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Guido\PremioErnestoPichleraoMurillo.doc – 04/12/13 1 PREMIO ERNESTO PICHLER AO MURILLO O premio Ernesto Pichler foi instituído em reconhecimento ao associado que tenha contribuído continuamente para o desenvolvimento da Geologia de Engenharia e para os objetivos da ABGE. Por ocasião deste 14 o Congresso Nacional, o Conselho Deliberativo da ABGE decidiu conferir o Prêmio Ernesto Picher ao eng. Murillo Dondici Ruiz. Antes de falar do Murillo, vamos falar um pouco sobre Ernesto Pichler, que creio nenhum de nos tenha conhecido, com exceção do próprio Murillo, visto que faleceu em 1959, aos 57 anos de idade, durante trabalho de campo para a implantação da Usina Hidrelétrica de Jupiá, do Sistema Urubupungá, na divisa dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Pichler nasceu na Áustria e emigrou aos 22 anos para o Brasil, onde, antes de se formar engenheiro civil, exerceu diversas profissões, como pedreiro, padeiro e auxiliar de escritório. Em 1937 ingressou no IPT de São Paulo como assistente-aluno e formou-se engenheiro civil em 1938, permanecendo no instituto por 22 anos. Foto 1 – Ernesto Pichler Pichler aliava a praticidade do engenheiro ao espírito do pesquisador em geociências, impulsionado pelo desejo de entender os mecanismos que estavam á base dos processos geológicos exógenos. Dedicou-se ao estudo de estabilidade das encostas da serra do Mar, buscou entender a formação das voçorocas do interior do Estado de São Paulo, mas também foi pioneiro na introdução de técnicas de ensaios in situ em mecânica das rochas no Brasil, tendo realizado ensaios de deformabilidade em túnel na usina de Paulo Afonso, assim como na barragem Maia Filho, no Rio Grande do Sul. Participou dos estudos para construção de diversas usinas hidrelétricas no Estado de

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PREMIO ERNESTO PICHLER AO MURILLO

O premio Ernesto Pichler foi instituído em reconhecimento ao associado que tenha contribuído continuamente para o desenvolvimento da Geologia de Engenharia e para os objetivos da ABGE. Por ocasião deste 14o Congresso Nacional, o Conselho Deliberativo da ABGE decidiu conferir o Prêmio Ernesto Picher ao eng. Murillo Dondici Ruiz. Antes de falar do Murillo, vamos falar um pouco sobre Ernesto Pichler, que creio nenhum de nos tenha conhecido, com exceção do próprio Murillo, visto que faleceu em 1959, aos 57 anos de idade, durante trabalho de campo para a implantação da Usina Hidrelétrica de Jupiá, do Sistema Urubupungá, na divisa dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Pichler nasceu na Áustria e emigrou aos 22 anos para o Brasil, onde, antes de se formar engenheiro civil, exerceu diversas profissões, como pedreiro, padeiro e auxiliar de escritório. Em 1937 ingressou no IPT de São Paulo como assistente-aluno e formou-se engenheiro civil em 1938, permanecendo no instituto por 22 anos.

Foto 1 – Ernesto Pichler Pichler aliava a praticidade do engenheiro ao espírito do pesquisador em geociências, impulsionado pelo desejo de entender os mecanismos que estavam á base dos processos geológicos exógenos. Dedicou-se ao estudo de estabilidade das encostas da serra do Mar, buscou entender a formação das voçorocas do interior do Estado de São Paulo, mas também foi pioneiro na introdução de técnicas de ensaios in situ em mecânica das rochas no Brasil, tendo realizado ensaios de deformabilidade em túnel na usina de Paulo Afonso, assim como na barragem Maia Filho, no Rio Grande do Sul. Participou dos estudos para construção de diversas usinas hidrelétricas no Estado de

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Sao Paulo, dentre elas de Salto Grande, no rio Paranapanema, Barra Bonita, Bariri e Ibitinga no Tiete, Caconde no rio Pardo, bem como da construção de estradas e aeroportos. A morte prematura o impediu de finalizar um livro sobre geologia aplicada à engenharia, que o IPT guarda em seus arquivos na forma de relatório interno. Impediu também que participasse do grande surto de desenvolvimento que teve início nos anos 60 no Brasil, quando o país passou a investir pesado em obras de infraestrutura. Pichler morreu, como disse, em 1959, quando as primeiras turmas de geólogos se formavam no país, para atender à necessidade de mão de obra qualificada na busca de petróleo, pela recém-criada Petrobrás. Pichler não fez escola, mas plantou uma semente, que Murillo fez germinar. É por isso que Ernesto Pichler é considerado o patrono da Geologia de Engenharia no país. Neste cenário, do final dos anos 50 e início da década de 60 surgiu Murillo Dondici Ruiz. Estagiário da seção de Geologia Aplicada do IPT, formado em Engenharia Civil em 58, Murillo se viu às voltas com a necessidade de assumir o lugar de Ernesto Pichler, após a morte deste. Em 62, foi para o Laboratório Nacional de Engenharia Civil de Lisboa, onde passou um ano, se familiarizando com as recém-introduzidas técnicas de mecânica das rochas, naquele laboratório. O LNEC, na época, liderava em escala mundial a área de ensaios em rocha, tanto no campo quanto em laboratório.

Foto 2 – Murillo Dondici Ruiz Ao regressar ao Brasil, Murillo voltou à Chefia da Seção de Geologia Aplicada do IPT de São Paulo. A partir deste momento, teve início um ciclo de crescimento da aplicação

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da geologia à engenharia e da mecânica das rochas que durou cerca de duas décadas e este ciclo foi encabeçado pelo Murillo. É preciso lembrar que poucos anos antes, em 1959, havia ocorrido a ruptura da barragem de Malpasset, orgulho da engenharia francesa, durante o enchimento do reservatório, por problemas relacionados à fundação da ombreira esquerda e à ausência de drenagem de fundação. Em 1963, ocorreu a catástrofe do Vayont, no norte da Itália, devido à reativação de uma gigantesca massa de escorregamento, na vertente esquerda do lago, que galgou a barragem. A cidade de Longarone, logo a jusante, foi varrida do mapa e seus dois mil habitantes pereceram durante o sono. Por ironia, a barragem permaneceu intacta. Outros acidentes ocorreram nos Estados Unidos, sempre por questões relacionadas á fundação das obras. Era necessário melhorar a capacidade de prever e diagnosticar os eventuais problemas geológicos, bem como aprimorar as técnicas de projeto, utilizando modelos geoestruturais que refletissem as características da fundação, além de atribuir parâmetros geomecânicos mais confiáveis. As análises de estabilidade se deslocaram então do tradicional plano de contato entre a fundação e a base de concreto da estrutura e mergulharam para o interior do maciço rochoso, em busca dos elementos e superfícies de menor resistência mecânica. O surto de desenvolvimento no Brasil, a partir do início dos anos 60, se materializava na extensa relação de barragens em construção ao longo dos grandes rios, para geração de energia. Os projetos das grandes usinas brasileiras saiam das gavetas e iam para as pranchetas de engenheiros e projetistas. Murillo tinha boa percepção e conhecimento das necessidades da engenharia de barragens e, através de convênios com as empresas de energia e serviços (CELUSA/CESP, USELPA, CHERP, DAEE) passou a propor a realização de novos estudos e ensaios de caracterização de materiais rochosos em laboratório e de maciços rochosos “in situ”, em diversas obras. Em 63 foram os ensaios de cisalhamento na fundação basáltica da usina de Jupiá, no rio Paraná. Em 68 foi a vez dos gigantescos ensaios de cisalhamento nas fundações da usina de Ilha Solteira, também parte do sistema Urubupungá. As fundações das barragens de Paraibuna, Paraitinga, Passo Fundo, Estreito, Jaguara, Graminha, Jaguarí também foram alvo de campanhas de ensaios de mecânica das rochas, sempre com o proposito de dotar os projetos das obras de parâmetros mais confiáveis e representativos. Nesta mesma época, as obras em andamento passaram a exigir o acompanhamento dos trabalhos de preparo das fundações por parte dos jovens profissionais, que saiam ás centenas das novas escolas de geologia do país. Geólogos residentes passaram a participar ativamente da construção de tantas novas obras. Murillo convocava, dentre esses jovens, aqueles que não tinham pendores pela busca do petróleo, visto que 70 a 80% dos recém-formados iam para a Petrobrás e subsidiárias. Os outros 30 a 20% se distribuíam entre ensino, mineração e geologia aplicada.

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Foto 3 – Ilha Solteira – maio de 1968 – Murillo junto com Fernando, Fernão e Guido Em setembro de 68 foi criada a Associação Paulista de Geologia Aplicada – APGA e Murillo foi eleito seu primeiro presidente. Em 70, a Seção de Geologia Aplicada do IPT passou a Divisão, de início encabeçada pelo próprio Murillo. Em 74 foi realizado em São Paulo o Segundo Congresso Internacional da IAEG – Associação Internacional de Geologia de Engenharia, cujo primeiro congresso havia sido em Paris, em 70. Murillo incentivava seus colaboradores, para que a experiência adquirida nas obras e em tantas situações novas e inesperadas, que surgiam a cada instante, fosse registrada na forma de trabalhos técnicos, apresentados em eventos. Ele próprio foi responsável por uma extensa e importante coleção de memórias. Apenas para citar uma de suas atuações, lembro que o eixo da barragem de Barra Bonita, no rio Tiete, havia sido implantado, na fase de planejamento, sobre arenitos brandos da formação Botucatu, o que trouxe para o projeto a necessidade de adoção de vultosos trabalhos de injeção e drenagem. Previam-se extensas galerias na fundação das estruturas, dotadas de sofisticadas técnicas de bombeamento. Foi então que Murillo eliminou o problema, apenas propondo o deslocamento do eixo para jusante em algumas centenas de metros, de modo a implantar o barramento sobre um arco de rocha basáltica. E assim foi feito. Pouco tempo depois de ver a Divisão de Geologia Aplicada consolidada e funcionando a pleno vapor, Murillo decidiu partir para outros voos e se transferiu para o setor privado, ocupando cargos de superintendência e diretoria em algumas grandes empresas de engenharia, até criar sua própria empresa, a ENGECORPS, em 1990. Onde quer que fosse, logo agrupava em torno de si profissionais dos diversos ramos das geociências, dotando os projetos de sólidos subsídios, que iam desde a aerofotogrametria à sedimentologia, geologia estrutural, petrografia, geomorfologia, tecnologia de materiais e mecânica das rochas.

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No espaço de poucas décadas, um código de linguagem geológica comum se espalhou pelo Brasil e hoje não há quem não conheça e adote os critérios de classificação, as diretrizes e os procedimentos preconizados pela ABGE, desenvolvidos a partir da atuação daquele núcleo inicial, sob a orientação do Murillo. Esta é, em palavras pobres, a trajetória de Murillo Dondici Ruiz em suas atividades de engenharia, no arco de tempo que abrange aproximadamente duas décadas. Graças a sua visão, capacidade de trabalho e liderança, desempenhou um papel central no processo de desenvolvimento e consolidação da Geologia de Engenharia no Brasil. Seu entusiasmo contagioso foi a forte motivação para que tantos jovens profissionais seguissem carreira nesta nova área de aplicação tecnológica, que é a Geologia de Engenharia. Se Ernesto Pichler e o patrono, Murillo Dondici Ruiz bem pode ser considerado o pai da Geologia de Engenharia no Brasil. Rio de Janeiro, 04/12/2013 Guido Guidicini