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POVOS INDÍGENAS E DIVERSIDADE LINGUÍSTICA
Denize de Souza Carneiro1 Virgínia do Nascimento Peixoto2
Introdução
Apesar de o Brasil ser um país múltiplo em línguas e falares, sua população
pouco conhece sobre o seu patrimônio linguístico, pois, ainda impera no imaginário
popular a visão tradicional da existência de apenas uma língua: o português considerado
“culto”.
Segundo o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IPHAN e o Instituto de
Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística – IPOL (apud Bortoni-
Ricardo, 2014), existem no Brasil, além do Português, aproximadamente 212 línguas:
cerca de 180 são faladas por indígenas, cerca de 30 são faladas por imigrantes
estrangeiros e pelos menos 2 línguas de sinais são usadas por membros de comunidades
surdas.
Como se vê, o país é caracterizado por uma ampla diversidade linguística, a qual
é atestada tanto na variedade de línguas existentes como no próprio uso do português,
que apresenta uma gama de variedades regionais (variação diatópica) e/ou variedadessociais (variação diastrática), as quais permitem identificar os falantes das diferentes
regiões ( sotaques), além de constituírem-se como marcas de identidade cultural das
diversas comunidades linguísticas existentes no país.
De acordo com alguns estudiosos, o desconhecimento do brasileiro sobre o seu
patrimônio linguístico se deve, principalmente, ao desenvolvimento de uma política
linguística direcionada ao monolinguismo, que sob o ideal de unidade nacional “um
povo, uma nação, uma língua”, estabeleceu apenas o português, como a língua oficialdo país, (Morello; Oliveira, 2014). Essa estratégia política se originou no período
colonial, com a criação do Diretório dos Índios em 1757, o qual impôs o uso da língua
portuguesa no Estado do Grão Pará e do Maranhão em detrimento das línguas indígenas
usadas pelos diversos grupos indígenas e da Língua geral , usada por indígenas, colonos,
missionários, escravos e mestiços.
1 Mestre em Linguística. Professora da Universidade Federal do Triângulo Mineiro/UFTM –
[email protected] Mestre em Linguística. Professora da Secretaria Municipal de Educação de Manaus. E-mail:[email protected].
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Além dessa estratégia outras ações de controle da diversidade linguística no país
foram sendo tomadas ao longo da história do Brasil (cf. item 3). O objetivo era
unicamente a assimilação, ou seja, tornar os indígenas “semelhantes” aos colonos, por
meio de um processo simultâneo de abandono da sua cultura tradicional e aquisição da
cultura ocidental. Para tanto, devia-se substituir o multilinguismo existente pelo
monolinguismo.
Apesar dessa política, esse objetivo não foi atingido integralmente e o Brasil
ainda é um país multilíngue. E esse Status quo é, sobretudo, resultado da resistência
indígena que, não obstante os inúmeros desafios oriundos dos choques culturais e
interesses antagônicos tem conseguido manter muitas de suas línguas e muitos dos seus
saberes.
No entanto, nosso propósito, neste texto, não é abordar a questão da diversidade
existente no português, nem a situação das línguas faladas por migrantes e descendentes
de estrangeiros, mas apresentar, grosso modo, um panorama da diversidade linguística
dos grupos indígenas brasileiros, focalizando, principalmente, a situação (geral) das
línguas sobreviventes nos mais de 500 anos de contato com a cultura ocidental e a
classificação genética de tais línguas.
1. Contextualizando as línguas indígenas brasileiras
Precisar informações demográficas a respeito da população e das línguas
indígenas no Brasil não se configura em uma tarefa fácil. As diferentes metodologias3
empregadas, a ausência de censos indígenas mais precisos sobre grupos que já
substituíram a língua materna pela portuguesa, a existência de pelos menos 20 grupos
indígenas isolados, sobre os quais quase não se tem informação, impossibilitam
apresentar dados precisos e atualizados da população restante e da quantidade de línguas
ainda faladas. Sendo assim, adotaremos os dados aproximativos de Rodrigues4 (2013),
cujos números admitem certa margem de erro para mais ou para menos em virtude
dessas imprecisões.
Segundo este autor (2005 e 2013), existe, atualmente, no Brasil, cerca de 220
povos indígenas, mas apenas 180 línguas (indígenas) ainda são faladas por uma
população de cerca de 350 mil pessoas. Destas, 39 apresentam menos de 100 falantes;
3
Em suas pesquisas, há estudiosos que consideram dialeto como língua, somando três dialetos comolínguas distintas e outros que não consideram dessa forma.4 Autor das principais hipóteses de relacionamento genético das Línguas Indígenas Brasileiras.
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70 têm entre 100 e 500 falantes; 24 têm entre 501 a 1.000 falantes; 47 têm mais de
1.000 falantes. Considerando-se que línguas com menos de mil falantes são línguas
fortemente ameaçadas de extinção, 73% das línguas indígenas brasileiras, por possuírem
menos de 1.000 falantes, se encontram em processo de extinção.
Ademais, se considerarmos a situação de sobrevivência de uma língua no plano
mundial, a situação das línguas indígenas do Brasil é ainda mais crítica. Nesse plano, as
línguas com menos de 100 mil falantes entram no quadro das línguas prestes a
desaparecer. Em sendo assim, todas as línguas indígenas brasileiras estão à beira do
desaparecimento, pois, conforme os dados supracitados, não há uma só língua com 100
ou mais de 100 mil falantes. As línguas indígenas com maior número de falantes não
chegam a 50 mil; a mais falada é a língua tikuna, que apresenta cerca de 30 mil falantes
(Rodrigues, 2005).
Para especialistas da linguagem, a perda de uma língua é um fato lastimável,
pois implica na perda de uma série de saberes. Saberes que somente poderiam ser
transmitidos, em sua essência, por meio da língua de um dado grupo. Engholm (s.d,
apud Mello, 1999) associa uma língua a uma chave, uma chave que daria acesso ao
coração de um povo, conforme mostram suas palavras:
A língua é a chave para o coração de um povo. Se perdermos a chave, perdemos o povo. Se guardarmos a chave em lugar seguro como umtesouro, abriremos a porta para riquezas incalculáveis, riquezas que jamais poderiam ser imaginadas do outro lado da porta.
Ou seja, a perda de uma língua implica no desaparecimento de diversas formas
de patrimônio cultural imaterial, particularmente “do precioso legado constituído pelas
tradições e expressões orais - dos poemas e lendas aos provérbios e gracejos – da
comunidade que a falava” (Matsuura/Unesco, 2009). Implica na perda de saberes
muitos especiais, pois as línguas naturais, além de serem instrumentos de comunicação5 social, “são também os meios de que dispõem os seres humanos para elaborar, codificar
e conservar seu conhecimento do mundo” (R odrigues, 2005). É por isso que se diz que
conhecer mais de uma língua significa ter acesso a diferentes concepções de mundo e a
diferentes culturas.
5 Segundo Martinet (1978, p. 17-18), uma língua é “(...) um instrumento de comunicação segundo o qual,
de modo variável de comunidade para comunidade, se analisa a experiência humana em unidades providas de conteúdo semântico e de expressão fônica (...)”.
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Assim, é imperioso destacar a importância de se documentar as línguas
indígenas brasileiras. Para Rodrigues (1999) é tarefa urgente! A não documentação,
análise e tentativa de reconstrução da história filogenética (ou seja, semelhança por
derivação entre as línguas) das línguas indígenas sobreviventes poderá representar a
perda de muito entendimento sobre a capacidade de se produzir línguas e de comunicar-
se, pois essas línguas, em geral, têm apresentado fenômenos linguísticos (fonéticos,
fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos, discursivos etc.) que quase não se
encontra nas demais línguas do mundo. Conhecê-las poderá ser de grande valia para o
entendimento teórico e prático das línguas. Além disso, o estudo das línguas indígenas
pode ser de grande importância social, por exemplo, visando o fortalecimento das
mesmas, principalmente, no contexto da educação formal, uma vez que os estudos
linguísticos podem contribuir para elaboração de material didático em língua indígena
com a finalidade de auxiliar seu ensino na Escola.
Apesar de muitos avanços, a documentação das línguas indígenas do Brasil
ainda é considerada precária. Diante da grande quantidade de línguas indígenas faladas
por diferentes povos, está cada vez mais difícil encontrar pesquisadores preparados para
esse campo de estudo. A indisponibilidade de pesquisadores para realizar estudos em
longos prazos e continuados; a ausência de incentivos governamentais à formação de
novos pesquisadores (nessa área) e os choques culturais são apenas alguns dos motivos
que contribuem para essa precariedade.
Nota-se que as iniciativas para incentivar graduandos ao estudo dessas línguas,
em geral, é fruto de intenso trabalho de linguistas que sabem da necessidade urgente de
suas documentações. Rodrigues é um exemplo de pesquisador que agiu em prol dos
estudos das línguas indígenas. Criou o Laboratório de Línguas e Literaturas Indígenas
(LALLI/UnB), um espaço para a pesquisa científica das línguas indígenas brasileiras e
para a formação de novos pesquisadores. Essa iniciativa já introduziu diversos alunos dagraduação no estudo das línguas indígenas, por meio do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) e, principalmente, permitiu, em colaboração
com o Programa de Pós-Graduação em Linguística (mestrado e doutorado) do
Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas do Instituto de Letras (IL)
da Universidade de Brasília (UnB), que diversos indígenas, pudessem documentar suas
próprias línguas.
Após essa breve contextualização, apresentamos, a seguir, uma visão geral acerca da situação das línguas indígenas brasileiras.
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2. Classificação genética das línguas indígenas brasileiras
2.1 Classificações das línguas naturais em famílias e troncos
A classificação das línguas naturais em famílias e troncos é feita conforme o
critério genético6 . Sob esse critério, línguas distintas são agrupadas em classe de acordocom expressivas características linguísticas em comum.
O conhecimento para esse tipo de classificação é obtido por meio de estudos
histórico-comparativos7 , os quais permitem confrontar correspondências regulares de
sons, de palavras, de frases e de características gramaticais, a fim de verificar se há ou
não algum tipo de relação entre duas ou mais línguas. Caso o resultado apresente um
número significativo de correspondências gramaticais e lexicais, formula-se a hipótese
de que um grupo de línguas são irmãs (Rodrigues, 2002).Assim, constituirão uma família linguística aquelas línguas que possuem uma
origem comum, ou seja, aquelas que se originaram de uma só língua mãe, mas que, no
decorrer do tempo, modificaram-se de diferentes maneiras (Rodrigues, 2002). Já os
troncos linguísticos correspondem a uma “afinidade genética mais distante no tempo e
constituem uma unidade mais ampla” que as famílias (idem). Sendo assim, os troncos
são formados pelas famílias linguísticas e as famílias linguísticas são formadas pelas
línguas irmãs.As modificações de uma língua no tempo se explicam em função dos fenômenos
de variação e de mudança linguística, constitutivos das línguas humanas. Esses
fenômenos ocorreram (e ocorrem) em todas as línguas, em todas as épocas e em todos
os lugares, pois uma língua é um objeto histórico e “enquanto saber transmitido está
sujeita às eventualidades próprias de tal tipo de objeto”: “transforma -se no tempo e se
diversifica no espaço” (Camacho, 1988).
É o caso, por exemplo, das línguas românicas, que se originaram do latim
vulgar. Tais línguas, no decorrer do tempo, apresentaram alto grau de variação e em
seguida se modificaram, transformando-se em diferentes línguas; porém línguas
aparentadas (com características comuns), conforme ilustra o quadro, abaixo, em que
apresentamos a saudação boa noite em 6 línguas irmãs, originárias do latim vulgar.
6 A denominação - classificação genética - é decorrente da finalidade do estudo, que busca conhecer a
relação de parentesco entre um grupo de línguas, ou seja, procura-se verificar, a partir das características
linguísticas, que línguas podem ser consideradas irmãs e do qual língua mãe nasceram.
7 Esse método surgiu no século XIX; era uado nos estudos das línguas da Europa para encontrar a língua
mãe (protolíngua) de todas as línguas indo-europeias.
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Tronco Família Língua Ex.: Bonam noctem
Indo-Europeu Românica(ou Latina)
Português Boa noite!Francês Bonne nuit!
Espanhol Buenas noches!Italiano Buona notte!Romeno Noapte bună!
Catalão Bona nit!Quadro 1: Exemplo das línguas Românicas
As semelhanças e as diferenças das características de uma língua em relação à
língua mãe se devem ao maior ou menor tempo do desmembramento da língua de
origem. É o caso, por exemplo, do francês e do português que se desmembraram há
mais tempo que as demais línguas irmãs da família românica. Foneticamente, o francês
e o português são as línguas que apresentam maior diferença do latim vulgar; já o
italiano, que se desmembrou há menos tempo, tem uma pronúncia mais próxima.
Assim como as línguas originárias do latim, as línguas indígenas brasileiras
também foram classificadas por meio do método histórico-comparativo. A partir da
comparação de material linguístico de diferentes línguas indígenas, resultado de estudos
descritivos8, em geral, obtidos em dissertações de mestrado e em teses de doutoramento.
O linguista Aryon Dall‟Igna Rodrigues é quem apresenta uma hipótese de
classificação genética para as línguas indígenas do Brasil. Em sua proposta, o autor
apresenta dois troncos - o tronco tupi e o tronco macro-jê – e um grupo de cerca de 100
línguas ainda não classificadas em tronco, apenas em famílias, pois muitas dessas
línguas ainda carecem de estudos para apresentarem materiais linguísticos suficientes
para serem submetidos ao método histórico-comparativo.
Apresentamos, a seguir, a classificação genética das línguas indígenas do Brasil.
2.1 Tronco tupi
A classificação genética do tronco tupi é resultado de mais 40 anos de estudos de
Rodrigues. Este linguista propôs uma constituição interna deste tronco nos anos de
1984-1985, o que tornou possível apresentar a hipótese desse agrupamento genético em
10 famílias linguísticas.
Com base principalmente na distribuição geográfica das línguas e em alguns
casos também em afinidades linguísticas (caso das famílias Mawé, Awetí, Tupí-Guaraní
e Mundurukú), Rodrigues e Cabral (2012) propõem um modelo arbóreo, no qual
8 Estudos dessa natureza têm o objetivo de documentar, analisar e descrever a gramática e ofuncionamento de uma língua.
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ordenam as famílias linguísticas do tronco tupi em dois grandes ramos: o ramo ocidental
e o ramo oriental, conforme apresentado abaixo.
Dentre essas famílias linguísticas, é a Tupi-Guarani, do ramo oriental, a que
apresenta a maior diversidade linguística. Compõe-se de 29 línguas, as quais são
faladas por uma população de aproximadamente 30 mil pessoas (Rodrigues, 2013),
conforme mostra o quadro abaixo:
TRONCO: TUPIFAMÍLIA LINGUÍSTICA: TUPI-GUARANI
LÍNGUA UF ESTIMATIVA DE FALANTESAmanayé PA 190Amondáwa RO 90Anambé PA 180Apiaká MT 190Araweté PA 340Asuríni do Tocantins PA 380
Asuriní do Xingu PA 125Aurê-Aurá MA 2Avá-Canoeiro GO, TO 16Diahói AM 90Guajá AM 280Guajajára MA 19500Juma AM 4Ka‟apor MA 1000Kaiwá MS ?9 Kamayurá MT 500Karipuna RO 14Kayabí MT 1620
9 O sinal de interrogação nos quadros sobre a classificação das línguas indígenas indica dúvida quanto ao
número de falantes ou ausência de informação sobre a população de determinado grupo indígena.
Proto-Tupí
Tupí-Guaraní AwetíMawéMundurukúJurúnaArikémTuparíMondéRamarámaPuruborá
Ramo Oriental Ramo Ocidental
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Nhandéva MS, PR, SP ?Parakanã PA 900Parintintin AM 290Suruí do Tocantins PA 185Tapirapé PA 570Tembé PA, MA 1430
Tenharim AM 700Uru-eu-wau-wau RO 100Wayampi AP 750Xetá PR 60Zo‟é PA 180Quadro 3: família linguística tupi-guarani. Adaptação com base em Rodrigues (2013).
Dessa família linguística, destaca-se com maior número de falantes o grupo
Guajajára, cuja população soma um total de 19.500 pessoas (Rodrigues, 2013), que
habitam em 11 terras indígenas, situadas no Estado do Maranhão. Já com o menornúmero de falantes, destacam-se as línguas Aurê-Aurá e Juma. A língua Aurê-Aurá é
falada por apenas dois senhores na faixa etária de 50 anos. Diz-se que foram
encontrados em uma serra a 200 km de Marabá no Estado do Pará e que mais tarde a
Fundação Nacional do Índio (FUNAI) tentou integrá-los em alguma comunidade tupi-
guarani, porém não se adaptaram. Atualmente, vivem na aldeia Tiracambú, situada no
Município de Alto Alegre do Pindaré, Baixada Maranhense (Mello, s.d.). Quanto à
língua Juma10, esta é falada por apenas 4 pessoas, membros de uma mesma família, que
restaram de uma onda de massacres em suas terras, são eles: um senhor (na faixa de 60
anos) e suas 3 filhas (na faixa de 30-35 anos). Também por intermédio da FUNAI, essa
família foi levada para uma comunidade Uru-eu-wau-wau, em Rondônia. Lá as três
moças juma se casaram com jovens daquela outra etnia.
Em relação à família linguística tupi-guarani, as outras famílias linguísticas do
tronco tupi apresentam um número menor de línguas. As famílias Tupari e Mondé
apresentam 5 e 6 línguas, respectivamente. As famílias Juruna e Mundurukú compõem-
se apenas de duas línguas e as demais – Arikém Awetí , Mawé e Ramarama – compõem-
se de membros únicos, ou seja, não apresentam correspondências gramaticais regulares
com as de outras línguas para se levantar a hipótese de que sejam línguas irmãs.
O quadro a seguir apresenta as informações acerca da classificação genética das
famílias linguística do Tronco Tupi, com exceção da tupi-guarani, já apresentada acima.
10 Informações obtidas, por nós, durante uma viagem à Aldeia Jamary/RO, em 2005.
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TRONCO TUPÍRAMO FAMÍLIA LÍNGUA UF ESTIMATIVA DE
FALANTES
Ocidental
Tuparí
Akuntsú RO 5Makuráp RO 380Mekém RO 85
Tuparí RO 430Wayoró RO 100
Mondé Arara do Beiradão MT 57Aruá RO 60Cinta-larga MT, RO 1.500Gavião RO 460Mondé RO ?Paitér RO 1.000Zoró MT, RO 470
Arikém Karitiana RO 320Ramarama Káro RO 184Puruborá Puruborá RO 62
OrientalMawé Mawé AM 12.000
12
Mundurukú Mundurukú PA, AM 10.000Kuruáya 130
Awetí Awetí MT 160Jurúna Jurúna MT 360
Xipaia PA 600Quadro 4: famílias linguísticas do tronco tupi (Cf. Rodrigues, 2013).
Depois da família linguística tupi-guarani, destaca-se em maior quantidade de
falantes a língua Mawé (cf. quadro 4), da família de mesmo nome, cuja população de
acordo com dados da Secretária Especial de Saúde Indígena
13
, soma 12.000 pessoas.Este grupo habita a Terra Indígena Andirá-Marau, situada na divisa dos estados do
Amazonas e do Pará. Já em menor quantidade de falantes, destaca-se a língua Akuntsú,
pertencente à família linguística Tuparí, que somam apenas 5 pessoas. Estes indígenas
vivem nas matas do Igarapé Omerê, afluente do rio Corumbiara, no Estado de Rondônia
(Instituto Socioambiental, s.d.).
2.2 Tronco macro-jêA classificação do tronco Macro-jê, ao contrário do tronco tupi, cujo
agrupamento genético já se encontra plenamente consolidado, ainda é apresentada por
Rodrigues (2013) e Rodrigues (1999 apud Martins, 2011) como altamente hipotética,
pois muitas das línguas que o integram ainda não são suficientemente conhecidas. Há
necessidade de mais estudos descritivos, que por sua vez, proporcionarão mais estudos
11 Dado populacional apresentado pelo Instituto Socioambiental (s.d).
12
Conforme dados da SESAI, 2014 (In: Peixoto, 2014).13 Informação oral, concedida pela Organização dos Professores Indígenas Sateré-Mawé dos rios Andirá eWaikurapá (OPISMA), no âmbito dos estudos de Peixoto (2014).
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comparativos, visando identificar um conjunto maior de evidências linguísticas para
testar a consistência do agrupamento e consolidá-lo (Rodrigues, 1986).
De acordo com análise preliminar, Rodrigues (1999 apud MARTINS, 2011)
apresenta a hipótese de que o tronco linguístico Macro-Jê é constituído de 12 famílias
linguísticas (ou ramos), são elas: família Jê (Ramo I); família Kamakã (Ramo II);
família Maxakalí (Ramo III); família Krenák (Ramo IV); família Purí (Ramo V);
família Karirí (Ramo VI); família Yatê (Ramo VII); família Karajá (Ramo VIII);
família Ofayé (Ramo IX); família Boróro (Ramo X); família Guató (Ramo XI); família
Rikbáktsa (Ramo XII), conforme mostra o quadro abaixo.
TRONCO MACRO-JÊ
RAMOS LÍNGUAS14 UF FALANTESESTIMADOS15
I. Jê
Apaniekra (Canela, timbira) MA 500Apinajé (Apinaye) TO 1.525
Kaingáng PR, RS, SC, SP 28.000Kayapó MT, PA 6.000Krahô TO 2.200Krikatí MA 700Panará MT, PA 300
Ramkokamekra MA 1770Suyá MT 350
Tapayúna MT 60
Timbira MA, PA 3.500Xabriabá MG 7.700Xavante MT 12.900Xerente TO 2.570Xikrín PA 1.350
Xokléng SC 900II. Kamakã Kamakã BA, ES 0
Kotoxó BA, ES 0Menién BA, ES 0
Masakará BA, ES 0III. Maxakalí Maxakalí MG 1.300IV. Krenak Krenak MG, BA, ES 10
Guarén BA 0
V. Purí Purí ES 0Koropó RJ 0Coroado SP, MG 0
VI. Karirí Kipea ou Karirí BA, SE 0Dzubukuá BA 0
Sabuyá BA 0VII. Yatê Yatê PE 3.700
VIII. Karajá Javaé TO 1.200Karajá MT, TO, PA 2.500
Xambioá TO 270
14
O símbolo em forma de cruz que aparece ao lado de algumas línguas indica que tais línguas já foramextintas.15 As estimativas populacionais são com base em Rodrigues (2013).
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IX. Ofayé Ofayé MS 60X. Boróro Boróro oriental MT 1.400
Boróro ocidental MT 0Umutina MT 0
Otúke MT 0XI. Guató Guató MS 350
XII. Rikbáktsa Rikbáktsa MT 1.120Quadro 5: tronco macro-jê (cf. Rodrigues, 2013; Martins 2011 apud 1999).
Conforme ilustra o quadro, os 12 ramos que formam o tronco macro-jê se
constituem de 40 línguas, sendo que destas, 11 já se encontram extintas. São línguas dos
ramos II (Kamakã, Kotoxó, Menién, Masakará), IV (Guarén), V (Purí, Koropó e
Coroado), VI (Kipea, Dzubukuá e Sabuyá) e a maioria do ramo X (Boróro ocidental,
Umutina e Otúke).
As 29 línguas ainda existentes são faladas por mais de 70 mil pessoas, que se
distribuem, geograficamente, em 11 estados brasileiros, a saber: Pará; Maranhão;
Tocantins; Pernambuco; Mato Grosso; Mato Grosso do Sul; Minas Gerais, São Paulo,
Santa Catarina, Paraná, e Rio Grande do Sul.
Com maior quantidade de línguas e de população, destaca-se a família
linguística Jê. Constitui-se de 16 línguas e uma população de 69.825 pessoas, quase
100% da população falante das línguas do tronco macro-jê. Vale destacar, que essa
quantidade de falantes é bastante variada e desigual. Algumas línguas apresentam
grandes quantidades de falantes e outras apresentam um número muito pequeno. É o
caso, por exemplo, da língua Kaingáng , que apresenta 28.000 falantes e da língua
Tapayúna que apresenta apenas 60 falantes.
Após a família Jê, no que se refere a um maior número de línguas ainda faladas
do tronco macro-jê, tem-se a família linguística Karajá, composta de 3 línguas, que são
faladas por uma população 3.970 pessoas.
Destaca-se, também, mas em menor número de falantes dentre as famíliaslinguísticas do tronco macro-jê, a família Ofayé, a qual é constituída de uma única
língua (Ofayé), falada por uma população de apenas 60 pessoas.
2.3 Famílias isoladas
Além das línguas componentes do tronco tupi e do tronco macro-jê, Rodrigues
(1994; 2013) apresenta um quadro com mais de 100 línguas agrupadas apenas em
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famílias linguísticas. Essas famílias são denominadas de “isoladas”, pois são membros
únicos de suas respectivas famílias genéticas, isto é, suas línguas não guardam
semelhanças com nenhuma outra língua, conforme mostra o quadro, abaixo.
FAMÍLIAS LINGUÍSTICAS ISOLADAS
FAMÍLIA LÍNGUAS UF FALANTESESTIMADOS
1. Aikanã Aikanã RO 160
2. Arawá
Banawá AM 100Dení AM 875
Jamamadi AM 890Jarawára AM 180Kulína AC, AM 2.550
Paumarí AM 900Zuruahá AM 150
3. Aruák
Apurinã AC, AM 3.250Baníwa AM 5.000Kámpa (Axaninka) AC, AM 970
Kuripáko AM 1.100Maxinéri AC 950Mehináku MT 230
Palikúr AP 1330Paresí MT 1.400
Salumã MT 450Tariána AM 2.540Terena MS 20.000
Wapixána RR 6.850Werekéna AM 800
Waurá MT 400Yawalapití MT 220(?)
4. Bora Miránha AM 8505. Chiquito Chiquito MT 7406. Guaikurú Kadiwéu MS 1.6307. Irántxe Irántxe MT 350
Mynky MT 908. Jabutí Arikapú RO 30
Jabuti RO 1709. Kanoê Kanoê RO 95
10. Karíb
Aparaí PA 320Arara do Xingu PA 270
Bakairí MT 950Galibí do Oiapoque AP 70Galibí do Uaça AP 2.200
Hixkaryána PA, RR 630Ikpéng MT 350
Ingarikó RR 900Kalapálo MT 500Katuéna PA 140
Kaxuyána PA 230Kuikúru MT 500Makuxi RR 23.500Matipú MT 110
Nahukwa MT 125Patamóna RR 90Taulipáng RR 580
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Tiriyó PA 1.150Waimirí-Atroarí AM 1.120
Waiwái AM, RR 2.800Wayána PA 300Yekuána RR 450
11. Katukína Kanamarí AM 1.700
Katawixi AM ?Katukína AM 340
Txunhuã-djapá AM 10012. Kwazá Kwazá RO 3013. Maku Dâw AM 95
Húpda AM 1.400(?) Nadêb AM 300(?)Yuhúp AM 400(?)
14. Múra Múra AM 9.300Múra-Pirahã AM 390
15. Bóra Miránha AM 850
16. Nambikwára
Lakondê RO 1
Latundê RO 20Mamaindê MT 100Mandúka MT ?Mundúka MT 50 Nagarotú MT 90
Nambikwára do Pequizal MT 50 Nambikwára do Sul MT 700
Nambikwára do Vale doGuaporé
MT 450
Nambikwára Kithaulú,Sawantesú e outros
MT 300
Sabanê RO 15Sararé MT 100
Tawandê MT 40
17. Pano
Marúbo AM 1.300Amawáka AM 220(?)
Katukína-Páno AC, AM 400Kaxararí AM, RO 320
Kaxinawá AC 4.500Korúbo AM 250Kulína AM 125Matís AM 300
Matsés AM 1.600 Nukini AC 600
Poyanáwa AC 400
Xawanáwa AC 330Jamináwa AC 850Yawanáwa AC 500
Kontanáwa (?) AC 25018. Chamacoco Samuko MS 4019. Tikúna Tikúna AM 30.00020. Trumái Trumái MT 150
21.
Tukáno
Arapáso AM 560Bará AM 20
Barasána AM 35Desána AM 2.200
Karapanã AM 65Kubéwa AM 380Makuna AM 35
Mirití-tapúya AM 75
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Pirá-tapúya AM 1.430Siriána AM 70Tukáno AM 6.250Tuyúka AM 830Wanáno AM 750
22. Txapakúra
Kujubim RO 55
Orowín RO 60Torá AM 300
Urupá RO 150(?)Warí (Pakaanóva) RO 2.700
23. Yanomámi Ninám RR 466(?)Sanumá RR 462(?)
Yanomám RR ?Yanomámi RR 15.700(?)
Quadro 6: Famílias Linguísticas isoladas (cf. RODRIGUES, 2013).
Dentre as 23 famílias linguísticas isoladas, apresentadas no quadro acima, são asfamílias Karib, Aruák e Pano as que apresentam maior diversidade linguística. A família
Karib é constituída de 22 línguas, as quais são faladas por aproximadamente 37.500 mil
pessoas, que vivem espalhadas em diversos estados do Brasil (Amapá, Roraima,
Rondônia, Mato Grosso, Pará e principalmente no Amazonas) e também nas Guianas,
na Venezuela e na Colômbia. A família Aruák é composta por 15 línguas e a população
que a fala é de aproximadamente 46 mil pessoas, que também vivem em diversos
estados da federação, particularmente nos estados do norte do país. A família Pano,
assim como a Aruák, também é constituída por 15 línguas, porém apresenta uma
população menor de falantes, aproximadamente 12 mil pessoas.
2.4 Língua geral Amazônica
Além dos troncos Tupi, Macro-jê e das línguas isoladas, conforme supracitado,
Rodrigues (2013) apresenta também, como língua existente na interação entre os
indígenas do Brasil, a Língua Geral Amazônica ou o Nheengatu16 . Essa língua formou-
se a partir do tupinambá, fruto da interação entre portugueses e tupinambás no século
XVII, conforme explica o autor,
Os filhos de mestiços de homens portugueses e mulheres tupinambá,que logo passaram a constituir a maior parte da população nãoindígena da colônia, falavam a língua de suas mães, a qual fora docontexto social e cultural indígena, foi-se diferenciando mais e maisdo Tupinambá falado pelos índios e no século XVIII já se distinguianitidamente como uma nova língua (Rodrigues, s.d.).
16 Adotou-se esse nome para diferenciar a Língua Geral Amazônica da Língua Geral Paulista, que surgiu
em situação análoga no período colonial.
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A Língua Geral tornou-se a língua da comunicação não só de mestiços e
mamelucos, mas também de missionários e colonizadores durante todo período
colonial, estendendo sua hegemonia até a primeira metade do século XIX, apesar de
algumas proibições do seu uso.
Hoje, essa língua ainda é falada por membros de vários grupos indígenas,
sobretudo no Amazonas. Por exemplo, é falada pelos indígenas Baré, que a adotaram
como língua materna quando a língua Baré deixou de ser falada. É também a língua de
várias famílias Baniwa da região do Baixo e Médio rio Negro.
3. Línguas Indígenas brasileiras: contato ou conflito etno-linguístico?
Desde a colonização portuguesa até aos dias atuais, as „relações‟ entre as línguas
indígenas brasileiras e o português “podem ser caracterizadas muito mais como
situações de conflito do que situações de contato de línguas” (Franceschini, 2011).
As expressões línguas em contato e situação de conflito concebem diferentes
„relações‟ linguísticas. A relação de conflito é vista mais como “a coexistência
antagônica de duas ou mais línguas em um espaço geossocial”, indicando outros
conflitos, que seriam mais conflitos de poder; já a expressão línguas em contato,
segundo concepção de Weinreich (1953 apud Franceschini, 2011), refere-se mais a
situações “harmônicas” entre mais de uma língua falada em determinado espaço
geossocial. Porém, essa última noção é criticada, uma vez que, em geral, camufla a
realidade das línguas, que muitas vezes é a de um processo de substituição da língua
dominada ( Idem).
No Brasil, quando se trata da relação línguas indígenas e língua portuguesa é
costume se referir a uma situação de contato de línguas, no entanto, os fatos mostram
que a história linguística do país foi constituída por meio de grandes conflitos, os quais
tiveram origem ainda no período colonial com a política linguística do monolinguismo
em português. Essa política tinha como objetivo assimilar o indígena à sociedade
nacional por meio do abandono das línguas e dos saberes indígenas e aquisição da
língua e dos saberes da cultural ocidental dominante. Desse modo, no século XVIII, a
coroa portuguesa impôs a sua língua (portuguesa) aos indígenas do Brasil a partir da
assinatura do Diretório dos Índios por Marques de Pombal em 1758. Esse documento
ordenava que os indígenas fossem proibidos de falar suas línguas maternas e a língua
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geral e obrigados e se dedicar ao aprendizado da língua portuguesa, que, por sua vez, foi
intermediado pela escola formal, conforme ilustra o trecho do Diretório17 , a seguir.
(...) será um dos principais cuidados dos diretores, estabelecer nas suas
respectivas povoações o uso da língua portuguesa, não consentindo por modo algum, que os meninos e meninas, que pertencem asescolas, e todos aqueles índios, que forem capazes de instrução nestamatéria, usem da língua própria das suas nações, ou da chamada[língua] geral; mas unicamente da portuguesa (...)
Essa imposição, aliada a outras medidas de controle da diversidade linguística
brasileira, como a das “campanhas de nacionalização da década de 1930, além das que
garantem a manutenção de políticas educacionais voltadas maciçamente ao ensino e uso
da língua portuguesa como língua única” (Morello; Oliveira, s.d.), resultaram no
desaparecimento de centenas de línguas, pois, conforme Rodrigues (s.d.), desde a
chegada dos europeus ao território nacional, 85% das línguas indígenas já foram
extintas.
Vale ressaltar que até a década de 1980 diversas escolas, chamadas escolas
internas, situadas na região do Alto Rio Negro/AM, ainda proibiam as crianças e os
jovens indígenas a falarem em suas línguas maternas (cf. D‟Angeles, 2012). Alguns
indígenas, ex-estudantes dessas escolas, até chegaram a relatar, no âmbito do projeto de
Iniciação Científica Situação sociolinguística dos munduruku, baniwa e baré residentes
em Manaus (UFAM, 2003-2004), realizado por nós, que eram punidos severamente
caso fossem pegos falando nas línguas indígenas e na língua geral.
Ademais, é possível notar ainda hoje os reflexos dessa política linguística na
escola formal, por exemplo, no que concerne ao papel de intermediar o fortalecimento
da língua portuguesa em detrimento das línguas indígenas. Veem-se tais reflexos nos
programas de muitas escolas de ensino básico em comunidades indígenas, que apesar
das leis que amparam os direitos indígenas a uma educação que respeite as
especificidades de cada grupo (como a língua) e de novas orientações pedagógicas, as
quais explicitam as razões técnicas e culturais, para que as crianças indígenas sejam
alfabetizadas em língua materna, insistem em alfabetizá-las em língua portuguesa.
Enquanto que o mais adequado, de acordo com D‟Angeles (2012), por diversas
questões técnicas, seria alfabetizar as crianças, primeiramente, na língua materna.
Consolidada essa fase, dar-se-ia início à alfabetização em uma segunda língua.
17 In: D‟Angeles (2012).
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Além do cenário escolar, é comum ouvirmos relatos de indígenas que são
tratados com preconceito e com rejeição em relação à sua língua e cultura em diversos
órgãos oficiais e outros domínios linguísticos18. Por exemplo, no cartório, ao desejarem
registrar seus filhos com nomes indígenas, os pais são aconselhados e, às vezes,
proibidos de registrá-los com tais nomes, pois, segundo funcionários desses órgãos “soa
mal em português” (cf. experiência pessoal).
Conforme se vê, a relação continua sendo muito mais de conflito do que de
contato linguístico, uma vez que em uma situação de contato diversas línguas estariam
coexistindo de maneira estável, com funções claramente definidas, sem conflitos e juízo
de valor sobre seus usos, pois cada língua seria culturalmente aceita pela sociedade, o
que ainda não é visto na relação entre a língua portuguesa e as línguas indígenas do
Brasil. E nem sabemos se será possível presenciar esse momento, pois as línguas
indígenas brasileiras, assim como as demais línguas maternas de diversos grupos
minoritários, de cultura tradicional, mundo afora, encontram-se sob forte pressão e
podem desaparecer em pouco tempo.
O desaparecimento de uma língua, mediante as razões já expostas, é algo
extremamente triste e lamentável, mas infelizmente é um processo inevitável, quando as
línguas deixam de ter função social para uma dada comunidade linguística.
Infelizmente, esse processo está ocorrendo com as línguas indígenas do Brasil, visto que
a maioria está deixando ser falada nos diversos domínios de uso que antes lhes
pertenciam. Isso significa que no embate, entre cultura ocidental e tradicional, o
português vem ganhando todas as guerras e a tendência é levar os membros de muitas
comunidades indígenas, que se encontram em um processo de bilinguismo instável 19, a
uma situação de monolinguismo em português.
Segundo Rodrigues (s.d), para reverter esse quadro cabe ao estado brasileiro
reconhecer o valor de sua especificidade lingüística e cultural, não sódeclarando-as patrimônio imaterial da nação, mas apoiando as pesquisas e ações educacionais apropriadas para documentá-las eanalisá-las cientificamente e fomentando programas educacionaisespecíficos, que, com professorado indígena bilíngüe, assegurem a
18 Os domínios podem ser definidos socioculturalmente, sendo os mais comuns o domínio do lar, da
religião, da educação, do trabalho etc., os quais podem exigir ou não uma ou outra língua (Fishman,1971). 19 Processo em que uma das línguas está perdendo seu valor funcional; nesse caso é a língua indígena que
está em desvantagem (Cf. Fishman, 1971).
.
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aprendizagem de novos conceitos, hoje necessários, sem perda daslínguas nativas e dos valores culturais que elas traduzem.
Referências
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CAMACHO, Roberto Gomes. “A variação linguística”. Subsídios à proposta curricularde Língua Portuguesa para o 1ºe 2º graus: coletânea de textos. São Paulo, SE/CENP,1988.
D‟ANGELES, Wilmar. Aprisionando Sonhos: a educação escolar indígena no Brasil .Campinas, SP: Curt Nimuendajú, 2012.
FISHMAN, Joshua. Sociolingüistique. Bruxelles/Paris, Labor/Nathan, 1971.
FRANCESCHINI, Dulce do Carmo. “Línguas indígenas e português: contato ouconflito de línguas? Reflexões acerca da situação dos Mawé”. In: SILVA, Sidney deSouza (Org.) Cenários de bilinguismo no Brasil . Coleção: Linguagem e Sociedade Vol2. Campinas, SP: Pontes, 2011.
MARTINS, Andérbio Márcio Silva. Uma avaliação da hipótese de relações genéticasentre o guató e o tronco macro-jê. (Tese de doutorado). Universidade de Brasília, 2011.
Disponível em: http://repositorio.unb.br. Acesso em 15 de nov. de 2014.
MELLO, Heloísa Augusta Brito de. O Falar Bilíngüe. Goiânia: UFG, 1999.
MELLO, Carolina. “ Língua maranhense em risco de extinção”. Disponível em:http://webradiobrasilindigena.wordpress.com. Acesso: 15 de nov. de 2014
MORELLO, Rosângela; OLIVEIRA, Gilvan Müller de. Uma política patrimonial e deregistro para as línguas brasileiras. Disponível em:http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao01. Acesso em dezembro de 2014.
RODRIGUES, Aryon D. Línguas indígenas Brasileiras: para o conhecimento daslínguas indígenas. São Paulo: Loyola, 2002.
RODRIGUES, Aryon D. Línguas indígenas Brasileiras. Brasília: Laboratório deLínguas Indígenas da Unb, 2013. Disponível em: <http://www.laliunb.com.br/crbst_36.html>. Acesso em: out. de 2014.
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RODRIGUES, Aryon D. Aspectos da história das línguas indígenas da Amazônia.Disponivel em:http://www.amazoe.org.br/textoreferencia/aspectos_da_historia_das_linguas_indigenas
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RODRIGUES, Aryon D. Línguas indígenas brasileiras ameaçadas de extinção.Disponivel em:http://projetos.unioeste.br/projetos/cidadania/images/stories/Fevereiro/Linguas_indigenas_brasileiras_ameaadas_de_extino.pdf. Acesso em 29 de dezembro de 2014.
RODRIGUES, Aryon Dall'Igna & CABRAL, Ana Suelly Arruda Câmara. Tupían, in:
Campbell, Lyle & Verónica Grondona, The Indigenous Languages of South America. AComprehensive Guide. Berlin: Mouton de Gruyter. 2012.
SAUSSURE, F. de. Curso de linguística geral . São Paulo: Cultrix, 1969.
UNESCO: MAIS DE 2500 LÍNGUAS EM PERIGO NO MUNDO. Disponível em:http://www.unric.org/pt/actualidade/22252. Acesso em 18 de dez. 2014.
Para conhecer mais sobre as Línguas Indígenas Brasileiras...
LIVROS
Línguas e Culturas Tupí 1Cabral & Rodrigues (Orgs.). 2007. Campinas, SP: Curt Nimuendajú; Brasília:LALI/UnB. 470p. ISBN: 978-85-99944-06-6.
Apresenta trinta versões expandidas de estudos apresentados durante o I EncontroInternacional sobre Línguas e Culturas dos Povos Tupí, realizado em 2004.
Línguas e Culturas Tupí 2
Cabral & Rodrigues (Orgs.). 2010. Campinas, SP: Curt Nimuendajú; Brasília:LALI/UnB. 220p. ISBN: 978-85-99944-20-2.
A obra apresenta oito trabalhos linguísticos sobre as línguas Tupinambá,Tenetehára, Zo'é, Araweté e Asuriní do Tocantins; e seis estudos antropológicosacerca dos Avá-Canoeiro, Guarani-Mbyá, Zo'é e Sateré-Mawé.
Línguas e Culturas Tupí 3 & Macro-Jê 2Cabral & Rodrigues (Orgs.). 2012. Campinas, SP: Curt Nimuendajú; Brasília:LALI/UnB. 220p. ISBN: 978-85-99944-25-7.
Obra organizada em dois volumes: Línguas e Culturas tupi 3 e Línguas e CulturasMacro-jê. Reune os principais trabalhos apresentados no III Encontro
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Internacional sobre Línguas e Culturas Tupí e no VII Encontro Macro-Jê,realizados em outubro de 2010.
Aprisionando Sonhos: a educação escolar indígena no Brasil
D‟Angeles, Wilmar. Campinas, SP: Curt Nimuendajú, 2012.
Este livro reúne uma seleção de 20 textos de reflexão crítica sobre educaçãoescolar indígena no Brasil, apresentando um apanhado histórico da trajetória daeducação escolar indígena no Brasil e uma série de reflexões a cerca dosseguintes temas: projeto pedagógico, currículo, ensino bilíngue, alfabetização,formação de professores, políticas públicas, autonomia etc.
SITES:
Laboratório de Línguas e Literaturas Indígenas (LALI)http://www.laliunb.com.br/
Espaço fundado por Aryon Dall'Igna Rodrigues, visando a pesquisa científica daslínguas indígenas brasileiras e a formação de novos pesquisadores em colaboraçãocom o Programa de Pós-Graduação em Linguística do Departamento deLinguística, Português e Línguas Clássicas do Instituto de Letras (IL) daUniversidade de Brasília (UnB). Neste site, encontram-se vários materiais eestudos específicos de diversas línguas indígenas.
Instituto Socioambiental (ISA)
http://pib.socioambiental.org/pt
ONG fundada em 1994 com o objetivo de colaborar na resolução de problemassociais e ambientais de povos minoritários. Seu site é uma das fontes deinformação, em geral, mas atualizada sobre as línguas e a população indígena doBrasil.
A Biblioteca Digital Curt Nimuendajuhttp://www.etnolinguistica.org/sites
Trata-se de um espaço destinado à troca de ideias e de trabalhos sobre línguas e
culturas indígenas sul-americanas. Apresenta uma série de dissertações, teses,artigos e alguns livros raros, com a finalidade tornar acessível as informaçõessobre as línguas e culturas indígenas.