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Departamento de Artes e Design Programa de Pós-Graduação em Design
POR QUE CONTAR HISTÓRIAS? UM DIÁLOGO ENTRE AUTORES SOBRE NARRATIVA
por
Arthur Protasio, Claudia Bolshaw, Gabriel Cruz e Liliana Gutiérrez
2012.1
POR QUE CONTAR HISTÓRIAS? UM DIÁLOGO ENTRE AUTORES SOBRE NARRATIVA
por
Arthur Protasio, Claudia Bolshaw, Gabriel Cruz e Liliana Gutiérrez
Trabalho apresentado na conclusão do curso de Produção de Texto Interdisciplinar, ao fim do primeiro semestre de 2012 no programa de Pós-Graduação em Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
2012.1
Sumário
INTRODUÇÃO.................................................................................................04
CAPÍTULO I: Diálogos entre pontos de vista...............................................05
CAPÍTULO II: Dinâmica e análise de criação de histórias..........................16
CONCLUSÃO.....................................................................................................24
4
Introdução
A premissa deste trabalho é fundamentada na indagação “Por que
contar histórias?”. Entendendo que o ato de narrar não só é uma
característica inerente ao ser humano, mas também universal a todas as
civilizações, os integrantes do grupo decidiram abordar este tema de
interesse comum.
Nesse sentido, adotando a proposta de construir uma “colcha de
retalhos”, decidiu-se produzir material que fosse dotado de uma temática
unificadora, mas baseado em pontos de vistas diferentes. Assim, quatro
autores foram selecionados para promoverem um diálogo acerca da
discussão sobre a narrativa. As vozes de Paul Ricoeur, Christopher Vogler,
Jean-François Lyotard e Walter Benjamin foram articuladas a fim de
demonstrar as divergências e semelhanças entre as posturas de cada uma de
suas considerações.
A partir desse diálogo, foi construída uma história em quadrinhos
que atuou como ilustração dessa análise interdisciplinar. O exemplo de arte
sequencial foi apresentado em sala de aula e utilizado como atividade
estimulante para que, posteriormente, outros integrantes pudessem criar
suas próprias histórias.
Este artigo irá, portanto, descrever as posturas de cada um dos
autores selecionados em relação à discussão da narrativa, demonstrar como
suas opiniões interagem, como este diálogo se concretizou na forma de
história em quadrinhos e, por fim, qual foi a repercussão da dinâmica em
sala de aula.
5
Capítulo I
Quando ingressamos no mundo mágico e maravilhoso das artes
sequenciais, animações, histórias em quadrinhos, novelas, contos e aventuras
são apresentadas às regras mágicas de um roteiro. Portanto para escrever
este texto sobre narrativa vamos usar a técnica invertida, para gerar menos
expectativa e começar com os autores que já são autores de releituras dos
grandes autores que se encantaram com a narrativa.
Jamais chegaremos aos primórdios da narrativa, pois esta se torna tão
infinita quanto a própria história, mas sim começaremos por uma das
fórmulas mais utilizadas nos roteiros hollywoodianos das grandes indústrias
cinematográficas.
A Jornada do escritor – A Jornada do Herói.1
Primeiro ato
Mundo Comum
Chamado a Aventura
Recusa do Chamado
Encontro com o Mentor
Travessia do primeiro Limiar
Segundo ato
Testes, aliados, inimigos
1 VOGLER, Christopher. A Jornada do Escritor. Estruturas Míticas para Escritores. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 2006
6
Aproximação da Caverna Oculta
Provação
Recompensa
Terceiro Ato
Caminho de Volta
Ressurreição
Retorno com o elixir – o prêmio - vitória
Em seu Livro “A Jornada do Escritor” Christopher Vogler propõe
uma forma de contar histórias identificando elementos comuns a mitos,
obras literárias e cinematográficas.
Para desenvolver essa forma de contar histórias, Vogler faz um
estudo aprofundado do conceito da “Jornada do Herói” que vem da
Psicologia Junguiana e dos estudos míticos de Campbell.2
Segundo o autor, A Jornada do herói não é uma invenção. Ela nasce
de uma observação. “É o reconhecimento de um belo modelo, um conjunto
de princípios que governa a condução da vida e o mundo da narrativa do
mesmo modo que a Medicina e a Química governam o mundo físico.”
Muitos questionamentos sobre a obra foram feitas, mas Vogler
começa o Livro respondendo a cada uma delas. A primeira foi a questão do
formulismo que conduziria a rançosas repetições, que a arte deveria ser
inteiramente intuitiva e deveria estar longe de certas regras. Para o autor a
pessoa que segue esse caminho já está por si só seguindo uma regra (a de
não ter regras). E mesmo assim, a ideia da Jornada é pra servir “de forma e
2 CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo: Cultrix, 1992
7
não de fórmula”. É possível ser criativo utilizando a Jornada sem
necessariamente ser uma cópia padrão.
Podemos arriscar na afirmativa que ao reconhecer a matriz da
diversidade de universos onde a Jornada é identificada e aplicada, que sua
fonte primária foi a historiografia de Jesus Cristo, 3um dos principais heróis
da cultura ocidental, que passou pelo “chamado“ como primeiro mito da
sociedade ocidental, dos últimos 2.000 anos.
Tendo a estrutura similar de narrativa da Jornada do Escritor, do
Herói e de Jesus Cristo, podemos citar alguns exemplos da sua aplicação na
animação: “A era do gelo, 12 trabalhos de Hércules, Senhor dos Anéis,
Guerra nas Estrelas, O Rei Leão, A Nova Onda do Imperador, Bicicletas de
Belleville, Madagascar, Pocahontas, Robin Hood, A Bela e a Fera, Jasão e os
Argonautas, João e o pé de Feijão, Alice no País das Maravilhas, João e
Maria, os Vingadores, Chapeuzinho Vermelho, Mágico de Oz” e até o mais
recente filme da Aardaman” Piratas Pirados”.4
Vogler na Jornada do Escritor faz uma analogia ao habito de dirigir:
“È divertido dirigir um carro, mas também pode ser divertido ser um
passageiro, pois podemos ver mais paisagens do que se fôssemos obrigados
a nos concentrar na estrada.” Simples assim, a delicada arte de ser autor ou
consumidor de uma narrativa como um processo normal, cotidiano e
sagrado pode ser representado pela habilitação de conduzir um veículo
através de uma trajetória.
Depois das questões Vogler vai explicar as etapas da Jornada.
Primeiramente ele faz um pequeno retrospecto desde sua infância como 3 SILVEIRA, NISE.O Mundo das Imagens. Editora Ática. Rio de Janeiro, 1992. 4 Obras cinematográficas de Animação derivadas de histórias da tradição oral ou escrita.
8
leitor de histórias até se tornar um roteirista em Hollywood e esse ponto
segue até seu encontro com Campbell no livro o Herói de mil faces. Deste
ponto em diante ele passou a fazer um comparativo com as ideias do autor
e filmes como Guerra nas Estrelas e contatos imediatos de terceiro grau.
“As pessoas assistiam a esses filmes como se estivessem em busca de
uma experiência religiosa (...) porque refletiam os padrões universalmente
satisfatórios que Campbell encontrou nos mitos. Ou seja, eles tinham algo
que as pessoas precisavam.”
Mais a frente Vogler chama atenção que os estudos de Campbell
correm em paralelo com o estudo dos arquétipos de Jung, que são
personagens ou energias que se repetem constantemente nos sonhos das
pessoas e nos mitos de todas as culturas. Para Jung esses arquétipos refletem
diferentes aspectos da psique humana e suas raízes mais profundas e
transmitidas através do Inconsciente coletivo.
Por se repetirem nos sonhos e na mitologia, esses personagens (o
jovem herói, o velho sábio, o transmorfo e o antagonista na sombra)
demonstram que esse tipo de história tem uma reverberação na psique do
produtor e do consumidor da narrativa, através dos Arquétipos.5
Essas histórias eternas e sempre inéditas são modelos de como
funciona a mente humana. Isso explica o poder universal delas. Por isso as
histórias que são construídas segundo o modelo da jornada do herói
exercem grande fascínio. Pois tratam de questões primordiais ao equilíbrio e
interação do homem com seu universo.
5 Os arquétipos de imagens primordiais, porque eles correspondem a temas mitológicos que reaparecem em contos e lendas populares de épocas e culturas diferentes.
9
Para conceituar estes exemplos de Campbell e Vogler, vamos
procurar o luxuoso auxilio de Walter Benjamin6, que partindo da premissa
da Criação de Universo e sua Narrativa encontra subsídios não apenas no
aspecto psicológico, mas também filosófico e religioso de maneira mais
abrangente e reflexiva.
O estudo da linguagem desenvolvido por Walter Benjamin está
focado na importância de compreender a Narrativa como valor da
experiência a formação do sujeito. Segundo o autor, o Ato de contar
histórias é uma troca de experiências, um diálogo no qual quem tem algo a
dizer enriquece o outro e vice-versa. No ensaio O Narrador - Benjamin
conduz nosso pensamento para a reflexão que “quando o homem perde a
sua capacidade de narrar é porque sua experiência foi abalada”.
Para entender o conceito de “experiência abalada” encontramos no
texto alguns indícios da fé de Benjamin do discurso como um ato sagrado,
como parte essencial da existência humana. Apesar da linguagem não ser
uma particularidade do homem, a linguagem e a narrativa do homem é
privilegiada, significativa das palavras. “As ideias se dão, de forma não
intencional, no ato nomeador, e têm de ser renovadas pela contemplação
filosófica.”
Para justificar a decadência da narrativa, Benjamin faz a seguinte
constatação: “Cada manhã recebemos notícias de todo o mundo. E, no
entanto, somos pobres em histórias surpreendentes. A razão é que os fatos
já nos chegam acompanhados de explicações.” Em outras palavras: quase
6 BENJAMIN, Walter. O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 1936. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 197-221.
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nada do que acontece está a serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço
da informação.
Assim, de modo triste e pessimista pode-se acreditar que nos tempos
atuais, pós-industrial e digital, que estamos fadados a viver sempre a deriva
das informações instantâneas, sem magia, sem rastro e sem reverberação.
É verdade a colocação de Benjamin de que a “informação só tem
valor no momento em que é nova. Ela só vive nesse momento, precisa
entregar-se inteiramente a ele e sem perda de tempo tem que se explicar
nele.”
A narrativa ao contrario da informação - possui suas forças e depois
de muito tempo ainda é capaz de se desenvolver, se renovar e encantar
gerações posteriores e distantes do núcleo onde foi gerada inicialmente. É
assim que este pensador defende a continuidade da narrativa em tempos
modernos, que há muito perdeu o hábito da tradição oral como gerador de
conhecimento.
Há diversas explicações para o motivo pelo qual o ser humano conta
histórias. Questiona-se qual seria essa razão para o cuidadoso tecer de
intrigas e o relatar de eventos e personagens, seja a partir de uma criação
fictícia ou histórica.
7Paul Ricoeur oferece uma dessas explicações. Em seu livro, Tempo e
Narrativa, o filósofo promove uma análise da relação entre o tempo e a
narração. Ao adotar a Poética de Aristóteles como um de seus principais
pilares de fundamentação, o autor discute as angústias do tempo,
apresentadas por Agostinho, para formular sua própria teoria.8
7 RICOUER, Paul. Tempo e narrativa (tomo I). São Paulo: Papirus, 1994. 8 RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa (tomo I). São Paulo: Papirus, 1994. p. 103
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Entende-se que a existência temporal do ser humano é uma angústia
vivida em função da quantidade diversa de eventos caóticos, isolados e que a
temporalidade se apresenta como uma condição fragmentada, dispersa ao
longo do passado, presente e futuro. Dessa forma, o tempo revela que há
uma prevalência da discordância.
A narrativa surge nesse cenário, contudo, como uma forma de
tranquilizar o ser humano quanto às suas feridas na passagem do tempo,
mas não se trata de uma solução. Trata-se de uma unidade de linguagem
capaz de conferir ordem e sentido ao estado de dissonância que é o “ser-no-
tempo”. Assim, a narrativa é identificada com uma forma de lidar com
eventos e fatos que possam não ter explicação e os imprime sentido por
intermédio da causalidade e da lógica. É uma reconciliação de sentido que
purificar o horror do incidente, que pode arruinar a concordância.
As palavras de Ricoeur evidenciam o poder das circunstâncias
temporais, que são maiores e inexplicáveis pelo homem. No entanto, a
narrativa também é utilizada desde as tragédias gregas como método de
trazer conformidade à temporalidade por meio da tessitura da intriga.
Entende-se por tessitura da intriga a atividade de agenciamento de fatos que
atua como mediadora, entre o mundo prático e o mundo do leitor, ao
organizar os fatos em uma totalidade inteligível (RICOEUR. 1994).
Crucial, portanto, para finalizar essa compreensão de que o ser
humano conta histórias porque ele se vale da narrativa para tentar sanar suas
angústias temporais, são os três tipos de mimese que Ricoeur identifica. Em
realidade, estes três tipos fazem alusão à mimese que Aristóteles reconhece
sempre como representação produtora.
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A mimese I – é o momento pré-narrativo, ou seja, o mundo prático
que antecede a narração. Contudo, para que este mundo prático seja
posteriormente representado, é necessário haver algum tipo de pré-
compreensão.
A partir da pré-compreensão da mimese 1, ocorre a mimese 2 que é a
tessitura da intriga propriamente dita. É neste momento que ocorre a
elaboração de uma trama que irá imprimir sentido aos fatos que
isoladamente não têm relevância.
Por fim, uma vez que a intriga é tecida, ela chega ao leitor. A leitura é
realizada e ocorre a recepção da narrativa que irá “refigurar” a intriga (da
mimese 2) com base na realidade pré-narrativa (mimese 1) do indivíduo.
Esse processo é a mimese 3 que, por sua vez, contribui para um processo
espiral de etapas em que o atual leitor poderá futuramente desenvolver uma
nova narrativa, a partir da mimese 2, para explicar os eventos que lhe
causem angústia diante da temporalidade.
Diante desta angústia indomável, o ser humano tem procurado
satisfazer as suas necessidades pessoais através do consumo, e assim não
estamos falando mais da narrativa como uma fonte de prazer, mas como
sua perversão estabelecida no capitalismo e nas suas possibilidades de
distribuição de conhecimento. Hoje podemos consumir histórias em nossos
aparelhos digitais, de modo que as mídias foram diversificadas e seu
consumo assimilado como valor agregado de nossa cultura.
Segundo Lyotard 9’O grande relato perdeu sua credibilidade... ’’ e assim
instalou-se um novo sistema das sociedades pós-industriais, onde a
9 LYOTARD, Jean-François. A Condição pós-moderna. 8 ed. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 2004.
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informação tem como finalidade a formulação de teorias produtivas e
tecnológicas, perdendo os discursos de legitimação -são os que fornecem
uma verdade- e terminando em relatos ou metanarrativas carentes de
verdade.
Mas, porque segundo Lyotard, a metanarrativa, ou melhor, os
grandes relatos têm perdido a sua credibilidade? No início a metanarrativa
‘’é um esquema de cultura global ou totalizante, que organiza e explica
conhecimentos e experiências’’. Voltando à interrogação, a metanarrativa ou
os grandes relatos estão destinados ao fracasso, porque a mesma cultura tem
evoluído e se concentram em uma pluralidade de verdades, o que sugere que
não há uma verdade forte, senão que têm impressões subjetivas sobre o que
é a verdade.
“O que é preciso para compreender as relações sociais, não é
somente uma teoria da comunicação, mas um jogo de linguagem, que inclua
a agonística em seus pressupostos”.
A partir deste pressuposto, Lyotard promove 3 regras para o jogo de
linguagens, que basicamente, mostra as relações entre destinador,
destinatário e o enunciado - tema de discussão:
1. As regras ou enunciados não têm legitimidade em si mesmos, mas
são validados pelo jogo entre destinador e destinatário.
2. Sem regras ou enunciados não há jogo, se mudar os enunciados é
outro jogo que começa.
3. Todo enunciado ou regra admite que falar entre destinador e
destinatário é combater e que os atos da linguagem são derivados de
uma agonística (ciência dos combates).
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Com estas regras o que Lyotard quer explicitar que o laço social é
feito de jogos de linguagem, isto é, que a partir dessas jogadas possam-se
gerar discursos e novos saberes, finalmente, o saber é uma combinação de
ideias de saber-fazer, saber-viver, saber dizer, saber-ouvir. O autor
basicamente distingue duas pragmáticas - maneiras de falar - na narrativa,
onde cada uma aplica os jogos de linguagem de forma diferente. As
pragmáticas são: Saber Narrativo e Saber Científico.
O Saber Narrativo refere-se aos relatos do costume, da tradição e o
saber popular. Os relatos de este saber – ocorrem através da linguagem
natural- podem determinar e definir o que se tem direito a dizer e fazer na
cultura e como eles mesmos são parte da cultura tem legitimidade. Os
primeiros filósofos chamaram este tipo de legitimação ‘’opinião’’.
O Saber Científico emerge da concepção clássica do saber, isto é, a
relação entre investigação e ensino. Aqui é preciso uma forte relação entre o
destinador, destinatário e enunciado, já que estas tensões são um tipo de
requisitos que regulam a aceitação do enunciado, até que ele torne-se
‘’ciência’’.
A solução científica para essa dificuldade é a observação de duas
coisas. A primeira é dialética, refere-se ao material que pode ser testado. A
segunda é metafísica, refere-se à essência do ser e a realidade. Finalmente,
para que aquele saber seja aceito na sua totalidade, é necessário o consenso
dos especialistas e a partir daí pode se ter uma legitimidade no saber
científico.
Porem, na conclusão de suas análises, Lyotard traduz o Saber como
aquilo que faz com que cada narrativa ou relato possa permanecer no
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espaço e no tempo, sem valorizar o que é transmitido como um saber
científico ou como um saber narrativo ou popular.
Sendo este o mesmo saber, considerado sagrado por Walter Benjamin
que simplesmente faz que o ser humano possa contar histórias desde seus
primórdios de maneira arquetípica e com sua expressão artista e criadora.
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Capítulo II
A história em quadrinhos criada pelo grupo atuou como ilustração do
diálogo dos conceitos apresentados no capítulo anterior. Destaque-se que
esse diálogo se deu tanto de maneira figurada, no plano da discussão e
conexão entre as fundamentações de cada autor, mas também de maneira
literal em meio ao enredo criado.
Com base em todos os pontos de vista apresentados, entendeu-se
que a melhor forma de articular as ideias apresentadas e demonstrar porque
o ser humano conta histórias, seria promover uma metalinguagem e utilizar
uma história (em formato de arte sequencial) para demonstrar essa
característica inerente ao ser humano.
No enredo criado, todos os quatro autores discutem suas ideias
enquanto estão sentados em uma mesa de bar e essa reunião atemporal
facilitou a criação de um cenário em que os autores poderiam articular seus
pensamentos sem necessariamente ter que de se preocuparem com um
possível e excessivo formalismo.
Além disso, foi por meio desta discussão que tantas interseções
puderam ser percebidas entre os posicionamentos dos autores. Por
exemplo, identificou-se uma proximidade muito grande entre a visão divina
que Benjamin apresenta quanto ao narrador e a proposta de tratamento da
ansiedade e “ferida do tempo” que Ricoeur atribui à narrativa. Ambos
encaram a narrativa ou o ser que produz a narrativa como uma espécie de
“solução divina” que irá amenizar a tormenta da “discordância” apresentada
por Agostinho.
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Por fim, vale destacar também que, ao final da história em
quadrinhos, um quinto personagem participa do diálogo. Este é Will Eisner
e sua entrada na história denota uma releitura contemporânea dos
questionamentos apresentados anteriormente.
Apresentação da HQ
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Em seguida à apresentação da história em quadrinhos para os alunos
em sala, uma dinâmica de criação de histórias foi proposta. Seu objetivo era
demonstrar a aplicação prática dos conceitos demonstrados e revelados a
partir do diálogo na arte sequencial.
Utilizando apenas um determinado número de recortes de
personagens aleatório, os grupos foram encarregados de construir novas e
breves histórias que fizessem uso dos recursos oferecidos. Quatro novas
histórias foram apresentadas e todas elas fizeram referência a um ou mais
conceitos dos autores. Em todas elas foi fácil identificar alguns dos passos
da Jornada do Escrito (A chamada, a recusa, o mentor, o retorno com o
elixir, a transformação). Já em três grupos específicos, a questão existencial
do caos e do drama temporal foi evidenciada pelo paralelo da história criada
com a atual vivência acadêmica de autores. (dando nomes de itens
acadêmicos aos personagens ou simplesmente fazendo um resumo da vida
acadêmica).
Em um dos grupos, a criação de personagens em um universo
fantástico onde o recurso da magia e da transformação exemplificou bem o
significado do narrador como uma figura sagrada, quase como um Deus que
cria seu próprio universo, mas sem deixar de utilizar a narrativa criada neste
universo fantástico para passar a mensagem a quem escutava atentamente à
história.
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Conclusão
Por que contar histórias? A indagação que iniciou este trabalho não
se esgota na conversa entre os autores, tampouco na experiência feita em
sala de aula. Para todo o grupo a troca de conhecimento entre os autores, a
construção da “colcha de retalhos” entre suas ideias serviu para demonstrar
uma pequena ponta de um iceberg. Cada um agora volta para suas
pesquisas. Ressuscitados, cada um retorna com seu elixir e todos preparados
para começar uma nova aventura. Afinal, toda boa história, acaba por
desencadear várias continuações.
E assim, a jornada continua.
Referências
• BENJAMIN, Walter. O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 1936. São Paulo: Brasiliense, 1994
• CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo: Cultrix, 1992
• LYOTARD, Jean-François. A Condição pós-moderna. 8 ed. Rio de Janeiro: Jose
Olympio, 2004.
• RICOUER, Paul. Tempo e narrativa (tomo I). São Paulo: Papirus, 1994.
• SILVEIRA, NISE.O Mundo das Imagens. Editora Ática. Rio de Janeiro, 1992.
• VOGLER, Christopher. A Jornada do Escritor. Estruturas Míticas para Escritores. Rio
de Janeiro. Nova Fronteira, 2006