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FISSURAS Artigo alvenaria recuperação Prevenção e recuperação de fissuras em alvenaria Parte 2* A prevenção de fissuras nos edifícios passa obrigatoriamente por todas as regras de bem planejar, bem projetar e bem construir; mais ainda, exige um controle sistemático e eficiente da qualidade dos materiais e dos serviços, uma perfeita harmonia entre os diversos projetos executivos, estocagem e manuseio correto dos materiais e componentes no canteiro de obras, utilização e manutenção correta do edifício etc. É muito extensa a relação de medidas preventivas que podem ser consideradas, algumas delas não implicando necessariamente ônus à obra Ercio Thomaz Engenheiro civil, mestre em Construção Civil pela Epusp, pesquisador do IPT A versão completa deste artigo (Partes 1 e 2) foi apresentada no Seminário Patología y Calidad en la Construcción, realizado em Montevidéu, entre 22 e 24 de julho de 1998, pela Sociedad de Arquitectos del Uruguay *A parte 1 foi publicada na Téchne, edição 36 1. Prevenção 1.1 Recalques das fundações A despeito das dificuldades para a previsão dos recalques absolutos, parece válida, na falta de indicações mais precisas, a tentativa de quantificá-los admitindo para o solo parâmetros elásticos com valores aproximados; nessa circunstância, supõe-se que os erros cometidos na previsão dos recalques absolutos seriam aproximadamente os mesmos, sendo possível, então, ter uma idéia do risco da ocorrência de recalques diferenciados na obra. Em geral, admite-se como limites para as distorções angulares -(relação entre o recalque diferenciado e o distanciamento entre dois componentes de fundação contíguos) os valores apresentados na Tabela 1. No projeto das fundações, especial atenção deverá ser dada ao tamanho e forma das fundações diretas, na existência de camadas profundas muito deformáveis, no adensamento de aterros a serem lançados etc. Uma medida bastante eficiente no sentido de prevenir fissuras provenientes de diferentes acomodações dos elementos da fundação é a inserção de juntas na superestrutura (Figura 1). 1.2. Estrutura de concreto armado Em geral, as deformações globais da estrutura deverão ser limitadas, principalmente para que não sejam introduzidas elevadas tensões de cisalhamento nas paredes de fechamento. São admitidos os valores indicados na Figura 2. As flechas dos componentes estruturais devem ser limitadas ou detalhes construtivos apropriados

Prevenção e recuperação de fissuras em alvenaria - parte 2

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FISSURAS

ArtigoalvenariarecuperaçãoPrevenção e recuperação de fissuras em alvenaria

Parte 2*

A prevenção de fissuras nos edifícios passa obrigatoriamente por todas as regras de bem planejar, bem projetar e bem construir; mais ainda, exige um controle sistemático e eficiente da qualidade dos materiais e dos serviços, uma perfeita harmonia entre os diversos projetos executivos, estocagem e manuseio correto dos materiais e componentes no canteiro de obras, utilização e manutenção correta do edifício etc. É muito extensa a relação de medidas preventivas que podem ser consideradas, algumas delas não implicando necessariamente ônus à obra

Ercio ThomazEngenheiro civil, mestre em Construção Civil pela Epusp, pesquisador do IPT

A versão completa deste artigo (Partes 1 e 2) foi apresentada no Seminário Patología y Calidad en la Construcción, realizado em Montevidéu, entre 22 e 24 de julho de 1998, pela Sociedad de Arquitectos del Uruguay

*A parte 1 foi publicada na Téchne, edição 36

1. Prevenção1.1 Recalques das fundaçõesA despeito das dificuldades para a previsão dos recalques absolutos, parece válida, na falta de indicações mais precisas, a tentativa de quantificá-los admitindo para o solo parâmetros elásticos com valores aproximados; nessa circunstância, supõe-se que os erros cometidos na previsão dos recalques absolutos seriam aproximadamente os mesmos, sendo possível, então, ter uma idéia do risco da ocorrência de recalques diferenciados na obra. Em geral, admite-se como limites para as distorções angulares -(relação entre o recalque diferenciado e o distanciamento entre dois componentes de fundação contíguos) os valores apresentados na Tabela 1.No projeto das fundações, especial atenção deverá ser dada ao tamanho e forma das fundações diretas, na existência de camadas profundas muito deformáveis, no adensamento de aterros a serem lançados etc. Uma medida bastante eficiente no sentido de prevenir fissuras provenientes de diferentes acomodações dos elementos da fundação é a inserção de juntas na superestrutura (Figura 1).

1.2. Estrutura de concreto armadoEm geral, as deformações globais da estrutura deverão ser limitadas, principalmente para que não sejam introduzidas elevadas tensões de cisalhamento nas paredes de fechamento. São admitidos os valores indicados na Figura 2.As flechas dos componentes estruturais devem ser limitadas ou detalhes construtivos apropriados

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devem ser previstos. Em termos de limitação das flechas, o CSTC (Centre Scientifique et Technique de la Cons-truction), por exemplo, faz exigências distintas em função da natureza do componente apoiado sobre viga ou laje, considerando a flecha "fb,máx" que se manifesta após a instalação do componente (Tabela 2).A normalização dos diferentes países, no tocante às flechas de longa duração admitidas, varia significativamente. Alguns códigos também apresentam limites para a relação altura/vão de vigas e lajes, havendo também aí diferenças significativas (Tabela 3).Sempre que as estruturas forem intencionalmente flexíveis, detalhes construtivos apropriados deverão ser adotados nos encontros da alvenaria com vigas ou lajes deformáveis (Figura 3).Também nos encontros com pilares deverão ser adotadas juntas flexíveis, tanto para limitar a introdução de tensões na alvenaria pelas deformações da estrutura como para evitar destacamentos em função de movimentações higrotérmicas do material. A Figura 4 ilustra algumas soluções construtivas para essas juntas.

1.3. Projeto e execução das alvenariasAs alvenarias deverão ser alvo de projeto específico, indicando disposição das juntas de assentamento e das amarrações, posições das aberturas de portas e janelas, presença de vergas, contravergas, tubulações etc. Deverá ser verificada a coordenação entre dimensões das alvenarias e dimensões dos blocos ou tijolos, recorrendo-se a componentes especiais para a constituição dos encontros entre paredes (figuras 5 e 6).Para evitar movimentações higroscó-picas acentuadas, os cuidados devem iniciar-se pela produção, transporte e esto-cagem dos componentes de alvenaria; assim sendo, devem ser evitados:# blocos de concreto ou concreto celular com elevada retração# emprego de blocos "verdes"# incidência de chuva sobre os blocos no estoque da fábrica ou no canteiro# incidência de chuva nas paredes recém-executadas (neste aspecto, a imediata aplicação de chapisco nas paredes de fachada é boa prática).Para o assentamento, recomendam-se as argamassas mistas, compostas de cimento e cal hidratada. O cimento influirá diretamente na aderência entre argamassa e componente de alvenaria, na resistência mecânica da parede e na estanqueidade à água das juntas. A cal, em função de seu poder de retenção de água, implicará menor módulo de deformação das paredes, com maior potencial de acomodar movimentações da estrutura, recalques, variações higrotérmicas etc. Sempre considerando argamassas mistas, a ASTM recomenda os traços indicados na Tabela 4.É recomendável a introdução de juntas de controle nas paredes muito enfra-quecidas pela presença de vãos de portas ou janelas, e sempre que houver mudança de direção ou mudança da espessura da parede. Os comprimentos dos panos também deverão ser limitados, havendo diferentes indicações em relação ao dis-tanciamento máximo entre juntas de controle (Figura 7).Considerando a espessura da parede, a presença de aberturas e a retração potencial dos componentes de alvenaria, o CSTC estabelece algumas recomendações (Tabela 5).Como salientado anteriormente, o desempenho das alvenarias de vedação estará intimamente associado ao comportamento da estrutura de concreto armado, particularmente quanto à deformabilidade. Considerando que as flechas serão também influenciadas com a idade da colocação em serviço dos componentes estruturais, é recomendável o máximo retardamento entre a conclusão da estrutura e a elevação das paredes. Para que não ocorra transmissão de carregamentos entre os sucessivos pavimentos, recomenda-se o máximo retardamento entre a execução e o encunhamento das paredes, ou mesmo o encunhamento em pavimentos alternados, conforme representado na Figura 8.As ligações das alvenarias com os pilares poderão ser obtidas com ferros de espera chumbados durante a própria concretagem do pilar (dobrados, faceando a fôrma internamente), ou com ferros posteriormente embutidos em furos executados com brocas de vídea f 8 mm (colagem com resina epóxi); recomenda-se o emprego de dois ferros f 6 mm a cada 40 cm ou 50 cm, com transpasse em

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torno de 50 cm. O emprego de canaletas na posição dos ferros cabelo (Figura 9), posteriormente preenchidos com microconcreto, além de reforçar substancialmente a ligação pode absorver diferenças significativas no posicionamento dos ferros.No caso de vãos consideravelmente grandes, ou de estruturas relativamente deformáveis, a aplicação do chapisco e a introdução dos ferros-cabelo não conseguirão impedir destacamentos entre alvenarias e pilares. Nessas situações, recomenda-se também a inserção de tela metálica na argamassa de revestimento (Figura 9), ou a adoção de juntas flexíveis nas ligações, conforme situações indicadas na Figura 4.Nos encunhamentos com lajes ou vigas superiores, após aplicação de chapisco no componente estrutural, recomenda-se o assentamento inclinado de tijolos de barro cozido, empregando argamassa relativamente fraca ("massa podre"). Cria-se assim uma espécie de "colchão deformável", amortecedor das deformações estruturais que seriam transmitidas à parede.Nos projetos modulados, em que a última fiada de blocos praticamente faceia o componente estrutural, deve-se com muito mais razão empregar argamassa fraca em cimento, optando normalmente por argamassas mistas de cimento, cal hidratada e areia no traço 1:2:12 a 15 (dosagem em volume). Nessa situação, tratando-se de blocos vazados, a última fiada pode ser composta de canaletas ou meios blocos assentados com furos na horizontal (Figura 10), facilitando sobremaneira a execução do encunhamento.

1.4. Alvenarias do último pavimentoAs alvenarias do último pavimento são em geral muito solicitadas pela retração ou pelas movimentações térmicas das lajes de cobertura; relativamente à retração, poderão ser inseridas juntas provisórias na moldagem da laje (Figura 11), de forma que a retração ocorra em panos menores, reduzindo seus efeitos sobre o corpo das paredes. Neste caso, interrompe-se a concretagem da laje em trecho com largura de 50 cm a 60 cm, de preferência em seções com momentos nulos, completando a concretagem após sete a 10 dias.Sob o aspecto das movimentações térmicas das lajes de cobertura, diversos cuidados poderão ser tomados, isoladamente ou de forma associada, tais como:# sombreamento da laje# ventilação do ático# pintura da face superior das telhas com tinta branca ou reflexiva# isolação térmica da laje de cobertura# inserção de juntas de dilatação na laje# dimensionamento de cintamentos em concreto armado (antieconômicos)# adoção de armaduras nas últimas fiadas# adoção de reforços mais eficientes nos vértices dos vãos de janelas# emprego de rejuntamento flexível entre alvenaria e estrutura (Figura 12)# inserção de juntas nas paredes do último pavimento (Figura 12)# inserção de tela metálica no encontro alvenaria/laje ou viga (Figura 12)# adoção de apoios deslizantes (teflon, feltro betumado etc.) entre laje de cobertura e vigamento, ou entre laje e alvenaria (Figura 13).

Os comprimentos das paredes do último pavimento deverão ser limitados o máximo possível, recomendando-se que os espaçamentos máximos entre juntas de controle (indicados na Tabela 5) sejam reduzidos em aproximadamente 25%. A introdução dessas juntas, inclusive, poderá ser obtida com a adoção de portas com bandeira (Figura 12), o que aliás poderá ser verificado em qualquer pavimento.

2. Recuperação de alvenarias fissuradasA recuperação de alvenarias com fissuras ou destacamentos só deverá ser procedida em função de um diagnóstico seguramente firmado, e somente após ter pleno conhecimento da implicação da patologia no comportamento do edifício como um todo. Antes da reparação em si da parede, deve-

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se ter certeza de que não ocorreram danos a instalações, de que a fissura não prejudicou o contraventamento da obra, de que não foram reduzidas perigosamente as áreas de apoio de lajes ou tesouras da cobertura, de que não ocorreram desaprumos muito acentuados etc.Considerando que as fissuras ou destacamentos são efeitos de outros problemas que se manifestaram na construção, os processos de recuperação da obra devem ser direcionados no sentido de suprimir ou minimizar as causas reais da patologia, podendo envolver:# consolidação do terreno e reforço de fundações# recuperação ou reforço de componentes estruturais# introdução de juntas na construção# recuperação ou introdução de sistemas de impermeabilização etc. A forma de recuperação deverá basear-se sempre nas medidas preventivas, algumas delas apresentadas no item ante-rior; quanto maior a aproximação entre a medida preventiva recomendada e a solução corretiva adotada, maior será a eficiência do reparo.Especial atenção deverá ser dada à adoção de reparos flexíveis (emprego de selantes, por exemplo), os quais poderão vir a mascarar a eventual e perigosa evolução de recalques das fundações, instabilização da estrutura etc. Considerando que as fissuras ou destacamentos constituem "juntas" involunta-riamente introduzidas na obra, haverá a tendência de todas as movimentações - decorrentes de recalques, variações higrotérmicas etc. - concentrarem-se nessas regiões. Assim, na maioria dos reparos em alvenarias haverá necessidade da adoção de reparos com reforços de telas, emprego de materiais deformáveis etc.Na escolha do processo de recuperação, além dos aspectos relativos à segurança, deverão ser considerados:# tipo de tensão que ocasionou a fissura ou destacamento# estágio em que se encontra o estado de tensões# potencial intensidade da movimentação na região da fissura# alongamento potencial do sistema de recuperação # tipo de acabamento da parede (alvenaria aparente, revestimento com argamassa, gesso, cerâmica etc.)Nas figuras 14 a 19 são apresentados alguns exemplos de recuperação de alvenarias com fissuras ou destacamentos.

Leia mais: THOMAZ, E. Trincas em Edifícios - causas, prevenção e recuperação. IPT/Epusp/Editora Pini. São Paulo, 1989; IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), Paredes de Vedação em Blocos Cerâmicos - Manual de Execução. Publicação IPT 1767. São Paulo, 1988; ABCI (Associação Brasileira da Construção Industrializada), Manual Técnico de Alvenaria. Projeto Editores Associados, São Paulo, 1990; THOMAZ, E. Como construir alvenarias de vedação. Revista Téchne no 15 e no 16, Editora Pini. São Paulo, 1995; FISHER, R. Paredes. Versão espanhola da 1a edição inglesa, por Luis M. J. Cisneros. Barcelona, Editorial Blume, 1976; MARTIN, B. Joints in Buildings. New York, John Wiley and Sons, 1977; THOMAZ, E. Alvenarias para pequenas construções: dados para projeto e execução. Revista "Construção São Paulo" no 2011 e no 2.013, Editora Pini. São Paulo, 1986; Building Research Establishment. Estimation of thermal and moisture movements and stresses. Garston, 1979. (Digest 227 e 228, Partes 1 e 2); LATTA, J. K. Dimensional changes due to temperature. In: Seminar on cracks and joint in buildings, Ottawa, 1970. Proceedings... Ottawa, National Research Council of Canada, 1976. (NRCC - 15.477); Centre Scientifique et Technique de la Construction. Deformations admissibles dans le bâtiment. Bruxelles, 1980 (Note d'Information Technique 132).