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ISSN 1982 - 0283 PREVENÇÃO AO USO DE DROGAS: A ESCOLA NA REDE DE CUIDADOS Ano XXIII - Boletim 23 - NOVEMBRO 2013

prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

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Page 1: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

ISSN 1982 - 0283

PREVENÇÃO AO USO DE DROGAS: A ESCOLA NA REDE DE CUIDADOS

Ano XXIII - Boletim 23 - NOVEMBRO 2013

Page 2: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

Prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

SUMÁRIO

Apresentação .......................................................................................................................... 3

Rosa Helena Mendonça

Introdução .............................................................................................................................. 4

Carla Dalbosco

Ana Luzia Dias Pereira

Texto 1: O professor e a prevenção do uso de drogas: em busca de caminhos ...................... 10

Helena Maria Becker Albertani

Texto 2: As situações-problema relacionadas ao uso de álcool e outras drogas

presentes na escola ........................................................................................................... 18

Carla Dalbosco

Texto 3: Prevenção do uso de drogas: a construção de uma política pública a partir da

formação de educadores ......................................................................................................25

Profa. Dra. Maria Fátima Olivier Sudbrack

Profa. Dra. Maria Aparecida Gussi

Page 3: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

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Prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

aPresentação

A publicação Salto para o Futuro comple-

menta as edições televisivas do programa

de mesmo nome da TV Escola (MEC). Este

aspecto não significa, no entanto, uma sim-

ples dependência entre as duas versões. Ao

contrário, os leitores e os telespectadores

– professores e gestores da Educação Bási-

ca, em sua maioria, além de estudantes de

cursos de formação de professores, de Fa-

culdades de Pedagogia e de diferentes licen-

ciaturas – poderão perceber que existe uma

interlocução entre textos e programas, pre-

servadas as especificidades dessas formas

distintas de apresentar e debater temáticas

variadas no campo da educação. Na página

eletrônica do programa, encontrarão ainda

outras funcionalidades que compõem uma

rede de conhecimentos e significados que se

efetiva nos diversos usos desses recursos nas

escolas e nas instituições de formação. Os

textos que integram cada edição temática,

além de constituírem material de pesquisa e

estudo para professores, servem também de

base para a produção dos programas.

A edição 23 de 2013 traz como tema Preven-

ção ao uso de drogas: a escola na rede de

cuidados e conta com a consultoria de Carla

Dalbosco, psicóloga, mestre e doutora em

Psicologia Clínica e Cultura pela Universida-

de de Brasília – UnB. Os textos que integram

essa publicação são:

1. O professor e a prevenção do uso de dro-

gas: em busca de caminhos

2. As situações-problema relacionadas ao uso

de álcool e outras drogas presentes na escola

3. Prevenção do uso de drogas: a constru-

ção de uma política pública a partir da

formação de educadores

Boa leitura!

Rosa Helena Mendonça1

1 Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro (TV Escola/MEC).

Page 4: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

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Falar sobre drogas é sempre delica-

do. Geralmente as discussões são infladas

por juízos de valor, pré-julgamentos ou pre-

conceitos que nos levam a perceber a pro-

blemática sem, no entanto, conseguirmos

dominá-la eficientemente. E essa temática

deve ser adequadamente debatida e traba-

lhada no ambiente escolar, para que tenha-

mos condições de enfrentar este problema

de modo a preveni-lo, promovendo a saúde

de todos os sujeitos que vivenciam o dia a

dia escolar, sejam educadores, colaborado-

res, alunos ou familiares.

O uso de drogas psicotrópicas é en-

contrado em diferentes civilizações e, desde

a história antiga, há relatos de consumo em

contextos religiosos, rituais, festas ou cele-

brações. Podemos, sem sombra de dúvida,

dizer que drogas e cultura sempre andaram

juntas. O que muda, ao longo dos diversos

momentos históricos, são as questões con-

ceituais entre, por exemplo, o que é lícito e

o que é ilícito, quais drogas serão toleráveis

socialmente e quais não.

Nas últimas décadas, a preocupação

com o consumo dessas substâncias vem au-

mentando, principalmente quando se pensa

em crianças e adolescentes, e a discussão

sobre estratégias possíveis para o enfren-

tamento dos problemas decorrentes deste

uso, aliadas a ações preventivas, têm sido

fomentada no âmbito do governo e da so-

ciedade. Mas este não é um debate simples.

Iniciamos esta proposta com uma

pergunta: quem está apto a fazer preven-

ção? É preciso pensar se há algum campo de

atuação que possua a prerrogativa de liderar

estas ações: profissionais de saúde, assistên-

cia social, lideranças comunitárias, educado-

res... Afinal, quem é o principal responsável?

Ou será que todos estes atores possuem sua

parcela de contribuição, além, é claro, de ou-

tros segmentos e membros da sociedade?

Durante muito tempo, a abordagem

do tema drogas foi considerada tabu nas es-

colas brasileiras. As poucas ações existentes

introdução

ProPosta PedagÓgicaCarla Dalbosco1

Ana Luzia Dias Pereira2

1 Doutora em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília – UnB. Consultora desta Edição Temática.

2 Doutora em Lingüística pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

Page 5: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

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eram focadas no modelo do amedrontamento

e havia a crença de que somente especialistas

na área poderiam propor estratégias preventi-

vas para este contexto. Todavia, a medida que

as políticas públicas iam avançando e sendo

consolidadas no país, inúmeras mudanças na

visão sobre o consumo e os usuários de álcool

e outras drogas foram introduzidas.

Nos últimos anos, foi inaugurado

um debate mais pragmático sobre a temá-

tica, pautando-a como uma questão social

complexa que demanda intervenções, não

apenas de segurança pública, mas também

preventivas e de cuidado com o usuário, a

partir da perspectiva da intersetorialidade.

Passou-se de um modelo focado unicamen-

te na repressão do uso para um modelo que

privilegia ações de saúde e educacionais pre-

ventivas em geral. Assim, a escola passou a

ser considerada um espaço fecundo para a

realização de atividades de prevenção do

uso de drogas e de promoção à saúde arti-

culadas, pois está inserida em contextos e

comunidades específicos, que possuem suas

peculiaridades históricas, culturais, muni-

cipais e regionais. O espaço escolar não é

isolado do conjunto maior da sociedade e

é preciso construir pontes que aproximem,

ainda mais, a escola e sua rede.

Além do mais, a prevenção não é uma

prerrogativa apenas dos especialistas, pois

todos nós, cidadãos, somos aptos a realizar

ações preventivas em algum âmbito. Pensar

em uma escola saudável é dialogar com todos

os atores que fazem parte de seu contexto de

inserção, valorizando os recursos disponíveis

e as parcerias possíveis com os diversos pon-

tos da rede social e comunitária.

O programa Uso de drogas no ambien-

te escolar: ações integradas para prevenção

apresentará o tema em suas diferentes face-

tas. Por um lado, teremos um olhar voltado

para dentro dos muros da escola, valorizan-

do ações possíveis, educadores capacitados

e engajados em projetos, além do protago-

nismo dos próprios alunos, sejam crianças

ou adolescentes, na proposição de ações. No

segundo foco proposto, o programa deixará

evidente um olhar que precisa voltar-se para

fora da escola, para o território, para a co-

munidade que a cerca, para a relação com as

famílias, para as boas práticas identificadas

e para a rede de proteção a ser construída e

fortalecida, tanto no âmbito governamental

quanto não-governamental.

É preciso pensar em ações de caráter

preventivo universal, mas também não pode-

mos esquecer de falar daquelas escolas reais

que, muitas vezes, já enfrentam problemas

muito concretos de consumo ou tráfico nas

suas imediações ou, até mesmo, dentro da

própria escola, e trabalham com adolescen-

tes que já se encontram em situação de risco

e vulnerabilidade social. Transitar entre es-

ses diferentes olhares tem como objetivo fo-

mentar um espaço para reflexão e revisão de

Page 6: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

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práticas, para que os educadores sintam-se

fortalecidos para enfrentar este assunto que,

muitas vezes, é gerador de medos, preconcei-

tos e dificuldades para abordar o tema junto

aos jovens, nosso principal público-alvo.

TEMAS GERADORES

Com base nestas reflexões, iniciamos

a problematização de algumas questões sobre

a escola e os educadores. Para tal, formulamos

perguntas que podem nos ajudar a refletir:

- Que problemas reais relacionados ao consu-

mo de drogas são enfrentados no cotidiano es-

colar e quais estratégias e encaminhamentos

geralmente são utilizados para sua resolução?

- Que conhecimentos os educadores consi-

deram importantes para um bom desfecho

de situações-problema?

- Com que parcerias na rede interna e exter-

na da escola os educadores podem contar?

- Os educadores se sentem preparados

para lidar com o tema drogas e realizar

ações de prevenção?

- Qual é a visão que predomina nas escolas

em relação aos modelos de prevenção exis-

tentes? O que falta?

Além do mais, responder à pergunta

“o que leva os jovens a usarem drogas?” não

é tarefa simples, dada a própria complexi-

dade que envolve o fenômeno. Em primeiro

lugar, é preciso levar em consideração a trí-

ade “substância, indivíduo e meio ambien-

te”, pois, embora problemas como o abuso

de drogas sejam pessoais por natureza, eles

não podem ser entendidos sem considera-

ção ao contexto interpessoal dentro do qual

ocorrem. É preciso também avaliar os fato-

res de risco presentes na vida do adolescente

que podem aumentar a probabilidade dele

vir a consumir drogas.

OBJETIVOS DO PROGRAMA

Com o objetivo de valorizar as po-

tencialidades existentes na própria escola e

na comunidade que a cerca, são enfocados

três principais eixos para debate:

A escola como espaço para sensibi-

lização e construção de potenciais preven-

tivos, a partir de capacitações específicas

e disseminação de projetos de prevenção e

promoção da saúde, tornando os educado-

res e os alunos os protagonistas das ações

de caráter coletivo.

A escola como espaço de educadores

preparados para lidar com diferentes situa-

ções de risco identificadas e como um espa-

ço de acolhimento e não de exclusão.

Articulação com as diferentes re-

des e atores para corretos encaminhamen-

Page 7: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

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tos quando necessário e enfrentamento

de desafios de forma conjunta: saúde, se-

gurança, educação, assistência social, ju-

ventude, garantia de direitos, conselhos

municipais, famílias, os próprios alunos,

educadores, funcionários da escola, gesto-

res, técnicos, as lideranças comunitárias,

lideranças religiosas, conselheiros munici-

pais, entre tantos outros.

TEXTOS DO PROGRAMA

Os textos que acompanham este programa

foram elaborados de forma complementar

e pretendem ajudar na reflexão sobre os te-

mas e projetos já existentes em âmbito go-

vernamental e não governamental.

Texto 1 - O professor e a prevenção do uso

de drogas: em busca de caminhos

O texto traz reflexões sobre o papel da

educação frente ao tema e as diferentes ma-

neiras como os educadores podem contribuir

para ações de prevenção do uso de drogas

voltadas ao contexto escolar, a partir de uma

abordagem realista e despida de preconceitos.

Diante de uma questão tão complexa

historicamente, se torna necessário compre-

ender que o objetivo não é atingirmos o ideal

de uma sociedade totalmente livre de drogas,

mas é preciso valorizar o papel protagonista

do educador para auxiliar os estudantes a fa-

zerem escolhas saudáveis em suas vidas.

O texto aborda diferentes posturas

diante do uso de drogas, fatores pessoais e

sociais que favorecem a vulnerabilidade, a

importância de conhecer as drogas que es-

tão mais presentes na vida dos alunos e as

diferentes formas como a escola pode se or-

ganizar para enfrentar os desafios.

Texto 2 – As situações-problema relaciona-

das ao uso de álcool e outras drogas presen-

tes na escola

O objetivo do texto é apresentar um

panorama sobre as diferentes situações-

-problema que afetam o contexto escolar

e que envolvem o consumo de drogas ou o

tráfico de substâncias ilícitas, bem como as

estratégias adotadas pelos educadores para

enfrentamento destas circunstâncias dentro

do ambiente da escola.

Para tal, aborda aspectos sobre o

papel do educador e o quanto sua visão de

mundo e as representações sociais sobre o

tema serão determinantes para que se atin-

jam resoluções das situações-problema con-

sideradas “boas” ou “más”.

O protagonismo do educador é fun-

damental para que se tenha sucesso nesse

enfrentamento, ajudando a escola na arti-

culação com as diversas redes de apoio e a

apostar na reinserção dos alunos usuários.

Ações e projetos preventivos na escola preci-

sam agregar uma visão mais realista do con-

Page 8: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

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texto escolar brasileiro, que leve em conta

os fatores de risco já presentes em seu coti-

diano, mas sem descuidar da valorização de

fatores de proteção envolvidos e do protago-

nismo dos próprios jovens.

Texto 3 – Prevenção do uso de drogas: a

construção de uma política pública a partir

da formação de educadores

O texto que encerra esta edição

aborda a experiência de uma política go-

vernamental centrada na capacitação de

educadores, o “Curso de Prevenção do Uso

de Drogas para Educadores de Escolas Pú-

blicas”, promovido pela Secretaria Nacional

de Políticas sobre Drogas do Ministério da

Justiça em parceria com a Secretaria de Edu-

cação Básica do Ministério da Educação e

realizado pela Universidade de Brasília.

Por meio do exemplo deste curso a

distância, as autoras abordam a importân-

cia de preparar os profissionais das esco-

las públicas para uma atuação coletiva nas

ações preventivas e de promoção da saúde

no contexto escolar.

É apresentada também a proposta

político-pedagógica e o histórico da conso-

lidação do curso como uma política pública,

que visa, acima de tudo, subsidiar a esco-

la para a elaboração e desenvolvimento de

projetos de prevenção do uso de drogas em

articulação com a rede da escola.

Esperamos, com esse Programa,

colaborar para que nós, educadores, consi-

gamos encontrar a melhor forma possível

de lidar com o tema “Drogas” no ambiente

escolar, respeitando divergências, desmitifi-

cando pré-conceitos e promovendo a ação

intersetorial integradora. É importante ja-

mais esquecermos que a ação conjunta fun-

damenta a vida em sociedade, principalmen-

te o cotidiano escolar. Sem trabalharmos em

conjunto, a escola não consegue se alicerçar.

O conhecimento é construído e transmitido

em rede. E essa temática, por mais delicada

e problemática que possa ser, também deve

ser conhecida e trabalhada por todos e em

todos os nós que constituemos esta rede.

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LINKS NA INTERNET

Site do programa governamental “Crack, é possível vencer”:

www.brasil.gov.br/crackepossivelvencer

Portal do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas – OBID:

www.obid.senad.gov.br

Page 10: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

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O papel de educador envolve muitas

dimensões. Somos chamados a ensinar um

conteúdo programático, a estabelecer boas

relações com os alunos, a auxiliá-los a de-

senvolver habilidades e atitudes e a prepará-

-los para continuar a aprender, construindo

conhecimentos com autonomia e seriedade

para ampliar sua visão crítica do mundo e se

comprometer com ele.

Não é nada fácil. Muitas vezes nos

sentimos impotentes diante de tantos desa-

fios, numa sociedade plural, universalmente

permeada pela comunicação instantânea.

Ainda assim, conscientes de nosso papel,

buscamos dar conta do trabalho educacio-

nal que envolve, não apenas o crescimento

intelectual dos educandos, mas seu desen-

volvimento pessoal e social na construção

de um projeto de vida.

Dentro deste contexto, um dos te-

mas com os quais somos chamados a traba-

lhar é o uso de drogas.

POSTURAS DIANTE DO USO DE DROGAS

A abordagem da questão das drogas é

multidisciplinar e envolve ações de prevenção,

tratamento, inserção social, redução de da-

nos, estudos científicos, pesquisas, repressão

ao tráfico. O pano de fundo são as políticas

públicas sobre o assunto. O papel da educa-

ção refere-se à prevenção do seu uso indevido.

Duas posturas básicas se apresen-

tam quando se trata de organizar ações pre-

ventivas: a guerra às drogas e a diminuição

de riscos e danos, diante do consumo.

A guerra às drogas, adotada por mui-

tas pessoas, instituições e países, preconiza

e defende a erradicação do uso de drogas e

a adoção do consumo zero. Mesmo com sua

pretensa intenção de favorecer uma vida mais

saudável às pessoas, esta concepção é, ao mes-

mo tempo, irreal, injusta e preconceituosa.

texto 1

o Professor e a Prevenção do uso de drogas: em busca de caminhos

Helena Maria Becker Albertani1

1 Orientadora Educacional, Licenciada em Filosofia. Mestre em Educação pela PUC SP. Coordenadora-Geral de Prevenção da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas - SENAD - (Brasília, 2003-2005).

Page 11: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

11

Sabemos que nem todos os usos de

drogas são prejudiciais, embora possam acar-

retar riscos. Quando se pretende “eliminar

qualquer uso”, estamos ignorando os usos

médicos, rituais e sociais.

A humanidade

sempre fez uso de subs-

tâncias que alteram a

consciência, em busca

de prazer ou de dimi-

nuição do sofrimento. A

missão da educação, ao

invés de negar a realida-

de, é procurar compre-

endê-la e formar pesso-

as que saibam conviver

com ela de forma crítica,

fazendo escolhas cons-

cientes e autônomas.

O proibicionismo e as metodologias

de caráter autoritário e moralista trabalham

contra as possibilidades de opção. Além de

serem opostos aos direitos humanos que

proclamam a livre construção da vida pesso-

al como inerente ao ser humano, são bastan-

te ineficazes como princípios educacionais.

Ao deixarem de ser controlados pelos adul-

tos, os jovens que não desenvolveram sua

autonomia tenderão a agir com critérios me-

nos claros e menos fundamentados e, mui-

tas vezes, bem mais arriscados.

É preciso aprender a conviver com a

existência de drogas, sejam elas legais (como

o álcool, o tabaco e os remédios) ou ilegais,

embora não mais difíceis de serem adquiridas.

E, nesta realidade, saber como e por que fazer

escolhas que impliquem no menor risco possí-

vel de danos à saúde, à convivência social e à

integridade das pessoas.

Na postura de redu-

ção de riscos e danos,

o objetivo do trabalho

de prevenção do uso de

drogas não é direcio-

nar autoritariamente os

comportamentos mas,

basicamente, auxiliar as

pessoas a desenvolve-

rem sua capacidade de

decisão para fazerem

escolhas que favoreçam

o exercício da liberdade

com responsabilidade para uma vida realiza-

dora, saudável, segura e feliz. Como uma al-

ternativa à guerra às drogas, procura reduzir

as vulnerabilidades de cada pessoa aos proble-

mas decorrentes do uso indevido de drogas.

Neste sentido, configura-se como uma ação

mais pragmática para evitar prejuízos à saúde

individual e coletiva.

Cabe, contudo, mencionar que a me-

lhoria da qualidade dos professores resultan-

te de um nível mais alto na formação, está

também condicionada, entre outros fatores, à

qualidade na oferta dos cursos e às condições

dadas aos estudantes que os frequentam.

A missão da educação,

ao invés de negar a

realidade, é procurar

compreendê-la e formar

pessoas que saibam

conviver com ela de

forma crítica, fazendo

escolhas conscientes e

autônomas.

Page 12: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

12

FATORES PESSOAIS E SOCIAIS QUE FAVORECEM A VULNERABILIDADE

O fato de uma droga ser proibida,

permitida, ou até ter seu uso estimulado

em uma sociedade, não é, na maioria das

vezes, fruto da percepção dos benefícios,

riscos ou prejuízos que seu consumo traz

consigo. Fatores econômicos, culturais, so-

ciais ou políticos costumam prevalecer so-

bre os de bem-estar social.

Os adolescentes que frequentam as

nossas escolas são também participantes

de uma sociedade que preconiza o sucesso,

alimenta a competição, favorece a cultura

do prazer e encoraja a busca de vivências

desafiadoras e arriscadas. Tudo isso sem a

conscientização da correspondente noção

da responsabilidade pessoal e social pelas

consequências das decisões e ações.

Neste contexto, torna-se mais difícil

o desenvolvimento do controle dos impul-

sos, da tolerância à frustração e mais fácil

a inserção em ações desconhecidas ou in-

seguras. As crianças e adolescentes se acos-

tumam à recompensa imediata para suas

ações e à necessidade de supressão da dor

física ou mental. Os adultos, muitas vezes,

se sentem responsáveis por “retirar” o so-

frimento da criança, mesmo que de forma

provisória ou fictícia, pelo uso de paliativos,

de medicamentos, de álcool ou outra droga.

Outros fatores de ordem social são

também importantes na experimentação e

na manutenção do uso de drogas. Entre eles

estão a publicidade, direta ou velada, e a dis-

torção de dados sobre o consumo entre a po-

pulação, banalizando a informação, como se

o uso de algumas drogas fosse um compor-

tamento adotado pela maioria das pessoas.

Na propaganda, o álcool é associado

à juventude, à beleza, ao prazer, à sexuali-

dade, ao bom desempenho esportivo e ao

prestígio social. São apelos que sensibilizam

o adolescente. Na ficção, os personagens be-

bem, invariavelmente, quando estão estres-

sados, preocupados, com raiva. E também

quando estão felizes, descontraídos, nas

ocasiões festivas e nas comemorações.

Ao tratar do uso de drogas nos seus

noticiários, no entanto, a mídia não parece

muito crítica diante da constante presença

do álcool na telinha, na telona ou na impren-

sa. A abordagem sobre o assunto se centra

prioritariamente nas drogas ilícitas e, hoje

em dia, especialmente no crack. Sem mini-

mizar os efeitos prejudiciais que esta droga

pode acarretar do ponto de vista pessoal e

social, é preciso saber onde estão os maiores

riscos para o envolvimento de nossos alunos

em problemas relacionados ao uso de dro-

gas. No trabalho de prevenção com crianças

e adolescentes deve-se considerar o uso das

substâncias que estão mais próximas e que

são as mais consumidas por eles e pelas pes-

soas com quem convivem.

Page 13: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

13

“A mídia peca, e muito, ao insistir em

um moralismo exagerado na discus-

são do tema, denunciando o usuário

de drogas ilícitas como o responsável

pela maioria das dificuldades existen-

tes nas mais diversas sociedades des-

te mundo globalizado, e incentivando

exageradamente o consumo de outras

substâncias, como o álcool. (...) Muito

mais importante do que denunciar ou

simplesmente criticar o abuso de subs-

tâncias psicoativas, é buscar soluções

práticas através de novas abordagens

e propostas, como, por exemplo, a re-

dução dos danos associados ao uso e

abuso de drogas”. (Gorgulho, 2006)

A ação preventiva na escola deve ser

realizada com esta perspectiva. Para isso é

preciso levar em conta os fatores que tornam

os alunos mais vulneráveis ao uso de drogas

e que dizem respeito ao próprio indivíduo e à

sociedade, incluindo as políticas públicas.

QUE DROGAS ESTÃO MAIS PRÓXI-MAS DE NOSSOS ALUNOS?

Os dados estatísticos sobre o uso

de drogas por estudantes de ensino funda-

mental e médio de escolas públicas e pri-

vadas do país (Carlini/Cebrid/Senad, 2010)

constituem uma base importante para

nosso ponto de partida. Eles revelam que

as drogas lícitas, como o álcool e o tabaco,

são as mais usadas pelos alunos.

A pesquisa, feita nas capitais de to-

dos os estados brasileiros e no DF, mostra

que 60,5% dos estudantes desses níveis de

ensino já haviam experimentado bebidas al-

coólicas e 16,9% já haviam fumado ao me-

nos um cigarro de tabaco. Os solventes e

inalantes ocupam o terceiro lugar entre as

drogas usadas pelos alunos, com 8,7% de

experimentadores, seguidos pela maconha,

que já foi usada, pelo menos uma vez, por

5,7% deles. Os remédios mais consumidos

(sem receita médica) foram os ansiolíticos

(5,3%) e os anfetamínicos (2,2%). Entre os

estudantes pesquisados, 2,5% já haviam ex-

perimentado cocaína e 0,6% o crack (Carlini/

Cebrid/Senad, 2010).

Estes dados, atuais e preocupantes,

nos apontam que a maior preocupação ao

fazer um trabalho preventivo nas escolas

deve se referir às drogas lícitas, especial-

mente o álcool.

Não se trata, portanto, de fazer uma

“guerra”, procurando afastar os alunos de

qualquer contato com as drogas. Elas estão

aí, fazem parte da nossa vida. O objetivo é

fazer com que cada pessoa seja capaz de

conviver com esta realidade e fazer escolhas

adequadas para sua vida.

A prevenção do uso indevido de dro-

gas deveria estar “direcionada em promover,

nas pessoas, uma formação que possibili-

tasse maior conhecimento dela mesma, de

sua vida e dos problemas do mundo, priori-

Page 14: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

14

zando, em última análise, uma redução de

vulnerabilidade em relação ao uso nocivo de

drogas” (Sodelli, 2010).

TRÊS FOCOS DE PREVENÇÃO

NA ESCOLA

Mesmo acreditando na necessidade

de incluir a prevenção no trabalho educacio-

nal da escola, não é fácil conceber um pro-

jeto atualizado, eficiente e viável, dentro do

currículo escolar. Este processo, no entan-

to, está presente na vida escolar, tenhamos

consciência disso ou não.

Cada escola, inclusive aquelas inseri-

das em sistemas públicos, tem sua concep-

ção de educação, seus princípios, sua me-

todologia e sua organização institucional.

Estas configurações, ainda que não expli-

citamente, constituem seu projeto político

pedagógico. É com base nisto que acontece

a educação escolar e é concretizada a in-

fluência que ela exerce na construção da

vida de cada aluno. “É inerente ao processo

educativo, portanto, o desenvolvimento de

atitudes em diferentes áreas da vida, entre

as quais as relacionadas ao uso de drogas.

Tomando-se como objetivo do trabalho pre-

ventivo a adoção de comportamentos livre-

mente assumidos e com menores probabili-

dades de riscos e danos, as ações da escola

são realizadas por meio de três focos: A es-

trutura da escola; ações implícitas; ações

explícitas” (Albertani, 2011).

ESTRUTURA DA ESCOLA

Estudos revelam que a forma como a

escola se organiza pode favorecer a diminui-

ção da vulnerabilidade das crianças e ado-

lescentes para o uso de drogas (Kraus, 2000).

Entre as características da escola facili-

tadoras do desenvolvimento de posturas mais

autônomas e responsáveis pelos alunos, e que

ajudam a prevenir o uso de drogas, estão:

Clima acolhedor e afetivo – ambiente em que

os alunos se sentem reconhecidos como pes-

soas e no qual os vínculos são favorecidos;

Participação, envolvimento e responsabilida-

de dos alunos nas tarefas e decisões da escola;

Parâmetros de comportamento claros e

consistentes – regras definidas, preferen-

cialmente com a participação de todos, e

cobradas com coerência;

Altas expectativas pelos educadores – valo-

rização dos alunos e de sua cultura e crença

nas suas possibilidades de crescimento e su-

peração de dificuldades;

Desenvolvimento de uma educação de qua-

lidade, tanto do ponto de vista dos conteú-

dos de ensino como da formação pessoal e

social dos estudantes.

Page 15: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

15

AÇÕES IMPLÍCITAS

O desenvolvimento de habilidades

pessoais e sociais para manejar situações e

desafios cotidianos é um fator importante

no desenvolvimento de pessoas autônomas

que possam fazer escolhas responsáveis em

qualquer âmbito da vida. Neste foco de ação

não se está falando no uso de drogas, mas

favorecendo o fortalecimento de comporta-

mentos conscientes e a possibilidade de que

eles sejam assumidos livremente.

Entre estas habilidades e posturas,

que podem ser trabalhadas pelo conjunto

dos educadores, podemos citar:

Desenvolvimento e manutenção de víncu-

los interpessoais;

Fortalecimento da autoestima;

Capacidade de manejar emoções;

Desenvolvimento da capacidade de reflexão;

Desenvolvimento de uma visão crítica da

realidade;

Capacidade de tomar decisões;

Habilidade de resolver problemas;

Construção de um projeto de vida.

AÇÕES EXPLÍCITAS

Para que os estudantes tomem de-

cisões livres e responsáveis sobre o uso de

drogas, em qualquer momento de suas vi-

das, é necessário que tenham dados de ava-

liação suficientes para compreender as con-

sequências possíveis de suas ações. Para isso

são necessárias habilidades e informações

específicas sobre as drogas, seus efeitos e

riscos, fundamentados em conhecimentos

científicos, atualizados e sem preconceitos.

Este terceiro foco do trabalho pre-

ventivo pode incluir:

Reflexão sobre as diferentes possibilidades

de relação com as drogas;

Desmistificação do uso e dos usuários de drogas;

Informações sobre os tipos de drogas e seus

efeitos;

Divulgação de padrões de consumo baseada

em dados estatísticos atualizados e confiáveis;

Reflexão sobre formas de reduzir riscos e da-

nos associados ao consumo de drogas;

Conhecimento da legislação e das políticas

sobre drogas no país e no mundo;

Reflexão sobre as relações entre a sexualida-

de e o uso de drogas;

Pesquisa sobre os recursos da comunidade

relacionados à prevenção, tratamento e inser-

ção social;

Informações sobre como agir nas emergências

relacionadas ao uso ou abuso de drogas.

O trabalho de prevenção na escola

terá mais possibilidades de eficácia se for

construído e realizado de forma coletiva, in-

serido no currículo e desenvolvido ao longo

da escolaridade, não apenas de forma pon-

tual em momentos específicos.

Page 16: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

16

Com a integração dos três focos de

prevenção, a metodologia deve ter como

fundamentos: a participação ativa dos edu-

candos, a promoção da reflexão e do diálogo,

a facilitação do autoconhecimento e a cons-

trução de conhecimentos e de posturas favo-

ráveis a uma vida autônoma e responsável.

O trabalho de prevenção baseado na

perspectiva de redução de riscos e danos é

uma consequência natural e legítima de um

processo educacional lúcido e competente

do qual se beneficiam alunos, professores,

funcionários, famílias e escolas, na cons-

trução de uma sociedade mais crítica, sau-

dável, responsável e feliz.Com a integração

dos três focos de prevenção, a metodologia

deve ter como fundamentos: a participa-

ção ativa dos educandos, a promoção da

reflexão e do diálogo, a facilitação do auto-

conhecimento e a construção de conheci-

mentos e de posturas favoráveis a uma vida

autônoma e responsável.

O trabalho de prevenção baseado na

perspectiva de redução de riscos e danos é

uma consequência natural e legítima de um

processo educacional lúcido e competente

do qual se beneficiam alunos, professores,

funcionários, famílias e escolas, na constru-

ção de uma sociedade mais crítica, saudável,

responsável e feliz.

Page 17: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

17

REFERÊNCIAS

ALBERTANI, H. M. B. Prevenção na escola: um novo olhar, uma nova prática. In Silva, E.A. e

De Micheli, D. (Orgs.) Adolescência, uso e abuso de drogas: uma visão integrativa. São Paulo: Fap-

Unifesp, 2011.

CARLINI, E. L. et al. CEBRID. VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas

entre Estudantes de Ensino Fundamental e Médio das Redes Pública e Privada de Ensino nas 27 Capitais

Brasileiras. São Paulo: UNIFESP. 2010

GORGULGO, M.. A influência da mídia na realidade brasileira do fenômeno das substâncias

psicoativas. In: Silveira, D.X. e Moreira, F.G. Panorama atual das drogas e dependências. São Paulo:

Atheneu, 2006.

KRAUS, D. Best practices in substance abuse prevention. New Orleans: Xerox, 2000.

SCHINKE, S; BOTVIN, G.J.; ORLANDI, M.A.. Substance abuse in children and adolescents - evaluation

and intervention. Newbury Park: SAGE, 1991.

SODELLI, M. Uso de Drogas e Prevenção. São Paulo: Iglu, 2010.

Page 18: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

18

Entre as diferentes áreas que pos-

suem afinidade com a prevenção do uso

de álcool e outras drogas, o contexto edu-

cacional tem merecido destaque pela inter-

face cada vez mais próxima entre os temas

saúde e educação. Nas últimas décadas, a

escola tornou-se um locus importante para

a realização de ações de foco preventivo e

os educadores adquiriram papel fundamen-

tal na formação integral de seus educandos,

ajudando-os a estabelecer ações de autocui-

dado e a optarem por escolhas saudáveis.

Todavia, pensar apenas pelo viés pre-

ventivo, ou mesmo de promoção da saúde,

é insuficiente para dar conta da complexi-

dade da questão. Em muitas escolas brasi-

leiras há relatos de circunstâncias que já

envolvem o consumo ou mesmo o tráfico

de drogas, com a presença de adolescentes

em situação de vulnerabilidade social, ex-

postos a riscos em função de seu padrão de

consumo ou mesmo de casos de violência.

Percebe-se que a escola não se sente prepa-

rada para lidar com o fato da socialização de

uma parcela da juventude brasileira passar

pela experimentação, ou mesmo pelo abuso

de álcool e outras drogas. Este fato gera a

paralisação dos educadores, que não sabem

como agir frente a esta problemática, prin-

cipalmente quando as situações-problema

estão presentes no próprio contexto escolar.

Diante deste quadro, podemos pen-

sar que, além da prevenção, os educado-

res devem estar preparados para lidar com

diferentes situações-problema concretas

relacionadas ao consumo de drogas, bem

como para a realização de encaminhamen-

tos quando necessário. Os desafios para a

construção de políticas e programas de pre-

venção são muitos.

texto 2

as situações-Problema relacionadas ao uso de álcool e outras drogas Presentes na escola

Carla Dalbosco1

1 Doutora em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília – UnB. Consultora desta Edição Temática.

Page 19: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

19

CONTEXTOS DE RISCO SOCIAL E USO

DE DROGAS EM ESCOLAS BRASILEIRAS

Adotar o conceito de situação-

-problema é integrador para referenciar

as ocorrências relacionadas à questão das

drogas no cotidiano escolar. Considera-se

aqui o emprego deste termo para aquelas

vivências relacionadas ao uso ou tráfico de

drogas lícitas ou ilícitas na escola, nas quais

o educador, ou seus alunos, são afetados di-

retamente, seja como protagonistas ou tes-

temunhas (Marques, 2011).

Autores como Santos, Sudbrack e

Almeida (2010), entendem que alguns fato-

res presentes no ambiente escolar podem

aumentar o risco da ocorrência de situa-

ções-problema, entre eles: falta de normas,

regras e limites claros; relações desrespei-

tosas; falta de responsabilidade dos agentes

educativos (professores, diretores, servido-

res); ausência de relação entre a família e

a escola; ausência de expectativas positivas

em relação ao desempenho dos alunos; falta

de atividades que estimulem a participação

juvenil; relações preconceituosas para com

os alunos; falta de afetividade nas relações;

autoritarismo ou permissividade. É preciso

destacar também, a questão da acessibilida-

de a drogas lícitas na escola e nas redonde-

zas, como o álcool e o tabaco.

Uma pesquisa qualitativa realizada

com o objetivo de conhecer a realidade de

escolas públicas brasileiras, a partir da iden-

tificação de situações-problema relacionadas

ao tema drogas , contou com a participação

de mais de 2 mil educadores em todo o Brasil

(DALBOSCO, 2011). Por meio da aplicação de

um questionário online que identificou situa-

ções-problema vivenciadas pelos educadores,

buscou-se também conhecer o potencial pre-

ventivo existente nas escolas, as estratégias

adotadas e as parcerias acionadas para a re-

solução das questões, além das concepções

dos educadores sobre a temática.

Os resultados foram bastante revela-

dores em relação a diferentes aspectos que

são motivo de preocupação para os educa-

dores quando se fala em drogas e que preci-

sam estar presentes na formulação de ações

voltadas para este contexto. Destacaremos, a

seguir, alguns desses achados.

ESCOLA DESPROTEGIDA

O primeiro ponto a ser evidenciado

é que, na visão dos educadores brasileiros,

nenhum contexto está livre de riscos e as

escolas não se sentem protegidas. Há uma

diversidade de questões relacionadas às

drogas com as quais o educador deve estar

preparado para lidar: o consumo de drogas

pode ocorrer na família ou na comunidade

em que o adolescente vive; nos arredores da

escola; no interior da escola ou mesmo den-

tro da sala de aula; situações de violência,

medo e ameaças pela presença do tráfico de

drogas; falta de apoio interno e da rede de

serviços; dificuldade de aproximação com

Page 20: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

20

os adolescentes e falta de articulação com a

rede familiar. Na visão dos educadores, a es-

cola não consegue proteger o aluno e pode

acabar se tornando mais um espaço “des-

truído pela droga”. A situação de risco, dessa

forma, se sobrepõe à própria instituição e a

qualquer ação proposta.

DROGAS LÍCITAS

Quando se trata de situações rela-

cionadas a drogas lícitas, há uma visão mais

tolerante. O álcool não é visto como uma

droga tão prejudicial, muito em função do

fato de apresentar inserção cultural e social

evidentes, não apenas entre os brasileiros

mas também, em outras sociedades. Nes-

ses casos, quando surgem problemas re-

lacionados ao uso ou abuso de álcool no

ambiente escolar, as situações-problema

são resolvidas, na maioria das vezes, com

acionamento de recursos da rede interna da

escola, sem que se recorra a parceiros ex-

ternos: o próprio educador, a direção e, no

máximo, a família do adolescente.

DROGAS ILÍCITAS

Nas situações-problema que envol-

vem o consumo de drogas ilícitas, há um

temor maior por parte do educador, seja

pela saúde do adolescente, alterações de

comportamento, ou, ainda, pela associação

direta com a violência em suas diversas in-

terfaces e os riscos associados ao contexto

do tráfico de drogas, como assassinatos,

por exemplo. Nesses casos, a escola recorre

mais à rede externa, com destaque para a

segurança pública, além do encaminhamen-

to do aluno para o conselho tutelar, equipa-

mentos de saúde e de assistência social.

EXCLUSÃO X INCLUSÃO

Outro ponto que merece destaque

é a ambiguidade em relação ao que é con-

siderada uma “boa resolução” da situação-

-problema. A exclusão/expulsão do aluno da

escola é vista como um fracasso por alguns

educadores e como um alívio/solução por

outros. Por isso, a visão de mundo do edu-

cador e dos gestores da escola será determi-

nante para a escolha do encaminhamento

adequado: “o maior desafio é encarar o pro-

blema e tentar ajudar, porém, é muito mais

prático excluir o aluno”.

Alguns educadores acham que é fun-

damental pensar na reinserção do usuário,

sua inclusão na escola, ao invés da exclusão

pura e arbitrária, na qual “a escola abando-

na o jovem”, “repassa responsabilidades” para

outras instituições sem formar parcerias re-

ais, gerando falta de compromisso de seus

profissionais com a resolução da situação.

Há um desejo de livrar-se rapidamente do

problema ou mesmo de ignorá-lo: “sabemos

que existe, mas não queremos ver”. Percebe-

-se uma contradição, pois, ao mesmo tempo

em que há o anseio por ações preventivas e

um olhar acolhedor sobre o usuário de dro-

gas, muitos educadores apresentam com-

Page 21: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

21

portamentos preconceituosos, excludentes

dos alunos usuários, colocando-os como

bodes expiatórios de todo o mal da escola,

que devem ser “extirpados” e afastados sem

segunda chance.

Por outro lado,

apesar de a sensação

em um primeiro mo-

mento parecer de alí-

vio, o afastamento do

aluno pode gerar um

incômodo no educador,

que fica com a sensação

de que houve falha em

algum ponto: seja dele

individualmente como

profissional, ou da es-

cola como instituição.

Entende-se que o esperado não deve-

ria ser afastar o aluno da escola, mas sim, a

construção do caminho inverso, que logras-

se trazê-lo para perto da escola e ajudá-lo na

construção de seu projeto de vida. Portanto,

de forma pragmática, lidar com a situação-

-problema pode vir a ser uma oportunidade

de compreender o papel sistêmico da escola

e desta instituição apropriar-se de seu papel

enquanto matriz formadora social.

O PAPEL DO EDUCADOR

Constata-se que o papel ativo do

professor no enfrentamento da situação-

-problema é fundamental para que qualquer

ação no contexto escolar tenha sucesso, seja

pela capacidade de dialogar ou pela articula-

ção com a rede:

“O mais desafiador é despir-se dos pre-

conceitos, dos julgamentos e assumir

a postura de educador

(no sentido mais amplo

da palavra) e não sim-

plesmente de professor

(conteúdo, currículo...).

Assumir a postura do co-

lega que acolhe, entende

e procura ajudar”.

Para atingir estes ob-

jetivos, há também a

necessidade de se cria-

rem formas de aprendi-

zagem que valorizem a

produção de sentidos. Isto depende, em par-

te, da revisão de parâmetros curriculares e

de modelos de ensino-aprendizagem que fa-

zem parte da instituição escolar. O educador

precisa desenvolver competências para as

ações de educação para a saúde, por exem-

plo, e ter acesso a conteúdo técnico qualifi-

cado sobre o tema: “enfrentar o preconceito

sobre usuários e a falta de conhecimento espe-

cífico sobre as drogas”. Uma das razões que

levam ao insucesso das ações de prevenção

é enfocar os problemas associados ao uso

de drogas a partir de uma única perspecti-

va, sem levar em conta a dinâmica comple-

xa que os envolve. A experiência de vida e

a maturidade para lidar com as situações-

O educador precisa

desenvolver

competências para as

ações de educação para

a saúde, por exemplo, e

ter acesso a conteúdo

técnico qualificado

sobre o tema

Page 22: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

22

-problema enfrentadas também despontam

como competências necessárias a um bom

encaminhamento da questão e para ajudar

a “formar os jovens para a vida”.

A prevenção deve ser pensada a par-

tir da formação do educador, da mudança de

paradigma e de suas representações estereo-

tipadas sobre o adolescente. É preciso cons-

truir conhecimento a partir da experiência

concreta, da prática, formulando uma pro-

posta de prevenção mais realista. Parece que

é necessário mais preparo que conteúdo, e

uma resposta, acima de tudo, “humana”.

ALGUMAS REFLEXÕES

A escola, sozinha, não “dá conta” de

tudo isso e precisa contar com diversas re-

des, sendo necessário que “saia do casulo”.

Ao mesmo tempo em que as dificuldades

ficam evidentes, a pesquisa demonstrou

também que já existem experiências no

país inclusivas e articuladas, de aproxima-

ção com as famílias e de busca de soluções

conjuntas. Este é um caminho para que

a escola torne-se um ambiente atrativo,

juntamente com as garantias asseguradas

pelas políticas públicas voltadas para a ju-

ventude e para suas famílias: proteção à

infância, melhoria da qualidade de vida,

educação para a saúde, prevenção, cidada-

nia, apoio das redes da justiça, saúde, de-

senvolvimento social e segurança pública.

Esses parecem ser os elementos que ajuda-

rão a escola no enfrentamento da questão.

Como vimos, o preconceito e a estig-

matização dos usuários apenas dificultam a

abordagem do tema. Nery Filho (2010) pro-

põe uma ruptura com o discurso reducio-

nista da relação humana com as drogas, ao

dizer que, fundamentalmente, os humanos

usam drogas porque se tornaram humanos.

Em suas palavras:

Não são as drogas que fazem os hu-

manos (...), mas são os humanos que

fazem as drogas, ou, se dissermos de

outro modo, em função dos buracos/

faltas que constituem a estrutura de

nossas histórias. Alguns de nossos fi-

lhos terão pequenos espaços para as

drogas em suas vidas; outros filhos

nossos encontrarão mais facilmente

nas drogas a possibilidade de suportar

o horror da exclusão pelo nascimento.

Entre uma história e outra, há todas as

possibilidades - a vida é mobile. (Nery

Filho, 2010, p. 16).

Percebe-se assim que a preocupação social

necessita ir além do controle da oferta das

drogas em si, devendo abordar a relação hu-

mana estabelecida com essas substâncias.

As concepções dos educadores sobre este

tema delicado serão determinantes para

uma boa abordagem do assunto no contexto

escolar, no encaminhamento de situações-

-problema enfrentadas e na visão dos alunos

como sujeitos socioculturais singulares.

Enquanto o educador apresentar

apenas sentimentos negativos em relação às

Page 23: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

23

drogas, será quase impossível que consiga

se comprometer com o trabalho preventivo,

pois outras dimensões da relação humana

com as drogas, como a dimensão da busca

pelo prazer, por exemplo, ficam alheias às

ações preventivas e educacionais propostas.

Além do mais, as demandas emer-

gentes para ações preventivas na escola vão

muito além da prevenção em nível univer-

sal, ou seja, àquelas voltadas para a popula-

ção em geral, que não está exposta a riscos

diretos. As situações-problema relatadas, ao

indicarem a existência de problemas relacio-

nados diretamente ao consumo de drogas

por alunos, dão um indicativo da necessida-

de da formatação de ações preventivas no

nível seletivo, uma vez que, os fatores de ris-

co já se encontram instalados no ambiente

escolar e a instituição deve estar preparada

para enfrentar situações em que já existam

riscos para o consumo e o tráfico.

É importante termos em mente que

o Brasil precisa amadurecer cada vez mais

esse debate, tão precioso ao desenvolvimen-

to humano e social nas nossas escolas. Só

assim construiremos políticas educacionais

permanentes, para além da transitoriedade

dos governos, que efetivamente colaborem

para a prevenção do uso de drogas e a pro-

moção da saúde no âmbito escolar.

Page 24: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

24

REFERÊNCIAS

DALBOSCO, C. Representações sociais de educadores de escolas públicas sobre situações-

-problema relacionadas ao uso de álcool e outras drogas. Tese de Doutorado. Programa de Pós-

-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura. Brasília: Universidade de Brasília, DF, 2011

MARQUES, R. H. B. Situações-problema relacionadas ao uso de álcool e outras drogas no

contexto escolar:narrativas de educadores do ensino público da Região Centro-Oeste. Dissertação

de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura. Brasília: Universida-

de de Brasília, DF, 2011.

NERY FILHO, A. Por que os Humanos Usam Drogas? In: NERY FILHO, A.; VALÉRIO RI-

BEIRO, A. L. (Orgs.). Módulo para capacitação dos profissionais do projeto consultório de rua. (pp.

11-16). Brasília: Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, 2010.

SANTOS, J. B., SUDBRACK, M. F. O. & ALMEIDA, M. M. Situações de Risco e Situações de

Proteção nas Redes Sociais de Adolescentes. In: Brasil, Presidência da República. Curso de pre-

venção do uso de drogas para educadores de escolas públicas. Brasília: Secretaria Nacional de

Políticas sobre Drogas, DF, 2010.

Page 25: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

25

CONTEXTUALIZAÇÃO, HISTÓ-RICO E RELEVÂNCIA DO CURSO DE PREVENÇÃO DO USO DE DROGAS PARA EDUCADORES DE ESCOLAS PÚBLICAS

Com o objetivo de capacitar profis-

sionais de escolas públicas para trabalharem

coletivamente na prevenção do uso abusivo

de drogas, por meio do fortalecimento da es-

cola na promoção da saúde e da educação

integral, foi iniciada em 2004 uma parceria

entre os segmentos responsáveis pela pre-

venção do uso de drogas do Governo Federal

(Secretaria Nacional de Políticas sobre Dro-

gas-SENAD/MJ e Secretaria de Educação Bá-

sica – SEB/MEC) e a Universidade de Brasília

(Programa de Estudos e Atenção às Depen-

dências Químicas/ PRODEQUI/PCL/IP/UnB e

Centro de Educação a Distância/CEAD/UnB),

para oferta de uma capacitação de extensão

universitária na modalidade de educação a

distância. A equipe do PRODEQUI é a respon-

sável técnica pela elaboração da proposta

pedagógica do curso e sua execução.

A parceria manteve continuidade em

cinco edições do curso e, com a perspectiva

de realização da sexta edição (2013/2014), este

projeto completará uma história de 10 anos,

consolidando-se como uma das ações priori-

tárias na atual política de prevenção do uso

de drogas no país. Dessa maneira, visa con-

tribuir para o fortalecimento da comunidade

escolar, por meio do aperfeiçoamento e im-

plementação dos projetos de prevenção cons-

truídos coletivamente e coordenados pelos

educadores-cursistas. Na edição de 2010/2011,

foi integrada à proposta pedagógica um mó-

dulo dedicado a subsidiar a implementação

de ações preventivas, resultando em um cur-

so de aperfeiçoamento (180 horas). O curso

também representa um espaço para a rea-

lização de pesquisas que retroalimentam a

prática preventiva, num processo dialético de

construção do conhecimento no contexto de

formação-intervenção. Diferentes pesquisas

e produções científicas, entre elas, disserta-

ções de mestrado e teses de doutorado, são

realizadas durante a oferta do curso.

texto 3

Prevenção do uso de drogas: a construção de uma Política Pública a Partir da formação de educadores

Profa. Dra. Maria Fátima Olivier Sudbrack1

Profa. Dra. Maria Aparecida Gussi2

1 Doutora em Psicologia (Université de Paris XIII Villetaneuse, 1987). Professora Adjunta do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. Professora Titular no Curso de Graduação em Psicologia e no Curso de Pós- Graduação em Psicologia Clínica e Cultura/PPGPsiCC. Coordenadora do laboratório PRODEQUI-Programa de Estudos e Atenção às Dependências Químicas.

2 Mestre em Enfermagem Psiquiátrica pela USP. Doutora em Ciencias da Saúde pela Universidade de Brasília. Professora Adjunta na Universidade de Brasília. Integrante da equipe do Hospital Universitário de Brasília - Programa de Atendimento ao Alcoolismo.

Page 26: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

26

A partir da sua quinta edição

(2012/2013), o curso passou a atender os ob-

jetivos estabelecidos no eixo PREVENÇÃO do

Programa Federal “Crack, é possível vencer”.

No âmbito do Ministério da Educação, aten-

de metas de implementação das políticas

intersetoriais de educação para a saúde do

Programa Saúde na Escola/PSE, articulando-

-se com outros programas da SEB, como o

Mais Educação e o Escola Aberta.

A inclusão da temática da drogadi-

ção na formação continuada de educadores

justifica-se pelo crescimento do consumo

de drogas entre crianças e adolescentes.

As pesquisas revelam uma precocidade na

idade da primeira experimentação, o que

aumenta, consideravelmente, os riscos do

uso abusivo com os consequentes danos à

saúde de crianças e adolescentes, problemas

de relacionamento e de violência, queda no

rendimento escolar e evasão escolar, entre

outros. Os estudos epidemiológicos sobre a

realidade do uso de drogas pela população

brasileira apontam para a necessidade de

ações de prevenção e promoção da saúde no

âmbito da comunidade escolar.

A realização de ações para minimizar

os fatores de risco, centradas no desenvolvi-

mento da autonomia responsável, é tarefa a

ser desempenhada por diferentes instâncias

da sociedade, destacando-se a escola, reco-

nhecida enquanto contexto de socialização

complementar à família na formação de

valores das crianças, adolescentes e jovens

educandos. Neste sentido, a prevenção não

é trabalho de um educador isoladamente. A

prevenção deve fazer parte do currículo e es-

tar presente nas diferentes séries da carreira

escolar, contemplando o desenvolvimento

da cidadania responsável, integrando o pro-

jeto de educação para a saúde e envolvendo

a rede social da qual a escola é parte inte-

grante. A complexidade implicada nas ações

de prevenção do uso de drogas no paradig-

ma sistêmico da prática de redes, direcio-

na uma política intersetorial com práticas

territorializadas de promoção de saúde, de

defesa dos direitos humanos e da cidada-

nia. Com estas referências, a formação de

educadores implica responsabilidade social

na disseminação de conhecimentos atuali-

zados e isentos de preconceitos, formas de

abordagem e de estratégias de trabalho pe-

dagógico, para subsidiar os educadores no

cotidiano da prática educativa.

Nas cinco edições realizadas, entre

2004 e 2013, o curso obteve importante re-

ceptividade por parte dos educadores, tor-

nando-se necessária a organização de um

processo seletivo, mesmo com a ampliação

significativa do número de vagas: a primeira

edição (2004) foi realizada para 5 mil edu-

cadores; a segunda (2006/2007) teve oferta

de 20 mil vagas; a terceira (2009) e a quarta

edições (2010/2011) contaram com a partici-

pação de 25 mil educadores em cada uma

delas; e a quinta edição (2012/2013) teve o

quantitativo de vagas ampliado para 70 mil

em todo o Brasil.

Page 27: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

27

PROPOSTA POLÍTICO-PEDAGÓGICA DO CURSO

- Desconstruções para um novo paradigma

na prevenção

No processo de desenvolvimento do

conteúdo do curso, são abordados temas

acompanhados de exercícios, com ferramen-

tas que subsidiam a construção e a implemen-

tação de projeto de intervenção pelo grupo

de cursistas/educadores de cada escola. Estes

projetos podem ser estruturados em referên-

cia a 5 eixos metodológicos principais, a saber:

a) participação juvenil e a formação

de multiplicadores;

b) integração de ações pautadas na

prevenção no projeto político-pedagógico;

c) resgate da autoridade na família e

na escola;

d) fortalecimento da escola na comu-

nidade e como comunidade;

e) acolhimento de adolescentes em

situação de risco.

Para que estes eixos sejam contem-

plados, busca-se uma mudança de paradig-

ma no que diz respeito a espaços que, por

sua natureza de inserção na sociedade, são

potencialmente estratégicos na incorpora-

ção da promoção da saúde. A escola em si

mesma é concebida e valorizada como um

espaço que vai além da transmissão de co-

nhecimento. Ela é, em toda sua plenitude,

formadora de opinião, de valores, atitudes e

capaz de instigar a noção de pertencimento

a um território dado. Para o alcance dessas

metas, é necessário ressignificar o papel do

educador, incluindo em seu cotidiano novos

conhecimentos que, resultando em novas

práticas providas de sentido na missão de-

senhada pela escola, sejam incorporadas ao

seu projeto político-pedagógico.

- Parcerias e intersetorialidade

A materialização de ações de promo-

ção de saúde firma-se nos princípios da inter-

setorialidade, em especial, entre segmentos

da educação e da saúde, como também, na

articulação da rede de apoio interna e exter-

na à escola e na compreensão das relações de

complementaridade, à luz da teoria sistêmica

e do pensamento complexo. Nesta direção, a

drogadição é concebida como um sintoma

sócio-relacional com olhar amiúde nos fa-

tores de risco e proteção que permeiam as

instituições e as pessoas envolvidas, as vul-

nerabilidades sociais e pessoais, peculiares a

estas mesmas instituições e pessoas.

Há de se considerar que as ações pre-

ventivas propostas para minimizar os com-

portamentos de risco ao envolvimento com

drogas estão fundamentadas no desenvolver

da autonomia responsável dos educandos,

crianças e adolescentes, sendo esta uma ta-

refa a ser assumida e desempenhada por

diferentes instâncias da sociedade, entre as

quais, a escola, que neste contexto, ocupa lu-

gar privilegiado.

Page 28: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

28

É necessário levar em conta também que

este não é um trabalho isolado. A promoção à

saúde e a prevenção do uso de drogas são temáti-

cas transversais que devem ser integradas ao cur-

rículo no conjunto de disciplinas, como também

devem estar presentes nas diferentes séries da

carreira escolar, contemplando o desenvolvimen-

to da cidadania responsável,

integrando o projeto de edu-

cação para a saúde e envol-

vendo a rede social da qual

ela é parte integrante. Para

que esta consigna tenha o al-

cance almejado, duas ações

devem caminhar par e passo:

enquanto o currículo integra

os conteúdos, a escola dá

movimento a estes conteú-

dos integrando as pessoas.

A escolha da meto-

dologia de trabalho tem seu

sustentáculo em estudos

epidemiológicos sobre a realidade do uso de dro-

gas pela população brasileira e, em especial, pe-

los estudantes das escolas públicas. E vêm con-

firmar, portanto, a importância da prevenção na

escola. De acordo com a Organização Mundial

de Saúde (OMS), uma pessoa está mais vulnerá-

vel a usar drogas quando: não tem informações

adequadas sobre as drogas; está insatisfeita com

sua qualidade de vida; é pouco integrada na fa-

mília e na sociedade e tem fácil acesso às drogas.

- Metodologia do curso

Durante todo o processo de aprendiza-

gem o educador-cursista é

instigado a realizar “ativida-

des colaborativas de apren-

dizagem”, como estratégia

para facilitar a elaboração

do projeto de intervenção.

Esta ação tem como objeti-

vo a construção do projeto a

ser desenvolvido na escola.

A proposta político-peda-

gógica coloca-se rumo ao

que, na perspectiva da psi-

cossociologia, denomina-se

processo de formação-inter-

venção. As atividades peda-

gógicas integrantes do curso

são tanto de natureza individual, como coletiva,

destacando-se os fóruns de conteúdo sobre situa-

ções-problema e as atividades avaliativas colabo-

rativas que resultam na elaboração processual do

projeto de prevenção do uso de drogas da escola,

num processo dialético de integração entre teoria

e prática, conforme ilustrado na figura abaixo:

“A promoção à saúde e a prevenção do uso de drogas são temáticas

transversais que devem ser integradas ao

currículo no conjunto de disciplinas, como também devem estar

presentes nas diferentes séries da carreira

escolar, contemplando o desenvolvimento da

cidadania responsável (...)”

Page 29: prevenção ao uso de drogas: a escola na rede de cuidados

29

O primeiro passo deste percurso

metodológico instiga o educador-cursista a

evidenciar o cenário onde acontece seu coti-

diano e que vai ser palco do projeto de inter-

venção. É orientado a efetuar uma espécie

de diagnóstico da situação e, a partir deste

desenho, dar os primeiros passos na propo-

sição de uma intervenção preventiva execu-

tável e calcada nas demandas da escola e,

em especial, dos estudantes.

O processo teórico-reflexivo tem

seu marco na busca do reconhecimento do

educando como sujeito em desenvolvimen-

to, com pertencimento na família e na es-

cola e protegido por políticas públicas. Para

que esta concepção possa ser consolidada,

é fundamental ressignificar a escola para

o educador-cursista, intermediar processos

para que se possam reconhecer as potencia-

lidades da escola e seus atores, identificá-la

como contexto de promoção da saúde e in-

tegrar temas sociais que favoreçam o desen-

volvimento do aluno no planejamento das

atividades escolares.

Ressignificada a escola, busca-se avi-

var uma proximidade das representações do

educador-cursista com o adolescente como

sujeito transformador, protagonista e cida-

dão no contexto sócio-familiar e os papéis

da escola e família enquanto formadores de

valores. Nesta linha de pensamento, é ine-

xorável trazer à tona as concepções de ris-

co e proteção, em especial em situação de

risco pelo envolvimento com drogas e no

que diz respeito ao papel da escola como co-

-responsável nas ações protetivas e as políti-

cas e ações de proteção como o Estatuto da

Criança e Adolescente (ECA) e de educação

para a saúde.

- A escola como contexto de promoção de saúde

No processo para solidificação des-

sas concepções, a escola é posta como con-

texto de promoção de saúde com potencia-

lidades que precisam ser fortalecidas. Como

possibilidade concreta que leve ao alcance

desta meta, a integração de temas sociais

que promovam o desenvolvimento do aluno

no planejamento das atividades escolares,

a inserção das ações de prevenção do uso

de drogas no projeto político-pedagógico da

escola e o trabalho em rede são essenciais

na condução de um processo cujo ápice é

a conquista de outro lugar para a escola.

Neste processo reflexivo são apontadas pos-

sibilidades concretas para a mudança do

paradigma vigente, com a utilização de ins-

trumentais conceituais e metodológicos que

permitam o mapeamento das redes sociais

da escola, mobilização de parcerias diversas

na consecução do projeto de prevenção

- A gestão da tutoria

A gestão da tutoria, tanto pelo quan-

titativo de oferta de vagas, como pela na-

tureza do conteúdo e objetivos do projeto,

representa especial desafio à equipe de exe-

cução. No decorrer da experiência e graças

aos avanços das tecnologias de EAD, a equi-

pe do PRODEQUI desenvolveu uma metodo-

logia de gestão de tutoria que vem se mos-

trando efetiva, na medida em que permite um

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acompanhamento sistemático dos tutores, or-ganizados em grupos de supervisão e integra-dos a coordenações regionais.

Na quinta edição, o projeto teve foi marcada por de uma organização complexa e por uma dinâmica de integração dos di-ferentes atores, envolvidos no acompanha-mento do processo de formação dos educa-dores-cursistas, o que se denominou Sistema de Apoio à Aprendizagem-SISAP, cuja compo-sição inclui as cinco coordenações regionais (CRT), seus respectivos grupos de supervisão de tutoria (GSTs) e as coordenações técnicas específicas que atuam nesse sistema, como apresentamos no gráfico a seguir:

Considerações finais: conquistas e desafios na consolidação da política de prevenção do uso de drogas junto às escolas

Um curso de tamanha magnitude, tendo conseguido se manter em continuidade por meio de profícuas trocas entre a academia e os principais órgãos de implementação de políticas públicas do Governo Federal, já deixa suas marcas no que, sem dúvida, podemos chamar de implementação de uma política de prevenção do uso de drogas, através da for-mação de educadores de escolas públicas.

Dentre as principais conquistas, desta-camos a própria continuidade e os avanços na proposta político-pedagógica. A crescente de-manda pelo curso testemunha uma conquista na mobilização dos educadores como atores conscientes de seu protagonismo na imple-mentação da política de prevenção do uso de

drogas na escola. A qualidade da participação dos educadores-cursistas concluintes, que in-vestem e se comprometem com o curso, ape-sar das tantas dificuldades de toda a ordem que permeiam o sistema escolar, é o maior estímulo para a equipe do PRODEQUI aceitar o desafio de novas edições.

O grande desafio que temos pela fren-te e que estamos propondo a prosseguir des-bravando juntos, sempre em complementari-dade entre UnB, MEC e SENAD, é, sem dúvida, o da territorialização, tanto da formação dos educadores, através de universidades parcei-ras em diferentes estados do Brasil, como do processo de ampliação das atividades preven-

tivas de pro-mo-ção de saúde para a escola, no seu sen-tido mais amplo de ter-

ritório educativo aberto. Este processo deve ocorrer em constante parceria com a comu-nidade e com a cidade, em busca do forta-lecimento de uma política de promoção de saúde e de cidadania.

Entendemos que a territorialização da promoção de saúde na escola – meta fantástica do PSE onde se inserem as ações preventivas do abuso de drogas - prima por ações políticas de mobilização nas insti-tuições locais na esfera da gestão estadual, municipal e direção das escolas contempla-das pelo curso, para que assumam o apoio à implementação do projeto de prevenção da escola. Temos assim, mais um motivo para prosseguirmos, além de um compromisso de superarmos juntos todos os desafios que esta parceria representa, em si mesma.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Curso de Prevenção do Uso de Drogas para Educadores de Escolas Públicas. Secre-

taria Nacional de Políticas sobre Drogas, Ministério da Educação. 5 ed. Brasília: Ministério da

Justiça, 2012.

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Presidência da RepúblicaMinistério da EducaçãoSecretaria de Educação Básica

TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURO Supervisão Pedagógica Rosa Helena Mendonça

Acompanhamento pedagógico Luís Paulo Borges

Coordenação de Utilização e Avaliação Mônica Mufarrej Fernanda Braga

Copidesque e Revisão Milena Campos Eich

Diagramação e Editoração Bruno NinValeska Mendes

Consultora especialmente convidadaCarla Dalbosco

E-mail: [email protected] Home page: www.tvbrasil.org.br/salto Rua da Relação, 18, 4o andar – Centro. CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ)

NOVEMBRO 2013