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1 PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA À LUZ DO NOVO CÓDIGO CIVIL Claudia Seixas Silvany I-BREVES NOÇÕES ACERCA DO FATO JURÍDICO E O FATOR TEMPO Fato jurídico lato sensu corresponde a todo acontecimento ao qual o Direito atribui eficácia. O saudoso Orlando Gomes explicita que “no sentido lato, o fato jurídico apresenta-se como a força de propulsão da relação jurídica, por efeito da qual se movimentam as normas jurídicas adequadas. Da lei não surgem diretamente direitos subjetivos; é preciso uma causa e essa causa se chama fato jurídico”. (ob.cit., pg.247) Stricto sensu, cuida-se de evento natural, independente da vontade humana, que produz efeitos constitutivos, modificativos ou extintivos de direitos e obrigações. Os fatos jurídicos em sentido estrito classificam-se em ordinários – de usual ocorrência, tal qual a morte e o nascimento - e extraordinários – que, consoante o magistério de Maria Helena Diniz (ob.cit., pg.201), caracterizam-se pela presença de requisitos objetivo, consistente na inevitabilidade do evento, e subjetivo, “que é a ausência de culpa na produção do acontecimento”. Nessa categoria enquadram-se o caso fortuito e a força maior. Dentre os acontecimentos naturais ordinários, destaca-se o decurso do tempo, que exerce função de relevo em alguns institutos do direito civil, tais quais a usucapião ou prescrição aquisitiva, a prescrição extintiva e a decadência. II- DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA E EXTINTIVA DE DIREITOS Por vezes, o legislador pátrio atribui ao sujeito que possui uma coisa cum animo domini, de modo pacífico e contínuo, durante determinado lapso temporal, a possibilidade de incorporá-la ao seu patrimônio, convertendo, destarte, a posse em propriedade. Há, in casu, prescrição aquisitiva (Ensitzung), também denominada usucapião, regulamentada na Parte Especial do Livro Substantivo, dentro do Direito das Coisas. Cuida-se de modo originário de aquisição da propriedade, móvel ou imóvel, e de outros direitos reais passíveis de exercício continuado. Em outros momentos, o transcurso de tempo, conjugado a outros fatores, determina a extinção da pretensão e, por conseguinte, da ação que resguardava um direito subjetivo, bem como de toda a sua capacidade defensiva, restando configurada a prescrição extintiva, liberatória ou simplesmente

PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA À LUZ DO NOVO CÓDIGO CIVIL

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PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA À LUZ DO NOVO CÓDIGO CIVIL Claudia Seixas Silvany

I-BREVES NOÇÕES ACERCA DO FATO JURÍDICO E O FATOR TEMPO

Fato jurídico lato sensu corresponde a todo acontecimento ao qual o Direito atribui eficácia. O

saudoso Orlando Gomes explicita que “no sentido lato, o fato jurídico apresenta-se como a força

de propulsão da relação jurídica, por efeito da qual se movimentam as normas jurídicas

adequadas. Da lei não surgem diretamente direitos subjetivos; é preciso uma causa e essa causa

se chama fato jurídico”. (ob.cit., pg.247)

Stricto sensu, cuida-se de evento natural, independente da vontade humana, que produz efeitos

constitutivos, modificativos ou extintivos de direitos e obrigações.

Os fatos jurídicos em sentido estrito classificam-se em ordinários – de usual ocorrência, tal

qual a morte e o nascimento - e extraordinários – que, consoante o magistério de Maria Helena

Diniz (ob.cit., pg.201), caracterizam-se pela presença de requisitos objetivo, consistente na

inevitabilidade do evento, e subjetivo, “que é a ausência de culpa na produção do acontecimento”.

Nessa categoria enquadram-se o caso fortuito e a força maior.

Dentre os acontecimentos naturais ordinários, destaca-se o decurso do tempo, que exerce

função de relevo em alguns institutos do direito civil, tais quais a usucapião ou prescrição aquisitiva,

a prescrição extintiva e a decadência.

II- DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA E EXTINTIVA DE DIREITOS

Por vezes, o legislador pátrio atribui ao sujeito que possui uma coisa cum animo domini, de

modo pacífico e contínuo, durante determinado lapso temporal, a possibilidade de incorporá-la ao

seu patrimônio, convertendo, destarte, a posse em propriedade. Há, in casu, prescrição aquisitiva

(Ensitzung), também denominada usucapião, regulamentada na Parte Especial do Livro Substantivo,

dentro do Direito das Coisas. Cuida-se de modo originário de aquisição da propriedade, móvel ou

imóvel, e de outros direitos reais passíveis de exercício continuado.

Em outros momentos, o transcurso de tempo, conjugado a outros fatores, determina a extinção

da pretensão e, por conseguinte, da ação que resguardava um direito subjetivo, bem como de toda a

sua capacidade defensiva, restando configurada a prescrição extintiva, liberatória ou simplesmente

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prescrição, tratada na Parte Geral do Código Civil. Tal instituto é aplicável na órbita das obrigações,

contratos, sucessões, família, bem assim, no próprio direito das coisas.

Porque o elemento tempo faz-se presente em ambas espécies de prescrição, o art. 1244 do

diploma supra invocado, repetindo o art. 553 do Código de 1916, estabelece que as causas

suspensivas, impeditivas e interruptivas da prescrição também se aplicam à usucapião.

Insta realçar, todavia, a diversidade dos institutos, justificadora de sua abordagem em

capítulos distintos da Lei Civil. Vale transcrever, neste sentido, as lições do mestre Orlando Gomes,

verbo ad verbum:

“Por fim, enquanto a idéia central da prescrição é a inércia do titular do direito, o elemento

básico da usucapião é a posse.

Tão notáveis são as diferenças entre os dois institutos, que tem sido condenada a unidade do

conceito da prescrição.” (ob.cit., pg508)

III-FUNDAMENTO E NATUREZA

O nosso direito pré-codificado sustentava (Ordenações, Livro IV, tít.79) que a prescrição seria

um castigo imposto ao titular de um direito, que se mantém inerte por extenso período de tempo. A

negligência do sujeito tornaria presumível seu desinteresse. Neste sentido, Caio Mário da Silva

Pereira (ob.cit, pg.436), com o brilhantismo que lhe é habitual, pontifica que tal entendimento

“...não é de boa juridicidade, pois que punível deve ser o comportamento contraveniente à ordem

constituída, e nada comete contra ela aquele que mais não fez do que cruzar os braços contra os

seus próprios interesses, deixando de defender os seus direitos.”

Os doutrinadores, então, costumam apontar como fundamento do instituto em tela o interesse

social –superior ao privado- em conferir estabilidade, certeza e segurança às relações jurídicas.

Nesta esteira de raciocínio caminha, com maestria, Silvio Rodrigues, quando salienta:

“Mister que as relações jurídicas se consolidem no tempo. Há um interesse social em que a

situação de fato que o tempo consagrou adquira juridicidade, para que sobre a comunidade não

paire, indefinidamente, a ameaça de desequilíbrio representada pela demanda. Que esta seja

proposta enquanto os contendores contam com elementos de defesa, pois é de interesse da ordem e

da paz social liquidar o passado e evitar litígios sobre atos cujos títulos se perderam e cuja

lembrança se foi.”(ob.cit., p.326)

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O interesse social que lastreia a prescrição, por seu turno, justifica a sua natureza imperativa, de

instituto de ordem pública, cuja disciplina não pode ser alterada pela autonomia privada.

A decadência também se fundamenta na segurança e certeza das relações jurídicas.

No tangente à natureza desse instituto, note-se que o prazo decadencial pode ser fixado em lei,

tendo em vista os valores sociais supra aludidos (segurança e certeza), revestindo-se, nesta hipótese,

de caráter público e imperativo. Ao revés da prescrição, entretanto, as partes podem estabelecer, em

vista ao atendimento de seus próprios interesses, lapsos temporais para o exercício de certos direitos.

Aqui, ter-se-á a decadência convencional, fruto da autonomia que rege as relações entre particulares,

caracterizada pela natureza privada.

IV-CONCEITO

É possível encontrar, na doutrina, distintos posicionamentos quanto à definição de prescrição.

De fato, há os que entendem que o instituto em tela atinge o direito subjetivo, os que afirmam tratar-

se de perda do direito de ação e, outrossim, aqueles que sustentam cuidar-se de perda da pretensão.

Dentre os adeptos da primeira corrente, ressalta-se o ilustre Caio Mário da Silva Pereira

(ob.cit., pg.435/436), que assevera:

“Diferentemente da prescrição aquisitiva, que atua como força criadora, a extintiva ou

liberatória conduz à perda do direito pelo seu titular negligente, ao fim de certo lapso de tempo, e

pode ser, em contraste com a primeira, encarada como força destrutiva.

Perda do direito, dissemos, e assim nos alinhamos entre os que consideram que a prescrição

implica algo mais do que o perecimento da ação.

...é o próprio direito que perece. O titular não pode reclamá-lo pela ação, porque não o pode

tornar efetivo.

...Esdrúxulo se nos afigura, entretanto, que o ordenamento legal reconheça o direito, afirme

a sua vinculação ao sujeito ativo, proclame a sua oponibilidade ao sujeito passivo, mas recuse os

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meios de exercê-lo eficazmente. Se o direito é reconhecido, não deve ser desvestido do poder da

rem persquendi in iudicio.”

No tangente à segunda posição, destaca-se a clássica definição de Clóvis Beviláqua, no sentido

de que “prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em

conseqüência do não-uso dela, durante determinado espaço de tempo”(Citado por Carlos Roberto

Gonçalves, ob.cit, p.180).

Os juristas conterrâneos, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (ob.cit., pg 476) explicitam que tal

entendimento decorre do fato de que, “...na época da elaboração do Código Civil de 1916, e mesmo

antes, considerava-se, ainda com fulcro na superada teoria imanentista do Direito Romano, que a

ação judicial nada mais era do que o próprio direito subjetivo, lesado, em movimento. Por essa

razão, incrementada pelo pouco desenvolvimento do Direito Processual Civil, não se visualizava a

nítida distinção entre o direito de ação em si (de pedir do Estado o provimento jurisdicional) e o

próprio direito material violado.

Ora, se a ação e o direito material eram faces da mesma moeda, explicava-se porque a

prescrição extintiva atacava o direito de ação e, indiretamente, o próprio direito material violado,

que permaneceria inerte, despojado de sua capacidade defensiva...”

O novel Código Civil, todavia, no cânone 189, esclarece que a prescrição atinge a pretensão,

indicando que não se trata do direito público e abstrato de ação. Com lastro neste dispositivo, é

possível conceituar o instituto em tela como a extinção da pretensão, que nasce, para o titular, no

momento em que seu direito é violado, devido a sua inércia, durante certo período de tempo fixado

em lei.

Gustavo Kloh Muller Neves, (ob.cit., pg 419), explana que, em consonância com o

entendimento positivado no artigo supra indicado, é preservado o núcleo do direito, que poderá ser

espontaneamente atendido. Em outros termos, com Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, a obrigação

jurídica prescrita converte-se em obrigação natural (ob.cit., p.476). Deste modo, apesar de ser

desprovida de ação, a obrigação prescrita cumprida espontaneamente pelo devedor desfruta de

proteção jurídica, na medida em que o ordenamento considera válido o pagamento destarte efetuado,

que não dará lugar à restituição. Ao credor, em situações quitais, confere-se a soluti rentio, ou seja, a

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possibilidade de se opor à repetição pleiteada pelo devedor que de forma espontânea cumpriu

obrigação juridicamente inexigível.

A matéria é abordada no art.882, in verbis:

“Art.882. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir

obrigação judicialmente inexigível”.

O art. 190 da Nova Lei Codificada, sem correspondência no CC/1916, também merece realce,

por ter colocado uma pá de cal em antiga controvérsia doutrinária quanto à prescritibilidade ou não

da exceção, e, em caso afirmativo, quanto ao prazo de sua ocorrência. Neste sentido, estatui que “a

exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão”. Diante de tal dispositivo, resta claro que a

exceção não é perpétua. Deste modo, se a defesa do réu tiver por fundamento um direito seu contra o

autor, pleiteado por meio de reconvenção ou, no caso de ação dúplice, através da contestação, a

exemplo do que ocorre com a compensação, a prescrição deste direito obsta o reconhecimento da

exceção. Perceba-se, entretanto, que se o crédito foi quitado espontaneamente, mesmo estando

consolidada a prescrição, por força do art. 882 supra transcrito, não poderá o devedor pedir repetição.

O Livro Substantivo em vigor também inova ao tratar a decadência ou caducidade em capítulo

específico. No Diploma anterior, a matéria não estava explicitada em texto, mas decorria do próprio

sistema. A essa época, competia à doutrina e jurisprudência fixar o conceito e os contornos dos

institutos sub oculi.

Em conformidade com o entendimento fixado pela Comissão Revisora do Projeto, que se

transformou no novel Código, a decadência ocorre “quando um direito potestativo não é exercido,

extrajudicialmente ou judicialmente, dentro do prazo para exercê-lo...” A caducidade, pois, consiste

na perda de um direito potestativo pela inércia do seu titular, que deixa de exercê-lo no lapso

temporal estabelecido em lei.

Diante dos conceitos esposados, nota-se grande similitude entre os institutos, em especial pela

presença, em ambos, dos seguintes requisitos: inércia do titular de um direito e transcurso de certo

lapso temporal.

Há, entretanto, notáveis diferenças, abordadas nos tópicos a seguir.

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V- CRITÉRIOS DIFERENCIADORES ENTRE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA.

a) Critério apontado por Antônio Luiz da Câmara Leal

O referido autor, em obra festejada e assaz citada, sustenta que a prescrição atinge diretamente

a “ação ajuizável”, e, por via reflexa, o direito por ela protegido, enquanto a decadência toca

diretamente o direito e, com ele, a actio que o protege.

Partindo-se deste ponto, o aludido jurista defende que quando a ação tem origem idêntica ao

direito, sendo, por conseguinte, simultâneo o nascimento, a hipótese é de decadência. Neste caso, “o

exercício da ação e o exercício do direito se identificam, porque a ação representa o meio de que

deve servir-se o titular para realizar o efetivo exercício de seu direito” (ob.cit., p.394).

De outro modo, quando o direito já existente é violado por outrem, sendo, pois, distintos os

momentos em que ambos se originam, a hipótese é de prescrição. Aqui, não há coincidência entre o

exercício do direito e da ação. Vale transcrever, neste sentido, as lições do mestre citado:

“A prescrição supõe um direito já exercido pelo titular existente, efetivamente, em ato, mas

cujo exercício sofreu obstáculo pela violação de terceiro;

...a prescrição supõe uma ação, cuja origem é distinta da origem do direito, tendo, por isso

um nascimento posterior ao nascimento do direito;

...na prescrição, o exercício da ação não se confunde com o exercício do direito, porque a

ação não representa o meio de que dispõe o titular para exercitar o seu direito, mas o remédio

jurídico de que pode socorrer-se para remover o obstáculo criado ao exercício do direito” (ob.cit.,

p.394)

Diante das diferenças supra apontadas, surgiriam diversidades de conseqüências e efeitos.

Assim, com lastro nas disposições legais presentes no Diploma Substantivo de 1916, era possível

afirmar o seguinte:

a) A decadência corria contra todos, enquanto a prescrição não corria contra

certas pessoas.

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b) O prazo decadencial seria fatal, não admitindo suspensão nem interrupção,

sendo obstado apenas pelo efetivo exercício do direito, ou da ação, quando esta

fosse o meio pelo qual devesse ser exercitado o direito. O lapso temporal

prescricional, por seu turno, seria passível de suspensão e interrupção.

c) A decadência poderia ser conhecida ex officio pelo magistrado, ao passo

que a prescrição de direitos patrimoniais dependia de alegação das partes para ser

conhecida pelo juiz.

d) A prescrição atingiria apenas a ação, mantendo-se incólume o direito que,

assim, poderia ser protegido por outra ação ainda não prescrita, se a houvesse. A

decadência, ao revés, impossibilitaria o manejo de toda e qualquer ação relacionada

ao direito por ela extinto.

Isto posto, Câmara Leal conclui que a discriminação prática dos prazos de decadência e

prescrição poderia ser efetivada mediante a aplicação de duas regras:

“1ª- Focalizar a atenção sobre estas duas circunstâncias:

a) se o direito e a ação nascem, concomitantemente, do mesmo fato;

b) se a ação representa o meio de que dispõe o titular, para tornar efetivo o exercício de seu

direito.

2ª - Se essas duas circunstâncias se verificarem, o prazo estabelecido pela lei para o exercício

da ação é um prazo de decadência, e não de prescrição, porque é prefixado, aparentemente, ao

exercício da ação, mas, na realidade, ao exercício do direito, representado pela

ação”.(ob.cit.,p.397)

b) Critério Científico, formulado por Agnelo Amorim Filho.

O jurista invocado formula sua teoria a partir da classificação das ações quanto à providência

jurisdicional, bem assim, dos direitos subjetivos, elaborada por Chiovenda.

Insta realçar, ab ovo, que, inobstante grande parte dos doutrinadores reconheça a existência do

direito subjetivo (há posicionamentos negativistas) a par do direito objetivo (norma agendi, ou seja,

a norma de conduta destinada a reger determinado caso), não há uniformidade em derredor de sua

definição.

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Costuma-se apontar as seguintes teorias explicativas do direito subjetivo:

a) Teoria da vontade, concebida, especialmente, por Windscheid, de acordo com a qual direito

subjetivo é o “poder de vontade reconhecido pela ordem jurídica”. (Francisco Amaral, ob. Cit., p.

187) Cuida-se de definição própria do liberalismo, momento histórico marcado, sob o enfoque

jurídico, pela onipotência da vontade humana e mínima intervenção estatal. Critica-se tal conceito

por não explicitar a situação dos indivíduos desprovidos de querer e discernimento.

b)Teoria do interesse, propugnada por Ihering, em conformidade com a qual direito subjetivo é

o interesse juridicamente protegido, fruto da combinação de dois elementos: o substancial (a

vantagem ou utilidade a atingir) e o formal (a proteção jurídica deste direito, a ação). Cuida-se de

concepção também passível de críticas. Miguel Maria de Serpa Lopes salienta que “há muitos

direitos que dificilmente podem ser ligados a um interesse, e muitos interesses que não logram a

proteção do Direito Subjetivo” (ob.cit., p.225).

c)Teoria mista, de Jellinek, define o direito subjetivo a partir da conjugação dos elementos

vontade e interesse, sendo atacada pelas mesmas críticas supra apontadas.

d)Teoria da subjetivação da norma, defendida, entre outros, por Ferrara, consoante a qual

direito subjetivo é mero reflexo do direito objetivo individualizado. Igualmente atacada, na medida

em que “leva a pessoa a se entregar à mercê do absolutismo estatal”.(Serpa Lopes, ob.cit., p.231)

Diante da insuficiência das teorias supra esposadas, ousamos, com arrimo no magistério de

Francisco Amaral e Serpa Lopes, tentar conceituar instituto tão tormentoso de forma simplória,

porém bastante para a análise do tema objeto do presente ensaio, como o poder de agir, atribuído ao

titular que dele se encontra investido, bem como de exigir de outrem determinado comportamento ou

respeito a certa situação jurídica.

Os direitos subjetivos dividem-se, de acordo com Chiovenda, em potestativos e “direitos a uma

prestação”. Urge registrar, apenas para fins ilustrativos, entendimento no sentido de que o direito

potestativo constitui-se em categoria autônoma e distinta do subjetivo, não configurando espécie

deste. Neste sentido, Flávio Pimentel de Lemos Filho, in fine:

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“A partir de uma sistematização lógica, encontra-se o seguinte quadro sintético: da relação

jurídica vão nascer situações que, de acordo com o conteúdo mesmo dessa relação, vão redundar

ora em direito subjetivo, ora em direito potestativo e ora em poderes funcionais”. (ob.cit., p.8)

O mestre Chiovenda, ao tratar do direito potestativo, esclarece que ele se faz presente quando

“...a lei concede a alguém o poder de influir, com sua manifestação de vontade, sobre a condição

jurídica de outro, sem o concurso da vontade deste: ou fazendo cessar um direito ou um estado

jurídico existente; ou produzindo um novo direito, ou estado ou efeito jurídico” (citação de Flávio

Pimentel, ob.cit., p.31). Do conceito apresentado pelo professor italiano, é possível depreender que o

exercício do direito em tela produz efeitos extintivos, modificativos ou constitutivos de relações

jurídicas. Demais disso, uma de suas mais relevantes características consiste no estado de sujeição a

que se submete a parte passiva da relação, a qual deve limitar-se a suportar os efeitos do exercício do

direito pelo titular (sujeito ativo), sem a eles poder opor-se. A par disso, sobressai o fato de serem,

tais direitos, invioláveis, já que não há dever jurídico atribuído à contraparte nem, obviamente, a

possibilidade de sua transgressão. É que, enquanto o dever jurídico pode ser quebrantado, a sujeição

não admite infração.

Saliente-se, ademais, que, diante do estado de sujeição em que se encontra a parte passiva, os

direitos potestativos não correspondem a qualquer prestação, mesmo nas hipóteses em que se faz

necessário propor ação judicial.

Neste ponto, com lastro nas lições de Agnelo Amorim Filho, convém tecer considerações

acerca das formas de exercício destes direitos. A princípio, eles se exercitam por declaração

unilateral da vontade de seu titular, independentemente da manifestação do sujeitado. Há situações,

todavia, em que a concordância do sujeito passivo faz-se necessária. Nestas hipóteses, não havendo

aquiescência, o sujeito ativo poderá recorrer à via judicial. Por fim, existem direitos potestativos que,

por serem dotados de acentuado caráter público, só podem ser exercidos através de ação, a exemplo

da contestação de paternidade, bem assim, do direito à invalidação do casamento.

Nas duas últimas hipóteses, ou seja, quando o direito potestativo reclamar a propositura de ação

para ser exercido, a actio para tanto adequada é a constitutiva, destinada a obter decisão judicial

tendente à formação, extinção ou modificação de relações jurídicas. Perceba-se, a propósito, que a

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finalidade perseguida pela ação constitutiva corresponde aos efeitos produzidos pelo manejo do

direito potestativo, mencionados por Chiovenda no conceito supra esposado.

De acordo com Agnelo Amorim Filho, tais espécies de ação são dotadas das seguintes

características: “a) não pressupõem a existência de lesão a um direito, como ocorre nas ações

condenatórias; b) por meio delas não se exige a prestação do réu, mas apenas se pleiteia a formação,

modificação, ou extinção de um estado jurídico; c) não são meio para se restaurar um direito lesado,

mas meio pelo qual se exercitam duas classes de direitos potestativos; d) não têm por objetivo a

satisfação de um pretensão, se se entender como tal ‘o poder de exigir de outrem uma prestação’,

pois os direitos potestativos são, por definição, ‘direitos sem pretensão’ (quando muito há, nas ações

constitutivas, uma pretensão de natureza especial, isto é, uma pretensão dirigida contra o Estado, ou

uma pretensão à tutela jurídica, ou ‘pretensão à prestação jurisdicional’, como quer Pontes de

Miranda, mas ele mesmo acentua que não se deve confundir ‘pretensão de direito material’ com

‘pretensão à tutela jurídica’); finalmente: e) as sentenças proferidas nas ações constitutivas (positivas

ou negativas) não são suscetíveis e nem carecem de execução, pois o conteúdo de tais ações se

esgota com o provimento judicial que determina a criação, modificação, ou extinção do estado

jurídico.” (ob.cit.)

Os direitos a uma prestação, por alguns denominados direitos subjetivos stricto sensu, por seu

turno, em conformidade com professor Manuel de Andrade, consistem no “poder de exigir ou

pretender de outra pessoa um comportamento positivo ou negativo”. (ob.cit). Há, do lado passivo da

relação, um dever jurídico consistente em determinada prestação de dar, fazer, não fazer ou tolerar.

Nas palavras do professor Mota Pinto, citado por Flávio Pimentel de Lemos Filho (ob.cit., p.14), “o

dever jurídico é, pois, a necessidade de (ou a vinculação a) realizar o comportamento a que tem

direito o titular activo da relação jurídica”. Se o sujeito passivo não cumprir o dever que lhe é

imposto, o direito subjetivo restará lesado, exsurgindo, então, a violabilidade como outra

característica. Demais disso, o detentor da posição ativa poderá coagir a contraparte a cumprir seu

dever. A propósito, insta registrar que o direito em tela, diversamente do potestativo, não se exercita

mediante simples declaração unilateral de vontade. Ao revés, sua satisfação reclama uma

contraprestação do adversário, que poderá negar-se a cumpri-la, dando ensejo à ação judicial com

vistas ao atendimento do direito então violado.

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Integram a categoria de direitos subjetivos em sentido estrito os direitos reais, bem como os

pessoais. No primeiro caso, fica estabelecido um vínculo entre o sujeito e a coisa. Todos os membros

da coletividade encontram-se no pólo passivo da relação, sendo-lhes imposto o dever de abster-se de

qualquer ato perturbador do direito intitulado pelo sujeito ativo. Quando este dever é violado, o

sujeito passivo, até então indeterminado, torna-se definido, particularizado. Na segunda situação, há

um vínculo jurídico entre pessoas destinado à satisfação de interesses, por força do qual uma delas

pode exigir da outra a pratica de determinada ação ou omissão, denominada prestação.

Perceba-se que os direitos subjetivos stricto sensu adeqüam-se, como a mão para luva, às ações

condenatórias, que objetivam, além da declaração de existência de uma relação jurídica, a obtenção

de pronunciamento judicial que aplique regra sancionadora (condenação) ao réu descumpridor de sua

obrigação. Deste modo, a ação condenatória pressupõe a violação de um direito. Ora, conforme visto

anteriormente, apenas os direitos a uma prestação comportam violação, não assim os potestativos, os

quais, destarte, não poderão ser exercidos por esta via. Neste particular, cumpre transcrever o

pensamento do ilustre processualista Moacyr Amaral Santos, in verbis:

“A ação condenatória pressupõe a existência de um direito subjetivo violado. A decisão,

nessa ação, acolhendo a pretensão do autor, afirmará a existência de um direito subjetivo

violado.(...). Por isso mesmo, aplica a sanção ao réu, por haver violado a norma legal imperativa

reguladora do conflito.

(...)Corresponde a condenação a impor ao réu uma prestação de dar, de fazer ou não fazer.

A ação tende, portanto, a obter a condenação do réu numa prestação de dar, ou de fazer ou de não

fazer, e por isso tais ações também se denominam ações de prestação”.(ob.cit., p. 174/175)

As ações meramente declaratórias, ou declaratórias stricto sensu, por sua vez, consistem no

meio processual hábil para a obtenção de declaração quanto à existência ou inexistência de certa

relação jurídica. Excepcionalmente, o art. 4º do Livro dos Ritos permite a propositura da actio em

exame com o fim de declarar a certeza de um fato. Trata-se da hipótese de declaração de

autenticidade ou falsidade de um documento.

Insta sublinhar que o interesse legitimador desta ação é a dúvida objetiva quanto a uma relação

jurídica; ela colima a obtenção de uma certeza. A função jurisdicional esgota-se com a mera

declaração, por si só suficiente ao atendimento do direito substancial afirmado pelo autor. Não dá

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ensejo a atos posteriores destinados à realização do direito material. Se o acionante posteriormente

tiver a intenção de exigir uma prestação do réu, deverá socorrer-se de nova ação, desta vez, de

natureza condenatória.

Perceba-se que as ações condenatórias e constitutivas, enquanto espécimes de ações

declaratórias lato sensu, também contêm declaração quanto à relação jurídica deduzida em juízo.

Ocorre, porém, que a função jurisdicional, in casu, não se resume a isto.

Saliente-se que, ao lado da classificação trinaria das ações de conhecimento sustentada por

Chiovenda, há, na doutrina, adeptos a uma divisão quinaria. Assim, a par das ações meramente

declaratórias, constitutivas e condenatórias, existiriam as mandamentais e executivas lato sensu. As

duas últimas, para os defensores da tripartição, já estariam abrangidas na concepção de ação

condenatória.

A ação mandamental colimaria a prolação de sentença provida de ordem, atuante diretamente

sobre a vontade do réu, destinada a coagi-lo a cumprir o direito por ela declarado. Neste caso, diz-se

que a execução é indireta, na medida em que o direito reconhecido pelo decisum só será realizado se

o acionado for convencido a observar o mandamento judicial.

Na ação executiva, a sentença obtida realizaria, praticamente, desde já, o direito do autor,

dispensando a instauração de posterior processo de execução para a consecução de tal fim.

Convém destacar, a respeito deste tema, o entendimento de Luiz Guilherme Marinoni:

“Frise-se, no entanto, que a sentença condenatória parte do pressuposto de que o juiz não

pode interferir na esfera jurídica do indivíduo, e assim ordenar para constrangê-lo a cumprir a

sentença, justamente pela razão de que foi elaborada à luz de valores (liberais) que não admitiam

esta atividade, quando se pensava na tutela de direitos que podiam ser convertidos em pecúnia.

Se a sentença condenatória difere da declaratória por abrir oportunidade à execução

forçada, a sentença mandamental delas se distancia por tutelar o direito do autor forçando o réu a

adimplir a ordem do juiz. Na sentença mandamental há ordem, ou seja, imperium, e existe

também coerção da vontade do réu; tais elementos não estão presentes no conceito de sentença

condenatória, compreendida como sentença correlacionada com a execução forçada.

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...a contrapartida da inclusão da sentença (ligada às medidas coercitivas) na categoria da

condenação levaria a uma inevitável cisão entre o conceito de condenação e a noção de execução

forçada. Tal cisão deixaria espaço vazio entre a declaração e a condenação-título-executivo, o que

tornaria inevitável a configuração de um tertium genus, que seria a condenação-não-título-

executivo” (ob.cit., p. 461/462).

Agnelo Amorim Filho adota a classificação tricotômica das ações. Observe-se, entretanto, que,

para fins de aplicação do critério científico de distinção entre prescrição e decadência postulado pelo

aludido professor, as conclusões adiante mencionadas pertinentes às ações condenatórias regem, por

igual, as ações mandamentais e executivas. É que nessas três espécies de ação exige-se do réu o

cumprimento coercitivo de uma prestação.

O multicidado mestre paraibano parte do entendimento fixado por diversos autores no sentido

de que o termo inicial da prescrição é o nascimento da ação (actio nata). Nasce a ação com a

violação de um direito atual, momento em que surge para seu titular o interesse em protegê-lo

judicialmente. É possível, assim, afirmar que a prescrição tem por termo a quo o surgimento da

pretensão, definida como “a legitimação material para exercer, por via de ação, uma exigência

específica de uma pessoa frente a outra” (Francisco Amaral, ob.cit., p. 200).

Perceba-se que a noção de pretensão deriva do conceito de direito subjetivo stricto sensu, bem

assim, do correlato dever jurídico. Tem-se, destarte, que os direitos potestativos, impassíveis de

violação, não originam pretensões.

Por via de conseqüência, é possível concluir, junto com Agnelo Amorim, que apenas os

direitos a uma prestação conduzem à prescrição, pois somente eles comportam violação. Deste

modo, todas as ações condenatórias (vide art. 205 do NCC), vias hábeis à proteção dos direitos

violáveis (subjetivos stricto sensu), e tão só elas, podem prescrever.

No tangente aos direitos potestativos, e em conformidade com a exposição anteriormente feita,

tem-se que, em algumas hipóteses, a lei estabelece prazo para o seu exercício, o que pode ser feito,

facultativa ou obrigatoriamente, mediante procedimento judicial. Nestes casos, decorrido o lapso

temporal legalmente fixado sem manifestação do respectivo titular, haverá extinção do próprio

direito.

14

Há, outrossim, hipóteses em que lei não estabelece prazo para o exercício do direito

potestativo. Nessas circunstâncias, aplica-se o princípio da perpetuidade, consoante o qual “os

direitos não se extinguem pelo não uso”.

Note-se, ademais, que não há, referentemente a tais direitos, prazo geral para exercício, ao

revés do que ocorre quanto às pretensões, submetidas ao art. 205 do NCC.

De tudo quanto exposto, conclui Agnelo Amorim que “os potestativos são os únicos direitos

que podem estar subordinados a prazos de decadência, uma vez que o objetivo e efeito desta é,

precisamente, a extinção dos direitos não exercitados dentro dos prazos fixados. A conclusão

imediata é, igualmente, inevitável: as únicas ações cuja não propositura implica na decadência do

direito que lhes corresponde são as ações constitutivas, que têm prazo especial de exercício fixado

em lei, e apenas essas, pois - insista-se- a lei não fixa prazos gerais para o exercício de tais ações,

a exemplo do que ocorre com as condenatórias”. (ob.cit.)

Em conformidade com o critério científico de distinção, portanto, tem-se que se a ação for

condenatória, o prazo legal é prescricional; se a ação for constitutiva, o prazo é decadencial, afetando

o direito por meio dela exercitado.

As ações declaratórias, por seu turno, que, consoante visto, não objetivam o cumprimento de

uma prestação nem tampouco a criação de um estado de sujeição, não se submetem a prazos

prescricionais nem decadenciais.

VI- AÇÕES IMPRESCRITÍVEIS

Tal expressão é utilizada para designar as ações que não estão sujeitas, direta ou indiretamente,

a qualquer prazo extintivo, seja ele prescricional ou decadencial. Agnelo Amorim Filho, com o

brilhantismo que lhe é habitual, ressaltando a inadequação da expressão, que, gramaticalmente,

significa a não submissão à prescrição, propõe a sua substituição por “ações perpétuas”.

Convém realçar que, a princípio, todas as ações são prescritíveis, sendo a imprescritibilidade

exceção à regra. Isto porque, em algumas situações, não se faz presente o fundamento para a fixação

de prazos extintivos. Demais disso, é forçoso observar que, em face do novel Código Civil, mais

15

especificamente, do cânone 189, mais adequado seria falar em (im) prescritibilidade da pretensão e

não da ação.

Com arrimo no critério científico supra esposado, é possível, desde já, concluir pela

perpetuidade das ações constitutivas para as quais não for estipulado pela lei prazo especial de

exercício, bem assim, das ações meramente declaratórias. Em relação a essas últimas, vale frisar que,

por serem destinadas tão somente à obtenção de certeza jurídica, não implicam em modificação no

mundo exterior. Assim sendo, não perturbam a paz social, nem tampouco a estabilidade das relações

jurídicas; em outras palavras, não há, aqui, razão a justificar a estipulação legal de prazo extintivo.

Demais disso, na doutrina, costuma-se catalogar como imprescritíveis as seguintes ações:

a) As referentes a bens públicos de qualquer natureza, que são imprescritíveis.

b) As destinadas a proteger o direito de propriedade, caracterizado pela

perpetuidade, tal qual a ação reivindicatória.

Nesse aspecto, perceba-se que ao titular do direito de propriedade permite-se a faculdade de

não utilizar a coisa sem que tal fato, por si só, acarrete a prescrição. Poderá perdê-la pela posse

mansa, pacífica e contínua de outrem (usucapião). Note-se, todavia, que, neste caso, tal perda não

decorrerá da inércia do titular em não usar a coisa.

Situação diversa ocorre quanto aos direitos de crédito, em que o não exercício pelo titular

durante certo lapso temporal acarreta a prescrição, liberando o devedor. É que, neste caso, ao revés

da situação supra, há uma sujeição patrimonial da contraparte a ensejar intranqüilidade e a justificar

a estipulação de prazo extintivo.

VII- O NOVO CÓDIGO CIVIL

O novel codex, em consonância com os dizeres do Prof. Dr. Miguel Reale, foi inspirado em três

princípios fundamentais: socialidade, eticidade e operabilidade.

16

O Código de 1916 foi elaborado com fulcro em valores liberais; nessa época, o individualismo

grassava em detrimento dos interesses da coletividade. Em sentido inverso, o novo Diploma, em

harmonia com Magna Carta de 1988, consagrou o postulado da socialidade, conferindo prevalência

aos valores coletivos sobre os individuais.

A nova lei Civil, demais disso, confere ênfase à probidade, boa-fé e correção (corretezza).

Trata-se da consagração do princípio da eticidade, através do qual objetiva-se a superação do

formalismo jurídico presente no Diploma anterior, em que, conforme as lições de Reale, parece ser

possível reger tudo por determinações de caráter estritamente jurídicas. Assim, “não obstante os

méritos desses valores técnicos, não era possível deixar de reconhecer, em nossos dias, a

indeclinável participação dos valores éticos no ordenamento jurídico, sem abandono, é claro, das

conquistas da técnica jurídica, que com aqueles deve se compatibilizar”. (Novo Código Civil

Brasileiro, p.XIII)

Pelo postulado da operabilidade, as normas jurídicas fundam-se na realizabilidade. De acordo

com Miguel Reale (ob.cit), sacrifica-se alguns aspectos teóricos em prol de maior prestabilidade

empírica da norma.

“Direito é para ser executado; -Direito que se executa- já dizia Ihering na sua imaginação

criadora- é como chama que não aquece, luz que não ilumina. O direito é para ser realizado; é

para ser operado”.

Lastreado neste princípio, o novo Livro Substantivo regulou a prescrição e a decadência. Com

efeito, deixando de lado as discussões doutrinárias em derredor do tema, estabeleceu-se que são de

prescrição os prazos previstos, em numerus clausus, apenas e tão-somente na Parte Geral, nos

arts.205 (regra geral) e 206 (regras especiais). Todos os demais prazos, estabelecidos na Parte Geral

ou Especial, são de decadência.

É forçoso, outrossim, concluir pelo acolhimento da teoria científica de Agnelo Amorim Filho,

explicitada em tópico anterior. De fato, no art. 189 fica consignado que a prescrição extingue a

pretensão, que, por seu turno, nasce com a violação do direito. Ora, conforme visto, apenas os

direitos subjetivos em sentido estrito comportam violação, e portanto, o instituto da prescrição com

eles se relaciona. Com a lesão ao direito material, surge a pretensão- ou seja, a exigência de

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cumprimento de um dever jurídico, inexistente em matéria de direitos potestativos- que é deduzida

em juízo através da ação. Deste modo, ao extinguir a pretensão, a prescrição termina por atingir

também a actio.

Ainda em conformidade com a teoria do mestre paraibano, a Comissão Revisora do Projeto,

que se transformou no novo Código Civil, fixou o entendimento de que a decadência ocorre “quando

um direito potestativo não é exercido, extrajudicialmente ou judicialmente (...) dentro do prazo para

exercê-lo, o que provoca a decadência desse direito potestativo. Ora, os direitos potestativos são

direitos sem pretensão, pois são insuscetíveis de violação, já que a eles não opõe um dever de quem

quer que seja, mas uma sujeição de alguém...

(..)Assim, se a hipótese não é de violação de direito (...), mas há prazo para exercer esse direito

–prazo esse que não é nem do art.205, nem do art. 206, mas se encontra em outros artigos-, esse

prazo é de decadência”. (citação de Carlos Roberto Gonçalves, ob.cit., p.198/199)

VIII- ESTATUTO DA PRESCRIÇÃO

Em conformidade com o art.189 do novo Diploma Civil, consagrador da teoria actio nata, é

possível concluir que o prazo prescricional começa a correr no instante em que o direito subjetivo é

violado. Na hipótese de direito obrigacional, esta lesão ocorre no momento em que, no dia do

vencimento, o devedor não cumpre a prestação que lhe é imposta. Em se tratando de direito real, a

violação resta configurada quando terceiro perturba seu exercício.

O cômputo do prazo prescricional é feito excluindo-se o dia do começo (dies a quo non

computatur in termine) e incluindo-se o dia final (dies ad quem computatur in termine). Deste modo,

a prescrição consuma-se no derradeiro dia do lapso temporal, que, se for feriado, prorroga-se para o

primeiro dia útil subseqüente.

Como salientado anteriormente, as normas sobre prescrição são de ordem pública, não podendo

ser afastadas pela vontade das partes.

Como conseqüência, o art.191 estatui que a prescrição é renunciável apenas após a consumação

do prazo prescricional, ainda assim, desde que feita sem prejuízo a terceiro.

18

A renúncia é ato de vontade unilateral e não receptício -dispensando, deste modo, a aceitação

do beneficiado para operar- que implica na abdicação do direito de invocar a prescrição como

matéria de defesa. O artigo 191 retro aludido estabelece que ela pode ser expressa- ou seja,

manifestada de qualquer forma, inclusive verbal - ou tácita –quando, de acordo com as lições de

Miguel Maria de Serpa Lopes (ob.cit., p.573), “resulta de um fato incompatível com a vontade de se

valer da prescrição”.

Em decorrência da possibilidade de a parte renunciar, inclusive tacitamente, a prescrição, o art.

194 estabelece que “o juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a

absolutamente incapaz”.

Neste sentido, o artigo supra mencionado difere do correlato cânone do codex anterior (166),

que, interpretado a contrario sensu, previa a possibilidade de conhecimento de ofício, pelo juiz, da

prescrição de direitos não patrimoniais. O artigo antigo era alvo de críticas. Com efeito, adotando-se

a teoria científica de Agnelo Amorim Filho, torna-se difícil vislumbrar hipótese de prescrição que

atinja direitos não patrimoniais, os quais, a rigor técnico, estariam sujeitos à decadência.

Ressalte-se, outrossim, que, a prescrição pode ser invocada pela parte interessada em qualquer

grau de jurisdição. Neste sentido são as dicções do cânone 193 do NCC. Insta esclarecer, todavia,

que, a prescrição não será conhecida pelo STF e STJ se alegada originariamente em grau de recurso

extraordinário e especial, em face da exigência de prequestionamento da matéria nas instâncias

inferiores. Registre-se, ademais, que, em conformidade com o art. 741,VI do CPC, não é possível

invocar a prescrição em embargos à execução fundada em título judicial, salvo se superveniente à

sentença.

Ainda como conseqüência da natureza pública do instituto -ou, utilizando-se de argumento

válido também para os defensores de sua natureza privada- pelo fato de o instituto em tela, ao

contrário da decadência, ser fixado apenas por lei, o art. 192 estatui que “os prazos de prescrição não

podem ser alterados por acordo das partes”.

Por força do art. 195 do NCC, “os relativamente incapazes e a pessoas jurídicas têm ação

contra seus assistentes ou representantes legais que derem causa à prescrição ou não a alegarem

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oportunamente”. Note-se que o dispositivo não abrange os absolutamente incapazes. Isto porque

contra eles há causa impeditiva a obstar o transcurso do prazo prescricional.

Demais disso, urge atentar para o art. 196, consoante o qual “a prescrição iniciada contra uma

pessoa continua a correr contra o seu sucessor”. Cuida-se da denominada acessio praescriptionis.

Por fim, os estimados professores baianos, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, chegam à

seguinte conclusão:

“...para a consumação da prescrição e, no que couber, da decadência, faz-se mister, em

síntese, a conjugação de quatro fatores bem nítidos:

a) Existência de um direito exercitável;

b) Inércia do titular pelo não-exercício;

c) Continuidade da inércia por certo tempo;

d) Ausência de fato ou ato impeditivo, suspensivo ou interruptivo do curso da prescrição

–requisito aplicável à decadência excepcionalmente, somente por previsão legal específica.”

IX- DAS CAUSAS QUE IMPEDEM OU SUSPENDEM A PRESCRIÇÃO

O prazo prescricional pode ser impedido, suspenso ou interrompido por causas diversas,

elencadas no Código Civil.

O impedimento constitui-se em fato que não permite o início do transcurso do lapso temporal

prescricional. Na suspensão, ao revés, o prazo começa a correr, mas é momentaneamente cessado,

aproveitando-se, todavia, o período já transcorrido. Extinguindo-se a causa ensejadora da suspensão,

o prazo retoma seu curso, não se perdendo o tempo já decorrido.

Neste diapasão, vale ressaltar as dicções de Francisco Amaral, verbo ad verbum:

20

“Suspensa a prescrição, o direito subjetivo permanece inextinguível pelo decurso de tempo,

embora inerte seu titular. O devedor fica também impossibilitado de invocar a prescrição contra o

credor”. (ob.cit., p.566)

Saliente-se que as causas impeditivas e suspensivas da prescrição são as mesmas, estando

relacionadas no arts.197, 198 e 199 do NCC, já que, conforme salientado por Pablo Stolze e Rodolfo

Pamplona “a priori não há diferença ontológica entre impedimento e suspensão da prescrição, pois

ambas são formas de paralisação do prazo prescricional. A sua diferença fática é quanto ao termo

inicial...” (ob.cit., p.492).

Assim, são causas impeditivas ou suspensivas de caráter subjetivo (ou seja, atinentes a

características do devedor):

a) Entre cônjuges, na constância da sociedade conjugal.

Justifica-se este inciso, de acordo com Miguel Maria de Serpa Lopes, pela necessidade de

preservar a paz na família. Deste modo, a prescrição de qualquer pretensão tocante a direitos

patrimoniais pode ser invocada pelos cônjuges entre si, tendo, o prazo respectivo, início ou

continuidade com a dissolução da sociedade conjugal.

b) Entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar.

Disposição igualmente embasada na paz e tranqüilidade da família.

c) Entre tutelados e curatelados e seu tutores ou curadores, durante a tutela ou

curatela.

d) Contra os absolutamente incapazes; os ausentes do País em serviço público

da União, dos Estados ou dos Municípios; bem como contra os que se acharem servindo nas Forças

Armadas, em tempo de guerra.

Cumpre atentar para o fato de que o lapso prescricional não correrá contra tais pessoas,

correndo, entretanto, em prol delas.

21

É possível enumerar as seguintes causas impeditivas ou suspensivas de caráter objetivo, isto é,

referentes à relação jurídica:

a) Pendência de condição suspensiva.

De acordo com o art. 125 do NCC, enquanto tal condição não se verificar, “não se terá

adquirido o direito a que ela visa”. Ora, não se pode vislumbrar prescrição de uma pretensão relativa

a direito que ainda não se adquiriu.

a) Não vencimento do prazo.

Tal ocorre porque, enquanto não vencido o prazo, o direito não se configura.

b) Pendência de ação de evicção.

Miguel Maria de Serpa Lopes (ob.cit. p.581) pontifica que “a razão de ser desse preceito

assenta em que só depois de ganha a demanda pelo evictor é que o comprador evicto tem ação contra

o vendedor para obrigá-lo a responder pela evicção (Ac. Do 2º Grupo de câmaras Cív. Do TJSP, de

16/5/1946, RT, 157, p.682)”.

Consoante salienta os multicidados Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, em todas as situações

aventadas no art. 199 (causas interruptivas e suspensivas de caráter objetivo) a pretensão ainda não

surgiu, não sendo possível, pois, cogitar-se em prescrição.Tal observação evidencia ser, tal cânone,

desnecessário.

Convém destacar, neste tópico, a redação do novo art. 200, em conformidade com o qual,

“quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição

antes da respectiva sentença definitiva”.

Por fim, ressalte-se que o art. 201 estatui que a suspensão da prescrição em favor de um dos

credores solidários só aproveita os outros se a obrigação for indivisível.

Francisco Amaral (ob.cit., p.568) lembra outras causas impeditivas e suspensivas do lapso

prescricional presentes em leis extravagantes. Assim, exempli gratia, a Lei de Falências dispõe, no

art.47, que fica suspenso o curso da prescrição relativa a obrigações do falido; o Decreto-lei 9228/46

22

determina que não corre a prescrição durante o processo de liquidação extrajudicial de Bancos e

Casas Bancárias.

X- DAS CAUSAS QUE INTERROMPEM A PRESCRIÇÃO

A interrupção da prescrição implica na cessação da fluência do prazo respectivo, inutilizando-

se o tempo já transcorrido. Desaparecida a causa interruptiva, inicia-se a contagem de novo lapso

temporal prescricional. Em regra, a interrupção depende de um ato de vontade do titular do direito

subjetivo lesado, tendente à proteção ou exercício desse direito.

A respeito das diferenças entre as causas impeditivas, suspensivas e interruptivas do prazo

prescricional, Miguel Maria de Serpa Lopes explicita:

“Os casos de impedimento e de suspensão da prescrição irmanam-se com os da interrupção

num determinado ponto: todos convergem para um efeito comum: atingir o curso de uma

prescrição. Diferem, porém, estruturalmente, na intensidade e na forma da produção desse efeito.

Nas causas de impedimento e nas de suspensão, que ocorrem quando há um motivo legal para

empecer o início de um lapso prescricional ou para deter o já iniciado, a prescrição se detém e

dorme, para recomeçar a partir do momento em que tais causas venham a desaparecer; nas

causas de interrupção, o lapso se interrompe para de súbito recomeçar; nas primeiras (causas

suspensivas), o lapso anterior à suspensão não se reputa perdido, mas se soma ao tempo que

sobrevier após a cessão da suspensão, de modo que o lapso prescricional se perfaz com a adição

do tempo posterior à suspensão ao que lhe correu, anteriormente, ao passo que na interrupção,

mui ao contrário, e esta é a principal diferença, a prescrição recomeça a correr da data do ato que

a interrompeu, ou do último processo para a interromper, e recomeçar significa novamente

iniciar-se”. (ob.cit.,p.585)

Convém destacar a louvável inovação do novo código, presente no caput do art.202,

consistente no fato de que a interrupção, a partir do diploma civil de 2002, somente poderá ocorrer

uma única vez.

Em conformidade com o dispositivo retro citado, são causas interruptivas da prescrição:

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a) O despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se

o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual.

Salta aos olhos a modificação constante do inc. I do art. 202. Com efeito, o código de 1916, no

art.172, estabelecia que a citação pessoal –e não o despacho- interrompia o prazo prescricional. Esse

dispositivo, todavia, era interpretado em conformidade com os parágrafos 1º e 2º do art. 219 do Livro

Adjetivo que determinavam a retroatividade da interrupção à data da propositura da ação, desde que

a parte promovesse a citação do réu nos dez dias subseqüentes à decisão que a ordenasse. Era

forçoso concluir, assim, que a data de ajuizamento da actio é que interrompia o prazo prescricional.

A melhor doutrina entende que os dispositivos retro invocados do Livro dos Ritos não foram

revogados. Assim, o despacho ordenando a citação interromperia o prazo, mas a aludida interrupção

retroagiria ao dia em que a ação fora proposta.

b) O protesto.

Cuida-se da medida cautelar de protesto, regulada pela lei processual, destinada a prevenir

responsabilidade, prover a conservação e ressalva de direito, feito por petição dirigida ao juiz, com

requerimento de intimação a quem de direito (vide art.866, CPC).

Por força da ressalva feita ao final do inciso II, art. 202 do NCC, aplica-se, na hipótese

presente, as mesmas regras do inciso anterior, referentes ao despacho de citação.

c) O protesto cambial.

Há, aqui, inovação em relação ao codex anterior, que previa apenas o protesto judicial como

causa interruptiva do prazo prescricional. Com tal inciso, resta superada a súmula 153 do STF, em

cujos termos: “simples protesto cambiário não interrompe a prescrição”.

d) A apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em

concurso de credores.

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Trata-se da habilitação de crédito, que revela preocupação e diligência do sujeito ativo,

equiparando-se, para efeitos interruptivos, à propositura de uma ação.

e) Qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor.

f) Qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe

reconhecimento do direito pelo devedor.

Neste caso, diferentemente do ocorrente nas outras hipóteses arroladas, a interrupção opera-se

por ato do devedor, e não do credor. Para tanto, é necessário que o ato seja inequívoco, ou seja, fora

de dúvidas. Ademais, exige-se a manifestação do sujeito passivo no sentido de reconhecer o direito

pertencente ao sujeito ativo.

Em conformidade com a redação do novel art. 203, a prescrição pode ser interrompida por

qualquer interessado.

Quanto aos efeitos da interrupção do prazo prescricional, de acordo com as lições de Miguel

Maria de Serpa Lopes, vige o princípio do non datur interruptio de persona ad personam active et

passive, ou seja, a interrupção da prescrição aproveita apenas a quem a promove e prejudica somente

aquele contra quem ela se processa. Neste sentido reza o caput do art. 204.

Observe-se, porém, que, em se tratando de obrigações solidárias, a interrupção da prescrição

beneficiará todos os credores ou prejudicará todos os devedores, conforme o caso (parágrafo 1º).

Demais disso, a interrupção contra o devedor principal prejudica o fiador (parágrafo 3º).

XI- PRAZOS PRESCRICIONAIS

Na sistemática do novo Código Civil, são prescricionais apenas e tão-somente os prazos

fixados, em numerus clausus, nos arts. 205 e 206. Tal fato, todavia, não impede que a legislação

especial estabeleça outros interstícios temporais para o exercício de pretensões atinentes a direitos

que regulem.

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É o caso, por exemplo, do Decreto 20.910/1932, que regula a prescrição de pretensões contra a

Fazenda federal, estadual e municipal, nos seguintes e precisos termos:

“art. 1º. As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e

qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua

natureza, prescrevem em 5(cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem”.

Não obstante o dispositivo supra transcrito fixe o prazo prescricional em cinco anos, seja qual

for a natureza da “ação”, a jurisprudência, à época do código de 1916, assentou entendimento de que

tal artigo alcançaria apenas aquelas de cunho pessoal, não assim, as reais (não se olvide, entretanto,

que, diante do novo codex, torna-se mais adequado substituir o vocábulo ação por pretensão). Isto

porque, se assim não o fosse, abrir-se-ia ao Estado o direito de usucapir em cinco anos. Ora, não

havendo lei alguma estabelecendo tal direito, como não há, deve-se entender que ele se submete às

condições normais para a aquisição da propriedade, fixadas nos artigos 550 e 551 do código antigo,

hodiernamente constantes nos cânones 1238 e 1242. A propósito, observe-se que os prazos da

prescrição aquisitiva da nova Lei Civil foram reduzidos para quinze e dez anos, conforme se trate de

usucapião extraordinária ou ordinária, respectivamente, o que, certamente reclamará a adaptação da

posição jurisprudencial retro esposada.

Isto posto, voltemos aos prazos prescricionais estabelecidos no novo código.

A doutrina, com lastro na lei antiga, costumava classificar tais lapsos temporais em ordinários e

especiais. Adaptando-se tal classificação à nova lei, podemos asseverar que os primeiros

compreendem a regra geral, incidente sobre toda e qualquer pretensão não submetida a prazo legal

específico. Frise-se, portanto, que toda pretensão prescreve. Tal norma geral é estabelecida no art.

205, nos termos que se seguem:

“A prescrição ocorre em 10(dez) anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”.

Cumpre observar que o prazo aludido foi reduzido. Com efeito, o art. 177 do CC/1916 fixava

em vinte anos o prazo para a prescrição das “ações” pessoais e em dez (entre presentes) ou quinze

anos (entre ausentes), para as “ações” reais.

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Os prazos prescricionais especiais, por seu turno, compreendem as pretensões submetidas à

disposição legal especial, que afasta a incidência da norma geral. Assim sendo, são especiais os

prazos fixados no art. 206 do NCC.

XII- ESTATUTO DA DECADÊNCIA

Insta realçar, a prori, que o prazo decadencial tem termo a quo distinto do prescricional. A

respeito do tema, convém destacar o magistério de J.M. Leoni Lopes de Oliveira (ob.cit., p.1032):

“Na decadência, seu início (do prazo) é diverso do da prescrição. Na prescrição, o prazo

começa a correr a partir da lesão, isto é, no momento em que nasce a pretensão de direito

material. Na decadência, o seu início se dá com o nascimento do direito potestativo”.

Saliente-se, ademais, que, ao contrário da prescrição, fixada apenas em lei, a decadência pode

ser legal ou convencional. No primeiro caso, deve ser reconhecida de ofício pelo magistrado (vide

art. 210 do NCC). Na segunda hipótese, em que o instituto é fruto da autonomia de vontade dos

negociantes, o reconhecimento da decadência pelo juiz subordina-se à alegação da parte a quem

aproveita, em qualquer grau de jurisdição. Vale, aqui, a mesma restrição atinente à exigência de

prequestionamento para a invocação da matéria em recursos especial e extraordinário.

Em princípio, os prazos decadenciais são fatais e peremptórios, não comportando suspensão

nem interrupção. Esta regra, consubstanciada no art. 207 do NCC, todavia, admite exceções legais. A

propósito, convém registrar as lições de Carlos Roberto Gonçalves (ob.cit, p.198):

“A inserção da expressão ‘salvo disposição legal em contrário’ no aludido dispositivo

(art.207) tem a finalidade de definir que tal regra não é absoluta, bem como de esclarecer que não

são revogados os casos em que um dispositivo legal, atualmente em vigor (como o art.26,

parágrafo 2º, do CDC, p. ex), determine, para atender a hipótese especialíssima, a interrupção ou

suspensão de prazo de decadência. Tal ressalva tem também o condão de acentuar que a regra do

art. 207 é de caráter geral, só admitindo exceções por lei, e não pela simples vontade das partes

quando a lei não lhes dá tal faculdade”.

27

O art. 209 prescreve a nulidade da renúncia à decadência fixada em lei. Tal ocorre devido à

natureza pública do instituto, conforme realçado em tópico anterior. Note-se que tal dispositivo não

abrange a decadência convencional, que, diversamente, possui natureza privada, admitindo, por

conseguinte, a renúncia.

Por força do art. 208, o prazo decadencial não corre contra os absolutamente incapazes. Demais

disso, em virtude do mesmo preceito, os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação

contra os seus assistentes ou representantes legais que derem causa à decadência ou não a alegarem

oportunamente.

XIII- PRAZOS DECADENCIAIS

De acordo com a nova disciplina conferida à matéria, todos os prazos previstos no Código

Civil, em sua parte geral ou especial, que não estejam incluídos nos arts.205 e 206 são decadenciais.

É possível citar, empli gratia, os arts.48, parágrafo único, 550, 754, 1122,1124, entre outros.

Urge anotar que a legislação extravagante também poderá estabelecer prazos decadenciais, a

exemplo do Código de Defesa do Consumidor.

Por fim, registre-se que os direitos potestativos para os quais a lei não estabelece prazo de

exercício de modo específico são “imprescritíveis” ou, nas palavras de Agnelo Amorim Filho,

perpétuos, já que em relação a eles não há norma geral semelhante àquela estabelecida para a

prescrição, constante do art. 205 do NCC.

XIV- DIREITO INTERTEMPORAL

A questão que se coloca no presente tópico diz respeito às situações jurídicas pendentes, ou

seja, aos prazos extintivos que estavam em andamento quando da entrada em vigor do novo Código

Civil, que fixou, conforme visto acima, lapsos temporais diferentes daqueles previstos na Lei

Substantiva anterior. Nessa perspectiva, como conciliar a lei antiga com a nova?

28

Procurando solucionar o problema, o art. 2028 do NCC estabeleceu o seguinte:

“Art.2028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data

de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade de tempo estabelecido na lei

revogada”.

Assim, o prazo da lei antiga incidirá desde que o prazo tenha sido diminuído pela lex nova,

bem assim, que na data de entrada em vigor do novel codex, tenha transcorrido mais da metade do

tempo.

Note-se, entretanto, que o dispositivo em tela não abraça todas as hipóteses passíveis de

ocorrência no mundo dos fatos. Deste modo, para as situações por ela não regulamentadas, é de se

aplicar as seguintes regras, propostas por Wilson de Souza Campos Batalha, citadas por Pablo Stolze

e Rodolfo Pamplona:

“I- Se a lei nova aumenta o prazo de prescrição ou de decadência, aplica-se o novo prazo,

computando-se o tempo decorrido na vigência da lei antiga;

II- Se a lei nova reduz o prazo de prescrição ou decadência, há que se distinguir:

a) se o prazo maior da lei antiga se escoar antes de findar o prazo

menor estabelecido pela lei nova, adota-se o prazo da lei anterior;

b) se o prazo menor da lei nova se consumar antes de terminado o

prazo maior previsto pela lei anterior, aplica-se o prazo da lei nova, contando-se o prazo a partir

da vigência desta”. (ob.cit., p.508)

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