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1
Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo
PUC SP
Daniela de Andrade Braghetta
RELAO JURDICA TRIBUTRIA
Doutorado em Direito
So Paulo
2016
2
Daniela de Andrade Braghetta
RELAO JURDICA TRIBUTRIA
Tese apresentada Banca Examinadora da
Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como
exigncia parcial para obteno do ttulo de Doutora
em Direito do Estado (Direito Tributrio), sob a
orientao do Professor Doutor Paulo de Barros
Carvalho
So Paulo
2016
3
BANCA EXAMINADORA
1. ______________________________
2. ______________________________
3. ______________________________
4. ______________________________
5. ______________________________
4
Deus bendisse o homem,
no por haver encontrado, mas por haver buscado
Victor Hugo
5
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, pelo comprometimento em ter conseguido me transformar em quem
eu sou, com tanto sacrifcio.
minha famlia, pelo apoio incondicional e oportunidades de uma vida, em especial
Roberto, Maria Fernanda, Bernardo e Andr.
Aos meus alunos, razo de aprendizado constante, pelas discusses, empenho e
comprometimento com o estudo de uma teoria instigante.
Colegas de jornada acadmica so inmeros! Devo um obrigado a cada um de
Vocs. Aurora Carvalho, Gustavo Amaral, Tcio Lacerda Gama, Charles McNaughton,
Fabiana del Padre Tom, Robson Maia Lins, Rodrigo Griz, Fernanda Camano, Carla
Gonalves, Catarina Rodrigues. Pontualmente, pelas discusses relativas ao
trabalho, Cristiano Carvalho e Paulo Ayres Barreto.
Ao Professor Paulo de Barros Carvalho, com quem aprendo muito mais do que sobre
o Direito Tributrio, Mestre de vida, palavras so insuficientes para agradecer todas
as oportunidades que me so dadas.
6
RESUMO
Sob o rtulo relao jurdica, o direito, de maneira geral, e o direito tributrio,
especificamente, verificamos um emaranhado de conceitos envolvidos, j que por
muitas vezes o estudo pressupe conhecimento de concepes originariamente.
Buscamos as premissas necessrias para o estudo, sob o enfoque da teoria
comunicacional do direito, lgica jurdica e utilizao da autopoiese no direito,
servindo como sustentculo de toda a anlise. Partiremos, ento, dos conceitos de
linguagem, semitica e comunicao, com o posterior atrelamento ao direito e todos
os aspectos envolvidos na questo.
Todo o apanhado dentro do Direito Tributrio levar em conta, ainda, conceitos
relacionados Arte, com um trabalho envolvendo as questes de semitica na
linguagem componente do discurso, trazendo um paralelo entre os dois universos,
com a interao entre as situaes pertinentes.
7
ABSTRACT
This paper intends to promote, under the label legal relationship, the law, in general,
and tax law, specifically, and verify a tangle of concepts involved, since in many
cases the study presupposes knowledge of conceptions originally.
Also, seek the necessary premises for the study, under the approach of the
communicational theory of law, legal logic and the use of autopoiesis in law, serving
as the basis of all analysis. We will then start from the concepts of language,
semiotics and communication, with the subsequent link to law and all aspects
involved in the issue.
This paper also pretends to offer a possible explanation about anything caught within
the Tax Law will also take into account concepts related to Art, with a work involving
the issues of semiotics in the component language of discourse, bringing a parallel
between the two universes, with the interaction between the relevant situations.
8
SUMRIO
INTRODUO ............................................................................................... 11
CAPTULO PRIMEIRO DIREITO E ARTE ............................................... 15
1.1 Consideraes primeiras ........................................................................ 15
1.2 O mundo sob o enfoque das Artes ......................................................... 17
1.3 Linguagem da Arte ................................................................................. 18
1.4 Semitica da Arte e do Direito interao ............................................ 21
1.5 A interpretao ....................................................................................... 25
1.6 Sobre a insero social ........................................................................... 27
CAPTULO SEGUNDO O FATO JURDICO TRIBUTRIO E O
APARATO EM SEU ENTORNO ................................................................... 29
2.1 Primeiras ideias ...................................................................................... 29
2.2 Apanhado terminolgico ........................................................................ 31
2.3 Necessrio posicionamento diante de Fatos .......................................... 36
2.4 Contedos de significao...................................................................... 42
2.5 Enunciados ............................................................................................. 48
2.5.1 S1 Conjunto de enunciados subsistema da literalidade textual ... 48
2.5.2 S2 Conjunto de enunciados subsistema da compreenso ............ 49
2.5.2.1 S2 Enunciados prescritivos ....................................................... 50
2.5.2.1.1 Enunciados prescritivos que estabelecem entidades ................. 51
2.5.2.1.2 Enunciados prescritivos que estabelecem procedimentos ....... 52
2.5.2.1.3 Enunciados prescritivos que estabelecem modais .................... 52
2.5.2.1.4 Enunciados prescritivos que estabelecem competncia ou
capacidade ................................................................................................ 53
2.5.2.1.5 Enunciados prescritivos que estabelecem limite de espao ..... 53
2.5.2.1.6 Enunciados prescritivos que estabelecem limite de tempo ....... 55
2.5.2.2 Enunciados principiolgicos ....................................................... 58
2.5.2.2.1 Enunciados principiolgicos que estabelecem valores ............ 59
9
2.5.2.2.2 Enunciados principiolgicos que estabelecem limites objetivos
.................................................................................................................. 60
2.5.2.2.2.1 Enunciados principiolgicos que estabelecem limites
objetivos - legalidade ............................................................................... 61
2.5.2.2.2.2 Enunciados principiolgicos que estabelecem limites
objetivos - capacidade contributiva .......................................................... 62
2.5.2.2.2.3 Enunciados principiolgicos que estabelecem limites
objetivos - da vedao ao tributo com efeito de confisco ........................ 65
2.5.3 S3 Conjunto articulado de significaes normativas, como
subsistema de normas jurdicas stricto sensu ........................................... 66
2.5.4 S4 Organizao das normas construdas no nvel S3 .................. 66
2.6 Competncia tributria ........................................................................... 67
CAPTULO TERCEIRO RELAO JURDICA ....................................... 71
3.1 Premissas ................................................................................................ 71
3.2 Norma e relao estruturas edificantes .............................................. 80
3.2.1 Norma primria e norma secundria ............................................... 82
3.3 Estrutura de relaes .............................................................................. 83
3.4 Aplicao concreta da metodologia ....................................................... 91
3.5 O signo relao concepes ................................................................ 96
3.6 Relao como fato .................................................................................. 99
3.7 Relao jurdica conceituao ........................................................... 103
3.8 Relao seus tipos e a conexo com o direito ................................ 106
3.9 Relao de coordenao ....................................................................... 108
3.10 Relao de subordinao .................................................................... 109
3.11 Classes de relaes jurdicas .............................................................. 111
3.12 Relao prestacional ........................................................................... 113
3.13 Relao processual ............................................................................. 117
3.14 Relao no Direito Penal .................................................................... 120
3.15 Relao no Direito Mercantil ............................................................. 121
3.16 Relao no Direito Civil ..................................................................... 122
CAPTULO QUARTO RELAO JURDICA TRIBUTRIA ............... 124
10
4.1 A presena da relao no Direito Tributrio ........................................ 124
4.2 Sujeio ativa ....................................................................................... 130
4.3 Sujeio passiva ................................................................................... 133
4.4 Obrigao ............................................................................................. 135
4.5 Relao jurdica tributria e interseco com deveres instrumentais .. 139
4.6 Impossibilidade das prestaes ............................................................ 147
4.7 Dificuldades em torno do ncleo da relao jurdica tributria ........... 148
CAPTULO QUINTO OCORRNCIAS TANGVEIS NO DIREITO
TRIBUTRIO E PROCESSO DE VERIFICAO DE SENTIDO DA
RELAO JURDICA TRIBUTRIA ........................................................ 153
5.1 A viso de mundo prtico da relao jurdica tributria ...................... 153
5.2 Relaes jurdicas continuativas .......................................................... 156
5.3 Relao jurdica tributria e denncia espontnea .............................. 162
5.4 Repetio de indbito com enfoque no artigo 166 do Cdigo Tributrio
Nacional...................................................................................................... 167
5.5 Imposto sobre a renda retido na Fonte sujeio passiva ................... 176
5.6 ITCMD e ITBI sujeio passiva ....................................................... 190
5.7 Sistema SIMPLES ................................................................................ 201
5.8 Guerra Fiscal ........................................................................................ 206
CONCLUSES .............................................................................................. 226
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................ 238
11
INTRODUO
Todo texto pressupe um contexto.
O trabalho do cientista vem sempre permeado pela situao
de ter defronte de si inmeros trabalhos sobre o tema abordado, ou ento pela
circunstncia oposta, qual seja a ausncia de escritos.
Decidir-se pelo avano na primeira conjuntura, mesmo com a
certeza de se deparar com obras de excelncia, no esvai o esforo em atingir o
novo, quer por buscar a situao por um novo prisma, quer porque o direito, como
objeto cultural que , tem em si a constante mutao.
Mister, na anlise de qualquer questo intrnseca ao mundo
jurdico, a premissa de que haver pari passu a dissecao com a lingustica, estudo
da lngua presente em todo o texto, como ideia do processo comunicacional.
O enfoque trar, ainda, a intersubjetividade e destrinchar
hermenutico levando em conta a linguagem trazida na Arte. Os mundos sero
colocados de forma paralela e estudados para dizer que possuem divergncias e
sincronias, mas especialmente, por conta da anlise semitica das linguagens do
Direito e da Arte, podemos obter as situaes empiricamente verificveis.
Tanto no Direito como na Arte, temos a imposio de nova
postura, sendo indispensvel a busca contnua e a abordagem questionadora de seu
papel na atualidade, por meio de novos posicionamentos que compreendam a
linguagem e as formas contemporneas de expresso artstica. Necessrio destacar,
pois, que as prticas culturais no se desvinculam das incontestveis posies s
12
pesquisas formais e aos vrios agentes sociais que circundam a sua concepo,
elaborao e posterior execuo.
As inmeras acepes atribudas a termos objeto dos
primrdios da Teoria Geral do Direito trazem em si a angstia latente e a dvida em
se saber se a escolha por este ou aquele caminho foi a correta, ou a que
objetivamente trouxe mais resultados1.
A busca e o trabalho so constantes, em nada facilitados por
aquela situao ftica e sim o contrrio. Mesma indagao, alis, vem apresentada
por Trcio Sampaio Ferraz Jr.2 quando apresenta sua proposta de anlise, sob o
enfoque pragmtico, da norma jurdica, pela diversidade de contextos possveis a
ela referveis. Mesmo caso ao nos debruarmos sobre a Relao Jurdica Tributria,
muitas vezes pendendo para a anlise de situaes processuais.
Se na prpria Constituio brasileira o termo relao repetido
em mais de uma centena de ocasies, verificar a acepo semntica da palavra
apenas neste primeiro diploma normativo j nos levaria a um labor exaustivo.
Mas, evidentemente, no h que se cogitar a soluo para o
tema apenas nesse inicial debruar. Todo o sistema jurdico brasileiro, se
partssemos desta metodologia, deveria ser tambm esmiuado.
Nosso ponto de partida ser o estudo semntico conjugado
com a Teoria Geral do Direito e a Filosofia do Direito, entendidas aqui na acepo
mais ampla, para s ento, estabelecidas as premissas, alcanarmos o Direito
Tributrio.
1 Solues empiricamente verificveis, prova de anlises e argumentos de retrica.
2 FERRAZ JR., Trcio Sampaio. Teoria da Norma Jurdica. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2006, p.
33.
13
Buscamos, com a hermenutica jurdica, no apenas um ponto
final para os enunciados jurdicos, mas tambm as possibilidades de acepes
relevantes para o tema, lembrando sempre que o estudo jurdico j pressupe um
corte metodolgico.
Cuidemos de todos os aspectos semiticos, com o caminhar
perquirindo a compreenso do carter pragmtico, ao final tratado uma maior
relevncia, por conta das situaes cotidianas trazidas no campo do direito
tributrio.
O direito processual, e decises de tribunais sero, pois,
sustentculo para um ou outro posicionamento. No o objeto do estudo
propriamente dito.
A busca por conhecimentos ocorrer levando em conta,
exclusivamente, a Relao Jurdica Tributrio no direito material. Os sulcos ocorrero
onde houver a Relao e Regras Matrizes de Incidncia, no sendo objeto, por
exemplo, as formas extintivas de obrigao tributria. Contudo, deve ser percebida
aqui a repetio do indbito tributrio e as ideias sugeridas pelo artigo 166 do Cdigo
Tributrio Nacional por conta das implicaes que acarreta na existncia ou no de
relao.
Procurar encontrar, no contexto apresentado, questes que
levem unicamente a um desenrolar voltado ao direito processual, como um cuidado
com aes ou mesmo, levando em conta o direito material, a anlise exaustiva de
alguns dos termos da relao certamente levar ao desapontamento. Cristalina,
ento, a necessidade de visualizao da relao jurdica tributria como um todo
com as percepes de ordem prtica verificadas em solo brasileiro.
Vale lembrar, ainda, que o estudo visa, objetivamente, trazer
a anlise do tema proposto com base na doutrina aplicada ao longo do trabalho,
pressupondo a linguagem relacionada a uma srie de conceitos, especialmente os
14
basilares do direito tributrio, especialmente os da cincia aqui adotada. No cabe,
portanto, o retorno s premissas, j que o estudo est focalizado na relao jurdica
tributria.
As formulaes prticas relativas a relaes jurdicas no
traro situaes de conflitos de competncia entre tributos ou anlise de situaes
envolvendo eventual bitributao. Para questes cotidianas do direito tributrio
buscaremos o enfoque no fato ser ou no possvel falar em relao jurdica
tributrias concretamente apresentadas.
A percepo pretende levar em conta construes de sentido,
considerando situaes existentes pertinentes ou no s situaes de relao
jurdica tributria apresentadas.
Pontuemos, ademais, que o exame dos conceitos jurdicos
relevantes para o direito tributrio e necessrios percepo de relao jurdica
tributria esto, de maneira proposital permeados ao longo de todo o texto, como
forma de permitir que as informaes, muitas vezes equivalentes, seja capaz de
fluir. Muitas vezes o que se verifica, especialmente no objeto de estudo, que as
linhas se confundem.
Temos, pois, a proposta do estudo: perceber, alinhar,
esmiuar, destrinchar a linguagem da Relao Jurdica Tributria, no direito material,
levando em conta situaes processuais, quando houver relevncia, cuidando de
permear, ainda, com o estudo da linguagem da Arte.
15
CAPTULO PRIMEIRO DIREITO E ARTE
A arte a mais bela das mentiras.
Claude Debussy
Sumrio: 1.1 Consideraes primeiras. 1.2 O mundo sob o
enfoque das Artes. 1.3 Linguagem da Arte. 1.4 Semitica da
Arte e do Direito interao. 1.5 A interpretao. 1.6 Sobre a
insero social.
1.1 Consideraes primeiras
A atualidade exige de cada um lidar com as complexidades
presentes no mundo hoje, compreendendo contextos e ocupando-se de modo que
haja percepo com sentidos.
Nosso intelecto vive acostumado com as opes agradveis
quilo que desperta interesse. Quando Paulo de Barros Carvalho3 afirma, no
processo de interpretao das normas jurdicas, que nos deparamos com os limites,
necessariamente os da cultura de cada um, temos em conta exatamente as
3 Direito Tributrio, Linguagem e Mtodo. 5 ed. So Paulo: Noeses. 2013, p. 188 e s.
16
situaes com capacidade de, continuamente, alterar realidades diante das
possibilidades e adequaes necessrias ao contexto, por si itinerantes.
Expe Marcos Bernardes de Mello ser a arte um dos
componentes da adaptao social, como instrumento de que se vale para agir sobre
o homem, penetrando em sua personalidade os valores, as concepes e os
sentimentos que integram e representam a prpria cultura em que est inserido4.
Necessrio compreender a conectividade existente entre os
saberes, aqui direito e arte, num interregno relativo trilhado, cada qual pela
linguagem pertinente.
Pois bem. Habitual a retrica na separao entre Arte e Direito
de Eros Roberto Grau:5
H dois tipos de arte: as alogrficas e as autogrficas. Nas
primeiras alogrficas (msica e teatro) a obra apenas se
completa com o concurso de dois personagens, o autor e o
intrprete; nas artes autogrficas (pintura e romance) o autor
contribui sozinho para a realizao da obra [Ortigues].
(...) O direito alogrfico. E alogrfico porque o texto
normativo no se completa no sentido nele impresso pelo
legislador. A completude do texto somente atingida quando
o sentido por ele expressado produzido, como nova forma
de expresso, pelo intrprete.
Com a distino entre seus planos, parece, num primeiro
momento, pertencerem a mundos distintos e, assim, no possurem capacidade para
cruzar informaes contidas em cada qual. No o que ocorre.
4 Teoria do fato jurdico. Plano da Existncia. 13 ed. So Paulo: Saraiva. 2007, p. 4
5 Ensaio e discurso sobre a interpretao/aplicao do direito. So Paulo: Malheiros. 2002, p. 20.
17
1.2 O mundo sob o enfoque das Artes
Porm, devemos trabalhar com outra perspectiva, com o
destrinchar da linguagem adotada, num estudo ininterrupto das bases semiticas
relativas linguagem de cada qual, inclusive com a constante investigao das
possveis interpretaes. Assim a disposio constitutiva afirmada por Ian
Mukarovsky6:
Quando uma manifestao lingustica narrativa concebida
como criao potica em que prevalece a funo esttica, a
atitude perante ela diferente e toda a estrutura de sua
relao autntica toma outro aspecto. O problema de o
acontecimento narrado ter ou no sucedido perde importncia
perante o receptor (leitor); e tambm no se colocar a
questo de o poeta ter desejado ou podido enganar o leitor.
Deve permanecer a penumbra entre o real e o fictcio, faz parte
e importante numa obra potica. Nuances, romper imaginao so importantes
para a hesitao em relao ao real, situao concretamente possvel em termos
de realidade.
Na Arte a linguagem permissiva, no sentido de conceder
possibilidades, deixar abertos caminhos capazes de rasgar o compromisso com o
possvel, com intuitos opostos ao tangvel, imaginvel, previsvel. So situaes
6 Escritos sobre esttica e semitica da arte. Lisboa: Estampa. 1997, p. 73.
18
complexas colocadas no processo comunicacional, que no deixa, em seus termos
de estar presente.
1.3 Linguagem da Arte
A artista plstica Adriana Varejo7, convidada para trabalhar
cores numa determinada fbrica de tintas, busca a compreenso necessria para
que conseguisse incrementar a ento existente paleta.
O catlogo original, criado pelo herdeiro do co-fundador da
empresa trazia uma tabela expondo carter objetivo e subjetivo de cada uma das
cores. Em 1960.
Com o aparato que dispunha poca, a empresa construiu a
cartela original com as cores percebidas, esforo do intelecto que trouxe as
possibilidades vistas e capazes se serem compostas, apesar de toda complexidade
que Vilm Flusser8 aponta levando em conta as necessrias percepes existentes
no processo.
Para os resultados primeiros catalogados, havia uma
composio que, de acordo com a explanao, despertariam comportamentos
especficos, a saber: cor vermelho, objetivo excitante, subjetivo dio; cor laranja,
objetivo vitalizante, subjetivo exuberncia.
7 VAREJO, Adriana e SCHWARCZ, Lilia. Prola Imperfeita: A histria e as histrias na obra de Adriana
Varejo. Rio de Janeiro: Companhia das Letras. 2014, passim.
8 Lngua e Realidade. 2 ed. So Paulo: Annablume. 2005, p. 172 e s.
19
Era a estrutura pragmtica considerada. Deveria a artista, a
partir de ento, trazer suas percepes, com o enfoque em diferentes tonalidades
de pele existente especialmente no universo ptrio. Seria necessrio um estudo
maior, no sentido de incrementar uma cartela bsica de cores e que levasse em
conta um objeto especfico: tons de pele.
Assim, Adriana Varejo elabora todo um projeto em que, por
sua abordagem semitica, traz s artes uma composio de tintas que levam em
conta, pontualmente, as possibilidades de tons de pele de brasileiros, aps
minucioso estudo, a saber:9
Polvo o nome do conjunto de tintas idealizado e criado por
Adriana. O ponto de partida para a criao deste trabalho foi
uma pesquisa de campo elaborada pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica), em 1976. Normalmente,
o censo oficial brasileiro classificaria as pessoas em cinco
grupos diferentes de acordo com sua cor de pele: branco,
preto, vermelho, amarelo e pardo. Naquele ano, no entanto,
a pesquisa domiciliar introduziu uma questo em aberto:
Qual a sua cor?. O resultado foram 136 termos, alguns
deles inusitados, cujos significados so muito mais figurativos
do que literais. A artista selecionou os 33 termos mais
exticos, poticos ou vinculados a uma interpretao
especificamente brasileira de cor como suposto social, e a
partir deles criou as suas prprias tintas a leo baseadas em
tons de pele. Assim, surgiram as cores Fogoi, Enxofrada,
Caf com leite, Branquinha, Burro quando foge, Cor
firme, Moreno, Encerada e Queimada de sol, entre
outras.
9 Release da Galeria Fortes Vilaa, http://www.fortesvilaca.com.br/exposicoes/2014/402-polvo,
acesso em 17 de maio de 2014.
20
evidncia de que complexidades so reduzidas e trazendo
capacidade para esmiuar situaes abstratas e com expressiva carga de
subjetividade.
Enunciao do sentido pretendido em seu projeto, a
capacidade para que concretamente fosse obtido qualquer resultado advm no
apenas daquilo que j existia como parte do processo de interpretao, dentro dos
limites culturais existentes no intelecto da artista, como tambm do processo
criativo capaz de atingir a finalidade perseguida10:
(...) O conjunto apresentado na mostra mantm estreita
relao com trabalhos anteriores da artista que lidam com
questes como miscigenao, colonialismo e a cor da pele.
Temas que constituem uma espcie de cho do trabalho de
Adriana Varejo, quer assumindo um carter mais metafrico
e sutil (como nas Tintas Polvo), quer adotando um carter de
forte expressividade, tributrio da arte barroca (como na
srie Lngua). Cor linguagem, defende Adriana, quando
nomeamos todos esses matizes de peles, a gente dilui a
questo das grandes raas conceito, alis, j derrubado por
terra pela biologia, pontua.
Entende a artista, com o expoente seu trabalho, que cor
linguagem. Indo alm, tudo pode ser externado no mundo utilizando linguagem.
a forma mxima de exposio, de exteriorizao daquilo que encontramos ao nosso
redor.
A busca incessante no aprimoramento dos objetos estudados
d azo produo constante de linguagem. Veja-se, ento, o objeto de estudo do
10 Release da Galeria Fortes Vilaa, http://www.fortesvilaca.com.br/exposicoes/2014/402-polvo,
acesso em 17 de maio de 2014.
21
IBGE em 1976 revisitado no incio da segunda dcada do sculo XXI. Os dados do
mundo se revisitando: aquilo que servia a um censo geogrfico se transforma agora
em tinta, efetivamente utilizada em autorretratos.
1.4 Semitica da Arte e do Direito interao
Necessrio interao de discursos e linguagens o
constante aprimoramento das enunciaes objeto da busca do conhecimento, sero
constantemente postos prova na medida em as situaes do mundo esto em
constante mudana.
O percurso deve ser entendido no de forma isolada,
inatingvel, mas com constantes interferncias de todos os aspectos, como pontua
Ian Stewart11:
Quando tudo o que se est vendo uma parte mnima de um
movimento imensamente complicado, ele parecer randmico,
parecer desestruturado. (...) No possvel estudar uma
economia real, ou uma nao, ou uma mente, pelo isolamento
de uma pequena parte. O subsistema experimental ser
constantemente perturbado por influncias externas
inesperadas.
Pertinente, pois, uma percepo diferente dos pontos
colocados a prova, sendo a comunicao capaz de perceber, interagir utilizando-se
11 Ser que Deus joga dados?: A matemtica do caos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1991. p. 61
e s.
22
de todas as formas possveis de apreenso dos sentidos, tanto numa anlise do
direito tributrio como numa obra de arte.
Pela anlise da obra de Duchamp, percebe-se seu fascnio pelo
jogo de xadrez, como exerccio mental que envolve estratgia12:
Uma partida de xadrez uma coisa visual e plstica e, se no
geomtrica no sentido esttico da palavra, um mecanismo
por que as peas se movimentam. As peas no so mais belas
do que a forma do jogo, mas o que belo se que a palavra
belo pode ser empregada o movimento. Ento, h uma
mecnica, no sentido, por exemplo, de um Calder. Existem
certamente, no jogo de xadrez, coisas extremamente belas no
domnio do movimento, mas no no domnio visual. a
imaginao do movimento e do gesto que, nesse caso, faz a
beleza.
Da mesma maneira, pois, a proposta de Gregorio Robles13 ao
interagir e tomar o direito levando em conta as regras contidas em jogos, aqui
tambm traando analogia com o jogo de xadrez.
Assim como o Direito, a Arte impe nova postura, sendo
imprescindvel o constante questionamento do seu papel na atualidade, por meio de
novas abordagens que compreendam a linguagem e as formas contemporneas de
expresso artstica. Ressalte-se que as prticas artsticas no se desvinculam das
incontestveis posies s pesquisas formais e aos vrios agentes sociais que
circundam a sua concepo, elaborao e posterior execuo.
12 Venncio Filho, Paulo. Duchamp. So Paulo: Brasiliense. 1986, p. 32 e s.
13 Las reglas del derecho y las reglas de los juegos. Mexico: Universidad Nacional Autnoma de
Mexico, 1988, passim.
23
A evoluo histrica atinge, conquista, d azo Liberdade,
como inerente ao avano social. O homem passa, depois de um perodo de
orientaes determinadas, a ter a possibilidade de escolhas.
Podemos afirmar ter a semitica por objeto o texto, que
necessariamente deve ter uma organizao ou estruturao, aqui entendido como
objeto de significao e, ainda, como objeto de comunicao, cabendo aqui uma
anlise de contexto scio-histrico em que estaria envolvido. Cuida-se, assim, do
desenho estabelecido por Diana Luz Pessoa de Barros14, lembrando a situao
perquirida.
Atingimos a percepo de contedo da conscincia individual,
at sua maior profundidade, pelos contedos de conscincia coletiva de acordo com
Jan Mukarovsky15. Inicia, ento, a problemtica de indecises relativas ao signo16 e
significao17, a partir da comunicabilidade de um contedo psquico que ultrapassa
limites.
Ao analisarmos uma lngua, verificamos sua incapacidade de
defesa frente aos fatores deslocados, minuto a minuto, a relao entre significado e
14 Teoria Semitica do Texto. 4 ed. So Paulo: tica. 2001, p. 7
15 Escritos sobre esttica e semitica da arte. Lisboa: Estampa. 1997, p. 11
16 Nosso entendimento na teoria semitica sobre signo vem a ser uma noo complexa que
representa formas de ideia de objeto, de uma concepo, de uma inteno, com o propsito de ser
propagado sob a forma de mensagem. Conclui-se, pois, ser o signo aquilo que representa uma coisa
diferente de si. Sendo utilizado linguagem verbal, traz dois elementos, quais sejam o significante,
que a parte cognoscvel do signo e que constitui, at determinado ponto, uma imagem acstica;
e o significado, como a representao mental da coisa e no a coisa em si, o conceito interpretante.
Est no plano do contedo (da mensagem, da interpretao).
17 A significao trabalhada como o ato que une o significante ao significado, sendo, desta sorte, um
elemento essencial do signo. Est no plano das ideias e, para que a abstrao total no tome conta,
deve se deixar delimitar pela filosofia e pela lgica matemtica.
24
significante, explica Saussure18. Aqui presente a arbitrariedade do signo. Aduz,
ainda, que algumas outras instituies, como ocorre com as leis, esto apoiadas na
relao natural entre coisas, com acomodao natural entre os meios aplicados e os
fins visados.
A anlise da Arte possvel mediante a percepo da
realidade, abrangendo a observao, exame, sntese, orientao espacial e sentido
de dimenso, de acordo com J Oliveira e Luclia Garcez19. A percepo que
pressupe a Arte percorre caminhos distintos do pensamento lgico. Entretanto, no
se pressupe autnoma, requer informao.
Assim como o cientista do Direito, o artista um profundo
conhecedor do mundo circundante e especialmente da linguagem dos materiais com
os quais pretende ver seu trabalho desenvolvido.
Na percepo de Miguel Reale20 todo objeto cultural ,
quando deve-ser. Constitui, pois, um objeto natural ou ideal correlacionado
necessariamente com determinados valores. Temos, ento, presente a noo de que
o homem tem por necessidade ser cultural, bem como a sua natureza est arraigada
nos valores que traz como referncia para as condies presentes.
18 Curso de Linguistica Geral, So Paulo: Cultrix, 1998. p. 90.
19 Explicando a Arte, 4 ed. So Paulo: Ediouro. 2002, p. 44.
20 Paradigmas da Cultura Contempornea. So Paulo: Saraiva. 1999, p. 87.
25
1.5 A interpretao
Hodiernamente a percepo da impossibilidade de subsuno
do fato norma sem a presena da linguagem uma constante. O direito
interpretado e para que isso ocorra necessria uma significao, sendo o objeto
da interpretao e o texto em sentido estrito que trar, como resultado de sua
interpretao, a norma.
Temos em conta, pois, o contedo semntico amealhado por
Francesco Ferrara21:
A interpretao jurdica no semelhante interpretao
histrica ou filosfica, que se aplica aos documentos e que
esgota a sua misso quando acha um dado sentido histrico,
sem curar depois se exacto ou no, harmnico ou
contraditrio, completo ou deficiente. Mirando aplicao
prtica do direito, a interpretao jurdica de sua natureza
essencialmente teleolgica.
O jurista h-de ter sempre diante dos olhos o fim da lei, o
resultado que quer alcanar na sua actuao prtica; a lei
um ordenamento de proteco que entende satisfazer certas
necessidades, e deve interpretar-se no sentido que melhor
responda a esta finalidade, e portanto em toda a plenitude que
assegure tal tutela.
Eros Grau afirma, como dissemos, serem as artes autogrficas
ou alogrficas, de onde se concluiu que na prosa ou pintura no existe a necessidade
21 Interpretao e Aplicao das Leis, trad. Manuel A. Domingues de Andrade. 3 ed. Coimbra:
Armnio Amado. 1978, p. 130.
26
do intrprete, trazendo, ento, como elemento, a pessoalidade, por conta da
possibilidade de imediata emoo esttica ao ler ou olhar, apenas sendo necessrio
se debruar sobre seu contedo. De acordo com sua teoria, a completude da obra
de arte se d to somente pela ao daquele que escreveu ou pintou, nas artes
autogrficas. O direito vem a ser alogrfico, necessitando, pois, da mediao do
intrprete para atingir a norma. Sempre a busca da linguagem do direito a soluo
do litgio. preciso, aqui, de interpretao e aplicao de forma interligadas. O
intrprete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de um determinado caso.
Na estruturao de sistema jurdico, num primeiro momento,
a determinao de consequncias normativas para uma matria e tal situao
pressupe a existncia de certos elementos capazes de possibilitar a sistematizao,
no entendimento de Carlos Alchourrn e Eugenio Bulygin22. Lembre-se, ainda, cuidar
a matria da circunstncia normativa dada a determinadas condutas, o conjunto de
enunciados, formando a base axiomtica (normas vlidas), obtidos por intermdio
de critrios de identificao e regras de inferncia, em que somente os enunciados
vlidos ou os consequentes desses so passveis de anlise.
Aduz Maria Helena Diniz23 que interpretar descobrir o
sentido e o alcance da norma. Por conta de todas as imprecises encontradas no
caminho, faz com que o papel do julgador seja de desvendar o sentido do vocbulo,
descobrir, esclarecer, exteriorizar o pensamento.
De tal sorte, pode-se dizer que os conceitos so colocados,
descobertos, trabalhados sempre que normas surjam no ordenamento, com a
premissa de que perseguidas as intenes, no do legislador, mas dos integrantes
do contexto social em que tal regra se insere, medida que so desvelados.
22 Introduccin a la metodologa de las ciencias jurdicas y sociales. 4 ed. Astrea. 2002, p. 114
23 As lacunas no Direito. 7 ed. So Paulo: Saraiva. 2002. p. 276.
27
Aqui o papel caro e necessrio interpretao, diante das
situaes colocadas.
1.6 Sobre a insero social
Eduardo Novoa Monreal24 alerta para o que denomina a
crescente ruptura entre a realidade social e o Direito, idealizando um legislador
atento a transformaes e com atitudes instantneas em relao aos fatos novos
poderia evitar o desequilbrio, com novas normas adequadas realidade, retirando,
pois, do sistema as que tivessem defasadas.
Mesmo que por hiptese a execuo da dinmica fosse
possvel, lembrando que se cuida de utopia, no nos parece o necessrio para que
os objetivos sejam atingidos. Quando construdas relaes jurdicas, desde que
postas, num primeiro momento, com a validade inerente s normas jurdicas
colocadas no ordenamento, suas adequaes s ocorrncias vindouras precisam
surgir naturalmente, sem dizer que o sistema fica pasmado a cada novidade.
Pois bem. Trcio Sampaio Ferraz Jr25. trata o discurso como
uma ao lingustica dirigida a outrem, com a percepo de ocorrncia com o
comportamento dos agentes, ao entenderem, obedecerem, desobedecerem,
traando caminhos, transformando problemas existentes, ou seja, com a apreenso
de todas as situaes permitidas pela linguagem, sejam as situaes complexas ou
no.
O texto escrito exige preciso, uma constante busca da palavra
exata para concluir cada situao explanada, no entendimento de Robert A.
24 O Direito como Obstculo Transformao Social. Porto Alegre: Srgio Fabris editor, p. 30.
25 Direito, Retrica e Comunicao. 2 ed. So Paulo: Saraiva. 1997, p. 57.
28
Dooley26. Necessrio que consiga se adequar, amoldar a tipos reconhecveis do
discurso, para com isso ser capaz de perceber seu objetivo.
O homem, pelo contexto evolutivo em que colocado, passa
a viver em sociedade, com todas as implicaes que a vivncia pode trazer. Deixa
de ser visto apenas na situao de indivduo, com as caractersticas naturais que lhe
so prprias, para alm disso se adequar e construir a aptido para se ajustar
convivncia com outros homens.
Impossvel negar o papel da sociedade em sua vida.
Insuficiente dizer que apenas fruto da natureza. Nos dizeres de Marcos Bernardes
de Mello, apesar da sociabilidade, h nele, sempre, algo de prprio, tipicamente
individual, que no se dissolve no social nem se torna comum.27 Dito de outro
modo, o ser humano no se despe de seu carter egosta, buscando prevalecer seus
interesses quando em conflito com os outros seres humanos.
Surge, como sustentculo novel conjuntura, algo capaz de
dar suporte ao convvio, com os regramentos impositivos e necessrios que tal
realidade demanda. Se assim o fosse, restaria a desordem, cada qual com o que lhe
parecesse adequado e oportuno dentro do contexto social em que esto inseridos.
Porm, no h na insero social um dissipar de conflitos. Ao
contrrio. As ideias opostas mantm-se presentes, porm devem atender a um
mnimo de disciplina que o direito lhes impe, como agente capaz de estudar, regular
condutas e estabelecer o convvio na maneira de adequao quilo que disciplina e
eventualmente restou entendido.
26 A. Anlise do Discurso: conceitos bsicos em lingustica. 3 ed. Petrpolis: Vozes, 2007, p. 19.
27 Teoria do fato jurdico. Plano da Existncia. 13 ed. So Paulo: Saraiva. 2007, p. 4
29
CAPTULO SEGUNDO O FATO JURDICO TRIBUTRIO E O APARATO EM SEU ENTORNO
Sumrio: 2.1 Primeiras ideias. 2.2 Apanhado terminolgico. 2.3
Necessrio posicionamento diante de Fatos. 2.4 Contedos de
significao. 2.5 Enunciados. 2.6 Competncia tributria.
2.1 Primeiras ideias
Formas de conscincia seriam os objetos formais. Percepo,
observao, sentimento, pensamento, so vrias formas de conscincia operando
sobre o mesmo contedo, que o direito.
A soma dos efeitos a eficcia. Podemos arguir que um
suporte sem eficcia no fato jurdico, delimitado, delineado ao longo de todo o
percurso explanatrio.
De incio tomemos os eventos, potencialmente fatos, j que
basta a colocao em linguagem prpria jurdica para que a transmutao ocorra.
Desta maneira, imperioso afirmar que fatos ingressam no sistema por meio de
normas.
30
Nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho28, constri-se um fato
jurdico compondo uma frase normativa capaz de trazer norma individual e concreta
antecedente dentro das regras sintticas e de acordo com os limites trazidos
pela norma geral e abstrata.
O direito subjetivo e deveres correlatos esto na relao
jurdica pressupondo, necessariamente, a norma jurdica individual e concreta. No
h, ento, a situao se diante de normas gerais e abstratas.
Para alcanar a coerncia lgica necessria ao percurso,
devemos pressupor a uma situao em que exista o ponto de partida, um FATO
inaugural, que com respaldo na teoria kelseniana denomina-se Norma Hipottica
Fundamental29.
Fatos no juridicizados so os eventos. Incapazes de trazer a
linguagem necessria ao Direto, do origem e sustentculo quilo que
eventualmente portar as caractersticas relevantes ao mundo jurdico.
Fontes so sempre enunciao, aqui entendida, por Trek
Moyss Moussallem30 como ato de produo normativa.
Todas as normas do sistema fundamental, como o , por
exemplo, a Constituio Federal de 1988 esto na Norma Hipottica Fundamental.
28 O Absurdo da interpretao econmica do fato gerador Direito e sua autonomia o paradoxo
da interdisciplinaridade. In Revisitando Teoria do Fato Jurdico Homenagem a Marcos Bernardes de
Mello. Fredie Didier Jr. e Marcos Ehrhardt Jr. So Paulo: Saraiva, p. 482.
29 Proveniente da obra de Adolf Merkel, com a estrutura piramidal e com ponto final na norma
hipottica fundamental, assumida por Hans Kelsen em toda sua obra, especialmente Teoria Pura do
Direito.
30 Fontes do Direito Tributrio. So Paulo: Max Limonad. 2001, p. 80.
31
Teremos, ainda que perceber as diferenas no percurso entre
a relao causa e efeito da relao meio-fim, lembrando a necessidade de percorrer
as denominaes utilizadas, por intermdio do pensamento argumentativo de Luis
Alberto Warat31 e a transmutao dos entimemas32. As colocaes so trazidas e
usualmente colocadas prova, para a demonstrao ou no de sua adequao
ao Direito estudado.
Ainda, a objetivao de significados normativos equivale
linguagem normativa. Todos os fatos so de origem inter-humana.
Outra vertente importante consta da explanao de E. H.
Gombrich33 trazendo a concepo de que no h nada que em si possa receber o
nome Arte, mas, por sua vez a concepo existe se estivermos mencionando artistas.
Ao Direito, aos fatos, pertence a nomenclatura capaz de
permitir percorrer caminhos e alinhavar aquilo que relevante para a Relao Jurdica
e, depois, Tributria.
2.2 Apanhado terminolgico
Tracemos, pois, o percurso, inerente ao estudo do Direito. A
viso de Lourival Vilanova pretende ser bidimensional. Diferentemente, a corrente
31 O discurso e sua linguagem. 2 ed. Porto Alegre: Sergio Antnio Fabris. 1995, p.87.
32 Silogismo fundamentado na verossimilhana, baseando-se em crenas sociais estereotipadas sem
submeter-se a demonstraes lgicas.
33 A histria da Arte. 16 ed. Lisboa: LTC. 1999, p. 15.
32
unidimensional a retrica, que d a linguagem com autorreferente. No h
negao ao mundo exterior, mas sim ignora-o.
Para a linguagem, o suporte fsico um dado material, que
no pode jamais ser ignorado. As percepes necessrias, j que os conceitos, pode-
se dizer, so incapazes de existir isoladamente.
Em Niklas Luhmann o ordenamento s adquire feio
sistemtica quando adotado pela cincia, esmiuado adiante nas possibilidades de
linguagem colhidas e contextualizadas.
O ser humano quem expede todas as normas individuais e
concretas, em todas as situaes, inclusive de espao e de tempo. A decadncia,
desse modo, deve ser formalmente vertida em linguagem competente. E a
homologao tcita, pergunta-se. Como fato jurdico, deve assumir a forma
expressa.
Dado o fato jurdico, deve ser o seu efeito. Preciso, portanto,
das nomenclaturas pertinentes para, com isso, objetivar aquilo que o universo
jurdico considerou como relevante ao contexto social em que inserido, sendo capaz
de produzir consequncias.
As situaes so colocadas, dentro do Direito, da forma
considerada relevante ao intrprete. H, pois, estudos em que os valores dentro das
normas so analisados, mas no destacados, como ocorre na obra de Carlos
Cossio34.
34 La teoria egologica del derecho y el concepto jurdico de libertad. 2 ed. Buenos Aires: Abeledo-
Perrot, 1964, passim.
33
H um fato-espcie na norma, fato usado tambm na norma
geral e abstrata (no necessrio aqui dado fato, deve-ser). Refere-se aqui ao
fato tpico, no a um fato jurdico.
Mesmo nas aes de mera conduta haver sempre uma
mnima causalidade. O entendimento necessrio se percebemos as mincias
trazidas em todo o procedimento jurdico.
Pois bem, analisada a carga terminolgica contida na omisso,
no h, em sua hiptese, uma relao de causalidade.
Quando no se tratar de fato jurdico a condio pode ser
evento da hiptese ftica.
As objetivaes de linguagem jurdica so colocadas no
ordenamento de forma pontual, de maneira que suas fontes so levadas em
considerao para sermos capazes de objetivar as postulaes normativas. Assim:
Intrasistmica juiz quando expede norma
Fontes
Extra sistmica poder constituinte
Na teoria de Lourival Vilanova, podemos afirmar ser norma
jurdica estrutura lgico-sinttica de significao, levando em conta que a estrutura
lgica universal. Posta em determinada sintaxe, obedece a leis lgicas e leis
sintticas de significao.
Devemos, ainda, ter em mente, nos ensinamentos de Paulo de
Barros Carvalho, de que de todo fato jurdico nasce a relao jurdica,
34
diferentemente do entendimento de que aqueles podem estar inseridos na
capacidade de produzir normas, relaes jurdicas ou situaes assemelhadas.
O conceito qualquer que seja - pode muitas vezes se
misturar, como verificamos em Marcos Bernardes de Mello35:
Porque dentre as diversas espcies de fatos jurdicos lcitos, a
vontade somente constitui elemento nuclear do suporte ftico
dos atos jurdicos latu sensu (= atos jurdicos strictu sensu e
negcios jurdicos) apenas esses passam pelo plano da
validade.
Com efeito, no possvel ter como invlido um fato jurdico
stricto sensu, porque seria absolutamente sem sentido dizer-
se que um fato da natureza nulo ou anulvel. A natureza
infensa vontade humana. O fato natural existe, , por si
mesmo, independentemente das qualificaes que o homem
lhe atribua. Jamais se poderia dizer nulo um nascimento, ou
uma morte, por exemplo, precisamente porque ocorrem no
mundo das realidades naturais e, por isso mesmo, no podem
ser desconsiderados sem que se contrarie a prpria natureza
das coisas. A presena fsica do fato no mundo no pode ser
negada, simplesmente.
medida em que se percebe certa confuso entre os
conceitos, tambm devemos ser capazes de administrar cada um dos lxicos
ofertados, trazendo o necessrio para, na construo das premissas, chegar aos
resultados adequados. Entendimentos sero to vigorosos quanto forem as
premissas sobre s quais se fundem.
35 Teoria da Fato Jurdico. Plano da Validade, 14 ed. So Paulo: Saraiva. 2014, p. 17.
35
Considerar-se-ia, na qualidade de fato, todo e qualquer
enunciado de linguagem, trazendo verbo no passado e com delimitaes de espao
e de tempo.
Nos dizeres de Lourival Vilanova36 o direito um fato cultural,
um de cujos componentes a linguagem. Alinha, ainda, ao raciocnio a assertiva
de ser a linguagem jurdica suporte material das formas.
Necessrio, ainda, alinhar o conceito de ato jurdico, como
forma de dar valia s condies trazidas para a relao jurdica tributria. Para tanto,
deslinda Paulo de Barros Carvalho37:
O ato jurdico administrativo ponente de ua norma individual e concreta no sistema do direito positivo, funcionando como veculo introdutor. O contedo do ato a prpria norma, que por sua vez, tem tambm seu contedo, consistente em indicar o fato jurdico tributrio, cujas notas se subsumem aos critrios da regra-matriz de incidncia, bem como instituir a obrigao tributria, tomada, neste passo, como equivalente nominal de relao jurdica de carter patrimonial.
Objetivamente devemos ter em conta a necessidade de traar
todas as possibilidades existentes em torno de um conceito, estabelecendo a
fenomenologia capaz de envolver o objeto estudado.
36 As estruturas lgicas e o sistema de Direito Positivo. So Paulo: Max Limonad. 1997, p. 65.
37 Direito Tributrio. Fundamentos jurdicos da incidncia. 10 ed. So Paulo: Saraiva. 2015, p. 276.
36
2.3 Necessrio posicionamento diante de Fatos
Construdo o Fato, constri-se a realidade jurdica que ser
posta prova to logo seja necessrio diante das inquietaes inerentes ao ser
humano. Todo fato juridicamente relevante, no entender de Lourival Vilanova38 tem
como pressuposto a capacidade de estar na posio de sujeito de direito ativo ou
passivo nas relaes jurdicas. Esse aspecto pessoal deve estar sempre presente.
No entender de Manuel A. Domingues de Andrade39, posso
definir negcio jurdico como fato voluntrio licito, tendo por ncleo declaraes
de vontade privada, pretendendo a produo de efeitos prticos predominantemente
de natureza econmica.
Pela anlise da doutrina de Pontes de Miranda temos o
movimento tendencioso de acreditar que, em momentos cronologicamente distintos,
a norma faz nascer o fato e, posteriormente, o advento da relao jurdica.
Entendemos, sim, que a norma faz nascer o fato e a relao jurdica,
concomitantemente.
Nem toda norma geral e abstrata tem norma individual e
concreta. A reflexo vlida para que sejam percebidas todas as realidades jurdicas
postas, com capacidade de trazer ensaios.
No entendimento de Joo Maurcio Adeodato:40
38 Causalidade e Relao no Direito. 4 ed. So Paulo: RT. 2000, p.171.
39 Teoria Geral da Relao Jurdica. vol. II. Coimbra.: Almedina. 2003, p. 25.
40 Uma teoria retrica da norma jurdica e do direito subjetivo. So Paulo: Noeses. 2011, p. 71.
37
A dvida saudvel a premissa inicial do ceticismo, a
convico de que os atos humanos e os eventos percebidos
processam-se casualmente, ou seja, sempre podem ocorrer de
modo diferente e vo admitir interpretaes diversas. Da
perspectiva do conhecimento, sempre so possveis
enunciados opostos sobre um mesmo evento e no h critrio
que possa distinguir os corretos dos incorretos: argumentos
contrrios podem apresentar igual fora, a dvida trazida
pela isostenia41.
Tendo origem no Direito Romano, deve ser observada a
impossibilidade do non liquet, mesmo que s avessas, deixando patente a
necessidade de uma tomada de posio. Expliquemos.
Muitas vezes os Fatos e consequentemente as relaes
jurdicas so postas a prova, para que o Judicirio se manifeste em situaes
concretas. Para no dizer que se omitiu, sustenta seu posicionamento em questes
oblquas, sem dar azo quilo que realmente seria o ponto fulcral, como teremos
oportunidade de perceber nas questes relativas observncia das situaes
pontuais envolvendo, v.g. guerra fiscal.
Inquestionvel a possibilidade e, muitas vezes, efetiva
necessidade de mudanas no posicionamento, to cara aos operadores do Direito
41 ISOSTENIA. - Parola greca (), significante in generale "equivalenza di forza" ed entrata
nella terminologia filosofica principalmente per opera degli scettici. "Isostenia, equipollenza degli
argomenti" ( ) chiamavano essi infatti la condizione per la quale non era dato
accogliere, di ciascun problema filosofico, piuttosto l'una che l'altra delle due antitetiche soluzioni
possibili, entrambe risultando sostenute da argomenti di pari valore. Sull'isostenia si basava quindi
quella "sospensione dell'assenso", cio quel rifiuto di uscire, con un'asserzione qualsiasi, dalla
sistematica posizione di dubbio, a cui secondo essi doveva ridursi ogni sapienza e saggezza. (In
http://www.treccani.it/enciclopedia/isostenia_(Enciclopedia-Italiana)
38
ao construir o sistema. Inadmissvel a utilizao de subterfgios para no exercer
pontualmente o que lhe exigido.
Alis, artigo 140 do Cdigo de Processo Civil determina ao
julgador o dever mssen de decidir, no podendo alegar lacuna, sequer
obscuridade no ordenamento, constituindo, pois, a percepo do direito processual
que consegue destacar o resultado do processo como execuo de garantia do
direito material, conforme conclui Jos dos Santos Bedaque42.
Tomemos, pois, por base, a deciso proferida no Supremo
Tribunal Federal, quando do julgamento do alardeado caso sobre a incidncia
tributria nas controladas e coligadas no exterior, em que restou percebida a
repercusso geral:
TRIBUTRIO. IMPOSTO SOBRE A RENDA E PROVENTOS DE
QUALQUER NATUREZA. CONTRIBUIO SOCIAL SOBRE O
LUCRO LQUIDO. PARTICIPAO NOS LUCROS DEVIDOS POR
EMPRESAS ESTRANGEIRAS S PESSOAS JURDICAS
SEDIADAS NO BRASIL. CONTROLADAS E COLIGADAS.
MOMENTO EM QUE SE APERFEIOA O FATO JURDICO
TRIBUTRIO. CONCEITO CONSTITUCIONAL DE RENDA.
CONCEITOS DE DISPONIBILIDADE JURDICA E DE
DISPONIBILIDADE ECONMICA DA RENDA. MTODO DA
EQUIVALNCIA PATRIMONIAL (MEP). ART. 43 DO CTN. MP
2.158-34/2001 (MP 2.135-35/2001). ART. 248, II DA LEI
6.404/1976. ARTS. 145, 1, 150, III, A e 153, III DA
CONSTITUIO. Proposta pelo reconhecimento da
repercusso geral da discusso sobre a constitucionalidade do
art. 74 e par. n. da MP 2.158-35/2001, que estabelece que
os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior
sero considerados disponibilizados para a controladora ou
42 Direito e Processo Influncia do direito material sobre o processo. 2 ed. So Paulo: Malheiros,
p. 78.
39
coligada no Brasil na data do balano no qual tiverem sido
apurados, na forma do regulamento, bem como que os lucros
apurados por controlada ou coligada no exterior at 31 de
dezembro de 2001 sero considerados disponibilizados em 31
de dezembro de 2002, salvo se ocorrida, antes desta data,
qualquer das hipteses de disponibilizao previstas na
legislao em vigor. (RE 611586 RG/PR, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, Pleno, j. 05/04/2012)
Discute-se a situao que prev a incidncia do Imposto sobre
a Renda e da Contribuio Social sobre o Lucro Lquido (CSLL) sobre os resultados
de empresas controladas ou coligadas no exterior, na data do balano no qual
tiverem sido apurados. A deciso resultou na aplicao, s controladas situadas em
pases considerados parasos fiscais43, mas no no caso de coligadas localizadas
em pases sem tributao favorecida, ou que no so condicionantes de "parasos
fiscais".
Do voto proferido pelo Ministro Relator, temos concretamente
o cuidado em que seja percebido e demonstrado o fato, especialmente cercado da
necessria motivao44:
43 Dispositivo nominalmente listado e atualizado em procedimento infralegal da Secretaria da Receita
Federal do Brasil denominada Instruo Normativa, com periodicidade ajustada s mudanas
factuais.
44 Como forma de fundamentao justificada, sendo nos dizeres de Celso Antnio Bandeira de Melo,
em algumas hipteses de atos vinculados, isto , naqueles que h aplicao quase automtica da
lei, por no existir campo para interferncia de juzos subjetivos do administrador, a simples meno
do fato e da regra de Direito aplicada pode ser suficiente, por estar implcita a motivao. Todavia,
em que existe discricionariedade administrativa ou em que a prtica do ato vinculado depende de
atirada apreciao e sopesamento dos fatos e das regras jurdicas em causa, imprescindvel
motivao detalhada. (MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 33 ed.
So Paulo: Malheiros, 2016. p. 102).
40
Se a empresa estrangeira no estiver sediada em um paraso
fiscal, a autoridade tributria deve argumentar e provar a
evaso fiscal, isto , a ocultao do fato jurdico tributrio ou
da obrigao tributria. Essa argumentao e essa prova
fazem parte da motivao do ato de constituio do crdito
tributrio, que deve ser plenamente vinculado.
Mais. Novamente o Supremo Tribunal Federal, alinhando
situaes de competncia tributria constitucionalmente estabelecidas com possveis
admisses, pelo reconhecimento no Poder Judicirio, de fatos jurdicos tributrios:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINRIO.
CONSTITUCIONAL. TRIBUTRIO. ENERGIA ELTRICA. NO
INCIDNCIA DE IMPOSTO SOBRE SERVIO DE QUALQUER
NATUREZA ISSQN. PRINCPIO DA EXCLUSIVIDADE
TRIBUTRIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO. I luz do disposto no art. 155, 3, da
Constituio Federal, exceo dos impostos de que trata os
arts. 155, caput, II, e art. 153, I e II, da Constituio Federal,
nenhum outro imposto poder incidir sobre operaes
relativas a energia eltrica, servios de telecomunicaes,
derivados de petrleo, combustveis e minerais do Pas. II A
norma constitucional restritiva e incisiva quanto s hipteses
de incidncia tributria permitidas nas referidas operaes,
no se admitindo interpretao extensiva para alcanar fatos
jurdicos tributrios nela no contemplados. (RE 631225
RG/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2 T, j. 05/08/2014)
A anlise aqui leva em conta a exclusividade que a Constituio
oferta ao ICMS para questes tributrias relativas energia eltrica dentre outras.
O argumento utilizado na deciso de que se analisadas as relaes-de-implicao
do tributo em questo, no h espao para denominados servios-meio, contidos na
hiptese de incidncia do ISS.
41
Concordando ou no com o referido posicionamento para
o caso concreto, h que se perceber que as competncias tributrias desenhadas e
trazendo os fatos jurdicos tributrios no impedem a percepo das normas de
imputao para um ou outro tributo.
Lembre-se, alis, Geraldo Ataliba e Aires Barreto45 estar na
Constituio as normatizaes capazes de encaminhar conflitos de competncia
tributria, tanto em relao a hipteses de incidncia distintas como tambm para
discordncias levando em conta um nico tributo, in casu, o ISS.
Pois bem. Havendo fato, deve haver a correspondente prova,
sem a qual a aplicao de convices diante de situaes concretas no se mantm.
imperiosa a necessidade de que as razes para determinado posicionamento se
sustente diante de sua efetiva comprovao.
Demonstrao pertinente, ainda, est presente na enunciao
de Celso Antnio Bandeira de Mello46:
Suspeita no prova. Nem mesmo se pode supor que o
simples indcio autorize a concluir pela m f. Indcio no
prova; elemento de suspeita. Prova fator de
convencimento. Corresponde ao fato ou concurso de fatos
cuja existncia ou relacionamento conduzem a uma convico.
O indcio faz irromper uma dvida e leva suspeita. A prova
dirime a dvida e confirma a suspeita, por que desemboca na
demonstrao, que gera o convencimento.
45 ISS Conflitos de competncia e tributao de servios. Revista de Direito Tributrio, n. 6. So
Paulo: RT. Outubro/Dezembro de 1978. p. 56.
46 Procedimento Tributrio. In Revista de Direito Tributrio n. 7-8. So Paulo: RT. Janeiro/Junho
1979, p. 67.
42
Fica a convico de que o fato s consegue se manter, quando
posto a questionamento, diante de elementos capazes de patentear contedo de
significao as provas.
2.4 Contedos de significao
Sigamos, pois, evidenciando situaes que tragam capacidade
de fortalecer aquilo que o fato jurdico tributrio pressupe, ajustando as imposies
e trazendo mincias que de uma ou outra maneira contribuem no fortalecimento do
conceito.
Se nosso subsistema constitucional tributrio to rico em
estipulaes, normatizando sobremaneira aquilo que entende como necessrio,
nada mais lgico que dali sorver tudo o que for possvel para emitir um determinado
juzo, ainda que sequer seja necessrio trazer de outros campos normativos suportes
que porventura possam aparecer.
Podemos permanecer no texto constitucional, que muitas
vezes apenas replicado nos regramentos infraconstitucionais, dizendo sempre o
direito de maneira exaustiva, buscando abranger possibilidades maiores que outros
pases no se preocuparam atingindo aqui a peculiaridade de um contedo
diferenciado.
Para Kelsen, se estamos diante de um conflito de normas
(Deus existe/Deus no existe) e, o que seria, para a maioria dos juristas visto como
incompatibilidade lgica, no carrega a simplicidade que parece. Dizer que se
43
aplicam os primados lgicos da no-contradio e regras de inferncia47 s relaes
de normas dentro do direito positivo48 seria equivocado, quer direta ou
indiretamente.
Vrias so as situaes em que a lgica ser aplicada, vale
dizer. Ser aplicada Cincia do Direito, mas no ao direito positivo. Ademais, um
juiz aplica norma geral vlida a um fato que, certamente, no igual ao fato
determinado in abstrato na norma geral, mas coincide essencialmente com o fato
definido na norma jurdica aplicada.
Em dilogo relacionado teoria posta, Klug49 afirma que a
lgica no tem a ver com verdade ou falsidade e, analisadas sob esses termos, no
se pode concluir nada sobre a aplicabilidade da lgica s normas. A lgica,
resumidamente, regra de inferncia, teoria da consequncia. Ainda, inferncias
corretas podem ainda surgir com relao a proposies falsas.
Nas palavras de Joo Maurcio Adeodato50, toda linguagem
precisa produzir vagueza e ambiguidade e assim mais ainda com a linguagem
cientfica. Preenche funes por meio de paradigmas, exemplos, dados empricos,
no apela noo de verdade nem dispe de critrios racionalmente necessrios ao
intelecto, alm da linguagem.
Nos dizeres de Joo Maurcio Adeodato51:
O significante cristaliza significados, como que um portador
deles, provoca a necessidade de interpretao do signo. O
47 Processo de pensamento que, partindo de um ou mais juzos, termina em outro juzo cuja verdade
est contida nos juzos anteriores.
48 Normas juridicas y analisis logico. Madri: Benzal, p. 114.
49 Normas juridicas y analisis logico. Madri: Benzal, p. 123.
50 Uma teoria retrica da norma jurdica e do direito subjetivo. So Paulo: Noeses. 2011, p. 99.
51 Uma teoria retrica da norma jurdica e do direito subjetivo. So Paulo: Noeses. 2011, p. 137.
44
evento um dado nico, irrepetvel e inapreensvel,
incognoscvel. O signo um substrato fsico.
Significante e significado so, pois, conceitos correlatos, mas
sem o mesmo contedo retrico52, embora busquemos de todas as formas uma
aproximao entre ambos, na forma de metodologia de estudo.
No sem razo Joo Maurcio Adeodato53 enfatiza que, se
estamos observando relaes intersubjetivas, temos por fulcral aquelas que trazem
conflitos, seres humanos divergindo sobre significados de seus relatos sobre os
eventos do mundo. Assim:
Este mundo, que a cincia se esfora por compreender,
explicar e controlar, no uma grandeza ou realidade
independente do conhecimento humano, como uma ontologia
prvia dada, que se coloca diante do sujeito como objeto.
O mundo literalmente construdo pela comunicao humana.
Sempre preciso ter presente que as situaes postas no
encontram identidade, h sempre a semelhana, mas no analogia. Em termos
lgicos, estamos tratando da relao de identidade.
Ocorre que, no direito, passadas as normas para o papel,
nunca teremos a mesma impresso, igual quantidade de tinta, dentre outras
situaes perceptveis. Sempre podemos vislumbrar, mesmo que muitas vezes quase
imperceptvel, distines efetivamente existentes.
52 Uma teoria retrica da norma jurdica e do direito subjetivo. So Paulo: Noeses. 2011, p. 142.
53 Uma teoria retrica da norma jurdica e do direito subjetivo. So Paulo: Noeses. 2011, p. 137.
45
Marcos Bernardes de Mello54 explica:
A vida social se compe, essencialmente, de relaes, porque
depende, em carter de necessidade, da interao entre seres
humanos: o homem diante de outro homem, ou da
comunidade, em interferncia intersubjetiva. Dentre as
relaes inter-humanas que integram o universo social h
aquelas que resultam direitos deveres, pretenses
obrigaes, aes situaes de acionado, excees
situaes de excetuado, enquanto outras no produzem
consequncia jurdica alguma.
H que se ter em conta a assertiva de Misabel Abreu Machado
Derzi55, no seguinte sentido:
Quando a Constituio usa um conceito, um instituto ou forma
do Direito Privado, o nome empregado denota certo objeto,
segundo a conotao que ele tem na cincia jurdica
particular, da qual se origina. A conotao completa que
advm da cincia do Direito Privado condio prvia de
inteligibilidade e univocidade do discurso constitucional. E se a
Constituio se utiliza desse sentido, extrado de certo ramo
jurdico, para assegurar a discriminao e delimitao de
competncia, enfim o pacto federativo, no dado ao
legislador infraconstitucional alter-lo. Permitir ao intrprete
ou ao legislador ordinrio que alterasse o sentido e alcance
desses institutos e conceitos constitucionalmente empregados
seria permitir que firmasse sem licena da Constituio, novo
pacto federativo, nova discriminao de competncia. Sendo
assim, o art. 110 do CTN determina a cristalizao da
denotao e da conotao jurdica daqueles institutos,
54 Teoria do Fato Jurdico. Plano da Eficcia. 1 parte. So Paulo: Saraiva. 1997, p 170.
55 Direito Tributrio Brasileiro, BALEEIRO, Aliomar. Notas de atualizao de DERZI, Misabel Abreu
Machado. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense. 1999 p. 492.
46
conceitos e formas, vedando-se ao legislador tributrio a
alterao de sentido que prpria do Direito Privado.
A Constituio traz a necessidade, adequada sua capacidade,
de perceber os conceitos oriundos do direito privado e respeit-los na percepo
original que carregam. Temos presente, novamente, a competncia tributria
impositiva e a possibilidade de que denominaes com as caractersticas originais
que carregam sejam preservadas.
Outra percepo importante trazida pela teoria
comunicacional do direito. Seu precursor, Gregorio Robles56 cuida das questes
relevantes e trabalha o procedimento no es otra cosa que una regla o norma que
establece lo que un sujeto tiene que [mssen] hacer para realizar una accin (en su
sentido esttico). Dicho de otra forma: todo procedimiento se expresa verbalmente
(comunicativamente) por medio de una regla o norma que establece los requisitos
necesarios del hacer en que consiste una determinada accin.
Pois bem. Evolui Gregorio Robles57 afirmando que la regla de
procedimiento establece la accin genrica, el modelo o estereotipo de accin, del
que la accin concreta no constituye sino la actuacin de un sujeto determinado en
una situacin determinada de dicha accin genrica. Esta se manifiesta verbalmente
en un procedimiento genrico que es el que establece la regla.
Pode-se concluir ter cada ao seu prprio procedimento,
sendo este, utilizando o exemplo dado anteriormente, formado pelos atos de realizar
operao de importao de mercadoria, com desembarao aduaneiro em local do
56 Teoria del Derecho. Fundamentos de Teoria Comunicacional del Derecho. Volumen I. Madrid:
Civitas. 1998, p. 234.
57 Teoria del Derecho. Fundamentos de Teoria Comunicacional del Derecho. Volumen I. Madrid:
Civitas. 1998, p. 235.
47
territrio vantajoso para a empresa, ali devidamente constituda, com respaldo em
benefcio fiscal, oriundo de deliberao no Confaz, a ttulo de exemplo.
Inexiste fato social sem norma, que no precisa ser,
necessariamente, a norma jurdica.
Necessitamos mais e mais nominar, alinhar, dizer o direito,
com as anotaes Joo Maurcio Adeodato58:
A Stufenbau de Adolf Merkel, estrutura piramidal adotada por
Hans Kelsen, constitui uma metfora adequada para essa
necessidade de um centro produtor de normas, a pretenso de
monoplio da juris dictio, uma instncia final que no apenas
resolva todo e qualquer problema juridicamente relevante
como tambm elimine do mbito jurdico o irrelevante. Ou
seja: o Leviat decide sempre e decide tudo, nada se lhe
escapa.
Roberto Jos Vernengo59, entretanto, refuta a ideia de que a
toda relao jurdica uma relao real entre seres humanos, para dizer tratar-se
de relao normativa, j que as aes ou omisses dos seres humanos que foram
selecionadas, foram feitas por meio de normas.
58 Uma teoria retrica da norma jurdica e do direito subjetivo. So Paulo: Noeses. 2011, p. 53.
59 Curso de Teoria General del Derecho. 2 ed. 4 Reimpresso. Buenos Aires: Depalma. 1995, p.
243.
48
2.5 Enunciados
Todo enunciado tem a sua significao. J a norma jurdica,
estrutura de significaes. A norma sempre implcita, j que o que se revela o
contedo material das significaes. Percebe-se enunciados implcitos, embora
possamos atestar inexistir normas explicitas.
Assim, no sistema do direito positivo podemos buscar sua
estrutura, com a racionalidade necessria para ser compreendido pelos sujeitos
destinatrios, na condio de sistema60.
Com a construo da espiral hermenutica, to cara na obra
de Paulo de Barros Carvalho, somos capazes de perceber o direito positivo tal como
possvel com as suas subdivises.
Trazendo para teoria uma inovao, outrora j trabalhamos
com o desmembramento do sistema S2, com a demarcao de enunciados,
nomeando-os para assim trabalharmos com as noes pertinentes. Nossa proposta
para a construo da espiral hermenutica vem disposta como percebido a seguir.
2.5.1 S1 Conjunto de enunciados subsistema da literalidade textual
Cuida da base, o plano capaz de ofertar ao intrprete o
primeiro contato com a mensagem do legislador. Primeira verificao do processo
interpretativo, seu respaldo se restringe ao plano sinttico.
60 Entendido como sinnimo de ordenamento, exatamente como Trcio Sampaio Ferraz Jr., em sua
obra, especialmente Introduo ao Estudo do Direito.
49
Levado em conta o entendimento de Hans-Georg Gadamer61
o conceito geral, a que faz referncia o significado da palavra, se enriquece, por
sua vez, com a contemplao da coisa que ocorre em cada caso, de maneira que,
no final, se produz uma formao nova e mais especfica da palavra, mais adequada
ao carter particular de contemplao da coisa.
O sentido especfico de cada palavra, quando partimos da
leitura da Constituio, suas emendas, deciso judicial, contrato e todos os outros
formadores do imenso repertrio existente no sistema jurdico brasileiro.
2.5.2 S2 Conjunto de enunciados subsistema da compreenso
So os enunciados os suportes das significaes, sua produo
de sentido. Aqui, ento, passamos do plano da literalidade textual e ingressamos no
plano do contedo, na visualizao do contexto relativo ao texto primeiramente
apercebido.
Como estamos diante do suporte das significaes, com a sua
produo de sentido, tomamos conscincia do processo comunicacional com a
percepo de contedo que pode ter em si.
Traremos, ento, pelo agrupamento lgico que exigem, dois
grandes grupos: enunciados prescritivos e enunciados principiolgicos.
61 Verdade e mtodo traos fundamentais de hermenutica filosfica. 3 ed. Petrpolis: Vozes.
1999, p. 623.
50
Plano S2
Enunciados Prescritivos
estabelecendo entidades
estabelecendo procedimentos
estabelecendo modais
estabelecendo competncia ou
capacidade
estabelecendo limites de
espao
estabelecendo limites de tempo
Enunciados Principiolgicos
estabelecendo valores
estabelecendo limites objetivos
2.5.2.1 S2 Enunciados prescritivos
Cuida-se, de maneira universal, de enunciados que estipulam
regramentos ao interlocutor.
Estabelecem, cada qual com suas caractersticas peculiares,
aspectos relevantes para a percepo da norma jurdica com sentido dentico
completo.
Quando Paulo de Barros Carvalho estabelece que ocorre
subsuno do fato norma com a operao de incidncia, ao recortar o legislador
eventos da vida real, dando-lhes fora para, relatados em linguagem competente,
51
suscitar os comportamentos que entende valiosos, garantindo seu ato de vontade,
mediante a presso psicolgica de sanes, associadas, uma a uma, a cada
descumprimento de dever estabelecido62, j est vislumbrando o agrupamento, em
uma unidade lgica, desses acontecimentos que o legislador julgou importantes,
trazendo-os para a compor o sistema jurdico.
Ocorre que, num momento anterior, percebemos a existncia
desses mesmos fatos sociais e fsicos, agora juridicizados, sem que ainda estejam
formando a norma jurdica em sentido estrito, o que no impede que sejam
ordenados de forma a ressaltar suas caractersticas comuns. Sero, ento,
subdivididos em seis grupos, considerando as peculiaridades dos enunciados.
2.5.2.1.1 Enunciados prescritivos que estabelecem entidades
Tm por funo definir os bens jurdicos, os sujeitos, a base
de clculo, os elementos qualificadores da alquota. Cuidam, por bem, de estipular
tanto a entidade, no caso de informar, exemplificando, o que seria base de clculo,
como tambm especificar sua qualificao, dizendo qual ser a base de clculo.
62 Curso de Direito Tributrio, p. 242
52
2.5.2.1.2 Enunciados prescritivos que estabelecem procedimentos
So os que estabelecem, constituem ou criam a ao. Tem
como intuito primordial determinar o que deve ser feito para que o fato tenha
existncia jurdica. Temos, aqui, os fatos jurdicos.
Vale a definio de Lourival Vilanova63 para quem fato jurdico
uma concreo que se d num ponto do tempo e num ponto do espao. Alcana
juridicidade quando incidir sobre ele alguma norma e, com isso, a produo de
efeitos, denominada assim de relao de causalidade normativa.
2.5.2.1.3 Enunciados prescritivos que estabelecem modais
So os enunciados pelos quais se expressa o direito positivo,
podendo ser apenas e to somente de trs tipos: permitido, obrigatrio e proibido.
Esclarece Lourival Vilanova64 que estas locues no tm por caracterstica descrever
como o sujeito, de fato, se comporta, mas, na verdade, como ele deveria se
comportar.
63 Causalidade e relao no direito. 4 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais. 2000, p. 144 e s.
64 As Estruturas Lgicas e o Sistema do Direito Positivo. So Paulo: Max Limonad. 1998 p. 69.
53
2.5.2.1.4 Enunciados prescritivos que estabelecem competncia ou capacidade
Tm por funo delimitar quais aes licitas ou ilcitas o
sistema jurdico admite, como possveis, aos sujeitos que previamente determina.
Tomemos como exemplo o artigo 904 do Regulamento do Imposto sobre a Renda
RIR/99 (Decreto 3.000, de 29/03/1999), assim dispondo: A fiscalizao do imposto
compete s reparties encarregadas do lanamento e, especialmente, aos
Auditores-Fiscais do Tesouro Nacional, mediante ao fiscal direta, no domiclio dos
contribuintes65.
Aos sujeitos, denominados Auditores Fiscais do Tesouro Nacional ficou determinada
a competncia para fiscalizar o domiclio dos contribuintes.
2.5.2.1.5 Enunciados prescritivos que estabelecem limite de espao
Gregorio Robles66, como ressaltado anteriormente, estabelece
analogia entre as regras a que se submetem o direito e os jogos, revelando que as
aes dos jogos, assim como ocorre no direito, ocorrem num espao fsico
predeterminado, de acordo com o que foi convencionado anteriormente.
O jogo de xadrez estipula, como regra, o tabuleiro com
sessenta e quatro quadrados iguais, dispostos oito por oito, na forma de um
quadrado. Temos aqui, ento, o espao fsico que se convencionou para o jogo.
65 Art. 7 da Lei n. 2.354, de 1954.
66 Las Reglas del derecho y las reglas de los juegos. Mexico: Universidad Nacional Autnoma de
Mexico. 1988, passim.
54
Da mesma forma, ao tomarmos o texto da Constituio
Federal, j na leitura do prembulo, ao dispor que Ns, representantes do povo
brasileiro, (...) promulgamos, sob a proteo de Deus, a seguinte CONSTITUIO
DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, temos claro que suas normas valero
dentro das linhas limtrofes do territrio brasileiro.
Pois bem. Aqui os enunciados que, dentro do sistema jurdico,
determinam o mbito de validade da norma.
Enunciados prescritivos contendo limites de espao
mbito de validade territorial do enunciado
reas ou regies especficas para a ocorrncia de determinada ao
local determinado para a ocorrncia do fato tpico
A peculiaridade advm aqui do fato que nem sempre ou
quase nunca vm de forma expressa. A subdiviso culmina em trs tipos: a) os
que estabelecem o mbito de validade territorial do enunciado (implcitos),
coincidindo com as fronteiras do Pas, Estado-membro, Distrito Federal ou Municpio,
dependendo da competncia tributria impositiva, como o so, por exemplo, as
normas inerentes tributao pelo IPI; b) os que estabelecem reas ou regies
especficas para a ocorrncia de determinada ao (enunciados necessariamente
explcitos), determinando pontualmente o local estipulado onde possivelmente
ocorreria a ao, como no caso do IPTU a determinao para a zona urbana do
55
municpio67; e, por fim c) os que estabelecem o local determinado para a ocorrncia
do fato tpico (enunciados necessariamente explcitos), como o territrio aduaneiro
no caso de Imposto de Importao.68
2.5.2.1.6 Enunciados prescritivos que estabelecem limite de tempo
Na mesma linha de raciocnio das regras que estabelecem
limites de espao, aqui a circunjacncia temporal, tanto para a ao dos jogos como
no direito. O timo inicial sempre possvel de ser conhecido, como ocorre com o
primeiro movimento num jogo de xadrez ou, para o sistema jurdico brasileiro,
utilizando-se novamente da Constituio da Repblica, a data de sua promulgao,
qual seja 5 de outubro de 198869.
67 Dispe o Cdigo Tributrio Nacional, em seu art. 32. O imposto, de competncia dos Municpios,
sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domnio til
ou a posse de bem imvel por natureza ou por acesso fsica, como definido na lei civil, localizado
na zona urbana do Municpio.
68 Pelo Regulamento Aduaneiro, estabelecido no Decreto n. 6759/2009: Art. 3o A jurisdio dos
servios aduaneiros estende-se por todo o territrio aduaneiro e abrange:
I - a zona primria, constituda pelas seguintes reas demarcadas pela autoridade aduaneira local:
a) a rea terrestre ou aqutica, contnua ou descontnua, nos portos alfandegados;
b) a rea terrestre, nos aeroportos alfandegados; e
c) a rea terrestre, que compreende os pontos de fronteira alfandegados. 69 Resta disposto no Ato das Disposies Constitucionais Transitrias: Art. 1. O Presidente da
Repblica, o Presidente do Supremo Tribunal Federal e os membros do Congresso Nacional prestaro
o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituio, no ato e na data de sua promulgao.
56
Quando perseguido o termo final, tendo-se em conta que atos
jurdicos buscam perdurar no tempo, ao que Trcio Sampaio Ferraz Jr.70 denomina
comparativamente jogo sem fim.
No direito, ento, geralmente o termo final no vem
previamente estabelecido, assim como no jogo de xadrez e outros em que as regras
no admitem estipulao de termo final.
Enunciados prescritivos contendo limites de tempo
constituio
determinando o dia de entrada em vigor de um diploma normativo
lapso temporal que ter que durar um ordenamento ou conjunto de
disposies concretas
derrogatrios
relativos ao prazo: decadncia/prescrio
referentes ao fato jurdico institudo na hiptese
Pois bem. Num sistema jurdico podemos encontrar seis tipos
de enunciados prescritivos dispondo sobre limites temporais, a saber: a) de
constituio (implcitos), inaugurando ou dando incio existncia de um novo
ordenamento jurdico, como, exemplificadamente, a promulgao da Constituio
Federal, em 5 de outubro de 1988; b) determinando o dia de entrada em vigor de
70 O direito, entre o futuro e o passado. So Paulo: Noeses. 2014, p. 22.
57
um diploma normativo, podendo ser expresso, como na previso contida para
entrada em vigor do Cdigo Tributrio Nacional71, em 1 de janeiro de 1967 ou na
assertiva geral de que a lei comea a vigorar quarenta e cinco dias depois de
publicada, de acordo com a Lei de Introduo s Normas do Direito Brasileiro caso
no haja expressa disposio; c) estabelecendo o lapso temporal que ter que durar
um ordenamento ou conjunto de disposies concretas (podendo ou no existir
at que venha um enunciado derrogatrio), como a previso do 3 do artigo 7
do RICMS/00 de So Paulo72 dispondo sobre a durabilidade do enunciado, qual seja
at 31 de dezembro de 2001; d) derrogatrios, que podem vir de forma explcita ou
no, como a disposio contida no artigo 117 da Lei 12.793/201473, relativa ao
Imposto sobre a Renda em que esto nominalmente revogados os artigos que
menciona; e) relativos ao prazo (podem ou no existir, mas caso existissem, seriam
expressos), especificamente decadncia, como a previso do artigo 150, 4, do
Cdigo Tributrio Nacional74 de cinco anos e prescrio, como prev o artigo 10,
71 Disciplina o Cdigo Tributrio Nacional: Art. 218. Esta Lei entrar em vigor, em todo o territrio
nacional, no dia 1 de janeiro de 1967, revogadas as disposies em contrrio, especialmente a Lei
n. 854, de 10 de outubro de 1949. (Renumerado do art. 217 pelo Decreto-lei n 27, de 1966)
72 Artigo 7 (DDTT) - O estabelecimento frigorfico enquadrado no cdigo da Classificao Nacional
de Atividades Econmicas - CNAE 15113 de que trata o artigo 372, poder transferir para
estabelecimento varejista ou industrial situado neste Estado, simultaneamente operao de
remessa de produtos comestveis resultantes do abate de gado bovino ou suno e na prpria Nota
Fiscal dessa remessa, crdito do imposto acumulado a partir de 1 de novembro de 1996, em razo
da ocorrncia prevista nos incisos I e II do artigo 68 e vinculado entrada de gado em p bovino ou
suno de outro Estado, e crdito recebido em transferncia de estabelecimento rural de produtor do
gado bovino ou suno, desde que o imposto transferido no seja superior ao correspondente carga
tributria mxima de 5% (cinco por cento) do valor da operao (Lei 6.374/89, art. 46).
(...)
3 - O disposto neste artigo ter aplicao at 31 de dezembro de 2001.
73 Art. 117. Revogam-se, a partir de 1o de janeiro de 2015: (...).
74 Art. 150. O lanamento por homologao, que ocorre quanto aos tributos cuja legislao atribua
ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prvio exame da autoridade administrativa,
58
inciso V, do Decreto 70.235/197275 em trinta dias; e, por fim, f) referentes ao fato
jurdico institudo na hiptese.
Em termos concretos, a relevncia na esfera tributria est nos
enunciados referentes aos fatos jurdicos tributrios, capazes de trazer todas