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III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006 1 PRÁTICAS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA E COMPROMETIMENTO DE EMPREGADOS EM EMPRESAS DE SERVIÇOS Suely Mendonça de Oliveira e Silva (UFC) - [email protected] Serafim Firmo de Souza Ferraz (UFC) - [email protected] Augusto Cézar de Aquino Cabral (UFC) - [email protected] RESUMO Este artigo tem como objetivo verificar de que maneira a adoção de práticas socialmente responsáveis por empresas repercute sobre o comprometimento e o vínculos do empregado com a empresa. Para isto, empreendeu-se uma pesquisa exploratória , descritiva e de campo, desenvolvida por meio de uma survey descritiva atitudinal junto a uma amostra de vinte por cento dos empregados das três empresas de grande porte do setor de serviços agraciadas com o mais importante prêmio em responsabilidade e desempenho social do Estado do Ceará no ano de 2003. A pesquisa revelou conhecimento parcial das ações externas de responsabilidade social por parte dos empregados e que as empresas tampouco desenvolvem qualquer ação de gerenciamento de impactos dessas ações. O relativo desconhecimento e o não envolvimento dos empregados que o estudo revela não impede o reconhecimento da contribuição para a imagem positiva da empresa, o aprofundamento dos vínculos e do comprometimentos destes com as empresas, embora esse fator seja secundário em comparação a outros aspectos objetivos da vida profissional dos empregados. Finalmente constata-se que a ação social desenvolvida pelas empresas premiadas em desempenho social não são otimizadas na perspectiva das repercussões internas. Palavras-Chave – Responsabilidade social, projetos sociais, vínculo funcionário-empresa, comprometimento afetivo funcionário-empresa. ABSTRACT The growing number of investments in social projects by modern enterprises shows that they are trying to achieve competitive sustainable advantage focusing on a humanistic approach. Considering that social responsibility seems to be important nowadays not only for the companies - because of the ethical and human position adopted – but also for people who

PRÁTICAS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA … · responsabilidade social corporativa passou a assumir nos últimos tempos, tanto na mídia como na literatura de negócios e

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III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006

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PRÁTICAS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA E

COMPROMETIMENTO DE EMPREGADOS EM EMPRESAS DE

SERVIÇOS

Suely Mendonça de Oliveira e Silva (UFC) - [email protected]

Serafim Firmo de Souza Ferraz (UFC) - [email protected]

Augusto Cézar de Aquino Cabral (UFC) - [email protected]

RESUMO

Este artigo tem como objetivo verificar de que maneira a adoção de práticas

socialmente responsáveis por empresas repercute sobre o comprometimento e o vínculos do

empregado com a empresa. Para isto, empreendeu-se uma pesquisa exploratória , descritiva e

de campo, desenvolvida por meio de uma survey descritiva atitudinal junto a uma amostra de

vinte por cento dos empregados das três empresas de grande porte do setor de serviços

agraciadas com o mais importante prêmio em responsabilidade e desempenho social do

Estado do Ceará no ano de 2003. A pesquisa revelou conhecimento parcial das ações externas

de responsabilidade social por parte dos empregados e que as empresas tampouco

desenvolvem qualquer ação de gerenciamento de impactos dessas ações. O relativo

desconhecimento e o não envolvimento dos empregados que o estudo revela não impede o

reconhecimento da contribuição para a imagem positiva da empresa, o aprofundamento dos

vínculos e do comprometimentos destes com as empresas, embora esse fator seja secundário

em comparação a outros aspectos objetivos da vida profissional dos empregados. Finalmente

constata-se que a ação social desenvolvida pelas empresas premiadas em desempenho social

não são otimizadas na perspectiva das repercussões internas.

Palavras-Chave – Responsabilidade social, projetos sociais, vínculo funcionário-empresa,

comprometimento afetivo funcionário-empresa.

ABSTRACT

The growing number of investments in social projects by modern enterprises shows

that they are trying to achieve competitive sustainable advantage focusing on a humanistic

approach. Considering that social responsibility seems to be important nowadays not only for

the companies - because of the ethical and human position adopted – but also for people who

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appreciate this kind of attitude, the main goal of this study is to check if – and how – adopting

responsible social procedures contributes to making employees more committed to the

company. The survey was applied to the Personnel (career employees) from three large

companies in Ceará, winners of the Delmiro Gouveia Award in social performance (awarded

by the Local Stock Market). It was verified that social procedures may influence employee’s

behaviour and attitude and may contribute to their affectionate commitment to the company.

However, it was perceived that it is less likely that these projects will have a significant effect

over the employees if the company does not have social positive attitudes towards them, such

as offering good promotion prospects, holding employees in high regard, contributing to their

satisfaction at work, considering their dedication and performance among others.

Keywords - Social responsibility; social projects; employee-company link; employee-

company affectionate commitment.

1. FORMULAÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA

O tema responsabilidade social é emergente e relevante, dado a proeminência atual do

papel social que se atribui às empresas e dos mecanismos de controle social que o

desenvolvimento econômico e social exige. Em vista disso, surpreende o espaço que a

responsabilidade social corporativa passou a assumir nos últimos tempos, tanto na mídia

como na literatura de negócios e na pesquisa em administração.

Na visão, estamos construindo uma “sociedade de organizações”, na qual as empresas

assumem de modo crescente tarefas que visam melhorar a sociedade. Nesse contexto, a

responsabilidade social se constitui um fator essencial na construção das bases da teoria e da

prática gerencial modernos, em conformidade com a visão de Drucker (COOPERRIDER,

2003, apud RIBEIRO, 2001, p.50) de que “...todas as instituições terão de fazer com que o

atendimento a valores, crenças e propósitos sociais básicos seja o objetivo de suas atividades

contínuas e não uma responsabilidade social restrita ou que se situa fora de suas funções

fundamentais”.

Já em 1998, na pesquisa Ação Social das Empresas, realizada na região Sudeste do

Brasil pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA, já constatava entre as

empresas uma grande identificação com os problemas sociais e elencava um expressivo

número de empresas que realizavam algum tipo de benefício social em prol dos mais

necessitados. Atualmente, um número ainda maior de organizações compromete-se com

projetos sociais voltados para o futuro da comunidade e da sociedade, ao mesmo tempo em se

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avolumam publicações e estudos sobre o assunto, demarcando um território ainda

relativamente pouco explorado das estratégias e políticas de gestão empresarial, cuja prática

ainda se processa de forma assistemática,, isolada e com baixo nível de gerenciamento, com

prejuízos para os resultados, para a continuidade e a visibilidade das ações. Para que a questão

da responsabilidade social não fique restrita à mera assimilação de conceitos aprendidos pelos

dirigentes empresariais e/ou ao desconcerto das suas ações sociais, é preciso compreender

integralmente os impactos desse fenômeno nas dimensões externa e interna da organização.

A gestão da responsabilidade social corporativa, de acordo com Melo Neto e Fróes

(2004), é um processo dinâmico e envolve a definição de focos de ação da empresa, tais como

a gestão social interna (ações voltadas para os funcionários e seus familiares) e a gestão social

externa (ações votadas para a comunidade). Ao priorizar qualquer um desses focos de atuação

durante o seu processo de capacitação para o exercício pleno da cidadania, a empresa estará,

na verdade, definindo-se pelo estreitamento da relação empresa-funcionário ou empresa-

comunidade. Só após o domínio de ambas as relações a empresa se encontra madura para o

exercício da responsabilidade social plena.

Avaliar o nível de conhecimento e percepção dessas ações e o impacto destas sobre os

comportamentos dos empregados em suas relações com a empresa podem constituir

importante retorno para a gestão. Se a teoria administrativa já associa a qualidade dos

vínculos e da motivação à qualidade e à produtividade, deixar de levar em conta os efeitos das

ações de responsabilidade externa sobre os o conjunto dos que fazem a organização pode se

constituir fator restritor ao desempenho máximo tanto das empresas como da própria ação

social.

Entretanto, permanece reduzida a contribuição de estudos acadêmicos brasileiros sobre

a temática da responsabilidade social, em especial no que se aplica às repercussões no âmbito

interno.

2. OBJETIVOS

Em vista disso, este estudo privilegia essa vertente de pesquisa, procurando verificar

de que maneira a adoção de práticas socialmente responsáveis por empresas contribui para o

comprometimento do funcionário para com elas. Para isto, estabeleceu-se os seguintes

objetivos específicos: (1) verificar se os funcionários conhecem as ações de responsabilidade

social adotadas pela empresa; (2) verificar se as empresas gerenciam o impacto dessas ações

na dimensão interna; (3) verificar a percepção do valor que as referidas ações têm para

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empregados; e (4) analisar os efeitos dessas ações no comportamento e nas atitudes dos

funcionários em sua relação com a empresa.

3. REFERENCIAL TEÓRICO

A temática responsabilidade social se insere na história da administração a partir do

final do século XIX, abrigando-se nas escolas sócio-econômica e a do pensamento econômico

clássico. A primeira defende a responsabilidade proativa, através da qual a empresa adota e

executa ações, buscando promover o bem-estar da sociedade de maneira concreta e direta e

teve como precursor Andrew Carnegie, fundador do conglomerado U. S. Steel Corporation

O pensamento econômico clássico, contraponto da escola sócio-econômica, está

representado por Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia de 1975. Friedman defende

que a responsabilidade social da empresa é gerar lucros aos seus acionistas, pois, em uma

sociedade capitalista, o desempenho econômico é a principal responsabilidade social. Uma

empresa lucrativa beneficia a sociedade criando novos empregos, pagando salários justos para

a melhoria de vida de seus funcionários e de suas condições de trabalho, além de contribuir

para o bem-estar público, através do pagamento de impostos. Neste caso, a responsabilidade

social é uma obrigação, já que as empresas precisam estar em conformidade com as

exigências da lei.

Para Friedman, a importância do trabalhador na organização relaciona-se às suas

contribuições para a riqueza dos acionistas e, desta forma, a melhoria da sua qualidade de vida

está diretamente relacionada ao crescimento dos lucros dos patrões (FRIEDMAN, 1985, apud

XAVIER; SOUZA, 2004).

Nos últimos 30 anos, segundo Ashley (2002, p. 21), o tema responsabilidade social

corporativa vem sendo objeto de acaloradas polêmicas, criticado por uns, apoiado por outros.

Os que se opõem às referidas práticas se baseiam nos conceitos de direitos da propriedade

(de Friedman) e na função institucional (de Leavitt,). Este último defende que outras

instituições, como governo, igrejas, sindicatos e organizações sem fins lucrativos deveriam

atuar para o cumprimento da responsabilidade social corporativa, liberando os gerentes de

corporações para atividades que promovam os retornos devidos aos acionistas. Ashley (2002,

p. 21) acrescenta que na abordagem crítica o conceito e o discurso de ética que acompanham

o tema carecem de coerência teórica, validade empírica e viabilidade normativa.

A abordagem alinhada às práticas de responsabilidade social se deriva da área

acadêmica, conhecida como “Negócios e Sociedade”, e tem como teóricos mais recentes

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Carroll, Donaldson e Dunfee, Frederick e Wood (ASHLEY, 2002, p. 21), que se distingue na

linha ética e na perspectiva instrumental. A primeira, oriunda dos princípios religiosos e das

normas sociais prevalecentes, entende que a empresa e as pessoas que nelas trabalham

deveriam se comportar de maneira socialmente responsável, por ser a ação moralmente

correta, mesmo que envolva despesas improdutivas para a companhia (ASHLEY, 2002, p.

21). A linha instrumental considera que há uma relação positiva entre comportamento

socialmente responsável e o desempenho econômico, baseada em aspectos como maior

consciência sobre questões como cultura e ambiência, atitude proativa da empresa – evitando

ações restritivas por parte do governo – e diferenciação dos produtos em relação aos

competidores que não adotam atitude socialmente responsável.

O presente estudo apóia-se na abordagem ética-instrumental que, em essência, dá

vazão ao perpétuo debate político sobre atribuições de papéis, racionalidade administrativa e

delimitação dos domínios públicos e privados do mundo social.

Responsabilidade Social - O conceito mais antigo, ainda hoje defendido por teóricos da

economia neoclássica, é de autoria de Milton Friedman (1970), que sustenta ser a

maximização dos lucros a única responsabilidade social de empresas é a maximização do

lucro; portanto, uma visão meramente econômica. Esse conceito vem sendo revisto, ao longo

do tempo pela prática empresarial e pelas expectativas da sociedade em relação às

organizações e pelos trabalhos acadêmicos que demonstram serem mais estreitos os espaços

que separam uma e outra concepção de responsabilidade social. Afinal, as teorias

organizacionais e a própria estratégia empresarial já entronizaram o trato dos fatores

subjetivos como valores, identidade e solidariedade como suporte de para relacionados

duradouros e qualificados que, em uma instância contribuem para o aprimoramento das

relações da organização com uma maior diversidade de públicos relevantes.

Para fins deste estudo, define-se responsabilidade social como um compromisso

permanente dos empresários em adotar comportamento ético e contribuir para a melhoria da

qualidade de vida de seus funcionários e familiares, da comunidade e da sociedade como um

todo (MELO NETO; FROES, 2004)

Comprometimento afetivo funcionário-empresa - Na tentativa de melhor explicar o

vínculo que se estabelece entre o empregado e a empresa, cunhou-se o termo

comprometimento. Conforme Siqueira e Gomide Jr. (2004, p. 313), um relacionamento no

qual existe comprometimento representa uma interação social com base em uma obrigação

ou promessas mais ou menos solenes entre as partes.

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Alguns teóricos associam o desenvolvimento da identidade do indivíduo à influência

da identidade organizacional. Assim, comprometimento também foi definido como a união

da identidade da pessoa com a identidade da empresa (DIAS; MARQUES, 2002, apud

MIYAZAKI MENERGON; ABREU, 2003, p. 7) ou como uma ligação psicológica de

natureza atitudinal desenvolvida quando o indivíduo internaliza crenças da organização,

identificando-se com seus objetivos ou envolvendo-se com as atividades pertinentes ao seu

cargo, desempenhando-as de forma a fazer com que a organização atinja seus objetivos

(FERREIRA; SIQUEIRA, 2002, apud MIYAZAKI; MENERGON; ABREU, 2003, p. 7).

Ao se considerar a literatura sobre comprometimento na empresa, deve-se ter em

mente o grande domínio do enfoque afetivo, priorizado neste estudo, a partir dos trabalhos

desenvolvidos por Lyman Porter, que, apesar de reconhecer uma corrente comportamental,

definia o comprometimento numa perspectiva atitudinal: ...um estado no qual um indivíduo se

identifica com uma organização particular e com seus objetivos, desejando manter-se

afiliado a ela com vistas a realizar tais objetivos. (MOWDAY; STEERS; PORTER, 1979, p.

225 apud SIQUEIRA; GOMIDE JR, 2004, p.316).

O conceito de comprometimento, estudado através de diversas correntes teóricas, foi

também explicado através de sentimentos, intenções comportamentais, aceitação de crenças e

valores. A literatura vem tratando essas ambigüidades como vertentes de estudos. Assim,

foram criados dois grupos: o atitudinal, que estuda o comprometimento através dos

sentimentos, desejos, intenções e crenças sobre determinado objeto e expressos através de

relatos verbais, e o comportamental, que toma como base indicadores passíveis de

observação.

Segundo Mowday, Porter e Steers (1982, p. 27, apud MEDEIROS et al., 2003),

comprometimento pode ser identificado (1) nas crenças e aceitação de objetivos e valores

empresariais; (2) na disposição pessoal para se esforçar a favor da empresa; e (3) pelo desejo

íntimo e sincero de permanecer na empresa.

Para Mowday (apud FOSSÁ; SARTORETTO, 2002, p. 4), os indivíduos

comprometidos apresentam quatro características básicas: (1) a internalização dos objetivos e

dos valores da organização; (2) o envolvimento com o seu papel organizacional no contexto

dos referidos objetivos e valores; (3) o desejo de permanecer na organização por um longo

período de tempo, intimamente engajando-se para a realização dos objetivos e dos valores

organizacionais; e (4) a prontidão para realizar esforços adicionais visando o alcance dos

objetivos e valores.

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O’Reilly e Chatman (1986, apud Fossá e Sartoretto, 2002 ) e Allen e Meyer (1990,

apud Fossá e Sartoretto, 2002) mencionam ainda, o sentimento de orgulho, o desejo de

afiliação e o prazer em ser membro de uma organização como constitutivos da dimensão

afetiva do comprometimento.

Segundo Medeiros et al. (2004, p.4), apesar da aceitação do significado genérico do

termo, as divergências surgiram quanto à natureza do vínculo. Dessa forma, começaram a ser

considerados os modelos multidimensionais do comprometimento organizacional como uma

forma de descrever a presença de mais de um componente no constructo do

comprometimento.

Dentre os vários modelos de classificação dos elementos constitutivos do conceito de

comprometimento, o de maior aceitação internacional foi o estabelecido por Allen e Meyer

(1991), apontado como os mais importantes pesquisadores da temática, no julgamento de

John Mathieu, reconhecido pesquisador e principal autor da meta-análise, Para os referidos

autores há necessidade de distinguir três faces do comprometimento: (1) o comprometimento

afetivo, que é uma forma de apego e de envolvimento, da qual decorre a identificação do

indivíduo com a organização; (2) o comprometimento instrumental ou calculativo,

responsável pelo processo mental que realiza uma comparação entre o investimento do

indivíduo em relação aos custos relacionados à perda do emprego; e (3) o comprometimento

normativo, que representa uma percepção de obrigação e dever moral para com a

organização.

No Brasil, o modelo de classificação acima exposto foi validado por Medeiros e

Enders (1998, apud MEDEIROS et al., 2003, p. 6) e Bandeira, Marques e Veiga (1999, apud

MEDEIROS et al., 2003, p. 6). Como resultado desse estudo, os autores obtiveram os três

fatores conceitualizados por Allen e Meyer (1991). Posteriormente, Medeiros et al. (1999,

apud MEDEIROS et al., 2004, p. 6) obtiveram um quarto componente ao qual denominaram

(4) comprometimento afiliativo – que opera o sentimento de fazer parte, identificado ao

final de uma análise fatorial confirmatória de teste ao instrumento proposto por Meyer, Allen

e Smith (1993, apud MEDEIROS et al., 2004, p. 6), em uma síntese de quatro pesquisas

anteriores.

Em complemento a essas concepções teóricas acerca dos três componentes do

comprometimento do modelo Allen e Meyer (1990, apud SIQUEIRA; GOMIDE JR., 2004),

motivados pelas razões que levam empregados a permanecerem trabalhando na empresa,

estabeleceram uma distinção de natureza psicológica entre os três vínculos. No primeiro caso,

o desejo, que se relaciona com o comprometimento afetivo. No segundo, a necessidade que se

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vincula ao comprometimento instrumental ou calculativo. Por fim, a obrigação moral que tem

ligação com o comprometimento normativo. A combinação de diferentes níveis desses

componentes podem explicar estados psicológicos de comprometimento diversificados.

Para fins deste estudo, priorizou-se a teoria de Allen e Meyer (1990, apud FOSSÁ;

SARTORETTO, 2002), pela aceitação e reconhecimento do modelo, anteriormente

justificados. Esta, por sua vez, envolve as dimensões afetiva de Mowday et al. (1979),

instrumental de Becker (1960) e normativa de Wiener e Vardi (1982).

O comprometimento, definido neste estudo como um vínculo estabelecido entre o

indivíduo e a organização, tem como objetivo embasar o pressuposto do desenvolvimento de

vínculo afetivo do funcionário com a empresa, a partir da adoção de ações sociais pela

empresa, entendendo-se essas ações como uma expressão dos valores da empresa.

A partir da dimensão afetiva aqui descrita, percebe-se que, quanto mais um indivíduo

se identifica com os valores da empresa e os internaliza, mais se torna comprometido e,

conseqüentemente, maiores serão os esforços despendidos e maior o desejo de permanência

na empresa.

Ao identificar-se, esse indivíduo aceita a influência a fim de estabelecer ou manter

um relacionamento satisfatório com a organização, ou seja, pode sentir orgulho em ser parte

de um grupo, respeitando os seus valores e realizações, sem adotá-los (FOSSÁ;

SARTORETTO, 2002, p. 6). A internalização define uma aceitação de atitudes e

comportamentos induzidos pela empresa. O indivíduo constata que os valores da empresa

correspondem aos seus próprios valores. Quando o vínculo é baseado apenas na

compensação, as atitudes e comportamentos não decorrem de opiniões compartilhadas, mas

do interesse em receber recompensas específicas.

Se o vínculo se dá unicamente pela “necessidade” ou “obrigação” em permanecer na

empresa, de forma consciente ou inconsciente, isso pode vir a tornar-se um prejuízo para

ambas as partes.

4 METODOLOGIA

Este estudo tem fundamentação qualitativa, exploratória e descritiva. Exploratória,

porque os estudos sobre responsabilidade social são ainda relativamente raros, principalmente

no que tange aos impactos percebidos na dinâmica interna das organizações. Descritiva,

porque visa à avaliação e à descrição de práticas, juízos de valor e reações comportamentais e

atitudinais relacionados aos projetos sociais de empresas. Quanto aos resultados, trata-se de

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uma pesquisa indutiva, por partir das experiências específicas de três empresas com o objetivo

de poderem contribuir para uma aplicação mais ampla desse conhecimento. Trata-se de uma

pesquisa básica, porque não visa a resolver um problema específico para qualquer uma das

empresas, pois tem como objetivo o conhecimento em geral.

O trabalho de campo foi empreendido por meio de uma survey descritiva atitudinal

que buscou avaliar, a partir de uma amostra representativa de organizações publicamente

reconhecidas como socialmente responsáveis as percepções de funcionários em relação às

iniciativas sociais da empresa, em abordagem comparativa a outros fatores teóricos de

comprometimento e motivacionais.

O universo de pesquisa são as empresas contempladas com o Prêmio Delmiro Gouveia

de responsabilidade social na edição de 2003, na categoria desempenho social. O prêmio é

uma iniciativa conjunta do jornal O Povo, o segundo em circulação no estado, das federações

da Indústria do Estado do Ceará (FIEC), do Comércio (FECOMÉRCIO), da Agricultura

(FAEC) e da Bolsa de Valores Regional, responsável técnica pela concessão do Prêmio que

existe há cinco anos e tem como proposta o reconhecimento de empresas cearenses, mediante

avaliação combinada do desempenho econômico-financeiro das empresas de grande porte

instaladas no estado e com realizações na área social. O impacto dessas ações são verificados

e o prêmio adota, adicionalmente, indicador relativo à atuação socialmente responsável com

empregados e parceiros. Ao conjunto de indicadores corresponde ponderações específicas que

compõem um modelo de balanço social adaptado pelo prêmio, base documental relevante

desta pesquisa.

Escolhidas as três empresas dentre as cinco grandes empresas premiadas em 2003

(mais cinco são reconhecidas na categoria pequenas e médias empresas), submeteu-se os

instrumentos de coleta a uma amostra de 433 funcionários, selecionados de modo aleatório e

depois pela acessibilidade permitida pelas diferenças nas jornadas de trabalho e a presença da

pesquisadora na aplicação dos instrumentos. Este contingente, composto de não gestores,

com tempo mínimo de 1 ano na empresa, representa 20% do universo de 2.165 empregados.

A coleta dos dados secundários se deu através de pesquisa documental que incluiu,

além da documentação pública do prêmio, informativos internos das três empresas, livros,

revistas especializadas, jornais, dissertações, teses, bancos de dados eletrônicos, relatórios,

artigos científicos, informações estatísticas de órgãos de pesquisa e sítios da Internet, de

forma a fundamentar o estudo tanto em seu aspecto teórico como metodológico.

As informações documentais foram qualificadas em contatos mantidos com dirigente

indicado pela direção das empresas, relativamente às motivações, critérios de escolha e de

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gerenciamento das ações e de segmentos de atuação, além de atividades de promoção e de

mobilização de pessoas.

Os dados primários foram colhidos nos meses de janeiro e fevereiro de 2005, por meio

de questionário semi-estruturado, que incluía instruções de preenchimento, informações sobre

os objetivos da pesquisa e utilização prevista para o estudo. No núcleo do estudo, foram

colocadas questões relativas às quatro dimensões trabalhadas:

a) DIMENSAO CONHECIMENTO – avaliou o conhecimento dos funcionários das ações

sociais desenvolvidas pela empresa.

b) DIMENSÃO SIGNIFICADO – mensurou a percepção dos funcionários acerca do valor

das ações sociais tanto para a comunidade, como para a própria empresa e para si próprio.

c) DIMENSÃO COMPORTAMENTO E ATITUDE – Explorou o efeito das ações de

responsabilidade social sobre os comportamentos e atitudes dos funcionários em sua

relação com a empresa.

d) DIMENSÃO COMPARATIVA – Verificou a prevalência de fatores motivadores de

vínculo com as empresas. Fatores esses, distintos das ações de responsabilidade social.

O questionário semi-estruturado se compôs de três grupos de questões, sendo que

adaptações foram empreendidas para ajustar os instrumentos de coleta à realidade de cada

empresa e a natureza das ações sociais empreendidas. Em um bloco utilizou-se de escala onde

o respondente atribua graus de concordância, discordância ou de neutralidade em relação aos

indicadores apresentados. Um segundo bloco solicitava indicar o grau de importância dessas

ações para o funcionário. Um terceiro valeu-se de uma escala dicotômica, complementadas

por questões abertas que se destinaram a superar limitações de questionários e reduzir viéses

reducionistas. O tratamento qualitativo dessas questões permitiu qualificar de modo mais

adequado um \universo de significados, motivações, crenças e valores. A pesquisadora esteve

presente durante toda a etapa de aplicação dos questionários, dirimindo dúvidas e garantindo a

confidencialidade das respostas.

Finalmente, os dados capturados por meio dos questionários foram tratados

estatisticamente por meio de planilhas Excel e do programa SPSS – Statistical Package for

Social Sciences, ao que se somou as análises qualitativas de conteúdos e categorias

apreendidos das questões abertas e das fontes documentais exploradas.

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5. CARACTERIZAÇÃO DAS EMPRESAS PESQUISADAS

Neste estudo optou-se pela não identificação das empresas., que doravante serão

mencionadas como empresa A, empresa B e empresa C. As informações abaixo foram obtidas

pela via documental e por esclarecimentos prestados por dirigentes indicados pela direção da

empresa, no que se refere aos critérios de escolha, gerenciamento e divulgação das ações

sociais das empresas.

Empresa A - Iniciou atividades em 1992, possuindo, em 2005, 492 pontos de venda e de

atendimento em todo o Brasil. É uma sociedade anônima de capital fechado. Possui 1.300

funcionários. Atua no setor de transportes rodoviário de cargas e de passageiros.

De acordo com o balanço social da empresa A, a responsabilidade social faz parte da

visão estratégica da organização. Tem a diretoria da empresa, a área de recursos humanos, a

gerências de manutenção e a gerência financeira engajadas no desenvolvimento dos projetos

sociais. A empresa não adota qualquer tipo de programa de sensibilização e conscientização

do corpo funcional e dos demais dirigentes sobre a importância dos projetos sociais, bem

como não utiliza qualquer meio de comunicação para divulgação de seus projetos sociais

internos e externos.

A empresa Declara investir no social com propósitos humanitários e de cidadania,

entendo que adicionalmente referidas ações contribuem para a promoção e ganhos de imagem

da organização como um todo. Privilegia as atividades culturais e de lazer (externo),

esportivas (interno), meio-ambiente (externo) e à qualificação profissional (interno). Os

projetos culturais são pautados pela identificação e temática populares, ligadas à identidade

nordestina. Nos esportes, procura estimular o desenvolvimento de atletas da “casa”. Na

educação incentiva a melhoria do padrão intelectual. Em meio-ambiente, contribui para o

controle da poluição ambiental.

Empresa B - iniciou suas atividades em 1970 e está presente em 233 localidades do estado do

Ceará. Na região metropolitana de fortaleza, mantém doze lojas de atendimento e doze

unidades de negócios, sendo quatro na Capital e oito no interior. É um órgão controlado pelo

governo do estado, concessionário de serviços públicos de infra-estrutura água e esgoto.

Possui 1.204 funcionários.

Para a empresa B a responsabilidade social faz parte da visão estratégica da

organização. Tem a Gerência de Relações Trabalhistas como área responsável pelo

desenvolvimento dos projetos sociais. A empresa desenvolve programa de sensibilização para

conscientizar o corpo funcional e dirigentes sobre a importância dos projetos sociais,

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divulgando-os por meio de todas as mídias disponíveis internamente e na promoção externa.

.A empresa elege seus projetos tendo em vista a missão da Empresa, ao mesmo tempo

em que lança mão dos indicadores de responsabilidade social divulgados pelo Instituto Ethos.

Assim sendo, referidos projetos são em geral direcionados para as atividades relacionadas à

alfabetização (interno), assistência social (externo), desenvolvimento rural (externo),

educação (interno), meio-ambiente (externo), qualificação profissional (interno) e segurança

(interno).

A empresa declara investir no social com propósitos humanitários e de cidadania.

Acham que as ações desenvolvidas contribuem para o marketing e para a imagem da

organização como um todo.

Empresa C - Iniciou suas atividades em 1996 e possui 47 unidades de serviços em todo o

Brasil. É uma empresa privada de prestação de serviços de saúde que atua nacionalmente.

Gera cerca de 2000 empregos diretos.

Para a empresa C a responsabilidade social faz parte da visão estratégica da

organização. Criou um departamento específico para desenvolvimento dos projetos sociais.

Por essa razão, adota programa de sensibilização para conscientizar o corpo funcional e

dirigentes sobre a importância dos projetos sociais, divulgando os seus projetos sociais

internos e externos através da Intranet e em jornais das cidades onde atua. Não utiliza mídias

internas.

Elege projetos em projetos do conselho, das quais participa o Departamento de Ações

Sociais. Referidos projetos são direcionados para as atividades de alfabetização (interno), de

segurança alimentar (externo), assistência social (externo), culturais (externo), esportivas

(externo), estímulo ao emprego (política de contratação para desempregados (externo), lazer e

Recreação (externo), qualificação profissional (interno) e de saúde (interno).

A empresa declara investir no social por entender ter pleno alinhamento com a missão

de empresa, sendo objeto de deliberação nas atividades de planejamento estratégico.

6. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

O objetivo geral de trabalho consistiu em verificar de que maneira a adoção de

práticas socialmente responsáveis por empresas contribui para o comprometimento do

funcionário para com elas.

Para isto, um primeiro objetivo específico consistiu em verificar se os funcionários

conhecem as ações de responsabilidade social adotadas pela empresa. Constatou-se que não

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existe conhecimento acerca da totalidade das ações por parte dos funcionários, bem como a

prática da divulgação das ações sociais externas e internas em todas as empresas.

A tabulação das respostas indicou uma apreciação ambivalente da pergunta, na medida

em que 78,3% dos respondentes declararam conhecer pelo menos um projeto específico de

responsabilidade social desenvolvido pelas suas empresas, enquanto apenas 52% indicou

conhecer a totalidade dos programas desenvolvidos. Relativamente ao conceito de

responsabilidade social, apenas 43,6% dos respondentes declaram ter qualquer informação a

respeito do conceito de responsabilidade social e do conjunto de ações sociais articuladas

pelas suas empresas a esse título. Finalmente, 57,7 % dos respondentes afirmaram total

desconhecimento da existência, relevância e propósitos do Prêmio Delmiro Gouveia. Este

situação parece coerente com o predomínio de um quadro de ausência de iniciativas de

comunicação social e de programas de sensibilização e de mobilização internos, capazes de

potencializar os benefícios teóricos de comprometimento e qualificação de vínculos em

decorrência de ações sociais desenvolvidos por empresas.

O segundo objetivo específico consistiu em verificar se as empresas adotam práticas

voltadas para o gerenciamento do impacto das ações e projetos sociais empreendidos. Em que

pese afirmarem e classificarem a responsabilidade social como ação estratégica, nenhum tipo

de gerenciamento é empreendido, salvo as menções em balanços sociais e divulgação parcial

em jornais de circulação social. Os propósitos humanitários e de cidadania parecem ter certa

continuidade, sem que tenham sido revelados os efeitos das ações empreendidas.

O terceiro objetivo específico procurou verificar a percepção de valor produzido

entre os empregados a partir das ações de responsabilidade social, tanto para a instituição

como para si próprios, em conformidade com as tabelas 1, 2 e 3. Tabela 1: Percepção pelos respondentes do valor gerado, para eles próprios, pelo desenvolvimento de ações sociais pela empresa.

Entendo que o Projeto X * contribui para elevar a imagem da empresa perante os funcionários.

Concordo totalmente

Mais concordo

que discordo

Não concordo

nem discordo

Mais discordo

que concordo

Discordo totalmente

Não aplicável

Não respondeu

f % f % f % f % f % f % f %

245 56,6% 90 20,8% 39 9,0% 21 4,8% 11 2,5% 17 3,9% 10 2,3%

Fonte: Pesquisa realizada em jan/fev 2005. * Na referência aos projetos específicos de cada uma das empresas pesquisadas o nome do projeto não foi divulgado a fim de preservar identidade das empresas, conforme informado neste estudo. Convencionamos como X os projetos internos e como Y os projetos externos.

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Tabela 2 – Percepção pelos respondentes do valor gerado, para eles próprios, pelo desenvolvimento de ações sociais pela empresa.

Sinto-me orgulhoso(a) em trabalhar numa empresa que desenvolve ações como o Projeto X.

Concordo totalmente

Mais concordo que

discordo

Não concordo

nem discordo

Mais discordo

que concordo

Discordo totalmente

Não aplicável

Não respondeu

f % f % f % f % f % f % f %

209 48,3% 102 23,6% 55 12,7% 29 6,7% 8 1,8% 20 4,6% 10 2,3%

Fonte: Pesquisa realizada em jan/fev 2005.

Tabela 3 – Percepção pelos respondentes de valor gerado, para eles próprios, pelo desenvolvimento de ações sociais pela empresa

Considero que trabalhar numa empresa que adota iniciativas como o Projeto Y contribui positivamente para minha imagem pessoal perante minha família, meus amigos e a

sociedade em geral.

Concordo totalmente

Mais concordo que

discordo

Não concordo

nem discordo

Mais discordo

que concordo

Discordo totalmente

Não aplicável

Não respondeu

f % f % f % f % f % f % f %

199 46,0% 105 24,2% 61 14,1% 22 5,1% 16 3,7% 21 4,8% 9 2,1%

Fonte: Pesquisa realizada em jan/fev 2005

A pesquisa constatou que os projetos sociais voltados para o público externo foram

considerados pelos funcionários não só como benéficos para a comunidade onde foram

aplicados, mas também reconhecidos como favoráveis à melhoria da imagem da empresa

perante a sociedade. Por isto, a unanimidade dos respondentes considera importante a

continuidade das ações sociais. No que tange à valoração na perspectiva do próprio

empregado, 71,8% deles se dizem orgulhosos em uma empresa que desenvolve projetos

sociais e que essas práticas contribuem positivamente para o aprofundamento dos vínculos

afetivos, do “sentimento de pertença” e do comprometimento em relação à empresa. Na

qualificação das opiniões alguns respondentes mencionaram o fato de que os projetos sociais,

contribuem para elevar, adicionalmente, a imagem da empresa perante os seus familiares e a

sociedade em geral.

Esse fato é coerente com O’Reilly e Chatman (1986, apud FOSSÁ; SARTORETTO,

2002), que situam o sentimento de orgulho na dimensão afetiva do comprometimento. Assim,

sentir que sua empresa promove boas ações e que se interessa pelos assuntos comunitários,

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em contraposição à postura dos seus concorrentes ajuda a promover uma valorização dessas

empresas, contribuindo para o comprometido afetivamente.

Paradoxalmente, ao serem inquiridos acerca do interesse individual de envolvimento e

atuação nos projetos sociais das suas empresas, 46% dos respondentes preferiram manifestar

interesse em apenas obter informações acerca delas, em uma posição de passividade que

privilegia a observação.

O quarto objetivo específico procurou verificar os efeitos das ações sociais sobre os

comportamentos e as atitudes dos funcionários diante do trabalho e perante a empresa. Os

dados tabulados indicam que 68,4% (78,3% declaram conhecer pelo menos um programa) dos

respondentes afirmam acreditar que as iniciativas sociais das empresas têm repercussão

positiva sobre a sua própria produtividade. Que diante da raridade de ações sociais

promovidas por empresas 61,4% declaram considerar a relevância das ações sociais para as

suas decisões de permanecer a serviço delas. Indo ainda mais além, 64,7% afirmam falar bem

das empresas onde trabalham para familiares e outras pessoas a partir da tomada em conta dos

projetos sociais, chegando a recomendá-las como espaço de trabalho e de investimento

pessoal. A percepção dos empregados é, portanto, francamente positiva em relação à empresa,

e elevada o relacionamento que faz com as práticas de responsabilidade social, mesmo

considerando as repercussões limitadas pela ausência de uma comunicação mais efetiva.

Entretanto, como o propósito deste estudo é verificar a influência de práticas sociais

no comprometimento do funcionário com a empresa, merece destaque especial o fato de que a

absoluta maioria (87,3%) dos respondentes se dizem comprometidos com a empresa em que

trabalham.. Questionados no segmento de qualificação aberta do questionário sobre os fatores

influenciadores do comprometimento, se destacaram as seguintes observações.

COMPROMETO-ME COM A EMPRESA PORQUE – 38 % de 435 respondentes

destacaram:

• A empresa é comprometida com o funcionário – 25%;

• A empresa contribui com oportunidades de crescimento profissional e pessoal do

funcionário – 5,2%;

• A empresa respeita o funcionário – 14%;

• A empresa tem a missão nobre de trabalhar em benefício da sociedade – 31,1%;

• O funcionário gosta do trabalho que realiza – 7,3%;

• O funcionário se sente reconhecido pela empresa - 10,5%;

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• Independentemente do que a empresa faz, o funcionário revela uma atitude pessoal de

profissionalismo, ética e responsabilidade – 6,2;

Em outra perspectiva, buscou-se resumir os sentimentos dos respondentes, solicitando

indicar se a pessoa se sentia satisfeita ou não em trabalhar naquela empresa, tendo respondido

afirmativamente 79,7% .

JUSTIFICO O MEU NÍVEL DE SATISFAÇÃO NA EMPRESA POR CONTA DE: (63% de

435 respondentes)

Oportunidade de crescimento profissional que proporciona – 17,6%;

O clima harmonioso na equipe – 22,5%;

A satisfação com o trabalho que realiza – 12,%;

O reconhecimento por parte da empresa - ;27%

A contribuição para a qualidade de vida da população, por ser essa a missão da empresa –

22%

Ainda como reforço aos comentários acima uma outra etapa da pesquisa busca

identificar as ações realizadas pela empresa e o grau de importância dessas ações para o

respondente. Chegou-se ao seguinte resultado:

1° grau de importância: (13,4%) os respondentes consideram que é o fato de a

empresa tratar com respeito os funcionários;

2° grau de importância: (10,9%) atribuem ao fato de a empresa oferecer condições

seguras de trabalho aos seus funcionários;

3° grau de importância: (9,5%) consideram o fato de a empresa oferecer oportunidades

suficientes para que as pessoas recebam treinamento e possam melhorar as habilidades

funcionais.

Parece significativo o fato de que nas três rodadas de qualificação de respostas –

comprometo-me com a empresa porque; justifico o meu nível de satisfação na empresa por

conta de; e dos graus de importância atribuídos), há uma grande convergência de resultados,

fazendo presentes em todas as passagens (1) o tratamento respeitoso que os empregados

recebem das empresas; (2) as oportunidades de crescimento profissional que as empresas

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proporcionam; (3) o gosto pelo trabalho que realizam na empresa; e (4) o reconhecimento

objetivo e subjetivo proporcionado pelas empresas.

Na análise qualitativa, verificou-se que diversos funcionários apontaram como grande

influência sobre o seu comprometimento o fato de a empresa também mostrar-se

comprometida com o funcionário. Estabelece-se, assim, uma relação de reciprocidade que

parece valorizada.

Para Gouldner (1960, apud SIQUEIRA; GOMIDE JR., 2004, p. 308), as relações

sociais são regidas por um princípio moral, aceito universalmente e não padronizado, que

define como obrigação o ato de retribuir um favor recebido. Com efeito, a pesquisa constatou

que, quando o funcionário reconhece na empresa, além do comprometimento, a seriedade,

honestidade e respeito para com o seu corpo funcional, estabelece-se um vínculo, percebido

como suporte organizacional e relacionado à compreensão dos indivíduos acerca do

compromisso das empresas para com eles.

Aspectos como reconhecimento, oportunidades de crescimento profissional e pessoal,

remuneração, estabilidade no emprego e autonomia, que apareceram com menor freqüência

na pesquisa, podem ser considerados antecedentes (causas) de percepção de suporte

organizacional.

Respostas que ressaltam um senso de competência (o comprometimento vem de uma

atitude pessoal de profissionalismo, ética e responsabilidade) ou concebem o trabalho como

virtude (a empresa tem a missão nobre de trabalhar em benefício da sociedade) demonstram

um forte envolvimento do indivíduo com o trabalho e até um comprometimento normativo

(obrigação moral originada pela nobreza da missão da empresa).

Outra constatação permitida nesse segmento da pesquisa, justificada pelo nível de

envolvimento do funcionário com o trabalho, foi a forte incidência de respostas em que os

funcionários atribuíram a influência do seu comprometimento ao fato de gostarem do trabalho

que realizam.

Reforçando essa posição, uma parcela (33,5%) dos funcionários atribuíram, numa

escala de 3 graus, o grau máximo de importância a esse fato – satisfação com as tarefas

realizadas –, ao opinarem sobre os motivos que explicavam o seu empenho adicional no

trabalho, caracterizando o que Organ e Siqueira (1990; 2003, apud SIQUEIRA; GOMIDE

JR., 2004) chamaram de cidadania organizacional.

O somatório das informações analisadas, como a percepção de preocupação e cuidados

da empresa para com os funcionários, importante no aprofundamento de vínculos, referido

por muitos respondentes; o desejo de continuar na empresa, refletido em muitos questionários,

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reforçam a característica básica do comprometimento afetivo, segundo Allen e Meyer (1990,

apud SIQUEIRA; GOMIDE JR., 2004).

Analisando o contexto geral desses posicionamentos, percebe-se uma semelhança com

o relato de Siqueira e Gomide Jr. (2004), quando sugerem, baseados em pesquisas, que a

percepção do funcionário quanto à preocupação e cuidados da empresa para com ele pode

influenciar na satisfação e envolvimento com o trabalho, comprometimento afetivo com a

empresa, além de contribuir com a redução do absenteísmo e rotatividade, bem como

elevação do desempenho e da cidadania organizacional.

7. CONCLUSÕES

Este trabalho objetivou verificar de que modo a adoção de práticas socialmente

responsáveis contribui para o comprometimento de empregados com as suas empresas. Os

dados recolhidos nas empresas pesquisadas permitem constatar que as práticas de

responsabilidade social têm influencia positiva sobre os comportamentos e atitudes dos

funcionários, contribuindo de maneira inequívoca para a produção de comprometimento

afetivo destes com a empresa. Mas a qualidade e a intensidade desse comprometimento nas

empresas estudadas se acham negativamente influenciadas pela precariedade das ações de

comunicação, de sensibilização e de mobilização, de gerenciamento, enfim.

As empresas pesquisadas deixam de aproveitar o potencial estratégico e operacional

das suas ações, parecendo preferir tratá-las como questões assistenciais, sem qualquer

relevância para a gestão. Em outra perspectiva, os efeitos das iniciativas de responsabilidade

parecem melhor percebidas em seu potencial de promoção externa do o potencial efeito sobre

o clima interno, o comprometimento e o fortalecimento dos vínculos que parecem estar em

tese associados aos fatores de qualidade e produtividade.

Por outro lado, importa atentar para uma questão ainda maior relacionada à percepção

de que os projetos sociais parecem produzir efeitos sobre os funcionários à condição de que

ocorram atitudes relacionais positivas e mutuamente vantajosas por parte da empresa. Este

quadro se configura na medida em que as empresas oferecem oportunidades de crescimento

profissional, tratam de maneira respeitosa os seus funcionário, contribuem para proporcionar

satisfação intrínseca com relação ao trabalho, reconhecem de modo objetivo e subjetivo a

dedicação e o desempenho, entre outras.

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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

- O objetivo deste artigo cumpre com o papel de visitar o universo empresarial, e buscar

conhecer melhor as razões que levam as organizações a investir em projetos sociais e a forma

como estão gerenciando esses projetos.

Para as empresas que vêem na construção de uma imagem social responsável uma

vantagem competitiva ou que simplesmente buscam apoio para as suas estratégias de

marketing, parece fundamental que reconheçam o impacto de suas ações sobre as

comunidades nas quais estão inseridas, bem como que gerenciem os impactos sociais,

econômicos e ambientais dessas ações, inclusive no que se aplica à dimensão interna desses

impactos.

É importante que responsabilidade social não fique restrita à mera assimilação de

conceitos aprendidos pelos dirigentes empresariais e/ou ao desconcerto de suas ações sociais,

é preciso consultar os diversos atores envolvidos nesse processo e incentivar as pesquisas que

contribuam para uma melhor compreensão dos impactos provocados por esse novo modelo

administrativo.

Assim, parece natural que esse cuidado comece dentro de casa. O não envolvimento

dos funcionários na elaboração de programas, projetos e ações sociais, contribuindo com

sugestões e compartilhamento de idéias, pode fazer com que o processo não seja

internalizado, criando lacunas prejudiciais aos objetivos da empresa. Principalmente para as

empresas que desenvolvem projetos sociais internos, para funcionários, é importante que seja

consolidada a cultura da ação social como fortalecimento do sentido de empresa-cidadã. Tem

sido disseminado que a empresa-cidadã pode, com suas ações, beneficiar comunidades,

melhorar a própria imagem, atrair clientes e estreitar vínculos com funcionários.

Verificou-se que as empresas, de concordaram que a responsabilidade social faz parte

de sua visão estratégica. Essa parece ser uma razão suficientemente forte para justificar um

gerenciamento eficaz das políticas sociais, que tratem adequadamente dos projetos, desde o

planejamento e o processo de comunicação até a mensuração dos resultados desse

investimento.

É adequado considerar, conforme os resultados obtidos, que a grande maioria dos

funcionários não rejeitam as ações sociais, ou seja, a possibilidade extrema de rejeição,

constante em um dos pressupostos levantados neste estudo não ocorreu. Trata-se de uma

excelente sinalização, a partir da qual se vislumbra a possibilidade de trabalhar o estímulo a

um maior envolvimento do funcionário com os projetos sociais. Esse trabalho perseguirá o

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fortalecimento de vários elementos que podem construir e/ou reforçar o seu vínculo e

comprometimento com a empresa: o orgulho; a imagem positiva da empresa conduzindo a

comportamentos e atitudes ainda mais favoráveis; o desejo de permanência na empresa por

razões afetivas e não por necessidade ou dever moral.

Comprometimento organizacional é um assunto complexo, com diversas variáveis

interdependentes, como tudo o que se refere à gestão de pessoas. Os resultados presentes

neste estudo não esgotam as inúmeras questões que emergem quando se buscam informações

para um melhor gerenciamento de pessoas e administração de empresas. Fica, contudo, a

constatação de que os indicadores escolhidos (conhecimento das ações sociais pelo

funcionário e efeitos dessas ações no funcionário) são referências importantes no estudo do

investimento social privado, inclusive dos retornos desse investimento – mais

especificamente, dos retornos que podem ser gerados pelo comprometimento aqui estudado.

9. BIBLIOGRAFIA

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