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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CENTRO DE TEOLOGIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CAMILA POMPEU DA SILVA A ARTE COMO EXPRESSÃO DA LIBERDADE: O CORPO E AS EXPRESSÕES ARTÍSTICAS NO PENSAMENTO DE PAULO FREIRE CURITIBA 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CENTRO DE TEOLOGIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CAMILA POMPEU DA SILVA

A ARTE COMO EXPRESSÃO DA LIBERDADE: O CORPO E AS

EXPRESSÕES ARTÍSTICAS NO PENSAMENTO DE PAULO FREIRE

CURITIBA 2009

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CAMILA POMPEU DA SILVA

A ARTE COMO EXPRESSÃO DA LIBERDADE: O CORPO E AS

EXPRESSÕES ARTÍSTICAS NO PENSAMENTO DE PAULO FREIRE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito para a Banca de Defesa de Dissertação.

Orientador: Prof. Dr. Peri Mesquida

CURITIBA 2009

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Dados da Catalogação na Publicação Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR Biblioteca Central

Silva, Camila Pompeu S586a A arte como expressão da liberdade: o corpo e as expressões artísticas no 2009 pensamento de Paulo Freire / Camila Pompeu da Silva ; orientador, Peri Mesquida. – 2009. 110 f. , il. ; 30 cm Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2009 Bibliografia: f. 99-107 1. Educação – Filosofia. 2. Arte – Estudo e ensino. 3. Freire, Paulo, 1921- 1997. 4. Expressão corporal. I. Mesquida, Peri. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Educação. III. Título. CDD 20. ed. – 370.1

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CAMILA POMPEU DA SILVA

A ARTE COMO EXPRESSÃO DA LIBERDADE: O CORPO E AS

EXPRESSÕES ARTÍSTICAS NO PENSAMENTO DE PAULO FREIRE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito para a Banca de Defesa de Dissertação.

Orientador: Prof. Dr. Peri Mesquida

BANCA EXAMINADORA

____________________________________

Prof. Dr. Peri Mesquida

____________________________________

Prof.Dr. Jamil Ibrahim Iskandar

____________________________________

Profª Drª Pura Lucia Oliver Martins

Curitiba, 18 de fevereiro de 2009

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AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Peri Mesquida, orientador desta dissertação, por todo empenho, sabedoria, compreensão e, acima de tudo, exigência. Gostaria de ratificar a sua competência, participação com discussões, correções, revisões de lâminas, sugestões que fizeram com que concluíssemos este trabalho. Ao Prof. Dr. Abdeljalil Akkari, pela oportunidade de crescimento, aprendizado, realização profissional e pessoal e pela confiança em mim depositada, pela abertura de portas, para um futuro desconhecido mas realizável. Ao Prof. Dr. Jamil I. Iskandar e a Profª Pura Lúcia Oliver Martins por aceitarem participar da Banca de Defesa desta Dissertação, proporcionando discussões e sugestões que servirão para crescimento, aprendizado e incentivo à pesquisa. À CAPES pela concessão da bolsa de estudos; Á todos os meus professores, que com atitudes e exemplos, fizeram-me refletir e escolher por onde andar. Aos meus familiares que sempre me deram amor e força, valorizando meus potenciais. Ao Anderson, por todo amor, força e compreensão. A todos os meus amigos e amigas que sempre estiveram presentes me aconselhando e incentivando com carinho e dedicação. A todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para a execução dessa Tese de Mestrado.

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Á meu pai e minha mãe, que sempre estiveram comigo, mesmo geograficamente

distantes.

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“La taille directe est la vraie route de la sculpture mais ça n'est pas le bon chemin pour ceux qui ne savent pas marcher."

C'est en taillant la pierre que l'on découvre l'esprit de la matière, sa propre mesure. La main pense et unit la pensée à la matière. C'est l'acte même du sculpteur face à un matériau dont la connaissance ne s'apprend que lentement, et réserve toujours

un inattendu qu'il faudra résoudre sans pouvoir jamais rien ajouter, par seul retranchement. Il faut tailler et non blesser la pierre, trouver la solution devant

l'apparition d'une veine ou d'une tache non prévue : il faut savoir lutter avec la pierre, la caresser, la polir, savoir avec angoisse comme avec joie, faire surgir la forme que l'on porte en soi, mais qu'elle peut aussi nous avoir inspiré selon sa texture, la forme

même du bloc que l'on a choisi ou trouvé.” BRANCUSI

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RESUMO

Freqüentemente, a Arte busca desvelar as supostas verdades e certezas da educação. Faz surgir possibilidades de trilhar caminhos desconhecidos, pois a maioria de seus trabalhos não são previsíveis. Nesta pesquisa, questionamos o papel das expressões artísticas no ambiente escolar, e em que sentido poderiam contribuir para exercícios de práticas pedagógicas libertadoras, numa perspectiva freireana. Neste sentido, entendemos que o corpo, enquanto espaço eminentemente expressivo, foi interditado ao longo de nossa história. A preocupação com o poder, buscou, desenfreadamente, uma disciplinarização dos corpos, principalmente no espaço escolar. A padronização de gestos, ações e movimentos, tiraram a liberdade de expressão por meio dos corpos, destruindo assim, as capacidades expressivas, inventivas e comunicativas. Esse processo de adestramento corporal desconsiderou o corpo como objeto de arte. Tendo como objetivo geral investigar sobre o papel das expressões artísticas na prática pedagógica como prática de liberdade, sob um olhar freireano, buscamos na hermenêutica, como método, interpretar os dados obtidos na bibliografia e nos documentos pesquisados. A significação do texto é percebida pela análise objetiva da obra aliada à subjetividade do leitor. Como principais autores, procuramos entender o corpo sob as perspectivas de Michel Foucault (1979, 1983, 1987, 2006), Maurice Merleau-Ponty (1999, 2004), Mesquida (1994, 2007, 2008), Joan Amos Comenius (1954) e Paulo Freire (1979, 1980, 1995, 1997, 1996, 2000, 2002). No pensamento de Foucault, tratamos o tema sob a perspectiva opressora do corpo e seus atravessamentos pelas forças de saber-poder. Merleau-Ponty, ressaltou o corpo em seu aspecto fenomenológico, perceptivo, expressivo. A questão do corpo é fundamental no pensamento desses dois autores, porém, guardadas as diferenças entre eles, destacamos o corpo como potência de conhecimento, como uma racionalidade que contempla o corpo e o conhecimento sensível. Comenius, em seu livro Orbis Pictus ou o Mundo Sensível das Imagens, valorizou o uso das vias sensoriais para favorecer o processo de aprendizagem, propondo uma educação natural. Sua produção cientifica possibilitou relacionar questões presentes no pensamento de Paulo Freire, à arte e ao corpo no contexto pedagógico. Assim, em Freire encontramos uma constante busca de conexão entre teoria, valores e prática, que nos permitiu trabalhar o corpo na educação estabelecendo essa relação. Portanto, neta dissertação a arte é entendida como expressão da liberdade que pode encontrar no corpo sua expressão genuína, no sentido de libertar os corpos interditados de ser, que por imposições de outros, tornou-se incapaz de agir e se expressar naturalmente. Corpos dóceis, sem conscientização da sua situação de opressão podem, por meio de uma educação problematizadora, humanizar-se, transformando o oprimido em sujeito ativo no mundo em que vive. Isso significa perceber o corpo em movimento, atuando ao lado da arte, em favor de uma ação pedagógica libertadora. Palavras-chave: educação, corpo, arte-educação, Freire, movimento, educação emancipatória.

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ABSTRACT

Frequently, Art seeks an alternative to the supposed truths and evidence of traditional schooling. It makes possibilities to explore unknown ways. Therefore, the majority of Art’s outputs are not totally predicable. In this research, we analyse the artistic expressions in school environment and explore how they could contribute to a pedagogical libratory practices in a freirian perspective. Therefore, we consider that the body, while eminently expressive space, was interdicted throughout human history. Different powers seek the control of bodies particularly in the school arena. The standardization of gestures, action and movements took off the freedom of expressing meanings of bodies. This process limited the expressive, communicative inventiveness capacities of Human being. The process of corporal control disrespected the body as art object. The main objective of our work is to investigate artistic and pedagogical expressions as a practice of freedom. We investigate the hermeneutics as a method to analyze an extended bibliography. The significance of the text is perceived by the objective analysis combined to the subjectivity of the reader. As main authors, we used the perspectives of Michel Foucault (1979, 1983, 1987, 2006), Maurice Merleau-Ponty (1999, 2004), Peri Mesquida (1994, 2007, 2008), Joan Amos Comenius (1954) and Paulo Freire (1979, 1980, 1995, 1997, 1996, 2000, 2002). In the perspective of Foucault, we deal with the perspective of body oppression and control by the forces of power- knowledge. Merleau-Ponty pointed out the body in its phenomenological and expressive dimensions. The question of the body is central in the thought of these two authors. However, keeping in mind the differences between them, we analyzed the body as “power-knowledge” and “sensible-knowledge”. Comenius valued the use of sensorial ways to favour the learning process and to build a natural education. His scientific production made possible to relate his educational thought to Freire pedagogical thinking. We seek to connect the art and the body in the pedagogical context. Thus, in Freire legacy, we identified his constant search of connection between theory, values and practice. Establishing this strong connection, we centred our analysis on the body in the education. We tried in this study to understand the art as expression of the freedom of the body expression. Docile bodies, without awareness of its situation of oppression can by a consciousness’s education humanize its selves again, transforming the oppressed into active citizens. The body in movement using the art may result in a liberating pedagogical action. Keywords: education, body, art-education, Freire, movement, emancipatory education.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Imagem utilizada para a discussão do conceito antropológico de

cultura....................................................................................................................... 80

Figura 2 – Orbis Pictus – Sleights…………………………………………………….... 87

Figura 3 – Orbis Pictus – The Society Betwixt Parents and Children……….……… 88

Figura 4 – Obra número 5 da série Paulo Freire – Francisco Brenand.................... 89

Figura 5 – Obra número 6 da série Paulo Freire – Francisco Brenand.................... 89

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 10

2 Estudos sobre o corpo....................................................................................... 17

2.1 A arte como expressão do corpo em movimento............................................... 18

2.2 Modernidade: Corpo e Homem.......................................................................... 22

2.2.1 Corpo na modernidade: perspectiva histórica................................................ 23

2.3 Michel Foucault: Corpo e Poder......................................................................... 30

2.4 Merleau-Ponty: corpo, sensação e diálogo pelo toque...................................... 35

2.5 A experiência do corpo próprio.......................................................................... 38

2.6 Corpo e movimento humano.............................................................................. 40

3 CORPO E EDUCAÇÃO NO CONTEXTO BRASILEIRO.................................... 45 3.1 Diálogos entre o Ensino da Arte e os Movimentos de Renovação Educacional,

no século XX............................................................................................................ 61

4 PAULO FREIRE, CORPO E ARTE/EDUCAÇÃO: DO CORPO DÓCIL, DE FOUCAULT, À CONSCIÊNCIA DO CORPO EM MOVIMENTO, DE MERLEAU-PONTY..................................................................................................................... 68 4.1 Paulo Freire : educação e vida........................................................................... 69

4.2 Breve Biografia e Síntese do Pensamento de Paulo Freire............................... 69

4.3 Freire: do corpo interditado na escola ao corpo emancipado............................ 73

4.4 Uma epistemologia freireana do corpo negado................................................. 76

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 94

REFERÊNCIAS....................................................................................................... 99

ANEXOS............................................................................................................... 108

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1 INTRODUÇÃO

As práticas pedagógicas tradicionais pressionam o professor a trabalhar de

maneira a seguir padrões e normas pré-estabelecidas e com isso garantir mais

segurança, pois já se sabe o que e como fazer, pela experiência adquirida, e também já

se conhece o resultado, pois os métodos não proporcionam liberdade suficiente para

fazer as coisas de modo diferente. Desta forma, a educação torna-se mais controlável.

Sabe-se, assim, antecipadamente quais serão os resultados: alunos desinformados e

formatados pela fôrma de um sistema educacional que conforma idéias pré-

estabelecidas.

A Arte, então, se contrapõe às supostas verdades e certezas da educação. Faz

surgir possibilidades de trilhar caminhos desconhecidos, pois seus trabalhos nem

sempre são previsíveis. Seus aspectos criativos e transformadores, apresentam

resultados quase sempre indeterminados. Esse processo exige uma prática integrada

entre educador e aluno, já que ambos constroem o ensino-aprendizagem. A crítica e

reflexão de Paulo Freire, em seu livro Medo e Ousadia, trazem contribuições para esse

debate, ao afirmar que

[...] a educação é muito mais controlável quando o professor segue o currículo padrão e os estudantes atuam como se só as palavras do professor contassem. Se os professores ou os alunos exercem o poder de produzir conhecimento em classe, estariam então reafirmando seu poder de refazer a sociedade. A estrutura do conhecimento oficial é também a estrutura da autoridade social. (...) É o modelo de ensino mais compatível com a promoção da autoridade dominante na sociedade e com a desativação da potencialidade criativa dos alunos. (FREIRE, 1996, p. 21)

A criatividade sempre foi uma característica inerente ao ser humano. O homem

sempre buscou maneiras para superar suas dificuldades, vencer desafios, buscar o

melhor para si e muitas vezes, conseguiu graças a essa criatividade. Criatividade que

muitos usam, por vezes, para encontrar maneiras de inibi-la nos outros...

Progressivamente, o homem passou a desestimular suas possibilidades criativas em

detrimento a uma racionalidade demasiada, aquela que prioriza a dedução, a lógica e

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desconsidera os sentidos. Com isso, o saber sensível que é a fonte na qual a

criatividade busca forças, passou a ser pouco valorizado.

Paulo Freire fala sobre a idéia de criatividade na educação afirmando que é

necessário criatividade para aprender e a criatividade necessita de liberdade.

E qual é o tempo que destinamos para um trabalho livre e criativo? Seja na

escola ou em outros ambientes, em casa, no trabalho, na vida? Valoriza-se o tempo

empregado para produzir, lucrar, avançar racionalmente. O tempo que se reserva à

diversão, ao prazer, à arte acaba sendo pouco e não tão essencial. Esses momentos

acabam sendo uma espécie de recompensa para quem trabalha em prol da geração de

lucros ou até mesmo um escape, uma pausa para repor as energias gastas nesse

árduo trabalho.

O homem contemporâneo tende a se submeter às exigências mercadológicas,

que prioriza a rapidez e a produção. É pressionado pelas mídias que o fazem

transformar lazer em obrigação - trabalho. Ergue muros para se proteger dos outros e

de certo modo, de si mesmo; não reconhece mais seus sentimentos e acaba por fazer

tudo mecanicamente, sem consciência de si e de suas possibilidades transformadoras.

A preocupação com o poder, com o domínio de uns sobre os outros gerou uma

disciplina que busca padronizar os corpos e tirar-lhes a liberdade, destruindo, assim

suas capacidades expressivas, inventivas, comunicativas (FOUCAULT, 1999). Esse

adestramento corporal carregado de séculos de preconceitos, quanto aos gestos,

exposição e até mesmo percepção e consciência de si próprio, afastou do âmbito

escolar uma educação corporal, com foco na expressividade, na comunicação e criação

individual, ou seja, desconsiderou o corpo como processo, produto e objeto da arte e da

educação em arte.

O corpo como compreensão da arte pode tornar-se um instrumento para a

libertação de padrões disciplinares instituídos no decorrer dos séculos pela sociedade

dominante. Ensinar a relação do corpo com a arte é ensinar a usar o corpo como meio

de expressão de anseios, emoções, expectativas, críticas, idéias. A escola, que sempre

foi um espaço favorável para educar e transmitir conhecimentos pré-estabelecidos de

uma classe, não ofereceu um ambiente para o desenvolvimento da arte e de saberes

que permitissem aos alunos questionar ou mesmo perceber o porquê das coisas serem

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da forma como são. Afinal, certamente seria muito interessante educar corpos rígidos,

treinados e oprimidos, como diz Foucault (1999), pois desta maneira, a imposição,

manipulação e dominação se tornam mais fáceis. Não é difícil daí, entender porque as

disciplinas, chamadas humanas, possuíam (e possuem) carga horária reduzida;

disciplinas essas que poderiam proporcionar ao aluno algum tipo de reflexão ou crítica.

A escola, por muito tempo, negligenciou o corpo e a arte, destituindo os alunos de

qualquer possibilidade criadora. Preparou apenas, nos últimos anos, corpos para a vida

profissional, sem pensamentos e ações autônomas, convertendo pessoas para uma

visão hermética de mundo. Ou seja, a escola atual não educa para o saber, mas para o

fazer mecânico, não-criativo.

Durante anos a arte passou por momentos de rejeição e desvalorização nas

escolas. Hoje, a arte procura reconquistar seu espaço; as pesquisas universitárias

passaram a serem mais respeitadas, mas ainda falta reconhecimento. Como bem

lembra Ana Mae Barbosa, em sua entrevista à Revista Educação de maio de 2005, que

há uma onda “sentimentalóide” em torno da educação em arte, dizendo-se que torna o

aluno mais sensível, mas não há uma explicação clara do que se entende por sensível.

A arte não pode restringir-se somente a essa idéia. Necessita estar associada a outros

aspectos que busquem uma educação em arte que possibilite o aluno aprender

criticamente, criativamente; que desenvolva a cognição, a capacidade de aprender para

então facilitar a descoberta dos seus direitos e deveres e a conscientização social.

As pesquisas em torno do ensino da arte no Brasil ainda são escassas. O

número de pós-graduações nessa linha não chega a uma dezena em todo o Brasil1. E,

menor ainda, é o número de pesquisas que envolvem a expressão do corpo na

participação ativa desse processo de compreensão da arte e seu ensino. Ainda hoje,

valoriza-se mais o saber racional, no sentido anteriormente esclarecido, esquecendo-se

que o corpo é sujeito da educação. Como bem diz Rubem Alves, em seu artigo para a

Folha de São Paulo, de 05 dezembro de 2001, “é o corpo que quer aprender para poder

viver.”

O corpo, como prerrogativa para todos os saberes, tornará possível a formação

do seu próprio “eu”, um “eu” individual, um “eu” de sua própria invenção. Pois o “eu” que

1 Fonte: <http://revistaeducacao.uol.com.br/textos.asp?codigo=10675>

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vigora no sujeito hoje, é um “eu” que foi inventado pela sociedade, pelo outro. Sendo

assim, o sujeito perde a capacidade crítica, pois seu “eu” não foi constituído por ele

mesmo.

O corpo também se constrói socialmente; é influenciado pelo ambiente social e

político; ele absorve idéias, expectativas, intenções. Mas a conscientização leva à

transformação e ao domínio sobre essas influências. As palavras de Paulo Freire,

citadas por Gadotti (2004, p. 94), complementam essa discussão ao dizer que “ser

consciente é a forma radical de ser do seres humanos enquanto seres que, refazendo o

mundo que não fizeram, fazem o seu mundo, e neste fazer e re-fazer se re-fazem. São

porque estão sendo.” É a relação entre educação e humanização que se traduz pela

busca por uma formação do ser humano, completo, integrado, crítico e liberto, disposto

a conseguir alcançar sua consciência crítica.

Para tanto, Freire lança mão do diálogo, categoria epistemológica que permite a

comunicação entre arte e educação, em particular possibilita um desafio para o

pesquisador, forma de desenvolver a relação da arte como expressão artística do corpo

em liberdade.

A dialogicidade, categoria filosófico-pedagógica empregada por Paulo Freire para

identificar o encontro entre o eu e o tu, como diria Martin Buber (1982 e 1977), fonte

principal dos conceitos freireanos de dialógico e dialogicidade, impulsiona o (a)

pesquisador (a) a colocar questões sobre arte/educação e sobre a formação do

professor, em especial, das séries iniciais. Isso porque a arte nem sempre faz parte da

formação docente.

De acordo com Paulo Freire, é preciso que o iletrado aprenda a fazer a leitura do

mundo para, então, proceder à leitura da palavra. E, a leitura do mundo se faz,

inicialmente, por meio da imagem do mundo que vai sendo construída. Isso significa ir

da imagem à palavra. Por isso, Paulo Freire conta, na sua Pedagogia da indignação

(2000), como, a seu pedido, Francisco Brenand, artista plástico brasileiro de renome

internacional, produziu as dez “situações” que iriam ser trabalhadas por ele, Paulo

Freire, na preparação dos “animadores culturais”. Imagens estas que produzem a

reflexão em torno da tomada de consciência da libertação do corpo interditado.

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Portanto, como as expressões artísticas foram usadas nos círculos de cultura

tornando-se pedagogia para possibilitar a leitura de mundo.

Dessa maneira, ao libertar o corpo da interdição que o sufoca, a educação como

prática da liberdade, realiza a pedagogia do oprimido que é uma pedagogia para a

liberdade. E, para Paulo Freire, amante da estética e, portanto, das expressões

artísticas, aí está o que ele chamava de “boniteza” da ação pedagógica. Portanto, a

curiosidade despertada pela imagem, pelo belo artístico, levaria os alfabetizandos a

“sentirem-se cultos”, pois eles também “podiam fazer isso”, diziam, “apontando para o

jarro de barro projetado na tela” (FREIRE, 2000a, p. 98-99).

Portanto, a base teórica que iremos construir a partir de obras de Paulo Freire e

também da Didática Magna (1954) e do Orbsi Pictus (1659), de Comênio, que

inspiraram o educador brasileiro, acreditamos que irá nos dar os elementos teóricos de

que necessitamos para trabalhar o problema de pesquisa que, em última análise,

pretende investigar a importância da educação artística para a formação do educador, e

em particular, a arte como instrumento para a libertação da “interdição do corpo”.

Por tudo isso, destaca-se aquele professor que, consciente de sua dimensão de

constante reconstrução pessoal e profissional, trabalhe de forma a articular

conhecimentos e saberes, ciente de sua contribuição para a formação integral do

educando. Nesse sentido, remetemo-nos novamente à arte, por entender que esta seja

um campo fértil para o desenvolvimento pessoal, e também um espaço propício para a

expressão de idéias, sentimentos, inquietudes, exposição de opiniões, inovações,

pensamentos criativos, reflexivos e críticos. Essa é uma forma especial de olhar a arte e

vê-la como possível mediadora de um processo educacional consistente e que possa

também contribuir na formação dos professores nos cursos de graduação permeando

uma prática que tem em si “o cerne de possibilitar uma ação dialógica, revolucionária e

transformadora do mundo e das pessoas.” (FELDMANN, 2004)

Desta forma, buscamos questionar se as expressões artísticas, no ambiente

escolar, contribuem para o exercício de uma prática pedagógica libertadora, na

perspectiva freireana.

Tendo como objetivo geral investigar sobre o papel das expressões artísticas na

prática pedagógica como prática de liberdade, sob um olhar freiriano, buscamos na

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hermenêutica como método buscar os dados obtidos na bibliografia e nos documentos

pesquisados. Entendemos o método hermenêutico a partir de Paul Ricoeur (1969).

Para ele, o essencial na hermenêutica é que os fatos se constituem em relação com os

critérios que permitem constatá-los. Por isso o pesquisador é um intérprete, alguém que

"compreende" - que estabelece uma comunicação entre dois mundos, entre o mundo

do sujeito e o mundo do objeto do conhecimento, lançando luz tanto sobre um quanto

sobre outro e proporcionando o diálogo de sujeito e objeto do conhecimento

(RICOEUR, 1969, p. 14). Paul Ricoeur acrescenta que a hermenêutica possibilita ao

pesquisador compreender um texto e "compreendê-lo a partir da sua intenção,

baseando-se no fundamento daquilo que ele pretende dizer". Portanto, trata-se de uma

exegese que "implica uma teoria do signo e da significação. Assim, a hermenêutica

coloca em jogo o problema geral da compreensão". Trata-se, portanto, de compreender

o que o autor quer dizer, não somente fazendo uma exegese do texto, mas, ainda,

contextualizando-o, para retirar dele o seu significado último. Dessa forma,

"compreender é uma maneira de conhecer o compreendido". Por isso, para desnudar

os textos historiográficos e documentais e o lugar ocupado pela arte e pelas mais

diversas expressões artísticas, é fundamental apelar para a "compreensão

hermenêutica, isto é, para a sua interpretação". Todavia, "o sujeito que interpreta,

interpretando os signos, não é mais o cogito cartesiano: é um existente que descobre,

pela exegese, o modo de existir do ser interpretado" (RICOEUR, 1969, p. 8-11).

Assim, para alcançar tal objetivo, organizou-se o primeiro capítulo, no qual

refletimos sobre a relação entre o homem e arte, uma relação contínua que se perpetua

ao longo da história. Por atuar de forma subjetiva, a arte atua no âmago das pessoas,

conquista pelas emoções, expressões, sentimentos que suscita nas mesmas. Pensar

na arte como expressão do corpo, levou-nos a refletir sobre vários aspectos que

envolvem a relação entre corpo e disciplina, a partir das idéias de Foucault e também

sobre a idéia de corpo reflexionante, sujeito da percepção, segundo o pensamento de

Maurice Merleau-Ponty: o corpo que possibilita a relação do ser com o mundo. Tais

possibilidades serão discutidas nesse primeiro capitulo.

No segundo capítulo, procuramos identificar as marcas históricas da dominação

sofrida pelo corpo do homem e da mulher brasileira, inicialmente pelos colonizadores, e

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depois, pelas classes sociais mais privilegiadas. Principalmente o corpo da mulher

sofreu com essa dominação, limitando seu acesso a determinados lugares e limitando

suas ações.

Nesse capítulo são abordadas questões sobre a presença no Brasil dos

portugueses, a partir de 1500 e, depois, de outras nacionalidades européias neste e

nos séculos subseqüentes, Essa presença foi marcada pelo não reconhecimento

daqueles que aqui viviam, pois os mesmos não eram reconhecidos como iguais aos

invasores, mas como “outros” e, portanto, não-seres. Também há uma reflexão sobre o

trabalho pedagógico de catequização dos jesuítas, o qual tinha o objetivo de propagar a

fé católica e garantir a estrutura territorial do estado. A educação assume o papel de

agente colonizador, e através da pedagogia dos jesuítas, caracteriza-se pelo apego à

autoridade, pela transmissão disciplinada de uma cultura literária, retórica,

enciclopédica e mnemônica que inibia a criatividade e toda atividade inovadora.

Em seguida, em um terceiro e último capítulo, traremos para a discussão as

idéias de um grande educador brasileiro, Paulo Freire que defendeu a idéia de

conscientização como o caminho para liberdade. E a educação através do diálogo, o

veículo para se chegar a este objetivo. Nesta etapa da pesquisa, estabelecemos as

relações entre as discussões realizadas nos capítulos anteriores, aliadas ao

pensamento desse grande educador. A escolha por ele, se deu também pelo fato de

sua busca constante para conectar teoria, valores e prática, e trabalhar com o corpo na

educação permite estabelecer essa relação. Ele também falou da importância da

questão da cultura. E a concepção do corpo faz parte da cultura, pois o corpo,

envolvido numa atmosfera artística, pode ser melhor compreendido pela metáfora da

obra de arte. O corpo, nesta perspectiva, realça e procura por novas formas de

compreender o mundo, indo além do racionalismo. Portanto, buscamos desvelar os

sentidos múltiplos do corpo relacionado ao pensamento de Paulo Freire, buscando aí

uma relação entre alguns conceitos por ele desenvolvidos e a libertação do corpo pela

expressão artística.

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2 ESTUDOS SOBRE O CORPO

Os múltiplos sentidos do corpo nos pedem múltiplos olhares, reflexões e

encaminhamentos diversos para seu estudo. Falar das propriedades corporais, da

sua trajetória histórica, de suas características mais genuínas, exige um grande

esforço e empenho para ter sensibilidade suficiente para lidar principalmente com os

dados subjetivos que envolvem esse tema. Pode se seguir por diversos caminhos ou

abordagens, desde o aspecto da medicina à arte, da antropologia aos preceitos que

a moda impõe.

O corpo além de ser território biológico é também permeado por seus

aspectos simbólicos e subjetivos. O corpo é, certamente, a primeira forma de

visibilidade humana. É por meio dele que se corporifica o humano.

Verdadeiro arquivo vivo, inesgotável fonte de desassossego e de prazeres, o corpo de um indivíduo pode revelar diversos traços de sua subjetividade e de sua fisiologia mas, ao mesmo tempo, escondê-los. Pesquisar seus segredos é perceber o quanto é vão separar a obra da natureza daquela realizada pelos homens: na verdade, um corpo é sempre “biocultural”, tanto em seu nível genético, quanto em sua expressão oral e gestual. (SOARES apud SANT’ANNA 2006, p.3)

Pesquisar sobre o corpo envolve todos esses aspectos e, mais ainda, procura

desvelar seus mistérios, revelando suas características mais intrínsecas, reforçando

o que já é explícito e relacionando com perspectivas históricas, políticas, sociais e

culturais. Como bem ressalta SANT’ANNA (2006, p. 4),

São antigas as tentativas de minimizar os efeitos do que é desconhecido nos corpos. Da religião à ciência, passando por diferentes disciplinas e pedagogias, a vontade de manter o próprio corpo sob controle, se possível desvendando-o exaustivamente, caracteriza a história de numerosas culturas.

Conhecer o desconhecido sempre leva à insegurança, e tudo que é mais

previsível, com conhecimento prévio torna-se mais fácil e dá mais segurança. Mas,

conhecer o desconhecido pode favorecer a aquisição de poder. Neste sentido, a arte

pode ser usada para o exercício do poder e, até mesmo, da dominação, pois saber

lidar com características desconhecidas do corpo pode auxiliar a alcançar objetivos

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que têm a ver com o poder com o exercício do domínio e da dominação sobre o

corpo e os corpos. Acompanhando essa idéiam novamente SANT’ANNA (2006, p.4)

comenta que:

Assim, diferente de uma história do corpo, talvez seja mais instigante e viável realizar investigações sobre algumas das ambições de governá-lo e organizá-lo conforme interesses pessoais ou coletivos. Pois cada vontade de manter o corpo sob controle, por exemplo, é constituída por fragilidades e potencias, expressando especificidades e generalidades culturais.

Para essa pesquisa, os caminhos escolhidos para desvelar os sentidos

múltiplos do corpo seguiram a rota da arte, da filosofia, da história e da pedagogia

em especial da arte e da arte/educação.

O homem e arte estabelecem uma relação contínua, que se perpetua ao

longo da história. A arte é produzida pelo homem e, ao mesmo tempo em que a

produz, ele se modifica no contato com a sua produção, pois ela atua sobre o interior

das pessoas conquistando suas emoções, suas expressões e os sentimentos que

ela suscita (MARX, 2004). É produção coletiva ou individual; representa o imaginário

de um povo ou sua realidade, ou simplesmente idéias, reflexões particulares. Mas,

sempre, expressa um pouco da alma do artista que a criou.

A arte atua no âmago das pessoas, conquista pela emoção, expressão,

sentimentos que suscita nas mesmas. Pensar na arte como expressão do corpo,

levou-nos a refletir sobre vários aspectos que envolvem a relação entre corpo e

disciplina, a partir das idéias de Foucault e também sobre a idéia de corpo

reflexionante, sujeito da percepção, segundo o pensamento de Maurice Merleau-

Ponty: o corpo que possibilita a relação do ser com o mundo. Essas serão as

principais questões abordadas nesse capítulo.

2.1 A arte como expressão do corpo em movimento

Cada época, cada comunidade humana, ao longo dos anos construiu suas

singularidades e deixou marcas no tempo que são lembradas no futuro. A arte, por

ter a capacidade de atingir a essência do ser humano, contribui para que

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determinados momentos da história permaneçam no tempo. As obras de arte, então

produzidas são, ao mesmo tempo, produto cultural de uma determinada época e

uma criação singular do sujeito que as imaginou, ou seja “a obra de arte situa-se no

ponto de encontro entre o particular e o universal da experiência humana.” (PCNs

Arte, 2000, p. 35). A obra de arte permanece porque nela o ser humano se reflete e

se identifica, o artista fala diretamente à essência do homem e da mulher. A arte fala

daquilo que nós somos ou do que poderíamos ser.

A arte está, pois, presente na vida dos homens desde os tempos mais

remotos, na época das cavernas. Todas as culturas possuem um tipo particular de

arte, seja no modo como pintam os corpos e as coisas, seja no modo como fazem

cinema ou teatro. A arte, então, é uma constante na vida do homem, é um fenômeno

comum a todas as culturas e que se revela das mais distintas maneiras.

Por meio dessa linguagem podemos perceber a história e o momento

histórico do artista e/ou da sociedade que a produziu. Por isso a arte é também uma

forma de marcar os fatos na história, fazendo com que sejam sempre lembrados.

Por muitas vezes essa representação de momentos da história é acompanhada pelo

olhar crítico de quem refletiu sobre eles. Ou, então, com a marca da insatisfação de

não poder refletir ou criticar, quando a arte mostra a hierarquia de classes,

restringindo o seu acesso a um grupo específico. Ou, ainda, quando reflete as artes

populares, típicas de um povo, que mesmo sem instrução acadêmica, produz seus

trabalhos artísticos seguindo tradições seculares.

A arte aparece também constantemente no nosso cotidiano, muitas vezes

passando despercebida. Ao acordar, por exemplo, podemos ter nosso primeiro

contato com a arte quando olhamos as horas no relógio. O formato, as cores, as

características desse relógio passaram por um processo artístico de pesquisa acerca

das cores, formas, enfim, da estética para chegar a esse modelo. Muitos objetos do

nosso cotidiano nos aproximam da arte e muitas vezes não estamos prontos para

perceber isso. A arte do dia-a-dia é percebida por poucos devido ao ritmo de vida

acelerado que as condições política e econômica atuais exigem. A arte pode se

revelar nos mais simples objetos do dia-a-dia ou através dos mais requintados

espetáculos ou exposições. No entanto, ela é sempre uma busca de expressão, no

sentido de manifestação de sentimentos, emoções, idéias, que não se traduzem

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explicitamente pela linguagem escrita ou oral. Nas palavras de Duarte Jr. (1991, p.

44) se os símbolos lingüísticos são incapazes de nos apresentar integralmente os sentimentos, a arte surge como uma tentativa de fazê-lo. A arte é algo assim como a tentativa de se tirar um instantâneo do sentir; a arte não procura transmitir significados conceituais, mas dar expressão ao sentir. A arte, portanto está envolta por ambigüidade e subjetividade, pois a

expressão artística dependerá de interpretações singulares da pessoa e de quem a

percebe; e, portanto, continuamente, passível de variadas interpretações. Essa

variedade de interpretações que a arte possibilita e às quais está sujeita, a faz

reviver a cada olhar, a cada toque dos sentidos, da mesma forma como Paul

Ricoeur pensava a sua “hermenêutica”, ao declarar que pela hermenêutica, o texto

ganha vida quando interpretado. A arte, de certa forma, exterioriza os sentimentos

para que possamos percebê-los, ou compreendê-los, interpretá-los para os

ressignificar. E, como comenta Santin (2003, p. 73), “muitos sentidos são audíveis e

manifestos na intersubjetividade e na subjetividade. Talvez seja óbvio alertar que a

subjetividade não é um total descomprometimento com a objetividade. Acontece que

a subjetividade faz parte da objetividade dos fatos humanos.”

Não pretendemos nesta dissertação desenvolver conceitos sobre a arte, visto

que parece legítimo afirmar a dificuldade de conceituá-la, mas, refletir sobre as

expressões artísticas que nos auxiliam a aprofundar o tema de pesquisa proposto.

Se interrogarmos as pessoas sobre o que significa a arte para elas, podemos ouvir

as mais diversas respostas: expressão de sentimentos, beleza, distração, lazer,

quadros de artistas famosos, enfim, diversas definições de acordo com a vivência de

cada um em relação à arte. E se buscarmos o significado do vocábulo no dicionário1,

encontraremos 16 significações que o termo carrega em nosso idioma, além ainda,

das várias expressões em que o termo é usado juntamente com outras palavras.

Dentre os vários significados, encontramos a arte como: a capacidade que tem o ser

humano de pôr em prática uma idéia, valendo-se da faculdade de dominar a matéria;

a utilização de tal capacidade, com vistas a um resultado que pode ser obtido por

meios diferentes; atividade que supõe a criação de sensações ou de estados de 1 Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.0, 2004.

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espírito de caráter estético, carregados de vivência pessoal e profunda, podendo

suscitar em outrem o desejo de prolongamento ou renovação; a capacidade criadora

do artista de expressar ou transmitir tais sensações ou sentimentos; capacidade

natural ou adquirida de pôr em prática os meios necessários para obter um

resultado; dom, habilidade, jeito; ofício, profissão (nas artes manuais,

especialmente); artifício, artimanha, engenho; maneira, modo, meio, forma.

Contudo, é o ser humano que faz arte, ou tem habilidade para tal. É ele quem tem a

intenção de utilizar-se desta para ter um resultado. Acompanhando essa idéia,

valemo-nos das palavras de Leon Tolstoi, em seu livro “O que é Arte”, quando diz

que “a arte é toda atividade humana que consiste em um homem comunicar conscientemente a outros, por certos sinais exteriores, os sentimentos que

vivenciou, e os outros serem contaminados desses sentimentos e também os

experimentar.” (TOLSTOI, 2002,p. 15, grifo nosso). Assim, para Tolstoi, a arte é um

universo muito particular ou uma forma de conhecimento muito peculiar de qualquer

ser humano que busca, por meio de perguntas fundamentais, encontrar seu lugar no

mundo.

Dessa maneira, não conhecer arte, não possibilitar essa vivência para o ser

humano, é limitar suas capacidades criadoras, ou seja,

[...] o ser humano que não conhece arte tem uma experiência limitada, escapa-lhe a dimensão do sonho, da força comunicativa dos objetos à sua volta, da sonoridade instigante da poesia, das criações musicais, das cores e formas, dos gestos e luzes que buscam o sentido da vida. (PCNs Arte, 2000, p. 21)

A arte é uma forma não-diretiva de expressão do ser humano, pois exige não

só a visão, a escuta, mas os demais sentidos como portas de entrada para a

compreensão efetiva das questões sociais, políticas e econômicas. Por isso,

compreendendo o corpo como expressão de arte, estaremos lançando novas

possibilidades de criação de conhecimentos significativos para o ser humano e,

conseqüentemente sua conscientização enquanto ser atuante em uma sociedade.

Porém, ao observarmos ao longo da história percebemos que,

progressivamente, o corpo foi sendo afastado da mente. Essa discussão permeia

principalmente o período da modernidade, cuja paternidade atribui-se a Descartes,

com a res cogitan e a res extensa (DESCARTES, 1958). A discussão concentra-se

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principalmente numa visão conceitual que atribui à medicina moderna o cuidado do

corpo, como veremos nos capítulos que seguem.

2.2 Modernidade: Corpo e Homem

O significado de modernidade encontrado no dicionário Aurélio Eletrônico

Século XXI, refere-se à qualidade de moderno; dos tempos atuais ou mais próximos

de nós; recente; atual, presente, hodierno; que está na moda. No entanto, para

entender precisamente o sentido do conceito de modernidade faz-se necessário

esclarecer o contexto no qual este termo foi e pode ser utilizado.

O conceito de modernidade implica, segundo Edgar e Sedgwick, uma

oposição a algo, e particularmente a uma época histórica que tenha passado e tenha

sido superada, ou seja, não há resgate de memória, o que ficou para trás já foi

superado e não tem mais valor. Porém, os mesmos autores encontram outros

contextos nos quais o termo modernidade é empregado. Por exemplo, quando se

refere ao termo derivado do latim modernus (“modo”), “caracteriza a era cristã (a

partir do século V, nos escritos de Santo Agostinho), em contraste com um passado

pagão” (EDGAR; SEDGWICK, 2003, p.217). Já nos séculos XVII e XVIII, a

modernidade veio a ser associada ao Iluminismo, movimento intelectual que ocorreu

na Europa durante a parte final do século XVIII. Durante esse período, segundo

Edgar e Sedgwick, o desenvolvimento tecnológico e industrial, com mudança social

associada, tornou-se mais evidente. Assim, a modernidade não mais remete

simplesmente ao que é mais novo ou recente e passa a ser o que é mais

progressista. A racionalidade científica e a palavra de ordem, nesse contexto que

valoriza o progresso, o desenvolvimento, a superação. O sentir já não é mais

valorizado.

Porém, neste estudo, entender-se-á a modernidade segundo o conceito de

Duarte Jr.(2003), que pensa a modernidade como um período que teve suas bases

e fundamentos encontrados entre os séculos XI e XIV. Este autor afirma que a

busca destes fundamentos em épocas mais antigas – no âmago da Idade Média –

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auxilia na compreensão das transformações na vida e na concepção de mundo dos

povos europeus.

Por isso, nas linhas que se seguem, serão abordados de maneira breve,

aspectos históricos deste período e, seguidamente, dar-se-á ênfase maior aos

séculos XVIII e XIX, visto que, para o presente estudo, este período será

considerado o auge da modernidade, devido ao despontar da Revolução Industrial,

marco essencial para as discussões acerca das transformações nos hábitos

corporais das pessoas.

2.2.1 Corpo na modernidade: perspectiva histórica

Na época das cruzadas, nos séculos XII e XIII, as “guerras santas”

possibilitaram a exploração de novas rotas comerciais entre a Europa e o Oriente.

Assim, surgem as “comunas”, na região onde hoje se situa a Itália, estas cidades

prototípicas, termo usado por Duarte Jr (2003), autor sobre cujo pensamento iremos

nos basear para discutir este tema. Assim, como dizíamos, essas cidades

prototípicas eram habitadas principalmente por burgueses que se dedicavam ao

comércio. O costume consistia no escambo, isto é, trocas simples de mercadorias e

produtos. Essa troca não distinguia qualitativamente produtos diversos e por isso, a

popularização e o estabelecimento do dinheiro resolveria o problema, pois, como

afirma Duarte Jr (2003, p. 38)

[...] deste modo, com o uso corrente da moeda, diferenças qualitativas podiam ser tornadas diferenças quantitativas, facilitando as comparações, o comércio e a obtenção do lucro. Para empregar termos consagrados, o valor da troca começava ali a substituir o valor do uso dos produtos, gerando essa atitude que pode ser considerada a essência do mundo moderno: a troca do qualitativo pelo quantitativo, enquanto modo mais seguro de se conhecer o mundo – seguro, é claro, no tocante, originalmente, aos interesses financeiros.

Outras mudanças fizeram-se necessárias, como por exemplo, a mensuração

correta das distâncias e sua representação exata nos mapas, bem como também o

próprio tempo veio a adquirir caráter numérico com a invenção do relógio mecânico.

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Ou seja, a preocupação com o preciso regramento da vida cotidiana já começa a

emergir. Como anota Duarte Jr (2003, p. 39), “o tempo, portanto, ia se tornando

visível não mais através das alterações qualitativas da natureza, e sim por meio dos

signos numéricos dispostos nos planos circulares da nova máquina que tanta euforia

vinha causando desde a sua invenção”.

Inicia-se o processo de matematização do mundo e, em decorrência disto, o

espaço, que antes era entendido como algo sentido e vivenciado pelo corpo numa

abstração, passa a ser objeto de raciocínio representado matemática e

geometricamente. Como bem resume Duarte Jr (2003, p. 41), neste mundo que

desponta observa-se

[...] uma transferência dos sentidos para o cérebro, seguindo a exigência da modernidade que então principia a nascer. Está, pois alicerçado o mundo moderno nesta tendência que, progressivamente, irá se solidificar: a maior confiabilidade na descrição quantitativa do mundo em detrimento da qualitativa, o que significa uma migração da atenção humana dos sentidos e sensações – isto é, do corpo – para o cérebro.

Somado ao pensamento de Duarte Jr, Figueiredo (1995, p. 131) analisa o

homem do século XV como “um ser sem natureza nem posição previamente

definidas e que pode escolher livremente para si mesmo uma natureza e uma

posição – um ser, portanto, que de início e por natureza nada é, mas por isso

mesmo tudo pode”. A reflexão deste autor está em consonância com o que Duarte

Jr relata, pois um ser sem natureza é alguém que se encontra distante das suas

raízes, das suas tradições, e o pensamento moderno abre as portas para uma

liberdade infinita de mudanças, transformações, descobertas. Já no século XVI, as

aventuras marítimas foram ampliadas, bem como as fronteiras na geografia e na

mente dos homens.

Assim, consolida-se a preocupação com o futuro e a idéia do progresso, que

era ausente nos tempos medievais. A esperança cresce na mente das pessoas, e

também a idéia de que o futuro será melhor do que o presente, bastando apenas o

esforço e o trabalho de cada um.

Num período em que o homem é convidado a olhar para o futuro, no qual iria

se “cumprir o destino [...] do ser em movimento [...] inconcluso e por isso, com olhar

no horizonte” (BLOCH, 2005, p.143-145). O homem ocidental vive, então, um

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verdadeiro “otimismo militante” (BLOCH, 2005, p. 196). Com o olhar fixo no amanhã

em busca da cidade do Sol (Campanella) da concretização do sonho acordado

antecipando o futuro em utopia. (MORUS, 2005)

A arte aparece no pensamento e Bloch e tem um importante papel desde

suas primeiras obras, segundo FURTER (1931). Utilizando a arte musical, Bloch

tentava suas interpretações iniciais sobre a utopia refletindo mais profundamente

sobre a música, em particular. Sobre isso, FURTER (1931, p. 33) comenta que

Bloch vê hoje na arte musical uma interpretação concreta, objetiva e coletiva (pela sua tradição histórica) que ordena o mundo pelo ritmo e pela harmonia, sempre aberta ao futuro de possíveis e novas interpretações. A arte musical é a encarnação da esperança numa série de obras em desenvolvimento, pelas quais o homem pode discernir a sua própria capacidade criadora e encontrar, também as raízes do seu esforço pessoal de criação. As obras musicais pelo seu dinamismo prometem e abrem horizontes novos, testemunhando de uma maneira discreta, mais eficaz ao homem atento, uma esperança possível.

Acompanhamos o pensamento de Bloch (2005) e acrescentamos que a arte,

em todas as suas expressões, possui um papel extraordinário na sociedade no

sentido de trazer desse pensamento utópico. Assim, para FURTER (1931, p.33)

[...] a importância crescente que se dá ao espetacular (ver os “happenings”) na criação musical; a interpretação em ação (a renovação do teatro musical na “bossa nova”); e sobretudo à necessidade de encarnar para os outros a compreensão musical na dança coletiva, a forma mais pura, da nova cultura juvenil. Se, na era do “jazz-hot”, tínhamos um fenômeno de retração, uma verdadeira descida nos inferninhos e nas catacumbas, hoje estamos assistindo com os hippies, por exemplo, a uma expansão na esfera pública, isto é à descida na rua. Não é pois pura coincidência se naqueles movimentos juvenis renasce o pensamento utópico.

A arte busca sempre novas interpretações e muitas vezes isso gera novos

pensamentos e ideais. A arte normalmente provoca no apreciador um constante

estado de inquietação, seja pelo simples fascínio em tentar descobrir como se pinta

uma tela com tanta perfeição ou na tentativa de refletir sobre o tema que inspirou a

criação do artista; ou na composição primorosa de uma música; na escolha dos

movimentos corporais de uma coreografia, enfim, nas diferentes maneiras da

expressão pela arte, sempre algo nos provoca.

Ao mesmo tempo, o processo de criação está ao alcance de todos, e não

determinado a um número específico de pessoas. Ernst Bloch abole a singularidade

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do artista ao valorar antropologicamente – isto é, na existência de cada homem – o

papel da imaginação e do imaginário. Segundo FURTER (1931, p. 101) e BLOCH

(2005) o que fica como privilégio ao artista é que ele será sempre um “especialista”

do imaginário. Mas, de um imaginário que se abre para o futuro, em especial quando

se trata da música, pois esta “tem um efeito explosivo, ocorrendo no espaço aberto”,

e se disseminando pelo infinito (BLOCH, 2005, p.213)

A utopia seria concretizada pela materialidade da obra de arte. Diferente da

consciência antecipadora – fato universal, fundamental torna-se específica – torna-

se específica quando se realiza por meio da obra de arte. “A obra de arte se

distingue das outras criações da consciência antecipadora pela sua concretitude [...]

é suscetível de ser percebida e apreciada coletivamente.” (FURTER, 1931, p. 102)

A obra de arte visa uma totalidade, mesmo se sua concretização é singular. O

fragmento presente na obra é esperança de uma totalização possível. (FURTER,

1931, p. 103)

Com esse espírito esperançoso, adentramos no século XVII, no qual surge o

conceito de mobilidade, promovido pelas Grandes Navegações, na forma de se

fazer ciência. O trabalho de duas pessoas, então, será de grande importância para

estabelecer bases definitivas sobre o conhecimento moderno. René Descartes e

Galileu Galilei. Este é considerado iniciador da ciência experimental moderna e

aquele, da filosofia moderna. Sobre Descartes, com sua dirigida sistemática, irá

problematizar o mundo e o homem para concluir que a compreensão do mundo e do

homem somente seria possível pela mathesis (Descartes, 2004)

Descartes (2004) também teria contribuído para o estabelecimento da

dicotomia corpo/mente, isto é, a separação entre o corpo e a mente, e a prioridade

desta sobre aquela. Com sua visão da dúvida metódica, coloca em suspeita as

verdades até então estabelecidas e separa a relação homem e mundo em dois

pólos: o do sujeito que investiga e o do objeto que se deixa investigar, trazendo

conseqüências sobre as “revoluções científicas”. Como exemplo, a passagem do

geocentrismo para o heliocentrismo, século XVI, não só representou e se constituiu

no símbolo da Revolução Copérnico-Galileana, segundo SANTIN (2003), como

também significou a mudança de nosso sistema cósmico. Assim, com essa nova

cosmologia, institui-se no homem uma nova rachadura, e desta emerge uma nova

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Antropologia. Ou seja, o mundo acabou por dividir-se em duas partes, dois mundos

distintos, duas verdades. “A verdade da ciência ou do mundo, e a verdade do

homem. A verdade da ciência é indiferente às verdades do homem.” (SANTIN,

2003, p. 18) As velhas certezas e as velhas verdades já não mais são tidas como

certas; passam pelo crivo dos métodos empírico-racionais. Tudo que norteava o

homem até aqui se esvaziou de sentido; o mundo agora seria constituído da

matemática e da geometria, segundo a visão galileana. É o processo de

matematização do mundo, a quantificação das coisas em detrimento da qualificação.

E, Galileu também promove uma grande revolução epistemológica na

modernidade através do estudo do movimento dos corpos, a partir de equações e

fórmulas matemáticas. A partir de Galileu, portanto, a essência das coisas não

estará mais em jogo, e sim sua função. Pensando no corpo, esquece-se então, sua

natureza para dar prioridade à funcionalidade do corpo como objeto de trabalho.

Diante de tudo isso, emerge a ciência moderna e, por conseqüência, o “novo

homem”, em busca de suas novas verdades, objetivas. Para tanto, precisa renunciar

de sua condição existencialista e substituir sua consciência, até então, subjetiva,

pela razão universal. O método a ser agora utilizado será, então o lógico-

matemático. Assim, segundo SANTIN (2003), o homem defronta-se com três

grandes projetos e imagens do mundo:

A imagem galileana do mundo, como um livro escrito em caracteres matemáticos, constitui o primeiro projeto. A segunda imagem está baseada na idéia de um mundo harmonioso definido por Kepler ao dizer que os movimentos celestes nada mais são que uma canção para várias vozes. E, por fim, a imagem do mundo, a mais antiga, que nos vem da tradição bíblica expressa no Salmo 19, onde se lê: ‘os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras de suas mãos.’ (SANTIN, 2003, p. 19)

Portanto, o homem encontra-se diante de novos caminhos e sua angústia

agora é tentar reconstruir-se nessas novas perspectivas de mundo e tentar refazer

seu projeto pessoal.

À medida que cada ciência define seu objeto e estabelece seus métodos,

tem-se a fragmentação do conhecimento limitado em áreas e regiões

epistemológicas. O conhecer é obtido por meio do processo de dividir, fragmentar,

separar, classificar. O mundo é visto como uma grande máquina e o princípio

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científico da fragmentação e do determinismo acarretaram uma visão da natureza

como um mecanismo que pode ser demonstrado e analisado sob a forma de leis.

Tudo que não se encaixa nos seus princípios metodológicos e epistemológicos é

considerado como não científico. Não há mais a idéia de um conhecimento universal

da realidade. Tudo precisa ser explicado por meio de princípios lógico-matemáticos.

Dessa maneira, o senso comum e os estudos humanísticos não seriam tratados

como conhecimentos científicos.

Com o advento da Revolução Industrial, no século seguinte (XVIII), há

alterações ainda mais profundas, incidindo diretamente na vida e nos hábitos das

pessoas. Pode-se dizer que houve um processo de reeducação do corpo humano:

quem antes era um artesão, agora se tornara um operário. Ao contrário do artesão,

o operário passou a ter a vida dirigida pela lógica da produção industrial, seguindo

os horários fixados por ela. Ou seja, não tinha mais a vida regida pela natureza ou

pelo próprio corpo, e também não fazia mais seus horários pelo ritmo vital.

O regime de trabalho proposto pelas indústrias era totalmente alheio às suas

demandas corporais, por isso,

não é demais afirmar-se que, primordialmente e em termos dos indivíduos, a Revolução Industrial significou um radical processo de reeducação do corpo humano. Corpo esse que, de maneira acelerada, precisou adaptar-se a um esquema produtivo que se mostrava indiferente às suas necessidades e ritmos vitais, os quais até então eram obedecidos pelos antigos lavradores e artesões. (DUARTE Jr, 2003, p. 47)

A valorização da racionalidade desprendeu-se da preocupação com o corpo.

Fez-se necessário uma padronização da maneira de movimentar-se, de trabalhar,

de viver, pois a uniformidade do movimento dos corpos das pessoas significava

maior facilidade no domínio dos mesmos. Quanto mais regrado e submisso fosse o

corpo do operário, maior a produtividade no trabalho e maiores os lucros do

empregador. Toda energia deveria ser canalizada para a produção. Portanto, festas,

divertimentos e prazeres deveriam ser reduzidos e controlados, pois comprometiam

a cada passo, a reclamada economia dos corpos. Ou seja, os corpos só se

valorizavam na medida em que pudessem contribuir para a afirmação dos novos

valores de trabalho, do rendimento e do progresso. Confirmou-se, então, a

necessidade de iniciar um controle social sobre os corpos evitando o que era

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entendido por desperdício inútil das energias humanas. Jorge Crespo comenta sobre

o policiamento dirigido aos corpos. Segundo ele

os fatos demonstravam que as condutas humanas não se revelavam de acordo com a reclamada civilização dos costumes; as exigências de austeridade e de contenção dos gestos não se cumpriam; os desvios de comportamentos denunciavam a inexistência de um controle social eficaz. (CRESPO,1990, p. 464)

Dessa forma, constatamos então, que o corpo se constrói socialmente, pois a

visão que o homem tem do corpo é influenciada pelo ambiente social, político e

econômico em que está inserido, portanto, acaba por absorver idéias, expectativas e

intenções desse meio. Ou seja, não é constituído por uma universalidade das

vontades, como diria Foucault (1979, p. 146): “não é o consenso que faz surgir o

corpo social, mas a materialidade do poder se exercendo sobre o próprio corpo dos

indivíduos.”

Neste contexto, eram definidos os planos de educação, que compreendiam

um conteúdo moral acentuado tendo em vista implantar um regime de submissão e

restrições de comportamentos. Ou seja, os sentidos vão sendo negados e a

elevação da racionalidade humana, glorificada.

E é com esse pensamento de supremacia da razão humana que o movimento

iluminista postulava suas concepções. A razão foi considerada primordial dentre as

faculdades humanas e, por isso “devia ser devidamente educada e desenvolvida, a

fim de que a humanidade pudesse caminhar (utopicamente) em direção à sua

maioridade.” (DUARTE Jr, 2003, p. 46), em atendimento à exortação de Kant em “o

que é iluminismo?”: ousai saber.

Para isso, a multiplicação das escolas tornou-se ferramenta essencial e,

associada ao pensamento do Estado em efetivar um controle social sobre os corpos,

a escola tornou-se um lugar propício no qual poder-se-ia desenvolver a mente e

treinar os corpos, para adaptá-los ao convívio social.

Já no século XIX, o espírito que prevalece, ao contrário do pensamento

iluminista sobre a crença na ciência, é o da ciência como uma nova forma de

superstição, ou seja, fé num ilimitado progresso científico e tecnológico,

desenvolvendo um utopismo técnocientífico. Uma nova esperança é depositada no

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progresso, nas novas descobertas e invenções, como a máquina e o navio a vapor,

as ferrovias, o telégrafo, a luz elétrica, os jornais.

O triunfo da razão já era inquestionável, e fazia acreditar que a maioridade

humana – célebre expressão dos iluministas – estava próxima (KANT, 2008). A

ciência vai avançando em suas descobertas; as máquinas seduzem por tornarem as

tarefas mais fáceis, ágeis, encurtando distâncias e aumentando a velocidade. Em

meio a tudo isso, Nietzsche, Spengler e Freud destoam com suas advertências

discordantes. Porém, suas vozes parecem ecoar no vazio, dado o clima de

excitação com a modernidade tecnológica que cresce e se expande rapidamente.

E é com essa “crença ferrenha na racionalidade” – expressão de Duarte Jr,

que o mundo ingressa no século XX, inserido em um mal estar e em uma descrença

na tão vangloriada racionalidade humana que principia a eclodir. As máquinas, que

antes só traziam benefícios, agora trazem destruição; tornaram-se mortíferas. Essa

solidez da razão começa a ruir com a eclosão da Grande Guerra e o desespero e o

mal estar tornar-se-ão agudos com a Segunda Guerra; com Hiroshima e sua bomba

atômica e Auschwitz, o campo de concentração e de morte. Nesse contexto, as

conseqüências decorrentes do processo da modernidade levam a questionamentos

e conflitos quanto às idéias de progresso, ciência, racionalidade, evolução e por

conseqüência, valores atribuídos ao corpo.

2.3 Michel Foucault: Corpo e Poder

A preocupação com o poder levou também à descoberta do corpo como

objeto e alvo do mesmo. A atenção dedicada ao corpo para torná-lo hábil e útil, se

manifesta pelas ações de manipulação, modelagem, treinamento, regramento e

disciplina que se impõem sobre o corpo. Mas há de se lembrar que o poder não

somente tem a função de repressão, pois agindo somente assim tornar-se-ia frágil,

como bem ressalta Foucault (1979), quando distingue a existência da consciência do

efeito de poder sobre o corpo na situação de trabalho na perspectiva marxista. Esta

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[...] noção de repressão uma importância exagerada. Pois se o poder só tivesse a função de reprimir, se agisse apenas por meio da censura, da exclusão, do impedimento, do recalcamento, à maneira de um grande super-ego, se apenas se exercesse de um modo negativo, ele seria muito frágil. Se ele é forte, é porque produz efeitos positivos a nível do desejo – como se começa a conhecer – e também a nível do saber. O poder, longe de impedir o saber, o produz. Se foi possível constituir um saber sobre o corpo, foi através de um conjunto de disciplinas militares e escolares. (FOUCAULT, 1979, p. 148)

Portanto, ao mesmo tempo em que se busca a formatação de corpos para o

trabalho também se preza pela valorização dele, mas de maneira a escravizá-lo,

tirar-lhe a liberdade sem que disso a pessoa tome consciência. Um exemplo disso

seria o culto ao corpo, que reina até os dias atuais. Aprecia-se o corpo sadio, magro,

esbelto e tudo gira em torno desse estereótipo de beleza. As mídias propagam essa

idéia e procuram vender todos os produtos imagináveis para que as pessoas

alcancem esse ideal corporal, negligenciando até mesmo questões físicas e

psicológicas.

Segundo Foucault (1987), em qualquer sociedade a questão do corpo é

questão do poder. Os corpos que podem ser modelados em favor de interesses de

determinadas pessoas ou classes seria o que Foucault chama de corpos dóceis.

Corpos que podem ser adestrados, manipulados. “É dócil um corpo que pode ser

submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado.”

(FOUCAULT, 1989, P. 118). Essa disciplina corporal que busca padronizar os

corpos e tirar-lhes a liberdade destruindo assim, suas capacidades expressivas,

inventivas, comunicativas, carregadas de séculos de preconceitos quanto aos

gestos, exposição e até mesmo percepção e consciência de si próprio, afastou do

âmbito escolar uma educação corporal, com foco na expressividade, na

comunicação e criação individual, ou seja, desconsiderou o corpo como processo,

produto e objeto da arte e da educação em arte disciplinado-o e o tornando dócil.

Disciplina tida como uma fórmula geral de dominação, mas uma disciplina que

domina os corpos em favor da utilidade e conseqüência da obediência e vice-versa.

Foucault compara e distingue a forma de dominação por meio da docilidade dos

corpos com a escravidão, com a domesticidade, vassalidade e o ascetismo.

Interessante observar essa distinção e ver que o corpo que agora é dócil, não se

conscientiza de sua situação porque é iludido pelos resultados que seu corpo

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produz, por se sentir útil, capacitado e com aptidão para realizar o que lhe é

proposto, acaba não percebendo que é ao mesmo tempo, dominado, devendo

submeter-se às exigências alheias. Nas palavras de Foucault (1989, p. 119) essas

formas são diferentes da escravidão, pois não se fundamentam numa relação de apropriação dos corpos; é até a elegância da disciplina dispensar essa relação custosa e violenta obtendo efeitos de utilidade pelo menos igualmente grandes. Diferentes também da domesticidade, que é uma relação de dominação constante, global, maciça, não analítica, ilimitada e estabelecida sob a forma da vontade singular do patrão, seu “capricho”. Diferentes da vassalidade que é uma relação de submissão altamente codificada, mas longínqua e que se realiza menos sobre as operações do corpo que sobre os produtos do trabalho e as marcas rituais da obediência. Diferentes ainda do ascetismo e das disciplinas de tipo monástico, que têm por função realizar renúncias mais do que aumentos de utilidades e que, se implicam em obediência a outrem, têm como fim principal um aumento do domínio de cada um sobre seu próprio corpo. O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente.

A disciplina irá fabricar corpos submissos, ‘dóceis’, que lhes tirará também

suas singularidades; não saberão mais quem realmente são, seus gestos e

movimentos serão pensados por outras pessoas, por outras instâncias de poder.

Não tem mais consciência própria, agem em função de objetivos, de sua capacidade

de produzir. Na “Microfísica do Poder”, Foucault diz: o poder penetrou no corpo,

encontra-se exposto no próprio corpo, por isso, para ele, nada é mais real na

sociedade capitalista do que o exercício do poder causado pela dominação do

corpo. Neste sentido, o corpo é não somente objeto do poder, como também

exercício do poder. Objeto do poder para produzir cada vez mais o exercício do

poder de persuasão para o consumo do que foi produzido, e assim, toda essa

manifestação se dá.

Lembra que o poder disciplinar se exerce por meio de técnicas de vigilância

sobre o corpo e de atos punitivos sobre o corpo. Para ele, as relações de poder

“operam sobre o corpo de modo imediato; eles o investem, o marcam, o dirigem, o

supliciam, submetem-no a trabalhar, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe sinais.”

(FOUCAULT, 1983, p. 28)

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A supremacia da burguesia para exercer a dominação econômica, precisava

apelar para a dominação física, pois “uma das formas primordiais de consciência de

classe é a afirmação do corpo.” (FOUCAULT, 1980, p. 119)

Por isso mesmo Foucault irá criar uma nova categoria de análise denominada

por ele de “bio-poder”. A partir do conceito de bio-poder ele mostra como o sistema

capitalista e a classe social que o criou o utiliza para o exercício do poder sobre os

indivíduos: “ o poder foi, sem dúvida, o elemento indispensável ao desenvolvimento

do capitalismo, que só pode ser garantido às custas da inserção controlada dos

corpos no aparelho de produção e, por meio de um ajustamento dos fenômenos de

produção ao processo econômico.” (FOUCAULT, 1980, p. 132)

Para Foucault, a burguesia capitalista precisa criar um novo tipo de sociedade

a fim de manter o poder político e econômico: “a sociedade disciplinar”, pois o

capitalismo precisa de corpos produtivos, dóceis e disciplinados. Dessa maneira, a

disciplina pretende tornar o corpo dócil para melhor explorá-lo em favor da produção.

A rigor, o corpo para se tornar apto para produzir, precisa ser modelado, formado.

Daí, um papel importante atribuído à escola capitalista neste processo de

docilização e formação de corpos disciplinados. Assim, de acordo com Foucault, o

disciplinamento dos corpos precisa seguir três critérios: 1) tornar o exercício do

poder menos custoso possível (economicamente pela pouca despesa que acarreta

politicamente, por sua discrição, sua fraca exteriorização, sua relativa visibilidade, o

pouco de resistência que suscita); 2) fazer com que os efeitos desse poder social

sejam levados a seu máximo de intensidade e estendidos tão longe quanto possível,

sem fracassos, nem lacunas; 3) ligar, enfim, esse crescimento econômico ao poder e

o rendimento dos aparelhos no interior dos quais se exerce (sejam parelhos

pedagógicos, militares, industriais, médicos, midiáticos). Em suma, fazer crescer ao

mesmo tempo a docilidade e a utilidade de todos os elementos do sistema.

(FOUCAULT, 1987, p. 101)

Portanto, a disciplinarização dos corpos passa a ter uma espécie de modelo

disciplinar a ser aplicado nos hospitais, na indústria, nas forças armadas, nas

escolas, vistas como “instituições disciplinares” que definem um certo modo de

investimento político detalhado do corpo, uma nova “microfísica do poder”,

(FOUCAULT, 1987, p. 128). Nasce, então, o que Foucault chama de “arte do corpo

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humano”, a partir desse modelo de disciplinarização do corpo, com a finalidade de

submetê-lo, sujeitá-lo para que se torne mais obediente e, é claro, mais útil: “a

disciplinarização fabrica corpos submissos e exercitados, corpos dóceis”. Ainda

mais,

a disciplina aumenta a força do corpo e diminui essa mesma força. Ela dissocia o poder do corpo, faz dele por um lado, uma ‘aptidão’ e, por outro lado, a energia, a potência que poderia resultar disso e fez dela uma relação de sujeição estrita. Dessa forma, a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada. (FOUCAULT, 1987, p. 127)

Foucault vê a disciplinarização dos corpos como uma ação sutil que vai se

apoderando delas sem que eles tomem consciência dela – construindo, mesmo, o

que Paulo Freire chamaria de consciência ingênua, pois nesta situação, a

consciência do opressor passa a “habitar a consciência do oprimido”. Vem a ser,

portanto, uma ação que faz uso de “pequenas astúcias dotadas de grande poder de

difusão, arranjos sutis de aparência inocente, mas profundamente suspeitos,

dispositivos que obedecem a economias inconfessáveis, ou que procuram coerções

sem grandeza.” (FOUCAULT, 1987, p. 128) Essa técnica de disciplinarização dos

corpos se realiza pela “minúcia dos regulamentos, o olhar esmiuçante das

inspeções, o controle das mínimas parcelas de vida e do corpo e darão em breve no

quadro da escola (supervisão, inspeção escolar), do quartel, a hospital ou da

oficina.” (FOUCAULT, 1987, p. 129).

Portanto, entendemos com Foucault que o bio-poder funciona como uma

espécie de “anatomia-política” sobre o corpo e, também como uma bio-política no

corpo social, pois “as disciplinas do corpo e as relações da população constituem os

dois pólos em torno dos quais se desenvolvem as organizações do poder sobre a

vida.” (FOUCAULT, 2003, p. 131)

É neste sentido que podemos entender a interdição do corpo: proibido de se

expressar autonomamente, proibido de mover-se com independência, proibido de

ser.

Como vimos, o pensamento de Michel Foucault acerca do corpo, destaca-o

como sustentação das forças de poder e de saber, ou seja, o corpo é atravessado

por relações de poder/saber. O corpo é sujeitado à dominação dentro da sociedade

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capitalista. É redutível a certos arranjos sócio-histórico-culturais que irão constituir a

identidade histórica do sujeito.

Porém, entendemos que, apesar de ser de suma importância compreender o

corpo na perspectiva foucaultiana, é importante também abordá-lo sob outra ótica

também: o corpo como fonte da percepção de sentidos. E é com Maurice Merleau-

Ponty que buscaremos agora a libertação do corpo aprisionado de Foucault. A

questão do corpo é central nos estudos desses dois autores, sendo que em Foucault

ressaltam-se os aspectos culturais e históricos, já em Merleau-Ponty, o que se

destaca são os aspectos ligados ao que é natural do sujeito, não se limitando aos

seus significados histórico e culturais. Para Merleau-Ponty, o corpo é o ponto de

apoio das percepções e de sensações na existência do indivíduo, como

observaremos na continuidade dessa pesquisa. Veremos também que a arte, em se

tratando de percepção, terá papel importante, visto que trabalha diretamente com o

sensível.

2.4 Merleau-Ponty: corpo, sensação e diálogo pelo toque

Reflexões sobre a questão corporal inculquem no pensamento acerca das

formas de lidar com a corporalidade, entendendo que esta é resultante de um

processo histórico e, portanto, uma construção social. A realidade atua no indivíduo

assim como este atua sobre a realidade. Mas podemos dizer que a realidade pode

direcionar e até formalizar suas maneiras de sentir, pensar, e agir. Segundo

Gonçalves (1997, p. 14), “a cultura imprime suas marcas no indivíduo, ditando

normas e fixando ideais nas dimensões intelectual, afetiva, moral e física.”. Ou seja,

o indivíduo absorve do meio onde vive tudo aquilo que vai compor sua forma de ver

e vivenciar o mundo a sua volta. O corpo, portanto pode até revelar singularidades,

mas também e principalmente, expressa tudo aquilo que caracteriza o grupo social

ao qual pertence. A arte, então, fará parte desse todo que influencia o indivíduo.

Portanto, seu acesso ou restrição à arte, distingue de alguma maneira sua forma de

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expressar-se por meio do corpo. “O corpo expressa a história acumulada de uma

sociedade que nele marca seus valores, suas leis, suas crenças e seus sentimentos,

que estão na base da vida social.” (GONÇALVES, 1997, p. 14)

Se buscarmos referências na história, veremos que nossa herança cultural

sempre nos leva a pensar o homem de forma dualística. Dentro dessa dualidade a

valorização dos aspectos espiritual, psíquicos e intelectuais é constante. O corpo só

pode ser considerado numa função de serviçal, sendo apenas um instrumento para

atingir fins específicos. Nas palavras de Santin (2003, p. 63),

chega-se a conceder ao corpo certas funções que lhe são especificas, apenas quando tem, como finalidade e objetivos, valores superiores. A psique, ou a alma, a consciência ou a mente usam o corpo como veículo que conduz à perfeição, mas que pode dificultar o bom andamento quando ele não obedece aos ditames espirituais.

Enquanto permanecer a idéia da dualidade, da visão antropológica dualista,

que compreende o homem como sendo formado por duas partes distintas,

separadas e autônomas. A inferioridade corporal permanecerá, pois o corpo sempre

estará a serviço de um ideal de empreendimentos de dominação e de supremacia

ideológica.

Em contraponto a esse pensamento dualista, cartesiano, encontram-se as

investigações filosóficas de Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), que situa no cerne

de suas reflexões a crítica radical à metafísica cartesiana que, fundada na

separação de alma e corpo, instaurou no conhecimento uma cisão, no qual de um

lado encontra-se a objetividade da ciência e, de outro, a subjetividade empirista.

Essa visão dualista reduz o corpo à condição de objeto, e como tal, o sujeito faz do

corpo um objeto de representação e com ele só mantém relações de exterioridade.

Schmoller (1995, p. 30) opõe-se a essa visão afirmando que “meu corpo não é

objeto físico estudado pelas ciências através da atitude reflexiva; esta atitude purifica

simultaneamente a noção comum do corpo como uma soma de partes sem interior,

e a alma, como um ser totalmente presente a si mesma, sem distância.”.

Quando se estabelece essa distinção, o corpo não se deixa conhecer,

somente quando existencialmente é conhecido na sua vivência, quando alguém vive

seu corpo intencionalmente, confunde-se com ele, seu ‘eu’ se estende de forma

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intencional ao mundo. O sujeito não é corpo separado de si mesmo, não pode estar

diante de seu corpo, pois é corpo em sua totalidade. O corpo não é objeto, porque

está sempre com o sujeito que não pode se separar dele, e ele nunca pode deixá-lo.

Não são duas realidades diferentes e separadas, nem a somatória de duas

realidades.

Na Fenomenologia da Percepção, o capítulo sobre a Experiência do Corpo e

a Psicologia Clássica, Merleau-Ponty (1999) afirma que o corpo próprio, segundo as

concepções desta abordagem, se distingue dos demais objetos porque o sujeito não

pode se afastar dele para observá-lo. Na medida em que é um “objeto que não o

deixa”. Mas, em seguida, o próprio autor questiona se realmente o corpo “é um

objeto que não me deixa”. O que caracterizaria um objeto, é a sua capacidade de

ser observável, de poder situar-se diante do nosso olhar, pois “de outra maneira, ele

seria verdadeiro como uma idéia e não presente como uma coisa.” (MERLEAU-

PONTY, 1999, p. 133) A rigor, uma abstração. A permanência do corpo próprio é

diferente daquela dos objetos, porque se recusa a ser explorado tal como os demais

objetos o são. Não posso mudar o ângulo de visão do meu corpo, como faço com os

outros objetos; meu corpo se apresenta a mim sempre do mesmo ponto de vista. A

permanência do corpo,

não é uma permanência no mundo, mas uma permanência ao meu lado. Dizer que ele está sempre perto de mim, sempre aqui para mim, é dizer que ele nunca está verdadeiramente diante de mim, que não posso desdobrá-lo sob meu olhar, que ele permanece à margem de todas as minhas percepções, que existe comigo. É verdade que também os objetos exteriores só me mostram um de seus lados, escondendo-me os outros, mas pelo menos posso escolher à vontade o lado que eles me mostrarão. (1999, p. 134)

Assim sendo, podemos afirmar com Merelau-Ponty, que o meu corpo me

impõe um determinado ponto de vista. Meu corpo é minha possibilidade de estar no

mundo, de ver outros corpos e outros objetos exteriores, de manejá-los, dar a volta

em torno deles, mas quanto ao corpo próprio essa possibilidade não existe, já que

precisaria de outro corpo para observá-lo. (Merleau-Ponty, 1999, p. 135)

O sujeito, enquanto ser que é corpo, não faz uso dele, mas vive como tal,

sente-se corpo: “nele, encontro aquela projeção que me faz ser no mundo,

justamente porque o corpo é atualização da minha existência.” (SCHMOLLER, 1995

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p. 30) Apesar de ver e tocar o mundo por meio do meu corpo, a situação inversa não

seria realizável, segundo Merleau-Ponty. A explicação se dá, na medida em que o

corpo é aquilo que faz as coisas existirem como objetos. “Ele não é nem tangível

nem visível, na medida que é aquilo que vê e que toca.” (1999, p.136) Nesse

sentido, no pensamento de Merleau-Ponty, o corpo daria ao indivíduo o que ele

chamou de “sensações duplas”, que é o tocar-se tocando, numa organização

ambígua no qual as partes do corpo podem alternar-se na função de tocada e

tocante. Dá o exemplo das duas mãos que se tocam, e que não se trata de duas

sensações sentidas em conjunto, mas cada mão pode dar e se dar significado

concomitantemente.

Portanto, se o corpo próprio, apresenta essa ambigüidade, anteriormente

citada, se é, ao mesmo tempo em que existe, que deseja intencionalmente abrir-se

para o mundo, e não é simplesmente um objeto entre os outros, como poderia a

psicologia clássica, tendo como ponto de partida do seu conhecimento o fato,

descrever essa experiência do corpo. Nas palavras de Merleau-Ponty (1999, p.139),

se a descrição do corpo próprio na psicologia clássica já apresentava tudo o que é necessário para distinguí-lo dos objetos, de onde provém que os psicólogos não tenham feito essa distinção ou que, em todo caso, não tenham extraído dela nenhuma conseqüência filosófica?

Seria necessário um retorno a si mesmo, instalando um pensamento universal

que recalca tanto sua experiência do outro como experiência de si mesmo.

2.5 A EXPERIÊNCIA DO CORPO PRÓPRIO

Após as reflexões acerca do corpo como mero objeto, nas perspectivas da

psicologia clássica, segundo análise das idéias de Merleau-Ponty, é importante

discutir o corpo enquanto experiência vivida por meio da arte.

Ao pensar a arte que se expressa por meio do corpo, pensamos também o

homem como corporeidade, e como tal, é expressão, presença, gesto, comunicação.

O homem é um ser capaz de assumir posturas expressivas corporalmente, de

comunicar por meio de seu corpo suas intenções, seus desejos, anseios,

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sentimentos. Santin (2003, p. 35), interpretando Merleau-Ponty, descreve essa

presença do homem como corporeidade, não reduzindo a um conceito material de

corpo, mas enquanto fenômeno corporal, ou seja, na medida em que ele é

expressividade, palavras e linguagem. O mesmo autor se refere à educação física e

reforça que esta deverá se contrapor ao exercício mecânico, vazio e ritualístico,

porque o gesto precisa ser “falante”, e esse gesto é o movimento que não se repete,

mas que se refaz, e refeito diz cem vezes, tem sempre o sabor e a dimensão de ser

inventado, feito pela primeira vez. A repetição criativa não cansa, não esgota o

gesto, pois não é repetição, mas criação. Assim, ele é sempre novo movimento,

diferente, original. Ele é arte. Paulo Freire (1987, p. 58) comenta sobre a

memorização fundada na repetição reprodutiva do saber; vê o processo educativo

não como algo que se repete, mas como algo que se refaz, como veremos mais

adiante. E, se para Santin (2003), como vimos, na Educação Física, os movimentos

devem ser gestos artísticos, criativos, na expressão artística como seriam? Na arte,

os movimentos são também gestos criativos, seja quando um pintor movimenta o

pincel com seu braço, quando um bailarino executa sua coreografia, ou quando um

músico toca um instrumento musical, os gestos são carregados de originalidade,

expressividade, refletindo um movimento contínuo, mas sempre novo e criativo. Ao

propor que os gestos sejam artísticos também no espaço dos exercícios físicos, se

propõe também que a arte que se expressa pelo corpo amplie suas dimensões e

não fique somente reduzida ao espaço da arte. Entender que o corpo pode

expressar-se criativamente aproxima-nos da idéia de Merleau-Ponty quando

compara o corpo não ao objeto físico, mas a obras de arte, sejam elas quais forem.

Ele toma como exemplo um quadro de Cézanne, e afirma que a comunicação

da idéia se faz pelo desdobramento das cores e dos sons. E prossegue dizendo que

é a percepção dos quadros que dá o único Cézanne existente. Assim como nas

pinturas de Cézanne, não é possível distinguir a expressão daquilo que é expresso

ou interpretado pelo apreciador, e o sentido só pode ser acessível por um contato

direto com a obra, com o corpo ocorre a mesma situação, não se separa o físico do

psíquico, ambos formam uma unidade, ressaltando a compreensão do homem como

um todo. É assim que pode se estabelecer a relação entre corpo e obra de arte, pois

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o corpo, “ele é um nó de significações vivas e não lei de um certo número de termos

co-variantes.” (MERLEAU-PONTY,1999, p. 210)

A experiência do corpo próprio, como corpo reflexionante é essencial no

pensamento de Merleau-Ponty. Dessa maneira, o corpo como sujeito da percepção

apresenta a capacidade de reflexão, que antes era atribuído à consciência. É nesse

ponto que Merleau-Ponty encontra a superação, segundo Schmoller, do dualismo

cartesiano, res cogitans/ res extensa (corpo/alma).

2.6 Corpo e movimento humano

Após procurarmos entender os diversos aspectos do corpo, sua existência e

sua ambigüidade, cabe agora pensar na motricidade desse corpo que, como vimos,

é reflexionante, segundo os pressupostos de Merleau-Ponty.

Todo homem é um ser em movimento, desde seu nascimento. Falar do

movimento humano, não parece tarefa fácil, pois não falaremos apenas de um corpo

que se move, mas de um corpo com todas as características anteriormente citadas e

que não pode mais ser encarado como movimento mecânico. Segundo Merleau-

Ponty, o movimento é flexibilidade, inteligibilidade e criação:é inteligência, reflexão e

compreensão juntamente com todos os mecanismos fisiológicos (1999, capítulo III).

Mover-se não é simplesmente pensar um movimento; toda movimentação é

carregada de inteligibilidade. Para executar determinados movimentos não é

necessário pensar em tudo que vou fazer, meu corpo por si só consegue realizar

sozinho, ou seja age mecanicamente e também reflexivamente. A Filosofia

fenomenológica-existencial afirma que toda ação humana é intencional, que se dá

na relação do corpo-sujeito com o mundo. Portanto,

partindo do princípio da intencionalidade de todo agir humano conclui-se que os movimentos humanos estão sempre envolvidos pelo mundo das significações. Em outros termos, nenhum movimento humano esta no mesmo nível do movimento animal e das máquinas. O homem se posiciona e se move sempre intencionalmente, ou seja, significativamente. (SANTIN, 2003, p. 46)

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E será que também não se move conscientemente, no sentido de consciência

de si mesmo, e de suas possibilidades motoras, expressivas e criativas? Se o

homem age com intenções em que momento essa capacidade se perde?

Então, se a intencionalidade fundamenta a articulação e a organização dos

movimentos do homem, será possível também propor outras intencionalidades,

diferentes das atuais, que por sua vez proporão outras articulações do movimento.

(SANTIN, 2003)

Santin (2003) sugere um levantamento dos componentes intencionais,

responsáveis pelas diferentes maneiras de articular ou organizar as múltiplas

intencionalidades e possibilidades a que o movimento está sujeito. Para facilitar a

abordagem o autor dividiu os componentes intencionais em dois tipos: internos e

externos.

Os componentes internos serão considerados como aqueles que são

constituídos pelas significações ou valorações, elementos estes que acompanham e

se confundem com os próprios movimentos. Destaca-se dentre eles, a

expressividade, pois é por meio dela que os movimentos se constituem em

linguagens que traduzem ou identificam o movimento com seu significado. O gesto e

seu significado não podem ser separados, expressar-se por meio de linguagens

artísticas, por exemplo, é carregar de significados todos os gestos envolvidos nas

ações do corpo que se expressa, que comunica. A linguagem na arte é o veículo

pelo qual a criação artística se constitui, é todo o sistema de signos2 que possibilita a

criação do artista.

O homem se comunica a partir da linguagem e é por meio dela que tem

acesso à informação, que expressa seus desejos, vontades, pontos de vista,

constrói sua concepção de mundo, compartilha idéias, enfim, produz conhecimento.

A linguagem é o instrumento que possibilita a coexistência de um grupo humano,

compartilhando uma mesma estrutura de valores. Ao utilizar uma linguagem, uma

“comunidade interpreta o mundo e traça as diretrizes para sua sobrevivência. A

linguagem, tornando significativos os valores, possibilita ao homem um esquema

2 Segundo Santaella (2002, p. 8-10) signo é “qualquer coisa de qualquer espécie que representa uma outra coisa, chamada de objeto do signo, e que produz efeito interpretativo em uma mente real ou potencial, efeito esse que é chamado de interpretante do signo. Ou seja, o signo é o mediador entre o objeto e o interpretante. É aquilo que dá corpo ao pensamento, às emoções, reações, etc”.

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interpretativo do mundo, de maneira que este possa orientar sua ação.” (Duarte Jr,

1988, p. 38)

A linguagem da arte pode ser considerada um modo particular de perceber e

organizar o mundo, pois na incapacidade dos símbolos lingüísticos traduzirem os

sentimentos, a arte surge como uma tentativa de fazê-lo através de formas

simbólicas não-convencionais. A arte buscará expressar um instante do sentir

humano, expressando um ou vários sentimentos.

Uma obra de arte revela a personalidade de seu criador, sua atitude seletiva

frente ao contexto cultural no qual vive, os processos criativos pelos quais passou, a

organização das idéias e os sentimentos que optou por expressar. Assim, a

imaginação e a linguagem adquirem formas pessoais e subjetivas, até. Entretanto,

segundo Ostrower (1987), daí não se conclui que a linguagem em si seja subjetiva.

Pois, a linguagem

[...] é objetivada como ordenação essencial de uma materialidade. Essa objetivação da linguagem pela matéria constitui um referencial básico para a comunicação; é uma referência, antes de tudo, para os critérios de realização, os critérios de valor. Ilumina no ‘como’, de uma comunicação o ‘quê’ da expressão, o conteúdo expressivo. Ilumina ainda no ‘como’, na forma objetivada, a extensão do subjetivo que a forma também contenha. (OSTROWER, 1987, p. 37)

Ou seja, a arte é subjetiva, mas em determinados aspectos. Enquanto

linguagem que objetiva alguma coisa e que se ordena e se materializa, sua

objetivação se faz presente. Mas, enquanto possibilidades de interpretações,

reflexões, expressões, diversidade de criação, combinações, daí então, sua

subjetividade é iminente.

O corpo ao se expressar faz uso de uma linguagem: a linguagem como

expressão é comunicação, capaz de estabelecer diálogo entre sujeitos. Portanto,

retomando a idéia da intencionalidade do movimento humano, afirmada pela

Filosofia fenomenológica-existencial, percebemos que todo agir do homem quando

originado do dinamismo expressivo, transforma-se em linguagem, cercada por

significações. Na fenomenologia da percepção, Merleau-Ponty afirma que o corpo é

eminentemente um espaço expressivo. Assim, tanto o corpo, como seus

movimentos são o centro de toda e qualquer manifestação e possibilidade

expressiva. É na corporeidade que o homem se faz presente, pela suas ações,

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atitudes. “A dimensão da corporeidade vivida, significante e expressiva caracteriza o

homem e o distancia dos animais. Todas as atividades humanas são realizadas e

visíveis na corporeidade.” (SANTIN, 2003, p. 66) O corpo é nossa maneira de ter um

mundo e atuar nele. A idéia de se usar o corpo para agir deve ser substituída por ser

um corpo, ou seja, sentir-se como corpo, vivenciá-lo a todo instante. Cada corpo tem

seu mundo ou compreende seu mundo, e ao mesmo tempo que está atado a um

certo mundo, é também espaço. Segundo Merleau-Ponty (1999, p. 149), é na ação

que a espacialidade do corpo se realiza.

Considerando o corpo em movimento, vê-se melhor como ele habita o espaço (e também o tempo), porque o movimento não se contenta em submeter-se ao espaço e ao tempo, ele os assume ativamente, retoma-os em sua significação original, que se esvai na banalidade das situações adquiridas.

Ao habitar o espaço é que o corpo o assume, antes mesmo de ter

conhecimento sobre ele. É pelo movimento que o corpo o assume ativamente. O

corpo que se movimenta é o corpo que “sabe” o espaço para coexistir com ele. O

corpo sabe-se como corpo e como espacialidade, sabe-se como um ser que habita e

ao mesmo tempo o define. Pois,

enquanto tenho um corpo e através dele ajo no mundo, para mim o espaço e o tempo não são uma soma de pontos justapostos, nem tampouco uma infinidade de relações das quais minha consciência operaria a síntese e em que ela implicaria meu corpo; não estou no espaço e no tempo, não penso o espaço e o tempo;eu sou no espaço e no tempo, meu corpo aplica-se a eles e os abarca. A amplitude dessa apreensão mede a amplitude de minha existência... (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 195)

Todo movimento é ao mesmo tempo movimento e consciência de movimento,

corpo e consciência não limitam um ao outro, eles só podem ser paralelos.

(MERLEAU-PONTY, 1999) Não sou um eu ou uma consciência que são os donos de

um corpo e usufruem dele como qualquer objeto. O eu e a consciência são

corporeidade e não realidades transcendentais que residem num corpo. (SANTIN,

2003) A consciência não é um “eu penso que”, fazendo referência ao idealismo, mas

um “eu posso” no mundo prático-perceptivo, orientando-os para unidade

intersensorial de um mundo.

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Dessa forma, a reflexão de Merleau-Ponty caminha no sentido de crítica à

soberania da consciência em detrimento da sensibilidade, pois para ele, consciência

e sensação são elementos de uma só realidade: a realidade do ser-corpo.

Privilegia o olhar e a atitude expressiva imanente ao ser humano. O mundo

fenomenológico é o mundo dos sentidos, assim, visualizamos na experiência

sensível perspectivas para a construção de uma racionalidade que contemple o

corpo nas suas mais variadas expressões.

Ao analisarmos o pensamento de Foucault sobre o corpo, percebemos a

forma como, na história do ocidente, o corpo foi oprimido, proibido, docilizado. Em

Merleau-Ponty encontramos uma reflexão sobre as possibilidades do corpo se

expressar, desvencilhando-se da dominação opressora: o corpo em movimento.

Ernst Bloch nos permitiu um encontro do corpo e da arte como expressões

nitidamente humanas. Dessa maneira, esboçamos um referencial que nos permitirá

seguir os caminhos do corpo, da história da educação no Brasil, objeto do próximo

capítulo desta dissertação. Este referencial nos auxiliará, ainda, a compreender a

relação entre corpo e arte/educação à luz da pedagogia libertária de Paulo Freire,

tema do terceiro capítulo desta pesquisa.

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3 CORPO E EDUCAÇÃO NO CONTEXTO BRASILEIRO Inicialmente, é importante destacar que para determinar as características

históricas de um fenômeno social, ressaltando as mudanças e a suas características

na sociedade em que se desenvolveu, não se pode entender a história como uma

sucessão de fatos no tempo, “mas o modo como os homens, em condições

determinadas, criam os meios e as formas de sua existência social, econômica,

política e cultural, reproduzindo-as ou transformando-as” (CHAUÍ, apud ROMERO,

1995, p. 15)

Segundo MESQUIDA (2008), é atribuída a Parmênides de Eléa (530 – 460

AC) a expressão “o ser é, e o não-ser não é”. Portanto, todo aquele que não se

enquadra na categoria ôntica de “ser”, é percebido como a negação do ser. A

presença no Brasil dos portugueses, a partir de 1500 e, depois, de outras

nacionalidades européias neste e nos séculos subseqüentes, foi marcada pelo não

reconhecimento daqueles que aqui viviam, pois os mesmos não eram reconhecidos

como iguais aos invasores, mas como “outros” e, portanto, não-seres.

Sendo assim, é natural que nossa história comumente tenha sido narrada por

aqueles que impuseram a dominação, a partir de uma visão positivista de mundo. O

cenário dessa época, foi marcado por um estado de violência constante. A vida era

considerada um bem de pouco valor.

No mesmo texto, Mesquida diz que o Frei Bartololeu de Las Casas (1474 –

1556) na sua “Brevíssima relación de la destruyción de las Indias”, de 1552,

endereçada ao “poderoso señor el príncipe de las Españas, Don Felipe, nuestro

señor”, apresenta sua indignação com o que tem sido chamado de “conquistas”, que

se fazem contra as “indianas gentes”, as quais (as conquistas), na realidade, são

“inicuas, tiranicas, y por toda ley natural, divina y humana condenadas, detestadas y

malditas”, e são acometidas pelos “cristianos” contra “los cuerpos de los naturales

moradores y poseedores”, matando, “injusta y tiranicamente”, em 42 anos, perto de

150.000 “cuerpos de hombres y mujeres y niños”. A exposição de Las Casas sobre a

violência cometida contra os corpos das pessoas nas Américas espanhola e

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portuguesa, dá uma idéia da maneira como eram vistos os moradores da terra,

“verdaderos poseedores”, pelos “conquistadores”: não-seres.

No Brasil, os atos de violência contra o autóctone levaram, em 500 anos, ao

quase extermínio daqueles que aqui viviam. Eram corpos que não tinham razão de

ser na medida em que não serviam aos “conquistadores”. A violência impetrada

contra o corpo da mulher, coisificado, explorado e, então, aniquilado, se estendia ao

corpo do homem, eliminando-o quando não podia ser útil. Tudo em nome dos

projetos vislumbrados pelos colonizadores e por isso justificava-se qualquer atitude

contrária aos seus hábitos e valores. E consideravam suas atitudes como naturais

nas condições então vivenciadas.

Olhos astutos e inquiridores podem ver a história social e política do Brasil

como uma história de violência contra os corpos do índio, da mulher, e dos negros,

trazidos à força do seu habitat natural, contra os corpos dos pobres, e os destituídos

de posses que não eram donos dos próprios corpos, pois não pertenciam à

categoria de “homens bons”, já que não eram ricos, proprietários de terras. Estes

eram “domus”, dominadores de gentes, coisas e bichos por atribuição dos deuses,

como na Grécia de Heráclito. Para o filósofo Enrique Dussel, a partir da “fysis uns se

adiantam como deuses e outros como homens, uns livres e outros escravos”

(DUSSEL, 1977, p. 56), naturalmente. Dessa maneira, é o próprio Deus quem quer

assim, portanto, não há culpa na dominação, na violação do corpo do outro, este

visto como exterioridade, um não-ser.

Na Idade Média (século V a XV d.C.) vigorava em toda a Europa o

feudalismo. Uma das características primordiais desse modo de produção era a

existência do senhor feudal e do servo, em lados opostos. O servo era parcialmente

livre, pois poderia usufruir certas vantagens se formos compará-lo ao escravo. Podia

aproveitar parte daquilo que produzia, ou seja, apesar de pouquíssima, recebia uma

recompensa pelo trabalho que desempenhava; valor mínimo para sua sobrevivência.

Com o cristianismo, ideologia dominante nesse regime, o acúmulo de capital

era irrealizável. Porém, com algumas mudanças tecnológicas na área agrícola2

(século XI e XIII), percebeu-se que uma nova ordem social fazia-se emergente.

2 Dentre os avanços na área agrícola podemos citar: o desenvolvimento do arado de ferro com rodas, do moinho hidráulico, entre outros.

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Aos poucos, uma nova classe começa a aparecer – a burguesia. O regime

feudal passa a dar espaço para o capitalismo. Se antes se produzia em função do

que era consumido, ou seja, visava-se um equilíbrio entre o que era consumido e o

que era produzido; com o capitalismo “o homem passa a produzir mais do que o

necessário; produz-se o excedente econômico.” (MEDINA, 1990, p. 33)

A idéia de lucro, antes inexistente no feudalismo, é instaurada e passa a ser o

canal condutor desse novo modo de produção.

Assim, ao chegar em terras brasileiras, o colonizador português teve pouco

interesse comercial, pois quando aqui chegou, encontrou um povo que considerava

estar num estágio muito primitivo de civilização. Os índios, na visão lusitana,

encontravam-se em estado de regressão social. Na verdade, segundo Beltrão

(1971, p. 18) eles estavam num estado de evolução gradativa, interrompida

subitamente pelo aparecimento do homem branco no continente. Não havia

perspectiva de geração de lucros, nem tão pouco havia uma visão promissora de

desenvolvimento de uma Nação forte economicamente.

Além disso, havia a dificuldade com o idioma, pois os colonizadores tiveram

que aprender com os índios seu idioma para que pudessem deles se aproximar. É

pela linguagem falada, principalmente, que acontece a comunicação. E se era em

tupi que o indígena conversava ao pé da fogueira, para discutir a vida da tribo, para

tomar decisões, contar histórias, lendas, mas também para trocar informações

importantes, dar “notícias de minas de ouro, de prata e de esmeraldas” e indicar “a

localização dos ricos campos nativos de pau-brasil...que tanto interesse

despertavam” (BELTRÃO, 1971, p. 21) nos colonizadores.

Com a expansão do mundo ocidental, seguindo o progresso científico e

tecnológico, países como Portugal e Espanha, que mantém a burguesia atrelada à

nobreza, entram em decadência e perdem espaço para países como Inglaterra,

França e EUA, que se fortalecem no capitalismo.

Desta maneira, é nesse cenário que o Brasil se constitui. Medina (1990, p. 36)

acrescenta que

o colonizador português, como já vimos, produto de um regime feudal decadente, aqui se instala submetendo o índio e, em seguida, o negro. O processo de transplantação da cultura3 (aculturação) 3 Aqui, Medina faz referência ao autor Florestan Fernandes. Sociedades de Classes e Subdesenvolvimento.

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metropolitana no Brasil se dá através de traços de brutalidade sobre as comunidades primitiva e escrava. A formação étnica brasileira se faz basicamente a partir destes três elementos: o branco português, o indígena nativo e o negro africano.

No período de 1534 a 1850, o Brasil produziu diversos produtos, mas não

conseguiu criar um mercado interno, pois sua produção escoava para as

Metrópoles: Portugal, Espanha e Holanda. Nada do que produzia gerava riqueza

interna; tudo tinha o destino da exportação para a Europa. Isso porque o Brasil

deveria fornecer para esses países o que eles não podiam ou não queriam mais

produzir. Segundo Ana Maria Freire (2001), era esta a divisão mundial do trabalho, o

chamado Pacto Colonial. Esse pacto, como vimos, foi extremamente adverso para a

formação política, econômica e cultural brasileira.

No ano de 1534, fora criada a Companhia de Jesus, por Inácio de Loyola,

para defender a ortodoxia católica das “heresias” protestantes. Nasceu, portanto, no

bojo da contra-reforma. Os jesuítas eram formados para ser “Soldados de Cristo” em

defesa dos princípios fundamentais do catolicismo, utilizando a educação como

arma preferencial.

Alicerçados na metafísica aristotélica consubstanciada na obra de Tomás de

Aquino (Suma Teológica), os jesuítas chegaram ao Brasil dispostos a cumprir uma

tríplice missão:

a) Catequizar os índios, informados pelo “paganismo”, mas suscetíveis de

salvação;

b) Formar os filhos dos colonizadores a fim de manter, por meio deles a

hegemonia política e cultural de Portugal e a hegemonia religiosa da Igreja;

c) Prevenir e impedir a irrupção das heresias protestantes. (MESQUIDA,

2007)

Os jesuítas, desenvolveram, então, um trabalho pedagógico de catequização,

com o objetivo de propagar a fé católica e garantir a estrutura territorial do estado. A

educação assume o papel de agente colonizador, e através da pedagogia dos

jesuítas, caracteriza-se pelo apego à autoridade, pela transmissão disciplinada de

uma cultura literária, retórica, enciclopédica e mnemônica que inibia a criatividade e

toda atividade inovadora. Como diz Fernando de Azevedo (1943, p. 300)

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com esse espírito de autoridade e disciplina e com esse instrumento intelectual de domínio e penetração, que foi o seu ensino sábio, sistemático, medido, dosado, mas nitidamente abstrato e dogmático, o jesuíta exerceu na Colônia, um papel eminentemente conservador [...].

Sem liberdade para criar, o aluno diante do mestre, guardião do saber, não é

senhor de si mesmo e menos das suas opiniões. Obriga-se a aceitar tudo que lhe é

imposto, tem introjetado em si a cultura do conformismo. O que era ensinado nas

escolas estava longe de qualquer sentido prático e crítico, pois aprender latim,

literatura clássica e retórica estava distante da realidade dos alunos. Isso contribuiu

para aumentar a distancia entre os que sabiam e os que não tinham condições ou

possibilidade de adquirir esses saberes. O dualismo colégio para os ricos e escolas

de ler e escrever para os pobres (futuros liceus de artes e ofícios), avalizou a

distinção entre trabalho manual e trabalho intelectual, caracterizando a distância que

se estabelecia entre elite (os que tinham posses e detinham os saber) e o povo (os

destituídos).

Dessa forma, o papel da arte, nesse contexto, era o de mero instrumento

nesse processo, ficando a serviço da doutrinação da religião cristã. A arte foi então,

um dos recursos escolhidos pelos jesuítas para aproximarem-se dos índios,

conseguindo assim sua atenção e, por conseqüência, marcando seus corpos com a

ideologia que pregavam, ensinando-lhes normas, valores, preconceitos, hierarquias,

discriminações e padrões de comportamento determinados pelos Soldados de

Cristo. A leitura de mundo dos jesuítas foi instituída naquele início de Brasil e

mantém raízes profundas até os dias atuais. Podemos dizer também que, com os

jesuítas, surge uma das primeiras manifestações do ensino da arte no Brasil.

Logicamente que o objetivo não era a aprendizagem da arte propriamente dita, mas

sim, um recurso para catequização. Em uma obra elaborada para mostrar a

utilização da arte como instrumento pedagógico pelos jesuítas, Paulo Romualdo

Hernandes (2008) recupera o lema que Inácio de Loyola cunhou para os membros

da Companhia de Jesus: “Sêde tudo a todos” e educai pela arte, pois ela se constitui

em uma “pregação universal” (HERNADEZ, 2008, p. 21 e 32). Assim, fazendo uso

das expressões corporais pela música e pelo teatro, Anchieta procurava incutir

mensagens na mente dos indígenas, despertando o imaginário e realizando uma

obra pedagógica de docilização dos corpos (HERNANDES, 2008). Assim, os

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jesuítas usavam o teatro, a música, os diálogos em versos e também a dança, para

cativar as crianças. Elas, então, retribuíam representando, cantando, dançando, e

pouco a pouco, aprendendo “os bons costumes” e a religião cristã. FREIRE (2001a)

faz um breve comentário sobre isso, enfatizando a criação de escolas para índios e

filhos de colonos. Em suas palavras,

de 1549 a 1570, abriram-se escolas para índios e filhos de colonos – brancos e mamelucos – para o aprendizado da língua portuguesa, da doutrina cristã, do ler e escrever, do canto orfeônico, da música instrumental, do teatro, da dança, do aprendizado profissional e agrícola e das aulas de gramáticas para os mais hábeis, conforme o Regimento de D. João III.( FREIRE, 2001a, p. 38)

Dessa forma, a preocupação com o corpo neste período, se deu a partir do

momento em que se pensou numa educação que fosse capaz de tornar dócil e

submissa a população. Ou seja, via-se como necessário e urgente educar a

população nativa, bem como os filhos dos colonos, seguindo assim a política

colonizadora portuguesa.

Para isso, a prática de domesticação, bem como a repressão cultural e

religiosa eram utilizadas como forma de docilização do povo. Dessa forma, os

jesuítas reforçavam e impunham a visão maniqueísta de mundo sobre estes

colonizados. Freire ressalta que

domesticando através das interdições, sobretudo as do corpo, superestimaram o incesto, o canibalismo e a nudez. Introjetaram comportamentos de submissão, obediência, hierarquia, disciplina, devoção cristã, imitação e exemplo. Serviram-se para isto das práticas do batismo, confissão, admoestação particular ou pública do púlpito, casamentos, missa, comunhão, confirmação, pregações, procissões, rezas, jejuns, flagelações, teatralizações e ensino da vida ascética e de pobreza acintosa como viviam eles, os jesuítas. (FREIRE, 2001a, p. 33)

A intenção, certamente, era a de passar uma visão de mundo que satisfizesse

os interesses dos jesuítas e dos portugueses, de acordo com a leitura dos

padres/profesores. A preocupação maior era promover uma educação que fizesse a

população abandonar as práticas de “devassidão” para convertê-los ao catolicismo e

assim implementar uma ideologia que marcou e deixou vestígios até hoje. Todas as

normas, valores, princípios, regras, condutas instauradas por essa visão do

cristianismo, baseava-se na idéia de que por meio da alma é que se pode ver a

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Deus, e não através do corpo. Então, na medida em que o corpo pode dificultar essa

visão, tudo que é relativo a ele passa a ser repudiado, para que não seja mais um

obstáculo à salvação da alma.

Os jesuítas, elaboraram um plano didático-pedagógico capaz de auxiliá-los

na ação pedagógica doutrinadora: O Ratio Studiorum, publicado a partir de 1563 e

concluído em 1599. Fruto de um estudo do processo educativo em todas os colégios

da Companhia pelo mundo, foi posto em prática imediatamente após sua

divulgação. Segundo Freire (2001a), apesar de possuir coerência interna, por

preocupar-se com inúmeros detalhes em suas normas, conteúdos, disciplinas, “não

tinha coerência externa, pois era válido para todo aluno de qualquer lugar no mundo

e inflexível com o decorrer dos tempos.” (2001a, p.39).

Dessa forma, o Ratio Studiorum regeu nossa educação por longos 210 anos,

sem qualquer modificação visando uma adaptação à realidade brasileira.

Essa forma escolar tinha em seu interior características da prática da

interdição do corpo, denunciadas por Freire (2001a). Ao constatar a presença,

principalmente dos valores medievais, o corpo era reprimido em diversos momentos,

como por exemplo, no que concerne aos castigos corporais aplicados pelo corretor;

também pelo pequeno período de férias anuais, para que as crianças

permanecessem o mínimo possível longe das regras e normas da escola, o que

revelava uma grande preocupação em reduzir o contato com o “mundo de

tentações” que existia fora do colégio. Essa visão do mundo sob a ótica aristotélica-

tomista é que permeava o modelo educacional jesuítico e ressaltava a ideologia da

interdição do corpo.

Se olharmos atentamente para nossas práticas escolares de hoje, certamente

encontraremos indícios desse modelo educacional, possivelmente com algumas

transformações, mas somente na forma, não em sua essência. Observando o

cotidiano na escola, por exemplo, facilmente encontraremos atitudes como estas:

alunos que demonstraram mau comportamento durante a aula, vão ficar sem seu

momento de recreio. Ou seja, só poderá participar do momento de socialização com

os demais colegas, aqueles que estejam prontos para conviver. E estar pronto

significa saber e praticar regras, condutas, disciplinas pré-estabelecidas. Se

pensarmos mais profundamente, veremos que a prática da interdição do corpo,

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denunciada por Freire (2001a), acontece duplamente, na situação exemplificada.

Primeiramente quando se transmitem certas regras de conduta corporal e, num

segundo momento, quando se nega a presença corporal num espaço e tempo

determinados – o recreio. Se analisarmos outras situações escolares, certamente

iremos constatar essa duplicidade de interdição. Isso confirma a presença das

marcas de uma ideologia que ultrapassou séculos e séculos de história.

Mas, cabe aqui ressaltar também que, além do poder na esfera educacional

e religiosa, os jesuítas tinham poder na esfera econômica4. Gradativamente

integraram-se na vida econômica da colônia, cultivando terras, possuindo navios,

criando animais, obtendo suas fazendas agrícolas e de gado. Com essa

diversificada economia, agregaram bons recursos financeiros, garantindo assim,

poder político.

Durante mais de dois séculos, os jesuítas transmitiram por meio da

educação, uma ideologia do pecado e da interdição do corpo que enclausurou os

alunos em uma educação reprodutivista, que limita a ação do corpo, permeada por

castigos corporais, preconceitos, discriminações e que encobre uma leitura do

mundo real, impondo uma visão elitista da sociedade. Daí, a interdição do corpo que

se expressa não somente pela proibição do homem ser ele mesmo, como também

pela exclusão, a exemplo da interdição da mulher de participar da sociedade em

igualdade com o homem, e pela punição por meio da palmatória, e de outros

castigos corporais impingidos na forma de penitência5.

Novamente citando Freire (2001a), conhecemos uma interessante relação

entre o analfabetismo e a prática da interdição do corpo no Brasil, em seu livro sobre

o analfabetismo no Brasil. Segundo essa autora, realmente foi desde a época dos

jesuítas que essa ideologia da interdição do corpo nos atinge e é justificadora das

diferenças existentes na sociedade brasileira. Portanto o período jesuítico foi o início

da interdição do corpo. “A preocupação pela educação surgiu como meio capaz de

tornar a população dócil e submissa, atendendo à política colonizadora portuguesa

[...]” (FREIRE, 2001a, p.32) Ou seja, a preocupação com o corpo também se fazia

necessária para a educação, nesse contexto. Como já citado anteriormente, vale

4 Para mais detalhes, consultar FREIRE, (2001a, p.43-46) e LEITE, História da Companhia de Jesus no Brasil. 5 Ver Freire, 2001.

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ressaltar que para ter uma população dócil e submissa, é necessário corpos dóceis

e submissos e para isso, instituiu-se uma educação corporal, preocupada com esses

aspectos.

Segundo Ana Maria Freire (2001), a proibição do corpo teve maior ênfase

sobre a mulher, o índio e o negro, que tiveram suas presenças físicas e políticas

negadas na sociedade em formação. Comenta que “[...] diferenças que marcam as

hierarquias, os valores e os costumes quando se incluem apenas os homens

brancos ou tentam excluir mulheres, negros e índios (tentam porque estes fazem a

história como excluídos) do processo construtor da nação brasileira.” (FREIRE,

2001a, p. 20). Literalmente é o “corpo” que é conformado, impedido de expressar-se

de maneira criativa e autônoma. Segundo Berger (1977), se observarmos a

distribuição geográfica das escolas jesuíticas, não é difícil perceber que estas não

eram destinadas aos índios, pois,

considerando-se que um dos principais objetivos era a formação de elites, pode-se compreender porque a maioria das escolas foram construídas nas regiões onde se encontravam os mais ricos e influentes senhores de engenho. [..] Desta forma encontravam-se em todos os setores influentes das sociedades indivíduos formados pelos jesuítas. (BERGER, 1977, p. 219)

Assim, a ênfase educacional destina-se à formação das elites, acentuando a

influência generalizada dos jesuítas sobre as camadas superiores.

E além disso, existiu ainda a negação da possibilidade da presença física do

corpo em determinados lugares ou atividades. Negou-se, por exemplo, a

possibilidade do acesso da mulher à escola ou a determinadas disciplinas escolares

que eram exclusivamente ensinada aos homens. A monocultura intelectual instituída

pela ação pedagógica dos jesuítas, destruiu em torno do indivíduo a sua paisagem

intelectual (BERGER, 1997, p.222). Isso porque permitia apenas a germinação de

idéias voltadas à ortodoxia católica e o conteúdo estudado se baseava no latim, uma

língua morta e totalmente adversa à realidade brasileira. Com isso, quebrou-se a

relação lírica entre o homem e o saber, perdeu-se o gosto por conhecer, a

curiosidade, a espontaneidade e a sensibilidade. Ou seja, a imaginação e a ação

criadora foram profundamente debilitadas, fragilizadas.

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Observamos também algumas similaridades entre o sistema educacional dos

jesuítas e o sistema patriarcal. O método de dominação era muito similar, visando a

passividade e a obediência da criança e do jovem, suprimindo sua individualidade.

As relações de poder influenciam diretamente no entendimento do corpo,

como vimos no capítulo anterior. A passagem do escravismo para o trabalho

assalariado, por exemplo, tem também a ver com o corpo e com o poder: a

exploração do corpo agora voltado à preocupação com o maior rendimento

produtivo. Com o avanço da economia do café, o trabalho assalariado constituiria a

base da força de trabalho nessas fazendas. O modo de produção capitalista dava,

então, seus primeiros passos, provocando assim, a imigração para dar conta da

demanda de trabalho agora instituída. O poder sobre o corpo visava neste momento

o controle para o trabalho produtivo, com fins específicos.

No entanto, o contexto que envolvia esse momento de transição era muito

complexo, pois não houve uma devida preparação para a substituição da mão-de-

obra escrava pelo trabalho assalariado. Os ex-escravos não estavam preparados

para desfrutarem de sua liberdade. Tiveram pouco acesso à educação e à

preparação profissional. Por não possuírem essa instrução profissional qualificada

passaram a fazer parte de uma massa populacional de excluídos, propensos então,

à vadiagem. Segundo Carvalho (1989), as teses racistas, que haviam sido

articuladas em defesa da imigração, e que excluíam os libertos do mercado de

trabalho, são agora reformuladas. Segunda essa autora

Se a cor da pele permanecia assombrando os novos intérpretes do Brasil que entram em cena nos anos 20, ganhava força entre eles a idéia de que a educação era fator mesológico determinante no aperfeiçoamento dos povos, sobrepujando os fatores raciais. As imagens do negro e do mestiço como “vadio” continuam a inquietar esse imaginário, mas deixam de ser signo de uma incapacidade inamovível para o trabalho livre. O liberto e seus descendentes permanecem estigmatizados como criaturas primitivas e por isso propensos a vadiagem. Mas esta passa a ser a também o resultado da incúria política de abolicionistas e republicanos que não os teriam adestrado para as imposições da liberdade. (CARVALHO, 1989, p.11,12)

Somaram-se a esse grupo, as pessoas vindas do campo em busca de

trabalho, mas como vinham sem esse preparo profissional adequado, somente

engrossaram as fileiras de pobreza. O corpo precisava ser preparado para o

trabalho.

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Os imigrantes, oriundos de diversas etnias, que para cá vieram, a partir do

século XIX, já possuíam certa preparação profissional, estavam mais preparados

para responder às novas exigências do mercado de trabalho. O incentivo à

imigração no Brasil tinha diversos motivos, dentre eles o exemplo dos Estados

Unidos que estava em acelerado desenvolvimento devido ao grande número de

imigrantes; como uma forma de garantir a ocupação do espaço geográfico,

favorecendo o crescimento das cidades, entre outros. Muitos autores apontam

também motivos de ordem racial, esclarecendo que a imigração de brancos

europeus tinha como objetivo o branqueamento da pele.

Segundo Kreutz (2000), os estudos sobre a presença dos imigrantes no Brasil

mostram que estes normalmente preservavam alguma forma de identificação étnica,

especialmente a manutenção do idioma e algumas organizações escolares e

religiosas. Essa manutenção da tradição cultural dos imigrantes materializou-se

principalmente em escola étnicas. Mas não somente por surgiram para essa

manutenção, como ressalta Kreutz (2000, p. 348), “a organização das escolas

étnicas deve ser atribuída mais às especificidades do contexto de imigração do que

a uma opção prévia dos imigrantes” A falta de escolas públicas de qualidade no

Brasil fez surgir essa necessidade para os imigrantes.

Ao mesmo tempo, no momento histórico da imigração no Brasil, o cenário

internacional enfatizava a formação da nacionalidade, como uma tendência à

afirmação de uma unidade nacional,

buscava-se um pretenso coletivo, operava-se uma universalização no conceito de povo e de nação em detrimento das especificidades e diferenciações culturais. O nacionalismo desencadeava um movimento de afirmação de uma unidade simbólica, necessária pela modernização econômica. Apoiava-se na expansão de um sistema escolar igualitário, com a função de difundir uma cultura uniforme. Inventava culturas amplamente desprovidas de toda base étnica, com a finalidade de unificar o imaginário das nações. (KREUTZ, 2000, p.351)

Por isso, a presença dos imigrantes começou a desencadear certas

dificuldades, pois estavam agora embaraçando a instauração de uma identidade

nacional. Traziam consigo suas raízes e identidades culturais que se diferenciavam

e, muitas vezes, confrontavam-se com os ideais brasileiros. Não eram mais vistos

pelos signos da operosidade, vigor e disciplina, como os promotores da imigração

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assim os descreviam anteriormente. Eram agora vistos como figura incômoda,

principalmente por liderarem movimentos operários, organizando greves

reivindicando melhores condições de vida e de trabalho. Além disso, proporcionaram

também um grande aumento populacional, aumentando ainda mais a massa popular

a ser atendida pelo governo. A dificuldade em controlar os corpos dos imigrantes era

um obstáculo diante dos objetivos almejados por uma determinada classe da

sociedade.

A ideologia5 que começa a vigorar nesse momento de passagem do século

XVIII para o século XIX, colocava em dúvida o pensamento conservador católico

dominante, e portanto, o Império. A sociedade transpirava novas idéias difundidas

pelos cientificistas, incluindo diversas correntes, como por exemplo o positivismo,

sociologismo, liberalismo, entre outros. Segundo Freire essa época do surgimento

de novas idéias ficou conhecida como a Ilustração Brasileira.

Os homens ilustres se propuseram a transformar nossa sociedade, criando uma realidade pela ação educativa da lei, da escola, da imprensa e do livro. O ideal ilustrado brasileiro não nasceu de uma reinvindicação popular, antes procurou criá-la através de um governo republicano, garantir um programa político social que elevaria o Brasil ao nível do século. Pretendia-se sincronizar o Brasil com o mundo capitalista moderno. (FREIRE, 2001a, p. 78)

A economia, estimulada pela produção do café, começa a beneficiar o

movimento de acumulação de capital. Com isso, surgiram novos centros urbanos e

novos grupos sociais. A camada média urbana, constituída principalmente por

pequenos comerciantes, intelectuais e profissionais modificaram, segundo Mesquida

(1994, p. 69), “o mapa da estratificação social brasileira durante a segunda metade

do século XIX.”. Com tudo isso, se impôs a necessidade de mudança do regime

político. Foi então que se iniciou a desintegração do regime que era sustentado pela

elite dominante. Vários fatores incidiram diretamente nesse momento, dentre eles a

visão de mundo liberal, com idéias em favor da luta pela mudança do regime. Nos

Estados Unidos os postulados liberais – liberdade e individualismo – se

intensificaram e atingiram sua mais alta expressão.

6 Aqui entendemos ideologia em seu uso mais comum para se referir ao conjunto articulado de idéias, valores, opiniões, crenças, etc e que conferem uma unidade a certo grupo social.

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Ao contrário dos países da Europa e dos Estados Unidos, aqui no Brasil o

liberalismo não tomou as mesmas formas, nem se baseou nos mesmos princípios.

Os princípios liberais que se desenvolveram em função da revolução industrial e das

lutas de classes, entre a burguesia e a aristocracia, não foram as causas

determinantes para a proliferação do liberalismo no Brasil. A presença da

escravatura e a manutenção de estruturas de produção consideradas arcaicas, foi o

que fez proliferar a visão de mundo liberal. Segundo Mesquida (1994, p. 71)

O liberalismo brasileiro adquiriu, por isso, um significado específico, que surgiu de uma realidade histórica diferente da européia, conferindo-lhe, assim, um sentido também diferente, apropriado a um país dependente, inserido no sistema capitalista internacional. Tal “adaptação” forçada fez dos ideais liberais “idéias fora do lugar” [...] dessa maneira, não havia eco na sociedade civil.

Desse modo, as idéias republicanas tiveram grande proliferação, pois diante

dessa situação, havia a preocupação em dar ocupação a esse enorme contingente

de pessoas. Para os republicanos, a educação pública seria a melhor forma de

solucionar os problemas enfrentados até então, ou seja, depositou-se na escola a

responsabilidade da condução do projeto de construção da nação brasileira, e mais

ainda, seria o instrumento de regeneração da nação, de moralização da civilidade e

dulcificação de costumes. A escola da República nasceu, no cerne de um projeto

político, no qual a educação seria a principal responsável na formação da cidadania

para possibilitar, então, a reforma da sociedade em geral. Assim,

regenerar as populações brasileiras, núcleo da nacionalidade, tornando-as saudáveis, disciplinadas e produtivas, eis o que se esperava da educação, erigida nesse imaginário em causa cívica de redenção nacional. Regenerar o brasileiro era dívida republicana a ser resgatada pelas novas gerações. (CARVALHO, 1989, P. 10)

Nesse contexto, houve, nas primeiras décadas da República, uma alteração

na concepção de escola. Segundo Simão (2003), esta foi se impondo como

instituição específica; foi deixando de lado o método individual de ensino e cedendo

lugar ao ensino simultâneo, com a idéia de várias classes e vários professores.

Houve também maior seletividade na escola, criando a noção de repetência, devido

ao aperfeiçoamento dos exames escolares. Acabou-se criando também um novo

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conceito de cultura escolar referente ao espaço e ao tempo escolar. O tempo

escolar contribuiu para a construção de uma nova ordem escolar e social, os ritmos

foram alterados devido às novas metodologias. O tempo foi também instrumento de

controle, materializando-se em anos/séries, horários rígidos de aula, sinais que

marcavam o fim ou início das aulas, entre outros procedimentos escolares. Isso

levou a uma padronização de ações e gestos que foram sendo disciplinados

seguindo essa rigidez do tempo, atuando sobre o corpo.

Como em todas as relações de poder há influências no entendimento e na

maneira como se aborda a questão do corpo, na escola republicana não foi

diferente. Reiterando o que foi dito no capítulo anterior, a preocupação com o poder

acaba levando também a descoberta do corpo como objeto e alvo do poder. Havia o

interesse, como já foi dito anteriormente, em repassar valores republicanos através

da educação. Ao impor padrões disciplinares, acaba-se dando atenção dedicada ao

corpo para torná-lo hábil e útil, isso se manifesta pelas ações de manipulação,

modelagem, treinamento, regramento que se impõe sobre o corpo. A relação entre

saber e poder é a base na qual se estabelecem todas as relações pedagógicas. O

saber é o objeto a ser transmitido que já foi previamente selecionado e determinado

socialmente. Dessa forma,

dependerá da concepção que cada sociedade, num determinado momento histórico, tem do saber e da sua função social, da valorização e hierarquia dos vários saberes, das formas de poder que esses saberes originam ao constituírem-se grupos que se arrogam como seus detentores exclusivos e criam mecanismos de defesa desse privilégio. (ESTRELA, 1992, p. 37)

Manter o privilégio de ter o domínio do conhecimento é manter a possibilidade

de exercer ações transformadoras de mundo. Por isso, há sempre a constante

preocupação daqueles que detém o saber em produzir cada vez mais maneiras de

se manter nessa situação.

Mas há de se lembrar que o poder não somente tem a função de repressão,

pois agindo somente assim tornar-se-ia frágil. (Foucault, 1979, p.78) Podemos

observar isso, ao percebermos que uma das propostas da Pedagogia da Escola

Nova, pedagogia esta que começou a florescer no período da Primeira República,

estava na discussão da relação professor-aluno, propondo uma postura

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diferenciada do professor, saindo de cena a imposição da autoridade e entrando em

sala o professor orientador, que incentivava a troca de experiências. Isso pode levar

ao entendimento de que o professor não seria mais a autoridade maior como no

Império, que impunha todos os saberes, cultivando a impessoalidade e

condicionando até mesmo os sentimentos dos alunos ao condicionar a possibilidade

de sua exteriorização; mas sabe-se que a autoridade se fazia por outros meios não

tão explícitos, como por exemplo a própria disciplina exigida, que deixa de ser por

meio de coerção externa para se transformar em autocontrole e autogoverno.

Portanto, ao mesmo tempo em que se buscava a formatação de corpos para o

trabalho ou para a regeneração da sociedade para o progresso, como citado

anteriormente, também se prezava pela valorização dele, mas de uma maneira a

escravizá-lo, tirar-lhe a liberdade sem que isso lhe fosse consciente.

Quanto ao espaço, essa nova concepção de escola também exigiu um

espaço físico diferenciado, um prédio próprio, um lugar propício para o

desenvolvimento dos objetivos elegidos. Foram denominados “Palácios de

Instrução” ou “Templos de civilização“, segundo Simão (2003). Sobre isso a autora

acrescenta que

novos métodos pedagógicos e novas práticas escolares foram introduzidos, nesses novos ambientes, modelares para a educação pública brasileira, que se caracterizaram pela padronização do ensino, pela graduação das séries escolares, pela profissionalização do magistério, pela divisão de trabalho docente, pelo estabelecimento de disciplinas distintas, pela implantação de exames e provas, por novos horários e ritos. (SIMÃO, 2003, p. 02).

As questões que envolviam a educação nesse período não foram

simplesmente pedagógicas, mas continham uma dimensão sócio-política de

reconstrução nacional. Os grupos escolares tinham como intenção tornarem-se

veículos de difusão dos valores republicanos. Mas sabemos que essa educação não

era para todos. O cidadão que o imaginário republicano tinha o dever e o interesse

de formar não estava ao alcance principalmente dos negros. A idéia de transformar

a raça brasileira, substituindo-a através da imigração européia, foi uma alternativa

escolhida no ano de 1890. Exemplo disto são os projetos de republicanos como o de

Caetano de Campos, que sugere um transplante cultural, importando métodos,

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material didático e até professores para transformar a raça brasileira. Como comenta

CARVALHO (1989, p. 36),

o imigrantismo propunha não somente a troca do negro pelo branco nos setores fundamentais da produção, como também arquitetava um projeto de regeneração e capacitação para o trabalho, cujo instrumento era a miscigenação de que se esperava um desejado branqueamento moralizador das populações negras.

Porém, como vimos anteriormente, esse mesmo imigrante do qual se

esperava o aprimoramento da raça brasileira, mais tarde passou a ser visto como

ameaça ao desenvolvimento do caráter nacional. Era necessário então, assimilar o

estrangeiro aqui instalado.

Todos esses fatores citados anteriormente convergiram para remodelações

no ensino e encaminhou-se para apropriações de concepções da Pedagogia da

Escola Nova. Essa nova pedagogia, que se diferenciava da pedagogia tradicional

em muitos aspectos, reorganizou a vida escolar elaborando métodos pedagógicos e

comportamentais, programas escolares, instauração de ritos particulares, entre

outros aspectos. Importante ressaltar que a Escola Nova brasileira é também

influenciada pelo movimento internacional da Educação, representado por John

Dewey nos Estados Unidos, Montessori na Itália e Piaget na Suíça. Mas

principalmente as idéias de Dewey, na leitura de Anísio Teixeira, orientaram as

reformas no ensino e marcaram nosso ideário pedagógico.

O intuito dessa nova proposta era construir a representação do “novo” que se

diferenciava das práticas e propostas pedagógicas anteriores. As mudanças

afirmadas pelo escolanovismo povoaram o imaginário das escolas nos anos 1920 e

asseveravam que o aprendizado deveria partir sempre do interesse da criança e

com isso, tornar a escola mais ativa. Com isso, alterou-se significativamente a

concepção de aluno, professor, conteúdos, trabalho pedagógico. Manifestava

também, grande preocupação com “relação às normas higiênicas na

disciplinarização do corpo e de seus gestos, a cientificidade da escolarização de

saberes e fazeres sociais e a exaltação do ato de observar, de intuir, na construção

do conhecimento do aluno.” (VIDAL, 2000, p.497)

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Nessa concepção, o apreender é um ato interior ao aluno, ou seja, ele

assumia o centro dos processos de aquisição do saber escolar. Nessa corrente

pedagógica, pode-se perceber a ruptura nos saberes e fazeres escolares, alterando

significativamente a cultura escolar. O ensino deu lugar à aprendizagem;

“racionalização e eficiência eram máximas que se impunham ao trabalho do aluno.”

(VIDAL, 2000, p. 515)

Analisando os dados apresentados até o momento, podemos perceber que as

características inerentes à história brasileira, sempre forma cercadas por questões

de imposições de visões de mundo vistas de um ponto de vista determinado.

Inicialmente os jesuítas, depois os republicanos. Ambos utilizaram maneiras

específicas com características diferenciadas. Mas o objetivo era o mesmo, alcançar

uma forma de dominação da massa populacional para garantir benefícios a poucos.

O controle sobre o corpo era fundamental para conseguir esse controle. Com os

jesuítas isso acontecia de forma um pouco mais explicita. Já com os republicanos

isso era camuflado por votos de progresso, bens individuais e prosperidade geral.

No capítulo seguinte, procuraremos refletir sobre questões mais específicas

voltadas à arte e ao seu ensino, para estabelecer relações entre os movimentos

educacionais apresentados até então e sua relação com movimentos artísticos da

época, bem como sobre a presença ou não do corpo nesses contextos.

3.1 Diálogos entre o Ensino da Arte e os Movimentos de Renovação Educacional, no século XX

Novamente, relembrando a influência dos jesuítas, mas agora no contexto

epistemológico sobre uma concepção de arte e seu ensino no Brasil, podemos

afirmar que o mesmo teve origem na data de sua colonização, com a chegada dos

jesuítas que trouxeram consigo o estilo barroco que estava em voga na Europa,

particularmente em Portugal. A arte barroca no Brasil, teve especialmente um

caráter religioso, pois se manifestou a partir da prática confessional professada pela

missão jesuítica. Os centros onde essa corrente artística se desenvolveu foram Rio

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de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e Pernambuco. Em Minas Gerais, o barroco teve

como seu grande expoente o artista Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, o qual

marcou de forma original o Barroco Mineiro, principalmente por ser filho de um

mestre-de-obras português e uma escrava. Suas reflexões sociológicas giram em

torno das condições de classe dos mulatos na Colônia e a sua presença nas artes

brasileiras. O Aleijadinho, artista mulato, conseguiu imprimir originalidade à nossa

arte, e é por isso mesmo o nosso mais autêntico representante nacional.

Segundo Beltrão (1971), Aleijadinho remeteu nas suas obras uma mensagem

libertária, “uma expressão de revolta contra o meio social e do desejo do brasileiro,

nativo ou mestiço, para se libertar dos senhores brancos ou europeus, e dos

exploradores reinóis do trabalho escravo” (p.138) Neste sentido, a arte de

Aleijadinho é uma arte de expressão do corpo remetendo-nos às suas estátuas, em

particular àquelas de Congonhas do Campo. Trata-se da expressão de corpos

oprimidos, pois os santos refletem a tristeza e a dor da escravidão.

No início do século XIX, com a transferência da corte portuguesa para o Rio

de Janeiro e com a chegada da Missão Artística Francesa (1816), deu-se abertura

cultural para as elites que se encontravam eufóricas com os hábitos e costumes

europeus. Com essa Missão veio então, o estilo estético europeu – o neoclássico –

que satisfez oportunamente as necessidades da classe dominante brasileira. Este

novo estilo foi um movimento posterior ao Barroco, e possuía concepções artísticas

baseadas no ideal de beleza clássica greco-romana. Esse estilo, portanto,

confrontou-se com a arte já aqui instituída, o barroco brasileiro, que tinha origem

popular e era regido por bases religiosas. Mesmo não tendo repercussão popular, o

estilo neoclássico foi instituído no Brasil para atender aos interesses culturais de

uma classe social especifica, a aristocracia cortesã. A arte tornou-se, então, um

símbolo de distinção, refinamento, ou seja, o acesso se restringia a uma minoria.

Dessa maneira, houve portanto, um processo de interrupção do desenvolvimento da

arte barroca brasileira. Isso resulta em uma concepção de arte elitizada, tirando do

artista popular o mérito de fazer parte da arte, agora acadêmica. Assim, institui-se

no Brasil o ensino da arte neoclássica, possuindo como conteúdo curricular um conjunto de regras fundamentado na copia e na repetição de um modelo ideal de beleza, no qual os alunos tinham no modelo apenas um referencial básico a partir deste chegavam a uma representação embelezada da realidade. (SIMÃO, 2003, p.23)

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Foi nesse contexto de uma arte idealizada, normatizada pelos padrões de

beleza do cânone clássico que se oficializou no Brasil o ensino da arte na Escola

Imperial de Belas Artes. Com a inauguração dessa Escola, a distância entre arte

acadêmica e arte popular aumenta consideravelmente. Com isso, pode-se afirmar

que o projeto de educação artística se instituiu no Brasil baseado em regras

normativas, características do estilo neoclássico, que não privilegiava a expressão

pessoal, assinalando uma prática autoritária e reprodutivista. Uma arte que expressa

corpos bem apessoados, livres, pois é reflexo dos corpos da aristocracia cortesã.

Essa corrente artística teve grande influência no meio do ensino da arte até 1920,

onde sofreu grandes questionamentos que culminaram na Semana de Arte

Moderna, de 1922, em São Paulo.

Os movimentos artísticos modernos dialogaram com o momento histórico

pelos quais foram envolvidos, sendo marcados por diversos movimentos políticos e

culturais, tais como: as greves operárias, o tenentismo, a fundação do Partido

Comunista do Brasil. A Semana de 22 foi o impulso inicial para que escritores e

poetas de todos os cantos do país aderissem aos princípios libertários do

modernismo. Os temas sociais e brasileiros eram muito valorizados nos trabalhos

desses artistas. Pintores reuniram-se e mostraram o que se fazia de mais moderno.

Era a busca do novo e de uma expressão genuinamente nacional, embora inspirada

nos impulsos libertadores europeus. Era possível detectar em boa parte da obra dos

artistas, que buscavam reformular suas bases estilísticas, suas inquietações sobre

uma sociedade em transformação. A Semana de 22, iniciou, portanto, o abandono

tanto de matrizes neoclássicas quanto daquelas que deram origem ao Barroco, e

insuflam a idéia de introduzir no Brasil a arte moderna européia. Dessa forma,

pode-se entender o movimento modernista, inaugurado com Semana de Arte Moderna de vinte e dois e desdobrando-se em outros movimentos ressonantes focalizadores da causa brasileira, na busca da identidade cultural. Mas é importante registrar que o movimento modernista não foi um programa sistemático e linear de renovação, pois superou inúmeras hesitações e dificuldades diante de um ambiente político e cultural letárgico com o qual rompia. (SIMÃO, 2003, p. 26)

Ao mesmo tempo em que se aspirava modernizar o campo da arte no Brasil,

ocorria paralelamente o movimento de renovação educacional, propondo “regenerar“

a nação, na busca da identidade brasileira, como citado na primeira parte do

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presente trabalho. Uma regeneração que deveria ocorrer estimulada pelo higienismo

e o eugenismo, na busca de mentes sãs em corpos sãos (mens sana in corpore

sano). No campo do ensino da arte, foram formulados princípios inovadores para

essa área de ensino, abordando aspectos da Pedagogia da Escola Nova. A arte

também se centrou no processo de desenvolvimento do aluno, valorizando sua

expressão, seus interesses e sua espontaneidade. Assim a descrevem os

Parâmetros Curriculares da Arte (2000, p. 26),

o ensino da Arte volta-se para o desenvolvimento natural da criança, centrado no respeito às suas necessidades e aspirações, valorizando suas formas de expressão e de compreensão do mundo. As praticas pedagógicas, que eram diretivas, com ênfase na repetição de modelos e no professor, são redimensionadas, deslocando-se a ênfase para os processos de desenvolvimento do aluno e sua criação.

Por intermédio do norte-americano John Dewey, o ensino da arte tomou

novos rumos, contribuindo com o princípio da função educativa da experiência, cujo

centro não é o conteúdo a ser ensinado nem tampouco o professor, mas sim o aluno

em constante crescimento.

Hoje, as tecnologias facilitam o acesso à informação; há uma verdadeira

proliferação da informação. Freqüentemente, somos submergidos pela quantidade

de informações transmitidas pela mídia ou na Internet. As informações sobre o

amanhã anulam as de hoje. Além disso, o verdadeiro problema não é o da

informação quantitativa, mas o da má organização das mesmas. Quantos

conseguem organizar, selecionar e ressignificar essas informações transformando-

as, efetivamente em conhecimentos?

Por tudo isso, podemos afirmar que a sociedade na qual vivemos é a

sociedade da informação e do conhecimento desqualificado, configurada pelos

avanços tecnológicos, pela mundialização da economia e pelas novas concepções

de trabalho.

As influências que as mídias acarretam no corpo são visíveis se pararmos

para refletir sobre isso. Atualmente, a publicidade reproduz uma imagem de corpo

que, muitas vezes, é inatingível. A cultura da “boa-forma”, que se encontra em alta

no mercado, ressalta a cultura do consumo. O consumismo exacerbado segue em

busca de uma preparação do corpo que retarde seu envelhecimento, transformando

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a imagem corporal e colocando-a como miragem de um ideal corporal a ser atingido.

É a força desse ideal que estimula o investimento na reconstrução do corpo, dentre

elas, duas formas de tratamento destacam-se: a medicina e a ginástica. Ambas irão

lembrar dos movimentos higienista e eugenista e da ênfase sobre os exercícios

físicos na década de 1930, em particular durante o Estado Novo. Cuidados sobre o

corpo se justificam para que se tenha uma raça pura e forte (mens sana in corpore

sano). “Cuidar da imagem corporal implica regular sua sociabilidade cujos efeitos e

fórmulas são extremamente relacionados ao padrão cultural imposto pela veiculação

massiva (e globalizada) da mídia.” (GARCIA, 2005, p. 26) Assim, a aparência do

corpo torna-se condição essencial à socialização. E o corpo, deixa de ser objeto

meramente orgânico para transforma-se em linguagem, que comunica por meio da

forma, agregando e enunciando valores socioculturais.

Essas alterações da imagem corporal, desconfiguram a percepção de corpo,

e este resume-se a um objeto de desejo do público, que exterioriza somente os

produtos divulgados pela publicidade. Essa mistura entre biológico e sociológico,

distorcem e distanciam a noção de alteridade individual do corpo do sujeito. O

paradoxismo da perfeição faz com que os corpos, principalmente das mulheres,

assemelhem-se uns aos outros. Santaella, comenta sobre isso, acrescentando que a

fotografia favoreceu a possibilidade de contemplação estética do corpo e como

os padrões de beleza são tão imperiosamente obedecidos que, por mais que variem as mulheres fotografadas, nas imagens todos os corpos se parecem. O que se apresenta aí é o corpo homogeneizado como lugar de produção de signos: o mesmo olhar sob o mesmo tipo de maquiagem, os mesmos lábios enxertados [...] o mesmo sorriso, as mesmas poses [...] (SANTAELLA, 2004 p.128)

A padronização do corpo agora está presente também na sua imagem,

impecavelmente sem defeitos. O poder que as imagens midiáticas exercem sobre a

consciência do sujeito é tão forte que mesmo quando se tem consciência da sua

atuação em despertar o desejo, não se está livre de sua influência no inconsciente.

“Vem daí a busca de satisfação de seu próprio corpo que as pessoas buscam dar a

si mesmas” (SANTAELLA, 2004, p.130)

A dificuldade em abdicar desse discurso da beleza está justamente porque a

publicidade difunde que cada um é responsável pelo seu corpo, não lhe sobram

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alternativas a não ser amar a si mesmo, investir em si mesmo de acordo com as

regras que a sociedade impõe. Cada um se vê praticamente obrigado a seguir essas

regras, para não se colocar “à margem das luzes gloriosas do exibicionismo”,

segundo Santella (2004).

Atualmente é notável o papel atribuído ao corpo em diferentes aspectos.

Segundo, Villaça e Góes (1998, p. 28), “assistimos à multiplicação e à mutação do

corpo em paradoxais metáforas identitárias”, que tendem a conduzir o corpo a um

modelo padrão instituído pela indústria da moda, ou então desconstroem imagens

ou criam virtualizações por meio da técnociência. Então,

na era industrial, o corpo era manipulado como instrumento da produção, lugar de disciplina e controle. Na sociedade pós-industrial, caracterizada pela difusão do saber e da informação, por uma tecnologia que ultrapassa a ciência e a máquina para tornar-se social e organizacional, repensa-se esse controle. O corpo dominado é apenas o do trabalhador? O controlar sobretudo o cidadão consumidor através da produção incessante de serviços e desejos. O que se percebe é que uma leitura do corpo [...] disciplinado pelas regras da estetização geral da sociedade pós-industrial, pode incidir numa versão redutora do papel do corpo. (VILLAÇA; GÓES, 1998, p. 30)

Aqui cabe resgatar o pensamento de Foucault e a construção de corpos

dóceis, conformados e sem consciência de que estão sendo manipulados para

servirem ao interesse do mercado. Ao submeter-se às regras da indústria da

‘estética’ (aqui entendida na forma simplista como o senso comum significa esse

termo, relacionando-o com beleza, dentro de padrões previamente instituídos) o

opressor passa a ser a sociedade do consumo. Assim, o corpo torna-se escravo

pela domesticação, mas sem consciência de que perdeu sua liberdade. Um corpo

disciplinado, docilizado é um corpo oprimido; seja quem for o agente de opressão.

O controle e repressão preconizados em Foucault agora se transformam em

controle e estimulação, pois estimula a beleza, a exibição dos corpos, mas seguindo

à risca padrões de peso, altura e até mesmo da cor da pele, bronzeada. A

estimulação acaba sendo repressora também, pois inibe aqueles que se encontram

fora dos modelos corporais estipulados.

Nessa leitura, retomamos o pensamento de Merleau-Ponty, que busca o olhar

expressivo no campo da estética compreendida na esfera do sensível e que é co-

extensiva ao corpo, ou seja o corpo é apanhado na experiência sensível. O corpo

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encontra seu sentido e compreensão na intersubjetividade. Dessa maneira poderá

libertar-se das amarras sociais, culturais, políticas e econômicas.

As marcas históricas da dominação sofrida pelo corpo, discutidas neste

capítulo, nos levam a refletir de que maneira podemos desenvolver esta consciência

e propiciar sua libertação e sua autonomia. Se as formas de opressão e controle são

diversas, se sabemos que nosso corpo é eminentemente um espaço ligado ao

sensível, à expressão, como trilhar caminhos que nos levem a estas percepções e

às ações efetivas no mundo em que habitamos. Por isso, no capitulo seguinte

procuraremos vislumbrar no pensamento pedagógico de Paulo Freire, elementos

que permitam uma visão teórico-prática da importância das expressões artísticas

para a ação educativa.

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4 PAULO FREIRE, CORPO E ARTE/EDUCAÇÃO: DO CORPO DÓCIL, DE FOUCAULT, À CONSCIÊNCIA DO CORPO EM MOVIMENTO, DE MERLEAU-PONTY

Como vimos, Foucault trata a perspectiva opressora do corpo e seus

atravessamentos pelas forças de poder-saber. Merleau-Ponty, ressalta o corpo em

seu aspecto fenomenológico, perceptivo, expressivo. A questão do corpo é

fundamental no pensamento desses dois autores, porém, guardadas as diferenças

entre eles, destacamos o corpo como potência de conhecimento, como uma

racionalidade que contempla o corpo e o conhecimento sensível. Sabemos que o

corpo tem em si historicidade e culturas; é dotado de capacidades naturalmente

expressivas, no entanto, necessita ser liberto das amarras sócio-culturais que o

domina.

Vimos no segundo capítulo deste estudo, que o corpo no contexto histórico

brasileiro foi marcado pela dominação, inicialmente pelos colonizadores, e depois,

pelas classes sociais mais privilegiadas. Principalmente o corpo da mulher sofreu

com essa dominação.

Portanto, neste capítulo, iremos estabelecer as relações entre as discussões

até então realizadas e o pensamento de Paulo Freire, principalmente por suas

reflexões acerca do diálogo como libertação, e de conscientização para a liberdade

e para a autonomia. A escolha por este educador, se deu pelo fato de que ele

buscou constantemente a conexão entre teoria, valores e prática, e trabalhar o corpo

na educação permite estabelecer essa relação. Ele também falou da importância da

questão da cultura. E a concepção do corpo faz parte da cultura.

Veremos também que o corpo, envolvido numa atmosfera artística, será

melhor compreendido pela metáfora da obra de arte. O corpo, nesta perspectiva,

realça e procura por novas formas de compreender o mundo, indo além do

racionalismo.

Portanto, para seguir nos caminhos escolhidos, para desvelar os sentidos

múltiplos do corpo trataremos nas páginas subseqüentes sobre a idéia de corpo em

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Paulo Freire, buscando no pensamento deste educador uma relação entre alguns

conceitos por ele desenvolvidos e a libertação do corpo pela expressão artística.

4.1 Paulo Freire : educação e vida

Paulo Freire foi um pensador comprometido com a vida, não pensa idéias,

pensa a própria existência. É também educador; existencia um pensamento para

uma prática libertadora. É sem duvida o educador mais conhecido de nossa época e

mundialmente considerado como um dos maiores educadores do século XX. Seu

compromisso com o educando é um dos maiores fundamentos de sua metodologia.

O papel do educador é o de favorecer a compreensão dos educandos sobre sua

própria realidade, inserir na aprendizagem uma leitura de mundo e não somente

leitura de palavras, para colocar o oprimido como sujeito de sua aprendizagem e da

transformação da realidade.

4.2 Breve Biografia e Síntese do Pensamento de Paulo Freire

Paulo Reglus Neves Freire nasceu em Recife, no dia dezenove de setembro

de 1921. Aprendeu a ler com os seus pais à sombra das árvores no quintal de sua

casa. A alfabetização que teve partiu de suas próprias palavras, palavras da

infância, da sua realidade, da sua prática, de suas experiências como criança. Era

considerado um aluno atrasado em relação aos demais, quando tinha 15 anos. Ele

mesmo comenta sobre suas dificuldades, quando comenta entrou no ginásio, ainda

escrevia ‘rato’ com dois rr. (FREIRE, 1980, p. 14).

Mesmo com uma infância penosa, sempre se perguntava o que poderia fazer

para ajudar aos homens. Paulo Freire preocupa-se em como dar ao processo

educativo as condições essenciais para que este pudesse contribuir na realização

plena e consciente do sujeito na sociedade na qual vive. A educação deverá ter uma

visão global e ampliada do educando.

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Freire ingressou na Faculdade de Direito do Recife, em 1943, mas também se

dedicou aos estudos de filosofia da linguagem. Apesar disso, nunca exerceu a

profissão, e preferiu trabalhar como professor numa escola de segundo grau

ensinando a língua portuguesa.

Em 1944, casou com Elza Maia Costa de Oliveira, professora primária , e com

ela teve cinco filhos. Foi Elza quem o estimulou a dedicar-se aos estudos de forma

sistemática, chegando a colaborar no método que ficou sendo conhecido, Método

Paulo Freire.

Ao longo de sua vida, escreveu mais de mais de 25 livros, lecionou nas

Universidades de Harward, Genebra, Universidade Estadual de Campinas

(UNICAMP) e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Recebeu o

título de doutor Honoris Causa em mais de 20 Universidades, de diversos países,

pelo reconhecimento e valorização das suas reflexões e contribuições no campo

educacional.

Sua biografia destaca o compromisso com uma educação que lê o mundo

pelas palavras, que busca sua transformação, preza pela autonomia do sujeito, pelo

diálogo e pela liberdade. É marcada também por despertar nas pessoas a crença

que é possível mudar o mundo – a utopia por um mundo possível.

Freire destaca-se dentre os demais educadores porque sempre procurou

aplicar seus conceitos na prática, como as 40 horas de Angicos, em 1963, uma

experiência pioneira na educação, ou como na década de 70, quando assessorou

países da África, recém-libertada da colonização européia, na implantação de seus

sistemas de educação. Aceitou também ser secretário da educação na cidade de

São Paulo, entre 1988 e 1991.

Faleceu em 1997, aos 76 anos, vítima de um infarto, mas deixando para

todos um autêntico trabalho de educação que identifica a alfabetização com um

processo de conscientização.

Um dos seus livros mais conhecidos é a Pedagogia do Oprimido, onde relata-

nos sua experiência em cinco anos de exílio, mostra o papel da conscientização,

numa educação realmente libertadora.

Freire ao fazer a crítica sobre a educação bancária, lembrou que essa prática

pedagógica é alienante, autoritária e inibidora da expressão autônoma do homem e

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da mulher. O aluno é considerado como parte de um mundo que irá conhecer, ou

seja, a realidade ainda lhe será transmitida. Na aprendizagem, há uma espécie de

armazenagem de conhecimentos, somente por meio da instrução e transmissão de

conteúdos.

Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os

educandos são os depositários e o educador o depositante. Em lugar de comunicar-

se, o educador faz comunicados e depósitos que os educandos, meras incidências,

recebem pacientemente, memorizam e repetem....a única margem de ação que se

oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los.

(FREIRE, 1987, p. 58)

E estes conteúdos “recebidos” e “arquivados” muitas vezes não têm qualquer

relação com a realidade social do aluno; não há sentido algum naquilo em que estão

aprendendo. Quem instrui os alunos são os professores e estes estabelecem uma

relação vertical com os alunos. Nas aulas, há um grande predomínio da metodologia

expositiva, na qual o professor, detentor de todo saber, fala aos seus alunos e estes

devem apenas ouvi-lo, sem manifestar divergências de opiniões. A avaliação é tida

como verificação da capacidade momentânea de memorização dos conteúdos;

momentânea, porque, freqüentemente, depois de passado o período de avaliação,

tudo que foi “aprendido” é esquecido, justamente porque não tinha sentido para

quem o aprendeu. Estas são características da chamada educação bancária,

criticada por Freire, como citado anteriormente, onde o saber é depositado na

cabeça do aluno como se o educando fosse um recipiente passivo de conteúdos.

A educação bancária que, desde os jesuítas, informou o ensino brasileiro, é

vista por Paulo Freire como uma prática pedagógica de “interdição do corpo”

(FREIRE, 2000a, p. 102). Trata-se de uma prática docente que “dociliza” e

“conforma”, proibindo os homens de “ser, saber e poder” (FREIRE, 2000a, p. 232).

Literalmente, é o “corpo” que é conformado, impedido de expressar-se de maneira

criativa e autônoma. Isso porque no pensamento de Paulo Freire, a expressão da

palavra é uma ação que se origina do homem integral, do homem enquanto

“SOMA”, nas suas mais diversas formas de ser em liberdade. A ideologia da

“interdição do corpo” submete o indivíduo, inconscientemente, à opressão, fazendo

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com que ele permaneça no estágio da “consciência ingênua” ou “semi-transitiva”

(FREIRE, 2000a, p. 102).

Freire defende uma pedagogia a qual denominou Concepção

Problematizadora e Libertadora da Educação, onde há uma busca pela interação

entre homem e mundo. Essa concepção, que tem em seu cerne as bases do

pensamento freireano, o sujeito é entendido como elaborador e criador de

conhecimentos, ele mesmo é o sujeito do conhecimento. E por isso, na ação

educativa fundada no diálogo, as figuras de professor e aluno são substituídas pela

de educandos, pois, ninguém ensina ninguém, os homens se educam uns com os

outros.

Um dos fundamentos dessa concepção é a criatividade, que estimula a

reflexão, a ação criadora e inovadora, frente à realidade. Paulo Freire fala sobre a

idéia de criatividade na educação afirmando que é necessário criatividade para

aprender e a criatividade necessita de liberdade. Por isso, esta deve ser estimulada

pelo professor, pois é peça-chave para a evocação da imaginação, intuição,

capacidade de criar, transformar e transcender. E nesse contexto a arte pode

exercer papel essencial como agente facilitador dessas perspectivas. Segundo Ana

Mae, “o ensino da arte nas escolas incentiva a criatividade, facilita o processo de

aprendizagem e prepara melhor os alunos para enfrentar o mundo.” (BARBOSA,

2005)

A concepção bancária imobiliza e inibe a atitude criativa. Nessa concepção,

portanto, as expressões criativas e artísticas do corpo não possuem espaço. A arte é

tolhida e o corpo tem sua expressividade prejudicada.

Por isso, o corpo não pode ser conformado, impedido de expressar-se de

maneira criativa e autônoma no processo educativo. Dessa maneira, ao libertar o

corpo da interdição que o sufoca, a educação como prática da liberdade, realiza a

pedagogia do oprimido que é uma pedagogia para a liberdade. Por tudo isso,

destaca-se aquele professor que, consciente de sua dimensão de constante

reconstrução pessoal e profissional, trabalhe de forma a articular conhecimentos e

saberes, ciente de sua contribuição para a formação integral do educando.

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4.3 Freire: do corpo interditado na escola ao corpo emancipado

Tudo que diz respeito ao corpo, sempre é mais difícil de ser captado, porque

este não deixa marcas precisas para o estudo. Os registros dos quais dispomos são

sempre narrações, representações ou mediações acerca do corpo. Como bem

ressalta Oliveira (2006, p. 8) “o que efetivamente faziam corporalmente alunos e

professores, que atividades e manifestações desenvolviam e experimentavam, só

podem ser objeto de estudo histórico a partir das ”falas“ preservadas sobre aquelas."

Ou seja, a linguagem que se tem acesso para o estudo do corpo não é a linguagem

corporal.

Desde cedo todo aluno aprende a seguir várias regras que visam o

autocontrole de suas ações no âmbito escolar, primeiramente, e que se expande no

âmbito do convívio social. desta forma, "ser aluno significa, antes de mais nada,

assumir o papel designado." (OLIVEIRA, 2006a, p. 60)

A escola, como uma instituição eminentemente moderna, traz consigo

maneiras peculiares de lidar com a questão do corpo e suas imbricações. Ao

analisar as práticas corporais na escola, podemos perceber um contaste esforço em

negar sua presença ou sua expressão genuína. Esse histórico de negação da

corporalidade na escola não é descontextualizado, pois contém traços de uma

sociedade marcada pela dominação.

A passagem da escola doméstica, criada no âmbito da vida cotidiana dos

professores, para a escola graduada, gerida no âmbito da preocupação com a

escolarização de massas, foi segundo Oliveira (2006) um processo multifatorial de

transformação. Seja no tocante de ensino, à conformação e distribuição do espaço e

do tempo escolares (aí incluídos o mobiliário, os espaços de aprendizagem e de

recreação, os tempos de recreio e de intervalo etc.) à formação de agentes

especializados (os professores), à expansão dos serviços de inspeção escolar, à

criação de toda uma imagética própria e cara ao mundo escolar, muitas foram as

dimensões sobre as quais foram mobilizados esforços e investimentos no sentido de

reformar de cima a baixo o processo de escolarização. (OLIVEIRA, 2006, p. 4)

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Dentre todos as formas mobilizadas nesse processo, muitas foram no sentido

de redefinir o papel do corpo ou da corporalidade dos alunos no novo modelo

escolar. Ou seja, sobre o corpo da criança e do jovem deveria incutir a nova

instituição, inscrevendo-se nas ações do corpo.

Os ventos da mudança no âmbito escolar sopraram fortemente no ambiente

escolar para a consolidação da “modernidade”, nos anos finais do século XIX. O

sentimento de autoridade, a ênfase sobre a necessidade de algum tipo de

direcionamento social mantêm-se firmes para promover a formação humana nas

sociedades complexas, sendo que a corporalidade passa a ganhar destaque nesse

percurso.

A relação autoritária entre professor e aluno, que se manifesta não poucas

vezes como de violência contra o corpo do outro na forma de “castigos”, de punição,

ressalta essa necessidade de imposição de poder sobre o corpo de outrem. “Falei

longamente com Piaget sobre a representação do castigo na criança, defendendo

uma relação dialógica amorosa, entre pais, mães, filhos, filhas, professores,

professoras, alunos e alunas, que fosse substituindo o uso dos castigos violentos”

(FREIRE, 1994, p. 105).

Em seu comentário Freire reafirma suas idéias sobre a “teoria dialógica da

ação educativa que nega o autoritarismo” (FREIRE, 2003, p. 210). E, o autoritarismo

refletido na violência contra o corpo do outro como ser físico, pensante, atuante e

manifesta-se em ações que o reproduzem nas relações sociais, já que o oprimido

carrega em si a consciência do opressor (FREIRE, 2003, p. 46) que se exprime nas

relações entre oprimido/oprimido e oprimido/opressor. Portanto, a violência que

começa com a violência da negação do outro enquanto corpo consciente, se

estende na direção da violência contra a mulher, o afrodescendente, o diferente, o

despossuído, é, muitas vezes, gestada na escola tendo origem nas relações que se

estabelecem entre os que sabem e aqueles que os que sabem julgam ser

destituídos de conhecimento, pois essas relações partem de uma concepção falsa

dos homens. Ou seja, Os investimentos sobre a escolarização dos corpos são frutos

do próprio processo de organização social que foi se tornando cada vez mais

complexo.

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A falta de uma ordem escolar, uma ordem corporal comum, acarretaria um

verdadeiro caos nas instituições escolares, pois determinaria uma heterogeneidade

de hábitos, de ações e gestos, segundo Oliveira (2006). Dessa forma, o

autoritarismo, aliado principalmente aos castigos corporais, gera a desconfiança e o

medo, que tem um impacto substantivo sobre a vida social, cultural, econômica e

política de um país

reduz a disposição das pessoas para ações coletivas, aumentando a desconfiança entre elas, inibindo o exercício de capital social, porque reduz o diálogo e, portanto, a identificação de que problemas são compartilhados, afetando ainda o exercício da solidariedade (CÁRDIA, 2008, p. 37).

Podemos dizer, em síntese, que o medo é a base de sustentação da

formação do aluno. Percebemos claramente isso, recordando sobre a diferenciação

feita entre alunos, exaltando os que se encaixam perfeitamente nos moldes

oferecidos e o repúdio por aqueles que não se ajustam e desafiam as normas e

padrões. Estes, tendem a sofrer com os dispositivos de repressão, que muitas vezes

é realizada diretamente no corpo. Mas como vimos nas primeiras páginas desse

trabalho, Foucault nos lembra que a punição corporal gradativamente cede lugar a

formas mais sutis de controle, fomentada por um poderoso código coercitivo.

Outra conseqüência importante sobre o autoritarismo é que o medo da

violência tende a enclausurar as pessoas amplificando o sentimento de solidão,

isolando-as umas das outras e impossibilitando-as de realizar o diálogo. O medo

minimiza a reflexão, gera desesperança, e segundo Freire (1987), não existe diálogo

sem esperança e sem ele, não há comunicação e, portanto, não há educação.

As escolas em nossa sociedade deveriam ser lugares nos quais a experiência

formativa fossem concretizadas, intensificando as buscas por uma reflexão maior da

dimensão corporal. No entanto, o que se constata é que as possibilidades de

vivências corporais autônomas são restringidas e as relações de poder e de

domesticação do corpo são reforçadas.

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4.4 Uma epistemologia freireana do corpo negado

Nas sociedades cujas formações sociais foram de origem colonizada, as

reflexões filosóficas e históricas em torno da negação do corpo do outro mostram

que nestas sociedades a negação se apresenta na forma de violência sobre o corpo.

Acompanhando essa reflexão, Ana Mae Barbosa, em seu livro Recorte e Colagem,

acrescenta que uma sociedade dependente como a nossa, estará sempre sujeita

aos modelos instituídos pelas sociedades dominantes. Ela diz que

[...] através da educação, os mesmos valores e aspirações já alcançados por sociedades dominantes independentes são transmitidos às sociedades dependentes, impedindo-se com isso que formem seus próprios valores. [...] Tornamo-nos realmente incapazes de modelar nossa cultura, porque não somos livres para determinar nosso próprio sistema de valores. (BARBOSA, 1989, p. 12).

Nossa desfavorável colonização, fortemente predatória e assinalada pela

exploração, aponta para o que Paulo Freire chamou de uma “inexperiência

democrática” das pessoas submetidas a essa educação.

As influências políticas e sociais na educação são perceptíveis quando

desenvolvemos uma consciência crítica quanto a nossa realidade social. Educação

e sociedade estabelecem uma relação vertical quando esta exerce dominação sobre

aquela, e conseqüentemente, a modela em seu favor. Paulo Freire (1986, p. 49)

também discute essa idéia destacando que

[...] não é a educação que modela a sociedade mas, ao contrário, a sociedade é que modela a educação segundo os interesses dos que detêm o poder. Se é assim, não podemos esperar que a educação seja a alavanca da transformação destes últimos. Seria ingênuo demais pedir à classe dirigente no poder que pusesse em prática um tipo de educação que pode atuar contra ela. Se se permitisse à educação desenvolver-se sem fiscalização política, isso traria infindáveis problemas para os que estão no poder. Mas as autoridades dominantes não permitem que isso aconteça e fiscalizam a educação.

Neste contexto, Paulo Freire fala da “autodemissão” do corpo consciente,

uma forma de violência simbólica perpetrada pelo “poder da domesticação alienante”

(FREIRE, 1997, p. 128) sobre os corpos de homens e mulheres. Trata-se da

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“dominação”, da imposição sutil, persuasiva, de um poder que se apresenta como

inquestionável e que conduz à acomodação, ao conformismo. Isto é, um poder

capaz de modelar a vontade fazendo com que o outro assuma a forma de ser

domesticado, docilizado, um corpo disciplinado, como escreveu Foucault (1987). A

ação de “autodemitir-se” do corpo, ou seja de si mesmo, pois como vimos em

Merleau-Ponty, somos corpo em sua totalidade, é uma ação de leva a uma

sensação de determinismo conformado, a aceitação de domínio que é exercido

sobre seu corpo, como fato consumado, contra o qual não há nada que possa ser

feito.

Neste sentido, Paulo Freire acentua sua negação ao determinismo, à

fatalidade, em particular quando se trata da situação em que vivem os

“esfarrapados” da terra. Cada sujeito deve se reconhecer como “seres que estão

sendo, como seres inacabados, inconclusos, em e com uma realidade que, sendo

histórica também, é igualmente inacabada.” (FREIRE, 1987, p.72). O fixismo

presente na pedagogia bancária imobiliza e faz com que a situação em que estão

lhes pareça fatal e intransponível, quando deveria lhes parecer como desafiadora,

que apenas os limita.

Enquanto a prática “bancária”, por tudo o que dela dissemos, enfatiza, direta

ou indiretamente, a percepção fatalista que estejam tendo os homens de sua

situação, a prática problematizadora, ao contrário, propõe aos homens sua situação

como problema. Desta forma, aprofundando a tomada de consciência da situação,

os homens se “apropriam” dela como realidade histórica, por isto mesmo, capaz de

ser transformada por eles, (FREIRE, 1987, p. 74)

Portanto, a autodemissão do corpo requer uma ação contrária: a admissão do

corpo na sua totalidade e nas suas expressões para o mundo. Trata-se de uma

atitude de reconhecimento de si mesmo e do outro como ser – humano – corpo.

Como Merleau-Ponty pensava o corpo, como gesto, sensibilidade, expressão

criadora inata de cada ser humano.

Em um diálogo com Sergio Micelli, cujo relato foi publicado na revista Teoria

em Debate, no primeiro trimestre de 1992, Paulo Freire lança mão da expressão

“interdição do corpo”6 para dizer que, historicamente, no Brasil, o corpo, em especial

6 Termo este usado posteriormente por Ana Maria Araújo Freire, sua segunda esposa.

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o corpo dos mais frágeis, for proibido de ser, não foi sujeito, mas sujeitado. Para ele,

somos “vocacionados para a humanização e, temos na desumanização, fato

concreto na história, a distorção da vocação” (FREIRE, 1994, p. 99). Essa sujeição

desumanizante que a tudo interditava, tem origem na escola por meio da educação.

(MESQUIDA, 2008)

A interdição do corpo tem, portanto, sua origem na história social, política,

econômica e cultural e no processo de escolarização a educação foi utilizada para

dominar, submeter, inibir, de forma autoritária, com a finalidade maior de manter a

consciência ingênua, a acriticidade (FREIRE, 2003) e, assim, a negação do outro. A

verticalidade da ação pedagógica, fundada na posse do conhecimento, refletia a

verticalização autoritária que imperava na sociedade. A histórica relação autoritária

entre professor e aluno imperante na escola brasileira, reafirma a educação

bancária.

No entanto, a dialogicidade, categoria filosófico-pedagógica empregada por

Paulo Freire para identificar o encontro entre o eu e o tu, como diria Martin Buber

(1982 e 1977), fonte principal dos conceitos freireanos de dialógico e dialogicidade,

impulsiona o (a) pesquisador (a) a colocar questões sobre arte e educação, já que é

pela palavra que o homem se faz presente no mundo. Mas a palavra em suas duas

dimensões: que mobiliza reflexão e ação. “Não há palavra verdadeira que não seja

práxis. Daí que a palavra verdadeira seja transformar o mundo”. (FREIRE 1987, p.

77) Aprender a ler, é aprender a ler as palavras e ler o mundo também para poder

atuar na sua transformação. A arte, então, tem muito a colaborar nessa leitura de

mundo.

A existência humana precisa nutrir-se de palavras verdadeiras, para

pronunciar o mundo. Fazer a leitura de mundo pela arte é interagir sensivelmente

com ele. E essa sensibilidade que designa também inteligibilidade e reflexão. A Arte

como aguçadora dos sentidos, irá transmitir significados que dificilmente seriam

transmitidos por outras linguagens, tal como a científica ou discursiva. Ler o mundo

por uma obra de arte, seja ela visual, sonora ou corporal, e deter seus códigos de

interpretação supõe muito mais que um conhecimento ou sensitivo ou intelectual,

mas deve gerar uma interpretação do mundo, através do contato com diferentes

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culturas, modos distintos de dar significado estético a sensações e emoções que a

arte provoca.

De acordo com Paulo Freire, é preciso que o iletrado aprenda a fazer a leitura

do mundo para, então, proceder à leitura da palavra. E, a leitura do mundo se faz,

inicialmente, por meio da imagem do mundo que vai sendo construída. Isso significa

ir da imagem à palavra. Por isso, Paulo Freire conta, na sua Pedagogia da

indignação (2000), como, a seu pedido, Francisco Brenand, artista plástico brasileiro

de renome internacional, produziu as dez “situações” que iriam ser trabalhadas por

ele, Paulo Freire, na preparação dos “animadores culturais”. Assim, se expressa

Paulo Freire, afirmando que

eram dez as situações concretas, codificações, como as chamo, cuja “leitura” possibilita o começo do desvelamento da atividade cultural humana. Foi Francisco Brenand, genial artista brasileiro, excelente pintor e não menos ceramista, que as produziu a meu pedido. A bem da verdade, foi Ariano Suassuna ...quem me disse: “Você precisa conversar com Brenand. Já estou vendo a beleza do trabalho dele pintando as diferentes situações de que você necessita para desafiar os animadores na discussão sobre cultura” (FREIRE, 2000, p. 96).

Assim, Paulo Freire lançou mão da expressão artística para “desafiar” os

animadores culturais, formadores nos círculos de cultura, a fazerem eles mesmos a

leitura do mundo. Era a imagem, criada pela mão de um artista, que iria servir à

educação na tarefa de levar os educadores a realizarem a leitura do mundo. E, para

Paulo Freire, amante da estética e, portanto, das expressões artísticas, aí está o que

ele chamava de “boniteza” da ação pedagógica. Portanto, a curiosidade despertada

pela imagem, pelo belo artístico, levaria os alfabetizandos a “sentirem-se cultos”,

pois eles também “podiam fazer isso”, diziam, “apontando para o jarro de barro

projetado na tela” (FREIRE, 2000a, p. 98-99).

O objetivo de Paulo Freire trabalhar com as imagens era, segundo Lyra

(1996) esclarecer ao analfabeto os conceitos antropológicos de cultura, dividindo-os

em dois mundos: o da natureza e o da cultura. “A cultura como acréscimo que o

homem faz ao mundo que ele não criou. A cultura como resultado de seu trabalho e

de seu esforço criador e recriador. O homem, afinal, no mundo e com o mundo,

como sujeito e não como objeto.” (LYRA, 1996, p. 23)

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Dessa maneira, aprendendo a ler o mundo, em diálogo com a arte, os

educadores poderiam expressar o mundo por meio da palavra criadora de cultura,

colocando em xeque a educação bancária reprodutora e mantenedora do status

quo.

Os slides projetados mostravam várias situações codificadas, que eram

capazes de motivar a discussão no grupo e depois decodificar as situações

apresentadas. Ao olhar as imagens um sentimento de curiosidade era despertado

em cada educando. “No momento em que é iniciada a projeção, cessam os ruídos.

Todos se concentram totalmente na imagem projetada.” (LYRA, 1996, p.24)

As perguntas elaboradas pelos coordenadores faziam a leitura da imagem e

ao mesmo tempo instigavam a reflexão. Como podemos observar no exemplo

abaixo, sobre a imagem:

Imagem utilizada para a discussão do conceito antropológico de cultura

Fonte: Revista Educação em Questão, Natal, v. 21, n. 7, p. 105, set./dez. 2004

O objetivo deste primeiro slide é o despertar da autoconsciência, da consciência do homem diante da natureza e da cultura; e do conceito antropológico de cultura. Pergunta: O que vemos aí? Ou: O que está diante de nós? Respostas: “Um pé de pau” (Árvore); “Um poico”; “Um porquinho”; “Uma estauta” (o homem); “Um passo” etc. Simples substantivos, nenhuma oração formada.

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Evidentemente, não os corrigimos, mas quando falávamos indiretamente o fazíamos lentamente: pássaro, estátua, pois eles não estavam errados, mas tão certos quando nós, sociologicamente... Pergunta: O que significam estas linhas (setas)? Respostas: As mais comuns foram “lápis”, “palito”. No entanto, alguns disseram: “O juízo do homem”; “A ciença do homem”; “O homem tem necessidade disto”; “É o caminho do homem para o mundo”. (LYRA, 1996, p. 24)

Carlos Lyra acrescenta que para Paulo Freire, estas seriam “respostas

altamente inteligentes”, porque demonstravam a capacidade do homem perceber o

mundo a sua volta.

Estabelecendo uma relação com a leitura de obras de arte – sejam elas

pinturas, esculturas, coreografias, músicas, etc – ao ler essa produção artística, cria-

se na mente uma série de pensamentos que podem ser diferentes a cada vez que

se repete a mesma atividade de ver e observar a obra de Arte. De acordo com o

repertório e o modo de vida que cada observador/leitor possui, haverá diferentes

interpretações da mesma obra.

Nos círculos de cultura, a escolha foi pela leitura de imagens, embora estas

não fossem conscientemente consideradas como arte, e o objetivo não fosse o

prazer estético, mesmo assim, a leitura acontecia e a estética ajudava à formação

intelectual e política. A imagem enquanto linguagem visual é, então, construção

humana que visa à comunicação de idéias, objetivando uma compreensão de suas

relações com a realidade dos educandos. Ou seja, o objeto enquanto arte, pode ser

considerado como um texto visual. Ao percorrer o olho sobre a imagem, no tempo e

no espaço, um caminho é construído e nele são geradas as significações e a

construção de sentidos.

As respostas dos educandos na leitura das projeções revelavam, segundo

Carvalho (2004, p.112), “um alto poder de abstração, passível, a princípio

acadêmico, em inteligências privilegiadas ou cultas, capazes de estabelecer ou

produzir interpretações muito complexas.” Talvez porque seus olhares não

receberam a forte influência do ritmo alucinante que existe atualmente nas cidades.

Esse ritmo, priva as pessoas de experimentar um contato mais próximo com a arte,

num tempo que é do corpo do leitor, um tempo que possibilita reações afetivas de

ordem e qualidade diferente daquelas reações determinadas pela visão acelerada,

do corpo acelerado da sociedade atual. Acompanhando esse pensamento, Buoro

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(2002) acrescenta que o ritmo da cidade, para a maioria da população que não tem

oportunidade de experimentar um contato mais intimo com obras de arte além

daquele que a rotina incidentalmente lhe permite, impõe assim sua norma ao nosso

olhar e, desse modo, toda a obra de arte passa a ser vista rapidamente, com a

mesma velocidade de olhar que nos é imposta pela imagem da publicidade exposta

no outdoor.

É olhar que olha sem a consciência do ver, justamente este olhar que Paulo

Freire não almejava em seus trabalhos nos círculos de cultura. Para ele é

fundamental ler a imagem na busca do conhecimento do homem como ser no

mundo e com o mundo. É decodificar, interpretar, reconhecer- se nela, refletir,

criticar e criar suas próprias idéias. Como queria Paulo Freire, quando afirma que

durante o debate acerca das situações e palavras geradoras, levará os grupos “a se

conscientizarem para que, ao mesmo tempo, se alfabetizem”. (FREIRE, 1979, p. 75)

A eficiência da utilização de imagens se dava, principalmente porque

representavam situações, objetos, animais, enfim, tudo que era familiar ao universo

cultural do educando.

A série de dez imagens que o artista Francisco Brennand criou a pedido de

Paulo Freire, são figuras de cores e traços simples, mostrando desde animais até

algumas situações de trabalho e de lazer.

A presença da imagem no cotidiano das pessoas ocupa um espaço

considerável. Se olharmos ao redor, perceberemos inúmeras fontes visuais, tais

como a tv, outdoors, revistas, cinema entre outros que produzem imagens

transitórias e ao mesmo tempo incessantes. Todos esses meios de comunicação

visual estão ao alcance da maioria da população, mas se tem pouca consciência

dessa presença maciça devido a grande quantidade de informação. De modo geral,

a relação que esse estabelece com esse aglomerado de imagens é pouco

significativa. As pessoas tornaram-se consumidores passivos de imagens e, muitas

vezes, são submetidas a elas inconscientemente, sem possibilidade de

questionamento. Segundo BUORO (2002, p. 34)

tanto isso é verdade que, se pesquisarmos, por exemplo, a historicidade da presença da imagem nos livros de educação escolar no Brasil, no século XX, veremos as imagens, invadiram todas as áreas do conhecimento sem que tivéssemos aprendido a tirar proveito de seus potenciais comunicativos com o fito de construir um conhecimento mais amplo acerca de seus processos de leitura, em

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especial no que diz respeito ao trabalho do educador. As imagens, que aparecem majoritariamente com função intransitiva de mera decoração nos livros do ensino fundamental e da educação infantil, surgem assim como que parcialmente emudecidas e, portanto, incapacitadas para fornecerem significados a professores e crianças e, mais ainda, para encaminhá-los no sentido de sua apropriação como poderoso recurso a serviço da prática pedagógica.

O uso de imagens pelo Método de Alfabetização proposto por Paulo Freire, foi

uma maneira de empregar a arte e os elementos da cultural local. Mas este uso não

se restringe à mera observação. A análise das imagens ultrapassa os aspectos

estritamente artísticos, e passa a evidenciar sua funcionalidade pedagógica. A

leitura e apreciação das imagens atende à intenções de conscientização política

implícitas no método Paulo Freire.

Recordando as idéias de Merleau-Ponty, este afirma que o olhar do

racionalismo adota e rejeita perspectivas. Tudo só é possível de ser visto de um

certo ponto de observação por um olho imóvel fixo num certo ponto de fuga, de uma

certa linha de horizonte. Mas o olhar que busca ver de maneiras diversas a mesma

situação, não pode ser imoto. Um olhar sensível vai buscar as diferentes

significações, veladas pelos processos de massificação que as culturas imprimem ao

homem e à mulher. Dessa forma, poderão ver o mundo com a nitidez necessária

para serem sujeitos ativos na sociedade em que vivem. É isto que Merleau-Ponty

afirma sobre a necessidade do diálogo com o pensamento improvisador da arte. Em

suas palavras, “o pintor é o único que tem o direito de olhar sobre todas as coisas

sem nenhum dever de apreciação. Dir-se-ia que diante dele as palavras de ordem

do conhecimento e da ação perdem a virtude”. (MERLEAU-PONTY, 2004, p.15).

Ou seja, o artista tem o privilégio de libertar-se da ordem e das regras impostas

pelo conhecimento, justamente porque sua maneira de pensar é diferente, pois olha

o mundo com outros olhos, com os olhos sensíveis e questionadores da arte. Por

isso, Paulo Freire foi buscar a mão de um artista, Brennand, para pintar as imagens

que iriam ser utilizadas para despertar no alfabetizando o desejo de ler o mundo e, a

partir daí, ler a palavra. Ao mesmo tempo, Paulo Freire trouxe para a arena do seu

método de alfabetização o método comeniano de ensinar tudo a todos, como

veremos.

Pensar a educação pelo viés do diálogo com a arte e a expressão artística a

partir de sua relação com a educação, é um desafio. E desafio maior ainda quando

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também se procura resgatar, a partir de Comenius (1572-1670) essa relação. O

pensamento humanista desse grande educador tcheco, do século XVII, irá contribuir

sobremaneira para o presente estudo, pois ele serviu de inspiração para Paulo

Freire. O resgate de alguns pontos de sua produção científica servirá para

estabelecer algumas relações com as ações pedagógicas de Paulo Freire, pois a

coerência de seu pensamento rompe as barreiras de seu contexto, aproxima-se da

atualidade e lança idéias para o futuro.

Comenius inicia uma linha de pensamento que se propaga pelos pedagogos e

filósofos da educação que o sucederam. Pode ser considerado pai de uma

concepção humanista e espiritualista na educação. Dentre outras coisas, Comenius

propunha:

· o respeito ao estágio de desenvolvimento da criança, no processo de aprendizagem; · a construção do conhecimento através da experiência, da observação e da ação; · educação sem punição, mas com diálogo, exemplo e ambiente adequado; · ambiente escolar arejado, belo, com espaço livre e ecológico; · interdisciplinaridade; · afetividade do educador; · coerência de propósitos educacionais entre família e escola; · desenvolvimento do raciocínio lógico e do espírito cientifico; · a formação do homem religioso, social, político, racional, afetivo, moral – enfim, do homem integral. (COLOMBO, 2006, p. 24, grifo nosso).

Analisando e comparando com as práticas pedagógicas de Freire,

observamos nítidas semelhanças, dentre elas a educação com o diálogo, pois para

Freire não existe conhecimento válido, a não ser que seja compartilhado com o

outro. Se todos fazem uma leitura de mundo, é no diálogo que se estabelece a troca

das diferentes leituras de mundo ou encontram-se as semelhanças dessas leituras

do mundo.

Em seus processos pedagógicos Comenius desenvolveu propostas baseadas

na democracia do saber, na interdisciplinaridade e na humanização, para que

[...] todos os homens sejam educados plenamente, em sua plena humanidade, não apenas um indivíduo, não alguns poucos, nem mesmo muitos, mas todos os homens [...] todo homem seja educado integralmente, formado corretamente, não num objeto particular ou em alguns objetos ou mesmo em muitos, mas em tudo o que aperfeiçoa a espécie humana; para que ele seja capaz de saber a verdade e não seja iludido pelo falso [...] (COLOMBO, 2006, p. 40)

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Ou seja, a educação não estaria limitada a uma elite privilegiada e nem tão

pouco os saberes selecionados para o povo que tem pouco acesso à ela. A

educação defendida por Freire é voltada para o povo, para os “esfarrapados do

mundo”, como ele mesmo cita nas primeiras páginas da Pedagogia do Oprimido.

Educar integralmente, não só ensinar a repetir palavras desconexas, sem

significados para os educandos, é também politizar, é partir de poucas palavras para

gerar um universo vocabular de conceitos, idéias e ações. É conscientização de sua

situação, é consciência reflexiva da cultura para reconstruir criticamente o mundo

humano e abrir novos caminhos.

Com o livro Orbis Sensualium Pictus ou O mundo sensível das imagens,

Comenius remonta toda a história do uso de imagens na humanidade. Redigido em

1653 e publicado pela primeira vez em 1658, em Nuremberg em formato bilíngüe,

alemão e latim, o livro contém 150 imagens diferentes, com índices numéricos de

tudo que nela contém. Estes objetos estão descritos na legenda, que faz parte do

corpo do texto. Este livro tinha como objetivo ser útil para crianças desde totalmente

iletradas até adultos iniciantes em latim, como segunda língua. Ao mesmo tempo

iniciava o aluno em todas as coisas que existem no mundo.

Segundo Colombo (2006), até o século XVII, as imagens eram usadas nas

artes ou em manifestações culturais mas sempre com o propósito de ligarem-se ao

mundo adulto, com funções específicas. Com o surgimento do Orbis Pictus, veio

uma nova característica educacional ao uso da imagem. As imagens, até então, não

eram dirigidas às crianças. Somente um século depois do lançamento do livro

didático de Comenius é que foi surgir a literatura infantil.

A organização do livro é didática e baseia-se em imagens e palavras.

Compõe-se de três elementos: figuras, nomenclaturas e as descrições. Todas as

figuras são relativas a tudo que nos é visível no mundo; as nomenclaturas são como

índices ou títulos escritos sobre a própria figura, detalhando os elementos presentes

na mesma; e as descrições são as explicações das partes destacadas na figura.

Uma das preocupações neste livro era justamente com que a língua a ser estudada

não estivesse desconectada da realidade, feita através da imagem. Percebemos aí

uma semelhança forte com as idéias de Freire, quando em seu método, é feita a

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leitura de mundo dos educandos para depois realizar a pesquisa temática do

universo vocabular. Para Freire (1980, P. 42)

não só se retêm as palavras mais carregadas de sentido existencial - e, por causa disto, as de maior conteúdo emocional - senão, também as expressões típicas do povo: formas de falar particulares, palavras ligadas à experiência do grupo, especialmente à experiência profissional.

Ou seja, o educando se identifica com aquilo que esta aprendendo, não há

nada aquém da sua realidade. E com o uso das imagens, da expressão artística,

acrescentava a experiência sensorial.

Já na abertura do livro, a construção visual da primeira imagem mostra um

cenário aberto, tendo natureza e cidade ao fundo, e em primeiro plano o mestre que

conversa com puer, convidando-o a aprender a ser sábio. A postura corporal do

aprendiz não demonstra inferioridade frente ao mestre, mas sim, uma atitude de

interesse, de curiosidade, como o diálogo logo abaixo da figura ressalta:

- “Come Boy! Learn to be wise.” Venha, garoto! Aprenda a ser sábio. - “What doeth (?) this mean, to be wise?” O que significa ser sábio? - “To Understand rightly, to do rightly, and to speak out rightly, all that are necessary.” Para entender corretamente, para agir corretamente e falar corretamente, tudo isso é necessário. - “Who will teach me this?” Quem me ensinará isto? - “I, by God’s help.” Eu, com a ajuda de Deus. - “How?” Como? - “I will guide thee through all. I will show thee all. I will name thee all.” Eu guiarei por tudo; Eu mostrarei tudo. Eu nomearei tudo. - “See, here I am; lead me in the name of God.” Olhe, Aqui estou; ensine-me em nome de Deus. - “ Before all things, thou oughtest to learn the plain sounds, of which mans speech consisteth; which living Creatures know how to make and thy tougue knoweth how to imitate, and thy hand can picture out. Afterwards, we will go into the world, and we will view all things.” Antes de tudo, tu deverás estudar os simples sons, os quais consiste a palavra humana; com as quais as Criaturas viventes sabem como fazer e sua língua é capaz de imitar e, suas mãos capazes de pintar. Posteriormente, ande pelo mundo e olhe tudo. (COMENIUS, 1659, p. 2, livre tradução nossa)

O início do livro é um convite ao conhecimento e também à expressão

artística. A preocupação com as imagens é evidente, pois na maioria das unidades,

uma página toda é dedicada à figura e outra para as explicações desta figura. As

primeiras unidades se referem aos elementos naturais (fogo, ar, terra e água) e os

aspectos do mundo vegetal - Deus e o Mundo. No entanto, percebemos que

Comenius dá exclusiva atenção à área prática das artes e ofícios, que representam

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um terço do livro. Segundo Colombo (2006), Comenius sempre procura unir prática

e teoria, a imagem com conceito, a língua com a essência do significado.

Notamos mais uma vez, outra semelhança com o método trabalhado por

Freire ao usar as fichas e projeções de imagens para desenvolver o vocabulário dos

educandos, como veremos nas páginas subseqüentes. A alfabetização é ao mesmo

tempo um ato de criação, capaz de gerar outros atos criadores, ou seja, está o

tempo todo unindo teoria e prática, dando significado ao que se aprende. A arte, ao

estabelecer o laço semântico entre a palavra e sua significação, adquire sua

importância no processo educativo. A imagem implica um conhecimento direto e

prévio da realidade, ponto de partida da ação pedagógica de Paulo Freire.

A característica das imagens é de uma essencialidade de traços que muitas

vezes limita-se a sugerir do que detalhar. As imagens com pessoas, em sua maioria,

sempre sugerem o corpo em movimento, como na página sobre sleights ou truques

que representa uma espécie de uma ginástica de circo, com acrobacias.

Fonte: http://www.uned.es/manesvirtual/Historia/Comenius/OPictus/Pictus133.jpg

Outro detalhe interessante observado encontra-se na figura sobre The Society

Betwixt Parents and Children ou a Sociedade Entre os Pais e Crianças, onde a

figura paterna aparece pintando uma tela enquanto as crianças e a esposa se

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distraem de outras maneiras, mas sempre com uma postura corporal que pressupõe

algum movimento.

Fonte: http://www.uned.es/manesvirtual/Historia/Comenius/OPictus/Pictus122.jpg

Isso mostra que a expressão artística tem sua relevância e nos mostra a

expressão na sua forma mais natural. Todas as figuras mostram esta tendência

naturalista, da vida, do cotidiano, da expressão cotidiana. Expressão pelo corpo das

ações humanas registradas nas imagens.

Freire também utilizou imagens para trabalhar nos círculos de cultura. O

trabalho gráfico dessas imagens, por vezes realizadas por artistas, como o já

citado, Francisco Brenand, as quais encontram-se em anexo neste trabalho, também

sugerem situação cotidianas, do brasileiro de diversas regiões. Uma das figuras,

logo abaixo, apresenta um homem vestido com roupas tipicamente gaúchas. Nesta

imagem, não há sugestão de movimento, mas mostra a expressão firme e ao

mesmo uma postura corporal descontraída, retratando um bem-estar pessoal.

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Fonte: Acervo do artista, disponibilizado digitalmente

Já em outra figura, retrata um índio com seu arco e flecha na postura de

caçador. Sua atitude corporal demonstra determinação e precisão de movimentos. O

arco como prolongamento do braço, seu instrumento de caça. O conceito

antropológico estava sempre presente nas intenções pedagógicas neste trabalho

com as fichas com imagens do cotidiano.

Fonte: Acervo do artista, disponibilizado digitalmente

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Dentre as fichas das quais tivemos acesso, as imagens cedidas pelo artista

Francisco Brenand e a descrição escrita por Carlos Lyra, apenas uma reproduziu a

imagem da mulher: ficha F, descrita por Lyra (1996) "mulher sentada à mesa

comendo. Ao fundo, através da janela visão do monte Cabugi.” Seria este um

resquício impregnado em Freire da cultura domesticadora do colonizador, que

interditou o corpo da mulher? Por ventura sim, mas necessário seria um estudo

mais detalhado sobre esta questão. O mais provável nesta situação, é que isto seria

a tentativa de uma aproximação da cultura local dos educandos que tinham essa

visão de mundo que restringe o papel das mulheres, para depois ser trabalhado esta

conscientização.

Sobre a qualidade gráfica das representações realizadas pelo artista,

esta tende a um estilo naturalista, de maior aproximação com os objetos e situações

representadas. Percebe-se que as imagens buscam uma aproximação ao universo

cultural do educando e talvez por isso a pouca preocupação com o detalhamento

visual. As imagens observadas em geral mantêm um nível de estilização em relação

às coisas representadas, que permite o reconhecimento e identificação de quem as

observa. Ao mesmo tempo mostra uma postura corporal que lembra movimento,

ação. Provavelmente para mobilizar nas pessoas à prática, à ação educativa, que

interfere no mundo em que habitam.

O conceito de educação desenvolvido por Comenius tem características

próprias e relevantes. Dentre elas, considera que nossa vida é uma escola em que

estamos constantemente aprendendo. Essa idéia vai ao encontro do pensamento de

Paulo Freire (1987, p. 72), quando afirma que todo homem é um ser inconcluso,

consciente de sua inconclusão, e de seu permanente movimento de busca do ser

mais. Assim como Comenius, Freire nunca dissociou a educação das relações

sociais, políticas e científicas. A educação nunca é neutra, como defendia Paulo

Freire, numa sociedade marcada pela dialética opressor/oprimido, o não

posicionamento favorece o sistema vigente que indubitavelmente está do lado dos

opressores. Quebrar o conceito de que não existe um direito natural para o domínio

dos opressores sobre os oprimidos tem sido um desafio para os defensores de uma

educação transformadora. O comodismo nos leva a uma educação conformista,

silenciosa e submissa às desigualdades que nos cercam. Por isso a necessidade de

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um professor politizado, que consiga perceber o papel da educação nessa

sociedade em conflito. Uma sociedade em conflito, como a nossa, exige

profissionais com coragem em mostrar e problematizar as dificuldades que

encontram no ambiente escolar.

Segundo a Didática Magna, na qual Comenius mostra como pretendia

reformar a educação, é através dela que devemos ambicionar a reforma de toda a

humanidade. Assim,

a educação para Comenius, interferia em todos os campos do conhecimento e do desenvolvimento humano e se ela fosse usada como ferramenta de transformação do mundo não poderia estar isolada das outras áreas de conhecimento. (COLOMBO, 2006, p. 99)

Seu pensamento é que todo o universo das coisas está interligado, como uma

rede de significações e nada pode ser entendido sem conhecer seu lugar neste

universo. Por isso formulou a idéia da Pansofia, uma ciência universal que

compreende todo saber humano, onde todo conhecimento é interligado e tudo deve

ser ensinado a todos. Segundo Colombo (2006), ao pensar desta forma, Comenius

reagia a uma ameaça de dissolução dos saberes, que se fortificava com o

crescimento da especialização das ciências. “Para isso, propunha uma rede mundial

de sábios ou colégio dos sábios onde toda informação e pesquisa fossem trocadas

entre todos os sábios em todos os lugares. Nem por isso propunha uma exclusão

dos que não faziam parte do mundo dos sábios.” (COLOMBO, 2006, p. 101) O

projeto de ensinar tudo a todos, proposto por Comenius, busca uma superação para

os enfados, as mesmices, as agressões a que a educação estava exposta na época

em que vivia. Vale a pena transcrever seus propósitos na abertura de sua Didática

Magna, na qual afirma que

a proa e a popa da nossa Didáctica será investigar e descobrir o método segundo o qual os professores ensinem menos e os estudantes aprendem mais; nas escolas, haja menos barulho, menos enfado, menos trabalho inútil, e, ao contrário, haja mais recolhimento, mais atractivo e mais sólido progresso; na Cristandade, haja menos trevas, menos confusão, menos dissídios, e mais luz, mais ordem, mais paz e mais tranqüilidade.(COMENIUS, 1954, p. 44)

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Aqui não há como não recorrer à obra de Paulo Freire, quando afirma que

“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre

si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987, p.68). Possivelmente, Freire está

aprofundando, com mais clareza e entendimento, a postura de Comenius.

Sobre o uso das vias sensoriais para favorecer o processo de aprendizagem,

podemos observar que Comenius deu grande valor à sensibilidade, à percepção.

Segundo Colombo (2006), este educador propunha uma educação natural e sem

violência:

Se observarmos as pegadas da natureza, torna-se evidente que a educação

da juventude se processará facilmente se: começar cedo, antes da corrupção das

inteligências; [...] os espíritos não forem constrangidos a fazer nada mais que aquilo

que desejam fazer espontaneamente, segundo a idade e por efeito do método; [...]

se todas as coisas forem ensinadas, colocando-as imediatamente sob os sentidos e

fazer ver a utilidade imediata [...] (COMENIUS, 1954 )

Ou seja, afirma a importância do uso dos sentidos na educação, pois são

mais diretivos e cognitivos do que a racionalização. Desta forma, entendemos a

importância do trabalho com a arte que prioriza as expressões artísticas do corpo,

que não constranja o espírito, como o próprio Comenius cita, que possibilite a

comunicação entre os sujeitos, que humanize e transforme o oprimido em sujeito

ativo em suas relações com o mundo.

A arte, portanto aproxima e articula a consciência e a práxis. Pode ser o

instrumento humanizador, pois focada no corpo, pode libertar para a consciência

crítica de si mesmo, do ambiente social e político no qual está inserido, atuando

assim nas transformações.

“A arte é o caminho mais curto entre dois homens. O caminho mais curto

porque não comporta a mediação abstrata, impessoal, do conceito e da palavra.”

(GARAUDY, 1980, p. 21) A arte atua no âmago das pessoas, conquista pelas

emoções, expressões, sentimentos que suscita na pessoas; por isso deve ser

trabalhada com objetivos claros, com a consciência de quem busca a transformação

pela conscientização.

Por isto mesmo, Paulo Freire lançou mão das expressões artísticas. Afinal,

tratava-se de libertar corpos oprimidos, interditados de ser, incapazes de tomarem

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consciência de si e de sua situação de docilização. Acreditava ele que a arte era um

fenômeno de percepção capaz de atuar na consciência das pessoas, indo além da

simples racionalização intelectual. Portanto, a “interdição do corpo inconsciente” é

vencida pela ação libertadora da pedagogia utilizando como instrumento a

expressão artística: corpo em movimento.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa sempre é movida por um querer saber, querer compreender

algo ou alguma coisa desconhecida ou que causa inquietação. E, além disso,

saber percorrer os corretos caminhos que conduzam às novas visões do objeto a

ser estudado. Como diz Santin (2003, p.123), “é diante da dificuldade do

desconhecido que a investigação segue os impulsos da criatividade”.

E, com essa curiosidade, juntamente com esse querer saber, é que

buscamos trilhar caminhos sobre o corpo e as expressões artísticas no

pensamento de autores como Merleau-Ponty, Michel Foucault e, em especial, de

Paulo Freire.

Tentar revelar o lugar ocupado pela arte e por suas expressões por meio

dos textos historiográficos e documentais, somente foi possível apelando para a

compreensão hermenêutica, isto é, para sua interpretação. O “mundo do texto”,

utilizando as palavras de Ricoeur, surge da objetividade da obra aliada à

subjetividade do leitor. Sua significação é percebida pela análise objetiva da obra

aliada à subjetividade do leitor. Sua significação é percebida pela análise objetiva

de seu código e pela apropriação subjetiva do seu conteúdo pelo leitor.

No início da pesquisa questionamos sobre qual o papel das expressões

artísticas no ambiente escolar, e em que sentido poderiam contribuir nos

exercícios de práticas pedagógicas libertadoras, numa perspectiva freireana.

Neste sentido, entendemos que o corpo, enquanto espaço eminentemente

expressivo, foi interditado ao longo de nossa história. Com a preocupação com o

poder, buscou-se desenfreadamente uma disciplinarização dos corpos,

principalmente no espaço escolar. A padronização de gestos, de ações e de

movimentos, tirou a liberdade de se expressar por meio do corpo, destruindo

assim, as capacidades expressivas, inventivas e comunicativas. Esse processo de

adestramento corporal desconsiderou o corpo como sujeito/objeto de arte.

Desvelar os caminhos percorridos pelo corpo, como vimos, não foi tarefa

fácil, pois o mesmo é atravessado por subjetividades e simbolismos. O humano se

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corporifica pelo corpo. E, ao mesmo tempo em que o corpo revela seus aspectos

subjetivos, pode também escondê-los.

Assim, buscamos não só investigar os caminhos do corpo, numa

perspectiva artístico/pedagógica, como também sobre as ambições de governá-lo

e organizá-lo conforme normas pré-estabelecidas, regidas conforme interesses

pessoais ou coletivos.

Isto posto, ao entender que o corpo foi alvo das esferas dominantes da

sociedade, buscamos no pensamento de Michel Foucault esta relação entre corpo

e poder. Entretanto, para compreendê-lo é necessário, primeiramente, dirigir a

atenção a um dos elementos centrais de seus escritos: a modernidade. Por isso,

antes de discutir suas idéias, resgatamos o período da modernidade. Foucault

(2004) propõe que a modernidade é caracterizada como uma anátomo-política do

corpo e por uma bio-política da população. Isto se expressa por intermédio das

disciplinas corporais, que são os procedimentos do poder que assumem o corpo

como máquina e se incubem de seu adestramento e, ao mesmo tempo, da

ampliação de suas aptidões para o trabalho. A docilidade do corpo fabricará

corpos submissos e úteis às exigências alheias. Os mecanismos de controle, ou

as intervenções do poder que regulam toda essa situação de opressão definem

um certo modo de investimento político detalhado do corpo, uma nova “Microfísica

do Poder” (FOUCAULT, 1987).

Tendo então esclarecido questões sobre o corpo e o poder, amparada no

pensamento foucaultiano, encaminhamos as reflexões para as investigações

filosóficas de Maurice Merleau-Ponty, o qual afirma que o corpo possibilita a

relação do ser com o mundo. No pensamento deste autor, encontramos as

possibilidades do corpo de expressar-se, desprendido dos mecanismos de

dominação: o corpo em movimento pode libertar-se das amarras sociais, culturais,

políticas e econômicas. O que se destaca é o corpo em seu aspecto

fenomenológico, perceptivo e expressivo. O corpo do sujeito é sua possibilidade

de estar no mundo, de ver outros corpos, tocá-los, ver outros objetos, enfim,

observá-los, mas quanto ao corpo próprio, isso já não seria possível, porque

precisaria de outro corpo para observá-lo (MERLEAU-PONTY, 1999). Ou seja, o

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corpo não é objeto, porque está sempre com o sujeito e este é o próprio corpo.

Sente-se corpo, confunde-se com ele, seu ‘eu’ se estende de forma intencional no

mundo. O corpo é reflexionante, superando assim a dualidade cartesiana. Por

meio do corpo é que agimos no mundo, e, ao habitar o espaço, o corpo o assume,

e o corpo que se movimenta conhece o espaço para coexistir com ele.

As reflexões desses dois autores sobre o corpo, guardadas suas diferenças,

nos encaminharam para uma investigação do corpo e suas marcas históricas da

dominação no contexto brasileiro. Inicialmente, pelos colonizadores, e,

posteriormente, pelos grupos sociais privilegiados. Vimos que o corpo da mulher

foi quem mais sofreu com a opressão, pois normalmente era proibido ou limitado

seu acesso a determinados lugares ou a determinados saberes.

Os jesuítas que aqui estabeleceram seus trabalhos pedagógicos de

catequização, tinham o objetivo de propagar a fé católica pelo apego à autoridade.

Essas práticas inibiam a criatividade e qualquer ação criadora dos alunos. Sem

liberdade para criar, eles obrigam-se a aceitar tudo que lhes é transmitido, não

sendo mais senhores de si mesmos. É imposta a visão de mundo segundo os

padrões jesuíticos, e, ao mesmo tempo, uma educação capaz de fazer a

população abandonar as práticas de “devassidão”, ou seja, o corpo necessitava de

domesticação para adequar-se aos modelos europeus. A repressão cultural e

religiosa foi utilizada como forma de docilização da população. Ana Maria Freire,m

lançando mão do pensamento de Paulo Freire expresso em texto referenciado

nesta dissertação, destaca a ideologia da interdição do corpo como justificadora

das diferenças sociais existentes em nossa sociedade. Os que reprimem se

destacam e compõem as elites da sociedade e os reprimidos permanecem alheios,

compondo as esferas mais baixas.

Diante disso, o pensamento de Paulo Freire vem contribuir para estabelecer

as relações entre todas as discussões até então expostas. Este autor contribuiu

com suas idéias acerca do diálogo como libertação, como encontro dos homens

para ser mais. (FREIRE, 1987). O diálogo liberta o corpo por fazendo-o sujeito

capaz de sentir-se participante ativo na construção do mundo. Segundo Freire

(1987, p. 81), “o homem dialógico, que é crítico, sabe que, se o poder de fazer, de

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criar, de transformar, é um poder dos homens, sabe também que podem eles, em

situação concreta, alienados, ter este poder prejudicado.”

Esta possibilidade de fazer, transformar e criar pode constituir-se a partir de

sua conscientização, de sua luta pela liberdade. Sua busca por unir sempre teoria,

valores e prática, nos instigou a relacionar o corpo neste cenário. Assim, o corpo

dócil de Foucault que, na fenomenologia de Merleau-Ponty, ganhou em aspectos

expressivos e perceptivos, agora caminha em busca de sua libertação pela

conscientização através da ação dialógica e educativa.

Corpo este pertencente sempre a uma determinada cultura, conceito este

muito valorizado por Freire em seus Círculos de Cultura, pois ele buscou sempre

esclarecer o analfabeto este conceito, distinguido dois mundos: o da natureza e o

da cultura. Este trabalho freqüentemente era realizado com a utilização de

imagens. A arte se fazia presente neste momento, aguçando os sentidos dos

educandos, auxiliando na construção de significados, na leitura do mundo por uma

obra de arte Ao aprender a ler o mundo através deste diálogo com a arte, os

educandos podem expressar-se por meio da palavra criadora de cultura,

abandonando assim a educação bancária, fortemente criticada por Freire.

Ao fazer a leitura da obra de arte, cada educando criava em sua mente uma

série de pensamentos de acordo com seu repertório pessoal e sua maneira de

viver.

O poder de abstração dos educandos, ao apreciar e fazer a leitura das

imagens, revelou uma capacidade de estabelecer e produzir uma rede de

interpretações muito complexa. Ou seja, a arte usada em favor de uma

funcionalidade pedagógica, mas, ao mesmo tempo, desenvolvendo o olhar

sensível. Dessa maneira, é importante retornar ao pensamento de Merleau-Ponty,

quando afirma que o olhar deve buscar maneiras diferentes de ver o mesmo

objeto. O artista tem o privilégio de ver as coisas com a liberdade que a arte lhe

proporciona, libertando-se de regras e ordem impostas. O corpo sensível à arte

está aberto ao mundo, e nele pode realizar seus sonhos.

A ação dialógica fazendo a ponte entre a arte e a expressão artística a

partir da sua relação com a educação, torna-se mais desafiadora ao resgatar as

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idéias do educador tcheco, do século XVII, Joan Amos Comenius. Sua produção

cientifica possibilitou relacionar tudo que até então fora tratado e nos auxiliou a

refletir sobre as idéias de Paulo Freire, a arte e o corpo no contexto pedagógico.

Encontramos diversas semelhanças entre o pensamento pedagógico desses dois

educadores. Destacamos aqui a grande importância que Comenius deu ao uso de

imagens em seu livro Orbis Sensualium Pictus, ou o Mundo Sensível por meio das

Imagens, destaca a sensibilidade presente nas imagens, que levará o educando a

sensibilizar-se para o mundo em que vive. Carregadas de sentido existencial,

estas imagens apresentavam o mundo para aqueles que nele viviam. E, a reflexão

sobre o corpo apresentou-se de forma instigante, pois já no início do livro notamos

que não há posturas de superioridade do mestre em relação ao educando. Isso já

demonstra que, conscientemente ou não, houve uma preocupação com o que o

corpo comunica por meio de suas posições. Muitas das imagens também sugerem

o corpo em movimento, ou seja, indo totalmente contra o que temos atualmente

nas escolas, onde as crianças permanecem praticamente imobilizadas em suas

carteiras, em filas. Tudo isso, assemelha-se às fichas utilizadas por Freire,

encomendadas por ele ao artista Francisco Brenand, por reconhecer sua peculiar

maneira de pintar e esculpir. Freire, copiando Comenius, valorizou muito o uso das

vias sensoriais para favorecer o processo de aprendizagem, propondo uma

educação dialógica.

Portanto, a arte como expressão da liberdade pode encontrar no corpo sua

expressão genuína, no ímpeto de libertar os corpos interditados de ser, que por

imposições de outros, tornaram-se incapazes de agir, expressar-se naturalmente.

Corpos dóceis, sem conscientização da sua situação de opressão podem, por

meio de uma educação problematizadora, humanizar-se, transformando o

oprimido em sujeito ativo no mundo em que vive. É o corpo em movimento,

atuando a partir e por meio da arte, em favor de uma ação pedagógica libertadora.

Concluímos nossa pesquisa com essas reflexões, mas acreditamos que ela

não termina aqui, as descobertas e apontamentos nela descritos abrem inúmeras

possibilidades de caminhos a serem trilhados, visto que o espírito crítico,

questionador e criador sempre acompanha o investigador.

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ANEXO A - LISTA FOTOGRÁFICA DAS PINTURAS

:: Série Paulo Freire

Total de Obras obras| 10

SériePaulo Freire

1 2

3 4

5 6

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[Lista fotográfica das Pinturas]Série

Paulo Freire

7

8

9 10

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