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Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 14 - n.23 – 2º Semestre – 2018 – ISSN 1807-5193
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PORTUGUÊS E ESPANHOL COMO LÍNGUAS DE INTEGRAÇÃO NO
MERCOSUL E SEU ENSINO NA FRONTEIRA ARGENTINA-BRASIL1
Clóvis Alencar Butzge
Doutorando do PPGLg (UFSC) Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
Docente da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) Campus Realeza, Paraná, Brasil
RESUMO: A constituição da fronteira Argentina-Brasil remonta ao período colonial
espanhol e português e estendeu-se até a constituição desses dois estados nação. Assim
como as fronteiras geopolíticas historicamente se constituíram, também as línguas
espanhola e portuguesa foram instrumentos de afirmação da conquista dos impérios
espanhol e português e, posteriormente como símbolos da afirmação da nacionalidade dos
países emancipado das metrópoles. Com o advento do Mercado Comum do Sul (Mercosul),
já ao final do século XX, as línguas espanhola e portuguesa passam a ser entendidas como
línguas de integração entre os povos da região do Cone Sul. Este artigo traça um breve
panorama histórico e linguístico, com enfoque nas políticas linguísticas e educacionais
desenvolvidas a partir do Mercosul, especialmente iniciativas específicas da Argentina e
do Brasil e seus desdobramentos no ensino dessas línguas na província de Misiones
(Argentina) e Paraná (Brasil). Observou-se, a partir da análise de documentos diplomáticos
e legais e da oferta de língua estrangeira nas escolas da fronteira, que, apesar de serem
entendidas como línguas de integração, ainda há maior ênfase no ensino de inglês em
detrimento às línguas do Mercosul, assim como uma orientação para o ensino da língua do
país vizinho como estrangeira, ignorando-se fatores sócio-histórico-linguísticos que
aproximam os sujeitos falantes dessa região de fronteira.
Palavras-chave: Políticas educacionais. Políticas linguísticas. Ensino de língua.
ABSTRACT: The formation of the Argentina-Brazil border dates back to the Spanish and
Portuguese colonial period and was extended until the constitution of these two nation
states. Just as geopolitical borders were historically constituted, the Spanish and Portuguese
languages were instruments of affirmation of the conquest of the Spanish and Portuguese
empires as well as symbols of the affirmation of the nationality of the countries
emancipated from the colonial metropole. With the advent of the Southern Common
Market (Mercosur) at the end of the 20th century, the Spanish and Portuguese languages
started to be understood as languages of integration by peoples of the Southern Cone
region. This article presents a brief historical and linguistic panorama of this situation, with
a focus on the linguistic and educational policies developed by Mercosur. We mainly
discuss specific initiatives carried out by Argentina and Brazil, with focus on language
teaching in the provinces of Misiones (Argentina) and Paraná (Brazil). The analysis of
diplomatic and legal documents and of the foreign language teaching policy in the frontier
schools show that there is still a greater emphasis on teaching English rather then the
Mercosur languages, which undermines the linguistic politics of integration. We argue that
such English-oriented politics ignore socio-historical-linguistic factors that brought and
still bring together the speaking subjects of this border region.
Keywords: Educational policies. Language policies. Teaching of language.
1 Agradeço a colaboração de minha orientadora de doutorado, professora Dra. Cristine Gorski Severo, pela leitura
e sugestões.
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INTRODUÇÃO
As línguas espanhola e portuguesa há cerca de cinco séculos “aportaram” na América
do Sul e, gradualmente, num processo que envolveu violências simbólicas e físicas sobre os
povos aqui presentes e para aqui trazidos (escravizados ou não), passaram a ser hegemônicas
em praticamente todos os países resultantes dos territórios invadidos pelos impérios Espanhol
e Português (JANSON, 2015). De língua de conquista, a partir das independências das colônias,
passaram a línguas nacionais, afirmando-se a tríade “um povo, uma língua, uma nação”,
movimento que apaga o plurilinguismo e cria uma mitologia de língua única nestes estados
(OLIVEIRA, 2007). Na esteira da globalização, as relações multilaterais entre as nações levam
os estados envolvidos ao entendimento de que é necessário um novo projeto comunicativo em
que os estados interajam e, portanto, seus povos também, mudando o status das línguas
(SPOLSKY, 2016) dessas nações para o que chamaremos aqui de “línguas de integração”.
Considerando esse movimento histórico-geopolítico-sociolinguístico, este artigo
pretende olhar para o espanhol e o português na fronteira Argentina-Brasil2 e analisar políticas
linguísticas e educacionais mobilizadas a partir das relações entre esses dois países e também
no contexto de integração multilateral inaugurado a partir do Mercado Comum do Sul
(Mercosul), levando-se em consideração que os espaços de fronteira apresentam
particularidades no tocante à sua formação sociolinguística.
Em 2016, vigorava no Brasil a Lei 11.161/2005 (BRASIL, 2005), que tornava
obrigatória a oferta de espanhol no Ensino Médio e facultativa no Ensino Fundamental; e na
Argentina a Ley 26.468/2008 (ARGENTINA, 2008), que tornava obrigatório o ensino de
português no Ensino Médio (“escuelas secundarias”) em todo o país e nas províncias
fronteiriças ao Brasil desde o nível Fundamental (“primario”). Analisamos neste artigo políticas
para a oferta dessas línguas na fronteira Argentina-Brasil, mais especificamente na província
de Misiones e em escolas estaduais dos municípios paranaenses fronteiriços localizados no
Sudoeste do Paraná e que integram o Núcleo Regional de Educação (NRE) de Francisco
Beltrão. Observou-se, por um lado, apesar de tímida, a oferta de português em Misiones e, mais
tímida ainda, a oferta de espanhol nas escolas estaduais através do Centro de Línguas
2 Optou-se aqui pela designação “fronteira Argentina-Brasil” (sem preposição, com hífen e em ordem alfabética)
pela dificuldade de se reportar a esse tipo de espaço sem demarcar “um lado” como geralmente os brasileiros
fazem: “fronteira do Brasil com a Argentina”, “fronteira entre o Brasil e a Argentina”.
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Estrangeiras Modernas (Celem), em detrimento a uma oferta maciça de língua inglesa em
ambos lados da fronteira.
Ainda em 2016, editou-se a Medida Provisória 746/2016 (BRASIL, 2016), a qual foi
convertida em 2017 para a Lei 13.415/2017 (BRASIL, 2017), também conhecida como “Lei de
Reforma do Ensino Médio”, que revogou a Lei 11.161/2005 e tornou obrigatório o ensino de
inglês a partir do 6º ano do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, tornando o espanhol língua
de oferta optativa “preferencial”. Revisitamos, então, as fontes de dados de oferta de língua
estrangeira nas escolas paraenses para comparar se houve mudanças na oferta e, também, se se
apresentam resistências nas escolas às mudanças legais que dão ao inglês o status de língua
estrangeira “oficial” de ensino no Brasil.
Para dar conta dessa empreitada, organizamos este artigo em três seções principais,
que abordarão: i) a abordagem (e suas dificuldades) da fronteira Argentina-Brasil por uma
perspectiva das políticas linguísticas; ii) o contexto de formação do Mercosul e descrição de
atos multilaterais no âmbito educacional e linguístico visando uma integração sociolinguística
dos países membros; iii) apresentação e análise de políticas linguísticas e educacionais
argentinas e brasileiras e de dados de oferta de língua estrangeira em Misiones em 2016 e em
municípios fronteiriços brasileiros em 2016 e 2018.
UM OLHAR PARA A FRONTEIRA ARGENTINA-BRASIL E PARA A
COMPLEXIDADE DE SE ESTUDAR POLÍTICAS LINGUÍSTICAS NESTE
CONTEXTO
O estudo sistematizado das políticas linguísticas é bastante recente e demanda um
diálogo multidisciplinar da Linguística com outras áreas do conhecimento, em especial das
Ciências Humanas e Sociais (OLIVEIRA, 2007). Este artigo se inscreve no campo da Política
Linguística e se propõe a olhar para a fronteira Argentina-Brasil e investigar as intrincadas
relações entre língua e política, pautando-se no que ensina Calvet (2002, p. 121, grifos do autor)
de que “o objeto de estudo da linguística não é apenas a língua ou as línguas, mas a
comunidade social em seu aspecto linguístico”.
Constitui-se desafio aos estudiosos da linguagem definir a comunidade social que
pretendem investigar, especialmente pela exigência científica de se definir recortes que podem
“deturpar” seu objeto de investigação. No caso deste artigo, há um “agravante”: estudar
comunidade(s) de fronteira internacional, espaços que, como diz Heinsfeld (2015, p. 26),
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“apresentam-se na história nacional como áreas vulneráveis, sendo uma fonte de preocupação
constante, lugar onde a questão da soberania é imprescindível”, pois, historicamente, “é pela
fronteira que surgiu a ideia do 'outro', do inimigo, do estrangeiro” (HEINSFELD, 2015, p. 25).
A historiografia regional debruça-se há tempos sobre a constituição desse espaço
geopolítico e pode ajudar a compreender sua configuração presente e também indicar resquícios
da memória de formação dessa fronteira. Myskiw (2015) lembra que, já em 1680, a Colônia de
Sacramento, hoje território uruguaio, foi fundada por portugueses a fim de controlar a banda
oriental do Rio da Prata, defrontando-se com Buenos Aires, domínio espanhol situado na banda
ocidental. As metrópoles ibéricas disputavam palmo a palmo as terras americanas, às vezes
firmando acordos (Tratados de Tordesilhas, de Madri, de Santo Ildefonso, entre outros), às
vezes se confrontando belicamente ou unindo-se, como no caso da expulsão dos jesuítas
espanhóis e índios guaranis da banda oriental do Rio Uruguai3.
Figura 1 - Mapa das Côrtes, 17494
O Mapa das Côrtes (Figura 1), produzido a partir da síntese de diversas plantas
3 Muito significativa foi a participação da Companhia de Jesus no movimento colonizatório, que estabeleceu
reduções tanto nos territórios portugueses quanto espanhóis. A toponímia da região é fortemente marcada pela
presença jesuítica, por exemplo o nome da Província de Misiones advém das Missões Jesuíticas, assim como de
cidades da região gaúcha das Missões: Campina das Missões, Guarani das Missões, Salvador das Missões, Santo
Antônio das Missões, São Miguel das Missões, São Paulo das Missões, Vitória das Missões. 4 Fonte: Myskiw (2015, p. 49).
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cartográficas disponíveis na época de sua feitura, em 1749, retrata um Brasil “oriental”, em que
as fronteiras a Oeste ainda estão imprecisas e muito distintas do que são hoje. Myskiw (2015)
narra que, na década de 1780, as duas coroas iniciaram um processo de demarcação das
fronteiras, a partir das definições do Tratado de Santo Ildefonso (1777). Muitos eventos
decorreram a partir daí, como a independência dos estados nacionais e guerras civis (como a
Guerra Farroupilha) e internacionais (como a do Paraguai). Esse processo demarcatório da
divisa entre Argentina e Brasil somente chegou aos termos atuais de fronteira no final do século
XIX, com o Laudo Arbitral do presidente norte-americano Grover Cleveland, o qual definiu
como brasileiras as áreas em litígio entre Argentina e Brasil, as quais hoje constituem o
Sudoeste do Paraná e Oeste de Santa Catarina (MURARO, 2015). A Figura 2, a seguir, ilustra
o perímetro em litígio entre Argentina e Brasil, impasse que entre os argentinos é conhecido
como “Questão de Misiones” e entre os brasileiros como “Questão de Palmas”.
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Figura 2 – Questão de Misiones ou Palmas5
Atualmente, as fronteiras geopolíticas estão consolidadas, porém a ocupação humana
desses espaços varia muito, assim como as relações entre os povos que habitam esses espaços.
O Brasil “ocidental”, especialmente na altura da Região Norte, ainda mostra uma densidade
demográfica bastante baixa, se comparado ao oeste nas regiões Sul e Centro-Oeste, onde o
Brasil faz fronteira com os países do Cone Sul6. Essa breve digressão histórica busca mostrar
que a área de fronteira em tela constitui-se em espaço de disputa (períodos colonial e pós-
independência), mas, também, em certos momentos, de aproximação, como atesta o surgimento
do Mercosul, na esteira do processo de globalização que o mundo vive.
A língua, como dimensão social, também faz parte desse cenário sócio-histórico (vide,
por exemplo, o Diretório dos Indígenas, de 1755, publicado pelo Marquês de Pombal, o qual,
entre outras coisas, institui o português como única língua de ensino no Brasil). No caso da
fronteira Argentina-Brasil, sempre vêm à mente o espanhol e o português (não por coincidência
as línguas oficiais do Mercosul), mas não se pode esquecer das línguas indígenas e, decorrente
de processo migratório nos séculos XIX e XX, de línguas como o alemão, italiano e polonês
(RADIN, 2015)7.
É interessante observar que as línguas espanhola e portuguesa foram, em um primeiro
momento, línguas de colonização; em um segundo momento, línguas de afirmação nacional; e
agora, também, pretendem-se como línguas de integração, como pode ser observado nos
considerandos do “Acordo de admissão de títulos, certificados e diplomas para o exercício da
docência no ensino do espanhol e do português como línguas estrangeiras nos estados partes”
(MERCOSUL, 2005). Por outro lado, há nas relações do Mercosul um apagamento do
5 Fonte: Ferrari (1998, p. 98). 6 Região americana situada ao sul do Trópico de Capricórnio e que abarca Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai e
parte do Brasil. 7 Este “jogo” de imposição de uma língua e de esquecimento de outra(s), quando não da extinção desta(s),
demonstra que há um processo de invenção das línguas, seja nos movimentos colonizatórios ou de afirmação
nacional (SEVERO; MAKONI, 2015). Esse silenciamento, ressalte-se, opera não só sobre as comunidades
autóctones, mas também sobre outros grupos sociais, como os afrodescendentes e os imigrantes europeus e
asiáticos. Os esforços ibéricos para implantar a cultura do colonizador e, depois, a busca por afirmação dos estados
nacionais, fizeram da língua um dos motores do processo de homogeneização social, através de discursos como o
da legitimidade divina atribuído ao monarca, ou da unidade nacional. Pode-se, assim, afirmar que como a
Argentina e o Brasil são “invenções” históricas, o espanhol e o português são “línguas inventadas”. Ao serem
instituídas como línguas oficiais do Mercosul, isso parece se confirmar, em detrimento das mais de duzentas
línguas faladas no Cone Sul, entre autóctones e alóctones (BORN, 2005).
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plurilinguismo regional, ao oficializar o português e o espanhol8 e incentivar o ensino dessas
línguas como estrangeiras nos países integrantes do bloco.
Para investigar esse contexto sociolinguístico, lançamos mão da Política Linguística
como um campo de investigação científica, o qual, assim como o conceito de “planejamento
linguístico”, surge contemporaneamente ao advento da Sociolinguística na década de 1960
(CALVET, 2007)9. Conforme Calvet (2002, p. 145), a “política linguística”, a qual conceitua
como “um conjunto de escolhas conscientes referentes às relações entre língua(s) e a vida
social” e o “planejamento linguístico”, que seria “a implementação prática de uma política
linguística”, surgem para dar conta de práticas sempre presentes na história da humanidade. De
certa forma concordando com isso, Rajagopalan (2013, 2013, p. 21) vai afirmar que política
linguística é, antes que uma ciência, uma arte, por ser “um campo regido por práticas que não
teriam o rigor ou a infalibilidade de regras determinísticas”. Assim, a “política linguística” vai
atentar para práticas que podem se dar no âmbito de grupos restritos, menores que o Estado, ou
práticas no âmbito do Estado, ou ainda práticas internacionais.
Neste cenário, qual é o papel do linguista ou da Linguística? Para Rajagopalan (2013),
em um Estado democrático, o papel do linguista é o mesmo de todo cidadão, não cabendo ao
linguista, e por conseguinte à Linguística, fazer as políticas, mas estudá-las. Oliveira (2007, p.
9) não contraria essa perspectiva, mas atribui ao linguista um papel de engajamento político:
“trabalhar junto com os falantes das línguas, apoiando tecnicamente suas demandas políticas e
culturais”; visão consoante à de Altenhofen (2013, p. 93, grifos do autor), quanto à
“contribuição, em particular, do pesquisador de línguas minoritárias como mediador entre as
comunidades minoritárias, a linguística e as instâncias decisórias da política linguística”. Para
olhar o cenário sócio-histórico-linguístico da fronteira Argentina-Brasil, lançar-se-á, portanto,
mão de aporte teórico do campo da Política Linguística.
Partindo desses pressupostos teóricos, buscou-se analisar políticas linguísticas (aqui
entendidas em sua plenitude: decisão, planificação e implementação) desenvolvidas na fronteira
Argentina-Brasil, contemporâneas ao advento do Mercosul, que visam alçar as línguas
8 A língua Guarani, por ser oficial no Paraguai, também é língua oficial do Mercosul, porém não goza do mesmo
status, como pode ser observado no site oficial (www.mercosur.int), o qual não dá opção de leitura em língua
guarani. 9 No Brasil, somente nas últimas três décadas a Política Linguística passou a ter maior sistematicidade, como
resultado da formação de uma visão plurilíngue do país, em contraponto à visão hegemônica de uma ideologia da
“língua única” que prevalecia não só no senso comum, mas em muitos quadros da Universidade brasileira
(OLIVEIRA, 2007).
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espanhola e portuguesa ao status de língua de integração entre os integrantes do bloco. Para
atingir tal objetivo, nas próximas seções, foram descritos e analisados documentos legais sobre
políticas linguísticas e educacionais, especialmente de ensino de língua, que afetem a região de
fronteira, além da descrição e análise da oferta de ensino das línguas em foco.
O ESPANHOL E O PORTUGUÊS COMO LÍNGUAS DE INTEGRAÇÃO NO
MERCOSUL
Com o advento do Mercosul, em 1991, quando foi firmado o Tratado de Assunção
(MERCOSUL, 1991), pelo viés econômico, buscou-se uma maior aproximação entre os países
do Cone Sul. Inicialmente, Argentina, Brasil e Paraguai formaram o bloco e, logo depois, o
Uruguai. Mais recentemente, a Venezuela10 ingressou no Mercosul e a Bolívia está em processo
de associação. De 1991 para cá, acordos foram firmados também nas áreas culturais e
educacionais. A criação do Mercosul é um fato altamente relevante para o Cone Sul que
institucionaliza o interesse mútuo dos participantes deste Mercado Comum de interagir
econômica e culturalmente. Conforme dados da página da Secretaria do Mercosul11, o bloco,
hoje, constitui-se na quinta economia do mundo, estendendo-se por 14.869.775 Km2 e
abarcando mais de 295.007.000 habitantes.
A língua, evidentemente, não ficou à margem deste processo, sendo definidas como
idiomas oficiais do Mercosul o espanhol e o português, conforme artigo 17 do Tratado de
Assunção (MERCOSUL, 1991) e ratificado pelo Protocolo de Ouro Preto (MERCOSUL,
1994). O site da Secretaria do Mercosul materializa esta decisão ao apresentar a possibilidade
de se visualizar a página em português ou espanhol, assim como o banco de dados disponibiliza
documentos nas duas línguas.
O maior status do espanhol e do português fica evidenciado se comparados ao guarani,
língua oficial no Paraguai desde 1992 e do Mercosul desde 2006 – conforme decisão 035/2006
(MERCOSUL, 2006), porém sem o status de língua de trabalho12, não havendo, sequer, opção
10 De acordo com o site oficial do Mercosul: “La República Bolivariana de Venezuela se encuentra suspendida en
todos los derechos y obligaciones inherentes a su condición de Estado Parte del MERCOSUR, de conformidad
con lo dispuesto en el segundo párrafo del artículo 5° del Protocolo de Ushuaia.”. Disponível em: <
http://www.mercosur.int/innovaportal/v/3862/4/innova.front/en-pocas-palabras>. Acessado em: 17/10/2018. 11 A página da Secretaria do Mercosul está disponível em espanhol e português, no endereço eletrônico
www.mercosur.int. 12 O Guarani passou a ser língua de trabalho no Parlamento do Mercosul após este órgão firmar um convênio com
a Secretaria de Políticas Linguísticas da República do Paraguai, a qual disponibilizou serviços de assessoramento
e seleção de tradutores para a língua guarani (PARLAMENTO DEL MERCOSUR/REPÚBLICA DEL
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de leitura em guarani na página oficial da entidade. Além disso, não se pode esquecer as muitas
outras línguas nacionais presentes nos países dos blocos e também línguas de imigração que
ficam à margem no bloco. Outro fator interessante - a ver como se comportará o Mercosul - diz
respeito à efetivação da Bolívia como membro, país que em sua “Constitución Política del
Estado Plurinacional de Bolivia”, promulgada em 2009, estabelece, em seu artigo 5, inciso I,
além do “castelhano”, 35 línguas indígenas:
Son idiomas oficiales del Estado el castellano y todos los idiomas de las naciones y
pueblos indígena originario campesinos, que son el aymara, araona, baure, bésiro,
canichana, cavineño, cayubaba, chácobo, chimán, ese ejja, guaraní, guarasu’we,
guarayu, itonama, leco, machajuyai-kallawaya, machineri, maropa, mojeño-trinitario,
mojeño-ignaciano, moré, mosetén, movima, pacawara, puquina, quechua, sirionó,
tacana, tapiete, toromona, uru-chipaya, weenhayek, yaminawa, yuki, yuracaré y
zamuco. (BOLIVIA, 2009, p. 10-11)
A fim de se analisar o posicionamento do Mercosul quanto a políticas de língua e
educacionais, realizamos um levantamento dos tratados, protocolos e acordos13 firmados desde
1991 e se observou que poucas políticas efetivas têm se estabelecido. Além da definição das
línguas oficiais a partir do tratados, protocolo e decisão acima mencionados, não se encontrou
nenhuma normativa que tenha a língua como “materia”, ou seja, temática central. O Quadro 1,
a seguir, mostra, em ordem cronológica, 19 documentos (de 147 disponibilizados)14, que
abordam diretamente ou indiretamente questões de educação e cultura.
Título PROTOCOLO DE INTEGRACIÓN EDUCATIVA Y RECONOCIMIENTO DE
CERTIFICADOS, TÍTULOS Y ESTUDIOS DE NIVEL MEDIO NO TÉCNICO
Materias EDUCACIÓN Fecha del Tratado 05/08/1994
Título PROTOCOLO DE INTEGRACIÓN EDUCATIVA SOBRE RECONOCIMIENTO DE
TÍTULOS UNIVERSITARIOS PARA LA PROSECUCIÓN DE ESTUDIOS DE POST -
GRADO EN LAS UNIVERSIDADES DEL MERCOSUR
Materias EDUCACIÓN Fecha del Tratado 05/08/1995
Título PROTOCOLO DE INTEGRACIÓN EDUCATIVA Y REVALIDA DE DIPLOMAS,
CERTIFICADOS, TÍTULOS Y RECONOCIMIENTO DE ESTUDIOS DE NIVEL
MEDIO TÉCNICO
Materias EDUCACIÓN Fecha del Tratado 05/08/1995
Título PROTOCOLO DE INTEGRACIÓN EDUCATIVA PARA LA FORMACIÓN DE
RECURSOS HUMANOS A NIVEL DE POST - GRADO ENTRE LOS PAÍSES
PARAGUAY, 2014). 13 Um estudo mais aprofundado teria de dar conta das decisões, resoluções, diretivas e recomendações do Mercosul
acerca desta temática, porém entendemos que, para fins deste artigo, os tratados, protocolos e acordos são
suficientes para traçar um panorama, haja vista serem estes documentos basilares para a produção daqueles. 14 Apesar de um pouco extenso, entendemos que o quadro contribui para a sistematização de dados que podem ser
de interesse dos leitores para futuras pesquisas.
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MIEMBROS DEL MERCOSUR
Materias EDUCACIÓN Fecha del Tratado 16/12/1996
Título PROTOCOLO DE INTEGRACIÓN CULTURAL DEL MERCOSUR
Materias INTEGRACIÓN CULTURAL Fecha del Tratado 16/12/1996
Título PROTOCOLO DE INTEGRACIÓN EDUCATIVA PARA LA PROSECUCIÓN DE
ESTUDIOS DE POST - GRADO EN LAS UNIVERSIDADES DE LOS PAÍSES
MIEMBROS DEL MERCOSUR
Materias INTEGRACIÓN CULTURAL Fecha del Tratado 16/12/1996
Título PROTOCOLO DE ADMISIÓN DE TÍTULOS Y GRADOS ACADÉMICOS PARA EL
EJERCICIO DE ACTIVIDADES ACADÉMICAS EN LOS PAÍSES DEL MERCOSUR
Materias EDUCACIÓN Fecha del Tratado 19/06/1997
Título ANEXO AL PROTOCOLO DE ADMISIÓN DE TÍTULOS Y GRADOS
UNIVERSITARIOS PARA EL EJERCICIOS DE ACTIVIDADES ACADÉMICAS EN
LOS ESTADOS PARTES DEL MERCOSUR
Materias EDUCACIÓN Fecha del Tratado 15/12/1997
Título ANEXO AL PROTOCOLO DE ADMISIÓN DE TÍTULOS Y GRADOS
UNIVERSITARIOS PARA EL EJERCICIO DE ACTIVIDADES ACADÉMICAS EN LOS
ESTADOS PARTES DEL MERCOSUR
Materias EDUCACIÓN Fecha del Tratado 23/07/1998
Título ACUERDO DE ADMISIÓN DE TÍTULOS Y GRADOS UNIVERSITARIOS PARA EL
EJERCICIO DE ACTIVIDADES ACADÉMICAS EN LOS ESTADOS PARTE DEL
MERCOSUR
Materias EDUCACIÓN Fecha del Tratado 14/06/1999
Título ACUERDO DE ADMISIÓN DE TÍTULOS Y GRADOS UNIVERSITARIOS PARA EL
EJERCICIO DE ACTIVIDADES ACADÉMICAS EN LOS ESTADOS PARTE DEL
MERCOSUR, LA REPÚBLICA DE BOLIVIA Y LA REPÚBLICA DE CHILE
Materias EDUCACIÓN Fecha del Tratado 14/06/1999
Título PROTOCOLO DE INTEGRACIÓN EDUCATIVA PARA LA FORMACIÓN DE
RECURSOS HUMANOS A NIVEL DE POST GRADO ENTRE LOS ESTADOS PARTES
DEL MERCOSUR Y LA REPÚBLICA DE BOLIVIA
Materias EDUCACIÓN Fecha del Tratado 05/12/2002
Título PROTOCOLO DE INTEGRACIÓN EDUCATIVA Y RECONOCIMIENTO DE
CERTIFICADOS, TÍTULOS Y ESTUDIOS DE NIVEL PRIMARIO Y MEDIO NO
TÉCNICO ENTRE LOS ESTADOS PARTES DEL MERCOSUR, BOLIVIA Y CHILE
Materias EDUCACIÓN Fecha del Tratado 05/12/2002
Título ACUERDO DE ADMISIÓN DE TÍTULOS, CERTIFICADOS Y DIPLOMAS PARA EL
EJERCICIO DE LA DOCENCIA EN LA ENSEÑANZA DEL ESPAÑOL Y DEL
PORTUGUÉS COMO LENGUAS EXTRANJERAS DE LOS ESTADOS PARTES DEL
MERCOSUR
Materias EDUCACIÓN Fecha del Tratado 20/06/2005
Título ACUERDO SOBRE GRATUIDAD DE VISADOS PARA ESTUDIANTES Y DOCENTES
DE LOS ESTADOS PARTES DEL MERCOSUR
Materias VISA, VISADOS Fecha del Tratado 20/07/2006
Título ACUERDO COMPLEMENTARIO DE COOPERACIÓN ENTRE LOS ESTADOS
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PARTES DEL MERCADO COMÚN DEL SUR (MERCOSUR) Y EL CONVENIO
ANDRÉS BELLO (CAB) SOBRE RECONOCIMIENTO DE ESTUDIOS, TÍTULOS Y
CERTIFICADOS DE EDUCACIÓN PRIMARIA/BÁSICA Y MEDIA/SECUNDARIA NO
TÉCNICA
Materias EDUCACIÓN Fecha del Tratado 28/06/2007
Título ACUERDO SOBRE LA CREACIÓN E IMPLEMENTACIÓN DE UN SISTEMA DE
ACREDITACIÓN DE CARRERAS UNIVERSITARIAS PARA EL RECONOCIMIENTO
REGIONAL DE LA CALIDAD ACADÉMICA DE LAS RESPECTIVAS TITULACIONES
EN EL MERCOSUR Y ESTADOS ASOCIADOS
Materias EDUCACIÓN Fecha del Tratado 30/06/2008
Título PROTOCOLO DE INTENCIONES ENTRE EL MERCOSUR Y LA ORGANIZACIÓN
DE ESTADOS IBEROAMERICANOS PARA LA EDUCACIÓN, LA CIENCIA Y LA
CULTURA
Materias EDUCACIÓN Fecha del Tratado 30/06/2008
Título PROTOCOLO DE INTEGRACIÓN EDUCATIVA Y RECONOCIMIENTO DE
CERTIFICADOS, TÍTULOS Y ESTUDIOS DE NIVEL PRIMARIO/FUNDAMENTAL
BÁSICO Y MEDIO/SECUNDARIO ENTRE LOS ESTADOS PARTES DEL MERCOSUR
Y ESTADOS ASOCIADOS
Materias EDUCACIÓN Fecha del Tratado 02/08/2010
Quadro 1 – Protocolos e Acordos do Mercosul que enfocam educação e cultura15
Uma rápida visada nos documentos do Quadro 1 revela que a maior parte dos
protocolos e acordos dizem respeito ao reconhecimento da formação escolar (fundamental,
média e superior) entre os estados integrantes do Mercosul e, também, a facilidade de visto para
os interessados em estudar nos países vizinhos. Dentre os acordos, destacamos aqui, devido ao
tema deste artigo, o “Acuerdo de admisión de títulos, certificados y diplomas para el ejercicio
de la docencia en la enseñanza del español y del portugués como lenguas extranjeras de los
estados partes del Mercosur”. Transcrevemos, a seguir, os considerandos deste acordo, onde se
sintetizam alguns posicionamentos do Mercosul em relação ao espanhol e português e seu
ensino:
Que,16 a educação tem um papel central para que o processo de integração regional
se consolide;
Que, o Tratado de Assunção e Protocolo do Ouro Preto estabelecen que sejam idiomas
oficiais do MERCOSUL o espanhol e o português;
Que, o Protocolo de Intenções, assinado em 13 de dezembro de 1991, menciona
especificamente o "interesse de difundir a aprendizagem dos idiomas oficiais do
MERCOSUL - espanhol e portugués - através dos sistemas educativos";
Que, a mobilidade de docentes dos idiomas oficiais do MERCOSUL de instituições
15 Fonte: Organizado pelo autor com base em dados da Secretaria del Mercosur
(http://www.mre.gov.py/tratados/public_web/ConsultaMercosur.aspx.). O quadro sistematiza as informações em
espanhol, conforme na página do Mercosul. 16 Transcrevemos, aqui, o texto original do acordo. Posteriormente, uma errata retirou as vírgulas após a palavra
“que” no início de cada considerando e também retificou a tradução da palavra “estabelecen” e “portugués”,
presentes, respectivamente, nos segundo e terceiro considerandos para o português.
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de educação primária e média da região constitui um dos mecanismos para
implementar o estabelecido no Protocolo de Intenções;
Que, é preciso facilitar a mobilidade dos professores de espanhol como língua
estrangeira para o Brasil e de português como língua estrangeira para Argentina,
Paraguai e Uruguai, para compensar as carências existentes nos países do
MERCOSUL com respeito a potencial demanda de recursos humanos qualificados
para o ensino dos idiomas oficiais do MERCOSUL;
Que, na XXII Reunião de Ministros de Educação dos Estados Partes e Estados
Associados, realizada em Buenos Aires, República Argentina, no dia 14 de junho de
2002, recomendou-se preparar um Acordo sobre admissão de títulos para o exercício
docente que permita fortalecer o ensino dos idiomas oficiais do MERCOSUL em
instituições educativas da região;
Que, a mobilidade de professores deve responder aos padrões de qualidade vigentes
em cada país para assegurar seu contínuo aperfeiçoamento (MERCOSUL, 2005, p. 1,
grifos nossos).
Como se vê, o acordo reafirma a ideia de que a educação é central na integração dos
países membros e que o ensino das línguas oficiais é desejável, incentivando a mobilidade dos
professores de espanhol e português “como língua estrangeira”. Cumpre ressaltar que na data
de fechamento deste acordo o Guarani ainda não era língua oficial do Mercosul e que, após sua
oficialização, não houve novo acordo que incluísse esta língua.
Na esteira desta concepção “integracionista”, estados membros vêm implantando o
ensino do português ou espanhol como língua estrangeira, sendo que na Argentina e no Brasil
optou-se pela obrigatoriedade (posteriormente revogada no Brasil), conforme veremos na
próxima seção.
O ESPANHOL E O PORTUGUÊS COMO LÍNGUAS DE INTEGRAÇÃO:
LEGISLAÇÃO E OFERTA DE ENSINO PÚBLICO NA ARGENTINA E BRASIL
Em 10 de novembro de 1997, Argentina e Brasil firmaram o “Convênio de Cooperação
Educativa entre a República Federativa do Brasil e a República Argentina”17, o qual definia,
entre outras coisas, em seu artigo IV:
Cada uma das Partes estimulará:
a) a inclusão, no conteúdo dos cursos de educação fundamental, do ensino do idioma
oficial da outra Parte;
[...]
d) a criação de cursos de português e de cultura brasileira nas universidades
argentinas e de espanhol e de cultura argentina nas universidades brasileiras;
[...] (ARGENTINA/BRASIL, 1997, p. 2)
Como desdobramento das intenções firmadas neste convênio, podemos citar a lei
17 Este convênio foi aprovado através da Ley 25.181, de 22/09/1999, pelo Congresso Argentino, e promulgado
pelo governo brasileiro através do Decreto 3547, de 21/07/2000.
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brasileira 11.161, de 05/08/2005, que regulamenta o ensino de espanhol e define sua
obrigatoriedade no ensino médio: “Art. 1º O ensino da língua espanhola, de oferta obrigatória
pela escola e de matrícula facultativa para o aluno, será implantado, gradativamente, nos
currículos plenos do ensino médio.” (BRASIL, 2005). Já a Argentina foi além e, em 12/01/2009,
promulgou a Ley 26.468, a qual define em seu artigo primeiro que:
Todas las escuelas secundarias del sistema educativo nacional en sus distintas
modalidades, incluirán en forma obligatoria una propuesta curricular para la
enseñanza del idioma portugués como lengua extranjera, en cumplimiento de la Ley
No 25.181. En el caso de las escuelas de las provincias fronterizas con la República
Federativa del Brasil, corresponderá su inclusión desde el nivel primario.
(ARGENTINA, 2008)
Oliveira (2010) destaca a necessidade de políticas recíprocas a fim de que as línguas
possam se internacionalizar, o que exigiria extrapolar apenas o campo da negociação
linguística:
[...] parece que o que acontece com as línguas não é alheio ao que ocorre com o
sistema de produção e com seus correlatos políticos em termos da organização dos
países: estar em novos contextos de gestão, reposicionar-se para obter controle sobre
novos mercados, parece envolver-se em ações de reciprocidade: para que sua língua
possa estar aqui é preciso que a minha língua possa estar aí. É o que as parcerias do
Brasil na América Latina estão mostrando: um dos maiores ganhos em termos de
reposicionamento para o português – o fato de que ele se torna língua de oferta
obrigatória em toda escola secundária argentina pela lei n. 26.468 de 17 de dezembro
de 2008, promulgada pelo senado daquele país, só foi possível porque o Brasil
promulgou a lei n. 16.161 de 5 de agosto de 2005, que torna o espanhol língua de
oferta obrigatória no país a partir de 2010. (OLIVEIRA, 2010, p. 28)
No entanto, um revés nesta relação de reciprocidade se deu com a Medida Provisória
746, de 22/09/2016, convertida na Lei 13.415/2017, a qual revogou a Lei 11.161 e instituiu a
língua inglesa como obrigatória no Ensino Fundamental – anos finais e no Ensino Médio,
sugerindo que sejam ofertadas outras línguas em caráter facultativo, preferencialmente o
espanhol.
Para se observar desdobramentos das políticas do Mercosul e também de políticas
específicas da Argentina e do Brasil, analisamos alguns dados de oferta de língua estrangeira
na província de Misiones no ano de 2016 e em municípios de fronteira paranaenses abarcados
pelo NRE de Francisco Beltrão nos anos de 2016 e 2018. Conforme dados fornecidos pelo
Instituto de Política Linguística de Misiones18, sistematizados no Gráfico 1, o número de
escolas que ofertam o português como língua estrangeira está muito aquém do número de
escolas que ofertam o inglês.
18 Os dados foram encaminhados diretamente ao autor deste artigo, não havendo publicação dos mesmos.
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Lembrando que, segundo a legislação argentina, por ser província que faz fronteira
com o Brasil, Misiones é obrigada pela Ley 26.468 a ofertar a língua portuguesa não só no
secundário, como no primário. Porém, de qualquer forma, o inglês predomina, sendo
praticamente hegemônico no Nível Inicial (53 escolas, contra 10 de outros idiomas,
equivalendo a cerca de 84% da oferta); o mesmo ocorrendo no Nível Primário (242, contra 73
de outros idiomas, equivalendo a cerca de 76% da oferta19) no Nível Secundário (492 escolas
ofertam inglês, contra 88 de outros idiomas, perfazendo cerca de 84% da oferta20). Já entre as
instituições que ofertam nível superior não universitário21, 49 ofertam inglês, contra 33 que
ofertam outras línguas, das quais 27 ofertam português, sendo, neste caso, a diferença
proporcional bem menor (cerca de 60% inglês, ante 33% português).
Gráfico 1 – Oferta de língua estrangeira em escolas de Misiones/ARG
19 Não consideramos no cálculo as 20 escolas que oferecem mais de um idioma, porque os dados repassados não
deixam claras as combinações ofertadas, mas é presumível que o inglês seja uma delas na maioria dos casos. 20 Aqui também desconsideramos as 30 escolas que ofertam mais de um idioma, pelos mesmos motivos apontados
acima. 21 O ensino superior não universitário abarca formação técnica/tecnológica e também docente.
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Fizemos, também, um levantamento de oferta do espanhol em escolas brasileiras,
especificamente de escolas públicas estaduais de Ensino Fundamental (anos finais) e Médio
vinculadas ao NRE de Francisco Beltrão. Os dados foram prospectados diretamente da página
oficial da Secretaria de Estado da Educação22 e revelam, como se pode ver na Tabela 1, a seguir,
predominância de oferta do inglês sobre o espanhol, não havendo oferta de nenhuma outra
língua na circunscrição do NRE de Francisco Beltrão.
A Tabela 1 sistematiza as línguas por oferta na grade regular da escola ou via Centro
de Línguas Estrangeiras Modernas (Celem). Como se pode observar, das 94 escolas no NRE de
Beltrão, em 2016, apenas uma (de Ensino Fundamental) não oferta na matriz curricular regular
a língua inglesa, porém os alunos podem optar por cursá-la através do Celem. Já nas cinco
escolas em que a língua espanhola é a língua ofertada regularmente, em quatro o espanhol figura
ao lado inglês na grade regular do Ensino Fundamental.
Município Estabelecimentos de
Ensino Estadual
Espanhol
Grade
regular
Espanhol
Celem
Inglês
Grade
regular
Inglês
Celem
Ampére 7 0 2 7 0
Barracão 6 0 1 6 0
Bela Vista da Caroba 1 0 1 1 0
Bom Jesus do Sul 2 2 1 2 0
Capanema 10 2 4 9 1
Enéas Marques 3 0 1 3 0
Flor da Serra do Sul 2 0 1 2 0
Francisco Beltrão 16 0 11 16 0
Manfrinópolis 2 0 1 2 0
Marmeleiro 3 0 2 3 0
Pérola do Oeste 3 0 0 3 0
Pinhal de São Bento 1 0 1 1 0
Planalto 6 0 3 6 0
Pranchita 3 0 1 3 0
Realeza 5 0 4 5 0
Renascença 1 0 1 1 0
22 O site http://www.consultaescolas.pr.gov.br/consultaescolas/ foi Acessado em: 10/09/2016, sendo que os dados
tinham sido atualizados pela última vez em 13/08/2016.
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Salgado Filho 2 0 1 2 0
Santa Izabel do Oeste 7 0 1 7 0
Santo Antônio do Sudoeste 10 1 2 10 0
Verê 4 0 1 4 0
Totais 94 5 40 93 1
Tabela 1 – Oferta de língua estrangeira em 2016 no NRE de Francisco Beltrão/PR23
Em todas as escolas de Ensino Médio o espanhol é ofertado através do Celem, o que
significa que há um número muito inferior de alunos cursando espanhol. Isso pode ser
verificado também pelo número de docentes atuando em cada língua, pois, conforme dados do
site do NRE de Francisco Beltrão, há 94 professores de inglês lotados nas escolas da regional
(85 com 20 horas semanais e 9 com 40 horas semanais), ante 22 professores de espanhol (todos
com 20 horas)24.
Com a “Reforma do Ensino Médio” instituída pela Lei 13.415/2017 (BRASIL, 2017),
revogando a obrigatoriedade do espanhol no Ensino Médio e obrigando o ensino da língua
inglesa a partir das séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, conforme dados
da Tabela 2, a seguir, mostram uma relativa estabilidade na oferta tanto de inglês quanto de
espanhol em 2018, se comparado com os dados de 2016, havendo a inclusão do espanhol na
matriz curricular regular em mais três escolas.
Município Estabelecimentos de
Ensino Estadual
Espanhol
Grade
regular
Espanhol
Celem
Inglês
Grade
regular
Inglês
Celem
Ampére 7 0 3 7 0
Barracão 6 0 0 6 0
Bela Vista da Caroba 1 0 1 1 0
Bom Jesus do Sul 2 2 0 2 0
Capanema 10 2 4 9 1
Enéas Marques 3 0 1 3 0
Flor da Serra do Sul 2 0 1 2 0
Francisco Beltrão 16 2 10 15 0
23 Fonte: organizado pelo autor. O site http://www.consultaescolas.pr.gov.br/consultaescolas/ foi Acessado em:
10/09/2016, sendo que os dados tinham sido atualizados pela última vez em 13/08/2016. 24 Os dados foram prospectados no link <http://www.consultaescolas.pr.gov.br/consultaescolas/f/fcls/nre/
profissionais/professoresPedagogosPorDisciplina.xhtml>. Acessado em: 20/11/2016.
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Manfrinópolis 2 0 1 2 0
Marmeleiro 3 0 2 3 0
Pérola do Oeste 3 0 1 3 0
Pinhal de São Bento 1 0 1 1 0
Planalto 6 0 3 6 0
Pranchita 3 0 1 3 0
Realeza 5 0 4 5 0
Renascença 1 0 1 1 0
(continua)
(conclusão)
Município Estabelecimentos de
Ensino Estadual
Espanhol
Grade
regular
Espanhol
Celem
Inglês
Grade
regular
Inglês
Celem
Salgado Filho 2 0 1 2 0
Santa Izabel do Oeste 7 1 1 7 0
Santo Antônio do Sudoeste 10 1 2 10 0
Verê 4 0 1 4 0
Totais 94 8 39 92 1
Tabela 2 – Oferta de língua estrangeira em 2018 no NRE de Francisco Beltrão/PR 25
Ressalte-se que das 8 escolas que oferecem o espanhol de forma não facultativa, 7 são
de Ensino Fundamental ou Médio integral e uma apenas de Ensino Fundamental não integral,
por sinal a mesma escola que já oferecia espanhol em 2016 e que ainda oferece inglês via
Celem. Olhando para o número de professores de cada uma das línguas que atuam no NRE
Beltrão, observa-se uma pequena redução para 88 professores de inglês (81 com 20 h /aula
semanais e 7 com 40 h/aula semanais) e 21 de espanhol, todos com carga semana de 20 h/a26.
A redução de professores de inglês pode ser explicada pela redução de turmas e pela
revisão de política de integralização de hora-atividade do Governo do Paraná, que aumentou
proporcionalmente o número de aulas de cada professor, já que a oferta nas escolas praticamente
não mudou. Quanto à manutenção de praticamente o mesmo número de docentes de espanhol,
25 Fonte: organizado pelo autor com base em dados de oferta regular disponíveis no link
<http://www.consultaescolas.pr.gov.br/consultaescolas-java/pages/paginas/profissionais/demandaSuprimentos
Estabelecimento.jsf?windowId=c1b> e oferta via Celem no link <http://www.lem.seed.pr.gov.br/
modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=350>. Acessados em 15/10/2018. 26 Os dados foram acessados no link < http://www.consultaescolas.pr.gov.br/consultaescolas-
java/pages/paginas/profissionais/professoresPedagogosLista.jsf?windowId=574>. Acessado em: 17/10/2018.
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pode ser explicada pela inserção na grade regular dessa língua nas escolas integrais, em
contraposição à redução de demanda docente em virtude da não obrigatoriedade de oferta aos
alunos do Ensino Médio.
A Tabela 3 mostra que, proporcionalmente, a demanda de professores de espanhol é
maior nas escolas que oferecem essa língua na grade regular, enquanto a oferta via Celem não
atinge todas as escolas, inclusive nem todos os municípios. A discrepância do total de horas-
aula demandas entre espanhol (330 h) e inglês (1.970 h) também indica o prestígio da última.
Município Estabelecimentos de
Ensino Estadual
Espanhol
Grade
regular
Espanhol
Celem
Inglês
Grade
regular
Inglês
Celem
Ampére 7 0 12 h 136 h 0
Barracão 6 0 0 116 h 0
Bela Vista da Caroba 1 0 4 h 32 h 0
Bom Jesus do Sul 2 22 h 0 32 h 0
Capanema 10 30 h 16 h 122 h 8 h
Enéas Marques 3 0 8 h 68 h 0
Flor da Serra do Sul 2 0 8 h 32 h 0
Francisco Beltrão 16 16 h 60 h 510 h 0
Manfrinópolis 2 0 8 h 33 h 0
Marmeleiro 3 0 12 h 92 h 0
Pérola do Oeste 3 0 0* 52 h 0
Pinhal de São Bento 1 0 0* 36 h 0
Planalto 6 0 8 h 92 h 0
Pranchita 3 0 8 h 42 h 0
Realeza 5 0 48 h 127 h 0
Renascença 1 0 12 h 58 h 0
Salgado Filho 2 0 0* 64 h 0
Santa Izabel do Oeste 7 10 h 0* 98 h 0
Santo Antônio do Sudoeste 10 24 h 16 h 150 h 0
Verê 4 0 8 70 h 0
Totais 94 102 h 228 h 1.962 h 8 h
* Municípios em que o site oficial do Celem indica haver oferta de turmas de espanhol, porém em que
não há docentes contratados conforme o site do NRE de Francisco Beltrão.
Tabela 3 – Demanda por professores de língua estrangeira em 2018 no NRE de Francisco
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Beltrão/PR 27
A publicação das leis nacionais argentina e brasileira tornando obrigatórias as línguas
dos países vizinhos em algum momento do ensino básico, como se viu nos dados acima, não
impediram, ao menos no contexto de fronteira estudado, que o inglês perdesse o status de língua
estrangeira preferencial, antes, conseguiram garantir um espaço mínimo para o espanhol no
Brasil e o português na Argentina. Porém, esses avanços provavelmente tendem a retroagir
sensivelmente no Brasil com a Lei 13.415/201728 e, quem sabe, influenciar a Argentina a rever
a obrigatoriedade de ensino de português, como uma reação à quebra de reciprocidade
brasileira, pois, como afirma Lagares (2013, p. 184), “[a] própria decisão sobre as línguas
estrangeiras que integram o currículo escolar é consequência de debates sociais e medidas
legislativas que surgem em contextos geopolíticos e econômicos concretos”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um olhar ingênuo para as políticas linguísticas que visam elevar o português e o
espanhol a línguas de integração entre os países do Mercosul pode sugerir que se está a passos
largos rumando para esse objetivo. Porém, como já sinalizado na introdução, as relações
internacionais, especialmente em espaço de fronteira, sempre são conflituosas e políticas
linguísticas “top down” nem sempre conseguem seus objetivos (CALVET, 2007).
Trabalhos já realizados sobre ações na fronteira Argentina-Brasil demonstram, por
exemplo, que há maior adesão de argentinos ao português que de brasileiros ao espanhol
27 Fonte: organizado pelo autor com base em dados de demanda de professores disponíveis no link
<http://www.consultaescolas.pr.gov.br/consultaescolas-java/pages/paginas/profissionais/demandaSuprimentos
Estabelecimento.jsf?windowId=c1b>. Acessado em: 15/10/2018. 28 No Colóquio Regional Sul “Ensino Médio: reflexões e propostas” promovido pela Associação Nacional de
Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), Regional Sul, em Porto Alegre, no dia 4 de
novembro de 2016, foi divulgado um Manifesto que assevera ter sido “cassado o direito de escolha a uma língua
estrangeira previsto na LDBEN 9394/96, já que o Inglês seria admitido como componente curricular obrigatório”.
Disponível em: <http://www.uffs.edu.br/index.php?site=uffs&option=com_content&view=article&id=9647:
universidades-federais-da-regiao-sul-debatem-propostas-de-mudancas-no-ensino-
medio&catid=37:noticiasinstitucional&Itemid=>. Acessado em: 19/11/2016.
Também na Região Sul eclodiu o movimento “Fica Espanhol”, organizado por professores e estudantes, que
conseguiu aprovar em primeira votação uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no Rio Grande do Sul que
obrigue as escolas públicas de Ensino Fundamental e Médio a oferecer a língua espanhola, com matrícula
facultativa aos alunos. É possível acompanhar a tramitação da PEC no link
<http://proweb.procergs.com.br/consulta_proposicao.asp?
SiglaTipo=PEC&NroProposicao=270&AnoProposicao=2018>. Acessado em: 17/10/2018.
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(OLIVEIRA, 2012; SAGAZ, 2013)29. Seria essa adesão uma consequência de ordem
econômica, haja vista brasileiros frequentemente cruzarem a fronteira em busca de bens de
consumo, como bebidas, cosméticos e produtos alimentícios? Por outro lado, muitos argentinos
cruzam a fronteira buscando bens de consumo no Brasil, então, por que a recíproca não é
verdadeira?
Ou poder-se-ia enveredar por explicações de ordem cultural, como, por exemplo, um
conhecido “desapego” do brasileiro por línguas estrangeiras (mesmo o inglês, língua franca
internacional, apesar de estar no currículo da maioria das escolas brasileiras, é dominado
proporcionalmente por poucos brasileiros)? Ou a histórica rivalidade entre Argentina e Brasil
(que não é recente, remontando neste espaço de fronteira, como apresentado na introdução,
desde a época colonial, passando pela afirmação dos espaços nacionais) influencia na
valorização ou aceitação da língua do outro?
Ou seriam as planificações linguísticas ineficientes, ao eleger o ensino de português e
espanhol como línguas estrangeiras? É sabido que na área de fronteira Argentina-Brasil há uso
do “portunhol” como uma “interlíngua” ou mesmo se opta pelo diálogo poliglota (em que cada
falante uso sua língua/dialeto), os quais resultam em “semicomunicação” (BORN, 2005, p. 130-
131). Seria o ensino do espanhol e do português como língua estrangeira, geralmente pautado
na gramática normativa, uma gestão “in vitro” das línguas, relegada a segundo plano pelos
falantes, que optam pelas soluções “in vivo”, como o portunhol e o diálogo poliglota (CALVET,
2007, p. 68-71)? Ainda, considerando-se a histórica relação fronteiriça, sabe-se que muitas
famílias são interétnicas, nas quais o português, o espanhol e o portunhol convivem (sem contar
outras línguas, como de imigração ou indígenas). Assim, faz sentindo ensinar português e
espanhol como língua estrangeira para esses moradores de fronteira? Ou, faz sentido para esses
moradores estudar/aprender português e espanhol como língua estrangeira?
Essas questões reforçam a importância da Política Linguística enquanto ciência que
investiga as políticas linguísticas enquanto “arte” (RAJAGOPALAN, 2013), a fim de que se
pense para além das línguas, também os sujeitos envolvidos nesses processos. Não temos a
pretensão de fechar essas questões neste artigo, mas é possível afirmar, de antemão, que a
integração buscada através do espanhol e do português passam pela integração dos povos que
29 O inverso foi constatado por Sturza e Oliveira (2012) na fronteira Brasil-Venezuela, em que brasileiros aderem
à língua espanhola e não o inverso, revelando que as condições sociais dos falantes influenciam em suas opções
linguísticas.
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as falam, seja como língua materna ou segunda língua.
REFERÊNCIAS
ALTENHOFEN, Cléo V. Bases para uma política linguística das línguas minoritárias no Brasil.
In.: NICOLAIDES, Christine; SILVA, Kleber Aparecido da; TÍLIO, Rogério; ROCHA, Claudia
Hilsdorf (Orgs.). Política e Políticas Linguísticas. Campinas, SP: Pontes, 2013. p. 93-116
ARGENTINA. Ley 26.468, de 17 de decembre de 2008. Establécese que todas las escuelas
secundarias del sistema educativo nacional, incluirán en forma obligatoria una propuesta curricular para la enseñanza del idioma portugués como lengua extranjera, en cumplimiento de
la Ley Nº 25.181. Disponível em:
<http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/145000-149999/149451/norma.htm>.
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ARGENTINA/BRASIL. Convênio de cooperação educativa entre a República Federativa do
Brasil e a República Argentina. 1997. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-
internacionais/bilaterais/1997/b_107_2011-09-01-14-10-26/at_download/arquivo. Acessado
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BRASIL. Lei 11.161, de 05 de agosto de 2005. Dispõe sobre o ensino da língua espanhola.
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BRASIL. Medida Provisória 746, de 22 de setembro de 2016. Institui a Política de Fomento à
Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei nº 11.494
de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, e dá outras providências. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Mpv/mpv746.htm>.
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BRASIL. Lei 13.415, de 16 de fevereiro de 2017.
Altera as Leis nos 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio
de 1943, e o Decreto-Lei no 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei no 11.161, de 5 de
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