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Português: teoria e prática da tradução Júlio Dieguez Gonzalez GUÍA DOCENTE E MATERIAL DIDÁTICO 2018/2019 FACULTADE DE FILOLOXIA GRAU EN LINGUAS MODERNAS- PORTUGUÉS

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Português: teoria e prática da tradução

Júlio Dieguez Gonzalez

GUÍA DOCENTE E MATERIAL DIDÁTICO

2018/2019

FACULTADE DE FILOLOXIA GRAU EN LINGUAS MODERNAS- PORTUGUÉS

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I. DADOS DA MATÉRIA NOME: Pragmática e análise de textos em língua portuguesa (código G5081360) TIPO: Matéria optativa da titulação de Grau em Línguas e Literaturas Modernas – Português (3º ano, segundo semestre) CRÉDITOS ECTS: 6 DURAÇÃO: Segundo semestre, entre 24/01/ 2013 e 14/05/ 2013, com o seguinte horário (quinta-feira, sexta-feira, 9-10h., sexta-feira, 10-11 h.). DESCRITOR: “Estudio, teórico y práctico, de las características que definen algunos tipos de textos escritos y orales, asociados a determinados actos comunicativos, en lengua portuguesa.” (pág. 231). http://www.usc.es/export/sites/default/gl/servizos/sxopra/descargas/Memoria_Grao_Lenguas_Literaturas_Modernas.pdf II. DADOS DOS PROFESSORES COORDENADOR: NOME: Júlio Dieguez Gonzalez DEPARTAMENTO: Filoloxía Gª -SbÁrea: Filologia Portuguesa GABINETE: 321 HORÁRIO DE ATENDIMENTO: Pendente de Resolução. LÍNGUAS: Português

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III. OBJETIVOS - Formar o aluno nas questões básicas da tradutologia, abrindo perspectivas interdisciplinares presentes ou futuras. - Domínio dalgumas destrezas da tradução, linguísticas, culturais e outras - Do ponto de vista do estudante de filologia, aprofundar no domínio da língua, enriquecida pelas técnicas contrastivas que demanda o exercício da tradução. - Avaliar o peso da tradução no passado e presente das culturas em língua portuguesa, o seu peso até na conformação da própria língua. - Contribuir a criar graduandos conscientes das suas possibilidades no mercado de trabalho sempre que possuam um domínio adequado da língua portuguesa IV. COMPETÊNCIAS Contribuir para uma completa formação do aluno interessado pela língua portuguesa enquanto veículo, e veículo privilegiado, de comunicação, tanto, principalmente, no plano da escrita, como no da oralidade. O contraste linguístico, que tão bem patenteia a tradução, sobretudo de línguas afins, é prioritário para consciencializar o discente da especificidade da língua portuguesa, assim como para apreender os diversos níveis comunicativos. V. CONTEÚDOS 1. A tradução. Tipos de traduções. A tradução na historia da língua portuguesa. 2. Tradução e morfologia. Aspectos idiossincráticos da morfologia do português 3. A sintaxe e a tradução. Problemas de sintaxe do português. 4. Semântica e tradução. Problemas de semântica do português. 5. Tradução e pragmática. O sistema de tratamento. 6. Tradução e sociolinguística. 7. Tradução e literatura. 8. Tradução e sistema jurídico. 9. Tradução e mudança social. 10. Tradução e valores culturais.

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VI. BIBLIOGRAFIA BÁSICA Mateus, Maria Helena Mira, Ana Maria Brito, Inês Silva Duarte e Isabel Hub Faria (e Sónia Frota, Marina Vigário, Fátima Oliveira e Alina Villalva), (2003), Gramática da Língua

Portuguesa. 5ª edição revista e aumentada. Lisboa: Ed. Caminho. Martins, Ana Maria & Ernestina Carrilho (2016), Manual de linguística portuguesa De Gruyter Mouton. Ort: Berlin, Boston; Publikationsdatum. Raposo, Eduardo Bozaglo Paiva, Maria Fernanda Bacelar do Nascimento, Maria Antónia Coelho da Mota, Luísa Segura, Amália Mendes, Graça Vicente (colab.) & Rita Veloso (colab.) (2013) Gramática do Português, vols. I e II, Fundação Calouste Gulbenkian Abreu, Liisa Melo (2001), Contributo para o estudo das construções com clivagem na língua portuguesa, [Finnish Academy of Science and Letters]. 179 Sivumäärä (Suomalaisen tiedeakatemian toimituksia, Sarja Humaniora), Helsinki. Carballo Amado, Amanda (2016), O uso de ser e estar no português e no español: apresentação contrastiva. Lusofilia, nº 5, pp. 55-77. Gonçalves, Anabela e da Costa, Teresa (2002), (Auxiliar a) compreender os verbos

auxiliares: descrição e implicações para o ensino do português como língua materna

(Cadernos de língua portuguesa; 3). Colibri & APP, Lisboa. Medeiros, António (2006) Dois Lados de um Rio: Nacionalismo e Etnografias na Galiza e em

Portugal. Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa. Wetzels, W. Leo, João Costa e Sergio Menuzzi (editores) (2016), The Handbook of

Portuguese Linguistics. Hoboken (New Jersey): Wiley-Blackwell. A bibliografia específica sobre cada tema será fornecida na aula na altura em que tenha lugar do desenvolvimento teórico-prático de cada um deles. VII. METODOLOGIA DO ENSINO Na primeira parte das aulas predominarão os conteúdos teóricos de carácter introdutório, mas com o avanço das mesmas tender-se-á a uma maior atenção à prática traducional, na sua mais ampla diversidade, tendo (quase) sempre como língua de chegada o português actual de Portugal. As aulas expositivas focalizarão sobretudo os conteúdos ditos "teóricos" (I), enquanto as interativas apontarão nomeadamente para os conteúdos "práticos" (II).

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VIII. SISTEMA DE AVALIAÇÃO Avaliação contínua preponderante, o que exige por parte do aluno, como ponto de partida indispensável, frequentar as aulas, até 75% de presenças como mínimo para poder optar a essa avaliação contínua. Com a participação no dia-a-dia das aulas (trabalhos, exposições, pontuais intervenções orais, etc.) poderá obter até 50% da totalidade da nota. Também está prevista uma prova escrita no(s) último(s) dia(s) de aulas, de caráter teórico e prático, cuja qualificação, como a anterior, poderá abranger até 50% da nota total. O que significa que, com resultados óptimos, qualquer das duas vias isoladamente poderá conduzir a aprovar a disciplina, ainda que o lógico seja a combinação de ambas. Para os alunos aprovados, o exame de janeiro fixado pelo Centro, no estilo da prova escrita de final de aulas, poderá servir para subir (nunca baixar) a nota obtida nessa prova. Para todos os alunos que assistiram razoavelmente (75%) às aulas, a melhor das duas notas (prova escrita ou exame de janeiro) somar-se-á à conseguida com a sua participação no decorrer das mesmas. Os alunos que não frequentaram as aulas na percentagem fixada, não poderão ser qualificados pelo sistema da avaliação contínua, contando só, portanto, com o exame final na data fixada pela Faculdade, a ser pontuado entre 0 e dez valores. Igualmente, para os reprovados ou não apresentados, na "segunda oportunidade" de julho, só se terá em conta a nota do exame marcado pelo Centro, que também será pontuado, em consequência, entre 0 e 10 valores. IX. DISTRIBUIÇÃO DO TRABALHO A matéria (optativa) consta de 6 créditos, equivalentes, segundo o sistema ECTS, a 150 horas de trabalho do aluno (25 horas por cada crédito). Sessões expositivas 30 Estudo e preparação de atividades programadas na aula: 30 Sessões de seminário / laboratório de idiomas / aula de informática.: 10 Realização de trabalhos de diversos tipos: 13 Sessões de atendimento programado: 3 Leituras: 20 Sessões de avaliação: 5 Preparação de exames: 25 Outras atividades (sem especificar): 5 Total de horas de atividade Presencial: 50 Total de horas de atividade não Presencial: 100 No seguinte quadro mostra-se a distribuição de horas previstas para cada atividade:

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ATIVIDADES

HORAS PRESENCIAIS

HORAS DE TRABALHO AUTÓNOMO

TOTAL

Aulas de teoria 30 35 65 Sessões de seminário

15 15

Aulas práticas 10 45 55 Avaliação 5 10 15 TOTAL 60 90 150

CALENDÁRIO PREVISÍVEL DAS ATIVIDADES PRESENCIAIS Chave da tipologia de atividades: AP= aula prática; AT= aula de teoria; ETP= exame teórico-prático; Compt= aula informática. TD =Trabalho dirigido CALENDÁRIO PREVISÍVEL DAS ATIVIDADES PRESENCIAIS Chave da tipologia de atividades: AP= aula prática; AT= aula de teoria; ETP= exame teórico-prático; ATE= Atendimento tutorial especializado. TD =Trabalho dirigido; EL=Exame sobre obra de leitura E= Exame teórico-prático

FEVEREIRO 2019 Horas de aulas de teoria (temas 1, 2 e 3) 5 AT Horas de aula de prática (temas 1, 2 e 3) 10 AP Ler a 1ª obra de leitura obrigatória 4 TD + 1 EL Exame teórico-prático dos temas 1 a 3 2 ETP Prova de exposição oral sobre obra nº 1 de leitura obrigatória

3 EL

MARÇO 2019 Horas de aulas de teoria (temas 4, 5 e 6) 5 AT Horas de aula de prática (temas 4, 5 e 6) 10 AP Ler a 2ª obra de leitura obrigatória 4 TD + 1 EL Exame teórico-prático dos temas 1 a 6 2 ETP Prova de exposição oral sobre obra nº 2 de leitura obrigatória

3 EL

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ABRIL 2019

Horas de aulas de teoria (temas 7, 8, 9) 3 AT Ler a 3ª obra de leitura obrigatória 4 TD + 1 EL Horas de aula de prática (temas 7 , 8, 9) 6 AP Prova de exposição oral sobre obra nº 3 de leitura obrigatória

3 EL

MAIO 2019 Horas de aulas de teoria (tema 10) 4 AT Horas de aula de prática (temas 10) 8 AP Ler a 4ª obra de leitura obrigatória 4 TD + 1 EL Prova de exposição oral sobre obra nº 4 de leitura obrigatória

3 EL

Exame teórico-prático dos temas 7 a 10 2 ETP Prova final 2 ETP

TEMA II

2.1. A estrutura da gramática 2.2. Estrutura temática e estrutura informacional 2.3. Estruturas de tópico marcado no português europeu 2.4. Estruturas enfáticas de foco no português europeu 2.5. A categoria linguística tempo 2.6. Os tempos gramaticais simples 2.7. Os tempos gramaticais compostos 2.8. Localização temporal, frequência e duração 2.9. Sequencialização de tempos 2.10. O aspeto verbal: estados, processos culminados e culminações; processos atélicos e pontos 2.11. O aspeto verbal: tipologia aspetual de Vendler (1967) 1. A estrutura da gramática

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Para definir os componentes gramaticais, os primeiros modelos generativos consideravam a gramática como um mecanismo que liga certos sons a certos significados. Isso significava que a gramática é constituída de três componentes:

(1) Um componente sintático, que fornece as descrições estruturais das frases

(2) Um componente semântico, que determina o sentido que deve ser assinalado a cada frase.

(3) E um componente fonológico, que indica como as frases devem ser pronunciadas.

Por exemplo, uma frase que serve para indicar que um sujeito ‘O João’, se penteia antes de sair de casa gerar-se-ia da forma seguinte: (a) surge um pensamento, e a sua expressão linguística é a “estrutura profunda” da oração:

O João penteia o João (b) A esta forma da estrutura profunda aplicam-se regras transformacionais; neste caso é de aplicação obrigatória a regra de “reflexivização”: Quando o sujeito e o C. Direto se referem à mesma entidade (têm o mesmo referente) substitui-se o CD por um pronome reflexivo:

O João penteia-se (c) a seguir aplicam-se as regras fonológicas que tranformam a frase numa sequência sonora. 2. As regras tranformacionais

A passagem da estrutura profunda das orações (“O João penteia o João”) à superficial (“O João penteia-se”) é feita através de regras transformacionais, sendo, no caso do português, de vários tipos, mas algumas delas de grande importância e relevância, como as seguintes:

Reflexivização: Quando o sujeito e algum outro SN da mesma oração simples são co-referentes, o segundo SN converte-se num pronome reflexivo Elevação do sujeito como sujeito: As crianças parecem dormir (a partir de “parece as crianças dormirem”)

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Elevação do sujeito como objeto: Ele considera-te um extremista (a partir de “ele considera tu seres um extremista”).

3. Estrutura temática e estrutura informacional O português possui dois tipos de orações, as orações neutras em relação ao discurso e as marcadas em relação ao discurso. Tendo em conta o Tópico, as orações podem ser classificadas em termos se estrutura informacional como (i) orações neutras em relação ao discurso; (ii) orações marcadas pelo Tópico (iii); orações marcadas pelo Foco; e (iv) orações marcadas pelo Tópico e pelo Foco. Um texto fala sempre de um ou mais assuntos —os tópicos— e, em geral, o que se diz acerca deles —o comentário— acrescenta elementos cognitivos adicionais ao que constituía o nosso conhecimento anterior desse objeto. Um foco é, do ponto de vista cognitivo, a informação nova num dado discurso1. É comum opor as noções de foco e de pressuposição em vez de foco vs. tópico (tendo a pressuposição a definição de ser informação que o falante partilha com o ouvinte, sendo o foco a informação nova)

4. Estruturas de tópico marcado no português europeu As construções de Tópico marcado mais importantes são as seguintes:

1. Tópico pendente. Filmes estrangeiros, estamos a ver o filme até ao fim e não sabemos do que se trata

2. Deslocação à esquerda de tópico pendente. O João, ouvi dizer que ele tinha ido passar férias a Honolulu

3. Deslocação à esquerda clítica. Os gerentes, trata-os como se fossem meros contínuos 4. Topicalização. Piscina, não sabia que tinha 5. Topicalização desviante. Essa cerveja, eu não gosto

Veja-se a seguir as construções de Tópico marcado mais importantes, com exemplos:

1.Tópico pendente. Quanto ao debate de ontem à noite, é forçoso reconhecer que há políticos que falam de um país que não conhecem. Filmes estrangeiros, estamos a ver o filme até ao fim e não sabemos do que se trata. Características: A. Grau mínimo de sintatização, pois não existe conectividade entre o tópico e um

constituinte interno ao comentário. B. O tópico pode ser um SN ou ser regido por prep. ou loc. prep. como “quanto a”,

“acerca de”, “no que diz respeito a”, “relativamente a”.

1 GLP, pp. 118-122.

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C. A relação tópico-comentário apenas obedece à condição de relevância, quer dizer: o comentário deve ser relevante acerca do tópico.

2.Deslocação à esquerda de tópico pendente O joão, ouvi dizer que ele tinha ido passar férias a Honolulu. Eu... medicina privada realmente não me interessa. Características: A. Grau de sintatização fraco: conformidade de traços gramaticais entre o tópico e um

constituinte interno ao comentário. B. A condição de relevância assume a forma de co-referência entre o tópico e o

constituinte interno ao comentário conforme em traços de pessoa, género e número. C. Estratégia muito utilizada na resposta a perguntas sobre o cosntituinte que ocorre

como tópico: —Tens sabido alguma coisa do João ultimamente? — O joão, ouvi dizer que ele tinha ido passar férias a Honolulu. —Vou montar um consultório na Av. Da República. E tu? — Eu... medicina privada realmente não me interessa. 3.Deslocação à esquerda clítica. Às pessoas, há-de-lhes fazer espécie como é que podemos tirar as impressões. Os gerentes, trata-os como se fossem meros contínuos. Características: A. Grau elevado de sintatização: o tópico exibe conformidade referencial, categorial,

casual, e temática com um constituinte interno ao comentário. B. Não está restringida a contextos de frase raiz:

Disseram-me que ao João, não lhe pagaram o ordenado este mês Sei que aos gerentes, os trata como se fossem míseros contínuos.

C. O constituinte interno ao comentário conectado com o tópico é obrigatoriamente um pronome clítico.

D. É iterativa, pode ocorrer mais de um tópico marcado por oração: À Maria, essa história, ainda ninguém lha contou. A nós, essa proposta, o João só no-la fez há poucos minutos.

4.Topicalização. Piscina, não sabia que tinha. A esse político, podes crer que não dou o meu voto. Características: A. Apresenta um grau elevado de sintatização: o tópico exibe conformidade referencial,

categorial, casual, e temática com um constituinte interno ao comentário. B. O constituinte elevado a tópico é necessariamente uma categoria vazia. E. Não está restringida a contextos de frase raiz:

Acho que à Maria, o João ofereceu um romance no Natal. Lamento que esse artigo, o coordenador não tenha incluído na bibliografia da cadeira.

F. É iterativa, pode ocorrer mais de um tópico marcado por oração: Ao João, sobre esse assunto, toda a gente desistiu de falar. Dinheiro, ao João, é prudente não emprestar.

5.Topicalização desviante.

Essa cerveja, eu não gosto. Esse relatório, acho que não precisamos para a reunião de hoje.

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Características: A. Exibe algum grau de sintatização. B. Ocorre tipicamente em contextos de frases-raiz. C. É aceite pelos falantes da norma culta no modo oral informal.

5. Estruturas enfáticas de foco no português europeu O português possui quatro classes de construção enfática de marcação enfática do foco com o verbo ser:

(1) O que nós lamentamos é a tua ausência.---- frase pseudoclivada (2) É a tua ausência (o) que nós s lamentamos.--- clivada (3) Nós lamentamos é a tua ausência.------------- semi-pseudoclivada (4) A tua ausência é que nós lamentamos.-------- construção com é que Pseudoclivada: 2 elementos clivadores, foco no fim da frase, depois do ser Clivada: 2 elementos clivadores, foco no início, depois do verbo ser Semi-pseudoclivada: um só clivador, foco no fim, depois do verbo ser construção com é que: um só clivador, foco no início, antes do verbo ser

6. A categoria linguística tempo

A localização temporal é relativa e nessa medida há três momentos essenciais: o ponto da fala (F) que coincide com o momento da fala (ou da enunciação), o ponto do evento (E), que diz respeito ao tempo do acontecimento descrito pela frase, e o ponto de referência (R) que serve como ponto intermédio a partir do qual se pode situar o evento (ou estado) descrito (4). Vejamos alguns exemplos:

(1) A Maria vive no Porto. (2) O Pedro saiu. (3) O Pedro tinha saído quando a Maria telefonou. Em (1), o tipo de predicado e o tempo verbal permitem-nos dizer que a situação

descrita se sobrepõe, pelo menos parcialmente, ao tempo da fala, considerando-se que os três pontos são coincidentes. No exemplo (2), a saída do Pedro ocorre num tempo passado e por isso o ponto do evento é anterior ao tempo da fala. Em (3), as situações descritas nas duas orações são anteriores ao momento da fala, mas a saída do Pedro é também anterior ao telefonema da Maria. Neste caso a oração temporal funciona como ponto de referência. Desta forma, a relação temporal dos exemplos anteriores pode ser dada pelos seguintes diagramas, tendo em conta os respetivos tempos:

7. Os tempos gramaticais simples

Pretérito Perfeito Simples(contei), Imperfeito (contava) e Mais-que-Perfeito (contara) são tempos gramaticais do passado

Do ponto de vista aspetual, o Presente do Indicativo apresenta a interessante caraterística de só ser um tempo presente, pelo menos parcialmente sobreposto ao tempo da

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enunciação, com estados (20). Com eventos observam-se alterações aspetuais, com algumas restrições quanto a culminações, processos culminados e pontos, segundo havemos de ver.

Os tempos simples do presente são o presente do indicativo e o presente do conjuntivo, sendo que ambos podem funcionar também como tempos do futuro (o do indicativo seria de um ponto de vista assertivo [=o falante compromete-se, amanhã estudo] e o do conjuntivo não assertivo [=não se compromete, pode ser que amanhã estude]).

Em épocas pretéritas da história do português o Mais-que-Perfeito simples do

indicativo foi usado com valores de Imperfeito do conjuntivo; desse época restam apenas dois usos fossilizados: Quem dera que… e Tomara que… (=oxalá que). Está viva, porém, a equivalência do Imperfeito (contava) e o condicional (contaria) em certas construções sintáticas (frases condicionais, especialmente). Na linguagem regional e popular surge ainda o Mais-que-Perfeito simples do indicativo (contara) com o valor do Imperfeito (contava) e do condicional (contaria):

E eu disse: «Raios partam o pão e cebola, sempre pão e cebola, sempre pão e cebola! Então, manos, se nós apanháramos aqui três pães alvos cheios de carne e três borrachas de vinho e três moças donzelas, não ficaríamos nós bem?» Olha a lembrança qu’houveras agora: ir à feira!; ... e o coitado o que houvera de fazer? Se o Verde Ramos fora home, já meu pai era carneiro…

O futuro simples e o condicional só aparentemente são tempos simples, porque na

realidade são formas compostas do infinitivo e as formas reduzidas do presente e do imperfeito do verbo haver:

Contar+(h)ei---contarei----contá-lo-ei Contar+(h)ia---contaria----contá-lo-ia

A presença de duas marcas acentuais diferentes nas formas com pronome mesoclítico

constituem a confirmação de tratar-se de tempos compostos: contá-lo-ei, contá-lo-ia; diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és.

8. Os tempos gramaticais compostos

O pretérito perfeito composto representa um valor aspetual iterativo, o mais-que-perfeito composto um valor temporal de anterioridade no passado e o futuro composto do conjuntivo um valor de anterioridade hipotética no passado:

---Tenho estado em Londres (=estive várias vezes) ---Tinha ido a Londres (JÁ Fora ali antes de algum evento) ---Se tiver ido a Londres= se se cumpriu (no passado) essa hipótese… --- Que tenha estado em Londres…pretérito perfeito composto do conjuntivo (tenha estado) ---Que tivesse estado…. mais que perfeito composto do conjuntivo O pretérito perfeito composto do indicativo português exprime repetição (é

inadequado não só para descrever factos que ocorreram uma única vez, mas ainda para descrever a repetição, se se quer ao mesmo tempo explicitar quantas vezes o facto se repetiu), independentemente de estar presente na oração um advérbio indicando frequência, assume eventualmente um valor de continuidade, diz respeito a um período que começa no passado mas não se conclui no passado.

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É importante ter em conta que há dois tempos do conjuntivo que somente têm forma composta: o pretérito perfeito (tenha estado) e o mais que perfeito (tivesse estado)

O pretérito perfeito do conjuntivo tem as mesmas marcas temporais e aspetuais que o pretérito perfeito composto do indicativo, e a única diferença semântica deriva de a forma indicativa ser [+ assertiva] e a do conjuntivo [-assertiva]

Como tenho estado lá muitas vezes…. (indicativo) Embora tenha estado lá muitas vezes… (conjuntivo)

Quanto ao imperfeito do conjuntivo (tivesse estado), tem as mesmas marcas temporais

e aspetuais que o o mais-que-perfeito do indicativo, e a única diferença semântica deriva de a forma indicativa ser [+ assertiva] e a do conjuntivo [-assertiva]:

Ele tinha ido ali antes do casamento…. (indicativo) Embora tivesse ido ali antes do casamento… (conjuntivo)

Os valores temporais e aspetuais do mais-que-perfeito simples e composto do

indicativo são idênticos, mas a forma simples é pouco usada: Quando cheguei ele já tinha voltado *Quando cheguei ele já voltara

Utiliza-se na linguagem escrita por razões estilísticas:

Magalhães Lima, que benevolentemente escutara todas as minhas atrevidas opiniões dos 18 anos, confessou-me o quanto o penalizava ver uma geração nova que lhe era fundamentalmente hostil.

9. Localização temporal, frequência e duração

A localização pode ser absoluta ou relativa. No primeiro caso, podem fazê-lo recorrendo a datas ou a eventos que funcionam como datas. No segundo caso, a localização depende de outra referência estabelecida pelo momento de enunciação (dêitica) ou então por alguma expressão na frase (ou texto) (anafórica). Linguísticamente, são sintagmas preposicionais com as preposições a ou em que marcam a localização temporal Exemplos:

(1) Partimos no domingo (passado). (2) Partimos na terça-feira, mas no domingo tínhamos estado em casa do Jorge. (3) O Natal é a 25 de dezembro

Chamam-se Adverbiais de frequência os advérbios de frequência propriamente ditos (duas vezes por semana) e os que envolvem quantificação fora do quadro de uma unidade temporal (todas as semanas). Linguísticamente, são sintagmas preposicionais com a preposição a que marcam a realização habitual de uma dada ação: Exemplos:

(1) eles têm ido a um espetáculo duas vezes por semana (2) eles têm ido a um espetáculo todas as semanas (3) ao domingo à tarde costumamos ir ao cinema

Os Adverbiais de duração são independentes do eixo temporal, estabelecendo a duração de intervalos de tempo ou de eventualidades através de uma relação entre a entidade medida e porções de tempo quantificadas (O atleta correu durante duas horas). Exemplos:

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(1) O atleta correu durante duas horas. (2) A criança leu o livro em duas horas. (3) A Joana foi a Amesterdão por dois dias. (4) O Rui trabalhou das nove às cinco.

10. Sequencialização dos tempos

Esta questão diz respeito à relação de dependência que se estabelece entre as leituras temporais de formas verbais de algum modo relacionadas entre si. Dito de forma simples, enquanto os tempos das frases simples identificam de um modo geral um tempo localizado em relação ao momento da enunciação, tal não acontece em muitas frases complexas e por isso não só há restrições quanto à ocorrência de tempos nas duas orações como pode haver leituras diversas.

Localização a respeito da enunciação: A Maria foi ao cinema Localização a respeito do verbo principal: O Rui disse que a Maria foi ao cinema.

O Jorge vai saber que a Maria foi ao cinema no dia anterior. Localização a respeito do verbo da subordinada: Quando a Ana chegou, a Maria foi ao

cinema. Localização idem posterior ao momento da enunciação: O Jorge vai saber daqui a

dois dias que a Maria foi ao cinema no dia anterior.

A relação com o momento da enunciação pode dar lugar a diferentes opções: Localização a respeito da enunciação: A Rita está doente. Localização relativa a um momento referido no enunciado: O Rui disse há dois dias que a Rita está doente, ? mas já não está. O Rui disse (ontem) que a Rita está doente há dois dias. O Rui disse que a Rita estava doente, mas já não está. O Rui disse há dois dias que a Rita estava doente, mas já não está. O Rui disse (ontem) que a Rita estava doente há dois dias.

Assim, poderemos dizer que a oração subordinada localiza a situação da oração principal através das diversas possibilidades de fixação do seu intervalo nas diferentes fases disponibilizadas pela situação relevante. Deste modo, quando estão envolvidos estados, estes incluem geralmente os eventos com os quais co-ocorrem ou se sobrepõem a outros estados. Quando estão envolvidos eventos, as diferentes fases relacionadas com o núcleo aspetual constituem os potenciais localizadores dos tempos dos eventos da oração principal.

11. O aspeto verbal: estados, processos culminados e culminações; processos atélicos e pontos

Uma primeira e importante distinção a fazer é entre eventos e estados tendo por base a diferença entre situações que são dinâmicas (os eventos) e situações que o não são (os estados). Por sua vez, os eventos podem ser télicos ou atélicos, isto é, tenderem para um fim ou não. Cada tipo de situação pode ter ou não duração. Exemplos:

(16) A Maria escreveu o relatório. (processo culminado) (17) A Maria ganhou a corrida. (culminação) (18) A Maria espirrou. (ponto) (19) A Maria trabalhou. (processo)

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(20) A Maria está grávida (estado).

Os estados lexicais têm algo em comum com os processos, pois são também atélicos, não delimitados por natureza e homogéneos. No entanto, distinguem-se dos processos por não serem dinâmicos e os estados não admitem qualquer pausa (intervalo) no todo homogéneo, enquanto os processos as admitem (uma pessoas não pode deixar de estar grávida durante uma hora e continuar depois, mas pode parar de trabalhar e continuar depois).

É preciso esclarecer que ser télico é a caraterística dos eventos que tendem para um fim (também se podem qualificar como delimitados); o contrário são os eventos atélicos ou não delimitados; um evento é télico quando tem um ponto de terminação em que se completa, como “traçar um círculo” ou “encontrar o tesouro”; “ser alto” ou “saber francês” são predicados atélicos

2. Aos eventos télicos chamaremos processos culminados e culminações, distinguindo-

se entre si por atribuirmos duração razoavelmente longa aos primeiros e muito breve (ou nenhuma) aos segundos.

Os processos são outro tipo de eventos, que se distinguem dos anteriores por serem atélicos.

Podemos ainda considerar os pontos, que são eventos temporalmente indivisíveis e que se distinguem das culminações por não admitirem um estado resultante. Nesta medida, não é relevante considerar questões de telecidade.

Estado: Ela está grávida Processo: Ele correu esta manhã Processo culminado: Ele construiu a sua casa Culminação: Ele atingiu o topo do Everest Ponto: Ele piscou-lhe o olho.

Quanto aos estados, convém notar que há, pelo menos, dois tipos básicos,

os estados faseáveis poderem ocorrer em construções progressivas (estar a + inf.) O Pedro é simpático: O Pedro está a ser simpático. O Rui vive em Paris: O Rui está a viver em Paris. não faseáveis Não poderem ocorrer em construções progressivas (estar a + inf.) A Rita é alta: *A Rita está a ser alta. A Joana está contente. *A Joana está a estar contente.

12. O aspeto verbal: tipologia aspetual de Vendler (1967)

a. Verbos de estado [— resultado], [— atividade]: saber, amar, crer, desejar, ter, etc. b. Verbos de culminação (achievements) [+ resultado], [— actividad]: encontrar, explodir, alcançar, morrer, concluir, etc. C. Verbos de atividade [— resultado], [+ actividad]: trabalhar, caminhar, correr, escrever, etc. d. Verbos de realização (accomplishments) [+ resultado], [+ atividade]: pintar um quadro, construir uma casa, escrever um romance, etc. Nos substantivos derivados de verbos podemos ver as mesmas classes aspetuais. Não podemos dizer “*a construção do prédio foi instantânea” porque “construção” tem a mesma estrutura aspetual do verbo “construir” que é um verbo de realização (o que exige duração)

2 Bosque & Gutiérrez Rexach 2008 Fundamentos de Sintaxis formal, p. 300.

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i) estativos (“saber a verdade”; “amar alguém”), quando expressam eventualidades que perduram no tempo, mas que não constituem ações, não são dinâmicas. Os verbos de estado são caraterizados por uma estrutura temporal interna não-atómica, visto que o facto a que fazem referência não mostra qualquer alteração na dimensão temporal; (“Maria tem três filhos”, “A igreja situa-se na praça”) ii) de atividade (“correr”, “nadar”), que expressam eventos dinâmicos, que duram no tempo indefinidamente, i.e., sem pontos naturais de culminação; uma estrutura temporal interna atómica formada por mais de dois momentos concetuais discretos, há uma série de momentos indeterminados em que o processo vai decorrendo; existência de um ponto de chegada (o resultado) está presente nos verbos de accomplishment, mas não nos de atividade (nadar, fumar, correr, etc.). iii) accomplishments [eventos prolongados] (“construir uma casa”, “montar um móvel”), que expressam eventos dinâmicos, que duram no tempo, mas que possuem pontos naturais de culminação; uma estrutura temporal interna atómica formada por mais de dois momentos concetuais discretos, há uma série de momentos indeterminados em que o processo vai decorrendo; existência de um ponto de chegada (o resultado (por ex: Construir) está presente nos verbos de accomplishment, mas não nos de atividade iv) achievements [eventos instantáneos ou pontuais] (“acertar o alvo”, “piscar”), que expressam eventos instantâneos. Os verbos que designam achievements apresentam uma estrutura temporal interna atómica constituída por dois submomentos discretos. O verbo quebrar, por exemplo, situa-se nesta classe, pois designa a transição de um estado para outro, estando em jogo somente dois segmentos temporais, aquele em que o objeto ainda está inteiro 'e aquele em que o objeto já está quebrado

TEMA III 1. O SN sujeito 2. O SV (sintagma verbal) 3. O Sintagma Determinante.

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4. O Sintagma Nominal. 5. O significado real e virtual do Sintagma Nominal 6. 6. Os modificadores no Sintagma Nominal

6.1. Adjetivos 6.2. Sintagma preposicional 6.3. Orações relativas e aparentadas 6.4. Oração subordinada infinitiva 6.5. Aposto nominal ou adjetival 6.6. Expressões qualitativas

7. Argumentos a favor da categoria funcional FLEXÃO; 7.1. concordância Sujeito-Verbo; 7.2. acesso do SN sujeito ao nominativo; 7.3. movimento do Verbo

8. Sujeitos nulos e consequências sintáticas 9. Elevação do sujeito para sujeito 10. Elevação do objeto 11. As subordinadas completivas não finitas 12. A distribuição do infinitivo flexionado em infinitivas canónicas 3. O conceito de “constituinte”

Será que o SN e o SV são grupos naturais, funcionando como unidades sintáticas em relação a processos gramaticais da língua?

Se a resposta for positiva, então uma análise isolando estes dois elementos na frase justifica-se plenamente.

Para avaliarmos isso é necessário partir do conceito de constituinte. Constituinte é uma unidade sintática que funciona com um todo relativamente à estrutura em que está inserido, e isso manifesta-se em processos como:

—o movimento —o apagamento —a pronominalização —a focalização, etc.

3. O SN sujeito

Comecemos pelo SN sujeito. Existe um processo gramatical, chamado TOPICALIZAÇÃO, e que relaciona duas frases da seguinte.maneira:

2. (12) a. o piloto abateu aqueles caças inimigos b. abateu aqueles caças inimigos, o piloto

É a este processo geral de passagem de uma determinada sequência de elementos, do

início de uma frase para a sua parte final, que denominamos de TOPICALIZAÇÂO (à direita - .na medida em que os elementos vão ocorrer no final da frase, no seu lado direito, portanto; a este processo corresponde aliás um processo inverso, de TOPICALIZAÇÃO à esquerda, e que terá como efeito passar elementos do final de uma frase para o seu início).

O que podemos ver facilmente é que o sujeito pode ser topicalizado: Por outra parte, o sujeito pode ser substituído por um pronome.

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Se o primeiro grande bloco da frase é substituível por um pronome, isto prova que se trata de um grupo natural:

2. (25) a. o piloto abateu aqueles caças inimigos b. ele abateu aqueles caças inimigos

2. (26) a. o jardim zoológico de Lisboa encomendou um hipopótamo especial que come erva dez vezes por dia b. ele encomendou um hipopótamo especial que come erva dez vezes por dia

2. (27) a. os camionistas transportaram as raparigas para o porto b. eles transportaram as raparigas para o porto

2. (28) a. o Carlos comprou esse tabaco ao contrabandista b. ele comprou esse tabaco ao contrabandista

2. (29) a. um tigre que eu tinha caçado na Bengália fugiu da jaula b. ele fugiu da jaula

2. (30) a. a tua casa de campo é encantadora b. ela é encantadora

2. (31) a. o João e a Maria desmaiaram b. eles desmaiaram

2. (32) a. cães ladraram b. eles ladraram

Se procedêssemos a esta substituição baseando-nos em qualquer outra análise, obteríamos resultados incorretos. Finalmente, faremos uso de um último processo gramatical. Consiste ele em colocar em posição de contraste determinados elementos de uma frase. Para isso vamos converter em foco contrastivo os elementos em causa formando construções clivadas. O mecanismo gramatical deste processo consiste em colocar esses elementos, no início da frase, entre uma forma flexionada do verbo ser e a partícula que. Assim, por exemplo, colocando em posição de contraste o SN sujeito de 2. (1) a., obtemos:

2. (25-b) foi o piloto que abateu aqueles caças inimigos (e não o co-piloto) Mais uma vez podemos verificar que apenas a sequência que a nossa análise isolou como sendo o SN sujeito pode ocorrer em posição de contraste. Deste modo encontramos, para as frases de 2. (25), sistematicamente, as seguintes frases (para além de 2. (25-b):

2. (25-c) a. foi o jardim zoológico de Lisboa que encomendou um hipopótamo especial que come erva dez vezes por dia b. foram os camionistas que transportaram as raparigas para o porto c. foi o Carlos que comprou esse tabaco ao contrabandista d. foi um tigre que eu tinha caçado na Bengália que fugiu da jaula e. é a tua casa de campo que é encantadora f. foi o João e a Maria que desmaiaram g. foram cães que ladraram

3. O SV (sintagma verbal)

A descrição aqui apresentada deste processo chega-nos para mostrar que o segundo

grande bloco em que dividimos as frases através de uma análise em CI é, tal como o primeiro, um grupo natural, pois funciona como uma unidade homogénea, indivisível, num processo sintático-semântico da língua. Isto constitui uma prova a corroborar o seu isolamento pela análise como um dos grandes constituintes imediatos da Frase.

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Todas as frases do português (com algumas excepções aparentes a que já nos referimos) contêm, como Constituintes imediatos, um SN e um 5V.

Procedendo como em relação ao SN sujeito, vamos tentar encontrar um processo gramatical no qual o segundo grande constituinte imediato da Frase funcione como uma unidade, um grupo natural. Assim, consideremos as frases de .(46):

2. (46) a. o piloto abateu aqueles caças inimigos, e o astronauta também ofez b. o jardim zoológico de Lisboa encomendou um hipopótamo especial que come erva dez vezes por dia, mas o jardim botânico não c. os camionistas transportaram as raparigas para o porto e não deixaram os marinheiros fazê-lo d. o Carlos comprou esse tabaco ao contrabandista, mas a brigada dos narcóticos apanhou-o com a boca na botija afazer isso e. um tigre que eu tinha caçado na Bengália fugiu da jaula, e o leão que eu capturei na Malásia também f. a tua casa de campo é encantadora, e a vivenda do teu tio também g. o João e a Maria desmaiaram, e os meus irmãos também h. cães ladraram, e as hienas também o fizeram

Todas estas frases são formadas por duas frases simples coordenadas, a primeira das quais retoma cada uma das frases de 2. (1), sendo a segunda uma «oração incompleta'>, com um SN sujeito diferente do da frase simples anterior (exceto em 2. (46) c.), e seguindo-se a ele outros elementos diversos, que incluem, conforme os casos, formas do verbo, fazer, pronomes (o, Isso), e o advérbio também. Qualquer dessas seguridas frases se pode dizer «incompleta» quanto à forma, mas de modo nenhum quanto ao sentido, quanto à significação.

4. O Sintagma Determinante.

O sintagma nomina (SN) é uma categoria sintática que cumpre a função de um nome. (a) alguns livros (b) alguns livros de linguística (e) alguns livros de História que comprei ontem (d) alguns livros antigos de História

Além do núcleo, os nomes (discussão, livros), o SN pode incluir complementos (sobre

propinas, de História), determinantes ou quantificadores (a, alguns) e modificadores, que categorialmente podem ser adjetivais (importante, antigos), preposicionais (na Faculdade) ou oracionais (veja-se a oração relativa que comprei ontem).

O SN é constituído por uma estrutura lexical e por uma estrutura funcional, constituída pelos elementos que se encontram à esquerda do nome: os determinantes (os livros) e as diversas formas de quantificação (os quantificadores propriamente ditos [alguns livros], as expressões quantitativas [uma dúzia de livros] e as expressões partitivas [metade desses livros]).

Quer os determinantes quer os quantificadores permitem criar, a partir do nome, uma expressão referencial. Desta maneira, os determinantes e os quantificadores podem ser considerados o núcleo da categoria no seu todo, sendo o nome o núcleo da parte lexical da categoria.

Uma expressão nominal referencial pode ser descrita pela categoria sintagma determinante (SD) ou, quando se justifique, pela categoria sintagma quantificador (SQ), tendo como núcleo, respetivamente, a categoria funcional determinante (D) ou a categoria funcional quantificador (Q).

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A parte lexical da categoria, que contém o nome e eventualmente os complementos do nome, é o que se designa como sintagma nominal (SN).

Determinantes:

O termo 'determinante' cobre uma classe limitada de elementos que precedem o nome

e que servem para construir valores referenciais de individualização das expressões nominais, diferentes da quantificação; com este termo se designam os artigos, os demonstrativos e os possessivos.

As propriedades sintácticas e semânticas dos determinantes permitem proceder a dois tipos diferentes de agrupamento dessa classe tradicional:

(a) Por um lado, é possível distinguir os artigos (não dêicticos) dos dêicticos, incluindo-se nestes últimos os demonstrativos e os possessivos:

+ definidos — definidos —Dêicticos Artigos definidos Artigos indefinidos + Dêiticos Demonstrativos Possessivos

(b) Por outro lado, é possível aproximar artigos definidos e demonstrativos, visto

ocorrerem em distribuição complementar e serem semanticamente definidos, em contraste com os possessivos, que co-ocorrem com artigos ou demonstrativos e não são inerentemente definidos:

Existem dois tipos de artigos, os definidos e os indefinidos. Distinguem-se por algumas propriedades, intimamente relacionadas com os respectivos valores semânticos:

Os artigos indefinidos não podem preceder nomes próprios: (a) *Vi uma Maria. (b) Vi a Maria. Os artigos indefinidos nunca podem seguir todos ou ambos: (a) Todos os dias ela telefona. (b) *Todos uns dias ela telefona. (c) Ambas as pessoas chegaram. (d) *Ambas umas pessoas chegaram. Os artigos precedem sempre os nomes e surgem em distribuição complementar

relativamente aos demonstrativos: (a) Ela viu as cartas. (b) *Ela viu as estas cartas.

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(c) Ela viu estas cartas. Os artigos definidos não podem surgir isolados, quer por elipse do nome quer por

movimento do nome e do complemento (ao contrário dos indefinidos e de outras formas de quantificação):

(a) *A Maria viu as. (b) A Maria viu umas / várias / algumas. (c) *Livros de história, li os. (d) Livros de história, li um / uns. (movimiento do núcleo: topicalização à

esquerda) Os possessivos têm uma dupla natureza lexical-funcional. Um SD também pode ser constituído por pronomes pessoais, ou por pronomes demonstrativos. Em certos contextos a sintaxe do português o SN sem determinante; por exemplo, como Complemento Direto de verbos que definem estados de carácter subjetivo: Vivemos num

planeta que adora futebol; A gente simples gosta de nomes arrevesados, como Diocleciano,

Telésforo e Vanessa Andreia; O João detesta batatas; Não tem filos mas adora crianças; João

Cardigos confessa sem rodeios que odeia jornalistas; O Príncipe Filipe, marido da Rainha de

Inglaterra prefere cerveja e salada de ovo a champanhe e caviar, etc.

5. O Significado real e virtual do Sintagma Nominal

Comecemos por observar a distinção entre realidade e virtualidade em sintagmas nominais definidos. O seu valor é real no primeiro dos dois paradigmas que se seguem e virtual no segundo:

(α) a. Conheci o primeiro homem que pisou a lua b. O livro que eu levei para a viagem foi o último romance do Philip Roth c. Já encontrei as chaves do carro.

(β) a. O primeiro homem que chegar a Marte ficará na História. b. O livro que eu levaria para uma ilha deserta ainda está por escrever. c. Procuro o elixir da juventude.

No que respeita a sintagmas nominais indefinidos, a oposição entre os valores real e

virtual está patente nos seguintes dados:

(γ) a. O Paulo casou com uma astronauta portuguesa. b. O Paulo quer casar com uma astronauta portuguesa. Conheci-a ontem numa festa. c. O Paulo quer casar com uma astronauta portuguesa Será que encontra uma?

Vejamos outros pares de frases que exibem a mesma oposição, com valor real no

primeiro membro de cada par e virtual no segundo:

(δ) a. O embaixador acredita que um dos seus secretários é espião. Vai mandá-lo vigiar. b. O embaixador acredita que um dos seus secretários é espião. Vai ver se consegue identificá-lo.

(ε) a. O diretor anda à procura de uma secretária. Parece que só ela é que tem um número de telefone de que ele precisa.

b. O diretor anda à procura de uma secretária. Prefere que fale várias línguas estrangeiras.

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(ζ) a. O diretor anda à procura de uma secretária que fala várias línguas estrangeiras. b. O diretor anda à procura de uma secretária que fale várias línguas estrangeiras.

Nas frases de δ, o verbo acreditar permite quer a interpretação real, na primeira frase, quer a

virtual, na segunda. Em ε, é o predicador andar à procura que induz a ambiguidade. Num

caso como noutro, a desambiguação resulta do texto subsequente. Em e ζ, o modo indicativo (fala) na oração relativa que modifica o nome secretária induz realidade e o modo conjuntivo (fale) induz virtualidade.

6. Os modificadores no sintagma nominal Os modificadores restritivos limitam o domínio de referência da expressão nominal; categorialmente podem ser SPs (os adjuntos a SN a que já fizemos referência em 11.2.1), adjectivais e oracionais. Os modificadores apositivos constituem um comentário avaliativo do locutor sobre uma entidade denotada pela expressão nominal; categorialmente podem ser frásicos (as relativas apositivas), nominais ou adjectivais (os apostos, na terminologia tradicional). Podem ser modificadores no sintagma nominal as categorías seguintes:

a) Um sintagma adjetivo b) Um sintagma preposicional c) Uma oração subordinada relativa d) Uma oração subordinada infinitiva preposicional (final ou gerundial) e) Um aposto nominal ou adjetival, entre pausas f) Uma expressão qualitativa

A) adjetivos É necessário destacar que o português admite adjectivos em posição pós-nominal e em posição pré-nominal. Muitos adjectivos qualificativos podem ocorrer nas duas posições:

uma criança bonita / uma bonita criança A posição pós-nominal está associada a uma interpretação restritiva, predicativa, especificadora. Em relação a certos adjectivos esta posição está reservada ao significado mais

objectivo ou denotativo (como em um homem pobre), enquanto a posição pré-nominal, para os mesmos adjectivos, está geralmente associada à leitura mais subjectiva (como em um

pobre homem). Alguns adjectivos qualificativos só ocorrem em posição pós-nominal: é o caso dos adjectivos de tipo classificatório, técnicos e de relação, e os que designam forma, cor, estado, dimensão: um triângulo equilátero / * equilátero triângulo

o turismo estudantil / * estudantil turismo um vestido vermelho / *um vermelho vestido a mulher portuguesa / *a portuguesa mulher

Estes últimos adjectivos são não graduáveis. Havendo no SN dois adjectivos, um não graduável e um graduável, o N é precedido do graduável e seguido do não graduável; ou é seguido pelos dois, primeiro o não graduável e a seguir o graduável:

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a atual situação política / a situação política atual um enorme fruto amarelo / um fruto amarelo enorme

Os adjectivos que estão, de algum modo, ligados a uma interpretação quantificadora (mero,

simples) só aparecem em posição pré-nominal: um mero incidente / *um incidente mero

É também o que acontece com diversos, raros, certos, próprio (s), qualquer/quaisquer, único(s): enquanto quantificadores ocupam a posição pré-nominal:

Comprei diversos livros. Encontrei uma certa pessoa. Raras pessoas se aperceberam disso.

Em posição pós-nominal têm valor de adjectivos qualificativos: Isso é um assunto diverso (= diferente). Ele é um amigo certo (= seguro). Ele colecciona objectos raros (= difíceis de encontrar).

B) Sintagma preposicional

Preposições e locuções prepositivas, juntamente com a categoria sintagmática que se

lhes segue, um SN ou uma Frase, formam um sintagma preposicional (SP); ou, por outras palavras, o núcleo da categoria sintagmática SP é uma preposição ou uma locução prepositiva que tem a propriedade de seleccionar um complemento.

O livro de matemática da Inês

A capital do Egito As filhas do Presidente A larga maioria das preposições e locuções prepositivas, sendo categorias relacionais,

não pode ocorrer isoladas, sendo seguida de um SN ou de uma frase (finita ou infinitiva, como em ‘Eu disse para tu vires’). No entanto, algumas preposições e locuções prepositivas podem surgir sozinhas, sendo de presumir que os seus argumentos sejam nulos:

(a) Vá em frente. (b) O supermercado fica mesmo ao pé. (c) Estou contra.

Nem só o SN é complemento de uma preposição ou de uma locução prepositiva.

Também frases podem servir-lhes de complemento: (a) Tenho uma casa para viver com os meus irmãos. (b) Tinha interesse em saber o seu nome. (c) Devias sorrir em vez de estar sempre a resmungar.

As sequências em itálico nos exemplos (α) comportam-se como um constituinte e os advérbios mesmo, exatamente e só fazem parte do SP:

(a) Ele parou mesmo em frente da casa (b) O Manuel trouxe isto exatamente de Paris (c) O Luis foi ao cinema só com a Maria Ou: (a) Mesmo em frente da casa ele parou (b) Exatamente de Paris trouxe o Manuel isto (c) Só com a Maria ele foi ao cinema

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Por esta razão, uma estrutura de núcleo e complemento não é suficiente para dar conta destes exemplos e propõe-se a estrutura sintáctica seguinte formada por núcleo, complemento e uma posição de especificador, ocupada por advérbios:

C) Orações relativas e aparentadas

São também modificadores nominais as orações relativas; estas são de dois tipos: i) as relativas restritivas ou determinativas contribuem para a construção do valor

referencial da expressão nominal e por isso não podem ser separadas do antecedente por pausas

O chapéu que estava no armário desapareceu. O homem de quem tu me falaste está a chorar. Compraram uma toalha com que cobriram a mesa.

ii) as relativas apositivas ou explicativas ou não restritivas não contribuem para a

construção do valor referencial da expressão nominal que a antecede, servindo de comentário do locutor relativamente à entidade denotada pela expressão nominal antecedente; por esta razão estas orações estão relacionadas com os apostos:

O António, que faz anos amanhã, regressou do estrangeiro. Lisboa, que é a capital de Portugal, é uma cidade com uma luz especial. Os teus primos, que vivem na Califórnia, chegam hoje. Eu, que tanto me esforcei, cheguei em último lugar.

D) Oração subordinada infinitiva preposicional (final ou gerundial)

Pode também fazer parte do SN um tipo de construção aparentada com as relativas: trata-se de orações infinitivas com sentido final e que tradicionalmente são tratadas como orações subordinadas finais:

Herdei uma casa para viver. Tal como as relativas, estas orações não podem ser separadas do seu antecedente; compare-se (118a) com (118b):

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?? Uma casa foi herdada por mim para viver. Em português um sintagma nominal pode ter como modificador uma oração subordinada de infinitivo preposicionado com a preposição a:

O Presidente da República manifestou-se, esta sexta-feira, convicto de que a saída do Reino Unido da União Europeia não põe em causa os interesses de Portugal e dos portugueses a viver e trabalhar naquele país (JN online, 24-VI-2016). [=que estão a viver e trabalhar naquele país].

Aos 24 anos, Leonor Teles tornou-se a mais jovem realizadora a vencer o Urso de

Ouro para melhor curta-metragem no Festival de Cinema de Berlim (JN online, 23/II/2016)

E) Aposto nominal ou adjetival Além das orações relativas apositivas, outras expressões parentéticas, destacadas por pausas no interior do SD, constituem os apostos. Os apostos podem ser nominais e adjectivais:

Adriano, o Imperador de Roma, era um homem só. O guarda, aquele cretino, atirou dois tiros. O João, todo contente, partiu para os EUA.

Quando os apostos são importantes como forma de identificação da entidade descrita pelo SD devem ocorrer a seguir ao nominal:

*Adriano era um homem só, o Imperador de Roma. Certos apostos não são identificadores e por essa razão podem ocupar outras posições na frase:

O guarda atirou dois tiros, aquele cretino! O João partiu para os EUA, todo contente.

F) Expressões qualitativas

A posição à esquerda do nome não é exclusiva nem dos determinantes e quantificadores nem de certos adjectivos. Observem-se as seguintes frases:

O estúpido do rapaz saltou do segundo andar. A porcaria do meu carro nunca pega de manhã. Um amor de miúdo ofereceu-me uma flor. Aquele cretino do guarda atirou dois tiros. O idiota deste velho atravessou no meio da estrada.

As expressões de qualificação indicadas em são formadas pela sucessão de um determinante, um nome ou um adjectivo valorativo e a preposição de. Antecedem obrigatoriamente o núcleo do SN. Por essa razão, é inaceitável “*Do meu carro, a porcaria nunca pega de manhã”. Os exemplos em evidenciam a alteração de sentido que se dá quando o adjectivo é colocado a seguir ao nome:

O estúpido do rapaz / o rapaz estúpido O pobre do homem / o homem pobre

As expressões qualitativas, por não serem formas adjectivais típicas, não podem ser antecedidas de advérbios de grau:

* O muito estúpido do rapaz

7. Argumentos a favor da categoria funcional FLEXÃO;

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1. concordância Sujeito-Verbo;

Se atentarmos bem nas frases anteriores, reparamos que a categoria que temos vindo a designar SV contém pelo menos três tipos de informações: informações relativas à estrutura de constituintes (número e forma dos constituintes e sua ordem intrínseca), informações relativas à estrutura argumental do verbo e informações de tempo, modo, aspecto, pessoa e número.

A consciência de que informações relativas a tempo e modo são propriedades da frase e não do SV permite a formulação da hipótese de que tais informações, bem como as relativas a forma aspectual, a pessoa e número, devem estar incluídas num constituinte denominado Flexão (Flex)3.

O constituinte Fiex é uma categoria sintáctica funcional e, como tal, não se confunde com a propriedade morfológica da flexão, que, como sabemos, em línguas como o português, é caracterizada pela existência de afixos verbais. A Flex, concebida como categoria sintáctica, é sobretudo a indicação de que estamos na presença de uma proposição com tempo independente e, por outro lado, é a "marca" de que um processo sintáctico de Concordância se efectua na frase.

Também aqui a Concordância deve ser vista como um processo eminentemente sintáctico de compatibilização de informações de pessoa e número no SN sujeito e no V, independentemente da existência nesse V de marcas concretas de flexão de pessoa e de número4.

Flex pode ser considerado o núcleo funcional de uma frase flexionada, independente das informações lexicais presentes no V. E, se é assim, podemos propor para esse tipo de frases o mesmo tipo de configuração endocêntrica e binária que temos vindo a propor para outras categorias; nesta perspectiva, uma F é um sintagma flexionado (SFlex ou Flex), o que quer dizer que, independentemente dos seus constituintes SN e SV, ela é a projecção máxima de informações de Tempo (T) e de Concordância (Conc).

2. acesso do SN sujeito ao nominativo;

Tomemos então a frase (β); a sua estrutura sintáctica pode ser descrita de forma mais sofisticada do que em (19), de modo a captar as ideias acima esboçadas:

3 Nos estudos sobre o inglês, este constituinte foi inicialmente designado como AUXILIAR

(AUX). A razão invocada era o facto de no inglês as informações de tempo estarem frequentemente associadas a certos auxiliares como shall e will. No quadro da Teoria de Princípios e Parâmetros, propôs-se que a Flexão podia ser dividida em duas categorias funcionais distintas (Tempo e Concordância) (Pollock, 1989; Belletti, 1990); no quadro do Programa Minimalista, Chomsky (1995) voltou à ideia de uma só categoria funcional, Tempo. Outros autores consideram haver evidência interlinguística para considerar que existe um Parâmetro — o Parâmetro da Flexão dividida. Nas línguas que fixem o valor positivo para o Parâmetro, a frase conta com dois núcleos funcionais distintos: Concordância e Tempo — seria este o caso do português e da generalidade das línguas românicas; nas línguas que marcam o valor negativo para o Parâmetro, a frase seria a projecção funcional do núcleo não dividido Flex - se- ria o caso do inglês (cf. Bobalijk e Thráinsson, 1998; para o português Duarte, 1997; Costa, 1998a; Brito, 2001b).

4 Apesar da homonímia entre certas formas verbais em português, elas podem ter valores

sintácticos diferentes, com consequências para a forma das frases. Um exemplo: o Infinitivo não flexionado é idêntico à 1.a e 31 pessoas do Infinitivo flexionado; no entanto, tais formas não podem ser usadas indiferentemente. Não é possível dizer *eu quero ela andar de carro tantas vezes, porque um Infinitivo não flexionado não pode ser usado com sujeito próprio, mas já é possível dizer lamento ela andar de carro tantas vezes; andar é aqui o infinitivo flexionado e como tal legitima a presença de um sujeito (ver capítulo 14 da GLP).

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(β) F (= SFlex ou Flex)

Repare-se que é a presença de Flex com Tempo finito que legitima o acesso do SN sujeito ao

caso nominativo. O confronto de frases como (γa, b e c):

(γ) (a) Eu saio (b) Eu quero sair (c) *Eu quero eu sair é suficiente para percebemos que uma frase não finita como a que está contida em ... sair não legitima a presença de um sujeito lexical, o mesmo é dizer, não legitima a presença de um SN no nominativo.

A estruturas como (β) aplica-se um mecanismo de verificação das informações de Tempo e de Concordância no V e em Flex. Por outro lado, actua a Concordância, que, como dissemos, é um processo sintáctico de verificação da compatibilidade de marcas de pessoa e de número no SN sujeito e em Flex / V.

Note-se que, do ponto de vista da morfologia e também no plano da interpretação, é como se o constituinte sintáctico Flex acabasse por desaparecer. O processo de verificação das informações de Tempo e de Concordância e o consequente "desaparecimento" de Flex como constituinte sintáctico autónomo pode ser o resultado de uma de duas operações: ou uma regra de verificação das informações de Tempo e de Concordância sem repercussões na sintaxe (por subida não visível ou abstracta do V para Flex) ou verificação das mesmas informações com consequências no aspecto sintáctico (por subida visível do V para Flex).

3. movimento do Verbo Há razões para propor para o português esta segunda via5. Na verdade, a posição pós-

verbal de certos advérbios, entre outros fenómenos, é um indício do movimento sintáctico do V (6). Assim, considerem-se os seguintes exemplos:

5 O inglês tem a estratégia de verificação da Concordância sem movimento

explícito do V e por isso a ordem é SN advérbio V... (She often goes to the movies). Sobre esta problemática, ver, entre outros, Ambar (1990 e 1992), Chomsky (1995), Costa (1998b).

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(δ) (a) O Luís compra frequentemente os livros na FNAC. (b) O Luís leu cuidadosamente os textos.

Estes dois advérbios, normalmente considerados adjuntos à esquerda a SV, aparecem em posição pós-verbal. A razão para tal é o movimento do V para uma posição à esquerda dos

advérbios, precisamente para a categoria funcional Flex7. Veja-se em (ζ) a Estrutura-S da

frase (δa):

(ζ)

Como veremos em 12.3., o movimento de V para Flex constitui o passo intermédio do movimento do V para outras posições, como é o movimento para a posição de Complementador (C ou Comp), estratégia que opera, por exemplo, nas interrogativas parciais.

8. Sujeitos nulos e consequências sintácticas

Comparando frases como (αa, b), verificamos que elas apenas diferem na presença / ausência do sujeito pronominal:

(α) (a) Eu comprei um livro. (b) Comprei um livro.

Como todos os gramáticos têm notado, é a existência de uma flexão verbal rica que permite em português sujeitos nulos ou subentendidos; de facto, os morfemas flexionais são tão variados que, na grande maioria dos casos, permitem recuperar o sujeito, mesmo quando

6 Na verdade, a questão é bastante complexa, porque, simultaneamente, o

português admite várias posições deste tipo de advérbios, como vimos em 11.6. 7 Em frases com verbos auxiliares as informações de T e Conc são afixadas no

primeiro auxiliar e não no verbo principal: O Luís tem comprado muitos livros; Eles podem comprar muitos livros; Eles podem ter comprado muitos livros. O movimento de V pode, portanto, afectar auxiliares.

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este está ausente. A única "excepção" é o que se passa com certas formas verbais de 1a/3 a pessoas, que podem ser idênticas, como no Imperfeito do Indicativo. Assim, em:

(β) (a) Cantava muito naquele Verão. (b) Corria por montes e vales.

a flexão não é suficiente para recuperar o conteúdo do sujeito e para isso têm de contribuir informações adicionais do contexto linguístico ou situacional.

O sujeito subentendido é um sujeito pronominal não realizado e que precisa de ser legitimado e identificado: legitimado por Fiex e identificado pelos traços de pessoa e de número da Concordância.

A estrutura sintáctica de (α) pode então ser representada do seguinte modo: F (= SFlex ou Flex")

Os traços de pessoa e número da Concordância de Flex identificam o SN sujeito como

primeira pessoa e singular: tal identificação permite, usando a terminologia tradicional, "subentender" o sujeito.

Mas a questão dos sujeitos nulos não é apenas um problema de natureza morfológica; na verdade, a sintaxe do português e o confronto com outras línguas que não têm esta propriedade permitem chegar à conclusão de que certos fenómenos sintácticos, aparentemente não relacionados, decorrem desta propriedade. As línguas em que o sujeito pode ser nulo permitem a inversão, ou seja, a colocação do sujeito depois do verbo (Chegou a Maria,

nasceu o bebé); as línguas em que o sujeito nulo não é permitido, a inversão tamém não é possível.

9. Elevação do sujeito para sujeito

Nas investigações de sintaxe generativa, vários autores puseram de manifesto que o sujeito “As crianças” da frase “As crianças parecem dormir” não é um verdadeiro sujeito. O principal argumento é o seguinte:

Nos exemplos de (1) o uso do pronome “se” não gera nenhum problema:

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(1)a. Vende-se barato na Feira da Ladra b. Ou se é bom ou se é mau c. Nos países do mundo critica-se muito a Academia sueca (2) a. * No campo ergue-se-se cedo

b. * Ia-se queixar-se, mas depois decidiu-se que não c. * Na igreja reza-se e arrepende-se-se

(3) a. *Neste bairro ladra-se dia e noite porque há muitos cães b. * Nos lugares que têm muitos rios, flui-se constantemente c. * Em Portugal decorre-se cada quinze dias

Mas em (2) surgem problemas, porque o pronome “se” chamado “impessoal” não se

pode usar quando o verbo é reflexivo ou pronominal. Em (3) surge ainda outra restrição: o “se” impessoal só pode aparecer com verbos que têm sujeito [+humano]:

**Nesta rua ladra-e muito porque há muitos cães **Nesta região flui-se muito porque há muito ríos

A conclusão é: pode-se usar o pronome impessoal “se” com qualquer verbo não reflexivo que admita sujeitos humanos:

O João secou a roupa-----secou-se a roupa Os convidados acabaram o vinho----acabou-se o vinho Os marinheiros afundaram o barco por ordem do capitão---afundou-se o barco por

ordem do capitão. Segundo este raciocínio, na frase “As crianças parecem dormir” deveria ser possível substituir o sujeito por um “se” impessoal; mas o resultado é incorreto:

As crianças parecem dormir-----* Parece-se dormir Qual é o motivo? O motivo é que “As crianças” somente é sujeito de “dormir” na estrutura superficial; na estrutura profunda é sujeito de “dormir”. Foi aplicada uma regra que recebe o nome de “Elevação do sujeito como sujeito”, que converte o sujeito da subordinada em sujeito da principal. O verbo de elevação é um verbo que não tem sujeito e que, ao selecionar uma completiva como objeto direto, permite que o sujeito dessa completiva venha a ser sujeito da oração subordinante (frase superior).

Atentemos nos exemplos.

a) Parece que os alunos estragaram o pavilhão.

Construção de elevação correspondente:

b) Os alunos parecem ter estragado o pavilhão.

«Alunos» é selecionado pelo verbo estragar como sujeito. O facto de haver concordância do verbo parecer prova que se trata de uma construção de elevação.

De outra ordem é a estrutura:

c) Os alunos parece que estão contentes.

que é apenas uma construção com tópicos marcados.

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Outro aspeto a ter em conta é que a construção de elevação só o é, de facto, quando a completiva está no infinitivo não flexionado («ter estragado»/«estragar»).

O verbo parecer é um verbo de elevação típico em várias línguas. São igualmente verbos de elevação (que, aliás, só ocorrem em estruturas de elevação) os verbos dever e poder:

d) Os alunos devem entregar os trabalhos amanhã.

O termo linguístico elevação é um termo semanticamente concordante com superior [ativado em «frase superior» e «verbo superior»] que, por sua vez, vinca a estrutura hierárquica da subordinação8.

(α) As crianças parecem ter saltado o muro.

Devido a estas propriedades, dizemos que, em “As crianças parecem ter saltado o

muro”, o sintagma nominal em negrito é "elevado" da função de sujeito da oração subordinada para a função de sujeito da oração principal, ou seja, do verbo parecer; logo,

8 Sobre construções de elevação, ver: Duarte, Inês 2003 – “Subordinação completiva – as orações

completivas” in Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho: 593-651.

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desencadeia concordância com este verbo em pessoa e número, mas não recebe dele qualquer papel temático nem tem qualquer estatuto argumental na oração principal.

O nome "elevação" provém de uma análise dinâmica do exemplo (α) proposta no âmbito da gramática generativa. Nesta análise, o sintagma nominal sujeito da oração principal de (α) começa por ser sujeito da oração infinitiva subordinada, na qual lhe é atribuído um papel temático. Posteriormente, esse SN é "movido", ou "elevado", para a função de sujeito de parecer na oração principal, e substituído na oração subordinada por um sintagma nominal "abstrato", sem realização fonética (que também representamos por "[-]"), como se ilustra em (i) relativamente ao exemplo (138):

(i) a. Parece [0,as crianças ter saltado o muro]. b. As crianças parecem [, [-] ter saltado o muro

As duas estruturas (ia) e (ib) são consideradas "níveis estruturais" distintos de (α). Do ponto de vista semântico, o nível que conta é o primeiro, no qual o verbo parecer seleciona apenas um sujeito oracional e o sintagma nominal em itálico mantém uma função gramatical e um papel temático apenas na oração subordinada, ambos associados ao verbo pleno saltar.

Repare-se que a estrutura inicial (ia) não corresponde a nenhuma frase gramatical da língua, em virtude de a estrutura infinitiva simples ter um sujeito foneticamente realizado, o que já vimos não ser possível em português (cf. a impossibilidade de *parece as crianças ter saltado o muro, sem flexão em ter).

São em número reduzido os verbos que admitem a construção de elevação do sujeito para sujeito. Para além de parecer, incluem-se neste grupo calhar, demorar e tardar, como se ilustra nos exemplos:

a. Se nós calhávamos [Or [-] ir a qualquer sítio], as crianças protestavam. b. Eles não tardaram em [Or [-] ser amantes].

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c. As pessoas demoraram {ern/a/até} [Or [-] perceber a gravidade da situação9. Embora seja estigmatizada na norma-padrão como anglicismo (cf. they are supposed to

arrive on time), alguns falantes admitem a elevação do sujeito para sujeito com o predicador adjetival suposto, em orações principais copulativas, como se exemplifica em (ia), que corresponde às frases de (ib,c), sem elevação:

(i) a. Eles são supostos [[-] chegar a tempo]. b. É suposto [que eles cheguem a tempo]. c. É suposto [eles chegarem a tempo].

Também o verbo intransitivo faltar aceita a construção de elevação do sujeito para sujeito em circunstâncias particulares. Este verbo pode construir-se com um sujeito oracional no infinitivo flexionado, como em (i) (coloca-se o sujeito da oração infinitiva em itálico): (ii) a. Falta [ dançarem três concorrentes].

b. Falta [ algunsciclistas chegarem à meta]. C. Falta [serem recolhidos dois boletins de voto].

d. Falta [dois juízes classificarem o concorrente]. Curiosamente, correspondendo aos exemplos (iia-c), muitos falantes aceitam frases com elevação do sujeito, ilustradas em (iiia-c); nestes exemplos, o sintagma nominal em itálico, ainda que ocorra em posição final, é sujeito da oração principal, concordando com o seu predicador (o verbo faltar); a oração subordinada, por seu lado, tem o verbo no infinitivo não flexionado. O exemplo (iid), no entanto, não permite a elevação, como mostra a não gramaticalidade de (iíid): (ii) a. Faltam [[-] dançar] três concorrentes. b. Faltam [[-] chegar à meta] alguns ciclistas. C. Faltam [[-] ser recolhidos] dais boletins de voto.

d. *Faltam [[-] classificar o concorrente] dois juízes.

10.-Elevação do objeto Na construção de elevação do objeto, o sujeito da oração principal corresponde, do

ponto de vista semântico, ao complemento direto da oração subordinada, representado pelo segundo '[-]' nos exemplos (cf. arranjar esses relógios, aturar essas crianças, encontrar a rua onde ela mora e encontrá-las10:

(δ) a. Esses relógios são difíceis de [[-] arranjar [-]]. b. Essas crianças são impossíveis de [[-] aturar c. A rua onde ela mora é fácil de []-] encontrar d. Elas demoraram [a encontrar [-]].

Outra característica da construção de elevação do objeto é o facto de ser

obrigatoriamente preposicionada, sendo de a preposição introdutória quando o predicador da oração principal é de natureza adjetival.

9 Com o verbo demorar, a oração subordinada é opcionalmente regida por uma das preposições a,

até OU em, havendo variação entre os falantes. 10

O primeiro '[-]’ das frases de (155) ó o sujeito implícito da oração infinitiva, que, neste caso, em que não bá um possível controlador na oração subordinante, tem a interpretação indefinida típica das estruturas de controlo não obrigatório.

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A elevação do objeto ocorre tipicamente em frases copulativas com predicadores

adjetivais de sentido modal ou semelhante, incluindo chato, difícil, fácil, impossível e maçador, sendo mais aceitável quando o sentido destes predicadores é negativo. São raros os predicadores verbais que aceitam a construção, sendo uma exceção o verbo demorar, assim como o verbo faltar.

Às frases de (155) correspondem exemplos sem elevação, em que os sintagmas em itálico têm unicamente a função gramatical de complemento direto da oração subordinada:

(ε) a. É difícil [ [-] arranjar esses relógios]. b. É impossível [-] aturar essas crianças]. c. É fácil i, [-] encontrar a rua onde ela mora]. d. Demorou [(a) encontrá-las]11

As frases de (ε) são estruturas de controlo não obrigatório, partilhando com as de (155) a natureza indefinida do sujeito da oração infinitiva. 11. As subordinadas completivas não finitas

As completivas não finitas, quer sejam seleccionadas por verbos, nomes ou adjectivos, apresentam o verbo no infinitivo, flexionado ou não flexionado, como se pode observar nos exemplos (α):

(α) O João lamenta [os pedreiros não terem concluído a obra] Os pedreiros lamentam [não ter concluído a obra] É difícil [recebermos a informação a tempo] Os contribuintes estão ansiosos por [receber a informação a tempo] Foi uma surpresa [eles terem chegado ontem de Budapeste] Elas têm sempre medo de [perder o avião]

Os exemplos acima mostram que, ao contrário das completivas finitas, as completivas

não finitas não são geralmente introduzidas por complementadores com realização lexical. Apenas as completivas não finitas seleccionadas por alguns verbos declarativos de ordem (dizer, insistir, pedir, rogar, solicitar) têm um complementador lexical, a forma para:

(a) Os pais disseram aos miúdos [para vir(em) para casa cedo]. (b) Os jornalistas pediram ao chefe de redacção [para mandar um repórter ao Médio Oriente]. A forma para que introduz as completivas não finitas com esta subclasse de verbos

tem o estatuto de complementador e não de uma verdadeira preposição, As completivas finitas são introduzidas normalmente pelo complementador que;

podem ser: a) de nome: é uma pena que digas isso b) de verbo: quero que não digas isso c) de adjetivo: é fácil que digas isso.

11

Mau grado ser introduzida por urna preposição, a oração selecionada pelo verbo demorar tem, em (εd), a função de sujeito da frase complexa, podendo ser substituída por isso, e não por a isso: cf. isso demorou VS. *a isso demorou ou *demorou a isso. Conclui-se assim que, de modo semelhante aos verbos diretivos dizer, implorar, insistir e pedir, também a preposição a que ocorre como demorar funciona como um complementador interno à oração, não sendo, pois, uma preposição externa introduzindo um complemento oracional oblíquo.

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As completivas não finitas podem ser de dois tipos:

a) canónicas: são as que não se podem substituir por orações gerundivas. Podem ser de infinitivo não flexionado ou de infinitivo flexionado.

b) não canónicas: são as que se podem substituir por orações gerundivas, e são as chamadas orações de infinitivo preposicionado: “Vi os meninos a devorar(em) os

gelados [=devorando os gelados] Também podem ser de infinitivo não flexionado ou de infinitivo flexionado.

As propriedades do Núcleo funcional Flexão das infinitivas canónicas são as seguintes:

12.A distribuição do infinitivo flexionado em infinitivas canónicas

A distribuição do infinitivo flexionado em infinitivas canónicas

Como os exemplos (β) mostram, o infinitivo flexionado não pode ocorrer em todos os tipos de infinitivas canónicas:

(β) (a) *Os miúdos querem [irem (eles) acampar no próximo fim-de-semana]. (b) *precisamos de [sabermos o prazo de entrega do relatório final].

A distribuição do infinitivo flexionado nas infinitivas canónicas é condicionada por

dois factores: (i) ocorrência da completiva no contexto de um atribuidor de Caso; (ii) estatuto temporal da oração infinitiva.

Tendo o núcleo das orações com infinitivo flexionado um estatuto essencialmente

nominal, uma vez que a marca preponderante da Flexão é a Concordância, estas orações comportam-se como constituintes nominais relativamente aos requisitos de Caso. Assim, só são legítimas em posições casualmente marcadas.

Os atribuidores de Caso que legitimam completivas com infinitivo flexionado podem

ser: (i) a Flexão finita da frase que contém o núcleo lexical que as seleciona, quando as completivas têm a relação gramatical de sujeito (cf. (γ)); (ii) uma verdadeira preposição ou um marcador casual preposicional, em completivas verbais, adjectivais e nominais com relações gramaticais oblíquas (cf. (δ)); (iii) um verbo com traço casual acusativo, em completivas verbais com a relação gramatical de objecto directo (cf. (ε)):

(γ) (a) [Os miúdos terem chegado cedo a casa] surpreendeu-nos. (b) E incrível [ainda não nos terem comunicado a decisão]. (c) É um perigo [viveres perto de linhas de alta tensão].

(δ) (a) O problema reside em [não sabermos quantas variáveis devemos controlar]. (b) Os alunos estão receosos de [terem uma má classificação no exame]. (c) Agrada-me a ideia de [passarmos férias juntos].

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(ε) (a) O João pensa [devermos nós dar-lhe a notícia em primeira mão]. (b) O júri criticou [os candidatos não terem referido a sua participação em

projectos de investigação]. Contudo, nem em todos os contextos em que uma completiva não finita é acessível a

Caso pode ocorrer infinitivo flexionado, como os exemplos (β) mostram — repare-se que frases como as exemplificadas em (ζ) mostram que verbos volitivos como querer são atribuidores de Caso acusativo:

(ζ) (a) O João quer [SN uma casa com sótão]. (b) P: - Os teus primos querem [passar férias connosco]?

R: - Sim, querem-no.

Para dar conta do contraste de gramaticalidade entre frases como (β) e (ε), é necessário ter em conta o estatuto temporal da completiva. Assim, há completivas cujas especificações temporais são independentes do tempo da frase superior, ou seja, que constituem um domínio semanticamente temporalizado; pelo contrário, existem completivas cujas especificações temporais são dependentes das da frase superior, pelo que não formam um domínio semanticamente temporalizado.

No primeiro caso, as formas verbais que podem ocorrer nas completivas finitas são variadas (cf. (21)); no segundo caso, a presença de uma dada forma temporal na frase superior condiciona a presença da forma verbal que ocorre na completiva finita (cf. (22)):

(21) (a) O João afirmou [que a Maria tinha ido / vai / irá ao cinema]. (b) O João afirma [que a Maria foi / vai / irá ao cinema].

(22) (a) O João quis [que a Maria fosse / *vá / *for ao cinema]. (b) O João quer [que a Maria *fosse / vá / *for ao cinema].

Completivas como as exemplificadas em (21) têm Tempo Independente; pelo

contrário, completivas como as exemplificadas em (22) têm Tempo Dependente. Como o contraste entre os exemplos (β) e (ε) mostra, só em completivas não finitas com Tempo Independente pode ocorrer infinitivo flexionado.

Uma forma de descrever a diferença entre Tempo Independente e Dependente é

considerar que o núcleo Comp das frases subordinadas com Tempo Independente inclui um operador temporal, o qual permite que, mesmo que a frase subordinada seja não finita, as suas especificações temporais sejam independentes das da frase superior; quando isto acontece, o núcleo Comp pode ser abreviado como C/T. Pelo contrário, tal operador está ausente das frases encaixadas com Tempo Dependente12. (Cf. GLP págs. 624-629).

12

Os verbos epistémicos (de conhecimento) e declarativos (de língua) seleccionam completivas com Tempo Independente. Nestas circunstâncias, o seu núcleo Comp alberga um operador semântico de tempo, i.e., é ComplT. A presença de T no núcleo Comp atrai o complexo formado pelo verbo e pela Flexão da frase infinitiva, que aí acedem ao Caso atribuído pelo verbo superior. Sendo por este processo legitimada casualmente, a Flexão infinitiva pode legitimar casualmente o SN na posição de Especificador da completiva.

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TEMA IV13 Teoria temática: funções temáticas e estrutura da oração

1. A estrutura temática da oração

2. Caraterização semântica das funções-θ Tema, Locativo, Fonte e Alvo

3. Caraterização semântica das funções-θ Agente e Experienciador

4. Caraterização semântica das funções-θ Causa, Instrumento Benefactivo, Malefactivo,

Via e Quantidade

5. Estrutura argumental

6. Marcação-θ direta e indireta

7. Comando de constituinte.

1. A estrutura temática da oração Tal como num sistema de lógica de predicados, as expressões linguísticas podem ser

analisadas num predicador central e num determinado número de argumentos que lhe completam o sentido, convertendo o predicador numa expressão semanticamente completa (ou saturada, para empregar um termo proposto pelo lógico alemão Gottlieb Frege). No nível da oração, o predicador mais importante é o verbo, e é sobretudo com exemplos de predicadores verbais que discutimos as noções centrais da Teoria Temática neste livro14

Cada predicador é especificado quanto ao número de argumentos que exige para formar uma expressão linguística completa. Assim, por exemplo, o verbo dormir exige um só argumento (é um predicador de um lugar, num sistema de lógica de predicados), o verbo temer exige dois argumentos (é um predicador de dois lugares), e o verbo pôr exige três argumentos, e assim sucessivamente (nos exemplos seguintes os argumentos são os SDs em itálico)15:

(1) a. O João dorme. b. Os soldados temem o general. c. O Luís pôs o livro sobre a mesa.

Na estrutura da oração, os argumentos de um predicador verbal correspondem ao

sujeito e aos complementos subcategorizados do predicador.

13 O texto é tomado de: Raposo, Eduardo Paiva (1992). Teoria da Gramática. A Faculdade da

Linguagem. Lisboa: Ed. Caminho. Págs.275-296.

14

Utilizamos o termo «predicador» em vez de «predicado» porque reservamos este último para a função gramatical desempenhada pelo VP na oração. Assim, numa expressão como os nadadores chegaram à praia, o verbo chegar é o predicador, e o VP chegaram à praia é o predicado da oração.

15

Teoricamente não existe nenhum número limite n para o qual não possa existir um predicador hipotético que tome n (ou mais) argumentos. Na realidade, contudo, não existem provavelmente predicadores com mais de quatro ou cinco argumentos. O verbo atirar, por exemplo, admite quatro argumentos, como em o Luís atirou a bola do jardim para a rua.

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Os SDs possuem propriedades semânticas constantes e propriedades semânticas variáveis. As primeiras incluem a sua «significação de dicionário» e determinados aspetos das suas propriedades referenciais. Assim, o SD o aluno denota uma determinada entidade, com determinadas caraterísticas e propriedades, diferente da entidade denotada pelo SD o

professor, qualquer que seja a oração em que ocorre. Existem no entanto outros aspetos da significação dos SDs que variam segundo a oração, e que se relacionam diretamente com o seu estatuto de argumentos de um predicador. Esses aspetos têm a ver com as relações que se estabelecem entre as entidades referidas pelos argumentos no âmbito da situação ou ação particular designada pelo predicador, isto é, têm a ver com a função semântica dos argumentos relativamente a um determinado predicador (quem faz o quê a quem, como, onde, de que modo, etc.). Consideremos as seguintes frases:

(2) a. Os alunos empurraram o professor. b. O professor empurrou os alunos. c. Os alunos assustaram o professor. d. O professor teme os alunos.

O SD o professor é o paciente da ação descrita pelo verbo em (2a); é o agente da ação

em (2b), e é a entidade que sofre um processo psicológico em (2c,d) (dizemos que é um experienciador psicológico). O SD os alunos, por sua vez, é agente em (2a), paciente em (2b), e objeto da experiência psicológica do professor em (2c,d).

Os factores que determinam esta variação são, por um lado, o significado dos

predicadores e, por outro, a função gramatical desempenhada pelos argumentos. Em (2b), o SD o professor é o agente da ação porque ocupa a posição de sujeito do verbo empurrar. Se o SD estiver na posição de objeto direto desse verbo, como em (2a), é não já o agente, mas sim o paciente.

Por outro lado, em (2d), a função gramatical do SD o professor é a mesma que em

(2b), mas o verbo da oração é diferente (temer em vez de empurrar). A mudança no predicador é pois suficiente para determinar uma mudança na função semântica do SD.

Existe pois em cada oração uma rede de relações semânticas entre o predicador e os

seus argumentos, a qual depende do predicador particular e das funções gramaticais desempenhadas pelos argumentos. A esta rede de relações semânticas de uma oração chamamos estrutura temática, e aos elementos primitivos da estrutura temática chamamos funções temáticas (como Agente, Paciente, Experienciador, etc.). Tecnicamente, dizemos que um predicador atribui uma função temática a cada um dos seus argumentos. A propriedade que os predicadores têm de seleccionar um determinado número de argumentos com uma dada função temática chama-se seleção semântica (ou seleção-s)16.

No vocabulário da teoria temática utiliza-se frequentemente a letra grega «θ» em vez da palavra «temático/a». Assim, escreve-se «função-θ» em vez de «função temática», e «teoria-θ» em vez de «teoria temática».

16

Paralelamente à expressão «seleção-s» para a seleção semântica, Chomsky (1981) utiliza a expressão «seleção-c» para a subcategorização.

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2. Caraterização semântica das funções-θ Tema, Locativo e Fonte Tema: Com verbos que denotam movimento ou troca na posse de um objeto, o Tema é o SD

que sofre movimento ou o SD trocado (O JoãoTema chegou a Lisboa; A Joana entregou a cartaTema ao Luís; Ele comprou as rosasTema à florista)Com verbos de localização, o Tema é o SD do qual se afirma a localização (O LuísTema ficou em casa; O Luís pôs o

livroTema na mesa) Jackendoff propõe que a noção de Tema se aplica igualmente a um dos argumentos dos verbos que exprimem uma conceção abstrata ou psicológica de movimento ou localização (como, por exemplo, a noção de posse). Assim, o SD em itálico nas seguintes frases é também Tema: O professor explicou o teoremaTema aos seus alunos; O professor sabe a respostaTema; O livroTema pertence-me; O Luís ficou com o dinheiroTema; Os soldados temem o generalTema; O generalTema assusta os soldados. Com verbos incoativos (que exprimem uma mudança de estado) ou causativos (que exprimem uma mudança de estado causada por uma força exterior), o Tema é o SD que designa a entidade que sofre essa mudança: A carneTema já cozeu; A cozinheira cozeu a carneTema; Os bárbaros destruíram RomaTema. Os verbos comprar e vender têm ainda outro argumento, que não se encontra explicitado nas frases , e que tem a interpretação de Tema Secundário (normalmente dinheiro): O João comprou o carro à Maria por quinhentos contosTema Secundário; A Maria vendeu o carro ao João por quinhentos contosTema Secundário; O papel de Tema pode também ser atribuído à entidade não controladora nem experienciadora de uma situação não dinâmica17: Os meus melhores amigosTema vivem no Porto, O Paulo sabe JaponêsTema.

Locativo: é atribuída por verbos que designam localização; os SDs casa e a mesa são exemplos desta função em O Luís ficou em casaLocativo; O Luís pôs o livro na

mesaLocativo18. Os Verbos de Localização relacionam um Tema com um Lugar: O

JoãoTema mora em ÉvoraLocativo; O JoãoLocativo tem o livroTema. Como se vê a interpretação de Posse é dada pela função semântica Localização. O verbo ter relaciona um Tema e um Lugar. Identificamos a interpretação de Posse com Localização porque ela é, de facto, equivalente a uma Localização Abstracta. Para ilustrar melhor a Localização Abstracta, vamos comparar mais alguns exemplos: A MariaLocativoconserva o carro velhoTema; A MariaLocativo conserva a boa disposiçãoTema; A MariaLocativo sabe a liçãoTema. A função semântica Localização (ou Estado) pode também, à semelhança do que acontece com a Deslocação Abstracta (ou Mudança Abstracta), ser realizada por adjectivos e alguns advérbios: O JoãoTema continua assistenteLocativo; O JoãoTema continua em ÉvoraLocativo; O JoãoTema continua zangadoLocativo; O JoãoTema continua bemLocativo

19.

17

Mateus, Maria Helena Mira, Ana Maria Brito, Inês Silva Duarte & Isabel Hub Faria (e Sónia Frota, Marina Vigário, Fátima Oliveira e Alina Villalva), (2003) Gramática da Língua Portuguesa. 5ª edição revista e aumentada. Ed. Caminho, Lisboa, pág. 190..

18

Raposo indica: “Em O Luís pôs o livro na mesa, consideramos que o SD a mesa tem a função-θ Locativo, e não de Alvo, porque embora o verbo pôr implique movimento físico, não envolve uma relação intencional de direccionalidade”.

19

Seguimos neste caso Maria Henriqueta Costa Campos e Maria Francisca Xavier (1991: 91-96). Indicam: “De facto, os verbos de Localização (ou Estativos) englobam os verbos predicativos que encontramos listados na gramática tradicional e que admitem qualquer das quatro categorias exemplificadas como seu

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Fonte (ou Origem) e Alvo, são funções atribuídas pelos verbos de movimento ao ponto de partida e ao ponto de chegada do movimento. Assim, em ‘O João chegou a

LisboaAlvo’, Lisboa é Alvo; em ‘A JoanaFonte entregou a carta ao LuísAlvo’, A Joana é Fonte, e o Luís é Alvo; e em ‘EleAlvo comprou as rosas à floristaFonte’ a florista é Fonte, e ele é Alvo. ‘O JoãoFonte ofereceu o quadroTema à MariaAlvo; a MariaAlvo recebeu o quadroTema do JoãoFonte. Em ‘O Luís pôs o livro na mesa’, consideramos que o SD a mesa tem a função-θ Locativo, e não de Alvo, porque embora o verbo pôr implique movimento físico, não envolve uma relação intencional de direcionalidade. Os verbos direccionais como atirar seleccionam argumentos Fonte e Alvo cujo núcleo são as preposições de e para, respetivamente, e não aceitam argumentos com a preposição em. Esta preposição tem uma função estritamente locativa. Origem ou Fonte é a entidade que indica a procedencia de um estado de coisas (animado ou não animado: ‘A atitude do delegado americanoFonte provocou o protesto dos outros assintentes’20 O verbo demonstrar, em ‘A MariaFonte demonstrou o teoremaTema ao JoãoAlvo’, é também um verbo de Deslocação. O Tema [SN o teorema], ou melhor, a demonstração do teorema, tem como Fonte o [SN a Maria] e como Alvo o [SN o João]. Verifica-se uma Deslocação Abstracta, pois não há realmente um objecto que se desloca fisicamente de um lugar (Fonte) para outro (Alvo). Em (o JoãoAlvo herdou uma

quintaTema da MariaFonte é referida uma transferência de posse do Tema a quinta e em ‘A MariaFonte demonstrou o teoremaTema ao JoãoAlvo’ uma transferência de informação sobre o teorema situações estas que só podem ser interpretadas como trajectórias, ou Deslocações Abstractas21. Outros exemplos podem ainda ser acrescentados para mostrar como a função semântica Deslocação engloba a ideia de Mudança de Estado: ‘A MariaTema passou de assistenteFonte a professoraAlvo; e ‘A MariaTema passou de deprimidaFonte a eufóricaAlvo. O Tema Secundário dos verbos do tipo de comprar e vender implica uma Deslocação Secundária, que é a trajectória do Tema Secundário, a partir de uma Fonte Secundária, para um Alvo Secundário: O JoãoFonte Secundária comprou o carro à MariaAlvo Secundário por quinhentos contosTema

Secundário A Maria Alvo Secundário vendeu o carro ao JoãoFonte Secundária por quinhentos contosTema

Secundário 3. Caraterização semântica das funções-θ Agente e Experienciador

Agente: A função de Agente é desempenhada pelo SD animado de intencionalidade e cuja vontade é responsável pela ação descrita. Os SDs a cozinheira e os bárbaros em (A

cozinheiraAgente cozeu a carne; Os bárbarosAgente destruíram Roma) são Agentes.

complemento - SN, SP, SA e SAdv. Na gramática tradicional este complemento é geralmente denominado predicativo do sujeito”.

20

Rodríguez Ramalle, Teresa María (2005), Manual de sintaxis. Madrid: Castalia, p. 201. 21

Seguimos neste caso Maria Henriqueta Costa Campos e Maria Francisca Xavier (1991: 91-96).

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A função semântica CAUSA implica dois argumentos: um individual e um Evento. O argumento individual de CAUSA é o Agente. O Agente é o motivador, o controlador, é efectivamente interpretado como o causador do Evento. E é caracterizado com os traços semânticos [+Animado] e [+Vontade]. Em A Maria demoliu a casa temos: A MariaAgente demoliu a casaTema. Outros linguistas preferem chamar Paciente ao Tema deste tipo de predicados, uma vez que este Tema não é propriamente deslocado de um SN Fonte para um SN Alvo, mas sofre uma MUDANÇA de Estado22. Na nossa análise o papel-0 Tema inclui também o Paciente, porque admitimos que o Estado Inicial-Fonte e o Estado Final-Alvo podem fazer parte do próprio predicado, isto é, podem estar semanticamente incorporados no predicado lexical, o que acontece, por exemplo, com o verbo demolir. Em O João ofereceu um quadro à Maria temos: O JoãoAgente/Fonte ofereceu um quadroTema à MariaAlvo. O PomarAgente/Fonte vendeu o quadroTema ao JoãoAlvo. O Agente é tipicamente um sujeito, contudo, o inverso não é verdade: A MariaAgente trabalha; A cartaTema chegou; O JoãoTema dorme. O Agente não é igualmente um papel temático específico dos Verbos de Deslocação. Estes verbos relacionam-se com um argumento Tema, uma Fonte e um Alvo. Recordemos o verbo receber, já referido no exemplo A Maria recebeu o quadro do

João. Receber é um verbo de Deslocação e, no entanto, o sujeito da frase não é, necessariamente, interpretado como Agente: A MariaAlvo recebeu o conviteTema do JoãoFonte’. A interpretação de Agente não é, contudo, específica do sujeito do [sv receber o convite do João], pois este não é necessariamente caracterizado com o traço [+Vontade] próprio do Agente. A interpretação semântica básica deste argumento do verbo receber, que funciona como sujeito da oração [SN,F], não é tipicamente agentiva, uma vez que o sujeito não é, realmente, o causador do Evento - Deslocação do Tema [SN o convite] a partir de uma Fonte [sp do João] para um Alvo [SN a Maria]. Os exemplos ‘A MariaAgt/Fonte explicou o problemaTema ao JoãoAlvo’, ‘O JoãoAgt/Fonte emprestou a canetaTema à MariaAlvo’, ‘A MariaAlvo obteve a informaçãoTema do João

Fonte’, ‘O JoãoAlvo herdou a quintaTema da Maria Fonte’ podem levar a pensar que, quando o papel-— do sujeito é complexo, existe sempre coincidência do papel-— Agente com o papel-— Fonte, o que não é verdade, embora seja muito frequente. Duas frases com os verbos comprar e vender mostram que um sujeito-— Agente pode ter também a interpretação de Alvo, para além da interpretação de Fonte, já ilustrada: O João Agente/Alvo comprou o carroTema à Maria Fonte e A MariaAgt/Fonte vendeu o carroTema ao João Alvo

É claro que os verbos comprar e vender são verbos de Deslocação Agentivos. Como vemos, a trajectória do Tema, com o verbo comprar, verifica-se a partir de uma Fonte, que não é Agente, para um Alvo/Agente; a trajectória do Tema, com o verbo vender, verifica-se a partir de um Agente/Fonte para um Alvo.

Experienciador: a entidade afetada psicologicamente, ou fonte de um processo ou estado psicológico23: O general teme os soldados.

22

Cf., por exemplo, Filimore 1968.

23

No sistema de Fillmore, o Experienciador corresponde a um dos casos particulares da função-θ Dativo, que Raposo (1992) desdobra em Experienciador e em Dativo propriamente dito. A entidade que é objecto de um estado psicológico ou causadora de um processo psicológico é, segundo Jackendoff, Tema (ver acima).

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Agrupam-se sob a designação de verbos psicológicos aqueles que têm conteúdo proposicional que relaciona um argumento com a interpretação Tema e outro com a interpretação de Experienciador.

Este trabalhoTema diverte a MariaExperienciador, Este trabalhoTema agrada à MariaExperienciador, Este trabalhoTema preocupa o JoãoExperienciador, O JoãoExperienciador teme este trabalhoTema, O JoãoExperienciador despreza este trabalhoTema, O JoãoExperienciador gosta deste trabalhoTema

Os Verbos Psicológicos são de certo modo semelhantes aos Verbos de Localização, porque relacionam um Tema e um Lugar Psicológico; são, no entanto, diferentes, porque o Lugar Psicológico não é um Estado Psicológico com carácter permanente, mas um Estado transitório, visto o Experienciador ser afectado temporariamente por uma causa exterior, situação que se assemelha, de certo modo, a uma Mudança de Estado Psicológico.

4. Caraterização semântica das funções-θ Causa, Instrumento Benefactivo, Malefactivo, Via e Quantidade

Causa: a força ou objeto inanimados envolvidos causalmente na ação ou estado identificados

pelo verbo24; A tempestade afundou o navio. Instrumento: o objeto auxiliar com que um Agente pratica a ação designada pelo verbo: O

Manel abriu a porta com a chave. Dativo: a entidade afetada (não psicologicamente) pela situação ou ação expressas na oração.

A função-θ Dativo divide-se por sua vez, na proposta de Raposo, em dois subcasos particulares: o Benefactivo e o Malefactivo. No primeiro, a entidade é afetada positivamente, ao passo que no segundo a entidade é afetada negativamente25. Os DPs em itálico nos exemplos a seguir ilustram cada uma destas funções-θ: Eu comprei um livro para a Maria. (Benefactivo); O professor castigou o aluno sem razão. (Malefactivo).

Via: O lugar de passagem do movimento26. Quantidade: A medida espacial ou temporal do evento.

24 No sistema de Fillmore não existe a função semântica de Causa, dado que a sua definição da

função Instrumental recobre as entidades envolvidas causalmente no acontecer de uma determinada situação. Raposo considera, no entanto, que tanto as diferenças semânticas como de comportamento sintático existentes entre expressões claramente instrumentais e expressões claramente causais motivam a existência de duas funções-θ distintas.

25

A partir daqui referimos a função Dativo unicamente através dos seus subcasos Benefactivo ou Malefactivo, para evitar confusão com o Caso dativo (paralelo a nominativo, acusativo, etc.).

26Quanto aos papéis temáticos Via e Quantidade seguimos Bosque & Gutiérrez Rexach 2008: 274.

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Em Chomsky (1981) formula-se um princípio de correspondência entre argumentos, que é chamado critério temático-θ, ou, de forma simplista, CRITÉRIO THETA ou critério-θ. Este princípio é decomposto em duas partes:

a. Cada argumento é atribuído a um único papel temático. b. Cada papel temático é atribuído a um único argumento.

A primeira parte do critério parece falhar nos casos em que um argumento representa dois papéis temáticos, o que acontece no complemento adverbial, representando a chamada PREDICAÇÃO secundária, como em:

O meu filho bebe frio sempre o leite do pequeno-almoço. O SD O leite do pequeno-almoço recebe dois papéis temáticos: um do predicador

beber e outro do predicador frio. Alguns autores propõem a reduzir as exigências do critério temático nesses casos, enquanto outros sugerem que é melhor mantê-las e aplicar um recurso que permite separar os argumentos presentes na análise estrutural (inserindo um nulo) que manteria o critério temático

5. Estrutura argumental Para além do quadro de subcategorização (que especifica a categoria gramatical dos

complementos subcategorizados), a entrada lexical de cada verbo possui uma grelha temática, que especifica o número e a função-θ dos seus argumentos. Numa primeira aproximação, a grelha temática de alguns dos verbos discutidos acima poderia tomar a seguinte forma (a ordem das funções-θ em cada grelha é arbitrária):

(18) a. dormir: Tema b. empurrar: Tema, Agente c. assustar: Experienciador, Tema d. temer: Experienciador, Tema e. entregar: Agente, Alvo, Tema f. comprar: Agente, Tema, Fonte

Estas grelhas, contudo, são manifestamente insuficientes. O conhecimento linguístico

dos falantes sobre os verbos (os predicadores em geral) não se reduz a listas de argumentos/funções-θ, mas inclui igualmente uma informação sobre as posições ocupadas por esses argumentos na oração. Assim, por exemplo, o falante sabe que com o verbo temer o Experienciador é o sujeito e o Tema é o objeto direto, mas que com o verbo assustar a situação é precisamente a inversa, e assim sucessivamente.

Este conjunto de conhecimentos do falante é naturalmente representado no modelo gramatical através do estabelecimento de uma correspondência entre a grelha temática dos verbos e o seu quadro de subcategorização. O aspeto mais importante desta correspondência é a distinção efetuada entre as funções-θ que correspondem a complementos subcategorizados e a função-θ que corresponde ao sujeito da oração (que não é subcategorizado). Assim, por exemplo, relativamente ao verbo comprar, o falante sabe que as funções-θ Tema e Fonte correspondem a complementos subcategorizados, ao passo que a função-θ Agente é realizada na posição de sujeito.

Ao argumento do verbo realizado na posição de sujeito, Williams (1981) chama argumento externo, porque se realiza fora da projeção máxima VP do verbo, na posição de sujeito da oração (à função-θ particular que este argumento suporta, chama função-θ externa). Os verbos podem seleccionar apenas um argumento externo, dado que só existe uma posição

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de sujeito fora do VP27. Para distinguir o argumento externo dos restantes, Williams propõe que este seja sublinhado nas grelhas temáticas. Podemos assim dar uma representação mais adequada destas grelhas em (19):

(19) a. dormir: Tema b. empurrar: Tema, Agente c. assustar: Experienciador, Tema d. temer: Experienciador, Tema e. entregar: Agente, Alvo, Tema f. comprar: Agente, Tema, Fonte

Aos argumentos não sublinhados numa grelha temática, Williams (1981) chama

argumentos internos (paralelamente, funções-θ internas), porque são realizados dentro da projeção VP do verbo. (Utilizaremos também por vezes os termos «grelha temática interna» para nos referirmos à coleção de funções-θ internas de um dado predicador, e o termo «grelha temática externa», para nos referirmos à função-θ externa28)

Chomsky (1981) propõe a seguinte hipótese extremamente restritiva quanto à correspondência entre a grelha temática interna das categorias lexicais e o seu quadro de subcategorização:

(20) Se uma categoria lexical subcategoriza um constituinte, atribui-lhe necessariamente uma função-θ.

Esta hipótese diz que se um constituinte é um complemento (se é subcategorizado) então é um argumento (é semanticamente seleccionado)29. O inverso, contudo, não é verdadeiro, dado que o argumento externo não é subcategorizado, embora seja semanticamente seleccionado. O inverso é verdadeiro, contudo, para os argumentos internos: se um constituinte é um argumento interno, então é um complemento subcategorizado. Esta hipótese implica igualmente que os argumentos internos ocorrem dentro da projeção V, como irmãos estruturais do verbo (cf. os capítulos 3.2.2. e 6.4.6.).

Sendo assim, é possível (e desejável) estabelecer uma relação entre os argumentos internos e os complementos subcategorizados, visto que um falante sabe igualmente, por exemplo, que o verbo comprar atribui a função-θ de Tema ao objeto direto e a função-θ de Fonte ao objeto da preposição a. Esta correspondência pode ser explicitada da seguinte forma (ver Zubizarreta (1985, 248-250))30:

27

Dizemos «podem», porque certos verbos possuem apenas argumentos internos, isto é, não atribuem uma função-θ externa, como veremos adiante. Há casos em que um verbo parece escolher em alternativa mais do que um argumento externo, por exemplo, afundar (o pirata afundou a caravela, em que o sujeito é Agente, e a tempestade afundou a caravela, em que o sujeito é Causa). Na TRL não é inteiramente claro como representar este facto na grelha lexical. Uma possibilidade é que existam duas grelhas na entrada lexical de tais verbos, relacionadas entre si.

28

O termo «argumento» é utilizado com uma certa ambiguidade na Teoria Temática, ou como referindo-se a

uma função-θ numa entrada lexical (por exemplo, quando se diz que tal verbo selecciona um argumento externo) ou como referindo-se ao DP ou oração que suporta essa função-θ na representação sintáctica. Esperamos que o contexto torne claro em cada caso qual o sentido pretendido.

29

As expressões idiomáticas subcategorizadas como caso em (não) fazer caso de necessitam um tratamento especial. Ver Chomsky (1981, 37 e sgs.).

30

Para facilitar a exposição representamos os complementos como projeções máximas (mas ver o capítulo 6.5.2). Os parênteses angulares «< >» representam o quadro de subcategorização. Esta notação permite-nos eliminar o sublinhado para marcar o argumento externo: este argumento é agora identificado em virtude de ser o único que ocorre fora do quadro de subcategorização.

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Aos esquemas lexicais de (21) (associando a informação relativa à seleção semântica

com a informação relativa à subcategorização) chamamos estruturas argumentais. Existe uma assimetria fundamental dentro das estruturas argumentais entre a

subcategorização e a seleção semântica. Enquanto que os complementos são simultaneamente subcategorizados e seleccionados semanticamente, o sujeito é seleccionado semanticamente, mas não é subcategorizado. A subcategorização não afeta a posição de sujeito: os verbos não escolhem a presença ou a ausência de um DP sujeito, visto que este é sempre obrigatório, independentemente do verbo particular. A seleção semântica, no entanto, afeta o sujeito: cada verbo particular escolhe a função-θ que é realizada na posição de sujeito. Esta assimetria desempenha um papel fundamental na TRL31.

6. Marcação-θ direta e indireta Introduzimos agora o conceito de marcação-θ como formulação rigorosa da noção

intuitiva «atribuir uma função-θ». A marcação-θ consiste na atribuição concreta por um verbo, na estrutura sintática da oração, de uma função-θ às posições ocupadas pelos seus argumentos, de acordo com a sua estrutura argumental. Tomemos por exemplo a oração (22). A marcação-θ é o processo que converte a estrutura (23a) na estrutura (23b), em que as posições ocupadas pelos argumentos (e consequentemente os próprios argumentos) recebem da estrutura argumental do verbo a função-θ condizente.

(22) Os pistoleiros assaltaram o banco.

31

Chomsky (1986b, 86 e sgs.) (baseado em trabalhos de Grimshaw (1979) e Pcsetsky (1982)), sugere que o quadro de subcategorização pode ser inteiramente derivado a partir da informação contida na grelha temática (especificada de modo a separar o argumento externo dos argumentos internos). A ideia fundamental é que cada função-θ possui uma realização categorial canónica (assim, por exemplo, um Tema realiza-se canonicamente como um DP). Se esta derivação se revelar possível, o quadro de subcategorização pode ser inteiramente eliminado das entradas lexicais, em favor da grelha temática. Neste livro, no entanto, continuamos a adoptar a representação clássica da estrutura argumental como uma associação entre uma grelha temática e um quadro de subcategorização.

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A marcação-θ é um processo que não extravasa os limites da oração simples, ou seja, cada verbo selecciona semanticamente os elementos da sua oração, e de nenhuma outra. Chomsky (1986a) sugere a seguinte condição estrutural, extremamente restritiva, sobre a marcação-θ (24).

(24) Condição de Irmandade sobre a Marcação-θ Uma categoria lexical α marca uma categoria β se α β são irmãos estruturais. Esta condição é satisfeita quanto aos argumentos internos de um verbo, porque estes correspondem biunivocamente aos seus complementos subcategorizados, os quais são irmãos estruturais do verbo (cf. o capítulo 3.2.2.). A condição é no entanto problemática relativamente à marcação-θ do sujeito, visto que no quadro da teoria X-barra do capítulo 7, este não é irmão do verbo (cf. (23b)).

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Chomsky (1981), no entanto, observa que não é inteiramente claro que a marcação-θ do argumento externo (isto é, do sujeito), seja da responsabilidade única do verbo da oração. Consideremos os seguintes exemplos:

(25) a. O Luís partiu o copo. b. O Luís levou uma garrafa de vinho.

(26) a. O Luís partiu o braço. b. O Luís levou uma tareia.

Em (25). O Luís é Agente, mas em (26) tem uma função-θ diferente (talvez de Tema).

Chomsky nota que a função-θ do sujeito depende na realidade da composição global do VP (partir o copo vs. partir o braço: levar uma garrafa vs. levar uma tareia). Ou seja, é o predicado que atribui uma função-θ ao sujeito, e não apenas o predicador verbal32 (15). Chomsky distingue assim entre a marcação-θ dos argumentos internos, feita exclusivamente pelo verbo, a que chama marcação-θ direta, da marcação-θ do argumento externo, feita pelo VP (com base no verbo), a que chama marcação-θ indireta.

Se considerarmos de novo as representações de (23), vemos que o conceito de marcação-θ indireta constitui um passo positivo na satisfação do princípio (24) relativamente à marcação-θ do sujeito (visto que «aproxima» estruturalmente o sujeito do seu marcador temático, agora o VP), embora ainda não suficiente, visto que mesmo assim o VP não é irmão estrutural do DP sujeito.

Belletti e Rizzi (1988) propõem um mecanismo de marcação-θ indireta que satisfaz a condição (24). Estes autores propõem que a função-θ externa é atribuída numa primeira etapa à categoria Infl, e é seguidamente transmitida por Infl ao DP sujeito33(16). Segundo Belletti e Rizzi, esta transmissão é permitida porque Infl e o DP sujeito estão co-indexados pela regra de concordância.

Ora, segundo Belletti e Rizzi, apenas a primeira etapa se qualifica como marcação-θ. Assim entendida, a marcação-θ indireta obedece à condição (24), visto que o marcador temático, o VP, é irmão estrutural de Infl.

Na sequência de análises que remontam a Fillmore (1968), McCawley (1970) e Contreras (1976), certos linguistas propuseram recentemente no quadro da TRL que o argumento externo dos verbos se encontra em estrutura-D incluído no VP, talvez numa posição de adjunção a este, como nas orações pequenas analisadas no capítulo 7.4. (ver, entre outros, Zagona (1982; 1988), Fukui e Speas (1986), Koopman e Sportiche (1988) e Sportiche (1988)). Nesta análise, a estrutura-D da oração (22) é a seguinte:

32

Ainda que as propriedades semânticas do verbo continuem a desempenhar o papel mais importante na atribuição da função-θ externa, na medida em que o verbo é (na maioria dos casos) o factor mais importante na determinação

da composição semântica global do predicado. Daí que se justifique continuar a indicar a função-θ externa na grelha temática dos verbos, embora não seja inteiramente claro como representar o tipo de dualidade manifestado por verbos como partir.

33

A função-θ pode ser retida em Infl em certos casos de que não nos ocupamos aqui (ver Cinque (1989)).

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Em (27), o DP argumento externo é irmão estrutural (do segmento inferior) do VP predicativo, e a marcação-θ indireta obedece sem problemas à condição (24), sem ser necessário recorrer ao mecanismo da marcação temática indireta através de Infi.

Nesta análise, a expressão «argumento externo» toma um sentido diferente daquele que tem nas análises de Williams (1981) e Chomsky (1981): o argumento é externo (em estrutura-D) unicamente em relação ao segmento VP que contém imediatamente o verbo e os seus argumentos internos. Nas análises de Chomsky e Williams, pelo contrário, o argumento é externo relativamente a todo o VP, dado que se realiza (desde a estrutura--D) na posição de Spec de IP.

Segundo Koopman e Sportiche, em estrutura-S, o argumento externo é movido para a posição de Spec de Infl através de Mover DP (no modelo de Poliock (1989), em primeiro lugar para Spec de Agr, e depois para Spec de T). Continuamos aqui a adotar o modelo «clássico» em que o argumento externo se encontra em Spec de Infl na estrutura-D, a não ser que haja uma referência explicita em contrário.

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