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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO PROCESSO DE … · PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA COMO SEGUNDA LÍNGUA PARA ALUNOS SURDOS Autor: Lizmari Merlin

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA LÍNGUA

PORTUGUESA COMO SEGUNDA LÍNGUA PARA ALUNOS SURDOS

Autor: Lizmari Merlin Greca1

Orientador: Carlos Roberto Vianna2

Resumo

Este artigo teve como ponto de partida do projeto de intervenção pedagógica realizado durante o Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), e foi motivado pelas observações vivenciadas pela pesquisadora durante as situações de ensino e atividades de leitura realizadas por estudantes surdos. A pesquisa teve por objetivo analisar possibilidades de compreensão textual em língua portuguesa por alunos surdos fluentes em língua de sinais. As observações foram feitas durante as atividades pedagógicas promovidas pela pesquisadora com alunos de oitava série do Colégio Estadual para Surdos Alcindo Fanaya Jr. - Curitiba/PR e nestas observações leva-se em conta a proposta educacional bilíngue para surdos, na qual a Libras é considerada a primeira língua enquanto a língua portuguesa, na modalidade escrita, é a segunda língua. As reflexões são fundamentadas na concepção dialógica da linguagem, a partir de leituras de Bakhtin e Vygotski. No campo dos Estudos Surdos optou-se por autores que discutem a leitura na área da educação e no contexto educacional bilíngue. Observou-se que a natureza do aprendizado da leitura envolve vários aspectos, além dos elementos linguísticos, dentre eles a estrutura do texto, sua intencionalidade, as diferenças individuais de cada leitor, o seu conhecimento de mundo e as interações deste aluno-leitor com seus professores. Palavras-chave: Estudos surdos; formação de professores; educação bilíngue; alunos surdos; língua portuguesa.

1 Pós graduação em Educação Especial e Educação Bilíngue para Surdos, Pedagoga do Colégio

Estadual para Surdos Alcindo Fanaya Júnior.

2 Doutorado em Educação/Matemática e professor titular da Universidade Federal do Paraná.

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Abstract

This article has as its starting point the pedagogical intervention project conducted during the Educational Development Program (EDP), and was motivated by observations that the researcher experienced during teaching situations and reading activities performed by deaf students. The goal of the research was to analyze comprehension possibilities of the Portuguese Language by deaf students fluent in sign language. The observations were made during the educational activities promoted by the researcher with eighth grade students of Colégio Estadual para Surdos Alcindo Fanaya Jr. and in these observations it’s taken into account a bilingual education proposal for the deaf, in which Libras is considered the first language while the Portuguese Language, in written form, is the second language. The reflections are elemental in the dialogic conception of the language, based on readings of Bakhtin and Vygotsky. In the field of Deaf Studies were chosen authors who discuss the reading in the education and a bilingual education context. It was observed that the nature of leaning reading involves various aspects, in addition to linguistic elements, including the text structure, its intentionality, individual differences of each reader, your knowledge of this world, and the interactions of this student-reader with their teachers.

Keywords: deaf studies, teacher training, bilingual education, deaf students, Portuguese language. 1 Introdução

O PDE - Programa de Desenvolvimento Educacional apresenta como

objetivo principal a formação continuada dos professores da rede pública estadual

de educação do Estado do Paraná, em integração com as Instituições de Ensino

Superior. No decorrer do programa os educadores participam de várias atividades

de estudo na universidade, dentre estas: elaboração do projeto de intervenção

pedagógica na escola de atuação, organização da produção didático-pedagógica,

tutoria à distância no Grupo de Trabalho em Rede- GTR, participação em

Seminários e cursos, reuniões com o professor orientador e para finalizar este

trabalho, o professor pesquisador apresenta e descreve o desenvolvimento e a

aplicação dos conhecimentos adquiridos durante o curso e a implementação do

projeto na escola.

Diante do exposto, apresenta-se a instituição de ensino na qual foi

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desenvolvido o projeto de pesquisa e a intervenção pedagógica. O Colégio Estadual

para Surdos Alcindo Fanaya Júnior – Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio

e Educação Profissional, em Curitiba, institui em seu Projeto Político Pedagógico a

educação bilíngue como proposta pedagógica. Ressalta-se que a proposta

educacional bilíngue está assegurada pelo Decreto Federal Nº 5626/05, assim

sendo a educação bilíngue para surdos tem como principal fundamento que a língua

de sinais deve ser a base linguística para o ensino e aprendizagem da linguagem

escrita, a Libras como primeira língua e a língua portuguesa, na modalidade escrita,

como segunda língua.

A língua de sinais tem papel importante no desenvolvimento cognitivo e social da criança e permite a aquisição de conhecimentos sobre o mundo circundante. Negar o acesso da criança surda a uma língua que satisfaça as suas necessidades (a língua de sinais) é praticamente aceitar correr o risco de um atraso no seu desenvolvimento linguístico, cognitivo, social ou pessoal. A língua de sinais permitirá à criança seu desenvolvimento e a possibilidade de identificação com a cultura surda bem como facilitará a aquisição da língua portuguesa, na modalidade escrita e quando for possível, na modalidade oral. (PPP, 2008)

Nesta abordagem, a oralidade deixa de ser pré-requisito para a compreensão

da língua portuguesa escrita por estes alunos. A proposta educacional bilíngue para

surdos contempla o direito linguístico do aluno de ter acesso aos conteúdos

científicos e sociais por meio da sua língua, respeitando os aspectos culturais,

sociais e metodológicos que envolvem a educação de surdos. É importante ressaltar

que o colégio deve possuir em seu quadro profissionais ouvintes e surdos fluentes

em língua de sinais. Não sendo possível esta condição, o estabelecimento deve

prever a formação linguística destes educadores.

(...) a comunidade escolar (professores, administradores e funcionários) precisa elevar cada vez mais sua competência linguística com estratégias de formação continuada, capacitando-se na língua de sinais para adequar-se à realidade assumida e apresentar coerência diante do aluno e sua família, a qual deve aprender sobre a comunidade surda e a língua de sinais. (PPP, 2008)

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Um segundo aspecto a considerar é que os alunos surdos deste

estabelecimento de ensino são usuários da Libras, sua língua natural, interagem

efetivamente por meio desta língua, não ficando dúvidas, assim, da sua importância

no processo de formação desses alunos. Lebedeff (2003) aponta como determinante

o uso da língua de sinais para a compreensão textual, sendo esta a sua primeira

língua de comunicação e expressão, requisitos como o conhecimento prévio, o

contato com a diversidade textual e as possibilidades de narrativas em língua de

sinais também são fatores determinantes na aquisição da leitura e escrita em língua

portuguesa.

Atualmente as discussões sobre o ensino e aprendizagem da língua

portuguesa como segunda língua tem sido alvo de debates e discussões por parte

dos profissionais que atuam na educação de surdos. Desta forma, o presente estudo

tem por objetivo apresentar as práticas pedagógicas desenvolvidas com um grupo

de alunos surdos da 8ª série que frequentam a sala de apoio (língua portuguesa e

matemática-2011), no contra turno. No decorrer do trabalho a professora

pesquisadora fez anotações sobre as observações apresentadas pelos alunos,

neste sentido, a metodologia utilizada é de natureza qualitativa, sendo caracterizada

como pesquisa ação, tendo em vista que os dados foram coletados no campo de

atuação da professora pesquisadora.

Karnopp e Pereira (2006, p. 33 - 34) relatam que a maioria dos surdos tem

dificuldade de atribuir sentido ao que lê e, por isso, a questão do letramento de

alunos surdos tem preocupado os profissionais que atuam na área da surdez. Para

as autoras essa dificuldade pode ser atribuída às concepções de leitura e escrita,

centradas na conversão de unidades sonoras em unidades gráficas e na exercitação

da discriminação auditiva; e também ao pouco conhecimento do português pelos

surdos quando chegam à escola. Outro fator também se deve à concepção

tradicional de leitura que está muito presente nas práticas pedagógicas dos

professores.

É importante considerar que, para os alunos surdos, a leitura é - mais ainda

do que para os alunos ouvintes - uma maneira rica de ampliar o conhecimento de

mundo.

Diante do exposto, o presente artigo evidencia os elementos que envolvem o

aprendizado de leitura pelos alunos surdos, que além de linguísticos, podem se

constituir permeados pela estrutura do texto, sua intencionalidade, as diferenças

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individuais de cada leitor, seu conhecimento de mundo e as interações com o

professor, tendo em vista a observação dos alunos frente às atividades de leitura

propostas pela pesquisadora.

1.1 Educação Bilíngue

A história da educação dos surdos se constitui por conflitos polêmicos em

relação à questões linguísticas, já que por muitos anos as propostas educacionais

direcionadas a esses sujeitos estavam voltadas às terapias de fala. A partir do

Decreto Federal Nº 5626/05 houve um fortalecimento das políticas públicas que

envolvem a educação de surdos, trazendo para os contextos educacionais a

proposta educacional bilíngue, tanto no ensino regular como nas escolas para

surdos.

Na abordagem bilíngue é através da língua de sinais que o sujeito surdo

participa efetivamente das interações sociais. Entretanto, ocorre que muitos alunos

surdos (independente da idade) chegam à escola sem contato anterior com a língua

de sinais. Desta forma, cabe à escola promover o acesso através da participação

nas atividades desenvolvidas pela escola de forma permanente com profissionais

fluentes nesta língua.

Lebedeff (2003) advoga como determinante o uso da língua de sinais para a

compreensão textual, sendo esta a sua primeira língua de comunicação e

expressão, requisitos como o conhecimento prévio, o contato com a diversidade

textual e as possibilidades de narrativas em língua de sinais também são fatores

determinantes na aquisição da leitura e escrita em língua portuguesa.

1.2 Concepções de língua e linguagem

Partindo desses pressupostos, torna-se necessário definir a concepção de

linguagem que irá permear as discussões deste artigo que envolve a educação dos

surdos.

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É a língua que permite a interação entre os sujeitos e a compartilhar a

mesma cultura. É através da linguagem que construímos conhecimentos. No uso da

língua em diferentes situações o sujeito e o outro dialogam, pensam e buscam a

relação entre conceitos, gerando assim, um processo de construção de

conhecimentos. Desta forma, os sujeitos tentam transformar o modo de lidar com o

mundo e gerar novas experiências. Define-se também o referencial teórico histórico

cultural, visto que a linguagem tem papel central na constituição dos sujeitos, com a

função de transformar as formas de agir e pensar.

Na perspectiva de Bakhtin (1995), a comunicação deve ocorrer por meio das

relações estabelecidas entre os sujeitos socialmente organizados, para o autor a

comunicação só existe na reciprocidade do diálogo, sendo muito mais do que a

simples transmissão de mensagens de um emissor para um receptor. A língua se

localiza no tempo e no espaço histórico, apresentado assim, uma natureza dialógica

e interativa.

Bakhtin valoriza a fala, a enunciação, e afirma sua natureza social, não

individual, para ele a fala está indissoluvelmente ligada às condições da

comunicação, que, por sua vez, estão sempre ligadas às estruturas sociais.

(Bakhtin, 1995, p. 14)

Neste sentido, a língua é carregada de ideologia, é o veículo de transmissão

cultural. Na educação bilíngue os profissionais envolvidos devem reconhecer as

diversidades sociais a partir da heterogeneidade social. É através da língua de sinais

que o sujeito surdo significa o conhecimento de mundo e constrói sua identidade, e

nesta concepção a língua portuguesa é concebida como segunda língua. Desta

forma, a língua de sinais se constitui em uma dimensão discursiva para estes

sujeitos.

Segundo Lodi e Lacerda (2009, p. 159),

Somente por intermédio da Libras os surdos podem ter acesso a linguagem escrita por meio de práticas sociais nas quais a escrita entra em jogo em sua dimensão discursiva, proporcionando o estabelecimento das relações dialógicas dela constitutivas.

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A escola para surdos tem um papel fundamental nas atividades dialógicas e

interativas entre os sujeitos, mediando a construção de conhecimentos por meio da

língua de sinais. Na visão histórica cultural de ensino e aprendizagem sugerido por

Vygotsky (1995), o professor assume a função de mediador criando oportunidades

para o grupo de alunos compartilharem experiências e informações, deixando desta

forma de serem apenas expectadores do processo.

É através da língua de sinais que os sujeitos surdos desenvolvem os

conceitos científicos apreendidos na escola, na perspectiva de Goldfeld (2002,

p.113) a língua de sinais pode e deve resolver dificuldades como o desenvolvimento

das funções mentais superiores, que necessitam da linguagem como mediadora, ou

seja, a memória mediada, atenção voluntária, análise e síntese, abstração, dedução,

autoanálise e outros. A autora leva em consideração as ideias de Bakhtin e Vygotsky

sobre a questão da língua materna, pois se o sujeito surdo estiver inserido em uma

comunidade e interagir com seus pares em língua de sinais terá condições de

perceber o mundo e a si próprio, formando valores, conceitos e ideais.

1.3 O que é ler?

Na concepção interacionista ler é a interação entre o leitor e o texto, desta

forma a interação depende de um sujeito ativo que utiliza conhecimentos variados

para obter uma informação e reconstrói o significado do texto a partir do seu

conhecimento de mundo. De acordo com Colomer e Camps (2002, p. 31) ler, mais

do que um simples ato mecânico de decifração de signos gráficos, é um ato de

raciocínio, no sentido da construção de uma interpretação da mensagem escrita a

partir da informação proporcionada pelo texto e pelos conhecimentos do leitor.

Saber ler nesta perspectiva é sentir-se ativo e participativo enquanto

cidadão, ter consciência da sua responsabilidade na realidade que o cerca.

Colomer e Camps (2002) entendem que ler é a capacidade de entender um

texto escrito, embora aceitem que este fato ainda não se mostra tão óbvio devido às

concepções tradicionais presentes ainda nos dias de hoje, com o uso de métodos

que enfatizam a decodificação e decifração de signos. Segundo as autoras, muitas

práticas educativas ainda apresentam como prioritária a leitura de palavras e

pequenos textos, com o intuito de se avaliar somente a precisão da soletração,

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pronuncia correta e velocidade. Entretanto, acrescentam que este procedimento vem

aos poucos sendo mudado, devido aos progressos pedagógicos, nos quais as

pesquisas sobre leitura se voltam para o processo de compreensão de texto.

Do ponto de vista pedagógico, é importante destacar o pensamento atual em

relação ao que se entende por leitura, pois para muitos alunos surdos (e alguns dos

seus professores) permanece a suposição de que ler é sinônimo de reconhecimento

vocabular, significação monossêmica da palavra e comparação termo a termo entre

as palavras do português e da língua de sinais, não levando em consideração a

construção dos sentidos nos textos escritos. Como reflexo dessa forma ultrapassada

de pensar a leitura, muitos surdos ainda desconsideram seus conhecimentos na

língua de sinais quando na compreensão de um texto. (Lodi, Harrison e Campos,

2002, p.43).

Santana (2007, p. 196) exemplifica como se dá o processo de compreensão

da palavra escrita em português.

“A língua de sinais tem uma estrutura diferente do português, não é

fonêmica, como a escrita. Ou seja, “bola”, tanto na língua de sinais quanto

na fala ou na escrita do surdo, pode representar um “bloco cristalizado”, e

não (b+o=bo)+(l+a= la). A segmentação das palavras orais ou escritas para

o surdo não tem significado. O conjunto e o contexto são importantes. A

memória visual da palavra pode ser evocada no momento da produção de

um texto escrito. A segmentação escrita, a correspondência

fonema\grafema, torna-se uma questão de memória visual e não auditiva”.

Diante disso, a discussão sobre as atuais práticas pedagógicas nas

atividades de leitura para os alunos surdos torna-se imprescindível. Segundo

Karnopp e Pereira (2006, p. 35-37) as práticas pedagógicas pouco exploram a

capacidade linguística desses alunos, a atividade de leitura é vista não como um

processo ativo, mas apenas receptivo. As autoras afirmam que o ensino ineficaz da

leitura e da escrita são um dos motivos para a dificuldade dos surdos para ler,

também ressalta que a escola deveria ser uma fonte importante de conhecimento

para as crianças surdas, porém o tempo excessivamente grande dedicado ao

treinamento de habilidades auditivas e orais, o ensino ineficaz da leitura e escrita e o

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pouco acesso a uma língua em casa são alguns dos fatores que influenciam as

dificuldades que as crianças surdas apresentam para ler e escrever.

Antes de iniciar o processo de letramento escolar com surdos, considera-se

a importância desse aluno tornar-se “leitor” em língua de sinais. As autoras Quadros

e Schmiedt (2006, p. 30) afirmam que ler os sinais dará subsídios linguísticos e

cognitivos para ler em língua portuguesa, as oportunidades do surdo em expressar

ideias, pensamentos, hipóteses sobre as suas experiências com o mundo são

fundamentais para o processo de aquisição da leitura e escrita em língua

portuguesa. Dessa forma, a língua de sinais se apresenta com função semelhante à

oralidade; é a base necessária para a apropriação da escrita.

Soares (2003, p. 90-92) apresenta o conceito de alfabetização enquanto

meio de aquisição de uma tecnologia, ou seja, processo de aquisição da tecnologia

escrita - conjunto de técnicas necessárias para a prática da leitura e da escrita e a

aprendizagem se caracteriza como habilidades de decodificação de grafemas em

fonemas, isto é, o domínio do sistema da escrita. A autora ao discutir o letramento

destaca que as pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e escrever, mas não fazem

uso da leitura e escrita enquanto prática social, não leem livros, jornais, revistas,

entre outros.

2 Desenvolvimento

Esse perigo é pessoa jovem que internet inteiro tempo a 12hs todos dias tem problema para cabeça pode nervoso por causar a família estamos com ele(a)jovem muito briga,reclamar,etc...sempre fui assim

3.

O projeto foi desenvolvido com uma turma de 8ª (oitava) série, contando com

aproximadamente 10 alunos, sendo realizado no período de março a dezembro de

2011. As aulas caracterizaram-se como um espaço bilíngue, na medida em que toda

3 Texto elaborado por um aluno surdo em processo de aquisição da língua portuguesa como segunda língua

sobre o uso excessivo do computador.

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a interação discursiva aconteceu em língua de sinais e os gêneros textuais em

língua portuguesa.

No início do ano letivo, a professora pesquisadora apresentou

individualmente o gênero textual de circulação digital – Blog Animal – Gazeta do

Povo4 - “Você tem um ratinho de estimação?” com o objetivo de analisar as

estratégias utilizadas pelos alunos no momento da leitura e também para

estabelecer o primeiro contato com os alunos. O texto possui apelo visual e o

discurso dialógico está presente, uma vez que o autor faz um convite à participação

do leitor. Para Silva (2002, p. 135) as ilustrações podem facilitar a compreensão “na

medida em que elas retratam uma informação central do texto, ou seja, as

ilustrações produzem um efeito maior ao fornecerem acesso diferente ao conteúdo

do texto (...)”.

Neste contato o aluno recebeu uma cópia do texto e a instrução para ler

livremente, ou seja, a escolha seria do aluno, a professora sugeriu algumas formas

de leitura, como: ler silenciosamente, com o uso da língua de sinais, através da

oralidade, entre outras formas. Observou-se que a maioria dos alunos optou pela

leitura sinalizada, ou seja, buscando o reconhecimento lexical através da língua de

sinais. Diante disso, pode-se afirmar que os alunos utilizaram uma estratégia de

“tradução”, isto é, o emprego da língua materna como base para a compreensão

(Silva, 2002, p.176).

Ressalta-se que apenas um aluno reconheceu o gênero textual - blog como

retirado da Web.

Logo na leitura do título do texto, em forma de pergunta, propiciou aos

alunos uma confusão em relação aos pronomes pessoais em português e em libras,

na leitura do pronome pessoal “você”, os alunos sinalizaram com o apontamento

para o suposto “outro”. Outro aspecto importante a considerar que os alunos

desconheciam o vocábulo “estimação”, dificultando desta forma a compreensão da

pergunta. Silva (2002, p.144) em seus estudos com alunos ouvintes e aprendizes de

segunda língua retrata que se o aluno apresenta vocabulário insuficiente tem

dificuldades para organizar um conhecimento conceitual adequado. Os alunos

surdos tentaram separar a palavra “estimação”, na qual reconheciam o significado

4 Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/blog/bloganimal/?id=1098358

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da palavra ratinho, no entanto quando surgiu acompanhada de outra palavra, no

caso a expressão “ratinho de estimação”, os alunos não conseguem apreendê-la,

talvez por não conhecer tal construção gramatical.

Após a leitura a professora fez vários questionamentos sobre do que se trata

o texto, buscando ativar os conhecimentos dos alunos em relação ao gênero textual

e ao conteúdo informativo. Desta forma, levou-se em consideração que a leitura

depende de três elementos: o conhecimento linguístico, o conhecimento textual e o

conhecimento de mundo (Silva 2002, p.110). As pistas fornecidas pelo texto e a

estrutura organizacional do texto, juntamente com o conhecimento prévio assumem

papel determinante na compreensão (Silva, 2002 p.121). Observou-se que os alunos

criaram hipóteses sobre o texto, contudo distanciaram-se do conteúdo e da

compreensão textual. Em consonância com as observações apresentadas por

Lebedeff (2003) sobre a compreensão textual por grupos de alunos surdos da 8ª

série e surdos universitários. A autora observou que os alunos universitários

tentavam fazer a leitura de forma corrida, sem interrupções, solicitando a tradução

de palavras desconhecidas apenas ao final, ela percebeu que o grupo tentava

entender o contexto, buscando o entendimento do texto como um todo. O grupo de

alunos da 8ª série fazia uma tradução em língua de sinais palavra por palavra, na

maioria das vezes com amplos sinais, a leitura foi interrompida por diversas vezes e

muitos recomeçavam a leitura. Essas questões remetem às considerações de que a

decodificação de cada palavra em sinal e/ou a tradução termo a termo da língua

portuguesa para a língua de sinais demonstram menor habilidade de leitura.

Vale considerar que todos os alunos demonstraram interesse e curiosidade

para ler.

A partir do mês de agosto de 2011 a professora assumiu o grupo para a

implementação do projeto de intervenção na escola. Assim sendo, dá-se

continuidade à pesquisa, que consistiu, na observação e mediação da professora

pesquisadora com textos atuais e interessantes, que possibilitaram despertar a

curiosidade deste grupo de jovens alunos. Foi oportunizada a participação dos

alunos no processo de compreensão leitora, considerando assim, a língua como ato

social, ou seja, a língua e o sujeito interagem e coexistem. Para Costa (2009, p. 42)

quando fazemos um trabalho de leitura compartilhada, “alguns alunos apreendem,

juntamente com o texto, informações complementares, seja pela presença da

ilustração, seja pelas projeções que fizeram a partir das suas vivências anteriores”,

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também cita que o leitor tem em cada leitura diferentes estágios e emprego de

diferentes estratégias para chegar à compreensão.

No desenvolvimento das aulas o grupo de alunos se envolveu em textos de

veículos de circulação social, através do gênero discursivo - reportagens de revista.

Segundo Costa (2009, p. 49 e 56), a importância do conhecimento de gêneros

textuais é fator relevante para que seja aumentada a competência da atuação do

leitor, pois cada um deles tem normas de construção e objetivos próprios. O texto

serve “de ponte” entre os sujeitos históricos e ideológicos que se comunicam entre

signos (verbais e não verbais) para expressar modos de ver o mundo.

Para análise dos dados que serão relatados neste trabalho, adotou-se uma

metodologia de observação qualitativa, a professora partiu das observações frente

aos alunos, das anotações dos alunos e de algumas filmagens realizadas.

Vale ressaltar que os encaminhamentos das aulas aconteceram de forma

compartilhada, desde a organização da sala onde todos se sentaram próximos a fim

de promover o envolvimento nas discussões, construir sentidos à leitura e ao tema e

a construção dos conhecimentos linguísticos em língua portuguesa. As práticas

educacionais tradicionais como a cópia e os treinos gráficos não foram utilizados

como estratégias pedagógicas. Lodi (2006, p.192), explica que os surdos estiveram

há muito centrados na cópia, copiar da lousa, do caderno, do livro, etc. Dessa

forma, o surdo pode ser visto e tratado como ouvinte, negando assim a pluralidade

linguística presente na sala de aula. Costa (2009, p. 63) coloca o professor como

mediador, o qual abandona o autoritarismo para o compartilhamento das decisões e

para o esclarecimento das razões e da importância da leitura, dando ênfase à

aprendizagem do aluno.

Os textos trabalhados durante as aulas foram apresentados na íntegra. Um

aspecto importante a ressaltar é que os professores de alunos surdos buscam

simplificar os textos a serem lidos pelos alunos, ou seja, propõe uma quebra ou uma

ruptura do texto, comprometendo a compreensão do mesmo. Desta forma, a visão

tradicional de que textos curtos facilitam, principalmente aos leitores de segunda

língua, torna-se sem fundamento, pois, se o texto perde as características que o

definem como texto, então ele se torna mais difícil.

Vale considerar estes questionamentos:

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É possível apresentar, em especial, a nossos alunos de segunda língua,

exclusivamente textos com frases simples e curtas? Estes textos seriam

autênticos e estariam preenchendo sua função na vida social desses

alunos?(Silva, 2002, p. 150)

Diante disso, os professores precisam apresentar textos concebidos para

serem lidos e evitar os recortes textuais.

Os textos apresentados devem ser verdadeiros, ou seja, não se simplificam

os textos que existem, mas apresentam textos adequados à faixa etária da

criança. (Quadros e Schmiedt, 2006, p.42)

3 Apresentação e análise dos dados

A professora em sua primeira aula sugeriu rever o texto “Você tem um

ratinho de estimação?” Incentivando os alunos a levantarem hipóteses sobre o texto.

No decorrer do encaminhamento não houve pressão para a leitura de forma

tradicional e sim uma discussão sobre o que é um Blog, como por exemplo: onde

encontramos este gênero textual, porque o título está em forma de pergunta, o que

pode ser um “ratinho de estimação”. A partir daí a professora levantou dados

importantes do texto e fez o registro das ideias principais no quadro. Colomer e

Camps (2002, p.111-113) sugerem algumas estratégias que favorecem a

compreensão leitora, segundo as autoras a prática desse tipo de exercícios na

escola pode facilitar as tarefas de leitura e aprendizagem. A representação gráfica,

através de esquemas, com as ideias principais pode ser utilizada pelo professor e

alunos.

Neste contexto, Fernandes, Greca e Silva (2008) citam nas suas práticas

pedagógicas a elaboração de um roteiro de leitura em conjunto com o professor e os

alunos, o qual facilitará a posterior leitura dos alunos.

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A metodologia utilizada para a sistematização das ideias debatidas em sala

de aula é o que denominamos roteiro de leitura. O roteiro nada mais é do

que o registro no quadro, sob a forma de esquemas ou tópicos, das

hipóteses de leitura dos estudantes como pista visual para orientar a leitura

individual do texto. No quadro, são destacadas palavras desconhecidas,

sinonímias, expressões idiomáticas, a estrutura virtual de sintagmas verbais

que se repetem no texto em função do tempo verbal (ex. havia dito, havia

feito, havia ____), termos técnicos e assim por diante.

Na segunda aula foi apresentado o gênero textual – reportagem (Revista

Mundo Estranho, setembro de 2008): “Como será o novo documento de identidade?”

A discussão dos alunos partiu do reconhecimento das palavras “novo” e “identidade”

e do conhecimento prévio sobre o uso do chip nos cartões de banco. O texto

favoreceu devido à presença das caixas de textos, esclarecendo os itens que

deverão constar no novo documento. Silva (2002, p. 120) em sua pesquisa com

leitores de segunda língua, língua inglesa, expõe que as pistas fornecidas pelo texto,

ou seja, a sua forma organizacional, juntamente com o conhecimento prévio

assumem papel importante na compreensão. O leitor emprega seu conhecimento

anterior com as pistas fornecidas pelo texto a fim de gerar uma predição, o que

ajuda a antecipar o sentido do texto. A professora solicitou que os alunos

procurassem no texto o que deverá constar no novo documento, desta forma,

esclareceu aos alunos qual era o objetivo da leitura para aquele momento. Todos os

alunos realizaram com êxito a atividade. Para Foucambert (2008) ler é ter escolhido

buscar uma informação, a leitura é adaptada à pesquisa. O leitor estabelece um

projeto de leitura, podendo ser assim caracterizada como seletiva, silenciosa, rápida

ou exploratória. Nessa perspectiva, aprender a ler é aprender a explorar um texto,

da forma como adaptamos a nossa busca, seja lentamente ou rapidamente de

acordo com a vontade do leitor.

Em alguns casos são propostas atividades de leitura sem enfatizar qual é o

objetivo desta atividade para determinado contexto de discussão, de acordo com

Solé (1998, p. 22) é importante considerar que ler implica também, na existência de

um objetivo para guiar a leitura, isto é, sempre lemos para algo, para alcançar uma

finalidade. A autora traz alguns exemplos de busca do leitor frente ao texto, tais

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como: preencher um momento de lazer, seguir uma pauta, informar-se sobre

determinado fato, ler um livro de consulta, etc.

Na aula seguinte foi proposto o gênero textual - reportagem: “Quando a rede

vira vício” (Revista Veja, 24 de março de 2010). Os alunos estavam curiosos ao

buscar palavras desconhecidas como “vira” e “vício”. A partir das pistas visuais logo

identificaram que o texto se tratava de “conectar-se à rede”. Silva (2002, p.135)

valoriza a importância da contextualização com a presença de ilustrações,

favorecendo ao leitor de segunda língua a antecipação da informação que trará o

texto. Considerando o contexto educacional para alunos surdos, as imagens visuais,

tornar-se-ão fundamentais para realizar o levantamento das hipóteses dos alunos

frente à compreensão visual e posteriormente textual. Os alunos levantaram a

seguinte hipótese: os pais proíbem o uso do computador devido à idade das

pessoas que aparecem no texto. A partir do momento em que a professora

direcionou para os perigos do uso excessivo da internet, um dos alunos fez a

relação “pessoa viciada em drogas”, “pessoa viciada em álcool”. Os alunos

levantaram na língua de sinais os sintomas do usuário viciado na rede. A partir daí

fizeram a relação com a língua portuguesa escrita e buscaram no texto os sintomas

do usuário, com o objetivo de perceberem o uso da pontuação utilizada em forma de

itens.

Na sequência das aulas foi direcionado o seguinte gênero textual:

reportagem: “A tecnologia a serviço dos brutos.” (Revista Veja, 05 de maio de 2010).

A partir das imagens os alunos identificaram que o texto aborda questões do uso do

computador, uma das alunas traz novamente a questão do vício do uso da internet.

Outro aluno relacionou a palavra “tecnologia” com blog (naquele momento o blog da

escola encontrava-se em construção). Após a discussão e antecipação de alguns

vocabulários, os alunos buscaram palavras conhecidas como: rede, jovem/jovens e

internet, desta forma relacionaram com o texto anterior. A aluna X ficou muito

curiosa em buscar unidades de sentido maiores como, por exemplo, “nova escola”,

não sinalizando apenas uma palavra. Silva (2002, p.145) esclarece que “para os

aprendizes em nível mais avançado, o desenvolvimento da competência linguística

constitui uma questão de expansão lexical, ou seja, o domínio de um número maior

de palavras acabaria levando o aprendiz a dominar também e melhor a própria

língua”. Dando continuidade, a professora apresentou quem são as vítimas do

cyberbullying e como o agressor age, fazendo relação com as situações violentas

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observadas por eles na escola. Juntos levantaram os sintomas das vítimas do

bullying, alguns alunos tentaram lembrar como se escreve as palavras,

considerando a aula anterior, na qual foram levantados os sintomas das pessoas

viciadas em internet.

Como último trabalho observado neste estudo, apresentou-se o texto:

reportagem “Rede de espertezas” (Revista Veja, 20 de outubro de 2010). Houve

muita dificuldade para iniciar a aula devido à falta de conhecimento sobre o livro e o

filme: “A Rede Social”. Apresentaram muita curiosidade com as terminologias

usadas atualmente na rede como: Twitter e Google. Desse modo, os alunos se

distanciaram da informação apresentada no texto. Smith (2003, p. 34) caracteriza a

previsão como o núcleo da leitura, o conhecimento prévio em relação a lugares,

situações, personagens, entre outros que possibilitam prever quando lemos, e,

assim, compreender, experimentar e desfrutar do que lemos. Para o autor, a

informação não visual que está por trás dos olhos é chamada de conhecimento

prévio, desta maneira a leitura sempre envolve uma combinação de informação

visual – a escrita; e não visual – o conhecimento prévio.

Após o término da aula, os alunos foram ao computador e buscaram pelo

nome do criador do Facebook, um dos alunos disse que assistiu o filme, porém

houve a confusão entre o ator do filme e a pessoa verdadeira. O texto não

interessou aos alunos, pelo não uso do Facebook e o desconhecimento sobre a

criação de redes sociais naquele momento.

4 Conclusão

A partir das observações vivenciadas destaca-se a necessidade de rever as

metodologias propostas pelos professores de alunos surdos. Não se pretende criar

métodos que transformem os alunos em leitores proficientes em segunda língua,

mas sim promover novas perspectivas em relação às dificuldades apresentadas

pelos alunos e possibilitar novas formas de compreender o texto.

Contudo, vale considerar que a mediação linguística no processo ensino e

aprendizagem deve acontecer em língua de sinais, desta forma promovendo a

interação e discussão entre os alunos e o professor. O educador tem um papel

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fundamental, como leitor fluente em língua portuguesa, na construção dos

conhecimentos linguísticos da segunda língua e em práticas significativas ao aluno.

Também, torna-se fundamental compreender as concepções de língua e linguagem

que estão implícitas na atuação do professor.

Um segundo aspecto é que a língua portuguesa escrita para a pessoa surda

é considerada a sua segunda língua, assim sendo, o leitor de textos em uma

segunda língua já passou pelo processo de aquisição de uma primeira língua. Diante

do exposto, os aprendizes da língua portuguesa precisam saber que a língua de

sinais faz parte do processo de contextualização e aprendizagem. Os professores

assumem um papel fundamental na mediação da compreensão textual por alunos

surdos, considerando que são fluentes em língua portuguesa e os alunos em

processo de aquisição dessa língua. A leitura compartilhada torna-se um caminho

importante neste processo de construção de sentido ao texto lido, uma vez que o

leitor iniciante surdo pode até ler palavras isoladas e buscar a construção de

sentidos coerentes, mas o texto permanecerá inacessível se desconhecer as regras

da língua portuguesa.

Em terceiro lugar, é relevante considerar de que forma tem sido conduzido o

ensino da língua portuguesa aos alunos surdos: o ensino limita-se à construção de

regras gramaticais com vistas à escrita? O ensino está apenas centrado na

memorização de vocábulos isolados? Qual é o objetivo da leitura?

No decorrer das aulas, observou-se que os questionamentos apresentados

pela pesquisadora aos alunos revelaram-se importantes à medida que os sujeitos

perceberam e desconfiaram da sua própria leitura. De modo geral, os leitores de

segunda língua estiveram presos linguisticamente ao texto, tentando compreendê-lo

de forma literal. A supervalorização dos elementos linguísticos esconde muitas

vezes, o valor discursivo, estratégico e social presente nos gêneros textuais.

Conclui-se que há a necessidade de um redimensionamento da prática

pedagógica dos professores, possibilitando aos alunos o contato com a diversidade

textual, contribuindo para que o surdo assuma o papel de leitor e posteriormente o

papel de autor. Tendo em vista o atual contexto pedagógico, é relevante que os

professores de alunos surdos reflitam a respeito da sua prática, através de estudos e

informações sobre procedimentos pedagógicos e os encaminhamentos das

atividades de leitura, mantendo assim, o seu compromisso de buscar metodologias

mais naturais e comunicativas em ambientes multiculturais. Dessa forma, o seu

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papel é de ajudar o aluno no processo de aquisição da leitura durante todo o seu

percurso educacional, contribuindo assim para a permanência da motivação e

responsabilidade do aluno no seu processo de construção da linguagem escrita e na

leitura.

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