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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE LETRAS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS AS CRIANÇAS CONTAM AS HISTÓRIAS: AS CRIANÇAS CONTAM AS HISTÓRIAS: os horizontes dos leitores de diferentes os horizontes dos leitores de diferentes classes sociais classes sociais Diógenes Buenos Aires de Carvalho Diógenes Buenos Aires de Carvalho Prof. Dr. Vera Teixeira de Aguiar Orientadora Data da Defesa: 10/01/2001 Instituição depositária:

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO … · Web viewCARDOSO, Rosane Maria. Os heróis de sempre para os leitores de hoje: uma conceituação da narrativa infantil. Dissertação

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE LETRAS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

AS CRIANÇAS CONTAM AS HISTÓRIAS:AS CRIANÇAS CONTAM AS HISTÓRIAS:os horizontes dos leitores de diferentesos horizontes dos leitores de diferentes

classes sociaisclasses sociais

Diógenes Buenos Aires de CarvalhoDiógenes Buenos Aires de Carvalho

Prof. Dr. Vera Teixeira de AguiarOrientadora

Data da Defesa: 10/01/2001

Instituição depositária:Biblioteca Central Irmão José Otão

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Porto Alegre(RS), dezembro de 2000.

À minha mãe, Darci Buenos Aires de CarvalhoDarci Buenos Aires de Carvalho,

personagem matriz e motriz da tessitura da minha história.

Ao meu pai, Hipólito Severo de CarvalhoHipólito Severo de Carvalho,

a ausência/presença.

Aos meus irmãos, Helder, Helder, HérbertHérbert

e Adriana, Adriana,personagens importantes que, de modos distintos, contribuem para a

tessitura de minha história.

À Isabela,Isabela, Bruno,Bruno,

Hérbert JúniorHérbert Júnior e Maria ClaraMaria Clara,

minhas personagens e leitores infantis mais do que prediletos.

À Algemira de Macedo MendesAlgemira de Macedo Mendes, amiga que sempre acreditou, incentivou e apoiou a minha trajetória

profissional.

Às crianças de Teresina – Piauícrianças de Teresina – Piauí,que materializaram a pesquisa com seus horizontes de leitura.

AGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOS

À Profa. Dr. Vera Teixeira de AguiarVera Teixeira de Aguiar, pelas palavras e pelos silêncios que materializaram a orientação

dessa dissertação.

Aos professores do programa, em especial,Luiz Antonio de Assis BrasilLuiz Antonio de Assis Brasil, , Solange Medina KetzerSolange Medina Ketzer, , MariaMaria

Luíza Ritzel RemédiosLuíza Ritzel Remédios,,Alice Therezinha Campos MoreiraAlice Therezinha Campos Moreira, , Dino Del Pino Dino Del Pino e e AntonioAntonio

HohlfeldtHohlfeldt,que, sob o sol forte de Teresina, contribuíram para a minha formação

acadêmica.

Às Profas. Dr. Ana Mariza Ribeiro Filipouski Ana Mariza Ribeiro Filipouski e DrDr. Alice. T.. Alice. T. Campos MoreiraCampos Moreira, pela leitura atenta e inteligente da dissertação

que tornou a sessão de defesa um momento de grande aprendizado.

À Coordenação do Curso de Pós-Graduação em Letras da PUCRS,na pessoa da Profa. Dr. Regina ZilbermanRegina Zilberman, pela competência

demonstrada.

À Claudia de Los AngelesClaudia de Los Angeles e Mara NascimentoMara Nascimento, secretárias do pós-graduação, pela eficiência no atendimento

À Coordenação operacional do curso em Teresina, nas pessoas das Profas. Dr. Maria do Socorro Rios MagalhãesMaria do Socorro Rios Magalhães e e Dr. MariaMaria

Auxiliadora Ferreira LimaAuxiliadora Ferreira Lima,pelo esforço em torná-lo realidade.

À Janice BatistaJanice Batista, pela amizade e pelo apoio durante o curso.

À CAPESCAPES, pelo financiamento do Projeto de Mestrado Interinstitucional em Letras.

À Universidade Federal do PiauíUniversidade Federal do Piauí, pela iniciativa em destinar vagas à comunidade, que possibilitou o meu ingresso no programa

de pós-graduação.

Ao Tribunal de Justiça do PiauíTribunal de Justiça do Piauí, pela concessão de bolsa de estudos a fim de concluir o curso de mestrado.

À Profa. Áurea Maria Sampaio SoteroÁurea Maria Sampaio Sotero, diretora da Escola Municipal Moací Madeira Campos, por ter permitido e colocado à

minha disposição a escola para realização da pesquisa.

Às Profas. Ana D’arc Lopes dos Reis Ana D’arc Lopes dos Reis e Lucia Abreu Pereira Lucia Abreu Pereira, da Escola Municipal Moací Madeira Campos, por terem aberto o espaço de suas salas de aula a fim de que a pesquisa fosse concretizada.

À Profa. Ms. Waldília Neiva Moura Santos CordeiroWaldília Neiva Moura Santos Cordeiro, diretora da Escola Notre Dame, que imbuída do espírito de pesquisadora,

permitiu e colocou à minha disposição a sua escola para a realização da pesquisa.

À Profa. Elizabel Nogueira RodriguesElizabel Nogueira Rodrigues, do Colégio Notre Dame, por ter aberto o espaço da sua sala de aula a fim de que a pesquisa fosse

concretizada.

À Márcia EvelinMárcia Evelin, bibliotecária do Colégio Notre Dame, pelas informações dadas.

À Eliânia Neves de MoraesEliânia Neves de Moraes, amiga e “anjo da guarda” em Porto Alegre, por tudo.

À Só FernandesSó Fernandes, pelo carinho e apoio dedicados.

À amiga Maria Lídia NoronhaMaria Lídia Noronha,pelo carinho e, principalmente, pela companhia mais do que

adequada para a exploração do melhor da literatura dessa cidade chamada Porto Alegre.

À Elô Almeida, Celizinha Bello e Lanei BelloElô Almeida, Celizinha Bello e Lanei Bello, amigas gaúchas, pelo apoio e afeto.

À Profa. Dr. Maria do Socorro Rios MagalhãesMaria do Socorro Rios Magalhães, pelo incentivo durante o curso.

À Profa. Dr. Leiva de Figueiredo Viana LealLeiva de Figueiredo Viana Leal,por mediar a possibilidade de ter Vera Teixeira de AguiarVera Teixeira de Aguiar como

orientadora.

À Frieda Barco Frieda Barco e Mairin Piva Mairin Piva, pela amizade e tradução do resumo.

Aos colegas do curso e amigos,Antonio JoséAntonio José, , Joselita IzabelJoselita Izabel, , Márcia EdleneMárcia Edlene, , Maria LídiaMaria Lídia

NoronhaNoronha,, Celestina Mendes, Celestina Mendes, Sylvia Clark, Solange LeopoldinoSylvia Clark, Solange Leopoldino e e

Zuleide FreitasZuleide Freitas,pela convivência amiga e salutar durante o curso.

À Profa. Geloesse FreitasGeloesse Freitas, pelo apoio constante.

Ao Benselmo BragaBenselmo Braga e Valdália Buenos AiresValdália Buenos Aires, pelo carinho e apoio.

À Bárbara Ramos, Claire Anne Viana, Cléa Mara Coutinho,Bárbara Ramos, Claire Anne Viana, Cléa Mara Coutinho, Clézia Coutinho, Francisca Oliveira, Jackie Andrade, JorgeClézia Coutinho, Francisca Oliveira, Jackie Andrade, Jorge

Cavalcante, Marinalva Santana, Cavalcante, Marinalva Santana, Martone Pontes, Régia Vitória Feitosa e Silvana Calixto,Martone Pontes, Régia Vitória Feitosa e Silvana Calixto,

amigos piauienses, que, com interesse e afeto, acompanharam a construção desse trabalho.

SUMÁRIOSUMÁRIO

RESUMO...............................................................................................

07

RESUMÉ................................................................................................

08

ABSTRACT.............................................................................................

09

INTRODUÇÃO......................................................................................

10

1 A LITERATURA INFANTIL E OS HORIZONTES DE LEITURA...............

19

1.1 A literatura na perspectiva do leitor.................................................

19

1.2 O livro literário no contexto social...................................................

27

1.3 A especificidade da narrativa literária infantil...................................

37

1.4 A tessitura das histórias: metodologia da pesquisa...........................

47

2 O TEXTO LITERÁRIO ATRAVÉS DA RECEPÇÃO INFANTIL.................

58

2.1 A construção das personagens.......................................................

58

2.2 A apresentação e desenvolvimento do conflito.................................

82

2.3 A representação do tempo.............................................................

91

2.4 A representação do espaço............................................................

99

3 O MUNDO ATRAVÉS DA VISÃO DA CRIANÇA...............................

110

3.1 O lugar da criança enquanto narrador............................................

110

3.2 O lugar da criança enquanto sujeito sociohistórico..........................

130

CONCLUSÃO.......................................................................................

141

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................

154

ANEXOS...............................................................................................

160

ANEXO 1: Roteiro de entrevista com professores e bibliotecário.................

161

ANEXO 2: Ficha de análise das narrativas infantis....................................

163

ANEXO 3: Ficha bibliográfica.................................................................

166

ANEXO 4: Narrativas produzidas pelas crianças de classe social desfavorecida....

168

ANEXO 5: Narrativas produzidas pelas crianças de classe social favorecida.........

183

CURRICULUM VITAE..............................................................................

199

RESUMORESUMO

Os estudos teóricos sobre a literatura infantil ainda são incipientes quanto à preocupação com a voz da criança enquanto receptor do texto literário. Em vista disso, o propósito dessa dissertação é materializar a voz do pequeno leitor a partir da investigação dos horizontes de leitura de crianças de diferentes classes sociais em contexto escolar, o que implica explicitar as normas literárias e sociais constantes nas histórias literárias infantis que correspondem às suas expectativas. Para tanto, realizou-se uma pesquisa de campo junto a duas escolas de Teresina – Piauí, a fim de coletar o corpus de análise, constituído por 24 (vinte e quatro) narrativas infantis reproduzidas de textos literários lidos ou conhecidos, por alunos com idades de 10 e 11 anos, da 4ª série do ensino fundamental. A análise dos textos tem como suporte teórico a Estética da Recepção, de Hans Robert Jauss e a Teoria da Narrativa Infantil, com auxílio da Sociologia da Leitura nas perspectivas de Robert Escarpit, Arnold Hauser e Pierre Bourdieu, visto que a reprodução/produção das histórias ocorreu em contexto escolar específico, o que acarreta levar em consideração as condições de produção/recepção da escrita e a variável nível socioeconômico como interferentes na configuração textual. Os resultados obtidos revelam que o horizonte de expectativas das crianças de ambas as camadas sociais ainda é marcado pelo modelo do conto tradicional. Todavia, a ruptura desse modelo é realizada pelos leitores mirins de classe social favorecida. A situação delineada leva a perceber, portanto, a influência dos mediadores sociais como a escola e a família. Assim, a pesquisa

serve para abrir espaços para os estudos que busquem dar voz ao leitor infantil, contribuindo para o alargamento do conhecimento sobre o processo de recepção do texto literário, considerando os agentes que dele fazem parte.

ABSTRACTABSTRACT 

The theoretical studies about childish literature are still incipient in relation to the preocupation with the child's voice as a receptor of the literary text. Considering this fact, the aim of this dissertation is to materilize the voice of the little reader through the investigation of the reading horizons of different social class children in school context. It implies in showing the literary and social rules in literary childish  stories corresponding to the children's expectations. Therefore, it was done a field research in two schools in Teresina - Piauí, in order to collect the corpus to the analysis, which contains 24 ( twenty four ) childish narratives reproduced from read or known literary texts, by students with ages from 10 to 11 years old, at the forth grade of elementary school. The analysis of the texts has as theoretical support the Aestethic of Reception, by Hans Robert Jauss and the Theory of Childish Narrative, besides the Sociology of Reading in the perspectives of Robert Escarpit, Arnold Hauser and Pierre Boudieu, since the reproduction/production of the stories was done in specific school context, considering the variants: reading production/reception conditions and the social-economic level  as modifiers of the textual configuration. The obtained results show that the children's horizon of expectation of both social layers is

still marked by the traditional short story. Nevertheless, the ruption of this model is done by readers from better social classes.  The outlined situation shows, therefore, the influence of social mediators as school and family. Besides the obtained results, this research also opens spaces to studies that search for giving voice to the childish reader, contributing for expanding the knowledge about the process of reception of the literary text, considering the social agents belonging to it. 

RÉSUMÉRÉSUMÉ

Les études theóriques sur la littérature destinée aux enfants sont encore peu importantes par rapport à un souci avec la parole de l’enfant tant que récepteur du texte littéraire. Ainsi, le but de cette dissertation est celui de rendre la parole du petit lecteur à partir d’une enquête sur les perspectives de lecture des enfants de différents classes sociales dans le contexte de l’école. Alors, une explicitation des règles littéraires et sociales presentes dans lês histoires enfantines qui correspondent à l’expectative de ces enfants s’impose. Pour atteindre le but de ce travail on a poursuivi une enquête dans deux écoles de Teresina – Piauí à fin d’obtenir le corpus de cette analyse. Ce corpus comprend 24 (vingt-quatre) textes reproduits à partir de textes littéraires lus ou connus para des élèves à l’âge de 10 et 11 ans pris dans des classes de 4 eme de l enseignemente fondamental. L’analyse des textes a comme support théorique L’Esthétique de la Réception, de Hans Robert Jauss et la Théorie de la Narrative Enfantine, ainsi que la Sociologie de la Lecture selon les idées de Robert Escarpit, Arnold Hauser e Pierre Bourdieu, une fois que la réproduction/production des histoires ont eu lieu dans un contexte

scolaire spécifique. Cette situation force la considerátion des conditions de production/réception d l’escriture et de la variablel socioéconomique comme interférents dans la configuration textuel. Les résultats obtenus revèlent que l’horizont des expectatives des enfants des deux couches sociales analysées est encore guidé par le modéle du conte pour enfantin traditionnel. Cependant, la rupture de ce modèle est faite par les petits lecteurs de la classe sociale plus favorisèe. La situation dessinée mène, alors, á la perception de l’influence des médiateurs sociaux tels que l’école el la famille. De cette façon, la recherche sert à ouvrir des espaces à des études qui veuillent ceder la parole au petit lecteur, em contribuant à l’élargissement des connaissances sur le processus de réception du texte littéraire, sans oublier les agents sociaux inhérents.

INTRODUÇÃOINTRODUÇÃO

Os estudos sobre a literatura infantil no Brasil podem ser caracterizados, inicialmente, por sua natureza histórica, como, por exemplo, o trabalho pioneiro de Leonardo Arroyo, Literatura infantil brasileira1, que abrange do período colonial até a vasta produção de Monteiro Lobato, terminando o estudo em 1966. Na esteira desse trabalho, têm-se os livros Panorama histórico da literatura infantil/juvenil,2 de Nelly Novaes Coelho, que enfoca das 1 ARROYO, Leonardo. Literatura infantil brasileira. 10. ed. São Paulo:

Melhoramentos, 1990.(A 1ª edição data do ano de 1968)2 COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil/juvenil. 4. ed. rev. São Paulo: Ática, 1991. (Série Fundamentos, 88)

origens indo-européias até o Brasil na década de 80, Literatura infantil brasileira: história e histórias,3 das pesquisadoras Marisa Lajolo e Regina Zilberman, que inserem a literatura infantil no panorama da literatura brasileira, examinando suas relações com as instituições sociais e com a história da literatura, e A literatura infantil gaúcha: uma história possível,4 de Diana Maria Marchi, que traça a história de mais de cem anos da literatura infantil sul-rio-grandense na perspectiva do leitor.

No âmbito das questões teóricas, podem-se destacar, dentre outros, os livros Problemas da literatura infantil,5 de Cecília Meireles, A literatura infantil na escola,6 de Regina Zilberman, Literatura infantil: autoritarismo e emancipação,7 de Lígia Cadermatori Magalhães e Regina Zilberman, e Literatura infanto-juvenil: um gênero polêmico,8 organizado por Sônia Salomão Khedé, cuja abordagem levanta indagações no tocante à relação entre literatura geral e infantil, pedagogia e literatura infantil, o estatuto literário desse gênero e a correlação da literatura para

3 LAJOLO, Marisa, ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: história e histórias. 4. ed. São Paulo: Ática, 1988. (Série Fundamentos, 5) (A 1ª edição data do ano de 1984)

4 MARCHI, Diana Maria. A literatura infantil gaúcha: uma história possível. Porto Alegre: Universidade/UFRGS, 2000.

5 MEIRELES, Cecília. Problemas de literatura infantil. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. (A 1ª edição data do ano de 1951)

6 ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 10. ed. São Paulo: Global,1998. (Teses, 1)(A 1ª edição data do ano de 1981)

7 MAGALHÃES, Lígia Cadermatori, ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil: emancipação e autoritarismo. 3.ed. São Paulo: Ática, 1987. (Ensaios, 82) (A 1ª edição data do ano de 1982)

8 KHÉDE, Sônia Salomão. Literatura infanto-juvenil: um gênero polêmico. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986. (A 1ª edição data do ano de 1983)

crianças com diversos setores da cultura (biblioteconomia, crítica literária, psicologia e folclore).

Além desses dois enfoques, histórico e teórico, há a produção de estudos críticos que consideram os aspectos intrínsecos da obra literária para crianças, como, por exemplo, Literatura infantil sul-rio-grandense: a fantasia e o domínio do real,9 de Maria do Socorro Rios Magalhães, Literatura infantil brasileira da década de 70: a caminho da polifonia,10 de Ana Mariza Ribeiro Filipouski, Mímese e literatura infantil: a obra narrativa de Sérgio Caparelli,11de Claudia Luiza Caimi, Literatura infato-juvenil: seis autores, seis estudos,12 de Vera Maria Tietzman Silva, A representação da infância na narrativa infantil brasileira: 1919 a 1976,13 de Flávia Brocheto Ramos, Os heróis de sempre para os leitores de hoje: uma conceituação da narrativa infantil,14

de Rosane Maria Cardoso, A representação da criança na

9 8 MAGALHÃES, Maria do Socorro Rios. Literatura sul-rio-grandense: a fantasia e o domínio do real. Dissertação (Mestrado em Letras) - Instituto de Letras e Artes, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1980.

10 FILIPOUSKI, Ana Mariza Ribeiro. Literatura infantil brasileira na década de 70: a caminho da polifonia. Tese (Doutorado em Letras) - Instituto de Letras e Artes, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,1988.

11 CAIMI, Claudia Luiza. Mímese e literatura infantil: a obra narrativa de Sérgio Caparelli. Dissertação (Mestrado em Letras) - Instituto de Letras e Artes, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,1991.

12 SILVA, Vera Maria Tietzmann. Literatura infanto-juvenil: seis autores, seis estudos. Goiânia: UFG, 1994.

13 RAMOS, Flavia Brocheto. A representação da infância na narrativa infantil brasileira: 1919 a 1976. Dissertação (Mestrado em Letras) - Instituto de Letras e Artes, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,1994.

14 CARDOSO, Rosane Maria. Os heróis de sempre para os leitores de hoje: uma conceituação da narrativa infantil. Dissertação (Mestrado em Letras) - Instituto de Letras e Artes, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,1997.

linguagem literária de Lygia Bojunga Nunes,15 de Zila Letícia Goulart Pereira Rêgo, A representação da criança nos primórdios da literatura infantil sul-rio-grandense: 1882-1930,16 de Viviane Zanandrea. Esses trabalhos estão essencialmente centrados nas obras de diversos autores nacionais, como, por exemplo, Érico Veríssimo, Edy Lima, Lygia Bojunga Nunes, Henry Correia de Araújo, Wander Piroli, Clarice Lispector, Ana Maria Machado, Sérgio Caparelli, Stella Carr, Ruth Rocha, Marina Colassanti, Tales de Andrade, Monteiro Lobato, Maria José Dupré e Fernanda Lopes de Almeida.

Por caracterizar-se a partir do seu leitor, a literatura infantil também provocou a realização de trabalhos centrados nos interesses e hábitos de leitura das crianças e jovens, tais como: Leituras infantis,17 de Cecília Meireles, Crianças, jovens e literatura,18 de Nise Pires, Que livro indicar: interesses do leitor jovem,19 de Vera Teixeira de Aguiar, Hábitos de leitura e influência ambiental: pesquisa de campo,20 coordenado por Marli Mira

15 REGO, Zíla Letícia Goulart Pereira. A representação da criança na linguagem literária de Lygia Bojunga Nunes. Dissertação (Mestrado em Letras) - Instituto de Letras e Artes, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,1998.

16 ZANANDREA, Viviane. A representação da criança nos primórdios da literatura infantil sul-rio-grandense: 1882 a 1930. Dissertação (Mestrado em Letras) - Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,1999.

17 MEIRELES, Cecília. Leitura infantis. Rio de Janeiro, Departamento de Educação do Distrito Federal, 1944.

18 PIRES, Nise. Crianças, jovens e a literatura. Relatório de Pesquisa: literatura consumido pelos alunos de ensino de 1º grau do Município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: MEC/INEP/INL/FNLIJ, 1976.

19 AGUIAR, Vera Teixeira de. Que livro indicar? Interesses do leitor jovem. Porto Alegre: Mercado Aberto/IEL, 1979.

20 HOELTGEBAUM, Marli Mira (coord.). Hábitos de leitura e influência ambiental: pesquisa de campo. São Paulo: Associação Paulista de

Hoeltgebaum, Interesses e hábitos de leitura dos alunos de 1º grau maior de João Pessoa/PB,21 de Maria Helena Bezerra Cavalcanti Rockenbach, Guia de leitura para alunos de 1º e 2º graus,22 do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, Novos hábitos de leitura: pedagogia infanto-juvenil,23 de Elizabeth Marinheiro.

No entanto, a recepção do texto literário infantil pela criança ou jovem é ainda pouco explorada pelos estudiosos da literatura infantil, confirmando isso pela existência de um reduzido número de trabalhos nesse âmbito, podendo-se, no entanto, destacar Narrativa em criança e processos de leitura24, de Leonor Scliar Cabral, Comunicação literária na pré-escola: elementos históricos e ficcionais do ato narrativo,25 de Vera Teixeira de Aguiar, e Parâmetros curriculares e literatura: as personagens de que os alunos realmente gostam,26 de Maria Alice Faria.

Bibliotecários, 1981.21 ROCKENBACH, Maria Helena Bezerra Cavalcanti. Interesses e hábitos de

leitura dos alunos de 1º grau maior de João Pessoa/PB. Dissertação (Mestrado em Letras) - Instituto de Letras e Artes, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1988.

22 CENTRO DE PESQUISAS LITERÁRIAS/PUCRS. Guia de leitura para alunos de 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez; Brasília: INEP, 1989.

23 MARINHEIRO, Elizabeth. Novos hábitos de leitura: pedagogia infanto-juvenil. João Pessoa: Secretaria de Educação e Cultura, 1990.

24 CABRAL, Leonor Scliar. Narrativa em criança e os processos de leitura. Florianópolis: UFSC, 1983.

25 AGUIAR, Vera Teixeira de. Comunicação literária na pré-escola: elementos históricos e ficcionais do ato narrativo. Tese (Doutorado em Letras) - Instituto de Letras e Artes, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1988.

26 FARIA, Maria Alice. Parâmetros curriculares e literatura: as personagens de que os alunos realmente gostam. São Paulo: Contexto, 1999. (Coleção Repensando o ensino)

Os estudos teóricos, portanto, ainda são incipientes quanto à preocupação com a voz da criança enquanto receptor do texto literário. Em vista disso, o propósito desta dissertação é a investigação dos horizontes de leitura de crianças de diferentes classes sociais em contexto escolar, os quais serão analisados em narrativas infantis que reproduzem textos literários conhecidos, por alunos com idades de 10 e 11 anos, da 4ª série do ensino fundamental de Teresina, Estado do Piauí, sendo estudantes provenientes de uma escola pública municipal, que atende à classe social desfavorecida, e, outros, de uma escola particular, cuja clientela pertence à classe social favorecida, do ponto de vista socioeconômico.

A importância da pesquisa tem relação com o fato de que as investigações que tematizam a literatura infantil, em geral, como se observou anteriormente, estão centradas em questões de natureza histórica, teórica ou de crítica literária, deixando à margem o terceiro eixo do circuito literário: o leitor. Essa postura, de certo modo, também reforça a assimetria caracterizadora do estatuto da literatura para crianças, considerando-se que quase sempre somente a voz do adulto é “ouvida” como referência para a produção, análise e circulação das obras. Todavia, a voz da criança precisa ser levada em consideração para que se possa compreender o processo de recepção do texto literário infantil e, para, a partir de então, consolidar a formação dos leitores mirins mediada pela escola.

A materialização da voz do infante permite conhecer os seus horizontes de leitura, o que implica explicitar as normas

literárias e sociais constantes nas histórias literárias que correspondem às suas expectativas, visto que tais aspectos funcionam como referenciais responsáveis pela construção ou não da criança enquanto sujeito sociohistórico. Assim sendo, urge torná-la uma interlocutora com voz ativa, a fim de contribuir para o processo de formação do “leitor competente à luz da teoria da literatura”.27

Para se reconstruir os horizontes de expectativas de crianças oriundas de camadas sociais distintas, esta investigação pretende identificar e analisar as normas literárias e as concepções de mundo presentes nas narrativas infantis reproduzidas em ambiente escolar, considerando-se a variável nível socioeconômico. Como o espaço selecionado para a realização da pesquisa é um importante agente social para a democratização da cultura, cuja influência se manifesta na introjeção das referidas normas, faz-se premente perceber a influência da escola como mediadora da leitura literária numa sociedade estratificada como a brasileira.

A fundamentação teórica da análise está dimensionada a partir de três eixos. A estética da recepção, corrente teórica formulada por Hans Robert Jauss, possibilita a compreensão do processo de produção/recepção da obra literária a partir do leitor, sem, contudo, perder de vista os aspectos estéticos e sociais implicados no processo da leitura literária. Tal teoria mediante os seus conceitos básicos, como “recepção”, “horizonte de

27 AGUIAR , Vera Teixeira de. O leitor competente à luz da teoria da literatura. Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, 12:23-34, jan-mar,1996.

expectativas”, “distância estética” e “lógica da pergunta e da resposta”, oferece condições de se estabelecer os horizontes de leitura do receptor infantil. A sociologia da leitura permite compreender a recepção do texto literário pela criança num contexto social e escolar específicos, uma vez que se propõe a analisar o papel dos mediadores sociais da leitura literária, a partir dos pontos de vista de Robert Escarpit, Arnold Hauser e Pierre Bourdieu. A natureza estética dos textos reproduzidos pelas crianças acarreta uma análise embasada na teoria da narrativa infantil, via estudos realizados, entre outros, por Regina Zilberman, Vera Teixeira de Aguiar, Sônia Salomão Khedé e Bruno Bettelheim, haja vista que nela estão os elementos necessários para o entendimento do seu estatuto literário.

Para alcançar os objetivos pretendidos, desenvolveu-se uma pesquisa de campo, por ser aquela que melhor atinge o propósito delineado de refletir sobre a recepção do texto literário infantil. Assim, a voz do leitor infantil foi materializada pela reprodução/produção de histórias infantis, o que possibilitou analisar as marcas e/ou indícios presentes na escrita que levam à reconstituição do horizonte de expectativas da criança, considerando o nível socioeconômico e o contexto escolar, com base nos estudos teóricos sobre o assunto. A modalidade da pesquisa possibilitou a coleta do corpus de análise, o qual é constituído de 24(vinte e quatro) textos, sendo 12 (doze) narrativas infantis reproduzidas por crianças de classe social desfavorecida e 12 (doze) de classe social favorecida.

O corpus da investigação contempla o leitor de narrativas literárias de uma faixa etária (10 e 11 anos) que possui, no mínimo, quatros anos de escolaridade, o que implica estar exposto formalmente a um conjunto de textos literários oferecidos pela escola, bem como apresenta uma habilidade de escrita mais elaborada que permite uma melhor visualização dos elementos a serem analisados nas histórias. Além disso, propicia condições para se perceber as convergências e divergências dos horizontes de leitura de diferentes classes sociais, a fim de fornecer dados que caracterizem tais horizontes a partir da variável nível socioeconômico.

Utilizaram-se como instrumentos de pesquisa a entrevista com os professores-regentes e bibliotecário das escolas selecionadas, em que se levantaram dados referentes à prática da leitura literária, necessários à interpretação das narrativas infantis; a ficha de análise das narrativas infantis, enfocando as normas literárias e as concepções de mundo, fundamentada nos pressupostos teóricos já mencionados; a ficha escolar fornecida pelas escolas, que contém informações indicadoras do nível social dos alunos; e a ficha bibliográfica dos livros reproduzidos pelas crianças constantes nos acervos literários das escolas.

Ressalta-se que os modelos dos referidos instrumentos fazem parte dos anexos, bem como os textos que compõem o corpus da pesquisa, os quais se apresentam na forma original, mesmo se reconhecendo a presença de problemas de linguagem, próprios da faixa-etária, os quais, no entanto, não inviabilizam a leitura. Pretendeu-se, assim, valorizar a materialidade da

expressão dos alunos, que possibilitaram, via escrita, a constituição do objeto dessa pesquisa, isto é, dos horizontes de expectativas do leitor infantil.

Dessa forma, a dissertação apresenta uma estrutura composta por três capítulos, em que os elementos analisados nos textos são constantemente cruzados com o suporte teórico. No primeiro capítulo, que se subdivide em quatro partes, apresenta-se uma revisão sobre os pressupostos que fundamentam a análise pretendida e o percurso metodológico realizado para a tessitura das histórias que compõem o corpus de análise. Assim, são expostos os conceitos básicos que constituem a literatura na perspectiva do leitor, o livro literário no contexto social, a especificidade da narrativa literária infantil e, por último, a metodologia da pesquisa.

No segundo capítulo, as normas do texto literário são descritas através da recepção infantil, as quais foram identificadas e analisadas a partir do modo como as crianças de diferentes classes sociais manifestam, na superfície do texto, a construção das personagens, a apresentação e desenvolvimento do conflito, a representação do tempo e do espaço. Os elementos selecionados pelos alunos-narradores, que dão forma a cada um dos itens explorados, denunciam o modelo de texto que lhes serve de referência.

O terceiro capítulo possui um caráter interpretativo, pois apresenta, a partir dos dados coletados, o lugar que a criança ocupa enquanto narrador, já que, ao realizar o processo a reprodução das histórias, é a responsável pela configuração do

texto, o que a leva a explicitar o seu posicionamento e suas escolhas, que se evidenciam nas marcas encontradas nas narrativas. À medida que o leitor infantil se constitui como narrador, ocupa seu lugar enquanto sujeito sociohistórico, uma vez que ele não apenas seleciona a forma do texto, mas também um conjunto de valores ou normas sociais de sua época.

Por último, na conclusão, recuperam-se todos os dados da pesquisa com vistas à configuração dos horizontes de leitura das crianças de diferentes classes sociais, avultando o papel desempenhado pela escola como mediadora da leitura literária. Assim, confirma-se a opção inicial do pesquisador em realizar o trabalho no âmbito escolar, dada a participação decisiva dessa instituição para a formação do leitor mirim.

Pretende-se, desse modo, que essa pesquisa, além dos resultados alcançados, abra espaço e aponte caminhos para a realização de novos estudos que busquem dar voz ao leitor infantil, contribuindo para o alargamento da compreensão do processo da recepção do texto literário, considerando-se os elementos relacionados ao contexto social em que essas “vozes” estão inseridas.