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PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL A PÓS QUE ACOMPANHA VOCÊ | www.posestacio.cers.com.br Sistema recursal no Novo CPC: afinal, o que mudou? RENATO PESSOA MANUCCI Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Bragança Paulista Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Professor Tutor do curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil da Estácio/CERS. Professor Universitário Advogado 1. Introdução. 2. Princípio do duplo grau de jurisdição. 3. Princípio da taxatividade e os recursos previstos no NCPC. 4. Conceito e classificação dos recursos. 5. Teoria geral dos recursos à luz do novo CPC. 5.1 Efeitos recursais. 5.2. Pressupostos de admissibilidade. 5.3. Desistência e renúncia dos recursos. 5.4. Recurso adesivo. Conclusão. Referências. 1. Introdução A crítica ao sistema recursal é fato notório na atualidade, reclamando a sociedade em geral do excessivo número de recursos cabíveis que seriam, possivelmente, a causa da morosidade da Justiça. Trata-se, sem dúvida, de uma decorrência do amplo acesso à Justiça garantido pela nova ordem Constitucional. No entanto, não pode o Estado implementar uma garantia constitucional e desproteger outra. Assim, clama-se pela conciliação entre o acesso à justiça, o devido processo legal e a razoável duração do processo, de modo a proporcionar aos jurisdicionados uma tutela jurisdicional eficaz e rápida. Em outros termos, o tema deve ser revisitado sob a ótica do princípio da proporcionalidade, em suas vertentes da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, a fim de harmonizar o direito à razoável duração do processo com o direito ao recurso, que está intimamente relacionado ao devido processo legal. O novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 13.105, de 16 de março de 2015 (doravamente denominado tão somente “NCPC” ou “CPC de 2015”), talvez inspirado nestas premissas, promoveu modificações no sistema recursal, sendo natural um estado inicial de incertezas e de dúvidas sobre a aplicabilidade de tais normas. Dessa forma, impõe-se a revisitação de alguns institutos recursais, sempre com os olhos voltados para a Constituição Federal (doravamente denominada tão somente “CF”). Com esse espírito, foram revistos no presente ensaio aspectos conceituais, principiológicos e processuais inerentes à teoria geral dos recursos, realizando um comparativo com as disposições

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Sistema recursal no Novo CPC: afinal, o que mudou?

RENATO PESSOA MANUCCI Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Bragança Paulista

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Professor Tutor do curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil da Estácio/CERS. Professor Universitário

Advogado

1. Introdução. 2. Princípio do duplo grau de jurisdição. 3. Princípio da taxatividade e os recursos previstos no NCPC. 4. Conceito e classificação dos recursos. 5. Teoria geral dos recursos à luz do novo CPC. 5.1 Efeitos recursais. 5.2. Pressupostos de admissibilidade. 5.3. Desistência e renúncia dos recursos. 5.4. Recurso adesivo. Conclusão. Referências. 1. Introdução A crítica ao sistema recursal é fato notório na atualidade, reclamando a sociedade em geral do excessivo número de recursos cabíveis que seriam, possivelmente, a causa da morosidade da Justiça. Trata-se, sem dúvida, de uma decorrência do amplo acesso à Justiça garantido pela nova ordem Constitucional. No entanto, não pode o Estado implementar uma garantia constitucional e desproteger outra. Assim, clama-se pela conciliação entre o acesso à justiça, o devido processo legal e a razoável duração do processo, de modo a proporcionar aos jurisdicionados uma tutela jurisdicional eficaz e rápida. Em outros termos, o tema deve ser revisitado sob a ótica do princípio da proporcionalidade, em suas vertentes da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, a fim de harmonizar o direito à razoável duração do processo com o direito ao recurso, que está intimamente relacionado ao devido processo legal. O novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 13.105, de 16 de março de 2015 (doravamente denominado tão somente “NCPC” ou “CPC de 2015”), talvez inspirado nestas premissas, promoveu modificações no sistema recursal, sendo natural um estado inicial de incertezas e de dúvidas sobre a aplicabilidade de tais normas. Dessa forma, impõe-se a revisitação de alguns institutos recursais, sempre com os olhos voltados para a Constituição Federal (doravamente denominada tão somente “CF”). Com esse espírito, foram revistos no presente ensaio aspectos conceituais, principiológicos e processuais inerentes à teoria geral dos recursos, realizando um comparativo com as disposições

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presentes no Código de Processo Civil vigente (doravamente denominado tão somente “CPC vigente” ou “CPC de 1973”), a fim de contribuir para a efetividade das novas regras, sem esgotar o tema. 2. Princípio do duplo grau de jurisdição. A irresignação e a falibilidade são caraterísticas inerentes à natureza humana, daí derivando a necessidade de o ordenamento jurídico assegurar mecanismos para o reexame das decisões judiciais, seja como um prolongamento da litispendência, a exemplo dos recursos, seja mediante a instauração de nova relação jurídica, como nas ações autônomas de impugnação. Com efeito, “todo ato do juiz que possa prejudicar um direito ou um interesse da parte deve ser recorrível, como meio de evitar ou emendar os erros e falhas que são inerentes aos julgamentos humanos”1. O princípio do duplo grau de jurisdição, portanto, recomenda que as decisões judiciais sejam submetidas a controle posterior, por órgão hierarquicamente superior, que apreciará o acerto ou desacerto do provimento, assegurando às partes “[…] a possibilidade da revisão da solução da causa, ou seja, a permissão de que a parte possa ter uma segunda opinião concernente a decisão da causa”2. No entanto, diverge a doutrina sobre a real natureza do princípio em estudo, prevalecendo que se trata de garantia constitucional implícita, extraível do próprio texto constitucional por meio de uma interpretação sistemática. De fato, a Constituição Federal (doravamente denominada tão somente “CF” ou “CF de 1988”), estrutura os órgãos judiciais de forma escalonada, prevendo juízos de diferentes graus de jurisdição (competência originária), além de estabelecer recursos de competência dos tribunais (recurso ordinário, especial e extraordinário). Adepto do mencionado posicionamento, Humberto Theodoro Júnior assevera:

Com efeito – se, no Estado Democrático de Direito, a sentença (ou outro provimento) não pode ser construída como ato de autoridade restrito à vontade singular e isolada do juiz, mas tem de obrigatoriamente levar em conta as alegações e argumentos relevantes das partes –, o duplo grau passa à categoria de garantia, de que o julgador, de fato, respeitará a participação dos litigantes na formação do provimento jurisdicional. Afinal restaria sem sentido tal garantia se, ao emitir seu provimento, o juiz o fizesse de modo a ignorar a contribuição das partes, deixando sem adequada resposta suas alegações e argumentos.3.

De outro lado, parte da doutrina repudia tal concepção, entendendo que o silêncio da CF foi eloquente, de modo que o duplo grau de jurisdição seria garantia emanada exclusivamente da legislação infraconstitucional e como tal passível de supressão por meio de modificação legislativa.

1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I: Teoria Geral do Direito Processual Civil e

Processo de Conhecimento. 55ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 212. 2 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Método, 2011, p. 591. 3 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I … p. 215.

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Aliás, no julgamento no julgamento da Ação Penal 470/MG (caso que ficou nacionalmente conhecido como “mensalão”), a natureza do princípio do duplo grau de jurisdição voltou à tona, manifestando o Ministro Luiz Fux entendimento de que “[…] o STF já teria rejeitado o caráter constitucional dessa prerrogativa, ao afastar sua incidência nos processos de competência originária dos tribunais superiores […]”. Não obstante, no mesmo julgamento, ao admitir o cabimento de embargos infringentes, houve manifestação da Ministra Cármen Lúcia no sentido de que “[…] a admissão dos infringentes seria uma forma de estabelecer atípico duplo grau de jurisdição”4. Dessa forma, percebe-se que, embora prevaleça a concepção da natureza constitucional do instituto, a questão ainda está em constante discussão. 3. Princípio da taxatividade e os recursos previstos no novo CPC O princípio da taxatividade determina que somente as espécies recursais previstas em lei constituem instrumentos idôneos para provocar o reexame do provimento jurisdicional. Por conseguinte, é vedada qualquer atividade criativa ou negocial das partes no sentido de estipular regras relativas ao cabimento dos recursos ou mesmo criarem espécies recursais não previstas na legislação. Lembra Fredie Didier Jr. et al que “[…] o rol legal dos recursos é numerus clausus. Só há os recursos legalmente previstos. Lei, aqui, é termo que deve ser compreendido em sentido amplo, como fonte formal do Direito”5. Nesse cenário, o art. 994 do NCPC, que corresponde, parcialmente, ao art. 496 do CPC vigente, elenca os recursos cabíveis no processo civil brasileiro. Importa registrar, contudo, que a referida legislação não esgota o tema, havendo outras espécies recursais elencadas em leis especiais, a exemplo dos embargos infringentes de alçada da Lei de Execução Fiscal, do recurso inominado nos Juizados Especiais e dos agravos internos cabíveis no incidente de suspensão de segurança. O novo rol do art. 994 do CPC de 2015 traz três substanciais modificações, a saber:

1) ausência de remissão ao “agravo” como gênero recursal, originariamente prevista no

inciso II do art. 496 do CPC de 1973, substituído pelo agravo de instrumento e

complementado pela previsão de cabimento de agravo interno e agravo em recurso

especial e em recurso extraordinário;

2) supressão dos embargos infringentes como espécie recursal autônoma, substituído

pela técnica de julgamento colegiado constante do art. 942, caput, do NCPC;

3) ampliação do cabimento dos embargos de divergência com a supressão da cláusula

que restringia a sua incidência aos recursos especial e extraordinário (vide art. 1.043,

NCPC).

4 STF, AP 470 AgR - vigésimo quinto a vigésimo sétimo/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 11 e 12.9.2013,

informativo 719. 5 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil.

Vol. 03: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 12ª ed. Salvador: Juspodivm, 2014,

p. 50.

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Por conseguinte, ficaram superados com a vigência da nova Codificação os enunciados 886, 1697, 2078, 2559 e 39010 da súmula do STJ, que versam sobre aspectos inerentes aos embargos infringentes, consoante inclusive posição firmada no Enunciado 233 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. 4. Conceito e classificação dos recursos. Em sentido amplo, o termo recurso é entendido como todo mecanismo colocado à disposição da parte para a defesa de seu direito, tais como a ação, a exceção, a contestação, a reconvenção, dentre outras. “[…] Nesse sentido diz-se que a parte deve recorrer às vias ordinárias, ou deve recorrer ao processo cautelar, ou deve recorrer à ação reivindicatória etc”11. Para além desta concepção, fala-se em recurso em sentido técnico jurídico (stricto sensu), assim considerado os meios processuais aptos a ensejar o reexame de determinada decisão judicial. Nessa linha de pensamento, consoante as lições de Barbosa Moreira, recurso é remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna12. Cássio Scarpinella Bueno, comentando a referida definição, assinala:

[…] Os recursos nada mais são do que o exercício do (mesmo) ‘direito de ação’ (ou, da perspectiva do réu, do ‘direito de defesa’) ao longo de um mesmo processo, consoante seja necessária, ao autor, ao réu e a eventuais terceiros, a ocupação de determinadas posições de vantagem em busca da obtenção da tutela jurisdicional em seu favor, a eles negada por anterior decisão judicial.13.

Portanto, o recurso prolonga a litispendência, devolvendo o seu exame a um órgão hierarquicamente superior, razão pela qual não se confunde com as ações autônomas de impugnação, a exemplo da ação rescisória, do mandado de segurança e da reclamação constitucional. De outro lado, os recursos são classificados levando em consideração vários critérios: a) quanto à extensão da matéria: dispõe o art. 1.002 do NCPC, que reproduz o conteúdo do art. 505 do CPC vigente, que “a decisão pode ser impugnada no todo ou em parte”. Assim, incumbindo à parte delimitar o âmbito de cognição do órgão ad quem, fala-se em:

6 “Súmula 88. São admissíveis embargos infringentes em processo falimentar”. 7 “Súmula 169. São inadmissíveis embargos infringentes no processo de mandado de segurança”. 8 “Súmula 207. É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no

tribunal de origem”. 9 “Súmula 255. Cabem embargos infringentes contra acórdão, proferido por maioria, em agravo retido, quando se

tratar de matéria de mérito”. 10 “Súmula 390. Nas decisões por maioria, em reexame necessário, não se admitem embargos infringentes”. 11 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I … p. 1866. 12 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003,

v. 5, p. 233. 13 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 05: Recursos. Processos e

incidentes nos Tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. São Paulo:

Saraiva, 2008, p. 11.

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recurso parcial: aquele que não impugna a decisão judicial em sua inteireza, seja

porque “[…] o recorrente decide ou não impugnar todos os capítulos recorríveis da

decisão ou impugnar apenas uma parcela de um capítulo decisório […] O capítulo

não impugnado fica acobertado pela preclusão - e, se se tratar de capítulo de

mérito, ficará imutável por força da coisa julgada material […]”14;

recurso total: aquele no qual o recorrente impugna todo o conteúdo da decisão,

presumindo-se sua insurgência integral em caso de ausência de especificação no

instrumento recursal.

b) quanto à fundamentação:

recursos de fundamentação livre: aquele em que o recorrente tem ampla liberdade

para arguir, na causa de pedir recursal, qualquer tipo de crítica à decisão

impugnada, tais como a apelação, o agravo e o recurso ordinário;

recursos de fundamentação vinculada: a lei elenca, previamente, as matérias que

podem ser arguidas em sede recursal, vinculando o recorrente que não pode

veicular críticas estranhas àquelas previstas legalmente. São exemplos os embargos

de declaração e os recursos especial e extraordinário.

c) quanto a forma de interposição:

recurso principal ou independente: aquele que independe de qualquer condição

para a sua interposição e processamento (regra);

recurso acessório ou adesivo: forma de interposição de recurso que pressupõe a

sucumbência recíproca, ficando subordinado a sorte do recurso principal (dito

independente).

5. Teoria geral dos recursos à luz do novo CPC O CPC de 2015 trata, nos arts. 994 a 1.008, das disposições gerais relativas aos recursos, aperfeiçoando o regime vigente previsto nos arts. 496 a 512 do CPC de 1973. Enquanto alguns temas sofreram modificações substanciais, a exemplo do efeito suspensivo, dos prazos e do preparo, outros se limitaram ora a reproduzir, acrescido de melhoramentos técnicos e redacionais, o conteúdo da legislação vigente, tais como a renúncia, os atos sujeitos a recurso, a legitimidade

14 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil.

Vol. 03 … p. 27.

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recursal e o recurso adesivo, ora incorporaram entendimentos jurisprudenciais, tal qual a desistência de recursos repetitivos. 5.1 Efeitos recursais Sobre este tema, a nova Codificação abordou, nos arts. 995, 1.005 e 1.008, especificamente os efeitos suspensivo, expansivo e substitutivo, além de disciplinar o efeito devolutivo dentre as disposições referentes ao recurso de apelação (art. 1.013). Nesse cenário, repetiu o NCPC a regra consagrada na atual Codificação, no sentido de que os recursos, via de regra, não são dotados de efeito suspensivo automático (ope legis), ressalvadas as disposições legais ou decisões judiciais em sentido contrário. Assim, prescreveu no art. 995, caput que “os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso”. A propósito, Cássio Scarpinella Bueno, comentando o novel comando legal, adverte:

Exceção sentida (lamentavelmente) no novo CPC acerca da imediata eficácia da decisão recorrida é a da apelação, como se verifica do caput do art. 1.012, que acabou por preservar, na última etapa do processo legislativo, a regra prevista no caput do art. 520 do CPC atual É um caso que excepciona a regra do caput do art. 995, em que a própria lei impede a eficácia imediata da decisão recorrida.

De fato, esperava-se, ansiosamente, pela supressão do efeito suspensivo automático da apelação. No entanto, no final da tramitação, optou o legislador por manter a sistemática atual, sendo o recurso de apelação exemplo de espécie recursal dotada de efeito suspensivo ope legis, por força do art. 1.012 do NCPC. Por outro lado, o art. 1.026 do CPC de 2015 resolveu controvérsia, decorrente da redação do art. 497 do CPC de 1973, sobre o efeito suspensivo nos embargos de declaração. Prevalecia até o advento da nova Codificação que os aclaratórios tinham efeito suspensivo, entendimento extraído de interpretação do art. 497, segundo o qual somente o agravo e os recursos especial e extraordinário não seriam dotados de tal efeito automático. De resto, o NCPC generalizou a regra do art. 558 do CPC vigente, que era restrita ao agravo, permitindo ao relator do recurso no tribunal a concessão de efeito suspensivo quando, além da plausibilidade jurídica, ficar demonstrado que a produção imediata de efeitos da decisão recorrida tem potencial de causar dano grave, de difícil ou incerta reparação. O efeito extensivo subjetivo, que consiste na ampliação dos efeitos do recurso para além da parte recorrente, de modo a alcançar litisconsortes que não se insurgiram contra a decisão, foi contemplado pela nova Codificação no art. 1.00515, sem grandes inovações em relação ao CPC vigente. Permanece aplicável, por conseguinte, a lição doutrinária que restringe a incidência deste efeito ao litisconsórcio unitário, “[…] pois nos outros casos a comunicação de efeitos do recurso aos colitigantes omissos não se impõe, pela desnecessidade da uniformidade da disciplina […] Como se

15 “Art. 1.005. O recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses. Parágrafo único. Havendo solidariedade passiva, o recurso interposto por um devedor aproveitará aos outros quando as defesas opostas ao credor lhes forem comuns”.

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vê, o que se chama de efeito expansivo subjetivo não é uma consequência natural do julgamento de um recurso, mas uma regra própria do litisconsórcio unitário, aplicável no âmbito recursal”16. Daniel Amorim Assumpção Neves situa a questão da seguinte forma:

Interessante notar que a doutrina viu-se diante de dois princípios contrários referentes ao tema. De um lado, o principio da realidade, que não admite que uma mesma questão fática ou jurídica seja decidida de forma diferente dentro do mesmo processo, ainda que o litisconsórcio seja simples. Esse principio prestigia a lógica interna da demanda, o que favorece ate mesmo o litisconsorte simples que não recorreu, desde que a matéria do recurso provido lhe aproveite. Por outro lado, o principio da pessoalidade ou individualidade do recurso, preferido pela doutrina, que determina como regra que, a par de eventuais contradições lógicas, suportáveis pelo sistema, o recurso só aproveita o recorrente, salvo as excepcionais situações de litisconsórcio unitário. A regra só é quebrada no litisconsórcio formado por devedores solidários em que, apesar de existir um litisconsórcio simples, o recurso de um litisconsorte aproveita os demais, desde que a matéria de defesa não seja pessoal.17.

O efeito substitutivo, igualmente, não sofrerá grandes modificações com a novel legislação, na medida em que o seu art. 1.00818 praticamente repete o conteúdo do art. 512 do CPC de 1973, apenas aperfeiçoando aspectos redacionais. Cássio Scarpinella Bueno aduz que “a redação do novo CPC é elogiável porque a palavra ‘decisão’ empregada no dispositivo é genérica, tornando despicienda a menção às espécies de decisão passíveis de reforma pelo tribunal em sede de recurso”19. Perdeu o novo diploma a oportunidade de incorporar em seu bojo a crítica da doutrina, que já alertava para os inconvenientes de uma interpretação literal do dispositivo vigente. Isso porque […] a substituição da decisão recorrida pelo julgamento do recurso somente ocorre na hipótese de julgamento do mérito recursai, e ainda assim a depender do resultado de tal julgamento”20. Humberto Theodoro Júnior sintetiza a incidência do efeito em estudo:

Para que a substituição ocorra, todavia, hão de ser observados alguns requisitos: a) o recurso deverá ter sido conhecido e julgado pelo mérito; se o caso for de não admissão do recurso, por questão preliminar, ou se o julgamento for de anulação do julgado recorrido, não haverá como o decidido no recurso substituir a decisão originária; b) deverá o novo julgamento compreender todo o tema que foi objeto da decisão recorrida; se a impugnação tiver sido parcial, a substituição operará nos limites da devolução apenas.21.

16 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil.

Vol. 03 … p. 97. 17 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual … p. 587. 18 “Art. 1.008. O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a decisão impugnada no que tiver sido objeto de recurso”. 19 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 645. 20 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual … p. 588. 21 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I … p. 1909.

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Aliás, não se trata de discussão meramente acadêmica, havendo repercussões práticas, haja vista que eventual ação rescisória será processada e julgada pelo tribunal prolator do acórdão impugnado. Destarte, exemplificativamente, na hipótese de recurso especial não conhecido, a competência para apreciar a ação rescisória será do Tribunal de Justiça que preferiu o acórdão e não do Superior Tribunal de Justiça, porque a demanda volta-se contra a última decisão, que não é substituída quando o recurso não é conhecido. 5.2. Pressupostos de admissibilidade. O enfrentamento pelo juízo ad quem do mérito da interposição recursal depende do preenchimento dos pressupostos de admissibilidade recursal, existindo diversos critérios para classificá-los. Entretanto, dados os objetivos restritos deste estudo, o referido tema não será abordado, limitando-se à discussão aos dispositivos constantes da nova Codificação, especialmente aqueles que promoveram substanciais modificações no sistema recursal vigente. Antes, porém, faz-se necessário alguns esclarecimentos terminológicos. No julgamento dos recursos, o órgão competente aprecia, inicialmente, a admissibilidade do recurso e, sendo positivo o resultado, passa a enfrentar o mérito da irresignação. Assim, fala-se em juízo de admissibilidade (ou juízo de prelibação) e juízo de mérito do recurso: aquele é a sede adequada para a verificação da presença, ou não, dos pressupostos de admissibilidade do recurso, tais como legitimidade e interesse recursal (ditos “pressupostos subjetivos”), cabimento, preparo, tempestividade e inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer (ditos “pressupostos objetivos”); este (juízo de mérito) é o espaço destinado ao julgamento da insurgência do recorrente. Sendo positivo o resultado do juízo de admissibilidade, diz-se que o recurso pode ser “conhecido”; julgado o seu mérito, o recurso pode ser “provido” ou “desprovido”, conforme seja o pedido recursal acolhido ou rejeitado, respectivamente. O CPC de 2015, seguindo a mesma sistemática do CPC de 1973, trouxe regras próprias relativas à legitimidade recursal (art. 996), à desistência e a renúncia, que são pressupostos negativos, objeto de estudo no tópico seguinte (arts. 998 a 1.000), à tempestividade (arts. 1.003 e 1.004) e ao preparo (art. 1.007). Tratando-se da legitimidade recursal, o art. 996, caput, do NCPC estabeleceu que “o recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, como parte ou como fiscal da ordem jurídica”. Comparado com o art. 499, caput, do CPC vigente, a única novidade foi o detalhamento no final do dispositivo da legitimidade recursal do Ministério Público, que era tratada em parágrafo próprio (§ 2º do art. 499 do CPC vigente). Permanecem aplicáveis, portanto, os entendimentos jurisprudenciais consolidados nas Súmulas 99 e 226 do Superior Tribunal de Justiça22. Em relação à legitimidade do terceiro prejudicado, manteve-se a exigência de demonstração do nexo de interdependência para o conhecimento de seu recurso, esclarecendo o parágrafo único do art. 996 que “cumpre ao terceiro demonstrar a possibilidade de a decisão sobre a relação jurídica 22 “Súmula 99. O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei,

ainda que não haja recurso da parte”; “Súmula 226. O Ministério Público tem legitimidade para recorrer na ação de

acidente de trabalho, ainda que o segurado esteja assistido por advogado”.

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submetida à apreciação judicial atingir direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como substituto processual”. Nesse ponto, avançou a nova legislação ao definir o nexo de interdependência, que é ônus do terceiro demonstrar. Em suma, “é irrecusável, no particular, a superioridade da redação do novo dispositivo quando comparado ao seu congênere no CPC atual, mormente na parte final no parágrafo único que, em rigor, é nova, ao menos textualmente”23. De outro lado, o CPC de 2015 traçou regras relativas ao prazo de interposição dos recursos nos arts. 1.003 e 1.004, que são inerentes ao pressuposto da tempestividade. Com efeito, o recurso, para ser conhecido, deve ser manejado dentro do prazo legal. Talvez, aqui, residam as maiores inovações no sistema recursal. A primeira delas consiste na unificação dos prazos recursais, dispondo o § 5º do art. 1.003 que “excetuados os embargos de declaração, o prazo para interpor os recursos e para responder é de 15 (quinze) dias”. Nesse particular, a nova Codificação seguiu a experiência do processo trabalhista, que unificou os prazos em oito dias, salvo em relação aos embargos de declaração. A segunda consta do caput e do §§ 1º e 2º do art. 1.00324, os quais versam sobre o termo inicial para a contagem do prazo recursal. Reza o caput que “o prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão”, lembrando que, na nova Codificação, os três últimos sujeitos processuais têm assegurado a prerrogativa de intimação pessoal, nos exatos moldes dos arts. 180, 183 e 186. A terceira consiste no detalhamento das regras relativas ao protocolo do recurso, constantes dos §§ 3º e 4º do art. 1.00325. No § 4º, o NCPC positiva a possibilidade de interposição de recurso por via postal, iniciativa pioneira no Estado de Minas Gerais26, dispondo que, nesse caso, considerar-se-á interposto o recurso na data da postagem da correspondência. Por conseguinte, o enunciado da Súmula 216 do Superior Tribunal de Justiça27 ficou superado, impondo-se o seu cancelamento quando da entrada em vigor do novo Estatuto Processual, entendimento consagrado inclusive no Enunciado 96 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. A quarta e última inovação constante do art. 1.003 consta do § 6º, segundo o qual “o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso”, norma que é muito bem vinda, pois, além de positivar o entendimento dominante, evita surpresas para o recorrente, sendo, pois, expressão do princípio da segurança jurídica. Assim, “cabe ao recorrente, sendo o caso, comprovar a ocorrência de feriado local, isto é, municipal e, tratando-se de recurso para os Tribunais Superiores, também estadual, no ato de interposição do recurso (§ 6º)”28.

23 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código … p. 638. 24 “Art. 1.003 …

§ 1º Os sujeitos previstos no caput considerar-se-ão intimados em audiência quando nesta for proferida a decisão. § 2o Aplica-se o disposto no art. 231, incisos I a VI, ao prazo de interposição de recurso pelo réu contra decisão proferida anteriormente à citação. 25 “Art. 1.003 …

§ 3º No prazo para interposição de recurso, a petição será protocolada em cartório ou conforme as normas de organização judiciária, ressalvado o disposto em regra especial. § 4o Para aferição da tempestividade do recurso remetido pelo correio, será considerada como data de interposição a

data de postagem”. 26 TJMG, Resolução 642/2010, Corte Superior, DJe 28.06.2010. 27 “Súmula 216. A tempestividade de recurso interposto no Superior Tribunal de Justiça é aferida pelo registro no

protocolo da Secretaria e não pela data da entrega na agência do correio”. 28 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código … p. 642.

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Vale acrescentar, ainda, outra inovação constante do art. 218, § 4º, do CPC de 2015, o qual prescreve que “será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo”. Trata-se de comando que sepultou de uma vez por todas a malfadada intempestividade prematura do recurso, tornando-se superado o entendimento consolidado na Súmula 418 do STJ29. Logo, “o Tribunal não poderá julgar extemporâneo ou intempestivo recurso, na instância ordinária ou extraordinária, interposto antes da abertura do prazo”, nos termos do Enunciado 22 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Por fim, o preparo foi disciplinado no art. 1.007 do NCPC, que, além de manter as regras dos arts. 511 e 519 do CPC vigente, disciplinou outros aspectos deste pressuposto de admissibilidade. Inicialmente, verifica-se que, no caput, foi mantida a regra de que o preparo, quando exigido pela legislação, deve ser comprovado no ato de interposição do recurso, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção. O § 1º, por sua vez, manteve a dispensa de preparo para os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelo Distrito Federal, pelos Estados, pelos Municípios, e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal. Outrossim, o § 2º repetiu a regra da insuficiência de preparo, prevendo que “a insuficiência no valor do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, implicará deserção se o recorrente, intimado na pessoa de seu advogado, não vier a supri-lo no prazo de 5 (cinco) dias”. Na verdade, em comparação a norma prevista no § 2º do art. 511 do CPC vigente, verifica-se que houve a menção expressa do porte de remessa e de retorno, bem como a especificação de que a intimação se efetive na pessoa do advogado. O § 3º, lado outro, inovou ao estabelecer que “é dispensado o recolhimento do porte de remessa e de retorno no processo em autos eletrônicos”. De fato, tratando-se de suporte eletrônico, seria injusta a manutenção do porte de remessa e de retorno, que tem por finalidade, justamente, garantir a movimentação dos autos físicos do processo. No entanto, a efetividade pretendida dependerá da implementação do processo eletrônico em todos os Tribunais do país. Digna de destaque é a norma constante do § 4º, verdadeira revolução no ordenamento processual, segundo a qual “o recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção”. Complementa o § 5º afirmando que é vedada a complementação se houver insuficiência parcial do preparo, incluindo porte de remessa e de retorno, no recolhimento realizado na forma do § 4º. Conforme alerta Cássio Scarpinella Bueno, “a hipótese difere da prevista no § 2º, que pressupõe preparo insuficiente, aqui, o recurso foi interposto sem nenhum preparo e, à falta de qualquer justificativa (que faria incidir o § 6º), acarreta o recolhimento em dobro do valor originariamente devido”30. De resto, o § 7º, sem correspondente no CPC de 1973, prescreve que “o equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará a aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias”. Com isso, sepulta-se, definitivamente, prática corriqueira nos Tribunais, que, sem ao menos garantir o contraditório, julgava deserto o recurso nas condições descritas no dispositivo legal.

29 “Súmula 418. É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de

declaração, sem posterior ratificação”. 30 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código … p. 645.

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A propósito, o Enunciado 98 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, integrando o NCPC ao microssistema da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, recomenda a aplicação das disposições dos §§ 2º e 4º do art. 1.007 aos Juizados Especiais Cíveis. 5.3. Desistência e renúncia dos recursos Desistência e renúncia são atos de disponibilidade recursal, constituindo verdadeiros pressupostos negativos de admissibilidade, é dizer, o conhecimento do recurso depende da inexistência de tais situações jurídicas. Logo, “da desistência do recurso ou da renúncia ao direito de interpô-lo, decorre o trânsito em julgado da sentença […]”31, sem prejuízo da faculdade de o renunciante ou desistente interpor recurso adesivo. Diferenciam-se, contudo, em razão do momento em que são formalizadas: enquanto a desistência é ato de disponibilidade contemporâneo à interposição do recurso, ou seja, é manifestação de renúncia ao recurso já interposto; a renúncia é ato que antecede a interposição do recurso, no qual o renunciante manifesta a intenção de não interpô-lo. Portanto, “a desistência pressupõe recurso já interposto; se o recurso ainda não foi interposto, e o interessado manifesta vontade de não interpô-lo, o caso é de renúncia”32. Por outro lado, existem aspectos semelhantes entre os institutos: ambos não dependem de aceitação da parte contrária e nem ficam sujeitos a condição ou termo. O regramento da desistência está disposto no art. 998 do CPC de 2015, que corresponde ao art. 501 do CPC de 1973, segundo o qual “o recorrente poderá, a qualquer tempo, sem anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso”. Contudo, não esclareceu a nova Codificação o termo final para que o recorrente postule a desistência do recurso. Não obstante, importa registrar o pertinente comentário do professor Cássio Scarpinella Bueno, segundo o qual “[…] o Projeto da Câmara limitava a desistência à data da publicação da pauta da sessão de julgamento do recurso. Sem qualquer ressalva expressa, deve prevalecer como correto o entendimento de que a desistência pode ser manifestada até o início do julgamento do recurso”33. O parágrafo único do art. 998, de outro lado, estabeleceu que “a desistência do recurso não impede a análise da questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquela objeto de julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos”. Embora a disposição não tenha correspondente no CPC vigente, não constitui uma inovação propriamente dita. Isso porque a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que “é inviável o acolhimento de pedido de desistência recursal formulado quando já iniciado o procedimento de julgamento do Recurso Especial representativo da controvérsia, na forma do art. 543-C do CPC c/c Resolução n.º 08/08 do STJ”34. Fredie Didier Jr. et al, crítico desta concepção, aponta que “não há pedido de desistência do recurso. A parte simplesmente desiste do recurso. Desistir de um recurso é revogá-lo.

31 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I … p. 1911. 32 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil.

Vol. 03 … p. 36. 33 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código … p. 640. 34 STJ, QO no REsp 1.063.343/RS, Corte Especial, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17.12.2008, DJe 04.06.2009.

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Uma vez formulada a desistência, seus efeitos são imediatamente produzidos, nos termos do art. 158 do CPC […]”35. Cássio Scarpinella Bueno, fazendo um contraponto, ressalta:

O parágrafo único do art. 998, por sua vez, busca compartilhar o interesse público subjacente ao julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida e recursos extraordinários e/ou repetitivos já afetados como tais com o interesse das partes. A melhor interpretação para a nova regra é a de que a questão jurídica derivada do recurso poderá ser julgada, a despeito da desistência; não o recurso do qual se desistiu, cujo processo terá sorte apartada daquele outro julgamento, ocasionando que a decisão recorrida, eventualmente – se for o caso –, transite em julgado.36.

Sem embargo das opiniões doutrinárias, o fato é que, na prática, a desistência de recursos repetitivos não impedirá o órgão jurisdicional de enfrentar a questão jurídica e firmar a tese aplicável a outros recursos que tenham por objeto matérias idênticas ou semelhantes. Entretanto, “no caso do art. 998, parágrafo único, o resultado do julgamento não se aplica ao recurso de que se desistiu”, nos termos do Enunciado 213 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. A renúncia, por sua vez, consta dos arts. 999 e 1.000 do NCPC37, cujas normas reproduzem as regras previstas nos arts. 502 e 503 do CPC vigente, sem grandes inovações. Nas palavras de Daniel Assumpção Amorim Neves:

A renuncia diz respeito ao direito de recorrer, de forma que só pode ser realizada antes da interposição do recurso, porque depois disso já estará consumado o direito recursal, não havendo mais sobre o que se renunciar. O termo inicial da renuncia é o surgimento concreto e especifico do direito de recorrer, não se admitindo no direito brasileiro a renuncia prévia, nem mesmo quando resultado de acordo de vontade das partes. Dessa forma, o termo iniciai da renuncia é a intimação das partes da decisão contra a qual poderiam potencialmente se insurgir.38.

5.4. Recurso adesivo

35 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil.

Vol. 03 … p. 37. 36 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código … p. 640. 37 “Art. 999. A renúncia ao direito de recorrer independe da aceitação da outra parte. Art. 1.000. A parte que aceitar expressa ou tacitamente a decisão não poderá recorrer. Parágrafo único. Considera-se aceitação tácita a prática, sem nenhuma reserva, de ato incompatível com a vontade de recorrer”. 38 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual … p. 626.

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Recurso adesivo não é espécie recursal autônoma, mas forma de interposição dos recursos de apelação, extraordinário e especial, cuja especificidade reside na necessidade de sucumbência recíproca. Vale dizer:

Somente é possível cogitar de interposição adesiva em caso de sucumbência recíproca: ambos os litigantes são em parte vencedores e vencidos (art. 500, caput, CPC). Nesses casos, publicada a decisão, embora ambos pudessem ter recorrido de forma independente, um deles espera o comportamento do outro, para só então recorrer.39.

O NCPC não escapou desta sistemática e consagrou o recurso adesivo no art. 997 sem inovações em relação art. 500 do CPC vigente:

Art. 997. Cada parte interporá o recurso independentemente, no prazo e com observância das exigências legais. § 1o Sendo vencidos autor e réu, ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir o outro. § 2o O recurso adesivo fica subordinado ao recurso independente, sendo-lhe aplicáveis as mesmas regras deste quanto aos requisitos de admissibilidade e julgamento no tribunal, salvo disposição legal diversa, observado, ainda, o seguinte: I - será dirigido ao órgão perante o qual o recurso independente fora interposto, no prazo de que a parte dispõe para responder; II - será admissível na apelação, no recurso extraordinário e no recurso especial; III - não será conhecido, se houver desistência do recurso principal ou se for ele considerado inadmissível.

Trata-se de recurso acessório que, como tal, seguirá a sorte do principal.

39 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil.

Vol. 03 … p. 98.

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Conclusão A nova Codificação, além de reproduzir as conquistas oriundas das diversas reformas legislativas por que passou o atual diploma processual, introduziu algumas inovações, pautadas na necessidade de conciliar a razoável duração do processo e o duplo grau de jurisdição. A primeira delas foi a supressão dos embargos infringentes, que sempre recebeu críticas pela sua pouca utilidade prática, substituídos por uma nova técnica de julgamento colegiado. Ainda tratando dos recursos cabíveis, o NCPC extinguiu o agravo retido e alterou o regime de preclusões, bem como alargou o campo de incidência dos embargos de divergência. Em relação aos efeitos recursais, a nova legislação pouco avançou, frustrando as expectativas daqueles que esperavam a extinção do efeito automático da apelação, modificação que, aliás, constava inicialmente do projeto oriundo do Senado Federal. As grandes inovações na teoria geral dos recursos foram instituídas no âmbito dos pressupostos de admissibilidade recursal, especialmente no que se refere à tempestividade e ao preparo recursal. Nesse sentido, os prazos recursais foram unificados em quinze dias, salvo em relação aos embargos de declaração, cujo prazo permanece de cinco dias; previu-se a forma de interposição dos recursos por via postal; extinguiu-se tese da intempestividade prematura; esclareceu-se a necessidade de comprovação de feriado local no ato de interposição do recurso, ponto omisso que causara drásticas consequências aos jurisdicionados. Outrossim, incorporou-se ao instituto da desistência, que é pressuposto negativo de admissibilidade recursal, o entendimento pacificado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que não é possível a desistência de recurso repetitivo, conciliando-se os interesses particulares do recorrente com o interesse público na fixação da tese aplicável a recursos com idêntico conteúdo (valorização, portanto, do sistema de precedentes judiciais). Enfim, aprimorou-se o sistema, sempre objetivando a efetivação da garantia constitucional da razoável duração do processo, com o respeito ao devido processo legal. Referências BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ, EREsp 874.507/SC rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 1º jul. 2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. QO no REsp 1.063.343/RS, rel. Min. Nancy Andrighi. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 04 jun. 2009.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AP 470-AgR - vigésimo quinto a vigésimo sétimo/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 11 e 12.9.2013, informativo 719

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BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.

_______________________. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 05: Recursos. Processos e incidentes nos Tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. São Paulo: Saraiva, 2008.

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 03: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 12ª ed. Salvador: Juspodivm, 2014.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Método, 2011.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I: Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 55ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.