Por Que o Cristianismo

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    Por que o cristianismo?

    Por Ivani de Araujo Medina

    Desde o sculo dezenove as pesquisa sobre a origem do cristianismo ganharam corpo,especialmente na Alemanha com os jovens hegelianos, alunos do filsofo Hegel, entreos quais dois nomes em especial obtiveram notoriedade: Karl Marx e Friedrich Engels.O primeiro foi fundador da doutrina do socialismo cientfico e o segundo o seu principalcolaborador. Porm havia um terceiro personagem chamado Bruno Bauer, filsofo,historiador e telogo alemo que foi amigo dos dois. A honestidade intelectual destetelogo levou-o a concluses estarrecedoras na poca. Estudando profundamente oNovo testamento, Bauer concluiu que o cristianismo surgiu mesmo no segundo sculo;no provinha diretamente do judasmo; Jesus Cristo era um mito; o contedo do NT eramais grego do que judeu e, portanto, a verso oficial do cristianismo palestino no sculoum era uma histria inventada.

    No sculo vinte, historiadores marxistas da antiga Unio das Repblicas SocialistasSoviticas se debruaram sobre o assunto. No entanto, o desejo de Engels de identificarde alguma maneira o nascente socialismo cientfico com um cristianismo supostamenteoriundo das classes sofredoras, influenciou ideologicamente aqueles historiadores. Elescriticavam outros que pensavam diferente, isto , que tendiam s concluses de Bauer econsideravam o cristianismo como procedente das classes altas e no como uma reao

    do povo escravo.

    O acadmico Viper publicou aps a guerra dois livros;O Nascimento daliteratura Crist, em 1946, eRoma e o cristianismo primitivo, em 1956. [...] No segundo, R.Viper, desenvolvendo idias de Bruno Bauer sobre a estreita ligao entre o cristianismo e aideologia do antigo mundo grego-romano e partindo da data da composio de alguns escritoscristos que ele mesmo, considera estes ltimos condicionados ideologia e ao estado deesprito dos meios dominantes no Imprio Romano, que conhecemos atravs das obras dosescritores latinos e gregos da Antiguidade.

    [...] Este historiador no aceita a idia de que o cristianismo nos seus comeos

    fosse a religio dos oprimidos; considera que ele refletia, desde o nascimento, os interesses dasclasses possuidoras, sem poder explicar de que maneira a ideologia crist pode aparecer derepente, quase que inteiramente elaborada.(LENTSMAN, 1963, p. 28 e 29)

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    Em resposta a Lentsman, eu diria que havia um volume de insatisfaes particulares eantigas a que viria desembocar no cristianismo. Os sistemas de ataque e defesa sopreparados antes. Por isso, aparentemente, a ideologia crist surgiu, na histria quecontam dela, quase que inteiramente elaborada, como diz o historiador. Aqui no Brasilpermanecemos um longo tempo sem acesso aos autores soviticos porque eramconsiderados subversivos. Algumas dessas obras foram traduzidas para o francs edepois para o portugus e publicadas em Portugal. A contingncia de uma circulaoclandestina no meio acadmico deixou o assunto fechado ou restrito a um grupoideolgico. Certa vez, conversando com uma vizinha de poltrona durante uma viagem,me declarei ateu. Ela olhou-me do alto da sua sabedoria com as sombra celhas crispadase desferiu: eu tambm j fui marxista! Foi difcil esconder meu sorriso de sarcasmo. Eununca fui marxista ou outra coisa que seja, jamais permiti que pensassem por mim.Admito simpatias, nunca converses, para mim, claro. o meu temperamento. Minhaspesquisas j haviam se iniciado na ocasio, mas resolvi mudar de assunto. Nem me

    lembro como aquela conversa comeou.

    Congratulo-me com o bom trabalho dos historiadores soviticos que em muitoultrapassaram, neste sentido, os historiadores do mundo capitalista. Todavia, dou-me aoluxo de observar de camarote as posturas ideolgicas por no abrir mo da minhaadmirao pela histria, porque ideologia alguma vale o que ela representa. Quando agente sabe o que procura, os livros acabam contando.

    [...] Apresentando o balano das pesquisas procedidas nesse domnio pelossbios soviticos, e propondo a ttulo preliminar novas solues, Covalev sustenta que aquesto da realidade histrica de Jesus no deve de modo algum figurar no primeiro plano dahistoriografia do cristianismo, e apela que todos os esforos sejam orientados em funo doesclarecimento das causas materiais, sociais e econmicas da apario da religio crist.[...](LENTSMAN, p. 29)

    Marx Engels

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    Bauer

    Concordo com S. Covalev (nome relevante da historiografia sovitica), alm do que aquesto do Jesus histrico, para muitos de ns, j est resolvida. Alis, h muito,Bruno Bauer havia colocado uma p de cal sobre este Jesus. Infelizmente, as conclusesdeste telogo incomum acabaram esquecidas pelo antagonismo das duas correntesideolgicas: a proletria marxista e a capitalista crist. evidente que o cristianismo nosurgiu de motivaes filosficas ou religiosas, a economia quem manda no mundo.

    Outros fatores agregados ou decorrentes dela precisam ser iluminados adequadamente.Portanto, me propus averiguar esses fatores que trouxeram o cristianismo ao mundoreal. Devo dizer que a minha percepo da realidade me aproximou intuitivamente maisdas concluses de Bauer do que das concluses de Engels, mesmo antes de tomarconhecimento da existncia dele. Ficou-me parecendo que a lenda crist acabouganhando sobrevida involuntariamente com o marxismo, que viu nesta lenda umaoportuna, mas enganosa, referncia histrica.

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    As muitas faces da histria

    Seria timo se a histria estivesse isenta de manipulaes e interesses ocultos, masinfelizmente no est. Desde o sculo quatro a histria vem sendo pressionada paratestemunhar o que ela nunca viu - o advento de Jesus de Nazar com a sua filosofia desalvao.

    A humanidade teria ento uma histria comum e uma direo nica: a vitriaromana e a salvao crist. A histria da salvao romano-crist rene tempo e eternidade,histria e Cristo. Foi uma idia absolutamente nova, que nem os judeus haviam chegado a

    formular, obcecados com a idia de um povo eleito. [...] Os eventos histricos erammanifestao de Deus, cuja vontade devia ser decifrada. O destino das naes, as lutas

    polticas se submetiam vontade divina. Essa idia nova criou uma histria nova a histriauniversal. (REIS, 2003, p. 19)

    A vitria do cristianismo continua sendo absurdamente tratada como um mistrio, atpara respaldar a pretenso sobrenatural, e muitos historiadores aceitam isso. Aqui voalguns exemplos nos quais o favorecimento ideolgico pretende intimidar os maisingnuos e menos experimentados no assunto.

    1. E eu prprio, numa polmica contra um desses amadores que contestam, com uma certafacilidade, a existncia de Jesus, me tinha proposto demonstrar que Descartes era tambm ummito todo ele criado pelos jesutas de La Flche, preocupados em fazer reclamo do seu colgio.(MARROU, s/d, 2a edio, p. 124)

    2. Como o dedicado rei mrtir espartano Agis, e o aristocrata mrtir romano Tibrio Graco,

    Jesus dedicara sua vida ao povo sem recorrer fora, nem mesmo para sua autodefesa. Mas aocontrrio desses dois grandes espritos representativos da ascendncia helnica, Jesus era filho

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    do proletariadofilho de um carpinteiro da aldeia do distrito da Galilia, na Celessriae seupovo era a humanidade toda.(TOYNBEE, 1983, p. 200)

    3. O principal alicerce da nova cultura foi a religio crist, cujo fundador, Jesus de Nazar,nasceu numa cidadezinha da Judia por volta do comeo da era crist e foi executado cerca detrinta anos depois, no reinado de Tibrio [...] Enquanto grande parte das outras religies

    giravam em torno de figuras imaginrias, criaturas de lendas grotescas, o cristianismo possuacomo fundador um indivduo histrico, de personalidade bem definida. (BURNS, 1979, 1volume, p. 256 e 259)

    4. Jesus, cuja religio deveria revolucionar o mundo, viveu ignorado de quase todos os seuscontemporneos. A sua histria apenas conhecida atravs da segunda parte da Bblia, o NovoTestamento, isto , a Nova Aliana; nele se encontram, em particular, quatro narraes davida de Jesus, chamadas Evangelhos: segundo So Mateus, So Marcos, So Lucas e So Joo.(ALBA, 1964, p.186)

    5. [...] Contudo, h poucos historiadores modernos que discordam da afirmao de que Jesusde fato existiu. Histrias que foram escritas aps a morte de Jesus (como as do historiador

    judeu Flvio Josefo, e dos historiadores romanos Tcito e Suetnio) contm breves comentriossobre ele. Jesus no um personagem de fico . (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2000,p. 153 e 154)

    Como outros colegas j se dedicaram a demonstrar a falsidade destas afirmaes, mesatisfao em dizer que o Jesus narrado pelos evangelhos no poderia ser apagado tocompletamente da memria afetiva do prprio povo. Isto no existe! Enganar possvelpela repetio no ensino, pela eliminao de documentos etc., mas impossvel se

    eliminar as evidncias histricas completamente. Os textos destes mesmos historiadoresesto repletos de informaes que facultaram e facultam outro entendimento.

    A mentira uma anomalia para a psique humana, tanto que possibilitou a inveno dopolgrafo, o popular detector de mentiras. A luta interior no permite a perfeio no atode se enganar com totalidade, do mesmo modo que as lembranas populares do Jesushistrico no poderiam serapagadas pelos judeus contrrios. Eles no teriam o poderde entrar de casa em casa numa vasta regio, fazer busca e apreenso de escritosrelacionados, proibirem as pessoas de se lembrarem dele e manifestarem taisrecordaes, e, principalmente, manter uma fiscalizao eficiente para que as ordens

    fossem cumpridas. Que segredo no escapou da lngua do povo? ridculo demais.

    O ntimo das pessoas estremece quando elas tentam enganar a si mesmas. Observe, porexemplo, que um debatedor ou interlocutor crente nunca se sente vontade no debatehistrico, logo apela para a filosofia ou desiste mesmo. A prpria histria a maiorprova disso.

    Em reao a uma interpretao demasiado bvia e ingenuamente histrica daSagrada Escritura, preferiu-se um outro conceito da Bblia que equivale a uma espcie de

    emigrao para dentro, isto , uma aplicao da Bblia prpria pessoa, f intima dohomem. Depois que se difundiu por toda parte o ceticismo histrico, baseado nas concluses do

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    mtodo histrico-formal, fechou-se por completo a porta de acesso ao Jesus histrico e ps-pascal. [...] Gerhard Ebeling v precisamente na continuidade o articulus stantis et cadentisEcclesiae, isto , o artigo do qual depende a Igreja ou sem o qual ela desaparece, quando diz:Se Jesus no existiu ou se a f nEle fosse um equivoco dos que acreditaram no Jesus histrico,destruir-se-ia toda a base da f crist. (LPPLE, 1973, p. 13 e 14)

    Professor Alfred Lplle, padre catlico, intelectual alemo e amigo do papa Bento XVI.

    Alis, como j havia advertido os futuros historiadores, um dos mais respeitadosespecialistas no assunto e um cristo ardoroso, ilustrssimo professor Henri IrneMarrou (1904-1977), da Sorbonne: O historiador no avana sozinho ao encontro do

    passado. Aborda-o como representante do seu grupo. (MARROU, s/d, 2a edio, p. 256)Porm, quem no pertence a grupo religioso algum, no tem com o que se preocupar. bom dizer que no meio destes historiadores existem telogos travestidos e telogos que

    se licenciaram em histria, pois teologia no cincia. No entanto, a totalidade dosrenomados historiadores ocidentais era mesmo crist e j percebemos o porqu. Umarealidade que para a sorte da boa informao aos poucos est mudando.

    A verdade histrica a mais ideolgica de todas as verdades cientficas [...] Ostermos de subjetivo e de objetivo j no significam nada de preciso desde o triunfo daconscincia aberta [...]. A verdade histrica no uma verdade subjetiva, mas sim umaverdade ideolgica, ligada a um conhecimento partidrio. (ARON cit. por Marrou, s/ data, p.269)

    Raymond Aron (1905-1983), importante socilogo francs de origem judaica, estavacoberto de razo quando afirmou isso. Os gregos so considerados os pais da histria equem j teve a oportunidade de ler alguns dos seus antigos historiadores pode bementender. Houve um momento em que a histria serviu mais como instrumento deconsagrao ao prprio povo, dos seus heris e dos seus grandes feitos. Os historiadoreshelensticos no se embaraavam com escrpulos: havia entre eles perigosos retricos eamantes do falso pattico, que tambm causaram vtimas em Roma. (AYMARD; AUBOYER,1974, Tomo II, 1 volume, p. 239) A funo propagandstica domstica era uma prticaantiga e nada havia de imoral nela. Moral significa costume um dos costumes daquelapoca era esse, entre muitos. Vale lembrar que as conquistas de Alexandre mudaram osmais antigos e austeros costumes helnicos. Apesar do discutido Herdoto, Tucdides(460-400 a.e.c), por exemplo, foi impecvel em Guerra do Peloponeso, da qualparticipou. O historiador judeu Flavio Josefo, que igualmente participou da guerra quenarra, nem sequer faz sombra ao brilhantismo deste consagrado historiador grego.

    Estudar o passado atribuio especial da histria, que parte

    literatura e parte cincia; no preciso dizer que os historiadores dessa pocainteressavam-se vivamente pelo passado, imediato ou remoto, dos prprios gregos e

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    dos chamados brbaros; tambm no ignoravam a histria da sua prpria poca. Inmeros autores, alguns dos quais participaram dos incidentes que descreveram,redigiram a histria do reino de Alexandre. As monarquias helensticas e as cidadesgregas, individualmente, tambm tiveram seus historigrafos.

    [...] os livros entraram nas casas particulares e nas famlias, o que promoveu o comrcio de livros e lanou os alicerces para os empreendimentoseditoriais. A ubiqidade dos livros na vida dos gregos helensticos claramente

    provada pelas descobertas de livros ou folhas esparsas nas casas particulares e nostmulos dos gregos que nas cidades ou mesmo nas aldeias do Egito. (ROSTOVTZEFF,1977, p. 295)

    O perodo helenstico se inicia com as conquistas alexandrinas (sculo IV) e se encerra,

    segundo a histria oficial, com o domnio romano (sculo II a.e.c.). Digo isto porque,para mim, o cristianismo a vitria parcial do ideal universal helenstico. SegundoPlutarco (46-119), historiador grego do perodo romano que viveu em Roma, eravontade de Alexandre tornar a terra habitvel sujeita mesma razo e todos os homenscidados do mesmo governo. Uma nica lei e um nico governo para o mundo. Segundo Toynbee, houve uma disputa entre as religies do perodo helenstico para verqual seria a religio oficial desse novo mundo, na qual a religio persa de Ahra-Mazdadespontava como forte candidata.

    Na confrontao da Grcia com o Oriente, provocada pela conquista deAlexandre, difcil medir o que o Oriente forneceu civilizao helenstica, por assim dizer,nada na literatura e na cincia, um pouco mais na arte e na filosofia, e quase tudo na religio.(LVQUE, 1967, p.160).

    Era este o propsito do ideal universal helenstico, unificar tudo. A concluso que adespeito da antiga seriedade helnica, plantar histrias no passado tornou-se algo trivial

    no perodo helenstico com reflexos no perodo sob o domnio romano, no qual se situao cristianismo. Desde o final do ltimo sculo, aqueles gregos escravizados e emdesgraa em Roma, ainda se nutriam do orgulho e das lembranas de um distante eglorioso passado, enquanto experimentavam aquilo que sempre submeteram a outros.Em momento algum da histria os gregos abriram mo do servio dos escravos.

    Claro que no existiu uma diviso to marcante e generalizada de estilos na literaturahistrica grega, entretanto, um ambiente literrio impressionista existiu nos primeirossculos da era comum, alimentado pela influncia religiosa oriental e a necessidade deescapismo. Procurava-se um efeito dramtico capaz de comover o leitor nessa literatura

    impressionista. Havia o interesse de se infundir conceitos filosfico-religiosos parasensibilizar o tradicionalismo romano e estimular um sentimento de congregao entre

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    os prprios escravos. O antigo individualismo grego de nada os servia naquelahumilhante situao, pelo contrrio. Precisavam mais do que nunca caminhar no sentidooposto. A legislao romana que regulava os escravos ainda guardava certa dureza dapoca da repblica. Se um escravo assassinasse o seu senhor, todos os servidores dacasa deveriam ser executados juntos, devida a uma pressuposta cumplicidade. Entenda-se que muitos senhores abastados de Roma possuam centenas de escravos, entrehomens, mulheres, idosos e crianas. Aqueles escravos anatolianos em risco haviamsido senhores de escravos na terra natal. L, haviam deixado parentes e amigossolidrios com a dor que os dilacerava.

    A eloqncia agonizava em favor da retrica, que reduzia a receitas tericas,artificialmente aplicadas a temas fictcios, o que fora constitudo por pesquisas e achados deuma arte a servio das convices apaixonadas. [...] Tal era o inevitvel preo dageneralizao de uma cultura mdia, ministrada pelo ensino e mal armada contra os efeitos

    brilhantes e fictcios, aptos a comover e seduzir. A partir do sculo III surgiria a eloqnciaasitica, uma vez cheia de nfase, outras segmentada, sempre artificial, seguindo o ritmomontono da escanso das clusulas mtricas. Voltou mais tarde, na poca do Imprio, imitao dos grandes modelos clssicos. Mas conquistara antes a admirao dos romanos [...]Efetivamente, quase um romance a obra de Evmero, que imaginava uma regio fabulosaonde se manifestara a lembrana da vida humana e real dos deuses gregos. Quase romances,tambm, so estas Maravilhas incrveis que transportaram o leitor para uma regio em que as

    palavras gelam no inverno, ou os Hiperbreosou os Egipcacos, todas obras mal conhecidas,de autores de segunda ordem, cujos ttulos bastam para nos fornecer uma idia da tendnciadominante. Desprovidas talvez de intriga romanesca, desambientavam o leitor, mesclando

    fico realidade; especulavam sobre seu cansao cotidiano e sobre seu desejo de evaso.(AYMARD; AUBOYER, Tomo I, segundo livro, 1958, p. 341 e 342)

    Foi nesse ambiente literrio que foram escritos os evangelhos como se livros histricosfossem. Certamente a histria de Jesus de Nazar foi plantada antes da guerraromano-judaica de 66-70/3, porque no final do conflito Jerusalm foi destruda eincendiada. Sendo assim, ficaria difcil se afirmar ou negar a sua existncia. Fosse euseu criador teria o cuidado de afastar o ministrio de Jesus em algumas dcadas doconflito (como foi feito) porque toda aquela regio, incluindo a Sria, esteve

    convulsionada e alguma notcia sobre Jesus, caso ele tivesse existido proximamente aguerra, deveria ter aparecido. Trs dcadas dariam uma boa margem de segurana parase inventar desculpas. Como o historiador judeu Flvio Josefo no fez qualquer menoa Jesus, elas foram providenciadas posteriormente com interpolaes no texto original.Quem fez pensou que estava ajudando, mas o efeito foi contrrio.

    EmRepblica, Plato, no seu governo idealizado, ofereceu sem imaginar um princpioorientador para um novo conceito religioso de governo e de histria; conceito que foioportunamente posto em prtica pelos gregos modernos. O neo-platonismo foi ogrande inspirador dos alicerces do cristianismo, com Flon de Alexandria, segundo

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    Bauer. Para um governo universal s mesmo uma histria universal: o governo tem odireito de mentir se o interesse pblico assim o exigir. Em particular, inculcar a mentira

    real que apresenta este admirvel mundo novo como uma ddiva divina. Em duas geraes,

    isto passaria a ser acreditado sem protestos, pelo menos pela plebe. S que o interesse noera pblico, mas impublicvel. Muito mais do que duas geraes se passaram e at hojea mentira real balana na corda bamba e muitos j pularam dela quando caram em si.

    Estudando, do ponto de vista da cincia histrica, o alcance de modificaes polticas eculturais que o Cristianismo ocasionou, certo que o historiador moderno pode, a rigor,reconhecer como legtima esta afirmao: O surgimento de Jesus de Nazar deve serconsiderado como uma curva decisiva da Histria. Ora, a afirmao teolgica que est na basedo sistema cronolgico cristo ultrapassa de muito a constatao segundo a qual oCristianismo trouxe mudanas histricas considerveis. O que vai mais alm, que a Teologiaafirma que a Histria, em seu conjunto, deve ser compreendida e julgada a partir desseacontecimento central. Constitui ele o sentido ltimo e o critrio de toda a Histria, tanto a que

    precedeu como a que segue. Esta pretenso histrica levantada em favor de curta atividade deum profeta galileu, que terminou supliciado sob um governador romano, est em flagrantecontradio com o princpio mesmo da Histria, segundo a concebe o historiador moderno.

    O cristianismo primitivo interessa-se realmente por uma srie de eventos de uma natureza todaespecial, sobrenatural, anteriores e posteriores ao ano 1 e que forma a histria bblica. Estetodo orgnico, relacionado com o referido acontecimento central, recebe dele seu sentido e,

    por extenso, o sentido de toda Histria iluminado por ele. Os primeiros cristos pretendemlanar um julgamento sem apelo sobre os dados da histria geral e sobre a totalidade dosacontecimentos do presente. A histria profana deixa pois de ser, para os cristos, profana.

    Assim vemos que o problema da histria bblica apresenta-se como um problema teolgico. De fato, esta histria s adquire sentido ao aproximar, interpretar e ligar os acontecimentos realidade histria de Jesus, quando Jesus de Nazar, realidade central da Histria, reconhecido como a revelao absoluta de Deus aos homens. Sem este ato de f, no somenteno se pode dar valor normativo histria bblica, mas esta ltima deve parecernecessariamente destituda de sentido. Inversamente mediante este ato de f, no pode havernorma fora da histria bblica, designada desde ento como histria da revelao e dasalvao. sobre este ponto que aparece a relao estreita que existe entre a revelao crist ea Histria; aqui que reside, em ltima anlise, o carter escandaloso que a concepo dotempo e da histria do cristianismo primitivo assume no somente para o historiador, mas paratodo pensamento moderno, incluso o pensamento teolgico. Deus revela-se de um modo todoespecial no seio de uma histria estritamente limitada, mas contnua, e nela opera, de um modo

    definitivo, a salvao. O pensador profano julga a Histria em nome de um princpio, deuma idia filosfica, fora da histria. O pensador cristo o faz em nome de um acontecimento

    particular, especfico, Jesus. A norma de julgamento da Histria tambm histrica.

    Parte da sntese de parte do livro de Oscar Cullmann, Christ et le Temps (De la chaux eNiestl S.A., Paris) sntese esta feita pelo Rev. Claude Labrunie.

    Oscar Cullmann (1902-1999), telogo alemo de tradio luterana.

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    Soldado grego

    A astcia da impotncia

    Um homem pequeno e muito magro pode vencer outro muito alto e muito forte? Numaluta corporal no, mas pela astcia sim. Alexandre Magno era de pequena estatura e

    seus exrcitos inferiores em nmero aos exrcitos persas. De longa data os gregosenfrentavam seus adversrios orientais com inferioridade numrica e quase sempre osvenciam. Claro que estou usando este subttulo no sentido figurado e logo voc vaientender o porqu.

    Em continuidade ao projeto do pai, Filipe II, Alexandre, conseguiu dar um ponto final aameaa militar e cultural do Imprio Persa. Com isso, acabou revolucionando o antigo eaustero modo de vida do perodo clssico. Oportunidades inimaginveis surgiram naadministrao e no comrcio dos pases conquistados. No Egito, por exemplo, aosnativos sobravam funes que os gregos rejeitavam, e foi assim que a sua culturaganhou o mundo e consolidou posies por mrito prprio. Com a consumao daqueda do Imprio Persa, em 325, depois que uma espantosa quantidade de riquezaacumulada naquele tesouro foi transformada em moeda corrente, a cultura grega nuncamais seria a mesma, de quando viviam com simplicidade pelo aprimoramento humano,pelas artes, pelo bem-estar comum, pela administrao pblica e pela guerra.

    Obedecendo sua natureza especifica, a cidade-estado criava a vida socialprpria. O governo podia passar da mo de um s homem para as mos de vrios, mas quando

    as condies eram fundamentalmente simples e homogenias as diferenas entre os modos devida e entre os modos de ver provvel que tenham sido mais em quantidade do que em

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    qualidade, consoante a extenso e o poder das classes mais abastadas. Nenhuma cidadeabrigava monarcas divinizados num isolamento misterioso nem mantinha sacerdotes cheios de

    privilgios numa casta abastada. A maior parte dos homens tinha interesses e objetivoscomuns. [...] Estes homens tinham tendncia para se comportarem uns para com os outroscomo iguais, porque todos tinham interesses e passados idnticos e, apesar da diferena denvel de vida, viviam duma maneira muito semelhante. Criados sempre em contato comrecproco e conhecendo as fraquezas e as manias dos vizinhos, desenvolviam muito a lealdadenas suas relaes sociais.(BOWRA, 1977, p. 23)

    O surgimento de uma burguesia rica, culta, influenciada pelo requinte e pelo luxo daadministrao persa e profundamente sugestionada com a troca de conhecimento com oOriente, mudaria o antigo modo de vida deles. O Imprio Persa era a mais bemorganizada, a mais populosa, a mais rica e conciliada estrutura poltica jamais erigida,compreendia a Prsia territorial, a sia Central, a sia Menor, a Mesopotmia, a Sria, a

    Palestina e o Egito. Nesse imprio luxuosssimo um cerimonial severo aterrorizava ossditos e tornava religioso o acatamento do rei. O seu domnio era quase sobrenatural.

    Na sala de audincias, a apadana, um quadrado de 43,50m de lado, teto construdo detoras de cedro sustentado por colunas de 1,60m de dimetro e 20,00m de altura, tudoricamente trabalhado e decorado com muitas cores, o rei tomava assento no seumaravilhoso trono com o brilho e a distncia dos simples mortais como aquelarepresentao exigia. Dessa maneira recebia os strapas (a administrao persa eradividida em satrapias onde esses vice-reis dispunham igualmente de cortes luxuosas)vestidos com seus elegantssimos trajes regionais, que se prostravam diante do trono

    antes da prestao de contas.O poder econmico impressiona, corrompe e destri qualquer modelo de sociedade.Algo semelhante aconteceria dos gregos para os romanos. Escavaes arqueolgicasdescobriram, principalmente na sia Menor, nas cidades de Mileto, Priene e Delos,inmeras residncias que se destacavam do tipo simples de moradia do perodo clssico.Ainda que as habitaes modestas predominassem, ao lado delas a casa helenstica se

    sobressaa como um novo estilo de vida de uma burguesia desejosa de bem-estar,conforto e luxo, dispondo de meios para alegrar sua existncia cotidiana (AYMARD;AUBOYER. 1958, tomo I, 2 livro, p. 302). s uma constatao histrica, eu tambm

    gosto de uma vida boa.

    Rei por vontade divina, mandatrio dos deuses de todos seus sditos,Dario I s era responsvel perante eles. Retomou dos faras do Egito e dos reis da Babilnia a noo do poder monrquico identificado com a justia. Apresentou-secomo defensor dos fracos, representante da ordem e guardio dos bens.

    Associou todos os povos do imprio ao seu governo e suaadministrao. O babilnio e o aramaico se tornaram, ao lado do iraniano, as lnguas

    oficiais do imprio. Em todas as satrapias do reino, os atos reais foram bilnges,redigidos ao mesmo tempo na lngua do pas e num dos idiomas oficias. O iraniano,

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    que no se escrevia, foi adaptado pelos escribas babilnios da chancelaria escritacuneiforme. Criaram-se escolas de escribas nas trs capitais, Susa, Babilnia eEcbtana, e na sede do governo de cada uma das vinte e duas satrapias, em que sedividiu administrativamente. Em cada uma das satrapias se instalaram um strapa, umchanceler encarregado de dirigir a polcia e um general comandante do exrcito; os

    trs independiam um dos outros e dependiam diretamente do rei. Agentes reaisitinerantes eram incumbidos de controlar-lhes a gesto.(PIRENNE, 1973,p. 51)

    O expansionismo militar grego alargou as fronteiras trazendo consigo a prpria culturasem que alguma resistncia cultural altura os contivesse. Existiu uma Sria, um Egito,uma Babilnia, uma ndia grega e uma Prsia grega. A rainha Clepatra, cujo romancecom o romano Jlio Csar ajudaria a mudar o mundo, era de origem grega e noegpcia. O sonho dela era transformar Cesrio, fruto desse romance, no futuro

    Alexandre que governaria um mundo novo, com o apoio de romanos e egpcios. Asconquistas alexandrinas propiciaram aos gregos um orgulho que eles ainda no haviamexperimentado: ver a prpria cultura mais vitoriosa ainda do que os prprios exrcitos,vitoriosa sobre o mundo conhecido. A vitria do aprimoramento da mente indo alm davitria da estratgia, da coragem e da fora do corpo. A vocao universalista da culturahelnica, que absorvia sem dificuldades o estrangeiro aclimatado, encontrou no perodohelenstico a possibilidade de expandir o ideal educacional da polis (cidade-estado) parao oikoumen (as terras habitadas, origem do termo ecumnico). No sem motivos, osgregos sentiram-se capacitados a liderar o progresso existencial da Humanidade.

    Todavia, grandes transformaes se impunham nesse caminho.

    Um aspecto contrastante entre a cultura dos gregos e a dos seus contemporneos eeternos adversrios persas se manifesta na atitude perante a lei. A autoridade dogovernante asitico se apoiava em leis consideradas divinas, entretanto os gregossabiam que as leis eram feitas pelos homens e para os homens. Se uma lei estivesse emdesacordo com a poca, podia ser mudada por interesse e consenso comuns. No entanto,o verso dessa moeda era que diferentes cidades possuam diferentes leis, e no existiaum rbitro entre essas cidades que pudesse resolver legalmente e pacificamente as

    disputas. No havia uma constituio que garantisse a estabilidade nacional nem ummecanismo para que fosse cumprida (RUSSEL, 1998, p. 54).Esse individualismo foi ogrande entrave unidade nacional dos Estados gregos, que facilitou sobremaneira osplanos embrionrios de unificao de Filipe II como o campeo do pan-helenismo. Omodelo de governo persa impressionou ainda mais a Alexandre pela fora do poderreligioso, pois, reza a lenda que a sua me, Olmpia, para aborrecer o marido, Filipe II,dizia criana que seu pai verdadeiro era Zeus. Dizem que o rapaz cresceu acreditandonisso.

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    A comparao entre o perodo clssico, o perodo helenstico e o perodo sob o domnioromano deixa pistas interessantes quanto transformao gradativa na maneira depensar e agir dos gregos ao longo da histria. Existem comparaes absolutamenteinadequadas quando se referem ao pensamento grego sem situar o perodo. Geralmente,se toma o perodo clssico como exemplo na formulao de teorias que se aplicam a umperodo ou aes de gregos diferentes. Uma camuflagem parte indesejvel da histria,para que nessa noite do conhecimento todos os gregos sejam pardos. Os atenienses eramdiferentes dos gregos asiticos e resistiram s transformaes. O macednio Alexandredeixou seus amigos inconformados com a sua capitulao moda persa. Nem todohelenstico era grego e nem todo grego helenstico. Grosso modo, Atenas representava oconservadorismo helnico e as monarquias helensticas o helenismo moderno. Ohistoriador alemo Droysen, ao referir-se cultura desenvolvida nas regiesconquistadas por Alexandre qualificou-as de helensticas, para distingui-las da culturaoriginal, ou helnica. A propsito, helenos era como os gregos se chamavam. Gregos,

    chamavam-nos os romanos.

    Quando se compara a moral grega com a crist verifica-se que h umadiferena radical entre ambas, mas que podem consagrar-se numa obra de plena realizaohumana. A moral grega baseia-se na noo de prpon, ou seja, um homem para ser um homem,e, portanto para viver como ser racional, tem o dever para consigo mesmo de ser belo aos

    prprios olhos e aos olhos dos outros, isto , deve procurar alcanar um alto nvel de vida

    moral que constitui a beleza por excelncia.A moral crist baseia-se na noo de pecado, de ofensa ou falta contra Deus e

    que por Ele punida, de modo que o temor de Deus, o temor do seu juzo e da sua punio,constitui a mola primordial dessa moral. Ora, podem conciliar-se perfeitamente os dois ideais,de forma que o objetivo natural e humano enaltecido pelos gregos seja coroado pela meta

    sobrenatural e pelo critrio evanglico da moral crist. (NUNES, 1978,p. 22)

    Tudo isso para no dizer que a moral crist tambm era grega. Constituda de elementosque faziam parte do volumoso acervo das antigas experincias helnicas, a dita moralcrist se distanciava da moral do perodo clssico apenas pelas implicaes do tempo edos rumos da histria. Os gregos acumulavam conhecimentos que compunham o acervomoral da humanidade. A biblioteca de Alexandria foi o maior exemplo dessa vocaodeles para a cincia, no sentido amplo do termo.

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    Xerxes

    Durante o perodo clssico, depois que as tentativas de Dario I (521-486) e do seusucessor Xerxes (486-465) falharam na inteno de estender o Imprio Persa at aGrcia continental, as relaes entre persas e gregos conheceram um perodo amistoso.A influncia persa sobre a poltica grega foi to grande, que parecia serem os persaseram os vencedores. Muitos gregos sentiram-se atrados pelas oportunidades deemprego naquele rico e fascinante imprio. No foi pequeno o nmero de gregos que seengajaram no servio militar e diplomtico do Imprio Persa. Os gregos absorviam comfacilidade conhecimentos novos por causa desse esprito aventureiro. Serviram de

    mercenrios no Egito e absorveram muito de l. A grega cidade de Tebas, que ousoutestar o pulso de Alexandre, recebeu este nome da Tebas egpcia. Acumularexperincias e conhecimentos era um hbito deles que se aprofundava por intermdio datradio marinheira, papel importante nas suas colonizaes. Vamos velejar um pouco.

    Nos sculos VII e VI os gregos anatolianos no mostraram o mnimo constrangimentoem aprender novos e mais requintados costumes com os seus vizinhos ldios. Nessapoca, o papel principal da vida civilizada era desempenhado pelos gregos da siaMenor. As tradies do Imprio Hitita haviam sobrevivido nos reinos da Frgia, Ldia e

    Lcia, dos quais a Ldia estava mais prxima dos gregos. Foram os ldios os principaiscivilizadores dos helenos (ROSTOVTZEFF, 1977, p. 134, 135, 136). Foi na siaMenor, onde estavam em constante contato com o Oriente, que os gregos encontraram ocaminho do progresso, remodelando o que recebiam e dando-lhe um carter novo.Desconheciam tradies e regras inalterveis, cada explicao no era mais do que oponto de partida para novos questionamentos. (ROSTOVTZEFF, p. 121) Essa faceta doesprito grego os acompanha indefinidamente na Histria. O grego era poeta e artista,apto para imaginar fbulas e formas cheias de encanto, de graa e vida. Era sbio efilsofo, inclinado a levar at a extrema audcia a reflexo sobre o universo, sobre a

    natureza e sobre si mesmo. Repartia-se entre uma tendncia racionalista, que o conduzias mais ousadas negaes, e uma tendncia mstica, que seu antigo e ininterrupto

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    contato com o Oriente sempre alimentara, mas qual a simbiose criada pela conquistade Alexandre atribua vigor especial (AYMARD; AUBOYER, 1974, t. II, p.). Entendoeste como um dos aspectos da maior importncia na compreenso do perfil daquelepovo extraordinrio.

    No inicio, os filsofos gregos no eram irreligiosos. Propuseram at versesnovas de idias tradicionais, pondo-as numa linguagem que todos pudessem compreender.

    Nisto foram absolutamente sinceros. Acreditavam que tinham alguma coisa a dizer, inspirada pelos deuses e que a sua misso era faz-lo com a maior urgncia e seriedade. Uma dasexigncias e uma das caractersticas desta misso era a procura da verdade atravs dainvestigao. A velha concepo que defendia serem os deuses os transmissores das verdadesatravs de revelaes, no foi totalmente banida, mas foi lentamente substituda pela convicode que os homens podem chegar, por si s, verdade. No era necessrio ser cientista parareconhecer que a verdade revelada nem sempre satisfaz em absoluto.(BOWRA, p. 256)

    Entre os grupos gregos que colonizaram a sia Menor, predominavam os jnios. Sobreos demais grupos, tinham estes a vantagem de reunir as qualidades dos outros e umanotvel variedade de aptides, gostos e idias, que tiveram no Oriente uma excelenteoportunidade de florescimento. As cidades da Jnia, alm de aprimorar a indstria e ocomrcio e estend-los Grcia continental e s demais colnias, produzia novasformas de arte e de pensamento (GIORDANI, 1972, p. 144). Mileto, como outrascidades da Jnia, passou por importante desenvolvimento econmico e poltico nossculos VII e VI. Mantinha boas relaes com a Ldia e o Egito, de onde tambmrecebeu influncias. A Ldia mantinha relaes culturais com a Babilnia, que detinhaconhecimentos avanados na matemtica e na astronomia. Foi em Mileto, no sculo VI,que surgiram os primeiros filsofos, como Tales e Anaximandro. Anaximandroafirmava que todas as coisas provinham de uma nica substncia primria, que erainfinita, eterna e sem idade. Havia um movimento eterno no qual se produziu a origemdos mundos. Estes foram evoluindo e constituindo a vida a partir da gua. O homem eos outros animais provinham dos peixes. (PIRENNE, p. 51)

    Na sia Menor entraram [os helenos] em contato com os descendentesde antigos colonos aqueanos e com populaes indgenas. Uma fertilssima fusocultural e racial se processou ento. Podemos avaliar a importncia desseacontecimento pela frase de Glotz: Sem a Grcia da sia, terra de experincias

    fecundas, a Grcia da Europa no teria sido a Grcia.(GIORDANI, p. 104)

    A influncia religiosa e cientfica babilnica preocupava-se mais com a prosperidadeneste mundo do que a felicidade no outro, se dedicava ao estudo das cincias dos deuses(verdadeiro significado do termo teologia), veio somar-se influncia egpcia de cunho

    mstico e sapiencial. Scrates e Plato foram uns dos que se influenciaram com asabedoria egpcia e buscaram uma moral universal. Plato traduziu filosoficamente as

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    concepes religiosas do Egito, onde Deus era a conscincia do mundo (no um serfsico), e as idias a verdadeira realidade.

    O maior centro de magia do Egito era provavelmente a cidade santa deHelipolis, a cidade do Sol ( altura do Cairo), onde se elaborava a mais antiga teologia. [...]. A maior parte dos sbios e dos filsofos gregos dirigiu-se a Helipolis para l recebercomunicao de uma parte dessa cincia acumulada durante sculos. Foi ali, nomeadamente,que Plato tomou conhecimento da lenda da Atlntida que fez correr tanta tinta e cujoverdadeiro significado ainda hoje nos desconhecido, e s pode ser deduzido dos textosegpcios. (JACQ, 2001, p. 1920).

    A concepo de um Deus nico tem sua origem a. O criador do monotesmo foi o faraAkenaton (Amen-hotep IV) que reinou de 1364 a 1347. Foi odiado por ter banido o

    culto aos deuses e os egpcios tentaram apagar seu nome da memria nacional. Instituiuo culto ao deus Aton, Aten ou Atum, uma divindade solar, e foi sacerdote emHelipolis. As guas do Nilo inundavam as terras e o calor e a luz do Sol criava a vidaem suas margens, propiciando a subsistncia daquele povo. Pois, foi a partir do neo-platonismo que o filsofo judeu Filon de Alexandria aproximou o judasmo das idiasgregas, no para criar objetivamente o cristianismo, como muitos chegaram a imaginar,mas numa tentativa de reduzir os atritos entre gregos e judeus em Alexandria; assuntoque trataremos mais adiante.

    Deuses do antigo Egito

    A influncia religiosa do Egito sobre os pases mediterrneos foi enorme entreo VI e o III sculos. Em toda parte, como no Egito, os cultos solares (que propendiam para omonotesmo) e os cultos agrrios (msticos) eram testemunhos da mesma tendncia para seconfundirem. S os judeus escaparam a essa evoluo mstica, apesar do imprio que aliteratura sapiencial egpcia exerceu sobre a Bblia. A influncia egpcia foi profunda tambm

    sobre os filsofos gregos da Jnia e at da Grande Grcia.

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    A crise do pensamento grego, que coincidiu com a crise da democracia gregano sculo V, afastou os filsofos gregos do espiritualismo egpcio, voltando-os para o atomismoe, portanto, para o materialismo e o ceticismo dos sofistas, de onde saiu o subjetivismo deProtgoras. Os sofistas, nessa poca, fizeram triunfar a liberdade do pensamento etransportaram o exame dos problemas polticos e filosficos para o plano universal. Scrates,Eurpedes, Tucdides procuraram o universal na moral, na arte dramtica e na histria.

    Esse universalismo, que ento se sobrelevava na elite intelectual de Atenas,antecipava-se opinio da massa do povo. Um abismo separava o racionalismo das classescultas do misticismo das classes populares. Coube a Plato aproximar os dois plos dacivilizao grega, reunindo, na mesma sntese, as concluses do pensamento religioso do Egitoe as do materialismo, e at do materialismo grego.

    Encontrando na teologia egpcia a sua metafsica idealista, que encara Deuscomo conscincia do mundo e faz das idias a verdadeira realidade, Plato construiu a teoriadas idias, identificou Deus com o conhecimento, o bem e a vida, e fez da bondade divina a

    transio entre Deus realidade suprema e o mundo criado em que ela se exprime. Platoaproveitou igualmente a concepo egpcia da criao e da alma. Concebendo a vida do alm

    como o retorno da alma a Deus, e a moral como prtica da harmonia, isto , da justia, Platono fazia outra coisa seno traduzir de forma filosfica as idias religiosas do Egito. Mas mstica egpcia ele adaptou o atomismo grego para explicar a natureza da matria.

    A sua viso do mundo lhe permite conciliar a mstica com a razo, isto , com acincia, e com a moral, isto , com a ao. Plato, cujas idias polticas, de fato, no refletiammais do que as concepes nacionalistas caducas das cidades gregas, realizava, emcompensao, no terreno da filosofia, uma sntese de todo o pensamento antigo. Exprimindo-ano idioma internacional do tempo, colocou-a ao alcance de todos, preparando assim o impulsoda civilizao comum dos povos mediterrneos na civilizao helenstica, que conquistaria oimprio que Alexandre estava prestes a reunir.(PIRENNE, p. 66 e 67).

    Trazendo o nosso veleiro de volta sia Menor; diferente das cidades litorneas gregas,onde a cultura, a indstria e o comrcio se desenvolviam vigorosamente, no interior,sobre vastos planaltos que se estendiam at o comeo da sia central, outra realidade seligava ao mundo helnico pelas estradas. L no havia cidades ricas e populosas, mas

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    imensas florestas, campinas cobertas de linho e trigo, pastagens e rebanhos. Eram osdomnios das antigas monarquias, apartados do desejo do saber e das demais influenciasda vida urbana. Hordas de gauleses imigrados no terceiro sculo e uma mistura defrgios e celtas acercavam-se de raas brbaras, rudes, incapazes de iniciativa, prontas aservir como escravas ou tomarem armas por ordem do soberano, venerando seussacerdotes e deuses. Uma mentalidade despida de qualquer esprito poltico e culturaintelectual, entregue a um misticismo grosseiro. (FERRERO, P. 141)

    Se nas cidades gregas haviam vagas a preencher, devido avareza prpria dapopulao urbana, ou se havia necessidade de braos, eram estes fornecidos pela Frigia, Ldia,o vasto reinado do Ponto e a Capadcia; os camponeses dessas regies no julgavam nemcruel nem vergonhoso ter filhos e vend-los aos mercadores de escravos, os quais os levavam

    para as cidades industriais que lutavam com a falta de homens .(FERRERO, P. 143)

    O culto da Deusa-Me, Didimene, conhecida tambm como Cibele, era uma religiomuito antiga, baseada no mistrio da procriao. Os sacerdotes desse culto submetiamas raas brbaras em proveito prprio com a prtica da prostituio sagrada oferecida smulheres, que deveriam deixar os honorrios dos seus servios para o templo, ficando,assim, sob a proteo divina. Ao mesmo tempo, exploravam o ascetismo e a castrao.Havia um corpo de sacerdotes eunucos que convidavam para as festas sangrentas todosaqueles que estivessem dispostos a sacrificar a prpria virilidade em honra Deusa.Essa imensa diversidade de costumes e religies da sia Menor incentivava um esforo

    obscuro, mas intenso, de unificao e sntese. Havia uma troca permanente entre ascidades gregas mediterrneas e as monarquias do planalto. Pelas estradas que levavam Prsia, as matrias primas como o linho, as peles, ls, madeiras, minerais chegavam aodestino, onde eram transformadas em produtos, e retornavam como mantas, peas demobilirio etc. As cortes dessas monarquias haviam adotado as modas gregas.(FERRERO, P. 142)

    O helenismo da sia havia perdido uma boa parte do seu esprito poltico e se deixara

    impregnar pelo esprito religioso local, em detrimento das antigas convices, que jno se prestavam a essa realidade promissora. A plebe obreira necessitava da suareligiosidade nativa; os gregos do trabalho dela. Em vista disso, as altas classescompostas por ricos negociantes no se importaram de trocar o antigo civismo peloenriquecimento dos cultos indgenas, consagrando aos deuses parte do tempo quedeveriam consagrar ao Estado. Acolheram os deuses indgenas nos seus suntuosostemplos, prestigiando a cultura dos pees da indstria e do comrcio, e suas festasfreqentes assumiram um lugar de destaque na vida pblica e particular dos gregosasiticos (FERRERO,P. 144)O no comparecimento a uma procisso era severamente

    repreendido. No por demonstrar pouca devoo ao divino, mas pelo fato de se furtarcom a obrigaopara com os interesses da sociedade a qual pertencia. O termo idiota

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    significa aquele que s se preocupa com os prprios interesses. Como tinham umcomrcio muito intenso, os interesses das cidades gregas da sia Menor iam muito almdos seus territrios. A ordem, a paz e a tranqilidade eram fundamentais nesse processoque o helenismo escolhera para cumprir seu plano de dominao econmica eintelectual sobre os outros povos. Depois das conquistas de Alexandre, o ouroacumulado nas cidades gregas da sia Menor deu-lhes luxo, estimulou as artes e asletras e aumentou a pompa das cerimnias religiosas. Dessa forma, as monarquiasimaginavam ter-se credenciando para levar adiante o ideal universal helenstico.

    Legionrio romano

    Depois que os rudes romanos conquistaram a Macednia, a Grcia e a sia Menor,alm dos horrores da guerra, o terror dos gregos teve prosseguimento na usura dosvencedores. Mais do que em Atenas, a rica e culta sociedade Greco-anatolianaexperimentou uma situao deplorvel. A explorao intensiva das cidades ricas doOriente transportava para a Itlia, alm das riquezas materias, hbeis agricultores,

    tintureiros, teceles, perfumistas, cozinheiros, pintores, ferreiros, cinzeladores, msicos,engenheiros, arquitetos, literatos, gramticos; homens e mulheres de inteligncia finatratados como mercadorias de alto valor (FERRERO, P. 127). O patrimnio acumuladopor essa civilizao, desde as conquistas de Alexandre, passava para as mos dosfinancistas italianos. Aquela gente culta e refinada via-se obrigada a vender filhos efilhas, por fim, entregavam a si mesmos como escravos, sem opo, diante da desgraafinanceira provocada por dvidas compulsrias. (FERRERO, P. 140)

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    Entre outros, houve um jovem chamado Tito Pompnio Atico, filho de umriqussimo empreiteiro romano, que encontrou na Grcia devastada e empobrecida um campo

    frtil para o emprego dos seus capitais: tendo ido para Atenas aps a reconquista de Sila,conseguiu, a um tempo, aumentar o seu saber e a sua fortuna, agindo respectivamente comoaluno e como banqueiro. A pouco e pouco, na sia e na Grcia, as cidades e os indivduos

    eram obrigados a entregar aos credores os edifcios pblicos, as reservas metlicas, as obrasde arte, os escravos, os objetos preciosos, as casas, as melhores terras. Os suprstites doimprio de Pricles, os despojos das conquistas de Alexandre, o patrimnio de civilizaoacumulado por tantas geraes sob o reinado dos Atlidas, e at mesmo os homens passavam

    para o poder dos financistas italianos. Os pais, quando no lhes restava outra riqueza,vendiam-lhes os filhos e as filhas. Por fim, eles mesmos entregavam-se como escravos .(FERRERO, P. 126)

    Roma era uma repblica de camponeses que se assenhoreava dos domnios e dos bensde uma civilizao responsvel pelas grandes conquistas do Ocidente, sem estarqualificada para administrar a oportunidade que se apresentava. At o incio da eraatual, Roma destri, sem construir, algo de novo altura daquilo de que se apropria.Pilha e arruna, pondo em perigo as cidades que se tornaram suas, e sacandoimprudentemente sobre um capital que j seu compromete o prprio futuro(AYMARD; AUBOYER, 1974, Tomo II, 1 Vol., p. 86). O arrefecimento dessa prticapredatria se deve crescente influncia da cultura grega sobre a rusticidade romana.No h por que se pensar que essa exuberante civilizao prejudicada tenha aceitadocom docilidade o destino cruel de se ver extinta por um povo num estgio de cultura

    imensamente inferior ao seu. Se a resposta armada estava fora de questo, a intelignciae a experincia acumuladas se encarregariam de d-la. Os gregos estavam especialmentepreparados para isso.

    Os gregos ou grecizados orientais [anatolianos] achavam-se bastante maisarticulados e sentiam o conflito ideolgico com mais intensidade. Mas mesmo entre eles aextenso do sentimento anti-romano no de modo algum fcil de avaliar, uma vez que agrande maioria dos escritores gregos como a maioria dos escritores latinos pertencia sclasses cultas, prsperas e leais e, portanto, no refletiam habitualmente (mesmo pelos mtodos

    indiretos de Dio Crisstomo) tudo o que virulentamente existia de sentimentos anti-romanos.(GRANT, p. 78)

    Depois de tentarem divinizar os procnsules, que apareciam para desaparecer, sabiamos gregos asiticos que o homem certo havia chegado. Ele devia ser a foracoordenadora dos interesses particulares das cidades gregas, sua muralha contra aPrsia, o protetor do seu comrcio, como nas antigas monarquias helensticas. Umainscrio existente em Mitilene reconhecia que o que baixo pela sorte e pela natureza

    no pode comparar-se aos seres de brilho divino que tm a superioridade dos deuses .Essa inscrio mutilada contm o decreto que regulamentava o culto de Augusto e

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    dispe que este deveria constar em todos os templos, no s nos da sia, mas tambmnos de Marselha e Antiquia da Sria, por exemplo. No bastava s cidades da siaadorar o presidente da repblica latina; era importante que o culto se difundisse por todaparte. (FERRERO, P. 137)

    Augusto

    Quando Augusto esteve em visita a sia Menor, encontrou templos que se erguiam emsua homenagem, como se fazia para os reis antigos, em Prgamo e Nicomdia. Haviaum culto que estava prestes a se espalhar por toda a sia Menor, inicialmente. Augustohavia sido elevado pelos gregos anatolianos condio de um deus, tomando o deus paitodo poderoso, Zeus, como modelo. Havia o cuidado para que a devoo no setraduzisse apenas em algumas cidades, mas em toda a sia grega. Jogos solenes foram

    organizados em honra de Roma e de Augusto, e altares foram devotadamente erguidos(FERRERO,P. 136). Os interesses anatolianos iam alm dos mares.

    Esse culto era uma novidade estranha, a adorao de um deus vivo era apenas praticadano Egito, o costume na sia Menor era inclu-los na legio dos deuses somente depoisde mortos. Por que esse costume egpcio surgira repentinamente? Por que, enquanto naItlia se tentava restaurar a repblica, essa planta de solo monrquico enroscava-secomo hera no primeiro magistrado da repblica e crescia to depressa? (FERRERO,

    P.138.) A pergunta de Ferrero excelente. Tentaremos respond-la sob o aspectopoltico no corpo deste texto. No entanto, o egiptlogo francs com doutorado naSorbonne, Christian Jaq, a responde indiretamente com algo no mnimo curioso, masdifcil de averiguar o fundamento e nos remete a Shakespeare:A viso egpcia do mundo

    procede de uma alta magia de Estado, coerente, raciocinada, admiravelmente perceptvel eserena. (YOYOTTE cit. por JACQ, 2001, p. 19)

    Depois das guerras de conquistas, das dificuldades internas que assolaram a repblica

    nos ltimos sculos e do constante perigo dos persas, Augusto, prudentemente,entendeu que seria melhor consolidar os domnios de Roma com uma administrao que

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    promovesse o progresso e o bem-estar nas provncias do que investir temerariamente emnovas campanhas. Por toda parte da rea mediterrnea, a Paz de Augusto originouuma nova segurana e liberdade de comunicaes, encorajada por intensa construo deestradas e a expulso dos piratas dos mares. Por toda a sia Menor, as velas das frotasmercantes se enfunavam de novo ao vento. Ao desembarcar na sia Menor, Augustoentrara em contato com uma das trs maiores regies industriais do mundo antigo, e que eram,

    precisamente, a sia Menor, a Sria e o Egito. (FERRERO, 1965, P. 138)

    Em vista das atitudes interesseiras dos anatolianos, pode at parecer que as feridascicatrizaram, as dores foram esquecidas e a vida nova havia acomodado tudo e todos.Mas no foi bem assim. Havia material subversivo que circulava de mo em mo nosurdo murmrio das massas, que tomavam muitas vezes a forma de panfletos religiosos,orculos e profecias de inspirao judaica(GRANT, p. 78) devido ao proselitismo judeuexistente no meio popular que irritava e indignava toda a intelectualidade helnica. [...] ede h muito se dizia que a justia romana era apenas o direito do mais forte. Sabemo-lo pelos

    propagandistas gregos da Ptria e pelos mordazes panfletrios anti-romanos como Metrodoro

    de Scepis, no noroeste da sia Menor. (GRANT, 1977, p. 77) A profundidade da insatisfaodos gregos com o domnio romano no recebeu da histria a importncia devida poralgum motivo. Quem no andou fuando o assunto desconhece-a completamente. Sem anoo de quem eram os gregos e de quem eram os romanos, quando os segundospassaram a dominar os primeiros militarmente, fica difcil ajuizar. Dessa vez, outroCavalo de Tria havia sido deixado porta de Roma pelo destino. Quando se fala emcultura Greco-romana d impresso de que havia um equilbrio entre elas e no era nada

    disso. O entusiasmo do poeta romano Ovdio (43 a.e.c.- 17 e.c.) j demonstra que asociedade e o Estado romanos fatalmente sucumbiriam ao poderoso choque cultural.

    Ovdio

    Outrora reinava uma simplicidade rstica; Roma est agora resplandecente deouro e possui as imensas riquezas do mundo que ela domina. Observa o Capitlio de hoje e ode outrora; dir-se-ia que era consagrado a um outro Jpiter. Hoje a Cria verdadeiramentedigna de uma to nobre assemblia: era de palha quando o rei Tasso exercia o poder. O

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    Palatino, onde se erguem brilhantes edifcios, sob a proteo de Apolo e dos nossos chefes, queera ento? Uma pastagem para bois de trabalho.

    Que outros guardem as suas simpatias para o passado. Eu congratulo-me porter vindo ao mundo agora. Esta idade condiz com meu gosto. [...]. porque temos cuidado como corpo e o nosso tempo no conhece j essa rusticidade que longos anos este sobreviveu aos

    nossos antigos avs.(Ovdio)

    A imensa quantidade da populao escrava de Roma trazida da sia Menor constituiu anova classe mdia romana, o novo Cavalo de Troia. Esta grande percentagem dapopulao romana de origem anatoliana, despertou acusaes de Ccero por frivolidade,rapacidade e infidelidade. (GRANT, p. 58)

    Se a nobreza descurava os seus deveres, esbanjando a fortuna, preferindo aorgia s magistraturas, os amores guerra, cumpria obrig-la, por meio de leis severas,renovar as antigas magistraturas que tinham outrora velado pelos costumes das classessuperiores, e restabelecer, ao meso tempo, a pratica de uma justia rigorosa e imparcial.

    Reclamava-se especialmente a eleio de censores. Tomava grande vulto, ento, de preferncianas classes mdias, entre os senadores e os cavaleiros pouco afortunados, entre os escritores,os libertos, os artesos, um grande movimento puritano empenhado em desenraizar de Roma,

    por meio de novas leis e de novos castigos, todos os vcios de que foram culpados a riqueza, aimpudiccia das mulheres, a complacncia venal dos maridos, o celibato, o luxo, o peculato. As

    idias e os sentimentos que alimentavam o movimento no seio das massas eram numerosos evariados. Havia em tudo, sinceramente, preocupao patritica. Temia-se pela sorte de Romase a nobreza no voltasse, como no passado, a ser digna de sua grandeza. Se uma nobrematrona, por dinheiro, se tornava amante de um liberto, de um estrangeiro, de um plebeu rico,via-se nisso um ultraje a dignidade de Roma, como um jato de lama atirado sobre as glrias do

    passado. Almejava-se, igualmente, nas provncias, um governo mais justo e mais humano, seja porque se difundissem as doutrinas de Ccero sobre o governo dos povos subjugados e ossentimentos se estivessem abrandando, seja porque se comeava a compreender que, em sendomenos poderosa, Roma deveria ser mais justa. Havia ainda a fora da tradio. Durantesculos, a moral tradicional inculcara aos romanos a simplicidade, as virtudes familiares, acastidade. Ora, muitos sculos seriam necessrios para apagar os vestgios deixados por outrossculos.(FERRERO, P. 85).

    Esta sucessora cosmopolita da classe mdia italiana da Repblica passou a gozar degrande prestgio depois de Cludio. Este imperador nomeou diretamente ex-libertos, eno descendentes, para seus ministros principais e conselheiros polticos talentososorientais de imensa fortuna e de poder nunca antes atingido por um senador, como ostrs secretrios de estado: Palas (Finanas), Narciso (Secretaria de Estado) e Calisto(Peties). O que o historiador Tcito considerava como um horrvel pressgio. Os

    poderosos e temidos libertos igualmente estavam presentes na gesto de Nero, comoPris, Hlio e Epafrodito. Quando o Senado discutiu possveis restries arrogncia

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    dos libertos, notou-se que a maior parte dos cavaleiros era de origem anatoliana.Possivelmente embora no passe de uma suposio noventa por cento da populao de

    Roma, no ano 100, era formada de no-italianos de origem escrava. (GRANT, p. 123) Osromanos do imprio constituam uma raa nova, diferente da composio tnica dosverdadeiros romanos da Repblica. Diz-se que nas ruas de Roma ouviam-se mais ogrego do que o latim. Alis, o grego era a lngua da liturgia crist, e no o latim. Serque isso no significa nada? Foi no final do sculo IV, no ano 370, que a liturgia catlicaromana abandonou definitivamente o grego em favor do latim no Cnon da missa.

    (DANILOU; MARROU, 1966, p. 317) O motivo foi o ressentimento da minoria latinaengajada, devida a mudana da capital do imprio para territrio grego que fez de Romamais uma tributria, pondo um ponto final no seu passado de glria. Portanto, no dese espantar que as crenas e os hbitos Greco - orientais tenham se assentado comfacilidade numa Roma que j no era to romana no final do primeiro sculo da e.c..

    interessante se notar a presena dos mais antigos costumes da Anatlia no futuroImprio Romano que estava prestes a se formar. Os smbolos das antigas monarquiasanatolianas, como a transformao do nome do monarca fundador em ttulo desoberania, vigoraram entre os imperadores romanos, pois conservaram do mesmo modoo nome de Csar (que no chegou a ser imperador). Os monarcas anatolianos eramtambm o grande sacerdote. Como os imperadores romanos, reservavam para si ogrande pontificado.Exatamente como os imperadores romanos, que exerciam em carnee osso o culto de Jpter Capitolino, os imperadores anatolianos no podiam esquivar-se

    obrigao de estar presente nas festas muito importantes. A imagem da guia de duascabeas de um dos selos hititas conservados no Museu do Louvre o modelo exato daguia bicfala do Santo Imprio romano-germnico. (CONRAD, 1979, p. 165 e 166)

    Bandeira bizantina do sculo XIII

    Se por um lado houve um ganho expressivo aos olhos do mundo, por outro, a influnciagrega responde pelo fim das antigas crenas e das antigas tradies romanas. provvel

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    que Csar talvez ambicionasse conciliar a aristocracia e a democracia no imperialismo.Uma Roma remodelada pela cultura helnica iluminaria o mundo. Governada com oauxlio de uma classe mdia abastada e culta e de uma aristocracia enrgica e prudente,franqueada aos homens e s idias novas, tal repblica cumpriria o ideal de hegemoniauniversal de Alexandre e faria da Itlia a coluna mestra da civilizao. (FERRERO, p.193)

    Cavalo de Troia

    Ao que parece os gregos asiticos ajudaram a sepultar de vez a Repblica Romana. Asforas do Senado e das tradies romanas eram um grande empecilho aos interessesanatolianos. No final do ltimo sculo a.e.c., quando ainda havia algumarepresentatividade latina na classe mdia romana, o desejo de se restaurar a Repblicafoi o canto do cisne que era Roma. Eis que a astcia da impotncia se tornava vitoriosa.Os gregos foram astutos o bastante para liquidarem Roma de vez. Quando ela percebeu

    j era tarde.

    Algo muito semelhante acontece atualmente na Europa em relao ao islamismo.Estima-se que em algumas dcadas as sociedades e os exrcitos europeus se tornaroislmicos. As famlias europias geram poucos filhos por casal, enquanto as famliasislmicas da Europa os geram em quantidade. Parece que a histria teve sua utilidadenegligenciada por estar ocupada em ocultar o passado.

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    Flavio Josefo

    Gregos versus judeus

    Os gregos, que haviam reservado para si o ideal oikoumenics. Em portugus,ecumnico se refere ao ecumenismo: apelo unidade de todos os povos contida namensagem do evangelho. Por derivao: que congrega pessoas de diferentes credos eideologias. Porquanto o movimento de juntar ou agregar, idia de fazer como osgregos, se encontra na raiz desta palavra. Contraditoriamente, por motivo cultural, osgregos no contavam com o essencial para consumar o ideal oikoumenics e unir umaHumanidade heterognea a religio. Do ponto de vista helnico do perodo clssico,religio era coisa de mulher e escravo, os mais desfavorecidos naquelas sociedadesparoquiais. O Estado havia estabelecido os deuses cuja venerao era indispensvel

    para o bom comportamento dos cidados. A religio era, em essncia, um fenmenopoltico. (TOYNBEE, 1983, p. 62)

    Outra particularidade antiga que se antepe a essa disposio helenstica, est na raizdos costumes helnicos como um hbito cultural recorrente, a disputa. Esta se instituacom muita facilidade e por motivos banais ou mesquinhos. Uma tolice qualquer podiaresultar numa guerra fratricida entre cidades-estado. Ao que tudo indica, o idealecumnico e helenstico veio se acentuar entre os gregos no perodo de dominaoromana, assim mesmo por questo de sobrevivncia. Lembremos dos cultos ecompetentes anatolianos escravizados em Roma.

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    Se os homens esperavam dos seus amigos, ou as famlias dos seusmembros, que estes partilhassem todos os seus interesses e fossem inabalavelmente fiesem todas as circunstancias, quase faziam do dio uma virtude e da vingana um dever.Os gregos insistiam em que os amigos deviam partilhar os dios e as afeies de igualmodo, e se assim no o faziam, eram tidos como uns covardes ou traidores. No viam

    nada de mal no dio, desde que este tivesse uma razo de ser, e, dum modo geral, erasempre uma ofensa ou uma injuria feitas honra. Sempre que isto acontecia e quehouvesse a convico de se estar dentro da razo, a nica soluo era uma vinganasangrenta. As poucas excees apenas acentuam a regra habitual, como diziam osdiscpulos de Pitgoras: Nunca se deve ter inimizade com aqueles que no socompletamente maus, mas uma vez iniciada esta, deve ser prosseguida na luta,nobremente, at o fim, a no ser que o carter do inimigo se modifique e sejasubstitudo pela vontade. Isto talvez seja j alguma coisa, mas no muito. primeiravista, ainda mais impressionante a resposta que Ptaco, tirano de Mitilene, d ao seuinimigo Alceu: O perdo melhor que a vingana. Esta frase foi devida

    provavelmente a uma habilidade poltica e no ao sentimento de que a vingana por

    si s indesejvel. E isto so excees. Os Gregos nunca pensaram que fosse possvel oudesejvel amar os inimigos, e perdo uma expresso rara no seu vocabulrio, excetono caso de ofensas comuns e involuntrias. Era mais freqente sentirem prazer emodiar os seus inimigos e em antegozarem a vingana. [...] Essa mentalidade comeouna famlia e foi a origem de lutas violentas entre estas, mas espalhou-se at a guerraentre as classes e a guerra entre diferentes cidades. Podia ter-se inimigos na sua

    prpria classe ou noutra, ou at noutras cidades, mas em qualquer dos casos osinimigos deviam ser tratados o pior possvel. Havia a convico de que, se algum nomaltratasse o seu inimigo, partindo do princpio que isso seria um desejo existente emambos, cometeria uma falta contra a prpria honra. Este tipo de relao era, portantorecproco e insolvel. A todo ato de vingana sucedia-se infalivelmente outro, e quer acontenda fosse entre indivduos ou entre cidades era sempre aproveitada para justificarum tratamento impiedoso do inimigo. Admitindo que grande parte das guerrascomearia por uma injria que uma das partes teria feito a outra, isto implica queaquelas raramente seriam conduzidas com dignidade e, se os vencidos tinham merecidoa condenao dos vencedores, podia suceder que os seus homens fossem mortos e queas suas mulheres e crianas fossem vendidas como escravas.(BOWRA, 1977, P. 53, 54 e55)

    Guerra do Peloponeso

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    Quando, no vero de 405 a. C., Atenas perdeu a sua frota, em Egosptamos,acabaram-se as esperanas na possibilidade de resistncia. As notcias foram trazidas pelagal Paralos e Xenofonte conta-nos como, medida que as notcias passavam de boca em boca,um som de gemidos percorria as longas paredes do Pireu at Atenas: Naquela noite ningummais dormiu. Choravam no s pelos mortos mas ainda por eles prprios, ao pensarem queiriam sofrer aquilo mesmo que tinham infligido ao povo de Melos, colnia de Esparta, quandoos venceram num cerco, aquilo que tinham feito ao povo de Histieia, de Cione, de Torone e de

    Egina e a muitos outros povos gregos. O inconcebvel tinha acontecido e os Ateniensessentiam que, por um lado, eram abandonados pelos deuses, por outro, odiados pelos homens,clamando por vingana e prontos a exerc-la.(BOWRA, P. 282)

    Havia uma pedra maior do que aquelas que habitualmente os gregos atiravam uns nosoutros no caminho do ideal universal helenstico. Um povo havia se recusado a integraressa pretenso grega porque teria que abrir mo das prprias tradies e crenas. Era opovo judeu. Teimavam em permanecer judeus, a despeito da admirao que muitos

    deles sentiam pelos gregos. Como sabemos, toda generalizao falha por natureza.

    Os gregos viam seu oikoumen, isto , o universo civilizado onde suas idias prevaleciam, como uma sociedade multirracial e multinacional, e aqueles que recusavam aaceit-lo eram inimigos do homem. Em sua grande ofensiva contra o Judasmo mosaico,

    Antoco Epfanes jurou abolir as leis judaicas prejudiciais humanidade, e ele sacrificouporcos sobre os livros sagrados judaicos.(JOHNSON, 1989, p. 138)

    Menor

    O isolamento cultural que os judeus se impunham resultava num isolamento social econseqentemente numa antipatia dos habitantes das cidades, nas quais seus bairrosparticulares se localizavam. Este fato se agravou com o domnio romano porque haviauma legislao instituda por Julio Cesar que protegia a religio judaica e garantia a essepovo o pleno exerccio das suas tradies. O fato se deve a favores polticos prestadospelas lideranas judaicas da poca, representada por Antpatro (pai de Herodes oGrande) e Joo Hircano, Sumo Sacerdote do templo de Jerusalm. Julio Cesar ordenou

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    que essas leis fossem gravadas em folhas de cobre e guardadas no Capitlio, comomandava tradio nos compromissos que se referiam ao estado e no a pessoa de umgovernante. Tratava-se de um compromisso que dali em diante todos os governosdeveriam cumprir. Foi por isso que o judasmo conseguiu o status de religio licita. Comisso as dificuldades entre gregos e outros com os judeus s aumentaram.

    Quando os romanos modificaram as definies de status destinado a populaoalexandrina, novas categorias foram estabelecidas e repercutiam diretamente nacobrana de impostos dos quais os cidados alexandrinos eram os nicos isentos. Parase obter a cidadania alexandrina era necessrio provar ascendncia helenizada paterna ematerna. A partir da reviso romana, a taxao demarcou ainda mais a diferena entre ascomunidades. Os egpcios foram sujeitos as taxaes mais elevadas porque eramconsiderados elementos de menor nvel social. Tais inovaes desencadearam umconflito por status, principalmente entre gregos e judeus, porque estes comearam a

    conquistar privilgios antes restritos queles. Os judeus reivindicaram aos romanos acidadania alexandrina para pagarem a mesma taxao dos gregos, o que estesconsideraram absurdo. Confrontos sangrentos resultaram da, no s em Alexandria,porque, segundo seus crticos, eles estavam querendo sempre mais. Eusbio e DionCssio se referem a muitas mortes entre gregos e judeus em Cirene, Chipre e Egito,incluindo Alexandria. (CLMACO, JC)

    Esses exemplos descritos acima [conflitos em Alexandria] , ilustram o agudorelacionamento entre romanos pagos e os judeus. Dezenas de levantes e choques ocorreramdurante o domnio romano. Citaremos apenas trs destes para ilustrar a grandeza do conflito.Conforme nos relata, com inmeros detalhes, o historiador judeu Flavius Josefus, na sua obraclssica As guerras judaicas, a guerra estalou em 66 d.C. e se concluiu em 70 d.C., com

    perdas elevadas para ambos os lados e com o cerco e destruio de Jerusalm e do Templo. 19O outro grave confronto armado se deu nas comunidades judaicas da Dispora, em especial naCirenaica, Egito e na ilha de Chipre em 115 d.C. O massacre dos revoltosos foi violento, commilhares de mortos e cativos vendidos como escravos. (GRAYZEL, op.cit., p. 138; BORGER,op. cit. p. 241)

    Biblioteca de Alexandria

    A guerra romano-judaica de 66/70 chama a ateno, principalmente, porque, segundo ahistria da Igreja, depois dela o Cristianismo se iniciou no mundo grego ou pago. De

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    maneira que suas constantes referncias ao ano 70 me sugeriram uma ateno especialna apreciao dessa guerra. A observao que faz o professor Paul Johnson [...]Conseqentemente importante compreender que a revolta judia contra Roma era, no fundo,

    um conflito entre a cultura judaica e a grega.(JOHNSON, 1989, p. 124) pareceu-me bastanteelucidativa. [...] para o judasmo no fundamental o conceito de salvao para ummundo futuro, ps-morte, mas sim a pureza da vida diria, complementada pelasmitzvas, ou boas aes, [...] (SILVA, 1995, p. 122) Percebi, ento, que tantospesquisadores, inclusive eu, havamos passado boa parte de nossas vidas olhando para olado errado.

    Como os gregos de Alexandria, os helenos da Palestina eram notrios por seuanti-semitismo: foram de lngua grega de Jabn e Achkelon que levaram a Calgulaconhecimento de suas medidas antijudaicas. Ingenuamente Roma insistiu em retirar seus

    procuradores da Judia das reas gentias de fala grega o ltimo, e o mais insensvel deles,Gssio Floro, veio da sia Menor grega. (JOHNSON, Paul, 1989, p. 140)

    Em outros autores a suspeita se confirmava. Quando publiquei na Internet um balo deensaio da minha pesquisa, intitulado Jesus Cristo um presente de gregos, ficouparecendo para muita gente que eu defendia os judeus. Embora no fosse o caso, admitoque eu tenha falhado por entusiasmo excessivo com a descoberta. Claro que os judeusno eram uns coitadinhos, isso no existe. Eles pagavam o preo da prpria escolha.Percebi, ento, que o preconceito contra eles provinha do isolamento social e das fatais

    decorrncias. O no deles ao ideal universal helenstico custou-lhes muito caro.

    [...] Alm disso, como nos tempos atuais, o anti-semitismo era estabelecidono s pelo boato vulgar, mas tambm pela propaganda deliberada de intelectuais. Por certo,no primeiro sculo d.C. o sentimento antijudaico, que crescia constantemente, era, em grandeescala, a obra dos escritores, sendo a maioria deles os gregos.(JOHNSON, 1989, p. 138).

    Eles [os judeus] raptavam um grego, engordavam-no durante um ano e ento oconduziam para uma floresta, onde eles o matavam, sacrificavam seu corpo de acordo com

    seus rituais costumeiros, partilhavam sua carne e, enquanto imolavam o grego, faziam umjuramento de hostilidade contra todos os gregos. Os restos de sua vtima eram lanados numburaco.(Josefo, Contra Apionem)

    Apion era um intelectual de prestgio Greco - egpcio, contra o qual o historiador judeuFlvio Josefo dirigiu uma obra especfica em defesa das intrigas daquele autor contra os

    judeus. O historiador Paul Johnson, como outros, confirma o fato. [...] Outra fbula eraa de que os judeus dirigiam sacrifcios humanos secretos em seu Templo: essa era arazo porque ningum estava autorizado a entrar nele[...](JOHNSON, 1989, p. 139) A

    maioria desses intelectuais procedia de cidades gregas da sia Menor, da Sria e doEgito gregos: Clearco de Soli (filsofo da escola de Aristteles), Diodoro Sculo

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    (historiador), Queremon (historiador), Lismaco, Apolnio Mlon (retor), Apion(professor de literatura e escritor) etc. (MESSADI, 2003, p. 42, 46, 47 e 50) Ainda quebastante lacunar, havia uma evidente conspirao contra o judasmo.

    Os homens que os libertos de Cludio escolheram para esse posto (procurador da

    Judia) foram em geral incompetentes ou canalhas. Flix, escolhido como procurador pelo seuirmo Palas governou a Judia, diz Tcito, com poderes de um rei a alma de um esravo.Festos governou menos mal, mas morreu logo. Albino, a crermos em Josefo, abusou vontade,e fez uma fortuna com a indstria de soltar criminosos a troco de dinheiro;s permanecia

    preso quem no lhe dava nada. Floro, diz o mesmo amigo e admirador dos romanos,comportou- se mais como um carrasco do que como um governador, roubava as cidadesinteiras, no s por sua conta como ainda por intermdio de outros que com ele dividissem osaque. Estes informes cheiram muito a propaganda de guerra; com certeza os procuradoresqueixavam-se de que os judeus eram muito difceis de ser explorados. (DURANT, 1971, vol.III, p. 426)

    Cerco e destruio de Jerusalm pelos romanos

    Em Cesaria ficava a residncia do oficial do procurador Gssio Floro (64-66). Aguerra romano-judaica de 66-70/3 teve o estopim aceso naquela cidade aocomemorarem uma vitria judicial contra os judeus, os pagos saram os espancandonas ruas incendiando suas casas. O motivo da disputa era um terreno vazio ao lado deuma sinagoga, desencadeando uma perseguio violenta por todas as cidades gregas daJudia.

    Nesse dia os pagos de Cesaria, a capital da Palestina, levantaram-se e trucidaram20.000 judeus; milhares de outros foram vendidos como escravos. Em um dia os pagos de

    Damasco deceparam a cabea de 10.000 judeus. Enquanto isso os revolucionrios [judeus]faziam estragos em muitas cidades gregas da Palestina e Sria, arrasando umas completamentee matando e sendo mortos em grande nmero. Era comum , diz Josefo, encontrar cidadescheias de cadveres desenterrados, de velhos e crianas, e entre eles mulheres sem nenhumacoberta. Em setembro de 66 a revoluo estava vitoriosa em Jerusalm e quase toda aPalestina. E como o partido de paz ficasse desmoralizado, muitos dos seus membros aderiram revolta. (DURANT, p. 426)

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    Em um debate com um ilustre e preparadssimo professor de uma universidadeadventista, estas mesmas evidncias receberam a contestao que repasso em parte:

    Nada h nas fontes gregas que ateste de um dio generalizado para com os judeus.Nessa questo, sou obrigado a concordar com Erich S. Gruen (Diaspora: Jews amidst

    Greeks and Romans. Cambridge: Harvard University Press, 2002. p. 51-52): o jogolongamente jogado de posicionar os escritores romanos e gregos de um lado ou de outro

    j chegou ao fim e perdeu a graa [...] Os textos no revelam nem intolerncia nemracismo [...] Os judeus simplesmente tinham uma importncia pequena demais para

    justificar perseguio ou represso [...] O testemunho lacunoso no se presta aconcluses em que se possa confiar. Alis, Filo afirma que, a despeito de certo

    preconceito, os povos antigos (falando genericamente) tinham mais simpatia do quedio aos judeus, estando geralmente inclinados a respeitar seus costumes.Quem levanta a lebre da rivalidade entre gregos e judeus um autor judeu: Josefo. Elefaz um exame minucioso de vrios decretos senatoriais da poca de Jlio Csar eAugusto (portanto, pouca coisa antes de sua data preferencial). Ao examinar essessenatus consulta, a expresso latina para decreto do senado, Josefo menciona pelo

    menos quatro casos em que houve indisposio entre gregos e judeus. Em dois dessescasos, o senatus consultum (forma do singular) simplesmente se refere liberdade

    concedida pelos gregos aos judeus para celebrarem suas festas religiosas e sbados bemcomo para construrem sinagogas. Trata-se de decises tomadas pelos demoi deHalicarnasso e Sardes, diante da solicitao dos judeus para terem mais liberdade paraessas coisas. Em dois casos, parece haver certa restrio por parte dos gregos. Em Delose feso, certas proibies foram invocadas contra os judeus sob a alegao de que estes

    se recusavam a integrar a comunidade local. Parece que o motivo real do confronto eraque os judeus estariam deslocando parte de sua renda na cidade para financiar o templode Jerusalm, o que gerou o protesto grego. Diante da interveno romana, os judeuscontinuaram a gozar da liberdade para enviar seu dinheiro para onde quisessem. Apesarde os estudiosos, em sua maioria, concordarem que os documentos elencados por Josefoso legtimos, a opinio geral que Josefo exagerou suas reclamaes. Mesmo que noo tenha feito, no parece descrever profundos conflitos entre judeus e gregos. Emrelao aos documentos de Josefo, Gruen (p. 101) adverte que faramos bem em notirar concluses apressadas acerca de uma hostilidade dos gregos para com os judeus.

    Em sua histria da judeofobia ou preconceito contra os judeus, Peter Schfer(Judeophobia: attitudes toward the Jews in the ancient world. Cambridge: HarvardUniversity Press, 1997) chega concluso que o povo antigo que mais perseguiu os

    judeus foram os egpcios. Segundo ele, os judeus sofreram perseguies em trs grandescentros fora da Palestina: Egito, Sria e Roma. interessante que esse historiador do

    judasmo no identifica nenhuma cidade grega como avessa ao judasmo. Ele fala docaso de Alexandria, mas mesmo sabendo que o Egito, embora dominado pelos romanos,recebia, naquela poca, fortes influncias gregas, isenta os gregos, afirmando que oelemento egpcio autctone foi o verdadeiro motivador dos conflitos naquela grandemetrpole. Portanto, caro amigo, continuo insistindo que sua tese excntrica.

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    O ilustre professor reconhece a farsa das interpolaes na obra de Flvio Josefo, quecontinuam tendo utilidade para propaganda religiosa. No conheo Erich S. Gruen nema referida obra e nada encontrei a respeito. No fao insinuaes, apenas registro o fato.Outros autores ele me apresentou, mas no seria relevante nomin-los aqui. Preocupa-me no momento mais a leveza da leitura. Quanto a Peter Schfer, descobri tratar-se deum telogo catlico.Acho impressionante ver at aonde vai a cara-de-pau de telogoscomo o professor Peter Schfer, um erudito cristo que no podia desconhecer as Acta

    Alexandrinoroum, nas quais os conflitos entre gregos e judeus e os seus motivos estobem explicitados. de praxe que telogos distoram evidncias histrias em favor dosinteresses da prpria crena. No caso, me parece uma tentativa v de afastar acuriosidade secular desse ponto nevrlgico. sintomtico da engenharia da enganaoque no se cansa nunca. Deixo aqui essa experincia para alertar os colegas.

    O conhecido historiador Will Durant resume em um nico pargrafo as evidncias

    contestadas pelo ilustre professor adventista:

    Essa separao religiosa e racial combinou-se com as rivalidades econmicase despertou, por volta do fim desse perodo, um movimento anti-semita em Alexandria. Osgregos e os egpcios, afeitos unio da Igreja e do Estado, no viam com bons olhos aindependncia cultural dos judeus; alm do mais, sentiam a concorrncia do artfice ou donegociante judeu, e ressentiam-se ante a tenacidade e habilidade daquela gente. Quando Romacomeou a importar o trigo egpcio, eram mercadores judeus de Alexandria que em seus barcostransportavam o produto. Percebendo os gregos que haviam fracassado na helenizao dos

    judeus, comearam a temer pelo prprio futuro, num Estado em que a maioria continuava

    persistentemente oriental e se reproduzia com intensidade. Esquecidos da legislao dePricles, queixavam-se de que as leis hebraicas proibiam o cruzamento racial, e que os judeusraramente se casavam fora de famlias judias. A literatura anti-semita cresceu. Maneto, ohistoriador egpcio, espalhou a histria de que os judeus haviam sido expulsos do Egito, haviamuitos sculos, por sofrerem de escrfula ou lepra. O preconceito anti-semita intensificava-sede ambos os lados, e no sculo I da era crist estalou com destruidora violncia. (DURANT,1971, p. 468)

    Antes do domnio romano, os gregos eram os senhores do Mediterrneo. O comrcio, otransporte martimo e as atividades lucrativas eram monoplios deles. Depois tudomudou e os judeus sentiram-se mais vontade. O entrevero entre gregos e judeus estavamais do que justificado. Mesmo que toda generalizao seja enganosa, o fato no deixadvidas. Superada a questo, chamo a sua ateno para o seguinte: Os gregos e osegpcios, afeitos unio da Igreja e do Estado [...]. Isto o que vai fazer a diferena nessahistria.

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    Nasce uma nova crena

    A rejeio contra os judeus havia chegado ao mbito religioso. Existem motivos para seacreditar que nos sculos I e II houvesse uma crescente resistncia a religio judaica. Aprtica de um proselitismo existente h sculos tornou-se agressiva da parte de alguns

    judeus - sabemos que o judasmo nunca foi monoltico, como o helenismo tambm no -e somada curiosidade da parte dos gregos menos favorecidos e indgenas pouco

    helenizados, tal situao desagradava a uma determinada elite helnica ou helenizada.

    Horcio e Juvenal ridicularizam os nefitos judeus em suas stiras: ValrioMximo acusa os judeus de corromper os costumes romanos pelo culto de Jpiter Sabazios,e Sneca afirma que as prticas desta nao celerada prevaleceram tanto que so acolhidasem todo o universo; os vencidos deram leis aos vencedores.(POLIAKOV, cit. por FELDMAN, p.9)

    Flvio Josefo relata o fato de que o imperador Tibrio havia expulsado alguns judeus deRoma porque eles tentaram extorquir a esposa de um amigo seu sob pretexto religioso.Os espertos se fizeram de portadores de uma determinada quantia a ser destinada aotemplo de Jerusalm, doada a deus em nome da mulher. Portanto, no s as classesbaixas se mostravam vulnerveis ao fascnio desta crena.

    A rea da disperso considervel! Foi possvel avaliar em 8 milhes a populao judaica mundial na poca helenstica. Ela est principalmente agrupada em 4zonas: Babilnia, Sria, Anatlia, Egito, possuindo cada uma delas mais de 1 milho de judeus.

    Mas encontram-se igualmente em grande nmero na Cirenaica, nas ilhas do Egeu, na Grcia eat na frica, na Itlia, na Hispnia. Registram-se converses por toda parte - sobretudo das

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    mulheres, porque muitos homens consideravam a circunciso repugnante e forma-se umacategoria de meio-convertidos, os sebmenoi (os que temem a Deus). (LVEQU, 1967, p. 50)

    Como a lngua urbana era o grego, muitos daqueles que se pensavam desamparados

    pelos deuses gregos, que prometiam nada, punham-se a porta das sinagogas paraouvirem os sermes sobre um deus que prometia tudo. Os sebmenoi Tambmdenominados metuentes ou proslitos da porta, pois assistiam aos servios religiosos no

    fundo da sinagoga, muitas vezes, convertiam seus filhos ao Judasmo, circuncidando-os eintegrando-os de maneira plena.(FELDMAN, p. 4)

    Ainda que um confronto cultural seja oficialmente negado as evidncias so muitas. Aidia era mesmo obstar a religio judaica, inclusive por causa do seu status de religolicita. O reconhecimento do fracasso na helenizao dos judeus e o rastro de sangue

    deixado nesse percurso poderiam ter conseqncias catastrficas para os gregos, caso omundo judaizasse. Dente por dente, olho por olho. Tanto gregos como judeus tinhaminfluencia no conselho dos imperadores e na sociedade romana. Os romanos no semetiam na disputa, desde que no comprometesse a ordem pblica. Augusto fezconcesses aos judeus por consider-los menos cansativos que os gregos.

    A religio judaica era alvo prioritrio. O deus dos judeus foi execrado como o monstroque lanou almas no desditoso mundo da matria.

    Mas os Gregos nunca gostaram deles e, contra a torrente da apocalpticaliteratura judaica, em grande parte dirigida contra os Gregos, subsistem papiros inscritos comos Actos Pagos dos Mrtires. Nos fragmentos existentes desses Actos, datando de certonmero de reinados, os gregos alexandrinos alternam seus ataques a Roma com selvagensvituprios contra os judeus, pelo seu suposto predomnio nos conselhos do imperador. Muitasseitas pags desses perodos eram, tambm, violentamente antijudaicas, e as de tendnciasdualistas identificaram o execrvel deus dos judeus com o poder maligno de saturno e com o

    Diabo. (GRANT, p. 63)

    A reao ao judasmo trazia no encratismo (continncia sexual) a questo dasuperioridade da virgindade ao casamento. Essa afronta ao crescei e frutificai se

    justificava na preocupao com proliferao crescente nos bairros judeus. O encratismorejeitava o consumo de carne e vinho (DANILOU, p. 138.) e entendia que a procriaoera um mal oriundo da erva amarga, o casamento.(DANILOU, p. 137). Era dever deo homem evitar lanar mais almas no desditoso mundo da matria. No princpio, aadeso completa vida crist parece algo inseparvel da absteno sexual, para algunsgrupos. Os montanistas ensinavam que a absteno sexual era uma obrigao para oscristos. No tomaro mulheres, mas vivero como os anjos (antigo preceito cristo

    que se perdeu no caminho e consta nos evangelhos, na Ressurreio dos Mortos).(DANILOU, p. 137). Outros grupos somente rejeitavam a procriao e at

  • 8/3/2019 Por Que o Cristianismo

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    compartilhavam as mulheres. A doutrina de Basilido (Baslides) e de Carpocras(Carpcrates), chefes dos gnsticos, comeava a fazer progressos, apesar da sua extravagncia.

    Aqueles hereges sustentavam que era permitido o uso de todos os prazeres; que as mulheresdeviam ser comuns; que no havia ressurreio da carne; e que o Cristo era unicamente um

    fantasma.(LACHATRE,2004, p. 55). Havia tambm os nicolatas, seguidores de tal Nicolau,

    que praticavam a sodomia. A essas formas estranhas e insultuosas de antijudasmo deu-se o nome de judasmo heterodoxo, criando a iluso de que judeus insatisfeitos com otradicionalismo da prpria religio estavam tentando revolucion-la. Mesmodiversificado que era, e at mesmo conflitado internamente, convenhamos que se issofosse judasmo de verdade, seria uma forma suicdio cultural. Nada parecido ou comantecedentes que possam levar a esta concluso absurda se verifica na histria judaica.Muito pelo contrrio, eles sempre mataram e morreram pela religio.

    De acordo com o mestre gnstico Tedoto, que escreveu na sia Menor entreos anos 140 e 160, o gnstico aquele que chegou a compreender quem ramos e quem nostornamos; onde estvamos [...] para onde nos precipitamos; do que estamos sendo liberto