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1 PRAIA do PECADO Capítulo 04. Escrita por Renan Fernandes Personagens deste capítulo: TEREZA FÁBIO RAQUEL CLÁUDIO MAURO DONATO STALIN MARETUZA TUAGRANA

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PRAIA do

PECADO Capítulo 04.

Escrita por

Renan Fernandes

Personagens deste capítulo:

TEREZA FÁBIO

RAQUEL CLÁUDIO MAURO

DONATO STALIN

MARETUZA TUAGRANA

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04 CENA 1. GUARATUBA. ORLA DA PRAIA. EXT. DIA. Continuação imediata da última cena do capítulo anterior. Clima tenso. Tereza fica confusa e, ademais, revoltada com o pedido azafamado de Fábio em desistir do filme “Ambição Capital.” Eles se encontram, nesse instante, de pé, ao lado de um banco de cimento, e, ao fundo, pode-se notar a perspectiva de um mar agitado, com inúmeros banhistas se divertindo. Procurando se acalmar Fábio, sutilmente, aproxima o seu braço direito e o apoia no ombro esquerdo de Tereza. Ela, resistente e nervosa, afasta-se rispidamente.

FÁBIO — Olha, Tereza, eu sinceramente não pretendia que as coisas viessem a chegar a esse ponto. Até porque, dava pra ver a sua expectativa e felicidade diante da possibilidade do nosso sucesso profissional.

TEREZA — A minha expectativa? Somente a minha? Então, nesse caso, você já faz questão de se excluir automaticamente de qualquer participação efetiva num projeto de vida que, desde o começo, você se envolveu plenamente. (anda ao redor) Eu juro a você que não consigo compreender. (encara-o) Quer dizer, no fundo eu percebo que você tá acuado. E até parece que acabou de ser surpreendido com alguma novidade muito impactante. Afinal, além de impulsivo e incoerente, você ainda me joga de maneira leviana a responsabilidade de tomar essa medida brusca pra salvar o seu pai. Mas afinal, salvar de quê?

Música de suspense. Percebendo que falou demais, Fábio tenta se desvencilhar e desvia o seu olhar diretamente para as ondas agitadas da praia.

FÁBIO — Foi força de expressão. Na verdade, um erro de cálculo. São palavras que, pelo calor da emoção, a gente profere sem o menor cuidado. O meu motivo principal em querer desistir desse filme é justamente ter percebido, de última hora, o teor carregado dos temas que a gente abordou.

TEREZA — Os temas que até então você não tinha o menor pudor de escancarar! Ora essa, Fábio!

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04

Desde quando a gente namora, eu nunca te vi assim tão enigmático, confuso na expressão das suas ideias. E muito menos te vi tão acovardado. Onde é que foi parar aquela coragem toda? Aliás, será que aquilo era coragem mesmo? Ou durante todo esse tempo você apenas quis demonstrar uma fachada pra não gerar conflitos comigo, pra me agradar?

FÁBIO — (impaciente) Tereza, se me tá faltando clareza nesse momento, é porque eu realmente estou muito frustrado em abortar um sonho que te fazia tão bem. Agora, você me dizer que eu sempre fingi ser corajoso só pra te agradar não tem o menor sentido. Então vamos, de uma vez por todas, esclarecer essa sucessão de mal-entendidos. Pra você pelo menos não sair daqui confusa e revoltada comigo. E, principalmente, não me julgar como um covarde insano e ilógico. Em primeiro lugar, as críticas do roteiro às corrupções de empresas multinacionais são severas, bem como o retrato pitoresco da desigualdade social e moral dos personagens. Em segundo lugar, você acha que se o meu pai visse a proposta, ele não acharia no mínimo uma atitude suicida no quesito empresarial criticar a si próprio? Sim, porque o meu pai é um grande empresário, você há de convir. Imagina como ele se portaria com os seus colegas do ramo? Como conseguiria lidar com negociações, com reuniões e com investidores?

TEREZA — Agora eu to começando a entender o espírito da coisa. E posso dizer que, como um filho devotado, no sentido mais material possível do termo, você está irrepreensível. Porque agora, de repente, você se deu conta de que um dia herdará aquelas empresas maravilhosas do seu pai, e deverá, sem sombra de dúvida, manter uma aparência de homem magnata, de um bom Samaritano corporativo.

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04

E o que é um filmezinho tão crítico, tão conceitual, tendo em vista o seu futuro brilhante como um projetinho medíocre de industrial, não é mesmo?

FÁBIO — Tereza, você tá extrapolando comigo e me taxando como um moleque!

TEREZA — Você é um moleque! Eu é que nunca me dei conta disso. Me ludibriei achando que você era uma pessoa autêntica, longe daquela influência agressiva e materialista do seu pai. Só que, com esse seu discurso, eu estou impressionada mesmo. Você, além de não ser autêntico, é uma pessoazinha sem personalidade, e sem nenhuma capacidade de decisão própria. E só de pensar que eu julgava, até pouco tempo, que o maior empecilho do nosso relacionamento era o seu pai. Eu to vendo que você é o grande problema, que sempre gerou insegurança pra nós dois.

FÁBIO — E você, como essa sua temeridade? Nunca se sentiu presunçosa demais? Nunca percebeu que os seus excessos também levavam a gente a situações difíceis e constrangedoras?

TEREZA — Aprendeu direitinho com Aristóteles, né? Afinal, temeridade é mesmo um excesso de coragem. Então, nesse caso, eu pequei pelo excesso mesmo. Até porque, nunca tive medo de ser avacalhada e vítima dessa gente corrupta e hipócrita que domina o nosso país. Enquanto você, por outro lado, peca pela falta de coragem, pelo mais completo sentimento de nulidade. Ou você acha que eu sou idiota e não to compreendendo que o seu medo é esse filme denunciar os possíveis esquemas do seu pai? Ou você acha que a minha intuição não diz que o doutor Mauro, além de onipotente magnata, é parceiro da malandragem, do colarinho branco, de todos os apelidos e termos que dizem respeito à falta de ética e de vergonha na cara?

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04 Som de suspense. CLOSES alternados. Fábio esboça um semblante de ódio e de indignação. Quase chegar a perder o controle e a avançar em Tereza, mas se contém. Ela, por sua vez, mantém-se firme e confiante nos seus propósitos. Quando percebe que Fábio está prestes a partir pra violência, ela provoca e levanta o rosto.

TEREZA — Bate, aqui na frente de todo mundo. Prova quem você é de verdade, pro público inteiro presenciar a cena homérica. Eles vão adorar a encenação da tragédia grega.

Neste instante, várias pessoas ao redor ficam curiosas com a discussão. Porém, Fábio e Tereza continuam se olhando fixamente, sem notarem os comentários alheios. CENA 2. CURITIBA. AVENIDA GETÚLIO VARGAS. EXT. DIA. Como Raquel e Cláudio se encontram hospedados em um hotelzinho situado no bairro Centro, neste instante ambos se encontram andando pela avenida, nas proximidades da empresa de Mauro. Vislumbrada, aquela nota os enormes prédios locais, circundados pelas árvores enormes da avenida. Eles conversam sobre a cidade e, também, sobre Mauro.

RAQUEL — Eu não vou negar a você, Cláudio, que essa cidade vem me encantando. Eu confesso que até fiquei assustada no começo. Essa enormidade. Mas se, por alguma circunstância nova, eu tivesse que me mudar pra cá, eu com certeza não me arrependeria.

CLÁUDIO — Mas como isso é uma mera hipótese, o bom é nós focarmos no presente. Por enquanto, tanto a sua vida como a minha é em Siqueira.

RAQUEL — Pois é. Mas sabe o que me intriga, Cláudio? É essa boa vontade do Mauro em querer ajudar a gente. Eu sempre fui educada de uma forma muito ingênua, acreditando nas pessoas de uma forma negligente e pouco reflexiva. Mas quando eu comecei a ser atropelada por problemas...

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04

... Decepções e sofrimentos, aí eu adquiri uma qualidade que sempre foi rechaçada pelos meus pais: a capacidade de desconfiar.

CLÁUDIO — O que quer dizer que você não confia nem um pouco nessa reforma moral do Mauro?

RAQUEL — Infelizmente, não. E eu até me sinto culpada por isso. CLÁUDIO — Você não deveria ficar com consciência pesada por

causa disso. Até porque, o Mauro realmente tem um histórico nada positivo. Pelo que eu sei, ele sempre deu prioridade aos seus problemas de natureza capitalista, e, pra resolvê-los, nunca mediu esforços, tampouco respeito por quem quer que fosse.

RAQUEL — Nossa. Pelo visto eu ainda posso me surpreender. O que você sabe tanto dele?

Neste instante, Cláudio e Raquel atravessam uma faixa de pedestres, viram a esquina e sentam num banquinho de frente a uma praça. Eles observam a movimentação dessa praça, enquanto continuam dialogando.

CLÁUDIO — Na verdade, muito pouco. Eu só fiquei sabendo que, no passado, o Mauro foi um grande entusiasta do regime militar. Tinha ligações políticas com generais e, graças ao auxílio deles, tornou-se milionário. Mas hoje, com a democracia, apesar de o Mauro parecer ainda opulente, já passa por um nítido processo de decadência. São os revezes financeiros dessa crise econômica que tá atingindo a todos nós.

RAQUEL — É por isso que eu não consigo entender como ele teve a atitude de financiar o filme do Fábio e da Tereza. Porque se ele já não está em uma situação tão favorável, deveria ter um pouco mais de prudência.

CLÁUDIO — Pra mim, a intenção do Mauro é criar uma rede de relações rentáveis com outras empresas patrocinadoras da cultura e, com isso, contar com retorno e manter um capital de giro suficiente pra sua sobrevivência financeira.

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04

RAQUEL — Agora eu entendo. E fico ainda mais preocupada. A minha Tereza não é nem um pouco ingênua. Sabe que esse auxilio não venho de graça e, mais cedo ou mais tarde, vai começar a questionar e reclamar. Eu a conheço muito bem.

CLÁUDIO — Vamos aproveitar essa cidade e mudar de assunto, o que você acha?

RAQUEL — Eu acho ótimo. Tem muitos lugares que eu quero conhecer.

Assim, ambos levantam-se novamente e atravessam a rua movimentada. À medida que CAM se afasta deles, vai se aproximando da fachada da empresa de Mauro. Neste instante, uma música de suspense começa a tocar. Como era de se esperar, um entra e sai de gente marca a rotina agitada dessa tarde ensolarada. CENA 3. EMPRESA DE MAURO. SALA PRESIDENCIAL. INT. DIA. Após a chantagem de Donato, Mauro, neste instante, já se encontra de pé, olhando com menos temor para o seu algoz. Este, por sua vez, evidentemente nervoso, treme ao continuar mirando a arma em Mauro.

MAURO — Você pelo jeito perdeu o dom natural de manusear um revólver, ou então tá num estado de alerta por conta de uma epilepsia que está querendo ditar as regras. Abaixe essa arma, Donato! Não é por meio da coerção que nós vamos chegar a um acordo.

Música de suspense. Tentando se acalmar, Donato abaixa a arma paulatinamente, enquanto Mauro se aproxima de sua porta e a tranca com os dois dentro.

MAURO — Não se preocupe. Eu não vou fugir e pedir clemência pra quem tá lá fora. Agora nós estamos mais à vontade. Essa porta é maciça. Eu posso gritar adoidado que ninguém me socorre. (irônico) O Dante Alighieri não compreende que no Inferno estão todas as falhas humanas? Quem sabe eu ainda não tenha a oportunidade de ir parar no Limbo, ao lado dos grandes sábios da história, ou então mesmo pro Empíreo, ao lado dos anjinhos e das suas harpas?

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04

DONATO — Não me venha com sarcasmo erudito, seu doutorzinho mequetrefe! Eu acabei de deixar claro que não vou mais compactuar com essa mentira. E também evidenciei que já é do meu conhecimento os seus esquemas.

MAURO — É claro que sim! Só que você me parece muito afobado. Ainda mais porque você não parece conhecer com propriedade o que você julga compor o meu arsenal de falcatruas. Mas eu esclareço pra você. Eu não pago propina a nenhum político pra depois financiar a campanha deles. Isso não faz sentido. Na realidade, eu cobro propina para eleger os meus aliados. É um capital de giro necessário pra garantir a minha dignidade. Porque com essa crise nada tá fácil. E você sabe disso. Agora, se você acha que é fácil te enquadrar nos meus esquemas, eu sinto muito em lhe informar que nada é tão simples como parece. De fato, eu sonego impostos, mando o meu dinheiro pro exterior pra evitar o congelamento e fugir da inflação, mas isso é um mecanismo que é tão comum no nosso ramo empresarial que seria ingenuidade você achar que a descoberta disso me comprometeria.

DONATO — Tudo bem! Eu posso realmente ser um bebê no quesito crime organizado. Mas também sou do tipo que ninguém gostaria de ver como inimigo. Ainda mais aqueles que eu posso ferrar de uma forma surpreendente. Você de repente se encheu de coragem pra me enfrentar, hein? A sua capacidade de se reerguer é algo assim de uma natureza surreal. Mas no fundo eu sei que você tá com medo de mim. Não só porque eu posso te liquidar, mas principalmente porque eu tenho armas muito fortes contra o seu querido filho. Então, nesse caso, é por ele que nós vamos chegar a um consenso. É pela integridade física e moral dele que nós vamos firmar um novo conchavo.

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04 Som de suspense. CLOSE na expressão apreensiva de Mauro.

MAURO — Como eu já disse, te envolver nos meus esquemas não seria oportuno. Mas te garantir com alguma grana, nesse momento, é a única possibilidade que me vem em mente.

DONATO — Você me julga como um chantagista barato, não é mesmo? Você não tem mais do que a obrigação de me ajudar, seu bandido enrustido! Será que nessa história toda eu posso ser considerado mesmo o monstro do estelionato e do desfalque, que se aproveita da boa-fé de empresários “honestos e tementes a Deus” e encarna a figura do Grande Satã? (rindo) Todos podem pensar como quiserem. A nossa conversa não termina aqui, Mauro. Me garanta algum trocado pra agora que eu te deixo em paz, por enquanto!

Sentindo-se coagido e sem saída, Mauro se direciona até o seu cofre, abre-o e pega uma quantia considerável em dólar. Quando oferece a Donato, ele joga na cara de seu algoz.

DONATO — Cansei desse americanismo. Agora eu quero em francos suíços. Esse país sempre me cativou. A terra do meu personagem favorito da literatura. O príncipe Michkin de “O Idiota”.

MAURO — (rindo) A sua cultura é realmente distorcida e barata. O príncipe é russo. Ele apenas tratou de epilepsia na Suíça. Não vai me dizer que você se identifica com ele? Se realmente existe pureza em você, deve ser a pureza da falta de escrúpulos, não é? A maldade na sua mais pura acepção.

DONATO — A minha paciência já acabou! Pega logo os meus francos suíços!

Nisso, Mauro vai em direção ao cofre novamente, dessa vez pegando as notas de francos suíços. Ele guarda num envelope, entrega a Donato e este se direciona para a porta. Nisso, Mauro abre com a chave, dá uma última olhada no seu algoz e se tranca sozinho na sua sala.

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04 Neste instante, a música de suspense cessa e dá entrada ao single Everloving – Moby. Preocupado, Mauro coloca as mãos sobre o rosto e senta-se na sua cadeira giratória. Depois, ele agacha a cabeça na mesa, pressiona as duas mãos sobre a nuca e controla o misto de fúria com desespero.

MAURO — (p/si) Tudo por você, meu filho. Me perdoe se eu não sou o melhor exemplo pra você.

Por fim, CAM se afasta dele e foca num porta retrato, em preto-e-branco, de Fábio, situado no canto da mesa de Mauro. CENA 4. CURITIBA. AVENIDA GETÚLIO VARGAS. EXT. DIA. Neste instante, Raquel e Cláudio passam na frente da empresa de Mauro, param por um instante para observar o prédio, porém decidem seguir o rumo em direção a um ponto de ônibus. Paralelo a isso, Donato sai sorrateiramente da sede da empresa, não mais vestido como ajudante de limpeza. Ele carrega consigo uma mochila nas costas e usa óculos escuros. Quando chega até a calçada da rua, começa a tocar a música Taxi Driver Theme – Bernard Herrmann. De um lado, Donato pega um táxi parado na esquina. De outro lado, Raquel e Cláudio atravessam a avenida e ficam num ponto de ônibus. Por fim, o táxi acelera, passa ao lado daqueles, e Raquel nem nota que o homem acusado de matar o seu marido passou do seu lado, e o pior, acabara de sair da empresa de Mauro. CENA 5. GUARATUBA. ORLA DA PRAIA. EXT. DIA. Continuação imediata da cena 1. Clima tenso. Tereza e Fábio começam a perceber o aglomerado de pessoas que estão curiosas por conta da discussão deles. Por isso, decidem se controlar.

FÁBIO — Eu juro a você que não iria perder a minha cabeça desse jeito. Eu sei que a intenção ficou evidente, mas eu prometo me controlar.

TEREZA — Se controlar porque todo mundo tá observando o showzinho público e você, com certeza, já está constrangido. Não só por isso, o seu constrangimento é interior, e uma questão de se dar conta da própria fraqueza e da própria falta de caráter.

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04

FÁBIO — Ou a gente termina esse diálogo em outro lugar, ou a gente encerra por aqui, de uma maneira brusca, nada amistosa. O que você prefere?

De chofre, começa a tocar um instrumental triste, mas não piegas, que ressalta o fato de os ânimos até então exaltados do casal terem se amenizado um pouco. Assim, eles saem do local sem olhar para o lado, e as pessoas que os observavam decidem parar de prestar atenção neles e se preocupar com suas próprias vidas. CENA 6. GUARATUBA. HOTEL. QUARTO. INT. DIA. Atenção edição: a música da cena anterior continua aqui. No canto direito do enquadramento, Tereza abre a porta, empurra-a até a parede e espera Fábio entrar. Depois disso, ela tranca-se com ele dentro, se direciona até a janela situada no canto esquerdo e a abre. Da rua, pode-se ouvir o forte barulho dos veículos, de buzinadas e de pessoas. Extremamente magoada, Tereza decide pendurar os seus braços na janela e fica observando a movimentação lá fora. Fábio, por sua vez, se irrita com a indiferença dela, ainda mais por estar de costas a ele.

FÁBIO — Você é muito engraçada, né? Faz aquelas acusações sobre o meu pai, me chama de covarde na frente de todo mundo e agora banca a mulherzinha ferida, resignada, e indiferente. Quem te vê desse jeito na certa pensa que você é uma coitadinha, quando na realidade sabe muito bem o que quer, como vai conseguir e quando se aproveitará do momento oportuno.

TEREZA — (vira p/ ele/mais calma) Olha bem pro meu rosto e veja se eu estou feliz por ter dito tudo aquilo? Você, assim como eu, sabe que nada daquilo precisava ter acontecido. Quando você julga que eu sou apenas uma mulher temerária e arrogante, você simplesmente demonstra o seu próprio orgulho e o seu machismo. Porque você não admite que por trás dessa minha aparência de pessoa bem resolvida se esconde sim uma garota frágil, com complexos, e cheia de dúvidas.

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04

Se nós chegamos ao ponto de entrar numa divergência tão crucial em relação ao lançamento desse filme, é porque no fundo nós sempre tivemos objetivos diferentes em nossas vidas.

Aos poucos, Tereza se aproxima de seu namorado e acaricia o rosto dele. A partir disso, a música instrumental acaba e é substituída pelo single Tears in Heaven – Eric Clapton.

FÁBIO — Eu só queria que você entendesse o meu lado, e também o lado do meu pai. Eu não quero entrar em detalhes sobre os comportamentos antiéticos dele naquela empresa, mas eu preciso que você demonstre que me ama de verdade e desista desse filme. Porque o meu pai nos deu um voto de confiança, e, se esse filme for lançado, eu vou ter traído a confiança dele. O meu pai vai se sentir humilhado ao ver aquela denúncia que o nosso enredo faz da corrupção de multinacionais. Ele vai se sentir acuado e pode, inclusive, se comprometer com a justiça.

TEREZA — (nervosa) Mas isso que você tá me pedindo é algo que extrapola os meus próprios limites, Fábio! E os meus sonhos serem destruídos por conta da sua insegurança e das falcatruas do seu pai não é admissível! Eu não sou a Madre Tereza de Calcutá, tampouco estou disposta a ser conivente e omissa em relação a uma realidade marcada por hipocrisia e repressão. Eu não vou voltar com aquele meu discurso de que faz três anos que a ditadura acabou. Porque isso é apenas uma formalidade cronológica. Na prática, as pessoas ainda estão ligadas emocional e psicologicamente com aquele regime. Preferem não se posicionar de maneira inteligente a serem críticas das suas próprias decisões. Você, meu amor, é uma prova viva disso. Você, Fábio, me decepcionou profundamente.

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04 Neste instante, lágrimas escorrem dos olhos de Tereza. Porém, ela mantém a sua firmeza habitual e se direciona para a poltrona próxima da janela. Fábio, por sua vez, vai até o guarda-roupa e começa a arrumar as suas malas.

FÁBIO — Eu percebi que as suas convicções são mais importantes do que os seus sentimentos. E o amor que você dizia sentir por mim não passava de um capricho, ou de um mecanismo de ascensão aos seus projetos ambiciosos.

Num determinado momento, Fábio fica calado e termina de arrumar as suas malas. Depois disso, volta a encarar Tereza. Ela, apesar de triste, mantém-se calada e o escuta sem reprimendas e revides.

FÁBIO — E quando você se referia ao fato de que, no fundo, nós sempre tivemos objetivos diferentes, eu te dou toda a razão. Porque você, Tereza, é de uma inteligência excepcional. Uma inteligência que consegue mascarar a sua frivolidade. Eu te desejo muita sorte no seu caminho rumo ao apogeu. Porque, nesse instante, a minha conclusão é que nós devemos romper não só a relação profissional, como também a afetiva.

Tereza segura o choro de mágoa e se levanta da poltrona. Ela se aproxima de Fábio e volta a acaricia-lo no rosto.

TEREZA — Apesar de você me achar tão apática, pode ter certeza de que eu te amo demais, a ponto de fazer de tudo pra te ver feliz. Só que o seu pedido com certeza não te faria feliz, mas apenas te incentivaria a ser hipócrita consigo mesmo. Eu não vou me ofender com as suas acusações, porque eu também te disse coisas horríveis. Eu só constato, nesse momento, que um dia você vai refletir melhor e perceber que eu estava certa. Veja só que situação, né? É uma grande ironia do destino o Mauro ter feito de tudo pra nos separar e nunca ter conseguido. Porque ele só foi conseguir atingir o seu objetivo quando optou em nos deixar em paz. E essa é uma ironia marcante.

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04

A gente ainda vai tirar uma lição importante de tudo isso. Eu vou sofrer muito. Mas se você prefere assim, Fábio, acabou qualquer vínculo entre a gente. Você já tava mesmo antecipando a sua partida arrumando as suas malas. Agora já pode ir embora e ser feliz dentro daquilo que você considera o caminho certo da felicidade. O caminho da omissão, da covardia, e das dissimulações.

Por fim, Tereza deixa de acariciá-lo, vai até a porta, abre-a com a chave e espera Fábio ir embora. Ele reluta por alguns segundos, mas toma coragem, indo embora sem olhar para Tereza. Por fim, ela fecha a porta e se pendura nela com as suas costas. Neste instante, começa a tocar a música Drive – The Cars. Tereza para de controlar o seu sentimento de mágoa e de angústia e começa a chorar compulsivamente. Depois, ela corre em direção à janela e nota o sol forte penetrando na janela. O clarão ressalta as suas lágrimas e o seu olhar de revolta. CENA 7. TRANSIÇÃO DE TEMPO. UM DIA DEPOIS. ALTERNÂNCIA DE CENÁRIOS. CURITIBA. GUARATUBA. Atenção sonoplastia: a música da cena anterior continua aqui. Em primeiro lugar, mostra-se a vista do anoitecer do dia em Curitiba. O céu azul anil de um lado contrasta com o sol indo embora e deixando o céu avermelhado de outro. Neste contexto, ruas do bairro Portão, com suas casas residenciais, bem como de bairros mais nobres, como o Água Verde, com seus prédios, restaurantes e bares são focalizados. Raquel e Cláudio são notados num desses restaurantes, jantando juntos e demonstrando maior afinidade. Depois, já à noite, mostra-se a vista panorâmica de Guaratuba, mais precisamente a praia Central. Nela, vemos Tereza andando sozinha na beira das ondas agitadas e se protegendo da brisa gelada da noite. Paralelo a isso, Fábio se encontra dirigindo o seu veículo em direção à rodovia que o levará novamente em Curitiba. Cena termina intercalando Tereza na praia e Fábio seguindo o seu rumo de carro. CENA 8. GUARATUBA. CASA DE STALIN. INT. DIA. São 8 horas da manhã. Neste momento, Stalin se encontra tomando o seu café da manhã num jardim suspenso situado nos fundos do seu terreno.

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04 Depois de tomar um gole e ler o seu jornal matutino, surpreende-se com a vinda de Maretuza Tuagrana.

STALIN — Então a minha estrangeira preferida já se acostumou com a mudança dos fusos horários. Isso é realmente muito notável.

MARETUZA — (rindo) Você sabe, Stalin, que a minha alma e também o meu relógio biológico sempre foram brasileiros natos. Ah, e sem esquecer do meu paladar também. Vim atraída por esse café torrado que é uma maravilha.

STALIN — Sente-se e fique à vontade. Ela senta e começa a se servir De chofre, Tereza surge sem avisar e deixa tanto Stalin quanto Maretuza intrigados.

STALIN — Eu também não te esperava aqui, Tereza. Ainda mais nesse horário. Agora que você é uma cineasta e que vai deslanchar na carreira, é de se surpreender te ver marcando ponto e sendo disciplinada.

TEREZA — Stalin, eu vou ser muito direta com você. (nota Maretuza) Não queria chegar ao ponto de expor um assunto delicado na frente dos seus amigos, mas é muito importante que você me esclareça uma situação sobre o seu irmão.

MARETUZA — Minha querida, se você quiser, eu os deixo sozinhos. TEREZA — Imagina, o Stalin é uma pessoa transparente, pelo

menos eu acho. STALIN — Afinal de contas, Tereza, o que tá acontecendo? TEREZA — Eu preciso que você me responda francamente: você

sabe se o Mauro está envolvido em esquemas de corrupção? E o pior: você poderia me responder se o Fábio, além de saber das atividades ilícitas do próprio pai, também tem participação efetiva nessa sujeita toda?

Som de suspense. CLOSES alternados em Stalin, que observa Maretuza atônito, esta, que fica constrangida e olha para o chão, e Tereza, de pé e com os braços cruzados.

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04 CENA 9. CURITIBA. RUA ALFERES POLI. EXT. DIA. Fábio acaba de estacionar na frente da casa de Mauro. Ele desce do veículo, sobe as escadarias que o levam para a porta e aperta a campainha. Insistente, ele aperta várias vezes, até que Mauro finalmente o atende.

MAURO — (surpreso) Filho! Só agora você me aparece? Eu fiquei esperando você ontem na empresa. Você disse que iria me mostrar o projeto do seu filme.

FÁBIO — Por favor, pai! Vamos entrar! Eu preciso ter uma outra conversa com você.

MAURO — Tudo bem. Assim, ambos entram. CENA 10. CASA DE MAURO. SALA. INT. DIA. Mauro fecha a porta quando o seu filho entra. Assim, ele observa que Fábio está distante e indiferente e indica a poltrona para seu filho sentar. Fábio senta.

MAURO — Você não quer tomar nada? FÁBIO — Não! Eu quero ficar muito consciente, muito sóbrio,

pra ver até que ponto eu posso calcular o seu nível de dissimulação.

Música de suspense. Mauro fica intrigado. MAURO — Mas o que é isso, meu filho? Nós parecíamos estar

tão bem. Você parecia estar tão feliz, e agora me vem com essas indiretas.

FÁBIO — Eu vi você junto com o Donato na empresa, ontem. Você teve a audácia de esconder de mim que ele continuava te ameaçando. E ainda por cima omitiu do seu próprio filho os seus esquemas escusos. Por que ser tão omisso, meu pai? Por que fingir que está tudo bem, quando na verdade você está a um passo de ser investigado pela Polícia Federal e indiciado pelo Ministério Público. Agora nós vamos realmente ter uma conversa objetiva e clara. E dessa vez, pode ter certeza, tudo vai ser devidamente exposto sem medo de represálias.

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04 Mauro fica chocado com as afirmações de seu filho e dá uma olhada no espelho da adega. De lá, ele observa a sua expressão assustada, bem como Fábio se levantando e o encarando de maneira inquisidora e crítica.

PRIMEIRO BREAK. Tema de abertura: JUMP – VAN HALEN.

CENA 11. CURITIBA. CASA DE MAURO. SALA. INT. DIA. Continuação imediata da última cena do bloco anterior. Clima tenso. Mauro fica surpreso ao constatar que Fábio ouviu a sua conversa sigilosa e complicada com Donato. No começo, procura arrumar subterfúgios para escapar da resposta inevitável, porém o seu filho está decidido.

FÁBIO — (levanta-se) Você não precisa me esconder mais nada, meu pai. Eu tenho noção de que a realidade não tá fácil pra você. Aquele bandido do Donato é um chantagista barato, sem o menor escrúpulo. Ele com certeza não vai te deixar em paz tão cedo, e nem a mim.

MAURO — (vira-se na direção de Fábio/pega-o pelos ombros) Fábio! Eu confesso que to envolvido num lamaçal de corrupção e de degradação moral. E também admito que estou enrolado com o Donato, a ponto de me ver numa posição de constante ameaça. Eu não vou mais mentir a você. A minha empresa está passando por uma crise muito grande, tanto que eu decidi fundar algumas filiais pra poder fazê-la ter ao menor uma sobrevida. No entanto, isso não é o suficiente. Por isso, eu fiz questão de desviar o que me restava pro exterior, bem como contar com a propina de políticos pra garantir uma certa estabilidade. Tudo isso eu faço pra me precaver.

FÁBIO — E como o Donato descobriu os seus esquemas? MAURO — Ele se infiltrou na minha empresa sem eu saber.

Estava discreto numa posição humilhante de ajudante de limpeza. O intuito ele era se manter reservado e, sorrateiramente, investigar algo a meu respeito.

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Mas ele também tá desesperado. No fundo, não passa de um transgressor óbvio e fácil de manipular. Foi só eu dar uma quantia em francos suíços que ele logo me deixou em paz.

FÁBIO — E até quando você acha que ele vai te deixar em paz, hein, meu pai? Você sabe que o maior trunfo dele não é esse, mas sim o fato de ser testemunha ocular do assassinato do Natanael. É por isso que eu penso que nós não podíamos ter contado com a ajuda dele pra obstruir as provas do crime. Nós estamos pagando um preço maior do que as nossas possibilidades.

MAURO — Filho! Eu preciso te contar! O dinheiro que eu desvio está no nome de Natanael Constant!

Música de suspense. CLOSE na expressão estarrecida de Fábio. FÁBIO — Como é que é? MAURO — É isso mesmo! Eu usei esse mecanismo porque, de

fato, eu já estou na mira da Polícia Federal. Se fizerem um pente fino na minha conta, não vão achar nenhuma irregularidade. Esse é um segredo só nosso, porque nem o Donato, que se acha tão esperto, sabe desse meu procedimento.

FÁBIO — Meu pai, você tá muito enrolado. Nem fez muito sentido você ter decidido financiar aquele meu filme.

MAURO — Eu queria financiar, e ainda quero. É muito importante criar um networking com empresários do ramo cultural.

FÁBIO — O problema é que isso só te prejudicaria ainda mais. É por isso que eu preciso que você veja o filme e tire as suas próprias conclusões.

Mauro fica intrigado. Assim, Fábio volta até a sua poltrona, pega o projeto do filme e entrega ao seu pai.

FÁBIO — Veja! Nesse filme, além das denúncias de esquemas de corrupção, ainda tem a descrição exata do passo a passo que desencadeou a morte do Natanael.

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04

Eu me inspirei num fato real, e deixei de lado o senso do perigo. Eu tenho certeza que qualquer pessoa inteligente constataria o que de fato ocorreu naquele incidente de 1983. Me desculpe se ao fazer esse filme eu acabei na realidade criando uma prova contra nós mesmos.

Estarrecido, Mauro tira a fita-cassete e coloca no vídeo. Depois de alguns minutos, ele começa a ver o filme. Vidrado na sequência das cenas, Mauro se mostra espantado e receoso, até que num determinado momento ele decide desligar o vídeo cassete.

MAURO — Fábio! Pelo amor de Deus, meu filho! Esse filme não pode ser lançado de jeito nenhum!

FÁBIO — Eu sei disso, por isso já garanti a Tereza que o projeto acabou!

MAURO — E eu preciso esclarecer também que, quando eu implicava com a sua namorada, não era uma questão meramente pessoal, mas sim uma questão de sobrevivência. Até porque, pelo que eu andei apurando, mesmo com o Donato calado, a justiça já está desconfiada do incidente que desencadeou a morte do Natanael.

Som de suspense. Fábio fica ainda mais preocupado, e Mauro o acaricia no rosto. MAURO — Por isso, é muito importante que você não fraqueja e

desista tanto desse filme quanto da Tereza. Você sabe muito bem o porquê, não sabe?

CLOSES alternados em Mauro, olhando fixamente para Fábio, e este, com o olhar no chão, demonstrando estar confuso e perdido. CENA 12. GUARATUBA. CASA DE STALIN. JARDIM. EXT. DIA. Vendo o nervosismo de Tereza, Stalin se levanta de sua mesa, passa ao lado de Maretuza, a qual o acompanha pelo olhar, e se aproxima daquela.

STALIN — Por que essa sucessão de dúvidas, e nesse momento Tereza?

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04

TEREZA — Porque eu o Fábio terminamos. Ele desistiu do nosso filme! E ainda me disse que, se eu insistisse em lançar o roteiro, eu estaria prejudicando o pai dele.

Neste instante, começa a tocar a música tema do filme Serpico. Stalin volta a dar uma olhada em Maretuza, e depois coloca as suas mãos sobre os ombros de Tereza, num gesto de enternecimento.

STALIN — Eu ainda não consigo compreender a situação-problema! E como o meu sobrinho pode ter sido tão precipitado.

TEREZA — O Fábio também me surpreendeu, e da pior maneira possível. Ele tem medo que associem a proposta do filme com as irregularidades do Mauro. Ele não quis detalhar, mas com certeza descobriu os esquemas errados do próprio pai.

STALIN — Eu posso te garantir, Tereza, que eu, nesse contexto, estou até mais perdido do que você. Até porque, eu não tenho vínculo profissional algum com o meu irmão, e desconheço quaisquer atividades ilícitas dele. Quanto ao Fábio, eu não posso acreditar que ele seria capaz de se envolver também nessa sujeira. Ele sempre foi um garoto de princípios, pelo menos eu sempre confiei nele.

TEREZA — Confiança... Será que essa palavra pode sustentar uma relação tão frágil como a minha e a dele? Pelo jeito o Fábio tava certo. Eu nunca o amei de verdade, tanto que quando ele precisou do meu desprendimento, eu optei em insistir na minha ambição, nem que pra isso eu prejudicasse o pai dele.

STALIN — Independentemente da proposta que o Fábio deve ter feito, talvez nem ele tenha se dado conta do quanto foi parcial e genérico com as suas afirmações. Ele de repente se assumiu como um defensor desprovido de senso crítico do Mauro, e esqueceu que você também tinha o direito de se manter coerente com os seus propósitos.

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04

Por isso, não se sinta culpada por nada, Tereza. O Fábio, se disse que você nunca o amou, não sabia o que estava falando.

MARETUZA — (interrompe) Vocês me perdoem. Eu não tenho nem o porquê de me infiltrar nos problemas conjugais alheios, mas já me sinto sensibilizada com a sua história, menina. Tão jovem e já sofrendo tanto. E pelo pouco que eu sei de você, já deu pra perceber que você tem presença, compostura. Era de uma menina dessas Stalin que eu precisava pra recepcionar os convidados de uma exposição de quadros que eu estou promovendo. Eu estou vendendo justamente pra sair da pindaíba, porque enquanto eu não resolvo a questão da herança do meu irmão, ainda não tenho capital suficiente pra investir na casa noturna.

Tereza sorri levemente e percebe que Stalin também ficou feliz. TEREZA — Até pouco tempo, eu tava trabalhando como relações

públicas na agência de publicidade do Stalin. Eu não vejo problemas em oferecer os meus serviços a você...

MARETUZA — Maretuza Tuagrana! TEREZA — Dona Maretuza Tuagrana! Muito prazer! Vai ser até

bom eu trabalhar nesse momento. Vai distrair a minha cabeça. Enquanto eu não consigo resolver os meus problemas, eu faço questão de recepcionar os seus convidados!

CENA 13. HORAS DEPOIS. GUARATUBA. EXPOSIÇÃO. INT. NOITE. Neste instante, ao som de Hold Me Now – Thompson Twins, Tereza já se encontra recepcionando os convidados e indicando a eles os quadros que estão localizados em posições bastante espaçadas. Tudo isso é visto do PV de Stalin e de Maretuza, os quais se encontram no segundo andar do espaço, olhando para baixo e apoiados na grade de um corredor.

STALIN — A Tereza é realmente muito esperta! Está fazendo o serviço muito bem feito.

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04

MARETUZA — Ah, mas a minha intuição feminina nunca falha mesmo. É uma pena ver que uma garota tão inteligente, tem um histórico tão difícil de vida. Essa situação que você acabou de me contar me deixou impactada.

STALIN — Pois é. O pai da Tereza, Natanael, era um tremendo malandro, que teve a infeliz ideia de se envolver com a mulher do meu irmão. Num determinado momento, o Mauro descobriu a infidelidade, se separou, e, meses depois, a mulher dele faleceu vítima de uma pneumonia. O Natanael, interessado nos bens do meu irmão, planejou um sequestro na antiga mansão que o meu irmão tinha em Curitiba, no bairro Rebouças. Só que o plano deu errado, e esse bandido acabou sendo morto por um policial militar que trabalhava na época como segurança particular do meu irmão.

MARETUZA — E esse policial foi preso? STALIN — Foi, mas fugiu. Esse policial era uma pessoa toda

errada também. Hoje ninguém sabe o paradeiro dele. CENA 14. CURITIBA. CASA DE MAURO. SALA. INT. NOITE. Neste instante, Fábio reflete sobre as suas novas resoluções de vida. Mauro, por sua vez, observa-o sentado perto da adega.

MAURO — Depois de tudo o que a gente conversou, você não acha melhor ir embora pro exterior e fazer a sua vida por lá?

FÁBIO — Fugir do Brasil? É isso o que você quer dizer? MAURO — Não é bem fugir, mas reconstruir a própria vida.

Você precisa apagar da sua mente e do seu passado a autoria daquele crime.

Música de suspense. De chofre, tanto Fábio quanto Mauro se surpreendem com a vinda repentina de Donato.

DONATO — (irônico) Mas por que vocês não me convidaram pra esse encontro, meus queridos?

MAURO — O que você tá fazendo aqui, Donato, vá embora!

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PRAIA DO PECADO CAPÍTULO 04

DONATO — Então estamos frente a frente, Fábio. Eu, a pessoa que assumi um crime famoso há cinco anos, e você, o mocinho transgressor que foi o grande autor daquela carnificina!

FÁBIO — (revoltado) O que você quer? Quer ir até o fim na perseguição contra a gente, é isso? Você já tá conseguindo tudo o que você quer, Donato! Realmente, você está diante do grande assassino do pai da própria namorada! Uma pessoa que com certeza é um perigo público e precisa ser freada antes que cometa uma nova loucura. Por isso, chegou a hora de nós fazermos um favor pra sociedade.

MAURO — Meu filho, controle esse nervosismo, pelo amor de Deus!

FÁBIO — Cansei, pai! Cansei de fingir, de esconder o meu passado! Eu vou agora mesmo me entregar pra polícia, e quero ver qual de vocês vai ter coragem de me impedir.

CLOSES alternados. Mauro fica desesperado com a decisão precipitada de seu filho. Donato, por sua vez, dá um riso por dentro e debochado. Fábio, por fim, encara tanto o seu pai quanto Donato com uma expressão de raiva e de obstinação. NO RETRATO DOS TRÊS SE ENCARANDO, CAM CONGELA AO SOM DE JUMP – VAN HALEN.

FIM DO CAPÍTULO 04.