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Rio de Janeiro, Abril 2017 . N o 5 PRECISAMOS FALAR SOBRE FEBRE AMARELA, DE NOVO ENTREVISTA: ANTONIETA CAPORALE O AQUECIMENTO DO PLANETA COBRA O SEU PREÇO MINISTRA DA SAÚDE DA VENEZUELA O TABACO CONTINUA MATANDO

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Rio de Janeiro, Abril 2017 . No 5

PRECISAMOS FALAR SOBRE FEBRE

AMARELA, DE NOVO

ENTREVISTA: ANTONIETA CAPORALE

O AQUECIMENTO DO PLANETA COBRA O SEU PREÇO

MINISTRA DA SAÚDE DA VENEZUELA

O TABACO CONTINUA MATANDO

ISAGS-UNASULDiretora-Executiva: Carina Vance Chefa de Administração e Recursos Humanos: Gabriela Jaramillo Coordenadora de Relações Internacionais: Luana Bermudez

GESTÃO DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃOCoordenadora: Flávia Bueno Editor-Chefe: Manoel Giffoni Reportagem: Carina Vance, Manoel Giffoni, Mario Camelo, Francisco ArmadaColaboradores: Flavia Bueno, Felix RigoliEquipe: Bruno Macabú e Felippe AmaranteContato: [email protected]: +55 21 2505 4400

INSTITUCIONAL

Esse é o informe do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (ISAGS), o centro de pensamento estratégico na área de saúde da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) que visa contribuir para a melhoria da qualidade do governo em saúde na América do Sul por meio da formação de lideranças, gestão do conhecimento e apoio técnico aos sistemas de saúde.

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Desde dezembro do ano passado, um surto de febre amarela nas zonas rurais desperta grande preocupação no Brasil. Com a memória recente da zika e das recorrentes epidemias de dengue, uma multidão de pessoas se apressou em ir aos postos de vacinação do Sistema de Saúde do país para se imunizar.

Para os cariocas, o nome ‘febre amarela’ já havia quase sido esquecido, seja pela atenção a outras doenças causadas por vetores que são tão comuns ou porque não se registram casos no Rio de Janeiro desde o fim da década de 1920. Porém, na história da cidade, a também chamada “praga americana” nos anos entre o século XIX e XX era, junto à varíola e a difteria, um dos males que faziam do Rio um dos lugares mais insalubres do mundo – “o porto da morte”, diziam os viajantes.

Uma ação decisiva por parte das autoridades sanitárias de então, capitaneadas pelo lendário Oswaldo Cruz, conseguiu erradicar a doença da cidade em 1907, trinta anos antes do desenvolvimento da vacina. Entre as medidas profiláticas, se destacam a notificação obrigatória e um controle de mosquitos inspirado na disciplina militar, além da indicação de um hospital de referência para atender aos pacientes e a elaboração de boletins estatísticos, entre outros.

Por uma única vez uma epidemia de febre amarela voltou a ameaçar o Rio de Janeiro na década 1920, depois de um período em que afrouxaram as medidas que Cruz havia proposto para períodos “extra-epidêmicos”, mas o sistema de vigilância sanitária do país logo se desenvolveria a partir de então com bastante eficiência para administrar o

O RESSURGIMENTO DA EPIDEMIA NO SUDESTE DO BRASIL JÁ CAUSOU MAIS DE 200 MORTES E MOTIVOU AÇÕES CONTUNDENTES NO PAÍS E EM SEUS VIZINHOS

inevitável – hoje em dia é virtualmente impossível erradicar a versão silvestre da doença, o que torna sempre difícil a eliminação do risco da epidemia urbana que teria consequências catastróficas em um lugar com tamanha concentração demográfica e grande circulação de visitantes. Por esse motivo, os 202 casos confirmados (seis deles no município de Casimiro de Abreu, a uma curta distância do Rio de Janeiro) fizeram soar o alarme no Brasil.

Como é de se esperar, um alarme dessa natureza também desperta os mais variados rumores que confundem ainda mais a população. Uns dizem que a epidemia poderia ser uma consequência do desastre ambiental que ocorreu em 2015 em Mariana, uma zona de mineração onde surgiram os primeiros casos. Outros mencionaram as mudanças climáticas. Houve também os que propuseram vacinar toda a população brasileira imediatamente. O medo e o desconhecimento, tanto sobre a doença quanto sobre a real situação, geraram episódios de longas filas e cidadãos muitas vezes indignados. Mas será que existe razão para se preocupar?

De acordo com o pesquisador sobre o tema da Universidade de Brasília (UnB) Dr. Pedro Tauil, “o risco de uma epidemia urbana sempre existe, mas a densidade da infestação do Aedes Aegypti no Brasil hoje em dia é relativamente baixa”, sobretudo em comparação com a situação de Angola, por exemplo, que teve uma epidemia no ano passado. Ainda assim, Tauil considera que é necessário ampliar o nível de vacinação, que na região do surto não passava de 60%, bastante abaixo dos 90% recomendados para áreas de risco.

PRECISAMOS FALAR SOBRE FEBRE AMARELA, DE NOVO

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Dono do maior laboratório produtor da vacina contra a febre amarela, o governo do Brasil teve que lançar uma campanha sobre o surto para responder ao clamor da sociedade, que foi batizada de Informação para todos, Vacina para quem precisa. “Se você não vive nem vai viajar para uma das regiões [afetadas pela febre amarela], não precisa se vacinar”, diz o anúncio.

Vacinar a todos, neste momento, não é necessário, nem sustentável, nem possível. “Não tem estoques infinitos de vacinas, que só são produzidas em um laboratório público brasileiro e outro privado na França, portanto, é preciso priorizar os que vivem nas áreas de transmissão silvestre e os que vão visitá-las”, esclarece Eduardo Hage, especialista de Vigilância em Saúde do ISAGS. Dados do Ministério da Saúde do Brasil indicam que desde 2003 é recomendada a vacinação em municípios de 19 estados, mas, até recentemente, não estavam incluídas as grandes cidades do país, como o Rio de Janeiro e Salvador. Atualmente, existe essa recomendação para as duas. “Para as pessoas que necessitam”, garante o Dr. Tauil, “existe no Brasil o número necessário de vacinas”.

Outro rumor que circulou na imprensa e nas redes sociais estava relacionado à possível mudança de condições ambientais. A coincidência de haver ocorrido na mesma região em que uma barragem de resíduos de mineração se rompera, contaminando rios e inundando regiões inteiras com substâncias tóxicas, teria favorecido o surgimento do surto. “Escutei muitas coisas sem sentido e hipóteses sem evidências, como, por exemplo, que morreram peixes e sapos, o que fez crescer o número de mosquitos”, afirma o Dr. Tauil. “Entretanto, esses mosquitos não vivem na água nem no solo, mas nos ocos das árvores, então não se pode falar com segurança nada nesse sentido”, acrescentou. Para ele, é necessária a criação de equipes móveis além dos postos de vacinação fixos para ir a lugares onde existe mais exposição ao mosquito. “Trata-se de uma população rural que entra na mata por motivos de diversão ou de trabalho e que não vai às cidades para se vacinar”, explica.

Depois do alerta emitido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) sobre a circulação do vírus na região, o ministro de Saúde da Colômbia, Alejandro Gaviria, anunciou numa coletiva de imprensa no último dia 27 de março uma série de recomendações e medidas de política pública, como a exigência do certificado da vacina contra a febre amarela para os viajantes que se dirijam ou regressem

do Brasil e de alguns países africanos onde existem surtos ativos, além da recomendação de vacinação para aqueles que circulem pelas zonas de risco no país.

Em uma operação de alcance nacional, o ministro informou que existem 2 milhões de doses disponíveis em mais de 3 mil pontos de vacinação. “Assim, a Colômbia continuará sendo o país que se distingue entre os países da região e do mundo por sua alta cobertura de vacinação, não só contra a febre amarela, mas também contra outras patologias”, afirmou o Dr. Gaviria.

Por sua vez, o Peru vem apresentando medidas inovadoras para aumentar a cobertura desde o ano passado, como o uso de um aplicativo de celular para o registro de informações relacionadas aos vacinados, como a sua geolocalização, o tipo de vacina recebida, a dose, além da data e hora quando foram vacinados. A ideia é utilizar esses dados na elaboração de estratégias mais focalizadas.

No último dia 7 de abril, Eduardo Hage, especialista do ISAGS em Vigilância em Saúde, participou de um seminário em Salvador sobre o atual panorama da febre amarela, organizado pela Universidade Federal da Bahia e a ABRASCO. Em sua apresentação, ele destacou a dificuldade da ciência em entender por que as epizootias (uma epidemia entre os animais e, nesse caso, entre os macacos) ocorrem, aparentemente, de maneira cíclica no Brasil. “Ainda que represente a emergência de maior magnitude nas últimas décadas, não é um evento único e é o último ciclo de expansão da doença. Nos anos 2000/2001 e 2008/2009, emergências similares ocorreram no país, embora com um menor número de casos e mortes”, agregando que “no primeiro período, significou o início da ampliação da área tradicional de circulação do vírus, que então estava restrita à Amazônia, enquanto o segundo alcançou uma área de circulação maior, chegando à Argentina e ao Paraguai”.

Ainda assim, seria necessário elucidar como esses fatores, junto a mudanças ambientais, por exemplo, se articulam para a produção de epizootias e epidemias que, de acordo com o Dr. Hage, se modificam de maneira temporal e espacial. “Então, a comunidade científica, junto aos serviços de Saúde que atualmente produzem informações qualificadas, devem caminhar juntos para o entendimento e a resolução dos questionamentos”, acrescentou.

“Existe um consenso de que, em todos esses eventos, as epidemias sempre são precedidas de epizootias (ambas transmitidas por vetores silvestres) e

Nas Américas, nos últimos 25 anos, 95% dos

casos se concentraram em 4 países:

A febre amarela é uma doença viral transmitida pela picada de mosquitos Haemagogus (no ciclo silvestre) e Aedes Aegypti (no ciclo urbano) infectados e cujos sintomas incluem febre, dor de cabeça, dor muscular, náuseas, vômitos e coloração amarela na pele. Nas selvas tropicais chuvosas, os macacos, que são o principal reservatório do vírus, são picados pelos mosquitos que transmitem o vírus a outros macacos. As pessoas que se encontrem na floresta podem ser picadas por mosquitos infectados e contrair a doença.

Peru (54%)

Bolívia (18%)

Brasil (16%) e

Colômbia (7%)

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ocorrem onde há baixa cobertura de vacinação”. Hage também argumenta que a área onde proliferou a febre amarela, a partir de dezembro, já contava com uma recomendação e vacinas disponíveis desde 2003. “Diferente da Amazônia, que é uma área endêmica onde existe a cultura de levar as crianças aos postos de saúde para se vacinar, além da vacinação dos adultos, a região de Minas Gerais não tinha essa

prática frequente até que apareceu o surto”.Assim, embora seja importante tomar as

medidas de urgência que vêm se observando tanto no Brasil como em outros países da região, é necessário manter as ações durante os períodos que Oswaldo Cruz chamou de “extra-epidêmicos”, ou seja: aumentar progressivamente a cobertura da vacina na população, com o uso de estratégias adequadas e sustentáveis.

O câncer de colo uterino ainda é uma grande causa de mortes na América do Sul, vitimando cerca de 20 mil mulheres ao ano. Trata-se de uma situação inaceitável, já que as mortes por esse tipo de câncer trazem consigo a marca da injustiça: elas afetam principalmente mulheres em situação socioeconômica vulnerável. É uma causa de morte muito frequente, evitável e injusta, uma vez que é possível realizar exames da população em risco antes do início da vida sexual ativa, pois esse câncer tem um componente infeccioso e com riscos por transmissão sexual.

O câncer de colo uterino pode ser entendido também como uma maneira de se verificar como o Sistema de Saúde funciona para as populações mais vulneráveis. É um câncer que mostra as falhas do sistema em:

Promover a saúde sexual e o empoderamento da mulher;Chegar a todas as populações com sistemas de diagnóstico precoce;Possuir um bom sistema de citologia (Papanicolau e outros) que assegure diferenciar os casos de risco;Permitir o acesso dos casos de risco a serviços mais especializados, de modo que os problemas possam ser solucionados precocemente – dentro dessa etapa, atualmente são implementadas técnicas chamadas de “ver e tratar” em que o diagnóstico da lesão e seu tratamento são feitos em paralelo;Ter um sistema de informação e monitoramento que impeça que os casos se “percam” por falta de continuidade.

PALAVRAS DO ESPECIALISTAPor uma América do Sul livre do câncer de colo uterino

De alguma maneira, as falhas nos diferentes pontos desse trajeto (que quase nunca deveria terminar em um caso avançado e, menos ainda, em morte) é uma demonstração de como os nossos sistemas de saúde têm que ser ainda mais universais e integrais, ajudando as pessoas a acessar os serviços que precisam. Também demonstra que o sistema não pode estar somente nos hospitais e clínicas, mas deve ir ao encontro das pessoas.

Diante dessa situação, a Rede de Institutos e Instituições de Câncer da UNASUL (RINC-UNASUL), criada para coordenar suas ações e compartilhar boas práticas em uma plataforma de intercâmbio de conhecimentos, recebeu um financiamento do Fundo de Iniciativas Comuns (FIC) da UNASUL para propor um Plano de Controle do Câncer de Colo Uterino. Ele tem componentes que vão desde a educação e conscientização do problema, passando pela imunização e diagnóstico de alta qualidade, o tratamento precoce e um sistema de informação e monitoramento que assegure que todas as pessoas recebam o diagnóstico e o tratamento em tempo adequado.

Existe uma forte convicção de que a nossa região não deve permitir que uma doença evitável e injusta siga provocando mortes, de modo que os governos sul-americanos desenvolveram recomendações sobre as medidas práticas que podem ser tomadas e que a ação conjunta da UNASUL pode ajudar a promover.

Félix Rigoli, especialista em Sistemas e Serviços de Saúde

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O TABACO CONTINUA MATANDO

O tabaco mata e muito. A evidência científica que vincula tanto o consumo do tabaco quanto a exposição à fumaça, com numerosas doenças - muitas delas mortais - é impressionante. Trata-se de uma relação que vem sendo documentada por mais de 50 anos. Por outro lado, várias políticas públicas eficientes e intervenções também já foram extensivamente estudadas e se encontram disponíveis para implementação quando se decida fazê-lo.

O Convênio Marco para o Controle do Tabaco (CMCT), criado pela OMS, contém a maioria dessas medidas e, atualmente, vêm sendo desenvolvidos protocolos adicionais que as complementam. Definitivamente, a CMCT foi um marco fundamental para o controle do tabagismo a nível mundial. Foi ratificado pela maioria dos países da região e as suas estratégias foram implementadas extensivamente na América do Sul, inclusive na Argentina (único país da região que ainda não o ratificou). Entretanto, apesar das conquistas inegáveis, é necessário continuar avançando ainda mais no controle antitabaco para diminuir a terrível carga da doença. Lamentavelmente, milhões de pessoas morrem a cada ano em consequência do consumo do tabaco ou da exposição à fumaça.

Na América do Sul, como em tantos outros aspectos da saúde coletiva, se evidenciam diferenças de um país a outro em termos das características do tabagismo. Um estudo1 publicado recentemente ilustra variações entre os países com respeito às estimativas para 2015 e as variações entre 1990 e 2015 da prevalência do uso do tabaco2; ou seja, a porcentagem de pessoas que se declaram fumantes.

Em primeiro lugar, as estimativas de prevalência (ajustadas por idade) nesse estudo apresentam amplas variações entre os países sul-americanos. Os dados correspondem à porcentagem da população considerada fumante diariamente. A faixa oscila entre 1,9 para as mulheres no Equador até 32,1 para os homens bolivianos. A taxa maior para as mulheres é observada no Chile com 22,7, seguido dos 17 no Uruguai, enquanto na Colômbia se estima a segunda menor prevalência com um valor de 6. Para os homens, o segundo valor mais alto é encontrado no Chile, com 27,7, seguido do Suriname com 27,3; enquanto o Equador também apresenta a mais baixa prevalência com 8,9. Outra diferença entre os países que aparecem no estudo se refere às 1  GBD 2015 Tobacco Collaborators Smoking prevalence and attributable disease burden in 195 countries and territories, 1990–2015: a systematic analysis from the Global Burden of Disease Study 2015 Publicado el 5/4/17 disponible en: http://thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(17)30819-X/fulltext2  Utilizamos este estudio a manera ilustrativa solamente, pues dadas las características del mismo, la comparabilidad de los estimados luce muy limitada y no necesariamente correspondan a datos validados por fuentes en los países correspondientes.

estimativas apresentadas sobre a variação da prevalência de gêneros. Ainda que em todos os países a prevalência seja maior em homens que em mulheres, a diferença entre gêneros varia consideravelmente. O Chile e o Uruguai apresentam a menor variação, pois a prevalência nos homens não supera os 50% com relação a das mulheres: enquanto na Guiana é quase 7 vezes maior e no Equador é o triplo.

Esse estudo também estimou as mudanças anuais nas prevalências por gênero entre 1990 e 2015, dividindo o período em 2005 (ano da adoção do CMCT). Essas mudanças indicam de alguma maneira o impacto das políticas de controle de tabaco antes e depois do CMCT. Como nos valores das prevalências, a evolução aqui também é muito distinta entre os países.

Embora, em geral, quase todos os países seguiram a tendência global com diminuições nas prevalências para ambos os gêneros, as estimativas para o Chile, Suriname e Guiana (só entre homens) mostram incrementos em todo o período. Tais incrementos aparentemente se concentram entre 1990 e 2005, período no qual a Bolívia também aparece com um pequeno aumento entre os homens. Entre 2005 e 2015, somente as estimativas de dois países apresentam aumentos nas suas prevalências: Peru, 0,09 para homens, e Suriname, 1,8 para homens.

O estudo destaca os avanços apresentados no Brasil, que está entre os 10 países com o maior número de fumantes. O estudo registrou a maior redução em prevalência para ambos os sexos, com uma diminuição de 56,5% (homens) e 55,8% (mulheres) entre 1990 e 2015.

Sem dúvida, o tabagismo continua causando estragos à saúde coletiva da população sul-americana, apesar dos importantes avanços registrados na última década. Por outro lado, o compromisso político existente na região de fortalecer as condições de saúde, a existência de diversas políticas e intervenções exitosas sustentadas por extensa evidência, além do acúmulo de expertise na região, constituem uma combinação ideal para levar adiante iniciativas regionais.

A cooperação regional permite fortalecer as políticas nacionais mediante o intercâmbio de informação e expertise nos diversos componentes requeridos para uma política integral de abordagem do tabagismo. Um exemplo disso é a necessidade de confrontar a interferência da indústria do tabaco nas políticas públicas, embora sejam múltiplas as modalidades empregadas pela indústria para debilitar as ações dirigidas à diminuição do uso do tabaco. Com frequência são utilizados esses mesmos mecanismos em diferentes países. Trocar informações assim

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como estratégias para neutralizar essa interferência, pode ser de grande utilidade para os países.

A cooperação abarca também várias outras áreas, como o intercâmbio de informação epidemiológica, o desenho e a implementação de sistemas de informação comparáveis, a vigilância dos produtos, a compatibilização de políticas fiscais, o desenho de estratégias conjuntas de informação, a produção de insumos utilizados na cessação e a

País

Prevalência entre

mulheres ajustada por idade 2015

Prevalência entre

homens ajustada por idade 2015

Taxa anual de

mudança, mulheres

1990-2015

Taxa anual de

mudança, homens

1990-2015

Taxa anual de

mudança, mulheres

1990-2005

Taxa anual de

mudança, homens

1990-2005

Taxa anual de

mudança, mulheres

2005-2015

Taxa anual de

mudança, homens

2005-2015

Global 5.4 25.0 -1.7 -1.3 -1.6 -1.2 -1.8 -1.5

Argentina 14.6 21.1 -1.1 -1.0 -1.0 -1.0 -1.2 -1.1

Bolívia 8.8 32.1 -1.1 -0.3 -0.4 0.8 -2.2 -1.9

Brasil 8.2 12.6 -3.3 -3.3 -3.4 -3.8 -3.0 -2.6

Chile 22.7 27.7 0.9 0.3 1.9 1.2 -0.6 -1.0

Colômbia 6.0 14.4 -2.2 -1.8 -1.8 -1.4 -2.8 -2.3

Equador 1.9 8.9 -1.8 -2.3 -0.4 -2.9 -3.8 -1.4

Guiana 2.0 15.8 -0.9 0.8 -0.1 2.3 -2.2 -1.5

Paraguai 7.7 12.5 -0.4 -2.1 -1.3 -1.6 0.9 -2.9

Peru 4.2 11.9 -0.5 -1.3 -0.2 -0.9 -1.0 -1.8

Suriname 7.5 27.3 0.4 1.2 0.7 0.8 -0.1 1.8

Uruguai 17.0 21.3 -1.0 -2.0 -0.4 -1.9 -1.8 -2.3

Venezuela 9.9 16.7 -0.6 -0.7 -0.2 -0.5 -1.1 -0.9

Fonte: Global Burden of Disease Study 2015. Global Burden of Disease Study 2015 (GBD 2015) Smoking Prevalence 1980-2015. Seattle, United States: Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), 2017.

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elaboração de protocolos para a interrupção, entre muitas outras possibilidades.

A expertise existente na região; a ênfase nas políticas sociais - que inclui entender a saúde como um direito; e a existência dos mecanismos regionais de cooperação e integração como a UNASUL e o seu Conselho de Saúde e o Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde são uma excelente oportunidade para avançar em cenários de cooperação regional no controle do tabaco.

5º CONGRESSO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE ‘TABACO OU SAÚDE’De 13 a 16 de junho deste ano se realizará em Montevidéu um encontro regional de especialistas no controle do tabaco. Os temas

que serão tratados incluem a embalagem genérica, as estratégias da indústria do tabaco, os impostos ao tabaco, os cigarros eletrônicos e as estratégias inovadoras para o seu controle, entre outros. Esses encontros são oportunidades para o intercâmbio de experiências e o encontro de especialistas como forma de incentivar as tão necessárias pesquisas sobre como fortalecer as políticas de controle. Informação adicional disponível em: http://tabacoosaludlac.org/2017/index.php/es/

DIA MUNDIAL SEM TABACO 2017A cada 31 de maio é celebrado o Dia Mundial Sem Tabaco, que tem o objetivo de estimular o fortalecimento das políticas que

visam diminuir o consumo desse produto. O lema desse ano é: O tabaco, uma ameaça para o desenvolvimento e se dirige a denunciar a ameaça da indústria do tabaco para o desenvolvimento sustentável a nível global. Ao mesmo tempo, se reforçará a importância da luta antitabagista para a saúde coletiva, vinculando-a com a Agenda 2030. A meta 3.4 dos ODS estabelece a redução em um terço da mortalidade prematura por doenças não-transmissíveis, incluindo doenças cardiovasculares, o câncer e a doença pulmonar obstrutiva crônica; e abarca a necessidade de intensificar a aplicação do Convênio Marco da OMS para o controle do tabaco. Além do impacto direto na saúde, as políticas contra o tabagismo contribuem com outras partes da agenda, como por exemplo, diminuir a pobreza, erradicar a fome, promover a agricultura sustentável e lutar contra as mudanças climáticas. Informação adicional em: http://www2.paho.org/hq/index.php?option=com_content&view=article&id=12842%3Aworld-no-tobacco-day-2017&catid=1277%3Awntd&Itemid=41976&lang=es

PRÓXIMOS EVENTOS

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ZIKA NA AMÉRICA DO SUL

Fonte: OPS, 2017

0 / 100.000 hab.

> 100 / 100.000 hab.

10 – 100 / 100.000 hab.

0,1 – 10 / 100.000 hab.

Incidência e Custos no Curto Prazo (2015-2017)

Incidência e Custos no Curto Prazo (2015-2017)Incidência Custos no Curto Prazo

9,38 US$ 64.068.983

219,98 US$ 456.043.252

22,5 US$ 130.225.265

9,11 US$ 333.537.513

165,19 US$ 968.855.815

0 N/D

197,2 US$ 335.152.618

0 N/D

4,79 US$ 6.890.484

5,17 US$ 454.495.784

9,29 US$ 27.401.932

636,31 US$ 13.045.623

BOLÍVIA

COLÔMBIA

EQUADOR

PERU

BRASIL

URUGUAI

VENEZUELA

CHILE

GUIANA

ARGENTINA

PARAGUAI

SURINAME

US$ 2.560.950.058

O custo total da Zika no curto prazo com o cenário atual na América do Sul é de

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Fonte: Evaluación del Impacto Socioeconómico del Virus del Zika en América Latina y el Caribe - PNUD, 2017

Esse cenário parte da base que a propagação da infecção nos países afetados seguirá um padrão similar ao observado durante o princípio da epidemia na região, de acordo com uma projeção linear baseada nos dados publicados pelas autoridades de saúde nacionais e a OPS.

Nesse contexto, se assume que a percentagem da população infectada pelo Zika virus na epidemia atual é de 20%, similar ao da recente epidemia de chikungunya ou dengue.

Nesse contexto se estima que a taxa de infecção na população vulnerável ao virus é de 73%, de acordo com o índice mais elevado registrado até hoje (na Polinésia Francesa).

CENÁRIO I: taxa de infecção atual:

US$ 2.555 milhões

(0,03% do PIB)

CENÁRIO II: taxa de infecção intermédia:

US$ 3.805 milhões

(0,04% do PIB)

CENÁRIO III: taxa de infecção alta:

US$ 8.953 milhões

(0,09% do PIB)

A partir de dados coletados no Brasil, Colômbia e Suriname, o PNUD fez estimativas globais do impacto socioeconômico da Zika. Os custos totais no curto prazo incluem o custo do diagnóstico e tratamento dos pacientes, a perda de produtividade por faltas, a perdas derivadas da diminuição das rendas do turismo e uma fração anual dos custos diretos e indiretos associados à microcefalia e à síndrome de Guillain-Barré.

IMPACTO SOCIOECONÔMICO NO CURTO PRAZO

A longo prazo, os custos mais consideráveis são os gastos diretors e indirectos associados à microcefalia e à Síndrome de Guillain-Barré.

O cuidado com as crianças com microcefalia representa um custo indireto para toda a vida considerável. Muitos progenitores (geralmente, a mãe) se retiram do mercado de trabalho para cuidar de um filho com anomalias congênitas derivadas do Zika virus.

As famílias pobres não só estão mais vulneráveis ao Zika virus, mas também pagam um custo econômico, de saúde e de qualidade de vida mais elevado, já que, em geral, carecem dos recursos para dispor de uma assistência e apoio adequados depois da infecção.

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ENTREVISTA:ANTONIETA CAPORALEMINISTRA DA SAÚDE DA VENEZUELA

A Venezuela se despede de ocupar a Presidência Pro Tempore do Conselho da Saúde Sul-Americano em abril. Durante sua participação na última reunião do Conselho em Quito no dia 31 de março, a ministra venezuelana falou com Saúde ao Sul sobre o papel da PPT e sobre os desafios para o futuro.

Como você avalia os resultados da reunião de hoje?

Poder encontrar os ministros, os vice-ministros e seus quadros técnicos, pessoas que querem o bem comum da América do Sul, é sempre muito valioso. Entretanto, o que aconteceu aqui foi ainda melhor, porque a gente chegou a um consenso de alguma maneira sobre todos os pontos que foram apresentados, depois de um debate intenso sobre temas de importância para toda a região e para o mundo. Vamos abordá-los a partir da UNASUL em fóruns como a Organização Mundial da Saúde.

Que consensos você pôde identificar?O que fica claro é que, sim, existe

consenso sobre, por exemplo, a Saúde como qualidade de vida, mas também relacionada aos Determinantes Sociais. Buscamos pelo caminho da promoção da Saúde e prevenção de doenças, diminuir os investimentos intermináveis em tratamentos e medicamentos. Muitas vezes, são medicamentos de altíssimo custo para doenças que vão aparecendo e que são produto de estilos de vida pouco saudáveis e hábitos de consumo que são impostos.

Depois de um ano ocupando a Presidência Pro Tempore, que agora passa à Argentina, quais são os principais desafios para o Conselho de Saúde e para a integração regional em geral?

O desafio mais importante é manter o consenso, é entender que temos elementos comuns e, apesar das diferenças que possam surgir, as dificuldades econômicas, políticas e sociais, relativas às decisões sobre colocar um governante ou outro, que a Saúde é um direito fundamental, que os medicamentos (que a gente debateu tanto aqui) são um bem social e o acesso aos serviços não pode depender do fator econômico. Temos que buscar mecanismos para alcançar o bem-estar e a suprema felicidade social dos povos. É fundamental e não tem discussão. Hoje é a Venezuela, amanhã será a Argentina, depois será a Bolívia, o Brasil e assim por diante. O importante é saber que a Presidência se exerce com um objetivo de alto nível ético e moral, em que o ser humano vem em primeiro lugar, antes de qualquer interesse político.

Como você acha que o ISAGS pode apoiar o Conselho de Saúde para superar esses desafios?

Já está fazendo. Hoje a gente viu como o ISAGS apresentou o seu Informe de Gestão e vimos como vocês apresentaram novidades. As ações em Saúde são um processo dinâmico e, por isso, necessitamos esse aporte que o ISAGS vem dando, inclusive facilitando os consensos de que eu falei antes.

“O desafio mais importante é manter o consenso, é entender que temos elementos comuns e, apesar das diferenças que possam surgir, as dificuldades econômicas, políticas e sociais, que a Saúde é um direito fundamental. ”

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Um dos maiores desafios que temos em relação à efetiva implementação de políticas públicas em saúde é chegar à escala. Contamos com ampla evidência que sustenta a efetividade em inúmeras políticas, mas executá-las para além do âmbito local é uma tarefa titânica. Não só as questões técnicas limitam a nossa capacidade de fazê-lo (embora também sejam bastante complexas), mas chegar a uma escala com uma política pública requer participação e empoderamento por parte de vários atores estratégicos no contexto de ampla diversidade social e cultural. Além disso, leva tempo e os ciclos políticos são curtos.

Infelizmente nem sempre é possível tornar uma política pública de sucesso em uma política de Estado. Nem sempre os programa e projetos com resultados positivos demonstrados conseguem sobreviver às mudanças naturais das transições democráticas. É um desafio, portanto, para as autoridades de saúde conseguir primeiro identificar as estratégias que melhores resultados possam dar e, logo, com agilidade e destreza, implementá-las de forma ampla, assegurando-se que ao fazê-lo em escala não se dissipem os resultados positivos que tiveram em sua fase inicial.

As maneiras de ampliar as políticas de desenvolvimento infantil integral em escala foi o motivo que me permitiu compartilhar um curso de uma semana na Universidade de

Harvard sobre o tema com o ministro da Saúde de Suriname, Patrick Pengel, a ministra dentro do Ministério da Saúde da Guiana, Karen Cummings, e o subsecretário nacional de Serviços de Saúde do Equador, Itamar Rodríguez, em princípios de abril. O ISAGS recebeu o convite para conformar e liderar uma equipe de altas autoridades dos Ministérios de Saúde da UNASUL interessadas em fortalecer a sua capacidade de realizar políticas públicas de desenvolvimento infantil em escala e recebeu a confirmação por parte desses três países. Nas semanas anteriores ao curso, a equipe técnica do ISAGS trabalhou com as equipes técnicas dos 3 países para analisar os objetivos comuns com relação à primeira infância e identificar as políticas e estratégias comuns que poderiam se potencializar ao ser ampliadas e aprofundadas em escala nacional.

Optamos por enfocar na má-nutrição em menores de 5 anos, um problema que na nossa região tem as características de uma transição epidemiológica, com altos índices de desnutrição (ao redor de 25% na região sul-americana) e, ao mesmo tempo, índices de sobrepeso e obesidade que estão crescendo rapidamente. Os três países têm realidades muito diferentes e distintos enfoques para abordar as problemáticas priorizadas. Com relação aos níveis de desnutrição, segundo os últimos dados

EM ESCALA

AO PONTOPor Carina Vance

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disponíveis da Organização Pan-Americana de Saúde, o Suriname tem o nível mais baixo, com 8,8%, a Guiana segue com 18% e, finalmente, o Equador com 25,3% de prevalência em menores de 5 anos. Cabe notar que o país com nível mais baixo de desnutrição da região é o Chile com 1,8%. A prevalência de baixo peso ao nascer, por outro lado, é de 8,6% no Equador, 11% na Guiana e 13,9% no Suriname, a mais alta da região. Adicionalmente, a mortalidade estimada em menores de 1 ano é de 19,5 para cada 1000 nascidos vivos no Equador, 20,1 no Suriname e 33 na Guiana, sendo o mais alto nível regional. De longe, a cifra mais baixa da região é de 7,3 (Chile). Finalmente, a prevalência de amamentação exclusiva nos primeiros seis meses de vida é radicalmente diferente na região, chegando a 68,3% no Peru e alcançando só 2,8% no Suriname que, por vários anos, até 2016, teve uma política de subsidiar sucedâneos de leite materno.

Os três países têm políticas em andamento para melhorar esses importantes indicadores da saúde de sua população e algumas delas poderiam ser reforçadas ao serem implementadas em escala. Após uma intensa semana de análises e aprendizagens, a equipe dos três países da UNASUL desenvolveu um plano para, de maneira conjunta, intensificar os esforços para implementar políticas exitosas em escala nacional: aumentar o

assessoramento sobre a amamentação exclusiva em crianças de 0-6 meses, a amamentação com alimentos complementares apropriados para crianças menores de 2 anos e a alimentação saudável para menores de 5 anos; promover o cuidado e a estimulação precoce; implementar a estratégia de “saturação socioecológica”, socializando técnicas de amamentação, nutrição adequada e cuidados afetivos; implementar a iniciativa de “Hospitais Amigos da Crianças” a nível nacional; aplicar uma política de etiquetado de alimentos processados com altas concentrações de açúcar, gordura e sódio; implementar adaptações nacionais do Código Internacional de Comercialização de Sucedâneos do Leite Materno; aumentar a licença maternidade até chegar, pelo menos, às 14 semanas recomendadas pela Organização Internacional do Trabalho; e melhorar os sistemas de informação, incluindo o registro dos recém-nascidos.

Esse encontro inédito entre autoridades tem o potencial de se converter em um exemplo a mais dos benefícios que a integração regional e a cooperação sul-sul podem gerar, nesse caso para o segmento da população que, nessa etapa da vida, requer tanto cuidado – a primeira infância. Com as ferramentas adequadas, o compromisso com o direito à saúde intrínseco da região, essa meta está a nosso alcance.

Imagine este cenário. O lugar, a costa do Rio de Janeiro. A estação do ano, o verão. A praia está cheia, com sol, vento fresco e o típico ar de maresia entrando pelo nariz. Nada pode ser mais relaxante. Porém, enquanto muitos aproveitam momentos tranquilos na praia, a pouco mais de um ou dois quilômetros deste mesmo lugar, em áreas como as comunidades superpovoadas com suas ruelas estreitas, as casas das regiões de vales, e especialmente o centro financeiro com seus enormes edifícios, a população se vê presa num calor extremo com temperaturas que alcançam espantosos cinco graus Celsius a mais do que na costa.

Este fenômeno não é exclusivo do Rio de Janeiro e menos ainda de cidades com zonas de costa. Conhecido como “ilha de calor”, afeta algumas áreas de todas as principais metrópoles da América do Sul, especialmente as que possuem muitas indústrias e alto consumo de energia como Buenos Aires, Bogotá, São Paulo ou Santiago. E além da grande diferença de temperatura praticamente dentro do mesmo espaço urbano, a média geral também subiu. A sensação é facilmente percebida pelas populações, que sofrem as consequências de tudo isso em sua saúde. Agora, elas precisam se adaptar às temperaturas extremas.

O pesquisador da Fiocruz e coordenador do Observatório Clima e Saúde, Christovam Barcellos, explica que este aumento intenso de temperatura se deve a uma sobreposição

Quais são os principais efeitos das mudanças climáticas na região e o que os países estão fazendo para diminuir os impactos

O AQUECIMENTO DO PLANETA COBRA O SEU PREÇO

de dois processos: o primeiro é o aquecimento global que aumenta a temperatura geral do planeta com algumas concentrações em certos lugares, como por exemplo no hemisfério norte, nas zonas tropicais e nos continentes africano, europeu e sul-americano. O segundo processo é a própria formação das ilhas de calor dentro das cidades. “As metrópoles são um dos principais produtores de gases que geram o efeito estufa e, além disso, são fábricas de calor. A energia é consumida o tempo todo e o calor gerado não se dissipa. Assim, as temperaturas chegam a ser quatro ou cinco graus mais altas”, diz.

Ou seja, uma população que estava acostumada a sentir durante o verão um pico de calor de 38 graus passa a conviver com algo em torno de 42. “Essa diferença extrema produz muitos problemas para a saúde, especialmente no sistema respiratório. Além disso, o fenômeno está relacionado às secas. Santiago e São Paulo, por exemplo, já sofrem porque têm verões muito secos e isso implica em um impacto muito grande na saúde da população”, explica o especialista, ressaltando ainda que os invernos também mudaram e têm sido menos frios nesses lugares.

A grande concentração de calor ainda facilita a proliferação e a intensificação de eventos climáticos extremos, tanto nas cidades quanto nas zonas rurais, gerando consequências graves para as pessoas. Primeiro e obviamente, suas perdas

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e futuro deslocamento, que trazem transtornos psicológicos. Depois, o aparecimento de problemas respiratórios, alérgicos e diarreicos; o surgimento das piodermites e suas complicações; além de conjuntivite e problemas produzidos por fungos e umidade. Por último, no ambiente surgem surtos de pestes, aumento de roedores nos anos seguintes, um colapso dos sistemas de desague e uma mudança profunda no microclima e na biodiversidade locais.

Nas áreas urbanas, também é comum que pelo aumento intenso da temperatura, a cidade se transforme numa espécie de panela de pressão, provocando, por exemplo, as chamadas chuvas de verão, que são muito intensas, rápidas e, frequentemente, originam desastres e intensificam fenômenos já conhecidos da região como o El Niño.

OUTRAS CONSEQUÊNCIASAs mudanças climáticas podem trazer

transformações irreversíveis na vida das populações e, além dos eventos extremos e da diferença intensa de temperatura, um dos problemas mais graves é o aumento dos vetores transmissores de doenças. A grande intensidade de calor faz com que os períodos de incubação dos vetores diminuam, especialmente os mosquitos, que passam a se reproduzir mais rápido. Obviamente cresce também o contágio de certas doenças nas populações locais. “Temos visto um recente deslocamento da malária, saindo das

zonas rurais em direção aos cinturões de pobreza das cidades, por exemplo. Com altas temperaturas, também começam a aparecer com mais frequência casos de doenças transmitidas por roedores como a leptospirose. Inclusive estamos confirmando um aumento de casos nas populações que sofreram com as recentes inundações na América do Sul”, explica Luis Francisco Beingolea More, coordenador dos grupos temáticos de doenças transmissíveis e não transmissíveis, emergência, desastres e fronteiras do Organismo Andino de Saúde – Convênio Hipólito Unanue (ORAS-CONHU).

E isso não é tudo. O aumento da temperatura global está produzindo outro fenômeno na região dos Andes. Nas décadas recentes, foi observado um acentuado derretimento glacial nos Andes tropicais. Eles constituem 99% dos glaciais tropicais do mundo, sendo 71% de sua extensão no Peru, 20% na Bolívia, 4% no Equador e 4% em Colômbia e Venezuela. Segundo o estudo “Monitoramento dos glaciais tropicais andinos no contexto das mudanças climáticas”, realizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e apresentado em março deste ano, os glaciais com mais de 5.400 metros de altura sobre o nível do mar apresentaram una perda de 600 metros nos últimos 35 anos, enquanto os glaciais abaixo deste nível derreteram uma taxa média de 1.200 metros de altura, ou seja, o dobro.

De acordo com o estudo, o cenário climático previsto é de um aumento de quatro a cinco graus Celsius nos Andes tropicais em zonas acima dos quatro mil metros de altura sobre o nível do mar para fins do século XXI, o que poderia ocasionar uma redução significativa da cobertura glacial e até mesmo o seu desaparecimento completo, gerando efeitos catastróficos para o planeta.

É POSSÍVEL DIMINUIR OS IMPACTOS?Segundo dados da Organização Mundial

da Saúde, entre 2030 e 2050 as alterações climáticas causarão cerca de 250 mil mortes adicionais a cada ano, devido à doenças como a desnutrição, a malária, a diarreia e o estresse calórico. É esperado um custo em prejuízos diretos para o setor da saúde (excluindo os custos nos setores dos determinantes, como a agricultura, a água e o saneamento) de 2 mil a 4 mil milhões de dólares de agora até 2030. As zonas com má infraestrutura sanitária - encontradas em sua maioria nos países em desenvolvimento - serão as menos capacitadas para responder a essas mudanças.

Diante de um cenário tão preocupante para o futuro do planeta e para a saúde das

populações, os países estão fazendo a sua parte para diminuir o problema. As Nações Unidas incluíram a mitigação das alterações climáticas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis e como parte das ações para alcançar os resultados, em 2015, foi realizada em Paris a 21ª Conferência das Partes (COP21). A principal meta acordada no encontro entre os países presentes (responsáveis por 55% da emissão de gases no mundo) foi a de limitar o aumento das temperaturas em 1,5 graus em comparação com a era pré-industrial, já que evidências científicas indicam que ultrapassar essa barreira conduziria a consequências irreversíveis e extremamente perigosas.

“Lamentavelmente, apesar do olhar global da ONU, as políticas de prevenção ainda são muito pulverizadas. Existem cidades que estão implementando programas para mudar os hábitos dos cidadãos, incentivando a redução de emissão de gases, a arborização, a redução de produção de calor, a adoção de carros elétricos, etc. Mas existem outras que ainda não fazem nada para mitigar o problema”, comenta Christovam Barcellos.

Nesse contexto, os blocos regionais possuem grande importância. A Rede de Gestão de Riscos de Desastres (GRIDS-UNASUR) junto ao ISAGS e ao ORAS-CONHU, por exemplo, trabalha atualmente para elaborar o Plano Sul-Americano de Riscos e Desastres em Saúde 2017-2022, que tem como missão reduzir o impacto dos eventos extremos em toda a região da América do Sul. As propostas para a criação do documento foram elaboradas no ano passado em uma oficina na sede do ISAGS. E o ORAS-CONHU também está desenvolvendo seu segundo plano quinquenal sobre o assunto para a região dos Andes. “Devemos começar a nos mover agora. Não como sub-regiões, mas sim como blocos. No caso das Américas, já não podemos fazer planos individuais. Temos que trabalhar em um plano único, multisetorial e produzir ações conjuntas desde a perspectiva da saúde. Certamente o resultado será de grande impacto”, conclui Beingolea More.

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O CONSELHO DE SAÚDESE REÚNE COM OS CANDIDATOSA DIRETOR GERAL DA OMSO ENCONTRO INÉDITO OCORREU EM PARALELO À REUNIÃO ORDINÁRIA DO CONSELHO NA SEDE DA UNASUL EM QUITO

No último 31 de março, os ministros de Saúde da UNASUL e/ou seus representantes participaram de um fórum organizado pelo ISAGS na capital do Equador com a presença dos candidatos a diretor geral da Organização Mundial de Saúde, David Nabarro (Reino Unido), Sania Nishtar (Paquistão) e Tedros Ghebreyesus (Etiópia). É a primeira vez que um bloco regional cria um fórum desse tipo com a esperança de oferecer a informação mais completa e fiel, de modo a auxiliar os ministros de Saúde a tomar sua decisão num processo tão importante para o mundo. A eleição se dará no marco da Assembleia Mundial da Saúde (AMS) em maio.

Durante as semanas prévias ao encontro, a equipe do ISAGS consolidou cinco perguntas junto aos membros do Conselho de Saúde Sul-Americano para serem respondidas pelos candidatos durante o evento, que foi seguido de um debate e um almoço.

Os temas tratados incluíram o acesso e o financiamento de medicamentos, a visão dos Determinantes Sociais da Saúde, a Agenda 2030, o papel dos atores não-estatais na OMS e outros de relevância para a governança regional e global de saúde. A atividade foi registrada em vídeo e será compartilhada com os Ministérios de Saúde da UNASUL por meio dos canais de comunicação do ISAGS.

A realização do fórum foi uma solicitação da ministra do Equador e recebeu o aval da Presidência Pro Tempore da Venezuela, que reservou um horário de intervalo durante a Reunião do Conselho de Saúde, na qual, entre outros temas, se discutiram as linhas gerais do seu novo Plano Quinquenal e as possíveis intervenções conjuntas do bloco na AMS.

INSTITUCIONAL

PÍLULASPROGRAMA DE ESTÁGIO DO ISAGS

Estão abertas as inscrições para o primeiro Programa Internacional de Estágio do ISAGS. As vagas estão destinadas a estudantes de pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado ou equivalente, em vias de outorga de título); ou graduados de estudos de pós-graduação com não mais de 6 meses de finalização do programa. Os estagiários irão se envolver com o desenvolvimento de pesquisas e publicações relacionadas aos objetivos e metas do Conselho de Saúde da UNASUL. Mais informações em http://bit.ly/PasantíasISAGS.

SAÚDE NA UNASUL: DESAFIOS E RESPOSTASO ISAGS e a Secretaria Geral acabam de lançar a publicação

“Saúde na UNASUL: Desafios e Respostas”, um relatório completo sobre todas as atividades desenvolvidas na primeira Semana da Saúde da UNASUL. O evento foi uma experiência inédita na história do bloco e reuniu os 12 países em 4 dias e 54 horas de exposições, debates e busca de consenso sobre os principais temas da agenda de Saúde dos países sul-americanos. A publicação está disponível em espanhol e inglês no site do ISAGS em http://bit.ly/SemanadelaSalud.

O Informe Anual 2016, um documento que reúne todas as atividades, execução orçamentária e convênios assinados pelo ISAGS no último ano, já está disponível no nosso website em http://bit.ly/InformeISAGS2016. O ano de 2016 foi histórico para o ISAGS pelos importantes avanços em sua institucionalização e as numerosas e bem-sucedidas atividades técnicas realizadas para cumprir com o seu objetivo de pesquisar, difundir conhecimento e apoiar na formação de recursos humanos para a América do Sul.

Nos dias 24 e 25 de abril, em Santiago do Chile, a diretora executiva do ISAGS, Carina Vance, representou a instituição no Congresso Nacional de Atenção Primária, que contou com a participação de profissionais de diferentes áreas relacionadas à saúde, líderes comunitários, a academia, colégios profissionais e sindicatos da saúde, entre outros, para discutir o tema. Carina Vance participou do painel “Equidade em Saúde e as Novas Realidades Sociais”.

A entrevista de Carina Vance com os candidatos a DG da OMS está disponível em

http://bit.ly/MesaRedondaCandidatos

INFORME ANUAL

CONGRESSO NACIONAL DE ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SANTIAGO