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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Vitor Morais de Andrade RESPONSABILIDADE CIVIL E CAUSAS DE QUEBRA DO NEXO CAUSAL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: PECULIARIDADES DO RISCO DE DESENVOLVIMENTO DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Vi tor Mora is de Andrade

RESPONSABIL IDADE CIV IL E CAUS AS DE QUEBRA DO NEXO

CAUS AL NO CÓDIGO DE DEFES A DO CONSUMIDOR:

PECULIARIDADES DO RI SCO DE DESENVOLVIMEN TO

DOUTORADO EM DIREITO

S ÃO PAULO

2016

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Vi tor Mora is de Andrade

RESPONSABIL IDADE CIV IL E CAUS AS DE QUEBR A DO NEXO

CAUS AL NO CÓDIGO DE DEFES A DO CONSUMIDOR :

PECULIARIDADES DO RI SCO DE DESENVOLVIMEN TO

DOUTORADO EM DIREITO

Tese ap resen tada à Banca

Examinado ra da Pont i f í c ia

Un ive rs idade Cató l ica de São

Pau lo , como ex igênc ia pa rc ia l para

ob tenção do t í tu lo de Douto r em

D i re i to , á rea de concent ração

Efe t i v idade do Di re i to do Núc leo de

Pesqu isa em D i re i tos D i fusos e

Co le t i vos , sob a o r ien tação do P ro f .

D r . Marce lo Gomes So d ré .

S ÃO PAULO

2016

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Banca Examinadora

__________________________________

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AGRADECIMENTOS

À m inha famí l ia :

M inha esposa e f i l hos Mar ina , C la ra , Gu i lhe rme,

M inha i rmã Ri ta ,

Meus pa is Ped ro Gu i lhe rme e Mar ia José ,

Meus avós F ranc isco , E l i sa , Mar ia e Fe rnando ( in memor ian ) .

Ao meu o r ien tador e amigo Marce lo Sod ré .

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RESUMO

ANDRADE, V i to r Mora is de . Responsab i l idade C iv i l e Causas de

Quebra do Nexo Causa l no Cód igo de Defesa do Consumidor :

pecu l ia r idades do R isco de Desenvo lv imen to . 224 p . Tese

(dou to rado ) – Facu ldade de Di re i to da Pont i f í c ia Un ive rs idade

Cató l ica de São Pau lo , 2016 .

Es ta tese ana l isa o p rob lema da responsab i l idade c i v i l e o r isco de

desenvo lv imento no Cód igo de P ro teção e Defesa do Consumidor

(Le i n o 8 .078 /90 ) . Pa ra isso , f o i f e i ta uma abordagem c r í t i ca sob re

a temát i ca da responsab i l idade c i v i l , a qua l é ana l i sada sob suas

carac te r ís t i cas ju r íd icas , econômicas e soc ia i s . A cons ta tação de

que inex is te un i fo rm idade de pos ic ionamento na dou t r ina e

ju r i sp rudênc ia nac iona is no que se t ra ta da responsab i l idade do

fo rnecedo r em casos de r i sco de desenvo lv imen to é v i s ta como uma

lacuna regu la tó r ia , que acaba por f rag i l i za r a p rópr ia de fesa de

in te resses dos consumidores . O t raba lho demonst ra , com casos

conc re tos , os ganhos ob t idos quando os danos pode m ser

p rev iamen te l im i tados , o que pe rm i te aos fo rnecedo res e a toda

soc iedade adm in i s t ra r me lho r es te r i sco , se ja com a con t ra tação de

segu ros ou mesmo com a c r iação de fundos gove rnamen ta is ou

se to r ia i s , capazes de faze r f ren te à responsab i l idade po r even tua is

i nden izações, den t ro dos l im i tes e regras es tabe lec idos . Os

exemplos ana l i sado s most ram que no B ras i l os casos de

responsab i l idade po r r isco de desenvo lv imento só fo ram capazes

de inden iza r os consumidores lesados em razão da par t ic ipação dos

S is temas da Segu r idade Soc ia l , o que imp l ica d i ze r que toda a

soc iedade e os t raba lhado res pa r t i c ipa ram, f inance i ramente , da

compos ição do cap i ta l que inden izou consum ido res em ac iden tes

de consumo. Isso demonst ra como é p rec iso que o s is tema ju r íd ico

mude e c r ie cond ições pa ra o t ra tamen to d i f e renc iado da

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responsab i l idade po r r isco de ac iden te de consumo, v i sando

ga ran t i r , ao mesmo tempo, o ressa rc imen to in tegra l do consumido r

l esado e que os cus tos des te ressa rc imen to se jam a t r ibu ído s

somente ao fo rnecedo r ou a even tua is f undos ou segu ros

cons t i tu ídos com a sua par t i c ipação , po r ser uma regra d e jus t i ça .

Pa lavras -chave : DIREITO DO CONSUMIDOR; RESPONSABIL IDADE

CIV IL ; RISCO DE DESENVOLVIMENTO; QUEBRA DE NEXO

CAUSAL;

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ABSTRACT

And rade , V i to r Mora is . Civ i l L iab i l i t y , Causes o f the B reak in the

Causa l L ink and Deve lopmen t R isk in the Consumer Defence Code .

224 p . Doc to ra te Thes is – Facu l t y o f Law Pont i f i ca l Ca tho l ic

Un ive rs i t y o f São Pau lo , 2016 .

Th is thes is exam ines the p rob lem o f c i v i l respons ib i l i t y and

deve lopment r isk in the Consumer P ro tec t ion and Defence Code

(Law n o 8 .078 /90) . Fo r th is reason, a c r i t i ca l approach on the

sub jec t o f c i v i l l iab i l i t y has been deve loped, wh ich is ana lysed f rom

ju r id i ca l , economic and soc ia l v iewpo in ts . The observa t ion tha t no

un i fo rm pos i t ion ex is t s in e i the r na t iona l doc t r ine o r ju r isp rudence

conce rn ing the l iab i l i t y o f the supp l ie r in cases o f deve lopment r i sk

i s seen as a regu la to ry gap , wh ich u l t ima te ly unde rm ines the

de fence o f consumer in te res ts . The work demons t ra tes , by pu t t ing

fo rward concre te cases , the ga ins ob ta ined when losses may

p rev ious ly have been l im i ted , wh ich a l lows fo r supp l ie rs and soc ie t y

as a who le to manage th i s r isk more e f fec t i ve ly , e i the r by tak ing ou t

i nsu rance o r even by c rea t ing governmenta l o r sec to r -based funds

wh ich a re in a pos i t ion to assume the r isk o f indemn i f ica t ions , w i t h in

the f ramework o f es tab l ished leg is la t ion . The examp les wh ich have

been exam ined show tha t in B raz i l cases o f l iab i l i t y t h rough

deve lopment r i sk on ly succeeded in compensat ing those consumers

who were a f fec ted , due to the i r pa r t ic ipa t ion in Soc ia l Secu r i t y

Sys tems, wh ich imp l ies tha t workers , as we l l as soc ie t y as a who le ,

pa r t i c ipa ted f inanc ia l l y i n cons t i tu t ing the cap i ta l used to

compensa te consumers in the case o f consumer - re la ted acc iden ts .

Th is demons t ra tes the ex ten t to wh ich i t i s necessa ry fo r t he jud ic ia l

sys tem to ad jus t and c rea te cond i t ions fo r a d i f f e ren t ia ted t rea tment

conce rn ing consumer acc iden t r i sk l i ab i l i t y , a imed s imu l taneous ly

a t sa feguard ing the in tegra l compensat ion o f the a f fected consumer ,

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wh i le ensu r ing tha t t he cos ts o f th i s co mpensa t ion a re met by the

supp l ie r o r po ten t ia l insu rance funds wh ich i t has he lped t o se t up ,

as a ma t te r o f l aw

Key W ords : CONSUMER LAW ; CIVIL L IABIL ITY; DEVELOPMEN T

RISK; BREAKING OF CAUSAL L INK.

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RI ASSUNTO

And rade , V i to r Mora is . Responsab i l i t à C iv i l e , Cause de l la Ro t tu ra

de l Nesso Causa le ed i l R isch io d i Sv i luppo ne l Cod ice d i Consumo.

224 p . Tes i (do t to ra to d i r i ce rca ) – Faco l tà d i Legge de l la Pon t i f i c ia

Un ive rs i tà Cat to l i ca d i San Pao lo , 2016 .

Questa tes i ana l izza i l p rob lema de l la responsab i l i tà c i v i le ed i l

r i sch io d i sv i luppo ne l cod ice b ras i l i ano d i p ro tez ione e d i f esa de l

consumato re ( legge n . 8 .078 /90 ) . Pe r tan to , è s ta to rea l i zza to un

app rocc io c r i t i co su i tem i de l la responsab i l i tà c i v i l e , la qua le v iene

esamina ta a pa r t i re da l le sue ca ra t te r is t i che g iu r id iche , economiche

e soc ia l i . La cons ta taz ione de l l ’ ines is tenza , in B ras i le , d i

un i fo rm i tà d i pos iz ione de l la do t t r i na e de l la g iu r isp rudenza ne i

con f ron t i de l la responsab i l i tà de l f o rn i to re ne i cas i d i r i sch io d i

sv i l uppo è cons ide ra ta qua le lacuna rego la t r ice che f in i sce

indebo lendo la d i f esa s tessa deg l i in te ress i de i consumato r i .

Questo lavo ro d imost ra , a par t i re da cas i conc re t i , i bene f i c i o t tenu t i

quando i dann i vengono p rev iamente l im i ta t i , i l che pe rmet te a i

f o rn i to r i e a l la soc ie tà d i ammin is t ra re in modo m ig l io re ques to

r i sch io s ia con la con t ra t taz ione d i ass icu raz ion i che con la

c reaz ione d i f ond i gove rna t i v i o se t to r ia l i capac i d i f a r f ron te a l le

responsab i l i tà deg l i even tua l i r i sa rc imen t i , den t ro i l im i t i e le rego le

pa t tu i te . G l i esemp i esamina t i i n ques to lavo ro r ive lano che , in

B ras i le , ne i cas i d i responsab i l i tà d i r i sch io d i sv i luppo , sono s ta t i

r i sa rc i t i so lo i consumato r i dannegg ia t i in rag ione de l la

pa r tec ipaz ione a l S is tema d i S icu rezza Soc ia le . C iò s ign i f i ca che

tu t ta l a soc ie tà e i lavo ra to r i hanno pa r tec ipa to , f inanz ia r iamen te ,

a l la compos iz ione de l cap i ta le pe r r isa rc i re i consumato r i deg l i

i nc iden t i d i consumo. Ques to d imost ra quanto s ia necessa r io che i l

s i s tema g iu r id i co camb i e c re i cond iz ion i pe r i l t ra t t amento

d i f f e renz ia to de l la responsab i l i tà de l r i sch io de l l ’ inc iden te d i

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consumo, m i rando a ga ran t i re , a l lo s tesso tempo , i l r i sa rc imento

in tegra le pe r i l consumato re dannegg ia to e che i cos t i , pe r ta le

r i sa rc imen to , s iano a t t r ibu i t i un icamente a l f o rn i to re o a ev en tua l i

f ond i o ass icu raz ion i cos t i tu i t i con la sua par tec ipaz ione , g iacché

s i t ra t ta d i una rego la d i g ius t i z ia .

Paro le chiavi : D IR ITTO DEL CONSUMAT ORE; RESPONSABIL ITÀ

CIV ILE; RISCHIO DI S VILUPPO; ROTTURA DEL NESSO CAUSALE.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

1 . RESPONS ABIL IDADE CIV IL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21

1 .1 .Responsab i l i dade C iv i l : V isão Gera l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

1 .1 .1 Conce i tos ge ra is . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21

1 .1 .2 B reve h is tó r i co e p ressupostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27

1 .1 .3 Função soc ia l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33

1 .1 .4 Aná l i se econômica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .40

1 .2 Responsab i l i dade C iv i l : Ob r igação de Inden iza r . . . . . . . . . . .52

1 .2 .1 Descumpr imen to de ob r igação p reex is ten te e

responsab i l idade ex t racon t ra tua l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .52

1 .2 .2 Inexecução das ob r igações e mora . . . . . . . . . . . . . . . . . . .62

1 .2 .3 P ressupos tos pa ra inden ização (cu lpa / dano/ nexo

de causa l idade ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .66

1 .2 .4 Do nexo de causa l idade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .73

2.QUEBRA DO NEXO CAUS AL N O CÓDIGO DE DEFES A DO

CONSUMIDOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .82

2 .1 . C láusu las con t ra tua is de não inden iza r . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .85

2 .2 . Cu lpa exc lus iva da v í t ima/consum ido r . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .89

2 .3 . Cu lpa exc lus iva de te rce i ro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .95

2 .4 . Caso fo r tu i t o e fo rça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

2 .5 . Não co locou o p rodu to no mercado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .105

2 .6 . O de fe i to i nex is te . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112

3. R ISCO DE DESENVOLVIMENTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .120

3 .1 . Conce i to de r i sco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120

3 .2 . Conce i to de ince r teza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

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3.3 . P rodu to ou se rv i ço de fe i tuoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .131

3 .3 .1 – Ap resen tação do p rodu to e modo de fo rnec imen to

de se rv i ço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .137

3 .3 .2 – Os r i scos que razoave lmente de le se

espe ram. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .142

3 .3 .3 – A época em que o se rv iço fo i f o rnec i do ou o

p rodu to co locado em c i rcu lação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 47

3 .4 Responsab i l i dade c i v i l po r r isc o de desenvo lv imento . .149

3 .5 . I nden ização ta r i f ada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .171

4. FORMAS DE COMPENS AÇ ÃO DE DANOS POR RISCO DE

DESENVOLVIMENTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17 8

4 .1 – Fundos espec ia i s de compensação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182

4 .2 – R isco de desenvo lv imen to e segu ro pa ra

fo rnecedo res . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .196

CONCLUS ÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202

REFERÊNCI AS BIBLIOGR ÁFICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .20 7

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Temos sede de jus t iça , i s to é , de equ i l íb r io

j u r íd ico , e , quando acon tece um desast re ,

p rocuramos logo o responsáve l ; que remos

que ha ja um responsáve l ; não ace i tamos

ma is , doc i lmente , os go lpes do des t ino , e ,

s im, p re tendemos de te rminar a inc idênc ia

de f in i t i va . Ou, se o qu ise rem, o ac iden te não

nos apa rece ma is como co isa do des t ino , mas

como a to , d i re to ou ind i re to , do homem. Se a

pa lavra não fosse um pouco fo r te , d i r ia com

gôsto que secu la r i zamos a responsab i l i dade ,

que a f i zemos um caso de pura jus t i ça

humana , pa ra v igo ra r no quad ro da nossa

comun idade soc ia l , na con fo rmidade do

equ i l íb r io dos in te resses e dos d i re i tos e

pa ra

sa t is fação da nossa consc iênc ia ju r íd i ca .

Louis Josserand

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INTRODUÇÃO

A d iscussão sobre r i sco é fasc inan te , a lém de ind issoc iáve l de

nossas v idas ind iv idua is e de toda a soc iedade. Não há como

op ta rmos em te rmos uma v ida sem r i scos e tão somente nos cabe

adm in is t rá - los , esco lhendo en t re as opções de compor tamen to , v ida

soc ia l , s i s temas de responsab i l idade e tc . Ass im, op tamos po r

aque la a l te rna t i va que me lho r a tende o n íve l de r i sco que es tamos

d ispos tos a convive r , con fo rme nossas ca rac te r ís t i cas , dese jos ,

amb ições e o rgan ização soc ia l .

No l i v ro Aga ins t the Gods ( t raduz ido no B ras i l com o t í t u lo

Desa f io aos Deuses : A fasc inan te h i s tó r ia do R isco) 1, Pe te r

Be rns te in nos t raz uma envo lven te nar ra t i va sob re a na tu re za do

r i sco e como es te assun to fo i t ra tado ao longo da h is tó r ia , com uma

fo r te tendênc ia de busca r na matemát i ca as bases para l ida r de

fo rma ma is rac iona l com es te fenômeno . Fo i meu in te resse pe la

rac iona l i zação e e f i các ia no ressa rc imen to das v í t imas em caso de

dano por r isco , e as causas de queb ra de nexo de causa l idade , que

me levaram a es tuda r es te tema.

Po r i sso , no desenvo lv imento d es te t raba lho , abo rde i o tema

da responsab i l idade c i v i l po r uma pe rspect i va ju r íd ica , soc ia l e

também econômica . A tese que de fendo é que mode los ju r íd i cos

ma is pe rmeáve is ao rac ioc ín io econômico c r iam ins t rumentos que

l i dam de fo rma ma is e f ic ien te para o ressa rc imento de v í t imas em

casos de danos causados po r r isco de desenvo lv imento . A pa r t i r

des ta p remissa , cons ide ra r as regras de imputação de

responsab i l idade e quebra de nexo causa l é fundamen ta l pa ra

1 BERNSTEIN, Peter L. Desafio aos deusses: a fascinante história do Risco;. Tradução de: Against the gods.

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ana l isa r como o r i sco de desenvo lv imento se insere no s i s tema de

responsab i l idade c i v i l e de que fo rma é t ra tado para a tende r as

necess idades dos consumido res que fo rem v í t imas de dano.

Neg l igenc ia r o rac ioc ín io econômico ge ra p re ju ízos ao p róp r io

consum ido r . A f ina l , pa ra que serv i rão as even tua is dec isões

jud ic ia is ou adm in is t ra t i vas condena tó r ias de um a empresa para

caso de danos deco r ren tes do r i sco de desenvo lv imen to de p rodu tos

ou se rv iços , se o consumido r ou a soc iedade jama is se rão

e fe t i vamente inden izados, se ja po r even tua l f a l ta de recu rsos do

fo rnecedo r ou em razão da demora ou se a des t inação dos va lo res

reco lh idos não vo l ta r pa ra soc iedade pa ra recompos ição do bem

lesado? Neste caso , é ce r to que os e fe i tos dese jados de uma

condenação perde r iam to ta l ou pa rc ia lmente sua função .

Ou t ro pon to de des taque da tese , f o i obse rvar que as

d i ve rgênc ias dou t r iná r ias e ju r isp rudenc ia is re la t i vas a ex is tênc ia

ou não de responsab i l idade d as empresas em caso de r isco de

desenvo lv imento , se to rna ram empec i lhos pa ra l ida r de fo rma ma is

e f i c ien te com o r isco . I sso po rque , es ta ince r teza ge ra d i f i cu ldades

ope rac iona is e des incen t i vos pa ra a c r iação de regras e s is temas

de p revenção e repa ração ma is e fe t i vos pe las empresas . A

con t ra tação de segu ro , po r exemp lo , poder ia to rna r ráp ida e

e f i c ien te a inden ização de m i lha res de consum ido res lesados , a

exemplo do que acon tece em a lguns pa íses .

Aque les pa íses em que o s is tema ju r íd i c o fac i l i ta a

con t ra tação de segu ros ou u t i l i zação de fundos de compensação,

ap resen tam os me lho res resu l tados no ressa rc imento dos

consum ido res . A leg is lação da A lemanha e F rança são bons

exemplos , po is ins t i tuem l im i tes pa ra inden ização dos

consum ido res em casos de r isco de desenvo lv imento de

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de te rm inados p rodu tos , o que fac i l i ta a con t ra tação de segu ros e o

e fe t i vo ressarc imen to dos consum ido res em caso de dano .

No B ras i l a rea l idade é ou t ra . Ana l isando compara t i vamente a

leg is lação v igen te em d i fe ren te s pa íses e cons ide rando

de te rm inados casos emb lemát icos que são d iscu t idos nes ta tese ,

buscamos responder às segu in tes questões : os consum ido res es tão

menos p ro teg idos quando há na leg is lação v igen te a f i xação de um

va lo r máx imo pa ra repa ração po r dano ? Ou, ao con t rá r io , se r ia a

l im i tação p rév ia um benef íc io ao consum ido r porque pe rm i te a

secu r i t i zação do va lo r da inden ização , ga ran t indo - lhe o

ressa rc imento em caso de lesão? O fa to de se te r um l im i te de

inden ização s ign i f i ca que não have rá repa ração e fe t i v a? Qua l o

me lho r mode lo para o B ras i l e qua is as l im i tações lega is?

A d iscussão re la t i va à adoção ou não des te t ipo de

inden ização e suas imp l icações soc ia i s e econômicas é , po r tan to ,

f undamenta l pa ra de te rm ina r q ua l o mode lo ma is adequado à

rea l idade b ras i le i ra e qua is as l im i tações lega is pa ra a sua

imp lan tação no pa ís . Nes ta tese , desenvo lvo essa d iscussão

ana l isando de te rm inados casos que rep resen tam bem tan to

expe r iênc ias sa t is fa tó r ias quanto insa t is fa tó r ias de ressa rc imento

po r danos causados po r r i sco de desenvo lv imen to .

Em mu i tos desses casos no Bras i l , f o i o S is tema de

Segur idade Soc ia l , e não a empresa fab r i can te do p rodu to que

ge rou dano, a ins t i tu i ção responsáve l po r inden izar o consumidor .

I s to imp l ica num impacto econômico para a soc iedade , e não

apenas pa ra o ind iv íduo lesado ou ao fo rnecedo r , f a to r que é

no rma lmente descons ide rado nas aná l ises sobre o tema. Es ta tese ,

po r me io dos casos ana l i sados, co loca esse p rob lema que é soc ia l

e econômico no cen t ro do debate .

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Um dos casos d iscu t idos é o da Ta l idom ida . Recentemente ,

pe la Le i n o 12 .190 /2010, f o i conced ido inden ização po r danos

mora is às pessoas com de f i c iênc ia em razão do uso des te

med icamen to . No en tan to , o responsáve l pe lo pagamento des ta

inden ização é a Un ião com ope rac iona l i zação pe lo Ins t i tu to

Nac iona l de Segu ro Soc ia l – INSS , nos te rmos do Decre to n o

7 .235 /2010 .Out ro caso ap resen tado é o da in fecção de m i lha res de

pessoas po r hepat i t e C e pe lo v í rus do H IV na década de 1980 ,

onde as v í t imas também recebe ram benef íc ios p rev idenc i á r ios .

Nos exemp los ac ima, f o i a Segu r idade Soc ia l que assum iu o

pape l de p ro tagon is ta de cus te io das inden izações às v í t imas

(consum ido res ) , sendo poucos casos onde as empresas fo ram

condenadas e paga ram as condenações aos lesados .

Essa s i tuação , que oco r re de fo rma s im i la r em d i fe ren tes

pa íses , reve la que os casos de r isco de desenvo lv imen to envo lvem

ca tás t ro fes e danos de g rande monta com fo r te impacto na

soc iedade . Reve la a inda que o B ras i l não tem uma es t ru tu ra ju r íd ica

adequada e e f ic ien te pa ra garan t i r que as inden izações se jam

pagas pe las empresas ge rado ras dos danos ao invés dos cus tos

serem assumidos pe la Segu r idade Soc ia l . O es tudo mos t ra que no

B ras i l o Es tado e a soc iedade têm s ido os ava l is tas e responsáve is

f ina is em caso de danos po r r is co de desenvo lv imento , o que ocor re

mu i tas vezes sem conhec imento da soc iedade sob re es ta s i tuação .

Po r i sso , é necessá r io que o en f ren tamento da

responsab i l idade po r r isco de desenvo lv imento se ja d i f e ren te de

s imp lesmente impor , po r le i , a responsab i l id ade ao fo rnecedo r , da

mesma fo rma como se faz naque les casos ind iv idua is , onde um

ún ico p rodu to ou serv i ço ap resen ta de fe i to .

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Dian te desse cená r io , de fendo a impor tânc ia de

desenvo lve rmos no B ras i l um ins t rumento ma is adequado e e f icaz

pa ra que as empres as possam cus tea r as poss íve is inden izações,

de modo semelhan te ao que já es tá p rev is to na leg is lação em

a lguns ou t ros pa íses . Neste t raba lho ap resen to a lgumas das

poss ib i l idades de en f ren tamen to des te p rob lema , tendo em v is ta a

u rgênc ia de a tua l iza r a mane i ra que a leg is lação consumer is ta l ida

com a temát i ca de r isco de desenvo lv imento face aos desa f ios

con temporâneos .

Es tabe lece r regras c la ras para de f in i r e quan t i f i ca r o r isco

des ta na tu reza , acred i to , bene f ic ia rá a soc iedade amp lamente ,

co locando o f u turo a se rv iço do p resen te e do p róp r io fu tu ro .

Ac red i to que é p rec iso ve r o r isco como um prob lema de na tu reza

rec íp roca , po is somente com a a tuação con jun ta de todos os

pa r t i c ipan tes (consumidor , empresa e Es tado ) , é que ta l tema

pode rá se r t ra tado de f o rma e f i c ien te .

Pa ra t ra ta r do r i sco de desenvo lv imento em face à

Responsab i l idade C iv i l e às Causas de Quebra do Nexo Causa l no

Cód igo de Defesa do Consumido r , apresen to es ta tese que es tá

o rgan izada em qua t ro cap í tu los : I ) Responsab i l i dade c i v i l e a

ob r igação de inden izar ; I I ) Queb ra do nexo causa l ; I I I ) R isco de

desenvo lv imento e IV ) Formas de compensação de danos po r r isco

de desenvo lv imento .

No p r ime i ro cap í tu lo (Responsab i l idade c i v i l ) são ana l isados

aspec tos ge ra is , f o rmação h is tó r ica e fundamen t os sóc io -

econômicos da responsab i l i dade c i v i l . A função soc ia l da

responsab i l idade é um e lemento re levan te pa ra es ta d iscussão, já

que nosso ob je t i vo es tá cen t rado na aná l ise das causas de queb ra

de nexo de causa l idade e r isco de desenvo lv iment o e nas fo rmas

ma is e f ic ien tes de l ida r com o r i sco . Por tan to , f o i necessá r io

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i den t i f i ca r os incen t i vos que in te r fe rem no compor tamen to dos

consum ido res e empresas para desenvo lve r es ta tese .

A inda nes te p r ime i ro cap í tu lo ap resen to a base de

fundamentos da responsab i l idade c i v i l como pa r te do D i re i to das

Obr igações . A aná l ise dos p ressupostos pa ra as inden izações ,

sob re tudo o nexo de causa l idade , f o i base fundamenta l pa ra a

d iscussão dos aspectos cen t ra is da tese : queb ra de nexo causa l e

responsab i l idade po r r isco de desenvo lv imento .

O segundo cap í tu lo (Quebra do nexo causa l ) demonst ra qua is

são as s i tuações já p rev is tas na leg is lação e qua is aque las que a

soc iedade e os T r ibuna is acabam ex ig indo e aca tando como uma

cond ição pa ra queb ra do nexo de causa l idade (c láusu la de não

inden izar , cu lpa exc lus iva da v í t ima ou te rce i ro , e t c ) . Es te cap í tu lo

re lac iona as razões para a quebra do nexo de causa l idade em

a lgumas c i r cuns tânc ias , com destaque pa ra a questão do r isco de

desenvo lv imento , que será d iscu t ida de ta lhadamen te no p róx imo

cap í tu lo .

No te rce i ro cap í tu lo (R isco de desenvo lv imen to ) , chego à

questão cen t ra l . Ne le , d i sco r ro sob re o conce i to de r isco ( rea l e

pe rceb ido ) e sob re como e s te pode a fe ta r a de f in ição e

responsab i l idade c i v i l das empresas . Apresen to , a inda , uma

se leção dos aspec tos sob re r isco que cons ide ro os ma is re levan tes ,

como a d i f e rença en t re r isco e incer teza e inden ização ta r i f ada ,

tema bas tan te con t rove rso no B ras i l .

Po r f im , no ú l t imo cap í tu lo (Fo rmas de compensação de danos

po r r isco de desenvo lv imento ) , busco ap resen ta r mode los ado tados

em ou t ros pa íses pa ra l ida r com es te tema , como acon tece com a

c r iação de fundos espec ia is e segu ros . Es tes exemplos são

comparados com o que a tua lmente é fe i to do B ras i l , v isando

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ana l isa r qua l o mode lo se most r a ma is e f i c ien te pa ra ressa rc imento

de consum ido res lesados. Os casos ana l isados reve lam um

desp repa ro da nossa leg is lação para l ida r de fo rma e f icaz com o

tema da responsab i l idade c i v i l em caso de r i sco de

desenvo lv imento . A pa r t i r des tas d iscussões, espe ro que a tese

es t imu le re f lexões sob re o mode lo de responsab i l idade em face dos

r i scos de desenvo lv imento ado tado pe lo B ras i l , bem como se ta l

mode lo tem ga ran t ido e fe t i va p revenção e repa ração dos danos aos

consum ido res .

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1.RESPONS ABIL IDADE CIVIL

1 .1 .Responsabi l idade Civi l : V isão Gera l

1 .1 .1 . Concei tos gera is

Não houve , em pra t icamente nenhum dos temas abo rdados

nes te t raba lho , um pon to pac í f i co , de p lena concordânc ia en t re

ju r i s tas e ju r i sp rudênc ia . Com isso , pude percebe r que o es tudo da

responsab i l idade c i v i l sempre fo i um tema que a t ra iu in te resse de

es tud iosos de d ive rsas á reas , mu i tas vezes repe rcu t indo em

questões ju r íd icas , mora is , econômicas e soc ia i s . Ta lvez po r es tes

mesmos mot i vos , a responsab i l idade c i v i l se ja uma das ques tões

ju r íd icas c om maio res d i ve rgênc ias , tan to no p lano teó r ico quanto

na p rá t ica jud ic ia l , o que po r vezes co loca pessoas e ins t i tu ições

em s i tuações de g rande ince r teza , con t rad i tó r ias ou a té mesmo

in jus tas e des igua is . Nas pa lavras de Agu ia r D ias em Da

responsab i l idade c i v i l :

“Tôda man i f es taç ão da a t i v i dade humana t raz em

s i o p r ob lema da r esponsab i l i dade . I s so t a l vez

d i f i cu l t e o p rob lema de f i xa r o seu conce i t o , que

va r ia t an t o c omo os as pec tos que pode ab ranger ,

c on f o rme as t eo r ias f i l osó f i co - j u r íd i c os ” 2.

Tamanho o con f l i to quando se fa la em responsab i l idade c i v i l ,

que Fernando de Sandy Lopes Pessoa Jo rge a f i rmou em sua obra

Ensa io sob re os p ressupostos da responsab i l idade c iv i l , des t inada

a d iscu t i r o t ema, que es te é o tema de ma io r d i ve rgênc ia no d i re i to

das ob r igações . Ve jamos .

2 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, p. 09.

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“ Um dos s ec t o res do d i re i t o das ob r igaç ões em

que s e no t am ma is f undas d i ve rgênc ias de

op in i ão , é sem dúv ida o da respons ab i l i dade c i v i l :

a f undam ent aç ão des ta , sua f unção , a enunc iação

dos r espec t i vos p res supos t os , o a lcanc e a t r ibu ído

a c ada um de les , os s u je i t os e a med ida de

i nden i zação e m u i tos ou t ros p r ob lemas recebem

da dou t r i na so luç ões po r vezes d iamet r a lmen te

opos tas , opos ição que c om f requênc ia se es conde

s ob uma t e rm ino log ia un i f o rme ” . 3

Ou t ro aspec to sens íve l à responsab i l i dade c i v i l é o fa to de

seus p ressupostos e requ is i tos es ta rem sempre l i gados aos

in te resses e dec isões po l í t i cas de de te rm inada soc iedade , que a

depender de seu es tág io de desenvo lv imento e pos ições cu l tu ra i s ,

é capaz de ju lga r os mesmos fa tos como fon te ou causas

exc luden tes da ob r igação de inden iza r .

Ana l isando sob um v iés de fo rmu lação h is tó r i ca do conce i to ,

v imos que em meados de 1930 , o p ro fesso r F rances Georges Riper t

pub l icou o l i v ro O reg ime democrá t ico e o D i re i to C iv i l Moderno , no

qua l man i fes tou sua pos ição ao ana l isa r a soc iedade f rancesa da

época , no sen t ido de que os ind iv íduos ma is f rag i l i zados v iam no

Estado um ponto de apo io , segu rança e sa lvação . Ao que pa rece ,

pouco mudou a té ho je :

“ [ . . . ] ag lomerados uns con t ra os ou t ros na v ida

a rden te das g randes c i dades , os homens f azem

c on t i nuadament e ape lo à f o r ç a do Es tado con t ra

os pe r igos que se lhes ap r es en tam na lu t a das

a t i v i dades . [ . . . ] “Os f racos , d i z Vauvenargues ,

quer em depender pa ra s e r p r o teg idos . ” J á não

bas t a que o Es t ado ass egure a adm in is t r aç ão e a

3 JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, p. 09.

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j u s t i ça , [ . . . ] De todos os lados sobem para e le as

que i xas duma m inor ia s o f redor a que já não quer

nem sabe s o f re r . O Es t ado é o g rande suser ano ;

c omo o s enhor de ou t ro r a , ex ige o s e r v i ço m i l i t a r

e o impos t o ; como e le deve p ro t ege r os seus

s úbd i t os . E p ro tege -os ” . 4

O Es tado se co loca como o g rande p ro te to r dos ind iv íduos e o

ún ico agen te capaz de lhes en t rega r a paz e a jus t iça caso a lgum

d i re i to se ja a f ron tado . “O homem moderno v i ve ass im na se rv idão

consen t ida das le is . ( . . . ) O homem toma des tas le is tudo o que

p ro tege , es fo rçando -se po r i lud i r tudo o que o incomoda” . 5

Nessa l inha de pensamento , R iper t de ixa c la ro que não se

pode compreender a teo r ia da responsab i l idade c i v i l sem a aná l ise

da ide ia po l í t i ca que a insp i ra 6. Nes te sen t ido , percebemos que ,

também no B ras i l , leg is lado res e ju ízes , em suas dec isões , a locam

o r isco pe las perdas decor ren tes da u t i l i zação de p rodu tos ou

serv i ços con fo rme seu p róp r io senso de jus t iça . Ass im o r i sco passa

da v í t ima pa ra os fo rnecedo res , ou pa ra o Es tado que te r ia ,

supos tamente , ma io r ap t idão pa ra supo r ta r es te encargo .

Po r tan to , as teor ias de responsab i l idade c i v i l são mu i tas

vezes teo r ias ju r íd i cas c r iadas pa ra exp l i ca r ou fundamenta r a

so lução po l í t i ca p re tend ida 7. As so luções po l í t i cas pa ra o tema de

4 RIPERT, Georges. O regimen democrático e o direito civil moderno, 1937. 5 RIPERT, Georges. O regimen democrático e o direito civil moderno , p. 41. 6 “A evolução da teoria da responsabilidade civil tem sido muitas vezes descrita, não se póde, porém, creio eu, compreendê-la plenamente sem esclarecer inteiramente a idéia política que a inspira.” (Ripert, p. 328) 7 “Os juristas podem bem tentar justificar pela creação do risco a obrigação de indenizar; podem bem prosseguir, na sucessão dos acontecimentos, a cadeia que permita a atribuição dum acidente fortuito a um acto inicial do homem; podem invocar a solidariedade social, que não deve tolerar a ruptura de equilíbrio dum meio impassível. Tudo isto são teorias científicas para explicar uma solução politica. O que em realidade pretendem o legislador e o juiz é a deslocação do risco. Trata-se de o fazer passar da cabeça da vítima para outra cabeça e de

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responsab i l idade c i v i l d iscu t idas nes te t raba lho es tão c la ramen te

de f in idas em d iversos d ispos i t i vos cons t i tuc iona is e lega is . O fa to

da Repúb l i ca Fede ra t i va do B ras i l te r como fundamento a d ign idade

da pessoa humana (A r t i go 1 o , I I I ) , a de te rm inação pe la de fesa do

consum ido r como um D i re i to e Garan t ia Fundamenta l (A r t i go 5 o ,

XXXI I ) , a garan t ia do d i re i to de resposta p ropo rc iona l ao agravo e

inden izações po r danos mora is , mate r ia is e a imagem (A r t i go 5 o , V

e X) , e o fa to da o rdem econô mica es ta r f undada em p r inc íp ios de

p ro teção do consum ido r , p rop r iedade p r i vada e l i v re conco r rênc ia

(170 , I I , I I I , IV e V ) , nos dão os d i rec ionamentos sobre como t ra ta r

o tema.

A lém d isso , o p róp r io d i re i to c i v i l pa rece te r um h is tó r ico de

d i rec ionamen to de p ro teção ao ma is f raco ou ma is pobre nes tas

re lações. R ipe r t , ao t ra ta r da p ro teção aos f racos , a ass is tênc ia aos

pequenos e a lu ta con t ra os fo r tes , sus ten ta em seus a rgumentos

que a t rad ição revo luc ioná r ia t ransm i t iu -nos , a d i v i sa repub l i cana ,

a f ra te rn idade ao lado da igua ldade e da l ibe rdade e a inda ass im

nos a le r ta que :

“ A dem ocrac ia mode rna r epe le a f r a te r n i dade no

que pode lembr a r c a r idade . Re je i t a a noção do

dever s ubs t i t u indo -a pe la noç ão de d i re i t o . Se os

homens s ão i rm ãos devem ser igua is ; s e não o

s ão , o ma is f r ac o tem o d i r e i t o a se r p ro teg ido ” . 8

E o es tud ioso con t inua :

“ A democr ac ia mode rna as segur a a p ro t eç ão dos

f racos com tan t o ma i s condesc endênc ia quan to

es tes s ão , de f ac to , os m a is numer osos ( . . . ) es t a

escolher aquele que deve considerar-se responsável unicamente por causa da sua aptidão para suportar o encargo” (Ripert, 364). 8 RIPERT, Georges. O regimen democrático e o direito civil moderno, p. 133.

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p ro teção dos f racos pe lo d i r e i t o t r ouxe ,

p r i nc i pa lmen te nes tes ú l t im os anos , uma f lo r ação

ex t rao rd iná r i a de med idas l ega i s . A i n t e r venç ão

c ons tan te do Es tado é admi t i da po r t odos sem que

n inguém que i ra ve r n iss o um abandono da

l i be rdade ” . 9

Na c láss ica ob ra de Anton io Menger , El De recho C iv i l y los

pob res 10 que é p reced ida de Estud io sob re e l Derecho y la cues t ión

soc ia l de Ado l fo Posada, depo is de ana l i sa r as p rob lemas soc ia is ,

as dores dos pobres e dos desva l idados de todos que não têm o

m ín imo do que é necessá r io pa ra v i ve r com d i gn idade ( “v ida de

homens” ) , Menger re fo rça o conce i to de que é p rec iso que se dê

conta de que o D i re i to é a lgo rea l e v i vo , e a lgo que deve

inev i tave lmente ser ana l isado cada vez que você dese ja

t rans fo rmá - l o pa ra me lho ra r a cond ição dos homens : “e l De rec ho

es a lgo rea l y v i vo , y a lgo con que inev i tave lmente se ha de

t ropeça r , cada vez que se qu ie ra t rans fo rmar , pa ra me jo ra r la , la

cond ic ión de los hombres” . 11

V is ta po r es te p r isma, a responsab i l idade c i v i l , como e lemento

h is tó r i co e cu l tu ra l , nos reve la , ao mesmo tempo que nos d i rec iona ,

a o r ien tação po l í t i ca de nosso Estado e como es ta rão p ro teg idos

aque les submet idos a de te rminado reg ime ju r íd i co . A lém d isso , o

s i s tema de responsab i l idade c i v i l mos t ra como o Es tado buscou

con temp la r o in te resse e a p ro te ção do ma is f raco f ren te à

necess idade de compat ib i l i zação com regras que incen t i ve m a

inovação e o desenvo lv imento econômico e soc ia l do Pa ís .

9 RIPERT, Georges. O regimen democrático e o direito civil moderno, p. 135. 10 MENGER, ANTONIO. El derecho civil y los pobres. Versión española con la autorización

del autor ; y precedida de un estudio sobre El derecho y la cuestión social por Adolfo Posada. Madrid: Librería General Victoriano Suárez, 1898. 11 MENGER, Antonio. El derecho civil y los pobres; versión española con la autorización del autor; y precedida de un estudio sobre El derecho y la cuestión social por Adolfo Posada, p. 08.

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Po r tan to , o es tudo da responsab i l idade c i v i l nos se rve de f io

conduto r pa ra compreende r nossas opções po l í t i ca s e soc ia i s de

en f ren tamento da temá t i ca dos r i scos de desenvo lv imento . A f ina l ,

o mode lo a tua lmente ado tado pe lo B ras i l es tá se rv indo de incen t i vo

ao desenvo lv imento soc ia l e a busca de uma soc iedade ma is jus ta

e so l idá r ia? O a tua l mode lo incen t i va o desen vo lv imento econômico

ou rep resen ta um f re io às in i c ia t i vas e inovações? O mode lo es tá

e fe t i vamente se rv indo pa ra me lho r p ro teger o consum ido r em caso

de dano po r r i sco de desenvo lv imento? As empresas são ho je

capazes de in te rna l i za r os cus tos des tes r i sco s , de fo rma a te rem

cond ições f inance i ras de ressa rc i r os consumido res em caso de

danos? O mode lo a tua l ge ra cus tos indese jáve is ou regras ju r íd icas

in t ranspon íve is pa ra empresas ou segmentos que a tuam no

mercado em que o r isco de desenvo lv imento é um e leme nto

ind issoc iáve l de a tuação , como se to r qu ím ico , f a rmacêu t i co , den t re

ou t ros? 12.

Pa ra te r cond ições de responde r essas pe rgun tas , f a remos

uma b reve abordagem h is tó r i ca da responsab i l idade c i v i l , ass im

como es tudar suas ca rac te r ís t i cas e função soc ia l . A l ém d isso , a

aná l ise econômica c i v i l se rá fundamenta l pa ra que se ja poss íve l

compreende r , sopesa r e de f in i r a me lho r f o rma de ap l i ca r regras e

p r inc íp ios da responsab i l idade em nossa soc iedade e m face das

dec isões po l í t i cas sob re o tema. Ve jamos .

12 Segundo o estudo de W.K.Viscusi e M.J. Moore (1993), os custos de responsabilidade em níveis muito altos podegem gerar um efeito negativo. Na média, os custos de responsabilidade podem aumentar os custos com pesquisa e desenvolvimento, em 15%, vejamos: “Product liability ideally should promote eficient levels of product safety, but misdirected liability efforts may depress beneficial innovations. This paper examines these competing effects of liability costs on product R & D intensity and new product introductions by manufacturing firms. At low to moderate levels of expected liability costs, there is a positive effect of liability costs on product innovation. At very high levels of liability costs, the effect is negative. At the sample mean, liability costs increase R&D intesity by 15 percent. The greater linkage of these effects to product R&D rather than process R&D is consistente whth the increased prominence of the design defect. Doctrine.” (VISCUSI, W.K e MOORE, M.J. Product Liability, Research and Development and Innovation, The Journal of Political Economy. V. 101, n.1, p. 161-181, fev. 1993, p. 161.

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1 .1 .2 .Breve his tór ico e pressupostos

Como já fo i ap resen tado , a temát ica da responsab i l idade c i v i l

sempre fo i ob je to de in tenso debate no con tex to do Di re i to P r i vado

e ganha re levânc ia nas d iscussões aqu i apresen tadas, na med ida

em que p rodu tos ou se rv iços inovad o res t razem cons igo r i scos

ine ren tes à sua u t i l i zação . Iden t i f i ca r a me lho r f o rma de l ida r com

es tes r i scos é o p r inc ipa l ob je t i vo des te t raba lho .

É po r essa razão que es te tóp ico d iscu t i rá o h is tó r i co e a lguns

dos fundamentos da responsab i l i dade c i v i l qu e se t rans fo rmaram no

deco r re r da h is tó r ia , o que a juda rá na re f lexão sob re a necess idade

de ex is t i r ou não reponsab i l idade dos fo rnecedo res ou do Estado

em caso de r isco de desenvo lv imento .

Dent ro de um con texto h i s tó r ico , como bem apontou Reg ina

Ve ra V i l las Bôas 13, em seu texto His tó r ia da Responsab i l idade C iv i l

de 2009 , a t ra je tó r i ca h is tó r i ca da human idade pode ser iden t i f i cada

como fon te de conhec imento p r imord ia l da responsab i l idade c i v i l ,

po rque a h i s tó r ia do homem e a da ins t i tu i ção da responsab i l id ade

sempre es t i ve ram l i gadas às necess idades e anse ios do homem e

de seus g rupos. As d ive rsas marcas da h is tó r ia da sanção des ignam

também momentos impor tan tes da t ra je tó r ia da responsab i l idade e

da evo lução soc ia l do homem. O fa to é que , desde sempre , o h omem

teve a lgum respe i to e a lguma noção sob re os l im i tes de sua

responsab i l idade , obedecendo regras ou a té mesmo c renças que

v ig iam duran te de te rm inado pe r íodo na sua soc iedade de conv ív io .

13 VILLAS BÔAS, Regina Vera. História da Responsabilidade Civil. In NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério. Responsabilidade Civil: estudos em homenagem ao professor Rui Gerald Camargo Viana, 2009, p. 446.

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Na op in ião de Ca io Már io 14, o D i re i to Romano não chegou a

cons t ru i r uma teor ia de responsab i l i dade c i v i l , mas s is temat i zou os

conce i tos a pa r t i r de casos conc re tos e dec isões dos ju ízes e dos

p re to res , a lém de cons t i t u i ções imper ia is que e ram pesqu isadas e

s i s temat i zadas . C i tando A lex e W ei l l e F ranço is Te r ré , Ca io Mar io

(1997 , p .1 ) re fo rça que é d i f í c i l p rec isa r o h i s tó r ico da

responsab i l idade c i v i l , cons iderando o “agen te ” aque le po r cu jo fa to

o p re ju ízo é causado e o “au to r ” aque le que pe la cu lpa o dano é

causado.

De qua lque r f o rma, a temát ica da responsab i l idade c i v i l

sempre fo i ob je to de t ra tamento e d i scussões nos an t igos

monumen tos leg is la t i vos . V i r ia do Cód igo de Hamurab i a ide ia de

pun i r o dano , levando ao causador um dano de igua l monta . No

mesmo sen t ido , o Cód igo de Manu 15.

Os e lementos cons t i t i tuvos da respon sab i l idade c i v i l que ma is

so f re ram mudanças de conce i tos ou in te rp re tações são os

segu in tes : a ) cu lpa (e lemento sub je t i vo ) ; b ) o dano (e lemento

ob je t i vo ) ; e c ) f unções da sanção (consequênc ia supo r tada pe lo

agen te que causa o dano – cu lposamente ou não) .

Nes te sen t ido , h i s to r i camente , a responsab i l idade c i v i l se

ap resen ta com fuções de v inga r a v í t ima , pun i r o causado r do dano ,

14 PEREIRA, Caio Mário. Responsabilidade Civil, pág 1 15 PEREIRA, Caio Mário. Responsabilidade Civil, pág 1. Os principais pontos principais do código de Hamurabi são: i) lei de talião (olho por olho, dente por dente); ii) falso testemunho; iii) roubo e receptação; iv) estupro; v) família; vi) escravos; vii) ajuda de fugitivos. “Historicamente, as leis de Manu são tidas como a primeira organização geral da sociedade sob a forte motivação religiosa e política. O Código é visto como uma compilação das civilizações mais antigas. O Código de Manu não teve uma projeção comparável ao Código de Hamurabi (lembramos que o Código de Hamurabi é mais antigo que o de Manu em pelo menos 1500 anos), porém se infiltrou na Assíria, Judeia e Grécia. Em certos aspectos é um legado, para essas civilizações, comparado ao deixado por Roma à modernidade. As leis de Manu são concebidas como um calabouço profundo, onde o Hindu de classe média ou inferior encontrava um abismo legal diante de suas ações inseguras. Isto é justificado, em face da concepção de que o castigo e a coação são essenciais para se evitar o caos na sociedade.

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i nden izar o p re jud icado , rees tabe lece r a o rdem soc ia l e p reven i r

compor tamento re i te rado des ta condu ta . Na Le i das XI I Tábuas ( Lex

X I I Tabu la rum) que es tá na o r igem do D i re i to Romano (450 a .C . ) ,

há s ina is de que a responsab i l idade c i v i l se in ic ia como uma fo rma

de v ingança p r i vada . A Tábua VI I I , que t ra ta de c r imes e condutas

i l í c i tas no D i re i to Romano , pa rece p reocupada tan to com re l ação

ao D i re i to Pr i vado quanto com re lação aos de l i tos e ao p rocesso .

Apesa r de na sua o r igem a responsab i l i dade c i v i l es ta r l i gada

à v ingança p r i vada , é com a Lex Aqu i l ia que acon tece uma

revo lução nos conce i tos jus - roman ís t icos em te rmos de

responsab i l idade c i v i l . Essa mudança fo i tão impor tan te que a inda

ho je u t i l i zamos a exp ressão de responsab i l idade aqu i l i ana para nos

re fe r i rmos à responsab i l idade ex t racon t ra tua l . Como lembra Ca io

Mar io 16, “ f o i um marco tão acen tuado, que a e la se a t r ibu i a o r igem

do e lememen to ‘cu lpa ’ , como fundamento da repa ração do dano” .

Agu ia r D ias 17 a rgumenta que o p re jud icado percebe que ma is

conven ien te do que cob ra r a re ta l iação , que é razoave lmente

imposs íve l no dano vo lun tá r io , é cob ra r a reparação do dano.

Começa nes te mome nto a subs t i tu ição da v ingança pe la

compos ição a c r i té r io da v í t ima .

A par t i r do sécu lo X IX , o s is tema ju r íd i co de responsab i l idade ,

que sempre es teve em constan te mu tação , so f reu impor tan tes

t rans fo rmações , f azendo desapa recer do o rdenamento a ide ia de

v ingança e m in im izando os fundamentos re lac ionados à pun ição ,

p redom inando , ass im, as o r ien tações re la t i vas à inden ização ou à

16 PEREIRA, Caio Mário. Responsabilidade Civil, p. 04. 17 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, p. 33.

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compensação da v í t ima com p revenção de compor tamen tos

an t i ssoc ia i s e res tabe lec imento da o rdem soc ia l .

A p r ime i ra mudança impor t an te no s i s tema que ho je

conhecemos po r responsab i l idade c i v i l é a de parâmet ros para

rees tabe lec imen to da o rdem ju r íd ica , que sa iu da fase da v ingança

(a v ind ic ta ) , da pun ição do ma l com o ma l (Le i de Ta l ião) e se

es tabe leceu em um componente negoc ia l , um a so lução

t ransac iona l , na qua l a v í t ima p rocu ra receber , a t í tu lo de

pena l idade ou ressa rc imento , uma impor tânc ia em d inhe i ro ou

ou t ros bens , em vez de p re tender impor o mesmo so f r imen to ao

su je i t o que lhe causou um dano.

É com esse pa râmet ro em men te qu e inúmeros au to res

t ra ta ram das funções da responsab i l idade c i v i l . Para He lena E l ias

P in to , que bem resumiu as pos ições ex is ten tes , a responsab i l idade

c i v i l p ro je ta -se em t rês d imensões , sendo a p r ime i ra um

desdob ramento da função soc ia l do d i re i to v io lado , a segunda

d imensão p reven t i va , tendo como foco deses t imu la r a re i te ração da

conduta les i va , e por f im a busca de equ i l íb r io nas re lações

ju r íd icas 18.

18 Neste sentido: Pode-se reconhecer a função social da responsabilidade civil projetando-se em três dimensões: i) a primeira, como desdobramento da função social do direito violado (quando se tratar de direito patrimonial); ii) a segunda, na sua dimensão preventiva, de desestimular comportamentos lesivos – o que revela a atuação do instituto como importante mecanismo de controle social; e, iii) por último, na busca do equilíbrio das relações jurídicas, rompido pela lesão – momento em que a função social se reveste da roupagem da solidariedade social, funcionando a equidade como instrumento de ajuste fino desse equilíbrio, com vistas a proporcionar a fixação de uma indenização que seja, simultaneamente, individual e socialmente justa. Nesse contexto, destaca-se a abertura do sistema proporcionado pelo art. 944, parágrafo único, do Código Civil. Ricardo Lorenzetti (1998, p. 285) observa, ao tratar dos direitos fundamentais, que “há uma tensão relacional entre os direitos: o que se dá a um se tira do outro” in PINTO, Helena Elias. Função Social e Responsabilidade. civil. http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=3323fe11e9595c09.

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Eugên io Facch in i Ne to 19 de fende que a função o r ig iná r ia e

p r imord ia l da responsab i l idade c i v i l se to rna , po r tan to , repa ra tó r ia

(de danos mater ia is ) ou compensa tó r ia (de danos

ex t rapa t r imon ia is ) , mas ou t ras funções podem ser desempenhadas,

como a pun i t i va e a d issuasó r ia . Por tan to , a função da

responsab i l idade c i v i l sob re es te aspec to se r ia t r íp l i ce : f unção de

repa ra r (ou compensa r danos mora is ) , pun i r e p reven i r (ou

d issuad i r ) . Ass im e la se rá cons iderada pa ra a d i scussão sob re as

causas e cond ições de exc ludente de responsab i l idade (queb ra do

nexo de causa l idade ) .

Nes te quad ro h is tó r ico que se desenha , lembra Ca io Már io 20

que o D i re i to B ras i le i ro p ré -cond i f i cado pode ser es tudado em t rês

fases d is t in tas : i ) a p r ime i ra fase obse rvando as o rdenações do

re ino , que t inham p resen te o D i re i to Romano e ap l icavam de fo rma

subs idá r ia a Le i Pá t r ia po r f o rça da chamada “ l e i da boa razão ” , o

d i r ie to romano deve r ia se rv i r de subs íd io pa ra casos om issos ; i i ) a

segunda fase , que in ic ia -se com o Cód igo Pena l de 1830 que

acrescen ta o ins t i tu to da “sa t i s fação ” como ide ia de ressa rc imento

–segundo o A r t i go 11 o do Cód igo Pena l de 1 830, caso a lgum su je i to

não se ja ju lgado c r im inoso , seus bens se rão u t i l i zados pa ra

sa t is fação do ma l causado: “A r t . 11 . Pos to que os menc ionados no

a r t i go an tecedente não possam se r pun idos , os seus bens comtudo

serão su je i t os á sa t i s fação do ma l causado” .

A te rce i ra fase se in ic ia com a separação da responsab i l i dade

c i v i l da responsab i l idade c r im ina l . Va le des taca r que es ta aná l ise

19 FACCHINI NETO, Eugênio. DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO NOVO CÓDIGO. http://www.tst.jus.br/documents/1295387/1312889/1.+Da+responsabilidade+civil+no+novo+c%C3%B3digo 20 PEREIRA, Caio Mário. Responsabilidade Civil, p. 06.

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não deve f ica r a lhe ia à uma v i são ma is a tua l e de va lo r i zação das

pessoas, a té mesmo d i rec ionada pe la Const i tu ição que nos o b r iga

a in te rp re ta r qua lque r texto no rmat i vo e a nos compor ta rmos

sempre de modo a busca r a cons t rução de uma soc iedade ma is jus ta

e so l idá r ia , p romovendo o bem de todos ao mesmo tempo em que

devemos lu ta r para redu i r as des igua ldades, e r rad ica r a pob reza e

a marg ina l i zação (A r t i go 3 o da CF/88 ) .

Pa ra Rober to Sen ise L isboa 21, a teo r ia da responsab i l idade

c i v i l vem so f rendo os e fe i tos da pós -modern idade, l ibe r tando -se do

pensamento modern is ta f i xado na von tade do agen te (cu lpa ) . A lém

d isso , a f i rma L isboa :

“ A s o l i da r i edade s oc ia l p r ec on i zada c omo um dos

ob je t i vos da Repúb l i ca pass a nec ess ar iam ente

po r uma r eava l iação da dou t r i na a s oc ia l i zaç ão

dos r i sc os , que somente log ra r ia êx i t o en t re nós ,

c om uma es t ru t u ra s ec ur i t á r ia vo l t ada pa ra novos

r umos e não a r ra ig ada no mode lo cu j a

d i nam ic i dade é impe r f e i t a e inadequada ” . 22

Por f im , é poss íve l pe rcebe r que mesmo havendo uma cer ta

c la reza quanto às funções da responsab i l idade c i v i l , seu conce i to

a inda é imprec iso . Ca io Már io 23, em es tudo espec í f i co sob re o tema,

21 LISBOA. Roberto Senise. Manual de Direito Civil, V.2: Direito das obrigações e responsabilidade civil, 2001, p. 278 22 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil, v. 2: direito das obrigações e responsabilidade civil, p. 278. 23 PEREIRA, Caio Mário. Responsabilidade Civil, p. 08/10. Menciona Caio Mário (p.11) “Como sentimento social, a ordem jurídica não se compadece com o fato que uma pessoa possa causar mal a outra pessoa. Vendo no agente um fator de desequilíbrio, estende uma rede de punições com que procura atender às exigências do ordenamento jurídico. Esta satisfação social gera a responsabilidade criminal. O sentimento humano, além de social, à mesma

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exp l i ca que ao passa r po r inúmeras de f in i ções chega -se ao

en tend imento conve rgen te de que responsab i l idade c i v i l s ign i f i ca o

deve r de repa ra r o p re ju ízo , mas, a inda ass im, sempre su rge o

dua l ismo de um sen t imen to soc ia l e humano , que su je i ta o causado r

de um mal à reparação da lesão e à pun ição .

1 .1 .3 . Função socia l

Como a opção des ta tese fo i a de es tuda r a responsab i l i dade

em casos de r i sco de desenvo lv imen to de p rodu tos ou se rv iços ,

a lém das poss íve is causas de queb ra de nexo de causa l idade , é

impor tan te d i sco r re r sob re a função soc ia l da responsab i l idade

c i v i l . Es te tema nos a juda a ve r i f i ca r em qua is momentos , sobre

qua is temas ou matér ias o Es tado fo i esco lh ido pa ra ser o gua rd ião

da soc iedade . Isso porque , nes te t raba lho , obse rve i que fo i o

Es tado quem preponderan temente se responsab i l i zou po r ressa rc i r

as v í t imas nos casos de responsab i l idade po r r i sco de

desenvo lv imento .

Nesse sen t ido , como nos lembra João Ca lvão da S i l va 24, f o i a

pa r t i r da Segunda Guerra Mund i a l que se to rnou comum o Estado

ordem jurídica repugna que o agente reste incólume em face do prejuízo individual. O sesado não se contenta coma punição social do ofensor. Nasce dai a idéia de reparação, como estrutura de princípios de favorecimento à vítima e de instrumentos montados para ressarcir o mal sofrido. Na responsabilidade civil está presente uma finalidade punitiva ao infrator aliada a uma necessidade que eu designo como pedagógica, a que não e estranha à idéia de garantia para a vítima, e de solidariedade que a sociedade humana lhe deve prestar.” No mesmo sentido concordamos com Carlos Alberto Bittar e os diversos doutrinadores sobre as dificuldades e dissensos para se tratar o tema da responsabilidade civil. Segundo este autor “trata-se, em verdade, de campo minado de dificuldades, tanto de ordem teórica, como prática, porque nele repercute toda a gama de atividades humanas. Mostra-se, com isso, entrecortado por dissensões agudas entre os doutrinadores e, mesmo entre os julgadores, desde a própria definição de seu alcance, à enunciação de seus pressupostos e, enfim, à sua própria textura. A cada ponto depara-se o analista com divergências de conceituações, discussões doutrinárias e posicionamentos díspares dos tribunais, em evidente demonstração do tormentoso caminho que tem de percorrer o estudioso, para em seus meandros poder penetrar. (in BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade Civil nas Atividades Nucleares, p. 4). 24SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil do produtor, p. 98 a 100.

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passa r a in te rv i r ma is p ro fundamen te na v ida econômica pa ra

p reserva r a jus t iça soc ia l e o bem -es ta r dos c idadãos. Segundo e le ,

é nes te con tex to que su rge o Es tado de Di re i to Soc ia l , que de cer ta

fo rma se con t rapõe ao Estado de D i re i to L ibe ra l , os qua is de a lguma

f o rma es tão in te r l i gados com o Estado de Di re i to em uma “ tensão -

i n tegração ” . Em suas pa lavras :

“ Em consonânc ia com es ta nova rea l idade , a do

ap ro f undam ent o da s o l ida r i edade soc ia l e da

ex tens ão das t a re f as do Es t ad o , o ideár i o do

l i be ra l i sm o c l ás s ico s o f re o impac t e – impac te

acen tuado s obr e tudo a pa r t i r da década de 60 –

das novas c oncepções é t i c o -s oc ia i s do Es tado de

D i re i t o Soc ia l e da Soc iedade So l idá r i a . Da í a

acen tuaç ão no d i r e i t o p r i vado , es pec ia lm en t e no

d i r e i t o p r i vado c omum – o d i r e i t o c i v i l – da

d im ensão s oc ia l . I s t o im por t ou que a

r esponsab i l i dade c i v i l , es pec ia lmen t e o p r i nc íp i o

da c u lpa , f osse f o r t emente i n f luenc iada pe la

e t hos do Es t ado Soc ia l de D i r e i t o e se a la rgas se

p rog res s i vam ent e a responsab i l i da de ob jec t i va ” . 25

Não é po r acaso que um dos pon tos ma is re levan tes pa ra o

D i re i to d i z respe i to ao conce i to de função soc ia l , de f in ição es ta que

p ra t i camente se t rans fo rmou num ad je t i vo que expr ime qua l idade e

carac te r ís t i cas dos inúmeros subs tan t i vos que a companha ( função

soc ia l do con t ra to , f unção soc ia l da p rop r iedade , f unção soc ia l da

responsab i l idade c i v i l , en t re ou t ros) .

O conce i to e a ide ia da função soc ia l f o ram dec is i vamen te

in f luenc iados po r León Dugu i t 26, pa ra quem a p rop r iedade não t inha

cará te r p leno e abso lu to de d i re i t os em re lação àque le que se d iz

25 SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil do produtor, p. 100. 26 DUGUIT, Leon. Las transformaciones del Derecho Publico y Privado, p.178-179.

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seu t i t u la r . Pa ra e le , cada ind iv íduo tem uma função para cumpr i r

com a soc iedade, a lém de seus p róp r ios in te resses em re lação às

suas p rop r iedades . Os d i re i tos de p rop r ie tá r io , po r exemplo , s ó

es ta rão p ro teg idos se e le cu l t i va r a te r ra ou se não pe rmi t i r a ru ína

de sua casa ; caso con t rá r io , se leg i t imar ia a in te rvenção do Estado

no sen t ido de ob r iga r o cumpr imento de sua função soc ia l . Em suas

pa lavras :

“ Não ex i s tem d i re i t os dos governan tes , não

ex i s tem d i re i t os dos g rupos s oc ia i s , qua i squer

que se j am e les ; não ex i s tem a não se r que tenham

um a f unção soc ia l a cumpr i r e a p ro t eção

ass egurada pa ra t odos os a t os rea l i zados em

v i s ta des ta f unção e só pa ra es t es e na med ida

em que s e rea l i zam em v i s ta de t a l f unç ão ” . 27

Nossa Cons t i tu ição Federa l impôs a necess idade de

obse rvânc ia da função soc ia l pa ra os d i re i tos da p rop r iedade como

um d i re i to e ga ran t ia f undamenta l (A r t i go 5 o , XXI I I da CF) , inc lus ive

c lass i f i cando como p r inc íp io ge ra l da a t i v idade econômica a função

soc ia l da p rop r iedade (A r t . 170 , I I I da CF) , ass im como o fez em

re lação à l i v re conco r rênc ia (A r t igo 170 , IV da CF) e de fesa do

consum ido r (A r t i go 170 , V da CF) .

A lém d isso , a função soc ia l deve no r tea r a le i que es tabe lec e

o es ta tu to ju r íd ico de empresa púb l i ca , da soc iedade de economia

m is ta e de suas subs id iá r ias que exp lo rem a t i v idade econômica de

p rodução ou comerc ia l i zação de bens ou p res tação de se rv iços

(A r t i go 173 , § 1 o , I da CF) , a lém de o r ien ta r a po l í t i ca u rban a,

agr íco la e fund iá r ia (A r t i go 184 da CF) .

27 DUGUIT, Leon. Las transformaciones del Derecho Publico y Privado, p. 182.

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O conce i to de função soc ia l também es tá p resen te no Cód igo

de Defesa do Consumidor , que em seu Ar t i go 1 o de f ine que todas

suas no rmas e p r inc íp ios são cons ide radas d ispos ições de o rdem

púb l ica e in te resse soc i a l 28. O Cód igo C iv i l também tem no conce i to

da função soc ia l um dos seus pon tos ma is re levan tes com o A r t i go

421 , segundo o qua l “a l ibe rdade de con t ra ta r se rá exe rc ida em

razão e nos l im i tes da função soc ia l do con t ra to ” .

Nes te cená r io , pa rece ev iden te q ue a função soc ia l das

no rmas re la t i vas à p ro teção do consumidor somente pode rá se r

a t ing ida se igua l p r inc íp io fo r es tend ido à responsab i l idade c i v i l ,

cu jo d i rec ionamento ace rca dos d i re i tos e ga ran t ias não in te ressa

e não se res t r inge somen te às pa r tes q ue so f re rem ou causa rem

a lgum dano.

A temát ica da responsab i l idade c i v i l , sua ex tensão e a lcance ,

i n te ressa a toda co le t i v idade , razão pe la qua l deve também se r

ana l isada sob re o p r isma de sua função soc ia l 29. Como bem pon tuou

28 O interesse social é de tal forma relevante para as normas de proteção do consumidor e também para proteção e defesa dos demais Direitos Difusos e Coletivos, que o artigo 82, § 1º do CDC permite que o requisito de constituição, há pelo menos um ano, para associações que desejam ajuizar ações coletivias, pode ser dispensado quando houver manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. Neste mesmo sentido o artigo 113 do CDC determinou a alteração do artigo 5º, § 4º da Lei 7.347/85 também para permitir que o requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. 29 A Função Social da Responsabilidade Civil tem conceito e abrangência diversa do “Sentimento Social” da Responsabilidade Civil. Na visão de Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade Civil de Acordo com a Constituição de 1988, p. 10-11) “De quantos tentam conceituar a responsabilidade civil, merge a ideia dualista de um sentimento social e humano, a sujeitar o causador de um mal a reparar a lesão. A variedade de conceitos revela a insatisfação do jurista em plantar-se nos termos de uma definição formal. Como sentimento social, a ordem jurídica não se compadece como fato de que uma pessoa possa causar mal a outra pessoa. Vendo no agente um fator de desequilíbrio, estende uma rede de punições com que procura atender as exigências do ordenamento jurídico. Esta satisfação social gera a responsabilidade criminal.”

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Migue l Rea le ao comentar o p r inc íp io da função soc ia l dos con t ra tos

no Cód igo C iv i l de 2002:

“ Atua lm en t e não se p r es c inde do que e t i c ament e

é ex ig íve l dos que s e v i nc u lam em v i r t ude de um

acor do de von tades . O que o im pe ra t i vo da

“ f unç ão s oc ia l do con t ra t o ” es ta t u i é que es te não

pode s e r t r ans f o rmado em um ins t rum ent o pa ra

a t i v i dades abus i vas , c ausando dano à pa r te

c on t r á r ia ou a t e rce i r os , uma vez que , nos t e rmos

do Ar t . 187 , “ t ambém c omet e a t o i l í c i t o o t i t u la r

de um d i re i t o que , ao exerc ê - l o , exc ede

man i f es tamente os l im i t es impos tos pe lo seu f im

econôm ic o ou s oc ia l , pe la boa - f é ou pe los bons

c os t umes ” . 30

Ass im como os con t ra tos devem se r in f luenc iados pe la sua

função soc ia l , o que os leva a se r in te rp re tados não somente pa ra

a tende r o in te resse das pa r tes que o es t ipu lam, mas de toda

co le t i v idade , a responsabi l idade c iv i l deve ser v is ta com igua l

v iés . Po r isso , ao mesmo tempo que deve assegu ra r inden izações

jus tas e p roporc iona is às v í t imas (po r danos mora is , mate r ia is e a

imagem – A r t i go 5 o , V , X da CF) , deve ga ran t i r o aumento de bem -

es ta r e segu rança ju r íd ica para toda a soc iedade , e também

deses t imu la r a oco r rênc ia de novos danos e p ropo rc ionar o

desenvo lv imento econômico e soc ia l do pa ís de fo rma sus ten táve l

(A r t i go 3 o , I I e IV da CF) .

São inúmeros os p rece i tos cons t i tuc iona is que devem ser

ha rmon izados tendo como f io conduto r a função soc ia l . Em re lação

à responsab i l i dade c i v i l e a p ro teção do consum ido r , es tes

30 REALE, Miguel. Artigo disponível no site http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm, acessado em 25/11/2015

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prece i tos es tão re lac ionados ao ressa rc imento p ropo rc iona l ao

agravo (A r t i go 5 o , V , X da CF) , a ga ran t ia ao desenvo lv imen to

econômico e soc ia l que tem dent re seus p r inc íp ios fo rmu lado res a

l i v re in i c ia t i va , a l i v re conco r rênc ia , o desenvo lv imento de a t i v idade

econômica de fo rma sus ten táve l e a p ro teção do consumido r (Ar t i go

3 o , I I e IV ; 5 o , XXXI I ; A r t i go 170 o da CF) , a lém da p róp r ia função

soc ia l da p ropr iedade (Ar t i go 5 o , XXI I I ) .

Somemos, a inda , o Ar t i go 173 o , § 4 o da CF, lembrado por

M igue l Rea le 31. O re fe r ido a r t i go se mos t ra como uma das fo rmas

de cons t i t uc iona l ização do Di re i to P r i vad o , rechaçando qua lquer

negóc io ju r íd ico que imp l ique abuso do pode r econômico que v i se

à dom inação dos mercados, à e l im inação da conco r rênc ia e o

aumen to a rb i t rá r io dos luc ros .

Nes te con texto , não se pode adm i t i r qua lquer s is tema ou

mode lo de responsab i l idade c i v i l que , ao de f in i r os l im i tes ou

c r i té r ios de inden ização , s i r va a a lgum propós i to

cons t i tuc iona lmente indese jado , o que leva rá ce r tamente a um

embate jud ic ia l sob re exe rc íc io abus ivo , des igua l ou in jus to , das

regras e s i s tema de responsab i l idade , que no caso conc re to deve rá

es ta r co locando em r isco a lgum va lo r soc ia l re levan te .

Como v is to , t a l como se dá em re lação à função soc ia l do

con t ra to , a função soc ia l da responsab i l idade c i v i l v i s ta sob o

p r isma das re lações de consumo não in ibe que cons umidores e

fo rnecedo res façam aco rdos p r i vados, de fo rma ind iv idua l ou

co le t i va , para repa ração de danos ou p revenção a even tua l r i sco .

Como será v is to , é a té dese jáve l que em casos de r i sco de

desenvo lv imento já ex is ta um mode lo de responsab i l i dade ma is

31 REALE, Miguel. Função Social do Contrato. Artigo disponível no site http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm, acessado em 25/11/2015

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ef i c ien te do que o a tua l , capaz de p ropo rc ionar a e fe t i va repa ração

pa ra consumidores lesados.

O fundamenta l é que nenhum a jus te f e i to por consum ido res

imp l ique renúnc ia de d i re i to ou se ca rac te r i ze como c láusu la ou

p rá t i ca abus iva d isc ip l inada pe lo Cód ig o de Defesa do Consumido r ,

ou mesmo que se ve r i f i que que sua adoção fe re va lo res ou d i re i tos

da co le t i v idade .

V is ta des ta fo rma, a função soc ia l da responsab i l idade c i v i l

nas re lações de consumo também se ap resen ta como uma

impor tan te fe r ramenta pa ra manu tenção da é t ica e boa - fé nas

re lações en t re pa r t i cu la res e o p rópr io Es tado , v isando à

cons t rução de a l te rna t i vas que , f ren te ao mundo moderno e aos

r i scos na tu ra is do exe rc íc io de qua lque r a t i v idade econômica , nos

aux i l iam a encont ra r novos mecan ismos e f e r ramentas pa ra

p ropo rc ionar uma jus ta e e fe t i va repa ração em caso de dano.

Há , a inda , ou t ras fo rmas de ana l i sa r a função soc ia l da

responsab i l idade c i v i l . Pa ra He lena E l ias P in to , pode se da r em t rês

d imensões:

“ i ) a p r ime i ra , c omo des dobramento da f unç ão

s oc ia l do d i r e i t o v i o l ado (quando se t r a ta r de

d i r e i t o pa t r imon ia l ) ; i i ) a s egunda , na s ua

d im ensão p r even t i va , de des es t imu la r

c ompor tamentos l es i vos – o que reve la a a tuação

do ins t i t u to como im por t an t e mec an i smo de

c on t r o le s oc ia l ; e , i i i ) po r ú l t imo , na busc a do

equ i l íb r io das re l aç ões j u r íd i c as , romp ido pe la

l e são – momento em que a f unção soc ia l se

r eves te da roupagem da so l ida r iedade soc ia l ,

f unc ionando a equ idade com o ins t rum ent o de

a j us t e f i no desse equ i l íb r io , c om v is t as a

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p roporc i onar a f i xaçã o de uma inden i zação que

s e ja , s im u l t aneamente , i nd i v i dua l e s oc ia lm en t e

j us ta ” 32.

É com base nes tes p r inc íp ios es tabe lec idos que ao f ina l se rá

ana l isada e suger ida a adoção de novos mecan ismos pa ra que o

B ras i l en f ren te de mane i ra d i ve rsa , em re lação ao que temos ho je ,

os r iscos de desenvo lv imento nas re lações de consumo,

p r i v i leg iando so luções co le t i vas como a c r iação de fundos de

p revenção e repa ração , a lém da c r iação de pa râmet ros pa ra

inden ização de fo rma a pe rm i t i r a secu r i t i zação dos r i scos em

po tenc ia l .

Po r es ta razão , é fundamenta l ana l isa rmos a temát ica da

responsab i l idade c i v i l , também po r me io de uma v i são econômica ,

como fa remos no tóp ico a segu i r .

1 .1 .4 . Aná l ise econômica

T ra tando o tema da responsab i l idade c i v i l como um fenômeno

po l í t i co -soc ia l , econômico e ju r íd ico , op te i po r desc reve r os

fundamentos da responsab i l idade c i v i l em te rmos de suas funções

e incen t i vos econômicos , in te rca lando ta l aná l ise com as regras

ju r íd icas que t ra tam da responsab i l i dade .

Es ta aná l i se é impor tan te po is , em mu i tas s i tuações , os

obs tácu los pa ra uma de f in i ção ma is p rec isa sob re as

32 PINTO, Helena Elias. Função Social da Responsabilidade Civil, artigo publicado no site http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=3323fe11e9595c09

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responsab i l idades envo lv idas em uma re lação negoc ia l

(espec ia lmente de consumo) decor rem não apenas dos cus tos ou

d i re i tos envo lv idos , mas sobretudo das emoções que gravi tam

sobre o tema da responsabi l idade . A v ingança ou a ide ia des te

sen t imento é reco r ren te , sendo que mu i tos acred i tam que ap l i ca r

um mal ma io r àque le que o r ig inou o dano é a fo rma necessá r ia pa ra

mante r a soc iedade jus ta e equ i l i b rada .

Sendo o ob je t i vo econômico do s i s tema de r esponsab i l i dade

c i v i l m in im iza r a soma dos cus tos da p recaução e do dano causado

po r ac iden tes , é impor tan te o d i rec ionamento ma is c la ro sob re as

c i r cuns tânc ias de exc lusão de responsab i l idade nas re lações de

consumo, cons ide rando os benef íc ios que ta l o r i en tação pode

t raze r a todo o s is tema de jus t iça ( j u r i sd ic iona l ou adm in is t ra t i vo )

e a todas as pa r tes envo lv idas na re lação econômica , em espec ia l

o consumidor .

Pa ra os economis tas , a responsab i l i dade c i v i l d i z respe i to a

danos que es tão fo ra dos acordos p r i vados e são v i s tos como

ex te rna l idades. A f ina l idade econômica da responsab i l idade c i v i l ,

po r tan to , é induz i r os au to res e as v í t imas de lesões a

in te rna l i za rem os cus tos do dano nas suas p róp r ias re lações

econômicas . Nas pa lavras de Coote r e U l len :

“O d i r e i t o da responsab i l i dade c i v i l i n t e rna l i za

ess es c us t os f azendo o c aus ador da l esão

i nden i za r a v í t ima . Ass im , quando os au to r es de

a t os i l í c i t os em po tenc ia l i n t e rna l i zam os cus tos

do dano que causam, e les t êm inc en t i vos pa r a

i nves t i r em s egur anç a no n íve l e f i c i en te . A

ess ênc ia ec onôm ic a do d i re i t o da

r esponsab i l i dade c i v i l cons is t e em seu us o da

r esponsab i l i zaç ão pa ra in t e rna l i za r

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ex te r na l i dades c r iadas po r cus t os de t r ans aç ão

e levados ” . 33

Acompanhando o rac ioc ín io dos au to res , é impor tan te pon tua r

que um n íve l e f ic ien te de p revenção é aque le que reduz o cus to

espe rado do p re ju ízo , gas tando menos do que o cus to reduz ido .

Depo is , é p rec iso o lha r pa ra os incen t i vos c r iados pe la leg is lação

pa ra que se ob tenha um n íve l de p recaução cada vez ma io r ,

buscando ass im ma is e f ic iênc ia no s is tema de responsab i l idade 34.

Rona ld Coase , no tex to O p rob lema do cus to soc ia l 35, nos

conv ida a uma nova pe rspect i va de busca r f o rmas e f i c ien tes pa ra

l i da r com s i t uações, as “ f a lhas de mercado” , que resu l tam em dano

a a lguém, suge r indo que a mudança de compor tamento se ja também

daque le que so f re o dano. Na l inha de a rgumentos p roposta pe lo

es tud ioso , ex ig i r mudanças de compor tamen to somente daque le

que causa o dano , no caso o fo rnecedo r , não é o me io ma is e f i c ien te

e nem o menor cus to de se reso lver o p rob lema.

Segundo Coase 36, a f o rma ma is e f i c ien te de l ida r com

compor tamentos que ge ram danos e e fe i tos negat i vos é ana l isa r os

33 COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia, p. 322. 34 “O custo de um pouco mais de precaução (custo marginal) equivale ao preço por unidade ‘w’. Um pouco mais de precaução reduz o custo esperado do prejuízo (benefício marginal). Esta redução no custo esperado do prejuízo equivale à redução na probabilidade de um acidente, o que denotamos – p’ (x), multiplicada pelo custo do prejuízo A. quando a precaução é eficiente, o custo de um pouco mais de precaução (custo marginal) equivale à resultante redção no custo esperado do prejuízo (benefício marginal). (...) esta equação resolve o problema ‘ escolha a precaução para minimizar o custo de acidentes e evitar acidentes”. Se a precaução é menor do que a quantidade eficiente, o custo marginal da precaução é menor do que o benefício marginal social (...). Quando o custo social marginal da precaução é menor do que o benefício social marginal, a eficiência exige que se tome mais precaução. Nestas circunstâncias, dizemos que mais precaução é justificada em termos de custo. De modo semelhante, se a precaução excede a quantidade eficiente, o custo social marginal da precaução excede o benefício social marginal. Nestas circunstâncias, a eficiência exige que se tome menos precaução. In COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & Economia, pág 333. 35 COASE, Ronald. O problema do custo social, p. 11. 36 Um exemplo que pode ser utilizado e mencionado por Coase em O Problema do Custo Social: “pode ser identificado no problema do gado que, ao se desgarar, destrói a plantação

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cus tos deco r ren tes da p revenção de ta is e fe i tos danosos e dos

danos e fe t i vamente p rovocados , a té mesmo pa ra que se ca lcu le se

os cus tos da p revenção são ou não supe r io res ao do p róp r io dano.

Com isso , se rá poss íve l de te rm inar qua is mudanças de

compor tamento i rão ge ra r o menor cus to para todos os envo lv idos

e para p róp r ia soc iedade.

I sso po rque os cus tos soc ia i s decor rem de s i tuações em que

os agen tes envo lv idos es tabe lecem en t re s i , o que respe i ta o ob je to

do dano, uma re lação de rec ip roc idade. Na re lação en t re do is

agen tes , A e B , “ambas as par tes causam o dano ” . Ev i ta r o dano a

B imp l i ca causa r u m dano a A . Os cus tos ex is tem pa ra ambas as

pa r tes . Po r isso , é dese jáve l que ambas levem em cons ide ra ção o

dano ao dec id i r como ag i r . Como a f i rma Rona ld Coase :

Nessas cond iç ões , a de l im i t aç ão i n i c i a l dos

d i r e i t os exe r ce i n f luênc ia so bre a e f i c i ênc ia c om

a qua l o s i s t ema de p reç os oper a . Um a r ran jo de

d i r e i t os pode se r o m a is ap to , en t re t odas as

a l oc ações poss íve i s , a ge r a r um g rande va lo r de

p roduç ão . Mas , a não s e r que es ta j á se ja a

a l oc ação de d i re i t os es t abe lec ida pe lo s i s t ema

j u r íd i c o , os cus tos pa r a s e a t i ng i r os mesmos

r esu l t ados pe la a l t e r aç ão e c omb inaç ão dos

d i r e i t os pe lo mercado podem s er t ão e levados

que es se a r ran jo ó t imo de d i re i t os , e a

max im izaç ão do va lo r da p rodução de le adv inda ,

podem jama is se r a t i ng idos . 37

da vizinha. Em sendo inevitável que algumas cabeças de gado se desgarrarão e causarão prejuízo à propriedade vizinha, o aumento da oferta de carne somente será obtidio mediante o decréscimo da oferta de produtos agrícolas. A naturezada da escolha é clara: carne ou produtos agrícolas. A resposta para tal dilema, no entanto, não é clara. A menos que saibamos o valor do que é obtido, bem como o valor daquilo que é sacrificado para obtê-lo” (COASE, s.d., p. 2 e 3). 37 COASE, Ronald. O problema do custo social, p. 13-14

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De qua lque r f o rma, sob o pon to de v i s ta econômico , quanto

ma io r f o r o cus to supo r tado pe la v í t ima, ma io r se rá o seu incen t i vo

pa ra m in im iza r os r iscos de um dano po is , nes tes casos , a v í t ima

tem um incen t i vo c la ro pa ra m in im iza r os cus tos qu e e la p rópr ia

te rá que a rca r . Se não houve r qua lque r responsab i l i zação da v í t ima

po r suas ações, o que inc lu i a redução ou mesmo exc lusão do

d i re i to a inden ização , e la não te rá incen t i vos pa ra se p reven i r de

um poss íve l dano , aumentando o cus to soc ia l de u m evento danoso .

Os es tud iosos Coote r e U l len chegam a essa conc lusão ao t ra ta rem

da responsab i l idade ob je t i va , e a tabe la de e f ic iênc ia de incen t i vos

c r iada po r es tes p ro fesso res con f i rma esse resu l tado 38.

38 “Agora vamos repetir a análise com uma regra jurídica diferente. Veja os incentivos da vítima para tomar precauções quando o autor do dano é ‘objetivamente responsável’ e a vítima recebe ‘indenização perfeita’ (embora seja irrealista, o pressuposto da indenização perfeita é muito analiticamernte). Como antes, a vítima arca com o custo da precaução wv xv, e também arca com o custo esperado do dano, p(xv)A. Além disso, ela recebe a indenização I quando um acidente acontece. Por suposição, a indenização perfeita: I=A. Assim, o total líquido de custos com que a vítima espera arcar sob a regra da responsabilidade objetiva equivale ao custo da precaução: wv xv+ p(xv)A – p(xv)I. (...) Portanto, mostramos que a regra da responsabilidade objetiva com indenização perfeita não dá à vítima incentivos para tomar precauções. Esta conclusão tem uma explicação simples. Com uma regra de responsabilidade objetiva e indenização perfeita, a vítima é indiferente entre um acidente com indenização e a asuência de acidente. A vítima arca com o custo de suas próprias precauções e não tem vantagem se reduzir a probabilidade ou gravidade de acidentes. Em outras palavras, ela internaliza os custos da precaução e externaliza os benefícios, tendo, portanto, um incentivo para não tomar quaisquer precauções. In: COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & Economia. Porto Alegre: Bookman, 2010, Tradução Luiz Marcos Sander e Francisco Araújo da Costa, p. 335-336.

REGRA JURÍDICA

Vítima Autor Vítima Autor

ausência de responsabilidade sim zero sim não

responsabilidade objetiva zero sim não sim

responsabilidade subjetiva simples sim sim sim não

responsabilidade subjetiva + culpa contributiva sim sim sim não

responsabilidade civil objetiva + culpa contributiva sim sim não sim

culpa comparativa sim sim sim não

Precaução Nível de atividade

Tabeça de Eficiência de incentivos criados pela regra de responsabilidade civil

Pressupondo a indenização perfeita e parâmetros jurídicos equivalentes à precaução eficiente

"sim" indica incentivos eficientes

"não" indica incentivos ineficientes

"zero" indica ausência de incentivos

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Essa tabe la most ra que a tendênc ia é que a v í t ima, um

consumido r po r exemplo , “esco lha os va lo res das va r iáve is que

cont ro la na função de u t i l idade pa ra max im izá - la , e o p rodu to r

( f o rnecedo r ) esco lhe os va lo res das var iáve is que con t ro la na

f unção de p rodução pa ra max im izar o luc ro ” . 39

Po r tan to , f i ca c la ro po r me io da re fe r ida tabe la que , na

responsab i l idade sub je t i va , a v í t ima tem incen t i vos pa ra tomar

p recauções, sendo que na responsab i l i dade ob je t i va os incen t i vos

pa ra p recaução es tão somen te com o au to r do dano ( fo rnecedo r ) , e

não com a v í t ima ( consum ido r ) . A lém d isso , há também um t ipo de

s i tuação chamado de “p recaução b i la te ra l ” ou “p recaução con jun ta ” ,

em que tan to a v í t ima quanto o au to r podem tomar p recauções. A

e f i c iênc ia e a lóg ica econômica ex igem que ambos a tuem pa ra

me lho r reduz i r a pos s ib i l idade do dano ou seu resu l tado , o que nem

sempre é uma rea l idade .

Es ta s i tuação é um dos d i lemas ap resen tados pe la aná l i se

econômica da responsab i l idade c i v i l . A f ina l de con tas , qua l se r ia a

jus ta med ida ou a regra jus ta capaz de ge ra r incen t i vo pa r a que

cada um (au to r do dano e v í t ima/ fo rnecedo r e consum ido r ) ado te

p recauções e ev i te o dano? Para Coote r e U l len , a so lução do

pa radoxo da inden ização es ta r ia em uma regra de responsab i l idade

sub je t i va .

A tabe la a segu i r , ap resen tada por Coote r e U l le n 40, most ra

como d i fe ren tes regras de responsab i l i dade a locam os cus tos do

dano ac iden ta l en t re as pa r tes , dependente da p recaução po r

quad ran te :

39 COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia, p. 237. 40 COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia, p. 330.

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Esta é uma s i tuação d i f íc i l pa ra os leg is ladores e fo rmu lado res

de po l í t i cas púb l icas , os qua is têm que de f in i r e acer ta r do is a l vos

de uma ún ica vez , com uma ún ica va r iáve l em uma regra ge ra l .

Como lembram Coo ter e U l len , uma va r iáve l ad ic iona l de con t ro le

de fo ra do d i re i to da responsab i l idade c i v i l pode rá ser necessá r ia

pa ra con t ro la r os n íve is de a t i v idade , ass im como “o número de

qu i lômet ros d i r i g idos pe los moto r is tas pode ser in f l uenc iado po r um

impos to sob re a gaso l ina ou por uma po l í t i ca de segu ros cu jo

prêm io aumen te como número de qu i lômet ros d i r i g idos” . 41

Mas qua l se r ia um n íve l e f ic ien te de p recaução e como es te

pode r ia se r u t i l i zado pe los leg is ladores? Pa ra responde r ta l

pe rgun ta , parece adequado u t i l i za r a conhec ida regra de Hand 42, a

41 COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia, p. 344. 42 A Regra de Hand ficou assim conhecida pelo fato do Juiz Learned Hand ter declarado em um processo envolvendo United States v. Carroll Towing Company19. A questão a ser decidida era haveria responsabilidade da empresa Conners Company, proprietária de uma embarcação, ao deixá-la amarrada ao píer da baía de New York, sem ninguém a bordo, tendo ocorrido o rompimento das amarras e a colisão com outra embarcação, acarretando no seu afundamento e prejuízos dai decorrentes. Não havendo uma regra geral para para determinar quando a ausência de um barqueiro ou de alguém que o substitua tornará o proprietário da embarcação responsável por danos a outros barcos causados por rompimento das amarras... já que há ocasiões em que toda embarcação se soltará de suas amarras e já que, se isso acontecer, ela se tornará uma ameaça às que estão ao seu redor, o dever do proprietário, como em outras situações semelhantes, é uma função de três variáveis: (1) a probabilidade de o barco se soltar; (2) a gravidade do dano resultante, se ela fizer isso e; (3) o ônus das precauções adequadas. Possivelment formular essa noção em termos algébricos sirva para realcá-la: se a probabilidade for chamada de p, o dano R e o ônus de O, a responsabilidade civil depende de o O ser menor que o R multiplicado por P, isto é, de O<PR[...] [ Na sequencia, o Juiz Hand aplicou a fórmula aos fatos da ação judicial e concluiu que, como neste caso o O<PR, o proprietário da barcaça foi negligente por não ter um barqueiro a pbordo durante o expediente.

Quadrande Autor do Dano

Vítima

Vítima Regra de Responsabilidade Civil Autor Arca com

Custo do Dano

(quadrantes)

Vítima arca com

custo do dano

(quadrantes)

I culpa sem culpa responsabilidade subjetiva simples I, IV II, III

II sem culpa sem culpa

responsabilidade subjetiva com

defesa na culpa concorrente I, IV II, III, IV

III sem culpa culpa

responsabilidade objetiva com

defesa na culpa concorrente I, II III, IV

IV culpa culpa

responsabilidade objetiva com

defesa na culpa concorrente

cumulada com ausência de culpa

própria (dupla culpa concorrente) I, II, IV III

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qua l sus ten ta que se os gas tos do au to r do dano com p revenção

fo rem in fe r io res à p robab i l idade de dano mu l t ip l i cada pe lo cus to

méd io do dano, a conduta será cons ide rada rep rováve l e e le deve rá

a rcar com os cus tos do dano. O exemp lo a segu i r a juda a en tende r

es te rac ioc ín io :

“ Suponha -se que , ao c us t o de $ 40 , um l es an t e

em po t enc ia l cons iga ev i t a r a oco r r ênc ia de um

dano de $ 60 . Ser á soc ia lmen te des e jado , no

exem p lo , que as med idas de cu idado s e jam

ado t adas (a f i na l $ 40 < $ 60 ) . Caso o l esan te não

ado t e nenhuma med ida de c u idado ( cus tos =

ze ro ) , s e rá ob r igado a a rc a r com o dano de $ 60 .

Caso pouc as med idas de c u idado se jam tom adas

( $ 10 , po r exemp lo ) , t ambém ser á ob r igado a

a rca r com o dano em s ua in t eg ra l i dade . No

en tan to , se f o rem ado tadas r e levan tes med idas

de c u idado , embora i ns u f i c ien tes pa r a ev i t a r o

dano ( $ 30 , po r exem p lo ) , poder á s e r f i xada uma

i nden i zação em $ 20 ou $ 30 , po r exemp lo , o c us to

t o t a l ass umido pe lo les an t e ($ 30 pe las med idas

ado t adas + $ 20 ou $ 30 pe la i nden izaç ão) se r á ,

a i nda ass im , s uper io r ao mon tan te de c u idado

s oc ia lm en t e des e jado ( co r res ponden te a $ 40 ) .

No en t an t o , c as o a inden i za ção s e ja r eduz ida a

pon t o de o cus t o t o t a l ass umido pe lo l es an t e

r esu l t a r aba i xo do c u idado soc ia lmen te dese j ado

( no exem p lo , uma inden i zação in f e r io r a $ 10 ) ,

en tão a ap l i c ação da r eg ra p r ovocar á uma s o lução

i ne f i c ien te , j á que s e rá p r e f e r íve l ao po t enc ia l

l e san te p rovoc ar o dano a ev i t á - l o . ” 43

As regras de responsab i l idade c i v i l sob o v iés econômico são

c r iadas pa ra s ina l i za r às v í t imas e aos po tenc ia is o fenso res sob re

43 MENDONÇA, Diogo Naves. Análise econômica.

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como deve r iam se compor ta r . Pa ra Coote r e U l len , “pa ra que o

s is tema tenha mesmo es te e fe i to , é p rec iso que o compor tamen to

que a le i busca a fe ta r se ja rac iona l : os ind iv íduos p rec isam

en tende r que podem min im iza r sua responsab i l i zação ao tomarem

p recauções de cer ta qua l idade e quan t idade ” 44.

A questão é que nem todas as pessoas tomam dec isões

rac iona is des ta mane i ra , e as conc lusões de Kahneman e Tversky 45

são impor tan tes pa ra desenvo lver es te assun to . A p r ime i ra é que a

ma io r ia das pessoas s imp lesmen te não consegue es t imar

cor re tamente even tos de ba ixa p robab i l idade , po is e las

s imp lesmente t raba lham com o p ressuposto de que “ba ixa

p robab i l idade ” s ign i f i ca que os even tos não acon tece rão , ou se ja ,

que a p robab i l idade do even to é igua l a ze ro . A segunda é que , pa ra

a lguns resu l tados conhec idos e po tenc ia lmen te ca tas t ró f i cos , como

ac iden tes em us inas nuc lea res , a ma io r ia das pessoas exage ra

sob re a p robab i l idade do ac iden te , i ndependentemente de

in fo rmações ob je t i vas que ind iquem o con t rá r io .

Essa s i tuação gera um impacto para o modelo econômico

de responsabi l idade c iv i l , pois se as pessoas não conseguem

ava l iar adequadamente o r isco, não podem ca lcu lar de forma

adequada os benef íc ios de se compor tar de uma mane ira ou de

outra , não ident i f icando os cus tos e benef íc ios de cada

compor tamento . Po r tan to , para a v i são econômica , a função da

responsab i l idade c i v i l é pe rm i t i r uma inden ização “pe r fe i t a ” , que

s ign i f i ca uma quant ia de d inhe i ro su f i c ien te pa ra de ixa r a v í t ima de

dano numa s i tuação tão boa com o d inhe i ro e o dano quan to e la

te r ia es tado sem o d inhe i ro e sem o dano 46.

44 COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia, p. 362 45 TVERSKY, Amos; KAHNEMAN, Daniel. Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases. In http://www.jstor.org/stable/1738360?seq=1#page_scan_tab_contents, acessado em 20/10/2015. 46 COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & Economia,. Porto Alegre: Bookman, 2010, Tradução Luiz Marcos Sander e Francisco Araújo da Costa, pág 324. Mas nem sempre isso

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Pa ra que os agentes pa r t i c ipan tes da a t i v idade econômica

(consum ido r , f o rnecedo r e Es tado ) possam ava l ia r os r i scos

ex is ten tes e de f in i r suas condutas e regu lações e f i c ien tes , o

conhec imen to c la ro e p rec iso sob re as regras da resposanb i l idade

c i v i l é essenc ia l 47.

Ta l f a to se rv i rá pa ra que os envo lv idos possam a locar de

fo rma ma is e f ic ien te os recu rsos que des t inam a cada re lação .

Todav ia , va le o a le r ta de R icard Craswe l l 48, segundo o qua l nem

sempre uma regra e f i c ien te é aque la que t raz benef íc ios a todos os

envo lv idos , o que depende da capac idade de cada um in te rna l i za r

os ganhos e pe rdas de de te rm inada conduta , a lém da p róp r ia

con jun tu ra do mercado e mode lo de negóc io desenvo lv ido pe lo

fo rnecedo r – o que nos in te ressa pa ra es ta d i scussão:

é possível como, por exemplo, em hipóteses de perda de um ente familiar próximo (pai, irmão, filho), onde o dinheiro nunca será suficiente para suplantar a dor da perda. Nestes casos a alternativa que minimiza este impacto é a condenação por danos morais, que busca ao menos compensar o dano sofrido. 47 John Kenneth Galbraith, nos traz uma consideração, que me parece mais um alerta para aqueles que, como eu, muitas vezes se sente seduzido por argumentos econômicos que buscam explicar ou dar soluções para casos jurídicos. Na introdução de seu trabalho “The Economics of Innocent Fraud”, Galbraith esclarece que tal “ensayo se ocupa de como la economia y los grandes sistemas econômicos y políticos cultivan su própia versión de la verdade de acuerdo com las pressiones pecuniárias y las modaspolíticas de la época, y de los problemas que plantea el hecho de que esa versión no tenga necessariamente relación com lo que ocorre em realidade. Se trata de uma situación de la que no podemos culpar a nadie em particular: la mayoría de las personas prefere crer em aquello que le conviene crer. Esto es algo de lo que debemos ser conscientes todos los que nos hemos dedicado al estúdio de la econmía, así como nuestros estudiantes y todo aquel interessado em la vida econômica y política. Por lo general, lo conveniente es aquello que resulta útil, o al menos no es hostil, a los interesses econômicos, políticos y sociales dominantes. (GALBRAITH, John Kenneth, p. 11) 48 Efficiency proponentes may argue that at eficiente rule Always benefits buyers as well as sellers because the sellers benefits will eventually be passes on to buyers in the form of lower prices. However, opponents can reply that the extent of such pass-ons will vary from Market to Market, dependeing on the shape of the supply and demand curves. This suggests that buyers can sometimes benefit from an ineficiente rule or fail to benefit from an eficiente one if sellers are unable to pass along all of their osts or benefits through the product-s price (CRASWELL Richard. Passing on the Costs of Legal Rules: Efficiency and Distribution in Buyer-Seller Relationships. In Stanford Law Review Vol. 43, No. 2 (Jan., 1991), p 361-398 – p. 361.

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Os de f ens ores da e f i c i ênc ia podem a rgumenta r

que um a reg ra e f i c ien te bene f i c ia t an to os

c ompr adores c omo os vendedor es , po rque os

bene f íc i os dos vendedores acabarão po r s e r

r epass ado os c ompradores na f o rma de p reços

ma i s ba i xos . No en tan to , os que d is co r dam des ta

t ese en tendem que o repass e dos bene f íc i os i r á

va r ia r de mer cado pa ra mer cado , dependendo das

c u r vas de o f e r ta e demanda . I s to s ugere que os

c ompr adores podem, po r vezes , se bene f i c ia r de

um a reg ra i ne f i c i en t e ou de i xa r de bene f i c ia r de

na E f i c ien te um, po is os vendedores não s ão

c apazes de pas sar ao l ongo de todos os s eus

c us t os decor r en t es ou bene f íc i os po r me io do

p reç o do p r odu tos . ” 49

A lém d isso , nem todos os comprado res (no nosso caso os

consum ido res) ana l isam e va lo r i zam as regras lega is da mesma

fo rma, o que pode rep resen ta r , nos casos em que as regras não são

c la ras , um ma io r cus to , po is os su je i tos da regra não sabe rão como

se compor ta r f ren te es tas regras .

I f d i f f e ren t buyers va lue t he ru l e d i f f e ren t l y ,

t hough , t he re l a t i on be t ween e f f i c i enc y and

d i s t r ibu t i ona l goa ls i s l ess c lea r bec ause bo th

e f i c ien te and i ne f i c i en t r u l es w i l l have d i f f e ren t

d i s t r ibu t i ona l e f f ec t s on d i f f e ren t s ubg roups o f

buyers 50.

49 CRASWELL Richard. Passing on the costs of legal rules: Efficiency and distribution in buyer-seller relationships, p. 361. 50 Tradução livre "Se diferentes compradores valorizam a regra de forma diferente, no entanto, a relação entre a eficiência e os objetivos de distribuição é menos clara, pois ambas as regras, eficiente e ineficiente, terão diferentes efeitos distributivos em diferentes subgrupos de compradores". CRASWELL, Richard. Passing on the Costs of Legal Rules: Efficiency and Distribution in Buyer-Seller Relationships. In Stanford Law Review. Vol. 43, No. 2, Jan. 1991, p. 362.

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A ide ia de se repassa r todos os cus tos para os p reços dos

p rodu tos ou se rv i ços adqu i r idos pe los consum ido res nem sempre

se most ra in te ressan te ou v iáve l . Se , po r exemp lo , a lguma regra de

responsab i l idade c i v i l c r ia r bene f íc ios pa ra os vendedores

( fo rnecedo res) , enquanto ge ra a lgum t ipo de p re ju ízo aos

consum ido res (como é o caso da exc ludente de nexo de causa l idade

em razão do r i sco de desenvo lv imento) , os fo rnecedo res devem se

compor ta r de fo rma a reduz i r os seus p reços e repassa r a lguns de

seus benef íc ios aos consum ido res 51.

Da mesma fo rma, apon ta Craswe l l 52, se uma regra benef i c ia os

comprado res , mas tem o po tenc ia l de c ausa r dano aos

fo rnecedo res , es tes tendem a repassar o cus to des te r i sco po r me io

de p reços ma is e levados . Ass im , se rea lmente fo r poss íve l que os

p reços dos p rodu tos e se rv i ços cons iderem o n íve l de

responsab i l idade , as p reocupações de d is t r ibu ição sobre as

iden t idades dos ganhadores e perdedo res são desnecessár ias ,

desde que o sa ldo g loba l dos cus tos e benef íc ios se ja favo ráve l .

Nes ta l inha , resumindo a pos ição de Craswe l l , se os

fo rnecedo res não consegu i rem repassa r 100% dos cus tos da norma

ao consumido r , s ign i f i ca que es te não fo i to ta lmente benef ic iado

pe la no rma, po is não es tá d i spos to a paga r ma is pe los d i re i tos e

ga ran t ias t raz idas pe la no rma. No en tan to , se o fo rnecedor

consegu i r repassa r 100% do cus to aos consumidores e a inda ass im

es tes op ta rem em paga r o novo va lo r ou a té mesmo se sen t i rem

es t imu lados a consumi rem mais , a no rma te rá s ido e f i caz po r te r

c r iado va lo r ao consumidor . Por tan to , aque las no rmas cu jos cus tos

51 CRASWELL Richard. Passing on the costs of legal rules: Efficiency and distribution in buyer-seller relationships, p. 365. 52 CRASWELL Richard. Passing on the costs of legal rules: Efficiency and distribution in buyer-seller relationships, p. 361-323.

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puderem se r repassados ao consum ido r se rão as normas que ma is

te rão benef i c iado os consum ido res 53.

A aná l ise econômica da responsab i l i dade c i v i l da fo rma

t ra tada , pode rá aux i l ia r na busca de med idas ma is e f i c ien tes pa ra

a p ro teção do consumido r no caso de danos em razão dos r iscos de

desenvo lv imento de p rodu tos e serv i ços . A lém d iss o , pode remos

ana l isa r se a fo rma com a que a tua lmen te l idamos com o tema

pe rm i t i rá , no fu tu ro , que uma empresa tenha rea is cond ições

f inance i ras de a rca r com os cus tos de inden izações deco r ren tes de

r i sco de desenvo lv imen to , ou se temos apenas exce len tes n o rmas

“em tese ” .

A aná l i se econômica se rá u t i l i zada pa ra iden t i f i ca r com ma is

c la reza as d i re t r izes po l í t i cas pa ra harmon ização dos in te resses

re la t i vos à p ro teção do consum ido r e do mercado no Bras i l e em

pa íses da Eu ropa , f o rma l i zadas em le i s e demais regras que

compõem o acabouço ju r íd i co do s i s tema nac iona l de p ro teção do

consum ido r .

1 .2 Responsabi l idade Civi l : Obr igação de Indenizar

1 .2 .1 Descumpr imento de obr igação preex is tente e

responsabi l idade ext racontratua l

53 To sumarize, this section has shown hat when Consumers have identical preferences regarding a warranty or other legal rule, Consumers will benefit from the rule if, and only if, the rule is eficient under a Kaldor-Hicks test. Moreover, the significance of sellers ability to pass along their costs in such a Market is exactly the opposite of what most people suppose. Under the model used in this section, if less than 100 percent of the costs are passed on, the rule has made the product / warranty package less attractive to Consumers, which implies that the rule is not very good for Consumers. Conversely, if more than 100 percent of the costs are passed on, the rule has made the product / warranty package more atractive to Consumers, thereby increasing overall demand. Paradoxal as it may seem, the rules whose costs are mst heavily passed on are also the rules that will benefit Consumers the most. (CRASWELL Richard. Passing on the Costs of Legal Rules: Efficiency and Distribution in Buyer-Seller Relationships. In Stanford Law Review Vol. 43, No. 2 (Jan., 1991), pp. 361-398 – pág. 372.

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Fe i ta a p r ime i ra abo rdagem sobr e as funções da

responsab i l idade c i v i l em seus d i f e ren tes aspectos , pode -se

es tuda r de fo rma ma is espec í f ica as regras de responsab i l idades

de um fo rnecedor pa ra com um consumido r . Es ta aná l i se deve

passa r necessa r iamente pe la obse rvação das ob r igações ex i s ten tes

en t re as pa r tes , po is são es tas , se fo rem f rus t radas, que passa rão

a se r f on tes de d i re i to à inden ização ou compensação.

Sendo ass im, o es tudo do d i re i to das ob r igações é e lemento

fundamenta l pa ra es te t raba lho , po is são as obr igações que ge ram

e fe i tos d i re tos e ind i re tos , i nc lus ive para os casos de

responsab i l idade po r r i sco de desenvo lv imento . O e fe i to d i re to é a

ob r igação de cumpr imento do que fo i pac tuado (con t ra to ) ou

p romet ido (o fe r ta /pub l i c idade ) , e o ind i re to é o apare lhamento do

t i tu la r ( consum ido r ) com ins t rumentos que o pe rmi tem ex ig i r a

ob r igação dev ida ou a sua inden ização em caso de não cumpr imento

to ta l ou parc ia l .

Mar ton 54. es tud ioso mu i to lembrado pe los au to res que t ra tam

com pro fund idade a temát i ca da responsab i l idade c iv i l , é uma d as

re fe rênc ias c i tadas po r Agu ia r D ias (1960 ) , que pa r te do

en tend imento que a responsab i l idade é necessar iamente uma

reação pe la in f ração de um deve r p reex is ten te 55. Ass im, o p r ime i ro

54 Como bem escreveu Marton, reponsabilidade é “a situação de quem, tendo violado uma norma qualquer, se vê exposto às consequências desagradáveis decorrentes dessa violação, traduzidas em medidas que a autoridade encarrega de velar pela observação do preceito lhe imponha, providências essas que podem ou não, estar previstas” 54 MARTON, Géza. Les fondements de la responsabilité civile, Paris, 1938, nº 97, pág. 304, apud AGUIAR DIAS, José de, Da Responsabilidade Civil, Vol, I. Companhia Editora Forense: Rio de Janeiro, 4ª Edição, 1960, pág. 11. Segundo o mesmo autor, “O estado de responsabilidade não é senão o estado sobrevindo em consequência da inexecução da obrigação, dando lugar à aplicação de sanções”. 55 “A obrigação preexistente é a verdadeira fonte da responsabilidade e deriva, por sua vez, de qualquer fator social capaz de criar normas de conduta. O jus cogens, isto é, a disposição normativa é invariável. Mas o legislador não as estabelece para todos os casos e é onde

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e lemento da responsab i l idade é a ob r igação p reex is ten te e o

segundo e lemento é a v io lação da ob r igação

Pa ra Fe rnando Pessoa Jo rge 56, a responsab i l idade c i v i l

também se con f igu ra como ob r igação , en tend imento es te que se

a jus ta r ia à t rad ição de inc lu i r o de l i to en t re as fon tes das

ob r igações . Neste sen t ido , re fe r ido Au to r menc iona o A r t i go 483 do

Cód igo C iv i l Po r tuguês 57, inse r ido no Cap í tu lo I I do L i v ro I I , que

t ra ta do d i re i to das ob r igações e das suas fon tes . Segundo ta l

a r t i go , o au to r de de te rm inado fa to i l í c i to f i ca ob r igado a inden iza r .

Da mesma fo rma es ta r i a a ubsecção I I da Secção V do mesmo

cap í tu lo , que co loca a responsab i l i dade pe lo r isco também como

fon te de ob r igações, e os a r t i gos 562 e segu in tes , que regu lam a

moda l idade espec ia l de obr igações de inden ização 58.

intervém o jus dispositivum, ou sejam, as disposições em que se admitem a vontade das partes (...)”. AGUIAR DIAS, José, Da Responsabilidade Civil, Vol, I. Companhia Editora Forense: Rio de Janeiro, 4ª Edição, 1960, p 117. 56 JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, p. 43. 57 O Artigo 483 está inserido no Livro II – Direito das Obrigações; Capítulo II – Fontes das Obrigações; Secção V – Responsabilidade Civil; Subsecção I – Responsabilidade por factos ilícitos. Vejamos: Artigo 483.º(Princípio geral): 1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.

58A Secção VIII do Código Civil Português que trata da Obrigação de indenizar dispõe dos seguintes artigos e temas: “Obrigação de indenização: Artigo 562 - (Princípio geral); Artigo 563 - (Nexo de causalidade); Artigo 564 - (Cálculo da indemnização); Artigo 565 - (Indemnização provisória); Artigo 566 - (Indemnização em dinheiro); Artigo 567 - (Indemnização em renda); Artigo 568 - (Cessão dos direitos do lesado); Artigo 569 - (Indicação do montante dos danos); Artigo 570 - (Culpa do lesado); Artigo 571 - (Culpa dos representantes legais e auxiliares); Artigo 572 - (Prova da culpa do lesado).

Além disso, o Código Civil Português também possui uma Subsecção específica sobre “Responsabilidade pelo Risco SUBSECÇÃO II. Destes artigos, o que me pareceu mais relevante é o artigo 508, que trata dos limites da indenização. Segundo referido artigo, algums seguimentos poderão ter indenizações limitadas aos valores previstos em normas específicas, vejamos: “Artigo 508. (Limites máximos): 1 - A indemnização fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável, tem como limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. 2 - Se o acidente for causado por veículo utilizado em transporte colectivo, a indemnização tem como limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel estabelecido para os transportes colectivos. 3 - Se o acidente for causado por veículo utilizado em transporte ferroviário, a indemnização tem como limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de

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O Cód igo Civ i l B ras i le i ro também d isc ip l ina em p r ime i ro lugar

o cumpr imento das ob r igações ( Do ad imp lemen to e ex t inção das

ob r igações , L i v ro 1 , T í tu lo I I I ) , e só depo is d i sso é que se ocupa do

inad imp lemento das ob r igações ( Do inad imp lemento das

ob r igações , L i v ro 1 , T í tu lo IV) .

O Cód igo de De fesa do Consumido r segue na mesma l inha .

I sso po rque os A r t i gos 1 o , 4 o e 5 o t ra tam dos p r inc íp ios e

ins t rumentos da Po l í t i ca Nac iona l das Re lações de Consumo, e o

A r t i go 6 o , que abo rda os d i re i tos bás icos , in ic ia lmente se re fe re à

p ro teção de d i re i tos (v id a , saúde , segu rança , educação,

i n fo rmação, p ro teção con t ra pub l i c idade e p rá t i cas i l íc i tas , a lém da

p ro ib ição de c láusu las con t ra tua is abus ivas , ou sua rev isão e

mod i f i cação ) e só po r f im t ra ta do tema da responsab i l idade ,

co locando -a como d i re i to bás ico d o consum ido r , a lém da e fe t i va

p revenção e repa ração de danos pa t r imon ia is e mora is , ind iv idua is ,

co le t i vos ou d i fusos f ren te à v io lação dos d i re i tos bás icos

an tecedentes .

H is to r icamente , ex is te uma es tab i l idade quanto ao conce i to do

deve r de inden iza r qu e p ressupõe o descumpr imen to de uma

ob r igação p reex is ten te . No en tan to , como nos adve r te A r tu ro Acuña

responsabilidade civil estabelecido para essa situação em legislação especial”. Ainda vale destacar que o artigo inaugural desta subscção (artigo 499 -), indica que são extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos. Vejamos sobre o que tratam os demais artigos desta Subsecção: “SUBSECÇÃO II Responsabilidade pelo risco: Artigo 499 - (Disposições aplicáveis); Artigo 500 - (Responsabilidade do comitente); Artigo 501.º - (Responsabilidade do Estado e de outras pessoas colectivas públicas); Artigo 502 - (Danos causados por animais); Artigo 503 - (Acidentes causados por veículos); Artigo 504.º - (Beneficiários da responsabilidade); Artigo 505 - (Exclusão da responsabilidade); Artigo 506.º - (Colisão de veículos); Artigo 507.º - (Responsabilidade solidária); Artigo 508.º - (Limites máximos); Artigo 509.º - (Danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás); Artigo 510.º - (Limites da responsabilidade).

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Anzorena 59, apesar do d i re i to ob r igac iona l se r a pa r te menos

susce t íve l de a l te rações, e le já so f r ia , na década de 1960 ,

mudanças de g rande magn i tude , p r in c ipa lmen te por se submete r ao

d i r i g i smo do Es tado po r me io dos inúmeros ó rgãos regu lado res

ex is ten tes .

Du ran te os anos, apenas a lguns p ressupos tos des ta

responsab i l i zação var ia ram, sob re tudo no que se re fe re à

necess idade de apu ração e comprovação de condu tas cu lposas ou

não cu lposas para responsab i l i zação . Nem mesmo a

reponsab i l idade po r f a to de te rce i ro con t rad iz es te en tend imento ,

po is e la de r i va da ob r igação do p rópr io responsáve l , pe la

concepção de que ex is te , ao seu enca rgo , o dever de supo r ta r o

dano uma vez conc re t i zada a h ipó tese da v io lação , con fo rme

exp l i ca a dou t r ina de Dias Agu ia r (1960 ) .

Va le lembra r que em re lação a es te ú l t imo pon to não há

unan im idade de op in iões . Pa ra o p ro fesso r C lov is do Couto e

S i l va 60, não é to ta lmente co r re to a f i r mar que a responsab i l idade

59 Para Arturo Acuña Anzorena, professor titular de la Cátedra de Derecho Civil en la Universidad Nacional de La Plata y Presidente de la Suprema Corte de Justicia de la Provincia de Buenos Aires: “La matéria de las obligaciones, supuesta em todas las épocas como la parte más estable del derecho, la menos susceptible a la influencia de la cultura ambiente, sufre em la actualidad sacudimientos de tanta magnitude, que has se duda a veces si alguna de sus clássicas fuentes, como el contrato, por ejemplo, no estará em trance de desaparecer em quanto su contenido de voluntad y libertad, ‘la ley de las partes’, para convertirse, bajo el ‘dirigismo’ del Estado, em uno de los tantos órganos reguladores de las necessidades prácticas, impuestas por uma situación económica y social nueva. La misma duda se advierte em outra rama fundamentalíssima del derecho obligacional: la responsabiliadd civil. Modelada durante miles de años sobre el principio tradicional de la culpa – noción ésta de contenido ético y jurídico a la vez -, conforme al cual no hay responsabilidade sin falta, hoy se pretende desmoronar su pedesta y em vez de mantener em la oblicación resarcitoria el fundamento moral que le assigna la imputabilidade del hecho danoso a la conducta de su autor se busca sustuirlo por la idea puramente objetiva del riesgo creado, extraña a toda valoración espiritual, pero ceñida, si, a la mera causalidade de los hechos.” (ANZORENA, Arturo Acuña, Estudios sobre La Responsabilidad Civil, p. 03) 60 Ao discorrer sobre a história, estrutura e intensidade do processo obrigacional, , Clovis do Couto e Silva (in A obrigação como processo. Reimpressão. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p. 82 a 84) assim escreveu: “Desenvolveu-se, então, o conceito de débito, de dever prestar, a que corresponde o direito de exigir do credor, transformando-se a responsabilidade de pessoal em patrimonial. A prestação, a que corresponde o débito, denomina-se, hoje,

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surge apenas quando se man i fes ta ad imp lemento insa t i s fa tó r io ou

recusa em ad imp l i r ob r igação p reex is ten te , po is em a lguns casos a

responsab i l idade ex is te mesmo sem o déb i to (ca rac te r i zado pe lo

descumpr imento de obr igação ) , como é o caso do f i ado r , que mesmo

não tendo descumpr ido qua lquer obr igação , pode se to rna r

responsáve l po r inden iza r o c redo r . Ta is s i tuações são la rgamen te

encont radas nas ob r igações c i v i s e nas ob r igações deco r ren tes das

re lações de consumo, denominadas como responsab i l idade por f a to

ou a to de te rce i ro 61.

No Cód igo Civ i l v igen te , as poss ib i l idades de

responsab i l i zação po r a to de te rce i ro es tão e lencadas no A r t i go 934

e nos segu in tes , já no Cód igo de Defesa do Consumido r , apesa r de

não have r d ispos ição seme lha n te , podemos iden t i f i ca r s i tuações

c la ras de responsab i l i dade po r f a to ou a to de te rce i ros re lac ionadas

àque las cons tan tes no A r t i go 13 , inc i sos I e I I , quando impõem ao

prestação primária; e secundária a que corresponde à responsabilidade. [...] A prestação primária corresponde ao débito; e a prestação secundária, a qual se relaciona com perdas e danos, constitui a responsabilidade. É preciso, porém, ter presente que a responsabilidade é elemento da obrigação e coexiste com o débito. Não é totalmente correto afirmar que a responsabilidade surge, apenas, quando se manifesta o adimplemento insatisfatório ou recusa em adimplir. Em tal caso, pode o credor prejudicado pôr em atividade um dos dois elementos que formam a obrigação perfeita: débito e responsabilidade. [...] A seu turno, em alguns casos, existe responsabilidade ou garantia, sem que haja débito. No plano obrigacional, alude-se ao contrato de fiança, alegando-se que o fiador não deve e somente responde. No direito brasileiro, temos o benefício de ordem, mas mesmo assim a hipótese não se apresenta com a mesma liquidez das garantias reais, como hipoteca e penhor de cousa de propriedade de terceiro. O contrato hipotecário ou pignoratício não produz obrigações, pois se trata de contrato do plano do direito das coisas. Por esse motivo, não se pode dinamizar o proecise agere contra o terceiro que deu garantia real, pois ele somente responde. Cuida-se de ‘contrato de responsabilidade’, que serve de garantia ao adimplemento.” 61 Pelo que nos da conta Aguiar Dias, citando Mazeuad et Mazeaud, é uma noção muito antiga “ligada a época em que era acentuadamente forte a consciência de grupo, que absorvia o indivíduo. A obrigação de pagar o Wergeld, ou composição, dos germanos, pesava solidariamente sobre a família. Ainda na idade média, podem ser identicados traços dessa responsabilidade de grupo, que se foi desvanecendo até perder-se de todo, com o enfraquecimento da organização familiar. Oje, funda-se especialmente no dever de vigilância imputável à pessoa que se declara responsável (Mazeuad, Henri e Léon, Traité théorique et pratique de la responsabilité civile, délictualle et contratualle, Paris, 1938, 3 volumes, 3ª ed, nº 709, p. 738 apud AGUIAR DIAS, José Da Responsabilidade Civil, Vol, II, p. 560.

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comerc ian te a responsab i l idade do fabr i can te , p rodu to r , cons t ru to r

ou impor tado r , quan do es tes não pude rem se r iden t i f i cados .

Os dema is a r t i gos do CDC que de f inem o su je i to pass ivo em

caso de responsab i l idade po r f a to ou v íc io de p rodu tos e se rv i ços

podem, even tua lmente , imputa r responsab i l idade a um fo rnecedo r

pe lo fa to ou a to de ou t rem, mas em razão da so l ida r iedade que é

lega lmente impos ta , não podem se r comparados aos casos

exp ressos de responsab i l idade po r a to de te rce i ro . Os demais

a r t i gos que de f inem a responsab i l idade são os a r t i gos 12 caput , 12 ,

§ 3 o , 14 capu t , 14 , § 3 o e 4 o , A r t i gos 18 , 19 e 25 , § 1 o .

Ou t ro pon to a se r obse rvado é a sepa ração ex is ten te no

D i re i to C iv i l en t re responsab i l idade con t ra tua l e responsab i l idade

ex t racon t ra tua l . O p r ime i ro d i z respe i to ao descumpr imento do

con t ra to , inc lus ive para os casos de inad imp leme nto to ta l , pa rc ia l

ou mora ; já o ex t racon t ra tua l t ra ta da v io lação dos deve res ge ra is ,

o que ab range casos de om issão , que acabam po r causa r dano a

te rce i ro independen temente da ex is tênc ia de re lação ju r íd i ca

p rév ia .

Apesa r da aná l ise de An tunes Va re la 62, que de fendeu que as

cod i f i cações modernas pa ra a época tend iam a ap rox imar as duas

va r ian tes de responsab i l idade c iv i l , submetendo a um reg ime

un i fo rme os aspec tos comuns a ambas, no Bras i l manteve -se a

d is t inção en t re a responsab i l i dade con t ra tua l e ex t racon t ra tua l ,

sob re tudo pe las segu in tes razões:

62 Antunes Varela ainda acrescenta um quarto argumento da separação, relativo a tese de que a ressarcibilidade dos danos morais (ou não patrimoniais), teria cabimento na responsabilidade extracontratual, mas nao nãosetor da responsabilidade contratual, onde prevalece o caráter patrimonial dos direitos violados. Apesar da posição do ilustre professor, vivenciamos no brasil a concessão indistinta de danos morais, para ambas espécies de responsabilidade. In VARELA, Antunes; PITOMBO, Sergio; MARTINS, Ives Gandra da Silva. A responsabilidade no direito. São Paulo: Ed. IASP, 1982.

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i ) Aspec tos pecu l ia res de cada mode lo , que p rec isam de

regu lamentação espec í f ica ta is como:

a ) except io non ad imp le t con t rac tus ;

b ) cond ição reso lu t i va tác i ta em caso de inad imp lemento ;

i i ) A responsab i l idad e con t ra tua l pode se r regu lada pe las

pa r tes ;

i i i ) As regras ge ra is ap l icáve is ao ônus da p rova possuem

encaminhamentos d i f e ren tes para cada t ipo de

responsab i l idade .

Há a inda ou t ras c lass i f i cações, como a suge r ida por Car los

A lbe r to B i t ta r 63, que sepa ra a responsab i l idade c i v i l nas a t i v idades

pe r igosas e a t i v idades não per igosas , possu indo t raços d i f e renc ia i s

bás icos que podem ass im ser resum idos :

a ) Nas a t i v idades não pe r igosas p reva lece a noção de

repa ra r o dano em função da demons t ração de

pa r t i c ipação vo l i t i va na ação (po r do lo ou po r cu lpa ) , ao

passo que nas a t iv idades pe r igosas a a t i v idade é l i c i ta ,

ob r igando o exe rcen te a cu ida r pa ra que o dano não

oco r ra , bas tando pa ra ob r igação do ressa rc imento

somente o nexo causa l ;

b ) Nas a t i v idades não pe r igosas a a t i v idade i l íc i ta é

ge rado ra de responsab i l idade , mas pa ra as a t i v idades

pe r igosas é o exerc íc io da a t i v idade de r i sco ;

c ) O fundamento da responsab i l i dade po r a t i v idade não

pe r igosa é a cu lpa e a não pe r igosa é o r isco ;

63 Bittar aponta que, com base em intenso labor doutrinário, jurisprudencial e legislativo, já se encontram definidas certas atividades como perigosas, dentre as quais ocupam posição: as dos transportes, principalmente aéreo e terrestre, com ênfase para o realizado por trens e automóveis; as atividades de produção e de exploração de energia; de elementos químicos explosivos, dentre outras. In in BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade Civil nas Atividades Nucleares, p. 39).

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d ) Na p r ime i ra espéc ie , a v í t ima é obr i gada a demonst ra r a

in tenção sub je t i va do lesan te em causar o dano , na

segunda bas ta demonst ra r o nexo de causa l idade .

O Cód igo de Defesa do Consumido r pa rece te r uma

c lass i f i cação pecu l ia r , já que sepa ra a responsab i l idade c i v i l

con t ra tua l ( v íc io de qua l idade , quant idade , in fo rmação ) da

responsab i l idade ex t racon t ra tua l , que é ca rac te r i zada pe la

chamada responsab i l i dade pe lo fa to do p rodu to ou se rv i ço . Ta l

d i v i são , no en tan to , não s ign i f i cou qua lque r res t r ição ou d i f i cu ldade

de imp lementação do d i re i to bá s ico do consumidor e da e fe t i va

p revenção e reparação de danos 64.

Va le ressa l ta r que , pe lo CDC, a leg í t ima expecta t i va também

é fon te de ob r igações. Es ta é a d i cção do Ar t i go 12 o , § 1 o que chega

a cons ide ra r um produ to de fe i tuoso com base na seguraça espe r ada

(não necessa r iamente dec la rada) , ass im como o A r t i go 30 o ,

segundo o qua l toda a in fo rmação ou pub l i c idade , su f i c ien temente

p rec isa , ve icu lada po r qua lque r f o rma ou me io de comun icação com

re lação a p rodu tos e se rv i ços o fe rec idos ou ap resen tados, ob r iga o

fo rnecedo r que a f i ze r ve icu la r ou de la se u t i l i za r , a cumpr i r

i n tegra lmente o con t ra to que v ie r a se r ce lebrado .

64 Para o professor e atual Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo de Tarso: “O CDC não se limitou, contudo, apenas em estabelecer regras sobre responsabilidade civil do produtor. Aproveitou a oportunidade para regular também, sob a mesma sistemática, a responsabilidade civil do fornecedor de serviços. Ainda avançando em relação ao direito europeu, conferiu uma proteção mais ampla consumidor, restringindo as causas de exclusão de responsabilidade do fornecedor (fabricantes, produtores, construtores, prestadores de serviço) por danos causados por produtos ou serviços defeituosos. No artigo 12º do CDC, ficou estabelecida a responsabilidade por fato do produto, transpondo par o direito brasileiro, de forma ampliada, as normas da diretiva europeia sobre a responsabilidade do produtor por danos causados por produtos defeituosos. No seu artigo 14º, houve a consagração da responsabilidade pelo fato do serviço, estendendo-se o mesmo regime de responsabilidade civil do produtor aos danos causados por serviços defeituosos. Institui-se, assim, no direito brasileiro, a regulamentação legislativa para o amplo controle dos danos provocados por acidentes de consumo decorrentes de produtos ou serviços defeituosos.

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As expec ta t i vas ge radas pe la in fo rmação, o fe r ta e pub l ic idade

ganham uma impor tânc ia fundamenta l no Cód igo de Defesa do

Consumido r , sob re t udo quando ana l i samos o s is tema de

responsab i l idade c i v i l . No B ras i l , em 1974, Fáb io Konder Compara to

já man i fes tava a p reocupação na regu lamen tação da o fe r ta como

uma das fo rmas ju r íd i cas de p ro teção ao consum ido r :

A p r eocupaç ão de de f esa do c onsum idor

c onduz iu , i gua lm en te , a um a la rgamento da noç ão

de c ompr a e venda p r i vada , no quadr o ma is

r ea l i s t a de um a ec onom ia de empr es a . Pas sou -

s e , ass im , a en tender que os p rocessos de

pub l i c i dade comerc ia l , pe la s ua impor tânc ia

dec i s i va no esc oam ent o da p r oduç ão po r um

c onsumo em mass a , i n teg ram o p róp r io

mecan ismo do con t r a to e devem, po r cons egu in t e ,

mer ec er um a d i sc ip l i na de o rdem púb l i c a aná loga

à das es t i pu laç ões c on t r a tua is ” 65

A necess idade de p ro tege r as leg í t imas expecta t ivas dos

consum ido res decor re do fa to de que a con f iança , ge radora de

expec ta t i vas , também é u t i l i zada como uma redu to ra de

complex idade das re lações, resu l tando inc lus ive em ganho

econômico àque le que de la se benef i c ia pa ra vender seus

p rodu tos 66.

65 COMPARATO, Fábio Konder. A proteção do consumidor: importante capítulo do direito econômico, p. 97. 66 Neste sentido, o professor Lorenzetti preleciona: “[...] precisamente, la confianza es um mecanismo de reducción de lê complejidad social, porque a existencia de variables tan abstractas, distantes, y complicadas, sólo pueden ser tratadas em base a la confianza. [...] La confianza es um componente importante em la calidad de lãs instituciones que regulan la sociedad y específicamente el funcionamiento de los mercados y lãs relaciones jurídicas consiguinentes. Com relación a la complejidad, dice North que ‘a mayor especialización y número y variabilidad de los atributos valiosos, a los indivíduos participar em contrataciones complejas com um mínimo de incertidumbre em cuanto a que los términos del contrato se

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Por tan to , a regu lamentação da in fo rmação fe i ta pe lo Cód igo

de Defesa do Consumido r , como é o caso do d ispos to no A r t i go 30 ,

que do ta a in fo rmação ou pub l i c idade “su f ic ien temente p rec isa ”

obr iga tó r ia e pa r te in tegran te do con t ra to , a lém do A r t i go 12 , § 1 o ,

segundo o qua l um produ to pode ser cons id erado de fe i tuoso quando

não o fe rece r a segu rança espe rada , levando -se em con ta sua

ap resen tação , tem pape l impor tan te no d i re i to das ob r igações e é

fundamenta l pa ra a de te rminação das ob r igações dos fo rnecedo res .

E le também poderá serv i r de mot i vo a jus t i f i ca r even tua l queb ra de

nexo de causa l idade pa ra f ins de repa ração , con fo rme se rá v is to no

cap í tu lo segu in te .

Ta l obse rvação, todav ia , deve se r fe i ta com cau te la e de fo rma

con jun ta com a aná l ise e a pe rcepção sobre r i sco que se rá t ra tada

no cap í tu lo IV . A lém d isso , como a ap resen tação de um p rodu to ou

o modo de fo rnec imen to de um serv i ço podem ser causas de

carac te r i zação ou não de um de fe i to (A r t . 12 o , § 1 o , I ) , a even tua l

o fe r ta , a pub l ic idade ou mesmo um con t ra to podem be i ra r a

enganos idade ou abus iv id ade se houve r qua lque r i n fo rmação ou

c láusu la con t ra tua l que in fo rme não have r r i sco de

desenvo lv imento , ou caso a lgum dano deco r ra de ta l c i r cuns tânc ia

con t ra tua lmen te se de f in i r pe la exc lusão de responsab i l idade do

fo rnecedo r .

puedan realizar’. Es que el anonimato y la complejidade distancia a los indivíduos, tornandolos desconfiados, siendo necesario um marco institucional para la confiabilidad, y aunque generalmente se hace referencia a la confianza-se seguridad em el cumplimiento de lãs transacciones para el invensor, el concepto debe ser entendido em toda su magnitud: también el consumidor tiene derecho a que se cumplan los contratos conforme la expectativa-confianza creada.” In LORENZETTI, Ricardo. La oferta como apariencia y la aceptación basada en la confianza, p. 15.

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Por o ra , sobre es te ú l t imo pon to , f iquemos com o fa to de que

a in fo rmação , o fer ta e pub l ic idade no CDC são fon tes leg í t imas de

ob r igações , mesmo em caso de r i sco de desenvo lv imen to .

1 .2 .2 Da inexecução das obr igações e mora

A inexecução de uma ob r igação p reex is ten te , como um dos

fundamentos da responsab i l idade c i v i l , ab range o inad imp lemento

( to ta l ou pa rc ia l ) e a mora . Nas pa lavras de Fernando Pessoa

Jorge 67: “dá - se a inexecução da ob r igação quando, chegado o

venc imento , o devedo r não rea l i za a p res tação ou rea l i za -a ma l ” .

A aná l i se des tas c i r cuns tânc ias ( i nad imp lememto e mora )

também é essenc ia l pa ra pensa r a temát ica do r i sco de

desenvo lv imento , a f ina l de con tas , um p rodu to ou se rv i ço que no

fu tu ro se ap resen te como de fe i tuso es ta rá descumpr indo um deve r

ge ra l de segu rança , es t a rá em mora em re lação a es te deve r , ou ta l

c i r cuns tânc ia não s ign i f i ca rá execução ou mora de ob r igação

p reex is ten te?

A iden t i f i cação da mora , t ra ta -se ma is de uma questão de fa to

do que de d i re i to , po is dec id i r sob re a s ua ex is tênc ia ou não impor ta

em ju ízo de fa to e ap rec iação das c i r cuns tânc ias nas qua is es tá

inse r ido o c redor . Um mesmo fa to , tendo c redo res em s i tuações

d i f e ren tes , pode ca rac te r i za r tan to inad imp lemento ( to ta l ou

pa rc ia l ) quan to mora . É o caso , po r exem p lo , do a t raso na en t rega

de um bo lo encomendado pa ra uma comemoração com da ta e

ho rá r ios agendados: o a t raso pode s ign i f i ca r inad imp lemento

67 JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, p. 19.

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abso lu to . Se fo r apenas para um ca fé en t re am igos , o a t raso na

en t rega pode rá acar re ta r apenas em mora 68.

Pa ra Agos t inho A lv im (1965, p . 50 ) , mora é uma imper fe i ção

no cumpr imento da ob r igação ( tempo, luga r , f o rma) , e pa ra que se ja

carac te r i zada , deve a inda se r poss íve l o cumpr imen to da ob r igação .

Po r tan to , a d is t inção en t re mora e inad imp lemento ( to ta l ou pa rc ia l )

es tá na poss ib i l idade ou imposs ib i l idade de o devedo r cumpr i r a

ob r igação , a inda que ta rd iamente . Ass im sendo, mesmo quando o

devedo r (v i s to nes te t raba lho como fo rnecedo r) dec la ra r que não

i rá paga r uma d ív ida (ou cumpr i r o con t ra to ou o fe r ta ) , mas sendo

seu cumpr imento poss íve l e da von tade do c redo r (consumidor ) , que

pode rá u t i l i za r a v ia jud ic ia l adequada pa ra imp lementa r ta l

ob r igação , es ta rá ca rac te r i zada a mora , e não o inad imp lemento 69.

De qua lquer modo , as pa r tes a inda podem es tabe lece r

cond ições reso lu t i vas (pac to comissór io ou c láusu la de reso lução ,

A r t i go 127 do Cód igo C iv i l 70) , segundo as qua is o não cumpr imento

da obr igação em luga r , tempo e fo rma es tabe lec idos ge ra a resc isão

imed ia ta do con t ra to sem o d i re i to de purgação da mora , a inda que

68 Tratando sobre inexecução definitiva e temporária, Pessoa Jorge lembra que “as obrigações cujo tempo de cumprimento apresenta importância fundamental para o credor, de tal forma que este perde por completo interesse na prestação se ela não for realizada pontualmente, são denominadas por certos autores obrigações de termo essencial. Podem apontar-se os exemplos clássicos da modista que não entrega o vestido de noiva, ou do pasteleiro que não fornece a boda a tempo do casamento.” In JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, p. 23. 69 Nas palavras de Agostinho Alvim: “O fato, porém, de recusar-se êle, não tornando com isso impossível a obtenção da prestação para o credor (o pressuposto do artigo 881 é obrigação fungível) aquela recusa, por si só, não caracterizará o inadimplemento absoluto. Insistimos no ponto de vista econômico: se a situação do credor é absolutamente a mesma, diante de uma recusa expressa ou tácita,porque haveríamos de alterar a classificação do caso, dizendo que a recusa expressa induz inadimplemento absoluto? Argumento forte, a favor da tese que vimos sustentando, segundo a qual a recusa, por si só, não caracteriza o inadimplemento absoluto, encontramos na solução que em direito se dá aos casos de não cumprimento da obrigação, haja ou não cláusula penal.” In ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências, p. 177 70 Art.127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.

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esta f osse poss íve l . Ta is s i tuações são p lenamente cab íve is pa ra

re lações c i v is e de consumo – nes te ú l t imo caso , as cond ições

reso lu t i vas são poss íve is desde que o consum ido r man i fes te

l i v remente sua opção po r me io de c láusu la con t ra tua l em des taque

e espec í f ic a pa ra ta l f ina l idade , e desde que não es te ja em

desaco rdo com o s i s tema de p ro teção ao consum ido r .

É impor tan te des taca r que a pu rgação da mora só p roduz

e fe i tos pa ra o fu tu ro , não des t ru indo os e fe i tos danosos já

p roduz idos . Neste sen t ido , o p róp r io Ar t i go 401 do Cód igo C iv i l

d ispõe: “A r t . 401 . Pu rga -se a mora I – po r pa r te do devedor ,

o fe recendo es te a p res tação ma is a impor tânc ia dos p re ju ízos

deco r ren tes do d ia da o fe r ta . ”

No Cód igo de Defesa do Consumido r , a lém do d i re i to bás ico à

e fe t i va p revenção e repa ração de danos (A r t i go 6 o , V I ) que já

f undamenta o deve r de repa ração , pe lo fo rnecedo r , de qua lquer

p re ju ízo causado ao consumidor por mora no cumpr imento de suas

ob r igações , pode -se ext ra i r ou t ros exemp los de mora cu jas

consequênc ias são t ra tad as pe la le i .

É o caso , po r exemp lo , da responsab i l i dade dos fo rnecedo res

de p rodu tos de consumo duráve is ou não em caso de v íc ios de

qua l idade , quant idade ou d ispa r idade de in fo rmações d ivu lgadas na

ofe r ta ou pub l i c idade . Nestes casos , é dado um “ favo r lega l ” ao

f o rnecedo r , que te rá o p razo de 30 d ias pa ra sanea r o p rob lema,

cor r ig indo o v íc io ap resen tado , sob pena do consum ido r op ta r em

te r res t i tu ído o seu d inhe i ro , a tua l i zado de aco rdo com a da ta de

devo lução , a lém de even tua is pe rdas e danos 71 deco r ren tes de

71 Pelo parágrafo 1º do artigo 18º do CDC, o consumidor tem direito a três opões caso o fornecedor não saneie o vício do produto em 30 dias: Art. 18 – § 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata da quantia paga,

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eventua is e fe i tos les i vos da mora . A lém d isso , o consumidor te rá

d i re i to de esco lhe r ou t ras duas poss ib i l idades, ta is como a

subs t i tu i ção do p rodu to v i c iado por ou t ro da mesma espéc ie ou

aba t imen to p roporc iona l no p reço , con fo rme d ispõe o A r t i go 18 o , §

1 o do Cód igo de Defesa do Consumido r .

Os exemplos ac ima, que apontam para o cumpr imento ta rd io

da ob r igação e a necess idade de pagamen to dos va lo res

deco r ren tes dos p re ju ízos des te a t raso , são casos de pu rgação da

mora ou , em ou t ros te rmos , “ repa raçã o dos e fe i tos da mora ” ou

a inda “emenda da mora ” , que de fo rma conce i tua l pa rece es ta r ma is

bem de l im i tada no A r t i go 401 , I do Cód igo C iv i l , segundo o qua l

“Pu rga -se a mora , po r pa r te do devedo r , o fe recendo a es te a

p res tação ma is a impor tânc ia dos p re ju íz os decor ren tes do d ia da

ofe r ta . ”

Po r qua lquer lado que se o lhe , f i ca c la ro que a pu rgação da

mora é um favo r lega l exp ressamente con t ido na regra do Ar t i go 18 ,

§ 1 o , que dá ao fornecedo r o p razo de 30 d ias pa ra repa ra r o v íc io

do p rodu to , mas também con s ide rado po r equ idade em inúmeras

s i tuações em que es tão ausentes regras expressa . Nessas

s i tuações, a ques tão con t rove r t ida mu i tas vezes es tá em de f in i r a té

que momento o fornecedo r pode rá pu rga r ou repa ra r a mora .

Ass im, não havendo d ispos ição exp ressa sob re o assun to no

Cód igo de Defesa do Consumido r , o p razo l im i te pa ra pu rgação da

mora , an tes de se ca rac te r i za r inad imp lemento da obr igação , se

da rá no l im i te dos in te resses e poss ib i l idades do consumido r anu i r

com o cumpr imento ta rd io da obr igação ou , e ven tua lmen te , a té

mesmo l ibe ra r o fo rnecedo r f ren te aos d i re i tos que a mora

p ropo rc iona ao c redo r (consumido r ) .

monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço.

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Pa ra o in te resse des te t raba lho , sabe r se o caso é de mora ou

inexecução da obr igação não impor ta : em ambos have rá o d i re i to à

repa ração caso se ja cons ta tado a lgum p re ju ízo ao consumido r , po is

não é somente na inexecução da ob r igação que nasce o dever de

repa ra r . A mora é também capaz de ge rar es te d i re i to , como fo i

demonst rado .

1 .2 .3 Pressupostos para indenização (culpa / dano/ nexo de

causal idade)

Confo rme já apontamos, os temas l i gados à responsab i l i dade

c i v i l es tão den t re aque les que ma is ap resen tam d ive rgênc ias en t re

os au to res , e não é d i f e ren te ao d iscu t i r os seus p ressupostos .

Tamanha é es ta d i f i cu ldade que Fe rnando Pessoa Jo rge 72,

res t r ing indo -se apenas à dou t r ina po r tuguesa , enumera se is

pos ic ionamentos d i f e ren tes sob re o tema:

a ) O r l ando Gom es da S i l va a pon ta c omo p res supos tos da

r esons ab i l i dade c iv i l : 1 º ) um dano ; 2 º ) a v i o lação de um

d i r e i t i o , da qua l r es u l t a o dano ; 3 º ) um f ac to ou om iss ão que

dê o r igem à mesma v i o lação ; 4 º ) um nexo de causa l i dade , e

5 º , um nexo de impu tação dos r es tan tes e lem entos a

de te rm inadas pessoas ;

b ) Manue l de Andrade que tem a mesm a s is tem at i zação de

Per e i ra Coe lho , i nd i ca qua t r o e l ementos : 1 º ) f ac to ; 2 º ) nexo

de impu taç ão ; 3 º ) dano ; 4 º ) um nexo de c ausa l idade ;

c ) O Pro f . Ga l vão Te l l es , man t é igua lmen te um a c l as s i f i caç ão

te t r apar t ida , cu j os t e rm os s ão : 1 º ) i nexec ução da ob r igaç ão

( ac to i l í c i t o ) ; 2 º ) cu lpa ; 3 º ) p re j u ízo e 4 º ) nexo de

c ausa l idade ;

72 Pressupostos da responsabilidade civil, p. 53-54.

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d ) Vaz Ser r a enunc ia os segu in tes requ i s i t os : 1 º ) ação ou

a c to humano ; 2 º ) an t i j u r id i c i dade ; 3 º ) cu lpa ; 4 º ) dano e 5 º )

nexo c aus a l ;

e ) P i res de L ima e An tunes Vare la cons ide r am a ob r igação

de indem n iza r deco r ren te de : 1 º ) não cum pr imen t o leg í t imo

e 2 º ) cu lpa no não cum pr imen to , p r essupos tos que ma is t a rde

apar ec em enunc iados de f o rma a ab ranger a

r esponsab i l i dade de l i t ua l , 1 º ) a t o i l í c i t o ; 2 º ) cu lpa do agen t e ;

f ) An t unes Var e la , em pub l i cação pos te r i o r apon ta : 1 º ) a

v i o l aç ão de um d i re i t o ou in t e res se a lh e io ; 2 º ) a i l i c i t ude ; 3 º )

o v ínc u lo da impu tação do f ac to ao agen t e ; 4 º ) o dano e 5 º )

o nexo de causa l i dade . 73

En t re os au to res b ras i le i ros , também são mu i tas as

d i ve rgênc ias . Reco rdando as l i ções d e Agost inho A lv im 74,

t rad ic iona lmen te e pe las reg ras o rd iná r ias da leg is lação c i v i l , “os

requ is i t os ou p ressupos tos da ob r igação de inden ização são t rês : o

pre ju ízo , a cu lpa e o nexo” .

Quando nos re fe r imos à responsab i l idade c i v i l no

m ic ross is tema do Cód igo de Defesa do Consumido r , não há dúv idas

quan to à ex igênc ia dos e lementos de p re ju ízo (dano ) e nexo de

causa l idade como p ressupostos pa ra repa ração de danos. A té

mesmo a necess idade de comprovação de cu lpa con t inua sendo

necessá r ia em s i tuações pon tua is , expressamente ex ig idas pe lo

Cód igo de Defesa d o Consumido r , como é o caso da

responsab i l idade do p ro f iss iona l l ibe ra l – A r t i go 14 , § 4 o .

Quanto ao dano, que é o núc leo da responsab i l idade c i v i l , são

ra ros os d issensos sob re seu conce i to , podendo se r resum ido , nas

73 JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, p. 53-54. 74 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências, p. 177.

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pa lavras de B i t ta r , como sendo “o p re ju ízo ressa rc íve l

expe r imen tado pe lo lesado ” 75.

No en tan to , a ex igênc ia da comprovação de dano pa ra ense ja r

a lgum ressa rc imento tem encon t rado pos ições d iversas , va lendo

des taca r que a ju r i sp rudênc ia conso l idada pe lo Supe r io r T r ibuna l

de Jus t iça que já c ons idera a té mesmo h ipó teses de dano

p resumido 76 ( i n re ipsa ) para jus t i f i ca r a responsab i l i zação . Ta l

i n te rp re tação de dano p resumido pode ser en tend ida como um

desdob ramento do p r inc íp io da função soc ia l da responsab i l idade

c i v i l , pe rmi t i ndo uma in tegraçã o aos p r inc íp ios bás icos da

responsab i l idade c i v i l pa ra que se pudesse concede r uma jus ta

inden ização nas s i tuações em que a p rova de um dano conc re to é

de d i f íc i l demonst ração ou apu ração 77.

A ex igênc ia da cu lpa também tem s ido ponderada e a té

descons ide rada em inúmeros casos , sendo subst i tu ída pe la

responsab i l idade ob je t i va (sem necess idade de cu lpa) mu i tas vezes

75 BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil nas atividades nucleares, p. 64-65. Para Bittar, o dano “traduz-se em concreto, pela diminuição patrimonial – conforme exposto – que alguém sofre em virtude da ação deflagrada pelo agente, atingindo tanto elementos de cunho pecuniário, como de natureza moral (mas suscetível de expressão econômica), enfim, qualquer dano possível. Dessa forma o dano pode referir-se à pessoa ao aos bens de terceiro (inclusive direitos) nos dois sentidos enunciados, patrimonial e moral – e em ambos – mas, especialmente nessa última hipótese, deve ser determinado consoante critério objetivo, como ressalta Barassi, e provado em concreto. 76 O STJ definiu em quais situações o dano moral pode ser presumido. É o caso de registro indevido em cadastro de inadimplentes, onde o próprio fato já configura, sendo consolidado o entendimento de que "a própria inclusão ou manutenção equivocada configura o dano moral in re ipsa, ou seja, dano vinculado à própria existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos" (Ag 1.379.761). O dano, no entanto, não gera dever de indenizar quando a vítima já possuir registros anteriores em cadastro de inadimplentes. Neste caso, diz a súmula 385 do STJ que a pessoa não pode se sentir ofendida pela nova inscrição, ainda que equivocada. Além disso, outra situação onde o STJ tem admitido o dano moral presumido, é no caso de atrasos de voos (overbooking). Ao analisar um caso de atraso de voo internacional, a 4ª turma reafirmou o entendimento de que "o dano moral decorrente de atraso de voo prescinde de prova, sendo que a responsabilidade de seu causador opera-se in re ipsa" (REsp 299.532). Existem ainda outras situações onde os tribunais tem entendido pela existência de dano moral presumido em face de determinadas situações. 77 A nosso ver, tal situação demonstra como o tema da responsabilidade civil é muito influenciado por questões de ética e moral, de forma que esta engrenagem da responsabilidade é muito sensível ao tempo e a situações de casos concretos.

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em razão do r isco da a t i v idade ou de ou t ros fa to res que

descons ide ram o e lemento vo l i t i vo (cu lpa ) como pressuposto da

responsab i l idade c i v i l , c omo é o caso da responsab i l i dade por f a to

ou a to de te rce i ro .

Quando se fa la de repa ração c i v i l em re lações regu ladas pe lo

Cód igo de Defesa do Consumido r , a noção de cu lpa pers i s te apenas

pa ra a responsab i l idade pessoa l dos p ro f iss iona is l ibe ra is (A r t i go

14 o , § 4 o do CDC) . A lém d isso , os casos de responsab i l i dade c i v i l

no Cód igo de Defesa do Consumido r , se jam e les fa to ou v íc io , a inda

ex igem a comprovação de ex is tênc ia de v íc io ou de fe i to como um

nexo de impu tação da responsab i l idade .

Após aná l ise do Có d igo de Defesa do Consumi do r , é poss íve l

en tende r que a ca rac te r i zação desses e lemen tos (v íc io ou de fe i to )

pa ra imputa r a responsab i l i zação é a so lução ma is adequada, isso

po rque quando o p róp r io CDC pe rmi te a comprovação da

inex is tênc ia desses e lementos , ab re -se um cam inho pa ra a queb ra

de nexo de causa l idade e , consequentemente , a exc lusão da

responsab i l idade do fo rnecedo r po r even tua is danos supo r tados

pe lo consumido r (A r t i go 12 , § 3 o do CDC). Ass im, a demonst ração

do v íc io ou de fe i to é med ida necessá r ia pa ra se imputa r a

responsab i l i zação a um fo rnecedo r . Neste aspec to , p roced imen tos

podem se r ado tados pa ra fac i l i t a r a de fesa dos in te resses do

consum ido r , como d ispõe o A r t i go 6 o , inc iso V I I I , que também t ra ta

da inve rsão do ônus da p rova .

Essa mesma conc lusão leva à aná l ise de um dos ins t rumentos

de fac i l i t ação da de fesa dos d i re i tos do consumido r : a inve rsão do

ônus da p rova que se dá quando o consumido r se most ra , no

p rocesso c i v i l , h ipossu f i c ien te pa ra rea l i zação de p rova que

demonst re v íc io ou de fe i t o de p rodu to ou se rv iço , ou a inda quando

fo rem ve ross íme is suas a legações (A r t i go 6 o , V I I I do CDC). A p rova

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e o ônus, que nes te caso pode rão se r a t r ibu ídos ao fo rnecedo r pe la

regra da inve rsão , re fe rem -se à demonst ração de ex is tênc ia ou não

de v íc io ou de fe i to do p rodu to ou p res tação de se rv iço 78.

Pa ra Sanseve r ino 79, os p ressupostos da responsab i l idade c i v i l

pe lo fa to do p rodu to ou se rv iço são os p ressupostos já

sed imentados no s i s tema t rad ic iona l (a to , dano , nexo causa l , nexo

de imputação e i l i c i tude ) , exc lu indo -se a cu lpa e a i l i c i tude , sendo

que a dou t r ina nac iona l já ex ige t rês p ressupostos para

responsab i l idade c i v i l do fo rnecedo r : o de fe i to , o dano e o nexo

causa l . Todav ia , um qua r to p ressuposto também deve se r

acresc ido : o nexo de impu tação , que é o v íncu lo que se es tabe lece

en t re o de fe i to do p rodu to ou do serv i ço e a a t i v idade desenvo lv ida

pe lo fo rnecedor pa ra a a t r i bu ição do deve r de inden iza r os danos

so f r idos pe lo consumido r p re jud icado .

Os au to res A lv ino L ima 80 e Agu ia r D ias 81 o fe recem, a lém de

seus p róp r ios ens inamentos , uma ex tensa b ib l iog ra f ia que most ra a

evo lução do s i s tema de responsab i l idade c i v i l da cu lpa ao r i sco ,

e l im inando qua isque r c renças de que o d i re i t o ob r igac iona l se r ia

uma i lha sem acesso à evo luçã o .

78 A principal função do sistema do ônus da prova não é determinar quem deve fazer a prova, mas sim delimitar quem assume o risco e as consequências negativas de não produzi-la. A prova serve para dar a certeza ao juiz de quem está com a razão. (...) A carga da prova tem o papel fundamental de evitar o non liquet, ou seja, impedir que o juiz não dê solução à demanda ante o argumento de inexistência de elementos para proferir uma decisão judicial. Seu valor também se expressa no fato de prescrever, em determinas hipóteses, de forma clara e categórica, o conteúdo e os limites da decisão do juiz ao imputar, peremptoriamente, duas incertezas: para uma das partes, a da circunstância de fato; para a outra, a do resultado proveitoso da demanda. (SANTOS, F. M. A. ; ANDRADE, V. M. . A carga da prova de vícios e defeitos nas relações de consumo. Revista de Direito Privado (São Paulo) , v. 54, p. 11-253, 2013). 79 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor, p. 117-119. 80 LIMA, Alvino. Culpa e risco. 81 DIAS, José Aguiar. Da Responsabilidade Civil, Vol, I.

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Nesse con tex to , a responsab i l idade c i v i l po r cu lpa sucumbiu ,

em par te , pa ra a responsab i l idade em razão do r isco da a t i v idade

( r i sco c r iado , r i sco p rove i to , en t re ou t ros ) . Sob re es te pon to , va le

des taca r um t recho espec í f ico da ob ra de A lv ino L ima (19 63 ) , que

pode se rv i r de f io condu to r pa ra es te t raba lho , já que o tex to

ressa l ta que a v ida moderna , com seus avanços e c r iações , ge ra

novos r i scos à soc iedade, e o d i re i to deve se adapta r a essa nova

rea l idade sem de te r a marcha das conqu is tas dos homens:

“ A v ida a í es t á , com todo o espe tác u lo das suas

r ea l idades c r i ado ras de novas s i t uações

j u r íd i c as , a desa f i a r e a ex ig i r so luções s em

desm ant ê - l o da ha rmon ia s oc ia l . Os ve lhos

c once i t os dogmát ic os s e t r ans fo rmam, s e

adap tam, se ob je t i vam e novas c oncepçõ es

s u rgem para a s o luç ão dos p r ob lemas que a v i da

nos impõe . [ . . . ] Uma das f unções p r imac ia is da l e i

é anu la r o des equ i l íb r io das pa r tes , v indo em

s oc or ro dos ma is f r acos ; ass im s e p roc ede no

p róp r i o t e r r eno c on t r a tua l onde há a l i v re

man i f es taç ão da von t a de . Com m a is f o r ça de

r azão , quando as c i r c uns t ânc ias da v i da ,

mú l t i p l as , impr ev is íve i s , i nexo ráve is , c o locam os

homens ma is à merc ê uns dos ou t ros , j u s t i f i ca - se ,

s obr emane i r a , o amparo da l e i na p r o teç ão da

v í t ima . A insegur ança m ate r ia l da v ida moder na

c r i ou a t eo r i a do r i s co - p rove i t o , sem se a f as ta r

dos p r inc íp i os de u ’ a mor a l e l evada , sem

pos t e rga r a d ign idade humana e sem de t e r a

mar cha das c onqu is t as dos hom ens ” . 82

Dent re as teo r ias do r i sco que ex is tem, des tacam -se :

82 LIMA, Alvino. Culpa e risco, p. 350-351.

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i ) Risco-prove i to : a pessoa ou e mpresa se to rna

responsáve l po is t i ra p rove i to da a t i v idade que causou

o dano e , po r es ta razão , au fe r indo o bônus, deve

supo r ta r o ônus ;

i i ) Risco c r iado: aque le que , pa ra desenvo lve r sua

a t i v idade econômica , c r ia uma s i tuação de pe r igo aos

dema is es tá su je i to à repa ração dos danos que causa r ,

sa lvo p rova de have r ado tado todas as med idas

idôneas a ev i tá - la ;

i i i ) Risco in tegra l : havendo dano decor ren te da a t i v idade

econômica exe rc ida por um fo rnecedo r , es te f i ca

ob r igado a reparar o dano causado a inda que e le se j a

o r iundo de cu lpa exc lus iva da v í t ima. Fa to de te rce i ro ,

caso fo r tu i to ou fo rça ma io r são as pa r t icupa l i r i dades

que ma is se ap rox imam das d iscussões que se

p re tende desenvo lve r nes te t raba lho , sem que percam

impor tânc ia as dema is ve r ten tes da teo r ia do r i sco

re lac ionado ao r isco p ro f i ss iona l , adm in is t ra t i vo ou

r i sco excepc iona l .

Dos e lementos que compõem os p ressupostos pa ra

responsab i l idade c i v i l , a aná l ise do nexo de causa l idade como

p ressuposto da repa ração é o ma is re levan te pa ra es te t raba lho , e

é po r es ta razão que me ded ique i a uma aná l ise ma is p ro funda,

ap resen tada no tóp ico a segu i r . De qua lque r f o rma, os p ressupostos

ap resen tados tem a mesma ap l icação pa ra os casos de

responsab i l idade po r r isco de desenvo lv imen to de p rodu tos ou

serv i ços .

1 .2 .4 . Do nexo de causa l idade

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O nexo de causa l idade cumpre no s is tema de responsab i l i dade

c i v i l uma dup la função : pe rm i te de f in i r pa ra quem deve se r a t r i bu ído

um resu l tado danoso e se rve como e lemen to ind ispensáve l pa ra

ve r i f i ca r a ex tensão do dano e da resp onsab i l idade de inden iza r .

Pa ra que o dano so f r ido pe lo consum ido r possa se r ressa rc ido

po r a lgum fo rnecedo r , é necessá r io iden t i f i ca rmos quem cometeu a

conduta que é lega lmente sanc ionada . Só se rá poss íve l f a la r em

ob r igação de repa ração quando fo r es tab e lec ida uma re lação de

causa e e fe i t o en t re o dano e seu au to r , ressa lvando os casos de

responsab i l idade po r f a to ou a to de te rce i ro ou responsab i l idade

so l idá r ia po r le i ou con t ra to , como ens inava Agost inho A lv im 83.

Segundo e le , “a impor tânc ia do es tudo do nexo causa l tem

avu l tado , nes tes ú l t imos tempos , uma vez que a teo r ia do r isco

p resc inde da cu lpa pa ra fundamento da responsab i l idade , e só lhes

bastam o dano e o nexo causa l ” 84. Nes ta mesma l inha , a

iden t i f i cação do su je i to causador do dano também tem s e to rnado

cada vez ma is comp lexa nos d ias a tua is em razão da mu l t ip l i c idade

de fo rnecedores e das f requentes h ipó teses de concausas

sucess ivas 85.

Nesses casos , surge um p rob lema: sabe r se o fa to pos te r io r

ou de te rce i ro in te r rompe o nexo de causa l idade , l ibe r tando o

83 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências, p. 324. 84 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências, p. 326. 85 Para Pontes de Miranda, “Há concausação quando duas ou mais pessoas concorreram para o mesmo resultado. Os responsáveis são coautores, porque houve concausas, e não uma causa dó, ou pluralidade de causas para resultados diferentes, que deram ensejo ao dano. Os con-causadores ou são instigadores, ou cúmplices ou causadores, sem ligação, do mesmo dano, que nenhum deles sozinho, poderia determinar. Os causadores de danos, que se juntaram, não são concausadores: cada um responde por sua parte ou porção, porque a relação causal é entre o ao e o dano que cada um produziu, e não do dano total. Se uma causa só não produziria o esmo dano, nem duas ou mais causas, separadas, não o produziriam, há concausas. Se cada um provocou situação que a outra agravou, mas somente a útlima fez o dano, porque a primeira não o poderia determinar, não há concausas.” In MIRANDA, Francisco Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo XXII.

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pr ime i ro devedo r em re lação à sua responsab i l idade pe lo dano.

Esse se r ia o caso , po r exemp lo , de uma fáb r i ca que p roduz um

a l imento e o env ia aos seus cana is de d is t r ibu ição . O produ to é

con tam inado em razão do ma l acond ic ionamen to do comerc ia n te e ,

depo is de se r co locado à venda em um mercado, chega ao

consum ido r . Quem se rá o responsáve l pe ran te o consum ido r : o

fabr i can te , o comerc ian te ou ambos? Pa ra A lv im 86, são t rês as

teor ias p r inc ipa is : i ) a da equ iva lênc ia das cond ições , i i ) a da

causa l idade adequada e i i i ) a que ex ige que o dano se ja

consequênc ia imed ia ta do fa to que o p roduz iu 87.

A teo r ia da equ iva lênc ia das cond ições , ou cond ição s ine qua

non , também conhec ida po r teo r ia da equ iva lênc ia dos

an tecedentes causa is ou a inda teo r ia ob je t i va da causa l idade ,

ace i ta qua lque r uma das causas como sendo su f i c ien temente

e f i c ien tes pa ra causa r o dano , cons iderando que cada cond ição

o r ig ina a causa l idade das ou t ras 88.

G ise la Sampa io da Cruz 89 lembra em sua ob ra como Von Bur i ,

j u i z do T r i buna l Sup remo da A lemanha , consegu iu in f l uenc ia r a

86 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências, p. 328. 87 Gisela Sampaio da Cruz (2005, p. 33-110) enumera sete teorias, dispostas em duas ordens: 1. Teoria Generalizadora, a qual equipara a causa às condições, representada pela Teoria dos Antecedentes Causais e 2. Teorias Individualizadoras, que serpara no conjunto de antecedentes as causas das condições. São exemplos desta teoria: 2.1 Teoria da Causa Próxima; 2.2 Teoria da Causa Eficiente e Teoria da Causa Preponderante; 2.3 Teoria da Causalidade Adequada, 2.4 Teoria do Escopo da Norma Jurídica Violada, 2.5 Teoria da Ação Humana, 2.6 Teoria do Dano Causal Direto e Imediato. 88 Adriano de Cupis (apud CRUZ, 2005), apesar de defender a teoria da regularidade causal, muito bem explicou a Teoria da Equivalência dos Antecedentes causais nos seguintes termos em tradução livre: Todas as condições são igualmente necessárias e essenciais para a verificação do efeito, e nenhuma delas se pode separar das outras sem que isso repercuta sobre o efeito em si; este não é divisível entre as várias condições, e não se pode sustentar que uma dada condição tenha causado, vale dizer, 3/5 do efeito e uma outra 2/5; faltando qualquer das condições sempre falta o efeito inteiro. As condições são, portanto, equivalentes entre si, e no direito não se elege uma determinada para considera-la causa do efeito danoso. (Il danno: teoria generale dela responsabilità civile, v 1,2 ed. Milano: Giuffrè 1966, pp 193-194 apud in CRUZ, Gisela Sampaio. O Problema do nexo causal na responsabilidade civil, pág 39. 89 CRUZ, Gisela Sampaio. O Problema do nexo causal na responsabilidade civil., pág 37

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j u r i sp rudênc ia a lemã ao demonst ra r com m inuc iosa p rec isão os

c r i té r ios que jus t i f i ca r iam a adesão a ta l en tend imento . Pa ra Von

Bu r i , a f ó rmu la da re lação causa l es tabe lece que é causa toda

cond ição da qua l dependeu a p rodução do resu l tado , sem

cons ide ra r sua ma io r ou menor p rox im idade ou impor tânc ia , po is

todas as cond ições e ram equ iva len tes , ca rac te r ís t ica que decor r ia

do fa to de que todo e fe i t o t em uma mu l t ip l i c idade de cond ições

causa is e que cada uma de las é necessá r ia pa ra a p rodução do

resu l tado . As pa lavras de Ignac io Cuev i l las Matozz i de f inem bem

es ta teo r ia :

“Todas l as cond ic i ones s on igua lm en t e

nec ess ár ias y essenc ia les pa r a la p roduc ión de l

e f ec t o y n inguna de e l la s puede separ a rse de las

o t r as s in ev i t a r e l e f ec t o m ismo. Las c ond ic iones

s on , po r c onsegu in t e , equ i va len tes en t re s i , y

en t re e l la s e l de r ec ho no e l ige um a de te rm inada

pa ra c ons ide ra r la co m o caus a de l e f ec t o danoso ,

po r es to , bas ta r i a que l a pe r sona hub iese pues to

um a de las c ond ic i one s pa r a res ponder po r e l

daño p r oduc ido ” . 90

Todav ia , é impor tan te levar em con ta as c r í t i cas que

a rgumen tam que não são todas as cond ições ou causas de um

evento c i v i l ou de l i to que leva r iam i r remed iave lmente ao mesmo

dano po r me io de regressões in f in i tas d e causas an te r io res , não

sendo es ta a teo r ia ma is adequada a se r ap l icada em nossas

leg is lações c i v i l e consumer is ta v igen tes .

Já a teor ia da causa l idade adequada levan ta dúv idas sob re

quem se r ia o au to r , cu ja conduta fo i de te rm inan te pa ra causa r o

dano . Pa ra Agost inho A lv im (1965 , p . 329) , o rac ioc ín io no qua l que

es ta teo r ia se apo ia é a aná l ise se o fa to que o r ig inou o dano e ra

90 MATOZZI, Ignacio de Cuevillas. La oferta contractual en el comercio internacional, p. 340.

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capaz de lhe dar causa . O mesmo au to r , c i tando Demogue , d i spõe

que “para que uma cond ição se ja qua l i f i cada causa , é p rec iso que

e la aca r re te , ob je t i vamente , a mesma consequênc ia , po r seu só

apa rec imento . Quan to ma is uma causa to rne p rováve l um resu l tado ,

mais e la deve se r cons ide rada adequada” . 91

Ao t ra ta r sobre o tema e ana l i sa r em de ta lhes d ive rsos

au to res , a G ise la Sampa io da Cruz t raz a segu in te exp l icação :

“ A Teor ia da Causa l i dade Adequada exam ina a

adequaç ão da caus a em f unção da poss ib i l i dade

e p r obab i l i dade de de te rm inado r esu l t ado v i r a

oco r r e r , à l u z da exper iênc ia com um. S ign i f i c a

d i ze r que a ação tem que se r idônea pa ra p r oduz i r

o r es u l t ado . E , pa ra que se ve r i f i que a adequação

da c aus a , rea l i za -s e um j u ízo re t r os pec t i vo de

p robab i l i dade que , no âmb i t o dou t r iná r io , é

denom inado “p rognos e pós tuma” e c u ja f ó rmu la

s e r esum o na s egu in te i ndagaç ão : “ l a ac c ión u

om is i ón que s e j uzga e ra pe r se ap ta o adecuada

para p roduc i r no rma lm en t e es a c onsec uenc ia? ” 92

Pa ra Sanseve r ino 93, no que d iz respe i to à responsab i l idade por

ac iden te de consumo, a teo r ia da causa l idade adequada é a que

me lho r se ap l ica , devendo ser t o mada na sua fo rmu lação negat i va

em combinação com a cond ic iona l idade da teo r ia da equ iva lênc ia

ada cond ições .

Dent re as demais teo r ias , pa rece faze r sen t ido aque la que

cons ide ra , en t re a inexecução da ob r igação e o dano, uma re lação

91 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências, p. 329. 92 CRUZ, Gisela Sampaio. O problema do nexo de causal na responsabilidade civil, p. 64. 93 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade Civil no Còdigo do Consumidor e a defesa do fornecedor, p. 265

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de causa e e fe i to d i r e ta e imed ia ta . O Ar t i go 403 do Cód igo C iv i l

v igen te apon ta pa ra es ta d i reção . Segundo e le , “a inda que a

i nexecução resu l te de do lo do devedo r , as pe rdas e danos só

inc luem os p re ju ízos e fe t i vos e os luc ros cessan tes po r e fe i to de la

d i re to e imed ia to , sem pre ju ízo do d ispos to na le i p rocessua l . ” O

Art igo 1223 do Cód igo C iv i l I ta l iano é ou t ro exemp lo : segundo e le ,

o dano so f r ido deve es ta r imed ia ta e d i re tamente re lac ionado com

o a t raso ou descumpr imento da ob r igação 94.

T ra tando da teor ia de Tomaso Mosca , A gost inho A lv im

esc reve :

“ Se na o rdem f ís i c a ou l óg ic a t odo f a to s em o qua l

o even t o não se da r i a é conc aus a , o mesmo não

s e s uc ede na o r dem j u r íd ic a . Aqu i s e t ra t a de

des cobr i r a c aus a responsáve l . É p r ec is o ,

po r tan to , de i xa r de l ado os acon t ec imen tos

n a tu r a is , bem c omo os f a tos vo lun t á r ios não

i l í c i t o s . O e i xo , po is , da t eo r i a , c ons is te na

pos s ib i l i dade ou não de s e im pu t a r a a lguém, a

um en t e res pons áve l , a c ausa do novo dano , o

que s ign i f i ca que o f a to na tu r a l não rompe o nexo .

Se o novo dano o r ig i na - se de f a to na tu ra l , ou de

pes soa não impu táve l , s ubs is te a

r esponsab i l i dade do c ausador do p r ime i r o dano ;

s e o caus ador do s egundo dano é pess oa

impu táve l e o a to é i l í c i t o , desapar ec e a

r esponsab i l i dade do p r ime i r o ” . 95

94 Art. 1.223 Risarcimento del danno. Il risarcimento del danno per l'inadempimento o per il ritardo deve comprendere così la perdita subita dal creditore come il mancato guadagno, in quanto ne siano conseguenza immediata e diretta. 95 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências, p. 333.

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Aparen temente , a teor ia p roposta po r Tomaso Mosca e

re t ra tada po r Agos t inho A lv im d i f i c i lmente te r ia ap l icab i l i dade pa ra

as demandas o r ig inadas das re lações de consumo. Isso po rque na

teor ia da causa adequada, da fo rma que fo i t ranscr i ta , quando o

au to r t ra ta do agente imputáve l , que a t ra i p a ra s i a

responsab i l idade e rompe o nexo causa l , e le se re fe re ao a to i l íc i to

de te rce i ro ou do c redor .

Já nas ob r igações deco r ren tes de re lações de consumo, a

responsab i l idade de um agente não é exc lu ída po r conduta i l íc i ta

de ou t rem, ex is t indo sobre e le uma responsab i l i dade so l idá r ia , a

não se r que , no caso conc re to , a causa do dano pude r ser impu tada

à cu lpa exc lus iva da v í t ima ou do consumidor ou de te rce i ro (A r t i go

12 o , § 3 o do CDC).

Ou t ra teor ia também d iscu t ida é aque la que d ispõe que , uma

vez em mora , o devedo r responde pe lo dano deco r ren te da

imposs ib i l idade da p res tação do se rv i ço , sa lvo se p rovar i senção

de cu lpa ou que o dano acon tece r ia a inda que a ob r igação t i vesse

s ido cumpr ida no tempo luga r e fo rma a jus tados. A re fe r ida

d ispos ição es tá p re v is ta no A r t i go 399 do Cód igo C iv i l v igen te 96.

A lém d isso , va le lembra r as cons iderações de Agos t inho A lv im

(1965 , 342 ) , c i tando De Cup is , G io rg i , Fo rmica e P la ino l 97 ao

ana l isa r a re lação do nexo de causa l idade f ren te a dos anos d i re tos

e imed ia tos e aos danos med ia tos . Pa ra o au to r , “o dano deve se r

96 Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada. 97 DE CUPIS, Adriano. Il dano. FORMICA, Giovanni, Dizionário pratico del diritto privato, de Victtorio Scialoia, Vol. II, p. 542; GIORGI, Giorgio, Teoria dele obbligazioni nel dirito moderno italiano; PLAINOL, Marce, Traité élémentaire de droit civil.

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consequênc ia necessá r ia da inexecução da ob r igação . A exp ressão

d i re to e imed ia to s ign i f i ca o nexo causa l necessá r io 98” .

Po r tan to , o dano ind i re to ou med ia to , que não se ja

consequênc ia d i re ta e imed ia ta do i nad imp lemento , encon t rando -

se , de ce r ta fo rma, d is tan te do a to causado r do dano d i re to , es ta r ia

exc lu ído da responsab i l idade do causado r do dano d i re to . Se r ia o

caso , po r exemplo , de um comprador que , após recebe r um p rodu to

com de fe i to , dec ide i r a té a lo ja pa ra rec lamar seus d i re i tos e acaba

sendo a t rope lado po r um ve ícu lo .

Nes te caso , o fo rnece do r do p rodu to não se rá

responsab i l i zado pe las consequênc ias do a t rope lamento . Dessa

fo rma, o devedo r responde rá pe los danos que são consequênc ia

necessá r ia do i nad imp lemento . As consequênc ias que somente

resu l tam da conexão de um fa to ou acon tec imento d is t i n to são

med ia tas e , por tan to , não são de responsab i l idade do causado r do

dano .

Agost inho A lv im (1965 ) e os vá r ios au to res po r e le

menc ionados são favoráve is à teor ia da necessa r iedade , que de

fo rma s imp les c r i s ta l i za a dou t r ina do dano d i re i to e imed ia to ,

ado tado pe lo nosso Cód igo C iv i l . No en tan to , a lguns adve r tem de

que não se t ra ta de uma teor ia per fe i ta , e a aná l i se casu ís t ica será

sempre necessá r ia . ve jamos :

“O l im i t e do nexo caus a l é , po is , uma ques tão de

f a to , pa r a c u ja so luç ão , en t r e tan to , t odos os

c r i t é r ios suger i dos pe la dou t r ina e espec ia lmen te

98 Agostinho Alvim, informa que esta é uma interpretação do criador desta teoria (DUMOULIN), do seu apologista e divulgador (POTHIER), dos expositores do Código Napoleão (o primeiro diploma que a acolheu) e de códigos posteriores, alguns dos quais adotaram a expressão necessário ou necessariamente, para substituir a locução direto e imediato. ALVIM. Agostinho. Da Inexecução das Obrigações e suas consequências. Rio de Janeiro, 1965: Ed. Jurídica e Universitária Ltda., pág 342

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o da necessar i edade podem s er ve rdade i ros ou

t e r um f undo de ve rdade , mas não pod em s er gu ia

s eguro . Na imensa va r iedade dos c as os p rá t i c os ,

s i ngu la r es , sempr e d i f e ren tes , rebe ldes a

qua lquer c las s i f i cação ou s o topos iç ão a um a

norma ger a l , a p r á t i c a e as es pec ia is c ond i ções

de f a to pe rmanecem a inda , a ún ic a o r ien tação

s egura ” . 99

Me pa rece ace r tada a pos iç ão de Agos t inho A lv im: não há

dúv ida que o Cód igo Civ i l ado tou a teor ia do dano d i re to e imed ia to

sob re o nexo de causa l idade (v ide A r t i gos 1060 /CC1916 e

403 /CC2002) , e das esco las que exp l icam o dano d i re to e imed ia to ,

a ma is au to r i zada é a que se repo r ta à consequênc ia necessá r ia 100.

D i fe ren temen te do que pa rece se r a pos ição do Cód igo de

Defesa do Consumido r , f ace à teo r ia da necessa r iedade da causa ,

rompe -se o nexo causa l , não só quando o c redo r (consumidor ) ou

te rce i ro é o au to r da causa p ró x ima do novo dano, mas a inda

quando a causa p róx ima é fa to na tu ra l . C re io que es ta d iscussão

se dar ia pa ra o caso fo r tu i to e fo rça ma io r , que não se ap l i cam aos

casos de responsab i l i dade desc r i tas no CDC apesa r de a lgumas

d ive rgênc ias , como se rá t ra tado ad ian te .

Conc luo es te cap í tu lo cons ta tando que na dou t r ina b ras i le i ra

p redom ina o en tend imento de que a teo r ia da causa l idade ma is

adequada é a que me lho r se ap l ica aos casos de responsab i l idade

c i v i l . Se rá , po r tan to , com base nes ta teo r ia p redominante que as

causas de quebra de nexo de causa l idade e o r i sco de

desenvo lv imento serão ana l isados nos p róx imo s cap í tu los .

99 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências, p. 352. 100 ALVIM. Agostinho. Da Inexecução das Obrigações e suas consequências. Rio de Janeiro, 1965: Ed. Jurídica e Universitária Ltda., pág 352.

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2. QUEBRA DO NEXO CAUS AL N O CÓDIGO DE DEFES A DO

CONSUMIDOR

O desenvo lv imento na tu ra l do conhec imen to e da tecno log ia

que in f luenc iam os p rodu tos e se rv iços co locados à d i spos ição dos

consum ido res , podem se r v is tos como fundamentos pa ra a queb ra

do nexo causa no Cód igo de Defesa do Consumido r , po r r i sco de

desenvo lv imento?

Pa ra buscar resposta s à es ta questão , é necessá r io ana l isa r

qua is as c i rcuns tânc ias o Cód igo de Defesa do Consumido r admi te

como causas para queb ra do nexo causa l na responsab i l idade c i v i l .

A aná l i se des tas causas, que re t i ram a ob r igação de inden iza r ,

passa , necessa r iamente , pe la aná l i se do d i re i to das ob r iga ções,

rea l i zado em cap í tu lo an te r io r .

I sso acon tece pe la necess idade de se apu ra r se o au to r do

dano ag iu con t ra r iamente ao modo ou à fo rma de te rm inada pe la le i

ou con t ra to pa ra que lhe possa ser imputada a responsab i l i zação

pe lo dano. A lém d isso , a aná l i se do d i re i to das ob r igações pe rmi te

ava l ia r se a even tua l responsab i l i zação é deco r ren te de ou t ras

d ispos ições lega is ou con t ra tua is que es tabe lecem a so l ida r iedade

ou ou t ra fo rma de d is t r i bu ição do ônus de even tua is p re ju ízos ,

i nc lu indo , nes te caso , o r i sco do dese nvo lv imen to e a co locação de

p rodu tos e serv i ços no mercado de consumo 101.

101 Conforme nos ensina G. MARTON : A responsabilidade é, portanto, resultado da ação pela qual o homem expressa o seu comportamento em face desse dever ou obrigação. Se atua na forma indicada pelos cânones, não há vantagem, porque supérfluo em indagar da responsabilidade daí decorrente. Sem dúvida, continua o agente responsável pelo procedimento. Mas a verificação dêsse fato não lhe acarreta obrigação nenhuma, isso é, nenhum dever, traduzido em sanção ou reposição, como substitutivo do dever de obrigação prévia, precisamente porque a cumpriu. Para G. Marton, as causas excludentes de responsabilidade se restringe a quatro pontos: a) ausência de obrigação a cargo do agente; b) existência de obrigação, sem que o agente tenha cometido o ato incriminado; c) prática do ato, sem envolver violação de dever; d) prática do ato com a consequência, em princípio, de violação do dever, mas forrado por uma escusa legal. (G. MARTON, Les fondements de la

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Pa ra B i t ta r 102, as causas exc ludentes de responsab i l idade

podem se da r em ce r tas s i tuações, inc lu indo “ imun idades ” em que

a le i impede a rea l i zação do fa to ge rador da responsab i l idade ,

imposs ib i l i tando o agente de responsab i l i zação (como é o caso das

in ju r ías p ro fe r idas po r pa r lamentares no exe rc íc io de suas

funções ) , ou também em s i tuações em que, apesa r de te r hav ido a

conc re t i zação da conduta imputáve l , há in te r fe rênc ia de fa to res

ex te rnos que a fas tam a inc idênc ia da responsab i l i dade . Esses

fa to res podem ser de o rdem na tu ra l ( f o rça ma io r ) ou vo lun tá r ia

(ação da p róp r ia v í t ima ) . Uma vez pa r te do d i re i to pos i t i vo ,

exone ram o causado r de responsab i l i dade .

É poss íve l f aze r uma ressa lva ao rac ioc ín io de B i t t a r em

re lação ao cab imen to ou não dos fa to res de o rdem na tu ra l ( f o rça

ma io r ) como causa exc ludente de responsab i l idade (queb ra do nexo

de causa l idade ) . E la se rá ap resen tada com ma is p ro fund idade nos

tóp icos segu in tes . Já Agu ia r D ias l evan ta a d iscussão de que

causas exc luden tes de responsab i l i dade são , em ú l t ima aná l ise , “a

sup ressão da causa l idade . Desapa rec ido o nexo causa l , não é ma is

poss íve l f a la r em ob r igação de repara r . ” 103

Pa ra a lguns au to res , as s i tuações p rev is tas no Cód igo d e

Defesa do Consumido r e u t i l i zadas como causas pa ra exc lusão de

responsab i l idade (cu lpa exc lus iva da v í t ima e fa to exc lus ivo de

te rce i ro ) , a lém do caso fo r tu i to e de fo rça ma io r 104, são exemp los

responsabilité civile, Paris, 1938, nº 86, p. 263. apud: DIAS, José Aguiar. Da Responsabilidade Civil, Vol, I, p. 12) 102 BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil nas atividades nucleares, p. 80 103 DIAS, José Aguiar. Da Responsabilidade Civil, Vol, I. p. 723 104 A doutrina é praticamente uníssona quanto ao entendimento da não aplicabilidade do caso fortuito e forma maior como causas de excludentes de responsabilidade (ou excludente de nexo de causalidade). No entanto, a jurisprudência tem aceito em determinadas circunstâncias, fazendo surgir a dúvida sobre o real direcionamento no Brasil acerca destas causas como elementos de causas de exoneração de responsabilidade. O próprio STJ é claudicante em suas decisões, na maior parte das vezes entendendo que caso fortuito e força maior não são causas que excluem responsabilidade em relações de consumo, ora tendo entendimento diverso. É o caso da decisão proferida no REsp 1384630 / SP, que julgou o

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de s i tuações em que há a in te r rupção do nexo causa l ( causa l ida de

in te r romp ida ) . Para G ise le Cruz, i sso s ign i f i ca :

[ . . . ] que um fa to (1 º f a to ) poder ia p rovocar

de te rm inado e f e i t o , m as a v e r i f i cação des te

oco r r eu , e f e t i vam ent e , po r caus a de ou t r o f a to (2 º

f a t o ) que o p roduzi u c om an te r i o r idade . I s t o é , a

1 ª sé r i e caus a l , em cu r so na d i reção do dano ,

a i nda não o p r oduzi u , quando t eve lugar a 2 ª sé r i e

que po r sua pa r te o p rovocou . 105

Em l inhas ge ra is , são duas as ca tego r ias nas qua is podemos

enca ixa r as causas de romp imento do nexo causa l (exc lusão de

responsab i l idade ) . N a p r ime i ra ca tego r ia es tão as s i tuações

marcadas pe la ausênc ia de um dos requ is i tos essenc ia i s pa ra

es tabe lece r a responsab i l idade do fo rnecedo r , demonstrar que não

colocou o produto no mercado . A segunda ca tego r ia d i z respe i to

à ausênc ia de requ is i tos ess enc ia is pa ra a tes ta r o de fe i to do

p rodu to , como se r ia o caso da inex is tênc ia de de fe i to , cu lpa

exc lus iva do consumido r ou de te rce i ros e a té mesmo o r i sco do

desenvo lv imento , cons ide rando a época em que o p rodu to fo i

co locado no mercado .

caso de grande repercussão nacional. Em 1999 um estudante de medicina foi ao cinema no Shopping Center Morumbi e armado com uma metralhadora, calibre nove milímetros, de uso privativo das Forças Armadas, começou a fazer disparos contra os que lá estavam. O STJ entendeu neste caso, não haver responsabilidade do shopping pelo evento em razão do caso fortuito pela imprevisibilidade e inevitabilidade do acidente. Vejamos trecho do acórdão: “(...3. A culpa de terceiro, que realiza disparos de arma de fogo contra o público no interior de sala de cinema, rompe o nexo causal entre o dano e a conduta do shopping center no interior do qual ocorrido o crime, haja vista configurar hipótese de caso fortuito, imprevisível, inevitável e autônomo, sem origem ou relação com o comportamento deste último. 4. Não se revela razoável exigir das equipes de segurança de um cinema ou de uma administradora de shopping centers que previssem, evitassem ou estivessem antecipadamente preparadas para conter os danos resultantes de uma investida homicida promovida por terceiro usuário, mesmo porque tais medidas não estão compreendidas entre os deveres e cuidados ordinariamente exigidos de estabelecimentos comerciais de tais espécies. 5. Recurso especial provido)”. 105 CRUZ, Gisela Sampaio. O problema do nexo de causal na responsabilidade civil, p. 157.

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Também são duas as fo rmas pe las qua is um fo rnecedo r pode

se isen ta r ou se r exone rado da responsab i l idade em inden iza r , o

que nas pa lavras de Agu ia r D ias 106 são “c láusu las e causas de

exone ração p ropr iamente d i tas , es tas ma is ca rac te r i zadamen te

ma is con templada s na le i , aque las as con temp ladas no con t ra to ” . A

segu i r , ap resen to a lgumas das c i r cuns tânc ias nas qua is uma

empresa não te rá que inden iza r o dano so f r ido pe lo consumidor em

razão do rompimento do nexo causa l na responsab i l idade po r danos

em re lações de consumo.

Apesa r do en foque que da remos ao es tudo do r i sco de

desenvo lv imento com causa de queb ra do nexo de causa l idade ,

t ra ta r de todas as causas p rev is tas no Cód igo de Defesa do

Consumido r nos pe rm i t i r á pe rcebe r que ta i s causas es t ão ,

sob re tudo , re lac ionadas a inex is t ênc ia de compor tamento a t i vo da

empresa pa ra causaç ão do dano ao consumido r . Ve jamos .

2.1 – C láusulas contratua is de não indenizar

A h i s tó r ia das c láusu las con t ra tua is de não inden iza r , ou

convenções de i r responsab i l idade , most ra que a sua ma io r ou

menor u t i l i zação depende em grande pa r te do amb ien te econ ômico

e soc ia l de cada soc iedade, po is seu uso es tá in t imamente l i gado à

p ropagação dos r iscos da c i v i l i zação indus t r ia l , o que con t r ibu i para

ten ta t i vas negoc iações p r i vadas que tendem a l im i ta r ou mesmo

exc lu i r a responsab i l i dade em de te rminadas c i rcuns t ânc ias .

Nos d ive rsos pa íses que ace i tam c láusu las l im i tado ras ao

d i re i to à inden ização , tem cab ido sob re tudo à ju r i sp rudênc ia e a

no rmas espec í f i cas de p ro teção e de fesa do consum ido r a ta re fa de

106 DIAS, José Aguiar. Da Responsabilidade Civil, Vol, I. p. 701

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adequar e res t r ing i r a u t i l i zação de c láusu las l im i ta t i vas de

responsab i l idade ou res t r i t i vas de d i re i to a inden ização . Nas

p rec isas pa lavras do p ro fesso r An tôn io P in to Monte i ro :

“ [ . . . ] a s c láus u las l im i t a t i vas e de exc lus ão

ex ig em, num a pa lav r a , que s e enc on t r e um pon t o

de equ i l íb r i o en t re a l i be rdade i nd iv i dua l e as

nec ess idades soc ia i s de p ro t ec ção do lesado ,

en t re a au t onom ia p r i vada e a o rdem púb l i ca ,

pendendo o p r a to da ba lanç a ( i s to é , um reg im e

de f avo r ou , ao i nvés , de descon f iança ) pa ra um

ou ou t r o l ado , c onsoan t e o m oment o h is t ó r i c o que

s e c ons ide r e ” . 107

A questão essenc ia l é sabe r se , e den t ro de qua is l im i tes ,

pode rá va l idamente exc lu i r -se ou l im i ta r -se , po r aco rdo con t ra tua l

p rév io , a responsab i l i dade c i v i l . Agu ia r D ias nos dá p is tas de como

ana l isa r a va l idade de c láusu las ou fa tos capazes de gerar a

exc lusão de responsab i l idade . Segundo e le :

“ Par a s aber da va l idade da c l áus u la de

i r r esponsab i l i dade , o p roces so ma is s imp les é

i nves t iga r s e a no rma de d i r e i t o com um que

es tabe lece a res pons ab i l i dade e que po r ess a

c onvenção f i ca r á a f as tada , a t ende a in t e ress e de

o rdem púb l i c a ou é des t inado a mera t u t e la do

i n t e resse i nd i v i dua l ” . 108

No caso do Cód igo de Defesa do Consumidor , norma de o rdem

púb l ica e in te resse soc ia l (A r t i go 1 o do CDC) , há d ispos ição

espec í f ica sob re c láusu las de i r responsab i l idade , a inda que pa rc ia l ,

que a cons ide ra abus iva , exce to quando o consumido r f o r pessoa

107 MONTEIRO, Antônio Pinto. Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil, p. 68. 108 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, p. 702.

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j u r íd ica e houve r jus t i f i ca t i va pa ra ta l a fas tamen to , con fo rme d ispõe

os A r t i gos 25 o capu t e 51 o , I 109. A inda ass im, mesmo quando houver

j us t i f i ca t i va p laus íve l pa ra l im i tação de ex e rc íc io de d i re i to por

pa r te do consumido r , es ta c láusu la con t ra tua l deve v i r esc r i ta em

destaque no con t ra to (A r t i go 54 o , § 4 o do CDC) .

A p ro teção da o rdem púb l ica e os leg í t imos in te resses dos

consum ido res em re lação ao con t ra to f i rmado, po r tan to , pa rec em

ser os f ios conduto res que nos pe rm i te ava l ia r quando uma c láusu la

ou uma causa pode rá se r cons ide rada para exc lusão de

responsab i l idade .

Agu ia r D ias 110 já cons ide rava como i l í c i tas as c láusu las

cont ra tua is que de te rm inavam a “ t rans fe rênc ia de ob r igaçõe s

essenc ia i s do con t ra tan te , as que exone rem de responsab i l idade

pe lo do lo ou cu lpa grave e , em gera l , todas as que in te ressem à

pro teção da v ida , da in tegr idade f ís i ca e da saúde do con t ra tan te . ”

O mesmo au to r , ana l isando o con t ra to de t ranspo r te aé reo ,

chega a fazer uma abo rdagem cu r iosa ao a f i rmar que a c láusu la de

i r responsab i l idade despres t ig ia r ia o p rópr io me io de t ranspor te

pe ran te o v ia jan te , a quem p roduz i r i a má impressão . Um se rv iço

p rec isa sempre ser e pa recer segu ro e a d ispos ição de uma c láus u la

con t ra tua l que possa leva r o consum ido r a pensa r d i f e ren te d i sso

somente desgasta r ia a imagem do se to r . Todav ia , as c láusu las de

109 Já em 1912 o Decreto 2.681 que regula a responsabilidade civil das estradas de ferro, considerava nula a cláusula de não indenizar que restringia a responsabilidade das estradas de ferro, vejamos: “Art. 12 - A clausula da não garantia das mercadorias, bem como a prévia determinação do máximo de indenização a pagar, nos casos de perda ou avaria, não poderão ser estabelecidas pelas estradas de ferro senão de modo facultativo e correspondendo a uma diminuição de tarifa. Serão nulas quaisquer outras clausulas diminuindo a responsabilidade das estradas de ferro estabelecida na presente lei”. A súmula 161 do STF, também está no mesmo sentido: Súmula 161: Em contrato de Transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar. 110 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, p. 703.

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exc lusão de responsab i l idade 111 devem se r v is tas com ressa lvas ,

po is caso co loquem o consumido r em desvantagem exage rada ou

s i r vam pa ra imposs ib i l i ta r , exone ra r ou mesmo a tenuar a

responsab i l idade do fo rnecedo r po r v íc ios de qua lque r na tu reza dos

p rodu tos e se rv iços , se rão cons ideradas abus ivas , nos te rmos do

A r t i go 51 o do CDC 112.

Sanseve r ino 113, ao d isco r re r sob re a s res t r ições de u t i l i zação

das c láusu las de não inden iza r , menc iona as p r inc ipa is causas: i )

não é adm i t ida na responsab i l idade ex t racon t ra tua l , sendo apenas

to le rada , res t r i t amente , na responsab i l idade con t ra tua l ; i i ) não

a fas ta o deve r de inden iza r nas h ipó teses de do lo ou cu lpa g rave ;

i i i ) é ine f icaz quando abrange r o deve r essenc ia l do con t ra to ou

quando fe r i r a o rdem púb l i ca .

A lém da l im i tação ou exone ração da ob r igação de inden ização ,

é poss íve l aos in te ressados reco r re rem a c láusu las con t ra tua is q ue

não se re f i ram aos e fe i tos ind i re tos da ob r igação , mas aos seus

p ressupostos , cond ic ionando o deve r de inden iza r a de te rm inadas

p rem issas .

Ta l s i tuação parece es ta r adequada à rea l idade b ras i le i ra e é

pe rm i t ida pe lo Cód igo de Defesa do Consumidor ao ex ig i r , e

consequentemen te pe rmi t i r , que c láusu las que imp l ica rem l im i tação

111 Para José Aguiar Dias “A cláusula ou convenção de irresponsabilidade consiste na estipulação prévia de declaração unilateral, ou não, pela qual a parte que viria a obrigar-se civilmente perante outra afasta, de acordo com esta, a aplicação da lei comum ao seu caso. Visa anular, modificar ou restringir as consequências normais de um fato da responsabilidade do beneficiário da estipulação” (in Da Responsabilidade Civil, Vol, II., p. 703). 112 No mesmo sentido está o artigo 12 da Diretiva Directiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos, vejamos: Art. 12 - A responsabilidade do produtor, nos termos da presente directiva, não pode ser reduzida ou excluída em relação ao lesado por uma cláusula limitativa ou exoneratória de responsabilidade. 113 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor

e a defesa do fornecedor, p. 349.

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de d i re i to do consumidor deve rão ser red ig idas em des taque,

pe rm i t indo sua fác i l e imed ia ta compreensão (A r t i go 54 , § 4 o do

CDC). Es te ser ia o caso de c láusu las de segu ro de au tomó ve is que

não cob re danos quando, por exemp lo , o ve ícu lo fo r conduz ido po r

pessoas não hab i l i tadas lega lmente .

Em s i tuações como essa , não es ta r íamos d ian te de c láusu las

abus ivas , mas d ian te de ob r igações ineren tes à re lação con t ra tua l .

Va le lembra r , tod av ia , que as l im i tações de exe rc íc io de d i re i to só

vão v incu la r e ob r iga r o consum ido r se , a lém de es ta r red ig idas em

destaque (A r t i go 54 , § 4 o ) , t i ve r s ido dada a poss ib i l idade ao

consum ido r de tomar conhec imento p rév io de seu con teúdo. A lém

do ma is , ta l moda l idade de c láusu la não pode rá es ta r red ig ida de

fo rma que d i f i cu l ta a compreensão de seu sen t ido e a lcance , a lém

de se r sempre in te rp re tada de mane i ra ma is favo ráve l ao

consum ido r , ta l como d ispõe as regras cons tan tes dos A r t i gos 46 e

47 do CDC.

2.2 – Culpa exc lus iva da ví t ima

Mu i tas vezes , a p róp r ia v í t ima (consum ido r , como es te

t raba lho t ra ta ) con t r ibu i pa ra p rodução de um de te rm inado even to

que v i rá a impor a lgum p re ju ízo ou agrava r a sua ex tensão . Em

ge ra l , são t rês as poss ib i l i dades de in te r f e rênc ia da v í t ima em uma

s i tuação que lhe cause dano : a ) cu lpa exc lus iva da v í t ima para

causação do dano; b ) cu lpa conco r ren te da v í t ima; c ) iné rc ia da

v í t ima, que não ten ta imped i r o even to danoso ou a tenua r suas

consequênc ias .

A queb ra do nexo de causa l idade , ta l como d iscu t imos

nes te t raba lho , ocor re r ia apenas quando a cu lpa pe lo dano fosse

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exc lus ivamente da v í t ima, e l im inando as h ipó teses menc ionadas

nos i tens “b ” e “c ” ac ima – A r t i go 12 , § 3 o , I I I e Ar t i go 14 , § 3 o , I I –

, tendo em v is ta que a ação da v í t ima acaba po r in te r romper o nexo

causa l que l i ga r ia o dano à condu ta do fo rnecedo r , exc lu indo ,

po r tan to , a responsab i l idade do agen te ( fo rnecedo r ) .

In te rp re tando a leg is lação da época , mas cu jos p r inc íp ios

a inda podem se r u t i l i zados, Agu ia r D ias en tende que não

es ta r íamos, na ve rdade , d ian te de cu lpa exc lus iva da v í t ima, mas

s im em face de um a to ou fa to exc lus ivo da de la :

“ Adm i te - se c omo caus a de i senç ão de

r esponsab i l i dade o que s e c ham a de c u lpa

exc lus i va da v í t ima . Co m i sso , na rea l idade , se

a l ude a a to ou f a to exc lus i vo da v í t ima , pe la qua l

f i c a e l im inada a c aus a l idade em re l ação ao

t e r ce i r o in te r ven ien t e no a t o danos o . ” 114

É senso comum em mu i tos pa íses a poss ib i l idade de queb ra

do nexo de causa l idade em razão da condu ta da v í t ima. Nes te

sen t ido e de fo rma a té ma is ab rangente , po is cons idera como

exc luden te a té p repostos da v í t ima, o A r t i go 8 o , 2 da D i re t i va 115

85 /374 /CEE d ispõe que a responsab i l i dade do p rodu to r pode se r

114 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, p. 727. 115 Diretivas Européias são instrumentos jurídicos ao dispor das instituições europeias para a aplicação das políticas da União Europeia (UE). Trata-se de um instrumento flexível utilizado principalmente como meio de harmonizar as legislações nacionais. Exige que os países da UE alcancem um determinado resultado, deixando-lhes a competência quanto à forma de o fazer. A diretiva faz parte do direito derivado da UE. É, por conseguinte, adotada pelas instituições da UE, de acordo com os Tratadosconstitutivos. Uma vez adotada a nível da UE, a diretiva é transposta para o direito nacional pelos países da UE para aplicação. Por exemplo, a diretiva relativa à organização do tempo de trabalho estabelece períodos de descanso obrigatórios e um limite relativo ao tempo de trabalho semanal autorizado na UE. No entanto, cabe a cada país a elaboração de legislação própria para determinar o modo como estas regras serão aplicadas. (in http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=URISERV%3Al14527)

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reduz ida ou exc lu ída , tendo em con ta todas as c i r cuns tânc ias ,

quando o dano fo r causado con jun tamente por um de fe i to do

p rodu to e por cu lpa do lesado ou de uma pessoa pe la qua l o lesado

é responsáve l 116.

Mas nem sempre é fác i l iden t i f i ca r quando de te rm inado even to

danoso é causado por cu lpa exc lus iva ou conco r ren te da v í t ima.

Pa ra s i tuações em que há conco r rênc ia de condu ta ou cu lpas , deve -

se de f in i r qua l ou qua is as responsab i l idades de cada um dos

agen tes , pa ra en tão impu ta r a respect i va ca rga de responsab i l idade

e a té mesmo iden t i f i ca r se haverá ou não quebra do nexo de

causa l idade en t re o dano e o compor tamen to de um dos agentes .

Sanseve r ino (2010, p . 293) suge re que a so lução es tá na

aná l ise da impor tânc ia causa l dos d i f e ren tes fa tos que a tua ram

pa ra p rodução de de te rm inado dano, e se a ação da ví t ima p roduz i r

o dano com exc lus iv idade , es ta rá a fas tada a e f icác ia causa l do

de fe i to do p rodu to ou se rv i ço . Pa ra s i tuações como essa , Agu ia r

D ias (1960) sugere :

“O que se deve i ndagar é , po is , qua l dos f a tos , ou

c u lpas , f o i dec is i vo pa ra o even to dano so , i s t o é ,

qua l dos a t os impruden tes f ez com que o ou t r o ,

que não te r ia c onsequênc ias , de s i só ,

de te rm inas se , comp le tado po r e l e , o ac iden te .

Pensam os s empr e que se j a poss íve l es tabe lece r

i noc u idade de um a t o , a i nda que impr uden te , se

não t i vess e in t e r v i ndo ou t ro a t o impuden te , não

s e deve f a l a r em conc or rênc ia de c u lpa . Nou t r as

116 Artigo 8º da Diretiva (85/374/CEE): Art. 8º: 1. Sem prejuízo das disposições de direito nacional relativas ao direito de recurso, a responsabilidade do produtor não é diminuída quando o dano é causado conjuntamente por um defeito do produto e pela intervenção de um terceiro. 2. A responsabilidade do produtor pode ser reduzida ou excluída, tendo em conta todas as circunstâncias, quando o dano for causado conjuntamente por um defeito do produto e por culpa do lesado ou de uma pessoa pela qual o lesado é responsável.

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pa lav ras : a cu lpa g rave necessá r i a e su f i c i en te

pa ra o dano exc lu i a conc or rênc ia de c u lpas ” . 117

Ass im, se r ia cons ide rada responsab i l idade exc lus iva da v í t ima

se , e somen te se , su a in te rvenção no even to fo r tão dec is i va que

de ixam sem re levânc ia ou t ros fa tos cu lposos po rven tu ra ex is ten tes

no acon tec imento , a inda que deco r ren tes de te rce i ros ou do p róp r io

fo rnecedo r . Pa ra esses casos , va le u t i l i za r o exemplo apresen tado

po r Agu ia r D ias e que encont ra s im i l i t ude em dec isões do Supe r io r

T r ibuna l de Jus t iça . Pa ra o au to r , have r ia cor responsab i l i dade en t re

a v í t ima e a empresa que o fe rece t ranspo r te de bondes quando um

passage i ro , ao v ia ja r no es t r i bo do bonde , v ie r a so f re r um ac iden te .

A responsab i l idade da empresa es ta r ia no fa to de , mesmo após

vá r ios ac iden tes , não te r inves t ido pa ra modern iza r os vagões dos

bondes e somente se rá e l id ida , “no d ia em que, a tendendo a esse

impe ra t i vo de p rogresso , as empresas de bondes usem ve ícu los

fechados, o passage i ro que , temera r iamente , v ia ja r no que sob ra

do es t r ibo , supo r ta rá soz inho as consequênc ias de sua

imprudênc ia ” . 118

Pa ra que ha ja cu lpa exc lus iva da v í t ima , po r tan to , é

necessá r io que o agen te , no caso o fo rnecedo r , tenha tomado todas

as p rov idênc ias necessá r ias pa ra ev i ta r que o dano oco r resse ,

u t i l i zando de todo o conhec imen to e tecno log ia ex is ten tes , sem

descu ra r da necessá r ia t ransm issão e f ic ien te das in fo rmações ao

consum ido r . I sso po rque a conduta do fo rnecedor que fo r de f ic ien te

ao t ransm i t i r de te rm inado con teúdo ou a le r ta de r isco , po r s i só ,

pode se r causa de de fe i to do p rodu to ou se rv i ço .

Pa ra Sanseve r ino , mesmo se cons ide ra rmos que o fornecedo r

sempre te rá a pa r t i c ipação po r te r p roduz ido um p rodu to ou

117 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, p. 728-729. 118 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, p. 730.

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pres tado a lgum se rv i ço , o dano que tenha como causa adequada a

conduta cu lposa da p róp r ia v í t ima (como quando o consumido r

u t i l i za med icamentos ou um revó lve r pa ra cometer su ic íd io ) não

será ob je to de repa ração por pa r te do fo rnecedo r em razão da

queb ra do nexo de causa l idade en t re a a tuação des te e o dano . O

mesmo au to r menc iona que :

“Out r os exemp los de a tuação cu lposa do

c onsum idor t êm -se , a inda , nos c asos de

u t i l i zaç ão do p rodu to con t ra r i amen te às

i nd ic ações c l a ras e p r ec is as p r es t adas pe lo

f o rnecedor , de cons er vação inadequada do

p rodu to , de u t i l i zação do p rodu t o ap ós o seu

p razo de va l i dade e t c . ” 119

A cu lpa exc lus iva da v í t ima, po r tan to , in te r fe re no nexo de

causa l idade en t re a condu ta do agen te e o dano, o que a fe ta a

es fe ra de responsab i l idade sub je t iva e ob je t i va respect i v amen te .

Nas pa lavras de Gise la Sampa io Cruz , “ i s to é ass im porque , embora

ob je t i va independa de cu lpa , a ação exc lus iva da v í t ima a fe ta , f r i se -

se , o nexo causa l que o assoc ia ao dano ” . 120

Pa ra Rober to Sen ise L isboa (2002 , p . 265 -266 ) , a

exc lus iv idade da c u lpa da v í t ima demonst ra que o ob je t i vamente

responsab i l i zado não pode te r conco r r ido , de qua lque r f o rma, para

a causação do resu l tado danoso . No en tan to , a v í t ima deve se r

cons ide rada cu lpada pe lo dano, pa rc ia l ou in tegra lmente , apenas

quando se demons t ra r que e la v io lou o dever ju r íd i co que t inha ao

se va le r do exerc íc io da a t i v idade pe r igosa do agente , p rova es ta

que incumbe ao fo rnecedo r .

119 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor, p. 292. 120 CRUZ, Gisela Sampaio. O problema do nexo de causal na responsabilidade civil, p. 169.

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Em se t ra tando de cu lpa conco r ren te , o que não é ob je to de

nosso es tudo , pe rmanece rá a responsab i l idade do fo rnece do r ,

cabendo tão somente dosar o quan tum que será dev ido ao

consum ido r em razão da sua pa r t ic ipação na causação ou ex tensão

do dano so f r ido , ta l como de te rminada o A r t i go 944 do Cód igo C iv i l ,

cu ja ap l icação se faz poss íve l em razão da regra do A r t i go 7 o do

CDC 121.

Nes te aspec to , pa rece con t rá r io ao p r inc íp io da boa - fé o

consum ido r que , ag indo de fo rma a causa r a e le p róp r io um dano,

venha a ex ig i r in tegra lmente do fo rnecedo r a repa ração dos dados

que e le mesmo co labo rou pa ra causa r ou conco r reu para

inc remen tá - lo . Ass im, es ta r íamos d ian te do que a dou t r ina

denomina ven i re con t ra fac tum p róp r io 122, o que não pode se r

121 A doutrina diverge quanto a possibilidade de atenuação da responsabilidade do fornecedor em casos de culpa concorrente do consumidor para causar ou mesmo impactar no dano causado, sendo predominante o posicionamento daqueles que se manifestam pela irrelevância da culpa concorrente do consumidor para atenuar a responsabilidade do fornecedor, por não ter sido expressamente contemplado pelo legislador. Silvio Ferreira da Rocha, cuja citação uso como exemplo daqueles que tem posição contrária a atenuar a responsabilidade pela co-participação do consumidor para causar o dano, faz a seguinte ressalva “Melhor seria que o Código de Defesa do Consumidor, a exemplo do direito italiano, português ou alemão tivesse admitido a culpa concorrente do consumidor como fato hábil a reduzir a indenização devida pelo fornecedor. Entretanto, não o fazendo, apenas a culpa exclusiva do consumidor será considerada fato idôneo a afastar a responsabilidade do fornecedor por defeito causado pelo produto colocado em circulação” (ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direito brasileiro. São Paulo Revista dos Tribunais, 1992, p. 106). Favorável a esta tese estão: LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2001. MARINS, James. Responsabilidade da Empresa pelo Fato do Produto: os acidentes de consumo do Código de Proteção ao Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1993; SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade Civil no Còdigo do Consumidor e a defesa do fornecedor – 3º ed. São Paulo, Saraiva: 2010. ARRUDA ALVIM, José Manuel (et.al) Código do consumidor comentado e legislação correlata. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. O artigo 7º, caput do CDC tem a seguinte redação: “Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.” 122 Nas palavras de Menezes Cordeiro: “Venire contra factum proprium postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo” (CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2001. p. 745).

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admi t ido , já que a boa - fé é uma v ia de mão dup la e cabe a

consum ido res e fo rnecedo res 123.

A ide ia de rechaça r uma conduta que se most re con t rá r ia às

p róp r ias ações, tendo nes te en tend imento o desdobramento lóg ico

da c láusu la ge ra l da boa - fé ob je t i va , é a pos ição de Menezes

Corde i ro :

“O ven i re c on t r a fac tum p r opr i um, po rque

do tado de c a rga é t i c a , ps ico lóg ic a e

s oc io l óg i ca nega t i va a t en t a ,

nec ess ar iam ent e , c on t r a a boa - f é , conce i t o

po r tador de rep resen tação cu l t u ra l

ap rec ia t i va e que , pa r a ma is , es tá , na

t rad iç ão r oman ís t i ca do Cor pus I u r i s C i v i l i s ,

num es tado de d i u lu iç ão que a t o r na

om n ip r es en te ” . 124

É nes te sen t ido que João Ca lvão da S i l va , ao co menta r

d ispos i t i vo s im i la r ex is ten te no D i re i to Po r tuguês 125, ressa l ta que a

123. É esta, inclusive, a indicação do artigo 8º da Diretiva Européia 85/374/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos - Artigo 8º - 1. Sem prejuízo das disposições de direito nacional relativas ao direito de recurso, a responsabilidade do produtor não é diminuída quando o dano é causado conjuntamente por um defeito do produto e pela intervenção de um terceiro. 2. A responsabilidade do produtor pode ser reduzida ou excluída, tendo em conta todas as circunstâncias, quando o dano for causado conjuntamente por um defeito do produto e por culpa do lesado ou de uma pessoa pela qual o lesado é responsável. O STJ também já se manifestou favorável a esta tese em acórdão da relatoria do então Ministro Rui Rosado de Aguiar Júnior (RESP 287.849-SP, cuja ementa está assim transcrita: CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Responsabilidade do fornecedor. Culpa concorrente da vítima. Hotel. Piscina. Agência de viagens. - Responsabilidade do hotel, que não sinaliza convenientemente a profundidade da piscina, de acesso livre aos hóspedes. Art. 14 do CDC. - A culpa concorrente da vítima permite a redução da condenação imposta ao fornecedor . Art. 12, § 2º, III, do CDC. - A agência de viagens responde pelo dano pessoal que decorreu do mau serviço do hotel contratado por ela para a hospedagem durante o pacote de turismo. Recursos conhecidos e providos em parte. 124 CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes, p. 753. 125 Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de novembro que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 85/374/CEE, em matéria de responsabilidade decorrente de produtos defeituosos. “Artigo 7.º

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conco r rênc ia do fa to cu lposo da v í t ima pode levar à redução ou à

exc lusão de inden ização , o que dependerá , no caso conc re to , da

ponderação pe lo T r ibuna l de todas as c i rcuns tânc ias . O ju i z ,

segundo es te au to r :

“ [ . . . ] deve te r p r esen te que a

c oncausa l i dade c u lpos a da v í t ima é uma

expr ess ão pa r t i c u la r do p r inc íp i o da boa f é ,

p re tendendo es t imu la r - s e cada um a ve la r

pe la sua p r óp r i a segur ança e ev i t a r - s e que

quem c ausa c u lpos amente um dano a s i

mesmo venha ex ig i r de ou t rem sua

i ndem n ização , num c la r o ven i r e c on t r a

f ac tum p ropr ium. Po r ou t ras pa lav ras : se da

c u lpa do lesado , da “ cu lpa c on t r a s i

mesmo” , r es u l t a pa r te do dano po r s i

s o f r ido , não se r ia c ompor tamento coe ren t e

r ec lam ar do p r o du to r a i ndemn izaç ão

i n t eg ra l , sem a s anç ão da cu lpa ” . 126

Po r tan to , a cu lpa exc lus iva da v í t ima -consumido ra será causa

de exc lusão da responsab i l idade do fo rnecedo r em inden iza r e

compensa r o dano. Já em caso de cu lpa conco r ren te , a ação da

v í t ima se rv i rá apenas e tão somente pa ra dosa r o va lo r do

ressa rc imento ao lesado.

2.3 – Culpa exc lus iva de te rce i ro

Concurso do lesado e de terceiro. 1 - Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para o dano, pode o tribunal, tendo em conta todas as circunstâncias, reduzir ou excluir a indenização.” 126 SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil do produtor, p. 733-734.

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Ass im como fo i expos to na questão da cu lpa exc lus iva da

v í t ima, a exc lusão de responsab i l idade , ou nexo de causa l idade ,

po r cu lpa exc lus iva de te rce i r o depende de uma ação de um su je i to

es t ranho à re lação en t re consumido r e fo rnecedo r capaz de , po r s i

só , o r ig inar o even to danoso ao qua l se pode r ia imputa r

responsab i l idade ao fo rnecedo r 127.

Pa ra sua ca rac te r i zação , o fa to de te rce i ro deve a t ra i r a

to ta l idade dos e fe i tos do a to danoso , de fo rma a pe rmi t i r que se

ana l ise a exc lusão da responsab i l idade d i re ta ou ind i re ta do agen te

( fo rnecedo r ) . É o que a f i rma G ise la Sampa io Cruz (2005 , p . 37 ) .

Pa ra Agu ia r D ias (1960 , p . 714 -714) , o fa to do te rce i ro p rec isa r i a

i n ic ia lmente se r ca rac te r i zado pa ra , pos te r io rmente , sabe r se é ou

não causa de exc lusão de responsab i l idade . Essa carac te r i zação

depender ia da aná l ise de c inco p ressupostos :

a ) Causa l idade : se não é causado r do dano nenhuma in f luênc ia

pode o te rce i ro exe rce r no p rob lema da responsab i l idade ;

b) In imputab i l idade : se o fa to danoso pode se r imputado ao

devedo r , f i ca fo ra de questão apu rar em que med ida o te rce i ro

127 Para Aguiar Dias “o fato de terceiro só exonera quando realmente constitui causa estranha ao devedor, isto é, quando elimine, totalmente, a relação de causalidade entre o dano e o desempenho do contrato. A questão é essencialmente ligada ao problema do nexo causal e parece-nos que não tem sido estudada dêsse ponto de vista. Em última análise, todo fato que importa exoneração de responsabilidade tira esse efeito da circunstância de representar a negação da relação de causalidade.” (AGUIAR DIAS, José de, Da Responsabilidade Civil, Vol, II. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 4ª ed., 1960, p. 712). Em decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Paraná ficou caracterizada a culpa exclusiva por fato de terceiro que, ao deixar cair um garrafa de cerveja, acabou por atingir um dos hóspedes do estabelecimento, causando-lhe danos, vejamos: RESPONSABILIDADE CIVIL - EXPLOSAO DE GARRAFA DE CERVEJA DERRUBADA POR TERCEIRO, FREGUES EM SUPERMERCADO - AUSENCIA DE CULPA DO ESTABELECIMENTO - CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO - INICIAL QUE INVOCA RESPONSABILIDADE CALCADA NO CODIGO CIVIL - PRETENDIDA APLICACAO DO CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E INVOCACAO DE CULPA OBJETIVA - PLEITO JA CONTESTADO - ALTERACAO DO LIBELO INICIAL - AUSENCIA DE DETERMINACAO JUDICIAL DA INVERSAO DO ONUS DA PROVA - IMPOSSIBILIDADE - PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITORIO - ACAO JULGADA IMPROCEDENTE - RECURSO IMPROVIDO POR MAIORIA (CITACAO DA DOUTRINA DE ARRUDA ALVIM, THEREZA ALVIM, EDUARDO ARRUDA ALVIM E JAMES J. MARTINS DE SOUZA).(TJPR - 6ª C.Cível - AC - 44503-4 - Umuarama - Rel.: Cunha Ribas - Por maioria - - J. 13.03.1996)

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te rá in f lu ído no resu l tado po rque não fo i es te , mas aque le , o

p rodu to r do dano;

c ) Qua l idade : te rce i ro é qua lquer pessoa a lém da ví t ima e do

responsáve l , ressa lvam -se as pessoas po r quem o agente

responde, tan to no reg ime de l i tua l ( f i lhos , tu te lados , p repostos ,

ap rend izes e tc ) quan to no campo con t ra tua l (enca r regados da

execução do con t ra to em ge ra l ) , po rque essas pessoas não são

te rce i ros no sen t ido de es t ranhos à re lação que aqu i nos

in te ressa ;

d) Iden t idade : o fa to do te rce i ro pode r ser a t r ibu ído a a lguém,

o que não quer d ize r que se imponha , necessa r iamente , a sua

iden t i f i cação – se o dano não pude r se r a t r ibu ído a a lguém,

sera em caso de fo rça ma io r ;

e ) I l i ce idade : se o fa to do te rce i ro é a causa exc lus iva do dano,

não há que se indaga r se é ou não i l í c i to pa ra cons ide ra r -se

como causa de isenção.

O Cód igo de Defesa do Consumido r t raz d is pos ições ma is

c la ras que o Cód igo C iv i l 128 sobre a poss ib i l idade de exc lusão de

nexo de causa l idade em razão da pa r t i c ipação de te rce i ros , como

cond ição fundamen ta l pa ra causação do dano 129. I sso porque o

Cód igo C iv i l de 1916 não menc ionava espec i f i cadamente a

128 Para Aguiar Dias (1960), o Código Civil aparentemente se limita a esta discussão fazendo referência ao caso fortuito e força maior. Para o Autor, o Código Civil mostra um sinal adverso ao reconhecimento amplo dos efeitos do fato de terceiro sobre a responsabilidade, no artigo 1520 onde se consagra tão somente a ação regressiva contra ele, e que supõe, logicamente, a responsabilidade ou, melhor, a obrigação de reparar, por parte do sujeito desse direito regressivo.” 129 O Código do Ar Brasileiro129 (Decreto Lei 483 de 1983 – revogado pelo Decreto-Lei nº 32 de 1966 que posteriormente foi revogado pela Lei nº 7.565 DE 1986 - Dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica), traz exemplo de exclusão de responsabilidade por fato exclusivo de terceiro, vejamos: Art. 100. Serão solidàriamente responsáveis pelos danos a que se referem os artigos precedentes: a) a pessoa em cujo nome estiver matriculada a aeronave; b) a pessoa em cujo uso ou exploração se encontrar a aeronave; c) quem quer que, de bordo de aeronave, haja ocasionado dano, salvo o caso de ato intencionalmente cometido por pessoa estranha à equipagem fora do serviço, e que o transportador ou seus prepostos não puderem impedir. Parágrafo único. Em qualquer caso a execução recairá precipuamente sôbre a garantia estabelecida pelos arts. 103 e seguintes.

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ex is tênc ia do te rce i ro com exc luden te de responsab i l i dade , de

fo rma que só podemos iden t i f i ca r o fa to do te rce i ro como mot i vo de

exc lusão de mane i ra ind i re ta no A r t i go 1285, I I , que fa la de roubo

e esca lada no tu rna , ou A r t i go 1527 , quando a lude à p rovocaç ão de

an ima l po r ou t ro 130.

No en tan to , a d i spos ição do A r t i go 1285 fo i a l te rada pe lo a tua l

Cód igo Civ i l , de modo que fo ram exc lu ídas as h ipó teses de fo rça

ma io r nos casos de esca lada , invasão da casa , roubo à mão a rmada

ou v io lênc ias seme lhan tes (a tua l Ar t i go 650 131) . Fo i também

a l te rada a poss ib i l idade de exc lusão de responsab i l i dade p rev is ta

no an t igo Ar t i go 1527 , quando o dono ou de ten to r de um an ima l

pode r ia te r sua responsab i l idade exc lu ída se p rovasse que o an ima l

f o i p rovocado po r ou t ro (a tua l Ar t i go 936 132) .

Vê -se , po r tan to , ass im como quando d iscu t iu -se sobre a cu lpa

exc lus iva da v í t ima, que é fundamenta l ve r i f i ca r se o fa to de

te rce i ro é ou não causa exc lus iva do dano ou se houve , de a lguma

fo rma, a pa r t i c ipação do devedor ( fo rnecedo r ) na p rodução do dano

ao consum ido r . Deve -se ave r igua r se o dano tem uma causa só ou

um con jun to de d ive rsas poss ib i l idades, inc lus ive , deve -se obse rva r

se há p resunção de responsab i l i dade do fo rnecedo r que , na

h ipó tese de inexecução do con t ra to ou dano causado po r f a t o de

130 Art. 1.285. Cessa, nos casos do artigo antecedente, a responsabilidade dos hospedeiros ou estalajadeiros: I. Se provarem que os fatos prejudiciais aos hospedes, viajantes ou fregueses, não podiam ter sido evitados. II. Se ocorrer força maior, como nas hipóteses de escalada, invasão da casa, roubo à mão armada, ou violências semelhantes. Art. 1.527. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar: I. Que o guardava e vigiava com o cuidado preciso. II. Que o animal foi provocado por outro. III. Que houve imprudência do ofendido. IV. que o fato resultou de caso fortuito, ou força maior. 131 Art. 650. Cessa, nos casos do artigo antecedente, a responsabilidade dos hospedeiros, se provarem que os fatos prejudiciais aos viajantes ou hóspedes não podiam ter sido evitados. 132 Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.

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te rce i ro , responde in tegra lmente pe ran te o consum ido r , mas tem

ação con t ra o te rce i ro 133.

133 Vejamos algumas decisões onde foi utilizada a teoria para isentar o fornecedor de responsabilidade. ACÓRDÃO 0002965-56.2005.8.19.0038 – APELAÇÃO. Ementa ELISABETE FILIZZOLA ASSUNCAO - SEGUNDA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. CAMINHÃO QUE ESMAGA A MÃO DE CICLISTA CAÍDO NA PISTA. DESEQUILÍBRIO E QUEDA DA VÍTIMA ABSOLUTAMENTE ALHEIOS A QUALQUER CONDUTA DO MOTORISTA. FATO EXCLUSIVO DA VÍTIMA. NEXO DE CAUSALIDADE: INEXISTÊNCIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. REFORMA. Tendo a própria vítima reconhecido que, sozinha, se desequilibrou e caiu de sua bicicleta conduzida no irregular acostamento da via, vindo a ter sua mão esmagada por uma das rodas do caminhão que transitava em baixa velocidade em meio a engarrafamento, é de ser julgado improcedente o pedido inicial, porquanto manifestamente rompido o nexo de causalidade entre qualquer conduta do motorista e os danos causados ao ciclista-vítima, em função do fato exclusivo deste. PROVIDO O RECURSO DA RÉ; PREJUDICADO O DO AUTOR. Data de julgamento: 10/06/2015, TJ-RJ. REsp 262682 / MG. Relator(a) Ministro BARROS MONTEIRO - Data do Julgamento 03/08/2004 RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE COLETIVO. DISPARO DE ARMA DE FOGO NO INTERIOR DO ÔNIBUS. FORÇA MAIOR. Constitui causa excludente de responsabilidade da empresa transportadora fato causado por terceiro inteiramente estranho ao transporte em si. Vítima atingida por disparo de arma de fogo efetuado por um dos passageiros do coletivo em meio a uma confusão ou baderna. Precedente da Segunda Seção do STJ. Recurso especial conhecido e provido. REsp 1321739 / SP - Relator(a) Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO (1144) Data do Julgamento 05/09/2013 RECURSO ESPECIAL. CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. ROUBO DE VEÍCULO. MANOBRISTA DE RESTAURANTE (VALET). RUPTURA DO NEXO CAUSAL. FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO. AÇÃO REGRESSIVA DA SEGURADORA. EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDORA POR SUB-ROGAÇÃO (SEGURADORA). 1. Ação de regresso movida por seguradora contra restaurante para se ressarcir dos valores pagos a segurado, que teve seu veículo roubado quando estava na guarda de manobrista vinculado ao restaurante (valet). (...) 4. A responsabilidade civil pelo fato do serviço, embora exercida por uma seguradora, mantem-se objetiva, forte no artigo 14 do CDC. 5. O fato de terceiro, como excludente da responsabilidade pelo fato do serviço (art. 14, § 3º, II, do CDC), deve surgir como causa exclusiva do evento danoso para ensejar o rompimento do nexo causal. 6. No serviço de manobristas de rua (valets), as hipóteses de roubo constituem, em princípio, fato exclusivo de terceiro, não havendo prova da concorrência do fornecedor, mediante defeito na prestação do serviço, para o evento danoso. 7. Reconhecimento pelo acórdão recorrido do rompimento do nexo causal pelo roubo praticado por terceiro, excluindo a responsabilidade civil do restaurante fornecedor do serviço do manobrista (art. 14, § 3º, II, do CDC). 8. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. AgRg no REsp 1049090 / SP- Relator(a) Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (1147) - Data do Julgamento 07/08/2014 AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PREPARO. INSUFICIÊNCIA. VALOR ÍNFIMO. POSSIBILIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO. ART. 511, § 2º , DO CPC. DESERÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE DE PESSOAS. MORTE DE PASSAGEIRO. "BALA PERDIDA". FATO DE TERCEIRO. FORTUITO EXTERNO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, diferentemente do que ocorre na total ausência de preparo, a mera insuficiência não conduz necessariamente à deserção do recurso especial. Precedentes. 2. Afasta a responsabilidade objetiva da ré o fato de terceiro, equiparado a caso fortuito, que não guarda conexão com a exploração do transporte. 3. Não está dentro da margem de previsibilidade e de risco da atividade de transporte ferroviário o óbito de passageiro vitimado por disparos de

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Ass im sendo , é o caso de ser ve r i f i cada a p reponde rânc ia da

ação de te rce i ro pa ra causação do dano f ren te à ação do devedo r

( f o rnecedo r ) . A lém d isso , é p rec iso ex c lu i r as s i tuações em que o

fo rnecedo r tenha pa r t i c ipado apenas com a co locação do p rodu to

no mercado . Es ta ação , po r s i só , não desca rac te r i za a

poss ib i l idade de que um te rce i ro se ja p reponde ran te ou mesmo

cond ição exc lus iva para causação do dano, po is nã o é a co locação

do p rodu to ou serv i ço no mercado de consumo que exc lu i rá es ta

carac te r i zação . Out ra c i rcuns tânc ia a se r cons iderada é aque la na

qua l o fo rnecedo r conco r reu com o te rce i ro para pa ra causação do

dano , c i rcuns tânc ia que não exc lu i a responsab i l i dade pe ran te o

consum ido r . No en tan to , caberá ao fo rnecedo r o d i re i to de regresso

em face do te rce i ro pe la ex tensão do p re ju ízo que es te v ie r a da r

causa .

Po r f im , va le ressa l ta r a impor tânc ia de se ve r i f i ca r a re lação

de pessoas sob re as qua is o agen t e ( fo rnecedo r) é lega lmente

responsáve l , como é o caso , po r exemplo , da responsab i l idade do

fo rnecedo r do p rodu to ou se rv iço pe los a tos de seus p repostos ou

rep resen tan tes au tônomos (A r t i go 34 do CDC). I sso po rque , se

fo rem aque les sobre os qua is os fo rnec edo res têm responsab i l idade

ou ges tão de suas a t i v idades que causa rem dano, não pode rão se r

cons ide rados os te rce i ros pa ra f ins de exc lusão do nexo de

causa l idade .

G ise le Sampa io Cruz (2005, p . 182 ) cog i ta a poss ib i l idade do

Estado se r co locado na cond i ção de te rce i ro como, po r exemp lo ,

em um ac iden te em v ia púb l i ca causado pe la má conse rvação de

uma es t rada de rodagem. Apesa r da d ive rgênc ia em re lação a es ta

poss ib i l idade , ex is tem ou t ras c i rcuns tânc ias em que a a tuação do

arma de fogo praticados por terceiro (bala perdida). Referida situação constitui exemplo clássico de fortuito externo capaz de romper o nexo causal entre o dano e a conduta da transportadora ré.

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Estado é dec is i va pa ra uma de te rminada conduta que pode causa r

danos. Ou t ro exemp lo são s i t uações em que o Es tado , ao pa r t i c ipar

como regu lado r , ana l isa e au to r i za a comerc ia l i zação de p rodu to ou

serv i ço que , pos te r io rmen te , é cons ide rado per igoso . Nes tes casos ,

pode rão os fo rnecedo res a lega r cu lpa exc lus iva do Estado po r

pe rm i t i r a l ibe ração do p rodu to pa ra comerc ia l i zação?

Confo rme ve remos ad ian te , apesa r de não se r es te meu

pos ic ionamento f ren te a leg is lação b ras i le i ra a tua l , em a lguns

pa íses a “p rodução con fo rme as no rmas regu lado ra s ” é

c i rcuns tânc ia u t i l i zada como mot i vo pa ra exc lusão de

responsab i l idade de fo rnecedo res . A Le i po r tuguesa , po r exemp lo ,

Dec re to -Le i 383 /89 que t ranspõe pa ra a o rdem ju r íd i ca in te rna a

D i rec t i va n o 85 /374 /CEE, em maté r ia de responsab i l idade

deco r ren te de p rodu tos de fe i t uosos , p revê exp ressamente que o

p rodu to r não se rá responsáve l se p rovar que que o de fe i to é dev ido

à con fo rmidade do p rodu to com normas impera t i vas es tabe lec idas

pe las au to r idades púb l i cas .

2.4 – Caso for tu i to e força maior

Como o Cód igo de Defesa do Consumido r não menc ionou o

caso fo r tu i to ou a fo rça ma io r como causas de quebra do nexo de

causa l idade , a questão tem s ido bas tan te deba t ida pe la dou t r ina e

ju r i sp rudênc ia nac iona is , não havendo consenso se os

fo rnecedo res podem ex im i r -se de responsab i l idade sob o

a rgumen to de que o dano decor reu de um caso fo r tu i to ou de fo rça

ma io r .

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Para o p ro fesso r Ze lmo Denar i 134, um dos au to res do

an tep ro je to de le i que o r ig inou o Cód igo de Defesa do Consumido r ,

caso fo r tu i to e força ma io r pode se rv i r c omo e lemento de rup tu ra

do nexo de causa l idade caso o p rodu to já tenha s ido in t roduz ido no

mercado de consumo. Em suas pa lavras :

“ [ . . . ] quando o caso f o r t u i t o ou f o rç a ma io r se m an i f es ta

após a i n t rodução do p r odu t o no mer cado de cons umo,

oco r r e uma r up t u ra do nexo de c ausa l i dade que l i ga o

de f e i t o ao even to danoso . Nem tem cab im en t o qua lquer

a l us ão ao de f e i t o do p r odu to , um a vez que aque les

acon tec im en t os , na ma io r pa r te das vezes

impr ev is íve i s , c r ia r obs tác u los de t a l mon ta que a boa

von t ade do f o rneced or não pode sup r i r . Na ve r dade ,

d i an t e do impac t o do ac on tec imen t o , a v í t ima sequer

pode a legar que o p rodu to se r es sen t ia de de f e i t o , va le

d i ze r , f i c a a f as tada a res pons ab i l i dade do f o rnec edor

pe la inoco r rênc ia dos res pec t i vos p r ess upos tos ” . 135

Em sent ido con t rá r io , Lu iz An tôn io R izza t to Nunes a f i rma não

ser poss íve l cons ide ra r caso fo r tu i to e fo rça ma io r como causas de

queb ram o nexo de causa l idade pa ra responsab i l idade c i v i l no CDC.

Segudo es te au to r : “A u t i l i zação do advé rb io ‘só ’ não de ixa margem

134 GRINOVER, Ada Pellegrini [et. al]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol. I, Direito Material (arts. 1º a 80º e 105º a 108º). Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 206, Capitulo IV, Caso Fortuito e Força Maior. Para Zelmo Denari, antes do produto ser colocado no mercado de consumo, a alegação de caso fortuito e força maior não é possível. Em suas palavras e citando James Marins, o autor revela que o caso fortuito e força maior “instalando-se na fase de concepção ou durante o processo produtivo, o fornecedor não pode invoca-a para se subtrair à responsabilidade por danos. Como observa James Marins ‘ Isto porque até o momento em que o produto ingressa formalmente no mercado de consumo tem o fornecedor o dever de garantir que não sofre qualquer tipo de alteração que possa torna-lo defeituoso, oferecendo riscos à saúde e segurança do consumidor, mesmo que o fato causador do defeito seja a força maior.’” (MARINS, James. Responsabilidade Civil da empresa pelo fato do produto. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1993, p. 119). 135 GRINOVER, Ada Pellegrini [et. al.]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 206.

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de dúv idas . Somente va lem as exc luden tes exp ressamente

p rev is tas no § 3º , e que são taxa t i vas . Nenhuma ou t ra que não

este ja a l i t ra tada , desob r iga o responsáve l pe lo p rodu to de fe i t uoso ”

136.

D iscussão s im i la r ex is te nos pa íses da Un ião Eu rope ia que

t ranspuse ram pa ra suas leg is lações as d i spos ições da D i re t i va

85 /374 /CEE – re la t i va à responsab i l idade po r p rodu tos de fe i tuosos

– , uma vez que também não cons tam dent re as se is poss íve is

causas de exc lusão de responsab i l idade p rev is tas em re fe r ida

d i re t i va os casos de fo r tu i to ou fo rça ma io r 137.

Pa ra João Ca lvão da S i l va (1999, p . 738) , a ausênc ia da

exp ressa exc lusão do caso fo r tu i to e fo rça ma io r com cond ições

pa ra e l im inação de responsab i l idade faz va le r a regra de d i re i t o

comum, que é a opon ib i l i dade à v í t ima da fo r ça ma io r como fa to

ense jado r da sua não responsab i l i dade . Es ta se r ia a conc lusão que

resu l ta da aná l ise da expos ição de mot i vos da p ropos ta , de 1976,

do que ho je é a D i re t i va 85/374 /CEE, e que também en tendeu

desnecessá r ia uma regra que p rev isse que a cu lp a conco r ren te da

v í t ima pode r ia leva r à redução ou à exc lusão da responsab i l idade .

136RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 271. No mesmo sentido está o professor Tupinambá Miguel Castro do Nascimento no livro Responsabilidade Civil no Código de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: AIDE, 1991, p. 53/54 137 O artigo 7º da Diretiva Européia 85/374/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativo à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos está assim formulado “Artigo 7º - O produtor não é responsável nos termos da presente directiva se provar: a) Que não colocou o produto em circulação; b) Que, tendo em conta as circunstâncias, se pode considerar que o defeito que causou o dano não existia no momento em que o produto foi por ele colocado em circulação ou que este defeito surgiu posteriormente; c) Que o produto não foi fabricado para venda ou para qualquer outra forma de distribuição com um objectivo económico por parte do produtor, nem fabricado ou distribuído no âmbito da sua actividade profissional; d) Que o defeito é devido à conformidade do produto com normas imperativas estabelecidas pelas autoridades públicas; e) Que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento da colocação em circulação do produto não lhe permitiu detectar a existência do defeito; f) No casó do produtor de uma parte componente, que o defeito é imputável à concepção da produto no qual foi incorporada a parte componente ou às instruções dadas pelos fabricante do produto.

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No Bras i l , a pos ição que tem se conso l idado pe ran te o

Super io r T r ibuna l de Jus t iça é a de que o caso fo r tu i to e a fo rça

ma io r , apesa r de não se rem regras exp ressamente p re v is tas no ro l

dos A r t i gos 12 o , § 3 o e 14 o , § 3 o , se rvem como causas exc ludentes

do nexo de causa l idade e , po r tan to , da responsab i l idade do

fo rnecedo r inden iza r o consum ido r po r even tua is danos decor ren tes

des tes fa tos . Pa ra as c i rcuns tânc ias de caso fo r tu i to , no en tan to ,

p reva lece o en tend imento de que apenas o fo r tu i to exte rno pode

ser cons ide rado causa de queb ra do nexo de causa l idade , ao passo

que o fo r tu i to in te rno mantém o fornecedo r como responsáve l por

even tua is danos.

No RESP 120 .647 – SP , mu i to u t i l i zado como pa rad igma pa ra

ou t ras dec isões do STJ, o Re la to r M in ins t ro Edua rdo R ibe i ro

pon tuou que o fa to de o A r t i go 14 o , § 3 o do Cód igo de Defesa do

Consumido r não se re fe r i r ao caso fo r tu i to e à fo rça ma io r , ao

a r ro la r as causas de i senção de respons ab i l idade do fo rnecedo r de

serv i ços , não s ign i f i ca que , no s is tema po r e le ins t i tu ído , não

possam se r invocadas. Por es ta razão , se r ia ap l icado o Ar t i go 1 .058

do Cód igo Civ i l v igen te à época , dec la rando a exc ludente de

responsab i l idade em razão de roubo oc o r r ido em um pos to de

lavagem de ve ícu los 138.

S i tuações como es ta não devem ser con fund idas com aque las

em que o caso fo r tu i to ap resen tado é cons iderado fo r tu i to in te rno 139.

138 No mesmo sentido o RESP 200100905522 de relatoria do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito que entendeu pela aplicabilidade do caso fortuito e força maior para isentar de responsabilidade um estacionamento que teve os veículos danificados em razão de uma chuva de granizo. Também o REsp 996833 / SP, da relatoria do Ministro Ari Pagendler; o REsp 1243970 / SE de relatoria do Ministro Massami Uyeda 139 Nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho “O fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor porque faz parte da sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se à noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do produto no mercado de consumo ou durante a prestação do serviço, não

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Aqu i , o pos ic ionamen to do Super io r T r ibuna l de Jus t i ça

acompanhado pe la Dout r ina é q ue a responsab i l idade ex is te e

deco r re do r isco do empreend imento , con fo rme en tend imen to

f i rmado no ju lgamento envo lvendo ins t i tu i ções f inance i ras que

or ig inou a Súmu la 479 , a qua l d i spõe : “As ins t i tu i ções f inance i ras

respondem ob je t ivamente pe los danos ge rados po r fo r tu i to in te rno

re la t i vo a f raudes e de l i t os p ra t i cados po r te rce i ros no âmbi to de

operações bancá r ias ” .

Ma is uma vez , a ausênc ia de regras c la ras sob re a

responsab i l idade ge ra dúv idas sob re a ap l i cação da le i e os r i scos

que devem se r absorv i dos em de te rm inadas a t i v idades , d i f i cu l tando

que fo rnecedo res e a té mesmo consumidores se jam capazes de

a jus ta r suas condu tas para in te rna l i za rem os cus tos e os r iscos

deco r ren tes do caso fo r tu i to e da fo rça ma io r . Ass im, me lho r se r ia

se o Cód igo de Defesa do Consumido r p revesse c la ramen te o

cab imento ou não do caso fo r tu i to e da fo rça ma io r como causas

exc luden tes de responsab i l idade .

2.5 – Não colocou o produto no mercado

Apa ren temente , nada ma is na tu ra l que oco r re r a exc ludente

de responsab i l idade ou queb ra do nexo de causa l idade quando o

fo rnecedo r demons t ra r que não co locou no mercado o p rodu to ou

serv i ço que é fon te causado ra de dano ao consum idor . No en tan to ,

importa saber o motivo que determinou o defeito; o fornecedor é sempre responsável pelas suas consequências, ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável. O mesmo já não ocorre com o fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda nenhuma relação com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço, via de regra ocorrido em momento posterior ao da sua fabricação ouformulação. Em caso tal, nem se pode falar em defeito do produto ou do serviço, o que, a rigor, já estaria abrangido pela primeira excludente examinada – inexistência de defeito (art. 14, § 3º, I). CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 257.

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nem sempre a s i tuação se mos t ra s imp les , sobre tudo cons ide rando

a g loba l i zação da a t i v ida de econômica .

Vamos imaginar a s i tuação , rea l e comum no desenvo lv imento

de negóc ios , de uma de te rminada empresa mu l t i nac iona l com

a tuação no Bras i l que tenha op tado po r res t r ing i r a f abr icação e

comerc ia l i zação de um produ to apenas nos Es tados Un idos ou em

ou t ro pa ís que não o B ras i l . Caso um b ras i le i ro em v iagem ao

ex te r io r t raga o p rodu to ao B ras i l , a f i l ia l b ras i le i ra es ta rá obr igada

a inden izar o consumidor em caso de v íc io ou de fe i t o , ou es ta

responsab i l idade será apenas da f i l i a l ou mat r i z es t range i ra , f a to

que deve rá oco r re r no pa ís onde o p rodu to fo i adqu i r ido e pe los

p roced imentos e fo rma es tabe lec idos pe la leg is lação de onde o

consum ido r comprou o p rodu to?

A dec isão dependerá do modo como fo i rea l i zada a o fe r ta pe la

empresa , se es ta fo i ou não capaz de ge rar uma expecta t i va

leg í t ima de ga ran t ia do p rodu to no pa is de dom ic í l io do consum ido r .

Numa s i tuação s im i la r a es te exemp lo o des fe ixo fo i ou t ro . O caso

fo i re t ra tado em um ju lgamen to no Supe r io r T r ibuna l de Jus t i ça

[RESP Nº 63 .981 - SP (1995/0018349 -8 ) ] 140, em um caso em que o

140 A Ementa do RESP 63981-SP está assim formulada: “EMENTA - DIREITO DO CONSUMIDOR. FILMADORA ADQUIRIDA NO EXTERIOR. DEFEITO DA MERCADORIA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA NACIONAL DA MESMA MARCA (“PANASONIC”). ECONOMIA GLOBALIZADA. PROPAGANDA. PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR. PECULIARIDADES DA ESPÉCIE. SITUAÇÕES A PONDERAR NOS CASOS CONCRETOS. NULIDADE DO ACÓRDÃO ESTADUAL REJEITADA, PORQUE SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO NO MÉRITO, POR MAIORIA. I - Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no forte mercado consumidor que representa o nosso País. II - O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje "bombardeado" diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca. III - Se empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas

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consumido r , duran te v iagem aos Estados Un idos , adqu i r iu uma

câmera de v ídeo e ma is ta rde demandou à subs id iá r ia b ras i le i ra o

ressa rc imento do p rodu to em razão de v íc io . Em sua de fesa , a

subs id iá r ia a legou que não te r ia co lo cado o p rodu to no mercado

b ras i le i ro e que possu ía pe rsona l idade ju r íd i ca d is t in ta da empresa

da qua l o consum ido r adqu i r iu o equ ipamento , mu i to embora

ope rassem com a mesma marca .

Apesa r da dec isão , por ma io r ia de vo tos , te r en tend ido que a

subs id iá r ia b ras i le i ra deve responde r pe los v íc ios ou de fe i tos dos

p rodu tos comerc ia l i zados pe la empresa em qua lque r luga r do

mundo , sob a mesma marca , ve r i f i camos nos vo tos venc idos

impor tan tes ques tões que devem ser d i scu t idas , como é o caso , po r

exemplo , de que es se t ipo de en tend imento pode ser um fac i l i tador

à impor tação i r regu la r de p rodu tos e serv i ços , den t re ou t ras

questões .

Es te exemp lo re t ra ta a d i f i cu ldade que podemos en f ren ta r em

casos conc re tos quando se d iscu te a s imp les questão de de f in i r se

uma empresa co locou ou não o p rodu to no mercado . A f ina l de

con tas , a empresa deve ser en tend ida como um número de CNPJ

ou como uma marca mund ia l? Pe lo v i s to , a pos ição no B ras i l suge re

deficiências dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as conseqüências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos. IV - Impõe-se, no entanto, nos casos concretos, ponderar as situações existentes.V - Rejeita-se a nulidade argüida quando sem lastro na lei ou nos autos. No mesmo sentido está a decisão proferida no Agravo de Instrumetno de Despacho Denegatório de RESP (AG n499.200 ڍ-RJ). Nesse caso, a Sony Comércio e Indústria Ltda., pessoa jurídica brasileira, em razão de vícios em aparelho televisor fabricado pela Sony Corporation, pessoa jurídica domiciliada no estrangeiro, comprado por consumidor brasileiro de importador independente na zona franca de Manaus, aparelho esse que não é fabricado ou comercializado no Brasil pela Sony brasileira, foi condenada a fornecer ao consumidor aparelho em perfeitas condições de uso idêntico ao adquirido com vícios, e ao pagamento de indenização por danos morais. A diferença entre as decisões é que nesta última, ao contrário do Caso Panasonic, foi provado que a Sony Corporation controla acionariamente a Sony Comércio e Indústria Ltda, estabelecida no Brasil, e tal fato foi fundamental para a decisão do tribunal estaduas do Rio de Janeiro Processo nº 0022581-41.1999.8.19.0001 (2001.005.00654).

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que o en tend imento a ser dado é que as empresas devem se r v i s tas

como marca , p r i v i l eg iando a teo r ia da apa rênc ia .

Ac red i to que es te en tend imento deve compor ta r a lgumas

ponderações e l im i tações, po is não é razoáve l que uma empresa ,

a inda que possua marca mund ia lmente conhec ida , se ja responsáve l

em cada uma de suas subs id iá r ias po r p rodu tos ou se rv i ços que

tenham s ido fab r icados e d i spon ib i l i zados apenas pa ra

de te rm inados pa íses ou reg iões , l embrando que a responsab i l idade

aca r re ta r ia a necess idade de ass is tênc ia técn ica , peças de

repos ição , capac idade de a tendentes , vendedores e p re postos para

p res ta r in fo rmações sobre todos os p rodu tos , den t re ou t ras

ob r igações .

Ass im, pa rece razoáve l e adequado que se a empresa com

rep resen tação mu l t inac iona l in fo rmar aos consumido res que o

p rodu to te rá ga ran t ia e ass i tênc ia técn ica apenas no pa í s ou em

de te rm inada reg ião em que fo i co locado pa ra venda, a empresa com

a tuação no B ras i l , mesmo que subs id iá r ia de uma mu l t inac iona l ,

não deverá ser v i s ta como responsáve l , inc id indo a regra

exc luden te de que não co locou o p rodu to no mercado (A r t i go 12 o , §

3 o , I e A r t i go 14 o § 3 o , I ) .

Ex is tem inúmeras s i t uações em que a apos ição de uma marca

pa ra o fe r ta e comerc ia l i zação de p rodu tos ge ra responsab i l idade

pa ra empresa que é sua t i tu la r pe lo fa to de te r pa r t i c ipado da cade ia

de fo rnecedo res de de te rm inad o p rodu to ou serv i ço , mesmo que o

dano não tenha oco r r ido po r v íc io ou de fe i to do p rodu to , cu ja marca

cons tou da o fe r ta ou pub l ic idade .

Pa ra uma compreensão ma is fác i l des ta questão , é poss íve l

obse rva r a lguns casos . O f i rme pos ic ionamento do Supe r io r

T r ibuna l de Jus t iça quanto à leg i t im idade pass iva e

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responsab i l idade so l idá r ia com as bande i ras de ca r tão de c réd i to

(como V isa , Mas te rcard , Amer ican Exp ress ) po r danos deco r ren tes

de condu tas de bancos , c redenc iado ras ou admin is t radoras de

car tão de c réd i t o , po r exemp lo . I sso oco r re po rque , na v i são

p reponderan te do STJ , mesmo que a conduta les i va não se ja

d i re tamen te da “bande i ra ” , o f a to é que ex is te uma co labo ração

en t re todos os fo rncedo res , de fo rma que a ins t i tu ição f inance i ra , a

adm in is t radora do ca r tão e a bande i ra , ao fo rnece rem se rv iços

con jun tamente e de fo rma coo rdenada, to rnam -se todos

fo rnecedo res responsáve is po r co loca r o se rv i ço no mercado de

consumo e , po r isso , devem assum ir a mesma responsab i l idade

pe ran te o consumido r .

É o que demons t ra a M in is t ra Na ncy And r igh i que , no

ju lgamento do RESP 1 .029 .454 -RJ (2009 ) , ass im se pos ic ionou :

I ndependen t emente de man te r re l aç ão

c on t r a tua l c om o au t o r , não adm in i s t ra r

c a r tões e não p roceder ao b l oque io do

c ar tão , as ‘bande i ras ’ , de que s ão ex emp los

V i sa , Mas te r ca r d e Amer i can Exp res s ,

c oncedem o uso de sua marca pa ra a

e f e t i v ação de se rv iç os , em r azão da

c r ed ib i l i dade no me rcado em que a tuam, o

que a t ra i consum ido res e ge ra l uc ro .

Ou t ra s i tuação cur iosa tem s ido a responsab i l i zação de

ins t i tu i ções f i nance i ras por v íc io cons t ru t i vo dos empreend imentos

que tenham a tuado como agen tes f inanc iado res e execu to res de

po l í t i cas púb l i cas . Nestes casos , cons ide ra -se que uma ins t i tu ição

f inance i ra , ao a tuar pa ra v iab i l i za r de te rm inada a t i v idade

econômica , passa a se r um agente coope rado r do se rv i ço sob re o

qua l se rec lama do v íc io e , po r tan to , tem responsab i l idade so l idá r ia

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a reparar v íc ios cons t ru t i vos . Neste caso , apesar de te r s ido um

agen te f inanc iador , não pode a legar que não co locou o p rodu to ou

serv i ço no mercado , po is cooperou para i sso 141.

S i tuações como es ta pa recem ind ica r o sen t ido e o a lcance

que devem se r dados à causa da queb ra do nexo de causa l idade ,

p rev is ta no A r t i go 12 o , § 3 o , I do Cód igo de Defesa do Consumido r

– o f o rnecedo r não será res ponsab i l i zado quando p rovar que não

co locou o p rodu to no mercado. As recen tes dec isões jud ic ia is

pa recem ind icar que a co laboração pa ra o desenvo lv imento de

a t i v idade econômica faz com que os fo rnecedo res se jam

cons ide rados pa r t íc ipes da in t rodução de de te rm iando p rodu to no

mercado de consumo, de fo rma a se r descab ida a ap l i cação da

re fe r ida exc ludente de responsab i l i dade , mesmo quando o dano

causado não docor re r da a t i v idade p reponderan te des te fo rnecedor .

Há a inda s i t uações nas qua is a u t i l i zação da uma marca de

renome em um p rodu to fa l s i f i cado co loca em questão se ex is te ou

não a responsab i l idade po r even tua is p re ju ízos causados aos

consum ido res , por a lgo que seque r a empresa de ten to ra da marca

p roduz iu ou co locou no mercado. Pa ra es tes casos , caber ia a

141 Exemplo deste posicionamento é o RESP Nº 1.443.871 - PB (2014/0064247-0), no qual a Caixa Econômica Federal foi responsabilizada de forma solidária com a construtora em razão de vícios construtuivos por ter atuado não apenas como agente financiador, como também por ser um agente executor da política pública que viabilizou a construção e comercialização do empreendimento. Vejamos trecho da decisão: “Trata-se de recurso especial, interposto pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, com amparo nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, no intuito de reformar o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, assim ementado (fls. 160/166, e-STJ): AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO DO IMÓVEL FINANCIADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE AGENTE FINANCIADOR E CONSTRUTORA. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO DESPROVIDO. 1. Trata-se de imóvel financiado com recursos do Sistema Financeiro da Habitação dentro do Programa Minha Casa Minha Vida do Governo Federal. 2. Apresentação de vícios construtivos não sanados pela construtora. 3. A Caixa Econômica Federal, como agente executor de políticas federais destinadas ao atendimento de moradia para pessoas de baixarenda, é solidariamente responsável por vícios de construção da obra financiada. 4. Precedentes do STJ e desta Corte.

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exc luden te de responsab i l idade pe lo fa to de não te r co locado o

p rodu to no mercado de consumo, inc lus ive cons ide rando que ,

nes tas s i tuações, a p rópr ia empresa t i tu la r da marca também so f re

p re ju ízos .

A questão que f ica é se o consumido r te rá con t ra a emp resa

de ten to ra da marca a lgum d i re i t o a inden ização , cons ide rando que ,

em razão do p res t íg io que e la tem no mercado, seus consum ido res

c r iam uma re lação d i re ta com a qua l idade , o r igem e p rocedênc ia do

p rodu to pe la s imp les re fe rênc ia à marca , o que mu i tas v ezes se

to rna um a tes tado de ga ran t ia e segu rança .

Pa ra o p ro fesso r Ze lmo Denar i (2011 , p . 204) , a ide ia de

co loca r o p rodu to no mercado “s ign i f i ca in t roduz i - lo no c i c lo

p rodu t i vo -d is t r ibu t i vo , de uma fo rma vo lun tá r ia e consc ien te ” . Desta

fo rma, se r ia causa da exc luden te p rev is ta no a r t i go 12 , § 3 o , I a

f a l s i f i cação de p rodu tos com a usurpação do nome, marca ou s igno

d is t in t i vo . No mesmo sen t ido , cons ide rando a inex is tênc ia de

responsab i l idade do t i tu la r da marca em caso de fa ls i f i cação de

p rodu tos , es tá o pos ic ionamen to de Anton io He rman de

Vasconce los Ben jam in :

“ I nex i s te responsab i l i dade quando os

r esponsáve is lega i s não co loc a ram o

p rodu to no mer cado . Ex im indo -s e , do nexo

c ausa l en t re o p r e j u ízo so f r ido pe lo

c onsum idor e a a t i v i dade do f o rnecedor . O

dano , s em dúv ida , f o i causado pe lo p rodu to ,

mas i nex i s te nexo de caus a l i dade en t r e e l e

e qua isquer das a t i v i dades do agen t e . I s so

va le es pec ia lmen te pa ra os p rodu tos

f a l s i f i cados que t razem a marc a do

r esponsáve l l ega l ou , a inda , pa ra os

p rodu tos que , po r a to i l í c i t o ( roubo ou f u r t o ,

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por exemp lo ) , f o rma l anç ados no

mer cado ” . 142

Nes tes casos , havendo no t íc ia de fa ls i f i cação ou ou t ra

conduta de l i tuosa que possa co loca r em r isco a inco lumidade

econômica , f í s ica ou ps íqu ica do consumidor por p rodu to não

co locado no mercado de consumo po r um de te rm inado fo rnecedo r ,

a inda s im res tam os deve res anexos à boa fé ob je t i va , que imp l icam

a necess idade de in fo rmar os consumido res sob re os r iscos aos

qua is es tão expostos e as p recauções que devem se r ado tadas pa ra

m in im izar suas chances de lesão , o fe recendo também ins t rumentos

que v iab i l i zem a lgum n íve l de p ro teção .

Dessa fo rma, a responsab i l idade surg i r ia não em razão do

v íc io ou de fe i to de p rodu to que seque r co locou no mercado de

consumo, mas s im pe lo fa to de não te r a le r tado os consum ido res

sob re o r i sco de adqu i r i rem p rodu tos fa l s i f i cados, descumpr indo o

deve r deco r ren te da boa - fé ob je t i va .

2.6 – O defe i to inex is te

A d i scussão sob re a inex is tênc ia de de fe i to , como causa de

queb ra de nexo de causa l idade para é u m dos núc leos d es ta tese .

É com supedâneo nes ta moda l idade que in ic io a d iscussão se n o

Cód igo de Defesa do Consumido r o r i sco de desenvo lv imento é ou

não fundamento pa ra queb ra do nexo de causa l idade .

142 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos. Comentários ao código de proteção do consumidor, p. 65.

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O A r t i go 12 do CDC impõe ao fab r ican te , p rodu to r e c ons t ru to r ,

nac iona l ou es t range i ro , bem como ao impor tador , a

responsab i l idade pa ra repa ra r os danos causados aos

consum ido res por de fe i tos deco r ren tes de p ro je to , f abr icação ,

cons t rução , mon tagem, fó rmu la , man ipu lação , ap resen tação ou

acond ic ionamen to de seus p rodu tos , a lém de in fo rmações

insu f i c ien tes ou inadequadas sobre sua u t i l i zação e r i scos . Da

mesma fo rma, o A r t i go 14 d iz que é do fo rnecedo r de se rv i ços a

responsab i l idade pa ra repa ra r os danos causados aos

consum ido res po r de fe i tos re la t i vos à p res t ação dos serv i ços , bem

como po r in fo rmações insu f i c ien tes ou inadequadas sob re sua

f ru ição e r iscos .

Tan to o A r t i go 12 quan to o 14 são c la ros ao menc iona r que os

fo rnecedo res só não serão responsab i l i zados se p rova rem, caso

tenham co locado o p rodu to no me rcado, que o de fe i to inex is te ou

que o dano deco r reu da condu ta cu lposa e exc lus iva da v í t ima ou

de te rce i ro es t ranho à re lação .

Pa ra tan to , nos te rmos do Ar t i go 12 , §§ 1 o e 2 o do CDC, deve

ser cons ide rado p rodu to de fe i tuoso aque le que não o fe rece a

segu rança que de le leg i t imamente se espe ra , tendo em v is ta

a lgumas c i r cuns tânc ias re levan tes , den t re as qua is : I – sua

ap resen tação ; I I – o uso e os r i scos que razoave lmente de le se

espe ram; I I I – a época em que fo i co locado em c i rcu lação (Ar t i go

12 , § 1 o ) . A lém d isso , um p rodu to não é cons ide rado de fe i tuoso pe lo

fa to de ou t ro de me lho r qua l idade te r s ido co locado no mercado

(A r t i go 12 , § 2 o ) .

Pa ra o se to r de serv i ço s , a regra é a mesma: o se rv i ço é

de fe i tuoso quando não fo rnece a segu rança que o consumidor d e le

pode espe rar , levando -se em cons ide ração as c i r cuns tânc ias

re levan tes , en t re as qua is : I – o modo de seu fo rnec imen to ; I I – o

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resu l tado e os r i scos que razoave lmente de le se espe ram; I I I – a

época em que fo i f o rnec ido (A r t i go 14 , § 1 o ) . Da mesma fo rma que

oco r re com p rodu tos , o serv i ço não é cons ide rado de fe i tuoso pe la

adoção de novas técn icas (A r t i go 14 , § 2 o ) .

Apa ren temente , as re fe r idas d ispos ições lega is fo ram

insp i radas na D i re t i va 85 /374 /CEE do Conse lho da Un ião Eu rope ia ,

pub l icada em de 25 de ju lho de 1985 , re la t i va à ap rox imação das

d ispos ições leg is la t i vas , regu lamentares e adm in is t ra t i vas dos

Es tados -Membros em maté r ia de responsab i l idade deco r ren te dos

p rodu tos de fe i tuosos . O A r t i go 6 o des ta D i re t i va tem redação

p ra t i camente idên t i ca àque la que fo i u t i l i zada nos Ar t i gos 12 e 14

do Cód igo de Defesa do Consumido r 143. É cu r ioso pe rcebe r que nos

“ cons ide randos ” da D i re t i va eu rope ia são apresen tadas as

j us t i f i ca t i vas pa ra ta l res t r ição de responsab i l i dade . Segundo o

Pa r lamento Eu ropeu , pensando que :

“Os p rodu t os s e de t e r io r am c om o tem po,

que as no rmas de segur ança se t o r nam ma is

r igo rosas e que os conhec imen tos

c i en t í f i c os e t éc n icos p r og r i dem, não s e r ia

143 Directiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos. Artigo 6º - 1. Um produto é defeituoso quando não oferece a seguranca que se pode legitimamente esperar, tendo em conta todas as circunstâncias, tais como: a) A apresentação do produto; b) A utilização do produto que se pode razoavelmente esperar; c) O momento de entrada em circulação do produto. 2. Um produto não será considerado defeituoso pelo simples facto de ser posteriormente colocado em circulação um produto mais aperfeiçoado. Artigo 7º - O produtor não é responsável nos termos da presente directiva se provar: a) Que não colocou o produto em circulação; b) Que, tendo em conta as circunstâncias, se pode considerar que o defeito que causou o dano não existia no momento em que o produto foi por ele colocado em circulação ou que este defeito surgiu posteriormente; c) Que o produto não foi fabricado para venda ou para qualquer outra forma de distribuição com um objectivo económico por parte do produtor, nem fabricado ou distribuído no âmbito da sua actividade profissional; d) Que o defeito é devido à conformidade do produto com normas imperativas estabelecidas pelas autoridades públicas; e) Que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento da colocação em circulação do produto não lhe permitiu detectar a existência do defeito, f) No casó do produtor de uma parte componente, que o defeito é imputável à concepção da produto no qual foi incorporada a parte componente ou às instruções dadas pelos fabricante do produto.

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r azoáve l ex ig i r do p r odu to r um a

r esponsab i l i dade i l im i t ada no t empo pe los

de f e i t os do s eu p rod u to ” . 144

Es tas d i spos ições apa ren temente ind icam que se à época em

que o p rodu to fo r co locado no mercado de consumo não se souber

da sua pe r icu los idade , o p rodu to não se rá cons ide rado de fe i t uoso

e , po r tan to , ta i s fa tos e c i rcuns tânc ias pode rão ser u t i l i za dos com

causa na queb ra do nexo de causa l idade e , po r tan to , exc ludente da

responsab i l idade c i v i l em caso de dano fu tu ro , i sen tando o

fo rnecedo r de qua lque r responsab i l i dade .

Es ta in te rp re tação não es tá i sen ta de c r í t i cas . Sen ise L isboa

(2001 , p . 248 ) , p or exemplo , menc iona que os r iscos do

desenvo lv imento deve r iam se r absorv idos pe lo fo rnecedo r em razão

da sua a t i v idade , “uma vez a que a exone ração da responsab i l idade

do fo rnecedo r t rans fe re indev idamente os r i scos do

desenvo lv imento ao consumidor , quand o a segu rança do

dest ina tá r io f ina l do p rodu to é bem ju r id i camente tu te lado ” .

Va le des tacar t ambém a pos ição de João Ca lvão da S i l va

(1999 , p . 646 -647) , que d i f e renc ia a ca rac te r i zação de de fe i to em

p rodu tos ou se rv iços das s i tuações em que deve se r ana l i sado o

momento em que o p rodu to fo i co locado no mercado de consumo e

aque las s i tuações re lac ionadas ao r i sco do desenvo lv imen to .

Segundo S i l va , em casos de r isco de desenvo lv imento “o p rodu to é

ob jec t i vamen te de fe i tuoso no momento da sua co locação no

mercado, sem que, no en tan to , o es tado da c iênc ia e da técn ica

pe rm i t isse sabê - l o . ”

Pa ra es te tóp ico , é in t ressan te lembra r o caso que f i cou

mund ia lmente conhec ido como S índ rome da Ta l idom ida . A d roga

144 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo, p. 248.

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ta l idom ida fo i c r iada em 1954, na A lemanha, com ob je t i vo de

con t ro la r ans iedade , t ensão e náuseas , t endo s ido comerc ia l i zada

em 1957 em mais de 140 pa íses , inc lus ive o Bras i l . Em 1960 , f o ram

descober tos os e fe i t os p rovocados pe la d roga quando consumida

po r ges tan tes e , em 1961, a d roga fo i re t i rada de c i r cu laçã o em

todos os pa íses , com exceção do B ras i l , cu ja u t i l i zação po r

mu lhe res g ráv idas só fo i suspensa em 1965, qua t ro anos após a

p ro ib ição em ou t ros pa íses do mundo 145.

Suponhamos que es tes fa tos t i vessem oco r r ido na v igênc ia do

Cód igo de Defesa do Consumido r : have r ia , pe lo consum ido r v í t ima,

d i re i to de a lguma repa ração , cons ide rando a comerc ia l i zação da

ta l idom ida se deu en t re 1957 e 1965, sendo que em 1960 já hav iam

s ido descobe r tos os e fe i t os te ra to lóg icos pa ra as c r ianças e , em

1961 , a d roga fo i re t i rada de c i r cu lação em todos os pa íses , com

exceção do B ras i l , cu ja comerc ia l i zação fo i rea l i zada a té 1967?

Nes te caso , supomos que en t re 1957 e 1960 não hav ia

conhec imen to c ien t í f i co que pe rmi t isse c lass i f i ca r a ta l idomida uma

subs tânc ia po tenc ia lmente causad o ra de má - fo rmação. Po r tan to ,

nes te per íodo , ta l p rodu to te r ia s ido comerc ia l i zado sem que fosse

carac te r i zado como um p rodu to de fe i t uoso , e as pessoas que fo ram

v í t imas des te med icamento nes tes t rês anos não te r iam d i re i to a

repa ração ou inden ização por p a r te dos fo rnecedo res , po is o

p rodu to fo i co locado no mercado de consumo den t ro dos pad rões e

conhec imen tos técn icos ex is ten te s à época . Já aque las que

consum i ram o p rodu to depo is de 1961, quando já se t inha ta l

conhec imen to , te r iam de se r compensadas, po i s já have r ia

comprovação de de fe i to .

145 Acesso ao site http://www.talidomida.org.br/oque.asp, da Associação Brasileira de Portadores da Síndrome da Talidomida e da Associação Brasileira das Vìtimas da Talodimida https://abvt.wordpress.com/ e, 15/06/2015

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Va le lembra r que em a lguns pa íses a “p rodução con fo rme as

no rmas regu lado ras” é c i rcuns tânc ia também u t i l i zada como mot ivo

para exc lusão de responsab i l i dade de fo rnecedo res , c i rcuns tânc ia

es ta não p rev is ta na leg is laçã o b ras i le i ra e a inda pouco d iscu t ida

em nossos t r i buna is . A Le i po r tuguesa , po r exemplo , Dec re to -Le i

383 /89 que t ranspõe pa ra a o rdem ju r íd i ca in te rna a D i rec t i va n o

85 /374 /CEE, em maté r ia de responsab i l idade deco r ren te de

p rodu tos de fe i tuosos , p revê exp re ssamente que o p rodu to r não será

responsáve l se p rova r que que o de fe i to é dev ido à con fo rmidade

do p rodu to com no rmas impera t i vas es tabe lec idas pe las

au to r idades púb l icas – A r t i go 5 o , “d ” . O p rodu to r não é responsáve l

se p rova r : d ) que o de fe i to é dev ido à con fo rmidade do p rodu to com

no rmas impera t i vas es tabe lec idas pe las au to r idades púb l i cas .

Pa ra dou t r inado res por tugueses como Ca lvão da S i l va , ta l

exc lusão ser ia pe r fe i tamente jus t i f i cáve l , po is o fornecedo r ag iu

con fo rme as regras que regu lavam o exe rc íc io da a t i v idade em

es t r i to cumpr imento do deve r lega l , f i cando em idên t i ca s i t uação

compet i t i va com todos os dema is fo rnecedo res .

Apa ren temente , ta l in te rp re tação con f l i ta com o senso comum

da responsab i l idade pe lo r i sco , se ja o r isco p rove i to (segund o o

qua l aque le que t i ra um p rove i to de uma a t i v idade deve supo r ta r os

danos que e la venha a causa r , independentemen te de se r ou não

a t i v idade per igosa ) ; o r isco c r iado (que impõe ao desenvo lvedo r de

uma a t i v idade que ge ra r i scos pa ra te rce i ros o deve r de responde r

pe los danos que venha a causa r ) ou r isco in tegra l (que gera

ob r igação de repara r somente com o su rg imento do dano , a inda que

o r iundo de cu lpa exc lus iva da v í t ima, f a to de te rce i ro , caso fo r tu i to

ou fo rça ma io r , p resc ind indo de nexo ) .

No en tan to , é a fa l ta de c la reza ou a pe rcepção de in jus t iça

da regra que c r iam con f l i tos e insa t is fações po r par te dos

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i nd iv íduos submet idos a essas no rmas. Da i a necess idade de regras

c la ras sob re o s is tema de responsab i l idade , com a f ina l idade de

redução de con f l i to , impor tan te a l iado a pac i f i cação soc ia l .

Nos p róx imos cap í tu los ampl io a d iscussão sob re r i sco e a

necess idade de d i f e renc ia rmos es te conce i to em re lação a

s i tuações de incer teza . Ve remos que r isco e incer teza são mu i tas

vezes t ra tados como s inôn imos , sob reca r regando a

responsab i l idade das empresas em re lação a danos que sequer

e ram prev is tos ou p rev is íve is e que , po r tan to , não fo ram

p rev iamen te cons ide rados como r i sco da a t i v idade econômica .

D iscu t i re i a inda , o modo como as leg is lações nac iona l e

es t range i ra abo rdam o tema do r isco de desenvo lv imen to . A aná l ise

de es tudos de casos , subs id iam a tese de que é necessá r io

busca rmos mecan ismos ma is e f ic ien tes pa ra l ida r com o r isco de

desenvo lv imen to e s is temas de responsab i l idade c i v i l .

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3. R ISCO DE DE SENVOLVIMENTO

Tudo o que já f o i , é o c omeç o do que v a i v i r ,

t oda ho r a a gen te es tá num c ômp i t o . Eu

penso é ass im , na pa r idade . O demôn io na

r ua… V ive r é mu i t o pe r igos o ; e não é não .

Nem s e i exp l i c a r es t as c o is as . Um sen t i r é o

do s en t en t e , mas ou t r o é o do s en t ido r .

Gu im arães Ros a , Gr ande Ser t ão : Ver edas

3 .1 – Conce i to de r isco

É fundamenta l a conce i tuação sobre o que é r isco pa ra que

possamos compreender de que fo rma es ta temát ica es t á sendo

t ra tada pe lo s is tema de responsab i l i dade c i v i l ex i s ten te e s e a tende

de fo rma sa t i s fa tó r ia a expec ta t i va leg í t ima dos consumidores ,

a inda ma is quando co locamos es te tema den t ro de uma expecta t i va

de desenvo lv imento , com um o lha r vo l tado d i re tamente pa ra o

fu tu ro .

A f ina l de con tas , qua is são os r iscos ex is ten tes , q ua is os

r i scos fu tu ros e os r i scos de desenvo lv imen to de p rodu tos e

serv i ços? Como o d i re i to l ida com ta i s s i tuações e nos p repara pa ra

en f ren tá - las? Se rá que o caminho ado tado é o ma is e f i c ien te?

Ve jamos.

A tôn ica que acompanhará a d i scussão nes te cap í t u lo será a

de f in i ção e d i f e renc iação do r isco rea l / ob je t i vo (que são aque les

conhec idos po r espec ia l is tas ) e do r isco sub je t i vo /pe rceb ido (que

são aque les pe rceb idos pe los le igos , como os consumido res de uma

fo rma ge ra l ) . Em de te rm inadas s i t uações , o r i sco rea l pode ex is t i r

em in tens idades d i f e ren tes ou a té não ex is t i r , mas as pessoas se

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compor tam em razão do que imaginam ou do que pe rcebem se r r isco

( r i sco perceb ido ) , e não em razão do r isco e fe t i vo . Segundo Adams

(2009 , p . 40 ) , i sso gera consequênc ias rea is .

Pau l S lov ic (2000 ) , ps i có logo e um dos ma io res es tud iosos

sob re aa temát ica compor tamen ta l e percepção de r isco pe los

ind iv íduos , esc la rece que os resu l tados de seus ma is de 25 anos

de pesqu isas mos t ram que o conce i to de r isco tem s ign i f i cados

d i f e ren tes pa ra pessoas d i f e ren tes . E le a f i rma que , pa ra

espec ia l is tas , o conce i to de r isco es tá a t re lado a ind icado res de

ac iden tes , e é em razão dos aspectos ou conc lusões ap resen tadas

pe las es ta t ís t icas que es tá o r i sco – o qua l , podendo se r med ido ,

deve se r remed iado na med ida do poss íve l , inc lus ive po r me io de

segu ro .

Já pa ra os le igos (não técn icos ) , o ju lgamen to de r i sco vem

acompanhado da pe rcepção que se tem sob re fa tos e

acon tec imentos da v ida co t id iana , e é p r inc ipa lmen te in f luenc iado

po r acon tec imentos de ca t rás t ro fes , ameaças pa ra gerações fu tu ras

e necess idade de con t ro le de s i tuações da v ida . Pa ra a teor ia do

r i sco perceb ido , é com bases nesses fa to res que o le igo mede o

po tenc ia l de r isco das co isas e toma suas p recauções,

i ndependentemente das es ta t ís t icas e dos ind icado res envo lv idos ,

como bem obse rva S lov ic (2000, p . 23) 146.

A compreensão sob re o conce i to de r i sco é essenc ia l pa ra que

possamos re f le t i r sob re qua l se r ia o sen t ido de “ r i sco” ado tado

pe las teo r ias de r i sco de desenvo lv imento , as qua is serão

146 “Our results also showed that the concept ‘risk’, meant diferente things to diferente people. When experts judged risk, their responses correlated highly with techinical estimates of anual fatalities. Laypeopel could assess anual fatalities if they were asked to ( and they produced estimates somewhat like the technical estimate). However, their judgments of ‘risk’ were sesitive to other factos as well (eg, catastrophic potential, controllability, threat to future generations) and, as a result, differed considerbly from their own (and experts´) estimates of anual fatalities”.

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abordadas com ma is p ro fund idade no tóp ico segu in te . A pergun ta

que f ica é : o r i sco de desenvo lv imento , da fo rma que é t ra tado pe las

teor ias ju r íd i cas , re fe re -se ao r i sco pe rceb ido (baseado na

pe rcepção das pessoas comuns ) , ou ao r i sco rea l (baseado em

dados es ta t ís t i cos )? Se rá que a poss ib i l idade de mudança de

pe rcepção do r isco em razão da evo lução do tempo ou a

p robab i l idade de que um de te rm inado even to danoso se ja ma io r ou

se to rne conhec ido em razão de novas técn icas ou equ ipamen tos

impac ta a aná l ise da teo r ia de r isco de desenvo lv imento? Caso

impac te , de que fo rma isso acon tece?

A necess idade de d is t ingu i r conce i tua lmente o r i sco é um

consenso en t re todos os au to res que de a lguma fo rma t ra tam do

tema 147. O Conse lho de Pesqu isa Nac iona l dos E s tados Un idos

(Nat iona l Research Counc i l ) , órgão ope rac iona l da Academia

Nac iona l de C iênc ias (Na t iona l Academy o f Sc iences ) e da

Academia Nac iona l de Engenhar ia (Nat iona l Academy o f

Eng ineer ing) d i vu lgou em 1983, na mesma época da pub l icação do

p r ime i ro e s tudo da Roya l Soc ie t y 148, um tex to denominado Risk

147 ADAMS, John. Risco. Tradução de Lenita Rimoli Esteves. São Paulo: Editora Senac, 2009; SLOVIC, Paul. The perception of risk. London. Earthscan Publications Ltd., 2000. HOWARD, Ronald A; MATHESON, James E.; MILLER, Katherine L. Readings in Decision Analysis. California, 2ª Printing, 1977. Vale ressaltar a observação feita por John Adams (2009, p. 42), acerca do relatório produzido pela Royal Society em 1992, que no seu capítulo 5, teria dito que a distinção entre risco objetivo e risco percebido deve ser contestda “ A visão de que é possível manter uma separação entre risco ´objetivo´ e risco ´subjetivo´ou percebido tem sido cada vez mais atacada, a ponto de não ser mais um posicionamento sustentado pela maioria.” 148 Em 1983 a Royal Society britânica publicou um relatório intitulado Risk Assessment: a Study Group Report´´, no qual os especialistas além de fazerem a distinção entre risco percebido e risco objetivo consideraram RISCO como sendo “a probabilidade de que um determinado evento adverso ocorra durante um período de tempo definido ou resulte de um determinado desafio. Como uma probabilidade no sentido da teoria estatística, o risco obedece a todas as leis formais das probabilidades combinatórias. O Grupo de estudo também definiu detrimento como: uma medida numérica do dano ou perda que se espera associada a um evento adverso [...] é geralmente o produto integrado do risco e do dano e é geralmente expresso em termos tais como custos em libras, perda de anos esperados de vida ou perda de produtividade, e é necessário para exercícios numéricos como análises de custo-benefício ou análises de risco-benefício” (ADAMS, John. Risco. Tradução de Lenita Rimoli Esteves. São Paulo: Editora Senac, 2009, p. 40). Para o autor, todas as pessoas são ‘ especialistas’ em risco, já que todos somos treinados pela experiência a gerenciar algum tipo de risco. “o desenvolvimento de nossa capacidade de lida com a incerteza começa na infância,

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Assessmen t in the Fede ra l Government : Manag ing the Process

(1983 ) , po r me io do qua l buscou -se desenvo lve r um mecan ismo

ins t i tuc iona l pa ra p romover a pa rcer ia cons t ru t i va en t re a c iênc ia e

os mecan ismos do g ove rno pa ra ga ran t i r uma regu lação e f ic ien te 149.

O re fe r ido documen to esc la rece a necess idade de d is t ingu i r

en t re a ca rac te r i zação do r isco e o seu ge renc iamen to , tan to que o

cap í tu lo que t ra ta dos ob je t i vos e escopo do es tudo t raz

obse rvações no sen t ido d e que faz pa r te de seu ob je to de es tudo

ana l isa r o mér i to das funções de ava l iação de r i sco , do seu

ge renc iamento e regu lação .

Ao que in te ressa pa ra es te t raba lho , a aná l ise do r isco como

um e lemen to p robab i l ís t i co é fundamenta l pa ra de f in i rmos qua l é o

seu sen t ido pa ra a teor ia do r i sco do desenvo lv imento . O

en tend imento ma is acer tado parece se r aque le que cons ide ra o

r i sco um e lemento cu l tu ra l , como co loca Adams (2009, p . 30 ) , mas

também um e lemento que em razão das p robab i l i dades es ta t ís t icas

de oco r re r , pe rmi te que o fo rnecedor possa mensu rá - lo e ge renc iá -

lo , podendo faze r f ren te aos seus e fe i tos nega t i vos e a rca r com

já que os processos de ensaio e erro, pelos quais aprendemos inicialmente a engatinhar e depois a andar e falar, envolvem tomadas de decisão frente à incerteza. Em nosso desenvolvimento até a maturidade, refinamos cada vez mais nossas habilidades para assumido riscos: aprendemos a manipular objetos pontiagudos e quentes, a andar de bicicleta e atravessar a rua, a comunicar nossas necessidades e desejos, a inferir o estado de espírito dos outros, a evitar confusão. (...). O comportamento de crianças pequenas, orientado pela curiosidade e por uma necessidade de estímulo e, no entanto, reprimido pelo senso de perigo, sugere que esses especialistas mirins em risco estão realizando um ato de equilíbrio. (...) ao aprender essas habilidades, as crianças não estão buscando uma vida sem risco, mas pensando as recompensas esperadas de suas ações contra os custos percebidos do fracasso. A apreensão, a determinação e a intensa concentração observados em um bebê que aprende a andar, os gemidos de frustração ou dor se ele não consegue realizar, o prazer radiante quando tem sucesso – tudo isso evidencia que estamos presenciando um exercício crucial de gerenciamento de risco (p.33-34). 149 It is a report f a search for the institutional mechanism that best foster a constructive partnership between Science and government mechanisms to ensure that governmet regulation rests on the bes available scientific knowledge and to preserv the integrity of scientific data and judments in the unavoidable collision of the contending interests that accompany most important regulatory decisions (in Risk Assssment in the Fedearl Governament: Managing the Process obtido no site http://www.nap.edu/openbook.php?record_id=366&page=1, acessado em 24/06/2014).

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eventua is danos que venham a oco r re r den t ro da es fe ra do r i sco

es tabe lec ida , sem que i sso imp l ique qua lque r d i f i cu ldade pa ra a

con t inu idade e o bom func ionamento das a t i v idades negoc ia i s 150.

Pa ra o U l r ich Beck , o r i sco tem uma ca rac te r i zação espec í f ica :

“ [ . . . ] pode se r de f i n ido com o um modo

s i s temát i co de l i da r com ameaças e

i nsegur anç as induz idas e in t r oduz idas pe la

p róp r i a m ode rn i zação . O s r i sc os , em

opos ição aos pe r igos m a i s an t igos , s ão

c onsequênc ias que se r e lac i onam à f o rça

am eaçador a da moder n i zação e à sua

g l oba l i zação da dúv ida ” . 151

Ou t ro pon to a ser d iscu t ido sob re r i sco , sendo es te também

um e lemento cu l tu ra l que a fe ta de fo rma d i fe ren te cada uma das

pessoas, é se a teo r ia do r isco de desenvo lv imento também deve

ou não se r ana l isada con fo rme a p ropensão de r isco que cada

su je i t o es tá d i spos to a co r re r , já que cada um tem um conce i to

pecu l ia r e ind iv idua l sob re r isco .

Pau l S lov ic (2000, p . 24) menc iona que , con t ra r iamente ao que

p resumimos, as pesqu isas demons t ram que as pessoas es tão

insa t i s fe i t as com a mane i ra com que o mercado e as regu lações têm

ba lanceado r iscos e benef íc ios . Es tudos most ram que as pessoas

es tão d ispos tas a to le ra r ma is r i scos se fo rem ma io res os

benef íc ios , mas es ta ace i tação e o ape t i te pa ra co r re r ma is r iscos

também dependem de ou t ros fa to res , ta i s como medo, f amí l ia ,

po tenc ia l ca tas t ró f i co , n íve l de conhec imento e percepção de r i sco

e benef íc ios . A aná l is e de que os r iscos são pe rceb idos po r

i nd iv íduos d is t in tamente pode r ia a té ex ig i r uma aná l ise do tema

150 A possibilidade de mensuração dá aos fornecedores a chance de planejamento ou securitização de risco, permitindo a efetiva satisfação do lesado e a continuidade do negócio pelo autor do dano, sem maiores impactos para toda sociedade. 151 BECK, Ulrich, Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade, 2010.

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também sob ca rá te r ps ico lóg ico , soc io lóg ico e an t ropo lóg ico . Des ta

fo rma, te r íamos uma de f in ição d i f e ren te de r i sco de

desenvo lv imento pa ra cada su je i to o u consumidor .

S lov ic pe rcebe que , em razão des ta ind iv idua l idade sob re o

r i sco , a lguns debates não são apenas sob re es ta t ís t icas do que

pode ou não acon tece r : mu i tas vezes , e pa ra mu i tos consum ido res ,

p reocupações de r i sco são apenas jus t i f i ca t i vas pa ra p reocupações

soc io lóg icas ou ideo lóg icas de cada su je i to .

Nesses casos , a d iscussão sob re r i sco ob je t i vo ou rea l , com

aná l ises p robab i l í s t i cas e es ta t ís t i cas de um de te rminado fa to

oco r re r , se to rna menos in te ressan te , sendo a conce i tuação

fo rmu lada pe lo s le igos ( r isco pe rceb ido ) , mu i to ma is r i ca do que a

dos espec ia l is tas 152, cons iderando a in f in idade de fa to res e

v i c i ss i t udes dos ind iv íduos que podem a fe ta r as conc lusões. A f ina l ,

qua is são os r i scos ace i táve is? Qu a l o n íve l m ín imo de segu rança

que deve se r p rev is to na leg is lação e como de te rm ina r es te l im i te

de segurança? Como de fendo nes ta tese , a ava l iação a respe i to

des te l im i te dependerá das va r iáve is h is tó r i cas , soc iocu l tu ra is e

econômicas dos agen tes envo lv idos .

152 Whereas psychometric research implies that risk debates are not merely about risk statistics, some sociological and anthropological research implies that some of these debates may not even be about risk (Douglas & Wildavsky, 1982; Short, 1984). Risk concerns may provide a rationale for actions taken on other grounds or they may be a surrogate for other social or ideological concerns. When this is the case, communication about ris kis simply irrelevante to the discussion. Hidden agendas need to be brought to the surfce for discussion (Edwards &vonWinterfeldt, 1987). Perhaps the most importante message from this research is that there is wisdom as well as error in public atitudes and perceptions. Laypeople sometimes lack certain information about hazards. However, their basic conceptualization of ris kis much richer than that of the experts and reflects legitimate concerns that are typically omitted from expert risk assessments. As a result, risk communication and risk management efforts are destined to fail unless they are structured as a two-way process. Each sid, expert and public, has somethig valid to contribute. Each side must respect the insights and intelligence of the other. SLOVIC, Paul. The perception of risk, p. xxiv.

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A aná l i se de que a ind iv idua l idade é um fa to r p reponde ran te

pa ra aná l i se do r isco pe rceb ido , e que a lgumas pessoas es ta r iam

d ispos tas a cor re r ma is r i scos se fo rem maio r os seus benef íc ios ,

não deve se rv i r como base de a rgumen to pa ra que p rodu tos

pe r igosos se jam co locados no mercado pa ra con sum ido res com

ma is ape t i te pa ra r i sco , a inda que com aviso ou a le r ta sobre a

ex is tênc ia de le . Não se r ia poss íve l , po r exemp lo , o fe rece r a p reços

mód icos passagem aé rea de ae ronaves não submet idas à inspeção

ou rev isão de segu rança , apenas in fo rmando ao con sum ido r que a

ae ronave pode rá ca i r a qua lque r momento .

Sunste in (2002, p . 126 -127 ) sugere cau te la na aná l ise de

re lações de cus to benef íc io em temas que envo lvem segu rança . O

p róp r io au to r pe rgun ta se conco rda r íamos com a dec isão de uma

empresa de se recusa r a gas ta r d inhe i ro pa ra aumentar a segu rança

de um amb ien te de t raba lho pe lo s imp les fa to de que a re lação

cus to -benef íc io não va le r ia a pena. E le a inda menc iona que , nas

pesqu isas , um pe rcen tua l s ign i f i ca t i vo de pessoas d iz que não

ace i ta r ia qua lquer quan t ia de d inhe i ro pa ra se su je i ta r a um

pequeno aumento no r isco ou pa ra pe rm i t i r que o amb ien te se ja

p re jud icado .

Po r tan to , são t rês os p r inc ipa is a rgumen tos co locados sobre

r i sco que dever iam se r ob je to de aná l ise pa ra teo r ia ju r íd i ca que

d iscu te r i sco de desenvo lv imen to :

i ) a necess idade de cons ide ra r o r i sco rea l e o r i sco pe rceb ido

pa ra cons t ru i r e ana l i sa r as regras de imputação de

responsab i l idade ;

i i ) a necess idade de de f in i r se a impu tação de

responsab i l idade , ou sua exc lusão , se da rá somente em

s i tuações su je i t as ao r isco , sob re tudo desenvo lv imento , ou

também em s i tuações de ince r teza ;

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i i i ) aná l ise do cus to -benef íc io pa ra ana l isa r se de te rm inadas

ações pa ra reduz i r r i sco deve r iam te r s ido ado tadas ou não .

Nes te caso , a aná l ise do cus to -benef íc io não p re c isa se r

u t i l i zada como regra pa ra dec isão , mas como uma

fe r ramenta ú t i l , a judando a co r r ig i r os d i ve rsos r i scos aos

qua is todos nós es tamos su je i tos (Suste in , 2002 , p . 49 ) .

Pa ra que possamos ana l isa r os a rgumen tos ju r íd i cos sob re a

ex is tênc ia ou não de r esponsab i l i dade em caso de r isco de

desenvo lv imento , é impor tan te t raça rmos as d i f e renças en t re r isco

e ince r teza , ve jamos .

3.2 – Conce i to de incer teza

Nes te con tex to , é impor tan te conce i tua r a incer teza e de que

fo rma e la se ap rox ima e se d is tanc ia da temát i ca do r i sco e sob re

como pode in f l uenc ia r as d i scussões sobre responsab i l i dade c i v i l .

Pode-se a f i rmar que r i sco e incer teza assumi ram na l i te ra tu ra

técn ica conce i tos d i f e ren tes , mu i ta embora , no v iés ju r íd ico , às

vezes se jam t ra tados como conce i tos s im i la res , o que ta l vez tenha

nos levado a inúmeros equ ívocos .

Quem melho r de f in iu o conce i to de ince r teza fo i Frank Kn igh t ,

economis ta amer i cano que passou g rande pa r te de sua v ida

acadêmica na Un ive rs idade de Ch icago . Pa ra es te au to r , se não é

sab ido ao ce r to o que acon tece rá , mas são conhec idas as

p robab i l idades, chega -se ao r isco . Mas se nem mesmo as

p robab i l idades são conhec idas , tem -se a ince r teza :

“ Va i pa r ece r que uma i nc e r teza mensu ráve l ,

ou " r i sc o" adequado , com o vamos usar o

t e rm o, é med ida d i f e ren te de um r i sc o

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imens uráve l que não es tá em v igo r . Vamos

r es t r ing i r adequadam ent e o t e rm o

' i n ce r t eza ' pa ra cas os do t ipo não -

quan t i t a t i vo . É es ta ince r t eza , e não c o r re r

o r i s co [ . . . ] que cons t i t u i a base de uma

teo r ia vá l i da de luc ro ” (Kn igh t , 1933 , p .

20 ) 153.

No mesmo cam inho segue Keynes, que , ao t ra ta r de incer teza ,

a f i rma que e la d i z respe i to ao conhec imen to de even tos fu tu ros que

não podem se r de f in idos em te rmos de uma d is t r ibu ição de

p robab i l idade quant i f i cáve l :

Pe lo c onhec imen to ' i n ce r t o ' , de ix e -me

exp l i c a r , eu não que ro d i ze r s imp lesemente

d i s t ingu i r o que é c e r to do que é apenas

p rováve l . O j ogo de ro le t a não es t á su j e i t o

a i nc e r teza ; nem é a pe rs pec t i va de uma

l i g aç ão V ic t o r y s endo desenhada . O u ,

a i nda , a expec ta t i va de v i da é apenas um

pouco i nc e r ta . A té mesmo o c l ima é apenas

moder adamente inc e r to . O s en t ido em que

es tou us ando o t e rmo é aque le em que a

pe rs pec t i va de uma guer ra eu r opé ia é

i n ce r t a , ass im como o p r eç o do c obr e ou da

taxa de j u ros nos p róx im os 20 anos , ou a

obs o les cênc ia de um a nova invenç ão , ou a

pos i ção da r iqueza p r i vada p r op r i e tá r ios no

s i s tema s oc ia l em 1970 . Sobr e es tas

ques tões não há nenhum a bas e c ien t í f i ca

em que pa r a f o rmar qua lquer p robab i l i dade

153 tradução livre para “It will appear that a measurable uncertainty, or 'risk' proper, as we shall use the term, is so far different from an unmeasurable one that it is not in effect an uncertainty at all. We shall accordingly restrict the term 'uncertainty' to cases of the non-quantitative type. It is this 'true' uncertainty, and not risk [...] which forms the basis of a valid theory of profit. IN KNIGHT, Frank. Risck, uncertainty and profit, p. 20.

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c a lc u láve l que se ja . Nós s imp lesmente não

s abemos . ( Keynes , 1973 , p . 113 -114)

Como bem resum iu Rogér io Andrade (2011 ) , “A ve rsão de

Keynes de incer teza pode, po r tan to , subs tanc ia r uma teor ia

baseada em uma ‘h ipó tese de um fu tu ro não -ca lcu láve l ’ " , no sen t ido

que , sob de te rm inadas c i r cuns tânc ias , não é fac t íve l reun i r

i n fo rmação su f i c ien te para jus t i f i ca r o uso de p robab i l i dades

quan t i f i cáve is . Uma s i tuação de incer teza exp ressa aque les casos

em que não se d ispõe da re lação de p robab i l idade pa ra os

p rocessos de tomada de dec isão . A ince r teza é iden t i f i cada po r

And rade não com o conhec imento p robab i l í s t i co , mas com "a

ausênc ia de conhec imen to p robab i l í s t i co . ”

Como v imos, a ince r teza desc r i ta po r F rank Kn igh t e po r

Keynes é um e lemento ineren te e inse r ido em nossas v idas , ass im

como o r isco também é , cada um com suas ca rac te r ís t icas não

mensuráve is e mensu ráve is .

O r i sco , cu jos conce i tos já começaram a se r de l ineados,

i nc lus ive em con t rapondo ao conce i to de ince r teza , pode ser

def in ido pe las pa lavras de Adams (2009 ) como sendo “o p rodu to da

probab i l idade e da u t i l idade de a lgum evento fu tu ro . ” A inda sobre

este assun to , o au to r a f i rma:

“O f u tu ro é inc e r to e inesc apáve lmen te

s ub j e t i vo : e l e não ex i s te a não se r nas

men tes das pes soas que t en t am p r evê - lo .

Nossas p r ev is ões , que o r ien tam também o

nos so c ompo r tament o , são f o rmadas po r

um a p ro j eç ão da exper iênc ia pas sada no

f u tu ro . Se p r evemos o dano , t omam os

med idas p r even t i vas . Por t an t o , os índ ic es

de ac iden t es não podem ser v i r , nem mesmo

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r e t ros pec t i vam ent e , como med idas do r i s co ,

po r se e les são ba i xos , não

nec ess ar iam ent e ind ic a qu e o r i sco f o i

ba i xo , ou s e ja , pode apenas s ign i f i ca r que

um a l t o r i s co f o i pe rc eb ido e ev i t ado ” . 154

É nes te con tex to que o r isco , tan to rea l quan to perceb ido , se

to rna insumo pa ra uma das ma io res indús t r ias do mundo , a de

segu ros , que busca de fo rma incess ante a redução do r i sco , tendo

na sensação de segu rança , a busca cons tan te de todos os

ind iv íduos , o seu g rande negóc io .

É impor tan te que a d i f e renc iação en t re r isco e ince r teza leve

à re f lexão sob re a teo r ia ju r íd i ca de r i sco de desenvo lv imento . Se

a noção de r isco v i s ta ac ima fo r a mesma pa ra teo r ia ju r íd i ca , o que

é a aposta des te t raba lho , as empresas somente se rão

responsáve is em razão do r i sco , ou r i sco de desenvo lv imen to ,

quando um consumido r es t i ve r d ian te des te r i sco , de te rm inado ou

de te rm ináve l (pass íve l de mensu ração ) e , po r tan to , pass íve l de

p revenção ou adm in is t ração po r me io de segu ros . O re la tó r io da

Roya l Soc ie t y de 1992 , apresen tado po r Adams (2009 ) p ropõe o

caso da segu in te fo rma:

“O n íve l i dea l de s eguranç a s e rá a t ing ido

quando os r i s c os f o rem reduz idos a um

pon t o em que o c us t o ex t r a de qua lquer

r edução do r i sc o é exa t amente igua l a s eus

bene f íc i os , m as não m a is [ . . . ] Pondera r

c us t os e bene f íc ios exp l i c i t am en t e ex ig e

mens urá - l os em un idades c omuns e , a té o

mom ent o , a ún ica un idade sug er i da f o i o

va lo r m one t á r io ” . 155

154 ADAMS, John. Risco, p. 64. 155 ADAMS, John. Risco, p.67.

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Já a incer teza não pode ser um e lemen to de responsab i l i zação

do fo rnecedo r ou , caso se ja es ta a opção dos nossos leg is ladores ,

deve es ta r c la ro na le i que os fo rnecedo res responde rão não só

pe lo que sabem ou deve r iam sabe r , mas também po r aqu i lo que não

sabem.

Ass im, pa ra aque les que con co rdam com a teor ia de F rank

Kn igh t de que o luc ro es tá na ince r teza , es ta é uma l inha de de fesa

con t ra a a legação de ob tenção de van tagem man i fes tamente

excess iva . I sso po rque , se a indú s t r ia t i ve r p rec i f i cado seu p rodu to

cons ide rando a poss ib i l idade de danos fu tu ros , e es tes não

acon teçam, a empresa te rá ganhos de r i vados da p rec i f i cação do

r i sco de fo rma inadequada.

A segu i r , ap ro funda remos a aná l ise sob re os pa râmet ros já

o fe rec idos pe lo Cód igo de Defesa do Consumido r pa ra ve r i f i ca r a

responsab i l idade po r p rodu tos ou se rv i ços de fe i tuosos que causem

danos aos consum ido res . Es tes pa râme t ros d i zem respe i to ao

momento de co locação do p rodu to ou se rv i ço no mercado, bem

como sob re os r iscos que razoave lmente devem se r espe rados.

A lem d isso , a aná l ise sob re a responsab i l idade c i v i l po r r i sco de

desenvo lv imento

3.3 – P roduto ou serviço de fe i tuoso

A d i scussão sob re p rodu tos ou serv i ços de fe i tuosos pe rmi te

ana l isa r o tema sob d iversas perspec t i vas , ta i s como: i ) de fe i tos de

concepção ; i i ) de fe i t os de fabr icação ; i i i ) de fe i tos de in fo rmação;

i v ) de fe i tos do desenvo lv imen to .

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A d i v isão p roposta po r Ca lvão da S i l va 156, que ava l ia que es tas

qua t ro ca tegor ias de de fe i tos podem se r l im i tadas em apenas duas,

é bas tan te in te ressan te : i ) ca tego r ia de de fe i tos de concepção, que

eng loba os de fe i tos de concepção p rop r iamente d i tos , os de fe i tos

de in fo rmação e os r iscos do desenvo lv imento e i i ) a ca tego r ia de

de fe i tos de fabr icação . De fo rma mu i to suc in ta , as ca tego r ias de

de fe i tos já menc ionadas podem ser ass im resumidas :

i ) Concepção : de fe i tos de p ro je to ou des ign , i nc lus ive

podendo te r oco r r ido po r não obse rvânc ia da técn ica e

conhec imen to c ien t í f i co ex is ten te à época ;

i i ) Fab r i cação : de fe i tos que surgem na e labo ração , p rodução

ou fabr icação de um p rodu to ou serv i ço , cu jo p ro je to es tava

pe r fe i t o ;

i i i ) In fo rmação : insu f i c iênc ia , e r ro ou inadequação de

in fo rmações ou ins t ruções pa ra uso ou a le r tas de pe r igo em

re lação ao p rodu to ou serv i ço ;

i v ) Desenvo lv imen to : conce i to que pode ser ap l icado aos

an te r io res , deco r re de de fe i tos não conhec idos à época em

que o p rodu to fo i co locado no mercado de consumo.

Ana l isando o Cód igo de Defesa do Consumido r , obse rva -se

que e le d i s t r ibu i ta is ca tego r ias de de fe i to de p rod u tos e se rv iços

nos A r t i gos 12 , § 1 o , 14 , § 1 o e 18 , § 6 o , que ind icam exp ressamente

que um p rodu to é de fe i tuoso quando não o fe rece a segu rança que

de le leg i t imamente se espe ra , cons iderando os segu in tes

e lementos : a ) apresen tação ou modo de fo rnec imento ; b ) o uso e

os r i scos que razoave lmente de le se espe ram; e c ) a época em que

fo i co locado em c i rcu lação .

Ta is ca tegor ias são comp lementadas pe lo A r t i go 18 o , § 6 o , que

conce i tua p rodu tos impróp r ios aque les que : a ) es te jam com prazo

156 SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil do produtor, p. 663.

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de va l idade venc ido ; b ) es te jam de te r io rados , se jam noc ivos à v ida

ou segu rança ou es te jam em desacordo com no rmas regu lamentares

de fab r i cação , d i s t r ibu ição ou ap resen tação ; ou , a inda , c ) se

mos t rem inadequados à f ina l idade a que se des t ina .

Pos ição s im i la r é encont rada na D i re t i va 85 /374 e em ou t ros

pa íses que in te rna l i za ram es ta regra , como é o caso do Decre to -

Le i Por tuguês n o 383 /89 157, que em seu A r t i go 4 o ass im d isc ip l ina :

Um pr odu to é de f e i t uoso quando não

o f e rece a s egurança c om que l eg i t imamente

s e pode c on t a r , t endo em a t enção todas as

c i r cuns tânc ias , des ignadamente a sua

ap resen tação , a u t i l i zaç ão que de le

r azoave lmen t e poss a se r f e i t a e o momento

da sua en t r ada em c i r cu laç ão . ( D i r e t i va

85 /378)

Po r tan to , o Cód igo de Defesa do Consumidor não ex ige que o

p rodu to o fe reça segu rança abso lu ta , mas apenas a segu rança que

se possa leg i t imamente espe rar , levando em cons ideração a

ap resen tação do p rodu to ou modo de fo rnec imen to de se rv i ços , uso

e r i scos que razoave lmente são espe rados, a lém da época em que

o p rodu to ou se rv i ço fo ram co locados em c i rcu lação , somando a

ca tego r ia de p rodu tos impróp r ios .

157 Diretiva 85/378 – artigo 6º “Artigo 6º - 1. Um produto é defeituoso quando não oferece a seguranca que se pode legitimamente esperar, tendo em conta todas as circunstâncias, tais como: a) A apresentação do produto; b) A utilização do produto que se pode razoavelmente esperar; c) O momento de entrada em circulação do produto. 2. Um produto não será considerado defeituoso pelo simples facto de ser posteriormente colocado em circulação um produto mais aperfeiçoado. Decreto-Lei Português nº 383/89 (Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 85/374/CEE, em matéria de responsabilidade decorrente de produtos defeituosos), artigo 4º, “Artigo 4.º - Defeito: 1 - Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação. 2 - Não se considera defeituoso um produto pelo simples facto de posteriormente ser posto em circulação outro mais aperfeiçoado.

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Nes te quad ro regu la tó r io , é impor tan te te rmos a de f in ição do

conce i to e ab rangênc ia do que se pode en tende r po r “Segurança

Leg i t imamente Espe rada ” . Acred i to que as pe rgun tas a se re m

respond idas são : quão segu ro deve se r um p rodu to pa ra que não

se ja cons ide rado de fe i tuoso? Af ina l , qua is são os c r i té r ios para se

de f in i r uma expecta t i va leg í t ima de segu raça e r i scos razoáve is? O

comando da le i é ob je t i vo ou sub je t i vo? Cada consum ido r p ode te r

a sua leg í t ima expecta t i va sob re segu rança?

Um bom ponto de pa r t ida é a aná l ise da Di re t i va 85 /374 /CEE

re la t i va à ap rox imação das d ispos ições leg is la t i vas ,

regu lamenta res e adm in is t ra t i vas dos Es tados -Membros em maté r ia

de responsab i l i dade decor r en te dos p rodu tos de fe i tuosos , cu jo i tem

1 do A r t i go 6 o i nsp i rou a redação do caput do A r t i go 12 o do CDC:

“D i re t i va , A r t i go 6º , 1 . Um p rodu to é de fe i tuoso quando não o fe rece

a segu ranca que se pode leg i t imamente esperar , tendo em con ta

todas as c i r cuns tânc i as , ta is como: ( . . . ) ” .

Nos cons ide randos da D i re t i va es tá exp resso que o d ispos to

no Ar t i go 6 o , 1 , f o i mot i vado com v is ta a p ro tege r a in tegr idade dos

consum ido res com base num conce i to de expecta t i va co le t i va de

segu rança , e não ind iv idua l :

Di re t i va , 8 5 /374 /CEE – Cons ide randos ( . . . )

Cons ide rando que , com v i s ta a p ro teger a

i n t eg r i dade f ís i c a do consum idor e os s eus bens ,

a qua l i dade de f e i t uos a de um p r odu to não deve

s e r de te rm inada com base numa i nap t idão do

p rodu to pa r a u t i l i zaç ão , m as c om base numa f a l t a

da segur ança que o púb l i co em gera l pode

l eg i t imamente espe ra r ; que es ta seguranç a se

ava l ía exc lu i ndo qua lquer u t i l i zação abus i va do

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p rodu to que não se ja r azoáve l nas c i r c uns tânc ias

em causa .

Ta l in te rp re tação nos d i rec iona a en tende r que a regra do

A r t i go 12 o do CDC, ao fa la r que o p rodu to é de fe i tuoso quando não

o fe rece a segu rança que de le leg i t imamente se espe ra , não se

re fe re às expec ta t i vas ind iv idua is do poss íve l lesado, o que nos

leva r iam a cons ide ra r incon táve is números e fo rmas de

expec ta t i vas . Ta l redação nos d i rec iona a busca r um parâmet ro

co le t i vo e ob je t i vo de expec ta t i va , e não um parâmet ro ind iv idua l e

pu lver i zado .

Da r io Moura V icen te 158(2013 ) , ca ted rá t i co da Facu ldade de

L isboa , ao d isco r re r sob re es te tema e in te rp re tando o A r t i go 6 o da

D i re t i va e o A r t i go 4 o do Decre to -Le i n o 383 /89 (que t ranspor tou a

D i re t i va pa ra o o rdenamento ju r íd ico de Po r tuga l ) , se pos ic iona no

sent ido de que a noção de “ leg í t ima expecta t i va ” se repo r ta às

expec ta t i vas do púb l ico no se to r de consumo do p rodu to q ue es t i ve r

em questão . O re fe r ido p ro fessor 159 chega a menc ionar o exemp lo

do c iga r ro pa ra exempl i f i ca r sua tese :

“ A dou t r i na e a j u r i sp r udênc ia dom inan t es

en tendem, pe ran te es te p rece i t o , que os p rodu tos

do t abaco , apes ar dos pe r igos que o seu c onsum o

e n vo l ve , não podem ser t i dos com o de f e i t uosos ,

158 “Para o efeito, haverá que atender às expectativas do público no setor do consumo em questão, as quais devem ser determinadas pelo tribunal tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto, tais como a apresentação do produto, a utilização que dele possa ser razoavelmente feita, o momento da sua entrada em circulação, etc”. VICENTE, Dario Moura. Entre Autonomia e Responsabilidade: Da Imputação de Danos às Tabaqueiras no Direito Comparado. Revista da Ordem dos Advogados, ano 73, n.1, p. 213-265, 2013 Texto acessado em 26/10/2015. Disponível em: http://www.oa.pt/upl/%7B38274fee-c37d-40a7-9b8f-26a810ce9ad2%7D.pdf 159 VICENTE, Dario Moura. Entre Autonomia e Responsabilidade: Da Imputação de Danos às Tabaqueiras no Direito Comparado. Revista da Ordem dos Advogados, ano 73, n.1, p. 213-265, 2013, p. 248. Texto acessado em 26/10/2015. Disponível em: http://www.oa.pt/upl/%7B38274fee-c37d-40a7-9b8f-26a810ce9ad2%7D.pdf

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v i s to que ta i s pe r igos são do conhec imen to ge r a l

e , po r i ss o , i n teg ram as expec ta t i vas de

s eguranç a do púb l i c o . ” 160

No mesmo sen t ido , também se pos ic iona o João Ca lvão da

S i l va 161 em Responsab i l i dade C iv i l do P rodu t o r :

“ A l e i não ex ig e que o p r odu to o f e reça uma

s eguranç a abso lu ta , mas apenas a segu rança com

que s e pos sa l eg i t imam ent e c on t a r . I s to s ign i f i ca ,

po r um lado , que o su je i t o das expec t a t i vas de

s eguranç a não é o c onsum idor ou o l es ado

c onc re t o , e , po r ou t , o que s ó as expec ta t i vas

l eg í t imas s ão de te r em a t enção . Por i s so , o j u i z ,

na va lo r ação do ca rác t e r de f e i t uos o do p r odu to ,

deve a tender , não às expec t a t i vas sub j ec t i vas do

l esado , à s eguranç a c om que e le pess oa lmen te

c on t ava , mas às expec t a t i vas ob jec t i v as do

“ púb l i co em gera l ” , i s t o é , a segur ança esperada

e t i da po r no rma l nas c oncepç ões do t r á f i co do

r espec t i vo sec t o r de c onsumo. V .g . de adu l t os , de

menor es , de de f i c ien tes , e t c ” . 162

Ta l in te rp re tação nos se rve como como ponto de pa r t ida e

d i rec ionamen to pa ra aná l i se do A r t i go 12 o capu t do CDC, segundo

o qua l o p rodu to é de fe i tuoso quando não o fe rece a segu rança que

de le leg i t imamente se espe ra . A segu rança leg i t imamente espe rada

nes te caso , é aque la co le t i va , do g rupo espec í f i co de consum ido res

pa ra o qua l o p rodu to fo i d i rec ionado. A lém d isso , também é

poss íve l cons idera rmos nes ta h ipó tese , a f i gu ra do “homem méd io ” ,

160 VICENTE, Dario Moura. Entre autonomia e responsabilidade: da imputação de danos às tabaqueiras no direito comparado, p. 248. 161 João Calvão da Silva, 1999, p. 635-636. 162 SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil do produtor, p. 635-636.

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que mu i tas vezes serve de ba l i za pa ra se de te rm ina r a extensão da

in te rp re tação e ap l icação de no rmas.

Es ta parece se r a in te rp re tação ma is ind icada tan to ao se

t ra ta r de “p rodu tos” quan to de “se rv i ços ” . Des ta fo rma, o fa to do

Art igo 14 , § 1 o te r uma redação d i fe ren te do A r t i go 12 , § 1 o pa ra

t ra ta r de de fe i to em se rv i ços , segundo a qua l o se rv i ço é de fe i tuoso

quando não fo rnece a segu ranç a que o consumidor de le pode

espe ra r não é razão para se de fende r ou ac red i ta r que es ta r íamos

d ian te de uma ex igênc ia lega l pa ra aná l ise de expecta t i vas

ind iv idua is daque le que fo r lesado po r de f i c iênc ia na p res tação de

serv i ços .

Na m inha percepção, em a mbos os casos a aná l i se sob re a

leg í t ima expecta t i va deve sempre se r f e i ta cons iderando o

consumido r méd io ( “homem méd io ” ) , ou a inda o g rupo espec í f ico de

consumido res aos qua is usua lmente se des t ina r iam os se rv i ços .

Qua lquer en tend imento em sen t ido con t rá r io to rna r ia p ra t i camente

ine f icaz a aná l ise e o cumpr imento da regra , po is pa ra se sabe r a

leg í t ima expecta t i va ind iv idua l de cada consum ido r também

te r íamos que faze r uma inves t igação ps ico lóg ica e soc ia l de cada

caso , o que po r s i só se reve la imposs íve l .

D i to isso , res ta ve r i f i ca r as c i rcuns tânc ias re levan tes que são

cons ide radas para ava l iação da leg í t ima expecta t i va dos

consum ido res , ta l como d isc ip l inam os A r t i gos 12 o , § 1 o e 14 o § 1 o

do CDC.

3.3 .1 – Apresentação do produto e modo de fornec imento de

serviço

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A ap resen tação do p rodu to ou o modo de fo rnec imento do

serv i ço (A r t i gos 12 o , § 1 o , I e 14 o § 1 o , I do CDC) , devem se r

i n te rp re tadas da fo rma ma is ab rangen te poss íve l , sendo leg í t imas

as in te rp re tações que cons ide ram como fo rma de apresen taçã o as

o fe r tas , pub l ic idades, emba lagem ou ro tu lagens, ass im como

manua l de ins t ruções de uso ou manutenção , t e rmo de ga ran t ia ,

mate r ia l in fo rmat ivo , cana is de re lac ionamento , en t re ou t ros .

Some-se a i sso o e lemento da apresen tação do p rodu to como

um c r i té r io pa ra ve r i f i ca r se o p rodu to es tá ou não com de fe i to . A

de te rm inação da le i de que a ap resen tação de um produ to , po r s i

só , é razão su f i c ien te pa ra cons iderá - lo de fe i tuoso , de ixa c la ro que

o de fe i t o não deco r re somente da aná l ise do p rodu to em s i , mas

também de como é ap resen tado ao púb l i co e das expecta t i vas que

pode ge ra r . É o que podemos chamar de “de fe i tos da in fo rmação ” ,

como bem aponta João Ca lvão a S i l va em Responsab i l idade Civ i l

do P rodu to r :

“O púb l i c o es per a que a ‘ ” segur anç a ex te r na ” do

p rod u to – aque la que l he é in f und ida pe la s ua

c on f igu r ação , pe la sua f o rma, pe la sua

em ba lagem e e t ique t agem, pe la s ua pub l i c idade ,

pe la sua des c r i ç ão e modo de empr ego , numa

pa lav ra , pe la in f o rmação a s eu r es pe i t o – não

f a l t e , c omo c r ê , na s ua segur anç a in t e r na . Ta l vez

pos sa mesmo d i ze r que a l eg í t im a expec ta t i va de

s eguranç a ex t e rna é f r equen temente ma i s sen t i da

do que a l eg í t ima expec ta t i va de seguranç a

i n t e rna , na med ida em que o c ons um idor f o rma

mu i t as vezes a dec i são de compra r um p rodu t o

pe la s ua con f ig u r ação ex t e rna , pub l i c idade ,

des c r i ção e apar ênc ia – be leza , p r eç o e u t i l i dade

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apregoados – s em f aze r ide ia ad sua es t r u tu r a

i n t r íns eca e c o r re la t i va s eguranç a ” . 163

Estende r o conce i to de “ap resen tação ” também para a lém das

ofe r tas e pub l i c idades é necessá r io em razão da impor tânc ia

mercado lóg ica que as emba lagens e ro tu lagens de p rodu tos têm

ganhado nos ú l t imos tempos , mu i tas vezes se rv indo como

es t ra tég ia de venda e comerc ia l i zação do p rodu to , aux i l iando na

c r iando va lo res , s ina is d is t in t ivos que se rvem a t é para

segmentação do mercado.

Pa ra Ph i l ip Ko t le r em Pr inc íp ios de marke t ing (2000, p . 440 ) ,

as emba lagens passa ram a se r uma pode resa fe r ramenta de

marke t ing , c r iando va lo res de conven iênc ia para a empresa sob o

pon to de v i s ta econômico e p romoc iona is , que a inda pode te r seu

va lo r como ins t rumento de marke t ing po tenc ia l i zado , sob re tudo

pe los segu in tes fa to res :

Au tosse rv iço – Com aumento cons ide ráve l na venda

de p rodu tos na forma de au tosse rv iço ;

Poder aqu is i t i vo do consum ido r – Consumidor d i spos to

a paga r um pouco ma is po r me lho res emba lagens;

Imagem da marca e da empresa – Reconhec imetno

imed ia to da empresa e da marca pa ra emba lagem;

Opor tun idade de inovação – Ob tenção de benef íc ios

pa ra os consum ido res e luc ro para os fabr ican tes com

a inovação em em ba lagens.

Os a rgumentos de Rober to Ce za r Dat r ino em A emba lagem e

ro tu lagem como e lemento de es t ra tég ia de marke t ing resumem a

impor tânc ia do pape l das emba lagens e ro tu lação no p rodu to :

163 SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil do produtor, p. 638.

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“ A emba lagem exe rce um pape l impor tan te na

v i da do cons um idor : des de a t omada de dec isão

de c ompr a , a ava l ia ção da marc a e n íve l de us o ,

a l ém de ev i t a r de t e r io r i zaç ão , adu l t e r aç ão ou

dan i f i caç ão do p r odu t o . Tem as pec tos que

bene f i c iam o c onsum idor com o a conven iênc ia e

a segur anç a . Devem desem penhar mu i tas t a re f as

t a i s c omo: a t ra i r a a tenção , des c rever

c a rac te r ís t i cas do p rodu t o , conqu is t a r a

c on f i anç a do consum idor e p r oduz i r um a

impr ess ão g loba l f avo r áve l . Uma emba lagem bem

des enhada c on t r ibu i pa r a o rec onhec imen t o

i ns tan tâneo da em pr esa . I n t r in secament e l i gado à

em ba lagem apar ece o r ó tu lo que pode mu i tas

vezes c on t e r apenas a mar ca do p rodu t o c omo

tam bém mu i t as ou t r as i n f o rmaç ões . Pode t ambém

p romover o p r odu to po r me io da aparênc ia g rá f i ca

a t r aen te ” . 164

Po r tan to , t odo es te con jun to de in fo rmações , que é

d ispon ib i l i zado ao consumidor e pode se r mot i vado r da compra de

um p rodu to ou con t ra tação de se rv i ço , pode se r cons ide rado fon te

de de fe i to de p rodu to .

Um exemp lo des te caso fo i a campanha de reca l l rea l i zada em

2010 pe la empresa A j inomoto do B ras i l 165, que in fo rmou te r r e t i rado

do mercado de consumo lo tes dos p rodu tos “Tempero SAZÓN” e

“Ca ldo SAZÓN” pe lo fa to de que um dos ingred ien tes de a lgumas

ve rsões da l inha SAZÓN, que an tes in fo rmava que o p rodu to não

con t inha g lú ten , passou a não garan t i r ma is a ausênc ia de g lú ten

164 DATRINO, Roberto Cezar. A embalagem e rotulagem como elemento de estratégia de marketing. In Augusto Guzzo Revista Acadêmica, n. 3, 2001, p. 49-53, p. 49. Acessado em 27/10/2015. Disponível em: http://www.fics.edu.br/index.php/augusto_guzzo/article/view/93/102 165 O processo perante o Departamento Nacional de Defesa do Consumidor, ligado ao Ministério da Justiça, foi registrado sob Protocolo nº 08012.012218/2010-60

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por have r poss ib i l idade de con tam inação c ruzada. Ass im, a

i n fo rmação do ró tu lo que d iz ia “não con tém g lu ten ” ser ia inco r re ta

para os casos de con tam inação c ruzada. Po r tan to , a ap resen tação

de f i c ien te do p rodu to to rnou -o de fe i tuoso pa ra pessoas in to le ran tes

ao g lú ten , o que ex ige a sua re t i rada do mercado de consumo.

Há a inda casos jud ic ias em que in fo rmações em ro tu lagens

e emba lagens fo ram su f i c ien tes pa ra que se cons ide rasse

de te rm inado p rodu to ou se rv i ço de fe i tuoso . É o caso , po r exemplo ,

do REsp 586316 / MG 166, em que o STJ , d i s t ingu indo in fo rmação -

con teúdo de in fo rmação -adve r tênc ia , en tendeu pe la

ob r iga to r iedade que a indús t r ia tem de in fo rmar o consumido r sob re

a ex is tênc ia ou não de g lú ten na compos ição do p rodu to , razão

su f ic ien te pa ra carac te r i za r o p rodu to como de fe i t uoso em caso da

ausênc ia de in fo rmação.

Da mesma fo rma, pode -se ana l isa r o REsp 1358615 -SP 167, no

qua l uma de te rm inada marca de de te rgen te em pó para lavagem de

166 EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. ADMINISTRATIVO. NORMAS DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. ORDEM PÚBLICA E INTERESSE SOCIAL. PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. OBRIGAÇÃO DE SEGURANÇA. DIREITO À INFORMAÇÃO. DEVER POSITIVO DO FORNECEDOR DE INFORMAR, ADEQUADA E CLARAMENTE, SOBRE RISCOS DE PRODUTOS E SERVIÇOS. DISTINÇÃO ENTRE INFORMAÇÃO-CONTEÚDO E INFORMAÇÃO-ADVERTÊNCIA. ROTULAGEM. PROTEÇÃO DE CONSUMIDORES HIPERVULNERÁVEIS. CAMPO DE APLICAÇÃO DA LEI DO GLÚTEN (LEI 8.543/92 AB-ROGADA PELA LEI 10.674/2003) E EVENTUAL ANTINOMIA COM O ART. 31 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. JUSTO RECEIO DA IMPETRANTE DE OFENSA À SUA LIVRE INICIATIVA E À COMERCIALIZAÇÃO DE SEUS PRODUTOS. SANÇÕES ADMINISTRATIVAS POR DEIXAR DE ADVERTIR SOBRE OS RISCOS DO GLÚTEN AOS DOENTES CELÍACOS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. 167 EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. FATO DO PRODUTO. DERMATITE DE CONTATO. MAU USO DO PRODUTO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. INOCORRÊNCIA. ALERGIA - CONDIÇÃO INDIVIDUAL E ESPECÍFICA DE HIPERSENSIBILIDADE AO PRODUTO. DEFEITO INTRÍNSECO DO PRODUTO. INOCORRÊNCIA. DEFEITO DE INFORMAÇÃO. DEFEITO EXTRÍNSECO DO PRODUTO. FALTA DE INFORMAÇÃO CLARA E SUFICIENTE. VIOLAÇÃO DO DEVER GERAL DE SEGURANÇA QUE LEGITIMAMENTE E RAZOAVELMENTE SE ESPERAVA DO PRODUTO. MATÉRIA FÁTICO PROBATÓRIA. SÚM 7/STJ. SÚM 283/STF.

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roupas fo i cons ide rada de fe i tuosa pe la fa l ta de c la reza ace rca dos

cu idados que deve r iam ser ado tados pe los consum ido res pa ra

u t i l i za r o p rodu to com segurança .

3.3 .2 – Os r iscos que razoavelmente de le se esperam

A regra es tabe lec ida pe lo CDC no seu A r t i go 12 o , § 1 o e no

A r t i go 14 o , § 1 o é demas iadamente abe r ta e e lás t ica , o q ue pe rm i te

d i ve rsas in te rp re tações ace rca da rea l amp l i t ude do conce i to de

de fe i to , quando o p rodu to ou se rv iço não se adequa r ao uso , ao

modo ou aos r iscos que razoave lmen te se espe rar .

Um p rodu to cu ja u t i l i zação no rma l aca r re te danos co la te ra is ,

como o que acon tece com o uso de med icamentos ou um shampoo

que re t i ra o leos idade dos cabe los , mas pode resseca r o cou ro

cabe ludo , se r iam p rodu tos “pe r fe i t os ” ou de fe i tuosos? Estes r i scos

ser iam razoáve is de se espe ra r? Po r pa r te de qua lque r pessoa?

Ao que tudo ind ica , s i tuações como essas não ca rac te r i za r iam

os p rodu tos como de fe i tuosos desde que houvesse as in fo rmações

que o r ien tassem o consumidor pa ra u t i l i zação segura dos p rodu tos

ou se rv i ços .

Temos que cons ide ra r , a inda , que a lém da in fo rmação sob re a

fo rma de uso e pe r icu los idade do p rodu to , deve ser cons iderado

pa ra se apu ra r a ex is tênc ia ou não de de fe i to o fa to de ex is t i r ou t ros

p rodu tos com a mesma u t i l idade , mas sem os r iscos ao consumidor .

Usando o caso do shampoo, por exemplo , pode r ia se r aver iguad o

se ou t ro p rodu to reduz i r ia a o leos idade dos cabe los sem resseca r

o cou ro cabe ludo e sem co r re r o r i sco de causa r a le rg ia ao

consum ido r , ou a inda um med icamen to , com as mesmas funções,

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que não imp ing i r i a ao usuá r io os ma les dos e fe i tos co la te ra is .

Nesses casos , bas ta have r in fo rmações c la ras , co r re tas e p rec isas

sob re o r isco de u t i l i za r t a i s p rodu tos .

Ve r i f i ca -se , po r tan to , que a noção de de fe i to não es tá somente

a t re lada a uma poss íve l in idone idade do p rodu to , mas é

de te rm inada pe la sua fa l t a de segur ança , a inda que a lhe ia ao uso

p rede te rm inado do p rodu to . Ca lvão da S i l va ressa l ta que :

“ [ . . . ] segur ança do p r odu to va i a l ém da ap t i dão

pa ra o uso a que s e des t i na . Por ou t ro lado , o

p rodu to pode se r impr ópr i o pa r a o f im a que se

des t i na e t odav ia não c a re cer de s eguranç a , po r

não causar pe r igo pa r a a pes soa e bens do

adqu i ren te e de t e rc e i ros , c omo m áqu ina que não

t raba lha , o au tomóve l que não anda , e t c ” . 168

O pos ic ionamento de D iana Montenegro S i l ve i ra em

Responsab i l idade c i v i l po r danos causados po r med icamen tos

de fe i tuosos rea f i rma esse pensamento , com a ressa lva pa ra o caso

de med icamentos que são em s i mesmos p rodu tos pe r igosos , mas

que , mesmo ass im, não podem se r cons ide rados p rodu tos

de fe i tuosos uma vez que seus e fe i tos pe rve rsos são conhec idos ,

i n fo rmados e têm po r base uma ponde ração da re lação benef íc io -

r i sco . E la escreve : “Sendo essenc ia i s à human idade e ve r i f i cando -

se que os benef íc ios que aca r re tam supe ram os even tua is danos

l a te ra is que causem, a sua comerc ia l i zação é incon tes táve l ” 169.

A lém d isso , devemos cons ide ra r o fa to de que um p rodu to ,

apesa r de não te r s ido desenvo lv ido pa ra uma de te rminada

168 SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil do produtor, p.635. 169 SILVEIRA, Diana Montenegro. Responsabilidade Civil Por Danos Causados por

Medicamentos Defeituosos. p.140

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f ina l idade , não deve ser razão pa ra que se de ixe de a ten ta r pa ra os

r i scos que razoave lmente de le se espe ram, cons ide rando o uso ou

a fo rma de u t i l i zação des te p rodu to 170. É o caso , po r exemplo , da

u t i l i zação de láp is ou canetas que apesa r de te rem s ido fe i tos pa ra

esc rever , é razoáve l imag ina r que as pessoas levem es tes ob je tos

pa ra boca e , po r tan to , não pode rão se r p roduz idos de fo rma a

causa r r i sco de in tox icação aos seus usuá r ios . De acordo com

Ca lvão S i l va , podemos u t i l i za r o mesmo rac ioc ín io pa ra b r inquedos

e uma sé r ie de ou t ros p rodu tos 171.

Já para D iana Montenegro S i l ve i ra , o fa to da le i não ex ig i r que

o p rodu to o fe reça uma segu rança abso lu ta , mas somente aque la

com que se pode leg i t imamente con ta r , deve faze r com que

cons ide remos não aqu i lo que os consumido res espe ram, mas aqu i lo

que podem leg i t imamente espe ra r , ou se ja : “ [ . . . ] o que impor ta ,

por tan to , pa ra a ava l iação da ex is tênc ia de de fe i to do p rodu to não

são as expecta t ivas sub jec t i vas do lesado, mas as expecta t i vas

ob jec t i vas do púb l i co em gera l , a segu rança espe rada e t ida como

norma l . ” 172

170 Uma explicação para utilização do termo “razoavelmente” encontra-se no relatório explicativo da Convenção de Estrasburgo onde consta “o comitê não queria usar o termo "razoavelmente", já que, no texto francês, "razoavelmente" frase poderia levar a um enfraquecimento dos direitos dos consumidores, devido ao fato de que poderia envolver consideração elementos econômicos e juízo de oportunidade que não devem ser tidos em conta para determinar a segurança oferecida por um produto. In Rapport explicatif de la Convention européenne sur la responsabilité du fait des produits en cas de lésions corporelles ou de décès Strasbourg, 19.V.2006 (tradução livre). Disponível no site https://rm.coe.int/CoERMPublicCommonSearchServices/DisplayDCTMContent?documentId=09000016800ca43d acessado em 05/07/2015 171 Esta análise, ao que nos parece, encaixa com a observação feita por João Calvão, segundo o qual tais fatos corresponderiam a dizer, noutros termos, “que o sujeito a ter em conta na valoração do uso a que o produto pode ser razoavelmente destinado é o grande público seu destinatário, e não o produtor. Este tem de antever o possível uso erróneo ou mau uso do produto socialmente aceite, isto é, tido como de conhecimento razoável pela comunidade a que se estia, sob pena de ser havido como defeituoso por não oferecer a segurança legitimamente esperada por esse grande público.” In SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil do produtor, p.642. 172 SILVEIRA, Diana Montenegro. Responsabilidade Civil Por Danos Causados por

Medicamentos Defeituosos. p.141

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Devemos somar a todas es tas cons ide rações o fa to de que a

aná l ise sobre os uso s e r iscos que razoave lmen te devem se espe ra r

de um p rodu to (como c i r cuns tânc ia para cons ide rá - lo como

de fe i tuoso – A r t igo 12 , § 1 o , I I ) , depende também da v iab i l idade

econômica des te p rodu to pa ra sua d ispon ib i l i zação no mercado de

consumo, ass im como a a ná l i se do r isco ve rsus benef íc io em se

d ispon ib i l i za r p rodu tos e se rv i ços com a lgum grau de r i sco aos

consum ido res .

É o que acon tece , por exemp lo , quando se dec ide sob re a

p ro ib ição ou não da co r t i sona , tendo em men te que é um p rodu to

pe r igoso pe los e fe i t os co la te ra is nega t i vos que acar re ta , ou a

c lass i f i cação em p rodu to adequado , desde que o usuá r io se ja

a le r tado an tes da sua u t i l i zação sobre os rea is r i scos que o p rodu to

po tenc ia lmente pode causa r 173 ou , a inda , cons ide ra r o fa to de que

mesmo havendo um pe r igo ine ren te ao seu uso o benef íc io para

soc iedade é su f ic ien te pa ra sup lan ta r os cus tos .

Ma is uma vez, para D iana Montenegro , cu ja ob ra é re fe rênc ia

na aná l i se da responsab i l idade po r danos causados po r

med icamen tos de fe i tuosos , na aná l ise do benef íc io de um

med icamen to , é essenc ia l de f in i r se es ta remos d ian te de um

de fe i to , o que não f i ca rá cons ta tado caso os benef íc ios se most rem

supe r io res aos seus e fe i tos secundá r ios ( r iscos) , os qua is , de

qua lque r mane i ra , devem se r in fo rmados aos pac ien tes 174.

173 Na visão de Calvão da Silva, “o juiz não pode deixar de considerar se o custo da elimitação do defeito encarece de tal maneira o produto que o torna inacessível à generalidade do público, retirando-lhe, na prática, a sua utilidade, bem como a capacidade tecológica da indústria para fabricar um produto alternativo que cumpra a mesma função com segurança. In: SILVA, João Calvão da. Responsabilidade Civil do Produtor. Coimbra, Almedina, 1999, p. 651. 174 A definição de defeito que resulta da Lei alemã do Medicamento reflete a aplicação do critério risco-utilidade, impondo, desde logo, a valoração de alguns factores na apreciação do defeito, como a valoração da frequência e gravidade dos riscos do medicamento alternativo, razoavelmente viável e mais seguro in RAMOS GONZÁLES, Sonia Ramos. Responsabilidad civil por medicamento. Defectos de fabricación, de diseño y em las advertências o instruciones. Thomson Civitas, Madrid, 2004, p. 180 apud SILVEIRA, Diana Montenegro.

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Além d isso , são vá r ios os exemp los que v i venc iamos no B ras i l

e que nos leva a a f i rmar que sempre haverá um padrão m ín imo de

segu rança que deve rá se r a tend ido e não poderá se r negoc iado ,

nem mesmo com a anuênc ia do p rópr io consum ido r que que i ra op ta r

em te r um produ to com se gu rança aba ixo do m ín imo lega l pa ra te r

um me lho r cus to de p rodu tos e se rv i ços .

Um b r inquedo, po r exemplo , não de ixará de ser um p rodu to

de fe i tuoso se fo r vend ido sem a dev ida ce r t i f i cação pe lo Inmet ro 175,

mesmo com o conhec imen to e consent imento po r pa r te do

consum ido r . Sempre ex is t i rá um mín imo de segu rança a ser

a tend ido , mesmo que es te m ín imo f l u tue com o tempo e de aco rdo

com de te rm inadas normas regu la tó r ias .

Um bom exemplo é a rescen te mudança regu la tó r ia que passou

a ex ig i r que os ve ícu los p roduz idos no B ras i l a pa r t i r de jane i ro de

2014 tenham, obr iga to r iamente , como i tens de segu rança os a i r

bags e f re ios ABS 176. Mu i to embora já ex is t issem ve ícu los vend idos

Responsabilidade Civil Por Danos Causados por Medicamentos Defeituosos, p.146). A própria autora Diana Montenegro menciona o seguinte exemplo: “imagine-se, por exemplo, um caso em que um mero analgésico provoca gravas problemas renais. É evidente que nesta situação o risco excede desproporcionadamente o benefício resultante douso do medicamento, devendo considerar-se o medicamento como defeituoso, pois ninguém deve tolerar riscos desnecessários. Pense-se, por outro lado, num medicamento essencial no tratamento de um certo tipo de cancro e que, como efeito secundário, provoca queda do cabelo. É certo que é um efeito secundário bastante relevante, mas a avaliação do benefício-risco do medicamento mantén-se positiva. E facto, se o paciente não tomar o medicamento poderá vir a morrer como causa da doença (p. 146). 175 Os brinquedos no Brasil são de Certificação Compulsória, tendo em vista a finalidade evitar possíveis riscos às crianças e ao público em geral. Desde 2005, a certificação está baseada na Norma Mercosul NM 300/2002, substituindo a norma anterior, ABNT NBR 11786 e no Regulamento Técnico Mercosul, anexo à Portaria Inmetro nº 108 176 O Código de Trânsito Brasileiro foi alterado pela Lei nº 11.910 de 18 de março de 2009, que acrescentou ao seu artigo 105, o inciso VII, juntamente com os parágrafos 5º e 6º, de modo a instituir a obrigatoriedade do air bag[1], com a seguinte redação: “Art. 105. São equipamentos obrigatórios dos veículos, entre outros a serem estabelecidos pelo CONTRAN: (...) VII - equipamento suplementar de retenção - air bag frontal para o condutor e o passageiro do banco dianteiro. (...) § 5o A exigência estabelecida no inciso VII do caput deste artigo será progressivamente incorporada aos novos projetos de automóveis e dos veículos deles derivados, fabricados, importados, montados ou encarroçados, a partir do 1o (primeiro) ano

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com ta is opc iona is an tes de 2014 , os consum ido res em ge ra l não

pode r iam te r a leg í t ima expecta t iva de segu rança que ta i s i t ens

p ropo rc ionam, fa to sob re o qua l também não ob r igação de

in fo rmação aos consumidores .

O fa to é que a par t i r de 2014 os i t ens de segu rança

menc ionados se to rna ram fon tes de expecta t i vas leg í t imas de

consum ido res que buscam a u tomóve is p roduz idos no B ras i l . Depo is

de ta l da ta , caso não se jam encont rados nos ve ícu los , es tes se rão

cons ide rados p rodu tos de fe i tuosos mesmo se houver consen t imento

do consumidor 177.

E os ve ícu los p roduz idos e comerc ia l i zados an tes da v igênc ia

da nova regra , pode rão se r cons iderados de fe i tuosos? Entendo que

não , mas ta l ques tão se rá ap ro fundada na aná l ise do p róx imo

tóp ico .

3.3 .3 – A época em que o serviço fo i fornec ido ou o produto

colocado em c i rcu lação

após a definição pelo Contran das especificações técnicas pertinentes e do respectivo cronograma de implantação e a partir do 5o (quinto) ano, após esta definição, para os demais automóveis zero quilômetro de modelos ou projetos já existentes e veículos deles derivados. § 6o A exigência estabelecida no inciso VII do caput deste artigo não se aplica aos veículos destinados à exportação.” As resoluções 311 e 312 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que determinam que Air Bag e Freios ABS sejam obrigatórios em todos os carros fabricados no Brasil a partir deste 1º de janeiro de 2014. 177 Conforme reportagem publicada no jornal O Globo, “Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o preço dos carros populares deverá subir de 4% a 8%, como repasse dos custos de inclusão de air bag e ABS. A associação das montadoras (Anfavea) estimou, em meados de dezembro, que o custo da instalação dos equipamentos seria de R$ 1 mil a R$ 1,5 mil nos carros que ainda não possuíam os itens.” Acesso em 20/11/2015. Disponível em: http://g1.globo.com/carros/noticia/2014/01/comeca-valer-obrigatoriedade-de-airbag-e-abs-para-carros-novos.html

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Para apu ra r a ex is tênc ia de de fe i t o em p rod u to ou serv i ços , é

p rec iso cons ide rar o momen to em que es te fo i co locado no mercado

de consumo. Ana l i sa r as c i r cuns tânc ias ex is ten te à época em que

o p rodu to fo i vend ido é c ruc ia l para de te rmina r se o dano já e ra

conhec ido ou se , rea lmente , deco r reu do r is co de desenvo lv imen to .

A de f in i ção do momento em que o p rodu to ou serv i ço é

co locado no mercado de consumo , como c i r cuns tânc ia de apu ração

a ex is tênc ia ou não de de fe i to (por não o fe rece r a segu rança que

leg i t imadamente se pode espera r ) é um dos c r i té r ios ma is

re levan tes pa ra o f im p re tend ido des te t raba lho .

É na tu ra l que as expecta t i vas ace rca da segu rança de

p rodu tos se jam con t inuadamente a l te radas, a té mesmo em razão da

época em que o p rodu to fo i co locado no mercado de consumo. I sso

po rque a evo lução d as p róp r ias no rmas regu ladoras , ass im como

novas necess idades e expecta t i vas dos consumido res , muda a

pe rcepção e ex igênc ia por de te rminada segu rança a lém daque la

m in imamen te p rev is ta .

Um exemp lo de ta l s i tuação é o caso já menc ionado, em que

se passou a ex ig i r a i r bags em automóve is p roduz idos no B ras i l .

Nes te caso , f o i somente a pa r t i r de jane i ro de 2014 que se to rnou

leg í t ima a expecta t i va de que qua lque r ve ícu lo p roduz ido no B ras i l

após es ta da ta te r ia o re fe r ido equ ipamento sup lementar de

segu rança pa ss iva . An tes des te p razo , somente aque les que

recebe ram uma o fe r ta espec í f ica sob re es te componente possu íam

leg í t imas expec ta t i vas de segu rança com ta i s e lementos , con fo rme

es tabe lecem os Ar t i gos 30 , 12 , § 1 o , I I I .

Some-se a isso o fa to de que ana l isa r a época em que o

p rodu to fo i co locado em c i rcu lação , ta l como de te rm ina o A r t i go 12 ,

§ 1 o , I I I , pode ser equ ipa rado ao “es tado da a r te ” . Es te conce i to

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possu i inúmeros v ieses de in te rp re tação : a ) pode se r cons ide rado

uma h ipó tese segundo a qua l o de fe i t o no p rodu to ou se rv i ço já

ex is t ia quando da sua co locação no mercado de consumo ou do seu

fo rnec imento , mas não hav ia conhec imento técn ico ou c ien t í f i co

su f ic ien temente evo lu ído pa ra iden t i f i ca r ta l f a lha ; b ) pode se r v is to

quando os p rodu tos ou serv i ços a t endem as regras regu lamen tares

de p rodução ou execução de de te rminada a t i v idade ; c ) quando

mesmo sabendo do de fe i to , não houver so lução técn ica

momentânea pa ra reso lvê - lo ; e d ) a té mesmo quando não há

cond ições econômicas de se co loca r em prá t ica de te rm ina dos

p rodu tos e serv i ços 178.

Qua lquer das in te rp re tações sob re a época em que o p rodu to

ou se rv i ço fo ram co locado s no mercado de consumo, deve

cons ide ra r o conhec imen to c ien t í f i co ex is ten te à época , a respe i to

de po tenc ia i s r iscos do p rodu to ou se rv i ço . Cons ide rando es tas

c i r cuns tânc ias , podemos avança r pa ra a aná l i se das s i tuações que

have rá ou não responsab i l idade em caso de r i sco de

desenvo lv imento .

3.4 – Responsabi l idade por r isco de desenvolvimento

São inúmeros os exemp los de danos que impacta ram

p ro fundamente nossa soc iedade, cu jos agentes causado res fo ram

p rodu tos ou serv i ços co locados no mercado de consumo e que ,

naque le momento , não ap resen tavam pe r i cu los idade. Quando es te

desconhec imento não se dá po r f a to cu lposo , mas s im em razão do

que e ra poss íve l sabe r pe lo es tág io de desenvo lv imento da c iênc ia ,

178 REINIG. Guilherme Henrique Lima. A Responsabilidade do Produtor pelos Riscos do Desenvolvimetno no Brasil e no Âmbito da União Européia. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Área de Concetração: Direito Civil. Orientadora: Profa. Titular Teresa Ancona Lopez. 2010, p. 81.

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estamos d ian te de s i tuações que chamamos de r i sco de

desenvo lv imento 179. Es ta s i tuação é comum no B ras i l e ex te r io r , de

fo rma que ana l isa r como os pa íses en f ren ta ram ta l desa f io se to rna

re levan te pa ra aná l ise e p roposta des ta tese .

O tema fo i b revemente t ra tado du ran te a abo rdagem das

causas de quebra de nexo de causa l idade (exc ludente de

responsab i l idade ) , t raz idas no A r t igo 12 o , § 3 o , I e 14 o , § 3 o , I ,

cumulado com as o r ien tações do Ar t i go 12 o , § 1 o , I I I e § 2 o e também

do a r t i go 14 o , § 1 o , I I I e § 2 o . Segundo essas o r ien tações, um

p rodu to ou se rv i ço não pode se r cons ide rado de fe i tuoso pe lo fa to

de ou t ro de me lhor qua l idade te r s ido co locado no mercado, sendo

que e le deve se r ava l iado à época em que fo i co locado no mercado

de consumo. I sso po rque , con fo rme também d ispõe o A r t i go 10 o do

CDC, o fo rnecedor não pode co locar no mercado p rodu to que sabe,

ou deve r ia sabe r , ap resen ta r a l to g rau de noc iv idade ou

pe r icu los idade.

A função da exp ressão “deve r ia saber ” ind ica que os

f o rnecedo res têm a obr igação de ave r igua r o conhec imen to

c ien t í f i co ex is ten te em toda soc iedade ace rca do p rodu to ou se rv i ço

que e le p re tende co loca r à d ispos ição dos consumidores 180.

179 Para Rui Stoco “...o chamado “risco do desenvolvimento” não pressupõe e não se identifica com o defeito de origem, ou seja, defeitos do projeto. O defeito de concepção ou do produto, como resultado desse desenvolvimento, só se revela quando há, na origem, imperfeição ou deficiência que poderia ser identificada, tendo em vista o estágio e desenvolvimento técnico e científico naquele momento de criação e fabricação”. STOCO, Rui. Defesa do consumidor e responsabilidade pelo risco do desenvolvimento, p. 50. 180 Na Visão de João Calvão da Silva, “não sendo o estado da arte um conceito determinado e fechado, mas um conceito movente carecido de aferição nas circunstâncias do caso, a sua moldura deve ser a possibilidade científica e técnica que se haja imposto no respectivo domínio e tenha passado a estar à disposição geral, mesmo que não seja ainda a praticada no respectivo ramo industrial. Ao acatamento deste novo e mais atual estado geral da ciência e da técnica, sem fronteiras ou limites territoriais, é que o produtor está vinculado, e não a um anterior, ainda que vazado na práxis industrial”. In SILVA, João Calvão da. Compra e Venda de Coisas Defeituosas: conformidade e segurança, p. 512. Para BENJAMIN, [...] o risco que não pode ser cientificamente conhecido no momento do lançamento do produto no mercado, vindo a ser descoberto somente após um certo período de uso do produto e do serviço. É defeito que, em face do estado da ciência e da técnica à época da colocação do produto ou

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Por tan to , se um fo rnecedo r igno ra r es ta regra , não sendo

su f ic ien temente d i l i gen te ou cau te loso an tes de lança r um p rodu to ,

ta l como ind ica o a r t i go 10 do CDC, se rá responsáve l po r even tua is

danos causados aos consum ido res .

Em v is ta d isso , como lembra Marce lo Junque i ra Ca l i x to , os

r i scos do desenvo lv i mento são “aque les não cognosc íve is pe lo ma is

avançado es tado da c iênc ia e da técn ica no momento da in t rodução

do p rodu to no mercado de consumo e que só vêm a ser descobe r tos

após um pe r íodo de uso do p rodu to em deco r rênc ia do avanço dos

es tudos c ien t í f i co s ” 181.

Uma das questões ma is impor tan tes no debate sobre o r i sco

do desenvo lv imento como causa de queb ra de nexo de causa l idade

é de f in i r a ex tensão e o a lcance do es tado de conhec imento

c ien t í f i co e técn ico que se rão su f i c ien tes pa ra carac te r i za r a

i r responsab i l idade do fo rnecedo r .

A m im me pa rece c la ro que a exp ressão “sabe ou deve r ia

sabe r ” deve se r cons ide rada um c r i té r io ob je t i vo sobre o es tado de

conhec imen to c ien t í f i co ex is ten te em todo o mundo,

i ndependentemente da d i f i cu ldade ou cus t o que ta l in fo rmação

aca r re te . Nas pa lavras de João Ca lvão da S i l va , o p rodu to r : “ tem

de es ta r sempre ac tua l i zado , a par das expe r iênc ias c ien t í f i cas e

técn icas mund ia is , conhecedo r da l i te ra tu ra nac iona l e

in te rnac iona l da espec ia l idade , do ma is avançado es tado da c iênc ia

e da técn ica mund ia is ” 182.

serviço em circulação, era desconhecido e imprevisível”. In BENJAMIM, Antônio Herman de Vasconcellos e. Comentários ao Código de Proteção do Consumidor 3. Ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2010. P. 67 181 CALIXTO, Mar ce lo Junque i ra . O a r t . 931 do Cód igo C i v i l de 2002 e os

r i s cos do desenvo lv im en to , p . 7 5 . 182 n SILVA, João Calvão da. Compra e Venda de Coisas Defeituosas: conformidade e segurança. Coimbra, Almedina, 2002, p. 227

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Ta l s i tuação merece uma ponde ração com a rea l idade e os

c r i té r ios de bom senso , o que fo i bem re t ra tado po r An tón io Oddo :

“ [ . . . ] não s e pode [ . . . ] co loca r s obre o mesmo

p lano , po r um lado , a i n f o rmação c i en t í f i ca

pub l i cada em l íngua i ng les a numa rev i s ta

i n t e rnac iona l e , po r ou t ro , [ . . . ] um a tese

s us t en t ada [ . . . ] po r um es tud ios o da Manc húr i a e

pub l i cada em ch inês num a rev i s ta lo ca l ” . 183

Quando se fa la de conhec imento c ien t í f i co ex is ten te sob re

de te rm inado assun to , cons ide ramos as pub l icações em rev is tas

c ien t í f i cas mund ia lmente conhec idas den t ro de sua á rea de

a t i v idade . D ian te des te cenár io , é impor tan te ava l ia rmos e

inves t iga rmos qua is as reponsab i l idades do fo rnecedo r depo is que

e le co loca o p rodu to no mercado de consumo. I sso po rque , sendo

o r isco de desenvo lv imento ine ren te a qua lque r a t iv idade e , po r

p r inc íp io , causa exc luden te de responsab i l idade ou nexo de

causa l idade , es ta r iam os fo rnecedo res l ibe rados de qua lque r

mon i to ramento depo is da co locação do p rodu to no mercado,

ence r rando suas responsab i l idades após a d ispon ib i l i zação de seu

p rodu to aos consum ido res?

Ce r tamente não , se ja no s is tema ju r íd i co b ras i le i ro , se ja em

d ive rsos ou t ros pa íses . No Bras i l , os A r t i gos 10 , § 1 o e 64 do Cód igo

de Defesa do Consumido r são taxa t i vos ao impor aos fo rnecedo res

a ob r igação de in fo rmar os consum ido res e re t i ra r do mercado

p rodu tos ou se rv i ços cu ja pe r i cu los idade t i ve r s ido descobe r ta

183 ODDO, António. Responsabilità del produttore e diretiva n. 85/374/cee: lo stato dele conoscenze scientifche e tecniche quale causa di esclusione dela responsabilità nella interpretazione dela corte di giustizia, in Diritto Comunitario e Degli Scambi Internazionali, Ano XXXVII, nº 3, Julho-Setembro 1988, Napoli, pp. 361-375, p. 373 apud SILVEIRA, Diana Montenegro. Responsabilidade Civil Por Danos Causados por Medicamentos Defeituosos, 2010, p. 228

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poste r io rmente à in t rodução no mercado 184. T ra ta -se , ao meu ve r ,

de um dever anexo ao da boa - fé ob je t i va , que impõe aos

fo rnecedo res um deve r de v ig i l ânc ia cons tan te ( product -mon i to r ing)

após o p rodu to te r s ido co locado no mercado de consumo 185.

A dou t r ina não é un íssona acerca da ex is tênc ia de

responsab i l idade ou não do fo r necedo r em razão do r isco de

desenvo lv imento . Pa ra a lguns au to res , os r iscos de

desenvo lv imento devem ser comparados ao caso fo r tu i t o in te rno e ,

po r tan to , pa r te in tegran te do r i sco do fo rnecedo r , não sendo causa

de exoneração da sua responsab i l idade .

Aque les que se mos t ram con t rá r ios à responsab i l i zação do

fo rnecedo r d i zem 186 em resumo que :

184 Art. 10. § 1° O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários. Art. 64. Deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa.Parágrafo único. Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de retirar do mercado, imediatamente quando determinado pela autoridade competente, os produtos nocivos ou perigosos, na forma deste artigo. O Recall no Brasil foi regulamentado pela Portaria 487/2012 do Ministério da Justiça. 185 Esta é a mesma situação da Alemanha, como relata Diane Montenegro, citando Oliver Berg “o princípio da exclusão de responsabilidade por riscos de desenvolvimento sofre, na Alemanha, duas relevantes atenuações. A primeira deriva já do direito comum alemão e tem que ver com a obrigação que recai sobre o produtr de vigiar e de seguir o produto (product-monitoring) após a sua colocação no mercado, tendo em cnta a constante evolução dos conhecimentos científicos e téncios, bem como a obrigação de informar imediatamente os consumidores – logo que tenha conhecimento do defeito – sobre os perigos associados ao uso do produto e que decorrem da existência do defeito (...) A outra limitação à invocação dos riscos de desenvolvimetno no sistema jurídico alemão concerne, precisamente, à Lei alemã do Medicamento. (...) Esta lei consagra um regime de responsabilidade pelo risco em que o produtor não se pode exonerar, nem mesmo com o fundamento de riscos de desenvolvimento. Esta Lei estabelece um limite indeminizatório e impõe a obrigação de os produtores contratarem um seguro que cubra o risco incorrido. In BERG, Oliver. La notion de risque de développement em matieère de responsabilitè du fait des produits défectueux, in lLa Semaine Juridique, nº 27, 3 de julho de 1996, Paris, pp. 271-278, pág. 274/275 apud SILVEIRA, Diana Montenegro. Responsabilidade Civil Por Danos Causados por Medicamentos Defeituosos, p. 241. 186 SILVEIRA, Diana Montenegro. Responsabilidade Civil Por Danos Causados por Medicamentos Defeituosos, p. 249/253; TEPEDINO, Gustavo. A responsabilidade civil por

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i ) Responsab i l i za r o fo rnecedo r em razão do r i sco de

desenvo lv imento é um mov imento con t rá r io aos in te resses

da soc iedade e do p róp r io consumido r , po is os fab r ican tes

tendem a reduz i r inves t imen tos para pesqu isa e inovação

de novos p rodu tos ou se rv iços ;

i i ) To rna r ia a a t i v idade empresa r ia l ext remamente one rosa e

pouco compet i t i va , po is somente poucos te r iam cond ições

econômicas de supo r ta r os r iscos envo lv idos ;

i i i ) Os cus tos e r i scos se r iam repassados aos p rodu tos , o que

pode p r i va r boa pa r te da popu lação a p rodu tos

impor tan tes para v ida , saúde e segu rança ( ta i s como

med icamen tos e a l imen tos ) ;

i v ) Há d i f i cu ldade de con t ra tação de segu ros pe las empresas

em razão da ince r teza do r i sc o .

acidentes de consumo na ótica civil-constitucional. Temas de direito civil. 3. Ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 273. SILVA FILHO, Artur Marques da. Responsabilidade civil por fato do produto ou serviço. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.). Responsabilidade civil por danos a consumidores. São Paulo: Saraiva, 1992. P. 34-35. GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. Vícios do produto e do serviço por qualidade, quantidade e insegurança: cumprimento imperfeito do contrato. 2. Ed. São Paulo: RT, 2007. P. 294-295. STOCO, Rui. Defesa do consumidor e responsabilidade pelo risco do desenvolvimento, Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 96, n. 855, p. 46-53, jan. 2007. P. 49-53. FRANCO, Vera Helena de Mello. A responsabilidade do fabricante no direito brasileiro futuro (confronto com o direito comparado), Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 28, n. 73, p. 80-99, jan./mar. 1989. P. 85. MOREIRA, Carlos Roberto Barbosa. Notas sobre a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor, Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 22, p. 135-149, abr./jun. 1997. P. 144. COELHO, Fábio Ulhoa. O empresário e os direitos do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1994. P. 82-89. EBERLIN, Fernando Büscher von Teschenhausen. Responsabilidade dos fornecedores pelos danos decorrentes dos riscos do desenvolvimento: análise sob a ótica dos princípios gerais da atividade econômica, Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 16, n. 64, p. 9-42, out./dez. 2007. P. 36. TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. P. 271- 274. MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto: os acidentes de consumo no código de proteção e defesa do consumidor. São Paulo: RT, 1993. P. 127-137. ALMEIDA, João Batista. A proteção jurídica do consumidor. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 90-91.

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Já os favo ráve is à responsab i l idade dos fo rnecedo res em

razão do r i sco de desenvo lv imento apontam 187 como razões os

segu in tes e lementos :

i ) Aque le que se d ispõe a desenvo lve r a lguma a t i v idade

no mercado de consumo deve responder pe los

even tua is v íc ios e de fe i tos de seu p rodu to ou se rv i ço ;

i i ) O fo rnecedo r é o ga ran t i dor dos p rodu tos que o fe rece

ao mercado;

i i i ) O fo rnecedo r , em re lação ao consum ido r , tem ma io res

cond ições de se p recave r con t ra even tua is r iscos e

supo r ta r even tua l dano , a inda que ince r to ;

i v ) O consum ido r cor re rá o r i sco de se to rna r a inda ma is

vu lneráve l f ren te a novos p rodu tos e se rv iços pouco

tes tados ou ana l isados ;

187 SILVEIRA, Diana Montenegro. Responsabilidade Civil Por Danos Causados por Medicamentos Defeituosos, p. 249/253; CALIXTO, Marcelo Junqueira. O art. 931 do código civil e os riscos do desenvolvimento. CALIXTO, Ma rc e lo Junque i ra . O a r t . 931 do Cód igo C iv i l de 2002 e os r i s cos do desenv o l v imen to , p . 53 -93 , j an /mar 2005 ; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. Ed., São Paulo: Atlas, 2010 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. São Paulo: RT, 2007. P. 128. MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor. São Paulo: RT, 2008. P. 291-292. MARSHALL, Carla Izolda Fiuza Costa. Responsabilidade civil do fabricante por produto defeituoso na união 155uropeia e no brasil, Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 25, p. 116-121, jan./mar. 1998. P. 120. ARRUDA ALVIM, Eduardo. Responsabilidade civil pelo fato do produto no código de defesa do consumidor, Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 15, p. 132-150, jul./set. 1995. P. 148. CASTRO, Fabiana Maria Martins Gomes de. Sociedade de risco e o futuro do consumidor, Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 11, n. 44, p. 122-140, out./dez. 2002. P. 136-139. LOPES, José Reinaldo de Lima. Responsabilidade civil do fabricante e a defesa do consumidor. São Paulo: RT, 1992. P. 67-73.. SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 344-347. ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direito brasileiro. São Paulo: RT, 1992. P. 109-111. GRINOVER, Ada Pellegrini et all. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999; . p. 163-164. CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu; MORATO, Antonio Carlos. Responsabilidade civil e o risco do desenvolvimento nas relações de consumo. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério (Coord.). Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo Viana. São Paulo: RT, 2009. P. 27-61. PEREIRA, Agostinho Oli Koppe. Responsabilidade civil por danos ao consumidor causados por defeitos dos produtos: a teoria da ação social e o direito do consumidor. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. P. 256-267.

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v) A responsab i l i zação não in ib i r ia o desenvo lv imento ,

po is as empresas podem admin is t ra r os r i scos po r me io

da con t ra tação de segu ros ou mesmo aumen tado os

p reços – os de fenso res des ta teor ia não ana l i sam a

poss ib i l idade de exc lusão da pa rce la da popu lação que

não pode rá te r acesso ao p rodu to em razão do aumento

de cus to ;

v i ) Exc lu i r a responsab i l idade do fo rnecedo r imp l ica

ba ixar o pa tamar de p ro teção dos consumidores ;

v i i ) A impu tação de responsab i l idade do p rodu to r f az com

que es te tenha ma io r cu idado e a tenção quan to à

qua l idade e à segu rança dos p rodu tos an tes de co locá -

los no mercado;

v i i i ) Os consumidores têm o d i re i to de esperar que os

p rodu tos se jam comerc ia l i zados sem de fe i tos e que

não causem qua lque r t ipo de dano;

i x ) Se os cus tos re la t i vos aos r i scos podem impacta r na

a t i v idade econômica do fo rnecedor , e les impacta rão

mu i to ma is na v ida dos consumidores .

Em Prog rama de responsab i l idade c i v i l , o p ro fessor Sé rg io

Cava l ie r i F i lho resume o pos ic ionamento daque les que de fendem a

responsab i l idade dos fo rnecedores em casos de r isco de

desenvo lv imento :

“ Pode-s e d i ze r que o Cód igo espos ou aqu i a

t eo r ia do r i sco do em preend imen to (ou

em presar i a l ) , q ue s e con t rapõe à t eo r ia do r i sc o

do cons umo. Pe la t eo r i a do r i sc o do

em preend imen to , t odo aque le que se d is ponha a

exe r ce r a lguma a t i v i dade no merc ado de consum o

tem o dever de responder pe los even tua is v íc i os

ou de f e i t os dos bens e se r v i ços f o rnec idos ,

i ndependen t emente de cu lpa . Es se dever é

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imanen te ao dever de obed iênc ia às no rmas

técn ic as e de segur anç a , bem como aos c r i t é r i os

de l ea ldade , quer pe r an t e os bens e se r v i ços

o f e r tados , quer pe r an te os des t ina tá r ios dess as

o f e r tas . A responsab i l i dade decor r e do s imp les

f a to de d is por - s e a lguém a rea l i za r a t i v i dade de

p roduz i r , e s toca r , d i s t r i bu i r e comer c ia l i za r

p rodu tos ou execu ta r de te rm inados s e r v iç os . O

f o rnecedor pas sa a se r ga ran te dos p r odu tos e

s e r v iç os que o f e rec e no mer cado , res pondendo

pe la qua l i dade e segur ança dos mesmos ” . 188

No mesmo sen t ido , a p ro fesso ra S i lmara Ch ine l la to e An ton io

Ca r los Mora to a f i rmam em Responsab i l idade c i v i l : es tudos em

homenagem ao p ro fessor Ru i Gera ldo Camargo V iana que :

A incognosc ib i l i dade abs o lu ta , ge r a l e não

s ub j e t i va do p r odu t o r demons t ra que não s e

i ndaga de cu lpa , na a f e r i ção do r i sc o do

des envo l v im en to quando da c o loc aç ão do p r odu to

no mer cado , po is o pa râmet r o a a f e r i r não é o

bônus pa te r f am í l ia s , o p r odu to r méd io , o que

obs er va os usos e c os t umes da indús t r ia ( indus t r y

c us t om) , mas o p rodu to r idea l , com o j á se

a f i rm ou , o que ap l i c a a me lho r t ec no log ia

d i spon íve l , a i nda que ec onom ic amente oner osa ,

a f as t ando , t a l com o Jean Ca lays - A louy , o

a rgument o econôm ic o 189.

Cons ide rando a g rande in f luênc ia do D i re i t o Eu r opeu , com

ma is ên fase na temát i ca da responsab i l idade c i v i l no Cód igo de

188 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, p. 181. 189 CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu; MORATO, Antonio Carlos. Responsabilidade civil e o risco do desenvolvimento nas relações de consumo. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério (org). Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo Viana. São Paulo: RT, 2009, p. 43.

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Defesa do Consumido r , va le t razer ma is uma vez a lgumas das

obse rvações menc ionadas no cap í tu lo an te r io r . Os Ar t i gos 12 o e 14 o

do CDC fo ram insp i rados nas d ispos ições da D i re t i va n o

85 /374 /CEE , de 25 de Ju lho de 1985 , re la t i va à ap rox imação das

d ispos ições leg is la t i vas , regu lamentares e adm in is t ra t i vas dos

Es tados -Membros em maté r ia de responsab i l idade deco r ren te dos

p rodu tos de fe i tuosos . Apesa r de a lguns even tos g raves oco r r idos

en t re as décadas de 1950 e 1970 que envo lvem o r i sco de

desenvo lv imento de p rodu tos , a regu lamentação eu rope ia op tou em

te r como regra a exc lusão de responsab i l idade pa ra es tes casos , o

que pode se r rev is to po r cada Es tado -Membro 190.

Nes te sen t ido , o A r t i go 7 o da D i re t i va n o 85 /374 /CEE d ispõe

que o p rodu to r não se rá responsáve l se demonst ra r que o es tado

dos conhec imentos c ien t í f i cos e técn icos no momen to da co locação

do p rodu to em c i rcu lação pe lo p rodu to r não pe rm i t iu de tec ta r a

ex is tênc ia do de fe i to . Complemen tado pe lo A r t i go 15 o , f i ca

facu l tado a qua lque r Es tado -Membro d ispo r de fo rma d ive rsa , tendo

a poss ib i l idade de p reve r na sua leg is lação que o p rodu to r se rá

190 A profa. Tua Wesendonck ( A responsabilidade civil pelos riscos do desenvolvimento: evolução histórica e disciplina no Direito Comparado in http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadir/article/viewFile/12549/8412, pág 217) lembra que entre as décadas de 50 e 70 mais de 200 mil mulheres grávidas foram tratadas com o medicamento DES (ditilstilbestrol) e depois que crianças nasceram começou a se investigar uma ligação entre o uso do medicamento e o aparecimento do câncer de mama nas mulheres que ingeriram o medicamento e danos na segunda e terceira geração destas mulheres. Na segunda geração foi possível identificar filhas com câncer vaginal e malformação do útero, enquanto nos filhos, malformações genitais, câncer do testículo, infertilidade, menor quantidade de esperma e danos cromossômicos no esperma. Também entre 1959 e 1962, foi distribuído nos EUA o medicamento anticolesterol (MER-29) que trouxe graves efeitos colaterais a mais de 5 mil pessoas que ficaram cegas ou tiveram graves problemas de catarata pelo uso do medicamento. Assim também em 1972 quando crianças ficaram intoxicadas na França, em virtude do uso do talco Morhange ( que continha alto teor de bactericida. Artigo 7.o O produtor não é responsável nos termos da presente directiva se provar: (...) e) Que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento da colocação em circulação do produto pelo produtor não permitiu detectar a existência do defeito. Artigo 15.o 1. Qualquer Estado-membro pode: b) Em derrogação da alínea e) do artigo 7.o , manter ou, sem prejuízo do procedimento definido no n.o 2, prever na sua legislação que o produtor é responsável, mesmo se este provar que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento da colocação do produto em circulação não lhe permitia detectar a existência do defeito;

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responsáve l , mesmo se p rovar que o es tado dos conhec imen tos

c ien t í f i cos e técn icos no momento da co locação do p rodu to em

c i rcu lação não permi t ia de tec ta r a ex is tênc ia do de fe i to ( r i sco de

desenvo lv imento ) .

Ve r i f i ca -se , po r tan to , que a D i re t i va Eu rope ia perm i te que os

Es tados -Membros façam a de f in i ção sob re qua l mode lo de

responsab i l idade p re tendem adot a r , de ixando c la ro , no en tan to ,

que caberá ao lesado a p rova do dano , do de fe i to e do nexo causa l

en t re o de fe i t o e o dano (A r t i go 4 o da D i re t i va ) . A poss ib i l idade dos

Es tados -Membros de f in i rem qua l mode lo de responsab i l idade

dese jam adota r , ace i tando ou r echaçando o r isco de

desenvo lv imento como exc ludente de nexo de causa l idade , deu

o r igem a duas o r ien tações opostas , de acordo com D iana em

Responsab i l idade c i v i l po r danos causados po r med icamen tos

de fe i tuosos :

i ) De um lado , os pa íses que p re tend iam a a l t e ração do tex to

da D i re t i va sob o a rgumen to de que se os r i scos reca íssem

sob re o p rodu to r es te poder ia t rans fe r i - los e inco rpo rá - los

ao cus to dos p rodu tos , repa r t indo , po r tan to , os r i scos com

os consum ido res ;

i i ) Po r ou t ro lado , pa íses que aponta ram o impact o nega t i vo

que a não exc lusão de responsab i l idade te r ia sob re a

inves t igação e o desenvo lv imento de p rodu tos de a l ta

tecno log ia , com o p rev is íve l agravamento do cus to do

segu ro de responsab i l idade c i v i l .

Como lembra Tu la W esendonck (2012 ) , o g rupo compos to po r

Bé lg ica , D inamarca , Gréc ia , F rança , I r landa e Luxemburgo de fende

que o r isco de desenvo lv imen to não pode r ia cons ta r como causa de

exc lusão de responsab i l idade c i v i l na D i re t i va , já que , den t re ou t ras

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questões , os fo rnecedo res te r iam cond ições de rep e rcu t i r o cus to

de uma poss íve l inden ização e inco rpo ra r ao p reço do p rodu to ou

se u t i l i za r de um segu ro pa ra me lho r ge renc ia l es te r i sco .

No mesmo sen t ido , o segundo grupo compos to po r I t á l ia ,

Pa íses Ba ixos e Re ino Un ido de fende que a re t i rada da causa de

exc lusão de responsab i l idade po r r i sco do desenvo lv imen to t ra r ia

impac to negat i vo , po is a indús t r ia pode r ia desace le ra r ,

cons ide rando o aumento de cus to ge rado pe lo inc remento do r i sco

e do cus to do segu ro .

A poss ib i l i dade con fe r ida pe la p róp r ia D i re t i va n o 85 /374 ,

segundo a qua l os Es tados que dese ja rem pode rão der roga r a regra

pad rão que é a de exc lu i r a responsab i l idade do fo rnecedo r em caso

de r i sco de desenvo lv imento (Ar t i go 7 o c / c A r t i go 15 o ) , to rna

poss íve l que na Eu ropa ex is tam t rês grupos 191 f o rmados por

o rdenamen tos que :

a . Adm i tem os r iscos do desenvo lv imen to como causa de

exc lusão de responsab i l idade (que é a regra ge ra l

p roposta pe la D i re t i va ) ;

b . De f inem que a exc lusão de responsab i l idade se rá regra

apenas para s i tuações ou p rodu tos espec í f ic os ;

c . Não cons ide ram os r i scos do desenvo lv imen to como

causa de exc lusão de responsab i l i dade , ta l como

pe rm i t ido pe lo Ar t i go 15 o da D i re t i va .

A tabe la aba ixo 192 most ra em de ta lhes os pa íses que adm i tem

ou exc luem a responsab i l idade po r r isco de desenvo lv iment o :

191 WESENDONCK, Tula. A responsabilidade civil pelos riscos do desenvolvimento: evolução histórica e disciplina no Direito Comparado in http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadir/article/viewFile/12549/8412, pág 219) 192 Tabela retirada do LIVRO VERDE sobre a Responsabilidade Civil decorrente dos produtos defeituosos, apresentado pela Comissão das Comunidades Européias em Bruxelas,

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Usando o D i re i to Po r tuguês como exemplo , pode -se ana l isa r o

Dec re to -Le i 383 /89 , que t ranspõe pa ra a o rdem ju r íd ica in te rna a

D i re t i va n o 85 /374 /CEE, em maté r ia de responsab i l idade deco r ren te

de p rodu tos de fe i tuosos é c la ro ao ind ica r , inc lus ive e m seus

cons ide randos que :

28.07.1999 COM(1999) 396 final, in http://europa.eu/documents/comm/green_papers/pdf/com1999-396_pt.pdf

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“ [ . . . ] o in tu i t o de não ag ravar dem as iado a

pos i ção do p rodu t o r le va a que a

r esponsab i l i dade ob j ec t i va não s e ja abs o lu t a e

exp l i c a : a ) O e lenc o de c ausas de exc lusão da

r esponsab i l i dade , de que f az pa r te o es tado dos

c onhec im en t os c i en t í f i cos e t écn i cos , não s e

t endo usado da f acu ldade c onced ida pe la

d i r ec t i va de i n t roduz i r a res pons ab i l i dade pe los

c ham ados r i s cos do desenvo l v imen t o ” 193.

Apesa r des ta c la ra exc lusão , pa r te da dou t r ina por tuguesa

en tende que os casos de exc lusã o de responsab i l idade p rev is tos no

A r t i go 5 o do Decre to -Le i n o 383 /89 se r iam mui to amp los e a té

mesmo c r i t i cam a a l ínea “e ” do re fe r ido Ar t i go 5 o , cons ide rando que

ta l exc ludente se aprox imar ia do s i s tema de responsab i l idade po r

cu lpa 194.

Nes te pon to , a p os ição de Ca lvão da S i l va ( Responsab i l i dade

c i v i l do p rodu to r , p . 511 ) é acer tada , j á que e le c r i t i ca es te

en tend imento , esc la recendo que o c r i té r io pa ra de f in i r o “es tado da

a r te ” é ob je t i vo , uma vez que deve se cons ide rar uma

imposs ib i l idade abso lu ta e o b je t i va de descobr i r o de fe i to po r f a l ta

de me ios que tenham cond ições de de tec tá - los , mas que não deve

ser cons ide rado uma imposs ib i l idade sub je t i va do p rodu to r em

questão .

193 Considerandos do Decreto-Lei 383/89 obtido em http://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=961995#.VZScutFRHVg 194 O Artigo 5.º do Decreto-Lei Português nº 383/89 estabelece quais são as excludentes de responsabilidade, nos seguintes termos: Art. 5º: Exclusão de responsabilidade. O produtor não é responsável se provar: a) Que não pôs o produto em circulação; b) Que, tendo em conta as circunstâncias, se pode razoavelmente admitir a inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação; c) Que não fabricou o produto para venda ou qualquer outra forma de distribuição com um objectivo económico, nem o produziu ou distribuiu no âmbito da sua actividade profissional; d) Que o defeito é devido à conformidade do produto com normas imperativas estabelecidas pelas autoridades públicas; e) Que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos, no momento em que pôs o produto em circulação, não permitia detectar a existência do defeito; f) Que, no caso de parte componente, o defeito é imputável à concepção do produto em que foi incorporada ou às instruções dadas pelo fabricante do mesmo.

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A I tá l ia , ass im como Por tuga l , exc lu iu a responsab i l idade por

r i sco de desenvo lv imen to se o es tado dos conhec imentos c ien t í f i cos

e técn icos no momento em que o p rodu to r co locou o p rodu to em

c i rcu lação não permi t iu cons ide rar o p rodu to como de fe i tuoso 195. No

en tan to , a dou t r ina i ta l iana tem de fend ido que o fabr ican te não tem

cond ições de se exone ra r somen te a f i rmando que os conhec imen tos

técn icos ex is ten tes à época não pe rm i t iam ao fo rnecedo r conhecer

o de fe i to do p rodu to co locado em c i rcu lação , mas apon tam que é

deve r do fo rnecedo r não se l im i ta r à aná l i se de a t i v idade pe r igosa ,

obse rvan do o es tado da técn ica e do conhec imento ex is ten te no

momento da in t rodução do p rodu to , mas é p rec iso acompanhar o

p rogresso tecno lóg ico oco r r ido para sua even tua l re t i rada 196.

Uma so lução in te rmed iá r ia e in te ressan te fo i a in t roduz ida

pe la Espanha po r me io da Le i n o 22 /1994, de 6 de ju lho , que t ra tou

da responsab i l idade c i v i l po r danos causados po r p rodu tos

de fe i tuosos . A re fe r ida le i aca tou a regra ge ra l da D i re t i va n o 85 /374

pa ra exc lu i r a responsab i l idade do fo rnecedo r para casos de r i scos

195 Codice del consumo - Decreto legislativo 6 settembre 2005, n. 206 (…) Art. 118. Esclusione della responsabilita' 1. La responsabilita' e' esclusa: a) se il produttore non ha messo il prodotto in circolazione; b) se il difetto che ha cagionato il danno non esisteva quando il produttore ha messo il prodotto in circolazione; c) se il produttore non ha fabbricato il prodotto per la vendita o per qualsiasi altra forma di distribuzione a titolo oneroso, ne' lo ha fabbricato o distribuito nell'esercizio della sua attivita' professionale; d) se il difetto e' dovuto alla conformita' del prodotto a una norma giuridica imperativa o a un provvedimento vincolante; e) se lo stato delle conoscenze scientifiche e tecniche, al momento in cui il produttore ha messo in circolazione il prodotto, non permetteva ancora di considerare il prodotto come difettoso; f) nel caso del produttore o fornitore di una parte componente o di una materia prima, se il difetto e' interamente dovuto alla concezione del prodotto in cui e' stata incorporata la parte o materia prima o alla conformita' di questa alle istruzioni date dal produttore che la ha utilizzata. 196 QUERCI, Agnese. Il vacino contro l’influenza A/H1N1: ‘pillole’ de responsabilià civile. Dannno e responsabilità. Roma: IPSOA – Gruppo Wolters Kluwer, anno XV n. 4 Aprile 2010, p. 334 apud WESENDONCK, Tula. A responsabilidade civil pelos riscos do desenvolvimento: evolução histórica e disciplina no Direito Comparado in http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadir/article/viewFile/12549/8412, pág 221

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do desenvo lv imento , mas excepc iona es ta regra em re lação a

a l imentos e med icamentos 197.

Va le ressa l ta r que , po r me io do documento chamado L iv ro

verde , a Comissão das Comun idades Eu rope ias se p ropõe a

consu l ta r os in te ressados para ve r i f i ca r qua l o impacto da D i re t i va

n o 85 /374 198 nos consumidores lesados nos se to res econômicos

envo lv idos , v i sando à ob tenção de uma me lho r segurança ju r íd ica

pa ra as par tes envo lv idas 199. É impor tan te obse rva r que na s ín tese

do p róp r io documen to , a Comun idade Eu rope ia de ixa c la ro que o

ob je t i vo da Di re t iva sempre fo i o de p ropo rc iona r aos ope radores

uma ma io r segu rança ju r íd ica nas t rocas in te rcomun i tá r ias ,

pe rm i t indo que os r iscos ex is ten tes pudessem se r gerenc iados po r

me io de segu ros :

No que se re f e re ao p r im e i ro pon to , t r a ta - se

p r i nc i pa lme n te de ob te r i n f o rmaç ão pa ra ava l i a r

197 Ley 22/1994, de 6 de julio, de responsabilidad civil por los daños causados por productos defectuosos. (…) Artículo 6. Causas de exoneración de la responsabilidad. 1. El fabricante o el importador no serán responsables si prueban: a) Que no habían puesto en circulación el producto. b) Que, dadas las circunstancias del caso, es posible presumir que el defecto no existía en el momento en que se puso en circulación el producto. c) Que el producto no había sido fabricado para la venta o cualquier otra forma de distribución con finalidad económica, ni fabricado, importado, suministrado o distribuido en el marco de una actividad profesional o empresarial. d) Que el defecto se debió a que el producto fue elaborado conforme a normas imperativas existentes. e) Que el estado de los conocimientos científicos y técnicos existentes en el momento de la puesta en circulación no permitía apreciar la existencia del defecto. 2. El fabricante o el importador de una parte integrante de un producto terminado no serán responsables si prueban que el defecto es imputable a la concepción del producto al que ha sido incorporada o a las instrucciones dadas por el fabricante de ese producto. 3. En el caso de medicamentos, alimentos o productos alimentarios destinados al consumo humano, los sujetos responsables, de acuerdo con esta Ley, no podrán invocar la causa de exoneración de la letra e) del apartado 1 de este artículo. 198 Directiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos 199 “O Livro Vrde tem pois, uma dupla finalidade: por um lado, (1) permitir recolher informações a fim de avaliar a aplicação da Diretiva no terreno, tendo em conta as experiências dos agentes envolvidos (designadamente, a indústria e os consumidores) e verificar, em definitivo, se ela cumpre os seus objetivos; por outro lado, (2) servir para ‘testar’ as reações de uma eventual revisão relativamente às questões mais sensíveis desta legislação. In LIVRO VERDE sobre a Responsabilidade Civil decorrente dos produtos defeituosos, apresentado pela Comissão das Comunidades Européias em Bruxelas, 28.07.1999 COM(1999) 396 final, pág 01 in http://europa.eu/documents/comm/green_papers/pdf/com1999-396_pt.pdf.

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de que m odo a d i r ec t i va co r r esponde aos

ob je t i vos f i xados em re l aç ão aos d i f e ren tes

s ec t o res im p l i cados : se as segur a uma p r o teç ão

adequada dos lesados , s e c on t r ibu i pa ra

des encor a ja r a com erc ia l i zaç ão de p r odu tos

pe r igos os , se p roporc i ona aos operador es um a

s eguranç a j u r íd i c a su f i c i en t e pa ra f ac i l i t a r as

t r ocas in te r com un i tá r i as , se não põe em causa a

c ompet i t i v i dade das empr es as eu r ope ias , se os

r i s cos ne la c on t emp lados t êm consegu ido ob t e r

r espos t a po r pa r te do sec t o r dos seguros , s e é

c ons ide rada como um ins t r umento ú t i l pe los

poderes púb l i c os e as as soc iações de

c onsum idores nas s uas po l í t i cas em de f esa dos

l esados po r p rodu tos de f e i t uos os e t c . 200

Ass im, o L iv ro verde ind ica a lgumas opções de para aná l ise

da re fo rma da D i re t i va 85 /374 , den t re as qua is des tacam -se :

i ) Ap l icação da exone ração de responsab i l idade em caso

de “ r iscos de desenvo lv imento ” e a ava l iação da sua

eventua l supe ração ;

i i ) Me lho r ia da in fo rmação re la t i va à reso lução dos casos

deco r ren tes de p rodu tos de f e i tuosos ;

i i i ) Responsab i l idade do fo rnecedo r .

A aná l ise des tes tóp icos pe ran te a Un ião Eu rope ia pe rmi te

uma sé r ie de in fe rênc ias . O es tudo rea l i zado em 2001 pe la empresa

Love l l s , a ped ido da Comissão Eu rope ia 201, o fe rece impor tan tes

200 In LIVRO VERDE sobre a Responsabilidade Civil decorrente dos produtos defeituosos, apresentado pela Comissão das Comunidades Européias em Bruxelas, 28.07.1999 COM(1999) 396 final, pág 01 in http://europa.eu/documents/comm/green_papers/pdf/com1999-396_pt.pdf 201 Estudo para a Comissão Europeia MARKT/2001/11/D Contrato No. ETD/2001/B5-3001/D/76, disponível em https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&

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aná l ises , mu i to ú te is pa ra as conc lusões des te t raba lho . A p r ime i ra

de las é a iden t i f i cação de que as d i spa r idades em r i scos de

responsab i l idade do p rodu to en t re os Es tados -Membros a fe tam

ap rox imadamente 15% dos p rodu to res em re lação a mane i ra com

que conduzem seus negóc ios .

Pa ra segu rado ras , as d ispa r idades em r iscos de

responsab i l idade do p rodu to en t re os Es tados -Membros a fe tam os

t ipos de apó l ices de segu ro o fe rec idos na Un ião Eu rope ia , bem

como a base sob re a qua l o segu ro é o fe rec ido .

ved=0CB0QFjAA&url=http%3A%2F%2Fec.europa.eu%2FDocsRoom%2Fdocuments%2F7106%2Fattachments%2F1%2Ftranslations%2Fpt%2Frenditions%2Fpdf&ei=ckWXVZrsGselwASK1rOAAQ&usg=AFQjCNHnS7SWSz_c0lSWaP31GjjzU0j9xg&sig2=Wn4CuX22EyL73vYn7xNyWg&bvm=bv.96952980,d.eXY. Site acessado em 03/07/2015.

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Ta is fa tos de ixam c la ro que o d i rec io namento da leg is lação e

o modo de sua imp lementação mod i f i cam comp le tamen te o reg ime

de negóc ios do pa ís , sendo fundamenta l um d i rec ionamen to c la ro

pa ra que ha ja segu rança ju r íd ica na re lação es tabe lec ida .

Nes te sen t ido , um bom exemp lo é a le i de med icame ntos da

A lemanha (Arzne im i t te lgese tz – AMG), de 24 de agosto de 1976,

que já es tava em v igo r quando, em 15 de dezembro de 1989, a

D i re t i va n o 85 /374 fo i t ransposta para A lemanha po r me io da le i de

responsab i l idade c i v i l po r p rodu tos de fe i tuosos (P rodhaf tG) . A

chamada le i de med icamentos su rge como uma resposta aos casos

ca tas t ró f icos envo lvendo esse t ipo de p rodu to , sendo que o ma is

conhec ido é o caso da ta l idom ida , j á menc ionada an te r io rmente . A

A lemanha pre tendeu não só t razer ma io r segurança aos c idadãos

pe lo fa to de responsab i l i za r a indús t r ia f a rmacêut ica pa ra os casos

de r i sco de desenvo lv imento , como também de ixou as regras c la ras ,

t razendo segu rança ju r íd i ca a té mesmo para aque les que d isco rdam

do t ipo de responsab i l i zação c r iada pe la regra , mas, ao menos, tem

a opo r tun idade de a jus ta r o mode lo de negóc io f ren te aos cus tos

que a opção leg is la t i va ge ra à soc iedade.

Como lembra Diana Mon tenegro S i l ve i ra ( Responsab i l idade

c i v i l po r danos causados po r med icamentos de fe i tuosos , p . 174 ) ,

pe la le i a lemã do med icamen to , o p rodu to r f a rmacêut i co só tem o

deve r de inden iza r a v í t ima quando : a ) o dano causado na

sequênc ia do uso cor re to do med icamento va i a lém do que aqu i lo

que , de aco rdo com a c iênc ia méd ica , a v í t ima tem que to le ra r ou

supo r ta r ; e b ) o dano te nha s ido p roduz ido como consequênc ia de

adve r tênc ias , in fo rmações ou ins t ruções de uso que não

cor respondem aos conhec imentos da c iênc ia méd ica , inc lu indo os

de fe i tos de in fo rmação.

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Até mesmo as dema is a l te rações da le i a lemã serv i ram

essenc ia lmen te pa ra ampl ia r a responsab i l idade das fa rmacêu t i cas

pe ran te as v í t imas , com espec ia l des taque à in t rodução de uma

p resunção de causa l idade a favo r do consum ido r , f i cando a ca rgo

da indús t r ia f a rmacêut ica o ônus da p rova de que o med icamento

adm in is t rado não causo u o dano. Nas pa lavras de D iana :

“ [ . . . ] e s tabe leceu -s e nes te sen t i do que sempr e

que o med ic amento usado s e ja i dóneo , de ac ordo

c om as c i r c uns tânc ias do c as o c onc re t o , pa r

c ausar o dano de que o l esado f o i v í t ima ,

p res um i r - se - á que o dano f o i caus ado por e s te

med ic ament o . O p rodu t o r poderá romper o nexo

de caus a l idade p r ovando que não f o i o s eu

med ic ament o que c ausou o dano ou que ex is t e

ou t ra c i r c uns t ânc ia que , no cas o c onc re t o é

i dónea pa r a c aus ar o dano ” . 202

Ao menos no que d iz respe i to a med icamentos , as regras de

responsab i l idade f i cam c la ras na A lemanha , perm i t i ndo que cada

fo rnecedo r possa ser cau te loso e se assegu re dos r iscos ine ren tes

ao p rodu to e ao s i s tema ju r íd ico , t razendo, de ce r ta fo rma, uma

pac i f i cação a um p rob lema tão in t r i cado . Es ta le i es tabe lece um

reg ime de responsab i l idade pe lo r isco do qua l o fornecedo r não

pode se exonera r , nem mesmo com a a legação de r i sco de

desenvo lv imento , sendo p rees tabe lec ido um l im i te inden iza tó r io de

no m ín imo 600 m i l eu ros para danos ind iv idua is e 120 m i lh ões de

eu ros pa ra danos co le t i vos , a lém da ob r igação dos p rodu to res

con t ra ta rem um segu ro que cub ra es te r isco 203.

202 SILVEIRA, Diana Montenegro. Responsabilidade civil por danos causados por medicamentos defeituosos, p. 178. 203 Medicinal Products Act in the version published on 12 December 2005 (Federal Law Gazette [BGBl.]) Section 88 - Maximum amounts: -The party liable for damages shall be liable: 1. in the case of the death of or injury to a person, only up to a capital amount of 600,000 euros or an annuity of up to 36,000 euros per year, 2. in the case of the death of or injury to several persons by the same medicinal product, notwithstanding the limits stipulated in number

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In fe l i zmente , não é es ta a rea l idade no B ras i l , onde a inda

pe rs i s te a dúv ida , tan to na dou t r ina quan to na ju r i sp rudênc ia sobre

qua l é o reg ime de responsab i l i dade em caso de r isco de

desenvo lv imento . A f ina l de con tas , os fo rnecedo res b ras i le i ros são

ou não responsáve is caso a lgum p rodu to p rovoque danos em razão

de r iscos de desenvo lv imento ? A incer teza quanto a ex is tênc ia ou

não des ta responsab i l i dade , é ma is um e lemento que cor robora pa ra

ine f ic iênc ia com a qua l t ra tamos o s i s tema de responsab i l idade po r

r i sco de desenvo lv imen to .

Va le po r f im ressa l ta r o que já de f in ido an te r io rmente em

re lação ao d ispos to no A r t i go 10 do Cód igo de Defesa do

Consumido r , segundo o qua l o fo rnecedo r não pode rá co loca r no

1, up to a capital amount of 120 million euros or an annuity of up to 7.2 million euros per year. Should, in the case of sentence 1 number 2, the combined indemnification to be paid to several injured parties exceed the maximum amounts specified therein, then the individual compensation shall be reduced pro-rata to the maximum total given. Section 94 - Coverage provision: (1) The pharmaceutical entrepreneur shall ensure that he/she is able to meet his/her legal commitments in respect of compensation for the damage incurred as a result of the administration of a medicinal product intended for human use, placed by him/her on the market, and subject to a compulsory marketing authorisation or exempted by ordinance from a marketing authorisation (provision for coverage). The provision for coverage must be made available in the amounts specified in Section 88 sentence 1. It can only be made available by means of: 1. a third party insurance taken out with an independent insurance company authorised to conduct business within the purview of the present Act, for which, in the event of a reinsurance, a reinsurance contract exists only with a reinsurance company that is established within the purview of the present Act, in another Member State of the European Union, in another State Party to the Agreement on the European Economic Area or in another state recognised by the European Commission as equivalent according to Article 172 of Directive 2009/138/EC of the European Parliament and of the Council of 25 November 2009 on the taking-up and pursuit of the business of Insurance and Reinsurance (Solvency II) (OJ L 335 of 17.12.2009, p. 1), or 2. an exemption or warranty obligation issued by a domestic credit institution, or a credit institution of one of the other Member States of the European Union or another State Party to the Agreement on the European Economic Area. (2) If the provision for coverage is afforded by a third party insurance, Section 113 sub-section 3 and Sections 114 to 124 of the Law on Insurance Contracts shall apply mutatis mutandis. (3) Provision for coverage may only be made available using exemption or warranty obligations issued by a credit institution if it is guaranteed that the credit institution will be in a position to meet its commitments within the framework of the provision for coverage for such time as it can be expected to be called upon to do so. Section 113 sub-section 3 and Sections 114 to 124 of the Law on Insurance Contracts shall apply mutatis mutandis with respect to exemption or warranty obligations.(4) The competent office within the meaning of Section 117 sub-section 2 of the Law on Insurance Contracts shall be the authority competent for carrying out supervision pursuant to section 64. (5) The Federal Republic of Germany and the federal Laender are not obliged to provide coverage in compliance with sub-section 1.

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mercado de consumo p rodu to ou se rv i ço que sabe ou deve r ia sabe r

ap resen ta r a l t o g rau de noc iv idade ou pe r i cu los idade à saúde ou à

segu rança .

A F rança , que fo i um dos ú l t imos pa íses a t ranspo r a D i re t i va

n o 85 /374 , o que só oco r reu em 1998 po r me io da Le i n o 389-98 204,

segmentou a responsab i l i zação po r danos deco r ren tes de de fe i tos

com produ tos hemoder i vados, p rovave lmente pe los re f lexos dos

danos p rovocados pe lo con tág io com o v í rus HIV ou Hepat i te C,

deco r ren tes de t rans fusões de sangue quando ta i s doenças não

e ram de tec tadas p rev iamente à t rans fusão . Por tan to , apesa r de

cons ide ra r o r isco do desenvo lv imen to como exc ludente de

responsab i l idade , a fas ta -se ta l poss ib i l idade quando o dano fo r

causado po r um e lemento do co rpo humano ou po r p rodu tos

p rocedentes de le , como o sangue ou hemoder i vados 205.

204 A internalização se deu dez anos depois do prazo limite de três anos dado pela Diretiva para que os países internalizassem as regras sobre a responsabilização de produtos defeituosos. 205 SILVEIRA, Diana Montenegro. Responsabilidade Civil Por Danos Causados por Medicamentos Defeituosos. Coimbra. Coimbra Editora, 2010, pág 244. Vale destacar os artigos 12 e 13 da Lei Francesa 98-389: “LOI no 98-389 du 19 mai 1998 relative à la responsabilité du fait des produits défectueux “Article 12 - Il est inséré, dans le même titre, un article 1386-11 ainsi rédigé: « Art. 1386-11. - Le producteur est responsable de plein droit à moins qu'il ne prouve : « 1o Qu'il n'avait pas mis le produit en circulation ; « 2o Que, compte tenu des circonstances, il y a lieu d'estimer que le défaut ayant causé le dommage n'existait pas au moment où le produit a été mis en circulation par lui ou que ce défaut est né postérieurement ; « 3o Que le produit n'a pas été destiné à la vente ou à toute autre forme de distribution ; « 4o Que l'état des connaissances scientifiques et techniques, au moment où il a mis le produit en circulation, n'a pas permis de déceler l'existence du défaut ; « 5o Ou que le défaut est dû à la conformité du produit avec des règles impératives d'ordre législatif ou réglementaire. « Le producteur de la partie composante n'est pas non plus responsable s'il établit que le défaut est imputable à la conception du produit dans lequel cette partie a été incorporée ou aux instructions données par le producteur de ce produit. » Article 13 Il est inséré, dans le même titre, un article 1386-12 ainsi rédigé : « Art. 1386-12. - Le producteur ne peut invoquer la cause d'exonération prévue au 4o de l'article 1386-11 lorsque le dommage a été causé par un élément du corps humain ou par les produits issus de celui-ci. « Le producteur ne peut invoquer les causes d'exonération prévues aux 4o et 5o de l'article 1386-11 si, en présence d'un défaut qui s'est révélé dans un délai de dix ans après la mise en circulation du produit, il n'a pas pris les dispositions propres à en prévenir les conséquences dommageables. »

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Va le a inda comenta r as c r í t i cas tec idas po r Mar ia Pa r ra Lucan

(1990 ) e Son ia Rodr iguez L lamas (2002 ) , que de fendem que, pa ra

um s is tema que p resc inde do requ is i to da cu lpa , não se deve r ia

pode r va lo ra r a poss ib i l idade ou imposs ib i l idade de de tecção do

de fe i to do p rodu to pa ra e fe i tos de es tabe lec imen to de

responsab i l idade . Ass im, as au to ras apontam que a exc lusão da

responsab i l idade do p rodu to r po r r iscos d e desenvo lv imento só

te r ia sen t ido em um s is tema de responsab i l idade sub je t i va baseado

na cu lpa , e não em um s is tema baseado na responsab i l i dade pe lo

r i sco (ob je t i va ) .

3.5 – Indenização tar i fada

Cons ide rando jus to que o consumido r lesado receba um va lo r

de inden ização que ga ran ta a res t i tu t io ad in teg rum (do la t im

“ res tau rar à cond ição o r ig ina l ” ) , have rá sen t ido es tabe lecer na

leg is lação pa râmet ros ob je t i vos par a inden ização . Como ve remos,

a f i xação de va lo res máx imos pa ra ressarc imento de v í t imas,

f ac i l i ta o p rov is ionamen to e con t ra tação de segu ros po r pa r te das

empresas, ga ran t indo ma io r segu raça de inden ização ráp ida e

e fe t i va aos consum ido res que so f re rem da nos em caso de r iscos de

desenvo lv imento .

V imos que mesmo nos pa íses que ace i tam o r i sco de

desenvo lv imento como causa para exc lusão de responsab i l idade ,

es ta exc ludente não se rve a todo e qua lque r p rodu to ou se rv i ço

co locado no mercado , sendo que em mu i tas leg is lações a exceção

é fe i t a quando o dano deco r re de a l imentos e med icamentos . Es ta

s i tuação , todav ia , não re f le te as normas e regu lamentações

b ras i le i ras , res is ten tes a ace i ta r qua lque r t ipo de f i xação de va lo r

ou mesmo uma l im i tação .

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Nes te sen t ido es tá , por exemp lo , a Le i da Espanha (Ley

22 /1994, de 6 de ju l io , de responsab i l idad c i v i l po r los daños

causados po r p roductos de fec tuosos ) e que teve po r ob je t i vo

in te rna l i za r a D i re t i va Eu ropé ia 85 /374 /CEE, de 25 de ju l io d e 1985,

ao D i re i to Espanho l . Re fe r ida le i em seu A r t i go 6 o , i tem 3 , é

exp ressa ao menc iona r que “En e l caso de med icamentos , a l imentos

o p roductos a l imenta r ios des t inados a l consumo humano, los

su je tos responsab les , de acue rdo con es ta Ley , no pod rán invoc a r

l a causa de exone rac ión de la le t ra e ) de l apa r tado 1 de es te

ar t ícu lo ” , segundo o qua l o fabr ican te ou impor tado r não se rão

responsab i l i zados se p rova rem que o conhec imen to ex is ten te na

época em que o p rodu to fo i co locado no mercado, não os pe rmi t ia

sabe r do de fe i to 206.

Es ta mesma d ispos ição fo i mant ida pe lo Re a l Dec re to

Leg is la t i vo 1 /2007, de 16 de novembro de 2007 que c r iou uma Le i

Gera l para Defesa dos Consumido res e der i vou a Ley 22 /1994, que

também f i xou l im i tes pa ra inden izações 207.

206 Artículo 6. Causas de exoneración de la responsabilidad. 1. El fabricante o el importador no serán responsables si prueban: (...)e) Que el estado de los conocimientos científicos y técnicos existentes en el momento de la puesta en circulación no permitía apreciar la existencia del defecto. (...) 3. 3. En el caso de medicamentos, alimentos o productos alimentarios destinados al consumo humano, los sujetos responsables, de acuerdo con esta Ley, no podrán invocar la causa de exoneración de la letra e) del apartado 1 de este artículo.

207 Real Decreto Legislativo 1/2007, de 16 de noviembre, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios y otras leyes complementarias. Artículo 140. Causas de exoneración de la responsabilidad. 1. El productor no será responsable si prueba:(...) e) Que el estado de los conocimientos científicos y técnicos existentes en el momento de la puesta en circulación no permitía apreciar la existencia del defecto.

Artículo 141. Límite de responsabilidad. La responsabilidad civil del productor por los daños causados por productos defectuosos, se ajustará a las siguientes reglas: a) De la cuantía de la indemnización de los daños materiales se deducirá una franquicia de 500,00 euros. b) La responsabilidad civil global del productor por muerte y lesiones personales causadas por productos idénticos que presenten el mismo defecto tendrá como límite la cuantía de 63.106.270,96 euros.

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Ass im também es t á a le i de med icamentos da A lemanha

(A rzne im i t t e lgese tz – AMG), de 24 de agosto de 1976, que já es tava

em v igo r quando, em 15 de dezembro de 1989 , a D i re t i va n o 85/374

fo i t ranspos ta pa ra A lemanha po r me io da le i de responsab i l idade

c i v i l po r p rodu tos de fe i tuosos (P rodhaf tG) . Po r me io de re fe r ida le i ,

não have rá queb ra de nexo de causa l idade quando o dano , mesmo

em caso de r i sco de desenvo lv imento , f o r causado po r

med icamen tos . A lém d isso , a pa r te responsáve l pe la causação dos

danos se rá responsáve l ao paga mento , em caso de mor te ou lesão

de uma pessoa , a um montan te de a té 600 m i l eu ros .

A temát ica das inden izaçõ es ta r i f adas no B ras i l a inda é tema

de con t rové rs ia . O Super io r T r ibuna l de Jus t iça em inúmeras

dec isões tende a rechaçar as normas que c r iem a lg um t ipo de

inden ização com l im i tação . É o caso do REsp n o 148 .212 /RJ , que

em re fe r ida dec isão cons ignou que l im i tação p rev is ta pe la Le i n o

5 .250 /67 que l im i tava a responsab i l idade c i v i l do jo rna l is ta

p ro f i ss iona l que conco r re pa ra o dano po r neg l igênc ia , i mper íc ia ou

imprudênc ia não fo i receb ida pe la Ca r ta Po l í t i ca de 1988 . O p róp r io

Acódão a inda c i t a o REsp n o 61 .922 nos segu in tes te rmos :

“ Ci tando o REsp n o 61 . 922 - RS, de que f o i r e l a to r

o M in is t r o Car los A lbe r to Menezes D i re i t o , a Eg .

Te rc e i ra Turma p roc lam ou: "Com a Cons t i t u i ção

de 1988 ( a r t . 5 , V e X ) ac abou o c on f i namento da

i nden i zação po r danos m ora is nos t e rmos

exc luden tes da Le i de Impr ens a , inap l i c áve i s as

l im i t aç ões ne la con t idas ' ' ( i n RSTJ vo l . 105 , pág .

248) . Es sa ques t ão t i ve ra s i do d i scu t i da

an te r i o rmen te , quando da ap r ec iação do REs p n o

103 . 307 - SP, no qua l , p r ime i ro o Sr . M in i s t ro

Car l os A lbe r to Menezes D i r e i t o expus era a sua

l i nha de en tend imen to , i n ve r b is : "O meu

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pensam ent o é no s en t i do con t rá r i o à ex i s tênc ia

des sa l im i t ação da l e i de impr ens a . E é c on t r á r io

po r um f undam ento , que , a meu j u ízo , pa r ec e

s im p les : an tes da v igênc ia da Cons t i t u i ção de

1988 , não hav ia , no pa t amar c ons t i t u c iona l , o

p r i nc íp i o da p roporc i ona l i dade no que c onc erne à

r espos t a a um a Docum ent o : IT43367 - I n t e i ro Teor

d o Ac órdão - S i t e ce r t i f i c ado - DJ : 10 /09 /2001

Pág ina 5 de 16 Super io r T r ibuna l de Jus t i ça

de te rm inada o fens a que a l cançass e ,

v i r u len tamente , a honr a , a d ign idade ou a

i n t im idade da pess oa . Com a Cons t i t u i ção de

1988 , que i novou nes te pa r t i c u la r , não apenas po r

i n se r i r o p r i nc íp i o da p r oporc i ona l i dade com

r e laç ão à o f ensa , mas , t am bém, po r e l eva r ao

pa tam ar cons t i t u c i ona l o dano mor a l que ,

an t igamente , não ex i s t ia . O ra , a m eu ve r , c om

todo ma io r res pe i t o aos que examinam a mat é r ia ,

s em ess a pe rs pec t i va , adm i t i r a ex is t ênc ia da

l im i t aç ão t a r i f ada co r res ponder ia a ace i t a rmos ou

adm i t i rmos a ex is tênc ia de uma in t e rp re tação da

Cons t i t u i ção , con fo rme a l e i o rd i ná r ia que lhe é

an te r i o r ” . 208

Em con t rapa r t ida , é poss íve l encon t ra r a lgumas le is que ,

mesmo a pa r t i r de 1 988, es tabe lecem um reg ime de inden izações

ta r i f adas . A Le i n o 9 .140 de 04 de dezembro de 1995 que reconhece

como mor tas pessoas desaparec idas em razão da pa r t ic ipação ou

acusação de pa r t ic ipação em a t i v idades po l í t i cas é um exemplo . De

aco rdo como Ar t igo 11 o des ta le i , a inden ização , a t í tu lo

repa ra tó r io , cons is t i rá no pagamento de va lo r ún ico igua l a 3 m i l

rea is mu l t ip l i cado pe lo número de anos co r responden tes à

expec ta t i va de sob rev ivênc ia do desapa rec ido , levando -se em

cons ide ração a idade à época do de sapa rec imento e os c r i té r ios e

208 REsp no 148.212/RJ

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va lo res t raduz idos na tabe la cons tan te do Anexo I I des ta Le i .

Segundo o § 1 o da le i , em nenhuma h ipó tese o va lo r da inden ização

será in fe r io r a 100 m i l rea is .

No mesmo sen t ido es tá a Le i n o 12 .190 /2010, c r iada para

conceder inden ização po r dano mora l às pessoas com de f ic iênc ia

f ís ica decor ren te do uso da ta l idomida . Confo rme re fe r ida le i e seu

Decre to Regu lamentado r (Dec re to n o 7 .235 /10 ) , é poss íve l

conceder inden ização po r dano mora l às pessoas com de f ic iênc ia

f ís ica deco r ren te do uso da ta l idom ida , que cons is t i rá no pagamento

de va lo r ún ico igua l a 50 m i l rea is mu l t ip l i cado pe lo número dos

pon tos ind icado res da na tu reza e do g rau da dependênc ia

resu l tan te da de fo rmidade f ís i ca (§1 o do A r t i go 1 o da Le i n o 7.070

de 20 de dezembro de 1982 ) .

Nes te cená r io , conv ivemos ao mesmo tempo com a lega l idade

de normas que possuem s is tema de inden ização ta r i f ada e , a té o

momento , são v i s tas como cons t i tuc iona is , po is ambas en t ra ram em

v igo r após a Cons t i tu ição de 1998, ao mesmo tempo que o STJ e

STF en tendem que não é poss íve l recepc iona r a Le i n o 5 .250 /67

que l im i tava a responsab i l idade c iv i l do jo rna l i s ta , cons ide rando a

ex tensão da in te rp re tação dada aos inc i sos V e X do A r t i go 5 o da

Cons t i tu ição Federa l .

Ao que me pa rece , es ta conv ivê nc ia ha rmôn ica e

apa ren temente con t rad i tó r ia é pe r fe i tamente poss íve l , uma vez que

ambas pos ições apa ren temente t razem con fo r to aos

ju r i sd ic ionados, p reservando - lhes o d i re i to f undamenta l .

I sso po rque , em teo r ia , não se pode a t r ibu i r a qua lque r mode lo

de inden ização ta r i f ada uma a f ron ta d i re ta aos inc i sos V e X do

A r t i go 5 o da Const i tu i ção Fede ra l e nem mesmo ao Ar t i go 6 o , V I do

Cód igo de Defesa do Consumido r , segundo o qua l é D i re i to Bás ico

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do Consumido r a e fe t i va p revenção e repa ração de danos (CF, A r t .

5 o , V - é assegu rado o d i re i to de respos ta , p ropo rc iona l ao agravo ,

a lém da inden ização po r dano mate r ia l , mora l ou à imagem; e X -

são inv io láve is a in t im idade, a v ida p r i vada , a hon ra e a imagem

das pessoas, assegu rado o d i re i to a inden ização pe lo dano mate r ia l

ou mora l deco r ren te de sua v io lação / CDC – A r t . 6 º , V I - a e fe t i va

p revenção e repa ração de danos pa t r imon ia is e mora is , ind iv idua is ,

co le t i vos e d i f usos ) .

Mesmo sendo ta r i f ado , o va lo r es t ipu lado em norma pode rá ,

em d ive rsos casos conc re tos , se r su f i c ien te pa ra garan t i r a e fe t i va

repa ração com respos ta p ropo rc iona l ao agravo so f r ido . A lém do

ma is , sendo os va lo res p rev iamente es t ipu lados, f i ca ma is fác i l para

o po tenc ia l lesan te in te rna l i za r es tes cus tos de fo rma a ev i tá - lo , ta l

como fo i ana l i sado na d iscussão sob re a teor ia econômica da

responsab i l idade c i v i l .

Va le ressa l ta r que fo ram impor tan tes as p rovocações

ap resen tadas po r Rona ld Dwork in em Levando os d i re i tos a sé r io

ao ques t ionar se os d i re i tos podem se r con t rove rsos . Se r ia es te um

caso d i f íc i l a ta l pon to que nos permi t i sse ana l i sa r se não ex is t i ra

uma respos ta cer ta e apenas repostas? Não é es ta a v i são de

Dwork in , que ac red i ta que mesmo em casos d i f í ce is há sempre uma

resposta ce r ta :

“ [ . . . ] i ns is t o que mesmo nos c as os d i f íce i s , é

r a zoáve l d i ze r que o p r ocess o tem por f i na l idade

des cobr i r , e não i nven t a r , os d i re i t os das pa r t es

i n t e ressadas e que a j us t i f i c ação po l í t i ca do

p roc ess o depende da va l i dade des sa

c a rac te r i zaç ão . Por tan to , a t ese de que não há

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r esos ta co r re ta é hos t i l à t es e dos d i r e i t os que

de f endo ” . 209

Des ta mane i ra , pode -se conc lu i r que são inúmeros os

benef íc ios ge rados quando as pa r tes em uma re lação ju r íd ica têm

c la reza de suas responsab i l idades e dos r i scos exa tos que

pe rme iam suas a t i v idades , re lac ionamen tos ou compor t amen tos .

E las podem in te rna l i za r os cus tos dos r iscos des ta re lação ,

i nc lus ive podendo admin is t rá - los por me io de con t ra tos de segu ro .

Nes te cenár io , usando os exemp los das normas que f i xa ram

inden izações ta r i fadas , pe rcebe -se um aumento do bem -es ta r das

pa r tes que in i c ia lmente se v iam envo lv idas em inúmeros con f l i tos

jud ic ia is , as qua is pac i f i ca ram suas re lações em razão das

inden izações f i xadas em le i . O componen te da pac i f i cação , com a

consequente redução dos cus tos envo lv idos nos con f l i tos , d i re tos e

ind i re tos , também são fo rmas de se a lcançar os fundamentos

es tabe lec idos no A r t i go 1 o da Const i tu ição Fede ra l , que vê seu

fundamento na d ign idade da pessoa humana.

No p róx imo e ú l t imo cap í tu lo d iscu to as fo rmas que cons ide ro

serem as ma is e f icazes pa ra r epa ração de danos em caso de r isco

de desenvo lv imento que são a c r iação a con t ra tação de segu ros

pa ra fo rnecedo res , inc lus ive po r me io de suas en t idades

rep resen ta t i vas , e também po r me io de recursos a locados em

fundos espec ia is pa ra ressarc imento de danos de na tu reza co le t i va .

209 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, p. 430.

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4 – FORMAS DE COMPENS AÇ Ã O DE DANOS POR RISCO DE

DESENVOLVIMENTO

A so lução que o Bras i l encon t rou para l i da r com a temát ica do

r i sco de desenvo lv imento fo i a de a t r ibu i r aos fo rnecedores

( fab r ican te , impor tador , cons t ru to r , en t re ou t ros ) os enca rgos des ta

responsab i l idade . Todav ia , cons ide rando que a p ropensão dos

danos causados po r r is co de desenvo lv imento oco r ra em

ca tás t ro fes , ge ra lmente com grande número de pessoas lesadas e

com danos de e levada repercussão , o fa to de se im puta r ao

fo rnecedo r a responsab i l idade exc lus iva por ta is danos não ga ran te

que os consum ido res se rão todos inden izados , a té mesmo po r

l im i tações f inance i ras do fo rnecedor .

Em razão des tas pecu l ia r idades do r isco de desenvo lv imento ,

podemos cons idera r a l te rna t i vas que me pa recem ma is e f i cazes

pa ra en f ren tamento des te p rob lema. O ut ras so luções poss íve is

pa ra l ida r com es ta moda l idade de r isco , e que usua lmente a fe ta

uma co le t i v idade de pessoas , são a c r iação de fundos pa ra

compensação de danos co le t i vos ou segu ros . Ambos são des t inados

espec i f i camente à ga ran t ia de inden ização por danos deco r ren tes

de r i sco de desenvo lv imento de de te rminado p rodu to .

É impor tan te des taca r o es tudo e labo rado pe la Fonda zione

Rosse l l i 210, con t ra tada pe la European Commiss ion (Con t ra to n

210 A Comissão Europeia solicitou a Fundação Rosselli a realização de um estudo que teve como objetivo avaliar o impacto económico da exclusão de responsabilidade por risco de desenvolvimento contidos na Diretiva 374/85/CEE relativa à responsabilidade por danos causados por produtos defeituosos. O estudo, que terminou em 2004, consistia em quatro partes distintas: o funcionamento da "cláusula de risco de desenvolvimento" à luz da regulamentação e legislação da UE aprovada pelos Estados-Membros; a identificação de setores e situações em que os consumidores podem não ter qualquer forma de proteção; a análise dos regimes especiais e ao funcionamento dos sistemas de segurança social e fundos de compensação; a análise do impacto económico de eliminar a "cláusula de risco de desenvolvimento" em toda a União Europeia. Tendo elaborado o modelo analítico acima, conduzido por considerações do lado do consumidor, uma série de hipóteses e previsões

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ETD/2002 /85 ) para ana l i sa r o impacto econômico das poss íve is

moda l idades de responsab i l i zação ou não em caso de r i sco de

desenvo lv imento , ta l como prev is to na D i re t i va 85 /374 /ECC, que

t ra ta de p rodu tos de fe i tuosos . A p r ime i ra observação re la t i va ao

ob je to do re fe r ido es tudo e que se coaduna com o ob je t i vo

p re tend ido nes ta tese é a ten ta t i va de se ana l i sa r a temát ica do

r i sco de desenvo lv imento com a perspect i va de harmon iza r a

necess idade de es t ímu lo à inovação e ao desenvo lv imen to

econômico , ao mesmo tempo em que se busca a t ing i r as

expec ta t i vas leg í t imas dos consum ido res de p rodu tos ma is segu ros .

Nes te aspecto , um dos pon tos p r inc ipa is a se r d i scu t ido é se ,

p reva lecendo a in te rp re tação de que ex is te responsab i l idade do

fo rnecedo r po r r i sco de de senvo lv imento , a inovação es ta rá sendo

su focada po r pa r te do se to r empresar ia l , cons ide rando o eno rme

r i sco e a ince r teza t raz idos pa ra de te rminada a t i v idade

econômica 211.

A exc lus ão da r es pons ab i l i dade po r r i sc o de

des envo l v im en to ( c l áusu la de r i sc o pa ra o

des envo l v im en to - DRC) p r es en t e na D i rec t i va

85 /374 / CEE tem s ido u t i l i zada e i n te rp re tada de

f o rma a busc ar um en tend im en t o sa t i s f a tó r i o

en t re a neces s idade de es t im u la r a inovação e as

expec t a t i vas l eg í t imas dos consum idores , que

des e jam p rodu t os ma i s s eguros . Na ve rdade , uma

foram apresentadas para avaliar os efeitos sobre o sistema econômico de quaisquer alterações à directiva em vigor. Graças aos resultados do estudo, a Comissão criou agora um grupo de trabalho permanente, de que a Fundação Rosselli é um membro, que visa monitorizar a utilização e a tendência da atual directiva, tendo em vista uma eventual revisão. http://www.biicl.org/files/100_rosselli_report.pdf 211 A Cláusula de exclusão de responsabilidade por Risco de Desenvolvimento (DRC) que consta na Directiva 85/374 / CEE tem sido definida, tem sido definida a partir do compromisso em se buscar uma harmonização entre a necessidade de estimular a inovação e as expectativas legítimas dos consumidores de produtos mais seguros. Analysis of the Economic Impact of the Development Risk Clause as provided by Directive 85/374/EEC on Liability for Defective Products. FONDAZIONE ROSSELLI, p. 132. Acesso em 28/11/2015. Disponível em http://www.biicl.org/files/100_rosselli_report.pdf.

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das p r i nc ipa is ques t ões em deba te é s e exc lusão

da DRC, o que v iab i l i za r i a a res ponsab i l i zação

po r r i sc o de desenvo l v im en t o , i r i a des incen t i va r a

i novação . (Fondaz ione Ross e l l i , 2004 , p . 132) 212

O es tudo conc lu i que se en tende rmos que não ex is te

exc luden te de responsab i l idade po r r isco de desenvo lv imento , não

have rá nem mesmo mercado de segu ro pa ra es te t i po de r i sco , o

que pode levar à imposs ib i l idade de ressarc imento dos

consum ido res , uma vez que , poss ive lmente , as empresas não te r ão

recursos pa ra a rca r com todos os danos p rovocados po r s i tuações

de r i sco de desenvo lv imento 213. Ve jamos um t recho do es tudo da

Fonda zione Rosse l l i sob re ta l ques tão :

Conc r e tamente , as empr es as pode r i am s e r

i n capazes de encon t ra r a c ober tu r a de s eguro

p a ra r i sc o de des envo l v im en t o , espec ia lmen t e

po rque os r i s cos des t a na tu r eza envo l vem

ac iden t es de g rande m on t a . Na med ida em que o

r i s co de des envo l v imen to es tá p resen t e , e l e se

enquadra na moda l i dade de r i s cos não

s eguráve is , uma vez que e les oco r r em mu i t o

212 Tradução Livre de The DRC present in Directive 85/374/EEC has been defined in order to find a satisfactory compromise between the need to stimulate innovation and consumers’ legitimate expectations of safer products. In fact, one of the main claims being set forward in the current debate on the DRC, is that removal of this clause would stifle innovation. (Fondazione Rosselli, 2004, p. 132) 213 As empresas poderiam ser incapazes de encontrar a cobertura de seguro para risco de desenvolvimento, especialmente quando os riscos desta natureza podem envolver acidentes graves. No que diz respeito aos riscos de desenvolvimento, eles geralmente parecem cair para a área de riscos não mensurável, uma vez que eles ocorrem muito raramente e, muitas vezes implicam graves danos. Nestas condições, é altamente provável que, caso a Cláusula de exclusão de responsabilidade por Risco de Desenvolvimento seja removida, garantindo-se contra o risco de desenvolvimento não será viável, simplesmente porque um mercado para o seguro de risco de desenvolvimento pode não existir. Analysis of the Economic Impact of the Development Risk Clause as provided by Directive 85/374/EEC on Liability for Defective Products. FONDAZIONE ROSSELLI, p. 134. Acesso em 28/11/2015. Disponível em http://www.biicl.org/files/100_rosselli_report.pdf.

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r a ramente e , m u i t as vezes imp l i c am em danos de

g rande reperc us são . Nes tas cond i ções , é

a l t amen te p r ováve l que , c as o a exc lusão lega l de

r esponsab i l i dade po r R is co de Des envo l v imen to

s e ja r emov ida ( c l áusu la de r i sco pa ra o

des envo l v im en to - DRC) , não se r á pos s íve l f aze r

um segur o c on t r a o r i sc o de des envo l v im en to ,

s im p lesm ent e po rque não haver á um merc ado

s egurador pa r a c obr i r t a l m oda l i dade de r i s co .

( Fondaz ione Rosse l l i , 2004 , p . 134) 214

Po r f im , o es tudo ap resen ta p ropos tas a l te rna t i vas pa ra uma

p ro teção con t ra r i sco de desenvo lv imento , ge rando aumen to de

bem-es ta r ao consumidor , ao mesmo tempo que es t imu la a

inovação . O p r inc ipa l mode lo é a cen t ra l i zação de fundos de

compensação de consum ido res os qua is , inc lus ive , podem ser

f o rmados po r uma re lação en t re fundos de na tu reza p r i vada ou

púb l ica .

Nes te cená r io , é impor tan te ava l ia rmos os exemp los que

encont ramos no Bras i l e no ex te r io r , va lendo a ressa lva de que os

casos de r i sco de desenvo lv imento têm grande p ropensão pa ra

casos de g randes vu l tos e desa s t res , sendo comum e a té

necessá r io que o Es tado in te rvenha para assegura r às v í t imas uma

inden ização jus ta ou pa ra sa lva r empresas da fa lênc ia 215.

214 Tradução livre de Specifically, companies could be unable to find insurance coverage for development risk, especially when risks of this nature can involve major accidents. As far as development risks are concerned, they generally seem to fall into the area of noninsurable risks, since they occur very rarely and often imply severe damages. Under these conditions, it is highly likely that, should the Risk Development Clause be removed, insuring themselves against development risk will not be feasible, simply because a market for development risk insurance might not exist. (Fondazione Rosselli, 2004, p. 134) 215(Reinig, 2010 p. 275) “O grande problema dos riscos do desenvolvimento é a sua tendência à catástrofe, como se faz sentir no caso da talidomida. Suas consequências podem ser de tal magnitude que o resultado da responsabilização irrestrita das empresas pode ser sua falência e o consequente desamparo daqueles indivíduos que não conseguiram fazer valer o seu direito. O Estado invariavelmente teria que interferir para assegurar as vítimas uma

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4 .1 – Fundos espec ia is de compensação

No B ras i l , temos exemplos apenas de fundos pa t roc inados ou

o rgan izados pe lo Es tado pa ra faze r f ren te a danos co le t i vos de

consumo e ou t ros in te resses d i f usos ou co le t i vos , mesmo que o

p rob lema tenha s ido causado por uma empresa p r i vada .

O caso da ta l idom ida é um t íp i co exemp lo de ac iden te de

consumo causado po r r isco de desenvo lv imento , ou se ja , no

momento em que o p rodu to fo i co locado no mercado de consumo,

não hav ia conhec imento c ien t í f i co su f i c ien te pa ra de iden t i f i ca r que

mu lhe res g ráv idas que inger i ssem ta l sus tânc ia pode r iam dar à luz

c r ianças com de f ic iênc ia , p r i nc ipa lmente nos membros in fe r io res . A

estas pessoas, f o i a t r i bu ída a “s índ rome da ta l i domida ” ou

“ focomel ia ” .

Em razão da desas t rosa consequênc ia que a ta l idomida

causou aos f i lhos das ges tan tes que inge r i ram ta l med icamen to , f o i

ed i tada a Le i n o 7 .070 /82 que d ispõe sob re pensão espec ia l pa ra

pessoas com de f i c iênc ia f í s ica , conhec ida como S índ rome da

Ta l idom ida . A re fe r ida le i , que pos te r io rmente fo i a l te rada pe la Le i

n o 12 .190 /2010, regu lamen tada pe lo Dec re to n o 7 .235 /10 , ga ran t iu

às v í t imas inden izações po r danos mora is e mate r ia is , inc lu indo

pensão mensa l 216.

indenização justa ou até mesmo para salvar as empresas de significativa relevância para economia nacional”. 216 Conforme constou do relatório da FONDAZIONE ROSSELLI (2002), a Europa também criou alguns fundos especiais de compensação para danos relacionados farmacêuticas. No Reino Unido, um fundo foi criado para compensar as vítimas da talidomida. Lá são outros dois países onde os fundos especiais de compensação para produtos farmacêuticos defeituosos foram criados antes da aprovação do a directiva CE: Finlândia (onde o RDC não se aplica), e Alemanha (onde a seção 84 da Lei de Drogas aprovou, em 24/8/1976 introduziu uma forma de responsabilidade objetiva que se aplica a produtos médicos colocados no mercado alemão

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Quanto à questão pa t r imon ia l , o va lo r da pensão de f in ido pe la

le i se rá ca lcu lado em função dos pon tos ind icado res da na tu reza e

do g rau da dependênc ia resu l tan te da de fo rm idade f ís i ca , à razão ,

cada um, de me tade do ma io r sa lá r io m ín imo v igen te no Pa ís .

Quanto ao dano mora l , a inden ização fo i d i rec ionada às pessoas

com de f i c iênc ia f í s i ca deco r ren te do uso da ta l idom ida , e f i cou

de f in ido o pagamento de va lo r ún ico igua l a 50 m i l rea is

mu l t ip l i cado pe lo número dos pon tos ind icado res da na tu reza e do

g rau da dependênc ia resu l tan te da de fo rmidade f ís i ca , ava l iados

nos te rmos da le i .

Ana l isando essas no rmas, v imos que as inden izações t i ve ram

cará te r p rev idenc iá r io apesa r de te rem s ido au to r i zadas sem uma

p rev isão o rçamentár ia ou o rçamento espec í f i co pa ra ta i s

i nden izações, mas que pe lo c lamor popu la r , ex ig i ram uma resposta

do Es tado , que ve io por me io da pensão e inden ização cus teadas

pe lo Ins t i t u to Nac iona l de P rev idênc ia Soc ia l , por con ta do Tesou ro

Nac iona l . Es te co locou à d ispos ição da P rev idênc ia Soc ia l a con ta

de do tações p róp r ias cons ignadas no Orçamen to da Un ião , os

recursos necessár ios ao pagamento da pensão espec ia l , em co tas

t r imes t ra i s , de aco rdo com a p rogramação f inance i ra da Un ião 217.

que são produzidos para uso humano. Na Finlândia, existe uma lesão farmacêutica seguro financiado pelos produtores, que foi criado 19 anos atrás, como um seguro voluntário; ele é baseado em um contrato entre companhias de seguros e da indústria farmacêutica. Dentro Alemanha, existe a "pharmapool", que foi criado em 1978. A análise desses fundos é tratada mais tarde na seção dedicada a fundos especiais de compensação. 217 Assim como no Brasil, referido estudo elaborado pela Fondazione Rosseli, aponta que nos diversos países membros da União Europeia existem regimes de seguridade social que buscam garantir às pessoas que sofreram qualquer espécie de dano uma determinada quantia para cobrar a perda econômica que lhe foi imposta. Portanto, quando um produto defeituoso causa danos graves o suficiente para que reduzam a capacidade de trabalho, afeta a capacidade de ganho e aumenta as necessidades do trabalhador, pedir ao Estado auxilio ou subsídio em razão da deficiência ou incapacidade que sofre. FONDAZIONE ROSSELLI, p. 88. Acesso em 28/11/2015. Disponível em http://www.biicl.org/files/100_rosselli_report.pdf.

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Todav ia , o fa to de ex is t i r um fundo c r iado pe la p rev idênc ia

pa ra inden iza r as v í t imas da ta l idomida não s ign i f i ca que a empresa

fo rnecedo ra do med icamento e , por tan to , responsáve l d i re ta pe lo

dano , não tenha o deve r de ressa rc i r os consum ido res que

p le i tea rem a lgum d i re i to de inden ização d i re tamente con t ra e la ,

apesa r de te r ocor r ido na menor par te dos casos .

Fo i o que acon teceu na ação em que o S r . Don ize te Fe r re i ra

da S i l va a ju i zou em face de Syn tex Comérc io e Pa r t ic ipação L tda . ,

responsáve l pe lo med icamen to , sendo que o STJ (RESP 60 .129 -SP)

en tendeu pe la responsab i l idade da indús t r ia f a rmacêut i ca :

“ EMENTA Responsab i l i dade C i v i l . De fo rm idades f ís i c as

em r azão do us o , pe la gen i t o ra , de med i cam ento

c on t endo Ta l idom ida . I nden i zação . Cab imen to . ( . . . ) "A

s o l ida r i edade não s e p r es ume, resu l t a da le i ou da

von t ade das pa r t es . " Não se pode cons ide r a r t enha a

Le i 7 . 070 , de 20 de f eve r e i ro de 1982 , es t abe lec ido

um a re lação de s o l ida r i edade en t re o l abora t ó r io

demandado e a Un ião , vez que s e t ra t a de l e i

p rev idenc iá r i a e que , po r seu c on t eúdo , não de te rm ina

s e r essa r es pons áve l , d i r e t a ou ind i r e tamente , pe los

danos causados aos bene f i c i á r ios . I I I - A mer a

c i r cuns tânc ia de a Un ião Federa l , po r me io do

Min i s t é r io da Saúde , haver conc ed ido ao labora t ó r io

r éu l i cença pa ra c om er c ia l i zação do rem éd io

des as t r oso e noc i vo , não ge ra , só po r i ss o , o d i r e i t o de

r eg ress o c on t r a a Fazenda Nac iona l , ao pá l i o da

denom inada res ponsab i l i dade ob j e t i va . A l i cenç a de

f ab r i c ação e comerc ia l i zação , em ta is c as os , c onc ed ida

à v i s t a das i n f o rmaçõ es de pesqu isa f o rnec idas pe lo

p róp r i o labor a tó r io e , ass im , a v i a reg ress i va

c o r responder á a ven i re con t ra f ac t um p rop r i um. IV - A

c l áusu la cons tan te da t ransação j ud i c i a l , e f e t i vada em

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demanda an te r i o r , que s upos tam ente au to r i za r ia a

denunc iaç ão da l i de , poss u i c a rá t e r em inen t ement e

r es t r i t i vo àque la demanda , não sendo pe rm i t i do

es tender a sua ap l i caç ão a t oda e qua lquer aç ão

p romov ida con t r a o r éu . V - Recu rs o es pec ia l não

c onhec ido ” . 218

Si tuação s im i la r oco r reu a década de 1980 quando m i lha res

de pessoas fo ram con tam inadas pe lo v í rus HIV em razão de

t rans fusões de sangue . Apesa r da c iênc ia da doença nes ta época ,

os exames pa ra d iagnost icá - la su rg i ram apenas na segunda metade

da década, e em razão da jane la imuno lóg ica pa ra de tecção do

v í rus , mu i tos que receb iam sangue por t rans fusão acabavam se

con tam inando com o H IV.

A A IDS 219, descobe r ta em 1983 pe lo imuno log is ta f rancês Luc

Montagn ie r , e cons iderada de f in i t i vamente d iagnost i cada em ju lho

de 1985 quando o Cent ro de Cont ro le de Doenças dos Es tados

Un idos anunc iou a descobe r ta de uma in fecção que a fe tava c inco

homossexua is amer icanos, causou a mor te de quase 12 m i lhões de

pessoas de 1981 a té a v i rada do ano 2000. A Organ ização Mund ia l

de Saúde (OMS) es t imava que hav ia pe lo menos 30 m i lhões de

in fec tados no mundo , sendo 500 mi l de les no B ras i l .

A doença que in ic ia lmente p rospe rou en t re homossexua is fo i

l ogo d iagnost icada também en t re os hemof í l i cos , pac ien tes em

s i tuação de vu lne rab i l idade pe la dependênc ia de doações de

sangue que , à época , não e ra submet ido a exame que pe rmi t i sse

iden t i f i ca r o HIV . Em repo r tagem pub l i cada pe la rev is ta

Super in te ressan te 220 em razão dos 25 anos de descobe r ta da A IDS,

é d i to que :

218 RESP 60.129-SP 219 http://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/apos-descoberta-de-diagnostico-em-1981-aids-mata-12-milhoes-vira-mal-do-seculo-13276614, site acessado em 25/11/2015. 220 http://super.abril.com.br/ciencia/25-anos-de-aids

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“ No in íc i o dos anos 80 , o v í r us j á t i nha

c on t am inado 89% dos hemof í l i c os dos EUA. Com o

não hav ia um t es te pa r a de tec ta r o v í r us , quem

p rec i sas se de uma t r ans f us ão de s angue não

t inha m u i to o que f aze r a lém de reza r pa ra não

s e r i n f ec tado . Em segu ida , o ma l passou a a t ing i r

homens , mu lhe res , c r ianças e qua lquer g rupo

s oc ia l que voc ê puder imag ina r ” . 221 (Rev is t a

Super in t e ress an t e , 2006)

Nes te per íodo , mesmo com a poss íve l t ransmissão do HIV,

aque les que p rec isassem de t rans fusão de sangue acabavam

cor rendo o r isco de se rem con tam inados. Po r causa de s i tuações

como es ta , o Supe r io r T r ibuna l de Jus t i ça f i r mou pos ição de que

tan to o Es tado quan to a Un ião e ram responsáve is pe los danos

deco r ren tes do r isco de desenvo lv imento .

Em dec isões como a que fo i exa rada no REsp 1299900 -RJ 222,

f o i des tacado que , no f im da década de 1980 ap rox imadamen te 95%

221 http://super.abril.com.br/ciencia/25-anos-de-aids 222 RECURSO ESPECIAL Nº 1.299.900 - RJ (2011⁄0302811-8), Relator Min. Humberto Martins. EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CONTAMINAÇÃO DE HEMOFÍLICOS COM O VÍRUS HIV (AIDS) E HCV (HEPATITE C). OMISSÃO ESTATAL NO CONTROLE DO SANGUE. DANO MORAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO E DO ESTADO. DECISÃO EXTRA PETITA. LEI 4.701⁄65. 1. Recursos especiais provenientes de ação ordinária ajuizada contra a União e o Estado do Rio de Janeiro, objetivando o pagamento de indenização em virtude de os recorridos terem contraído HIV e Hepatite C quando realizaram tratamento para hemofilia no Centro de Hematologia Santa Catarina. O Tribunal de origem deu parcial provimento ao apelo para reformar a sentença que havia reconhecido a prescrição – condenando o Estado e a União a pagar a quantia de R$ 465.000,00 (quatrocentos e sessenta e cinco mil reais) para cada apelante, ficando cada ente federativo devedor da metade da cota de cada apelante. 2. Inexiste a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, conforme se depreende da análise do acórdão recorrido. 3. A tese acolhida pelo acórdão recorrido para afastar a prescrição faz um paralelo com a de relações de trato sucessivo, em decorrência da extensão do dano causado pelo decurso do tempo. Porém, o caso é de prescrição de fundo de direito. 4. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o termo inicial para a contagem do prazo quinquenal, nesses casos, inicia-se na data do conhecimento do resultado revelado pelo exame técnico laboratorial (REsp 140.158⁄SC, Rel. Ministro Milton Luiz Pereira,

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dos hemof í l i cos es tavam con taminados com o v í rus da A IDS, o que

mos t ra r ia a fa l ta de cu idado com a qua l idade do sangue d is t r ibu ído

e doado mesmo após a descobe r ta da doença . Mesmo com a lgum

grau de ince r teza c ien t í f i ca e d i f i cu ldades pa ra iden t i f i ca r o v í rus ,

o Es tado d eve r ia te r ado tado p rov idênc ias pa ra m i t iga r o r isco de

con tam inação, razão pe la qua l deve se r responsab i l i zado tan to po r

i nden izações po r danos mora is e mater ia is .

Pa ra s i tuações como es ta , d i f e ren temen te do que acon teceu

com a ta l idomida , não houve po r pa r te do Es tado a c r iação de um

1ª Turma, j. 28⁄08⁄1997). Termo inicial e data do ajuizamento da ação não prequestionados no acórdão impugnado. Os embargos declaratórios opostos trataram de matéria diversa. Reconhecer a prescrição encontra óbice da Súmula 211⁄STJ. 5. O Estado do Rio de Janeiro e a União possuem legitimidade passiva, nos termos da Lei 4.701⁄65, para responder pelos danos causados aos hemofílicos contaminados, em transfusões de sangue, por HIV e Hepatite C, na década de 1980. Precedentes: REsp 1423483⁄PE, Rel. Ministro Humberto Martins, 2ª Turma, j. 25⁄11⁄2014, DJe 05⁄12⁄2014; REsp 1479358⁄PE, Rel. Ministro Og Fernandes, 2ª Turma, j. 02⁄10⁄2014. 6. Responsabilidade objetiva do Estado, com base na teoria do risco administrativo, por contaminação com o vírus HIV e HCV (hepatite C), em decorrência de transfusão de sangue. Dano e nexo causal reconhecidos pelo Tribunal de Origem. Não se observaexcludente de culpabilidade no caso em análise. Reconhece-se a conduta danosa da Administração Pública ao não tomar as medidascabíveis para o controle da pandemia. No início da década de 80, já era notícia no mundo científico de que a AIDS poderia sertransmitida pelas transfusões de sangue. O desconhecimento acerca do vírus transmissor (HIV) não exonera o Poder Público de adotar medidas para mitigar os efeitos de uma pandemia ou epidemia. Princípio da Precaução no âmbito do Direito Administrativo. 7. Consoante entendimento sedimentado no STJ, não ocorre julgamento extra petita se o Tribunal local decide questão que é reflexo do pedido na exordial. "O pleito inicial deve ser interpretado em consonância com a pretensão deduzida na exordial como um todo, sendo certo que o acolhimento da pretensão extraído da interpretação lógico-sistemática da peça inicial não implica julgamento extra petita" (AgRg no AREsp 322.510⁄BA, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 11⁄06⁄2013, DJe 25⁄06⁄2013). 8. A Corte Regional, com base na situação fática do caso, procedeu à análise dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade para fixar a o valor dos danos morais. Portanto, para modificar tal entendimento, como requerem os agravantes, seria imprescindível exceder os fundamentos colacionados no acórdão recorrido, pois demandaria incursão no contexto fático-probatório dos autos, defeso em recurso especial, nos termos da Súmula 7⁄STJ. 9. No tocante ao termo inicial dos juros de mora, ressalta-se que só são devidos após o prazo do § 5° do art. 100 da Constituição Federal. Não poderia o Tribunal de origem fixar juros a partir da data da publicação do acórdão. Recursos especiais conhecidos em parte e patrcialmente providos.

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f undo espec í f i co pa ra aque les in fec tados com o v í rus pa ra

pagamento de inden ização po r danos mora is ou mate r ia i s 223.

Ma is uma vez , en t re tan to , a lguns benef íc ios p rev idenc iá r ios

fo ram conced idos , ta is como: i ) poss ib i l idade do por tado r do HIV

e fe tua r o levan tamento do FGTS, independentemente de resc isão

con t ra tua l onde t raba lha (Le i n o 7 .670 /88 ) ; i i ) tem o d i re i to de

e fe tua r o levan tamento do P is -Pasep (Le i n o 7 .670 /88) ; i i i ) tem

d i re i to a aux i l io doença , mesmo es tando desem pregado po r pe r íodo

menor de 12 meses ; i v ) t em d i re i to a pensão v i ta l í c ia de um sa lá r io

m ín imo se p rova r que não tem recursos pa ra se mante r , den t re

ou t ros .

Apesa r da P rev idênc ia Soc ia l te r s ido a fo rma ma is u t i l i zada

no Bras i l pa ra os casos reg is t rados e que ma is se ap rox imam da

responsab i l idade c i v i l po r r isco de desenvo lv imento , es tas não são

as ún icas poss ib i l i dades de ob tenção de recu rsos pa ra inden iza r

consum ido res po r me io de fundos ou recursos gove rnamenta is . Um

exemplo re levan te é a c r iação do Fu ndo de Defesa dos D i re i t os

D i fusos (FDD), c r iado pe la Le i n o 7.347 /85 que d isc ip l ina a Ação

C iv i l Púb l i ca de responsab i l idade po r danos ao me io -amb ien te , aos

consum ido res , a bens e d i re i tos de va lo r a r t í s t i co , es té t i co ,

h is tó r i co , tu r ís t i co e pa isag ís t i co .

O re fe r ido fundo e seu ges to r (Conse lho Gesto r do Fundo de

D i re i tos D i fusos – CFDD) fo ram regu lamen tados pe lo Dec re to n o

223 Conforme aponta o Estudo realizado pela Fondazione Rosseli, Na Bélgica, em 2001, o Governo Federal da Bélgica decidiu dar indenização para todas as pessoas contaminadas pelo vírus HIV durante o período de 1 de Agosto de 1985 a 30 Junho 1986 que tenham contraído o vírus em razão de uma transfusão de sangue ou consumo de produtos hemoderivados. A indenização foi autorizada por ter ficado demonstrado que a detecção do vírus já era possível a partir de 1 de agosto, mas a sistemática só foi implementada em 30 de junho de 1985. A compensação era com os seguintes valores 124 mil euros para o próprio paciente infectado. Em um caso de morte compensação de 62 mil euros era pago ao parceiro/parceira e mais 6.200 euros para outros parentes e para cada filho. Uma associação foi criada a fim de avaliar e indenizar estas famílias, sendo este fundo financiado pelo Governo.

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1.306 /94 e têm como fon te de rece i ta o p rodu to da a r recadação dos

segu in tes i tens :

i . Das condenações jud ic ia i s de que t ra tam os A r t i gos 11 o a 13 o

da Le i n o 7 .347 , de 1985;

i i . Das mu l tas e inden izações deco r ren tes da ap l icação da Le i n o

7.853 , de 24 de ou tubro de 1989, desde que não des t inadas à

repa ração de danos a in te resses ind iv idua is ;

i i i . Dos va lo res des t inados à Un ião em v i r tude da ap l ic ação da

mu l ta p rev is ta no A r t i go n o 57 e seu pa rágra fo ún ico e do

p rodu to da inden ização p rev is ta no A r t i go 100 o , pa rágra fo

ún ico , da Le i n o 8 .078 , de 11 de se tembro de 1999;

i v . Das condenações jud ic ia is de que t ra ta o § 2 o do Ar t . 2 o da

Le i n o 7 .913 , de 07 d e dezembro de 1989;

v . Das mu l tas re fe r idas no Ar t i go 84 o da Le i n o 8 .884 , de 11 de

junho de 1994 ;

v i . Dos rend imentos au fe r idos com a ap l icação dos recu rsos do

Fundo;

v i i . De ou t ras rece i tas que v ie rem a ser des t inadas ao Fundo ;

v i i i . De doações de pessoas f ís icas ou ju r íd i cas , nac iona is ou

es t range i ras .

O p rodu to da a r recadação pode rá se r u t i l i zado pe lo CFDD com

a f i na l idade de recompor as lesões aos bens de na tu reza d i f usa , ta l

como p rev is tos nas normas. Os recu rsos a r recadados se rão

d is t r ibu ídos p r io r i ta r iamente na repa ração espec í f i ca do dano

causado, sobre tudo po r me io das med idas d isc ip l inadas nos A r t i gos

6 o e 7 o do Decre to n o 1 .306 /95 , qua is se jam:

I . Rea l i zação de convên ios e con t ra tos , a se rem f i rmados

pe la Sec re ta r ia -Execu t i va do Conse lho , ob je t i vando

a tende r aos in te resses e d i re i tos p ro teg idos pe lo CFDD;

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I I . E labo ração de p ro je tos de reconst i tu ição de bens lesados,

i nc lus ive os de cará te r c ien t í f i co e de pesqu isa ;

I I I . P romoção po r me io de ó rgãos da adm in is t ração púb l i ca e

de en t idades c i v is in te ressadas, even tos educa t i vos ou

c ien t í f i cos ;

IV . Pub l icação de mate r ia l in fo rmat i vo sob re as maté r ias de

competênc ia dos in te resses d i f usos e co le t i vos ;

V . P romoção de a t i v idades e even tos que con t r ibuam pa ra a

d i f usão da cu l tu ra , da p ro teção ao me io ambien te , do

consum ido r , da l i v re concor rênc ia , do pa t r imôn io

h is tó r i co , a r t í s t ico , es té t ico , tu r ís t i co , pa isag ís t ico e de

ou t ros in te resses d i f usos e co le t i vos ;

V I . E labo ração de p ro je tos de modern ização admin is t ra t i va

dos ó rgãos púb l icos responsáve is pe la execução das

po l í t i cas re la t i vas às á reas de D i re i tos D i fusos e

Co le t i vos , l i s tadas em re fe r ida norma.

Pa ra que tenhamos uma re fe rênc ia , em 2015 (de jane i ro a

ou tub ro) , somente o Fundo de D i re i tos D i fusos Fede ra l hav ia

reco lh ido R$ 437 .690 .150 ,86 , sendo que des te va lo r apenas R$

723 .414 ,09 têm co mo o r igem condenações jud ic ia i s , mu l tas e au to

de in f ração re la t i vos a consumido r . O sa ldo es tá concent rado

p r inc ipa lmente nas a r recadações re la t i vas a in f rações à o rdem

econômica (ap rox imadamente 400 m i lhões de rea is ) 224.

Já em 2014 a a r recadação fo i mu i to menor , to ta l i zando R$

62 .078 .720 ,34 , sendo que des te va lo r apenas R$ 105 .299 ,25 se

re fe rem a consumido r , e o res tan te ma is uma vez es tá concen t rado

nas a r recadações re la t i vas à o rdem econômica (R$ 50 .473 .686 ,09 ) .

Em 2013 , a a r recadação fo i de R$ 121 .870 .115 ,27 , sendo R$

224 http://www.justica.gov.br/seus-direitos/consumidor/direitos-difusos/anexos/recfdd2015-outubro.pdf, site acessado em 06/12/2015

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1.651 .822 ,49 re la t i vos a consum ido r e ap rox imadamente R$ 92

m i lhões re la t i vos à o rdem econômica .

Todav ia , apesa r dos re fe r idos va lo res e de pe rmissão lega l

pa ra tan to , os va lo res a r recadados pe lo FDD não têm s ido u t i l i zados

pa ra inden ização d i re ta a consumido res lesados po r a lguma p rá t i ca

abus iva ou mesmo r isco de desenvo lv imento . Pe lo que é poss íve l

ve r i f i ca r nos Ed i ta i s de Chamamen to Púb l ico ap resen tado pe lo

CFDD, com a f ina l idade de l ibe ra r pa r te dos va lo res a r recadados

pe lo FDD, os p ro je tos são res t r i tos a de te rm inadas l inhas temát icas

esco lh idas p rev iamente pe lo CFDD, que não cons ide ram a

poss ib i l idade de repa ração ou des t inação d i re ta pa ra um

consumido r lesado.

Pa ra que tenhamos ide ia , o ma is recen te Ed i ta l de

Chamamento Púb l i co do CFDD (Ed i ta l CFDD n o 01 de 13 de ma io

de 2015 ) l im i tou a ap resen tação das p ropostas de t raba lho pa ra

ob tenção de recursos em c inco l inhas temát icas 225, sendo que na

l i nha temát ica re la t i va à "p ro teção e de fesa do consumidor ” , os

pro je tos só poder iam fa la r so b re a ) educação pa ra o consumo; b )

modern ização adm in is t ra t i va ; c ) p ro teção à v ida , saúde e segu rança

do consum ido r ; d ) p ro teção ao d i re i to à in fo rmação e a l imentação

saudáve l ; e e ) p ro teção do consumido r tu r is ta .

Em nenhuma das l i nhas temát i cas ou temas re la t i vos a d i re i to

do consumidor hav ia a poss ib i l idade de u t i l i zação dos recu rsos para

f ins de repa ração ou inden ização d i re ta aos consum ido res , o que

demonst ra uma c la ra l im i tação pa ra u t i l i zação dos recursos .

225 4.1.1. Chamada I – “Promoção da recuperação, conservação e preservação do meio ambiente"; 4.1.2. Chamada II - "Proteção e defesa do consumidor”; 4.1.3. Chamada III – “Promoção e defesa da concorrência”; 4.1.4. Chamada IV - “Patrimônio cultural brasileiro”; 4.1.5. Chamada V - “Outros direitos difusos e coletivos”:

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A lém d isso , pa rece que a temát ica de d i re i to do consumidor

não é a que ma is despe r ta in te ressa no momento de so l i c i ta r

recursos ao FDD. A tabe la a segu i r mos t ra a evo lução dos p ro je tos

e suas á reas de in te resse 226:

Independen temente da fo rma com que o FDD tem s ido

u t i l i zado , não há vedação lega l para que a qua lquer momento os

recursos a l i d i spon íve is passem a se r u t i l i zados pa ra ressa rc imento

dos consum ido res . Nem mesmo há necess idade de que se jam

dest inados aos consumidores lesados os recu rsos p roven ien tes de

ações ou mu l tas envo lvendo re lações de consumo, já que o A r t i go

7 o parágra fo ún ico do Decre to n o 1 .306 /94 d ispõe que os recursos

serão p r io r i ta r iamen te ap l icados na repa ração especí f i ca do dano

causado, mas não se rão exc lus ivos .

Da mesma fo rma es tão os Fundos de D i re i t os D i fusos dos

Es tados, que com d ispos ições seme lhan tes ao FDD têm a

poss ib i l idade de serem u t i l i zados pa ra ressarc imento de danos

d i re i tos aos consum ido res . Ao meu ve r , é impor tan te pensa r sob re

a c r iação de fundos de compensação ou inden ização pa ra que se

busque ga ran t i r a lgum ressa rc imento a consum ido res que fo rem

v í t imas de ac iden te de consumo por r isco de desenvo lv imento .

226 Disponível em: http://www.justica.gov.br/seus-direitos/consumidor/direitos-difusos/anexos/infomativo-cfdd_selecao-de-projetos-2015.pdf/view. Acesso em 06/12/2015.

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O re la tó r io e labo rado pe la Funda zione Rosse l l i dá exemplos

de fundos de compensação c r iados na Europa . Um dos exemp los 227

é o caso da Bé lg i ca , onde , em 2 001 , o gove rno fede ra l dec id iu

conceder inden ização para todas as pessoas con tam inadas pe lo

v í rus HIV du ran te o pe r íodo de 1 o de agosto de 1985 a 30 junho

1986 , as qua is tenham con t ra ído o v í rus em razão de uma

t rans fusão de sangue ou consumo de p rodu tos h emoder i vados.

A inden ização fo i au to r i zada po r te r s ido demonst rado que a

de tecção do v í rus já e ra poss íve l a pa r t i r de 1 o de agosto , mas a

s i s temát i ca só fo i imp lemen tada em 30 de junho de 1985. A

compensação se deu da segu in te fo rma : 124 m i l eu ros pa ra o

p róp r io pac ien te in fec tado . Em um caso de mor te , compensação de

62 m i l eu ros e ram pagos ao pa rce i ro ou pa rce i ra e ma is 6 .200 euros

pa ra ou t ros paren tes e para cada f i l ho . Uma assoc iação fo i c r iada

a f im de ava l ia r e inden iza r es tas famí l ias , sendo es te f undo

f inanc iado pe lo gove rno .

Out ro e x e m p l o t raz ido no es tudo e labo rado pe la Fonda zione

Rosse l l i (p . 93 ) é o caso da I r landa , que em 15 de dezembro de

1995 c r iou um fundo para compensar pessoas que t inham con t ra ído

Hepat i te C e HIV a pa r t i r da u t i l i zação dos de r i vados de sangue . O

re fe r ido fundo é exc lus ivamente f inanc iado pe lo governo , que pode

cob rar de todos fo rnecedo res os va lo res pagos a t í tu lo de

inden ização , que quando da rea l ização do es tudo , em 2004 , já

somava 90 m i lhões de euros .

Também de aco rdo com o es tudo da Fonda zione Rosse l l i (p .

95 -96 ) , Áus t r ia e A lemanha têm fundos pa t roc inados pe lo gove rno

de compensação espec ia l para danos deco r ren tes de vac inação

de fe i tuosa . Pe la le i aus t r íaca , o gove rno é responsáve l por danos

227 FONDAZIONE ROSSELLI, p. 92. Acesso em 28/11/2015. Disponível em http://www.biicl.org/files/100_rosselli_report.pdf.

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causados po r vac inas de f in idas como ob r iga tó r ias pe lo p róp r io

gove rno . As inden izações, que não têm um va lo r p rede te rm inado ,

servem para cobr i r os cus tos pa ra recupe ra r o pac ien te ( i n te rnação,

méd icos , ó r teses e p ró teses , cus tos de t ranspo r te , reab i l i tação ,

en t re ou t ros ) . Se h ouve r a lgum dano cons ide rado c r ime pe la

leg is lação , a v í t ima a inda te rá d i re i to a uma inden ização espec í f i ca .

De aco rdo com o re la tó r io sobre a s i tuação das v í t imas , em 2001

fo ram gastos aprox imadamen te 2 m i lhões de euros .

No ano 2000, f o i c r iado pe lo g overno da Ing la te r ra um fundo

de compensação pa ra as pessoas ví t imas da Doença de Creu tzfe ld t -

Jakob (DCJ) , que ocas iona uma ráp ida neurodegeneração e

mov imentos invo lun tá r ios no pac ien te (es tudo Fondazione Rosse l l i ,

p . 97 ) . A té a e labo ração do re la tó r io de 2004, o fundo já hav ia pago

pa ra as v í t imas ou red i rec ionados a côn juges, pa rce i ros

sob rev iven tes , pa is e i rmãos ce rca de 25 m i lhões de l i b ras .

A tabe la anexa aponta os pa íses que possuem fundos

espec í f icos pa ra ressa rc imento de v í t imas de p rodu tos que

causa ram danos, casos que se asseme lham ao r isco do

desenvo lv imento ( Fondazione Rosse l l i , p . 100 ) .

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Como v is to , a u t i l i zação de fundos pa ra ressa rc imen to de

danos causados a consumidores em razão de r i sco de

desenvo lv imento , ap resen ta -se como uma med ida e fe t i va e deve r ia

ser ado tada no Bras i l . I sso pode r ia oco r re r pe lo Fundo Fede ra l de

D i re i tos D i fusos ou mesmo po r f undos es tadua is ou mun ic ipa is já

ex is ten tes . É poss íve l a inda , c r ia r novos fundos cu jo cap i ta l pa ra

sua fo rmação pode ser de na tu reza p r i vada ou deco r ren te d as

condenações em ações co le t i vas ou acordos de a jus tamento de

conduta , usua lmente ce leb radas pe los leg i t imados a de fender os

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i n te resses d i f usos , co le t i vos e ind iv idua is homogêneos (A r t i go 82 o

do CDC).

Ou t ra poss ib i l idade pa ra ga ran t i r ma io r e f i cânc ia para o

ressa rc imento do consumido r em caso de dano po r r isco de

desenvo lv imen to , é a con t ra tação de segu ros espec í f icos pe los

fo rnecedo res ou suas en t idades rep resen ta t i vas , con fo rme será

ap resen tado a segu i r .

4.2 – R isco de desenvolvimento e seguro para fornecedores

Como v is to , a p roposta de c r iação de fundos de compensação

e , ago ra , a de secur i t i zação pa ra e fe i to de garan t ia e

responsab i l i zação pa ra os casos de r isco de desenvo lv imento é

bas tan te con t rover t ida . Segundo o re la tó r io da Fondazione Rosse l l i

(p , 133 -134 ) , se o r i sco de desenvo lv imento não fo r causa de

exc lusão de responsab i l idade , pode não have r um mercado de

segu ros pa ra r isco de desenvo lv imen to , sob re tudo po rque imp l icam,

ge ra lmente , r i scos de g randes p ropo rções sem nenhum t ipo de

l im i tação p rev is ta .

No en tan to , como também nos apon ta Gu i lhe rme Re in ig em

sua tese A responsab i l idade do p rodu to r pe los r iscos do

desenvo lv imento no B ras i l e no âmb i to da Un ião Eu rope ia (p . 274 ) ,

pa ra o ge renc iamen to de r i sco po r me io de segu ro , é necessá r io

conhecê- lo , a lém do que , como segu ro é de f in ido pe la aná l i se de

p robab i l idades es ta t ís t i cas , a inex is tênc ia de p rev isão ou l im i tação

do va lo r do r i sco to rnam o cá lcu lo de d i f í c i l ace r to e com grande

margem de e r ro .

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É po r es ta razão que um b om exemp lo pa ra a questão d iz

respe i to às regras de responsab i l idade pa ra casos de danos com

med icamen tos na A lemanha . Segundo a le i a lemã , no caso de a lgum

consumido r so f re r dano deco r ren te de uso de med icamen to , sua

responsab i l idade não se rá exone rada , a o mesmo tempo que se rá

p rees tabe lec ido um l im i te inden iza tó r io máx imo de 600 m i l eu ros

pa ra danos ind iv idua is e 120 mi lhões de eu ros para danos co le t i vos ,

a lém da ob r igação dos p rodu to res con t ra ta rem um segu ro que cub ra

es te r isco 228.

228 Medicinal Products Act in the version published on 12 December 2005 (Federal Law Gazette [BGBl.]) Section 88 - Maximum amounts: -The party liable for damages shall be liable: 1. in the case of the death of or injury to a person, only up to a capital amount of 600,000 euros or an annuity of up to 36,000 euros per year, 2. in the case of the death of or injury to several persons by the same medicinal product, notwithstanding the limits stipulated in number 1, up to a capital amount of 120 million euros or an annuity of up to 7.2 million euros per year. Should, in the case of sentence 1 number 2, the combined indemnification to be paid to several injured parties exceed the maximum amounts specified therein, then the individual compensation shall be reduced pro-rata to the maximum total given. Section 94 - Coverage provision: (1) The pharmaceutical entrepreneur shall ensure that he/she is able to meet his/her legal commitments in respect of compensation for the damage incurred as a result of the administration of a medicinal product intended for human use, placed by him/her on the market, and subject to a compulsory marketing authorisation or exempted by ordinance from a marketing authorisation (provision for coverage). The provision for coverage must be made available in the amounts specified in Section 88 sentence 1. It can only be made available by means of: 1. a third party insurance taken out with an independent insurance company authorised to conduct business within the purview of the present Act, for which, in the event of a reinsurance, a reinsurance contract exists only with a reinsurance company that is established within the purview of the present Act, in another Member State of the European Union, in another State Party to the Agreement on the European Economic Area or in another state recognised by the European Commission as equivalent according to Article 172 of Directive 2009/138/EC of the European Parliament and of the Council of 25 November 2009 on the taking-up and pursuit of the business of Insurance and Reinsurance (Solvency II) (OJ L 335 of 17.12.2009, p. 1), or 2. an exemption or warranty obligation issued by a domestic credit institution, or a credit institution of one of the other Member States of the European Union or another State Party to the Agreement on the European Economic Area. (2) If the provision for coverage is afforded by a third party insurance, Section 113 sub-section 3 and Sections 114 to 124 of the Law on Insurance Contracts shall apply mutatis mutandis. (3) Provision for coverage may only be made available using exemption or warranty obligations issued by a credit institution if it is guaranteed that the credit institution will be in a position to meet its commitments within the framework of the provision for coverage for such time as it can be expected to be called upon to do so. Section 113 sub-section 3 and Sections 114 to 124 of the Law on Insurance Contracts shall apply mutatis mutandis with respect to exemption or warranty obligations.(4) The competent office within the meaning of Section 117 sub-section 2 of the Law on Insurance Contracts shall be the authority competent for carrying out supervision pursuant to section 64. (5) The Federal Republic of Germany and the federal Laender are not obliged to provide coverage in compliance with sub-section 1.

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A l im i tação do va lo r m áx imo que uma empresa pagará a uma

even tua l v í t ima , po r tan to , é fa to r dec is i vo e essenc ia l pa ra

v iab i l i za r que os fo rnecedo res con t ra tem seguros de

responsab i l idade c i v i l , o que vem a aumentar as poss ib i l idades do

consum ido r -v í t ima, ser e fe t i vamente inden i zado , va lendo lembra r

que casos de r i sco de desenvo lv imento em ge ra l são ca tás t ro fes

que a t ingem um grande número de pessoas, de fo rma que a

empresa fo rnecedo ra pode não te r recursos su f i c ien tes pa ra

inden izar todos os lesados.

Se não houver l im i tação do s va lo res a inden ização ,

d i f i c i lmente haverá um mercado de segu ros pa ra os r i scos de

desenvo lv imento . Neste caso , como acon teceu na grande ma io r ia

dos exemp los menc ionados no i tem an te r io r , os fundos de

ressa rc imento te rão quase que ob r iga to r iamente a pa r t ic ipação do

Estado pa ra v iab i l i za r o ressa rc imento do consumidor .

No en tan to , o que agrava a d i f i cu ldade de es tabe lece r

p rev isões pa ra os casos de r i sco de desenvo lv imento é que , em

ge ra l , são fa tos ún icos , a té po rque não se t inha conhec imen to sobre

os r i scos ou exemp lo de ac iden tes s im i la res an te r io res , uma vez

que , se ta i s in fo rmações ou aná l i ses h is tó r i cas já ex is t issem, não

es ta r íamos fa lando de r i sco de desenvo lv imento .

Ma is uma vez , os exemplos t raz idos no es tudo da Fonda zione

Rosse l l i , com exemp los de inúmeros pa íses que v iab i l i za ram a

secu r i t i zação do r i sco e a c r iação de fundos de compensação,

a t re lados aos exemp los já apresen tados ( leg is lações da A lemanha

e da França ) , podem nos a judar a re f le t i r se no B ras i l es tamos

u t i l i zando as me lho res fo rmas pa ra l ida r com r i scos de

desenvo lv imento .

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Na Suéc ia 229, onde há ou t ro in te ressan te exemp lo , os

fabr i can tes ou impor tadores de p rodu tos fa rmacêu t i cos c r ia ram uma

assoc iação , a Pha rmaceut ica l Assoc ia t ion Insurance , po r me io da

qua l se comprometeram a se res ponsab i l i za r po r danos causados

po r qua lque r med icamen to . O va lo r da inden ização aos lesados é

de a té 10 m i lhões de co roas suecas (ap rox imadamente 4 ,6 m i lhões

de rea is ) pa ra cada pessoa lesada ou a té 250 mi lhões de co roas

suecas (ap rox imadamen te 55 m i lhõe s de rea is ) pa ra todas as lesões

que se jam re la tadas no mesmo ano ca lendá r io .

Es te segu ro é des t inado àque les que so f rem e fe i t os adve rsos

do t ra tamen to fa rmacêut ico . O segu ro ab range todos os que tenham

s ido t ra tados com p rodu tos fa rmacêut icos p resc r i tos ou

med icamen tos comprados de um comerc ian te leg í t imo na Suéc ia .

E le também se es tende aos pac ien tes que recebe ram os seus

med icamen tos em um hosp i ta l ou que so f re ram reações adve rsas

dev ido à par t i c ipação em ensa ios c l ín i cos cobe r tos pe lo segu ro .

Na F in lând ia , há 19 anos ex is te um segu ro de adesão

vo lun tá r ia pa t roc inado pe la indús t r ia f a rmacêut ica , pa ra cobe r tu ra

de danos deco r ren tes de ac iden tes com p rodu tos fa rmacêut icos 230.

O seguro ab range danos deco r ren tes de e fe i tos adve rsos

inespe rados so f r idos po r u suá r ios de med icamentos vend idos ou

fo rnec idos para consumo na F in lând ia . O segu ro também cob re os

p rodu tos fa rmacêut i cos fabr i cados , impor tados ou comerc ia l i zados

po r en t idades que se jam membros da coope ra t i va . O montan te da

inden ização paga é de te rm inado com base nas d ispos i ções da le i

de danos (412 /74) . Há a inda , cober tu ra para “med icamentos tes te ” ,

ut i l i zados em ensa ios c l ín icos na F in lând ia , a lém de p rodu tos

fa rmacêut icos re fe r idos na le i de med icamentos do pa ís e

229 http://lff.se/a-unique-type-of-insurance/for-patients/ - 230 Pharmaceutical Insurance Pool ( http://www.lvp.fi/en/which-claims-we-process) foi substituído pelo Pharmaceutical Injuries Insurance (http://www.laakevahinko.fi/in-english/insurance-pays/) .

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d ispos i t i vos in t rau te r inos . Os p rodu to s homeopá t i cos e

an t ropomór f i cos são exc lu ídos .

Na A lemanha, con fo rme exp l ica o re la tó r io da Fonda zione

Rosse l l i (2002 , p . 95 ) , a indús t r ia f a rmacêut ica é ob r igada a se r

responsab i l i za r po r even tua is danos que , de acordo com a

Med ic ina l P roducts Ac t em ve rsão pub l icada em 12 de dezembro de

2005 , chega a té 600 mi l eu ros po r pessoa ou 120 m i lhões de eu ros

caso o dano a t in ja um grupo de pessoas pe lo mesmo produ to

fa rmacêut ico .

Es te ressa rc imento pode ser f e i to po r uma segu rado ra , po r um

poo l de segu radoras ou , a inda , por a lguma garan t ia o fe rec ida por

uma ins t i tu i ção f inance i ra . Po r ta l razão , as companh ias de seguro

a lemãs es tabe lece ram um poo l espec ia l pa ra l ida r com rec lamações

de responsab i l i dade de a l to impac to que vão a lém da cobe r tu ra de

segu ro de cos tume. Es te poo l não rep resen ta apenas um s is tema

ins t i tuc iona l i zado de ressegu ro , mas também pode ser cons ide rado

uma companh ia de segu ros ind i re ta .

Na ve rdade, e le paga por danos que vão a lém do segu ro de

responsab i l idade c i v i l f a rmacêu t i ca comum. A té a e labo ração do

re la tó r io da Fonda zione Rosse l l i (2004 ) , o fundo es tava

responsáve l , por exemp lo , por paga r os danos causados pe lo

med icamen to L ipobay, da Baye r , usado para reduz i r o n íve l de

co les te ro l no sangue , mas e ra acusado de se r um dos responsáve is

pe los casos de rabdomió l i se – um d is tú rb io que p rovoca a

degene ração de tec idos muscu loesque lé t i cos .

Como apresen tado , ass im como em re lação aos fundos

espec ia is de compensação, os segu ros se con f igu ram como

impor tan tes fe r ramentas de aux í l i o na ope rac ion a l i zação de regras

que v i sam a ga ran t i r a e fe t i va inden ização ou compensação aos

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consumido res que so f re ram danos em casos de r isco de

desenvo lv imento de p rodu tos ou se rv i ços . Es tas fe r ramentas , no

en tan to , ex igem um a rcabouço ju r íd ico p rop íc io , com de f in iç ão

c la ra sob re a ex is tênc ia ou não de responsab i l idade pe lo r i sco de

desenvo lv imento , e a té mesmo pa râmet ro de va lo res pa ra os casos

merecedo res de ressa rc imen to .

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CONCLUS ÃO

A f ina l , em qua is c i r cuns tânc ias ou s i tuações um consumidor

que expe r imen ta r a lgum dano deve rá supor tá - lo sem que possa ser

ressa rc ido ou compensado pe lo fornecedo r do p rodu to ou se rv iço

causador do dano, ou ao menos pe lo Es tado?

Como fo i ap resen tado , pa ra grande pa rce la da dou t r ina e

ju r i sp rudênc ia , o s i s tema de reponsab i l idade exp resso no Cód igo

de Defesa do Consumidor é baseado na teo r ia do r i sco em seus

d ive rsos segmentos , ta i s como “ r isco c r iado ” , “ r i sco p rove i to ” e ,

pa ra a lguns , “ r i sco in tegra l ” . Po r isso , são poucas as c i r cuns tânc ias

em que um fo rnecedo r pode rá se ex im i r d a obr igação de inden izar

um consumido r quando o p rodu to ou se rv i ço que co locou no

mercado de consumo causar - lhe a lgum dano.

No en tan to , p reocupe i -me nes ta tese não apenas sob re

questões fo rma is ou ap l icação da le i em tese . A p roposta fo i

ana l isa r casos co ncre tos e ve r i f i ca r se a le i é capaz de ga ran t i r o

e fe t i vo ressa rc imen to a os consumido res em caso de danos po r r isco

de desenvo lv imen to (usua lmen te de g randes p roporções) .

P reocupe i -me em ve r i f i ca r se o a rcabouço ju r íd ico a tua l c r ia

i ns t rumentos para uma r epa ração e fe t i va ou se apenas ge ra

expec ta t i va de ressa rc imento , mu i tas vezes f rus t radas pe la

inex is tênc ia de recursos po r pa r te dos fo rnecedores ou pe la demora

em se a lcança r a lgum ressa rc imen to .

Nes te con tex to , p rop rus que o r i sco de desenvo lv imen to n ão

se ja um e lemen to imputado exc lus ivamente aos fo rnecedo res nas

re lações de consumo. Ac red i to que o r i sco deva ser t ra tado como

um prob lema de na tu reza rec íp roca , e que somente po r me io da

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atuação con jun ta de todos os envo lv idos (consum ido r , f o rnecedor e

Es tado ) , é que consegu i remos t ra ta r o tema de fo rma e f ic az ,

reduz indo os cus tos d i re tos e ind i re tos pa ra a so lução de even tua is

con f l i tos .

Pudemos consta ta r que o s mecan ismos d ispon íve is pa ra

apu ra r as causas de exc lusão de responsab i l idade ou quebra do

nexo de causa l idade , p rev is tos nos A r t i gos 12 o , § 3 o e inc i sos , a lém

do A r t i go 14 o , § 3 o e inc i sos , são incomp le tos e não en f ren tam

adequadamente todas as poss ib i l idades de quebra de nexo de

causa l idade , que acabam se desenvo lvendo e tendo

pos ic ionamentos d ive rsos em inúmeras dec isões jud ic ia is e

pos ições dou t r inár ias t raz idas no desenvo lv imen to do t raba lho .

Du ran te o desenvo lv imento des ta tese , também fo i poss íve l

cons ta ta r que consumidores e fo rnecedo res agem pa ra max im iza r

seus in te resses pessoa is , raz ão pe la qua l são necessár ias regras

c la ras e exp l íc i tas sobre as c i rcuns tânc ias de responsab i l i zação em

casos de v íc io ou de fe i to de p rodu to , ass im como sob re as

s i tuações em que fa tos ou a tos rompem o nexo de causa l idade ,

imp l i cando a inex is tênc ia de resp onsab i l idade do fornecedo r para

com o consum ido r .

Se t i véssemos uma leg is lação ma is p rec isa sobre o tema, que

ind icasse c la ramen te a ex is tênc ia ou não de responsab i l idade do

fo rnecedo r em caso de r i sco de desenvo lv imento , por exemplo ,

acred i to que a tendênc ia dos consum ido res e fo rnecedo res ser ia

i n te rna l i za r os cus tos des tas re lações po r me io de acordos

p r i vados, que podem se da r pe la con t ra tação de segu ros

ind iv idua is , po r empresa ou a té mesmo po r segmento da indús t r ia ,

como nos exemplos ap resen tados da Suéc ia e da A lemanha .

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Nes tes casos , havendo dano ao consumido r para as s i tuações

de r i sco de desenvo lv imento , pode r íamos con ta r com a redução

po tenc ia l dos l i t íg ios , uma vez que os va lo res de ressa rc imento

es ta r iam ga ran t idos pe los fundos ou segu ros es pecí f i cos pa ra ta l

f ina l idade . A lém d isso , os p róp r ios fo rnecedo res , c ien tes do r isco e

da sua l im i tação , tende r iam a c r ia r a l te rna t i v as de acomodação

des tes r iscos na fo rmu lação dos cus tos do p rodu to ou se rv i ço

p res tado .

Es te é ou t ro mot ivo pe lo qua l p r ec isamos de d i rec ionamen tos

e incen t i vos c la ros e espec í f icos da leg is lação sob re qua is se rão

as c i rcuns tânc ias de responsab i l i dade ou quebra do nexo causa l .

Havendo r isco de desenvo lv imento e sendo de conhec imen to ge ra l

que o fo rnecedo r será ob r igado a in den iza r o consum ido r , o r isco

será in te rna l i zado para pos te r io r compensação do consum ido r em

caso de dano . Sendo o r i sco a lgo ine ren te à soc iedade e com

impac to d i re to na a t i v idade econômica , é necessár io que os

pa r t i c ipan tes des ta re lação , consumidor e fo rnecedo r , se jam

in fo rmados sob re e les , bem como de que fo rma são ou podem se r

impac tados em decor rênc ia de suas condu tas .

É impor tan te u t i l i za rmos as expe r iênc ias da A lemanha,

F rança , Espanha e ou t ros pa íses , que c r ia ram l im i tações

pecun iá r ias pa ra ressa rc imento de danos envo lvendo r isco de

desenvo lv imento pa ra med icamentos e a l imen tos . Ta l med ida

pe rm i te que as empresas encon t rem ins t rumentos , como seguro s ,

que pode rão se r ac ionados em caso de dano aos consum ido res .

Ap resen te i a inda exemp los de ou t ros pa íses como Suéc ia e

F in lând ia , onde os p róp r ios segmentos o rgan izados (se to r

f a rmacêut ico ) c r ia ram ins t rumentos pa ra secu r i t i za r o r isco de

poss íve is dados deco r ren tes do r i sco de desenvo lv imento de

p rodu tos ou se rv i ços , ce r tamente c ien tes de que , em caso d e

even tua l s in i s t ro , as poss íve is p ropo rções s ign i f i ca r iam a fa lênc ia

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da empresa envo lv ida e um grande r i sco ao ressarc imento in tegra l

dos consum ido res lesados .

Ta is c i rcuns tânc ias ex ig i rão uma re le i tu ra do que d ispõe o

a r t i go 6 o , IV , que p revê como d i re i to bás ico a e fe t i va p revenção e

repa ração de danos. Se não c r ia rmos c ond ições para

ope rac iona l i za r f u tu ras inden izações para o caso de r i sco de

desenvo lv imento , po r exemp lo , es ta remos o fe recendo aos

consum ido res lesados apenas uma ga ran t ia f o rma l de que o s

fo rnecedo res pode rão se r responsab i l i zados, sem que is to

s ign i f i que o e fe t i vo pagamento p rev is to .

Te remos que avança r para de f in i r pa râmet ros de inden ização

e a té mesmo l im i tações pa ra os casos de r isco de desenvo lv imento ,

sem que i sso s ign i f i que a aus ênc ia de inden ização p lena ou mesmo

v io lação à no rma cons t i tuc iona l . Sem a poss ib i l idade de

p rev is ib i l idade ou l im i tação , se rá improváve l a secur i t i zação do

r i sco po r empresa ou g rupos do mesmo mercado , s i tuação es ta ,

como v is to em ou t ros pa íses , ex t remame nte e f i c ien te e com foco da

reso lução do p rob lema even tua lmente causado ao consumidor .

Como fo i ap resen tado , o ins t rumen to que ma is se ap rox ima de

um s is tema e f i c ien te são os Fundos de Dire i tos D i fusos , que en t re

ou t ras f ina l idades , é u t i l i zado para ressarc i r a co le t i v idade po r

danos causados ao consum ido r , aos bens e d i re i tos de va lo r

a r t í s t i co , es té t ico , h is tó r i co , cu l tu ra l , tu r ís t ico , pa isag ís t i co ,

i n f ração à o rdem econômica e ou t ros d i re i tos e in te resses d i f usos

e co le t i vos .

No en tan to , apesa r da p rev isão lega l e de te rem depos i tados

a lguns m i lhões de rea is em re fe r idos fundos (nac iona is e

es tadua is ) , o f a to é que a inda não fo ram u t i l i zados com a f ina l idade

de inden iza r danos em razão de r i sco de desenvo lv imento , e tudo

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i nd ica pa ra uma grande res is t ênc ia em u t i l i za r ta is va lo res com essa

f ina l idade . Parece que a inda é ma is con fo r táve l demandar o Es tado

po r me io da Segur idade Soc ia l (como nos casos da ta l idomida e da

con tam inação po r H IV ) do que c r ia r p roced imentos e en tend imentos

que ga ran tam a e f i cá c ia da repa ração a o consum ido r .

Espe ro que es te t raba lho aux i l ie a desenvo lve r o tema no pa ís

e que p rovoque uma fo rma ma is rac iona l e operac iona l para l i da r

com o tema da responsab i l idade , o r i sco de desenvo lv imento e as

causas de queb ra de nexo causa l . P rec isamos a tua l i za r ações

leg is la t i vas e regu la tó r ias pa ra que o r i sco de desenvo lv imento e

dema is c i rcuns tânc ias com po tenc ia l de causar danos de g rande

repe rcussão encont rem uma es t ru tu ra ju r íd i ca capaz de a tende r as

demandas dos consumidores , sem de i xar que o Es tado se ja a ún ica

espe rança de ob te r a lgum ressa rc imento .

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