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PREVIDÊNCIA SOCIAL E SALÁRIO MÍNIMO ANFIP - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL FUNDAÇÃO ANFIP DE ESTUDOS DA SEGURIDADE SOCIAL Previdência Social e Salário Mínimo: Desenvolvimento econômico e social com valorização do trabalho Março/2007

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� Previdência Social e Salário MíniMo

ANFIP - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL

FUNDAÇÃO ANFIP DE ESTUDOS DA SEGURIDADE SOCIAL

Previdência Sociale Salário Mínimo:Desenvolvimento econômico e social com valorização do trabalho

Março/2007

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2007 - ANFIP - Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil

Fundação ANFIP de Estudos da Seguridade Social

Assessoria de Estudos Socioeconômicos:

Assessor: Alfredo Miranda de Lemos

Economista: Juliano Sander Musse

Colaboradores: Flávio Tonelli Vaz

Carolina Teixeira

Permitida a divulgação dos textos contidos neste livro,

desde que citadas as fontes.

impressos no Brasil

Capa, Projeto Gráfico e Diagramação: Gilmar Eumar Vitalino

Revisão: Gerson Menezes

Agradecimentos: A todos que contribuíram para o aperfeiçoamento deste trabalho, pelas análises, sugestões e dedicação a suas etapas.

Dedicado aos que fazem do conhecimento a matéria-prima de um futuro melhor.

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� Previdência Social e Salário MíniMo

Índice

Introdução

� - Um histórico de alta concentração de renda e de baixos salários

2 - Cidadania e previdência

� - Salário mínimo: valorização do trabalho e políticas de distribuição de renda

4 - Impacto dos benefícios previdenciários, assistenciais e de transferência de renda sobre a pobreza

Conclusão

Referências Bibliográficas

Abreviaturas, siglas e termos utilizados nesta obra

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Tabelas e Gráficos

Evolução do PIB e do PIB per capita - �980 a 2005

Evolução do PIB per capita e do salário mínimo real - Brasil - �960 a 2006

Distribuição da renda nacional, salários e remuneração do fator capital - �990 a 200�

Evolução da população ocupada e da renda média do trabalhador nas regiões metropolitanas - �990 a 2006

Remuneração média do trabalhador no mercado formal - dezembro de cada ano

Evolução do saldo líquido de contratações e demissões registradas no CAGED

Rotatividade da mão-de-obra no Brasil em 2004 e permanência no emprego no mesmo ano da contratação

Evolução do rendimento mensal médio das pessoas ocupadas com �0 anos ou mais de idade - �992 a 2005

Evolução das principais variáveis para projeção de longo prazo e a conseqüente necessidade de financiamento do RGPS

Estimativas da necessidade de financiamento do RGPS - 2006 a 20�5

Distribuição dos trabalhadores ocupados, segundo contribuição ou não a qualquer sistema previdenciário - 2005

Evolução dos trabalhadores ocupados e da contribuição previdenciária em qualquer trabalho

Mercado de trabalho e natureza ocupacional - diversos exercícios

Trabalhadores envolvidos em empreendimentos econômicos solidários - 2005

Evolução do salário mínimo, reajustes nominais e ganhos reais anuais - �995 a 2007

Distribuição de renda e salário mínimo real no Brasil - �98� a 2005

América Latina: salários mínimos reais urbanos - países selecionados - �990 a 2006

Quantidade de benefícios pagos pelo INSS - �990 a 2006

Beneficios previdenciários e assistenciais no valor de um salário mínimo

Evolução da pobreza e da indigência no Brasil - �995 a 2005

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Introdução

O trabalho nos tempos atuais desenvolve-se no ambiente hostil do rebaixamento salarial, supressão de direitos, flexibilização das relações empregatícias e demissões em massa. Esse processo não é puramente econômico, pois resulta de opções políticas, que buscam assegurar altos lucros aos rentistas e grandes conglomerados, repassando para os trabalhadores os custos dos ajustes, nesta nova fase da economia mundial.

As vulnerabilidades que afligem os trabalhadores por todo o mundo prestam-se à recomposição das margens de lucro do capital empresarial e ao aumento da produtividade dos países que buscam integrar-se de modo subordinado à ordem mundial do neoliberalismo. E, como não poderia ser diferente, o Estado vem assumindo novos papéis dentro desse reposicionamento político. Não é por acaso que surgem reiterados questionamentos sobre os seus gastos voltados à prestação de serviços públicos e à garantia de direitos sociais.

Esse cenário, altamente prejudicial aos trabalhadores, foi dinamizado por ao menos três processos: i) desde os anos 80, o crescimento global se mostra desigual e em níveis inferiores ao necessário para manter a taxa de ocupação da mão-de-obra. É puxado prioritariamente por aumentos de produtividade, gerando altos níveis de desemprego; ii) foram incorporados ao processo produtivo amplos segmentos do leste europeu e principalmente da Ásia continental, para onde se deslocou parcela do parque produtivo e das plataformas de prestação de serviços; iii) desestruturação dos aparatos ideológicos da sociedade que exigiam e mantinham o modelo de proteção estatal para o bem-estar social e de valorização do trabalho.

Outro elemento importante é a financeirização da economia. A multiplicação da riqueza e a reprodução do próprio capital dependem cada vez mais do processo financeiro, especialmente dos ganhos provenientes dos títulos públicos. Daí que outro elemento do receituário neoliberal tem sido a reserva de recursos públicos para garantir as despesas financeiras do Estado. Em países como o Brasil, com um dos maiores juros do mundo, essa é uma demanda crescente. É praticada uma sangria ilimitada em favor dos credores financeiros, promovendo-se cortes nos demais gastos públicos a fim de se

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elevar a quantidade de recursos disponíveis para atender às enormes despesas com os encargos da dívida pública. Não é por acaso que, quotidianamente, os brasileiros são submetidos ao bombardeio de opiniões e posicionamentos, com vistas a convencê-los da necessidade de nova reforma da previdência social. Embora o governo não tenha se comprometido com tal reforma, procura-se implantar no senso comum a idéia de que não há alternativa.

Essa lógica de produção e apropriação da riqueza tornou-se generalizada a partir dos anos 90. Com uma profunda reestruturação produtiva que subtraiu direitos e salários no mundo do trabalho, com privatizações e remodelamento do Estado, e com uma verdadeira avalanche de estudos, pareceres, opiniões, esse movimento procurou demonstrar a inexistência de alternativas. No entanto, apresentados os resultados, pouco ou muito pouco das promessas de desenvolvimento social e econômico foram cumpridas.

Ao sabor dos interesses do mercado, cresceu o desemprego e a desigualdade, nações ficaram muito mais vulneráveis e os países perderam autonomia e muitos dos instrumentos com os quais poderiam exercer a sua soberania e alavancar seu próprio futuro.

Ao contrário do fim da história, amplos setores voltam ao debate. Mesmo os ideólogos do Consenso de Washington1 reconhecem as deficiências de um modelo baseado num mercado cada vez mais desigual - a globalização em curso não é assim tão benéfica como se alardeia. Até mesmo organismos internacionais, que estiveram a serviço dessa construção, são obrigados a reconhecer os percalços e postular por uma globalização mais justa, com valorização do trabalho.

No início de 2004, foi publicado o relatório da Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização da OIT – Organização Internacional do Trabalho2 . Ressalta-se, no texto, o quão distante está a apropriação dos aspectos positivos da globalização pelos diversos povos e países; o quanto a geração da riqueza beneficia a poucos; como a globalização não tem sido capaz de assegurar para a grande maioria de homens e mulheres a satisfação de suas simples e legítimas aspirações a trabalho decente e futuro melhor para seus filhos3 .

_______________________________________________1 Conjunto de medidas compostas de dez regras básicas, formuladas em 1989 por economistas do FMI, Banco Mundial e Departamento do Tesouro dos EUA, baseado em um trabalho do economista John Williamson, do International Institute for Economy. Tornou-se a política oficial do FMI, “receituário para promover o ajustamento macroeconômico” dos países em desenvolvimento. As dez regras básicas: Disciplina fiscal, Redução dos gastos públicos, Reforma tributária, Juros de mercado, Câmbio de mercado, Abertura comercial, Investimento estrangeiro direto com eliminação de restrições, Privatização das Estatais, Desregulamentação (afrouxamento) das leis econômicas e trabalhistas e Direito à propriedade.2 A íntegra desse documento pode ser encontrada em: http://www.oit.org/public/spanish/wcsdg/docs/report.pdf3 OIT – Comisión Mundial sobre la Dimensión Social de la Globalización - Por una Globalización Justa: crear oportunidades para todos – La Globalización y sus efectos; 2004 - (tradução livre).

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Especialmente no Brasil, quando entramos no segundo mandato do Presidente Lula, esse debate ganha corpo: manter as premissas praticadas nos primeiros quatro anos de governo ou ampliar a participação do Estado na busca do crescimento econômico; ampliar o ajuste fiscal, buscando o chamado déficit zero, ou garantir os gastos públicos não apenas nos programas sociais como nos investimentos de infra-estrutura; flexibilizar as relações nivelando por baixo os direitos dos trabalhadores ou combater a informalidade do trabalho; reformar a previdência social suprimindo direitos ou ampliar o emprego e garantir a inclusão previdenciária e a sustentabilidade do sistema. Há muitas questões à espera de definições.

Aqui, como ao redor do mundo, a previdência social vem sendo penalizada pela combinação de dois elementos. Como importante programa orçamentário, tornou-se objeto preferencial das múltiplas propostas de reestruturação do Estado e das medidas de ajuste fiscal. Como elemento vinculado ao mundo do trabalho, sofre as conseqüências da precarização das relações trabalhistas, que faz explodir o desemprego e a informalidade, com grandes repercussões na cobertura e no financiamento do sistema previdenciário.

Nos últimos doze anos, a previdência social esteve sujeita a várias reformas. Todas elas trataram a previdência exclusivamente como fonte de gastos, e as mudanças visaram a distanciar cada vez mais o trabalhador dos seus direitos previdenciários. Poucas medidas foram adotadas para facilitar a filiação ao sistema dos milhões de trabalhadores hoje excluídos da cobertura previdenciária.

Com o presente trabalho, a ANFIP pretende contribuir com esse debate, que no fundo é mais político do que econômico. Para isso, é preciso se contrapor à campanha que propaga a inviabilidade de alternativas. É preciso afastar as soluções baseadas em novo corte dos gastos sociais, nova reforma da previdência, e corte de direitos dos trabalhadores. A sociedade em geral e os trabalhadores, em particular, demandam argumentos em defesa de um processo de desenvolvimento econômico e social, com valorização do trabalho, recuperação dos salários e combate ao desemprego e à precarização do trabalho. Para a ANFIP, esses instrumentos são importantes, inclusive para expandir a cobertura previdenciária e recompor o financiamento da previdência social.

Nos dois capítulos iniciais é estudada a situação do mercado de trabalho, primeiro para analisá-lo sob a ótica da remuneração e, segundo, para avaliar a precarização do trabalho. A análise desses fatores permite acompanhar a queda da remuneração paga aos empregados e aos demais trabalhadores frente

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à produção e à renda nacional. Nos últimos três anos, interrompeu-se a queda dos salários e ampliou-se a margem de emprego. Mas, apesar dos resultados obtidos, os baixos salários, a precarização e o desemprego gerados na década passada permanecem, ainda hoje, em níveis elevados, e situam-se entre os principais instrumentos de ajuste do processo produtivo brasileiro.

São apresentados dados que informam como se processou a queda das receitas previdenciárias. Fica fácil compreender por que, com a diminuição dos salários e a informalidade do mercado de trabalho, a partir de metade da década passada, as contribuições sobre a folha de salários mostraram-se insuficientes para cobrir o conjunto das despesas com benefícios previdenciários.

Diante das mudanças no mundo do trabalho e das perdas sofridas pelos trabalhadores, a necessidade de reformas para a previdência social é sempre apresentada como natural e inevitável. Contudo, uma análise mais profunda permite identificar as várias opções políticas que determinam esse processo e os interesses que camuflam.

O terceiro capítulo apresenta o papel desempenhado pelo salário mínimo na estruturação do mercado de trabalho. Depois de anos de rebaixamento salarial, hoje a maior parte das contratações tem o salário mínimo como referência. Segundo dados do MTE, duas em cada três contratações em 2005 se deram com remuneração inferior a dois salários mínimos. Assim, elevar o salário mínimo é influir no salário de contratação, uma medida fundamental para assegurar melhores condições para o progresso do conjunto dos trabalhadores.

Decorre daí a importância de uma política de recuperação para o salário mínimo. Mas, como se contrapor ao discurso de que a concessão de aumentos reais para o salário mínimo representa problemas para a previdência, estados e municípios? Primeiro, é preciso ressaltar que esse discurso oculta a vontade, e a prática reiterada, de subtrair ao trabalhador as garantias de uma retribuição digna para a sua capacidade de trabalho. Segundo, é preciso analisar as contas da Seguridade Social; o papel multiplicador do aumento da renda e do consumo da imensa maioria da população brasileira sobre a produção, com repercussões econômicas e, naturalmente, sobre o aumento da arrecadação, que ocorre nas receitas das contribuições incidentes sobre folha de salários, mas, principalmente, sobre as contribuições sociais incidentes sobre a movimentação financeira, o lucro e o faturamento das empresas. Por que parcela desses aumentos de arrecadação não está vinculada diretamente à previdência social?

O quarto capítulo mostra o impacto dos benefícios previdenciários,

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assistenciais e de transferência de renda sobre a pobreza e a indigência. As políticas sociais são instrumentos eficientes para a proteção social das famílias de baixa renda, sendo decisiva, para tanto, uma política de valorização do salário mínimo. No entanto, para que se tenha maior efetividade do mercado de trabalho, gerando renda e emprego, faz-se necessário reestabelecer uma trajetória de crescimento sustentado da economia brasileira.

Por fim, esse trabalho procura discorrer sobre os grandes interesses existentes por detrás das inúmeras e continuadas manifestações sobre o suposto déficit na previdência social. A insistência em cortar direitos dos trabalhadores, responsabilizando essas conquistas pelas precariedades e inconsistências do modelo econômico escolhido para o país, e a vontade de ampliar as possibilidades de negócios para a previdência privada, convergem nas propostas de reforma, onde novamente a conta do ajuste será imposta aos segmentos sociais que menos usufruem as benesses desse modelo.

Defender a previdência social é muito mais do que garantir a renda do trabalhador diante da incapacidade laborativa. O sistema brasileiro por repartição, com solidariedade entre gerações e entre os diversos segmentos de segurados, garantidor do benefício enquanto um direito previdenciário, representa contraponto importante ao individualismo preconizado pela pura lógica de apropriação de renda.

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1 - Um histórico de alta concentração de renda e de baixos salários

A economia brasileira sempre coexistiu com um vergonhoso histórico de alta concentração de renda e de baixos salários. Em grande parte, a reprodução desse cenário decorre de um contínuo descompasso entre a remuneração do trabalho e a evolução da riqueza nacional.

No período de 1980 a 2005, o País cresceu pouco. Nosso PIB real4 aumentou tímidos 2,04% ao ano. A Tabela1 apresenta em cada década os valores dos crescimentos médios anuais.

A evolução do produto nacional nos anos 80 demonstra como o país praticamente estacionou. Os anos 90 não foram muito melhores. Em termos de PIB per capita, o resultado não foi pior porque houve diminuição da taxa de crescimento populacional. Depois de 2000, a manutenção de uma política econômica restritiva não permitiu ao país escapar dos insucessos anteriores.

PIB PIB per capita

Período

TABELA 1

De 1980 a 1989

De 1990 a 1999

De 2000 a 2005

De 1980 a 2005

2,03

2,21

1,82

2,04

0,06

0,78

0,60

0,33

Fonte: IPEAdataNotas: (1)Taxas obtidas por média geométrica

Evolução do PIB e do PIB per capita - 1980 a 2005

Taxas médias(1) anuais de crescimento (%)

_______________________________________________ 4 Corrigidos pelo INPC a preços de 2005. Os dados utilizados nesta obra, não incluem a nova metodologia utilizada pelo Sistema de Contas Nacionais do IBGE.

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Além de crescer pouco nos vinte e cinco anos analisados, de um modo geral, sempre que o País executa políticas voltadas para o crescimento econômico, não se adota o desenvolvimento social como referência imediata. Cidadania, renda do trabalho, bem-estar social, sempre foram entendidos como um porvir, uma decorrência natural das relações econômicas, uma promessa para o futuro. Naturalmente, com tamanhas distorções, inclusive no acesso ao meio político, o bolo sempre cresceu, mas nunca foi devidamente repartido.

Podemos observar no Gráfico 1 o descasamento produzido a partir da década de 60. O crescimento do PIB per capita - riqueza nacional calculada por habitante - nem de longe foi acompanhado pelo salário mínimo, um importante referencial de estruturação do mercado de trabalho.

Neste capítulo, não se pretende fazer um levantamento de todo esse histórico. Será enfatizado o período posterior à eleição do Governo Collor.

Os anos 90, marco inicial para as análises deste estudo, indicaram a inserção do país numa nova etapa do processo produtivo. O trabalho, mais do que nunca, passou a ser entendido como mercadoria transacionada livremente entre ofertantes e demandantes, a fim de ter o seu valor determinado.

100

150

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1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005

PIB per capita Salário mínimo médio anual

GRÁFICO 1

Os modelos econômicos utilizados ao longodos anos determinaram que a riqueza

nacional, calculada por habitante, crescessemuito além do valor real do salário mínimo.Como consequência, houve concentração derenda e aumento do hiato entre crescimentoeconômico e desenvolvimento social.

Evolução do PIB per capita e do salário mínimo real - Brasil - 1960 a 2006

Fonte: IPEAdataNota: Ano-base 1960(1960=100)

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Mesmo diante da inequívoca constatação das deformações desse mercado, o Estado praticamente saiu de cena. Nem mesmo defendeu o trabalho e o salário pela função social que desempenham.

Também o emprego perdeu importância como referencial para as relações de trabalho. Novas formas de contratação e de intermediação passaram a ser livremente utilizadas. O objetivo de reduzir o custo da mão-de-obra, via redução nominal dos salários pagos, terceirização ou precarização pura e simples, tornou-se receita universal, e principal componente da reestruturação produtiva e do lucro das empresas.

Como conseqüência desse processo, entre 2000 e 2003, a remuneração dos empregados formais e informais do setor privado estava reduzida a médios 26,3% do PIB, segundo dados do IPEAdata. Apenas dez anos antes, entre 1990 e 1993, nada menos que 34,7% da produção nacional tinham essa destinação. Nesse período, os salários perderam quase a terça parte, em comparação ao PIB5 .

Considerando-se que o começo dos anos 90 – depois da longa crise dos anos 80 e da própria crise do Governo Collor – constituiu um referencial muito baixo para o valor do trabalho e sua participação na renda nacional, o que assistimos a seguir é a um estado de precarização absoluta.

De 1990 a 1993, o país experimentou dois anos de queda na produção econômica, intermediados por outro de quase estagnação6. Apenas em 1993 houve crescimento, creditado em parte aos baixos níveis econômicos acumulados no triênio anterior, quando o PIB cresceu apenas 0,48%, em termos reais7. Como resultado, nesses quatro anos, a economia variou apenas 5,43%. Os trabalhadores perderam empregos e aos poucos viram ser suprimidos direitos e salários, num autêntico confisco salarial.

Ao final de 1993, dados do IBGE8 indicavam que apenas 55,6% das pessoas em idade ativa estavam ocupadas. O desemprego aberto de 5,3% era acompanhado por um grande desalento9 e por um subemprego brutal: um em cada cinco trabalhadores ativos estava desempregado ou ocupado com rendimento inferior a um salário mínimo.

_______________________________________________5 Como veremos ainda neste capítulo, há vários indicadores de rendimento e de ocupação com resultados positivos a partir de 2004. A análise desses dados permitirá verificar se há mudança de comportamento no mercado de trabalho ou se uma flutuação sazonal.6 As variações reais do PIB no período de 1990 a 1993 foram, respectivamente: -4,35; 1,03; -0,54 e 4,92%, de acordo com os dados de crescimento acumulado do PIB real (em R$ de 2005) do IPEAdata.7 O triênio mencionado é referente ao período de 1990 a 1992 e o crescimento foi calculado a partir dos dados do PIB em R$ de 2005 (dados do IPEAdata).8 Estatística do Século XX - trabalho9 Estão no desalento, para fins das pesquisas de emprego e desemprego, as pessoas que sem ocupação não estão procurando trabalho no período de referência (semanal, mensal etc). Essas pessoas não são consideradas desemprega-das. Simplesmente não são incluídas dentre as pessoas economicamente ativas.

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Foi a partir desse cenário de altos níveis de desemprego, baixos salários e grande informalidade que se processou uma profunda reestruturação do mercado de trabalho. Os quinze anos de neoliberalismo que se seguiram deterioraram ainda mais a situação dos trabalhadores10.

Se o começo dos anos 90 já representava um período de dificuldades, desde então a situação dos trabalhadores foi sendo agravada sob muitos aspectos.

É bem verdade que o Brasil nunca foi modelo de justiça, nem universalizou programas de bem-estar social. Por isso mesmo, a realidade que os trabalhadores vivenciam hoje é o resultado da precarização ocorrida sobre uma situação já deteriorada.

O Gráfico 2 elucida a situação. São números do Sistema de Contas Nacionais do IBGE vinculados ao cálculo e à análise do PIB11. Frente aos valores da produção nacional, podemos acompanhar a evolução da remuneração dos empregados (despesas efetuadas em contrapartida ao trabalho realizado) e do chamado “excedente operacional bruto” que representa “a remuneração do fator capital para as empresas constituídas em sociedade”.

Antes do Plano Real, a retribuição pelo trabalho paga pelas empresas e a remuneração do capital, expressa pelo excedente operacional bruto, oscilavam em torno dos 35% do PIB12. Porém, o projeto político e econômico que se ergueu com o Plano Real, a partir de 1994, determinou a queda acentuada e contínua da participação dos salários na distribuição da renda13. Ao mesmo tempo, cresceu significativamente a remuneração do fator capital.

Esse processo reflete as mudanças qualitativas ocorridas na produção nacional, com uso crescente da automação, aumento de produtividade e apropriação dos excedentes, quase que exclusivamente pelo capital.

Para se ter idéia, o IBGE14 calcula que, de 1991 a 1999, a produtividade do trabalho cresceu 22%. Nesse mesmo período, a participação dos salários

_______________________________________________10 Um número muito reduzido de séries de dados estatísticos relacionados ao mundo do trabalho foi mantido inalterado durante os últimos 15 anos. Mudanças de metodologia, conceitos, base de apuração, abrangência geográfica, dentre outras, determinam uma desconexão dos dados, por exemplo, em relação a emprego, desemprego, salário médio, massa salarial etc. A utilização de quase todas demanda entender e esclarecer essas mudanças. Sempre que necessário à com-preensão, serão apresentados, em paralelo, os resultados das diversas séries.11 Maiores informações sobre conceitos, metodologia e dados do sistema de contas nacionais podem ser encontradas em: www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/contasnacionais/2003/srmsicona.pdf12 Os dados do PIB são ajustados em termos de valor para junho de cada ano por meio da aplicação do deflator implícito próprio de cada um dos componentes.13 É aguardada a divulgação dos dados mais recentes do IBGE sobre a participação dos salários de empregados na renda nacional (os últimos são de 2003).

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frente ao PIB caiu de 36% para 27% e o excedente operacional das empresas subiu de 33% para 41% da riqueza produzida. Em suma, esse ganho de produtividade foi totalmente ou, na maior parte, apropriado pelo capital.

A tendência de queda da participação dos salários na renda é um processo histórico e acompanha o aumento da produtividade. A incorporação de novas tecnologias resulta naturalmente no aumento da recompensa que é conferida ao capital imobilizado em máquinas, equipamentos, tecnologias etc. Mas, é de se esperar que, pelo menos em parte, os ganhos de produtividade sejam incorporados aos salários, evitando uma excessiva concentração de renda. Em nosso país isso não ocorreu, em boa medida porque a luta contra o desemprego absorveu a maior parte dos esforços dos trabalhadores.

A recessão e o desemprego gerados na crise do Governo Collor destruíram quase dois milhões de postos de trabalho, somente nas regiões metropolitanas. Isso sem falar na precarização do trabalho e no desalento que se alastraram no período. Essa queda foi tão brutal que somente em 2000 o país recuperou o

25,7%

36,4%

32,6%

43,0%

25%

29%

33%

37%

41%

45%

1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004

% PIB

GRÁFICO 2

Distribuição da renda nacional, salários e remuneração do fator capital - 1990 a 2003

% salários dos empregados % Excedente operacional bruto

Os salários, que remuneram osempregados, vêm caindo frente à

remuneração do capital

Fonte: IBGE - Sistema de Contas Nacionais

_______________________________________________14 IBGE – Sistema de Contas Nacionais – www.ipeadata.gov.br

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quantitativo de trabalhadores ocupados que existia em 1990. Não é de espantar, portanto, que os salários não tenham conseguido acompanhar a inflação e muito menos incorporar as vantagens dos ganhos de produtividade.

A seguir, no Gráfico 3, são apresentados dados que permitem comparar a evolução da renda média do trabalhador ocupado com o número de postos de trabalho. Esses números, da Pesquisa de Emprego e Desemprego do IBGE, avaliam as regiões metropolitanas. Em 2002, houve uma mudança metodológica. Assim, estão apresentadas em separado as duas séries15. Na composição do gráfico, é associada a cada ano a média das variações ocorridas entre cada mês e o correspondente de 1989.

Nos dezessete anos retratados, houve dois momentos de grande queda nos rendimentos: o primeiro entre 1990 e 1992; e o segundo, mais longo, entre1998 e 2003.

No primeiro, a queda veio acompanhada de uma grande destruição dos postos de trabalho. A queda da ocupação foi um dos principais instrumentos de regulação dos salários.

60

70

80

90

100

110

120

130

1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006

1989 = 100

Mudança metodológica

Ocupação

Renda

GRÁFICO 3Evolução da população ocupada e da renda média do trabalhador

nas regiões metropolitanas - 1990 a 2006

A variação de cada ano representa a média das variaçõesmensais, correspondente ao número indice de 1989. Para 2006,a média calculada corresponde à do primeiro semestre.Fonte: IBGE - PME - Regiões Metropolitanas. Elaboração ANFIP

_______________________________________________15 A série mais antiga analisava o rendimento do trabalho principal. A mais nova considera o rendimento médio habitual do ocupado, incluindo todas as fontes de renda. Há ainda um diferente recorte de idade. Antes, era analisado apenas o trabalhador com mais de 16 anos; a série mais nova se aproxima mais da realidade, já que acompanha os trabalhadores com mais de 10 anos, incluindo o trabalho precário, único possível na faixa etária de 10 a 14 (de 14 a 16, a Constituição admite a situação de aprendiz).

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�7 Previdência Social e Salário MíniMo

A recuperação dos salários inicia-se em 1993 e coincide com a retomada da ocupação. Em 1995, os salários recuperam a situação de 1989 e continuam crescendo até 1997, quando se inicia um novo ciclo de quedas.

Os salários somente voltam a se recuperar em 2004, mas nova queda é verificada em 2005. A despeito dos resultados positivos, principalmente em 2006, ainda estamos longe do patamar salarial de 1997.

No primeiro ciclo, que vai até 1997, ocupação e renda caminham juntas. A partir de 1998, segundo momento de queda, o processo se modificou, pois ocorreu um crescimento continuado da ocupação, mas a diminuição do desemprego não se refletiu no aumento dos salários. Pelo contrário, eles continuaram caindo até o final de 2003. A recuperação real da renda média somente se deu a partir de 2004 e coincide com o período de maiores aumentos reais do salário mínimo.

Que a ocupação e a renda caminhem juntas é natural. Mas, é preciso buscar outros elementos para entender a queda dos salários quando a ocupação permanece crescendo. Evidencia-se que a rotatividade da mão-de-obra, acoplada ao processo de substituição da força de trabalho, com destruição dos postos de maior remuneração, terceirizações, redefinições geográficas da produção e do emprego, novas formas de contratação (inclusive via pessoa jurídica individual) foram fatores determinantes16.

Esse patamar salarial rebaixado que marca a reestruturação produtiva no Brasil pode ser observado pelos dados do mercado formal de trabalho, que, por sua vez, influencia e é influenciado diretamente pela informalidade.

Pelos dados da RAIS17 de 1994, em dezembro havia 12,4 milhões de postos de trabalho registrados com remuneração média superior a 3 salários mínimos, o que representava pouco menos da metade dos trabalhadores, dos setores público e privado, em todos os vínculos (48,1%).

A RAIS de 2005 mostra números bem diferentes. Não mais 48,1%, mas tão somente 33,6% dos trabalhadores receberam em dezembro uma remuneração média superior a 3 salários mínimos. Dos 12,4 milhões de trabalhadores nessas faixas salariais, restaram somente 11,2 milhões.

A Tabela 2 compara os números das RAIS de 1994 a 2005. Os dados são referentes à remuneração média de dezembro de cada ano18.

Os números mostram como o percentual de trabalhadores que receberam em dezembro até dois salários mínimos de remuneração média elevou-se de

_______________________________________________ 16 Outros elementos necessários a esse debate serão contemplados em futuros trabalhos da ANFIP. 17 Dados do Relatório Anual de Informações Sociais – MTE. 18 A remuneração média de dezembro envolve salários, 13º e outras parcelas remuneratórias.

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�8 Previdência Social e Salário MíniMo

18,6% para 38,7%, entre 1994 e 2005. Em contrapartida, o percentual dos que recebiam mais de sete salários mínimos reduziu-se pela metade, de 23,5% para 11,1%, no mesmo período.

A retribuição paga ao trabalho caiu frente à renda nacional, como foi visto, e também foi achatada frente ao piso remuneratório. Esse achatamento é o principal fator que explica por que a renda média vem caindo diante do crescimento da ocupação, o que deveria intensificar a luta por melhores salários.

Essa grande transformação pode ser acompanhada pelos números de contratações e demissões registradas junto ao Ministério do Trabalho e do Emprego. A Tabela 3 apresenta esses números extraídos do CAGED – Cadastro Geral de Emprego e Desemprego do MTE19.

Nesse período, de apenas doze anos, o saldo líquido de contratações e demissões demonstra como foram destruídos 5,4 milhões de postos nas faixas de salário acima de três salários mínimos20.

De 1995 a 2006, os dados do CAGED revelam que mais de 5,7 milhões de postos formais de trabalho foram acrescentados, sob a forma de formalização ou criação de novos postos. Observando esse conjunto

Em faixas de salários mínimosAnos

TABELA 2

Mais de 7

1994

1998

2002

2003

2004

2005

De 1 a 2

18,6%

22,4%

31,5%

34,5%

35,0%

38,7%

23,5%

19,5%

14,2%

12,4%

12,2%

11,1%

Fonte: MTE - RAISNotas: (1) Abaixo de 1 SM, média igual a 5,8%; Entre 2 e 7SMs, média igual a 44,7%; (2) Contratos pela CLT em faixasde SMs e em percentual sobre o total.

Remuneração média do trabalhador no mercado formal - dezembro de cada ano

_______________________________________________19 Os dados do CAGED envolvem dados dos setores público e privado, relações de emprego e estatutárias, por prazo indeterminado ou não, urbanas e rurais, empregadores etc.20 No acumulado do período (de 1995 a 2006), há 281 mil novos postos sem informação sobre salários.

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�9 Previdência Social e Salário MíniMo

por faixas salariais, vê-se que nas faixas de até três salários há 10,8 milhões de postos a mais, e nas faixas de remuneração superior a três salários há 5,4 milhões a menos. É importante também observar a enorme diferença do saldo de contratações e demissões entre 1995 e 2000 e entre 2001 e 2006. Os números reforçam a idéia de precarização do trabalho ocorrida nos anos 90.

Um instrumento capaz de efetivar o rebaixamento generalizado da remuneração é a grande rotatividade da mão-de-obra. O salário de contratação, sempre mais baixo do que a média de remuneração, pressiona o conjunto da força de trabalho, desmobilizando inclusive as lutas salariais. Para se ter idéia da dimensão dessa rotatividade no país, nesses doze anos estão registrados 117,5 milhões de admissões e 111,7 milhões de demissões, para um conjunto de vínculos anuais registrados que variou entre 23 e 31 milhões.

Isso significa que a reposição dos quadros das empresas é um importante instrumento para o rebaixamento salarial. Como resultado, verifica-se uma queda do rendimento médio real dos trabalhadores que permanecem ocupados.

Dados sobre a rotatividade de mão-de-obra em nosso país podem ser vistos na Tabela 4. Os números retratam o pequeno grau de permanência no emprego dos trabalhadores contratados ao longo do ano de 2004. Mesmo num

Faixas salariais 1995 a 2000 2001 a 2006 Acumulado

TABELA 3

Total do período

Até 1,0 SM

De 1,01 a 2,0

De 2,01 a 3,0

De 3,01 a 5,0

De 5,01 a 10,0

Mais de 10,0

Ignorado

974.835

1.683.460

-62.120

-1.303.462

-1.345.002

-813.037

237.970

-627.356

1.924.542

6.194.758

99.239

-786.680

-733.661

-384.263

43.028

6.356.963

2.899.377

7.878.218

37.119

-2.090.142

-2.078.663

-1.197.300

280.998

5.729.607

Fonte: MTE - CAGED

Evolução do saldo líquido de contratações e demissõesregistradas no CAGED - por faixas salariais

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20 Previdência Social e Salário MíniMo

ano em que a economia cresceu 4,9% e houve criação de mais de 1,2 milhão de novos postos de trabalho com registro, a rotatividade da mão-de-obra é marcante.

Ao longo do ano de 2004 foram contratados 17 milhões de trabalhadores, mas, ao final do ano, apenas 10,5 milhões permaneceram no mesmo emprego. Cerca de 48% dos trabalhadores contratados no primeiro semestre foram demitidos antes do final do ano. Um em cada três trabalhadores registrados

TABELA 4

Valor absoluto %

Contratados no ano anterior

Total

Trabalhadores queterminaram o ano no

mesmo empregoMês de admissãoTotal de

trabalhadorescontratados

Janeiro

Fevereiro

Março

Abril

Maio

Junho

Julho

Agosto

Setembro

Outubro

Novembro

Dezembro

1.647,6

1.528,8

1.563,8

1.523,7

1.477,6

1.455,5

1.333,2

1.462,2

1.420,5

1.300,2

1.282,6

996,1

30.665,3

47.657,1

872,3

768,3

798,9

763,0

781,4

814,8

817,6

970,9

1.002,4

996,7

1.070,7

908,7

22.672,9

33.238,6

53%

50%

51%

50%

53%

56%

61%

66%

71%

77%

83%

91%

74%

70%

16%

36%

64%

38%48%

Rotatividade da mão-de-obra no Brasil em 2004 epermanência no emprego no mesmo ano da contratação (milhões de trabalhadores)

Com relação aos que permaneceram empregados

Permanência no emprego menor do que 6 meses

Fonte: MTE - RAIS

Permanência no emprego menor do que 12 meses

Permanência no emprego maior do que um ano

Com relação aos que foram demitidos

% dos contratados no mesmo exercício

% dos contratados no primeiro semestre

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2� Previdência Social e Salário MíniMo

tem menos do que doze meses de contratado. Nesses dados estão todos os trabalhadores registrados, inclusive servidores públicos, militares etc. A situação seria ainda pior se os dados mostrassem apenas os números relativos aos trabalhadores do setor privado.

A partir de 2004, indicadores de formalidade e de renda do trabalho apresentam melhoras. Esses resultados puderam ser cotejados tanto nos dados da Pesquisa Mensal de Emprego e Desemprego do IBGE, que apura resultados nas regiões metropolitanas, quanto nos dados da PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.

A recuperação da renda, que já era observada nas regiões metropolitanas (como mostrou o Gráfico 3) agora se incorpora aos dados nacionais.

Segundo dados da PNAD, contidos no Gráfico 4, podemos ver que a partir de 1992 o rendimento médio real do trabalhador ocupado, guiado pela recuperação da recessão de 1990 e pelo impacto inicial do Plano Real em 1994, se elevou. Nos anos que se seguiram, no entanto, observamos uma queda continua no valor real do rendimento médio de todos os trabalhos das pessoas ocupadas, que vai de 1996 a 2003. Essa queda, que chegou a acumular 22%,

969

840

691

746

978

902

870

804

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005

Rendimento médio real

650

700

750

800

850

900

950

1000R$

GRÁFICO 4Evolução do rendimento mensal médio das pessoas ocupadas com

10 anos ou mais de idade – 1992 a 2005 (valor real)

Fonte: IBGE - PNAD 2005Nota:Os valores divulgados pela PNAD e que estavam a preços de set/2005 foramatualizados pelo INPC a preços de dez/2006 pela ANFIP.Obs: Em 1994 e 2000 a PNAD não foi a campo. Os dados foram obtidos por meio deinterpolação linear.

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22 Previdência Social e Salário MíniMo

em termos reais, cessou em 2004. Em 2005, pela primeira vez desde 1996, a renda média apresentou ganho real, em relação a 2004, de 4,5%.

Ano a ano, seja pelo pequeno crescimento econômico, seja pelo efeito das diversas crises ou mesmo pelo recrudescimento da inflação, os trabalhadores viram a sua renda ser progressivamente diminuída, num cenário de desproteção total para os salários.

Embora o início do Plano Real tenha promovido mudanças favoráveis nos níveis de atividade econômica, houve uma explosão do endividamento público e brutal arrocho salarial. O pequeno alívio experimentado a partir de 2004 pode ser explicado pelo crescimento da economia superior à média de 2% ao ano, verificada entre 1990 e 2006, e pelos aumentos reais dados ao salário mínimo.

Com uma força de trabalho concentrada nas faixas de até dois salários mínimos, o reflexo desses aumentos é imediato. Não há vinculação legal, mas, mesmo para quem não tem carteira assinada, o valor do salário mínimo serve de referência. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) afirma que a definição do mínimo influencia diretamente a remuneração dos trabalhadores que ganham até dois salários mínimos, com ou sem carteira assinada21.

E isso não é tudo. Desde 2004, a economia brasileira cresce, puxada pelas exportações, e o desemprego cai, sempre com empregos de menor salário. Assim, o valor do salário mínimo assume uma importância ainda maior, pois contribui para ampliar a capacidade de consumo das famílias, recuperando o mercado interno e valorizando o trabalho. Ao elevar-se o salário mínimo de contratação, diminui-se a pressão sobre todos os trabalhadores, melhorando-se as condições para as reivindicações salariais. Essas são premissas do projeto de desenvolvimento nacional com valorização do trabalho.

Se a valorização do salário passa a ser fundamental para garantir direitos mínimos ao trabalhador, especialmente para a proteção do valor da sua força ou capacidade de trabalho, como equacionar o financiamento da previdência social, pressionado pelo aumento das despesas com o pagamento de benefícios, sabidamente influenciado pelos aumentos reais do salário mínimo?

A resposta a essa questão vem sendo obtida de diversas formas. Além da defesa intransigente da pluralidade das fontes de financiamento da Seguridade Social, é preciso observar o que vem ocorrendo recentemente na previdência social.

_______________________________________________21 Texto para Discussão Nº 849 - Os Impactos do Salário Mínimo sobre Emprego e Salários no Brasil (www.ipea.gov.br)

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2� Previdência Social e Salário MíniMo

A arrecadação previdenciária líquida (descontados os repasses a Terceiros) do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), em dezembro de 2006, apresentou aumento real22 de 10,8%, se comparado a dezembro de 2005. De 1995 até 2006, a arrecadação cresceu 81,4%, em termos reais.

Por sua vez, a despesa com pagamento de benefícios cresceu um pouco menos, 10,3% (ou 10,5% desconsiderados os pagamentos com sentenças judiciais). Essas despesas incorporam os reflexos do aumento do salário mínimo, de R$ 300 para R$ 350, concedido a partir de abril de 2006.

Os dados indicam que a valorização do salário mínimo e o crescimento do emprego formal repercutiram positivamente sobre a arrecadação previdenciária. Isso porque as contribuições previdenciárias23 também incidem sobre uma massa salarial maior. No acumulado do ano de 2006, frente a 2005, os reflexos positivos do aumento da renda e da formalização ainda não foram suficientes para acompanhar o aumento das despesas. Mas, já há uma nítida reversão do aumento da necessidade de aportes de outros recursos da Seguridade para cobertura do RGPS.

Os problemas que a Previdência Social enfrenta, hoje, são fruto da crise no mercado de trabalho, principalmente nos anos 90, que levou a uma perda apreciável de afiliados no sistema. Para se ter uma idéia, em 1981, segundo microdados da PNAD, tínhamos 56% da população economicamente ativa (PEA) afiliada a algum sistema de Previdência Social, do regime geral ou dos regimes próprios. Em 2005, ou seja, duas décadas e meia depois, temos 47% da PEA afiliada ao sistema. Quando se computam os demais afiliados do setor rural, esse sistema consegue abranger a metade da população economicamente ativa. A crise do mercado de trabalho ao longo dos mais de vinte anos de semi-estagnação econômica é, na realidade, a grande responsável pelo processo de perda de capacidade de autofinanciamento da Previdência Social.

O financiamento da Previdência Social depende dos níveis salariais, do crescimento econômico, da formalização do trabalho, do combate à sonegação, da recuperação de créditos etc. Nos últimos dois anos, temos presenciado uma evolução positiva de quase todos esses fatores, o que compensa em muito o crescimento das despesas decorrente dos aumentos reais concedidos ao salário mínimo.

Essas questões foram levantadas durante o debate da Lei de Diretrizes

_______________________________________________22 Números corrigidos pelo INPC a preços de dezembro de 2006. 23 Contribuição previdenciária é aqui considerada como a incidente sobre folha de salários que, no entanto, não é a única fonte de financiamento da previdência, pois há participação de outras no conjunto da Seguridade Social: Cofins, CSLL, CPMF etc.

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24 Previdência Social e Salário MíniMo

Orçamentárias para 200724. A Tabela 5, a seguir, apresenta as principais variáveis utilizadas no cálculo

atuarial e o resultado sobre as contas da Previdência Social, mensurado sob a forma da necessidade de outros aportes orçamentários.

O cálculo atuarial mantém as previsões de aumento do PIB, que cresceria de 4,5% em 2006 até 5,25% em 2009. Esse crescimento econômico, ainda muito longe dos índices chineses ou indianos, já permitiria um aumento da massa salarial da ordem de 9,7% ao ano, além da criação de novos postos e continuidade da formalização.

Do lado da despesa, além do crescimento vegetativo dos benefícios e da correção para manutenção do valor dos benefícios emitidos, estão considerados aumentos para o salário mínimo. Do conjunto desses e de outros fatores ponderados no estudo atuarial, a necessidade de aportes de recursos complementares para pagamento de benefícios cairia ano após ano, frente ao PIB: de 2,15% em 2006 para 1,98% em 2009.

Num cenário de crescimento econômico e aumentos reais para o salário mínimo, o relatório constante do Anexo de Metas Fiscais aponta para a queda do chamado ‘déficit’ da previdência social na projeção atuarial do RGPS.

Mas, ainda assim, o estudo da LDO não conclui pela estrita relação entre

TABELA 5

Exercício Cresc. damassasalarial

(%)

Cresc.Vegetativodos benef.previd. (%)

InflaçãoIGP-DI

(%)

Variaçãoreal doPIB (%)

Reajuste dosalário

mínimo (%)

Reajuste dosdemais

benefícios(%)

Necess. definanc. doRGPS (%)

2006200720082009201020112012201320142015

9,689,649,969,967,237,287,267,137,006,93

3,953,953,953,963,983,983,983,983,963,95

2,303,704,004,403,503,503,503,503,503,50

4,504,755,005,253,603,653,513,383,313,25

16,707,907,707,703,503,503,503,503,503,50

5,004,704,504,503,503,503,503,503,503,50

2,152,162,051,982,012,042,062,102,142,19

Fonte: Lei de Diretrizes Orçamentárias 2007 (LDO - proposta) - Anexo de metas fiscais

Evolução das principais variáveis para projeção de longo prazo e a conseqüentenecessidade de financiamento do RGPS

_______________________________________________24 O Anexo de Metas Fiscais e o seu conteúdo está estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar n.º 101, de 2000.

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25 Previdência Social e Salário MíniMo

o crescimento econômico e a saúde das contas da previdência social. Para manter aceso o discurso da necessidade das reformas da previdência, o estudo atuarial, sem qualquer justificativa, modifica abruptamente as estimativas de crescimento do PIB, fazendo-as despencar a partir de 2010.

Para 2010, por exemplo, sem qualquer nota explicativa, a previsão de crescimento é arremessada para baixo. De 5,25% de crescimento em 2009, cai para 3,6% em 2010 e assim sucessivamente.

Essas previsões repercutem na evolução do emprego, dos salários e da arrecadação previdenciária, fazendo o crescimento econômico ser inferior ao crescimento vegetativo das despesas. Não é de estranhar, portanto, que, a partir de 2010, as previsões de necessidade de aporte de outras fontes da Seguridade cresçam, legitimando o discurso pró-reforma da previdência. O Gráfico 5 é importante para visualizar essa questão.

Crescimento econômico e valorização dos salários são fundamentais para o financiamento da previdência social. Mais empregos e mais salários são fontes primárias para a arrecadação previdenciária. Isso pode ser constatado

GRÁFICO 5Estimativas da necessidade de financiamento

do RGPS - 2006 a 2015

A necessidade de financiamento da Previdência depende do crescimento econômico.Com maior crescimento, melhoram as condições de emprego e salário e, porconseguinte, as contas da previdência. Nas simulações da LDO, o país cresce bem até2009, na média 4,8%, mas a partir daí cresce em proporção cada vez menor.A projeção das contas da previdência melhora até 2009, com o crescimento econômico.No entanto, volta a piorar, quando o governo diminui as projeções de crescimento daeconomia. A partir daí, estima-se geração de déficits, aumentando a necessidade definanciamento e fortalecendo o discurso imperativo de reforma na previdência.

Período com previsão de crescimentodo PIB maior que 4,5% ao ano.Melhoram as contas da previdência

Período com previsão de crescimento, cadavez menor, do PIB . Bom para o discurso dasreformas.Pioram as contas da previdência

1,9

2,0

2,0

2,1

2,1

2,2

2,2

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

% PIB

Fonte: Lei de Diretrizes Orçamentárias 2007 (LDO - Proposta) - Anexo IV - 7

O que aconteceria com as contas da Previdência Social, se apolítica econômica permitisse ao país crescer, com melhoresempregos e maiores salários?

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26 Previdência Social e Salário MíniMo

com os aumentos para o salário mínimo ou quando considerado o incremento da produção nacional, como nas previsões da LDO até 2009.

Essa afirmação é importante para que se resgate a lógica natural dos fatos. A responsabilidade pelos altos juros praticados no Brasil não se deve às necessidades de financiamento da previdência social. Ao contrário, são os altos juros que inibem o investimento produtivo e o crescimento econômico, sufocando os salários e fazendo com que as despesas com benefícios cresçam acima das receitas previdenciárias.

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27 Previdência Social e Salário MíniMo

2 - Cidadania e previdência

No capítulo anterior foi analisado como a queda dos salários afetou negativamente as receitas previdenciárias e como as contas da previdência social seriam completamente diferentes das que encontramos hoje se o modelo econômico permitisse à economia crescer, gerando empregos.

Neste capítulo, serão discutidas outras transformações ocorridas no mercado de trabalho que afastaram ainda mais o trabalhador da proteção previdenciária; e que respostas precisam ser dadas para ampliar a cobertura e o acesso dos trabalhadores a esses direitos.

Parece acertado pressupor que, sem um novo rumo econômico, e principalmente político, que resgate a valorização do trabalho, a previdência social não conseguirá assegurar a cobertura para a imensa maioria dos trabalhadores. Isso porque o nível e a qualidade das relações de trabalho estão sempre atrelados ao projeto de desenvolvimento em curso.

A partir da Revolução de Trinta, (...) “o projeto de industrialização nacional começou a conformar a base de desenvolvimento de uma sociedade salarial. Assim, entre 1932 e 1980, o Brasil levou avante um dos mais bem-sucedidos modelos de crescimento econômico, fundado na ampla difusão do emprego assalariado. Durante os anos 40 e 70, por exemplo, a cada 10 postos de trabalho criados, apenas 2 não eram assalariados, sendo 7 com registro formal” (POCHMANN, 2001).

Hoje o modelo econômico em curso conduz a realidade para outros rumos. “As economias não-desenvolvidas transformam-se em uma grande feira mundial de concorrência pelos menores custos de trabalho possíveis, a ser visitada por compradores de força de trabalho que representam as grandes corporações transnacionais. Quanto mais dóceis os governos, e submissos à lógica de exploração intensiva do trabalho, mais dependentes são suas políticas macroeconômicas nacionais. São colocados em marcha os programas macroeconômicos de integração subordinada e passiva, por meio da adoção de políticas neoliberais de liberalização comercial sem critérios, de desregulamentação financeira, de enxugamento do Estado, de desnacionalização econômica e de especialização produtiva” (POCHMANN, 2005).

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28 Previdência Social e Salário MíniMo

Mas, mesmo alterado o rumo do modelo econômico, ainda assim seriam necessários anos a fio para a construção dessa nova realidade. Que respostas imediatas precisam ser oferecidas aos milhões de trabalhadores que hoje não possuem a cobertura previdenciária?

Ao verificarmos que a participação dos rendimentos dos salários caiu frente à riqueza produzida, temos apenas uma dimensão parcial do problema. Esses cálculos sobre a renda do trabalho junto ao PIB tomam indistintamente a remuneração do trabalhador, qualquer que seja o vínculo que norteie a sua ocupação. Não é diferenciado, por exemplo, se o trabalhador empregado tem ou não carteira assinada.

A compreensão do mundo do trabalho demanda analisar tanto a problemática dos salários, como a estrutura do mercado de trabalho e as múltiplas formas que são utilizadas para contratação de trabalhadores.

Em 2005, como revelam os dados da PNAD contidos na tabela 6, existiam 45,8 milhões de trabalhadores ocupados que não contribuíam e não estavam protegidos por qualquer sistema previdenciário. Esse montante superava, em muito, os 41,3 milhões de trabalhadores que contribuíam para o regime geral ou qualquer outro regime previdenciário próprio, de servidores civis e militares.

Além de denunciarem a existência de mais de 45 milhões de trabalhadores ocupados sem qualquer vínculo previdenciário, os dados anteriores ressaltam que uma parcela expressiva dos sem-previdência (40%), pertence às faixas etárias acima de 40 anos.

Pelos dados da PNAD não é possível levantar um perfil exato desses trabalhadores, como, por exemplo, quem possui tempo de contribuição e por quantos anos já contribuiu etc. Essa é uma tarefa por fazer.

Do total de não-contribuintes, cerca de 20,5 milhões de trabalhadores (23,6% do total) estavam à margem do sistema porque não tinham capacidade contributiva - ganhavam um salário mínimo ou menos ou não tinham rendimentos - o que significa que grande parte do problema da cobertura previdenciária pode ser explicada por razões estruturais relacionadas com a insuficiência de renda. Os que ganham acima de um salário mínimo e não estão filiados à Previdência Social, cerca de 15 milhões, são majoritariamente trabalhadores sem carteira assinada, empregadores, autônomos e domésticos inseridos em atividades informais nos setores de serviços, construção civil e agricultura.

Os problemas de absorção da população economicamente ativa são visíveis nas taxas de desemprego que diminuem a participação dos jovens no mercado

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29 Previdência Social e Salário MíniMo

de trabalho, aumentando a exclusão previdenciária. A relação informal de emprego, sem carteira de trabalho assinada, violenta direitos trabalhistas e priva de direitos previdenciários aqueles que procuram meios de sobrevivência.

Quantidade(em milhões)

%

TABELA 6

População Ocupada 87,1 100,00%

Contribuintes da Previdência Social 41,3 47,41%

Filiados ao RPPS (militares e estatutários) 5,5 6,30%

Filiados ao RGPS1 35,1 40,30%

Sem rendimento 0,2 0,18%

Sem declaração 0,5 0,62%

10 a 14 anos 0,0 0,00%

15 a 19 anos 1,6 1,87%

20 a 24 anos 5,8 6,68%25 a 29 anos 6,5 7,41%30 a 39 anos 11,7 13,45%40 a 49 anos 9,6 11,02%50 a 59 anos 4,9 5,58%60 anos ou mais 1,2 1,37%Idade Ignorada 0,0 0,00%Não-contribuintes da Previdência Social 45,8 52,59%Trab. c/ renda igual ou inferior a 1SM

Trab. c/ renda superior a 1 SM

Sem rendimento2

Sem declaração

10 a 14 anos15 a 19 anos20 a 24 anos25 a 29 anos30 a 39 anos40 a 49 anos50 a 59 anos60 anos ou maisIdade Ignorada

Distribuição dos trabalhadores ocupados, segundocontribuição ou não a qualquer sistema previdenciário – 2005

20,514,9

9,90,51,95,35,75,19,58,35,74,30,0

23,57%17,15%11,33%0,53%2,14%6,08%6,57%5,87%

10,89%9,50%6,58%4,93%0,00%

Fonte: IBGE - PNAD 2005. Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência.Notas: (1) Inclusive pessoas que contribuíram uma vez ao ano

(2) Inclusive pessoas que receberam somente em benefícios

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�0 Previdência Social e Salário MíniMo

Essa situação determina, no presente, um grave problema para a receita previdenciária, e alimenta um problema social futuro, já que imenso contingente da população não se habilita, por contribuição, a nenhum benefício em caso, por exemplo, de velhice, invalidez ou acidentes.

No entanto, pode-se intuir que mesmo que passassem a contribuir imediatamente, a maioria desses trabalhadores não completaria sequer a carência da aposentadoria por idade, caso não sejam desenvolvidas ações concretas para facilitar a contribuição desse segmento. A Tabela 7 mostra a situação do trabalhador, frente à sua filiação previdenciária, ao longo da década de 90 e nos últimos anos, num recorte regionalizado.

Norteurbana Nordeste Sudeste Sul Centro-

OesteBrasil (2)

Grandes Regiões

TABELA 7

1989 60,62 % 1,85 16,13 27,91 10,42 4,30

Contribuintes 30,65 50,6 0,89 4,72 17,82 5,32 1,90

Não contribuintes 29,97 49,4 0,96 11,40 10,09 5,11 2,41

1997 69,19 % 2,89 19,76 29,82 11,73 4,99

Contribuintes 30,35 43,9 0,99 4,87 16,81 5,67 2,00

Não contribuintes 38,84 56,1 1,90 14,89 13,00 6,06 2,99

2001 75,31 % 3,72 20,55 32,65 12,87 5,51

Contribuintes 34,49 45,8 1,44 5,69 18,50 6,41 2,44

Não contribuintes 40,82 54,2 2,28 14,86 14,15 6,46 3,07

2005 87,09 % 6,59 23,18 36,86 14,21 6,25

Contribuintes 41,29 47,4 2,21 6,65 21,66 7,67 3,09

Não contribuintes 45,80 52,6 4,37 16,54 15,20 6,54 3,15Diferença 97-89 8,57 % 1,05 3,63 1,90 1,31 0,68

Contribuintes -0,30 -3,49 0,11 0,15 -1,01 0,36 0,10

Não contribuintes 8,87 103,5 0,94 3,49 2,91 0,95 0,58Diferença 05-97 17,90 % 3,69 3,42 7,04 2,48 1,26

Contribuintes 10,94 61,1 1,22 1,77 4,85 2,00 1,10

Não contribuintes 6,96 38,9 2,47 1,65 2,20 0,48 0,16

Evolução dos trabalhadores ocupados e da contribuiçãoprevidenciária, em qualquer trabalho - (em milhões)

Fonte: IBGE - PNADsNotas: (1) Exclusive pessoas sem declaração de rendimento

(2) Exclusive as pessoas da área rural de RO, AC, AM, RR, PA e AP.

Ano e Condição (1)

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�� Previdência Social e Salário MíniMo

Em 1989, a situação já não era favorável. Pouco mais da metade dos trabalhadores ocupados estavam protegidos por algum sistema previdenciário. Nos anos que se seguiram, o crescimento de contribuintes da Previdência não acompanhou o crescimento da população ocupada.

Entre 1989 e 1997, enquanto a ocupação aumentou em quase 9 milhões de postos, houve diminuição da filiação previdenciária. Eram 30,6 milhões de contribuintes em 1989, contra 30,3 milhões em 1997. Melhoras significativas nesse quadro somente puderam ser obtidas a partir de 2001. Contudo, desde então, a proteção previdenciária se expandiu sobre uma base de menores salários, como analisado na Tabela 3.

Entre 1997 e 2005, a ocupação aumentou em 18 milhões de postos, o dobro da verificada no período anterior. O impacto foi positivo, havendo aumento de 36% no número de filiados. É importante reafirmar, que o aumento se deveu à melhoria verificada no período posterior a 2001. Contudo, ainda estamos distantes de uma inclusão satisfatória para a Previdência Social.

Ao longo de todo esse período, a maioria dos postos de trabalho abertos não se deu sob o vínculo empregatício formal. Entre 1989 e 2005, enquanto a população ocupada cresceu 26,5 milhões, houve um incremento de apenas 8 milhões de empregados, e ainda assim, a maioria sem carteira, haja vista que o número de empregados com carteira de trabalho assinada cresceu somente 3,3 milhões. Nesse cenário, transcorrida uma década e meia, o número de trabalhadores cobertos pela previdência teve acréscimo de 10,7 milhões, muito aquém da evolução da população ocupada (Tabela 8).

Em termos regionais, a cobertura previdenciária alcançava, em 1989, quase 64% dos trabalhadores da região sudeste, resultado de um modelo que primava pela relação direta de emprego, com forte presença do setor industrial. A desproteção, além dos trabalhadores por conta própria, atingia os setores rurais, e, como sempre, a construção civil.

Em 1997, a situação, mesmo na região sudeste, já demonstrava os efeitos da nova realidade do mercado de trabalho. Não mais 64%, mas somente 56% dos trabalhadores ocupados tinham a proteção previdenciária.

Embora a cobertura previdenciária brasileira tenha melhorado nos últimos anos, atingindo 47,4% em 2005, o número de trabalhadores ocupados que não contribuem para a previdência representa a maioria. Os dados de 2006, a serem divulgados pelo IBGE, não deverão ser diferentes.

É importante que o país tenha aumentado a vinculação do emprego, que a formalização tenha aumentado. Mas, sem um conjunto de ações integradas a realidade não vai se alterar substantivamente. Primeiro, porque o crescimento

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�2 Previdência Social e Salário MíniMo

econômico não é grande o suficiente para gerar postos de trabalho em quantidade capaz de absorver o aumento da população em idade ativa, nem de subtrair na velocidade desejada o enorme quantitativo de pessoas que estão consideradas não-economicamente ativas. Além disso, equacionar a cobertura previdenciária demanda ações dirigidas ao segmento que hoje trabalha por conta própria, o chamado auto-emprego, onde a cobertura previdenciária é muito pequena. Dados do IPEA indicam que 82,5% desses trabalhadores por conta-própria não são contribuintes para qualquer sistema previdenciário.

A Tabela 8 mostra essa nova configuração do mercado de trabalho, representada pelo avanço das ocupações por conta própria, cujo crescimento percentual (41,9%) supera o dobro do apurado para empregados (20%).

TABELA 8

NATUREZA DO VÍNCULO 1989 1999 2005

PIB (1989=100) 100 119 141 41

População em Idade Ativa (PIA) 110,3 130,1 152,7 38,5

População Economicamente Ativa (PEA) 62,5 79,3 96,0 53,6

População Desocupada 1,99 7,6 8,9 372,8

População Ocupada (A) 60,6 71,7 87,1 43,7

Empregados 40,0 36,8 48,0 20,0

Empregados com carteira 23,7 19,6 27,0 14,0

Militares e estatutários - 4,7 5,5 -

Outros sem carteira 12,4 15,4 -

Trabalhadores domésticos - 5,3 6,7-

Conta própria 13,3 16,6 18,8 41,9

Empregadores 2,6 2,9 3,7 41,7

Trabalhadores p/ próprio consumo (B) - 3,2 3,9 -

Não remunerados (C) 4,8 6,7 5,9 24,2

Ocupados com rendimentos 55,9 61,7 77,3 38,4

((C)+(B)) / (A) (%) 7,9% 13,8% 11,3% 43,4

Contribuintes para previdência 30,6 31,2 41,3 34,7

Mercado de trabalho e natureza ocupacional - diversos exercícios (em milhões)

Fonte: IBGE - PNADs

05/89 (%)

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�� Previdência Social e Salário MíniMo

Essa nova composição demanda a atualização do perfil da previdência social para alcançar os diversos segmentos de trabalhadores não filiados ao sistema, assegurando-lhes a necessária renda em caso de incapacidade laboral.

Em 1989, dois terços dos trabalhadores ocupados eram empregados. Com crescimento econômico e medidas de combate à informalidade, poderíamos ter alcançado uma grande expansão da proteção previdenciária. Mas não foi isso que ocorreu.

Em 2005, o número de empregados representou somente 55% da população ocupada. O combate à informalidade do emprego e das empresas apresenta bons resultados (como de fato vem ocorrendo desde 2003), mas já não será suficiente para devolver a cidadania da proteção previdenciária para o conjunto dos trabalhadores ocupados, que estão trabalhando por conta própria: são microempreendedores; estão em cooperativas; registrados enquanto pessoa jurídica; ou em outras situações de precariedade laboral.

Dentro desse contexto, é importante ressaltar o crescimento irredutível da população desocupada, ou seja, a população economicamente ativa desconsiderando a parcela ocupada. Entre 1989 e 2005, o aumento se aproxima dos 373%.

Em recente estudo25, Márcio Pochmann aponta essas mudanças ocorridas no mercado de trabalho. Segundo o pesquisador, a ocupação hoje é marcada por terceirizações, precarizações, contratações de pessoas jurídicas individuais etc. Isso ocorre de tal forma que, de 1995 a 2005, um terço das vagas criadas no setor privado foi de subcontratados. “Dos 6,9 milhões de postos de trabalho abertos pelo setor privado de 1995 até 2005, cerca de 2,3 milhões foram ocupados por terceirizados - que executam uma função numa empresa, mas recebem salário por outra”.

Segundo o levantamento, de 1995 a 2005, o número de terceirizados passou de 1,8 milhão para 4,1 milhões. Nem todos os terceirizados são empregados: cerca de 1,5 milhões de trabalhadores são microempreendedores, os chamados PJs (pessoas jurídicas), prestando serviços a empresas. “Os PJs preencheram, portanto, 36% das vagas ocupadas por terceirizados no ano passado.”

A subcontratação avança rapidamente. Somente na região metropolitana de São Paulo, esse número subiu de 169 mil, há dez anos, para 309 mil no ano passado. O emprego direto – indivíduo que trabalha para uma empresa

_______________________________________________25 Dados publicados no jornal Folha de São Paulo do dia 28 de agosto de 2006.

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�4 Previdência Social e Salário MíniMo

e recebe dela - aumentou 15,2%, enquanto a subcontratação atingiu 82,8%, no mesmo período.

Na matéria da Folha de São Paulo, são citados vários exemplos desse processo: “A Philips, que chegou a ter cerca de 20 mil funcionários no final da década de 80 emprega hoje 6 mil pessoas e contrata os serviços de mais 5 mil”; a “Fiat empregou 25 mil trabalhadores nos anos 80. Hoje, considerada uma das empresas mais “enxutas” do setor, tem 9 mil funcionários diretos e 7 mil indiretos”. Segundo Pochmann, “o que faz a terceirização se expandir é, muitas vezes, a opção das empresas pela redução de custos por meio de salários. No Brasil, em geral, a terceirização virou sinônimo de precarização do trabalho”. Como, então, equacionar o problema do desemprego se, culturalmente, o empresariado associa redução de custos com demissão de pessoal?

E a economia não é pequena. Ela representa a cifra de R$ 26 bilhões anuais. Os trabalhadores perdem R$ 20 bilhões, e os cofres públicos, o restante26. O estudo mostra que a diferença salarial pode chegar quase à metade entre um efetivo e um terceirizado.

Outro aspecto do problema envolve a grande expansão das cooperativas de trabalhadores. Hoje, esses chamados Empreendimentos Econômicos Solidários estão presentes no campo e na cidade, com ou sem registro legal, realizando atividades econômicas de produção, prestação de serviços, crédito popular, comercialização e consumo solidário. O Ministério do Trabalho recentemente divulgou um extenso material sobre o assunto: o Atlas da Economia Solidária no Brasil27.

O documento identifica, em 2005, 14.954 empreendimentos em 2.274 municípios, o que corresponde a 41% dos municípios brasileiros. A maior parte deles é ligada à produção ou à prestação de serviços (menos de 2% deles são de crédito). Quase a metade (6.549) fica na região nordeste. A maior parte dos empreendimentos está organizada sob a forma de Associação (54%), seguida de Grupos Informais (33%) e Organizações Cooperativas (11%), e outras formas de organização (2%).

Quase metade dessas organizações foi criada como alternativa ao desemprego (objetivo citado em 45% das entrevistas, número que chega a 58% na região sudeste). No conjunto, mais de 1,25 milhão de trabalhadores estão envolvidos nesses empreendimentos, conforme mostra a Tabela 9.

_______________________________________________26 O estudo compara salários pagos aos terceirizados com o que eles receberiam se trabalhassem diretamente para as empresas nas mesmas funções.27 O trabalho integral pode ser encontrado em www.mte.gov.br/empregador/economiasolidaria/conteudo/atlas.asp

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Pela pesquisa do MTE, dos 14.954 empreendimentos, 8.870 (59,3%) informaram a remuneração dos sócios. Deste total, 50% apresentam remuneração com valor até meio salário mínimo (SM). Em 26,1%, a remuneração é de meio a um SM.

Não é possível, pelos dados disponibilizados, fazer uma comparação entre esses números e os coletados pela PNAD – como esses trabalhadores se enquadram quanto à natureza de sua ocupação, se única ou não, quanto à filiação previdenciária etc. Mas, ao alcançar mais de 1,25 milhão de trabalhadores, essas cooperativas passam a demandar uma atenção especial nesse esforço político de expandir a previdência social.

Uma vez que o emprego direto não é mais predominante dentre as várias formas de relação de trabalho, que a remuneração habitual é bem inferior à remuneração média (mesmo para os trabalhadores empregados) e que o salário-de-contribuição é ainda menor, mostra-se urgente a busca por soluções para a plena adequação da previdência social ao seu objetivo maior de assegurar plena cobertura ao conjunto dos trabalhadores. Embora pareçam dois problemas, o financiamento e a inclusão são, na verdade, os dois pólos que possibilitam a sustentação e a evolução da previdência. E a inclusão é exatamente a solução para o problema do financiamento.

Os relatórios do Resultado do Tesouro Nacional de dezembro de 2004 a 2006 apontam para o crescimento das receitas previdenciárias nesses exercícios. Seus autores indicam dois importantes fatores para o aumento da arrecadação: o aumento do emprego formal e do teto contributivo (efeito da EC n° 41/2003, somente em 2004), que permitiu abarcar ao salário-de-contribuição uma parcela maior da remuneração do trabalho, propiciando benefícios futuros maiores.

TABELA 9

Localidade Mulheres % Homens % TOTAL

Rural 168.061 33,7% 330.857 66,3% 498.918

Urbano 127.352 47,4% 141.559 52,6% 268.911

Rural e Urbano 154.625 32,0% 328.247 68,0% 482.872

Total 450.038 36,0% 800.663 64,0% 1.250.701

Fonte: MTE - Atlas da Economia Solidária

Trabalhadores envolvidos em empreendimentos econômicos solidários – 2005

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�6 Previdência Social e Salário MíniMo

A inclusão previdenciária conseguida pelo aumento do emprego formal é importante, mas não suficiente para atingir os objetivos agora propostos. Será necessário alterar a legislação para assegurar que um extenso leque de trabalhadores, hoje sujeitos a diversos tipos de relações de trabalho, possa contribuir e ter a cidadania da proteção previdenciária assegurada.

Assusta a existência de 10 milhões de trabalhadores com mais de 50 anos sem cobertura previdenciária, como mostrou a Tabela 6. O esgotamento da capacidade laboral desse segmento populacional está muito próximo, e medidas emergenciais podem minorar o quadro socialmente caótico que se instalará rapidamente quando essas pessoas se virem afastadas do mercado de trabalho. A supressão da renda determinará graves problemas de subsistência para um grande número de famílias. Esse segmento somente terá acesso a um sistema contributivo por meio de um modelo subsidiado.

O maior desafio social será equacionar a cidadania para os milhares de trabalhadores ocupados sem rendimento ou que recebem até meio salário mínimo.

Para ampliar a cobertura previdenciária, é preciso pensar os sem-previdência em função da natureza do vínculo desses trabalhadores e de suas faixas de renda, ou seja, de sua capacidade econômica.

Quanto à natureza do vínculo, a previdência para os trabalhadores empregados sem carteira depende basicamente de dois fatores.

O primeiro é a ampliação da fiscalização previdenciária e do trabalho. O alvo é assegurar o registro da integralidade dos trabalhadores empregados e ainda assegurar que a totalidade da remuneração paga pelo trabalho componha o salário-de-contribuição desses trabalhadores. Como o benefício desses segurados fica a depender da média contributiva, assegurar a justa contribuição é uma garantia para a futura renda desses trabalhadores.

O segundo demanda a formalização das empresas. O relatório do IBGE sobre a economia informal urbana indica a existência, em 2003, de 10,5 milhões de empreendimentos dessa natureza. A sanção, em dezembro de 2006, do “Super Simples”28, pode ser um passo importante nessa direção.

Um agravante para esse problema é a alta rotatividade do mercado de trabalho no país. Um trabalhador que esteja hoje filiado à previdência pode

_______________________________________________ 28 A Lei Geral da Micro e Pequena Empresa é uma ampliação do Simples. Essa fórmula substituirá seis tributos federais (Imposto de Renda, contribuição patronal sobre folha de salários, Cofins, PIS, IPI e CSLL). O Super Simples substituirá ainda o ICMS estadual e o ISS municipal e valerá para empresas com renda bruta anual de até R$ 2,4 milhões, o mesmo teto do Simples. No Distrito Federal e nos estados com participação na renda nacional inferior a 5%, no entanto, a in-clusão do ICMS e do ISS no novo sistema pode ficar restrita aos tetos de renda bruta de R$ 1,8 milhão ou R$ 1,2 milhão (estados com até 1% da renda nacional), conforme as opções dos governadores.

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amanhã perder essa condição. Outros irão se filiar ao sistema ou recuperar essa condição, mas a rotatividade, na prática, inviabilizará o acesso aos benefícios que exigem uma maior carência ou um maior período contributivo.

Os dados do Ministério do Trabalho e do Emprego constantes da RAIS 2005 – Relatório Anual de Informações Sociais – permitem uma análise da alta rotatividade do mercado formal de trabalho. Ao todo, descontados os servidores estatutários efetivos, um em cada três trabalhadores do mercado formal possuía menos de um ano de colocação.

Para enfrentar a questão dos sem-previdência, dentre os trabalhadores que atuam por conta própria, há dois passos complementares.

O primeiro seria promover a inclusão do segmento de baixa renda. Temos hoje mais de 21 milhões de trabalhadores sem cobertura previdenciária que ganham entre meio e dois salários mínimos à espera de um regime especial de inclusão, nos moldes propostos na EC 47.

A noção de um regime especial de inclusão não se deve confundir com medidas de incentivo à formalização ou de desoneração tributária, como adotadas em 2006. Citamos como exemplo a possibilidade de os contribuintes individual e facultativo poderem contribuir com 11% incidente sobre a remuneração equivalente a um salário-mínimo, desde que abram mão do direito de se aposentar por tempo de contribuição (LC 123, de 14/12/2006).

Outra situação é a possibilidade de até 2012, ano-calendário 2011, a contribuição patronal do empregador de 12%, incidente sobre o salário mínimo pago a um só empregado doméstico, ser deduzida do imposto de renda (Lei 11.324, de 19/07/2006).

O segundo, promover a inclusão dos trabalhadores que recebem acima dessas faixas. Ele decorre do novo ambiente de trabalho, onde a relação de emprego perde espaço para outras formas de contratação de mão-de-obra. Cooperativas e pessoas jurídicas individuais são, entre outras, formas legais que diminuem a receita previdenciária.

Quando o governo pretende ampliar a desoneração tributária para fazer o país crescer, seria fundamental que parte dessa desoneração fosse utilizada com vistas a ampliar a receita previdenciária. Isto somente pode ser feito, sem agravar as contas da previdência social, mediante a vinculação, pelo menos parcial, de outras contribuições sociais que são cobradas sobre o faturamento, o lucro ou a movimentação financeira.

É fundamental efetivar a pluralidade, agregando à incidência sobre a folha de salários a tributação de outros fatos geradores, que melhor espelhem a realidade, especialmente a queda dos salários frente ao PIB. Para os demais

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segmentos de trabalhadores, como autônomos, cooperados, trabalhadores em economia familiar, é preciso que a legislação facilite a inclusão, flexibilizando a contribuição desses segmentos.

A realidade econômica e de mercado de trabalho exige que a receita previdenciária seja composta por parcelas variadas, e não mais fixe sua base exclusivamente nas contribuições sobre a folha de salários e sobre os rendimentos do trabalho. Hoje, as necessidades de financiamento são complementadas pelas demais contribuições para a Seguridade Social, como COFINS, CSLL, CPMF etc. O mais adequado é que parcela dessas arrecadações seja prévia e diretamente destinada ao custeio dos benefícios. Assim, haveria uma distribuição mais balanceada, fazendo incidir a tributação sobre fatos geradores mais apropriados e na medida adequada, conforme o momento econômico, com efeitos na redução dos encargos incidentes sobre a contratação direta da força de trabalho.

O Orçamento da Seguridade Social tem se mostrado suficiente para assegurar direitos e serviços nas áreas de previdência social, saúde e assistência social. Há uma pluralidade de fontes de financiamento, tributos que incidem sobre diversos fatos geradores, como trabalho, renda, lucro, faturamento, movimentação financeira.

Contudo, o Orçamento da Seguridade Social (OSS) tem sido chamado a produzir sucessivos superávits, a serem utilizados em outras finalidades. Por isso, as múltiplas mudanças na tributação relativa à Seguridade Social são dirigidas exclusivamente ao crescimento da arrecadação. Reflexo dessa política é serem consideradas nas análises da previdência somente as fontes diretamente associadas ao vínculo do segurado, basicamente as contribuições sobre a folha de salários e sobre os rendimentos do trabalho, esquecendo-se das demais.

Num contexto plural, é mais fácil adequar a tributação às variáveis econômicas e do mercado de trabalho, à queda da participação dos salários na renda nacional, ao crescimento do comércio exterior frente ao PIB, ao aumento dos ganhos de tesouraria frente aos resultados operacionais das diversas empresas, e às variações da participação relativa dos diversos segmentos econômicos no conjunto da produção nacional.

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3 - Salário mínimo: valorização do trabalho e políticas de distribuição de renda

São raros os momentos em que a sociedade brasileira é chamada para uma real discussão sobre o salário mínimo. Historicamente, esse debate ficou restrito aos aspectos fiscais, ou seja, se a previdência, os estados e os municípios suportam ou não um determinado valor. Nada se diz sobre a sua importância na estruturação do mercado de trabalho e na defesa dos direitos mínimos da cidadania. Poucos são chamados a participar da definição do seu valor.

Esse modelo restrito não foi substantivamente alterado. No entanto, o país experimentou nos últimos dois anos um momento bastante diferenciado em relação ao processo de definição do salário mínimo: negociações com entidades representativas de trabalhadores e aposentados e sucessivos aumentos reais. Foi inclusive enviado pelo Governo ao Congresso Nacional, em janeiro de 2007, um projeto para disciplinar em lei critérios para concessão de reajustes reais para o salário mínimo até 2011.

Compreendido o período entre maio de 2005 e abril de 2007, o salário mínimo alcançará cerca de 28,6% de aumento real, já com o reajuste negociado para abril de 2007. Esses reajustes, diante de um cenário positivo para a produção e o emprego, resultaram em aumento da remuneração média, que vinha caindo desde 1996. Como conseqüência, também houve diminuição das disparidades salariais e aumento do emprego com carteira assinada.

Mas não foi só isso. Nesses últimos anos, houve expansão considerável da cobertura assistencial do Estado, com benefícios e programas do “Fome Zero”, tal como o Bolsa Família, além dos reflexos do aumento do salário mínimo em repasses a título de aposentadorias, renda mensal vitalícia e benefícios assistenciais da LOAS.

Hoje, com todos esses elementos, novas questões compõem esse debate:

i) Os aumentos reais concedidos ao salário mínimo e a expansão da assistência social apresentaram resultados positivos na distribuição e na

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40 Previdência Social e Salário MíniMo

interiorização da renda; no aumento da capacidade de consumo das famílias e na proteção da remuneração dos trabalhadores;

ii) É preciso continuar com o processo de valorização do salário mínimo.Esses novos elementos, aumentos reais para o salário mínimo, aumento

da renda e da capacidade de consumo das famílias, também contribuem para desmistificar certos “dogmas” que sempre acompanharam as discussões sobre salários, renda, divisão do bolo etc. São a contraditar todos os que sempre defenderam falsos argumentos para negar o merecido reajuste aos trabalhadores:

i) pode-se valorizar o salário mínimo e aumentar o consumo das famílias sem que obrigatoriamente voltemos a altas taxas de inflação;

ii) podem-se aumentar os postos de trabalho e a formalização do emprego mesmo com valorização do salário mínimo;

iii) o consumo das famílias é um importante vetor para a ampliação da capacidade de produção e para o crescimento econômico;

iv) acompanhado de crescimento econômico, mesmo tímido como o que estamos experimentando, não se instala uma calamidade nem nas contas da previdência nem nas das pequenas prefeituras.

Os dados a seguir mostram a evolução do valor real do salário mínimo desde 1995, quando se iniciou um processo de recuperação de seu valor, que atinge o maior nível no período 2005 a 2007.

TABELA 10

VigênciaValor

Nominal

Variação

Nom.(%)

Variação

Real (%)

mai/95 100 42,9 22,6

mai/96 112 12,0 -5,3

mai/97 120 7,1 -1,0

mai/98 130 8,3 4,0

mai/99 136 4,6 0,7

abr/00 151 11,0 5,4

abr/01 180 19,2 12,2

abr/02 200 11,1 1,3

abr/03 240 20,0 1,2

mai/04 260 8,3 1,2

mai/05 300 15,4 8,2

abr/06 350 16,7 13,0

abr/07 380 8,6 5,1(2)

Fonte: MTE. Elaboração ANFIPNotas: (1) Valor real obtido utilizando-se o INPC

(2) Inflação de março estimada

Evolução do salário mínimo, reajustes nominais e ganhos reais anuais 1995 a 2007(1)

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4� Previdência Social e Salário MíniMo

Os aumentos expressivos concedidos ao salário mínimo foram determinantes para redução da pobreza em quase 1/3, ocorrida no período entre 1993 e 1995. Em 1995, por exemplo, o aumento real foi de 22,6% (Tabela 10). Nos anos que se seguiram, 1996 e 1997 foram atípicos, não registrando aumento real do SM. Por sua vez, o ano de 2001 e o período posterior a 2005, foram os de melhores reajustes conferidos ao SM.

A evolução do valor real do salário mínimo guarda relação direta com a melhoria na distribuição de renda do trabalho. O índice de Gini29, instrumento utilizado para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo, mostra que, a partir de 1993, houve uma melhoria na distribuição de renda do trabalho. Esse indicador estava em 0,600 em 1993; atingiu 0,567, em 1999, e passou para 0,544, em 2005, o mais baixo resultado dos últimos vinte e cinco anos.

Inflações mais baixas e aumentos reais do salário mínimo fizeram com que os ganhos de renda mais expressivos ocorressem na “metade inferior” da distribuição dos rendimentos, ou seja, na camada dos que ganham menos. Apesar de haver controvérsias no debate em relação à natureza do efeito do salário mínimo sobre a melhoria de distribuição de renda, podemos afirmar que há convergência entre aumento real do salário mínimo e melhoria na distribuição de renda, como mostra o Gráfico 6.

GRÁFICO 6

0,54

0,56

0,58

0,60

0,62

0,64

1981 1984 1986 1988 1990 1993 1996 1998 2001 2003 2005

Gini

100

150

200

250

300

350

400

R$

Distribuição de renda e salário mínimo real no Brasil - 1981 a 2005

Fonte: IBGE - PNADs e IPEAdataOBS: Em 1991 e 2000 a PNAD não foi a campo.Os valores foram obtidos por interpolação linear.Elaboração ANFIP.

Gini Salário Mínimo

_______________________________________________29 Numericamente, o Índice de Gini varia de 0 (zero) - quando não há desigualdade, ou seja, a renda de todos os indi-víduos tem o mesmo valor - a 1 (um) - quando a desigualdade é máxima, ou seja, apenas uma pessoa detém toda a renda da sociedade, sendo nula a renda de todos os outros indivíduos.

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42 Previdência Social e Salário MíniMo

A valorização do salário mínimo foi, e continuará sendo, um importante instrumento de valorização do trabalho e prosseguirá desempenhando um papel fundamental no enfrentamento das desigualdades em nosso país.

Aliás, diversos países da América Latina, nesse mesmo período, também concederam aumentos reais aos pisos de remuneração do trabalho.

Segundo o relatório Panorama Laboral 2006, da OIT, a América Latina e o Caribe completaram um período de quatro anos de crescimento econômico e melhorias no mercado de trabalho, resultando em queda do desemprego e aumento de salários reais. É dado destaque nesse Relatório aos reajustes reais concedidos aos salários mínimos em diversos países.

A Tabela 11 apresenta um resumo desses dados. Desde 2000, importantes países do Continente concederam reajustes significativos para os seus pisos salariais, com destaque para a Argentina, com 92%; Uruguai, 55%; Brasil, com 47%; Equador, 30%, e Venezuela, 22%.

Mais do que uma resposta ao desmonte do trabalho realizado pelas políticas neoliberais, esse movimento coletivo afasta o velho discurso de que a concessão de reajustes reais para os salários impede a competitividade.

Não é possível afirmar que apenas pela definição do salário mínimo

TABELA 11

Desde 2000 Desde 2004Argentina 100 196 197 165 255 336 378 92% 48%

Bolivia 100 193 247 288 276 263 (*) (*) (*)Brasil 100 121 134 159 165 175 197 47% 20%Chile 100 129 173 187 192 195 200 16% 4%Equador 100 137 116 139 142 146 151 30% 6%México 100 79 70 71 70 71 71 2% 1%Paraguai 100 85 90 96 92 94 97 7% 4%Peru 100 69 156 160 167 165 175 12% 5%Uruguai 100 62 61 47 47 80 94 55% 99%

Venezuela 100 97 79 67 77 86 96 22% 26%

Média simples(1) 100 109 121 127 132 141 147 21% 11%

Média ponderada(1) 100 114 122 131 142 153 (*) (*) (*)

Fonte: OIT - Panorama Laboral 2006Notas: (1) As médias incluem todos os países, exceto Haití, Jamaica e Trinidade e Tobago.(2) 2006 até o 3º trimestre(*) Dados não disponíveis

País 1990 1995

América Latina: salários mínimos reais urbanos - países selecionados - 1990 a 2006

Salário mínimo nacional (Indice 1990 = 100)

2000 2006(2)2003 2004 2005Reaj. real acumulado

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4� Previdência Social e Salário MíniMo

estaremos a redefinir toda a estruturação do mercado de trabalho. Mas, o influencia sob diversas óticas, principalmente num cenário positivo do ponto de vista econômico, com melhoria nas expectativas e aumentos em variáveis como investimentos, produção, renda e lucro30.

Um aspecto importante é o da distribuição da renda do trabalho, com a diminuição das diferenças salariais. É de se esperar inclusive que, nesse aspecto, tanto o mercado formal quanto o informal sejam diretamente afetados. São aproximadamente 27 milhões de trabalhadores que recebem um salário mínimo – diretamente 12,9 milhões de empregados; 4,9 milhões de trabalhadores domésticos, cerca de 400 mil servidores públicos (principalmente estaduais e municipais) e indiretamente 9,1 milhões de trabalhadores por conta própria31.

O aumento do salário mínimo não repercute somente no piso remuneratório. Ainda que a relação não seja direta, há influência – pela referência que se cria – sobre todo o conjunto. De maneira diferida no tempo, a depender do período da campanha salarial de cada categoria, da sua capacidade organizativa e do seu poder de mobilização e negociação, serão definidos os novos patamares de salários. Esse efeito deve ser bem superior, pois, como foi visto, uma parcela cada vez maior dos trabalhadores é contratada em faixas de remuneração de até dois salários mínimos (ver Tabela 2).

A elevação dos pisos e o reflexo desse processo em toda a massa de trabalhadores, além de ampliar o conjunto dos salários, tem enorme repercussão na redução das disparidades dos rendimentos do trabalho.

Outro aspecto importante mede um dos efeitos multiplicadores do aumento da renda, onde o valor definido para o salário mínimo eleva transferências governamentais, bem como benefícios previdenciários concedidos no valor do piso, Renda Mensal Vitalícia (RMV), Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), seguro-desemprego e abono salarial. Esse conjunto não é nada desprezível. Ele envolve, em benefícios continuados ou temporários, 44% dos segurados previdenciários urbanos e 99% dos rurais; quase a totalidade dos 5,9 milhões de benefícios do seguro-desemprego; a totalidade do abono salarial, 11,2 milhões de benefícios; a totalidade dos benefícios da LOAS (2,7 milhões mensais) e da Renda Mensal Vitalícia (407 mil mensais)32.

Também não deve deixar de ser observada a distribuição espacial dos beneficiários do salário mínimo. Do total de trabalhadores ocupados que recebem

_______________________________________________30 Uma análise sobre o papel do salário mínimo e a importância da recuperação do seu valor pode ser encontrada em Desafios e Perspectivas da Política Social – IPEA – texto para discussão n.º 1248 (www.ipea.gov.br)31 Dados da PNAD 2005 e do DIEESE32 Dados das informações complementares da LDO 2007, Anexo de Metas Fiscais e dos anexos da Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2007.

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44 Previdência Social e Salário MíniMo

um SM, 42% trabalham na região nordeste e 8% na região norte. Também os benefícios previdenciários (principalmente os rurais), da renda mensal vitalícia e da LOAS favorecem essas regiões menos desenvolvidas social e economicamente.

Na prática, como o país não tem implementado políticas de desenvolvimento regional, a valorização do salário mínimo - que repercute em trabalhadores, aposentados e beneficiários desses múltiplos benefícios - tem carreado para essas regiões mais pobres recursos entregues diretamente às pessoas numa importante contribuição para o desenvolvimento da economia local, multiplicando os seus efeitos. Dados de 2005 indicam que, em 3.773 municípios, os recursos recebidos a título do Fundo de participação dos Municípios são inferiores aos repassados aos municípios somente com os recursos da Seguridade Social, descontados os do Bolsa Família.

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45 Previdência Social e Salário MíniMo

4 - Impacto dos benefícios previdenciários, assistenciais e de transferência de renda

sobre a pobreza

Segundo dados do Ministério da Previdência Social, a quantidade de

benefícios mantidos pelo INSS vem crescendo a uma taxa média de 4,4% ao ano. A ampliação dos Benefícios Previdenciários e Assistenciais pagos pelo INSS foi conseguida após a implantação das Leis de Custeio e de Benefícios da Previdência Social em 1991. Considerando o estoque de benefícios pagos pelo INSS, o aumento foi de quase 100%, entre 1990 e 2006, passando de 12,47 milhões de benefícios em dezembro de 1990, para 24,59 milhões em dezembro de 2006 (Tabela 12).

Os benefícios urbanos de até um salário mínimo representaram, em 2006, o equivalente a 53% do total urbano, mostrando a importância de se ter o salário mínimo como piso previdenciário.

Os benefícios rurais equivalentes a um salário mínimo, por sua vez, representaram 99% do total, mostrando ser um importante instrumento de combate à pobreza, formador de uma rede de proteção social. É um benefício que o homem do campo recebe em função de sua trajetória profissional, dando a ele e a sua família, auto-estima e orgulho. O impacto da aposentadoria rural é extremamente favorável em termos de redução da pobreza e da indigência na área rural.

A previdência social brasileira inovou ao universalizar o acesso da população rural ao benefício, sem que os beneficiários necessitem recolher contribuições sobre salários, mas sobre a comercialização de sua produção agrícola. Não é, portanto, assistencialista. Mesmo assim, essa contribuição não consegue e nem deve financiar exclusivamente esses benefícios. Quanto às formas de financiamento, a aposentadoria rural rompe com a tendência focalista das políticas sociais brasileiras. Esse programa se assemelha aos programas de aposentadoria básica existentes em alguns países europeus de caráter beveridgiano33, cujo benefício é diretamente financiado pelo Estado. Sob essa ótica, a cobertura previdenciária rural no Brasil não apresenta uma

_______________________________________________33 Modelo de Previdência Social de origem inglesa, baseado no direito a uma aposentadoria universal básica, isto é, não há uma exigência de contribuição anterior para a obtenção de um benefício.

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46 Previdência Social e Salário MíniMo

movimentação contrária à tendência internacional, uma vez que as pessoas que não podem contribuir para sua aposentadoria são financiadas pelo Estado por meio de tributos gerais e não por meio de contribuições.

É senso comum que os benefícios previdenciários, assistenciais, e as políticas de transferência de renda, contribuem para atenuar a pobreza no país, devido à sua efetividade sobre as famílias de baixa renda34. Como ideal implícito, espera-se que as pessoas mais carentes sejam mais beneficiadas por uma política de valorização do salário mínimo, devido ao seu maior impacto sobre os benefícios sociais de menor valor.

TABELA 12

ANO BenefíciosUrbanos (A)

Tx. Cresc.(%)

BenefíciosRurais (B)

Tx. Cresc.(%)

Total (C) Tx. Cresc.(%)

(A/C)(%)

(B/C)(%)

1990 8.144.393 - 4.329.345 - 12.473.738 - 65,29 34,71

1991 8.534.205 4,79 4.101.366 -5,27 12.635.571 1,30 67,54 32,46

1992 8.704.040 1,99 5.005.727 22,05 13.709.767 8,50 63,49 36,51

1993 9.075.487 4,27 6.046.648 20,79 15.122.135 10,30 60,01 39,99

1994 9.327.033 2,77 6.426.147 6,28 15.753.180 4,17 59,21 40,79

1995 9.773.846 4,79 6.402.741 -0,36 16.176.587 2,69 60,42 39,58

1996 10.522.038 7,66 6.320.450 -1,29 16.842.488 4,12 62,47 37,53

1997 11.581.652 10,07 5.892.188 -6,78 17.473.840 3,75 66,28 33,72

1998 11.954.384 3,22 6.065.044 2,93 18.019.428 3,12 66,34 33,66

1999 12.555.059 5,02 6.279.528 3,54 18.834.587 4,52 66,66 33,34

2000 13.078.876 4,17 6.493.872 3,41 19.572.748 3,92 66,82 33,18

2001 13.411.599 2,54 6.621.259 1,96 20.032.858 2,35 66,95 33,05

2002 14.255.915 6,30 6.869.597 3,75 21.125.512 5,45 67,48 32,52

2003 14.822.668 3,98 7.029.017 2,32 21.851.685 3,44 67,83 32,17

2004 15.956.081 7,65 7.190.890 2,30 23.146.971 5,93 68,93 31,07

2005 16.599.411 4,03 7.351.927 2,24 23.951.338 3,48 69,30 30,70

2006 17.088.587 2,95 7.504.803 2,08 24.593.390 3,46 69,48 30,52

Fonte: MPS - Boletins Estatísticos. Elaboração ANFIPObs.: Nos benefícios rurais de 1999 estão incluídos os 380.768 beneficiários rurais com RMV (Renda Mensal Vitalícia).

A quantidade de benefícios emitidos é a de dezembro de cada ano, segundo o MPS.

Quantidade de benefícios pagos pelo INSS – 1990 a 2006

_______________________________________________34 Este capítulo toma por base o Texto para discussão nº 1248 do IPEA, sob o título “Desafios e Perspectivas da Política Social”, referido na bibliografia.

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47 Previdência Social e Salário MíniMo

A Lei nº 8.742/93 definiu como família carente - o que se pode conceituar também como família de baixa renda - aquela cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo. Entretanto, defende-se que a renda per capita utilizada para definir tais famílias deveria ser de um salário mínimo, o que explica a limitada recorrência ao valor legal. Para fins de política pública, tem-se considerado que os indivíduos em situação de indigência ou de extrema pobreza são aqueles cuja renda per capita é inferior a ¼ de salário mínimo, renda que não é suficiente para garantir-lhes o acesso diário a uma alimentação adequada. O grupo identificado como pobre é aquele cuja renda individual situa-se entre ¼ e ½ salário mínimo, renda reconhecida como insuficiente para cobrir suas necessidades básicas, tais como moradia, transporte, saúde e educação. Assim, apesar de supostamente não estar vivendo sob a premência da insegurança alimentar, a população pobre encontra-se em condições de reconhecida vulnerabilidade dada à dificuldade de fazer frente a outras necessidades essenciais.

Visando a enfrentar a indigência ou evitar situações de pobreza, um conjunto bastante diversificado de benefícios em forma de renda monetária é operado pelo governo federal. De um lado, estão os programas de transferência de renda que visam a garantir renda mínima a toda a população pobre. Estão nesse grupo os programas de bolsas e transferências de renda, vinculados à comprovação de insuficiência de renda, entre os quais se destaca o Bolsa Família. De outro, os programas que têm por objetivo aportar recursos às populações reconhecidas como incapazes ou dispensadas de arcar com sua sobrevivência pelo próprio trabalho. Compõem este grupo de programas o Benefício de Proteção Continuada (BPC), também vinculado à situação de insuficiência de renda, e a Previdência Social.

O BPC, programa federal destinado à clientela urbana, repassa uma bolsa auxílio no valor de um salário mínimo para cada idoso com mais de 65 anos ou a pessoas com deficiência que estejam cadastradas no programa. Em ambos os casos, para ter direito, essas pessoas devem pertencer a famílias em que a renda média mensal, por pessoa, seja de até ¼ de salário mínimo. O BPC, em dezembro de 2006, beneficiou 2.477.485 pessoas, sendo que, destas, 47,8% eram idosos e 52,2% pessoas portadoras de deficiência, incapacitadas para o trabalho.

Entre os benefícios realizados pela Previdência Social, destacam-se, no combate à pobreza, aqueles no valor de um salário mínimo. São destinados à maioria dos trabalhadores urbanos e à quase totalidade dos trabalhadores rurais, e representaram 60% do número de benefícios pagos pelo RGPS.

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48 Previdência Social e Salário MíniMo

Em dezembro de 2006, o conjunto de pagamentos efetuados pelo BPC e pela Previdência Social, no valor de um salário mínimo, atingiu um total de 15.933.144 de pessoas, ou seja, 64,8% do total de benefícios emitidos35. A Tabela 13 detalha os números.

Propondo-se a garantir renda mínima à população pobre, os Programas de Transferência de Renda (PTR) alcançam principalmente aquelas famílias cujos membros adultos estão em idade economicamente ativa e participam do mercado de trabalho. Nesse conjunto de programas, os mais antigos, os Programas Bolsa Escola e Bolsa Alimentação, fixavam como população beneficiária famílias de renda inferior a ½ salário mínimo per capita, com crianças em sua composição. Segundo o MDS, o Programa Bolsa Família, instituído em 2003, tem como objetivo a transferência direta de renda com condicionalidades, beneficiando, atualmente, famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 60,00), de acordo com a Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004, e o Decreto nº 5.749, de 11 de abril de 2006. O programa é hoje um dos principais responsáveis, juntamente com os benefícios previdenciários e assistenciais, pela redução do número de pessoas em domicílios pobres e indigentes, como mostra o Gráfico 7. O número de pessoas em domicílios pobres reduziu-se de 61,23 milhões em 2003 para 55,38 milhões em 2005. Já o número de indigentes caiu de 25,99 milhões de pessoas para 20,6 milhões.

TABELA 13

em dezembro de 2006

Benefícios Iguais a 1 SM

13.012.243

2.920.901

15.933.144

64,79%

R$ 5,58 bilhões

Quantidade de benefícios emitidos do RGPS

Quantidade de benefícios Assistenciais emitidos

Nº total de benefícios previdenciários e assistenciais

% sobre o nº de benefícios pagos pelo INSS

Valor dos benefícios previdenciários e assistenciais

% sobre o valor dos benefícios pagos pelo INSS 41,16%

Fonte: Boletim Estatístico da Previdência Social, vol.11 n° 12

Beneficios previdenciários e assistenciais no valor de um salário mínimo

_______________________________________________35 Não incluídos os Encargos Previdenciários na União - EPU

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49 Previdência Social e Salário MíniMo

Considerando a pobreza, as oscilações ocorridas no período 1995-2003 foram supridas, a partir de então, pelos Programas de Transferência de Renda, com destaque para o Bolsa Família, fazendo com que se chegasse em 2005 a um nível abaixo do observado em 1999. Em relação à indigência, o resultado de 2005 foi um dos melhores já alcançados no País. Embora uma queda mais rápida e mais acentuada dos indicadores fosse desejável, os resultados mais favoráveis em relação à indigência indicam que as situações mais críticas estão sendo resolvidas primeiro.

O Bolsa Família, embora não seja o programa mais importante em termos de volume de recursos investidos, mostra-se como o de maior impacto na vida cotidiana de milhões de pessoas que têm dificuldade para colocar comida à mesa. Pessoas que estavam fora do alcance das políticas sociais e que viviam em situação de grande pobreza passaram a ser beneficiadas por uma rede de proteção social inédita em suas vidas – e inédita no Brasil. E para quem não tinha praticamente nada, ter algum avanço de renda, mesmo que pequeno, causa grande impacto. Os recentes levantamentos sobre as condições de vida da população brasileira mostram isso claramente. Pela primeira vez em muitos anos houve melhoria na distribuição de renda. Para milhões de pessoas, esse não é um detalhe menor.

GRÁFICO 7

Evolução da pobreza e da indigência no Brasil - 1995 a 2005

2

10

18

26

34

42

50

58

66

1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006

A partir de 2003, com a criação do Bolsa Família,o número de pessoas pobres e indigentes

reduziu-se consideravelmente

Milhões

Bolsa Família - famílias beneficiadas

Nº de pessoas em domicílios pobres

Nº de pessoas em domicílios indigentes

Fonte: IPEAdata e MDS

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50 Previdência Social e Salário MíniMo

No entanto, é importante fazer algumas considerações. Um aspecto imprescindível para se definir políticas sociais eficazes é sua associação a um projeto de desenvolvimento econômico-social, voltado para a valorização do trabalho, quando deixam de ser meramente compensatórias e paliativas e passam a integrar eixos de uma política mais ampla.

No fundamental, o que se busca é a melhoria da produtividade das pessoas pobres, aumentando não só os seus ativos, mas principalmente o retorno que obtêm desses ativos. É preciso chamar a atenção para o fato de que o principal ativo das pessoas pobres é a sua força de trabalho. Sem alterar a capacitação, a produtividade e a remuneração do trabalho não se constrói a mudança de qualidade necessária ao desenvolvimento. Isso não significa o abandono das ações compensatórias, mas a compreensão da sua insuficiência para a construção de um novo cenário.

O perfil das pessoas que recebiam algum tipo de rendimento oriundo de pensão e aposentadoria revela que mais de 85% eram inativos, pouco mais de 6% estavam desempregados e cerca de 4% exerciam algum tipo de ocupação, em 2004. Quando se avalia a situação das famílias em geral, observa-se que somente cerca de 26% dos que recebiam algum tipo de benefício também tinham algum membro inserido no mercado de trabalho. Essa característica explica o fato de o impacto positivo das transferências de renda ser mais importante para as famílias de baixa renda do que para o total das famílias (DEDECCA, 2006).

Os componentes das famílias que recebem remuneração decorrente de transferências possuem características mais adequadas para complementarem tais benefícios com as rendas do trabalho, cuja origem é fundamentalmente de atividade agrícola e de inserções autônomas sem pagamento à previdência. Entretanto, o benefício previdenciário tende a ser superior à renda propiciada pelo mercado de trabalho, reiterando, portanto, a situação de insuficiência de renda destas famílias decorrente de sua inserção econômica.

Abrem-se parênteses aqui para dizer que, sem a Seguridade Social, o quadro de pobreza e indigência seria muito pior. Os benefícios previdenciários e assistenciais, segundo estudos do IPEA, conseguem, potencialmente, retirar mais de 17 milhões de pessoas da indigência. A ausência de tais benefícios faria com que o número de brasileiros, vivendo em estado de indigência, subisse para quase 40 milhões de pessoas.

Devido à grande relevância do piso previdenciário, reitera-se a importância de uma maior valorização do salário mínimo e de maior abrangência do número de contribuintes da previdência.

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O perfil do mercado de trabalho mostra que, desde meados da década de 1990, tem ocorrido queda do rendimento médio real do trabalhador ocupado e da massa salarial. Em 2004, no entanto, há uma modificação do quadro. Extratos com maiores rendimentos registraram perdas em suas rendas, enquanto a parcela menos remunerada obteve ganhos provocados pelo comportamento do mercado de trabalho e pelo conjunto de benefícios sociais. Dessa forma, a transferência de renda dirigida a essa parcela da população freou o aumento do número de pobres e indigentes, mesmo em um quadro de progressiva queda do rendimento do trabalho, tendo maior destaque, após 2003, a contribuição dos benefícios assistenciais e previdenciários para a redução da indigência e da pobreza.

Em 2004, segundo microdados da PNAD, 12,2% das pessoas detinham renda familiar per capita inferior a ¼ de salário mínimo, situando-se, assim, abaixo da linha de indigência, enquanto 31,6% da população tinha renda inferior a 1/2 salário mínimo per capita, estando abaixo da linha de pobreza. Retirando-se deste conjunto de rendas aquelas originárias nos Programas de Transferência de Renda (PTR), os números apresentaram uma pequena mudança, passando, respectivamente, para 14,5% e 32,9%. Contudo, se retiradas também as rendas do BPC, as aposentadorias e as pensões, os índices de indigência e pobreza no país sofreriam aumento significativo, dobrando de valor, no caso da indigência, e aumentando de 31,6% para 42,9%, no caso da pobreza.

A análise destes dados mostra que o impacto do Programa Bolsa Família no combate à indigência e à pobreza tem sido positivo, apresentando, no entanto, menor intensidade que os benefícios previdenciários e assistenciais. Devido à sua expressiva abrangência e cobertura, o Programa Bolsa Família tem repercussão sobre as condições de vida da população mais pobre; porém, devido aos valores do benefício concedido, ele ainda não foi capaz de elevar a renda dessa população para cima das linhas de indigência e de pobreza. O contrário ocorre com os benefícios previdenciários e assistenciais: a vinculação desses benefícios ao salário mínimo tem garantido não apenas aporte de renda mais significativa como a manutenção de seu valor real. Tal fato se reflete em expressiva redução na dimensão da indigência e pobreza no país.

As situações de indigência e de pobreza ainda persistem no Brasil: um em cada dez brasileiros pode ser considerado indigente e três em cada nove encontram-se abaixo da linha de pobreza. Como foi visto, esses números seriam bem maiores não fossem os impactos positivos das políticas e programas de cunho federal responsáveis pela transferência de renda monetária à população.

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Tais políticas vêm efetivamente alterando o quadro da pobreza no país e seu impacto é de extrema relevância tanto nas áreas rurais como nas regiões urbanas e metropolitanas. Nesse conjunto de políticas e programas, destacam-se aqueles voltados à população inativa por idade ou deficiência. A atuação dos benefícios monetários da Seguridade Social (BPC e Previdência Social) tem conseguido garantir, com razoável sucesso, a manutenção da população vulnerável por motivos de idade ou deficiência acima das linhas de pobreza e de indigência. Tal resultado aponta para a necessidade de fortalecimento do programa e seu reconhecimento como direito social, o que significaria a consolidação de um piso de proteção social no país, com efetivos resultados.

A busca por melhoria das condições de vida para os extratos mais pobres da população brasileira ultrapassa em muito o escopo das ações de alocação direta de renda. Descartando a hipótese “da culpa” dessa população por sua condição de pobreza e de vulnerabilidade, resta o reconhecimento da necessidade de construção de políticas de oportunidade para os grupos que têm encontrado mais dificuldades de se inserirem no sistema produtivo com geração de renda acima do limite da pobreza reconhecido. Contudo, cabe ressaltar que esse objetivo deve ser capaz de inspirar amplo debate nacional e organizar no país um modelo de desenvolvimento comprometido com sua realização.

O exercício analítico desenvolvido neste trabalho confirma que a previdência social vem sendo um mecanismo relevante para superação da precariedade da situação socioeconômica das famílias de baixa renda e, portanto, da situação de pobreza extrema. No entanto, a questão que se coloca é sobre a viabilidade de adoção dessa solução a médio e longo prazo.

A análise da condição de renda das famílias mais pobres mostra claramente que a redução da sua dependência da política social depende da melhoria das condições do crescimento econômico, naquilo que se refere à sua capacidade de ampliar significativamente o volume de novas oportunidades de trabalho.

A baixa escolaridade é uma debilidade da inserção econômica das famílias de baixa renda que deve ser atacada com extrema prioridade pela política pública. Porém, o melhor perfil educacional somente será eficiente econômica e socialmente se forem criados novos postos de trabalho em volume que permita a redução do desemprego, subemprego e desalento.

A menor disputa pelos baixos postos de trabalho disponíveis é fundamental para as famílias de baixa renda, mesmo que seu perfil educacional seja alterado. Afinal, estas continuarão a ter nas ocupações de base do mercado de trabalho seu espaço de inserção, as quais dependem fundamentalmente do crescimento

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para melhorarem seus níveis de renda. Portanto, a menor dependência das famílias de baixa renda da política

social depende do crescimento econômico satisfatório e de seus efeitos dinâmicos sobre o mercado de trabalho. Sem dúvida, políticas públicas de educação e qualificação poderão contribuir para a virtuose desse movimento, apesar de não serem capazes de resolver os problemas de emprego que essas famílias enfrentam.

As políticas sociais são, portanto, instrumentos necessários e eficientes para a proteção social das famílias de baixa renda, apesar de essa condição social estruturalmente desfavorável poder somente ser modificada, como já fora dito, por um crescimento econômico que dinamize fortemente o mercado de trabalho. Os números mais recentes sobre a situação social no Brasil indicam que a redução da desigualdade, verificada nos últimos anos, é resultado de um conjunto de políticas públicas e de decisões na área econômica.

Em termos conclusivos, este capítulo quis mostrar que, em face das condições atuais prevalecentes no mercado de trabalho, a política social cumpre papel categórico na sustentação do atual poder de compra das famílias de baixa renda, como, ademais, o salário mínimo tem importância fundamental para sua evolução. A política de valorização do salário mínimo cumpre papel decisivo para as famílias de baixa renda, por meio da proteção social e não por meio do mercado de trabalho.

Para que esta tenha maior efetividade a partir do mercado de trabalho, que permita uma menor relevância via política de previdência, é necessário restabelecer uma trajetória de crescimento sustentado que crie capacidade recorrente e respeitável de criação de novos postos de trabalho, em ritmo muito superior ao incremento natural da população economicamente ativa. Isto é, que se facilite a entrada no mercado de trabalho dos membros das famílias de baixa renda, inclusive com níveis de remuneração mais favoráveis. Somente desse modo poder-se-á transformar o papel da previdência social para as famílias com menor poder aquisitivo, sem incorrer em perda da proteção social.

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CONCLUSÃO

Salário mínimo e previdência são temas que a sociedade brasileira discute apenas parcialmente, não por falta de motivações. Há razões de sobra para esse debate, sempre obstruído por interesses ocultos sob falsos argumentos e análises incompletas da realidade.

Aumentar o salário mínimo ou ampliar direitos dos trabalhadores são ações rotuladas como impeditivas do progresso e do crescimento econômico, um motivo a mais para o desemprego e a informalidade. O debate limitado consegue, até mesmo, caracterizar a previdência social como o principal problema das contas públicas do país, que atormentaria o presente e impediria o futuro de nossos filhos, sendo inclusive apresentada como empecilho para a recuperação do salário mínimo e sua elevação a um patamar de dignidade.

Uma visão ampla evidencia que salário mínimo e previdência conectam-se em vários aspectos. Nesses últimos anos, um conjunto cada vez mais significativo de trabalhadores tem a sua remuneração restrita a valor inferior a dois salários mínimos. Em dezembro de 2005, esse contingente chegava a 39%. A RAIS deve revelar percentual ainda maior em 2006, já que os dados do CAGED, relativos ao ano passado, indicam elevado crescimento, de 69,9% em 2005 para 80,8%, da parcela de trabalhadores admitidos nessa estreita faixa salarial. Ademais, pelos mais variados expedientes, outros direitos dos trabalhadores vêm sendo desrespeitados e desconsiderados. Até mesmo a fiscalização do trabalho tem sua atuação dificultada por diversas e sucessivas disposições jurídicas.

O salário mínimo, diretamente para os trabalhadores empregados, e indiretamente para os contratados em outras modalidades, tornou-se um importante referencial na luta pela valorização do trabalho e justa distribuição de renda. Os aumentos reais concedidos nos últimos dois anos, bem como o programado para abril de 2007, permitem reverter, em parte, a depreciação da renda do trabalhador, que se perpetuava desde 1996, tanto nas regiões metropolitanas, medida pela PME, quanto nacionalmente, mensurada pela PNAD, pesquisas do IBGE.

Esses aumentos reais foram positivamente absorvidos pelo mercado de

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trabalho, na medida em que o país vem crescendo - letargicamente, é claro – mas de forma contínua, o que permitiu um aumento médio do PIB da ordem de 3,3% nos últimos três exercícios. Esse resultado é pequeno quando comparado com a média mundial, da América Latina ou dos países que se encontram no mesmo patamar econômico do nosso.

Também é animadora a pequena, mas muito positiva, melhora do quadro da informalidade do trabalho. No primeiro mandato do governo Lula, foram criados 4,6 milhões de novos postos formais de trabalho. Boa parte desse quantitativo deve-se à formalização do emprego resultante da ação fiscal. É importante salientar que para a sustentabilidade do Regime Geral de Previdência Social são imprescindíveis a manutenção e a aceleração do crescimento econômico - motor da geração de postos formais – em combinação com a valorização salarial.

A desestruturação do mercado de trabalho nunca foi entendida como um problema pelos governos Collor e FHC. Várias leis foram aprovadas para facilitar e incentivar sua desregulamentação. Além de não serem disponibilizados à fiscalização trabalhista recursos e aparelhamento suficientes para coibir a fraude e a sonegação de direitos, vantagens tributárias incentivam a terceirização, a intermediação por cooperativas; enfim, múltiplas outras formas de contratação de pessoas para prestação de serviços laborais.

Como conseqüência, o emprego foi destruído nos vários períodos de crise e de baixo crescimento, e não se recuperou o suficiente nos espasmódicos momentos de expansão econômica, como entre 1994 e 1996, 2000 e no período recente. Para se ter idéia, foram necessários mais de 10 anos para que o mercado de trabalho recuperasse o número de empregados com carteira assinada que existia em 1989, drasticamente reduzido na primeira metade da década de 90.

A recuperação do emprego formal, combinada com a leve recuperação da remuneração dos últimos dois anos, foi muito positiva para a previdência social. A receita líquida arrecadada (descontados os repasses a Terceiros) cresceu em 2006, em valores reais, 10,8%. Esses resultados positivos também se deram em 2005 (8,3%) e em 2004 (9,5%). No ano passado, o aumento das receitas foi inclusive superior ao aumento das despesas (10,3%, também em valores reais). Isso significa que o aumento do salário mínimo, que impacta diretamente uma grande parcela dos benefícios (quase a metade dos urbanos e praticamente a integralidade dos rurais), foi absorvido pelo crescimento proporcional das receitas.

Pode-se intuir que o crescimento do emprego formal teria apresentado

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resultados extremamente positivos para a arrecadação previdenciária, se a participação dos salários na renda nacional não tivesse caído tão abruptamente a partir de 1993-1994. Se a renda dos salários ainda representasse ao menos 33% do PIB, e não os 25% constatados em 2003, mais R$ 40 bilhões teriam entrado nas contas da previdência social, somente em 2006. Esse montante é da mesma ordem de grandeza do resultado negativo, de R$ 42 bilhões, divulgado para o RGPS. Isso sem contar qualquer compensação decorrente de renúncias fiscais.

Ao invés de discutir a informalidade do trabalho e o baixo padrão remuneratório dos trabalhadores, há os que preferem repetidamente alegar que os problemas do modelo de financiamento da previdência decorrem dos direitos dos trabalhadores rurais e da vinculação do piso de benefícios previdenciários ao salário mínimo.

Ampliar o crescimento econômico, para gerar mais e melhores empregos, intensificar a fiscalização para ampliar a cobertura previdenciária, e implementar a pluralidade das fontes de financiamento, se revelam tarefas inadiáveis para melhorar o perfil da previdência social, inibindo, em parte, o discurso das reformas, que somente visam a ampliar exigências e a reduzir direitos dos trabalhadores.

Mesmo diante da queda da folha de salários, promovida por diminuição da renda média, da massa salarial e do crescimento da informalidade, o país não buscou fontes alternativas de financiamento para a previdência social. Implementar a previsão constitucional da pluralidade de fontes é uma resposta efetiva à queda da participação dos salários na renda nacional. Fazer da capacidade contributiva dos salários o sustentáculo preferencial da previdência social, é submeter os trabalhadores a carências e exigências absurdas, que não condizem com a realidade do mercado de trabalho brasileiro, e condená-los a benefícios pífios, que desrespeitam os segurados e aviltam a renda substitutiva do trabalho, proporcionada pela previdência.

É preciso ressaltar que depois de 1997, o Estado efetivou um grande aumento da sua arrecadação, baseado prioritariamente nas receitas da Seguridade Social, que deveriam somente financiar a saúde, assistência e previdência. No entanto, o aumento de arrecadação das contribuições sociais sobre o lucro, movimentação financeira e faturamento das empresas esteve mais vinculado ao processo de ajuste fiscal praticado desde o final dos anos 90. Sequer um centavo foi utilizado para incentivar a inclusão previdenciária ou compensar a queda dos salários e o aumento proporcional do excedente operacional das empresas, de modo a possibilitar o alívio da tributação sobre

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a folha, o que poderia ter incentivado a formalidade e a contratação direta. Com relação às desigualdades sociais, os estudos relatados e os números

nesta obra apresentados indicam reversão do perverso quadro de concentração de renda em nosso país. Dentre os fatores que contribuíram para esse resultado, destacam-se os reajustes reais concedidos ao salário mínimo em 2005 e 2006, que repercutem na elevação da renda dos trabalhadores ocupados, no maior poder aquisitivo dos benefícios previdenciários e assistenciais, reforçando a proteção social do Estado. Tal fato se reflete em expressiva redução na dimensão da indigência e da pobreza existente no país.

Os pagamentos do RGPS se confirmam como importantes gastos sociais para gerar crescimento econômico e redistribuição da renda. Os números do IPEA apontam que o aumento do consumo das famílias foi o principal motor do crescimento econômico ocorrido em 2004 e 2005 – a análise dos dados do PIB de 2006 reafirma essa mesma constatação.

Quando os financistas apregoam cortes e limitações nos gastos públicos, e se insurgem contra a expansão das despesas do Estado, querem, na verdade, atingir os recursos que o Estado disponibiliza aos trabalhadores e setores mais desprotegidos. Mesmo que não seja expresso, os gastos sociais são o alvo desse discurso. Buscam, com esses cortes, manter intocáveis as despesas com juros e garantir recursos para o seu fiel pagamento. Em 2006, os gastos federais com juros e amortizações das dívidas interna e externa, segundo o Orçamento Geral da União, atingiram nada menos que R$ 275 bilhões, valor este equivalente a 37% do Orçamento de 2006.

Ao contrário de todos os argumentos que circulam quotidianamente, os gastos sociais não são os responsáveis pelo tamanho da dívida pública, pela falta de investimentos, ou pela incapacidade de o país crescer. Há décadas o endividamento público brasileiro está divorciado do propósito de ampliar a produção ou propiciar algum avanço social. A dívida resulta do desequilíbrio produzido por outras políticas, e pela necessidade de garantir a reprodução do capital nos momentos de baixo crescimento econômico.

O salário mínimo em nosso país é muito baixo e não condiz com o tamanho da nossa economia, mostrando-se incapaz de proteger o trabalho ou de atender aos preceitos constitucionais. Para que o Brasil possa crescer de forma permanente, distribuindo renda, é necessário, dentre outros fatores, manter os sucessivos aumentos reais do salário mínimo como elemento de valorização do trabalho. Esse movimento, como mostrado, é uma preocupação real na maioria dos países da América Latina, notadamente onde o neoliberalismo deixou profundas e negativas marcas na condição de vida dos povos.

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Por sua vez, a previdência social precisa de mudanças para ampliar a sua capacidade de proteger os trabalhadores e os seus direitos, e intensificar o seu papel no processo de redistribuição e de interiorização da renda em nosso país. A sustentabilidade desse modelo não será alcançada pela perda de direitos, mas pela recuperação do mercado de trabalho, pelo crescimento econômico, pelo progresso social. O Estado é chamado a intervir diretamente na construção desse cenário. Buscar a eficiência da gestão, combater a fraude e a sonegação são aspectos importantes, mas podem não ser suficientes. Melhorar o sistema de contas, pelo qual é apurado o equilíbrio financeiro e atuarial, e implementar a pluralidade das fontes de financiamento, são medidas fundamentais para que se interrompa esse processo de reformas, que desde 1995 vem mitigando direitos e a sua expectativa.

O papel do Fórum Nacional criado para avaliar a situação da previdência social é revelar todos os aspectos dessa discussão. A representação dos trabalhadores nesse Fórum e também a dos setores mais comprometidos com o desenvolvimento social deve exigir que não se limite o debate, como vem sendo feito pela mídia e pela parcela dos articulistas comprometidos com os grandes interesses do capital financeiro.

A riqueza nacional cada vez menos se destina a remunerar o trabalho que a produz. Concentra-se no faturamento e na lucratividade das empresas, que perseguem crescente produtividade, sob alegação de se manterem competitivas. Os ganhos de produtividade são totalmente, ou na maior parte, apropriados pelo fator capital, que se remunera pelos investimentos em máquinas, tecnologia e outros meios de produção, sem, no entanto, retribuir aos trabalhadores os ganhos de produtividade gerados pelo seu trabalho.

Em busca da capacidade contributiva e da justiça fiscal, é preciso que a incidência tributária se intensifique sobre essa apropriação majoritária realizada pelo capital, ainda mais forte em setores como o financeiro. Reforçar a tributação sobre os salários e demais rendimentos do trabalho imporia sacrifícios insuportáveis aos trabalhadores. O discurso reformista insiste, entre outras propostas para dificultar o acesso dos trabalhadores aos direitos previdenciários, na fixação de idade mínima para aposentadoria.

É injusto ignorar, entre outras severas realidades, o fato de que os mais pobres começam a trabalhar mais cedo, têm mais dificuldades de prosseguir nos estudos e, desse modo, permaneceriam em atividade por um período laboral mais extenso, aprofundando a desigualdade social. A hipótese de uma idade mínima para aposentadoria implicaria ajustamentos prévios e indispensáveis, como por exemplo: i) estabelecer reserva de vagas para os trabalhadores com

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idade mais avançada, que atualmente conseguem ocupação, a maioria das vezes, no mercado informal; ii) estender o período de estudo e capacitação dos jovens, auxiliando financeiramente os que necessitarem, no propósito de adiar seu ingresso no mercado de trabalho, diante do alto desemprego; iii) definir critérios de estabilidade para frear a alta rotatividade de pessoal; iv) organizar um eficiente sistema público de colocação de profissionais; v) construir um vigoroso pacto social pela formalidade do emprego, com fortalecimento da fiscalização do trabalho; vi) reformular o sistema de seguro-desemprego para dotá-lo de ampla cobertura, que contemple, entre outros eventos, a ocorrência de períodos prolongados de baixa oferta de postos de trabalho.

A previdência e o mercado de trabalho atendem a função social, não sendo determinados exclusivamente por condicionantes demográficas, mas pela totalidade do processo econômico. A Previdência Social necessita não apenas ser discutida, mas, sobretudo, pensada e planejada com vistas a ampliar sua participação na construção de um país mais justo e solidário.

Reafirmamos que a defesa do salário mínimo e dos direitos dos trabalhadores, inclusive quanto à sua previdência, são instrumentos fundamentais na construção de uma Nação, que não se dará nos limitados marcos que hoje orientam a ação política e determinam o modelo econômico em curso.

A defesa da previdência social é, antes de mais nada, a defesa do interesse coletivo, da repartição da renda, da cidadania, da universalidade. Esses são caracteres importantes – fundamentos da resistência ao projeto de formatação de um Estado mínimo para o povo - os quais também integram a construção das alternativas de mudança, do caminho novo, da esperança, do rompimento com o discurso único, que nada mais expressa senão a prevalência dos interesses do capital financeiro, dissociados da qualidade de vida da população, do vigor produtivo e da justiça.

O trabalho socialmente protegido é o verdadeiro fundamento do progresso econômico, da estabilidade social, de um mercado interno fortalecido, de uma sociedade compromissada com o bem comum, e de um país que tem futuro.

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ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? – Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. Perdizes: Cortez Editora & Editora da Unicamp, 2003.

DUPAS, Gilberto. Renda, consumo e crescimento. São Paulo: Publifolha, 2004.

DEDECCA, Cláudio Salvadori. et al. Salário mínimo, beneficio previdenciário e as famílias de baixa renda. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, v. 23, n. 2, 2006.

KUCZYNSKI, Pedro-Pablo, WILLIAMSON, John (orgs.). Depois do Consenso de Washington: Retomando o crescimento e a reforma na América Latina. São Paulo: Saraiva, 2004.

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TRABALHO DECENTE NAS AMÉRICAS: Uma agenda hemisférica, 2006-2015. Brasília: OIT - Organização Internacional do Trabalho - XVI Reunião Regional Americana, 2006.

PELIANO, Anna Maria. (org.). Desafios e perspectivas da política social. Textos para Discussão, Rio de Janeiro, IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, TD 1248, 2006.

POCHMANN, Márcio. O emprego na Globalização: A nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo Editorial, 2001.

RefeRêNCIaS BIBLIOGRáfICaS

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REZENDE, Fernando, TAFNER, Paulo. Brasil: o estado de uma nação. Rio de Janeiro: IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 372, 2005.

SALAMA, Pierre. Pobreza e exploração do trabalho na América Latina. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002.

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abreviaturas, siglas e termos utilizadosnesta obra

ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do BrasilBPC – Benefício de Prestação Continuada. É um benefício assistencial, que consiste no repasse mensal de um salário mínimo às pessoas idosas com 65 anos ou mais e às pessoas com deficiência, cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a ¼ do salário mínimo.CAGED – Cadastro Geral de Empregados e DesempregadosCLT – Consolidação das Leis do Trabalho. Seu objetivo principal é a regulamentação das relações individuais e coletivas do trabalho, nela previstas.COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira.CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro LíquidoDÉFICIT – déficit ou défice é um termo contabilístico de origem latina, que se caracteriza por um saldo negativo orçamentário, ou seja, ter mais gastos, ou despesas do que ganhos, ou receitas. DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. EC – Emenda Constitucional. Uma emenda é uma alteração da Constituição de uma nação ou Estado. Em jurisdições com Constituições rígidas ou entrincheiradas, a realização de uma emenda requer procedimentos diferentes daqueles usados para criar e modificar leis ordinárias.EPU - Encargos Previdenciários na União. Recursos destinados ao pagamento dos proventos de aposentadoria e pensões dos servidores civis e militares da administração direta da União e, por meio do PASEP, a corrigir distorções de renda e assegurar especificamente ao servidor público a formação de um patrimônio individual progressivo. FHC – Fernando Henrique Cardoso.IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.ICMS – Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação.IGP- DI – Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna

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INPC – Índice Nacional de Preços ao ConsumidorINSS – Instituto Nacional do Seguro SocialIPC – Índice de Preços ao ConsumidorIPEA – Instituto de Pesquisa Econômica AplicadaIPEAdata – Base de dados macroeconômicos e regionais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. IPI – Imposto Sobre Produtos IndustrializadosISS – Imposto Sobre Serviços de qualquer naturezaLDO – Lei de Diretrizes OrçamentáriasLOAS – Lei Orgânica da Assistência SocialMDS – Ministério do Desenvolvimento SocialMTE – Ministério do Trabalho e EmpregoOIT – Organização Internacional do TrabalhoOSS – Orçamento da Seguridade SocialPEA – População Economicamente Ativa: é composta por pessoas empregadas, pelos desempregados (que já trabalharam, mesmo que no primeiro emprego) e também por um segundo grupo de desempregados que estão dispostos a trabalhar em condições específicas, porém não estão buscando o trabalho.Per CaPita – Do Latim: por cabeça ou por pessoaPIA – População em Idade Ativa. É o conjunto da população com idade a partir de 10 anosPIB – Produto Interno Bruto. Representa a soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos em uma determinada região (qual seja, países, estados, cidades), durante um período determinado (mês, trimestre, ano etc).PIS – Programa de Integração SocialPME – Pesquisa Mensal de EmpregoPNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – A PNAD não foi a campo em 1991, 1994 e 2000.PTR – Programas de Transferência de RendaRAIS – Relação Anual de Informações SociaisRGPS – Regime Geral de Previdência SocialRMV – Renda Mensal VitalíciaRPPS – Regime Próprio de Previdência SocialSM – Salário MínimoUNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

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CONSELhO ExECUTIVO

OvídiO Palmeira FilhOPresidente

armandO dOs santOsvice-Presidente executivO

raul chamadOirO cabadas FilhO vice-Presidente de assuntOs Fiscais

beneditO cerqueira sebavice-Presidente de POlítica de classe

maria dO carmO cOsta Pimentelvice-Presidente de POlítica salarial

marcelO Oliveiravice-Presidente de assuntOs da seguridade sOcial

misma rOsa suhettvice-Presidente de aPOsentadOs e PensiOnistas

assunta di dea bergamascOvice-Presidente de cultura PrOFissiOnal

antOniO silvanO alencar de almeidavice-Presidente de serviçOs assistenciais

nildO manOel de sOuzavice-Presidente de assuntOs JurídicOs

JOsé avelinO da silva netOvice-Presidente de administraçãO

JOãO alves mOreiravice-Presidente de PatrimôniO e cadastrO

JOsemar JOrge cecattO santOs vice-Presidente de Finanças

déciO brunO lOPesvice-Presidente de PlaneJamentO e cOntrOle OrçamentáriO

rOdrigO da cOsta POssasvice-Presidente de cOmunicaçãO sOcial

maria aParecida F. Paes lemevice-Presidente de relações Públicas

rOdOlFO FOnseca dOs santOsvice-Presidente de assuntOs Parlamentares

augustO cOnte sOares netOvice-Presidente de relações interassOciativas

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66 Previdência Social e Salário MíniMo

ASSESSORIA SOCIOECONôMICAalFredO miranda de lemOs assessOr sOciOecOnômicO

CONSELHO FISCALcOOrdenadOr - rOswílciO JOsé mOreira góis (ba)

membrO - tarcisO cabral de medeirOs (rn)relatOra - albenize gattO cerqueira (Pa)

CONSELHO DE REPRESENTANTEScOOrdenadOra – léa Pereira de mattOs – dF

vice-cOOrdenadOra - maria Janeide de c. rOdrigues e silva -– Pbsecretária - eucélia maria agrizzi mergar - es

secretáriO-adJuntO -– ademar bOrges - PrheliOmar lunz – ac

emir cavalcanti FurtadO - aPFranciscO de carvalhO melO – almiguel arcanJO simas nOvO – am

luiz antôniO gitirana – bamanOel eliseu de almeida – ceFilOnetO JOsé dOs santOs – gO

carlOs albertO reis de andrade – maJOsé caetanO de melO – mtJOãO de britO tOrres – ms

aFOnsO ligóriO de Faria – mgenniO magalhães sOares da câmara – Pa

zélia duarte cOsta -PeJOãO sOares da silva sObrinhO – Pi

alFredO miranda de lemOs – rJJOnilsOn carvalhO de Oliveira – rn

dulce wilennbring de lima -rsOcenir sanches – rO

andre luiz sPagnuOlO andrade - rrcaetanO ÈvOra da silveira netO – sc

PedrO augustO sanchez – sPJOrge lOurençO barrOs – se

márciO rOsal bezerra barrOs – tO

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67 Previdência Social e Salário MíniMo

FUndaÇÃo anFiP de eSTUdoS da SeGUridade Social

cOnselhO curadOrOvídiO Palmeira FilhO - Presidente

PedrO dittrich JuniOr - secretáriO luiz mendes bezerra

marcelO Oliveira

miguel arcanJO simas nOvO rOdOlFO FOnseca dOs santOs

rOzinete bissOli guerini

suPlentesPaulO de Freitas radtke

JOsé geraldO de Oliveira Ferraz

diretOria executiva FlOrianO JOsé martins - diretOr Presidente

gláuciO diniz de sOuza - diretOr administrativO

ana lúcia guimarães silva - diretOra Financeira

máriO césar m. Fernandez - diretOr de PlaneJamentO e PrOJetOs márciO humbertO gheller - diretOr de eventOs e cursOs

suPlentes rOsana escuderO almeida - 1ª suPlente

sandra tereza Paiva miranda - 2ª suPlente

cOnselhO FiscalPedrO augustO sanchez - Pres. cOnselhO Fiscal

JOrge césar cOsta

JOsé heliO Pereira

suPlenteOcenir sanchez

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