 DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS ÀS INFRACONST ITUCIONAIS

A Constituição Federal, por ser Lei fundamental e suprema do Estado

Brasileiro, toda autoridade nela encontra fundamento, e somente ela confere

35 BOBBIO, Norberto.Teoria Geral da Política. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 508.

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poderes e competência governamentais. Nem o governo federal, nem os estaduais e

municipais são soberanos, uma vez que são limitados, expressa ou explicitamente

pela norma constitucional, exercendo suas atribuições nos termos nela

estabelecidos.

Portanto, toda norma que integrar o ordenamento jurídico nacional só

será válida se conformar-se às normas da Constituição Federal.

O principio da supremacia, requer que todas as situações jurídicas

se conformem com os princípios e preceitos constitucionais, e, se assim não

estiverem, serão declaradas inconstitucionais

A Constituição Federal de 1988, reconhece duas formas de

inconstitucionalidade: inconstitucionalidade por ação e a inconstitucionalidade por

omissão.

A Inconstitucionalidade por ação ocorre com a produção de atos

legislativos ou administrativos que contrariem normas ou princípios constitucionais.

O fundamento dessa inconstitucionalidade está no fato de que o princípio da

supremacia da constituição resulta na compatibilidade vertical das normas da

ordenação jurídica do nosso País, no sentido de que as normas de grau inferior

somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que no

caso é a Constituição Federal. As que não forem compatíveis com ela, serão

inválidas, pois, a incompatibilidade vertical resolve-se em favor das normas de grau

mais elevado, que acabam por funcionar como fundamento de validade destas.

Esta incompatibilidade vertical das normas inferiores com a

Constituição Federal, é também chamada de inconstitucionalidade das leis ou dos

atos do Poder Público, e se manifesta em dois aspectos: formalmente, quando tais

normas são formadas por autoridades incompetentes ou em desacordo com

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formalidades ou procedimentos estabelecidos pela Constituição Federal; e

materialmente, quando o conteúdo de tais leis ou atos contrariam preceitos ou

princípios constitucionais.

Tal incompatibilidade não pode perdurar, uma vez que contrasta-se

com o principio da coerência e harmonia das normas do ordenamento jurídico,

sendo entendido como reunião de normas vinculadas entre si por uma única

fundamentação, que é o que está previsto constitucionalmente.

Já a inconstitucionalidade por omissão, evidencia-se nos casos em

que não sejam praticados atos legislativos ou administrativos requeridos para tornar

plenamente aplicáveis as normas constitucionais. Muitas destas, de fato requerem

uma lei ou uma providência administrativa ulteriores para que os direitos ou

situações nelas previstos se efetivem na prática, ou seja, que se tornem eficazes e

em conformidade com os ditames constitucionais.

A Constituição Federal por exemplo, em seus artigos 196 e 205

prevê e reconhece o direito à saúde e à educação como direitos de todos e dever

do estado, mas se não produzirem atos legislativos e administrativos

indispensáveis para que se efetivem tais direitos em favor dos interessados,

estamos diante de uma omissão constitucional do Poder Público, o que possibilita a

interposição da ação de inconstitucionalidade por omissão, conforme prevê o seu

art. 103, sendo legitimados para tanto: o Presidente da República, a mesa do

Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia

Legislativa, o Governador do Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho

Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o partido político com representação no

Congresso Nacional e a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito

nacional.

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Assim, enquanto a ação de inconstitucionalidade por ação é

inconstitucionalidade positiva e se traduz na prática de ato violador à Constituição, a

inconstitucionalidade por omissão é inconstitucionalidade negativa, que resulta de

abstenção, inércia ou silêncio do poder político que deixa de praticar determinado

ato exigido pela Constituição.

A omissão inconstitucional, conforme preleciona Flávia Piovesan36,

caracteriza-se: a) pela falta ou insuficiência de medidas legislativas; b) pela falta de

adoção de medidas políticas ou de governo; e c) pela falta de implementação de

medidas administrativa, incluídas as medidas de natureza regulamentar, ou de

outros atos da Administração Pública.

Aliás, é este o entendimento do Supremo Tribunal Federal

pronunciado na ADIn-MC 1.458-7 –DF, julgada em 23.05.1996, cujo relator foi o

Ministro Celso de Mello, e assim vejamos:

“O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe assim os preceitos e princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em facere (atuação positiva, gera a inconstitucionalidade por ação. Se o Estado deixar de determinar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos constitucionais, em ordem a torna-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impõe, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Deste non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providencia adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público”.

36 PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial Contra Omissões Legislativas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,1995, p. 90.

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Para Vieira de Andrade, haverá inconstitucionalidade por omissão

“sempre que o legislador não cumpra, ou cumpra insuficientemente, o dever

constitucional de concretizar imposições constitucionais concretas 37.

Isto é, para caracterizar a omissão legislativa, a intervenção do

legislador há de advir não do dever geral de legislar, mas do específico e concreto

encargo constitucional, surgindo uma verdadeira ordem de legislar, de cunho

específico, cujo cumprimento está adstrito à emissão das normas correspondente.

Como já evidenciado no texto da ADIn-MC 1.458-7 –DF acima

epigrafada, a omissão legislativa pode ser total ou parcial.

A inconstitucionalidade por omissão total identifica-se com a falta de

ação, ou seja, em face do dever jurídico de agir, manifesta-se o absoluto silêncio, a

postura totalmente passiva, a omissão total.

Já, quando a inconstitucionalidade por omissão é parcial, verifica-se

a falta de ação nos termos exigidos pela Constituição. Há uma atividade imperfeita,

que não é capaz de responder aos exatos termos do preceito constitucional.

A respeito, Jorge Miranda nos pronuncia que: “É total a

inconstitucionalidade por omissão que consiste na falta absoluta de medidas

legislativas ou outras que dêem cumprimento a uma norma constitucional ou a um

dever prescrito por norma constitucional, e parcial aquela que consiste na falta de

cumprimento do comando constitucional quanto a alguns dos seus aspectos ou dos

seus destinatários”.38

37 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais, Coimbra: Livraria Almedina, 1987, p. 380/381 38 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional .Coimbra: Editora Coimbra, 1988, Vol. 4, p. 339.

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Flávia Piovesan39, faz a seguinte anotação:

“Existe uma omissão legislativa parcial quando o legislador não efetiva completamente uma imposição constitucional concreta. Como assinalado, a omissão legislativa parcial ocorre especialmente quando leis de cumprimento da Constituição favorecem certos grupos, esquecendo outros, o que importa na exclusão constitucional de vantagens. Caracteriza-s, assim, a omissão legislativa parcial, dado que o legislador tem o dever de tornar exeqüível o direito constitucional, em prol do principio da igualdade, o que justifica o alargamento da solução legal a outras categorias de cidadãos. Nesta perspectiva, a omissão deve ser concebida no ângulo material e não meramente formal, ou seja, a violação ao principio da igualdade implica na inconstitucionalidade por omissão. Configurada a inconstitucionalidade por omissão, impõe-se o dilema da atuação dos Tribunais: ou declaram a inconstitucionalidade das normas que contenham essas omissões, na perspectiva de que houve a inconstitucionalidade por ação em decorrência de violação ao princípio da igualdade, ou, na perspectiva de que houve omissão inconstitucional ( omissão parcial), estendem o âmbito normativo, a fim de que seja observado o princípio da igualdade”.

Desta forma, podemos elucidar que a inconstitucionalidade por

omissão, vem despertar o desafio da efetividade constitucional, preocupação esta

inerente à ordem jurídica do modelo social e à própria realização da constituição de

um Estado do Bem-Estar Social.

O controle de constitucionalidade, que é jurisdicional, quando

combinado com o critério difuso, reconhece o seu exercício a todos os componentes

do Judiciário. Quando combinado com o critério concentrado, somente será

deferido ao Tribunal de Cúpula do Poder Judiciário ou a uma Corte especial que no

caso é o Supremo Tribunal Federal.

Em conformidade com a temática do nosso estudo, que se centra

nos direitos fundamentais, nos direitos sociais e especificadamente à Assistência

Social e a proteção aos idosos hipossuficientes, ao final, pretendemos elucidar se a

39 PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial Contra Omissões Legislativas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,1995, p. 97.

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alteração trazida pelo parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei

10.741/03) está em descompasso com os ditames constitucionais, contrastando com

os princípios inseridos em nosso ordenamento jurídico.

Nossa Carta Magna, é bem clara ao evidenciar a garantia e a

necessidade de observância de seus dispositivos, como vejamos:

Já no seu preâmbulo, a Constituição Federal de 1988 elucida que

“(...) para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos

direitos sociais e individuais, a liberdade, segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores como valores supremos de

uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos(...)”( grifo nosso)

Em seu artigo 1º, quando trata dos Princípios Fundamentais, no

inciso III faz referência ao valor da dignidade humana como um de seus

fundamentos, bem como no inciso III do art. 3º que constitui-se objetivo fundamental

da Republica Brasileira, dentre outros, a erradicação da pobreza e a

marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais.( grifo nosso)

No Capítulo II- Dos Direitos Sociais, especificadamente no art. 6º,

proclama : “ são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer,

a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados na forma desta Constituição”, que automaticamente

pelo disposto no art. 5º, §1º, têm eficácia imediata, dispondo que “ as normas

definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata” como

pormenorizaremos mais adiante.( grifo nosso)

No artigo 193, já no Título- Da Ordem Social- diz que “ a ordem

social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça

sociais”, conseguinte no artigo 194 caput, parágrafo único e seus incisos que trata

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da Seguridade Social elucida que “ a seguridade social compreende um conjunto

integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a

assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência social e á assistência social,

tendo como objetivos: a universalidade da cobertura do atendimento, uniformidade e

equivalência dos benefícios e serviços ás populações urbanas e rurais, a

seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços, a

irredutibilidade do valor dos benefícios, a equidade na forma de participação no

custeio, a diversidade da base de financiamento e o caráter democrático e

descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação

dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgão

colegiados”.

Em seu artigo 203 e incisos, especificadamente prevê que “ a

assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de

contribuição à seguridade social, tendo como objetivos: a proteção à família, à

maternidade, à infância, à adolescência e a velhice, o amparo às crianças e

adolescentes carentes, a promoção da integração ao mercado de trabalho, a

habilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração

à vida comunitária, e a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa

portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à

própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.

(grifo nosso)

Desta forma, podemos verificar que diante da pressão exercida

pelos setores progressista da sociedade civil, muitas conquistas foram asseguradas

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pela Constituição Federal de 1988, no que se refere aos direitos de cidadania40,

inclusive lhe atribuindo a denominação de “ Constituição Cidadã”

1.6.2- DOS DIREITOS E GARANTIAS DOS DIREITOS

A afirmação dos direitos fundamentais do homem no Direito

Constitucional positivo é de suma e fundamental importância. Contudo não basta

que um direito seja reconhecido e declarado, é necessário garanti-lo, uma vez que

haverá ocasiões em que será discutido e violado.

Nas palavras de José Afonso da Silva41Ruy Barbosa já dizia que

uma coisa são os direitos, outras as garantias, pois devemos separar nos textos

da Lei Fundamental as disposições meramente declaratórias(aquelas que imprimem

existência legal aos direitos reconhecidos), e as disposições assecuratórias, (as que

em defesa dos direitos, limitam o poder).

Contudo, não é decisivo afirmar em face da Constituição Federal

que os direitos são declaratórios e as garantias assecuratórias, pois as garantias em

certa medida são declaradas, e às vezes se declaram os direitos usando forma

assecuratória.

É o conjunto das garantias dos direitos fundamentais que formam

sistemas de proteção tais como: a proteção social, a proteção política e a proteção

jurídica, que se caracterizam como imposições positivas ou negativas aos órgãos do

40 A referência explicita aos direito de cidadania é dada diante do reconhecimento e da contemplação dos direitos sociais, dentre eles: a educação, a saúde, o trabalho, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade, a infância, a assistência aos desamparados. (título II, “ Dos Direitos e Garantias Fundamentais” e Capítulo II, “ Dos Direitos Sociais” 41 SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros Editores, 15ª Edição, p. 189.

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Poder Público, limitativas de sua conduta, para assegurar a observância, ou no

caso de violação, a “reintegração” dos direitos fundamentais.

Para a garantia desses direitos, principalmente para a efetivação dos

direitos sociais, as políticas públicas exercem um papel de suma importância, de

modo que, por meio delas se alcance o fim almejado e descrito em nosso texto

constitucional. Assim, diante de sua extrema importância, passamos a analisar,

contudo sem a pretensão de esgotá-lo.

1.7. DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

As Políticas Públicas exercem um papel de suma importância para a

garantia e a realização das garantias e direitos fundamentais. O Direito, dentre

outras atribuições, tem um papel na formação das instituições que impulsionam,

desenham e realizam as políticas públicas de maneira que as expressões da

atuação governamental corresponderão, em regra, às formas definidas e

disciplinadas pelo direito.

À Política, compete vislumbrar o modelo, contemplar os interesses a

ela pertinentes, arbitrando conflitos de acordo com a distribuição do poder, além de

equacionar a questão do tempo distribuindo as expectativas de resultados entre

curto, médio e longo prazo.

Ao Direito, cabe conferir expressão formal e vinculativa a esse

propósito, transformando-os em leis, normas de execução, dispositivos, enfim,

formando o conjunto institucional por meio do qual se opera a Política e realiza seu

plano de ação.

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A realização de Políticas Públicas deve dar-se dentro dos

parâmetros da legalidade e da constitucionalidade. Os atos e as omissões que

constituem cada política pública devem ser reconhecidos pelo direito e gerarem

efeitos jurídicos.

Inobstante a isto, podemos dizer, corroborando com o entendimento

da Maria Paula Dallari Bucci42 que: “ o ideal de uma política pública, vista pelo

direito, não se esgota na validade, isto é, na conformidade do seu texto com o

regramento jurídico que lhe dá base, nem na eficácia jurídica que se traduz no

cumprimento das normas dos programas. O ideal de uma política pública é resultar

no atingimento dos objetivos sociais (imensuráveis) a que se propôs; obter

resultados determinados, em certo espaço de tempo”.( grifo nosso)

Assim, pensar em Política Pública é buscar a coordenação, seja na

atuação dos Poderes Público: Executivo, Legislativo e Judiciário, seja entre os

níveis federativos, seja no interior do Governo, seja ainda na interação entre os

organismos da sociedade civil e o Estado.

A ação do Estado por Políticas Públicas, como já ressaltado, se faz

vinculada a direitos previamente estabelecidos ou a metas compatíveis com os

princípios e objetivos constitucionais. Nossa Carta Magna, refere-se de maneira

genérica às Políticas Públicas, como por exemplo no caso da política de crédito,

política de câmbio, política nacional de transportes ( art. 22, VII e IX), política de

educação de trânsito( art. 23, XII), dentre outras.Também faz referência com maior

precisão, ou seja, especificando a observância de diretrizes e objetivos como no

caso da política de desenvolvimento (art. 182) que deve ser executada pelo Poder

Público Municipal em conformidade com as diretrizes gerais fixadas em lei, cujo

42 BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas Públicas: Reflexões Sobre o Conceito Jurídico, São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 43.

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objetivo é o de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e

garantir o bem-estar de seus habitantes.

Como exemplo podemos citar o art. 196 também da CF, que

estabelece a garantia do direito à saúde por meio do dever do Estado de

implementar políticas de desenvolvimento e econômicas que visem a redução do

risco de doença e de outros agravos, bem como o acesso universal e igualitário às

ações e serviços para a proteção, a promoção e a recuperação.

A legislação infraconstitucional por sua vez, em alguns casos

consagra a positivação de Políticas Públicas atribuindo uma certa ordem, uma vez

que em vários textos normativos, encontra-se a especificação de elementos bem

definidos, sendo eles: 1º) a finalidade da política, 2º) seus princípios reitores, 3º)as

diretrizes, 4º) a forma de organização e gestão, 5º) as ações governamentais, com

atribuição de deveres e competências e por fim, 6º) a identificação das fontes de

recursos financeiros.

Este conjunto de elementos está presente por exemplo, nas Lei n.

8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção,

proteção e recuperação da saúde e constitui o SUS (Sistema Único de Saúde), Lei

Orgânica da Assistência Social, (Lei n. 8.742 de 07 de dezembro de 1993)

evidenciada no Capitulo II deste trabalho, na Política Nacional de Assistência

Social, instituída pela Resolução de n. 207/93 do Conselho Nacional de Assistência

Social, Lei de n. 7.853 de 24 de outubro de 1989, que disciplina sobre o apoio às

pessoas portadoras de deficiência, bem como na Política Nacional do Idoso, Lei n.

8.842 de 04 de janeiro de 1994, que analisaremos especificadamente no próximo

item.

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A criação de cada item das Políticas acima descritas são de suma

importância e relevância para a implantação e concretização das Políticas Públicas

em nosso Pais. Em cada uma delas, evidenciamos a relação dos princípios e

diretrizes inerentes à matéria da política, à finalidade de vinculação dos Órgãos dos

Poderes Públicos, bem como a vinculação de sua atuação aos Órgãos e instâncias

controladoras, de modo que com a incorporação destes princípios e diretrizes nas

ações burocráticas estatais, os objetivos visados pelas Políticas Sociais possam se

concretizar, principalmente se tais políticas se voltarem à realização concreta de

direitos sociais, imprescindíveis à dignidade de cada pessoa em sociedade.

Dada a importância da análise de algumas Políticas Sociais, como a

Política Nacional de Proteção ao Idoso e a Política Nacional de Assistência Social

explanaremos sobre a primeira neste momento e sobre a segunda, a abordaremos

de forma mais ampla no capítulo seguinte, vez que a mesma envolve grande parte

deste trabalho.

1.7.1- DA POLÍTICA NACIONAL DE PROTEÇÃO AO IDOSO

A Política Nacional do Idoso consubstanciada na Lei n. 8.842/94 é a

expressão do conteúdo do dispositivo previsto no artigo 230 da Constituição Federal

de 1988, visando assegurar os direitos sociais a pessoa idosa e as condições para a

promoção de sua autonomia, integração e participação na sociedade, consoante se

lê no Texto Constitucional:

Art. 230 . A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito á vida.

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Em nosso País, a Política Nacional do Idoso, tal como o Estatuto da

Criança e do Adolescente, é considerada um instrumento de grande avanço social.

Trata-se de uma política bastante substantiva, agregando princípios e diretrizes que

visam assegurar os direitos sociais do idoso, e como já dito, promover sua

autonomia, integração e participação efetiva na sociedade.

Em seu texto, supõe a articulação de diversas políticas setorias, tais

como nas esferas de governo e na sociedade civil como um todo, reconhecendo as

múltiplas faces da velhice e do envelhecimento populacional.

A Política Nacional do Idoso, preceituada na referida Lei n.

8.842/94, objetiva impedir omissões e introduzir novos padrões de atenção ao idoso,

pautando-se em garantir o respeito, a dignidade, a cidadania ao idoso no Brasil. Em

seus dispositivos reconhece a totalidade da condição do idoso, caminhando ao

lado da identificação e qualificação dos indicadores que permitem ser a velhice

sinônimo de qualidade de vida. Para sua concretude, retomam-se as diretrizes e as

políticas de seguridade social e inclusão social enquanto direito do idoso.

Traz como princípios norteadores desta política (art. 3º) que: I) a

família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos

da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua

dignidade, bem-estar e o direito à vida; II) que o processo de envelhecimento diz

respeito á sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento e informação

para todos; III) que o idoso não pode sofrer discriminação de qualquer natureza; IV)

o idoso deve ser o principal agente e o destinatário das transformações a serem

efetivadas através desta política; e que V) as diferenças econômicas, sociais,

regionais e, particularmente as contradições entre meio rural e o urbano no Brasil

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deverão ser observadas pelos poderes públicos e pela sociedade em geral na

aplicação desta lei.

Em seu Capítulo IV,no artigo 10º, trata das ações governamentais,

evidenciando a competência dos Órgãos e entidades públicas na implantação desta

política. Logo no inciso I, referencia-se a àrea de promoção e assistência social que

deverá: a) prestar serviços e desenvolver ações voltadas para o atendimento das

necessidades básicas do idoso, mediante a participação das famílias, da sociedade

e de entidades governamentais e não-governamentais, b) estimular a criação de

incentivos e de alternativas de atendimento ao idoso, como centros de conveniência,

centro de cuidados diurnos, casas-lares, oficinas abrigadas de trabalho,

atendimentos domiciliares e outros, c) promover simpósios, seminários e encontros

específicos, d) planejar, coordenar supervisionar e financiar estudos, levantamentos,

pesquisas e publicações sobre a situação social do idoso, e e) promover a

capacitação de recursos para atendimento ao idoso.

Como podemos observar, a Política Nacional do Idoso em nosso

País traça um bom exemplo de política pública, contudo infelizmente ainda não

podemos afirmar e vivenciar que ela está sendo efetivamente observada e cumprida

por parte dos entes públicos bem como da sociedade, uma vez que vários são os

deslizes e atos importantíssimos relacionados aos idosos brasileiros que não estão

sendo instituídos de conformidade com os princípios constitucionais e diretrizes

norteadoras do direito que os envolve.

Sua concretização como política pública depende da mobilização de

todos, ou seja, da família, da sociedade, dos poderes públicos, digo Legislativo,

Executivo e Judiciário, de modo que possamos obrigar o Estado, principal

responsável pelo desenvolvimento das ações inventariadas nesta política, que

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através de sua estrutura administrativa compete o desenvolvimento da mesma,

principalmente na formação de Conselhos que se incumbirão de formular,

coordenar, supervisionar e avaliar esta política, inclusive provendo-a de recursos

necessários para atender seus fins, conforme dispõe o inciso V e parágrafo único do

artigo 8º da lei n. 8.842/94.

Deste modo, podemos evidenciar que a proteção aos idosos

constitui real responsabilidade social, de modo que todos, em conjunto, devemos

envidar esforços para viabilizar que estes consigam desfrutar de momentos

agradáveis e felizes, sendo vivenciadores de seus direitos dignamente.

1.8 DA VINCULAÇÃO DOS PODERES PÚBLICOS AOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS

A vinculação dos Poderes Públicos aos direitos fundamentais

encontra-se estreitamente ligada ao tema da eficácia e aplicabilidade das normas e

aos postulados de direitos fundamentais, vez que a vinculação dos mesmos

constitui uma das principais dimensões de eficácia.

O principio da aplicação imediata, trazido pelo §1º do artigo 5º da

Constituição Federal, diz respeito a todas as normas de direitos fundamentais,

independentemente de sua função, seja ela assegurando direitos à prestações ou

direitos de defesa.

Não consoante à Constituição Portuguesa que prevê expressamente

em seu artigo 18/1 a vinculação das entidades públicas e privadas aos direitos

fundamentais, nossa Carta Magna neste particular quedou-se silente na formulação

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do art. 5, §1º, que como já dito, limitou-se a proclamar a imediata aplicabilidade das

normas de direitos fundamentais.

Contudo, a omissão do Constituinte não significa que os Poderes

Públicos, assim como os particulares não estejam vinculados a obrigatoriedade de

observância e respeito aos direitos fundamentais. Tal se justifica, pois, em nosso

direito constitucional o postulado da aplicabilidade imediata das normas de direitos

fundamentais (art. 5, §1º) pode ser compreendido como um mandado de otimização

de sua eficácia, no sentido de impor aos Poderes Públicos a aplicação imediata

dos direitos fundamentais, outorgando-lhes nos termos desta aplicabilidade o

máximo de eficácia possível.

De forma categórica, Flávia Piovesan43 elucida que:” acentuada é a

preocupação da Constituição de 1988 em conferir aplicabilidade imediata a seus

preceitos, especialmente aos definidores de direitos e garantias fundamentai, não

sendo mais admissível exigir-se do destinatário da norma que aguarde, em espera

indefinida, a confecção das normas regulamentadoras faltantes. Se assim o fosse,

configurar-se-ia a omissão infraconstitucional mais eficaz que a atuação do

constituinte, a inexistência de norma regulamentadora mais vinculante que a

existência de norma constitucional”.

Desta forma, passamos a analisar a vinculação dos Poderes Públicos

aos direitos fundamentais, sendo estes importantíssimos para a efetivação dos

mesmos.

43 PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial Contra Omissões Legislativas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,1995, p. 109

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1.8.1 DA VINCULAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO

No que diz respeito à vinculação do Poder Legislativo aos direitos

fundamentais, podemos vislumbrar que esta implica claramente na renúncia à

crença positivista no que diz respeito à onipotência do legislador estatal.

Nas Palavras de Vieira de Andrade44 “ há que reconhecer que o

Poder Legislativo (potência legislativa) deixou de corresponder a idéia de um

soberano que se auto-limita, devedor apenas de uma veneração moral ou política à

uma Constituição distante e débil” .Assim, “o legislador além de estar obrigado a

atuar no sentido da concretização dos direitos fundamentais, encontra-se vinculado

e proibido de editar normas que atentem contra o sentido e a finalidade da norma

de direito fundamental”45, ou seja, há uma limitação material em sua liberdade no

âmbito de sua atividade regulamentadora e concretizadora.

Neste contexto, cabe-nos ressaltar os postulados de Ca46 que

reconhece a dupla dimensão da vinculação do legislador aos direitos fundamentais,

tendo esta sentido negativo ou proibitivo, uma vez que se refere a proibição da

edição de atos legislativos contrários às normas de direitos fundamentais, que neste

ângulo atuam como normas de competências negativas; e na concepção positiva,

implicando a vinculação do legislador no dever de conformação de acordo com os

parâmetros fornecidos pelas normas de direitos fundamentais. Salienta igualmente

que no âmbito da faceta jurídico-objetiva, os direitos fundamentais assumem a

função de princípios informadores de toda a ordem jurídica, estando assim o

44 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais,Coimbra: Livraria Almedina, 1987, p. 264. 45 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4. ed., rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, p. 352.

46 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional, 5ª edição, Coimbra: Almedina, 1992, p. 592/593.

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legislador estritamente ligado aos ditames constitucionais instituídos e garantidores

dos direitos fundamentais.

1.8.2 DA VINCULAÇÃO DO PODER EXECUTIVO

Com relação à vinculação do Poder Executivo e dos Órgãos

administrativos em geral, a norma contida no §1º do artigo 5º da Constituição

Federal também reforça a força da eficácia vinculante inerentes aos preceitos

constitucionais à estes Órgãos, podendo-se constatar que os direitos fundamentais

vinculam também os Órgãos administrativos em todas as suas formas de

manifestação e atividades no sentido de guardião, de gestão da coletividade.

Neste sentido, Ingo Sarlet47, mais uma vez nos presenteia com suas

palavras, ressaltando que: ”no que diz com a relação entre os órgãos da

administração e os direitos fundamentais, no qual vigora o princípio da

constitucionalidade imediata da administração, a vinculação aos direitos

fundamentais significa que os órgãos administrativos devem executar apenas as leis

àqueles sejam conformes, bem como executar estas leis de forma constitucional,

isto é, aplicando-as e interpretando-as em conformidade com os direitos

fundamentais”.

Desta forma, resta-nos evidenciado a presença do principio da

constitucionalidade imediata da administração entre os Órgãos da administração e

os direitos fundamentais, e que, a vinculação destes aos direitos fundamentais é

47 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4. ed., rev., atual. e ampl. Porto Alegre:

Livraria do Advogado Editora, p. 352.

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evidente, devendo os Órgãos administrativos executarem apenas as leis que

estejam conforme os ditames constitucionais, isto é, aplicando e interpretando-as em

conformidade com os direitos fundamentais, de maneira que a não observância

destes postulados poderá levar à invalidação judicial dos atos administrativos

contrários aos direitos fundamentais.

No que tange a esta vinculação dos Órgãos da Administração aos

direitos fundamentais, podemos vislumbrar que quanto maior for a sujeição da

administração pública às leis, de modo especial na esfera dos atos discricionários e

no âmbito dos atos de governo, tanto maior virá a ser a necessidade dos órgãos

administrativos observarem no âmbito de sua discricionariedade o conteúdo dos

direitos fundamentais, que, como já salientado, contém parâmetros e diretrizes para

a aplicação e interpretação dos conceitos legais, sendo estes muitas vezes

indeterminados. Desta forma, evidencia-se que nas hipóteses de uma maior

fragilidade do principio da legalidade, o conflito deste com o principio da

constitucionalidade acaba por resolver-se tendencialmente em favor do último.

Assim, cabe ressaltar neste contexto, que há a necessidade de os

Órgãos públicos observarem nas suas decisões os parâmetros contido na ordem de

valores da nossa Constituição, especialmente dos direitos fundamentais, o que

assume especial relevo na esfera da aplicação e interpretação de conceitos abertos

e cláusulas gerais, bem como no exercício da atividade discricionária.

1.8.3 DA VINCULAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

No que concerne à vinculação aos direitos fundamentais, o Poder

Judiciário exerce uma função de extrema relevância para a garantia e respeito aos

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direitos fundamentais, estando ele também vinculado aos preceitos constitucionais

e exercendo o controle da constitucionalidade dos atos dos demais Órgãos estatais

de tal sorte que, o Tribunais dispõe simultaneamente do poder e do dever de não

aplicar atos contrários à Constituição, de modo especial os ofensivos aos direitos

fundamentais, inclusive declarando-lhes a sua inconstitucionalidade.

Neste contexto, podemos constatar que os direitos fundamentais

constituem ao mesmo tempo parâmetros materiais e limites para o desenvolvimento

judicial do direito, de modo que a condição peculiar do Poder Judiciário de

observância e vinculação à Constituição e consequentemente aos direitos

fundamentais e às leis, possui o poder-dever de não aplicar as normas

inconstitucionais revelando que, diante de eventual conflito entre os princípios da

legalidade e da constitucionalidade, deverá acabar-se por resolver também em favor

do último.

Ademais, no âmbito da vinculação dos juízes e tribunais aos direitos

fundamentais, não se deverá perder de vista de que, se seus próprios atos

atentarem-se contra os direitos fundamentais, estes poderão constituir objeto de

controle judicial, controle e fiscalização este que será exercido em última instância

pelo Supremo Tribunal Federal na condição de Corte Suprema, a quem incumbe

não apenas a guarda da nossa Constituição, mas o próprio desenvolvimento da

nossa Lei fundamental.

Eles possuem o dever, e não meramente o poder de implementar a

Constituição Federal.Contudo, em inúmeras vezes acabamos por nos deparar com

decisões do Supremo Tribunal Federal, que diante da garantia e sustentabilidade

dos direitos fundamentais no âmbito dos direitos sociais, deixa-se envolver pela

questão econômica/política que se encontra, em detrimento às garantias dos direitos

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constitucionalmente previsto, decidindo em favor desta sob a alegação de que

“causará prejuízo ao erário” ou até mesmo restringindo os direitos fundamentais com

decisões que corroboram parâmetros irreais e apoiadores de incentivo à

miserabilidade e à violação ao valor da dignidade humana.

O papel que o Poder Judiciário exerce em nosso ordenamento

jurídico, é de extrema importância para a garantia e efetivação dos direitos

fundamentais/Sociais, inclusive sendo relevante no controle tanto do Poder

Legislativo quanto do Poder Executivo.

A respeito, Silvia Alapanian48 preleciona: “O Poder Judiciário, nas

sociedades contemporâneas, é resultado da possibilidade e capacidade que lhe é

dada de garantir que a Constituição seja aplicada no que tange também os atos dos

demais poderes-legislativo e o Executivo”

Assim, em conformidade com o exposto e inserida dentre os direitos

fundamentais/sociais enunciados por nossa Constituição Federal, passamos a

analisar especificamente no próximo Capítulo a Assistência Social, que será objeto

específico de nosso estudo.

48 ALAPANIAN, Silvia. Serviço Social e o Poder Judiciário: reflexões sobre o direito e o Poder Judiciário. Vl.1. São Paulo: Veras editora, 2008, p. 87.

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CAPÍTULO II

DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

2.1 A ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Torna-se inquestionável a firmação de que a assistência social é

parte essencial para a preservação da dignidade humana, assim vejamos:

Evidencia-se sob o prisma do pensamento Kantiano, que as pessoas

devem existir com um fim em si mesmo e jamais como meio a ser arbitrariamente

usado para este ou aquele fim; ou seja, possui um valor intrínseco: a dignidade,

que, diferentemente das coisas, não possui um valor relativo, condicional, ou de

meio, que as leve a ser substituída por outras.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948,

que já referenciamos no capítulo anterior, logo em sua abertura, consagra o

reconhecimento da dignidade humana, imanentemente como sendo esta inerente a

todos os seres humanos. Além dela, a igualdade e inalienabilidade dos direitos

como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo proclamam os

princípios da fraternidade, liberdade e igualdade.

A Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 1º, trouxe o

postulado da dignidade humana como um dos fundamentos do Estado Democrático

de Direito, assim reconhecendo sua eminência como valor supremo, reconhecendo

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que o Estado existe em função da pessoa humana, e não a pessoa humana em

função do Estado.

Para tanto, não basta somente a proteção à vida e à dignidade

humana como proibição de destruição de sua existência; faz-se necessário um

comportamento ativo dos atores sociais na garantia desta manutenção e das

condições de existência digna do ser humano, o que se revela principalmente na

consagração dos direitos sociais, especialmente no âmbito do direito à Assistência

Social.(Art. 203 e 204 da CF/88)

Neste sentido, Ingo Wolfgang Sarlet, preleciona que ao Estado se

impõe o dever de proteger ativamente a vida humana, já que esta constitui a sua

própria razão de ser, além de pressuposto para o exercício de qualquer direito,

sendo este fundamental ou não.

No seu entender,” a dignidade humana é simultaneamente limite e

tarefa dos poderes estatais, da comunidade em geral, de todos e em especial de

cada um”.49 É necessário que o Estado, além de orientar suas ações em busca da

preservação da dignidade humana, busque igualmente criar condições para a

promoção da mesma, possibilitando seu pleno exercício e fruição, evidenciando,

assim, que a dignidade é dependente de ações na ordem comunitária, porque nem

sempre o individuo é capaz de suprir sozinho suas necessidades básicas.

Destarte, podemos afirmar que vida humana digna só será

alcançada se as necessidades básicas forem atendidas.

49 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre:Ed. Livraria do Advogado,2005, p. 48

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A Seguridade Social, como instrumento indispensável para a

garantia da dignidade humana, é gênero da qual a Assistência Social é espécie

enquanto direitos fundamentais, e torna-se elemento essencial, instrumento

imprescindível para esse fim, conforme analisaremos a seguir:

2.2 A ASSISTÊNCIA SOCIAL E A SEGURIDADE SOCIAL

O conceito de Seguridade Social, muito discutido na seara

doutrinária, foi a expressão adotada pelo Constituinte de 1988, com o objetivo de

criar um sistema protetivo universal até então inexistente em nosso país. O Estado

passa a ser responsável pela criação de uma teia de proteção capaz de atender aos

anseios e necessidades de todos na área social.

O direito à proteção social pode-se dizer nasceu com a Lei dos

Pobres em 1601 na Inglaterra, tendo evoluído por meio de instrumental jurídico,

tais como o seguro privado, o mutualismo, até se chegar ao Seguro Social de

caráter obrigatório. Com a intervenção necessária do Estado tinha-se como

finalidade garantir a proteção dos trabalhadores diante de situações de risco e, ao

mesmo tempo, propiciar uma melhor distribuição de renda entre os que com o

trabalho contribuíam para gerá-la.

Contudo, passadas algumas décadas da sua criação em 1883, o

Seguro Social conclamado pelo Chanceler Alemão Otto Von Bismarck e idealizado

para a proteção do trabalhador, já não se apresentava como instrumento jurídico

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adequado para atender a todos, mas diversas situações de risco.

A respeito do seguro social inaugurado em sua gestão, Otton Von

Bismarck assim se pronuncia: “Consideramos ser de nosso dever imperial pedir de

novo ao Reichstag que tome a peito a sorte dos operários. Nós poderíamos encarar

com uma satisfação muito mais completa todas as obras que nosso governo pode

até agora realizar, com a ajuda visível de Deus, se pudéssemos ter a certeza de

legar à Pátria uma garantia nova e durável, que assegure paz interna e desse aos

que sofrem a assistência a que tem direito.É nesse sentido que está sendo

preparado um projeto de lei sobre o seguro dos operários contra os acidentes de

trabalho.Esse projeto será completo por outro, cujo fim será organizar, de modo

uniforme, as caixas de socorro para o caso de moléstia. Porém, também aqueles

que a idade, a invalidez tornaram incapazes de prover o ganho quotidiano, tem

direito a maior solicitude do que a lhe tem, até aqui, dado a sociedade. Achar meios

e modos de tornar efetiva esse solicitude é, certamente, tarefa difícil, mas ao mesmo

tempo, uma das mais elevadas e um estado fundado sobre as bases morais da vida

cristã”50.

Pelas palavras acima, podemos elucidar a intenção de Bismarck em

ampliar a proteção social. O sucesso do plano de seguro social idealizado por ele,

fez com que essa tendência se espalhasse pelos demais países da Europa,

protegendo principalmente os trabalhadores, e sem descuidar da proteção dos

mecanismos de assistência aos demais atores sociais.

50 MORENO, Ruiz. Nuevo Derecho de La Seguridad Social. Apud CASTRO, C.A.P.; LAZARI, J.B.; Manual de

Direito Previdenciário. 4ª Ed. São Paulo: LTr,2003,p.30.

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Os fundamentos cristãos mais uma vez pesaram a favor da

ampliação da proteção social, como verificamos na encíclica Rerum Novarum do

Papa Leão XIII que, analisando a situação dos pobres e trabalhadores , estabeleceu

um conjunto de princípios da doutrina social da igreja Católica.

Diante desta conjuntura, buscava-se atingir novos marcos de

proteção social, a fim de buscar uma definição cada vez mais ampla de seguro

social dissociada da figura contratual de seguro privado.

Assim, em meados do século XX, floresce a idéia de Seguridade

Social como mecanismo que propiciaria a proteção das necessidades da pessoa

humana, apresentando-se como instrumento capaz de dar objetividade à proteção

social, sempre com fundamento no valor da pessoa humana.

Vale ressaltar que vários foram os documentos jurídicos que

afirmaram o direito à Seguridade Social no âmbito internacional, dentre eles: o

Social Security Act, editado em 14 de agosto de 1935 como uma das medidas do

New Deal, do governo de Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos da América

na época, em que pela primeira vez a expressão Seguridade Social foi usada,

contribuindo para a reformulação dos Seguros Sociais e para o aparecimento de

uma perspectiva diferente da proteção social publicamente organizada, sendo

criados seguros com relação à velhice, desemprego e morte dos trabalhadores,

assistência aos idosos, órfãos e pessoas necessitadas. A promulgação da referida

lei norte-americana teve como finalidade mitigar os problemas sociais trazidos pela

crise de 1929.

A partir de então, a Seguridade Social passou a ser entendida como

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um conjunto de medidas que deveriam agregar, no mínimo os seguros sociais e a

assistência social, organizadas e coordenadas, visando atender o desenvolvimento

da população, havendo um compromisso do Estado democrático com um nível

minimamente digno aos cidadãos.

Consoante os ensinamentos da Ilustre Professora Heloisa Hernandez

Derzi51, “logo após, em 1942, no cenário do pós-guerra, William Henry Beveridge,

economista inglês e figura-chave no desenvolvimento do estado do bem-estar,

presidindo o Comitê Interdepartamental, apresentou um estudo completo sobre os

diversos sistemas de seguro social existentes na Inglaterra, cujo resultado fora

publicado e denominado de ‘relatório Beveridge’”.Contendo um verdadeiro plano de

reconstrução para eliminação da miséria e a pobreza, o “ relatório Beveridge”

garante um mínimo capaz de fazer frente aos estados de necessidade do ser

humano, passando a tornar-se a “filosofia”, ou seja, o “ideal” da Seguridade Social e

modelo de sistema de proteção social para todos os cidadãos.

Esse modelo foi buscado e seguido por diversos países, criando um

sistema integrado de proteção social a ser desenvolvido pelos modelos de seguro

social e de assistência social para a recuperação da economia e da proteção

social ideal.

Ensina a citada Professora que: “em 1948, a Declaração Universal

dos Direitos do Homem em seus artigos 22 e 25, fez constar que ‘toda pessoa

enquanto membro da sociedade tem direito à Seguridade Social’ , bem como a

obter mediante esforço nacional e a cooperação internacional tendo em conta a

organização e os recursos de cada Estado, a satisfação dos direitos econômicos,

51 DERZI, Heloisa Hernandez. Os Beneficiários da Pensão por Morte: Regime Geral de Previdência Social. São Paulo: Lex editora, 2004, p. 75 a 82

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sociais e culturais indispensáveis à dignidade e ao livre desenvolvimento da

personalidade, passando desta forma a integrar o acervo cultural da humanidade’,

que desde então não puderam ser ignorados pelos ordenamentos jurídicos mundiais

quando da organização dos respectivos sistemas de proteção social”.52

Posteriormente, com muita propriedade, a VI Conferência

Interamericana de Seguridade Social, realizada em 1960 no México, formulou uma

progressiva declaração atribuindo à Seguridade Social a garantia da liberdade

pessoal mediante a libertação da miséria, da ignorância, da indigência, bem como o

acesso individual aos bens materiais, morais, culturais e sociais criados pela

civilização, com a satisfação das necessidades na medida da dignidade humana.

Não se pode olvidar, que a partir da afirmação de que todos os

homens como membros da sociedade têm direito à Seguridade Social, este conceito

ajustou e incorporou-se no ordenamento de vários países, porém não de forma

homogênea em razão do contexto político-econômico de cada um.

Em nosso País, o Sistema de Seguridade Social foi introduzido com

a Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 194 caput53a define como

sendo um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da

sociedade, destinado a assegurar os direitos à Saúde, à Previdência e à Assistência

Social, traçando as linhas básicas de amplo Sistema, de forma a não existir um

único sistema de proteção, mas sim, três sub-sistemas agindo de modo integrado,

voltados para um fim comum, cuja função é a garantia da libertação das

52 DERZI, Heloisa Hernandez. Os Beneficiários da Pensão por Morte: Regime Geral de Previdência Social. São Paulo: Lex editora, 2004, p. 83 53 CF/88 Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

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necessidades humanas, em que o Estado deve efetuar a tutela frente aos

necessitados, assumindo a função de integralizar a situação de necessidade do

indivíduo naquele momento, à proteção social na sociedade organizada. Em

1998, com a edição da Emenda Constitucional de n. 20, a Previdência Privada54

passa a integrar em caráter complementar e facultativo o Sistema de Seguridade

Social em nosso País.

Na realidade, como ensina o Professor Wagner Balera55, “a nova

Carta Magna de 1988 institui um autêntico Sistema Nacional de Seguridade Social, o

qual configura um conjunto normativo integrado de um sem-número de preceitos de

diferentes hierarquia e configuração”.

O Sistema de Seguridade Social a que se propõe construir a

Constituição Federal de 1988, assentado na Ordem Social, cuja finalidade deve ser

o bem-estar e justiça sociais, deve existir de modo que garanta a todos um mínimo,

quando submetidos a situações geradoras de necessidades sociais.

É no artigo 194 da Constituição Federal de 1988, que encontramos

as diretrizes fundamentais da Seguridade Social, constando as áreas por elas

abrangidas e os limites dentro das quais suas ações se desenvolvem, que como já

visto, trata-se da saúde, previdência e assistência social, bem como a necessidade

de compreendê-la como Sistema, vez que a seguridade deve formar uma unidade,

uma rede única de proteção.

54CF/88 Art. 202 . O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. 55

BALERA, Wagner. A Seguridade Social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 11.

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A existência de submissão ao regime de direito público é inegável,

pois deve haver um entrelaçamento destes com os objetivos específicos da

Seguridade Social, e imposto a todos os setores da Ordem Social formando uma

cadeia que não pode ser interrompida.

Consoante os ensinamentos da Professora Heloisa Hernandez

Derzi56, “essa integração pode ocorrer por meio das ações estatais e diferentes

instrumentos nos diversos campos. Na Previdência Social, o instrumental jurídico

utiliza-se de técnicas eminentemente reparadoras, destinadas a suprir a falta de

meios de subsistência (prestações em dinheiro), podendo também suas ações se

perfazerem por métodos de reabilitação e serviços. Na Saúde, a técnica de

proteção está voltada a prestar medidas preventivas e recuperadoras; e a

Assistência Social, vocacionada a prestar serviços voltados para a proteção dos

necessitados, obrigando-se o Estado à garantia do mínimo para a mantença da

dignidade humana dos cidadãos”.

O subsistema da Previdência Social,57 destina-se a cumprir o

relevante papel da garantia da segurança econômica dos que exercem atividade

laboral e consequentemente retiram dela seu sustento, os quais, diante do

impedimento de seu exercício, possam ser amparados do desequilíbrio econômico

gerado pela sua inatividade, ou aqueles58 que não exercem atividade remunerada,

56 DERZI, Heloisa Hernandez. Os Beneficiários da Pensão por Morte: Regime Geral de Previdência Social. São Paulo: Lex editora, 2004, p. 83/86. 57 CF/88 Art. 201 A previdência Social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I-cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II- proteção à maternidade, especialmente à gestante; III- proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV- salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda ; V- pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro ou dependentes, observado o disposto no §2º. 58

Como é o caso do segurado facultativo, disciplinado pelo art. 13 da Lei 8.213/91 , que assim preleciona: Art. 13. è segurado facultativo o maior de 14 ( quatorze) anos que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social, mediante contribuição, desde que não incluídos nas disposições do art. 11.

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mas que querem filiar-se ao Sistema, exigindo em ambos os casos contribuição

para tanto.

A exigência de filiação prévia à Previdência Social, é igualmente

outro fator importantíssimo para diferenciá-la das demais áreas da Seguridade

Social (Assistência Social e Saúde), vez que enquanto nossa Constituição Federal

estabelece em seu artigo 196 que a saúde é direito de todos, enfatizando o acesso

universal da Seguridade Social e no artigo 203 traz que a Assistência Social dirige-

se a quem dela necessitar, para a Previdência Social, diferentemente determina em

seu artigo 201, que a mesma há de ser organizada em caráter contributivo e de

filiação obrigatória.

No subsistema da Previdência Social, são protegidos sujeitos

específicos, ou seja, basicamente o trabalhador59 e seus dependentes e não

indistintamente a totalidade da população. Por isso, existe a necessidade de

delimitar o quadro de beneficiários que potencialmente receberão as prestações,

vez que o financiamento dessas prestações será feito com recursos específicos, a

partir da contribuição direta e necessária dos sujeitos protegidos, fazendo com que a

exigência de filiação prévia se impõe a saber quais serão os sujeitos protegidos e

obrigados ao custeio.

A respeito, o Professor Daniel Pulino60 esclarece que: “ ao se

estabelecer que o critério essencial de filiação prévia ao sistema previdenciário

consiste no exercício de trabalho ( ou cabe enfatizar- no depender de alguém que

exerce trabalho), visa-se atender duas necessidade: primeiro, a de conservação e

59 Como já salientado, pode ocorrer a filiação daquele que não exerce atividade remunerada, como segurado facultativo. 60 PULINO, Daniel. A Aposentadoria por Invalidez no Direito Positivo Brasileiro. São Paulo: LTr, 2001, p.37.

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criação de condições favoráveis para que se desenvolva a base com que se há de

construir a ordem social: em segundo lugar, e considerando a particular opção

constitucional de impor ao próprio beneficiário a participação no financiamento da

previdência.

E ainda: “ é válido afirmar que a seguridade social, em nosso direito

atual, conquanto constitui verdadeiro sistema de superação de necessidades sociais

mediante uma série de medidas públicas que formam um todo que se compõem de

diversas ações (preventivas, reparadoras e recuperadoras), nas áreas de saúde,

previdência e assistência social - claramente admite pelo menos duas camadas de

proteção, pois cuida, num primeiro momento, de garantir o que se convencionou

chamar de mínimos sociais, além de, num outro patamar, assegurar níveis

economicamente mais elevados de subsistência, limitados, porém, a certo valor”61,

estando a previdência social concentrada especificadamente neste segundo

momento.

A Saúde, disciplinada nos artigos 19662 da Carta Magna, apresenta-

se como sendo direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas

sociais e econômicas, a redução do risco de doença e de outros agravos, bem

como o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,

proteção e recuperação.

61 PULINO, Daniel. A Aposentadoria por Invalidez no Direito Positivo Brasileiro.São Paulo: LTr, 2001, p.33 62 CF/88 Art. 196 A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

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O Sistema Único de Saúde63, disposto no artigo 20064 da Carta

Magna, teve suas ações e serviços unificados e incluídos em um Sistema Único de

caráter universal, a ser prestado nas três esferas de governos (municipal, estadual

e federal) que, dentre outras disposições previstas constitucionalmente e suas

diretrizes, devem promover o atendimento integral, com prioridade para as

atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais, positivando as

medidas preventivas de Seguridade Social no artigo 19865, II também da Carta

Magna.

Com relação ao subsistema da Assistência Social, o mesmo será

tratado em pormenores no decorrer deste capítulo.

Na composição do Sistema de Seguridade Social, a intervenção

estatal é obrigatória e por meio de ação direta ou controle, a qual deve atender

demandas referentes ao bem-estar da pessoa humana.

63 O Sistema Ùnico de Saúde - SUS, foi criado pela lei de n. 8.080 de 19 de setembro de 1990, com o fito de que o conjunto de ações e serviços de saúde, fossem prestados por órgãos e instituições públicas, no âmbito municipal, estadual e federal, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público. Em seu art. 2º traz que: a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Em seu §1º , elucida que: O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem a redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

64 CF/88 Art. 200 . Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

65 CF/88 Art. 198 . As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;III - participação da comunidade.

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Na concepção do eminente Professor Wagner Balera a qual

corroboramos: “a Seguridade Social é meio de realização do Bem-estar e Justiça

Social, e para uma completa compreensão da seguridade social, é necessário

vislumbrar-se a importância e alcance dos valores do bem-estar e justiça sociais, os

quais são, de fato, bases do Estado Brasileiro, assim como diretrizes de sua

atuação. A Seguridade social é então meio para atingir-se a justiça, que é o fim da

ordem social”. 66

Daniel Pulino67, sabiamente traz o conceito de Seguridade o qual

coaduanmos, como sendo: “um conjunto sistematizado, integrado, de ações de

iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar direitos

relativos à saúde, previdência social e assistência social, tendo como base o

primado do trabalho e, como finalidade, superar necessidades sociais para alcançar

bem estar e justiça sociais”.

Assim, resta evidenciado, que, a justiça e o bem-estar social são

os fins colimados pela Ordem Social. Essa acertiva elucida-se no artigo 193 da

nossa Constituição Federal de 198868, vez que prevê como objetivos da Ordem

Social: o bem-estar e justiça sociais, em que a base é o primado do trabalho.

O Bem-Estar Social, materializado pela legislação social, apresenta-

nos a idéia de cooperação, de ideal de solidariedade, que conforme o disposto no

art. 3º da Constituição Federal de 1988, se traduz na erradicação da pobreza e

desigualdades, mediante a cooperação entre os indivíduos.

66 BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário, São Paulo: Quartier Latin, 2004. p.15 a 39. 67 PULINO, Daniel. A Aposentadoria por Invalidez no Direito Positivo Brasileiro.São Paulo: LTr, 2001, p. 21. 68 CF/88 Art. 193 . A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.

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Com relação à Justiça Social, esta é e deve ser o objetivo do

desenvolvimento nacional, como verdadeira diretriz da atuação governamental,

impondo a ação distributiva da riqueza nacional, perfazendo-se na equânime

distribuição de benefícios sociais, baseada no princípio da seletividade e

distributividade, sem que se olvide que tanto a justiça social como o bem-estar

social são legitimadores de políticas públicas, bem como diretrizes axiológicas para

interpretação e aplicação da normatização protetiva.

Desta feita, o constitucionalista José Afonso da Silva69 assevera que:

“o direito à Assistência Social, constitui a face universalizante da Seguridade

Social”, evidenciando igualmente outra característica da Seguridade Social, que é a

solidariedade financeira, vez que os recursos não provêm de contribuição direta dos

destinatários, e que são “impersonalizáveis” a priori porquanto se constituem

daqueles que não dispõem de meios de sobrevivência.

A) Solidariedade. A solidariedade é o amalgama do Sistema de

Seguridade Social. Transcende a característica de principio. Está elencada no artigo

3º da nossa Carta Magna, como objetivo fundamental da República Federativa do

Brasil. É de extrema relevância, pois traduz o “espírito” da Seguridade Social.

A respeito, a ilustre Professora Heloisa Derzi70, preleciona: “O ideal

de Seguridade Social teve origem num contexto histórico de extrema dificuldade

econômica para o continente europeu do pós-guerra, que não pode ser

desconsiderado como pano de fundo de sua compreensão, pois foi justamente o

69 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros Editores, 2005., p. 313 /

314. 70 DERZI, Heloisa Hernandez. Os Beneficiários da Pensão por Morte: Regime Geral de Previdência Social. São Paulo: Lex editora, 2004, p. 78

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desfacelamento do tecido social que levou à união de todos ( solidariedade) em

busca do bem-comum”.

A solidariedade a qual nos referimos, traduz-se à solidariedade

financeira do Sistema, em que a contribuição a este, deve ser de toda a sociedade

conforme a capacidade econômica de cada um.

Assim, elucidamos que idéia de solidariedade, é a justificativa para a

compulsoriedade da contribuição de Seguridade Social para a manutenção de toda

a rede protetiva, e não para a tutela do individuo isoladamente.

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal71, a respeito da

obrigatoriedade de contribuição do aposentado que retorna à atividade, assim se

pronuncia: “A contribuição prevista no art. 12, §4, da Lei n. 8.212/91 e no art. 18,§2º,

da Lei n. 8.213/91, está amparada no princípio da universalidade do custeio da

Previdência Social (CF, art. 195),corolário do princípio da solidariedade, bem como

no art. 201, §11, da CF, que remete à lei os casos em que a contribuição repercute

nos benefícios”

Portanto, para que a Seguridade Social exista como garantidora da

justiça e do bem-estar social, esta deve moldar-se em consonância com os

princípios, objetivos, elencados em nossa Constituição Federal, conforme no art. 3º,

I, e especificadamente nos arts. 194 e 195, §5º que assim dispõe:

71 STF, RE 437640/RS, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, 05.09.2006.

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Art. 194 (...) .

Parágrafo único . Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I- universalidade da cobertura e do atendimento;

II- uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III- seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV -irredutibilidade do valor dos benefícios;

V- equidade na forma de participação no custeio;

VI- diversidade da base de financiamento;

VII- caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

Art. 195 . A seguridade social será financiada por toda a sociedade de forma direta ou indireta, nos termos da lei, mediante recursos, provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(...)

§ 5º Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

Como podemos observar, muitas são as tarefas assinaladas pela

nossa Constituição Federal de 1988 à Seguridade Social, existindo várias receitas

que hão de financiar o Sistema. È no artigo 195 que basicamente encontramos as

diretrizes essenciais para que se identifique de quem, de que forma e em que

medida devem ser captados os recursos que financiarão os diversos mecanismos de

proteção social compreendidos no Sistema de Seguridade Social.

Assim, temos a previsão constitucional de medidas que de um lado

conferirão aos membros da sociedade proteção, e outras que serão implementadas

para dar sustentação econômica as primeiras, tendo nesta medida o caráter

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instrumental em relação aquelas.

Daí, podemos identificar duas relações jurídicas no Sistema de

Seguridade Social: uma conferindo a determinados sujeitos de direitos que os

protegerão quando necessário, no caso da relação jurídica concessivas de

prestação de Saúde, Previdência e Assistência Social, e a outra que impõe a

diversas categorias de sujeitos o dever de contribuir para a arrecadação dos

recursos financeiros, que sem o quais não seria possível realizá-las, formando a

relação jurídica contributiva ou de custeio.

Os princípios acima elucidados, descrevem as normas elementares

da Seguridade Social, as quais devem direcionar toda a atividade legislativa e

interpretativa com relação a esta, senão vejamos:

a) Universalidade de Cobertura e Atendimento . O princípio da

universalidade da cobertura e do atendimento, constitui o mais importante princípio

da Seguridade Social, sua verdadeira razão de existir, e determina que a proteção

social prestada pelo Estado abranja todos aqueles que se encontrem submetidos a

contingências sociais.Este princípio estabelece que qualquer pessoa pode participar

da proteção patrocinada pelo Estado, seja pela Saúde, Assistência Social ou pela

Previdência Social.

Nas palavras do Ilustre Professor Wagner Balera72, “ o primeiro pilar

estrutural da seguridade social se expressa no inciso I do parágrafo único do art. 194

da Constituição e é assim enunciado: universalidade da cobertura e do atendimento.

72 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 19.

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Pode-se dizer que, a universalidade é o modo pelo qual a seguridade social deverá

ser implementada em nosso País, todas as demais derivam”.

Este princípio possui duas dimensões. A dimensão objetiva, que se

refere à cobertura, ou seja, voltada a alcançar todos os riscos que possam gerar o

estado de necessidade73,em que o estado deve considerar como dignos de

prevenção ou de reparação, e a dimensão subjetiva, que por sua vez se refere ao

atendimento, e se exprime a determinar ao Estado que ampare todos os indivíduos

sujeitos a esses fatos, na busca de tutelar toda a pessoa pertencente ao sistema

protetivo.

Sobre esta concepção, a respeitada Professora Heloisa Derzi74

afirma:“ a universalidade subjetiva e objetiva, pretende a extensão da seguridade

social à totalidade da população, com vistas a proteger os desequilíbrios causados

entre a necessidade e os meios de combatê-la”

O Professor Wagner Balera75, com veemência afirma que: “ a

universalidade da “ cobertura” refere-se a situações da vida que serão protegidas.

Quais sejam: todas quaisquer contingências que possam gerar necessidades. Já a

universalidade do “ atendimento” diz respeito aos titulares do direito à proteção

social. Todas as pessoas possuem tal direito”.

73Nesse sentido, a Professora Heloisa Hernandez Derzi salienta que “ com muita propriedade, Almansa Pastor observa que o sistema jurídico de proteção social foi concebido para ser um sistema em franca expansão, até mesmo pelas transformações das necessidades sociais e suas diferentes peculiaridades nos diversos países. Com base na experiência positiva, ensina o jurista espanhol, que, quanto maior for a abrangência das necessidades sociais protegidas, menor será a intensidade da proteção conservando entretanto uma visão idealista da Seguridade social”. DERZI, Heloisa Hernandez. Os Beneficiários da pensão por Morte: Regime geral de Previdência Social. São Paulo: Lex editora, 2004, p.73. 74 DERZI, Heloisa Hernandez. Os Beneficiários da Pensão por Morte: Regime Geral de Previdência Social. São Paulo: Lex editora, 2004, p.79. 75 BALERA, Wagner. A Seguridade Social na Constituição de 1988. São Paulo: RT, 1989, p. 36.

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Assim, podemos dizer que a universalidade da cobertura e

atendimento é inerente ao Sistema de Seguridade Social, de forma a buscar

proteger maior número de necessidades, e de pessoas, ou seja, suas prestações

devem abranger situações geradoras de necessidades sociais dentro das

possibilidades do sistema, vez que, as necessidades sociais são infinitas, enquanto

os recursos são finitos.

b) Uniformidade e Equivalência de Prestações entre as

Populações Urbana e Rural. A Constituição Federal de 1988, vedou o tratamento

desigual às populações urbana e rural, corrigindo distorção histórica a respeito.

Em período antecedente à Constituição Federal de 1988, os

trabalhadores rurais e seus dependentes eram cobertos por um restrito plano de

proteção. Os rurais somente possuíam um Estatuto76 com a Lei n. 4.212/63, e eram

excluídos das leis acidentárias. Em 1975, com a edição da Lei n. 6.195, foram a eles

assegurados alguns benefícios, tais como: auxílio-doença, aposentadoria por

invalidez, pecúlio e assistência médica.

A partir da Constituição Federal de 1988, não é mais possível

estabelecer benefício ou serviço unicamente para trabalhadores urbanos, vez que a

norma trouxe regra específica de isonomia para estes e os rurais77.

Consoante a este entendimento, do qual compartilhamos, Wagner

Balera78 preleciona da seguinte forma “ A base estrutural lançada pelo constituinte

exige igual sistema de proteção social, vale dizer, o mesmo elenco de prestações,

76 PICELI, Eros. Direitos Previdenciários e Infortunística.São Paulo: Ed. CPC, 2003 p. 17. 77 CF/88 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: 78 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 20.

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com critérios idênticos de apuração do respectivo valor, contemplará assim os

trabalhadores do campo como os que laboram na cidade. Ao fim e ao cabo, o que se

quer é a imediata implantação da isonomia entre as diversas categorias de

trabalhadores, qualquer que seja o local do território nacional no qual exerçam as

atividades profissionais “.

Para Marly Cardone79 : “ uniformidade” é igualdade quanto ao

aspecto objetivo, isto é, no que se refere aos eventos cobertos. Equivalência é

quanto ao valor pecuniário ou qualidade de prestação”.

Assim, podemos elucidar que a uniformidade e equivalência de

prestações entre as populações urbana e rural, é princípio essencial do Sistema de

Seguridade Social, vez que impede tratamento desigual entre estes, e

consequentemente proporciona maior justiça social.

c) Seletividade e Distributividade na Prestação de Bens e

Serviços. O princípio da seletividade e da distributividade elucida-se na diretriz

estampada no Inciso III do parágrafo único do art. 194 de nossa Carta Magna, sendo

este de suma importância para o Sistema de Seguridade Social.

Ele dispõe e determina que o aplicador escolha como objeto de

proteção, dentre as necessidades que acometem o ser humano, aquelas que

efetivamente causem perda ou diminuição da capacidade para a sua mantença.

Neste sentido, Luiz Cláudio Flores da Cunha80 preleciona :”O

princípio da seletividade é aquele que propicia ao legislador uma espécie de

79 CARDONE, Marly A. Previdência, Assistência, Saúde: o não Trabalho na Constituição de 1988. São Paulo: LTr, 1990, p. 35

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mandato específico, com o fim de estudar as maiores carências sociais em matéria

de seguridade social, e que ao mesmo tempo oportuniza que essas sejam

priorizadas em relação às demais.”.

Salta-nos aos olhos a contraposição do principio da seletividade e o

da universalidade. Contudo, estes se complementam, no sentido de que as

necessidades a serem protegidas acabam por serem infinitas, enquanto os recursos

para tanto, são finitos. Assim, a seletividade acaba por identificar qual a contingência

que deve ser “protegida” primeiramente às outras.

Nas palavras da professora Marisa Ferreira dos Santos81:”As

disposições constitucionais que impõem o respeito aos princípios da universalidade

e da seletividade podem parecer, num primeiro momento, contraditórias. Se a

igualdade impõe a universalidade da cobertura e do atendimento, como é possível

limitá-los pela seletividade?Os dois princípios não se excluem, complementam-se.

Justamente para alcançar o bem-estar e justiças sociais o constituinte de 1988

elegeu-os como princípios. A universalidade impõe a cobertura de todas as

situações de necessidades básicas e o atendimento de todas as fases protetivas.

Mas sabe-se que, no terreno da seguridade social, o objetivo está concentrado em

suprir as necessidades sociais relacionadas aos mínimos vitais que importam o

conceito de bem-estar”.

80 CUNHA, Luiz Cláudio Flores. Princípios de Direito Previdenciário na Constituição da Republica de 1988. FREITAS, Vladimir dos Passos (Coord.) Direito Previdenciário: Aspectos Materiais, Processuais e Penais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1999, p. 39

81 SANTOS, Marisa Ferreira dos. O Princípio da Seletividade das Prestações de Seguridade Social. São Paulo: LTr, 2004, p. 181

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A respeito, mostra-se preciosa a lição do Ilustre Professor Wagner

Balera82 ao afirmar que:” mediante a seletividade, o legislador é chamado a estimar

aquele tipo de prestações que, em conjunto, concretizem as finalidades da Ordem

social, a fim de fixar-lhes o rol na norma jurídica. Realizada a estimativa, a

distributividade faculta a escolha, pelo legislador , de prestações que- sendo direito

comum a todas as pessoas - contemplam de modo mais abrangente os que se

encontrem em maior estado de necessidade”.

Ao selecionar as contingências e os destinatários da proteção, a

distributividade revela-se como um comando ao legislador para que, dentro das

possibilidades do Sistema, escolha aquelas que melhor distribuam, ou redistribuam

a renda arrecadada direta e indiretamente da sociedade, cumprindo uma das

principais funções da Seguridade Social, bem como o fim primordial do Estado

Social.

Neste sentido, a Professora Cristiane Miziara Mussi83 preleciona

que: “Há uma certa discricionariedade no que se refere à seleção e distribuição das

prestações. Contudo, essa discricionariedade não pode ser confundida com

arbitrariedade. O legislador, ao utilizar o principio em analise, deve agir conforme os

ditames constitucionais, tomando decisões legalmente aceitas, sob pena de

desconfigurar a real intenção do constituinte”.

82 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 21. 83 MUSSI, Cristiane Miziara. O Principio da Seletividade e da Distributividade das Prestações no Sistema de Seguridade Social. São Paulo: Pontifica Universidade Católica, 2004, p. 107.

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Mais uma vez, pautamo-nos nas palavras da professora Marisa

Ferreira dos Santos84, prelecionando que:” A seletividade destina-se à garantia dos

mínimos vitais necessários à obtenção de bem-estar. A distributividade visa à

redução das desigualdades sociais e regionais, com o que implementa a justiça

social. A seletividade e a distributividade, então, são instrumentos que, no campo da

seguridade social, viabilizam a consecução dos objetivos da Ordem Social”

Desta forma, podemos ver que o princípio da seletividade e da

distributividade faz com que a Seguridade Social alcance o seu fim, de forma a

proporcionar justiça social, inclusive, justiça distributiva, permitindo maior amparo à

parcela da população cujas necessidades são maiores.

d) Irredutibilidade do Valor dos Benefícios . Com efeito, ao

assegurar a irredutibilidade do valor dos benefícios, o inciso IV do art. 194 da

Constituição Federal, prestigia a garantia que protege o direito adquirido, também

expresso em seu texto no art. 5º, XXXVI.

As prestações oferecidas pela Seguridade Social são: os benefícios e

os serviços. Os primeiros referem-se às prestações pecuniárias outorgadas pelo

Sistema, como os benefícios previdenciários. O segundo, refere-se a prestações

ofertadas pelo Poder Público, como por exemplo a reabilitação profissional.

Quando se elucida sobre o princípio da irredutibilidade dos valor dos

benefícios, este determina que os benefícios concedidos e mantidos pela

Seguridade Social não podem sofrer redução do seu quantum, não tornando

84 SANTOS, Marisa Ferreira dos. O Princípio da Seletividade das Prestações de Seguridade Social. São Paulo: LTr, 2004, p. 181

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imutáveis os seus valores fixados em abstrato nos dispositivos legais, mas sim, de

modo que, uma vez adquirido o direito ao benefício por um individuo diante da

ocorrência de fatos indispensáveis para tanto, tornar-se-á irredutível o seu valor.

Wagner Balera85, a respeito se pronuncia:” Os benefícios são

prestações pecuniárias que não podem sofrer modificações nem em sua expressão

quantitativa( valor monetário), nem em sua expressão qualitativa (valor real)”.

E continua: “A fim de que essa diretriz se cumpra, é necessário que a

legislação estabeleça o adequado critério de aferição do poder aquisitivo do

benefício. Poder aquisitivo que, se vier a ser reduzido, deve de pronto ser

recomposto mediante reajustamento periódico do valor da prestação devida”.

O princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios, além de estar

elencado no inciso IV do art. 194 da Constituição Federal, encontra-se

expressamente aclarado no §4º do Art. 201, que trata da Previdência Social, nos

seguintes termos:

Art. 201 . A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (...)

§4º è assegurado o reajustamento do valor dos benefícios para preserva-lhes , em caráter permanente , o valor real, conforme os critérios definidos em lei.

85 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006, p.21/ 22.

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e) Equidade na Forma de Participação no Custeio. A equidade na

forma de participação no custeio, tem especial relevância no custo direto da relação,

vez que, irradia seus efeitos sobre a atividade pela qual, o Estado extrai recursos

financeiros da sociedade através das contribuições sociais, destinando-os da

maneira mais justa possível no financiamento da Seguridade Social.

A respeito, Lycia Braz Moreira86, expõe da seguinte forma: “decorre

desse princípio que, somente fatos da vida social que sejam indícios, diretos ou

indiretos, de capacidade econômica podem ser levados pela lei a pressuposto de

nascimento da obrigação tributária”.

O princípio da equidade na forma de participação no custeio,

juntamente com a capacidade contributiva, acabam por densificar o princípio da

isonomia, “exigindo um ponto de equilíbrio entre a capacidade econômica do

contribuinte e o esforço financeiro que dele será cobrado para a constituição do

fundo comum de proteção social”.87

E que, “ Aplicado o critério em comento, esse meio indispensável

para a concretização da seguridade, que é a forma de participação no custeio, não

se constituirá em outro elemento apto a propulsionar ou agravar as desigualdades

sociais que, como fatores de risco, a ordem econômica acaba criando”

O §1º do artigo 145 da Nossa carta Magna, ao tratar da Tributação e

do Orçamento no Título VI, vem corroborar as afirmação acima apresentadas,

prelecionando que:

86 MOREIRA, Lycia braz. O Princípio do Mínimo Existencial e a sua Eficácia na Informação do Conceito de Renda. Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, 2004, p. 23 87 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 22.

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Art. 145 . A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

(...)

§1ºSempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultada à administração tributária, especialmente para conferir a efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Assim, podemos vislumbrar que, o princípio da equidade na forma de

participação no custeio, determina que os atores sociais contribuam para o Sistema

de Seguridade Social de acordo com suas possibilidades, ou seja, sua capacidade

contributiva, bem como com suas peculiaridades perante o Sistema, de modo que,

por exemplo, os empregadores que explorem atividade que expõe seu empregado a

maiores riscos sejam tributados de maneira mais onerosa.

f) Diversidade da base de Financiamento . O inciso VI do parágrafo

único do art. 194 da nossa Constituição federal, determina que deve existir

diversidade da base de financiamento.

Este princípio determina que o legislador procure e selecione os

mais variados fatos econômicos geradores de riquezas, cuja finalidade é a

possibilidade de maior arrecadação para o Sistema de Seguridade Social, bem

como, evitar a privação de recursos necessários para a sua manutenção .

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Neste sentido, o Professor Wagner Balera88, sabiamente traz que: “O

esquema tradicionalmente adotado pelo direito brasileiro, e que, desde 1934, passou

a ser definido constitucionalmente, baseou-se na chamada contribuição tríplice (dos

trabalhadores, dos empregados, e da União). Quanto mais claramente se afirma a

idéia de seguridade social como organismo protetor da coletividade, tanto mais ela

carece de recursos financeiros e adicionais. O esquema da contribuição tríplice

revelou-se insuficiente e, já de há muito, a seguridade social exigia novas fontes de

recursos”.

Assim, podemos vislumbrar que, a base de financiamento do Sistema

de Seguridade Social deve ser a mais variada possível, de modo que as oscilações

setoriais não comprometam a arrecadação das contribuições, proporcionando maior

segurança ao Sistema.

A respeito, ressaltamos a afirmação de Fábio Zambitte Ibrahim89, a

qual corroboramos, conclamando que : “A diversidade da base de financiamento é

que permitirá a evolução da seguridade social no sentido de implementar os

mandamentos constitucionais, em especial, a garantia efetiva do bem-estar e justiça

social”.

g) Caráter Democrático e Descentralizado da Adminis tração,

mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos

empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgã os colegiados (art.

194, parágrafo único, VII da Constituição Federal).

88 BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário, São Paulo: Quartier Latin, 2004. p.92.

89 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário.11 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 62.

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Nossa Carta Magna, desde o seu preâmbulo ressalta que, a vontade

política do constituinte definiu o Brasil como um Estado Democrático de Direito.

Este princípio visa à participação da sociedade na organização e no

gerenciamento da Seguridade Social. Para tanto, traz que deve ser de forma

quadripartite, ou seja, com a participação de trabalhadores, empregadores,

aposentados ( incluídos pela Emenda Constitucional n. 20/98) e o governo.

Tanto se faz presente a intenção do constituinte, que além do

estimulo que já seria natural de um Regime Democrático, prevê no artigo 10º da

nossa Carta Magna, disciplinando sobre os direitos sociais, que:

Art. 10 . É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação.

Desta forma, aclara-nos que o princípio da gestão democrática

determina que toda a sociedade, principalmente os atores sociais diretamente

afetados pelo Sistema de Seguridade Social, representados, respectivamente pelo

Governo, os empregadores, os empregados e os inativos (gestão quadripartite)

participem efetivamente da formulação das políticas a serem implementadas pelo

serviço público essencial.

No tocante à descentralização da administração do sistema, esta

determina que o Poder Público distribua as atribuições, entre os diversos atores

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sociais, com a finalidade de se obter maior eficiência na utilização dos recursos,

seja pelo maior conhecimento das peculiaridades locais, regionais, ou estaduais,

seja pelo ganho de produtividade obtido pela especialização de tarefas, uma vez que

quem está mais perto do problema, muitas das vezes tem mais facilidade para

resolvê-lo.

Mais uma vez nos pautamos nas palavras do Professor Wagner

Balera90, ressaltando que : “ A fim de dar consistência à estrutura que idealizou,

permitindo que a mesma se aproxime dos destinatários das medidas de proteção

social, o constituinte determinou a descentralização da gestão da seguridade social”

Destarte, salientamos que os princípios brevemente explanados são

diretrizes de todo o Sistema de Seguridade Social, ou seja, da Previdência Social e

Privada, da Saúde, e da Assistência Social em nosso País, e que indubitavelmente

se apresentam democratizantes no que se refere à elaboração, financiamento e

implementação de políticas sociais.

2.3 DA ASSISTÊNCIA E DO ASSISTENCIALISMO

2.3.1 BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Com relação à terminologia assistência e assistencialismo pode

existir confusão ainda entre ambos, uma vez que vários conceitos foram atribuídos

90 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 24

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a esses termos dentro do contexto histórico da hoje denominada Assistência Social.

O termo “assistência”, compreendido em seu mais amplo sentido,

abrange todas as formas de amparo, seja por meio de auxílios, subsídios, apoio,

orientação, socorro ou intervenção, podendo esta relação protetiva se estabelecer

tanto na informalidade das relações entre familiares, vizinhos, amigos, como

também mediante legislação específica, que faz previsão a direitos a serem

atendidos e amparados pelo Estado.

Como oposição a esta idéia de assistência, coloca-se a noção de

assistencialismo, entendido como a prática de assistência através de benesses,

favores, enfim, de doações caridosas. Nesta relação entre o sujeito do

assistencialismo e o beneficiário sujeitado estabelece-se uma relação de

dependência decorrente do desprendimento de bondade do outro.

Aldaíza Sposati91, relata que “ em todo o Brasil, as práticas

assistenciais com maior visibilidade partiram da Irmandade de Misericórdia, que

mantinham orfanatos e Santas Casas. Inaugurando a transferência das

responsabilidade do Poder Público para as ações de benemerência, instalou-se em

São Paulo, uma pequena enfermaria que era ao mesmo tempo albergue e hospital,

atendendo com abrigo, alimentação e enfermagem a escravos e homens livres”.

As Casas de Misericórdias, irmandades e comunidades, sob a

invocação de algum santo, e com práticas devotas (Franciscanos, Beneditinos,

Carmelitas) se obrigavam, por compromissos, a prestar auxílios e praticar o

assistencialismo.

91 SPOSATI, Aldaíza. História da Pobreza Assistida em São Paulo. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 1987, p. 32 .

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Com o advento do Regime Republicano no Brasil, em 1889,

inaugura-se um período de transformações, em que os grandes centros do Brasil

são marcados pela emergência do modo de produção de mercadorias. São Paulo,

em particular, é marcado pelo crescimento da atividade cafeeira, o desenvolvimento

comercial da cidade e a instalação de melhoras púbicas.92

Neste período, a mão de obra estrangeira era muito volumosa e os

salários eram rentáveis somente para os proprietários. Assim, o imigrante era o mais

expropriado, vivendo em situações de pobreza. Para apoio a estes, em 1888, foi

criada por fazendeiros paulistas, juntamente com a Irmandade de Misericórdia, a

Hospedaria do Imigrante que abrigava o recém-chegado, adotando medidas de

higiene, vacinação, alimentação sob a direção da Sociedade Protetora da Imigração.

Durante a Primeira Guerra Mundial (1945), a indústria brasileira

registrou alto índice de expansão, fruto do declínio do comércio internacional. “Com

o aumento das atividades industriais, cresce o contingente de trabalhadores

organizados, o que fortaleceu o movimento operário. Uma das formas iniciais de

manifestação coletiva dos trabalhadores foi o mutualismo ou a organização de

sistemas de socorro mútuo”.93

Neste contexto, as ações assistenciais ainda eram praticadas por

particulares e preponderantemente pela Igreja Católica. Proliferaram as entidades

sociais dos religiosos, cuja maioria delas destinava-se ao amparo às crianças,

meninos e meninas órfãos, educandários, enfim. Multiplicaram-se também as

92 SPOSATI, Aldaíza. História da Pobreza Assistida em São Paulo. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 1987, p. 36 93. MESTRINER, Maria Luiza. Assistência Social: Oposições e Aproximações. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 1992, p.46.

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instituições centradas na disciplina e no preparo para o trabalho, tais como:

escolas paroquiais, escolas noturnas, albergues, associações de benemerência,

etc.

Aldaíza Sposati94, com veemência, relata que: “na medida em que o

número e o tipo dessas instituições aumentavam, o Poder Público desenvolve seu

caráter fiscalizador, e para este fim, cria-se a Junta de Auxílios e Subvenções”

E prossegue que: “os ideais para propor a criação de um Órgão

Nacional de controle das ações assistenciais, deveria associar-se a ação pública e

privada, visando introduzir uma organização racional e um saber no processo de

ajuda.”

Nessa concepção, era preciso saber dar esmolas. A ação estatal,

teria fiscalização da filantropia para não alimentar a aparição de mendigos e

bandidos. O Estado deveria posicionar-se como fiscalizador, para que os asilos

socorressem os verdadeiros mendigos.

A Professora Aldaíza Sposati95, em sua obra Vida Urbana e Gestão

da Pobreza, a respeito preleciona:

”Ataulpho de Paiva, articulista do Jornal do Comercio do Rio de Janeiro, difundiu a idéia da criação de um Órgão Nacional de Controle das ações de assistência, que, associando as iniciativas públicas e privadas, romperia o espontaneísmo da assistência esmolada e introduziria uma organização racional no processo de ajuda. Conforme esta concepção, o Estado manteria posição supletiva à iniciativa privada na atenção àqueles temporária ou definitivamente impossibilitados de, pelo trabalho ou pelo apoio familiar, prover as necessidades de sobrevivência”.

94 SPOSATI, Aldaíza. História da Pobreza Assistida em São Paulo. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 1987, p. 36 .

95 SPOSATI, Aldaíza. Vida Urbana e Gestão de Pobreza. São Paulo: Ed. Cortez, 1988, p. 54.

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Apesar dos apelos de Ataulpho de Paiva, somente em 1938, durante

o governo de Getúlio Vargas, consolidou-se a primeira regulamentação da

Assistência Social no Brasil, com a criação do Conselho Nacional de Serviço Social

(CNSS). Inaugura-se uma nova forma de inserção do Estado na relação, na qual

tem primazia, o trabalho como princípio regulador.

A regulação estatal da Assistência Social no Brasil começa na

década de 1930, com a atribuição direta de auxílios e organizações sociais, cuja

contribuição da caridade era cobrada sobre a importação de bebidas alcoólicas e

distribuída em cotas anualmente.

Esse processo continuou com a criação, em 1931, da Caixa de

Subvenções, pelo Decreto 20.531/31, para auxiliar instituições de caridade, exigindo

atestado de funcionamento e gratuidade dos serviços e atribuindo ao Ministério de

Justiça e dos Negócios a fiscalização e o registro dos requerentes.

A Lei Federal 119/35 extingue essa Caixa e cria um Conselho de

caráter consultivo, formado por cinco especialistas da área, e nove representantes

governamentais, vinculados ao presidente da Republica, ampliando o universo de

instituições e incluindo as de saúde e educação. “O Conselho Nacional de Serviço

Social foi um dos Órgãos de cooperação do Ministério da Educação e Saúde e

constitui-se na primeira forma de presença da assistência social na administração

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estatal federal, com a função de subsidiar as organizações sociais de amparo social”

.96

A Professora Maria Luiza Mestriner97, preleciona ainda que: “Ao

reconhecer a ‘questão social’, o governo Vargas faz seu enquadramento jurídico,

intervindo no domínio das relações entre capital e trabalho. A compreensão da

natureza desta “ questão” será colocada no discurso governamental como dever do

estado nacional, que reconhece a sua função de velar pelo bem-estar da sociedade

e de proteger os mais fracos, propiciando-lhes uma situação mais digna e humana

(é claro que de forma ocasional e não universal). O trabalho, antes forma de

escravidão, será enfocado no novo discurso oficial como valor social. Passa a ser

um direito e um dever do homem, uma tarefa moral e um ato de realização, uma

obrigação para com a sociedade e o Estado e uma necessidade do próprio

individuo”.

Nesse contexto, a Constituição Federal de 1934, com influência da

Constituição alemã de Weimar, alarga os direitos fundamentais, incluindo direitos

sociais dentre eles: o da família98 e o do trabalho.99

A este respeito, Silvina Maria Carro100, ressalta que: “Os conteúdos

constitucionais de 1934, além de dar legitimidade à legislação social, incluíram

96 MESTRINER, Maria Luiza. O Estado Entre a Filantropia e a Assistência Social. São Paulo: Ed. Cortez, 2001, p. 58 a 63. 97 MESTRINER, Maria Luiza. O Estado Entre a Filantropia e a Assistência Social. São Paulo: Ed. Cortez, 2001, p. 72/73 98

CF/34Título III- Da Declaração de Direitos. Capítulo II. Dos Direitos e das Garantias individuais. Art. 34. A todos cabe o direito de prover à própria subsistência e à de sua família, mediante trabalho honesto. O Poder Público deve, na forma da lei, os que estejam em indigência. Título V. Da família, da Educação e da Cultura. Capítulo I. Da Família.Art. 114 . A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. 99

CF/34Título IV. Da ordem Econômica e Social. Art. 121 A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhadores e os interesses econômicos do país.

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interesses expressos da Igreja Católica por meio da garantia de institucionalização

de alguns de seus princípios fundamentais e posições no aparelho de Estado

essenciais a sua função de controle social e político”.

Em 1942, paralelamente à regulamentação e legislação que protege

os trabalhadores, criam-se formas institucionalizadas com vasta presença feminina

na assistência social, como por exemplo, a Legião Brasileira de Assistência101 (LBA).

“Nela, o caráter de doação é exaltado para aqueles que não são capazes de prover

sua própria subsistência”.102

A Professora Aldaíza Sposati103, não nos deixa esquecer de que: “ a

ação da mulher como voluntária e a mobilização da contribuição da sociedade para

enfrentar situações diversas seguem, até os dias atuais, marcos que a LBA

institucionalizou na sociedade brasileira. A LBA em sua criação, portanto, é a

expressão da parceria entre o Estado, o empresariado e o voluntariado feminino

civil, para entender a pobreza. 104

100 “Em 1931, comemorando os 40 anos da Encíclica Rerum Novarum ( centrada na questão operária),

divulgava--se em Roma a encíclica Quadragésimo ano, na qual promovia a restauração da ordem social, a reforma das instituições e a melhora dos costumes e da qual se inferem componentes da prática do serviço social. A Rerum Novarum f oi inspiradora de uma verdadeira ciência social católica, avaliava as relações operárias-patrimoniais, o papel do Estado, a função dos católicos”. CARRO, Silvina Maria. A Assistência Social no Universo da Proteção Social- Brasil, França, Argentina. Pontifica Universidade Católica, São Paulo, 2008, p. 154. 101

Esta foi considerada a primeira grande instituição brasileira de assistência social, com origem na mobilização do trabalho civil, feminino e de elite em apoio ao esforço nacional representado pela entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. 102

CARRO, Silvina Maria. A Assistência Social no Universo da Proteção Social- Brasil, França, Argentina. Pontifica Universidade Católica, São Paulo, 2008, p. 157. 103

SPOSATI, Aldaíza. BRANT DE CARVALHO, Maria do Carmo. LBA: Identidade e Efetividade das Ações no Enfrentamento da Pobreza Brasileira. São Paulo: EDUC, 1989, p. 16. 104

Com o final da guerra, a LBA tornou-se um órgão de assistência às famílias necessitadas em geral. Em 1991, sob a gestão de Rosane Collor como primeira dama, foram feitas denuncias de esquemas e desvios de verbas da LBA, sendo extinta durante o governo de Fernando Henrique Cardoso

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A Legião Brasileira de Assistência (LBA)105 foi criada em nível federal

pela então primeira-dama Darcy Vargas, com o objetivo de ajudar as famílias dos

soldados enviados à segunda guerra mundial. Foi “registrada no Ministério da

Justiça e negócios Interiores, com núcleos por todo o País, como uma sociedade

civil de finalidades não econômicas e voltadas para congregar as organizações

assistenciais, e desde a sua criação expressava um vinculo entre o público e o

privado e atuando fundamentalmente com parcerias”.106 “O pacto do pós-guerra

começa a exigir do empresariado maior organização e novas atitudes e relação à

força de trabalho. O desenvolvimento social passa a ser compreendido como um

dever do Estado, e a figurar nos discursos governamentais como bandeira”.

A Professora Aldaiza107, mais uma vez revela que:

“A era de Juscelino Kubistchek (1956-1961) representou o início da modernização do aparelho do Estado, pela implantação de grandes usinas elétricas, siderúrgicas e da institucionalização gradativa de órgãos estatais voltados às políticas sociais com um tom nitidamente assistencial. A LBA seguiu sua trajetória de órgão paralelo à ação governamental. Suas ações assistenciais evoluíram desde a arrecadação de fundos para a manutenção de instituições carentes, auxilio econômico, amparo e apoio à família, orientação maternal, campanhas de higiene, fornecimento de filtros, assistência médico-odontológica, manutenção de creches e orfanatos, lactários, colônias de férias, concessão de instrumentos de trabalho, etc”.

105 Port. MPAS 2.771/95 - Port. - Portaria MINISTRO DE ESTADO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL - MPS nº 2.771 de 14.11.1995 D.O.U.: 14.11.1995 Dispõe sobre a guarda e o controle do acervo documental da extinta Fundação Legião Brasileira de Assistência - LBA, ficará a cargo e sob responsabilidade das Superintendências Estaduais do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, excetuando o acervo técnico necessário para o desenvolvimento das atividades da Secretaria de Assistência Social deste Ministério.

105 SPOSATI, Aldaíza. BRANT DE CARVALHO, Maria do Carmo. LBA: Identidade e Efetividade das Ações no Enfrentamento da Pobreza Brasileira. São Paulo: EDUC, 1989, p. 19

.

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Assim, podemos verificar que, até então, o Estado se estabelece

como regulador da proteção social, cuja função da administração se dava à primeira-

dama, e independente de uma política estatal.

Silvina Maria Carro, 108 nos relata que: “A política de assistência

social, a partir da década de 1940, foi administrada como uma forma sócio-

assistencial que nasceu centralizada, construiu uma destacável estrutura

administrativa descentralizada e uma rede de serviços próprios, ancorada sob os

cuidados da primeira-dama, mas independente de uma política estatal, e

desvinculada da perspectiva do direito.Por outro lado, os programas de seguridade

social, durante os governos de Getúlio Vargas, foram influenciados pelo modelo

alemão de fins do século XIX; basearam-se no principio da contribuição individual e

foram co-financiados pelo empregador e pelo Estado. Nesse período, o modelo

ainda não avançou para aqueles trabalhadores não inseridos formalmente no mundo

do trabalho”.

Em 26 de agosto de 1960, foi editada a Lei de n. 3.807, chamada Lei

Orgânica da Previdência Social- (LOPS) que uniformizou as normas existentes

sobre Previdência Social, padronizando o Sistema, aumentando as proteções

oferecidas, tais como; auxílio-natalidade, auxílio-funeral, aposentadoria especial e

auxílio-reclusão. Contudo, alguns trabalhadores não foram contemplados por esta

norma, como por exemplo: os domésticos, os rurais e os autônomos.

108 CARRO, Silvina Maria. A Assistência Social no Universo da Proteção Social-Brasil, França, Argentina: Pontifica Universidade Católica, São Paulo, 2008, p. 169

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A unificação administrativa da Previdência Social somente ocorrera

em 1966, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) pelo

Decreto-lei de n. 72, de 21 de novembro do referido ano.

No ano de 1974, foi criado o Ministério da Previdência e Assistência

Social, desmembrando-se do Ministério do Trabalho e Previdência Social. No

entanto, foi somente com a criação do Sistema Nacional de Previdência e

Assistência Social (SINPAS) pela Lei de n. 6.439 de 1º de setembro de 1977, que se

desenvolve um modelo concentrado de ações para a Assistência Social no nível

federal, e se estende a cobertura previdenciária à população.

O SINPAS, traçou o caminho para a construção do Sistema de

Seguridade Social, trazido pela Constituição Federal de 1988. Esse Sistema foi

composto por sete entidades, sendo elas: o Instituto Nacional de Previdência Social

(INPS), o Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social

(IAPAS), o Instituto nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS),

a Legião Brasileira de Assistência (LBA), a Fundação Nacional de Bem-Estar do

Menor (FUNABEM), a Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social

(DATAPREV), e a Central de Medicamentos (CEME)109.

Entre os anos de 1985 a 1988, a Assistência Social passou a ser

amplamente debatida e a ter espaço definido nas áreas públicas. A inclusão da

Assistência Social na Constituição Federal de 1988, como parte do tripé formativo da

Seguridade Social (Previdência Social, Assistência Social e saúde) torna-se inédito.

109 PEREIRA JÚNIOR, Aécio. Evolução Histórica da Previdência Social e os Direitos Fundamentais. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n.707, 12 jun.2005. Disponível em: HTTP://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6881&p=3. Acesso em: 14/07/2009.

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Assim, a Assistência Social na Constituição Federal de 1988, passa a

ser definida como um conjunto de bens e serviços que são prestados pelo Estado

em benefício dos membros da comunidade social, atendendo as necessidade

públicas.Ergue-se como marco legal para a compreensão da redefinição do perfil da

Assistência Social em nosso País, e em seu artigo 194 a qualifica como parte

integrante do Sistema de Seguridade Social.

A professora Ivanete Boschetti110, nos revela que vários foram os

elementos que retardaram o reconhecimento legal da assistência social como

direito, e que estão agindo como obstáculos para sua concretização, ou seja, “ a

mesma particularidade que dificulta o reconhecimento e a materialização do direito

se alimenta e se reproduz da condição de não direito”.

Sob esta perspectiva, a autora pontua tais particularidades: a) a

subordinação aos interesses clientelistas dos governantes e de muitos

parlamentares que fazem das verbas e subvenções públicas um patrimônio privado;

b) a implementação que ocorre em decorrência de interesses político-econômicos-

partidários do governo, c) tratada como prática “assistemática e descontínua”, a

Assistência Social teve dificuldades até mesmo para receber a nomenclatura de

política social; d) eterna confusão entre assistência e filantropia, que é resultado de

mero desconhecimento das diferenças, do antagonismo entre assistência social

como política pública e benemerência, o que revela a intenção de manutenção da

assistência no plano do dever moral e submetida a interesses clientelistas e

paternalistas, confirmando que a assistência social, é política que sempre esteve à

margem do direito, do financiamento e das prioridades do governo.

110 BOSCHETTI, Ivanete. A Assistência Social no Brasil: um Direito entre Originalidade e Conservadorismo. 2 ed.

Brasília: UNB, 2003, p. 42

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Nossa Carta Magna, dedica no Capítulo II, que trata da Seguridade

Social, uma seção específica sobre a Assistência Social, prevendo em seu artigo

203, os destinatários da mesma, assim dispondo:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social e tem por objetivos:

I- a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II- o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III- a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V- a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

O artigo 204 da Constituição Federal de 1988, não somente indica a

fonte primária dos recursos que custarão às ações sociais, como também traz as

diretrizes a serem adotadas na política de Assistência Social , assim vejamos:

Art. 204 . As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

I- descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas à esfera estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;

II- participação da população , por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

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A respeito, Almansa Pastor111 assegura que “a assistência é

instrumento de tutela em situações de indigência àquele que não consegue ao

menos satisfazer as necessidades básicas para sua subsistência, e o Estado deve

assumir esta carga pública de redistribuição, estando a proteção social aos seus

cuidados “.

A definição legal da Assistência Social, vem disciplinada na Lei n.

8.742/93, em seu artigo 1º, apresentando-se como direito do cidadão e dever do

Estado.

O conceito de Assistência Social tradicionalmente considerado, e

efetuada como ação de caráter assistencialista, como já mencionado, avançou após

a Constituição Federal de 1988, alcançando o patamar de política pública,

apontando a possibilidade de executar uma política de Seguridade Social não-

contributiva, capaz de prover os mínimos sociais para atender os fenômenos sociais

gerados na injusta distribuição de renda.

Aldaíza Sposati, elucida que a discussão da assistência social como

política pública, foi inaugurada no movimento constituinte a partir de 1985, como

parte da proposta da unificação entre a previdência e a saúde e, conseqüentemente,

com sua interface com a assistência social.

E que: “Um primeiro passo para compreendê-la como política de

seguridade social é romper com a idéia de que assistência social é o campo estrito

da assistência com um significado tutelador”. Uma política de proteção social

111 PASTOR, José Manuel Almansa, Derecho de la Seguridad Social. Séptima Edición, Madrid: Editora Tecnos, 1991, p. 34.

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compõe o conjunto de direitos de civilização de uma sociedade ou o elenco das

manifestações e das decisões de solidariedade de uma sociedade para com todos

os seus membros. Ela é uma política estabelecida para a preservação, a segurança

e dignidade a todos os cidadãos. O fato de não ser uma política de desenvolvimento

mas sim, de proteção social, não constitui um caráter depreciativo, como querem

alguns, mas sim uma nova exigência no trato das relações sociais”.112

Assim, vislumbramos que foi com a ausência do pleno exercício de

cidadania e de um Estado democrático, que se justificou e fundamentou

historicamente o casuísmo e negligência tradicional por parte dos governantes ao

tratar da pobreza e da miséria, pelas quais não se sentiam responsáveis. O assunto

era da competência de quem praticava a filantropia, uma vez que, por não ser

ainda uma política pública, o Estado fazia concessões mediante algumas

emergências, mas não mantinham ações permanentes para atender as carências

sócio-econômicas.

Com relação á proteção social, não havia uma lei que desse

cobertura aos atingidos pela dinâmica do capitalismo, buscando a sociedade fazer

uma reposição material aos pobres com seus excedentes (sobras) por solidariedade.

Nossa Constituição Federal de 1988, traz como diretriz fundamental

no artigo 230 que, “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as

pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua

dignidade e bem estar e garantindo-lhe o direito à vida”.

112 SPOSATI, Aldaiza. Assistência Social: Desafios para uma Política de Seguridade Social. cadernos ABONG, outubro de 1995, p. 24

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E é com base no artigo 194 da Constituição Federal, que em

07/12/1993 foi promulgada a Lei n. 8.742 a Lei Orgânica da Assistência Social

(LOAS) que dispõe sobre a política de Assistência Social, que como política pública

destina-se a superar a debilidade de certos segmentos, desfazer exclusões e

assegurar o direito à vida como padrão mínimo de dignidade, ou seja, busca-se a

preservação dos indivíduos, dentro de “padrões éticos de dignidade constituídos

historicamente numa dada sociedade”.113

Desta forma, elucidamos que a Assistência Social avançou e avança

em direção a descentralização e a democratização de sua gestão, em que Órgãos

governamentais, não governamentais e sociedade civil vêm compondo e

trabalhando para ampliar o significado das necessidades básicas postas

historicamente pela sociedade em busca do aprimoramento da interpretação e

aplicação da legislação nos moldes constitucionais da Seguridade Social, em que a

Assistência Social é elemento importantíssimo, como já salientado.

2.4 DA LEI ORGÂNICA DA ASSISTENCIA SOCIAL (LOAS) LEI N. 8.742/93

A Lei n. 8.742 de 07 de dezembro de 1993, dispõe sobre a

organização da Assistência Social e dá outras providências, trazendo desde

113 SPOSATI, Aldaiza.Assistência na Trajetória das Políticas Sociais Brasileiras..5 ed. São Paulo. Cortez, 1992, p. 66 a 77.

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definições da própria Assistência Social em seu artigo 1º114, traçando seus

objetivos, tratando dos princípios e das diretrizes que devem reger a mesma.

Elucida sobre a organização e gestão das competências dos

Conselhos de Assistência Social nos âmbito municipal, estadual e federal, bem

como dos benefícios, serviços, programas e projetos de enfrentamento da pobreza,

do financiamento e das disposições gerais e transitórias.

Com relação aos objetivos da Assistência Social, estes estão

presentes na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em seu artigo 2º115, nas

mesmas letras do texto Constitucional, especificadamente no art. 203, ou seja, “ a

proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice, o amparo

às crianças e adolescentes carentes, a promoção da integração ao mercado de

trabalho, a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a

promoção de sua integração á vida comunitária e a garantia de 01 (um) salário

mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que

comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida

por sua família”.

114Lei 8.742/93: Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva , que prove os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. 115 Lei 8.742/93: Art. 2º A assistência social tem por objetivos:

I- A proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II- O amparo às crianças e adolescentes carentes;

III- A promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV- A habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração á vida comunitária;

V-A garantia de 01 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Parágrafo único. A Assistência Social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências e à universalização dos direitos sociais.

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A Carta Magna de 1988, bem como a Lei n. 8.742/93,

estabeleceram mudanças da estrutura institucional e o conceito de Assistência

Social como política pública em nosso País.

A professora Potyara, a respeito preleciona: “a LOAS é a

regulamentação de um princípio constitucional e representa a vontade e a decisão

pública. É uma Política de Seguridade Social, guiada pela lógica não contributiva, é

desmercadorizada além de não participar da concorrência de mercado. Deve

configurar-se como progressiva, preventiva, redistributiva e não contratual.”116

A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), fez com que

efetivamente a política de Assistência Social integrasse o conjunto da Seguridade

Social, inovando quanto a afirmação de suas diretrizes, sobre a importância da

integração social e econômica, e contribuindo principalmente para o reconhecimento

da universalização e da garantia de acesso às Políticas Sociais, como um exercício

de cidadania.

O modelo de assistência social proposto, preconiza nos artigos 5º e

8º desta Lei, as diretrizes117 da sua organização e a co-responsabilidade118 das três

esferas de governo (União/Estados/DF e Municípios) exigindo a contrapartida local e

116, PEREIRA A. P. Potyara A Assistência Social na Perspectiva dos Direitos- Critica aos Padrões Dominantes de Proteção aos Pobres no Brasil, p. 96 117 Lei n. 8.742/93 Art. 5º A organização da assistência social tem como base as seguintes diretrizes:

I-Descentralização político-administrativa para o Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo;

II-Participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis;

III-Primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo. 118 Lei 8.742/93 :Art. 8º A União, Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, observados os princípios e diretrizes estabelecidos nesta Lei, fixarão suas respectivas Políticas de Assistência Social.

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incentivando a participação da sociedade civil na formulação, fiscalização e controle

das Políticas Públicas por intermédio dos conselhos estaduais e municipais.

Com relação à definição de mínimos sociais119, colocou-se em

debate os limites da cidadania que a normativa constitucional expressa na

seguridade social brasileira traria, impulsionando um conjunto de ações e de

medidas que foram usadas para operacionalizar a política de assistência social com

a perspectiva de um patamar de direitos e de cidadania120.

Sobre as possibilidades dos mínimos sociais, a argumentação da

Professora Aldaíza Sposati121, é esclarecedora a respeito, que: “a provisão dos

mínimos sociais prevista na LOAS, está longe de uma proposta minimalista ou de

um pacto de conformismo, uma vez que, exprimiu um padrão básico122 de inclusão

do vinculado a patamares de padrão de vida digno”.

119 A noção de mínimos sociais é muito heterogênea. Varia de acordo com o tipo, a alógica ou o modelo de

proteção social adotado. Pode ser ampla, concertada e institucionalizada em uns paises, e restrita, isolada e não institucionalizada em outros. Contudo, os mínimos sociais geralmente definidos como recursos mínimos, destinados a pessoas incapazes de prover por seu próprio trabalho a sua subsistência . Tais recursos assumem frequentemente a forma de renda e de outros benefícios incidentes, setorialmente sobre as áreas da saúde, da educação, da habitação, etc., ou sobre categorias particulares de beneficiários como: idosos, pessoas portadoras de deficiência, pias solteiros, viúvas. Seu financiamento advém, preponderantemente de fonte orçamentária -e não de contribuições- e o seu funcionamento o mais das vezes prevê: obrigações recíprocas entre o beneficiário, o Estado e a sociedade; a inserção profissional e social; e contrapartidas.( PEREIRA, Potyara A.P.Necessidades Humanas: subsídios à critica dos mínimos sociais. São Paulo: Cortez, 2000, p.16) 120

O Brasil, representado pelo Secretário-Executivo do Ministério da Previdência Social (MPAS) Carlos Eduardo Gabas, presidiu a Reunião Tripartite de Especialistas sobre estratégias para a extensão da Cobertura da Seguridade Social, que ocorreu entre os dias 02 e 04 de setembro de 2009 em Genebra, na Suíça, na sede da Organização Internacional do Trabalho (OIT).Painéis foram coordenados por temas, cujo ponto comum foi o conceito de “piso social básico”, segundo o qual cada país apresenta medidas de garantia para as populações de baixa renda, independentemente de contribuições. Exemplos do Brasil, foram citados. 121 SPOSATI, Aldaíza. Mínimos Sociais e a Seguridade Social: Uma Revolução da Consciência da Cidadania,.São Paulo: Cortez, 1997 , p.35. 122PEREIRA. A.Potyara. Necessidades Humanas: Subsídios a critica dos mínimos sociais, São Paulo: editora Cortez, 2000, pg. 26/27, elucida de forma clara o significado da terminologia “ básico” que deve ser buscado pela política de assistência social nos seguintes termos: “ O básico expressa lago fundamental, principal, primordial, que serve de base de sustentação indispensável e fecunda ao que a ela se acrescenta. O básico requer investimentos sociais de qualidade para preparar o terreno a partir do qual maiores atendimentos podem ser prestados e otimizados. O básico é a mola mestra que impulsiona a satisfação básica de necessidades em direção ao ótimo”.

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E que: “ mínimos sociais são os pressupostos para a cidadania, isto

é, oferta de oportunidades de educação, saúde, trabalho, segurança e qualidade de

vida, e não somente o atendimento às necessidade básicas”. 123

Essa conceituação, entendida em geral como limite de subsistência

no limiar da pobreza absoluta, ou sobrevivência biológica, implica ter condições para

o enfrentamento do mercado de trabalho e obter renda, na perspectiva de alcançar

um padrão de vida digno e de atenção e acesso a um padrão de qualidade de vida

por meio de serviços e garantias.

Isso implica, em considerar a provisão social como uma política em

movimento, que não pode retroceder, nem se contentar em procurar suprir de forma

isolada e estática as privações que por serem extremas, exigem respostas mais

complexas, vez que, somente terão eficácia se estabelecerem inter-relações com

diversas medidas de proteção, que visem incrementar a qualidade de vida, de

cidadania dos mais desprotegidos.

Nesta inter-relação, os efeitos conjuntos de programas, projetos,

serviços, segundo Potyara, deverão, necessariamente, produzir encadeamentos

positivos para frente e para trás, sendo estes devidamente previstos e

administrados. Ressalta que os possíveis encadeamentos negativos hão de existir,

vez que toda política encerra contradições.

Traz que: “são encadeamentos para frente da política social, em seu

próprio âmbito, os efeitos acumulados (positivos ou negativos) que a oferta de um

123 SPOSATI, Aldaíza. Mínimos Sociais e a Seguridade Social: Uma Revolução da Consciência da Cidadania,.São Paulo: Cortez, 1997 , p.36.

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programa ou medida cria sobre outros programas ou medidas sociais, facilitando-os

ou dificultando-os”124.

É exemplo de encadeamento positivo para frente, o produzido por

um programa integrado de merenda escolar, cujos efeitos ultrapassem a função

alimentar que o motivou e propiciem a melhoria das condições de saúde e de

aprendizagem das crianças contempladas, e é exemplo de encadeamento negativo

para frente, o produzido por um programa focalizado de atendimento à pobreza

extrema, que, justamente por ser focalizado, deixa no abandono consideráveis

parcelas de pobres, que logo irão engrossar as fileiras dos miseráveis.

“São encadeamentos para trás da política social, em seu próprio

âmbito, os efeitos (positivos ou negativos) que um programa ou medida provocam

na decisão pública de criar ou fortalecer outros programas, iniciativas ou políticas

que lhes sirvam de pré-condição”125.

Constitui exemplo positivo o encadeamento produzido por

programas de alimentação e nutrição, que, para serem desenvolvidos, demandam

preliminarmente a atenção ao sistema de produção e comercialização de alimentos

básicos em apoio ao pequeno produtor rural, e é exemplo negativo, o encadeamento

produzido por programas que, para serem implementados, enfraquecem ou

determinam a extinção de medidas preexistentes, que poderiam ampliar e fortalecer

o rol da segurança social.

124 PEREIRA. A.Potyara. Necessidades Humanas: Subsídios a critica dos mínimos sociais, São Paulo: editora

Cortez, 2000, pg. 28/29. 125

PEREIRA. A.Potyara. Necessidades Humanas: Subsídios a critica dos mínimos sociais, São Paulo: editora Cortez, 2000, pg. 29.

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Assim, percebemos que em todas as variantes de encadeamentos

(positivos e negativos), há que se privilegiar os positivos, vez que são eles que

deverão ser perseguidos e reforçados pela política social comprometida, que busca

a melhoria da satisfação das necessidades humanas básicas. Contudo, não se tem

como deixar de levar em conta os encadeamentos negativos, pois a sua

desconsideração pode conduzir a fracassos na otimização da provisão social, ou

seja, é preciso buscar alcançar maiores metas de equidade, a partir das

características das questões a enfrentar relacionadas às necessidades humanas

consideradas básicas.

Movimentos, estudos e debates foram registrados, no sentido de

garantir densidade ao tema, tais como o Simpósio Nacional sobre Assistência Social

em 1989, Seminário de Assistência Social em 1991, e finalmente em 1993, em que o

Ministério o Bem-estar Social, em Brasília, promoveu encontros em diferentes

regiões do Brasil , os quais procederam a Conferência Nacional de Assistência

Social, gestando sua regulamentação constitucional, e posteriormente encaminhado

ao Congresso Nacional pela Deputada Fátima Pelaes, e que fora sancionado em 07

e publicada em 08 de dezembro de 1993, trazendo definições, traçando diretrizes,

disciplinando sobre a organização e gestão, dos benefícios, do financiamento da

Assistência Social, dos projetos de enfrentamento da pobreza, e especificando

princípios aos quais passamos a analisar.

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2.5 DOS PRINCÍPIOS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

A Lei n. 8.742/93- LOAS, em seu art. 4º , traz os princípios e as

diretrizes que norteiam, amoldam e vocacionam a constituição de relacionamentos

entre governo e sociedade civil, entre organismos prestadores de assistência social

e usuários, à Política de Assistencial Social no Brasil, da seguinte forma:

Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:

I- Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica;

II- Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;

III- Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito à benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;

IV- Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;

V- Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.

Como podemos observar, os princípios acima elencados

harmonizam-se com os princípios norteadores da Seguridade Social, vez que a

Assistência Social, como já salientado, é parte integrante do Sistema de Seguridade

Social, não podendo em hipótese alguma contradizê-los. Desta forma, passamos a

analisar cada um deles:

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2.5.1 DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO ATENDIMENTO ÀS NECESSIDADES

SOCIAIS SOBRE AS EXIGÊNCIAS DE RENTABILIDADE ECONÔM ICA;

Este princípio coaduna-se da lógica da Assistência Social, em que,

se tratando de direito fundamental e consagrado na Constituição Federal, os

Poderes Públicos, em todas as esferas (Legislativo, Executivo e Judiciário), devem

utilizar-se de critérios e políticas que beneficiem o maior número possível de

pessoas necessitadas, não utilizando critérios e parâmetros excludentes,

principalmente com relação à rentabilidade econômica, devendo as ações sociais

visando o tratamento prioritário das necessidades sociais sobrepor-se às exigências

da rentabilidade econômica para tanto.

Neste sentido, a Potyara Pereira, afirma que: “a Assistência Social é

desmercadorizável, não se guia pela lógica do mercado, e não exige contrapartida

financeira de seus demandantes”.126

Pela trajetória da Assistência Social no Brasil podemos observar

que esta conservou uma característica peculiar e que se mantém na formulação

constitucional atual, qual seja: o fato de que a Assistência, enquanto prática e

política, usualmente tem sido concebida e realizada como ação complementar a

diferentes áreas de atuação estatal, realizando um papel suplementar junto á

serviços básicos prestados pelas demais políticas públicas sociais, como na área da

126 PEREIRA, A. P. Potyara. Assistência Social na Perspectiva dos Direitos: Crítica aos Padrões Dominantes de Proteção aos Pobres no Brasil, Brasília, Thesaurus, 1996, p. 29.

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saúde, educação, habitação, enfim, mantendo interface com as políticas sociais

setoriais.

A Assistência presente na política de educação pública, por

exemplo, é identificada no repasse de verbas para a merenda escolar, material

didático, através do antigo programa ” Bolsa Escola” que agora encontra-se incluído

no programa “Bolsa Família”, sem os quais boa parte das crianças e adolescentes

inseridos no ensino público não teriam condições de concluí-los. Da mesma forma,

ocorre na área da Saúde, onde vários serviços assistenciais são prestados, como

por exemplo no fornecimento de medicamentos, transportes para os doentes e etc.

Desta forma, salientamos que as ações sociais voltadas para o

tratamento prioritário das necessidades sociais devem sobrepor-se às exigências da

ordem econômica, que muitas vezes confrontam-se como a alegação da reserva

do possível, como veremos no Capítulo IV quando tratarmos especificadamente do

princípio da reserva do possível, evidenciando que é a lei de orçamentos que deve

se adequar aos direitos garantidos e não os direitos que deve se adequar à mesma,

bem como que, os direitos fundamentais devem prevalecer sobre os demais, ou

seja, direitos como : o direito à vida, à alimentação, ao trabalho, à saúde, à moradia,

dentre outros elencados em nossa Carta Magna, não podem estar condicionados

somente à “ sobra” de valores de uma má administração pública para serem

cumpridos.

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2.5.2 DA UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS A FIM DE TORNAR O

DESTINATÁRIO DA AÇÃO ASSISTENCIAL ALCANÇÁVEL PELAS DEMAIS

POLÍTICAS PÚBLICAS;

A universalização dos direitos sociais está como principio da

Assistência Social, vez que esta tem como primazia à pretensão e busca da

extensão dos benefícios a todos que dele necessitarem.

Essa universalização compreende o respeito às diferenças

individuais, tentando-se a partir da heterogeneidade alcançar o nível que a justiça

social exige, a fim de tornar o destinatário alcançável pelas demais políticas

públicas. Para tanto, essa universalidade deve ser concretizada ao lado de demais

direitos sociais, como por exemplo, incluí-lo a uma política de emprego, de

qualificação profissional, de educação, dentre outras.

Portanto, a Assistência Social compreendida como um direito

fundamental, sozinha não será capaz de alcançar essa universalidade pretendida,

como nenhuma política social isoladamente será capaz de suprir as necessidades

sociais.

Potyara127, a respeito preconiza: “As políticas públicas sociais

tendem a ser genéricas nos destinatários e especializadas na atenção, com exceção

da política assistencial que é genérica na atenção e especifica nos destinatários, vez

127 PEREIRA, A. P. Potyara. Assistência Social na Perspectiva dos Direitos: Crítica aos Padrões Dominantes de

Proteção aos Pobres no Brasil. Brasília, Thesaurus, 1996, p. 53.

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que objetiva tornara as demais políticas sociais penetráveis a parcelas excluídas da

sociedade”.

Assim, por exemplo, crianças nascidas em famílias extremamente

empobrecidas, que mesmo contando com a escola pública em suas cidades,

dificilmente freqüentarão a escola regularmente e darão continuidade nos estudos,

vez que precisarão trabalhar para a melhoria da pequena renda familiar, bem como

a educação básica, que se pretende ser universal enquanto política pública não

atingirá seu objetivo.

Entretanto, uma vez entrando em campo de medidas de política

assistencial, em que esta família receberá um auxílio, como por exemplo o bolsa

família 128 para as famílias carentes com filhos em idade escolar, essas crianças

poderão freqüentar a escola.

Desta forma, a Assistência Social atinge o objetivo da universalização

dos direitos sociais, fazendo com que os seus destinatários, sua população alvo,

sejam alcançáveis por políticas públicas essenciais, como por exemplo a educação,

o amparo ao desemprego, atuando como um instrumento capaz de resgatar as

128 O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 69,01 a R$ 137,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 69,00), de acordo com a Lei de n. 10.836, de 09 de janeiro de 2004 e o Decreto n. 5.209, de 17 de setembro de 2004.

O PBF integra a estratégia FOME ZERO, que visa assegurar o direito humano à alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar e nutricional e contribuindo para a erradicação da extrema pobreza e para a conquista da cidadania pela parcela da população mais vulnerável à fome.

O Programa pauta-se na articulação de três dimensões essenciais à superação da fome e da pobreza:

Promoção do alivio imediato da pobreza, por meio da transferência direta de renda à família;

Reforço ao exercício de direitos sociais básicos nas áreas de Saúde e Educação, por meio do cumprimento das condicionalidades, o que contribui para que as famílias consigam romper o ciclo da pobreza entre gerações;e

Coordenação de programas complementares, que têm por objetivo o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários do Bolsa Família consigam superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. São exemplos de programas complementares: programas de geração de trabalho e renda, de alfabetização de adultos, de fornecimento de registro civil e demais documentos. (pesquisa feita em 03/07/2009 no site: WWW. mds.gov.br/o_programa_bolsa_familia/o-que-e)

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pessoas do estado de miserabilidade indigência, elevando-se suas condições de

vida digna, para que, a partir daí, outras políticas públicas possam atender seus

anseios e efetivamente cumprir sua universalização.

2.5.3 DO RESPEITO À DIGNIDADE DO CIDADÃO, À SUA AU TONOMIA E AO

SEU DIREITO A BENEFÍCIO E SERVIÇOS DE QUALIDADE, BE M COMO Á

CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA, VEDANDO-SE QUAL QUER

COMPROVAÇÃO VEXATÓRIA DE NECESSIDADE;

Este princípio, está descrito no inciso III do art. 4º da LOAS, e como

pode se observar, em seu texto traz explícito qual deverá ser o objeto a ser

preservado e assegurado, consagrando o compromisso do Estado Brasileiro de

fazer cumprir os direitos humanos, muito evidenciado na seara da Seguridade Social

e da Assistência Social, vedando ao Poder Público submeter os cidadãos que se

encontram em estado de necessidade social a situações vexatórias

No âmbito da Assistência Social, apesar de ser inconcebível o

desrespeito à dignidade do cidadão como em qualquer outra hipótese, a mantença

da autonomia do cidadão, bem como o direito a benefícios e serviços de qualidade

devem ser buscado e preservado.

Vedando-se em qualquer hipótese, a comprovação vexatória da

necessidade, acaba-se por assegurar a autonomia daquele cidadão, evitando

infortúnios que acabam por expô-los a situações vexatórias e indignas, exigindo por

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exemplo documentos dispensáveis, reiterado retornos desnecessários, extensas

filas e péssimos serviços, sejam superados.

Esse princípio, veda a prática clientelística muito comum ao velho

estilo assistencialista, onde o atendimento ao carente era visto como favor, e não

como direito, bem como a estigmatização do usuário com a redução de sua

autonomia e a comprovação vexatória de suas necessidades para que possa ter

acesso a benefícios e serviços essenciais à própria manutenção.

A despeito desta forma clientelística, salientamos a distribuição em

espécie (alimentos), ao invés de ajuda financeira, apostando na incapacidade das

famílias pauperizadas em gerir o próprio orçamento, assim retirando-se a autonomia

do beneficiário da assistência social.

Luiza Frischeisen, elogiosamente comenta o veto de José Orcírio

Miranda dos Santos , conhecido como “Zeca do PT”, então governador do Estado, à

lei estadual que previa distribuição de gêneros alimentícios a famílias carentes

daquela unidade federativa, considerando que tal prática fere a dignidade humana e

desrespeita a autonomia do cidadão, uma vez que, a Assistência Social

renovada pela Constituição Federal de 1988, deve prover complementação

da renda familiar de núcleos carentes, permitindo que estes construam a sua

emancipação, na Obra Políticas Públicas, a Responsabilidade do Administrador e o

Ministério Público ( p. 93/94). 129

129 Trechos do veto do ex-governador sul mato grossense:“ Analisando o autógrafo do projeto de lei aprovado pelos doutos Deputados Estaduais, com a preocupação de respeitar a ordem jurídica e o interesse público, entendi por bem adotar a medida extrema do veto total, porquanto suas disposições contrariam a política de Assistência Social que vem sendo implementada neste Governo e, por conseguinte, vulneram os princípios estabelecidos pela Lei Orgânica da Assistência Social, conforme ao final restará satisfatoriamente demonstrado.Com efeito, a Lei Federal n. 8.742/93, Lei Orgânica da Assistência Social- LOAS, que regulamenta os artigos 203 e 204 da Constituição Federal, define que a assistência social, direito do cidadão e dever do

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Com efeito, a dignidade da pessoa humana, emana autonomia do

indivíduo, uma vez que o mesmo deve possuir a capacidade de conduzir sua própria

existência, e isso somente ocorrerá, se possuir meios necessários para tanto,

através de benefícios e serviços de qualidade.

2.5.4 DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE DIREITOS NO ACES SO AO

ATENDIMENTO, SEM DISCRIMINAÇÃO DE QUALQUER NATUREZA ,

GARANTINDO-SE EQUIVALÊNCIA ÀS POPULAÇÕES URBANAS E RURAIS.

Elencado também como princípio da Assistência Social, o principio

da igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer

natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais está expresso

no inciso VI do art. 4º da LOAS.

“Trata-se de princípio que visa não somente a densificar, ao lado do

princípio da universalidade, o sobreprincípio da igualdade, mas também a adequá-lo

à realidade e às nuances da proteção social”130.

Estado, é políticas de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais.Isso significa dizer que a assistência social se inscreve no campo da seguridade social para assegurar proteção social à população excluída involuntariamente das políticas públicas básicas e das oportunidades de acesso a bens e serviços produzidos pela sociedade.(...) Como facilmente se constata, o projeto de lei ora vetado não guarda conformidade com os princípios que regem a assistência social (...) porquanto se limita a regulamentar meramente uma atividade paternalista de distribuição de gêneros alimentícios, sem qualquer correlação com outras políticas sócias, desrespeitando a dignidade e autonomia do cidadão. (...)À vista das razões acima expendidas, não é difícil concluir que o projeto de lei vetado (...), é inoportuno e contrário ao interesse público, uma vez que representa um retrocesso aos avanços da assistência social como política pública, por caracterizar-se como uma ação assistencialista, paternalista, que fere a dignidade e a autonomia do cidadão”.

130 PEREIRA FILHO, Luiz Clemente. Princípios Constitucionais da Seguridade Social. São Paulo: Pontifica Universidade Católica, 2006, p. 127.

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Essa preocupação pelo legislador, já vinculada constitucionalmente,

é a equivalência entre as populações urbanas e rurais quanto á Seguridade Social, e

igualmente na seara assistencial, pelo fato, de que antes da Constituição Federal de

1988, o que havia era um discrímem entre a população urbana e a rurícola, que

era brutalmente desfavorável ao rurícola, como já evidenciamos na análise dos

princípios relativos à Seguridade Social, ficando estes fora do ordenamento jurídico

de proteção social.

Assim, verifica-se acertadamente que nossa Carta Magna, bem como

a LOAS, aprimoraram-se no sentido de que, sendo a miséria no meio rural

brasileiro expressiva tanto quanto a urbana, a legislação deve prever e assegurar

que o homem do campo socialmente excluído faça jus aos mesmos meios em que

o homem urbano que assim se encontra, seja amparado pela Assistência Social de

forma equânime.

2.5.5 PRINCÍPIO DA AMPLA DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES RELATIVOS À

ASSISTÊNCIA SOCIAL

Este principio proclama a ampla divulgação dos benefícios, serviços,

programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder

Público e dos critérios para sua realização.

Com relação aos destinatários da Assistência Social, até pelo fato de

exclusão em que se encontram, dificilmente os mesmos tem conhecimentos sobre

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seus direitos e a melhor forma de usufruí-los.

Portanto, o Estado deve sair de sua cômoda condição de só atender,

quando solicitado pelos carentes, e prestar sistematicamente a estes da melhor

forma possível, a garantia de êxito com relação aos serviços prestados na esfera

assistencial, de modo que com as divulgações destes direitos, possam torná-los

mais eficazes, e fielmente um instrumento capaz de propiciar o real alcance dessa

proteção social.

A ausência de informações acaba por impedir que pessoas

necessitadas tenham acesso às prestações assistenciais, privando-os assim do

recebimento e utilização dos benefícios assistências, inclusive com relação ao

Benefício Assistencial de Prestação Continuada, que analisaremos no próximo

capítulo, fazendo com que a situação de necessidade continue, e muitas vezes

favorecendo seu uso eleitoreiro para manipulações desleais e indevidas.

Assim, diante da extrema importância da análise de conceitos

complexos referentes à Assistência Social, em especial ao benefício assistencial de

prestação continuada como benefício “chave” desta, os abordaremos

especificadamente no próximo capítulo.

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CAPITULO III

DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

3.1- BREVE HISTÓRICO

O benefício assistencial de prestação continuada, que assim

denominamos, teve e tem muita divergência em relação a sua nomenclatura, vez

que alguns o reconhecem como Amparo Social, outros como Beneficio de

Prestação Continuada e outros ainda Renda Mensal Vitalícia.

Da análise dos antecedentes do referido benefício, verificaremos tais

denominações desde a fase inaugural do mesmo até o seu desenvolvimento nos

dias atuais.

Originalmente, fora denominado de Renda Mensal Vitalícia pela Lei

n. 6.179, de 12 de dezembro de 1974, que assim dispunha:

Art. 1º Os maiores de 70 (setenta) anos de idade e os inválidos, definitivamente incapacitados para o trabalho, que, num ou noutro caso, não exerçam atividade remunerada, não aufiram rendimentos, sob qualquer forma, superior ao valor da renda mensal fixada no artigo 2º, não sejam mantidas por pessoa de quem dependam obrigatoriamente e não tenham outro meio de prover ao próprio sustento, passam a ser amparados pelo Previdência Social, urbana ou rural, conforme o caso, desde que:

I- Tenham sido filiados ao regime do INPS, em qualquer época, no mínimo por 12 (doze) meses, consecutivos ou não, vindo a perder a qualidade de segurado; ou

II- Tenham exercido atividade remunerada atualmente incluída no regime do INPS ou do FUNRURAL, mesmo sem filiação à Previdência Social, no mínimo por 5 ( cinco) anos, consecutivos ou não; ou ainda

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III- Tenham ingressado no Regime do INPS após completar 60 ( sessenta) anos de idade sem direito a benefícios regulamentares.

Art. 2º As pessoas que se enquadrem em qualquer das situações previstas nos itens I e III, do artigo 1º, terão direito á:

I- Renda mensal vitalícia, a cargo do INPS ou do FUNRURAL, conforme o caso, devida a partir da data da apresentação do requerimento e igual à metade do maior salário-mínimo vigente no País, arredondada para a unidade de cruzeiro imediatamente superior, não podendo ultrapassar 60% (sessenta por cento) do valor do salário-mínimo do local de pagamento.

II- Assistência médica nos mesmos moldes da prestada aos demais beneficiários da Previdência Social urbana ou rural, conforme o caso,

§1º A renda mensal de que trata este artigo não poderá ser acumulada com qualquer tipo de benefício concedido pela Previdência Social urbana ou rural, por outro regime, salvo, na hipótese do item III, do artigo Iº, o pecúlio de que trata o §3º, do artigo 5º, da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, na redação dada pelo artigo 1º,da Lei nº 5.890, de junho de 1973.

§2º Será facultada a opção, se for o caso, pelo beneficio, da Previdência Social, urbana e rural, ou de outro regime, a que venha a fazer jus o titular da renda mensal.

Como se observa, nesta relação jurídica tem-se como sujeito ativo o

ex-trabalhador, e como sujeitos passivos o FUNRURAL (quando se tratasse de

trabalhador rural como sujeito ativo) e o INPS- Instituto Nacional de Previdência

Social (quando o sujeito ativo fosse o ex-trabalhador urbano), cujo objeto, era não

apenas uma prestação pecuniária (renda mensal vitalícia), mas igualmente

assistência médica, não gerando direito ao abono anual ou qualquer outra prestação

assegurada pela Previdência Social urbana ou rural.

O valor da renda mensal vitalícia131 era equivalente a metade do

maior salário-mínimo vigente no país, não podendo ultrapassar 60% (sessenta por

cento) do salário mínimo do local do pagamento (art. 20, I da Lei 6.179/74).

131 Com relação á denominação “ renda mensal vitalícia” que fora adotada na época pelo INPS e FUNRURAL,

Nair Lemos Gonçalves em sua obra Novo Benefício da Previdência Social: Auxílio-Inatividade, Renda Mensal Vitalícia criada pela Lei n. 6.179 de 11/12/1974, assinala que tal expressão não goza de qualquer utilidade, uma

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A fixação de tal quantia perdurou até julho de 1991, quando

regulamentando o disposto no art. 203 da Constituição Federal de 1988, a Lei 8.213

entrou em vigor, e proibiu a fixação de qualquer benefício com valor inferior a um

salário mínimo.

Apesar do forte traço assistencial contido na referida norma (Lei

6.179/74), não se poderia falar de benefício assistencial, era exigida a prévia filiação

ao sistema previdenciário para o recebimento do mesmo, ou seja, deveria haver o

exercício de atividade laboral remunerada.

Em 1993, a Lei n. 8.742 que regulamentou o Art. 203, V da

Constituição Federal de 1988, em seu artigo 40132, disciplina sobre a implantação

do benefício de prestação continuada e dos benefícios eventuais previstos nos seus

artigos 20 e 22, inclusive tratando da extinção do benefício de renda mensal

vitalícia ora em questão, do auxílio-natalidade e do auxílio-funeral também

existentes no âmbito da Previdência Social.

Na época, salientava-se que a transferência dos beneficiários do

Sistema Previdenciário para a Assistência Social deveria acontecer de forma que o

atendimento à população não fosse interrompido.

Assim, podemos perceber que o entendimento norteador desta

substituição, foi a caracterização do benefício de natureza jurídica assistencial e

vez que não se distingue das demais prestações previdenciárias que pertencem a este mesmo gênero, pois renda mensal vitalícia é toda e qualquer possibilidade de pagamento de determinada importância com fundamento no mesmo fato gerador do direito, como por ex. a renda mensal de aposentadoria. Acaba por trazer por melhor definição a expressão “ auxílio inatividade”, querendo denominar “ auxilio” como socorro, ajuda, amparo, e “ inatividade” como qualidade do inativo, requisito imprescindível para este benefício. 132 Lei n. 8742/93 Art. 40. Com a implantação dos benefícios previstos nos arts. 20 e 22 desta Lei, extinguem-se a renda mensal vitalícia, o auxílio-natalidade e o auxílio-funeral existentes no âmbito da Previdência Social, conforme o disposto na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.

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não previdenciária, ou seja, de abrangência universal e sem caráter contributivo

prévio, sendo esta a grande distinção entre a Renda Mensal Vitalícia e o Benefício

Assistencial de Prestação Continuada.

O aspecto contributivo evidenciava-se, posto que, enquanto no

primeiro exigia-se como condição a contribuição de pelo menos doze meses para a

Previdência Social, o segundo independe de contribuição, implicando em um grande

avanço na cobertura de beneficiários.

Desta feita, podemos concluir que o primeiro benefício de natureza

puramente assistencial foi estabelecido pela Constituição Federal de 1988, em seu

artigo 203, V, conferindo ao idoso e à pessoa portadora de deficiência o beneficio

de um salário mínimo, nos seguintes termos:

Art. 203 . A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I- a proteção á família, á maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II- o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III-a promoção da integração ao mercado de trabalho;

III- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

IV- a garantia de um salário mínimo de benefício me nsal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem n ão possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la pr ovida por sua família, conforme dispuser a lei .( grifo nosso)

Contudo, somente após sua regulamentação, que ocorreu com a

edição da Lei 8.742/93, o mesmo se tornou efetivamente instituído e garantido,

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trazendo assim a provisão de benefício assistencial mensal, passando a constituir

um direito subjetivo com características eminentemente assistenciais.

Entretanto, este benefício somente em 1996 foi efetivamente

implantado nas vias administrativas, em 1996, após a edição do Decreto 1.744/95

que regulamentou a Lei 8.742/93.

Sobre a extinção do benefício de renda mensal vitalícia e a

implantação do benefício assistencial de prestação continuada, há discussão na

doutrina no sentido de que, o primeiro era devido à idosos e deficientes que no

passado tivessem contribuído para o Sistema Previdenciário, como já descrito, ou

simplesmente trabalhado e estivessem sem remuneração própria,

independentemente da renda mensal per capita, e o segundo, apesar de não exigir

prévia contribuição para o seu recebimento, prevê requisitos inexigíveis no

primeiro, como por exemplo a renda per capita mensal inferior a ¼ do salário

mínimo, ocasionando desta forma um retrocesso na cobertura da Seguridade

Social, posto que alguns idosos, por exemplo, fariam juz ao benefício de renda

mensal vitalícia (Lei n. 6.179/74) e não o fazem ao benefício de prestação

continuada (Lei 8.742/93).

Com relação às mudanças ocorridas no histórico do benefício em

questão, as mesmas evidenciaram-se nas condições e modificações dos

requisitos exigíveis para a concessão do referido benefício, que passamos a

analisar:

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3.2 REQUISITOS LEGAIS PARA OBTER DIREITO AO BENEFÍ CIO TRAZIDOS

PELA LEI N. 8.742/93.

A Constituição Federal de 1988, coerente com os princípios e

objetivos já salientados nos capítulos anteriores, estabelece que a Assistência Social

será prestada a quem dela necessitar. Tal enunciado demonstra que a importância

do cumprimento deste direito social é fundamental para o alcance do bem-estar

social e para a redução das desigualdades sociais.

Ao conferir bem-estar a quem dela necessitar, o legislador

conseqüentemente reduziria as desigualdades e realizará a justiça social,

consoante previsto na Carta Magna. Para tanto, criou beneficio específico para dois

tipos de sujeitos que expressamente quis proteger: a pessoa portadora de

deficiência e o idoso que comprovassem não possuir meios de prover a própria

manutenção ou tê-la provida por sua família, na forma da lei.

Assim, passamos a analisar em especifico os requisitos legais

trazidos pela Lei n. 8.742/93 para ter direito ao beneficio assistencial de prestação

continuada:

3.2.1- BENEFICIÁRIOS: A PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊ NCIA E O IDOSO

A Constituição Federal de 1988 previu casuisticamente o benefício

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assistencial de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso (art.

203, V)133.

3.2.1.1- PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA:

Para fins de percepção do benefício, dispõe o § 2º da LOAS (Lei n.

8.742/9) que “pessoa portadora de deficiência é aquela pessoa incapacitada para a

vida independente e para o trabalho” .

Diante de tal dispositivo, podemos notar que a referida lei dispõe

sobre novo conceito de pessoa de pessoa portadora de deficiência, definindo-a

como pessoa incapacitada para qualquer ato da vida independente, o que se choca

com a própria Constituição Federal e nas palavras de Aldaíza Sposati134 “com todo

movimento mundial de inclusão da pessoa portadora de deficiência”, vez que a

Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação

contra as pessoas portadoras de deficiência, aprovada em 06 de junho de 1999 pelo

Conselho Permanente da Assembléia Geral da Organização dos Estados

Americanos, e aprovado pelo Brasil através do Decreto n. 3.956/2001, define

deficiência da seguinte forma:

133 CF/88 Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...)V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 134 SPOSATI, Aldaiza. Proteção Social de Cidadania: inclusão de idosos e pessoas com deficiência no Brasil, França e Portugal. São Paulo: Cortez, 2008, p. 181.

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Artigo 1º : O termo “ deficiência” significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social.

Nossa Constituição Federal, em nenhum momento refere-se à

pessoa portadora de deficiência como aquela inválida ou incapaz para qualquer ato

da vida, mesmo porque traz como um dos objetivos da Assistência Social a

habilitação da pessoa deficiente e sua integração à sociedade e ao mercado de

trabalho. (art.203, III e IV)

Inobstante o texto trazido pela Lei 8.742/93, o Decreto 1.744/95, em

seu artigo 2º inciso II, estabelece que: pessoa deficiente “ é aquela incapacitada

para a vida independente e para o trabalho em razão de anomalias ou lesões

irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou adquiridas, que impeçam o

desempenho das atividades da vida diária e do trabalho”.

O referido Decreto, acaba por criar mais limitações que não existem

no texto da Lei 8.742/93, como por exemplo, fazendo referência a irreversibilidade

da deficiência. Tal dispositivo por tratar-se de um Decretos, que são instrumentos

para regulamentar as leis e não para “criar ou modificar“ seus dispositivos, como

falar em irreversibilidade da deficiência se há mecanismos de revisão do benefício

estipulado justamente para a avaliação da cessação da causa da deficiência?

Com efeito, nossa Constituição Federal135 não estabeleceu que a

impossibilidade de prover a própria manutenção em razão da deficiência fosse

135 CF/88 Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:(...)III- a promoção da integração ao mercado de trabalho;IV

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definitiva e insuperável. Ao contrário, reconheceu como objetivo a ser buscado, a

habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiências e a promoção de

sua integração à vida Comunitária, como já salientado.

Assim, adotar o conceito trazido pela Lei Orgânica da Assistência

Social n. 8.742/93 (LOAS), é restringir o benefício a determinadas deficiências e

idades das pessoas deficientes, deixando desprotegidas uma infinidade de pessoas

portadoras de deficiência que não possuem meios de obter um fonte de renda.

Entendemos que referida definição entra em contradição com o

estabelecido pela atual Constituição, no tocante à concessão do benefício para a

pessoa portadora de deficiência que comprove “não possuir meios de prover a

própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”. E só é capaz de prover à

própria manutenção, a pessoa que tenha condições de exercer alguma atividade

remunerada ou se a sua família tiver condições de mantê-la.

Assim, a incapacidade de exercer alguma atividade remunerada, ou

se sua família não tiver condições de mantê-la, é que deve servir de parâmetro

para a concessão do beneficio em questão. O fato de a pessoa conseguir exercer

algumas atividades diárias como locomover-se, alimentar-se, não a torna

necessariamente apta para que exerça alguma atividade remunerada.

Neste sentido, nos ensina Sérgio Fernando Moro136: “Se a

deficiência for grave o suficiente para incapacitar o seu portador para a vida laboral,

afigura-se evidente que este, impossibilitado de exercer atividade remunerada, não

- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; 136 MORO, Sérgio Fernando. Questões Controvertidas sobre o Benefício da Assistência Social. Porto Alegre : Livraria do Advogado , 2003, p. 156.

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terá condições de prover o seu próprio sustento. A capacidade para comer ou andar

sozinho ou mesmo para prática de atos da vida diária não garante o sustento do

deficiente. São eles fatos relevantes apenas à medida que constituírem indicativos

da capacidade laboral. Se não for este o caso, ou seja, se não estiverem associados

à capacidade laboral, não tem qualquer relevância”.

Coadunando com este entendimento, a Jurisprudência137, em

consonância com o dever de amparo aos deficientes imposto ao Estado, tem se

posicionado da seguinte forma:

BENEFICIO ASSISTENCIAL. INCAPACIDADE PARA O TRABALH O E PARA A VIDA INDEPENDENTE. (...) A exigência, para p ercepção do benefício, de ser a pessoa incapaz para a vida inde pendente, se entendida como incapacidade para todos os atos da vida, não se encontra na Constituição. Ao contrário, tal exigênc ia contraria o sentido da norma constitucional , seja considerada em si, seja em sintonia com o principio da dignidade humana (CF, a rt. 1º, III) ao objetivo da assistência social de universalidade da cobertura e do atendimento (CF, art. 194, parágrafo único, I) e à ampla garan tia de prestação da assistência social (CF, art.203, caput ) (...).( TRF 4º Região. Processo n. 200170070003963 UF: PR. Órgão Julgador: 5ª Turma. Relator: Juiz Nefi Cordeiro. Data julgamento: 08/06 /2004 DJU 25/08/2004) grifo nosso)

Sob tal argumento, é considerável a crítica de que a vontade do

preceito constitucional não seja a perícia médica do INSS analisa e verifica a

possibilidade e necessidade da pessoa portadora de deficiência para fazer juz ao

recebimento do benefício em questão, vez que dão parecer favorável ao

recebimento deste benefício somente às pessoas dependentes de terceiros,

inclusive nas atividades mais básicas do dia-a dia, contrariando assim o ideal da

137 TRF- Quarta Região. AC. Processo: 200170070003963. PR. ÓRGÃO Julgador: Quinta Turma. Relator Juiz Néfi Cordeiro. Data decisão: 08/06/2004. DJU 25/08/2004.

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Constituição Federal ao prover a Assistência Social que privilegia a dignidade da

pessoa humana.

Corroborando com este entendimento o STJ138 se manifesta nos

seguintes termos:

O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples f ato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar , fazer sua higiene pessoal ou se vestir, não pode obstar a percepção d o benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do in divíduo, - o que não parece ser o intuito do legislador .(Grifo Nosso)

O que se deve ter em mente, é que, para a exclusão social não

restar estimulada diante de tantas objeções de textos infraconstitucionais, o

conceito de pessoa portadora de deficiência, para fins de recebimento deste

benefício, deve ser interpretado sem exageros, para que assim a justiça social seja

efetivamente aplicada, garantindo proteção à dignidade humana, inclusive de forma

harmoniosa com a inclusão da pessoa portadora de deficiência na sociedade,

estimulando a preparação das mesmas para tanto.

138 RESP. N. 360.202/ AL, 5ª TURMA, REL. MINISTRO GILSON DIPP, DJU 1º DE JULHO DE 2002.

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3.2.1.2- IDOSO:

O outro sujeito de direito à percepção do referido benefício, é a

pessoa idosa.

Ressaltamos que, o idoso restará por evidenciado no decorrer deste

trabalho, diante da temática abordada, pela situação que os mesmos encontram-

se em relação ao benefício assistencial de prestação continuada.

Juridicamente, a definição legal de pessoa idosa é variável,

dificultando precisão em sua definição, pois vários são os dispositivos legais que

dispõem sobre o idoso no Brasil, apresentando diversidade nesta definição,

principalmente em relação ao limite de idade em que pessoa é considerada idosa

em nosso País.

O art. 230, §2º da Constituição Federal139, por exemplo, considera

pessoa idosa para fins de gratuidade em transportes coletivos urbanos, aquela

pessoa maior de 65 (sessenta e cinco) anos. Já a Lei 8.842/94140, que trata da

Política Nacional do Idoso, afirma que é idosa a pessoa com idade ou maior de 60

(sessenta) anos.

139 CF/88 Art. 230 . A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.(...)

§2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.

140 Lei n. 8.842/94 Art. 2º Considera-se idoso, para os efeitos desta lei, a pessoa maior de sessenta anos de idade.

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Mesmo com a edição do Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741 1º de

outubro de 2003, não se tem um consenso de definição específica da idade em que

a pessoa independentemente da situação será considerada idosa, posto que há

esta variável, principalmente de 60 (sessenta)141 e 65 (sessenta e cinco)142 anos

dependendo da área relacionada143.

Com relação ao benefício assistencial de prestação continuada foram

várias as determinações referentes ao idoso, quais sejam:

No período de 1º de janeiro de 1996 a 31 de dezembro de 1997,

vigência da redação original do art. 38 da Lei 8.742/93, a idade para fins de

recebimento do benefício devido ao idoso, era de 70 (setenta) anos, tendo sido

alterada para 67 (sessenta e sete) anos pela Lei 9.720/98, no período de 1º de

janeiro de 1998 a 31 de dezembro de 2003, que passou a ser de 65 (sessenta e

cinco) anos com a implementação do Estatuto do Idoso Lei 10.741/03, partir de 01

de janeiro de 2004, perdurando até o presente.

141Lei 10.742/03 Art. 1 o É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Lei 10.742/03 Art. 71. É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância. 142 Lei 10.742/03 Art. 39. Aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos fica assegurada a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos, exceto nos serviços seletivos e especiais, quando prestados paralelamente aos serviços regulares. 143 § 3o No caso das pessoas compreendidas na faixa etária entre 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos, ficará a critério da legislação local dispor sobre as condições para exercício da gratuidade nos meios de transporte previstos no caput deste artigo.

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3.2.2 DA DEFINIÇÃO DE FAMÍLIA PARA FINS DO RECEBIM ENTO DO

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL

Conforme já mencionado, a Constituição Federal de 1988, em seu

art. 203 V, estabelece a garantia de um salário mínimo à pessoa portadora de

deficiência e ao idoso144 que comprovem não possuir meios de prover a própria

manutenção ou de tê-la provida por sua família. Vinculando a concessão do referido

benefício à impossibilidade de a família prover a manutenção, tanto do idoso quanto

do deficiente, a Constituição Federal adota o principio da subsidiariedade. 145

Neste contexto, a proteção social exercida pelo Estado através do

benefício assistencial, é deflagrada de forma subsidiária à condição individual e

familiar.

A fixação das pessoas pertencentes ao grupo familiar, como veremos

logo adiante, será de extrema relevância para a verificação da possibilidade do

recebimento do benefício, inclusive apresentando diferentes enfoques na legislação

pátria.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, considera a

família como base da sociedade. Para efeito de proteção do Estado, reconhece a

união estável entre homem e mulher compondo a entidade familiar, bem como

144 Como já salientamos a idade é de 65 (sessenta e cinco) anos com a alteração trazida pela Lei 10.741/03 – Estatuto do Idoso. 145 Conforme o Professor José Alfredo de O. Baracho, “ a subsidiariedade não deve ser interpretada como um principio que propõe o Estado mínimo e débil, que se retrai a simples funções de vigilância, resguardo ou arbitragem. Com isso, estaria declimado de toda promoção do bem-estar, de toda a presença ativa para orientar e articular as atividades humanas” (O Principio da Subisidiariedade: Conceito e Evolução, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1995, p. 36)

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considera um dos pais e seus descendentes neste mesmo dispositivo (§4º).

Disciplina também sobre a obrigatoriedade de mútua assistência entre pais e filho,

no seu art. 229.

O Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406/2002) ao tratar do direito aos

alimentos (Arts. 1694 a 1710), amplia esta regra ao estabelecer que “podem os

parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns para os outros os alimentos de

que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social”(art.

1694), bem como que: “ o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e

filhos, extensivos a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos

em grau, uns em falta de outros” (art. 1696).

Assim, podemos vislumbrar que os alimentos são devidos quando

quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover pelo seu trabalho a

sua mantença, e aquele de quem se reclama a possibilidade de fornecê-lo, o faz

sem desfalque no necessário ao seu sustento, conforme prevê o art. 1695 do Código

Civil. Na falta de ascendentes, a obrigação cabe aos descendentes, observada a

ordem de sucessão, e que na falta destes, caberá aos irmãos. (art. 1697). Desta

forma, podemos notar que com relação à obrigação alimentar, a lei civil é bem

mais ampla.

O Estatuto do Idoso, Lei 10.742/03146, em seu Capitulo III, que trata

“Dos Alimentos” no artigo 11, ao estabelece que os mesmos serão prestados ao

idoso na forma da Lei Civil, esclarece que “ se o idoso ou seus familiares não

146 Lei n. 10.742/03 Art. 11. Os alimentos serão prestados ao idoso na forma da lei civil.

Lei 10.742/03 Art. 14 . Se o idoso ou seus familiares não possuírem condições econômicas de prover o seu sustento, impõe-se ao Poder Público esse provimento, no âmbito da assistência social.

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possuírem condições econômicas de prover o seu sustento, impõe-se ao Poder

Público esse provimento, no âmbito da Assistência Social”.

Com relação à “família” intitulada no dispositivo referente ao

Benefício Assistencial em questão, a Lei 8.742/93 define família a luz da regra

traçada no campo previdenciário, entendendo como família, “ o conjunto de

pessoas elencadas no art. 16 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que

vivam sob o mesmo teto” ( Art. 20 §1º) assim estabelecendo:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

§1 Para os efeitos do disposto no caput , entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto.

E o Art. 16 da Lei 8.213/91 que disciplina sobre os Planos de

Benefícios da Previdência Social e dá outras providências, assim dispõe:

Art. 16 São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I-o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 ( vinte e um) anos ou inválido;

II- os pais;

III- o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.

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Sobre tal elucidação, verifica-se que o legislador ordinário restringiu

a caracterização da família ao convívio sobre o mesmo teto entre cônjuge,

companheiro (a), filho (a) menor de 21 anos ou inválidos, pais e ou irmãos inválidos.

Em que pese o conceito de família utilizado no âmbito do direito

previdenciário, tal dispositivo acaba por restringir o conceito de família com relação

ao benefício assistencial, uma vez que o mesmo busca tutelar o hipossuficiente147,

que para efeitos do benefício em questão, verifica-se tal situação, consultando

apenas o cadastro de informações sociais (Cadastro Nacional de Informação

Social- CNIS), juntamente com a somatória da renda das pessoas elencadas no art.

16 da Lei 8.213/91.

Ocorre que, em muitos dos casos, o requerente convive com

pessoas com quem possui laços familiares, como por exemplo, um filho maior de

21 anos, um irmão, que possuem condições e o ampararam, sustentando-o

economicamente, e concomitantemente recebem o benefício assistencial, não

sendo hipossuficentes, e não estando em situação de necessidade.

Por isso, resta plausível a aplicação mais ampla do termo “família”

como por exemplo o trazido pela Constituição Federal148 e pelo Código Civil149

147 Com relação a caracterização como hipossuficiente, várias são as vertentes na seara jurídica. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 203, V, traz que será garantido um salário mínimo como beneficio mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. A Lei 8.742/93, em seu art. 20, §3º § 3º traz que: Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. Sobre o requisito de ¼ do salário mínimo per capita, o STF já julgou a ADIN 1.232-1 DF, declarando ser o mesmo constitucional. Contudo, há discussão sobre esta decisão, e no próximo item será por menor analisada.A Lei 9.533/97 traz que o critério a ser adotado para verificação do estado de miserabilidade é de ½ salário mínimo per capita. 148 CF/88 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...)§4º Entende-se como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

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para fins do recebimento do benefício assistencial, verificando-se a real situação do

requerente e conseqüentemente a sua necessidade, fazendo com que o escopo

protetivo buscado seja melhor atingido, uma vez que acabaria por afastar

situações injustas, principalmente na esfera administrativa, em que não são feitas

visitas nas residências e acompanhamentos por profissionais especializados

(assistentes sociais) para verificar a real condição do requerente.

Para tanto, adotar-se-ia o principio da subsidiariedade previsto na

Constituição Federal como atingível, e não como um critério capaz de ferir a

dignidade humana, de modo que a promoção da dignidade humana deve, além de

ser atribuída ao Estado, ser atribuída também a todos, inclusive à família, uma vez

que esta é o núcleo básico e fundamentador da sociedade, prestigiando o dever de

solidariedade que deve imperar nas relações familiares.

A respeito, Ingo Wolfgang Sarlet nos ensina: “ a ordem comunitária

e, portanto, todas as entidades privadas e os particulares encontram-se diretamente

vinculados pelo principio da dignidade humana, o que implica a existência de

deveres de proteção e respeito também na esfera das relações particulares”.150

Inobstante a escolha seguida pelo legislador ordinário, não há como

apontar mácula para afastar a higidez constitucional desse dispositivo, pois a

definição trazida pela Lei 8.742/93 em seu art. 20, §3º, apesar de ser mais restrita

do que a disciplinada em nossa Carta Magna, não vai de encontro ao núcleo

CF/88 Art. 229 . Os pais tem o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores tem o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 149 Código Civil Art. 1696 O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. 150SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, Porto Alegre: Livraria do advogado, 2002, p. 114.

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básico traçado pelo Texto Maior, vez que, o termo “família” utilizado para fins

previdenciários (art. 16 da lei 8.213/91) está embasado no princípio da seletividade

e da distributividade que lhe são aplicáveis.

3.2.3 DA RENDA MENSAL PER CAPITA: AFERIÇÃO DO ESTADO DE

MISERABILIDADE.

A erradicação da pobreza está contemplada em nossa Carta Magna

como um dos objetivos da república ( Art. 3º, IV).

Desta forma, a pobreza não pode ser concebida como um fenômeno

inscrito na ordem natural das coisas como um problema individual e resultado de

uma condenável incompetência pessoal, mas sim, encarado como um problema

coletivo que diz respeito à toda sociedade e por esta deve ser enfrentado.

Para a Socióloga Sonia Rocha151, “a pobreza é um fenômeno

complexo, podendo ser definido de forma genérica como a situação na qual as

necessidades não são atendidas de forma adequada”

Amartya Sen152, a respeito preleciona: “a pobreza deve ser

entendida sob a perspectiva da privação de capacidades básicas, em vez de

meramente como baixo nível de renda”. Segundo o Autor, tal concepção não nega a

idéia de que a renda baixa é claramente uma das principais causas da pobreza, já

151 ROCHA, Sonia. A Pobreza no Brasil. Afinal do que se trata?. São Paulo: FGV editora, 2003, p.09 152 SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2000, p. 109.

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que a falta de renda pode ser a razão primordial da privação de capacidades de uma

pessoa.

A Lei 8.742/93, no texto do §3º do artigo 20 estabeleceu que:

“considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência

ou idosa, a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do

salário mínimo".

Contudo, entendemos que a escolha da referida renda per capita de

¼ do salário mínimo mensal restringiu excessivamente o acesso ao benefício. “O

limite de ¼ do salário mínimo per capita fixado pela LOAS como critério objetivo para

determinar quem são os pobres não tem fundamentos empíricos, e exclui cidadãos

em situação de crítica pobreza, configurando-se uma afronta ao direito fundamental

assistencial”153.

Neste diapasão, Potyara Pereira154 pronuncia que: “o critério de

elegibilidade nela contido inovou em matéria de retrocesso político. Nunca, no Brasil,

uma linha de pobreza foi tão achatada, a ponto de ficarem acima dessa linha

cidadãos em situação de pobreza crítica”.

Este dispositivo traz consigo divergências entre o posicionamento do

Supremo Tribunal Federal proclamado no julgamento da Ação Direta de

Inconstitucionalidade 1.232-1-DF, a doutrina e a jurisprudência, a qual vejamos:

153 MORO, Sérgio Fernando in ROCHA, Daniel Machado da. Temas Atuais de Direito Previdenciário e Assistência Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 148. 154 PEREIRA, A. P. Potyara. Necessidades Humanas: subsídios à critica dos mínimos sociais. São Paulo: Cortez, 2002, p. 128.

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Procedendo a analise literal deste dispositivo, resta evidenciado que

somente será considerável para afeitos de recebimento do benefício assistencial de

prestação continuada, aquele cidadão cuja renda familiar per capita for inferior a ¼

do salário mínimo, sendo este entendimento que o Supremo Tribunal Federal

traduziu quando enfrentou o tema na Ação Direta de Inconstitucionalidade –ADIN

1.232-1/DF com a seguinte ementa:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203 DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPOTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSITENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.155

Muitas foram e são as indagações a respeito da decisão tomada e

do posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal que determinou e

estabeleceu o critério de aferição da miserabilidade para fins do benefício

assistencial, o traçado pelo artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93, ou seja, o critério do

¼ do salário mínimo per capita e a sua constitucionalidade. Assim vejamos:

Pelo seu voto, o Ministro Gilmar Galvão, tentou traçar o

entendimento de que a regra de “ mensuração” de miserabilidade trazida pela Lei

8.742/93, como exposta acima, não era absoluta, permitindo ao intérprete flexibilizá-

la diante do caso concreto, assim se pronunciando:

155 ADIN n. 1.232-1, Relator Ministro Nelson Jobim, por maioria, DJU de 01/06/01.

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(...) o §3º do art. 20 da lei Federal n. 8.742, de 1993, nada mais estava fazendo, senão instituindo típica PRESUNÇÃO JURIS ET DE JURES , ou seja, DISPENSADO DE QUALQUER COMPROVAÇÃO, NO ESPECÍFICO CASO CONSIDERADO - continuando OS DEMAIS CASOS - submetidos a regra geral de COMPROVAÇÃO - no que não extrapolou a outorga que lhe foi conferida pelo texto constitucional.

Entretanto, tal entendimento restou afastado pelo voto dos demais

ministros, conforme se vê explicito no voto vencedor do Ministro Nelson Jobim, que

assim fora prolatado:

“ Sr. Presidente, data vênia do eminente Relator, compete a lei dispor a forma da comprovação. Se a legislação resolver criar outros mecanismos de comprovação, é problema da própria lei. O gozo de benefício depende de comprovar na forma da lei, e esta entendeu de comprovar dessa forma. Portanto não há interpretação conforme possível porque, mesmo que se interprete assim, não se trata de autonomia de direito algum, pois depende da existência da lei, da definição”.

Na ação proposta pelo Ministério Público Federal (ADIN 1.232-1)

argumentava-se que a disposição da norma já descrita, limitava e restringia

indevidamente o direito constitucional ao benefício assistencial.

Contudo o STF assim não entendeu, inclusive reiterando e firmando

o posicionamento de que o critério de aferição da miserabilidade trazido pela Lei

8.742/93 é o único para definir o que seja miserável, como vemos na decisão

proferida pela então Ministra Ellen Graice ao julgar a Reclamação de n. 2264

ajuizada pelo INSS contra a 2ª Turma do TRF da 3ª região que determinou o

pagamento de benefício assistencial previsto pelo inciso V, do art. 203 da CF a

necessitado com renda familiar mensal per capita superior a ¼ do salário mínimo ,

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por considerar inconstitucional tal limite trazido e inscrito pela Lei n. 8.742/93, assim

se pronunciando:

“ (...) 2- Do exame destes autos verifico que a decisão impugnada adotou fundamentação contrária ao entendimento proclamado pela maioria do Plenário desta casa por ocasião do julgamento da ADIN 1.232-1, consubstanciando afronta ao julgado apontado como paradigma. Anoto que, naquela oportunidade, o Colegiado rejeitou a proposta de interpretação conforme então sugerida pelo relator. Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que outros critérios pudessem ser utilizados para a verificação da condição de miserabilidade, alhures daquele inscrito no art. 20,§3º, da lei n. 8.742/93. (...) Julga procedente a presente reclamação, nos termos do art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno do STF, de modo a cassar a decisão que concedeu o benefício previdenciário sem a observância do limite inscrito na Lei n. 8.742/93”.

Quando da propositura da ADIN 1.232-1, o então Procurador –Geral

da Justiça do Estado de São Paulo, Dr. José Emmanuel Burle Filho, encaminhou

representação ao Procurador Geral da República, na época o Dr. Aristides

Junqueira Alvarenga, pedindo a impetração da mesma contra a redação do

parágrafo 3º, do artigo 20 da Lei 8.742/93, reputando a inconstitucionalidade do

critério de elegibilidade para o benefício assistencial de prestação continuada, e

atendendo aos proclamos da sociedade civil organizada, inconformada com a

regulamentação restritiva dada a Texto Constitucional ( art. 203, V).

A Procuradoria Geral da República, filiando-se à interpretação

exposta pelo Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo, aduziu, em

síntese, que houve um esvaziamento do benefício assistencial constitucionalmente

previsto, tamanha a restritividade usada pelo legislador ordinário ao regulamentá-

lo.

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A dignidade da pessoa humana e a justiça social são os principais

vetores deste entendimento.

Mas de nada adiantou, uma vez que o STF, como já mencionado,

interpretou e julgou a referida ADIN, decidindo pela sua improcedência e pela

constitucionalidade de tal dispositivo.

Sérgio Fernando Moro156 , assevera-nos mais uma vez que: “O que é

mais criticável no julgado do STF é que o órgão descurou-se de qualquer exame

mais profundo da referida norma, como por exemplo se o legislador, ao elabora-la,

teve por base algum dado empírico, ou ainda assim não fosse, se ela teria algum

respaldo da espécie. Embora não seja usual na jurisdição constitucional brasileira a

utilização de dados empíricos ou de informações fornecidas por ciência não -

jurídica, não há qualquer empecilho em seu emprego, como aliás admite

expressamente o artigo 9º, §1º, da Lei n. 9.868, de 10.11.1999157. O recurso a

dados extraídos de ciências não-jurídicas é necessário quando a interpretação da

norma constitucional demandar investigação empírica, sob pena de serem proferidas

decisões dissociadas da realidade, o que é irracional”.

Assim, analisando os fundamentos da Assistência Social, como

vimos no Capítulo anterior, de que a mesma se destina aos necessitados, aos

pobres, não podemos coadunar com o entendimento do STF ao declarar a

constitucionalidade do requisito de ¼ do salário mínimo per capita, como

156 MORO, Sérgio Fernando. Temas Atuais de Direito Previdenciário e Assistência Social, Porto Alegre: Livraria dos advogados, 2003, p. 149/150. 157 Lei n. 9.868 Art. 9º (...)§ 1o Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

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parâmetro de miserabilidade para fins do benefício assistencial de prestação

continuada, vez que tal decisão pauta-se no conceito de pobreza absoluta.

O conceito ou categoria de pobreza com que trabalham e pelas quais

se pautam os formuladores e gestores de políticas sociais em nosso País, é de

extrema importância para que os objetivos e anseios da Assistência Social

desenhados em nosso Texto Constitucional sejam efetivamente alcançados.

Para tanto “o conceito de pobreza absoluta deve ser afastado das

Políticas de Assistência Social, posto que, está estreitamente ligado às questões de

sobrevivência física, portanto ao não atendimento das necessidades vinculadas ao

mínimo vital”158, ou seja, trata-se das necessidades biológicas humanas mais

prementes, estando o ser humano sob seu triste manto, quando a sua privação

material for profunda e degradante.

Desta forma, estigmatiza-se seu usuário, focando excessivamente

numa margem de necessidade calamitosa, restritivamente seletiva, adotando

medidas simplesmente compensatórias, sem consistência orgânica, ou seja, sem

integração com as demais políticas sociais e humilhando aqueles que procuram e

necessitam da mesma.

Quando tratar-se de Assistência Social, o conceito que deve ser

utilizado é o de pobreza relativa, que “define necessidades a serem satisfeitas em

função de modo de vida predominantemente na sociedade em questão, o que

significa incorporar a redução das desigualdades de meios entre indivíduos como

objetivo social. Implica, consequentemente, delimitar um conjunto de indivíduos

158 ROCHA, Sonia. A Pobreza no Brasil. Afinal do que se trata?. São Paulo: FGV editora, 2003, p.11

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‘relativamente pobres’ em sociedades onde o mínimo vital já é garantido a todos” 159

ou seja, não só relacionado à comezinhas necessidades de previsão biológica,

como no conceito de pobreza absoluta, mas sim, voltado à necessidade de se atingir

um padrão mínimo de serviços e rendas a que o desenvolvimento médio de uma

dada sociedade permite, guiando-se por necessidades historicamente determinadas

não voltada para setores exclusivamente miseráveis, de modo a não estigmatizar

os seus beneficiários, mas sim, com o intuito de melhorar o “status” de cidadania

destes.

Apesar do STF ter decidido de tal forma, o Superior Tribunal de

Justiça firmou inteligentemente jurisprudência com entendimento oposto, elucidando

que o preceito contido no art. 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não é o único critério válido

para comprovar a condição de miserabilidade preceituada no artigo 203,V, da

Constituição Federal, como podemos observar nos julgados abaixo, ou seja,

admitindo outras formas de comprovação e verificação da condição de

miserabilidade do cidadão:

PROCESSUALCIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. . PREQUESTIONAMENTO. ASSISTENCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUSIITOS LEGAIS. ART. 203 DA CF. ART.20 §3ºDA LEI 8.742/93. (...) II- A assistência social foi criada com o intuito de beneficiar os miseráveis, pessoas incapazes de sobreviver sem a ação da previdência. III- O preceito contido no art. 20 § 3º, da Lei nº 8.742/93 não é único critério válido para comprovar a condição de miserabilidade preceituada no artigo 203, V, da Con stituição Federal. A renda familiar per capita inferior a ¼ do salário m ínimo, um quantum objetivamente considerado insuficiente à subsistênc ia do portador de deficiência e do idoso, o que não impede que o julg ador faça uso de outros fatores que tenham o condão de comprovar a c ondição de

159 ROCHA, Sonia. A Pobreza no Brasil. Afinal do que se trata?. São Paulo: FGV editora, 2003, p.11/12

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miserabilidade da família do autor . Recurso não conhecido”. (RELATOR MINISTRO FÉLIX FISCHER, DJ, 18/03/2002)(grifo nosso )

PREVDIENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITO . ART. 20 §3º, LEI Nº 8.742/93. CUMPRIMENTO. DESNECESSIDADE. MISERABILIDADE. AFERIÇÃO. DEMAIS MEIOS DE PROVA. POSSIBILIDADE CONCLUSÃO. REVISÃO. SÚMULA Nº 7 DO STJ. REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A teor de pacífico entendimento das Turmas integrantes da Egrégia Terceira Secção, o cumprimento do comando inserto no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não constitui condição sine qua non para a concessão do benefício assistencial. 2. É possível, ao magistrado, diante do caso conc reto, aferir a carência e o estado de miserabilidade autorizador es do deferimento do benefício por outros meios legais de prova , sendo que a revisão de sua conciliação é inviável em sede de recurso especial, por força do comando da súmula nº7 do STJ. 3. Agravo regimental desprovido. ( STJ- AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 49084 1- MINISTRA LAURITA VAZ, 5ª TURMA, DJU 15.09.2003)(gri fo nosso)

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 6º DA LICC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTENCIA SOCIAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. ART. 20 §3º,DA LEI 8.742/93. ANÁLISE DO CRITÉRIO UTILIZADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA AFERIR A RENDA MESNAL PER CAPITA DA PARTE. IMPOSSIBILIDADE DE REAPRECIAÇAÕ POIR ESTA CORTE. INCIDÊNCIA SÚMULA N. 7/STJ. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. (...) 3- A Terceira Seção deste Superior Tribunal consolidou o entendimento de que o critério de aferição da renda mensal deve ser tido como um limite mínimo, um quantum considerado insatisfatório à subsistência da pessoa portadora de deficiência ou idosa, não impedindo, contudo, que o julgador faça uso de outros elementos probatórios, desde que aptos a comprovar a condição de miserabilidade da parte e de sua família. ( STJ- RESP N. 868600- MINISTRA MARIA THEREZA DE AS SIS MOURA, 6ª TURMA- DJU 26.03.2007)(grifo nosso)

Cabe-nos ressaltar, que apesar de declarada a constitucionalidade

pelo STF, o posicionamento do STJ pela não literalidade do dispositivo da Lei

8.742/03 admitindo outros meios de prova para comprovação da miserabilidade do

beneficiário e de sua família, é corroborado pelos entendimento dos juízes da 3ª

Região do Tribunal Regional Federal que continuam concedendo benefício

assistencial às pessoas cuja renda familiar per capita ultrapassa ¼ do salário

mínimo, verificando através de meios hábeis (Ex: solicitação de visitas e elaboração

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de laudos socioeconômicos) em conformidade com a realidade fática das pessoas

idosas e deficientes que se encontram em situação de necessidade, como

vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, V DA C.F. . REQUISITOS DEMONSTRADOS. ÓBICE DE IMPOSSIBLIDADE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA AFASTADOS. RECURSO PROVIDO.(..). Precedentes no Superior Tribunal de Justiça.II - Constitui entendimento jurisprudencial assente que o benefíci o assistencial, por sua natureza, tem na miserabilidade, na incapacidad e laboral e na idade os requisitos para sua concessão,sendo que ne sta E. Corte, em inúmeros julgados, tem-se entendido que cabe ao mag istrado observar os elementos colhidos nos processos individualmente , caso a caso, procurando verificar se estão preenchidos os requis itos para a concessão do benefício, atendendo assim aos "fins s ociais" e "às exigências do bem comum", estabelecidos pelo artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil.III - Cancelamento administrativo do benefício fundado no não preenchimento do requisito previsto no parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, que exige renda per capita familiar igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo, sendo que a conclusão acerca da miserabilidade do grupo familiar decorre do fato de ser ele composto por mais 4 pessoas, sua mãe, irmão, cunhada e sobrinho,todos desempregados, sem condições de prover ao próprio sustento e ao custeio das despesas do agravante. IV - O risco de dano irreparável se dessume do próprio caráter alimentar do benefício e das conseqüências que a postergação da execução podem acarretar à subsistência da agravante, que se encontra com sua capacidade laboral anulada e não possui rendimentos que lhe permitam aguardar o desfecho da ação. V - Agravo provido. (TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO- AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO – 199673, JUIZA MARISA SANTOS-30/08/200 4)A Turma Regional dos Juizados Especiais Federais160 que integram o TRF da 1ª e 4ª

160 PREVIDENCIÁRIO LATO SENSU. BENEFÍCIO de PRESTAÇÃO CONTINUADA. CONCESSÃO. REQUISITOS VERTIDOS NO ART. 20 da LEI 8.742/93. DEFICIENTE. INCAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE. RENDA "PER CAPITA"INFERIOR A 1/2 SALÁRIO MÍNIMO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA. BENEFÍCIO DEVIDO.RELATÓRIO Trata-se de recurso interposto pelo INSS contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido de concessão de benefício de prestação continuada ao deficiente em favor da Recorrida. Alega o Recorrente que a perícia realizada não concluiu pela incapacidade do Autor para o trabalho e para os atos da vida independente, de forma que não existe embasamento legal para a concessão do já citado benefício. Sustenta, ainda, que a renda per capita familiar é superior ao limite legal. Requer, assim, a reforma do julgado. Contra-razões apresentadas às fls. 47/50. O MPF manifestou-se pelo improvimento do recurso às fls. 55/59. É o relato. VOTO Insurge-se o Recorrente contra a sentença prolatada pelo Juízo do 1º Juizado Especial Federal da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso, que deferiu pedido de benefício de prestação continuada ao deficiente em favor da Recorrida.Constato inicialmente que a Autora encontra-se parcial e permanentemente incapaz para o trabalho, conforme perícia médica (fls. 14/17). Cumpre ainda verificar o requisito da incapacidade para a vida independente. Este critério não se restringe à impossibilidade de alimentar-se, vestir-se, fazer a higiene pessoal, etc, pois, se assim fosse, exigindo-se incapacidade total do postulante, haveria restrição indevida a preceitos constitucionais, em especial ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), ao objetivo de universalidade da cobertura e do atendimento previsto para a seguridade social (art. 194, parágrafo único, I), bem como à ampla garantia de prestação da assistência social (art. 203, caput); encontrando-se caracterizada quando a pessoa necessite de atenção, vigilância e cuidados de outrem. Destarte,

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Região, adotaram o posicionamento de que “ o critério de verificação objetiva da miserabilidade correspondente a ¼ do salário mínimo como previsto no art. 20, § 3º, da lei n. 8.742/93, restou modificado para ½ salário mínimo, a teor do disposto no art. 5º, I, da lei n. 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações sócio-educacionais, e art. 2º, § 2º, da Lei n. 10.689/2003, que cria o Programa

de acordo com o laudo pericial, a Recorrida (62 anos) apresenta lumbago com ciática, outras lesões no ombro direito e fibromialgia há mais de 2 (dois) anos. O tratamento para as doenças atacadas é apenas paleativo conforme informe do expert. Devido à idade avançada e também ao fato de as moléstias serem evolutivas a sua recuperação esta comprometida tornando-a incapaz para atividade laboral, trabalho braçal que demande esforço físico de intenso a moderado e para a vida diária independente necessitando frequentemente da ajuda de terceiros. Assim, verifica-se que a Recorrida é incapaz de prover ao seu sustento, caracterizando, assim, a deficiência a autorizar a concessão do benefício assistencial, ante a demonstração da presença de incapacidade tanto para o trabalho quanto para a vida independente. Nesse sentido, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a seguinte súmula:"Súmula n. 29 - Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento". Colaciono ainda o seguinte aresto:"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE (CF/88, ART. 203, V; LEI Nº 8.742/93, ART. 20, §§ 2º E 3º). EXIGÊNCIA de QUE BENEFICIÁRIO DEPENDA DE OUTREM PARA OS ATOS da VIDA COTIDIANA E de QUE A RENDA PER CAPITA de SUA FAMÍLIA SEJA INFERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO. DESCABIMENTO. I - omissis. II - Não é lícito condicionar o benefício à prova de que o deficiente está incapacitado para os atos da vida cotidiana, como alimentar-se, higienizar-se ou locomover-se. O que a lei exige (Lei 8.742/93, art. 20, § 2º) é que seja incapacitado para a vida independente e para o trabalho. A incapacidade para a vida independente se caracteriza sempre que dependa do amparo, ou acompanhamento, ou vigilância, ou atenção de outrem, semelhantemente ao que ocorre com os idosos que, mesmo sadios, não devem ser deixados sós. III - A exigência de que a renda per capita da família do deficiente seja inferior a ¼ do salário mínimo (art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93) deve ser lida como uma presunção legal de incapacidade econômica, podendo esta se caracterizar mesmo quando aquele percentual for excedido, de conformidade com as circunstâncias específicas de cada caso." (TRF 4ª Região, AG 2001.04.01.068468-6/SC, 5ª Turma, DJU 10/04/2002, Rel. Juiz A. Ramos de Oliveira) (Grifo nosso). Quanto à questão relacionada à possibilidade ou não de concessão do benefício de prestação continuada quando a renda "per capita" da família do beneficiário excede ¼ do salário mínimo vigente, conforme disciplina o §3º do art. 20 da Lei 8.742/93, analiso-a doravante. Deve-se, destarte, voltar-se para a Constituição da República que em seu art. 1º, que preceitua, in verbis:"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I... II... III - a dignidade da pessoa humana". A renda per capita familiar superior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo, ao contrário do que defende o Recorrente, não é obstáculo, por si só, à concessão do benefício pleiteado, desde que esteja demonstrada, por outros meios, a miserabilidade da postulante. Ora, o Judiciário, como órgão de justiça, não deve se ater à letra fria da lei, mas deve, sim, adequar o preceito normativo à Constituição Federal (art. 1º, III) e ao caso concreto, dando-lhe contornos que realmente se coadunam com a realidade fática. Desse modo, o requisito para a concessão do benefício de prestação continuada descrito no §3º da Lei 8.742/93 não deve ser tomado como absoluto, devendo servir apenas como parâmetro, podendo ser adequado, portanto, à especificidade de cada caso.Apesar de o STF ter se manifestado pela constitucionalidade da limitação inserta no parágrafo terceiro do art. 20 da Lei 8.742/93 na ADI 1.232-1/DF, é necessário observar que o critério estabelecido visa possibilitar a verificação da existência da miserabilidade do postulante, conforme disposto no art. 203, V, da Constituição Federal. Ainda que a renda per capita familiar da parte autora seja superior ao valor previsto, cumpre analisar os motivos pelos quais ela alega viver em condição de miserabilidade, a fim de não ser indevidamente restringido o mandamento constitucional, autorizando-se, em tese, a concessão do amparo social caso seja verificada a condição legal. Dessa forma, cumpre observar que o critério objetivo de aferição de miserabilidade restou modificado de ¼ para ½ salário mínimo, por força do disposto nas Leis nº 9.533/97 (autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações sócio-educativas) e nº 10.689/2003 (cria o Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA), que consideram carente a pessoa cuja renda mensal não ultrapasse a soma de meio salário mínimo mensal, previsão esta incompatível com o disposto no parágrafo terceiro do art. 20 da LOAS. Esse entendimento restou consagrado pela Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência da 4ª Região, nos seguintes termos:"O critério de verificação objetiva da miserabilidade correspondente a ¼ (um quarto) do salário mínimo, previsto no art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, restou modificado para ½ (meio) salário mínimo, a teor do disposto no art. 5º, I, da Lei nº 9.533/97, que autorizava o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituíssem programas de garantia de renda mínima associados a ações sócio-educativas, e art. 2º, §2º, da Lei nº 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA." (JEF - TRF1-Processo: 200736007027962-DJMT 05/07/2007-RELATOR JULIER SEBASTIÃO da SILVA) 160

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Nacional de acesso à alimentação, pois tais dispositivos consideram carente a pessoa cuja renda mensal não ultrapasse a soma de meio salário mínimo.

Como se pode observar, várias foram e ainda são as divergências

de entendimentos com relação ao critério de aferição de miserabilidade trazido pela

art. 20, § 3º da Lei 8.742/93.

O Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741/03, especificadamente no

parágrafo único do art. 34, traz outra alteração no texto infraconstitucional que reza

sobre o benefício assistencial de prestação continuada, excluindo do cálculo da

renda per capita o valor advindo de um outro benefício assistencial pago ao idoso,

assim dispondo:

Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 01 (um) salário-mínimo, nos termos da lei orgânica de assistência Social- LOAS.

Parágrafo único . O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do calculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS.(grifo nosso)

De acordo com tal dispositivo, o benefício assistencial que tinha

como uma das regras (regra geral) o critério de ¼ do salário mínimo per capita para

a aferição do estado de miserabilidade do individuo necessitado, passa a

desconsiderar para fins de cálculo da renda mensal per capita, aquela que seja

proveniente de outro benefício assistencial ao idoso.

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A primeira vista, parece-nos elogiável a conduta e a intenção do

legislador infraconstitucional quando da elaboração deste dispositivo. Contudo, tal

dispositivo encontra-se ao nosso ver em descompasso com o Texto Constitucional,

violando direitos fundamentais indispensáveis para a garantia da dignidade humana,

como veremos especificamente no próximo capítulo, quando tratarmos da base

principiológica que o norteia.

Em que pese o avanço dos posicionamentos jurisprudenciais161 a

respeito do critério de ¼ do salário mínimo por pessoa para aferição do estado de

miserabilidade, entendemos necessária a alteração do parâmetro fixado na Lei

Orgânica da Assistência Social, Lei 8.274/93, com sua elevação, uma vez que tais

critérios são excludentes do bem-estar e da justiça social e consequentemente da

dignidade humana, elegidos como objetivos da Ordem Social.

3.2.4- DA CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO

O benefício assistencial de prestação continuada, é um benefício

personalíssimo e intransferível, ou seja, não gera direito à pensão por morte aos

herdeiros ou sucessores, cessando com a morte do beneficiário.

Como se trata de um benefício assistencial, cuja finalidade é suprir

as necessidades básicas do cidadão que preencher os requisitos fixados para tanto,

161 Decisões proferidas e entendimentos contrários ao posicionamento do STF (pgs. 83 a 85) que como já salientamos, admitem outros meios de aferição e comprovação do estado de miserabilidade e desrespeito aos preceitos constitucionais que envolvem a matéria.

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com o fito de impedir sua marginalização na linha da pobreza, poderá ser cessado o

seu pagamento quando houver a superação das condições que lhe deram origem,

entre elas162: (a) a morte do beneficiário, mesmo sendo esta presumida, mas

declarada em juízo; b) pela ausência declarada do beneficiário na forma da lei civil;

c)pela falta de comparecimento do beneficiário portador de deficiência ao exame

médico pericial por ocasião de revisão de benefício; e d) pela falta de apresentação

pelo idoso ou pela pessoa portadora de deficiência da declaração de composição

do grupo e renda familiar, por ocasião de revisão de benefício.

Insta salientar, que o beneficio em questão, não poderá ser

cumulado com qualquer outro benefício previdenciário devido ao seu caráter

assistencial.163

3.2.5. DA REGRA MATRIZ DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÂO

CONTINUADA

Para entendermos melhor a norma jurídica e compreendermos a

relação jurídica prestacional com relação ao benefício assistencial em questão,

162 Decreto Lei 1.744/95 : Art. 34 O benefício de que trata este Regulamento deverá ser suspenso se comprovada qualquer irregularidade. Decreto Lei 1.744/95 Art. 35 O pagamento do benefício cessa: I-No momento em que forem superadas as condições que lhe deram origem;II -Em caso de morte do beneficiário;III- Em caso de morte presumida, declarada em juízo;IV- Em caso de ausência, declarada em juízo, do beneficiário.

163 Lei 8.742/93 . Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.(...)

§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência média.

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traçaremos a regra matriz164 baseada nos ensinamentos dos Professores Paulo de

Barros Carvalho e Wagner Balera, da seguinte forma:

A relação jurídica é concebida pelo Direito como uma construção

lógica, cuja finalidade é regrar o comportamento humano165, em que se tem uma

conseqüência, ou seja, um efeito da atuação da regra jurídica como um instrumento

construído pelo ser social (o Estado) disciplinando o agir. Nas palavras do Professor

Paulo de Barros Carvalho “ a conseqüência da imputação normativa é sempre

previsão do surgimento de uma relação jurídica, pois é esse o único instrumento de

disciplina do comportamento humano”166.

Assim, podemos dizer que a norma jurídica em sua estrutura formal,

é composta de duas partes: a hipótese ou descritor e o conseqüente ou prescritor.

Sempre que houver a ocorrência de fato previsto na hipótese, desencadear-se-á

uma relação jurídica desenhada no conseqüente confirmando a vocação de juízo

hipotético –condicional das normas de direito, de que : se ocorrer o fato “X” ou seja a

hipótese que descreve o fato, então deverá ser a prestação “Y” o conseqüente, que

traça a relação jurídica que se vai observar quando e onde se der o fato.

Consoante o Ilustre Professor, o fito de haver incidência da norma

jurídica geral e abstrata, faz-se necessária a produção de um ato humano que

relate e descreva a ocorrência de um fato concreto, que coincidentemente com o

164 Curso de Direito Tributário, 10ª Ed., São Paulo, 1998, p. 167/245

165 Para PONTES DE MIRANDA, a relação jurídica é essencialmente pessoal, ou seja, há de se instaurar inexoravelmente entre dois sujeitos de direito, e jamais entre um sujeito e um objeto. Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado: Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1954. 166 Teoria da Norma Tributária, São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 188

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evento descrito em sua hipótese, impõe nos termos do seu conseqüente, o dever de

uma conduta determinada de um sujeito em favor de outro sujeito.

Tanto na hipótese, como no conseqüente, existem critérios distintos

que ajudam a entender melhor a norma e sua estrutura. Assim vejamos:

Critério Material

Hipótese FATO Critério Espacial

(Dever ser) Critério Temporal

Critério Pessoal

Conseqüente

Critério Quantitativo

Critério Material: é o núcleo da hipótese de incidência, formado por

um verbo e seu complemento.

Critério Espacial: delimita em que local ou espaço o fato será

relevante à incidência.

Critério Temporal: indica o momento exato em que o fato torna-se

relevante para a relação jurídica que se instaura no conseqüente

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Critério Pessoal: tem como escopo delimitar os sujeitos jurídicos que

irão compor a relação ou situação jurídica, bem como posicioná-los em face do

objeto jurídico, sendo eles: Sujeito ativo: quando o sujeito for detentor de direito

subjetivo, e Sujeito Passivo: quando recair sobre o sujeito o ônus do dever jurídico

ou da sujeição.

Critério Quantitativo: visa delimitar o objeto da relação jurídica, por

meio de institutos da base de cálculo, cujo escopo é mensurar o valor do

conseqüente normativo, e da alíquota, que, aplicada sobre a mesma auxilia na

mensuração e delimita o valor do objeto.

Passamos agora a tomar por base o beneficio assistencial de

prestação continuada, objeto de nosso estudo, traçando sua regra matriz, para que

seja aclarada a norma jurídica que o configura, com a multiplicidade de elementos

que a formam:

Hipótese:

1)Critério Material:167 dentro da estrutura da norma jurídica, utilizando

do critério material, é possuir (verbo) renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do

salário mínimo ( mais complemento).

2)Critério Espacial: A norma jurídica tem aplicabilidade em todo o

Território Nacional.

3) Critério Temporal: verificando que a lei não estabeleceu período de

carência, vez que não existe a contrapartida, ou seja independe de contribuição

167Lei 8.742/93. Art. 20 (...) §3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼( um quarto) dos salário mínimo.

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direta ao Sistema, a norma incide e a prestação é devida a partir data do

requerimento do benefício desde que preenchidos os requisitos para a sua

concessão.

Conseqüente:

4) Critério Pessoal: com o critério pessoal, chega-se a definição dos

sujeitos ativo e passivo da obrigação assistencial:

a) Como sujeitos ativos estão o idoso com 65 (sessenta e cinco) anos

ou mais e a pessoa portadora de deficiência, e

b)Como sujeito passivo, configura a União.

5)Critério Quantitativo:

a)Base de Cálculo: A Constituição Federal de 1988 deixa bem claro o

valor do benefício, perfazendo este de 01 (um) salário mínimo vigente no País.

b)Alíquota: 100% (cem por cento) do valor de 01 (um) salário mínimo.

Assim, nos depreendemos a analisar a estrutura da norma jurídica

que configura o benefício assistencial de prestação continuada a que nos

dispusemos a analisar.

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3.2.6 DO DIREITO AO ESTRANGEIRO DE RECEBER O BENEFI CIO

ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

Relacionado ao critério espacial, cabe-nos suscitar a questão da

abrangência do beneficio assistencial de prestação continuada aos estrangeiros.

O Decreto n. 1744/95, que regulamenta o beneficio em tela, em seu

art. 4º dispõe que:

Art. 4º São também beneficiários os idosos e as pes soas portadoras de deficiência estrangeiros naturalizados e domiciliad os no Brasil, desde que não amparados pelo sistema previdenciário do pa ís de origem .(grifo nosso)

Como podemos observar, o referido Decreto expressamente elucida

que somente terá direito à percepção do referido beneficio na condição de

estrangeiro, aquele naturalizado e domiciliado no Brasil, excluindo o estrangeiro

não-naturalizado e residente no País.

Contudo, esta limitação não encontra fundamento constitucional,

estando em descompasso com a efetivação dos direitos humanos, pelos

fundamentos explanados nos capítulos anteriores.

Para corroborar tal assertiva, nossa Constituição Federal em seu

artigo 5º caput, ao dispor sobre os direitos e garantias fundamentais, expressamente

disciplina que:

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Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinçã o de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estra ngeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: ( grifo nosso)

O art. 6º que também está inserido no texto constitucional destinado

aos direitos e garantias fundamentais, estatui que:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a prote ção à maternidade e à infância, a assistência social aos desamparados na forma desta Constituição. (grifo nosso)

Vê-se, portanto, que o nosso Texto Constitucional é claro,

garantindo tratamento isonômico quando se trata de direitos e garantias

fundamentais aos brasileiros e estrangeiros residentes no País, não havendo quanto

a estes a exigência de serem naturalizados.

Assim, não resta dúvida de que a distinção trazida pelo

Decreto n. 1744/95 está mais uma vez em descompasso com o texto da nossa Carta

Magna, na medida em que, quando a Constituição Federal de 1988 confere

exclusivamente direitos ou prerrogativas168 quer aqueles que detenham a

nacionalidade primária, quer aos brasileiros em geral, ela o faz expressamente,

visto que o parágrafo 2º do artigo 12, disciplina que “ a lei não poderá estabelecer

168 CF/88 Art. 12 São Brasileiros: (...)§ 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos:I - de Presidente e Vice-Presidente da República;II - de Presidente da Câmara dos Deputados;III - de Presidente do Senado Federal;IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;V - da carreira diplomática;VI - de oficial das Forças Armadas.VII - de Ministro de Estado da Defesa.

CF/88 Art. 222 . A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País

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distinções entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta

Constituição”.

A respeito José Afonso da Silva169 preleciona: “ o principio é o de

que a lei não distingue entre nacionais e estrangeiros quanto à aquisição e ao gozo

dos direitos civis (C.C, art. 3º). Há, porém, limitações aos estrangeiros estabelecidas

na Constituição, de sorte que podemos asseverar que eles só não gozam dos

mesmos direitos assegurados aos brasileiros quando a própria Constituição autoriza

a distinção”.

Consoante a este entendimento, o qual também corroboramos, a

jurisprudência se manifesta:

PROCESSUAL CIVIL-AGRAVO DE INSTRUMENTO-BENEFICIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA-TUTELAANTECIPADA-ESTRANGEIRO DOMICILIADO NO BRASIL-POSSIBILIDADE. I- Os artigos 3º,IV e 5º da Constituição Federal, garantem a igualdade entre as pessoas, independentemente de cor, raça, sexo, bem como asse gura aos estrangeiros residentes no país as mesmas garantias dadas aos nacionais. II- presentes os requisitos autorizadores à conces são da tutela antecipada, tendo em vista o caráter de extr emada necessidade alimentar que cerca o beneficio em questão. III- Ag ravo de Instrumento provido. Prejudicado o agravo regimental do INSS. ( TRF3-AGRAVO DE ISNTRUMENTO-356234: AL 46398 MS 2008.03.00.046398-7 - DÉCIMA TURMA.Relator: Sergio Nascimento, DJ: 05/05/2009) ( grifo nosso)

Assim, se a Constituição Federal de 1988 admite como exceção aos

direitos conferidos aos estrangeiros apenas o que ela prevê, assegurando no mais

que os estrangeiros residentes no País são destinatários da proteção dos direitos e

169 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 337.

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garantias fundamentais e inserindo-se neste rol o direito à Assistência Social, não

pode o legislador infraconstitucional a fazer.

No próximo capítulo, abordaremos sobre a alteração trazida pelo

Estatuto do Idoso (Lei n. 10.742/03) que merece ser evidenciada e debatida,

invocando a base principiológica que a norteia.

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CAPÍTULO IV

DA ALTERAÇÃO TRAZIDA PELO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO

34 DO ESTATUTO DO IDOSO (LEI N. 10.741/03)

O estudo dos temas epigrafados até este momento, servem de

base para análise da repercussão trazida pela modificação normativa criada pelo

parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso(Lei n. 10.741/03) que como já

evidenciado no capítulo anterior, disciplina sobre o benefício assistencial de

prestação continuada.

O benefício assistencial está inserido na Assistência Social, que

como vimos, é parte integrante da Seguridade Social, sendo instrumento

importantíssimo para a garantia e preservação da dignidade humana.

Anteriormente à edição do Estatuto do Idoso em 2003, o benefício

assistencial ora em questão era devido à pessoa portadora de deficiente e ao idoso

maior de 67 (sessenta e sete anos) cuja renda familiar per capita fosse inferior a ¼

do salário mínimo.

Inovando e logrando êxito, a Lei 10.741/03 em seu artigo 34 reduziu

a idade como requisito para o recebimento do referido benefício de 67 (sessenta e

sete) anos para 65 (sessenta e cinco anos), ampliando em busca da universalidade

o rol de pessoas idosas a serem amparadas e atendidas pela Assistência Social.

Em seu parágrafo único, igualmente inovando, preleciona que a

renda proveniente de outro benefício assistencial ao idoso não será mais computada

para aferição do requisito de ¼ do salário mínimo por pessoa.

A alteração de tal requisito, acabou por gerar discussão em nosso

ordenamento jurídico, vez que, para alguns doutrinadores e juristas a alteração

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trouxe um avanço, por menor que seja, incluindo mais um beneficiário ao beneficio

assistencial de prestação continuada, ou seja, o idoso com 65 anos ou mais, que

tinvesse a renda familiar composta de outro beneficio assistencial de prestação

continuada ao idoso, não sendo mais óbice à esta o critério do ¼ do salário mínimo

per capita para a concessão do mesmo nas vias administrativas170.

Em outra vertente, a qual nos inserimos, há os que entendem que tal

alteração significou um avanço social, contudo trouxe consigo violação aos direitos e

garantias fundamentais, como poderemos observar pelos motivos abaixo aduzidos:

4.1 DA DIGNIDADE HUMANA

A dignidade humana tem reconhecimento expresso na Carta Magna

brasileira vez que em seu artigo 1º, inciso III, já prevê que a República Federativa

do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito

Federal constitui-se como Estado Democrático de Direito e tem como um dos seus

fundamentos a dignidade da pessoa humana, reconhecendo que é o Estado que

existe em função da pessoa humana e não o contrário, pois o homem constitui a

finalidade precípua à atividade estatal e não meio desta.

“A Constituição Federal de 1988 efetivamente ocupou-se das

condições materiais de existência dos indivíduos, pressuposto de sua dignidade,

dedicando-lhe considerável espaço no texto constitucional e impondo a todos os

170 Instrução Normativa- INSS/PRES n. 20, de 11 de outubro de 2007, DOU de 10/10/2007. §2º do art. 625

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entes da Federação a responsabilidade comum de alcançar os objetivos

relacionados com o tema”.171

A idéia do valor da pessoa humana encontra suas raízes no

pensamento clássico e também na ideologia cristã. Tanto no Antigo quanto no Novo

Testamento, encontram-se referências no sentido de que o homem foi criado à

imagem e semelhança de Deus, sendo desta premissa, que o Cristianismo extraiu

que o ser humano é dotado de um valor próprio que lhe é intrínseco, não podendo

ser transformado em mero objeto ou instrumento.

A dignidade como qualidade intrínseca da pessoa humana, é algo

que simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável, na medida em que

constitui elemento que qualifica o ser humano como tal, ou seja, é inerente à

pessoa humana.

Ingo Sarlet172, a respeito, preleciona que: “na condição de limite da

atividade dos poderes públicos, a dignidade é algo que pertence a cada um e que

não pode ser perdido ou alienado. Como tarefa (prestação) imposta ao Estado, a

dignidade humana reclama que este guie as suas ações tanto no sentido de

preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade e o

pleno exercício e fruição da dignidade”.

Ademais, completa que: “para tanto, se torna dependente esta da

ordem comunitária, visto que é de se perquirir até que ponto é possível ao indivíduo

realizar, ele próprio, parcial ou totalmente suas necessidades existenciais básicas,

ou se necessita para tanto, do concurso do estado ou da comunidade” 171

BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Principio da Dignidade da Pessoa Humana.2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 223.

172 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, 4ª Ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2006, p. 47.

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Associada ao valor da dignidade humana está a garantia de

condições justas e adequadas de vida para o individuo e sua família. Neste contexto,

assume relevo de modo especial, os direito fundamentais e sociais previstos

constitucionalmente, tais como o direito ao trabalho, o direito a um sistema efetivo de

seguridade social, enfim à garantia e proteção da pessoa contra as necessidades

de ordem material e a segurança de uma existência com dignidade.

Constitui também pressuposto essencial ao respeito à dignidade da

pessoa humana, a garantia da isonomia de todos os seres humanos, não podendo

serem submetidos a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual são

intoleráveis a escravidão, a discriminação racial, perseguições em virtude de motivos

religiosos, etc..173

A dignidade humana na condição de princípio fundamental constitui

valor-guia a toda ordem constitucional, justificando-se plenamente sua

caracterização como principio constitucional de maior hierarquia axiológica.

Desta forma, não restam dúvidas de que a atividade estatal encontra-

se vinculada ao principio da dignidade humana, impondo-lhes um dever de respeito

e proteção que se exprime tanto na obrigação por parte do Estado de abster-se de

ingerências na esfera individual que sejam contrárias a dignidade, quanto no dever

de protegê-la contra agressões sendo ela de qual for.

Sua concretização no programa normativo, incumbe aos Órgãos

Públicos, inclusive ao legislador que está encarregado de edificar uma ordem

jurídica justa que corresponda principalmente às exigências do princípio da

dignidade humana. Ao Poder Judiciário incumbe o dever de resguardá-la, e diante

173 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto alegre: Livraria do Advogado,2007, p.122.

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de seu desrespeito, de sua violabilidade, deve impor-se e fazê-la restabelecer e

prevalecer, pois a dignidade humana encontra-se estritamente ligada aos demais

princípios e preceitos fundamentais.

4.2 DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA: IGUALDADE E PROPORCI ONALIDADE

O principio da igualdade e da isonomia são princípios clássicos

trazido pela Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 5º, primeira parte,

caput, traz expressamente que “ todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza”

Com a Revolução Francesa foram derrubadas as barreiras que

separavam os homens nitidamente em classes sociais diferentes, algumas

detentoras de muitos privilégios. Nesse momento, a igualdade voltava-se à

extinção das discriminações de nascimento, isto é, alguém era nobre porque nasceu

de pais nobres, sem que ele necessariamente tivesse algum mérito para conquistar

este título. A igualdade então proclamada era uma situação de identidade de todos

perante as possibilidades e os benefícios que a vida oferecesse.

Com o tempo, o princípio da igualdade foi ampliando-se para impedir

que os homens fossem diferenciados pelas leis, isto é, que estas viessem a

estabelecer distinções entre as pessoas independentemente do mérito.

Nossa Carta Magna adotou o princípio da igualdade de direito,

trazendo em seu texto, como já dito, que todos os cidadãos tem direito a

tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo

ordenamento jurídico, vedando-se assim as diferenciações arbitrárias e as

discriminações absurdas.

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Hannah Arendt 174 afirma que: ”a igualdade, em contraste com tudo o

que se relaciona com a mera existência, não nos é dada, mas resulta da

organização humana, porquanto é orientada pelo princípio da justiça. Não nascemos

iguais, tornamo-nos iguais como membros de um grupo por força da nossa decisão

de nos garantirmos direitos reciprocamente iguais”.

Diante da lesão a este principio constitucional, quando o elemento

discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade colhida pelo direito, Fabio

Konder Comparato ressalva que “as chamadas liberdades materiais tem por

objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio

de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal”175

Desta forma, elucida-nos que a igualdade se configura como uma

eficácia transcendente, de maneira que toda situação de desigualdade persistente

contrária à Norma Constitucional não deve ser recepcionada se não demonstrar

compatibilidade com os valores que a Constituição Federal como norma suprema

proclama.

Neste contexto, nossa Constituição opera o princípio da igualdade

inicialmente em dois planos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio

executivo, na edição de leis, atos normativos, medidas provisórias, de forma que

estes estejam impedidos de criar tratamentos abusivamente diferenciados à

pessoas que se encontram em situações iguais; e de outra parte, na obrigatoriedade

do intérprete, basicamente a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos

de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações não razoáveis ou

arbitrárias.

174 ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo: anti-semitismo, imperialismo, totalitarismo. Tradução Roberto Raposo. 4ª reimpressão. São Paulo: Companhia das letras, 2000, p. 335 175 COMPARATO, Fábio Konder. Direito Público: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 59

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Alexandre de Moraes176 neste sentido, leciona que: “a desigualdade

na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um

tratamento específico às pessoas que se encontram nas mesmas situações. Para

que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias,

torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável de acordo com

os critérios e juízos valorativos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à

finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente uma razoável

relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida,

sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente

protegidos”.

Com relação a alteração trazida pelo parágrafo único do artigo 34

do Estatuto do Idoso (lei n. 10.741/03) entendemos que o legislador

infraconstitucional quando da elaboração deste dispositivo, tratou de forma desigual

idosos maiores de 65 anos que se encontram em situações iguais, ou seja, cuja

renda familiar perfaz de um salário mínimo mensal, de forma arbitrária e não

razoável utilizando como critério a “origem” da renda que perfaz a renda familiar

para diferenciá-los, privando-os de terem o direito ao recebimento do beneficio

assistencial de prestação continuada simplesmente por este motivo, ou seja,

penalizando aquele idoso que tem como ente do seu grupo familiar uma pessoa que

não recebe o beneficio assistencial ao idoso, como por exemplo, aquele que recebe

uma aposentadoria também de um salário mínimo, atentando assim contra os

ditames constitucionais, ferindo dentre outros princípios o da igualdade, o valor da

dignidade humana, como já evidenciado, bem como sua relação com a reserva do

possível e a vedação do retrocesso social.

176 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 93.

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O principio da igualdade com relação ao legislador, consubstancia

uma limitação com relação à edição de normas, de modo que, sendo violado,

importará na inconstitucionalidade da mesma. Ao Poder Judiciário incumbe o papel

de sempre dar a lei o entendimento que não crie distinções.

Jose Afonso da Silva177, em sua obra Curso de Direito Constitucional

Positivo, elucida que são inconstitucionais as discriminações não autorizadas pela

Constituição, e traz como exemplo exatamente a situação que consiste em

outorgar benefício legitimo a pessoas ou grupos discriminando-os favoravelmente

em detrimento de outras pessoas ou grupos em igual situação, não estendendo-se

às pessoas ou grupos discriminados o mesmo tratamento dado aos outros, e que

assim proceder estaria ferindo o principio da isonomia, evidenciando que esta

inconstitucionalidade deverá ser resolvida estendendo o benefício aos

discriminados que se encontram em igual situação, e que arbitrariamente estão

excluídos de tal proteção.

4.3. DA RESERVA DO POSSÍVEL

Como já salientado, os direitos humanos e sociais, em regra, tem

por objeto prestações do Ente Estatal com vistas à garantia de uma efetiva e igual

fruição de liberdade que se dá através de uma igualdade material.

Geralmente, como pretensão positiva, passa a demandar o emprego

de meios financeiros para sua realização, apontando para uma dimensão

economicamente relevante desses direitos, de modo que sua efetivação dependerá

177 Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editores Malheiros, 2005, p. 230/231.

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em grande parte da distribuição de recursos e criação de condições materiais

alegando-se que sua implementação deve ser realizada dentro da denominada

“ reserva do possível”.

Baseada nesta “reserva do possível”, impõe-se a limitação de

recursos financeiros à implementação de tais direitos, constituindo uma barreira à

efetivação dos mesmos.

A respeito, Canotilho assim denota:

“Uma das maiores dificuldades surgidas na determinação dos elementos dos direitos fundamentais é esta: os direitos sociais só existem quando as leis e as políticas sociais os garantem. Por outras palavras: é o legislador ordinário que cria e determina o conteúdo de um direito social.Este é discurso saturado da doutrina e da jurisprudência. ‘Os direitos sociais ficam dependentes, na sua exacta configuração e dimensão , de uma intervenção legislativa, concretizadora e conformadora, só então adquirindo plena eficácia e exiquibilidade’. Uma tal construção e concepção da garantia jurídico-constitucional dos direitos sociais equivale praticamente a um ‘grau zero de garantia’ (Haverkate) Quais são, no fundo, os argumentos para reduzir os direitos a uma garantia constitucional platônica? Em primeiro lugar, os custos dos direitos sociais. Os direitos de liberdade não custam, em geral, muito dinheiro, podendo ser garantido a todos cidadãos sem se sobrecarregarem os cofres público. Os direitos sociais, pelo contrário, pressupõem grandes disponibilidades financeira por parte do Estado. Por isso, rapidamente se aderiu à construção dogmática da reserva do possível para traduzir a idéia de que os direitos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos. Um direito social sob ‘reserva dos cofres cheios’ equivale, na prática, a nenhuma vinculação jurídica”178

Américo Freire Júnior, em sua obra Controle Judicial de Políticas

Públicas179, traz que: “ a reserva do possível vem sendo um dos principais óbices à

efetivação de políticas pelo Poder Público “ e faz importantes considerações a

respeito do tema, dentre elas: a de que há de se ponderar que, antes de os finitos

178 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional, 5ª edição, Coimbra: Almedina, 1992, p. 481 179 FREIRE JUNIOR, Américo Bedê. Controle Judicial de Políticas Públicas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 71

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recursos do Estado se esgotarem para os direitos fundamentais, precisam estar

esgotados em áreas não prioritárias do ponto de vista constitucional e não dos

detentores do poder, bem como, de que não basta simplesmente alegar que não há

possibilidade financeiras de se cumprir por exemplo a uma ordem judicial, vez que

para tanto é preciso demonstrá-la. E suscita: “seria possível se falar em falta de

recursos para por exemplo, a saúde, a assistência social, quando existem no mesmo

orçamento recursos para propaganda do Governo?”

O que podemos observar e corroborar, é que a “ reserva do possível”

não pode ser fator determinante para a garantia e acesso aos direitos sociais, uma

vez que, são de suma importância para a garantia da dignidade humana, bem como

para o desenvolver do Estado Democrático de Direito em que vivemos.

Inobstante, entendemos que não se deve repudiar a existência da

chamada reserva do possível, pois sabemos que os recursos financeiros são finitos

e seguem todo um planejamento definido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias-

LDO. Contudo, deve-se ter como prioridade a garantia e a acessibilidade dos

direitos fundamentais, incluindo os direitos sociais que dependem de recursos

financeiros para sua garantia e acessibilidade por parte dos que necessitam para

suprirem as necessidades básicas de sobrevivência.

Cabe aos Poderes Públicos (Poder Executivo, Legislativo e

Judiciário) a equalização das verbas públicas e o direcionamento destas para a

garantia dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente, através de

políticas públicas, vez que estão obrigatoriamente vinculados à garantia de tais

direitos, aprimorando cada um em sua competência, os mecanismos de gestão

democrática do orçamento público para a utilização de recursos e implementação

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das demandas nas áreas das políticas públicas que envolvem diretamente a

garantia dos direitos fundamentais.

Assim, temos que a reserva do possível deve ser encarada com

grandes ressalvas, já que infelizmente tem sido utilizada como razão impeditiva para

a efetivação dos direitos sociais, constituindo um argumento para a omissão estatal

nesta área, não podendo prevalecer como uma cláusula supralegal de

descumprimento da Constituição.

Nesta esteira, Ingo Wolfgang Sarlet adverte que “não se deve, em

uma verdadeira inversão hierárquica, privilegiar a legislação orçamentária em

detrimento de imposições e prioridades constitucionais e, o que é mais grave, de

caráter jusfundamental”.180

Desse modo, cumpre salientar que a cláusula da "reserva do

possível", ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível, não pode ser

invocada pelo Estado com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas

obrigações constitucionais, notadamente quando dessa conduta governamental

negativa, puder resultar nulificação ou até mesmo aniquilação de direitos

constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

Desta forma, elucidamos que são os recursos públicos que devem

adequar-se aos direitos sociais e não os direitos sociais aos recursos públicos,

sendo este determinante para a garantia e efetivação dos direitos fundamentais

indispensáveis para a mantença e garantia da dignidade humana.Além do que, a

“meta central” da nossa Constituição, resumidamente é a promoção do bem-estar do

homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria

180 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.377

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dignidade, que inclui além da proteção dos direitos individuais, condições materiais

mínimas de existência.

Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo

existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos

públicos, e que apenas depois de atingi-los é que poderá discutir se relativamente aos

recursos remanescentes em que outros projetos deverão investir. O mínimo

existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias é

capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.

4.4 DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL

O principio da proibição do retrocesso social está implícito no texto

constitucional de 1988, decorrendo especialmente em nosso sistema jurídico da

segurança jurídica como elemento nuclear do Estado de Direito181, cujo escopo é a

não supressão ou redução de direitos fundamentais sociais já alcançados e

garantidos em nosso ordenamento jurídico.

Além disso, através deste principio deve-se buscar não somente a

mantença de tais direitos, mas a sua ampliação, buscando a redução das

desigualdades sociais, bem como a construção de uma sociedade alicerçada na

solidariedade e na justiça social.

Proclama que, uma vez dada concretização a um direito social,

sendo este decorrente da Constituição Federal, ou de tratados internacionais, este

181

Do princípio da proibição do retrocesso social também decorre a obrigação da progressividade na implementação dos direitos humanos sociais, culturais e econômicos, presente no Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, na medida em que se torna vedado aos Estados retroceder no campo da implementação destes direitos.

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direito não pode ser mais ser eliminado, descartado, passando a fazer parte do

patrimônio da coletividade.

Segundo Luis Roberto Barroso182 “ se uma lei, ao regulamentar um

mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao

patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser arbitrariamente suprimido”.

Com relação à alteração que o parágrafo único do Art. 34 da Lei n.

10.742/03 trouxe para nosso ordenamento jurídico, nas condições em que foi

estabelecido, está sujeito a questionamento de ordem jurídica se analisado diante

da hipótese de estar a referida Lei em descompasso com o estabelecido pelo artigo

20, §3º, da Lei n. 8.742/93, que define o critério do ¼ do salário mínimo per capita,

bem como na decisão do Supremo Tribunal Federal através da ADIN 1.232-1-DF

que declarou sua constitucionalidade, pois, o Estatuto do Idoso (Lei n. 10.742/03) o

modificou excluindo do cálculo da renda per capita o valor advindo de um outro

benefício assistencial pago ao idoso, e este está vigorando e incorporado em

nosso ordenamento jurídico.

Para Canotilho183, a proibição de retrocesso social faz com que os

direitos sociais estejam garantidos como núcleo efetivo do ordenamento. Destarte,

ao legislador fica proibido instituir políticas discriminatórias.

Assim, a violação do núcleo essencial dos direitos sociais poderá

afetar a própria dignidade humana.

A respeito, Ingo Wolfgang Sarlet184 leciona que: “ A garantia de

intangibilidade desse núcleo ou conteúdo essencial de matérias, além de assegurar

182 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas - limites e possibilidades da constituição brasileira. Rio de Janeiro:Renovar, 2001, p. 152. 183 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Constitucional e Teoria da Constituição.3 ed. Coimbra, 1998, p. 340. Consoantes com este pensamento estão os doutrinadores: Ingo Wolfgang Sarlet, Luis Roberto Barros, Flávia Piovesan, dentre outros.

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167

a identidade do Estado brasileiro e a prevalência dos princípios que fundamentam o

regime democrático, especialmente o referido principio da dignidade humana,

resguarda também a Carta Constitucional dos casuísmos da política e do

absolutismo das maiores parlamentares”.

Desta forma, resta-nos evidenciado que o principio da proibição do

retrocesso social está centrado na vinculação do legislador aos ditames

constitucionais relativos aos direitos sociais, significando que, uma vez alcançada

concretização de uma norma que reza sobre direito social, descrevendo uma

conduta omissiva ou comissiva a ser seguida, seja por particulares ou pelo Estado,

fica o legislador proibido de suprimir ou reduzir essa concretização sem a criação de

mecanismo substituto ou equivalente.

Neste sentido, Canotilho185 leciona que: “O núcleo essencial dos

direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve

considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer

medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou

compensatórios, se traduzam na pratica de ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’

pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o

núcleo essencial já realizado”.

De acordo com grande parte da doutrina186, o núcleo essencial do

direito humano e social corresponde ao suprimento das necessidades básicas,

conforme elucidamos no capítulo II deste trabalho.

184 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 354. 185

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Constitucional e Teoria da Constituição. 3 ed. Coimbra, 1998, p. 340

186 Canotilho, a respeito do direito português nos ensina que: “ o rendimento mínimo garantido, as prestações de assistência social básica e o subsidio de desemprego fazem parte do chamado núcleo básico de direitos sociais. Consagradas legalmente as prestações de assistência social, o legislador não pode eliminá-las posteriormente sem alternativas ou compensações retornando sobre os seus passos”( Constitucional e Teoria da Constituição.3 ed. Coimbra, 1998, p. 479)

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As prestações da Assistência Social, por sua vez, encontram-se

voltadas à satisfação de tais necessidade, não podendo ser reduzidas ou

suprimidas, de forma que ferindo o principio da proibição do retrocesso social, todos

os demais princípios dos quais decorre estariam sendo infringidos.

O principio da proibição do retrocesso social é de suma importância,

favorecendo a estrutura da Assistência Social e a sustentação dos direitos

fundamentais e sociais.

4.5 DO CONTROLE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E A “GARANT IA” DOS

DIREITOS FUNDAMENTAIS PELO PODER JUDICIÁRIO

Como já salientado, tem-se as Políticas Públicas como um dos meios

em que se busca efetivar direitos fundamentais previstos constitucionalmente.

O controle destas políticas e o dever de consagrar a Constituição

Federal, apesar das mesmas serem implementadas pelo legislador e aos

governantes democraticamente eleitos, e somente em casos de desvios e de

passividade arbitrária ao Poder Judiciário, é à este que incumbe determinar a sua

execução diante da inobservância dos preceitos constitucionais, vez que ao Juiz

cabe o poder e o dever de implementar os preceitos constitucionais, através do

controle de constitucionalidade.

O controle de constitucionalidade pode-se dar de duas maneiras:

pela ação de inconstitucionalidade por ação, fazendo a decisão coisa julgada com

efeito erga omnes, e pela ação de inconstitucionalidade por omissão em que se é

declarada por decisão judicial tornando efetiva a norma constitucional. Ao Supremo

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caberá decidir e dar ciência ao poder competente para que sejam tomadas as

medidas necessárias à cessação da omissão, e em se tratando de Órgão

administrativo deverá ser no prazo de 30 dias, conforme disciplina o §2º do artigo

103 da Constituição Federal.

O controle judicial nos casos de políticas públicas insuficientes, que

entendemos ser a política publica de Assistência Social com relação ao beneficio

assistencial de prestação continuada, se dá quando as mesmas são insuficientes

para atender a demanda necessitada, excluindo determinados grupos ou cidadãos

de sua abrangência, sendo a realização mínima (simbólica) de direitos fundamentais

a mais freqüente omissão dos Órgãos Públicos, principalmente do Poder Legislativo

na edição das leis como no caso em questão.

À vista do princípio da igualdade, não pode o Estado escolher quem

serão os destinatários de políticas públicas de forma arbitrária e injustificada, uma

vez que estas devem se ater aos ditames constitucionais e devem ter a abrangência

mais global possível.

Ao Poder Judiciário, incumbe buscar o equilíbrio entre a sua

atuação e a do Poder Legislativo. Para tanto, deve utilizar da técnica conhecida

como “apelo ao legislador” consistindo na possibilidade do Tribunal, em vez de

simplesmente declarar a lei inconstitucional, aplicar a analogia a outro dispositivo,

avisar o legislador que deve ser suprida a inconstitucionalidade, para que em prazo

razoável seja implementada.

Quando o legislador infraconstitucional exclui do rol de beneficiários

os idosos e os deficientes cuja renda familiar perfaz também de um salário mínimo,

mas que provêem de outras fontes, tais como: aposentadorias, salários, nos faz

suscitar: qual a diferença de um idoso cuja renda familiar perfaz de um salário

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mínimo proveniente de um benefício assistencial ao idoso, de um idoso cuja renda

familiar perfaz de um salário mínimo proveniente de uma aposentadoria, seja ela por

idade, por tempo de contribuição, por invalidez ou até mesmo do salário de seu

cônjuge? Nenhuma, pois a mesma situação de miserabilidade em que um se

encontra, o outro também, uma vez que ambos sobrevivem com renda familiar de

um salário-mínimo.

Qual seria a necessidade do idoso cuja renda familiar provêm de um

benefício assistencial e o outro de uma aposentadoria também de um salário

mínimo? Não seria maior a necessidade de um idoso aposentado por invalidez, cuja

idade por exemplo é superior a 65 anos e que além de ter os gastos decorrentes da

idade avançada, está acometido de uma doença que necessite de mais cuidados e

consequentemente de mais remédios, alimentação específica, enfim?

O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, administrativamente

está concedendo o benefício assistencial apenas ao idoso cuja renda familiar perfaz

de outro benefício assistencial ao idoso. Para esta constatação, o referido Órgão

apenas consulta esta informação em seus cadastros de informações, deixando de

verificar “in loco” a real situação em que o idoso ou a pessoa portadora de

deficiência vive.

O Poder Judiciário, neste diapasão, vem se pronunciando sobre a

inconstitucionalidade deste dispositivo, de modo que em casos isolados, tem

invocado o respeito ao principio da isonomia, igualdade e dignidade humana, e, por

analogia, concedendo o benefício ao idoso maior de 65 (sessenta e cinco) anos

cuja renda familiar perfaz um salário mínimo, independentemente da fonte

proveniente, como elucidamos nas decisões abaixo:

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PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MÃE AUFERE APOSENTADORIA MÍNIMA. ARTIGO 34 PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI 10.741/03. ESTATUTO DO IDOSO. ANALOGIA. DEMONSTRAD A A MISERABILIDADE. CUMPRIDOS OS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. I - É pacífico o enten dimento nesta E. Corte, segundo o qual não cabe alterar dec isões proferidas pelo relator, desde que bem fundamentadas e quando não se verificar qualquer ilegalidade ou abuso de poder que possa ge rar dano irreparável ou de difícil reparação. II - Não merec e reparos a decisão recorrida. III - Laudo médico, de 15/07/05, informa que a requerente é portadora de ceratocone em ambos os olhos, caracter izado por afinamento corneano progressivo nas áreas centrais e paracentrais das córneas, com evolução, invariavelmente, para ba ixa visão. Conclui que está totalmente incapaz para as atividades pro fissionais. IV - Auto de constatação, datado de 16/05/06, dá conta que a autora, vive com a mãe, idosa, viúva, em casa própria. A renda advém d a aposentadoria mínima auferida pela mãe.V - Deve ser aplicado ao c aso, por analogia, o Estatuto do Idoso( Lei nº 10.741, de 1º de outubr o de 2003), que no artigo 34,parágrafo único, estabelece que o "benefí cio já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capit a e a que se refere a Loas". VI - Núcleo familiar composto por duas pesso as, uma idosa e a requerente, incapaz para atividades laborativas, de scontada a aposentadoria mínima auferida pela mãe idosa, não h á como se deixar de reconhecer a hipossuficiência da requerente. VII - Presentes os requisitos necessários para concessão do benefício, idade e incapacidade para o trabalho . VIII - A explanação de matérias com finalidade única de estabelecer prequestionamento a justificar cabimento de eventual recurso não elide a inadmissi bilidade dos recursos, quando ausentes os requisitos legais. IX - Agravo não provido. Origem: TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO Classe: AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1325594 Processo: 200361070071629 UF: SP Órgão Julgador: OITAVA TURMA Data da decisão: 15/12/2008 Documento: TRF300211668.187

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. OCORRÊNCIA. BENEFÍ CI O ASSISTENCIAL. REQUISITOS. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI10.741/2003. APLICABILIDADE. EMBARGOS DE DECLARA ÇÃO ACOLHIDOS. APELAÇÃO DO INSS IMPROVIDA. - Razão assi ste à embargante no tocante à omissão apontada. - Recolhe -se dos autos, a autora da ação é pessoa idosa (fls. 16),nos termos do da Lei nº 10.741/2003.- O laudo social de fls. 109/111, reali zado em 24.02.2005, apontou que a autora reside em imóvel simples, próp rio, com seu marido idoso, este beneficiário de aposentadoria po r invalidez, há 12 anos por depressão - transtorno mental, percebendo pouco mais de um salário-mínimo, estando comprovado que o valor p ercebido pelomarido era insuficiente à subsistência da famíl ia. - Não se pode olvidar que o art. 34, parágrafo único, da Lei 10.7 41/2003 (Estatuto do Idoso) dispõe que o benefício mensal de um salário- mínimo, recebido por qualquer membro da família, como única fonte de recursos, não afasta a condição de miserabilidade do núcleo famil iar, em cuja situação se justifica a concessão de amparo social a outro membro da

187 Grifo nosso

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família que cumpra o requisito idade. - Na apuração da renda familiar, não será computado o benefício assistencial concedi do a outro membro da família (Lei 10.741/2003, art. 34, parágr afo único), com extensão da referida regra por analogia, para não d esfavorecer aquele que comprovadamente trabalhou, nos casos em que a r enda familiar é composta por outro benefício de valor mínimo, como aposentadoria ou pensão. - A Excelsa Corte já decidiu que a aplicaçã o da legislação superveniente (artigo 34, parágrafo único, do Estat uto do Idoso) aocaso concreto, não traduz violação ao artigo 203, V, da Constituição Federal ou à decisão proferida na ADIN nº 1232-1, o que autoriza o exame da hipótese vertente à luz do mencionado disp ositivo legal. Precedentes. - Devido o benefício assistencial ao a utor que, comprovadamente, preencheu os requisitos da idade e da condição de miserabilidade, nos termos artigo 20 da Lei nº 8.74 2/93. - Embargos de declaração acolhidos, para sanando a omissão aponta da, negar provimento à apelação do INSS. Origem: TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO Classe: AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1047008 Processo: 200503990325801 UF: SP Órgão Julgador: NONA TURMA Data da decisão: 30/06/2008 Documento: TRF300170040.188

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PRELIMINAR. ARTIGO 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E LEI Nº 8.742/93. PESSOA IDOS A. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. BENEFÍCIO DEVIDO. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO DE OFÍCIO.1. Não há falar em litisconsórcio passivo necessário com a União, porquanto é o INSS a parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda, na qual se pleiteia a concessão de benefício assistencial previsto no art . 203, V, da CF. 2. O benefício previdenciário em valor igual a um salá rio mínimo, recebido por qualquer membro da família, não se com puta para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refer e o art. 20 da Lei nº 8.742/93, diante do disposto no parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), cujo preceito é ap licável por analogia.3. Comprovada a incapacidade total e p ermanente, bem como a ausência de meios de prover à própria manute nção ou de tê-la provida por sua família, é devida a concessão do be nefício assistencial de que tratam o art. 203, inciso V, da Constituição Federal e a Lei nº 8.742/93. 4. Agravo retido desprovido. Apelação do INSS parcialmente provida. Erro material corrigido de of ício. Origem: TRIBUNAL -TERCEIRA REGIÃO Classe: AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1266377Processo: 200703990508928 UF: SP Órgão Julgador: DÉCIMA TURMAData da decisão: 22/04/2008 Documento: TRF300158545189

Este posicionamento está sendo também utilizado pela Turma

Recursal do Juizado Especial Federal da 3ª Região, inclusive editando a Súmula de

n. 30 que assim dispõe:

188 Grifo nosso 189 Grifo nosso

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Súmula n.30. O valor do beneficio equivalente a um salário mínimo, concedida a idoso, a partir de 65 anos, também não é computado para fins do cálculo da renda familiar a que se refere o artigo 20,3º da Lei n. 8.742/93. (Origem: Súmula 12, do JEFMS)

Corroborando com este entendimento, a Turma Nacional de

Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais190 estão

decidindo por aplicar o disposto no parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do

Idoso, quando o provento da família for de valor mínimo. A decisão, acompanhada

pelo Colegiado, cujo relator foi o Juiz Federal Otavio Port, baseia-se no

entendimento de que “ excluir a aplicação (parágrafo único do artigo 34 do Estatuto

do Idoso)quando o autor é deficiente ou idoso, cuja renda familiar perfaz de um

salário mínimo, e depende exclusivamente de seu grupo familiar para a sua

subsistência, não atende ao sentimento de justiça da lei, fundada no principio da

tutela especial ao idoso”.

Consoante este posicionamento, a Juíza Federal Jacqueline Bilhalva,

considera que: “a Assistência Social se destina à cobertura do mínimo existencial, e

esse mínimo não varia em função do destinatário ou beneficiário, motivo pelo qual a

apuração da renda do grupo familiar é pautada por um critério objetivo: o valor

monetário que integra a renda do grupo familiar, e não pelo tipo de beneficio por via

do qual se dá o ingresso: assistencial ou previdenciário”. Ressaltando que: “ em se

tratando de valor correspondente a um salário mínimo, o benefício deve ser excluído

da renda do grupo familiar, ainda que tenha natureza previdenciária. Aqui, a

190 Caderno TNU n. 04-abril de 2009. Título “ TNU exclui aposentadoria de valor mínimo do cálculo da renda familiar”

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174

diferença entre a natureza dos benefícios secunda o valor essencial de cunho

econômico”.

As decisões tomadas pelo Poder Judiciário são de suma importância.

Contudo, as mesmas estão sendo tomadas isoladamente, ou seja, suprimindo a

desigualdade arbitrária naquele caso.

Enquanto isso, milhares de idosos que se encontram excluídos do

rol de proteção, vez que administrativamente o INSS indefere o beneficio quando

pleiteado nestas condições, ou seja, por aqueles idosos com 65 (sessenta e cinco)

anos ou mais cuja renda familiar perfaz de 01 (um) salário mínimo, mas não

proveniente de beneficio assistencial de prestação continuada devido ao idoso,

estando assim desamparados e excluídos da proteção social, caracterizada como

direito fundamental.

Muitas vezes, idosos que batem à porta do Poder Judiciário para ter

seu direito garantido, e consequentemente a sua dignidade humana preservada, não

conseguem nem sequer saber que o seu direito será assegurado pelo Poder

Judiciário, pois a demora que acaba por surgir da propositura da ação, sentença e

da implantação do referido benefício pelo INSS, os mesmo acabam muitas vezes

por falecer e a vontade do legislador constitucional não efetivada.

Este problema precisa ser solucionado pelos Poderes Públicos, a

quem compete aplicar e assegurar os direitos fundamentais. Em caso de violação

dos mesmos, cabe ao Poder Judiciário o dever de resguardá-los e efetivá-los.

Desta forma, podemos vislumbrar da análise deste dispositivo que

há uma afronta os direitos fundamentais e sociais, ferindo o princípio da dignidade

humana, da igualdade, da proporcionalidade, da isonomia, da proibição do

retrocesso social, e contra a função das políticas públicas que sempre devem buscar

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a universalidade em harmonia com a reserva do possível, principalmente com

isonomia entre os beneficiários para que o valor da dignidade humana seja

reservado aos beneficiários que necessitam do amparo da Assistência Social em

nosso País, conforme proclama nosso Texto Constitucional.

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CONCLUSÕES

01-Os direitos humanos são responsáveis por concretizar em cada momento

histórico a exigência do respeito à dignidade humana, à liberdade e à igualdade,

cujo foco é o respeito ao ser humano, sendo o piso mínimo de direitos essenciais

para a existência do homem em sociedade que a Ordem Internacional destina a

todos, que deve ser respeitado pelo Estado e oferecido a seus jurisdicionados.

02-A Declaração de Direitos Humanos de 1948 é considerada o marco da fase

contemporânea dos Direitos Humanos universais. É dirigida sobre tudo às minorias,

oferecendo proteção e instrumentos jurídicos para a efetividade destes, possuindo

força vinculante e integrando o direito costumeiro internacional e os princípios

gerais do direito.

03-A Constituição Federal de 1988, como resultado das lutas pela instauração do

pleno Estado Democrático, cumpre este desiderato quando com meta especifica

visa garantir, proteger e assegurar o exercício dos direitos humanos, positivando-os

e constitucionalizando-os, estando a dignidade da pessoa humana e o bem estar

social como imperativo de justiça social, proporcionando todo o suporte axiológico

do nosso sistema jurídico.

04- A dignidade como qualidade intrínseca da pessoa humana, é algo que

simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável, na medida em que constitui

elemento que qualifica o ser humano como tal, ou seja, é inerente à pessoa humana

não podendo ser ignorada.

05-A Constituição Federal de 1988, abriga os direitos humanos em sua três

dimensões, podendo-se dizer ainda que aponta mesmo que timidamente a quarta

geração.Com relação à Assistência Social, esta faz parte dos direitos de segunda

dimensão, que compreende a consagração dos direitos sociais, direitos econômicos

e culturais, caracterizando-se por outorgar ao individuo o direito a prestações sociais

estatais, revelando uma transição das liberdades formais abstratas para as

liberdades materiais concretas, demandando do Estado uma atuação positiva,

através de Políticas Públicas, propondo a realização da justiça social porquanto

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constituem instrumentos posto para a efetiva concretização dos direitos

fundamentais em geral.

06-O Sistema de Seguridade Social foi introduzido com a Constituição Federal de

1988, disciplinando em seu art. 194 as linhas básicas do Sistema, de forma que não

exista um único Sistema, mas sim, três Sub-Sistemas agindo de modo integrado,

voltados a um fim comum, cuja função é a garantia da libertação das necessidades

humanas, assumindo a função de integralizar a situação de necessidade do

individuo naquele momento à proteção social na sociedade organizada.

07-A justiça e o bem-estar social são os fins colimados pela Ordem Social, sendo

esta acertiva elucidada no artigo 193 da Constituição Federal 1988, que prevê como

objetivos da Ordem Social, o bem-estar e justiça sociais, cuja base é o primado do

trabalho.

08-A Seguridade Social consagra alguns princípios que devem necessariamente ser

observados dentre os quais se destacam o prota-princípio da solidariedade que

traduz o “espírito” de todo o Sistema, bem como os demais que integram o art. 194,

§ único da Constituição Federal de 1988. Tais princípios são guias para que o

Sistema protetivo cumpra seus objetivos mantendo a viabilidade financeira.

09-A idéia de assistência, vinculada ao assistencialismo como caridade, favores,

benesses, em que o beneficiário se sujeita a uma relação de dependência

decorrente do desprendimento da bondade do outro, opõe-se a de Assistência

Social como um direito do cidadão, que hoje, alcança um patamar de política pública

capaz de proporcionar uma política de Seguridade Social não-contributiva como

exercício de cidadania, que busca prover os mínimos sociais.

10-Pela trajetória da Assistência Social no Brasil, podemos observar que esta

conservou uma característica peculiar e que se mantém na formulação

constitucional atual, qual seja: o fato de que a Assistência, enquanto prática e

política, usualmente tem sido concebida e realizada como ação complementar a

diferentes áreas de atuação estatal, realizando um papel suplementar junto á

serviços básicos prestados pelas demais políticas públicas sociais, como na área da

saúde, educação, habitação, enfim, mantendo interface com as políticas sociais

setoriais.

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11-Dentre os benefícios assistenciais previstos no ordenamento positivo, o Beneficio

Assistencial de Prestação Continuada devido ao idoso e a pessoa portadora de

deficiência disciplinado no Art. 230, V da Constituição Federal de 1988 e no Art. 20

da Lei 8.742/93, destaca-se como o primeiro beneficio de natureza purante

assistencial, sendo considerada hoje a principal provisão da Política de Assistência

Social existente em nosso Ordenamento Jurídico.

12-Com relação à pessoa portadora de deficiência, deve ser considerada como tal a

pessoa incapacitada para exercer alguma atividade remunerada, uma vez que

somente o trabalho remunerado é capaz de prover a própria manutenção do ser

humano, sendo que o exercício de algumas atividades diárias como locomover-se,

alimentar-se, não torna uma pessoa necessariamente apta a prover a sua

subsistência.

13-A definição da família para fins do recebimento do Beneficio Assistencial de

Prestação Continuada deve ser interpretada de forma mais abrangente do que prevê

a Lei 8.742/93 que utiliza a regra traçada pela legislação previdenciária (art. 16 da lei

8.213/91) adotando o principio da subsidiariedade previsto constitucionalmente.

14-Com relação ao requisito do ¼ do salário mínimo per capita para aferição do

estado de miserabilidade do beneficiário, entendemos que a escolha da referida

renda per capita de ¼ do salário mínimo mensal, restringiu excessivamente o acesso

ao benefício, vez que este critério objetivo utilizado para determinar quem são os

pobres, não tem fundamentos empíricos e exclui cidadãos em situação de crítica

pobreza, configurando-se uma afronta ao direito fundamental assistencial.

15- A erradicação da pobreza contemplada em nossa Carta Magna como um dos

objetivos da República não pode ser concebida como um fenômeno inscrito na

ordem natural das coisas ou como um problema individual e resultado de uma

condenável incompetência pessoal. A pobreza deve ser encarada como um

problema coletivo que diz respeito à toda sociedade e por esta deve ser

enfrentado. Por conseguinte, os fundamentos da Assistência Social, e a quem ela

se destina (os necessitados, os pobres) não podemos coadunar com o

entendimento do Supremo Tribunal Federal ao declarar a constitucionalidade do

requisito de ¼ do salário mínimo per capita, como parâmetro de miserabilidade

para fins do benefício assistencial de prestação continuada, vez que tal decisão

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pauta-se no conceito de pobreza absoluta que deve ser combatido pelo Estado

Democrático de Direito.

16-Do mesmo modo, entendemos que o estrangeiro residente no País, mesmo não-

naturalizados, devem ser amparados pela Assistência Social, que atua como

instrumento garantidor da dignidade humana a quem dela necessitar independente

de credo, raça, religião, origem, etc.

17-Com relação a alteração trazida pelo parágrafo único do artigo 34 do Estatuto

do Idoso (Lei n. 10.741/03) entendemos que o legislador infraconstitucional quando

da elaboração deste dispositivo, tratou de forma desigual idosos maiores de 65 anos

que se encontram em situações iguais, ou seja, cuja renda familiar perfaz de um

salário mínimo mensal, de forma arbitrária e não razoável utilizando como critério a

“origem” da renda que perfaz a renda familiar para diferenciá-los, privando-os de

terem o direito ao recebimento do beneficio assistencial de prestação continuada

simplesmente por este motivo, ou seja, penalizando aquele idoso que tem como

ente do seu grupo familiar uma pessoa que não recebe o beneficio assistencial ao

idoso, como por exemplo, aquele que recebe uma aposentadoria também de um

salário mínimo. Desta forma, compreendemos que deve utilizar como critério

objetivo para aferição do estado de miserabilidade referente ao beneficio assistencial

de prestação continuada, o valor de 01 (um) salário mínimo independentemente da

origem da renda.

18- Não se deve repudiar a existência da chamada reserva do possível, vez que os

recursos financeiros são finitos e seguem todo um planejamento definido pela Lei

de Diretrizes Orçamentárias- LDO. Contudo, deve-se ter como prioridade a garantia

e a acessibilidade dos direitos fundamentais, incluindo os direitos sociais que

dependem de recursos financeiros para sua garantia e acessibilidade por parte dos

que necessitam para suprirem as necessidades básicas de sobrevivência.Desta

forma, o mínimo existencial associado ao estabelecimento de prioridades

orçamentárias é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.

19-O principio da proibição do retrocesso social é extremamente importante, e está

centrado na vinculação do legislador aos ditames constitucionais relativos aos

direitos sociais, de forma que, uma vez alcançada a concretização de uma norma

que reza sobre direito social, descrevendo uma conduta omissiva ou comissiva a ser

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seguida, seja por particulares ou pelo Estado, fica o legislador proibido de suprimir

ou reduzir essa concretização sem a criação de mecanismo substituto ou

equivalente, de modo que, ferindo o principio da proibição do retrocesso social,

todos os demais princípios dos quais decorre estariam sendo infringidos.

20-Desta forma, podemos vislumbrar da análise do referido dispositivo que há uma

afronta os direitos fundamentais e sociais, ferindo o princípio da dignidade humana,

da igualdade, da proporcionalidade, da isonomia, da proibição do retrocesso social,

e contra a função das políticas públicas que devem na medida do possível buscar a

universalidade em harmonia com a reserva do possível, principalmente com

isonomia entre os beneficiários para que o valor da dignidade humana seja

reservado aqueles que necessitam do amparo da Assistência Social em nosso País,

conforme proclama nosso Texto Constitucional.

21-A Assistência Social é um direito fundamental, cujas diretrizes podem ser

relacionadas diretamente aos objetivos fundamentais da República, quais sejam: a

construção de uma sociedade justa, livre e solidária, o desenvolvimento nacional, a

redução das desigualdades sociais, a erradicação da pobreza e a promoção do

bem-estar social. Sua plena realização constitui-se em poderoso instrumento na

busca destes objetivos e do resgate da dignidade da pessoa humana.

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