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Da terra: vegetarianos derrubam o mito de que a dieta sem proteína animal é pobre e comprovam o contrário, que se trata de uma cozinha prazerosa e rica Prato verde Devore a natureza, mas não a destrua DOMINIQUE TORQUATO/AAN P ara quem come de tudo e não abandona de jeito al- gum a ida a um bom rodízio de carnes é difícil ima- ginar que existam pessoas que, por opção, rejeitam esse grupo alimentar ou mesmo qualquer tipo de derivado animal. Entre os motivos podem estar a vontade de ter uma vida mais saudável – a carne, especialmente a vermelha, demora para ser dige- rida – ou a adoção de um pacto de não violência e respeito aos animais. Mas, ao contrário do que os onívoros – aqueles que consomem todo tipo de alimento, sem restrições – podem pen- sar, quem escolhe o vegetarianismo não tem uma alimentação de restrições e repleta de pratos insossos. A dieta dessas pessoas é cheia de preparações saborosas e ricas em nutrientes, na quase totalidade das vezes bem mais do que a de quem come carne e não se preocupa em seguir um regime alimentar equilibrado. De acordo com o médico nutrólogo Eric Slywitch, diretor do De- partamento de Medicina e Nutrição da Sociedade Vegetariana Brasi- leira (SVB) e autor dos livros Alimentação sem Carne – Guia Prático Gabrielle Adabo – Especial para Metrópole [email protected] 132 campinas 26/5/13 metrópole

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Da terra: vegetarianos derrubam o mito de que a dieta sem proteína animal é pobre e comprovam o contrário, que se trata de uma cozinha prazerosa e rica

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Devore a natureza,mas não a destrua

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Para quem come de tudo e não abandona de jeito al-gum a ida a um bom rodízio de carnes é difícil ima-ginar que existam pessoas que, por opção, rejeitam esse grupo alimentar ou mesmo qualquer tipo de derivado animal. Entre os motivos podem estar a vontade de ter uma vida mais saudável – a carne, especialmente a vermelha, demora para ser dige-rida – ou a adoção de um pacto de não violência e

respeito aos animais. Mas, ao contrário do que os onívoros – aqueles que consomem todo tipo de alimento, sem restrições – podem pen-sar, quem escolhe o vegetarianismo não tem uma alimentação de restrições e repleta de pratos insossos. A dieta dessas pessoas é cheia de preparações saborosas e ricas em nutrientes, na quase totalidade das vezes bem mais do que a de quem come carne e não se preocupa em seguir um regime alimentar equilibrado.

De acordo com o médico nutrólogo Eric Slywitch, diretor do De-partamento de Medicina e Nutrição da Sociedade Vegetariana Brasi-leira (SVB) e autor dos livros Alimentação sem Carne – Guia Prático

Gabrielle Adabo – Especial para Metró[email protected]

132 campinas 26/5/13metrópole

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e Virei Vegetariano. E agora?, um vegetariano pode ser defi-nido, de forma genérica, como o indivíduo que não ingere qualquer tipo de carne, vermelha ou branca. O uso de de-rivados animais na alimentação, no entanto, os separa em ovolactovegetarianos, que consomem ovos, leite e laticínios; lactovegetarianos, o vegetariano que não utiliza ovos, mas ingere leite e laticínios; e, ainda, vegetarianos estritos ou pu-ros, que são aqueles que não utilizam derivados animais na alimentação.

Há ainda o veganismo, que, segundo o médico, pode ser definido como uma forma de seguir a dieta vegetariana, na qual a pessoa, além de adotar o vegetarianismo estrito, re-cusa o uso de qualquer tipo de componente animal na ali-mentação e além dela – não utiliza, por exemplo, roupas de couro, lã e seda e produtos testados em animais. Slywitch estima que cerca de 10% da população se considere hoje ve-getariana. 4

Versão vegetariana

de ravióli: massa fresca

sem ovos e recheio de amêndoas

tornam a especialidade italiana mais

delicada

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Prato verde | Ingestão diária recomendada de carne é de 100 gramas, equivalente a sete colheres de feijão

A riqueza dos feijões

O médico da SVB esclarece que não é verdade o receio de que tirar a carne da alimentação

pode comprometer a ingestão ade-quada de nutrientes. “Substituímos as carnes pelos feijões, que trarão melhor teor de todos os aminoácidos e de qua-se todos os minerais. O Ministério da Saúde brasileiro recomenda para os que comem carne o consumo máximo de 100 gramas por dia, que é substituí-do por sete colheres de sopa de feijão”, instrui. No lugar da carne entra, então, toda a variedade de feijões, que inclui ervilha, lentilha e grão-de-bico. “Jamais troque carnes por ovos ou queijos, pois seu teor de gordura é inadequado para o consumo da maioria das pessoas”, completa Slywitch.

A culinarista e criadora do site de re-ceitas VegVida (www.vegvida.com.br), Renata Octaviani Martins, reforça que culinárias como a vegana, ao contrá-rio de imporem limites à alimentação, abrem um universo de possibilidades de alimentos que não são normalmen-te adotados. “As pessoas têm o péssimo

hábito de pensar em culinária vegana como muito restritiva. Elas se enga-nam. Restritiva é a alimentação do pa-drão atual, em que se vê pouca varie-dade de leguminosas, cereais, frutas, legumes, verduras e tubérculos. E isso não tem a ver com recursos financei-ro, mas, sim, com um padrão cultural”, defende. O exemplo que Renata utiliza é, justamente, o grupo dos feijões. En-tre os que adotam uma alimentação onívora é difícil encontrar quem alter-ne o consumo entre os diversos tipos do grão. Além do carioca, a culinarista explica que há tipos, como o branco, o preto, o de corda, o roxo, o manteiga, o fradinho e o azuki. A dica, segundo ela, é adquirir de 200 a 300 gramas de cada variedade em locais que vendem os feijões a granel por preços acessíveis, como os mercados populares, e esten-der o uso deles, normalmente servidos como acompanhamentos, para recheio de tortas ou vegetais, chilli, hambúr-gueres, bolinhos, croquetes, base de patês, assados e até doces e leites ve-getais. 4

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Eric Slywitch, autor de livros sobre dietas vegetarianas: “Jamais troque carnes por ovos ou queijos, pois seu teor de gordura é inadequado para o consumo da maioria das pessoas”

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Prato verde | Receitas apreciadas como a feijoada e o estrogonofe têm versões vegetarianas

DOMINIQUE TORQUATO/AAN

Renata Octaviani Martins, culinarista: “Restritiva é a alimentação do padrão atual, em que se vê pouca variedade de leguminosas, cereais, frutas, legumes, verduras e tubérculos”

Muito além da salada

Os chefs e cozinheiros que elabo-ram pratos vegetarianos garan-tem que as combinações pos-

síveis são infinitas e que não estão, de forma alguma, restritas às saladas. “Não há nem mais nem menos dificuldade do que se criar um prato na culinária tradicional. Há, simplesmente, que se respeitar os ingredientes disponíveis e desmontar a ideia de vegetais como meros acompanhamentos”, explica a culinarista Renata Octaviani Martins.

E a elaboração de pratos também está longe de um mero “imitar” a car-ne. “Com criatividade, produtos varia-dos e à base de vegetais como grãos, hortaliças, frutas, óleos vegetais, algas, cogumelos, é possível desenvolver pra-tos inusitados”, garante a professora de gastronomia do Centro Universitário Senac, campus Águas de São Pedro, Mi-chele Coelho Novembre.

É viável, inclusive, segundo Renata, produzir versões vegetarianas de pra-tos como a feijoada, usando ingredien-tes como tofu, legumes e amêndoas

defumados, além de itens de textura parecida com a original, a exemplo de coco fresco, castanha-do-pará, cenou-ra, nabo, rabanete e berinjela. O estro-gonofe pode ser feito com proteína de soja, palmito fresco ou em conserva, coração de alcachofra, tofu, abobrinha, berinjela, cenoura, favas, grão-de-bico e até jaca verde cozida, segundo a culi-narista.

O creme de leite, um dos itens essen-ciais ao prato, pode ser trocado pelos leites de aveia, de amêndoas, de casta-nhas, creme de tofu, creme de leite de soja industrializado, pasta de castanhas ou de sementes (tahine) e a manteiga de amendoim pura não-adoçada, que é produzida no Brasil com um preço acessível, ao contrário das opções im-portadas, de acordo com Renata. “Es-tamos falando de um único prato, um único modo de preparo e um tipo de tempero, mas que oferece variações quase infinitas ou base para criação de receitas completamente novas que, por vezes, chamamos de “estrogonofe” 4

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só como forma de identificação”, opina.A proteína de soja, item presente

em muitos pratos vegetarianos, segun-do Renata, é injustamente rotulada de ruim ou sem gosto por quem não sabe prepará-la. “Trata-se de um ingredien-te com rendimento três vezes superior ao da carne, muito mais barato, de fá-cil armazenamento, pois independe de refrigeração, com durabilidade maior e estocagem segura”, defende.

A professora de gastronomia da Uni-versidade São Francisco (USF) de Cam-pinas Mariane Sato lembra que a soja é uma das principais bases da comida vegetariana por conta, principalmente, de o Brasil ser um grande produtor do grão. “Nos pratos, a soja absorve o sabor do molho. Por isso, é preciso caprichar no tempero”, recomenda.

Há também outras combinações que resultam em receitas que, na compara-ção com a dieta onívora, reproduzem a textura da carne, como a seitan, uma “carne vegetal” feita de glúten ou prote-ína de trigo. “O frango vegetal pode ser elaborado a partir da proteína da soja e da ervilha e outros ingredientes como a cenoura e o amaranto. O preparo des-ses pratos é semelhante ao dos conven-

cionais utilizando diferentes formas de cocção como fritar, assar e cozinhar”, diz Michele, do Senac.

Uma infinidade de leites feitos de diversos vegetais completam as opções para quem não consome derivados ani-mais. Eles podem ser produzidos arte-sanalmente a partir de leguminosas, como soja e feijão branco, sementes como o gergelim, que tem bastante cál-cio, cereais como a aveia e até oleagino-sas, entre elas coco fresco e amêndoas. Os leites vegetais, segundo Mariane, se engrossados com amido de milho, também podem substituir itens como o creme de leite e dar textura às prepa-rações.

“A partir do momento em que você tem disponíveis tantos leites vegetais e entende como funciona espessá-los, fervendo com açúcar, conseguir coisas como doce de leite ou brigadeiro é só uma questão de experimentação”, diz Renata. Com o uso dos leites vegetais é possível, também, fazer bolos e bis-coitos sem ovos, massas folhadas com gordura como a de palma ou até sem gordura, com uso de amido, cremes di-versos, geleias e produtos com frutas, amêndoas e castanhas. 4

Mariane Sato, professora de Gastronomia da USF: “Nos pratos, a soja absorve o sabor do molho. Por isso, é preciso caprichar no tempero”

GUSTAVO TILIO/ESPECIAL PARA AAN

Prato verde | Leites vegetais substituem o tradicional de vaca e são usados até na fabricação de bolos e doces

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Prato verde | Saúde efilosofia estimulam a prática

Melissa Vianna

Oliveira, professora

de ioga e empresária

Eu souvegetariana!

“Costumo dizer que nasci vegetaria-na. Sempre rejeitei a carne, desde criança. Comia só quando era

forçada e sempre que podia escolhia a opção só com vegetais. Quando eu tinha 19 anos, co-mecei a cortar as carnes da alimentação. A de peixe foi a última que deixei de comer. A ioga, cuja filosofia prega a não violência com os animais, me inspirou a parar totalmente com o consumo de carnes. Dos derivados animais, hoje só como queijo e ovo em preparações já prontas como bolo e pão. Não sinto dificulda-de em ter uma dieta balanceada, pois sempre busquei informação e li muito sobre o assun-to. As pessoas que acham que vegetariano só come salada é por falta de informação.” 4

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Prato verde | Opções vegetarianas em restaurantes não deixam nada a desejar

SAÚDE E SABORComer fora de casa pode ser um desafio para quem é vegetariano. Ainda bem que existem em Campinas restaurantes que aboliram a carne do menu e oferecem opções de pratos que não deixam nada a dever para os que contam com o ingrediente. Prova disso é que eles também têm muitos frequentadores que comem de tudo. O proprietário do restaurante Nutrir, Sérgio Menezello, estima que apenas de 15% a 20% dos clientes da casa são vegetarianos. A maioria, segundo ele, busca o estabelecimento como uma opção de alimentação saudável – sem carne, sem frituras e preparada com sal marinho. “Há pessoas que têm problemas de saúde como colesterol alto ou início de diabetes e foram orientadas pelo médico a fazer mudanças na alimentação, e muitos são estudantes e vizinhos que se preocupam com o bem-estar”, explica o empresário.Entre os pratos oferecidos estão a feijoada vegetariana, que leva glúten (a proteína do trigo), legumes como chuchu, nabo, abóbora e berinjela, salsicha e linguiça vegetarianas e ricota defumada. Há, também, o estrogonofe feito de proteína de soja e a batatalhoada, espécie de versão vegetariana da bacalhoada, que leva glúten cortado em fatias finas e bem temperadas, batata e pimentão. 4

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Prato verde | Bufês sofisticados oferecem cardápios especiais para vegetarianos

Rolé de Abobrinha do Buffet e Rosticceria D’Elisa: arte e sabor na elaboração do cardápio sem carne

DIVULGAÇÃO

Bom de ver e comer

As alimentações veganas e vege-tarianas se transformam em um estilo de vida de quem as adota,

incorporado a todas as situações, inclu-sive nos momentos de festa. O que fa-zer, então, quando os anfitriões seguem uma dieta e os convidados não? Maria Elisa Rosa Focesi, proprietária do Buf-fet e Rosticceria D’Elisa, diz que nos 26 anos de existência do bufê já atendeu a muitos clientes que seguem um regime alimentar específico, principalmente, noivos. Já passaram pelas suas mãos vegetarianos, veganos, intolerantes ao glúten, alérgicos a frutos do mar e ma-crobióticos.

A solução, nesses casos, é elaborar um cardápio personalizado que mescle opções que agradem tanto aos donos da festa quanto aos convidados. Pratos

como ratatuille, escondidinhos e tortas de legumes são presenças certas na fes-ta de quem não consome carne. “Anti-gamente, tínhamos que adaptar os in-gredientes, mas hoje a disponibilidade de produtos no mercado aumentou e tornou mais fácil encontrar opções para essas pessoas”, diz Maria Elisa. Os pratos à base de vegetais agradam, inclusive, a quem busca opções mais saudáveis e leves para o jantar – petiscos como rolé de abobrinha e morango com creme de queijos entram no lugar de salgadinhos fritos como bolinhas de queijo, risoles e coxinhas.

“Preocupar-se com os convidados com restrições alimentares é pura de-monstração de carinho. Por isso, no momento de elaborar o cardápio de um evento, pensamos em agradar a todos”,

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FERNANDO BUZETTI / DIVULGAÇÃO

diz a chef Bianca Porteiro, do Buffet Claudia Porteiro. Ela conta que para sa-tisfazer convidados e anfitriões vegeta-rianos, entram em cena pratos à base de hortaliças, legumes, cogumelos, frutas e queijo (para os que não são veganos). Opções como saladinha de quinoa com molho de hortelã, mini voul au vent de chèvre com pera e mel e cones cro-cantes de shiitake agradam mesmo aos apaixonados por carne, garante ela.

A apresentação dos pratos, cheios de cores por conta dos vegetais, tam-bém é um item fundamental, segundo Bianca. “É possível grelhá-los no azeite aromatizado e servi-los acompanhados por molhos diferentes, como nozes, co-alhada e romãs. Outra dica é apostar na apresentação e investir na versão mini dos legumes, como a nossa saladinha da horta ao prato, e em cortes inusita-dos, como o espaguete”, sugere.