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1 POR ISSO LHE TRAÍ... Por Evandro SRocha (Rio de Janeiro RJ) (2014)

POR ISSO LHE TRAÍstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/5165515.pdf · 3 “Tal como o grosseiro substrato desta vista, as torres que se elevam para as nuvens, os palácios altivos,

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POR ISSO

LHE TRAÍ... Por Evandro SRocha

(Rio de Janeiro – RJ)

(2014)

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“Tal como o grosseiro substrato desta vista,

as torres que se elevam para as nuvens, os

palácios altivos, as igrejas majestosas, o

próprio globo imenso, com tudo o que

contém, hão de sumir-se, como se deu com

essa visão tênue, sem deixarem vestígio. Nós

somos feitos da matéria de que são feitos os

sonhos; nossa vida pequenina é cercada pelo

sono”.

A Tempestade, Ato IV – Cena I

William Shakespeare

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Em uma relação não há nada mais

importante que a troca de ideias - a tão

escassa comunicação - e o sexo. Um

relacionamento sobrevive a tudo, menos a

falta desses dois elementos. A

cumplicidade, o carinho, a atenção, a

comunicação e o entendimento dos medos

e anseios alheios são peças fundamentais

para que uma relação entre duas pessoas,

de qualquer sexo, perdure por muito

tempo. Quem não vai se identificar em

algum momento destas discussões? Você?

Duvido! Assim, apresentamos a vida de

MARCO AURÉLIO E SUZANA. Um casal

como qualquer outro. Com os mesmos

problemas de quaisquer outros casais. Eles

podem ser você.

Evandro SRocha

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Dedico esta obra ao Grande Arquiteto,

Meus filhos: Ruan Pablo e Cíntia Waleska

Minha esposa: Andréa Nunes de Lima,

Meus pais: Lourdes e Severino,

Meus irmãos e sobrinhos

E aos meus netos (no futuro)

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PERSONAGENS

MARCO AURÉLIO (marido de Suzana)

SUZANA (mulher de Marco Aurélio)

PORTEIRO (Srº CIDINHO)

ÉPOCA: ATUAL; LUGAR DA COMÉDIA: RIO

DE JANEIRO.

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(Cena vazia. Cenários simples, interior de

uma residência com um quarto, um

banheiro e uma sala. Atores tem total

liberdade de improvisação. Marco Aurélio e

Suzana chegam quase que ao mesmo tempo

em casa. Um tenta disfarçar ao outro o

constrangimento).

MARCO AURÉLIO – Suzana? Você tá em

casa? (sem resposta) Ainda bem, vou tomar

banho e tirar quaisquer vestígios. A Suzana

é esperta e eu não posso dar mole. Até

porque hoje eu dei duro pra aquela

thuthuquinha. Muito duro. Sou um

garanhão. Só não entendo porque a Suzana

não gosta de transar. Sempre com dor de

cabeça. Sempre cansada. Quer transar uma

vez por semana. Às vezes uma vez de

quinze em quinze. Há, pra mim não. Se não

for todo dia eu enlouqueço.

(Marco Aurélio entra no banheiro no

momento em que Suzana entra em casa)

SUZANA – Marco Aurélio?

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MARCO AURÉLIO – Oi Su. Tô no

banheiro. Chegou cedo hoje?

SUZANA (Pensando alto) - Droga ele

chegou primeiro. (Responde gritando) Tô

com um pouco de dor de cabeça e pedi para

sair mais cedo. E você, o que houve? Há

essa hora em casa? E tomando banho, você

não é disso amor. (Rindo e pra si mesma)

Não toma banho nem pra dormir.

(Suzana entra no quarto e começa a se

limpar com um lenço umedecido)

MARCO AURÉLIO (do banheiro) -

Hahaha, muito engraçadinha.

SUZANA - (falando sozinha) - Dor de

cabeça. Sempre funciona. Tenho que fingir

bem essa de hoje. Vai que ele se engraça e

quer transar. Tô toda ardida. Hoje foi uma

loucura. Que homem é aquele? Que bíceps?

Que tórax? Que barriguinha? Que coisa

enorme? Melhor para de falar que tá me

dando um suador. Se o Marco Aurélio fosse

assim. Forte, atlético, viril, limpinho e bem

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dotado, talvez eu não precisasse ir pra rua.

Tudo bem que ele quer todo dia, mas pra

trepar e virar pro lado depois de me inundar,

eu não aguento mais. Cinco minutos. Aí vou

eu para o banheiro me masturbar. Ah, se

não fosse meus brinquedinhos!

(Nesse momento Marco Antônio entra no

quarto)

MARCO ANTÔNIO – Quê?

SUZANA – Que o que?

MARCO AURÉLIO – Que você falou.

Brinquedinhos?

SUZANA – Brinquedinhos? Falei isso não.

MARCO AURÉLIO – Falou sim. (entrando

no quarto) Que brinquedinhos são esses?

SUZANA (Assustada) - Droga Marco! Quer

me matar de susto? E de raiva também?

MARCO AURÉLIO – Desconversa não.

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SUZANA - Todo molhado pela casa.

Passou sabonete pelo menos né?

(Marco Aurélio vai se se encostando com o

intuito de agarrá-la por trás).

MARCO AURÉLIO – Eu tenho um

brinquedinho aqui pra você.

SUZANA - Sai Marco Aurélio! Tô cheia de

dor de cabeça. E não estou com um mínimo

de vontade disso. Vou deitar e descansar.

Pega uma aspirina pra mim, vai. E

desencosta.

MARCO AURÉLIO (Se afastando) - Tá

bom. Foi mal. Isso nunca vai mudar mesmo

né? Sempre essa reação. Parece que eu dou

choque. Que eu tenho alguma doença. Que

você nunca me amou. Parece até que tem

ou...

SUZANA (Interrompendo) - Que tem ou...

O que? Cuidado para não começar uma

conversa sem volta. Você sempre com suas

insinuações. Parece isso, parece aquilo.

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Porque você não afirma suas suposições?

Do que você tem medo?

MARCO AURÉLIO – Ih, lá vem você com

essa conversa. Tenho medo de nada não.

Toma sua aspirina e vai dormir que teu mal

é sono.

(Marco Aurélio vai pra sala. Cena no quarto

com Suzana. Nesse momento as cenas vão

intercalando entre o quarto e a sala).

SUZANA (Sentada na cama falando para a

plateia) - Ai minha cabeça. Deve ser

castigo, minha cabeça começou a doer de

verdade. Sabe vez em quando eu tenho pena

do Marco Aurélio. Ele até que é um cara

legal. Tem uns defeitos, mas quem não tem?

Arrependo-me dos chifres que coloquei nele

esse tempo todo, mas sou insaciável e ele

não dá conta. Ficar a vida todo me matando

no banheiro com meus vibradores não é

minha intenção. Mas só me arrependo

quando chego em casa, porque na hora que

estou com aqueles meninos é uma loucura.

Ah esse calor!

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MARCO AURÉLIO (Sentado no sofá,

falando para a plateia) - Medo. Tenho medo

de porra nenhuma! Até porque sou homem

pra cacete. As vezes penso em parar de trair

a Suzana, mas eu preciso. Maior estresse.

Trabalho o dia inteiro e quando chego em

casa não tenho uma mulher pra me

satisfazer. Pra eu descarregar minha tensão.

Porra, homem precisa disso. Homem

precisa se sentir homem. E ela não entende

isso. Acho que nenhuma mulher entende um

homem. Eu até amo a Suzana, mas um casal

não vive só de amor.

SUZANA (Levanta e cai até a frente do

palco) – Mas eu confesso que já estou

cansada disso.

MARCO AURÉLIO (Levanta e vai até a

frente do palco) - Mas eu confesso que já

estou cansado disso tudo.

(Nesse momento as luzes se acendem em

todo palco e logo depois apagam por total)

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SUZANA (gritando) - Marco Aurélio, que

porra é essa!?

MARCO AURÉLIO – Sei lá. Acho que

faltou luz nessa merda.

SUZANA – É geral?

MARCO AURÉLIO – Sei lá se é geral. Vou

procurar uma vela.

SUZANA – Vê pela janela imbecil.

MARCO AURÉLIO – Vê você!

SUZANA - Você pagou a conta de luz né?

MARCO AURÉLIO – Paguei.

SUZANA - Da outra vez ficamos sem luz

por dois dias porque você esqueceu a conta

na sua pasta e não pagou. Você pagou desta

vez né?

(Marco Aurélio volta pra sala, com um

castiçal de três velas acesas na mão e põe na

mesa).

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MARCO AURÉLIO – Paguei sim! Paguei a

conta de luz, a de telefone, o cartão de

crédito, o seguro do carro, a taxa de

bombeiro, o IPTU, o IPVA, o INSS, o plano

de saúde, o plano funeral, o pedreiro, a

dívida da sua irmã no meu cartão, a dívida

do seu irmão com o agiota que eu, burro,

apresentei a ele, sua prestação da dona

Pinha, a prestação do guarda roupa, a

prestação da geladeira, a prestação do

fogão, o empréstimo que sua mão fez na

minha conta no banco, a puta que o pariu!

Afinal nessa casa quem é que paga as

contas? São trocentos carnês e boletos

bancários.

SUZANA – Ah, agora vai jogar tudo na

minha cara?

MARCO AURÉLIO – Não é isso, mas só

porque esqueci uma vez, uma porra de uma

conta de luz. Você não esquece essa merda

nunca? Vive jogando na minha cara.

SUZANA – Jogo mesmo, você faz a mesma

coisa comigo.

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MARCO AURÉLIO - Ah, vai pro cacete!

SUZANA – Oh!

MARCO AURÉLIO – Porra! Que merda!

Não vejo seu dinheiro em nada nessa casa.

E nem peço. Gaste seu dinheiro do jeito que

você quer. Com cabeleireiro, com manicure,

com roupas, sapatos, bolsas, com a merda

que você quiser. EU PAGUEI SIM. EU

PAGUEI A PORRA DA LUZ!

SUZANA (do quarto, ainda no escuro) –

Ah, ficou nervoso filhinho?

MARCO AURÉLIO – Tenho que ficar.

Você não esquece essa porra e vive jogando

na minha cara todo dia.

SUZANA – (sarcástica) Tadinho.

MARCO AURÉLIO – É isso mesmo.

SUZANA – Você queria o que? Dois dias

sem luz e estragando tudo na geladeira.

MARCO AURÉLIO – Esquece isso, já

passou. Depois eu comprei tudo outra vez,

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não comprei? E você ainda pediu dinheiro

pra comprar mais coisas porque a geladeira

ficou vazia.

SUZANA- E você quer que peça dinheiro a

quem? Tenho que pedir pra você mesmo.

Você é meu marido. Vou pedir pra outro na

rua?

MARCO AURÉLIO – O problema é que

você pensa que eu sou banco?

SUZANA – Ah, vai! Você sempre foi mão

de porco comigo.

MARCO AURÉLIO – Isso não é verdade.

Nunca deixei faltar nada nessa casa.

SUZANA – Eu não estou falando disso.

Isso é obrigação.

MARCO AURÉLIO – Obrigação?

SUZANA – É sim. Obrigação sua. Tirou-

me de casa do conforto dos meus pais.

Tinha tudo de bom e do melhor.

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MARCO AURÉLIO – E continuei dando

tudo de bom e do melhor para você.

SUZANA – Não estou falando de comida.

Se eu não trabalhasse, nem calcinha pra

vestir eu teria.

MARCO AURÉLIO – Deixa de drama

Suzana.

SUZANA – Drama? Você não me dava um

centavo. Eu tinha que pedir dinheiro a você

até para comprar absorvente.

MARCO AURÉLIO – Ah, mas pra isso eu

nunca te neguei.

SUZANA – Hipócrita! Muitas vezes usei

pedaço de pano porque tinha que esperar

você chegar pra pedir dinheiro e ir à

farmácia comprar meu absorvente.

MARCO AURÉLIO – Mas como eu ia

adivinhar que você ia “ficar de chico?”

SUZANA – Deixa de ser cínico Marco

Aurélio. Eu pedia antes de você trabalhar e

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você dizia que não tinha. Ligava e você não

trazia.

MARCO AURÉLIO – Como? Trazer

como?

SUZANA - Ah, porque o machão não podia

comprar pra mim. “Já viu homem comprar

modess? Tá maluca? Minha cara na

farmácia com um pacote de modess na mão.

Nunca!” (imitando voz de homem).

MARCO AURÉLIO – Não compro mesmo

não. Isso não é coisa de homem.

SUZANA - Ah, faça-me um favor! Pior

você que em toda discussão coloca minha

família no meio.

MARCO AURÉLIO – Ah, não gosta que

fale na familiazinha caloteira.

SUZANA – (ameaçadora) Marco Aurélio...

MARCO AURÉLIO – E eu estou

mentindo?

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SUZANA – Aí você não gosta que eu fale

nos teus irmãos invertidos e malucos.

MARCO AURÉLIO – Podem até ser, mas

não são caloteiros.

SUZANA – (impaciente) Ah, quer saber?

Chega!

(Suzana sai do quarto em direção a Marco

Aurélio, que nesse momento bate na mesa,

furioso e levanta-se em direção ao quarto)

MARCO AURÉLIO – Chega digo eu!

(A luz volta e os dois se trombam em frente

à porta do quarto. Suzana cai e Marco

desequilibra, mas se mantém de pé)

SUZANA (chorando) – Como podemos

chegar a esse ponto?

MARCO AURÉLIO – Não sei.

SUZANA - O que aconteceu com a gente?

MARCO AURÉLIO – Não sei.

SUZANA - Porque você mudou tanto?

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MARCO AURÉLIO – (espantado) Eu!?

SUZANA – É. Cadê aquele Marco Aurélio

que eu conheci quando nos casamos?

MARCO AURÉLIO – E eu, ainda procuro

a “minha” Suzana.

(Os dois entreolham-se por segundos até

que Marco Aurélio estende a mão para

ajuda-la a levantar-se, mas Suzana não

aceita a ajuda e levanta sozinha)

SUZANA – Não precisa. Quantas vezes eu

caí e você não estava aqui pra me ajudar!

MARCO AURÉLIO – (Angustiado) Eu

mudei tanto? E, você Suzana? Também

mudou, e muito.

SUZANA – Apesar de tudo eu ainda sou a

mesma.

MARCO AURÉLIO – Não. Não foi com

essa mulher que eu casei. Minha Suzana era

carinhosa, romântica, cuidava de mim.

SUZANA – E você não deu valor.

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MARCO AURÉLIO – Poxa! Hoje nem

comida em casa eu tenho. Eu almoço e janto

na rua. Até pra extravasar minhas

necessidades eu tenho que fazer na rua.

SUZANA (Com os olhos arregalados) O

que você disse Marco?

MARCO AURÉLIO – Eu disse? O que?

SUZANA - De que necessidades você está

falando? Você tá dizendo que tá me

traindo? Isso é uma confissão! E assim na

cara deslavada.

MARCO AURÉLIO – Eu não disse isso.

Disse?

SUZANA – Não desconversa. Foi isso que

você disse. Ou que quis dizer.

MARCO AURELIO – Ih, lá vem você

colocando palavras na minha boca outra

vez. Disse nada disso.

SUZANA - Pois bem, já que chegou a hora

da verdade, lá vai. Eu também busco

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“EXTRAVAZAR” minhas necessidades na

rua.

MARCO AURELIO – Hein? O que você tá

dizendo?

SUZANA - É isso mesmo! na rua! Você

entendeu. Não se faça mais de idiota que

você já é.

MARCO AURELIO – Taí. Eu, o corno da

rua. Quem diria. Ah, quanto tempo eu sou

corno?

SUZANA - Há muito tempo que tenho feito

isso. Hoje mesmo cheguei de um delicioso

“extravasar”. Satisfeito agora? É isso que

você queria ouvir quando fazia suas

insinuações? (Suzana não se segura e chora)

Droga! Pra que isso? Porque isso? E o

pior... O pior disso tudo... É que eu ainda te

amo!

(O silêncio se instala de repente enquanto os

dois se olham vazios. Os dois caem

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sentados no sofá, derrotados pelas palavras

proferidas)

MARCO AURÉLIO – Então, acabou né?

SUZANA – É... Agora, definitivamente.

MARCO AURÉLIO – Mas eu também te

amo.

SUZANA – Acho que ficamos muito tempo

sem dizer isso.

MARCO ARÉLIO – Mas você foi culpada

de tudo isso acontecer.

SUZANA – Eu?

MARCO AURELIO - Se tivesse me dado

mais carinho, mais atenção. Se tivesse

cuidado melhor de mim. Se não tivesse

arrumado esse emprego que toma todo seu

tempo. Espera aí. Então é por isso que você

dizia que estava trabalhando muito e que as

tarefas tomavam todo seu tempo. Com

quem você está me traindo?

SUZANA – E isso agora importa?

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MARCO AURÉLIO – É com algum amigo

meu? Alguém conhecido?

SUZANA – Não. Você não conhece

nenhum deles.

MARCO AURÉLIO – Deles! Mas que

piran...

SUZANA (interrompendo) – Ei, nem

continua! Porque eu te respeitei quando

escolhi não sair com ninguém que você

conhece. Muito menos com algum amigo

seu.

MARCO AURÉLIO – (levantando do sofá)

Me respeitou? Você me diz que transou

com vários! É o que então, freira?!

SUZANA – Não Marco Aurélio, mulher!

Eu sou apenas M-U-L-H-E-R. Que gosto de

sentir prazer. Que gosto de ter orgasmos.

Que gosto de pegada. E você ultimamente

não estava conseguindo me satisfazer. Ou

melhor, você ultimamente não estava nem

tentando me satisfazer. Você sequer me

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procurava. E quando procurava, era uma

foda de galo. Despejava seu leite dentro de

mim e virava pro lado, roncando, como um

porco que acabou de ter seu coito. E eu

ficava a ver navio. Com o corpo pegando

fogo. Com minha buceta encharcada de

tesão. E tinha que correr para o banheiro

para tomar banho frio ou me satisfazer com

isso, e isso, e isso e mais isso. (abre a gaveta

e joga seus consolos, vibradores e

brinquedinhos em cima de Marco Aurélio) e

depois chorava até meus olhos incharem.

Voltava para o quarto e você continuava lá,

dormindo, roncando e tomando toda a

cama. E eu tinha que mais uma noite dormir

neste sofá.

MARCO AURÉLIO – Mas... Eu sempre me

preocupei em lhe dar prazer. No começo

você gozava loucamente quando fazíamos

amor. Mas depois de um tempo parece que

você enjoou de mim.

SUZANA – Ah, agora quer ser a vítima!

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MARCO AURÉLIO – Não, isso não. Eu

não quero ser vítima. Mas depois do

ocorrido você me desprezou totalmente.

SUZANA – Depois do ocorrido! Que

ocorrido?

MARCO AURÉLIO – Da perda.

SUZANA – Agora você quer conversar

sobre a perda?

MARCO AURÉLIO – Eu tentei

SIZANA – Tentou? Você foi tão insensível

que sequer tentou me ajudar.

MARCO AURÉLIO – (entristecido) Isso...

Isso é cruel da sua parte.

SUZANA – Cruel? Você foi cruel!

MARCO AURÉLIO - Eu tentei te confortar

da perda sim, mas você se trancou no quarto

durante quatro dias e não queria falar com

ninguém. Você quase entrou em inanição.

Não quis comer, beber... Eu deixei até de

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trabalhar e fiquei sentado todos os dias na

porta do seu quarto.

SUZANA – A perda foi muito significativa

para mim. Eu sofri demais e... ainda sofro.

MARCO AURÉLIO – E você acha que eu

não sofri. Eu queria nosso filho tanto quanto

você. E continuei querendo ter um filho

com você, mas você...

SUZANA – Eu o que? Hein, Marco

Aurélio, eu o que?

MARCO AURÉLIO – Você desistiu. Não

quis mais tentar. E...

SUZANA – Essa sua insensibilidade que

nos afastou. Eu não queria, nem quero

passar por tudo aquilo outra vez.

MARCO AURÉLIO – Mas aquilo foi um

acidente. Uma fatalidade. O médico mesmo

disse que você poderia ter mais filhos.

SUZANA – Mas ele também disse que seria

arriscado. Você lembra?

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MARCO AURÉLIO – A vida é um risco

Suzana. Nós poderíamos ter tentado mais

uma ...

SUZANA – (interrompendo) Mais uma

vez? Nem mais uma, nem duas, nem nunca!

E vamos mudar de assunto que eu já sofri

demais por isso.

MARCO AURÉLIO – Desculpas, eu não

queria te entristecer.

SUZANA – Isso foi só o que você fez na

vida Marco Aurélio, me fazer sofrer.

MARCO AURÉLIO – Não seja injusta

Suzana. Será que em todos esses anos eu

nunca te fiz feliz? Nós tivemos tantos

momentos felizes. As fotos podem provar

isso. Pega nossas fotos.

SUZANA – Que fotos? Fotos... Isso é

passado. E nós estamos discutindo o

presente.

MARCO AURÉLIO – E o futuro.

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SUZANA – Futuro! Que futuro? Você acha

que ainda temos algum futuro? (incisiva)

Mas espera um pouco. Você mudou o

assunto pra tentar se defender, mas e você?

Com quantas já me traiu?

MARCO AURÉLIO – Quantas? Não sou

igual a você que me traiu com vários.

Apenas uma. Até hoje. Hoje mesmo.

SUZANA – Não é igual? Traiu-me da

mesma forma.

MARCO AURÉLIO – É igual, mas é

diferente.

SUZANA – Diferente? Diferente em que?

Poupe-me Marco Aurélio!

MARCO AURÉLIO – Diferente porque só

lhe trai para aplacar meus desejos.

SUZANA (debochando) Ah, que dó!

MARCO AURÉLIO – Você debocha, mas é

verdade. Não foi para lhe difamar de poste

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em poste feito um cachorro no cio. Foi num

momento de desespero e pura carência.

SIZANA – Tá me deixando com uma

peninha de você.

MARCO AURÉLIO – Porra Suzana! Você

se afastou de mim por mais de um mês. Eu

estava muito fragilizado e não resisti.

SUZANA – Aí vai dizer que sua safadeza é

culpa minha?

MARCO AURÉLIO – E é mesmo. Por isso

te traí.

SUZANA - Ah, então é por isso que a foda

comigo é sempre de galo né?

MARCO AURÉLIO – O quê?

SUZANA – De galo Marco Aurélio. “Vai

ser bom, não foi”. Entendeu?

MARCO AURÉLIO – Sei de nada não

Suzana.

SUZANA - E quem é ela?

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MARCO AURÉLIO – Ela?

SUZANA – Para de se fazer de tonto. Só

falta dizer que foi com alguma “amiga”

minha.

MARCO AURÉLIO – Amiga não.

Conhecida.

SUZANA - Fala quem é ela? Quem é a

vadia?

MARCO AURÉLIO – (fala baixinho) A

Sônia.

SUZANA – Quem? Fala alto Marco.

MARCO AURÉLIO – (entre os dentes) A

Sônia.

SUZANA – Que merda Marco Aurélio, fala

pra fora.

MARCO AURÉLIO – (gritando) A Sônia

porra!

SUZANA – Sônia, que Sônia é essa?

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MARCO AURÉLIO – A Sônia do Bar do

seu Armando.

SUZANA – (furiosa) Aquela vaca! E

quando eu passo ainda me cumprimenta.

Isso é sacanagem. Debaixo do meu nariz. E

ainda me trai com uma mulher de botequim,

feia pra cacete. Que golpe baixo. Você não

presta mesmo.

MARCO AURÉLIO – Ah, claro! Você é

muito melhor que eu. Só transou com não

sei quantos. Deve ter dado pra açougueiro,

padeiro, mecânico, pedreiro, cachaceiro...

Até pra mendigo você deve ter dado. (dá um

salto desesperado) Porra! Você usou

camisinha? Me passou AIDS! Caralho! Sua

Filha da puta!

SUZANA – Não começa com a baixaria. A

gente nunca falou palavrão um ao outro.

Isso foi um acordo entre nós, mas pelo jeito

isso acabou né... Até isso acabou.

MARCO AURÉLIO – Porra, que

sacanagem Suzana. E você quer que eu

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fique como? Que mané acordo. Só me diz

que você usou a porra da camisinha com

todos os seus amantes. Usou né?

SUZANA – Devia te deixar remoendo essa

dúvida, mas eu não sou tão má assim. Usei,

usei com todos.

MARCO AURÉLIO – E nunca estourou

nenhuma? Você conferia?

SUZANA – Não era preciso conferir.

MARCO AURÉLIO – Como não era

preciso? Isso pode ocorrer. Já aconteceu

com a gente, lembra?

SUZANA – (irritada) Essa conversa de

novo! Que merda!

MARCO AURELIO – Tá bom. Tá bom.

Mas, fala. Que são eles?

SUZANA – Profissionais do sexo.

MARCO AURELIO – Que porra é essa de

profissionais do sexo? Você pagava pra

trepar? Fundo do poço hein!

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SUZANA – Filho da puta. Fundo do poço é

o cacete. Eu ainda sou muito gostosa tá.

Vivo tomando cantada na rua. Até dos seus

amigos. Eu pagava para transar porque não

queria que fosse com ninguém conhecido.

Assim, transava e acabou. Não tinha

ninguém no meu pé.

MARCO AURELIO – Prefiro a “feia” do

bar que pagar pra ter prazer. Muito baixo de

sua parte.

SUZANA – (esnobando) Pode até ser. Mas

a foda é sempre boa. E não é de galo.

(neste momento a campanhia toca. Os dois

se calam e Marco vai abrir a porta)

MARCO AURELIO – (debochando) Ih,

agora. Será que é um de seus go go boys?

(Ao abrir a porta ele se depara com o

porteiro que traz correspondências)

MARCO AURELIO – Boa tarde seu

Cidinnho! Diz pra mim. O Senhor também

já comeu minha mulher?

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SUZANA – (gritando) Marco Aurelio! Que

porra você acha que tá fazendo?

PORTEIRO – Que isso seu marco? Eu

respeito muito a dona Suzana e ao senhor

também.

MARCO AURELIO – Ah, mas vai dizer

que quando ela passa na portaria o senhor

não olha pra bunda gostosa e redonda? Pode

falar seu Cidinho.

PORTEIRO – Deixa eu ir embora seu

Marco. Não estou gostando desta conversa.

MARCO AURÉLIO – Vai nada seu

Cidinho. Entra.

PORTEIRO – Seu Marcos, eu não tenho

nada haver com isso não. Respeito muito

dona Suzana. Assim como respeito todas as

mulheres aqui do prédio.

MARCO AURÉLIO – Sei que respeita.

Mas vai dizer que ela não é um avião. Olha

os peitões.

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PORTEIRO – O senhor quer me complicar

seu Marco.

MARCO AURÉLIO – Vai dizer que ela

nunca te chamou aqui em cima pra trocar

uma lâmpada e pow!

PORTEIRO – Gosto dessa prosa não seu

Marco. Me deixa eu ir...

SUZANA – Para com isso Marco!

MARCO AURELIO – Olha seu Cidinho.

Pena viu. Se o senhor tivesse tentado ela

tinha dado pra você também. Deu pra um

monte de muleque aí seu Cidinho.

SUZANA – (pegando as cartas da mão do

porteiro e fechando a porta) Obrigado seu

Cidinho. Desculpas. É que o Marco tá

maluco. Vai embora pra sua portaria vai.

MARCO AURELIO – Nem o seu Cidinho

quer te comer. Só pagando mesmo.

SUZANA – Você é mesmo um escroto

Marco.

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MARCO AURELIO – Claro. Você dá pra

um monte de michê e eu sou o escroto.

SUZANA – Idiota.

MARCO AURELIO – Vai ver sou mesmo.

Esse tempo todo sendo corneado e nem

percebi.

SUZANA – E eu também né.

MARCO AURELIO – Será que era mesmo

necessário chegarmos a este ponto?

SUZANA – Sei lá. Acho que os

acontecimentos e as necessidades foram nos

levando a isso.

MARCO AURELIO – Eu acho que nós

fomos nos degradando.

SUZANA – O que faltou?

MARCO AURELIO – Atenção...

SUZANA – Carinho...

MARCO AURELIO – Cumplicidade...

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SUZANA – Paciência...

MARCO AURELIO – Comunicação...

(Nesse momento a cena toma sentido de

flasback)

SUZANA – Tipo... “Olá Marco, como foi

dia?

MARCO AURELIO – Oi Su, foi pegado,

mas foi bom. E o seu?

SUZANA – Ah, foi produtivo.

MARCO AURELIO – Tá cansada? Quer

uma massagem?

SUZANA – Nossa você adivinhou. Quero

sim.

MARCO AURELIO – Mas só se você fizer

em mim depois.

SUZANA – Fazemos um no outro ao

mesmo tempo. O que você acha?

MARCO AURELIO – Uma delicia.

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SUZANA – Estou morrendo de calor. Vou

tomar um banho. Você vem?

MARCO AURELIO – Agora mesmo...

(A cena volta ao normal. Os dois se olham e

por um momento uma tristeza toma conta

dos dois)

SUZANA – Poxa, só faltava isso...

MARCO AURELIO – Tão simples né?

SUZANA – É...

MARCO AURELIO – O Que foi?

SUZANA – Nada não. Deixa pra lá.

MARCO AURELIO – Pode falar

SUZANA – É que...

MARCO AURELIO – Fala Su...

SUZANA – É isso.

MARCO AURELIO – O Que?

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SUZANA – Quando você me chamou de

“Su” me bateu uma saudade do tempo que a

gente se entendia.

MARCO AURELIO – Eu senti a mesma

coisa.

SUZANA – Mas isso não muda tudo o que

nós fizemos um ao outro né. E além de

tudo, as nossas diferenças só aumentaram.

MARCO AURELIO – É. Eu gosto de

cerveja.

SUZANA – E eu de vinho seco.

MARCO AURELIO – Eu adoro churrasco.

SUZANA – Ah, uma macarronada.

MARCO AURELIO – Filme de ação.

SUZANA – Terror.

MARCO AURELIO – Você morre de medo

de filme de terror.

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SUZANA – Morro nada. Eu fingia que

tinha medo somente para te agarrar um

pouco mais.

MARCO AURELIO – Eu gosto por cima.

SUZANA – E eu por baixo.

MARCO AURELIO – Conchinha

SUZANA – Cachorrinha

(os dois caem na gargalhada)

MARCO AURELIO – Mas até que nossas

diferenças nos unem de alguma forma.

SUZANA - É mesmo.

MARCO AURELIO – Pena que não deu

certo.

SUZANA – É mesmo.

(Os dois olham para as malas prontas entre

eles no meio do palco)

MARCO AURELIO – Bom. Malas prontas.

Acho que é hora das despedidas.

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SUZANA – (suspirando) Vamos refrescar a

cabeça e depois vamos ver como vamos

dividir as coisas.

MARCO AURELIO – (com a voz triste)

Adeus Su.

SUZANA – Adeus Marco.

(Se abraçam por um tempo)

MARCO AURELIO – “Su”. Ainda posso te

chamar assim né.

SUZANA – Claro Marco. Afinal, ainda

somos amigos.

MARCO AURELIO – Vou fazer uma

última confissão.

SUZANA – (Constrangida) Ah, Marco, não

piora o momento.

MARCO AURELIO – (rindo) Não é nada

do que você está pensando.

SUZANA – Tá bom vai. Fala.

MARCO AURELIO – Doce de abobora.

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SUZANA – O que é que tem doce de

abobora a ver com nossa despedida Marco?

MARCO AURELIO – Eu nunca gostei de

doce de abobora com coco. Eu disse que

gostava só para me aproximar de você. Eu

ouvi você dizer que fazia o melhor doce da

cidade. Foi a deixa.

SUZANA – (sorrindo) – Eu não fiz.

Comprei no mercado.

(Os dois se abraçam novamente às

gargalhadas. A luz apaga. Quando acende,

as malas estão no mesmo lugar. Penumbra

na cama do casal. Vê-se apenas os corpos se

movimentando.)

- FIM -

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