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São 18 horas de uma segunda-feira. Dia de sol e de calor. Na receção de um ginásio de Lisboa, em Alvalade, começa a formar-se uma fila. Em menos de 20 minutos a volta ao balcão da entrada. As dezenas de pessoas que ali estão querem garantir lugar na aula de zumba das 19hl5.Apesardas senhas de presen- ça começarem a ser distribuídas 30 minutos antes, a fila continua a crescer. Ana Dias, coordenadora e líder de exercícios de grupo do Holmes Place de Alvalade, conta que é sempre assim nos dias em que aulas de zumba. "Já cheguei a ter de fazer de polícia no balneário, à procura de senhas falsas, a impedir contrabando de senhas, a separar pessoas que lutavam por uma." Pa- rece demasiada euforia por causa de uma aula de fitness, contudo, ninguém estranha que assim seja, nem alunos, nem instrutores. É que esta mistura de dança e de exercício físico não para de ganhar adeptos. Tiago Santos, de 30 anos, Ana Isabel Fonseca, de 40, e Da- vid Morgado, de 21, garantiram a desejada senha de presença e aguardam, equipados, pelo come- ço da aula. São uma ínfima amos- tra dos três mil sócios que todas as semanas 'zumbam' nos 18 clubes que a marca inglesa tem em Por- tugal. Até começarem a praticar a modalidade nenhum deles era de exercício físico. "No outro dia vim a correr do trabalho para conseguiruma senha. Quando cheguei era tarde. Fi- quei tão desiludida que larguei a toalha e as coisas e fui-me embora." Aos 40 anos, Ana Isabel faz zumba todos os dias. falhamesmo quan- do não pode. "Sim, perdi peso, mas percebi que a nível emociona] era algo que me fazia falta." Compre- ende-se o que diz quando entra na sala de aula. Mal a música começa a tocar, Ana Isabel perde o ar sério e enche-se de sorrisos enquanto imita, quase automaticamente, os passos do professor. "Dois passos para esquerda. Bora lá, mexe! Alegria, alegria!" Do cimo de um ligeiro estrado, Ví- tor Goulart as indicações aos alunos, que o copiam sem erros. De um lado para o outro, sem se enganarem nos passos, a bater as palmas na altura exata, cerca de 70 pessoas abanam a anca, fletem as pernas, saltam e cantarolam. Ao fundo, os sucessos mais recentes da música latina fazem parecer que se está numa festa. Três pulos no ar, duas flexões com as pernas, um abano de peito Shakira', um movimento sensual a descer até ao chão e começa tudo outra vez. "As coreografias são simples, a música alegre e os passos repe- titivos." É assim que Vítor Goulart explica o segredo do sucesso da zumba. Aos 26 anos, este açoriano do Pico mudou-se de Leiria para a capital para continuar a dar au- las de aeróbica e de step. que o sucesso da zumba trocou-lhe as voltas e agora está ocupado 15 ve- zes por semana com a modalidade. "Nunca tinha visto as pessoas a fica- rem assim tão viciadas." Acereja no topo deste bolo são as 800 calorias por aula que se podem perder, o equivalente a uma aula (dura) de bicicleta. Se for feita com a inten- sidade pedida pelo instrutor, claro. "Quando acabo uma aula saio de com a camisola completamente molhada", explica David Morgado. Este jovem estudante chega a estar a 'fazer tempo' no ginásio à espera que as senhas das aulas comecem a ser distribuídas. UM ACASO FELIZ Azumba nasceu por acaso, quando Beto Pérez, o homem que a inven- tou, se esqueceu das cassetes numa aula de step. Lembrou-se de usar a música latina que tinha consigo e foi inventando passos. Apesar de não ter sido planeada, a modalidade foi aperfeiçoada para ser fácil. um estilo de vida. milhões de dólares gastos em programas de fitness para pessoas que gostam de fazer exercício físico. Eu criei uma mistura de fitness e de música para os 95% que não gostam", con- ta Pérez, que esteve em Portugal em abril. Sem saber, tinha nascido ali uma galinha dos ovos de ouro que levou o colombiano da lista dos mais pobres para a dos mais ricos. Em poucos anos, e depois de Beto emigrar para Miami, a zum- ba transformou-se numa marca mundial, licenciada, com produtos associados e mais de 14 milhões de fãs espalhados por 140 mil aulas em 85 países. Hoje a Zumba Corporate é uma empresa bem organizada e estruturada, com uma hierarquia definida na qual é permitido ascen- der profissionalmente. Ao fim de três anos a dar aulas de zumba, Vítor viu gente que não gostava de dançar, ou que ti- nha dificuldade em fazer os passos de outras modalidades, apanhar as coreografias à primeira. "Quando dava aeróbica e step sabia que ti- nha uma adesão restrita. Aqueles que gostavam iam às aulas, mas não conseguia captar alunos no- vos." O treinador admite que a in- teresse dos alunos também depen- de do treinador e que apesar das aulas serem pré-coreografadas é possível adaptá-las consoante o público. "Se tenho uma aula com pessoas comproblemas de mobili- dade tenho liberdade para adaptar os exercícios", explica. Nada na zumba é estático. As músicas e as coreografias vão mu- dando e alternando, mas mesmo assim quem faça quilómetros para participar noutras aulas da modalidade. "Temos um grupo no Facebook que se chama os Zum- bólicos de Alvalade e fomos em grupo fazer zumba ao Café da Pon- te e ao Dolce Vita Tejo", diz Tiago Santos, que tem combinado com outros fãs mais uma viagem a um evento. O ex-militar, que de segunda

Press Review page - ClipQuick€¦ · percebi que a nível emociona] era algo que me fazia falta." ... "Temos um grupo no Facebook que se chama os Zum- ... basta ter um instrutor

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São 18 horas de uma segunda-feira.Dia de sol e de calor. Na receção de

um ginásio de Lisboa, em Alvalade,

começa a formar-se uma fila. Em

menos de 20 minutos dá a volta

ao balcão da entrada. As dezenas

de pessoas que ali estão queremgarantir lugar na aula de zumba das

19hl5.Apesardas senhas de presen-

ça só começarem a ser distribuídas

30 minutos antes, a fila continua

a crescer. Ana Dias, coordenadora

e líder de exercícios de grupo do

Holmes Place de Alvalade, conta

que é sempre assim nos dias em que

há aulas de zumba. "Já cheguei a terde fazer de polícia no balneário, à

procura de senhas falsas, a impedircontrabando de senhas, a separar

pessoas que lutavam por uma." Pa-

rece demasiada euforia por causa

de uma aula de fitness, contudo,

ninguém estranha que assim seja,

nem alunos, nem instrutores. É queesta mistura de dança e de exercício

físico não para de ganhar adeptos.

Tiago Santos, de 30 anos,Ana Isabel Fonseca, de 40, e Da-vid Morgado, de 21, já garantirama desejada senha de presença e

aguardam, equipados, pelo come-

ço da aula. São uma ínfima amos-

tra dos três mil sócios que todas as

semanas 'zumbam' nos 18 clubes

que a marca inglesa tem em Por-

tugal. Até começarem a praticar a

modalidade nenhum deles era fã

de exercício físico.

"No outro dia vim a correr do

trabalho para conseguiruma senha.

Quando cá cheguei já era tarde. Fi-

quei tão desiludida que larguei a

toalha e as coisas e fui-me embora."

Aos 40 anos, Ana Isabel faz zumba

todos os dias. Só falhamesmo quan-do não pode. "Sim, perdi peso, mas

percebi que a nível emociona] era

algo que me fazia falta." Compre-ende-se o que diz quando entra na

sala de aula. Mal a música começaa tocar, Ana Isabel perde o ar sério

e enche-se de sorrisos enquantoimita, quase automaticamente, os

passos do professor."Dois passos para esquerda.

Bora lá, mexe! Alegria, alegria!"Do cimo de um ligeiro estrado, Ví-tor Goulart dá as indicações aos

alunos, que o copiam sem erros.De um lado para o outro, sem se

enganarem nos passos, a bater as

palmas na altura exata, cerca de

70 pessoas abanam a anca, fletem

as pernas, saltam e cantarolam. Ao

fundo, os sucessos mais recentes

da música latina fazem parecerque se está numa festa. Três pulos

no ar, duas flexões com as pernas,um abano de peito 'à Shakira', ummovimento sensual a descer até

ao chão e começa tudo outra vez.

"As coreografias são simples,

a música alegre e os passos repe-titivos." É assim que Vítor Goulart

explica o segredo do sucesso da

zumba. Aos 26 anos, este açorianodo Pico mudou-se de Leiria paraa capital para continuar a dar au-las de aeróbica e de step. Só que o

sucesso da zumba trocou-lhe as

voltas e agora está ocupado 15 ve-

zes por semana com a modalidade.

"Nunca tinha visto as pessoas a fica-

rem assim tão viciadas." Acereja no

topo deste bolo são as 800 calorias

por aula que se podem perder, o

equivalente a uma aula (dura) de

bicicleta. Se for feita com a inten-sidade pedida pelo instrutor, claro.

"Quando acabo uma aula saio de

lá com a camisola completamentemolhada", explica David Morgado.Este jovem estudante chega a estar

a 'fazer tempo' no ginásio à espera

que as senhas das aulas comecem a

ser distribuídas.

UM ACASO FELIZ

Azumba nasceu por acaso, quandoBeto Pérez, o homem que a inven-

tou, se esqueceu das cassetes numa

aula de step. Lembrou-se de usar

a música latina que tinha consigo

e foi inventando passos. Apesar de

não ter sido planeada, a modalidade

foi aperfeiçoada para ser fácil. "É

um estilo de vida. Há milhões de

dólares gastos em programas de

fitness para pessoas que gostamde fazer exercício físico. Eu criei

uma mistura de fitness e de música

para os 95% que não gostam", con-

ta Pérez, que esteve em Portugalem abril. Sem saber, tinha nascido

ali uma galinha dos ovos de ouro

que levou o colombiano da listados mais pobres para a dos mais

ricos. Em poucos anos, e depois de

Beto emigrar para Miami, a zum-ba transformou-se numa marcamundial, licenciada, com produtosassociados e mais de 14 milhões de

fãs espalhados por 140 mil aulas em85 países. Hoje a Zumba Corporateé uma empresa bem organizada e

estruturada, com uma hierarquiadefinida na qual é permitido ascen-

der profissionalmente.Ao fim de três anos a dar aulas

de zumba, Vítor já viu gente quenão gostava de dançar, ou que ti-nha dificuldade em fazer os passos

de outras modalidades, apanhar as

coreografias à primeira. "Quandodava aeróbica e step sabia que ti-nha uma adesão restrita. Aqueles

que gostavam iam às aulas, masnão conseguia captar alunos no-vos." O treinador admite que a in-

teresse dos alunos também depen-de do treinador e que apesar das

aulas serem pré-coreografadas é

possível adaptá-las consoante o

público. "Se tenho uma aula com

pessoas comproblemas de mobili-dade tenho liberdade para adaptaros exercícios", explica.

Nada na zumba é estático. As

músicas e as coreografias vão mu-dando e alternando, mas mesmoassim há quem faça quilómetros

para participar noutras aulas da

modalidade. "Temos um grupo no

Facebook que se chama os Zum-bólicos de Alvalade e já fomos em

grupo fazer zumba ao Café da Pon-

te e ao Dolce Vita Tejo", diz Tiago

Santos, que tem já combinado com

outros fãs mais uma viagem a umevento. O ex-militar, que de segunda

a sexta faz zumba, contraria a ima-

gem que se tem dos adeptos. "Dizem

que a maior parte das pessoas quefaz são mulheres, por isso, quandocontava que trabalhava na ForçaAérea ficavam de queixo caído, qua-se sem acreditarem que alguém quetinha uma profissão tão rígida podiaandar a correr e saltar ao som de

música latina." Era precisamente a

leveza que procurava. Não queria

perder peso nem tonificar, apenas

desligar-se da rigidez do trabalho.

"A zumba é ideal para muitacoisa. É supereficiente, treina-se,

gastam-se calorias, desinibe o pre-conceito", afirma Patrícia Pinto. Ao

contrário de Vítor Goulart, que só

acreditou no sucesso da modalida-

de quando começou a ver a adesão

das pessoas, Patrícia, responsável

pelas aulas de grupo do clube VirginActive, apaixonou-se pela zumba

assim que a viu. "Dava aulas num

ginásio na Covilhã, o dono foi ao

Virgin Active de Gaia e ficou ren-dido à zumba. Mandou-me a mime a duas colegas fazer formação aMadrid." O investimento, arriscado

para um pequeno clube do interior

do país, compensou. "Nunca tinha

tido alunos a dizerem-me que es-

tavam felizes por fazerem zumba,com lágrimas nos olhos." E o que na

altura era uma inovação depressa se

tornou em algo banal.

Antes de Patrícia e Vítor se

terem tornado ZIN de zumba (ins-

trutores de zumba, a base da hie-

rarquia), já Ana Vieira dava aulas.

Em 2008, viu um vídeo no Vou-

Tube, achou piada e partiu duas

semanas para fazer formação em

Inglaterra. "É um prazer, não é um

desporto. Talvez por isso seja o fe-

nómeno que é." As 21 aulas quedá por semana, de uma ponta à

outra do Algarve, em hotéis, clubes

e associações, estão sempre cheias

e, algumas vezes, são dadas em

inglês.para que os turistas possamentender. "Há pessoas que ficam

agradecidas por lhes trazermos

uma coisa nova."

Ana já teve inúmeras expe-riências a dar aulas diferentes de

zumba, mas talvez a mais especialtenha sido a que organizou em con-

junto com a Associação Salvador

(criada para defender a integraçãode pessoas com mobilidade redu-

zida). É que a zumba tem diferen-

tes tipos, além da tradicional. Há a

zumba gold (para idosos), a toning

(para tonificar), a gold toning (toni-

ficação para seniores), acqua (feita

dentro de água), kids (para crian-

ças dos 7 aos 11 anos), kids júnior(dos 4 aos 6 anos), zumbini (parabebés até aos 3 anos), circuito (feita

dentro de um circuito e com in-tervalos mais prolongados), step(a junção das duas modalidades )

e o sentada, dedicada a quem não

pode ou não se quer levantar. "Uma

vez, disseram-me, a brincar, que

queriam fazer desporto sem se

levantar. Respondi que não havia

problema, podíamos fazer a zumba

sentados", relembra Beto Pérez en-

quanto mostra os exercícios que se

podem fazer numa cadeira. Depoisda zumba 'simples', Patrícia está

agora a estrear-se na versão step."É mais uma inovação. Tem uma

componente de tonificação maior."

O sucesso feito com a zumba

obrigou a concorrência a reagir. ALes Mills, marca neozelandesa de

exercícios de fitness. está a expandiro Sh"bam, que por cá é usado nas

cadeias Fitness Hut e Kalorias. As

outras principais marcas de ginásios

(Holmes Place, Solinca Club L e Vir-

gin) preferem a zumba, que também

a nível financeiro é mais vantajosa.Ao contrário de modalidades como

MODAA INSTRUTORACRACIETEMEIRA,A DIREITA, TORNOU--SE REVENDEDORADE ROUPA 'OFICIAL'PARA FAZER ZUMBA

o RPM, o spinning, o bodypump ou

mesmo slYbam, não é preciso pagar

licenças de acordo com a quantidadede aulas dadas, nem comprar mate-

rial para dar as aulas.

"O instrutor é a sua própria

licença. Enquanto nas outras mo-

dalidades os ginásios têm de pagarum montante consoante o núme-

ro de aulas que dão, na zumbabasta ter um instrutor licenciado",

explica José Júlio Castro, presiden-te da Associação de Empresas de

Ginásios de Portugal. Por 30 dóla-

res por mês (cerca de 22 euros), e

depois de um curso de formação,os ZIN recebem todos os mesesmaterial (cassetes, DVD, posters,

coreografias) e estão autorizados

a lecionar as aulas. Acima deles

estão os Zjammers, instrutores

que podem fazer coreografias e

ensiná-las a quem não tem tempo

para as fazer. No topo, estão os ZES

(Zumba Educational Specialists),

instrutores dos instrutores.

ROUPA COLORIDA

PARAZUMBAR"Não pagar uma licença pelas aulas

é uma grande vantagempara os gi-násios. O valor que pagamos nunca

aumentou e penso, aliás, que nun-ca irá aumentar", frisa Ana Vieira.Para a instrutora, esta é uma van-

tagem e, ao mesmo tempo, uma

desvantagem, já que "todos os me-ses há novos professores e não há

regulação". Apesar da hierarquia da

marca Zumba não há em Portugaluma entidade que regulamente os

vários ramos de negócio. Um dos

mais recentes é o Zumba Wear, a

roupa e merchandising da moda-

lidade, que só pode ser vendido porinstrutores. "É um complementoàs aulas que serve também paraa modalidade estar mais próximados alunos", diz Graciete Meira, ins-

trutora e revendedora autorizada

para a zona de Viana do Castelo. As

roupas e calçado, feitos na América

Latina, esgotam com facilidade,

apesar da crise. Em cada evento de

zumba (aulas maiores ou encon-tros especiais com fãs), em média

cada pessoa compra duas peçasde roupa. "O mais normal é com-

prarem dois tops, duas camisolas

(entre os €.25 e os €30), ou umas

calças e duas camisolas."

Graciete costuma estender o

stand no fim das aulas, mas tam-bém vai com frequência a aulas

de outros professores mostrar as

novas coleções. Desde ginásio a

escolas, passando por salões de

bombeiros, já se surpreendeu com

a quantidade e tipo de peças quevendeu. "As cores mais sóbrias,como o cinzento e o preto, não

saem. O que as pessoas gostam é

de cores berrantes." Deve ter a ver

com "a explosão de alegria que é a

zumba", o

EVENTOSALÉM DAS AULASNOS GINÁSIOSHÁMECA-AULASORGANIZADAS DE

NORTE A SUL DO PAÍS

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