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RITOS REVISTA DA AMARN * ANO VIII * Nº 8 * AGOSTO 2012 ARTIGO Juiz Cícero de Macedo Filho e a cançao popular. religiosidade e o ato de julgar. do Poder Judiciário funcionou no Palácio do Governo PRIMEIRA SEDE

PRiMeiRA sede

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RitosREVISTA DA AMARN * ANO VIII * Nº 8 * AGOSTO 2012

ARtigo Juiz Cícero de Macedo Filho e a cançao popular.FÉ religiosidade e o ato de julgar.

do Poder Judiciário funcionou no Palácio do governo

PRiMeiRA sede

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CONSELHO EXECUTIVO

PresidenteJuíza Hadja Rayanne Holanda de AlencarVice-Presidente InstitucionalJuiz Marcelo Pinto VarellaVice-Presidente AdministrativoJuiz Cleofas Coelho de Araújo JuniorVice-Presidente FinanceiroJuiz Odinei Wilson DraegerVice-Presidente de ComunicaçãoJuiz Paulo Giovani Militão de AlencarVice-Presidente CulturalJuiz Jessé Andrade de AlexandriaVice-Presidente SocialJuiz Jorge Carlos Meira e SilvaVice-Presidente dos EsportesJuiz Felipe Luiz Machado BarrosVice-Presidente dos AposentadosJuiz Francisco Dantas PintoCoordenador da Região OesteJuiz Breno Valério Fausto de MedeirosCoordenadoria da Região SeridóJuíza Marina Melo Martins

CONSELHO FISCALJuiz Azevêdo Hamilton CartaxoJuiz Fábio Antônio Correia FilgueiraJuiz Fábio Wellington Ataíde AlvesJuíza Flávia Souza Dantas PintoJuiz Gustavo Henrique Silveira SilvaJuiz Luiz Alberto Dantas FilhoJuiz Mádson Ottoni de Almeida RodriguesJuíza Manuela de Alexandria FernandesJuíza Rossana Alzir Diógenes Macêdo

EdITORA EXECUTIVAAdalgisa Emídia DRT/RN 784

PROjETO GRáFICO E dIAGRAmAçãOFirenzze Comunicação Estratégica(84) 2010.6303 | (84) [email protected]

FOTOSElpidio Júnior

CAPATrabalho do artista plástico Pedro Pereira

GRáFICAUnigráfica

Associação dos magistradosdo Rio Grande do Norte

Condomínio Empresarial Torre Miguel Seabra Fagundes

R. Paulo B. de Góes, 1840Salas 1002, 1003 e 1004.Candelária - Natal-RN.CEP: 59064.460Telefones: (84) 3206.09423206.9132 | 3234.7770

CNPJ: 08.533.481/0001-02

Caros Colegas,

A AMARN tem o prazer de encaminhar a todos os associados a 8ª edi-ção da revista Ritos, que doravante passará a ser lançada semestralmente. Para os mais modernos, estamos também estreando o formato digital em versão para o ipad, tornando a publicação mais ecologicamente correta e com maior capacidade de circulação.

A revista é fruto da visão acurada do colega Jessé de Andrade Alexan-dria, que contou com o auxilio inestimável dos juízes Paulo sérgio e Assis Brasil e teve como principal enfoque, ser uma edição voltada para assuntos culturais. Podemos encontrar aqui as belas fotos e poesias do colega Paulo sérgio, brilhante artigo do juiz Cícero Macedo sobre Canção Brasileira e ainda uma amostra da arte alegre e despretensiosa do artista plástico Pedro Pereira, autor da gravura da nossa capa. A edição enfoca ainda a relação entre a religião e o ato de julgar através dos colegas odinei draeger, Rey-naldo odilo e Múcio Nobre, que nos falam um pouco sobre as religiões que professam.

em comemoração aos seus 120 anos, a revista faz um resgate da his-tória do tribunal de Justiça, desde os idos de 1892, quando foi criado até uma entrevista franca e esclarecedora da atual Presidente, desembargado-ra Judite Nunes, feita pela jornalista Adalgisa emídia. o sempre presente amigo Assis Brasil nos brinda ainda com um enfoque sobre a importância do discursso e o colega odinei draeger por sua vez faz um instigante ensaio sobre o conservadorismo, enquanto o juiz geomar Brito nos brinda com a poética crônica Leocádia de Marabá. o amigo otto Bismark escreve artigo inédito sobre a inconstitucionalidade do art. 27 do Código de Mineração. Por fim, o colega Eduardo Feld nos recomenda a leitura de O inquilino de Roland topor, trazendo uma rica análise da obra.

A todos os colegas que se empenharam nessa edição o nosso mais pe-nhorado agradecimento.

Como vocês podem ver buscamos fazer desta uma publicação leve, di-vertida e culturalmente rica, sem esquecer o bom gosto que sempre marcou a nossa Ritos.

Busquem, então, um cantinho aconchegante e tenham uma boa leitura.

Juíza Hadja Rayanne Holanda de AlencarPresidente da AMARN

// editorial

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Três juízes falam de suas religiões e a importância da fé no ato de julgar

Paisagens em fotografias nas

lentes do juiz Paulo Sérgio de Lima

religiosidadeensaio32 20

// sumário

Dica de livro com o juiz Eduardo Feld

livro46

Poder Judiciário no RN e os 120 anos de história.

Poder judiciário

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O artista plástico Pedro Pereira supera desafios e mostra sua arte

artes

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Russel Kirk, um dos campeões do conservadorismo no séc. XX, autor do monumental “The Conservative Mind – From Burke to Eliot”, contou certa vez a seguinte história: uma de suas vizinhas, sra. Worth, conversava com a sra. Williams, vizinha dela. ela estava com alguns arrependimentos por ter vendido um prédio antigo, propriedade de sua família há muito tempo. A sra. Williams teria dito, ao final e com grande dose de resignação que “não se pode impedir o progresso”. A surpresa maior ela teve com a resposta da Sra. Worth: “Não, na maioria das vezes não; mas você pode tentar”.

Assim como a Sra. Worth, uma parcela considerável de pessoas desconfia do progresso como um valor em si. Uma coisa não é boa só porque é mais “avançada”. A noção de progresso é, talvez, uma das maiores e mais acredi-tadas empulhações que a modernidade conseguiu criar. Já a compreensão de que há algumas coisas que valem a pena conservar é a atitude essencial de um grupo de pessoas normalmente chamadas de “conservadores”. Curioso, aliás, é que essa palavra, conservador, goze de enorme desprestígio. Chamar alguém de conservador, especialmente nos ambientes acadêmicos, é algo tão terrível e associado a tantas práticas reprováveis que dificilmente alguém que seja de fato um conservador vá se declarar assim na frente dos outros. As elites bem pensantes do nosso país, por exemplo, negam aos conservadores qualquer possibilidade de boas intenções. o monopólio da bondade social na esquerda light é diretamente proporcional ao rótulo odioso que a palavra conservador se tornou, como sinônimo de tudo aquilo que é ruim, mal e feio.

// artigo

Odinei W. Draeger

Juiz da 1ª Vara Cível de São Gonçalo do Amarante

Quem são os conservadores?

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Resgatar a dignidade do conservadorismo parece ser não só uma missão nobre como também necessária, de modo que pro-ponho primeiro sintetizar o que pensam os conservadores, no in-tuito de afastar algumas das associações maliciosas mais comuns.

Não é possível estabelecer exatamente o que pensam os con-servadores. Não há nenhuma espécie de manual, de catecismo conservador. Nenhum conservador se preocuparia em fazê-lo, em escrever uma espécie de manifesto conservador, mesmo que, agora mais do que nunca, um espectro esteja pairando sobre o mundo, pois os conservadores tendem a se preocupar primeiro com seus próprios problemas e não tem entre seus objetivos o romântico sonho de “mudar o mundo”. Desta forma, é possível apenas colher as impressões mais constantes na prática e nos dis-cursos dos grandes representantes do conservadorismo e, para tanto, valho-me mais uma vez da preciosa ajuda de Russel Kirk, que num artigo chamado Ten Conservative Principles, adaptado de seu livro The Politics of Prudence, estabelece de forma mais ou menos eficiente os traços mais comuns entre os conservadores. Abaixo transcrevo partes do artigo, que pode ser encontrado no site do “The Russel Kirk Center” (http://www.kirkcenter.org/index.php/detail/ten-conservative-principles/) com meus co-mentários em seguida.

“Primeiramente, o conservador acredita que existe uma or-dem moral duradoura. Que a ordem está feita para o homem, e o homem é feito para ela: a natureza humana é uma constante, e as verdades morais são permanentes”.

o conservador rejeita as teses multiculturalistas e modernas que relativizam a moral e negam a existência de uma ordem superior. Para ele o certo e o errado não mudam, assim como não muda a sucessão dos dias e das noites, não importando a ur-gência das razões de estado. o esquerdista geralmente critica o conservador dizendo que todos os problemas sociais são para ele questões de moral privada. Se essa afirmação for compreendida da forma adequada, ela está até certa. Para um conservador, uma sociedade composta por pessoas guiadas por uma moral perene será sempre uma boa sociedade, não importa qual o tipo

de engenho social usado para governá-la.“Segundo, o conservador adere ao costume, à convenção, e

à continuidade. São os princípios antigos que permitem que as pessoas vivam juntas pacificamente. Os demolidores dos costu-mes destroem mais do que sabem ou desejam”.

o conservador sabe que as práticas de uma sociedade são fruto de um longo processo de tentativa e erro e que as regras de costume que vigoram hoje são as que permitiram o desen-volvimento de uma ordem social na qual a vida comunitária é possível. As técnicas mais arrojadas de reformismo social so-mente conseguem destruir aquilo que já foi testado por algo novo, projetado, mas que no final das contas será utilizado so-cialmente pela primeira vez. Como a sociedade humana não é uma máquina, e as variáveis com que o planejador social teria

Russel Kirk

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que lidar para mudá-la completamente são impossíveis de ser dominadas por qualquer mente individual, o conservador sabe que a melhor chance para manter as coisas bem é aderir aos costumes passados, sem perder de vista o fato de que, conforme ensinou edmund Burke, mudanças podem ser necessárias, mas devem ser prudentes.

“Terceiro, os conservadores acreditam no que pode ser cha-mado o princípio da prescrição. Conservadores percebem que as pessoas modernas são anãs sobre os ombros de gigantes, ca-pazes de ver mais longe que seus ancestrais apenas por conta da grande estatura daqueles que os precederam no tempo”.

grande parte dos problemas de hoje em dia já foi estudado e resolvido com certo grau de eficiência por alguém do passado. Pessoas mais capazes que nós podem ter estudado e meditado sobre as questões que nos preocupam, e não é necessário que por achismo ou carência de vontade precisemos construir tudo novamente do zero, pois ao atermo-nos às prescrições passadas estaremos, de certo modo, evitando que ao invés de construir mais um andar no edifício da civilização tenhamos que derrubar tudo para refazer as fundações.

“Quarto, os conservadores são guiados por seu princípio da prudência”.

Uma medida nova deve ser avaliada não só pelos benefícios imediatos, mas principalmente por seus reflexos em longo prazo. A imprudência é que leva um governante tomar ações que bus-cam sanar um problema pequeno no presente, mas causam pro-blemas bem maiores no futuro. segundo Kirk, John Randolph de Roanoke bem colocou: “a providência move-se lentamente, mas o diabo sempre se apressa”.

“Quinto, os conservadores prestam atenção ao princípio da diversidade”.

eles sabem que a diversidade de classes, instituições sociais e modos de vida são próprios da humanidade e que qualquer tentativa de nivelamento, como o proposto pelo comunismo, gerará estagnação social, no melhor dos casos, e, na maioria, morticínio e opressão.

“Sexto, os conservadores se purificam por seu princípio da imperfeição (“imperfectability”). A natureza humana sofre de determinadas falhas graves, o sabem os conservadores. em sen-do o homem imperfeito, nenhuma ordem social perfeita pode ser criada”.

Uma utopia não merece ser perseguida porque não é da natureza do homem a perfeição. Nenhuma sociedade planeja-da para ser perfeita é possível na prática. o máxima que po-demos esperar é que os arranjos sociais sejam feitos da forma mais ordenada, justa e livre possível, mas sempre tendo em mente que desajustes e problemas surgirão e que as ideologias que prometem extirpar a sociedade de seus problemas tendem a transformá-la no oposto do que perseguem, num verdadeiro inferno terrestre.

“Sétimo, conservadores estão convencidos de que a liberda-de e a propriedade são intimamente relacionadas”.

A propriedade privada é uma constante da própria nature-za humana. o fenômeno da apropriação é observado em todas as sociedades desde a aurora do homem. A extinção da pro-priedade não é possível, como querem os comunistas, pois se ela for confiscada pelo estado, também isto seria uma forma de desapropriação. Além disso, para fazê-lo o estado sempre neces-sita da força, para submeter os que não derem sua propriedade livremente. esta força, de tão tremenda, cria outro problema, pois além da propriedade, o indivíduo perde toda sua liberdade. Assim, a posse da propriedade pelo indivíduo é aceito pelo con-servador tanto como um direito quanto como um conjunto de responsabilidades sociais.

“Oitavo, conservadores suportam ações comunitárias vo-luntárias, tanto quanto se opõem ao coletivismo involuntário”.

em seu livro Makers and Takers, Peter Schweizer mostra, por meio de estatísticas, que os conservadores americanos tendem a ser mais generosos em sua filantropia do que os liberais (es-querdistas), muito embora sejam estes últimos que advoguem o aumento do estado justamente para ajudar os mais pobres. o conservador tende a ajudar mais ao próximo, em razão das

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prescrições morais que obedece, do que o esquerdista, que tende a achar que isso é um problema de “políticas públicas”.

“Nono, o conservador percebe a necessidade de prudentes restrições ao poder e às paixões humanas”.

o conservador sabe que a natureza humana é facilmente corrompida pelo poder e que as paixões tendem a se sobrepor sobre o juízo, de modo que quando o poder é entregue a uma pessoa apenas ou a um pequeno grupo há a inevitável queda da sociedade em um governo despótico e tirano. o conservador sabe que a melhor forma de impedir o jugo despótico é distribuir e restringir o poder, por meio da sua dispersão e da adoção de freios institucionais que permitam uma tensão saudável entre a autoridade do governo e a preservação da liberdade individual.

“Décimo, o pensador conservador compreende que essas permanências e mudanças devam ser reconhecidas e reconcilia-das em uma sociedade vigorosa. O conservador não é oposto à melhoria social, embora duvide que haja algo como uma força geradora de algum Progresso místico, com “P” maiúsculo, ope-rando no mundo”.

A idéia de que as coisas necessariamente caminham, na me-dida da passagem do tempo, de uma situação pior para uma melhor, de que o passado é ruim e o futuro será melhor do que hoje, enfim, a noção de progresso, é completamente divorciada da lógica. Não há nenhuma razão para que nosso futuro não seja muito pior do que a grande depressão, basta que as forças indutoras da ordem como a conhecemos degenerem e criem um distúrbio capaz de destruir a coesão do tecido social. Assim, “o conservador, resumidamente, favorece o progresso racionaliza-do e moderado; é oposto ao culto do progresso, cujos adeptos acreditam que tudo que é novo é necessariamente superior a tudo que é velho”.

Por isso, da próxima vez em que, numa discussão, alguém tentar colocar a perder seus argumentos chamando-lhe de con-servador, talvez seja o caso de responder-lhe que sim, conserva-dor com bastante orgulho.

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A canção popular brasileira: algumas notas

Milhares de livros e artigos já foram publicados sobre a Música Popular Brasileira, enfocando, principalmente, a sua formação, a partir da marcha, passando pelo choro e pelo samba, gêneros autenticamente brasileiros, até a chegada da Bossa Nova, movimento musical surgido no final dos anos 50 e que revolucionou a arte de cantar e tocar. Na historiografia da MPB é comum encontrar divergências sobre a motivação desse movimento, mas, na verdade, ele surgiu em razão da busca de aperfeiçoamento do samba. Na opinião dos seus idealizadores, o que se buscava com a Bossa Nova era introduzir recursos que iriam, segundo eles, valorizar o samba. Parece não haver dúvida sobre o inegável desejo de transformar o que se tinha feito até então, pois o anterior era quadrado, na opinião daqueles músicos que passaram a construir sofisticadas harmonias para os novos sambas cheios de novas bossas.

Com raras exceções, entendia-se que era preciso mudar a maneira qua-drada de cantar e tocar. e assim surgiu a nova música, a nova bossa, que passou a ser tão cantada em sambas inesquecíveis tanto aqui como no exterior. Há que se observar, contudo, que o próprio termo bossa já não era novidade, pois o ge-nial Noel Rosa, inegavelmente o precursor do movimento, em 1932 já cantava, melhor que ninguém, as nossas bossas, quando dizia: “O samba, a prontidão e outras bossas / São nossas coisas, são coisas nossas” (São coisas nossas, gravação do próprio Noel Rosa).

Apesar de iniciar o presente artigo destacando o samba e a Bossa Nova na formação da MPB, não são estes os temas a serem enfocados. Como foi dito, são

// artigo

Cícero Martins de Macedo Filho

Juiz de Direito da 4ª Vara da Fazenda de Natal/RN. Mestre em Direito Constitucional (UFRN). Mestre em Direito Constitucional (Universidade do País Basco-Espanha). Doutorando em Direito Constitucional (Universidade do País Basco-Espanha). Músico amador. Estudante do Curso de História (UFRN). Presidente da Academia Macaibense de Letras.

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milhares os textos sobre esses ritmos, são centenas os discos gra-vados, assim como os concertos realizados, com conotação espe-cial para a Bossa Nova, mesmo que o samba tenha ressurgido, recentemente, com muita força. É muito bom que isso ocorra. Porém, não se tem observado o mesmo entusiasmo, ao menos no campo da pesquisa histórica, em relação à canção popular brasileira, ou, como preferem dizer alguns, a poesia musicada, que marcou época na história da nossa música popular.

A época das serenatas não é tão antiga, mas, relegada ao esquecimento pelos críticos e historiadores e pelos próprios artis-tas, parece que esse tempo pode ser contado em séculos. Quem já teve algum interesse em conhecer melhor o nosso cancioneiro popular sabe como era bonito e diferente o Brasil daqueles tem-pos, ao menos na poesia popular musicada. o que dizer, por exemplo, de versos como “Tu és divina e graciosa / Estátua majestosa do amor / Por Deus esculturada / E formada

com o ardor / Da alma da mais linda flor / Do mais ativo olor / Que na vida é preferida pelo beija-flor”? e a letra prossegue falando em “estátua magistral, alma perenal, soberana flor, sândalos olentes, láctea estrela”. É o mais puro barroco, como se per-cebe. Porém, tais temas já não despertam interesse, nem mesmo dos pesquisadores. Quase nada se tem dito sobre esse traço da nossa cultura musical.

os que têm interesse em pesquisar podem constatar como o artista, o poeta, o cantor, expunham todo o sentimento na construção das letras e nas interpretações, no tempo em que sequer se sonhava com a tecnologia das músicas feitas hoje. Naquele tempo, se perguntava quem era Pixinguinha (autor da melodia dos versos acima) e todo mundo sabia. Perguntava--se quem era Cândido das Neves, autor de versos como “As estrelas tão serenas / Qual dilúvio de falenas / Andam tontas ao luar” e todos sabiam. infelizmente, nos dias atuais

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quase ninguém sabe quem foram e que contribuição deram à nossa cultura e à nossa música esse magníficos poetas e músicos. Já ouvi alguém dizer que naquela época o amor era diferente, o amor inspirava e expirava.

se olharmos as letras atuais, vemos coisas simples como “suingar, pagodar, ralar”, e até um “tchá, tchá, tchá” ou “eu quero tchu, eu quero tchá” , e não se encontra mais beleza no amor cantado. Naquela época, a jovem (a teen, na atualidade), era a “flor mi-mosa da campina”. Hoje é a “piriguete”. o amor hoje é o “rala

e rola”. Naquele tempo o poeta clamava “Acorda patativa, e vem cantar / Faz de tua janela o meu altar / Escuta mi-nha eterna oração” (Vicente Celestino), invocando ao pé da janela e à luz dos lampiões de gás, o amor de sua amada. Hoje o cara diz: “ai se eu te pego, ai, ai, se eu te pego”. Hoje, a poesia da canção popular não tem mais sentido. o que se busca é parodiar o simplório, o que revela uma pobreza de criação sem tamanho.

o mundo mudou nesses dois últimos séculos, e com ele, os costumes. Já não se ouve mais falar em serenata. se perguntar ao teen de hoje o que é serenata ele vai responder que é marca de chocolate. se há alguns anos ainda se podia ver os velhos seresteiros tirando dolentes acordes do pinho à luz dos postes de iluminação elétrica, hoje o que se vê são os paredões, com músi-cas baixadas na internet. se naquele tempo ainda se ouvia um autêntico baião de Luiz Gonzaga, hoje o que se vê são bandas com nomes exóticos, com instrumentos computadorizados e to-

cando “forró” com arranjos tão simples quanto banais, e letras que desafiam a existência da própria linguagem, de tão pobres.

Naquele tempo era o plenilúnio. Hoje é o lual. Naquele tempo dizia-se que “quem mora lá no morro / Vive perti-nho do céu”. A favela, o morro, eram motivos de inspiração aos poetas para versos como “Por ser do morro e moreno / É que eu soluço, é que eu peno / Bebendo do teu amargor /

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Porque me negas, querida / Essa alegria da vida / De pos-suir teu amor” (Sílvio Caldas e Orestes Barbosa). Hoje, inspiram letras falando do tráfico de drogas, através do rap, funk, e exaltam a violência. Consegue-se hoje em dia o milagre de rimar fedor com perfume francês. É certo que antigamente também existiam as músicas satíricas, as pitorescas, que fixavam episódios da cidade, da sua gente, suas gírias, expressões ou modismos, exclamações curiosas relacionadas com as queixas e alegrias das pessoas, e Noel Rosa foi um craque nesses temas. Hoje, porém, a linguagem é chula, dúbia e até mesmo vulgar, mas mesmo assim é massificada pelos meios de comunicação e pela rede mundial de computadores.

obviamente, não estamos aqui a fazer nenhuma pregação por uma revisão de valores na canção popular brasileira, até porque num País com tamanha miscigenação cultural jamais se poderia conseguir uma identidade musical única. Mas os exem-plos de outrora não devem ser esquecidos. Sentimentalismos à parte, observa-se que as dificuldades que tínhamos antigamente serviam para exacerbar o amor, elevando-o, muitas vezes, a um plano de puro delírio. e nisso residia toda a beleza da poesia do nosso cancioneiro popular. A amada era colocada num plano superior ao real. Veja-se, por exemplo, quando o poeta, pondo um chão de estrelas para o caminhar de sua amada, dizia: “Tu pisavas nos astros, distraída” (Orestes Barbosa e Síl-vio Caldas). Hoje, a canção popular brasileira se ressenta da construção poética. o amor parece não inspirar mais a poesia romântica. Antes, exaltava-se esse sentimento com uma certa e ingênua “chantagem sentimental”. Hoje, o amor continua a ser cantado na canção popular, mas sem o mesmo encantamento, a mesma veemência e paixão de antes, e em linguagem simplória e despojada de beleza poética, ressalvadas as raras exceções.

Já que não se pode refazer aqueles momentos gloriosos e antológicos, porque os tempos são outros, não custa nada tentar preservá-los na memória dos que se interessam pela história da nossa canção popular, na esperança que os mais jovens, que des-conhecem as nossas tradições musicais por falta de divulgação, possam, também, conhecer um pouco desse universo. obvia-mente que seria necessário, para tanto, um trabalho de divulga-ção bem amplo de nossa autêntica canção popular, na mídia e nas escolas, com a inserção nos currículos do ensino de música popular brasileira, através dos órgãos públicos, e também dos

órgãos privados de promoções culturais. Não se pode obrigar ninguém a ouvir e muito menos gostar de “música antiga”, mas seria gratificante se fosse possível, ao menos, tornar mais conhe-cida a história do nosso cancioneiro popular, a sua evolução cul-tural, temática, política, social, ideológica, romântica, melódica, principalmente aos mais jovens, que poderiam compreender mais facilmente a música que hoje se ouve.

os que nasceram junto com a Bossa Nova, como eu, hoje podem parecer velhos e chatos aos olhos das novas gerações, em termos musicais. Mas tivemos a felicidade de acompanhar a evolução da MPB nessas décadas passadas, e a alegria de ain-da ter podido ouvir no bom e velho rádio letras e melodias de Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Catulo da Paixão Cearense, Noel Rosa, Ari Barroso, Tom Jobim, Chico Bu-arque, Caetano Veloso, que muito contribuíram para a for-mação da canção popular mais bela e rica do mundo. seria o momento de se pensar em resgatar do esquecimento a canção popular, ao menos nos textos escritos, não só para desmistificar o mito da “velhice”, mas para que as novas gerações possam examinar escrupulosamente a beleza da poesia e cultura que ela nos transmite, permitindo que se possa, também, separar o que há de bom nesse amontoado de luxo e lixo culturais. o presen-te texto, tal qual um acorde menor, é uma singela contribuição nesse sentido. Afinal, não são só as biografias romanceadas, os catálogos de obras, as análises harmônicas, nem algumas miga-lhas de esoterismos que podem garantir à canção popular, como cultura, o seu lugar na nossa história.

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// discurso

A importânciado discursoem solenidades

sentimentoFalar com

A palavra tem o poder de transmitir, além de uma in-formação, muitas vezes sentimentos do orador. saber es-crever e falar bem são características importantes de um bom orador capaz de conquistar a plateia. Muitos discur-sos são memoráveis como o do líder Martin Luther King, que entrou para a história com as palavras proferidas nos Estados Unidos. “Eu tenho um sonho ...”. Líderes, políti-cos, autoridades e juristas brasileiros também marcaram a história com discursos feitos e proferidos de forma que encantaram multidões.

os discursos são importantes para se fazer homena-gens, despedidas, saudações, sejam em solenidades for-mais ou não. escrever textos para serem proferidos em so-lenidades, por exemplo, é uma arte que exige sentimento

e conhecimento do assunto. “O texto é como nossa esfera individual. se não for assim, que se coloque um robô para falar e ponto, está resolvido. o que deve ser evitado no discurso são os elogios em causa própria, a demagogia, a tergiversação, atitudes mais comuns do que se pensa. Discurso tem sua digital específica, muitas vezes ficam pe-renizados em registros, abertos e à consulta pública, trans-formando-se em documentos vivos da história. Pode ser tecnicamente perfeito sem precisar ser frio”, afirma o jor-nalista, escritor e especialista em discursos Juliano Freire.

A preservação de alguns discursos de políticos brasilei-ros está reunida na série brasileiro lançada pela Câmara dos Deputados com o título de “Escrevendo a História”, destacando discursos históricos feitos por parlamentares

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no período de 1946 a 1990. Com o nome “Constituição Cidadã” o discurso do então deputado Ulysses guima-rães, pronunciado em 27 de julho de 1988, sobre o caráter social do texto constitucional, está preservado nos docu-mentos históricos da Câmara dos deputados em Brasília.

Não existem fórmulas e nem regras para se escrever um discurso, mas a missão principal é conquistar a pla-teia que está ouvindo a fala do orador. “Se você conseguir conversar com a plateia, onde estão aqueles que foram ouvir suas palavras ou fazem parte da cerimônia, é um feito e tanto. Assemelha-se a um texto de uma boa repor-tagem de jornal ou revista, quando o resultado alcançado é conseguir que quem está do outro lado preste atenção ao conteúdo oferecido. Não use frases longas demais. tam-

pouco subestime a inteligência alheia nem a paciência das pessoas. e isso serve tanto para quem lê ou opta pelo improviso. Ouvi muitos discursos em vida profissional e aprendi a separar o joio do trigo. e pode acreditar que os mais brilhantes e cativantes foram os alicerçados em um ingrediente indispensável: a verdade” revela o jornalista e escritor Juliano Freire.

No mês de junho, a AMARN realizou uma soleni-dade de despedida do desembargador Caio Alencar. o evento foi o primeiro a fazer uma homenagem a um desembargador ao ser aposentado das suas funções. Na oportunidade, o juiz convocado do tribunal de Justiça do RN Assis Brasil fez e leu um discurso em homenagem ao desembargador Caio Alencar. Num tom informal e mais

Pres. da AMARN, desembargador Caio Alencar e o juiz Assis Brasil

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emotivo, o magistrado discorreu sobre lembranças do convívio com o homenageado. Fez o texto em três horas. “Eu quis passar a importância e a opor-tunidade que tive em substituir o desembargador Caio, quando fui juiz convocado, pela primeira, em maio do ano passado. Um discurso expressa os sentimentos e emoções do orador para convencer a plateia de que a homenagem é justa” afirma o juiz Assis Brasil.

Trechos do discurso proferido pelo juiz Assis BrAsil em homenAgem Ao desemBArgAdor cAio AlencAr:

No ano passado, depois de nos inscrevermos na lista para substituição de desembargador, pela nos-sa antiguidade, fomos convocados para substituí-lo, incialmente durante suas férias e, depois, durante trinta dias de sua licença médica.

Pela primeira vez em nossa vida, nós iríamos, substituindo um desembargador, tomar assento tanto na Câmara Criminal, quanto no Plenário do tribunal de Justiça de seabra Fagundes. Quanta honra e, ao mesmo tempo, quanta responsabilida-de ! Um colega magistrado nos indagou: você vai substituir o desembargador Caio Alencar, o decano do nosso tribunal ? Respondemô-lo: sim. o colega, então, concluiu: sua responsabilidade se agiganta!

todavia, no nosso convívio com a sua pessoa foi que ficamos sabendo que se ele, conforme afirmou, sempre foi um magistrado rigoroso na aplicação da lei, mas que nunca deixou de reconhecer o di-reito do cidadão que se lhe postulava a prestação jurisdicional, também era capaz de se emocionar ao escutar um noturno de Chopin, ao contemplar um quadro de Reimbrant, quando, pela última vez perante o tribunal de seabra Fagundes, ves-tiu a sua toga que vestira durante vinte e oito anos ininterruptos. em razão disso, durante a última

Juiz convocado do TJRN Assis Brasil

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homenagem, nós, falando de improviso que não é nosso costume, lhe dissemos conclusivamente que o senhor Caio Alencar possui o semblante de um general que comanda legiões de milicianos em um campo de batalha, o coração de um sacerdote que consagra a hóstia eucarística em um altar de um templo católico, a sensibilidade de um poeta que verseja os encantos da natureza que anoitece entre as montanhas do horizonte.

ilustre desembargador, não podemos olvidar nesta noite de tantas paixões, que o senhor foi, de verdade, um magistrado vocacionado para o exercício do seu sacerdó-cio, porquanto sempre cultivou, em suas entranhas, uma profunda emoção de respeito à dignidade de qualquer pes-soa humana, fosse esta importante e feliz pelo fascinante cargo público que a sublimava, fosse poderosa e rica pelos haveres materiais com que a fortuna houvesse lhe aben-çoado, mas, principalmente, fosse esta pessoa humilde e paciente pelo sofrimento existencial que a perseguia. isso, porque o senhor acreditava, como nós cremos que todos os seres humanos, sejamos juízes ou jurisdicionados, in-dependentemente de nossa jornada mundana, possuímos uma destinação mortal que nos igualará, cosmicamente, perante de deus.

Neste momento, desembargador Caio Alencar, não desejaríamos falar da saudade do convívio com a sua pes-soa que a sua aposentadoria nos legará no exercício de nossa atividade judicante, até porque, com as bênçãos de deus, sempre poderemos nos reencontrar pelas veredas desta nossa vida terrena. Aliás, nenhuma despedida justifi-ca a saudade, mesmo aquela fatalmente irreversível da úl-tima viagem com destino ao infinito, precisamente porque a saudade somente entristece o nosso coração quando a fé se despede de nossa inteligência, posto que os seres hu-manos que se amam como irmãos, tal qual nos amou um homem chamado Jesus de Nazaré, que morreu na cruz há mais de dois mil anos para nos salvar, sempre se reen-contrarão em alguma dimensão do universo, tal como as estrelas da noite deixam de se encontrar com a aurora que anuncia o amanhecer.

As pessoas não se encontram nas estações desta nossa

peregrinação terrena por uma mera coincidência. os pais que tivemos, os irmãos com quem crescemos, os filhos que geramos, as amizades sinceras que construímos durante o exercício da profissão que escolhemos, obedecem as leis cósmicas previamente determinadas por legislador univer-sal e onipotente. isso, porque cremos que o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, é a única criatura da criação que se caracteriza pela sua transexistencialida-de, capaz de um dia, sobreviver a sua própria morte física, conquistando uma natureza de ser cósmico, em sua evolu-ção cármica e reencarnacionista para sua bem aventuran-ça espiritual. Há uma lei suprema do Universo que, conci-samente, é esta: nascer, renascer ainda e progredir sempre.

Quase terminando esta nossa homenagem à sua pes-soa, desembargador Caio Alencar, fazendo uma referên-cia às suas últimas palavras proferidas na sessão do pleno do tribunal de Justiça em 30 de maio, as quais foram o seu canto do cisne naquele templo a justiça, o senhor arrema-tou: “Clamando aos céus, que fazendo sol, quer fazendo chuva, eu posso proclamar orgulhosamente aos quatro cantos do universo o seguinte: um dia eu pertenci ao tri-bunal de seabra Fagundes”.

Parodiando esta sua derradeira oração proferida no templo sagrada da justiça, podemos afirmar também que nós tivemos a felicidade de substituir um magistrado que pertenceu ao areópago de seabra Fagundes, um juiz de notável saber jurídico e reputação ilibada, mas também um cidadão com o porte de um fidalgo que, sempre, elegantemente, como forma de cumprimento, costuma-va beijar as mãos das damas e abraçava com respeito os cavalheiros.

diz o eclesiastes: todas as coisas têm seu tempo, e para cada ocupação chega a sua hora debaixo do céu. Hora para nascer e hora para morrer; hora para plantar e hora para arrancar o que se plantou; hora para chorar e hora para rir; hora para calar e hora para falar; hora para amar e hora para desamar; tempo para a guerra e tempo para a paz.

Mas a hora para lembrá-lo, desembargador, serão to-das as horas de um tempo que não se extinguirá.

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// Poemas

Vida

taça de vinho

ode a são gonçalo do AmaranteMulher

Felina

o amor é sublimetambém é superdimensãoA vida assim se exprimeexpandindo o coração

A nós mesmos buscamosNa imensidão do universoMas só nos encontramosQuando em deus estivermos imersos

A imersão requer quietudeAfastamento da ilusãoonde se encontra a virtudee completa paz de coração

Numa noite cor de vinhoUma folha que caitrazendo um sopro de amorduas almas se atraem

duas taças que brindam o amor e a vidaUm beijo mágico e supremoVolúpia que nunca esquecemos

Bebi em seus lábiosComo o primeiro gole de vinhoApós ter atravessado Um árido caminho

Vinho que fermenta o amorVideira levemente orvalhada Numa lareira, o calorsuor, Bouquet, madrugada

são gonçalo do AmaranteQuem te conhecede ti se torna amante

És como uma ninfaem busca de um himeneuFujo de ti comodas sereias odisseu

Para outras plagasSou obrigado a partir confiantesão gonçalo do AmaranteQuem te conhece de ti se torna amante

sulcos vão restar na minha menteReminiscências vão perdurarA emoção será recorrenteMinh’alma irá regressar

Como um aventureiro viajantesolitário vou me quedarem verdes prados verdejantesMas de ti não hei de olvidar

são gonçalo do AmaranteQuem te conhecede ti se torna amante

(Declamado no discurso de despedida da Comarca, em 12 de novembro de 2010).

Hoje estou ferido n´almaUma tigresa me arranhouPenso que há de se ter calmaCom essas coisinhas de amor

tal qual um meninoMe recolho pelos cantosQue investida de ferino!o que só me causa espanto

toca uma música penosatiro então o meu chapéuAbaixo a cabeça pesarosaescutando Carlos gardel

Fêmea bela e agridoceessa mulher me entretémApesar de sua foiceÉ ela a quem quero bem

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Por Paulo Sérgio da Silva Lima

juiz titular da 2ª Vara Cível não especializada da Comarca de Natal.

Força Universal

senda da vida

deusa grega

Complexo de átomosÍnfimos, máximosUniverso orquestradoDe fluido organizado

Luz irradiantesombra errantetênue vibraçãoQue sustenta a criação

onipotência cósmicaForça subatômicaenergia sutilvida pulsante que se abriu

Astros que vêm e que vãoNo universo em expansãoViver e morrersorte de todo ser

Luz, vida, bem-aventurança, eternidadesombra, dubiedade, relatividadeNuma, abundância, completude, galardão Noutra, carência, ilusão e confusão

o encarnado do crepúsculoderramando lágrimas pesarosasexalando frutados aromas sobre o teu par de gêmeos escorrendodesenhando rios de prazer enquanto No silêncio se incedeia um ósculo

Murmúrios delirantesCurvas que se perdemNo percurso da jornadaFirmeza, fortaleza, languidezSentidos confluentessubmersos num mar revoltoCalmaria, sossego, exaustãoSaindo da florestase recosta a meditarolha a paisagem douradaCom seus trigos em agitoAdormece enlanguescido sobre o prado

Vida que da vida vemenergia que se compartilhadesdobramento, sucessãoCaminha-se numa jornadaQue cíclica se fazPerene, constante, mutante

obra acabada da naturezaAfrodite, sílfide, exuberantesimetria da belezaCinzelada em forma estonteante

És minha galateiasou teu PigmaleãoAlentai nosso amor-ideiaestátua viva da paixão

Mármore de Carraraouro a fogo provadoLeveza, formosura sem jaçaenlevado reprimo um brado

Ninfa, europa, Perséfone, dríadasonho, delírio, arrebatamentoMais desejada do que AnfitriteCáris dos meus pensamentos

dione, sacra, sensual profanaMisto de deusa e mortalsoprar o excesso de pó é demandaPara a ilusão tornar-se real

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// ensaio

o juiz Paulo sérgio e a arte dafotografia

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01. Por-do-sol em Fernando de Noronha02. Ninho de pássaro03. Juiz Paulo sérgio da silva Lima04. Rio são Francisco05. Lisboa vista do Castelo de são Jorge06. Fernando de Noronha (Praia do Sancho)07. Por-do-sol na toscana08. Cascata em Foz de iguaçu

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120// Poder judiciário

anos do tJRN

o Palácio do governo é um dos pré-dios mais antigos e imponentes do estado e nos traz a lembrança do local onde fun-cionou a primeira sede do Poder Judiciário no Rio grande do Norte. em primeiro de julho de 1892, o então governador Pedro Velho de Albuquerque Maranhão sancio-nou a Lei nº 12 criando o superior tribu-nal de Justiça do RN, tendo como presi-dente olympio Manoel dos santos Vital, da Bahia, nomeado primeiro desembarga-dor da província e presidente interino do recém-criado tribunal. Poucos dias depois, ele deu posse ao desembargador Jerônymo

Américo Raposo Câmara. A sede do Po-der Judiciário passou a funcionar, então, em duas salas cedidas pelo governo, até 1907. Nessa época, Natal não passava de uma pequena cidade com pouco mais de 16 mil habitantes e o Rio grande do Norte se firmava com a divisão dos três poderes: executivo, Legislativo e Judiciário.

A partir de 1908, o tribunal de Justiça foi transferido para onde hoje funciona o prédio do Instituto Histórico e Geográfico do RN, até 1933.

em 1927, foi aberto na Comarca de Pau dos Ferros um processo contra Lam-

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pião e seu bando acusado de destruição do patrimônio público, roubos e furtos. Após longos 72 anos, o processo foi ar-quivado pelo juiz de Pau dos Ferros João Afonso Morais Pordeus. Fatos registra-dos e guardados, graças à criação do Memorial desembargador Vicente de Lemos fundado em 2009 com o objetivo de preservar a memória do Poder Judi-ciário no RN.

o memorial surgiu através da de-terminação do historiador e servidor do tJRN eduardo gosson, que fez o pro-jeto e apresentou ao então presidente do tribunal o desembargador Ítalo Pinheiro em 1999. Após 10 anos, entre licitações

e obras, o memorial (prédio) foi inaugu-rado pelo então presidente desembarga-dor osvaldo Cruz e entregue ao públi-co (com acervo organizado) em 2009, pelo desembargador Rafael godeiro e hoje abriga as histórias e fatos marcan-tes envolvendo a justiça estadual nesses 120 anos de existência comemorados em julho passado. “Sinto-me realizado, porque foi um projeto de vida. Quan-do iniciei, muita gente dizia: - desista”, afirma Eduardo Gosson.

Um fato importante é que a sede onde hoje funciona o Memorial da Jus-tiça do RN foi a casa do médico e polí-tico Cipriano Barata. o antigo casarão,

construído em 1911 por seu neto Afonso Barata, ao estilo da arte noveau, teve que ser tombado como Zona de Preservação Histórica no Bairro da Cidade Alta em Natal. Na sede estão preservados, do-cumentos, fotos e objetos de destaque para o judiciário potiguar, como o pro-cesso arquivado contra Lampião. Além disso, algumas peças foram doadas por familiares do desembargador Vicente de Lemos, patrono da instituição, como um relógio e uma lamparina doados recen-temente pelo seu tataraneto.

o memorial tem como coordenador o desembargador aposentado ivan Mei-ra Lima, guia thiago gosson e coorde-

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Relógio doado por familiares e o Memorial da Justiça

nador técnico o historiador Eduardo Gosson. “A importância é a preservação de um patrimônio, que poderia se acabar com o tempo. Aqui, tem uma função paradidática, porque recebe-mos alunos de direito e de outros cursos e turistas. Precisamos divulgar mais esse espaço”, revela eduardo gosson.

o antigo casarão, com 101 anos completados em julho, guarda ainda móveis doados pelo então governador sylvio Pedroza em 1951. Lembranças da importância de uma épo-ca para a história do Rio grande do Norte se misturam a documentos e fotos contando um pouco do Poder Judiciário potiguar. Ao longo desses 120 anos, passaram 108 desembar-gadores, sendo a última empossada a desembargadora Maria Zeneide Bezerra em 2010.o Na presidência passaram 60 ma-gistrados, sendo a atual desembargadora Judite Nunes a pri-meira mulher a comandar o tribunal de Justiça do RN.

Nas comemorações pelos 120 anos, duas homenagens: de-sembargadores Zacarias Gurgel Cunha (presidente do TJ de 1960 a 1965) e José Teotônio Freire, que foi o desembargador

a passar mais tempo na presidência, exatos 13 anos consecu-tivos. teotônio Freire foi sogro de Câmara Cascudo e a sua história está contada em livro que foi lançado em 25.07.2012 com título “Teotônio Freire: Fragmentos de um legado” escri-to pela neta Anna Maria Cascudo Barreto e com a colabora-ção de Francisco Anderson Tavares (genealogista) e coordena-ção de eduardo gosson. o prefácio foi escrito pela presidente Judite Nunes e a orelha pelo escritor Valério Mesquita.

Histórias, fatos, lembranças e homenagens. o Poder Judi-ciário do RN abriga ainda nomes ressaltados até hoje como referência no direito, como o Ministro da Justiça seabra Fa-gundes, que foi o desembargador mais novo do Rio grande do Norte com apenas 25 anos. Foi ainda advogado e delegado de polícia, presidente do TJRN e TRE/RN. Nos registros do me-morial, há uma galeria de fotos de potiguares que chegaram a ministros do stJ como Francisco Fausto, emanoel Pereira e José delgado e outros.

o trabalho de pesquisa e principalmente busca por docu-

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mentos, fotos e objetos registrando a histó-ria do Poder Judiciário levou de dez anos, graças a dedicação do desembargador ivan Meira Lima, eduardo gosson e também presidentes e servidores do tribunal. des-de a instalação do Poder Judiciário, depois do Palácio do governo e instituto Histó-rico e Geográfico, passou a funcionar no imponente solar Bela Vista, num dos pon-tos mais tradicionais de Natal de 1934 até 1937. depois, no prédio da oAB, de 1938 até 1946, até chegar a sede atual em frente à Praça sete de setembro em 1976. Na época dom Nivaldo Monte, tio da atual presidente Judite Nunes, abençoou as novas instalações do tribunal de Justiça do Rio grande do Norte, no governo de tarcísio Maia.

Solar Bela Vista: Terceira sede do Poder Judiciário no RN

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Nesses 120 anos de história, o Po-der Judiciário do RN tem o que co-memorar?

temos muito a comemorar. A evolu-ção do Judiciário Potiguar em todos esses anos acompanhou, como não poderia deixar de ser, as mudanças institucionais e sociais pelas quais passou nosso país. Nosso tribunal foi criado em 1892, e nesses 120 anos mudou o nome, mas não o ideal de Justiça que sempre permeou nossa Corte. e dessa história temos muito orgulho. Por aqui passaram grandes no-mes e consolidaram-se muitas conquistas.

Quais foram as principais conquis-tas do TJ ao longo desses anos ?

Acho que as principais conquistas são sempre as institucionais e ao longo desta história aqui se consolidou a marca da independência, que permite aos seus membros atuar na defesa da liberdade e dos valores democráticos, dos direitos

individuais e coletivos e das prerrogati-vas da cidadania. e, mais recentemen-te, outros tantos avanços institucionais podem ser vistos e sentidos, como a abertura ao público e à sociedade, seja através da transparência, com coragem para enfrentamento dos seus verdadeiros problemas, seja com a adoção de uma postura absolutamente voltada para a sociedade, através de constante amplia-ção de acesso da população e até mesmo de realização de um grande número de programas sócio-ambientais, que apro-ximam o magistrado da população e o deixa apto a proferir julgamentos mais afinados com os anseios sociais.

Quais os momentos mais marcan-tes da história do TJ?

Foram muitos, mas gostaria de ci-tar dois. Foi neste Plenário que o emi-nente jurista Miguel seabra Fagundes construiu os alicerces do novo direito Administrativo em nosso país, com a

delimitação precisa e até então obscura das relações entre os Poderes do estado. Foi aqui no tJRN, nos anos 40 do sécu-lo passado, que se aclararam os limites entre a legalidade e a discricionarieda-de dos atos administrativos, traçando a verdadeira função do Poder Judiciário perante os atos dos demais Poderes. este tribunal viu surgir, e ajudou a construir, com a preponderância do pensamento de seabra Fagundes a obra que norteou todo o pensamento administrativista em nosso país: do Controle dos Atos Admi-nistrativos pelo Poder Judiciário.

também foi no tribunal de Justiça do Rio grande do Norte que, em 1949, pela primeira vez no Brasil, surgiu uma emenda Regimental que permitia ao advogado participar da fase de discussão dos julgamentos, fazendo nascer a hoje conhecida sustentação oral nos tribu-nais. essa, na minha visão, foi uma das mais democráticas e úteis inovações do Processo do país.

A PResideNte do tJRN FAZ UM BALANço desses QUAse dois ANos de AdMiNistRAção e FALA dos 120 ANos dA HistóRiA do PodeR JUdiCiáRio No Rio gRANde do NoRte. Ta

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// entrevista

Desembargadora Judite Nunes

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O Tribunal de Justiça enfrentou uma exposição na mídia envolvendo as questões sobre o pagamento dos pre-catórios. Como o TJ deve sair desse episódio? Haverá um fortalecimento da instituição? Todas as providências necessárias foram tomadas para se esclarecer os fatos?

tenho absoluta convicção de que o Judiciário estadual saiu fortalecido desse episódio. Apesar das adversidades, das incompreensões e da desconfiança pública, tenho a certeza de que os anos vindouros apresentarão uma instituição que sou-be reconhecer, enfrentar e corrigir seus erros. o Judiciário to-mou todas as medidas necessárias para que fosse realizada uma ampla investigação dos fatos pelos órgãos de controle externo, agindo com a máxima transparência e pautado apenas pela busca da legalidade. Ao mesmo tempo já reformulando o setor de precatórios, implantando-se novos procedimentos e rotinas para assegurar maior fiscalização interna e transparência no pagamento dos precatórios, o que pode ser acompanhado dire-tamente pelos interessados na página do tribunal na internet.

Acha correta a medida da divulgação dos salários dos servidores e magistrados?

independente do meu pensamento pessoal e da possibilidade de ter havido forma diversa de dar transparência aos gastos do Judiciário, a divulgação é uma obrigação por lei e por Resolução do Conselho Nacional de Justiça, que o tribunal de Justiça do Rio grande do Norte cumpriu no prazo e no modelo determi-nado. Aproveito para reafirmar o que já venho dizendo através da imprensa: não há na folha do Judiciário potiguar pagamentos acima do teto constitucional, nem qualquer irregularidade nos valores pagos. Inclusive fizemos uma auditoria na folha de pesso-al e não foi encontrado qualquer erro por parte do CNJ.

Qual o legado que fica desta gestão? Não quero olhar para o passado e muito menos atribuir

culpa a quem quer que seja, mas acredito que alguns episó-dios ocorridos anteriormente colocaram o Judiciário potiguar em uma situação de grande dificuldade orçamentária e finan-ceira. Receber um orçamento que termina no meio do ano, como ocorreu em 2011, não é fácil. ter um quadro funcional desfalcado em quase 40% e não ter folga no orçamento para

contratar sequer um servidor, igualmente não é fácil. ter o nú-mero de magistrados reduzido em 1/3 (um terço) e, mesmo tendo aumentado substancialmente o orçamento que nos foi deixado, não haver nenhuma possibilidade de nomear um úni-co Juiz substituto durante toda a gestão por absoluta falta de condições financeiras, também não é fácil. Por isso acho que o grande legado que deixo ao próximo Presidente é o de ter permitido que o tribunal, em continuando com algumas me-didas de austeridade por mim iniciadas, possa ao menos ser administrável. sob outro ângulo, acredito que o grande legado de minha administração tenha sido a transparência e a firme-za para enfrentar os problemas que efetivamente surgiram em nosso tribunal de Justiça.

Apesar das dificuldades, houve alguma conquista espe-cífica dos magistrados em sua gestão?

Várias, inclusive o atendimento de alguns pleitos históricos. Na minha gestão foi fixada a ajuda de custo para mudança de comarca e a implantação do auxílio alimentação para magis-trados. No início da gestão retomamos o pagamento da PAe, que estava suspensa, e continuamos o seu pagamento até o pre-sente momento. eliminamos a limitação de pagamento de di-árias, que existia anteriormente. encaminhamos e aprovamos a redução da diferença de entrância para 5%. e aprovamos no Plenário, para encaminhamento à Assembleia Legislativa, o projeto de Lei de criação dos cargos de Assistentes para to-dos os Juízes do Estado. Acredito que, dentro das dificuldades financeiras, representou um grande esforço para atendimento de antigos e merecidos pleitos dos magistrados.

A senhora irá se despedir da presidência do TJ no final do ano. Apesar das dificuldades, a sua gestão foi muito elogiada por todos do meio jurídico e de outras áreas. Como a senhora gostaria de ser lembrada na sua car-reira e presidência no TJ?

Apenas como uma pessoa que não abriu mão de cumprir com suas obrigações funcionais. Que não pecou pela omissão. É assim que estamos pautando nossa administração a frente do tribunal de Justiça. da mesma forma que sempre atuei como magistrada.

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“O pequeno Édipo:dos seus personagens de infância que entoavam o “cisne branco” ao médio-volante do futebol que não lhe cumpriu a promessa”

o menor impúbere Édipo, que naquele tempo contava 13 anos de idade, nunca pensou em sua infância em seguir a carreira militar por alguns motivos bem evidentes.

em primeiro lugar, não possuía uma estrutura física para ingressar em uma escola militar porque, além de ser franzino e um menino hipocondríaco, herdara uma acen-tuada miopia de sua mãe que o faria com 18 anos a usar óculos de grau. depois, não havia no álbum de retratos de sua família a figura do seu pai, de um tio, ou de um an-tepassado seu que, abraçando a carreira das armas, tivesse defendido a Pátria, a Cons-tituição e a Democracia, conforme discursa a Constituição Federal quando se refere às Forças Armadas. Por fim, sua mãe, Dona Jandirinha, possuía o ideal de fazê-lo médico e ela jamais enalteceu a imagem do militar, quer fosse do exército, quer fosse da Mari-nha, abrindo exceção para a Aeronáutica, cujo uniforme azul ela o considerava o mais fascinante de todos, mas assim mesmo se trajado por um oficial de coronel para cima com todas as comendas estampadas garbosamente no peito varonil.

Na verdade, o menino Édipo, que um dia pensou em entrar para o seminário, conclusivamente, jamais possuía nenhuma aptidão para a caserna, tanto assim que quando completou 18 anos foi dispensado do serviço militar por insuficiência física tempo-rária, podendo exercer atividade civis, conforme constava em seu certificado de dispensa de incorporação. Mais ou menos durante aquela época, um colega seu de colégio, para quem Édipo perdera o primeiro lugar da classe, fora aprovado no vestibular da escola Preparatória de Cadetes do Ar - ePCAR - e migrou para Barbacena, em Minas ge-rais, onde foi cursar aquela escola militar durante quatro anos, de tal maneira que hoje ele comanda uma unidade militar do CoMAR, trajando o uniforme azul de major--brigadeiro do ar com todas as comendas no peito e três estrelas nos ombros a que tem direito, conforme dona Jandirinha tanto admirava. Mas como Édipo poderia ir embo-ra do seu lar e ficar todo este tempo separado de sua mãe a quem ele tanto adorava?

então, estudando ele no salesiano onde cursava o antigo 1º ano ginasial, o colégio

// artigo

Desembargador Assis Brasil

Juiz convocado

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promoveu uma pequena viagem de navio que ocorreu no inicio de outubro. os estudantes tomaram um navio na Base Naval de Natal e fizeram uma rápida viagem pelo litoral daa cidade quando a certa altura puderam perceber do navio as gigantes-cas palmeiras imperiais do salesiano. esta fora a primeira vez que Édipo entrara na Base Naval de Natal, que fora construída em 1941 durante a Segunda Guerra Mundial, e que ficava bem perto da sua residência, no Bairro do Alecrim.

Havia os marinheiros vivos de sua infância, os marinhei-ros das ruas do Bairro do Alecrim onde ele residia e os mari-nheiros heróis da pátria. Aqueles foram: o sargento José Paulo e o grumete Arnô. os marinheiros das ruas do Alecrim foram Alexandrino de Alencar e Ary Parreiras. os marujos heróis do Brasil eram Pedro álvares Cabral, o descobridor de nossa terra, o Marquês de tamandaré considerado o patrono da Marinha, e o Almirante Barroso herói da Batalha do Riachuelo.

o primeiro marinheiro que o pequeno Édipo conheceu ainda em sua primeira infância fora o sargento José Paulo, um homem branco, jovem, simpático, a quem a sra. Jandirinha houvera sublocado o primeiro cômodo que ficava no final do al-pendre do casarão de número 1229 da Rua Amâncio Barbalho onde mãe e filho residiam. Em razão da base naval se localizar em uma outra rua bem perto da Amâncio Barbalho, é muito provável que, por este motivo, o referido militar tivesse alugado o citado aposento.

-- “Olhe aqui o que trouxe para você” - disse o aludido militar ao menino Édipo, no dia em que foi embora, dando-lhe de pre-sente um boneco, simulacro de um malandro dos morros cario-cas, de cor negra, que, dando-lhe corda, sambava. Como Édipo ficou feliz com aquele brinquedo que aquele homem que não sendo seu pai, seu tio, ou padrinho, lhe presenteara!

depois apareceu o fuzileiro naval Arnô, namorado de Ka-rina, que era uma jovem de 16 anos, prima de Édipo, sobrinha de dona Jandirinha, que viera de João Pessoa passar umas férias aqui em Natal.

em uma bela noite da primeira infância de Édipo, no jar-dim da casa deste, Karina disse-lhe o seguinte: -- “Quando você olhar á noite para o céu, lembre-se de mim porque, quando eu voltar para casa lá em João Pessoa, estarei no jardim de minha casa olhando para a lua lembrando-me de você”. -- isto parece ser troca de juras de amor

entre dois namorados, mas fora o que Karina falara a Édipo, conquistando-lhe o coração. Porém, no dia seguinte, apareceu o grumete Arnô que lhe furtou Karina, levando-a para assistir a um filme, juntamente com ele, o infante Édipo, mas este, com muito ciúme, ficou bem longe do casal de pombinhos dentro do cinema, passando vários dias sem falar com ela.

o Almirante graduado Alexandrino Faria de Alencar que vivera de 1848 a 1926, tendo nascido na cidade de Rio Pardo, Rs, fora um político brasileiro, senador durante a República Velha e quando faleceu foi sepultado com honras de chefe de estado. Pelo que consta, não possuía nenhum vínculo quer seja com o Rio grande do Norte, quer seja com a cidade do Na-tal, ou mesmo com a construção da Base Naval nesta capital, mas deu nome a uma comprida Avenida do Alecrim, talvez a maior de todas em extensão deste bairro. A mesma se iniciava na antiga studebaker onde era proibido ao menino Édipo trafegar com o seu velocípede, sendo que esta avenida se estendia até o hospital dos alienados quando este foi transferido com os seus hóspedes insanos, atrozes enfermeiros e instrumentos de uma psiquiatria bem própria da idade Média da Rua Fonseca e silva onde funcionou até o término da década de 1950 para o final da aludida avenida.

A Alexandrino de Alencar era a avenida que assistia todas as manhãs de um determinado tempo à dona Jandirinha e ao pequeno Édipo caminharem pelo seu chão ainda quase total-mente arenoso para tomarem o leite tirado do peito da vaca no curral do Seu Pedro, que ficava bem perto do abrigo Juvino Barreto; era a avenida onde residia a professorinha elêucia, uma jovem acadêmica da escola de engenharia que ensinou durante algum tempo e dentre outras lições de natureza matemática, o sistema métrico decimal ao infante Édipo que desde aquela épo-ca já padecia de uma alergia intelectual congênita para com a ciência de Pitágoras; fora a avenida onde o vestibulando Édipo, na noite em que soube de sua aprovação no vestibular de direi-to na UFRN, ensaiou uma pequena maratona, quando correu estimulado de alegria de sua casa à Rua Amâncio Barbalho até a residência dos seus primos na Avenida oito cerca de uns dez quilômetros em muitos poucos minutos, logo depois que saiu o resultado pela tV Universitária.

Já o Almirante Ary Parreiras, fluminense de nascimento da

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cidade de Niterói, tendo vivido de 1893 a 1945, além de militar também foi político, exercendo grande influencia na Revolução de 1930, tendo sido nomeado pelo presidente getulio Vargas in-terventor do estado do Rio de Janeiro de 1931 a 1935. durante a Segunda Guerra Mundial, veio residir com a esposa e os filhos em Natal, onde mandou construir e comandou a Base Naval desta capital que foi batizada com seu nome. Faleceu na mesma cidade onde nascera, ou seja, em Niterói, RJ, no ano de 1945.

A Ary Parreiras se iniciava a alguns passos do cemitério do Alecrim, encontrava-se com a base naval e depois seguia trans-formando-se em uma ladeira muito pouco íngreme descendo até a guarita que não abrigava nenhuma sentinela, mas uma encruzilhada conhecida como quatro bocas’.

-- Ó de casa, quem quer comprar galinha? -- Foi assim que se fez anunciar da porta de entrada da casa à Rua Ary Parreiras a pes-soa galhofeira e um pouco esguia do octogenário avô materno do pequeno Édipo que chegou para visitá-lo no dia da mudan-ça. esse fora o primeiro imóvel daquela rua que abrigou o lar de dona Jandirinha e Édipo, o qual ficava à Rua Ari Parreiras, entre a Borborema e a base naval, onde eles dois, mãe e ofilho, residiram somente por uns três meses. Foi também neste imóvel que o infante Édipo acompanhou pelo radio com uma sintonia bastante deficiente que tornava a transmissão quase inaudível, alguns momentos da inauguração de Brasília presidida pelo en-tão presidente da Republica que era Juscelino Kubitschek, no dia 21 de abril de 1960; era neste imóvel que Édipo costumava ficar à janela olhando para o Joãozinho, um menino do seu ta-manho que morava em frente, com a vã esperança de que, a qualquer momento, aquele garoto atravessasse a rua para vir brincar com ele que vivia uma infância órfã também da compa-

nhia de crianças de sua idade. Algum tempo depois, dona Jandirinha se mudou deste imó-

vel para outra casa na mesma Rua Ari Parreiras, lá na guari-ta. esta casa tinha um oitão onde o infante Édipo se encantava vendo as lagartas se transformando em borboletas em um im-pressionante processo biológico de metamorfose e possuía por vizinha da frente do outro lado da rua a família de um professor da Escola Agrícola de Jundiaí de Macaíba, cujo terceiro filho da mesma idade da do pequeno Édipo, encontrar-se-ia com o mesmo, em uma imediata quadra da sua vida, uns oito anos mais tarde, quando Édipo adolescera.

o primeiro marinheiro herói da pátria que não somente o pequeno Édipo conheceu através dos livros escolares, mas todos os brasileirinhos em idade escolar chegam a conhecê-lo, tratou--se da figura ímpar do navegador português chamado de Pedro álvares Cabral, creditado como o descobridor do Brasil. Logo que foi alfabetizado aos cinco anos de idade, o pequeno Édipo foi apresentado ao mesmo: um homem de cor branca, de meia idade e de rosto oval, com hirsuta barba, estampada nos livros de historia, mas também na cédula brasileira de mil cruzeiros que vigorou entre 1942 a 1967.

-- Mas se Cabral não tivesse descoberto o Brasil, outro o teria desco-berto. Foi assim que um motorista de táxi falou para Édipo em Lisboa, Portugal, quando este estava visitando pela primeira vez em sua vida a vetusta capital lisboeta no ano de 2000, antes de deixá-lo no hotel que ficava, por coincidência, na Avenida Pedro Álvares Cabral. Édipo ficou surpreso com esta afirmação do taxista português minimizando a importância histórica do navegante descobridor do Brasil.

o almirante ou marquês de tamandaré, cujo nome de ba-tismo era Joaquim Marques Lisboa, nascera na cidade do Rio grande, Rs, em 13 de dezembro de 1807 e falecera na cidade do Rio de Janeiro, RJ, em 20 de março de 1897. este macróbio herói da pátria pois veio a falecer com a incomum idade de 89 anos no final do século XIX, quando a media de vida dos bra-sileiros não chegava aos 50 anos de idade, despontou aos olhos do escolar Édipo como um idoso de olhos expressivos, apresen-tando uma calvície parcial, cujo rosto era circundado por uma barba totalmente alvacenta que se interligava com uma escassa cabeleira também encanecida, conforme era estampado nas cé-

Base Naval de Natal

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dulas de um cruzeiro daquela época onde se lia em cima a fra-se com todas as letras maiúsculas REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL e no verso da cédula se via a estampa da escola Naval. Com esta cédula de tamandaré que sua mãe cos-tumava lhe dar, Édipo muitas vezes comprava um polí na bodega do Seu Taveira à Rua Amâncio Barbalho, ou então pagava a passagem de ônibus de sua residência até o salesiano na Ribeira onde estudava, pois para ir sentado e bem mais rápido na lota-ção albatroz que nunca parava na parada da porta de sua casa já que sempre vinha lotado das Quintas, ele teria de pagar três cruzeiros pela passagem.

Para não dizer que o velho marinheiro não batizou nenhum bem público da cidade do Natal na época da infância de Édipo, existia e ainda existe a Praça Marquês de tamandaré, conforme se encontra indicado na placa localizada na referida praça, já na fronteira do Alecrim com o Bairro da Cidade Alta, onde foi erguido um busto do provecto almirante. esta praça onde sem-pre no dia 13 de dezembro a Marinha de guerra comemorava festivamente o dia do marinheiro, durante a gestão do prefeito djalma Maranhão era embelezada por uma fonte luminosa que encantava os olhos do então infante Édipo. em 1964, com o advento da ditadura militar que depôs o então prefeito djalma Maranhão, a praça foi esquecida e abandonada pelos sucessivos governos municipais, servindo apenas de repouso para algum andarilho da cidade, tal qual como fazia o Édipo, já rapaz, uma vez se encontrando na Cidade alta, se dispunha a retornar para casa a pé, descia a Rio Branco, repousava um pouco em algum banco da aludida praça, para depois continuar a sua caminhada em busca da Rua Amâncio Barbalho onde residia.

“O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever” esta foi a céle-bre frase que o infante Édipo ficou conhecendo quando cursava o antigo primário no ginásio salesiano são Jose, a qual teria sido proferida pelo almirante Barroso durante a Batalha do Ria-chuelo, na guerra do Paraguai, e que o imortalizara bem mais do que pela própria vitória nesta batalha.

tirante estes patriotas tanto os desconhecidos quantos os ilustres que pertenceram à gloriosa Marinha de Guerra do Brasil, havia o Riachuelo Atlético Clube, time de futebol que disputava o campeonato estadual de futebol formado pratica-mente por militares da Base Naval de Natal, clube onde jogava

um médio-volante chamado de Clodoaldo, que, para que fique bem esclarecido, não seria o mesmo da seleção brasileira de futebol, também médio-volante, que conquistou o tricampe-onato no México, em 1970. o Clodoaldo do Riachuelo, que se tratava de um irmão mais velho do futuro craque Marinho Chagas que atuou na seleção brasileira na Copa do Mundo de 1974, Édipo o conheceu nos seus 10 anos de idade, tornando-se por conveniência torcedor daquele time naval porque o mesmo lhe prometera levá-lo para assistir a um jogo do riachuelo no Juvenal Lamartine. A bem da verdade, o seu coração infantil nunca deixou de pertencer ao clube atlético potiguar que tinha a mesma cor rubro-negra igual á sua outra paixão futebolística que era o clube de regatas do flamengo da cidade maravilhosa do Rio de Janeiro.

Um dia, chegou à residência do pequeno Édipo esta refe-rida pessoa de Clodoaldo que deveria ter uns 18 anos de idade para tratar de algum assunto com dona Jandirinha na qualida-de de emissário de sua mãe dona Maria de deus, certamente algum empréstimo em dinheiro já que esta costumava tomar dinheiro emprestado à mãe do Édipo. A partir deste dia, nasceu uma amizade entre o infante Édipo e Clodoaldo precisamente porque, por uma coincidência, há poucos dias atrás, aquele, li-gando o rádio casualmente em uma tarde de domingo daquele ano, acompanhara pela primeira vez em sua vida uma parti-da de futebol, quando o riachuelo jogando contra o globo pelo campeonato estadual de futebol daquela temporada, ganhara deste, segundo o narrador da rádio Poti que transmitira o jogo naquela ocasião, “com um gol de cabeça feito pelo médio-volante Clodo-aldo, ao apagar das luzes do espetáculo”.

depois daquela derrota sofrida pelo riachuelo na pelada de meio de semana no CIAT, em razão de, “infelizmente Édipo não ter sido um bom mascote”, conforme ele afirmara na via-gem de volta, o médio-volante Clodoaldo nunca mais apareceu na residência do infante Édipo. será que qualquer dia destes, Édipo, já no outono da vida, não recebe a visita do referido mé-dio volante convidando-o para assistirem a uma partida de fu-tebol no estádio Arena das dunas, não algum jogo do riachuelo que não mais existe há bastante tempo, mas de alguma obscura seleção africana que tenha se classificado para Copa do Mundo de 2014?

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no atode julgar

// religiosidade

FéAmor, paz, verdade, caminho. toda pessoa, de cer-

ta forma quando procura uma religião a seguir busca o alimento espiritual necessário para a sua evolução. A religião é uma das alavancas da inteligência humana e deve buscar uma harmonia entre as leis divinas e mate-riais. A discussão entre os tipos de religiões já é algo há muito infundado, sendo o mais importante a se destacar é a religiosidade entre as pessoas.

No exercício de uma profissão como juiz, onde jul-gar um ser humano não é tarefa fácil, a proximidade de uma religião pode ter um valor significativo, na visão do juiz do Juizado especial Múcio Nobre espírita há mais de 30 anos. “Tem um olhar mais humano na hora do julgamento. Uma postura mais cristã em relação às pessoas e uma responsabilidade maior, por causa da lei de causa e efeito, que o espiritismo nos fala”, revela o magistrado.

Apesar de ter nascido em berço católico, chegou até a pensar em ser padre, o juiz Múcio Nobre se tornou espírita a partir de questionamentos como a existência da reencarnação, um dos princípios básicos da doutrina Espírita codificada pelo francês Allan Kardec.

independente da religião a ser seguida, para quem acredita na existência de deus, sempre há uma busca pelo reconforto espiritual na vida pessoal e também profissional. Busca essa ainda maior quando se traz questionamentos sobre a justiça divina e dos homens. “Não tenho como fixar, concretamente a importância da religião na carreira dos juízes, mas posso afirmar que a religião imprime no juiz a necessidade de estabelecer a responsabilidade como norte de seus julgamentos. A

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Bendito o homem que confia no senhor, e cuja esperança é o senhor”.Jeremias 17.7

noção de certo e errado e de responsabilidade pelos erros cometidos é um con-ceito cristão por excelência. Ao lado disso, o juiz católico sabe quais as graves consequências que podem advir da parcialidade dele, ou de seu descompro-misso com a justiça, pois Pilatos foi o juiz de Jesus Cristo e teve medo de con-trariar a opinião pública, condenando o Filho de Deus à morte. O maior erro judiciário da história, como se costuma dizer. Assim, as noções de fidelidade à consciência individual, à verdade e à justiça tendem a ser reforçadas pela religião, o que certamente contribuiu para formação de bons juízes”, afirma o juiz da comarca de são gonçalo do Amarante odinei draeger. ele veio de uma família com mais de quatro séculos de tradição luterana e se converteu ao catolicismo apenas em 2007.

Para o juiz Reynaldo odilo Martins soares, evangélico da Assembleia de Deus, ser cristão é ser diferente em qualquer área da vida. “Analisando as diversas religiões, observei que somente o Cristianismo possuía uma base dou-trinária sólida e convincente: a Bíblia sagrada. Creio na Bíblia por ser a infa-lível e inerente Palavra de deus. Ao entender que Jesus Cristo é o senhor dos

Juiz de São Gonçalo do Amarante Odinei Draeger

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senhores, o Rei dos reis, o deus do Universo, resolvi entregar minha vida a ele, passando pelo processo do Novo Nascimen-to, conforme Jesus declarou ao rabino Nicodemos “Na verda-de, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo não pode ver o Reino de deus.” ser evangélico é esta experiência que vivo, pois o evangelho no pensamento paulino é “o poder de deus para salvação de todo aquele que nele crer”, revela o juiz Reynaldo odilo Martins soares.

A religião é uma essência da vida e reflete em atitudes diá-rias, seja no trabalho ou na vida pessoal. Não há como distan-ciar uma da outra. existem várias associações ligadas a deter-minadas profissões, que atuam como facilitadoras no melhor desempenho das atividades. Um exemplo é a Abrame – Asso-ciação Brasileira dos Magistrados espíritas com 8 membros no Rio grande do Norte. segundo o juiz associado Múcio Nobre, a associação existe para debater assuntos ligados a defesa da

vida, suicídio, violência contra a mulher, aborto, anencéfalos, questões essas, muitas vezes enfrentadas em processos judiciais. “Na minha visão como espírita, nós devemos programar nossas ações dentro dos princípios evangélicos de simplicidade, mise-ricórdia, humildade e seguir o exemplo de Jesus. Nós somos depositários dos valores de nossa função e devemos nos pautar pelo evangelho” afirma o juiz Múcio Nobre.

o ser humano vive em constante busca pela evolução, seja espiritual ou profissional, e a religiosidade é fundamental para ajudar nesse processo, como afirma o juiz evangélico Reynaldo Odilo Martins Soares “O Cristianismo é um sistema de vida compreensível, que responde às perguntas mais antigas da hu-manidade: de onde eu vim? Por que estou aqui? Para onde estou indo? A vida tem algum significado e propósito? Com essas respostas fica mais fácil definir a nós mesmos, - isso se chama autoimagem, bem como elas nos fornecem subsídios

Juiz Múcio Nobre - 6º Juizado Especial Cível da Comarca de Natal

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para compreendermos nossa importân-cia no mundo, isso se chama autoestima, e leva-nos a entender que a pessoa que mais nos causa problemas somos nós mesmos, - isso se chama autocrítica. tais julgamentos pessoais prévios outorgam elementos indispensáveis na árdua tarefa de compreender a realidade do outro, a quem julgamos. Por outro lado, os valo-res morais decorrentes do Cristianismo estão impregnados fortemente de con-ceitos importantes como justiça, direi-to, amor, compaixão, graça. sem esses postulados inculcados no magistrado, o direito dificilmente será dado na pres-tação jurisdicional, como prelecionou o

insigne professor Miguel Reale, em sua teoria tridimensional, ao colocar o as-pecto axiológico, ou seja, os valores mo-rais insertos no seio social, em paridade com o fato e a norma jurídica, para, a partir dessa análise tripartite, emanar o direito em sua essência, como produto da justiça, dentro daquilo que se chama de “dialética de complementaridade”.

independente da religião, a mensa-gem que fica é a de uma consciência de uma missão a ser cumprida por cada ser humano e na vida de um magistrado que crer em deus uma responsabilidade para com os outros. “Uma reflexão que cos-tumo fazer e sempre me aproxima mais

da religião: eu sou fraco, cheio de falhas, vivo cometendo os mesmos erros. Por que deus então me concedeu o dom da vida? Não haveria muitos motivos para que deus tivesse me criado e, no entanto, aqui estou. esse sentimento de gratidão e amor impele-me para que, por meio da religião, eu possa agradecer e ter uma vida com o máximo de sentido possível. No trabalho, por exemplo, por meio do cuidado com que cada caso recebe e pelo julgamento imparcial e justo que tento dar a todos, em cada oportunidade faço dele uma pequena oração, dando mais sentido à minha vida e exaltando a deus”, conclui o juiz odinei draeger.

Juiz da 3ª Vara de Família Reynaldo Odilo Martins Soares

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Leocádiade Marabá

os bêbados se foram no rumo de casa, mas o Bar das goteiras não dorme - con-fessam as brechas de luz que riscam a porta fechada.

Na solidão, Leocádia de Marabá cuida de seu recolhimento noturno: toma o ba-nho morno, massageia os esporões doídos e besunta os eczemas com óleo de copaíba.

daí abre a gaveta da cômoda e cambaleia abraçada ao bauzinho. sentada na borda da cama, acomoda o tesouro sobre os joelhos. enquanto os cabelos enxugam na toalha sobre os ombros, ela escuta pelo tato as cenas que cada jóia lhe segreda.

Há noites vem se pegando com um pressentimento ruim: a derradeira viagem. e como uma coisa puxa outra, pensa nas escaramuças entre herdeiros depois que ela se defuntar.

Precavida, antecipa a partilha e nela trabalha. trabalha até a hora em que os galos amiúdam o canto. Quer que as prendas se transmitam na mesma brandura com que lhe chegaram, e seus herdeiros, ao saberem por quem os sinos dobram, mais saibam dos legados nos saquinhos de organza, onde se contém a herança de que cada um se fez merecedor.

Mais uma vez ela visita o bauzinho de imbuia com cantoneiras de latão. Passa em revista as relíquias. são jóias, pepitas, pedrarias, algumas de inconfundível valor, vindas a ela na conta de mimos dos homens que a habitaram, e que agora, reunidas sobre seu colo, a empurram para um turbilhão de lembranças.

Leocádia de Marabá fora mulher de cama povoada e coceira sem fim nas entra-nhas. Pássaro de arribada, farejava outonos de colher e invernos de avoar, e ninguém mais que ela soube das rotas das verduras e dos cifrões, o momento dos pousos e das partidas.

// artigo

Geomar Brito Medeiros

Juiz Titular da 11ª Cível de Natal

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Se lhe vinha o boato “Mulher deu dinheiro pras ban-das do Pernambuco!”, ou “Um novo eldorado das quen-gas”, dali a nada ela tirava a conversa a limpo, ponderava tudo e, não raro, apurava os haveres, arrumava as malas e partia. dentre as muitas jóias das muitas colheitas dadas por encerradas, apenas uma era guardada, e o propósito era tê-la para sempre no baú.

- Pense numa dona rodada no mundo! - diziam.e diziam com fundamento, pois as paredes do gotei-

ras estão decoradas com as fotografias de incontáveis paisa-gens e enleios amorosos, uma biografia que a velha nunca renegou:

- todas são eu: tanto a de peitinhos de pitomba quanto a de mamões a caírem.

No apogeu das carnes firmes, macias e roliças, caval-gou-as homens de requinte, grisalhos e com ares de barão, e ninguém mais.

No álbum das paredes ela é vista com alambiqueiros num festival de cachaça em salinas; de chapéu, entre cria-dores de nelore, nas exposições de gado do tocantins; a fazer pose, ao lado de pessoas bem-vestidas, no convés de um navio sobre as águas do solimões.

- olhem a língua no céu da boca! - disparava o fotó-grafo. - Vamos evitar o queixo duplo! - mas o truque nada tinha a ver com Leocádia, boneca enxuta e sem papadas.

o barco deslizando por águas mansas.Com a chegada dos anos 80, a meio caminho da jor-

nada, sentiu rarearem os convites. A geração das garotas mais enxutas tinha a preferência dos barões e ela se viu na conta de descarte.

Cessaram as viagens e banquetes; entraram as espe-luncas e bordéis.

Foi a primeira crise dos seus anos.A vida é uma pedra de amolar: desgasta-nos ou afia-nos, confor-

me o metal de que somos feitos.

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elegeu Marabá como palco para a nova cruzada. e tão logo chegou, e por tudo que viu, praguejou contra a própria sorte:

- são uns brutos, esses homens! - e não estaria de toda enganada.

Mas o destino despejaria a seus pés, pelos seguintes sete anos, os mais polpudos ganhos que jamais imaginara.

errara, pela primeira vez, ao avaliar as potências de um mercado, pelo que estendeu a mão à palmatória. Não levara em conta os pontos que costuram a alma dos garimpeiros, feita de retalhos de amor, e para quem a ternura vale tanto quanto o ouro pesa. Pois Leocádia encantou os brutos exatamente pelo que guarda de doce e maternal, traços seus desde a nascença e que lhe dariam tanta fama.

Não que ainda fosse uma ninfeta, mas continuava tão irre-sistível quanto uma dama de cinema. e tão logo se ouviram das suas ternuras e das suas delícias, num riscar de fósforo Marabá e cercanias arderam de desejos.

serra Pelada, por essa época, era um formigueiro de almas penadas. Muitos garimpeiros, sem que se pudessem contar, não mais sonhavam com os veios de ouro sob a sola das botas, mas sim a 85 quilômetros, na mina cabeluda de Leocádia de Mara-bá. A notícia se espalhou como rastilho de pólvora, e os agen-damentos, para sessões de minutos por sete gramas, tiveram de ser suspensos.

- entenda, minha mocinha! - choramingava o negro Mura-lha. - entenda que é pra remédio! - e a secretária de Leocádia não tinha agenda para a pepita refulgindo na mão do ofertante.

Foi em Marabá que Leocádia viveu a sua hora de estrela, tanto que a cidade se acresceu a seu nome. se os homens não tinham os ares de barão, tinham as pepitas para dar. Muralha é prova disso: desfez-se de tudo que ganhou para investir na jazida dos ouros róseos.

Mas chegou um tempo em que o garimpo de serra Pelada, e as suas cercanias, deu sinais de esgotamento. Com Leocádia

não foi diferente. Há sete anos ela vinha sendo solapada noite e dia, as bananas dinamitando suas chãs. os desmontes das for-mas mais e mais se aligeiraram. de resto, a ternura somente, sem um quê de belezura, a ninguém seduz.

o momento da despedida chegou. Apenas Muralha, agora banguelo, urrava inconformado.

Com o adeus a Marabá, as fotografias nas paredes de-crescem em quantidade, às avessas dos anos, e decrescem na opulência também, beirando a miséria. são imagens pobres e sem fidalguia: trocando dengos com um carvoeiro, em meio a braseiros, do Canto do Buriti; dormindo ao relento no acam-pamento de pescadores de sobradinho; ou se banhando num lameiro, em Pedra de Amolar, no Bico do Papagaio.

Como jamais soubera o que fosse o verdadeiro amor, pen-sou encontrá-lo na gratuidade dos simples. Foi em Pedra de Amolar que se enrabichou por um caçador:

- de quê? eu não ouvi direito - ela pergunta.- das armadilhas, é disso que vivo.- Como assim?- de caçar os bichos da selva para vender. É disso que vivo.- A troco de quê? dessas ninharias?!Quando os dois tresvariavam no fogo de um conhaque a

mais, Leocádia chegou a prometer, avolumada em aspirações e juras de amor, que um dia ainda tirava o amante daquele mun-do. Mas ele, para além de rude caçador, era dono de um humor tão cortante quanto aço de navalha.

- eu é que ainda lhe tiro os couros, minha velha, e de-pois vendo a preço de lobisomem! - troçava, e os amigos gargalhavam.

Leocádia de Marabá vivia na rudeza também, e por muito pouco não perdera a noção do que era grotesco. Mas no dia em que se pegou aprisionando e despenando beija-flores dourados, por encomenda de contrabandistas, foi ela quem se sentiu presa numa armadilha. os monstros do remorso se desacoitaram e ela experimentou o inferno. Calculou ser preciso se livrar dos

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lixos e tentar de novo a vida dos luxos.Na busca de novo abrigo, mariposeou nos rumos que iam

dar nos puteiros, em saia curta e decote raso. Mas as suas so-licitações não passavam da soleira das janelas. em Paraíso do tocantins, alguém, por uma nesga entreaberta, despachou:

- Não temos vaga.- Mas...- As meninas daqui arrumam o salão e os quartos, lavam as

próprias roupas. Já disse, senhora: não há vaga para faxineira.Mesmo diante do veredicto das janelas, Leocádia de Ma-

rabá resistia em enxergar a mulher sem iscas que nela se en-tranhara, aquela que só se revela pelo olhar do outro e que até então era estranha a ela.

Uma sensação de caos se instalou.A vida é uma pedra de amolar: desgasta-nos ou afia-nos.em casa, o amor-próprio não aceitava que ela fosse um

corpo sem cotação nenhuma. Com rigor de olhar, espionava cada pedaço onde os encantos da mulher tomam forma. As mudanças nunca enxergadas foram se mostrando. Ao aplicar o batom, a boca de piano, com seus gomos e sulcos, se revelou; em suas coxas, os vasos avermelhados lembravam uma malha de rios e seus afluentes; cada seio, assim como cada nádega, já segurava um cigarro na prega da base. desesperada, emperi-quitou-se, pegou a bolsinha e foi à desforra.

Não sabia que estava ensaiando o seu canto de cisne, pois naquela noite - a noite da sua derradeira e lúbrica erupção - só pôde encontrar os braços de um gigolô, e o resto de suas certe-zas e de seus dinheiros sangraram como lavas.

Pobre de estima e de recursos, a situação lhe cobrava a venda das prendas. A duras penas, desfez-se de algumas e se entendeu em estado de miséria.

- Ratos!Cumpria agora regressar para a cidade que a viu nascer.- Levo as prendas que sobraram, as fotografias e nada mais.A vida é uma pedra de amolar...

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o artista plástico

e a beleza das suas cores

PedroPereira

// artes

o artista plástico Pedro Pereira, nasceu em Passa e Fica, interior do Rio grande do Norte, e sempre foi um apaixonado pelas artes. Poeta, performer e ativista cultural, um dos seus traços mais marcantes na pin-tura é a expressão da natureza. Já fez expo-sições em cidades brasileiras e países como espanha e Portugal. Pedro Pereira, conhe-cido como “Pedro Peralta”, sempre foi um irrequieto e amante da vida. Mesmo depois do AVC, em 2000 após a morte da mãe, ele não perdeu o brilho de viver. Após a doen-ça, ele ficou em uma cadeira de rodas e com os movimentos das mãos comprometidos, mas superou as limitações faz da arte seu alimento da alma.

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inconstitucionalidade do procedimento previsto pelo Art. 27 do Decreto Nº 227/67 (Código de mineração)

o presente artigo se propõe a lançar um breve olhar crítico sobre um tema cuja jurisprudência consolidada de nosso tribunal de Justiça considera pacificado, mas que, no entanto, chama a atenção por suas características inusitadas em face da realidade moderna do Processo Civil.

tratam-se dos expedientes do departamento Nacional de Produção Mi-neral - dNPM, encaminhando alvarás de pesquisa e determinando a ins-tauração ex officio de procedimento judicial para cumprimento do disposto nos arts. 37 e 38 do Decreto nº 62.934, de 02/07/1968, que regulamentou o Decreto nº 227, de 28/02/1967, alterado pelo de nº 318, de 14/03/1967 (Código de Mineração).

Não fosse a freqüência com que referidas ordens de instauração de de-mandas judiciais chegam às Comarcas de nosso Estado, tão rico em recursos minerais, talvez o expediente chamasse mais atenção diante de seu caráter Kafkiano: instaura uma lide de rito milimetricamente definido, dispensando a atuação de Advogado, sem que haja de fato conflito a ser dirimido e sem

// artigo

Otto Bismarck Nobre Brenkenfeld

Juiz de Direito da 4ª Vara Cível da Comarca de Natal/RNEspecialista em Processo Civil e Processo Penal - ESMARN/UNP MBA em Gestão do Judiciário – FGV/DIREITO-RIO

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que se saiba, ao menos, a identidade das partes envolvidas, fi-xando prazo de 30 dias para julgamento.

Referidos expedientes se fazem instruir por estudos e laudos preliminares de viabilidade de exploração mineral, produzidos pelos titulares dos direitos de lavra, abrangendo áreas de cen-tenas de hectares, sem especificar ao menos quantos proprietá-rios ou posseiros ocupam tal espaço, qual a atividade explorada pelos mesmos, se estes concordam ou discordam com explora-ção mineral a ser ali desenvolvida, e, principal questão, se estes pretendem litigar judicialmente pela indenização por rendas de exploração e reparação dos danos decorrentes da atividade mi-neradora, que sequer se iniciou.

Para contextualizarmos a questão, talvez fosse interessante a transcrição na íntegra do art. 27, do Decreto nº 227/67 - Códi-go de Mineração, que traça o rito de tais demandas.

No entanto, sua extensão e o nível de detalhamento a que descem seus 16 incisos (cujo estrito cumprimento dos prazos é materialmente impossível no mundo real) certamente extrapo-lariam os limites definidos pela Revista, sendo suficientes breves referências ao conteúdo do procedimento instituído.

Em síntese, sua finalidade primordial é definir o valor da renda pela ocupação e da indenização pelos danos decorrentes da exploração de atividade mineral pelo titular de autorização de pesquisa, sendo definidos os parâmetros para a fixação de ambas, cujos limites máximos são o rendimento líquido da pro-priedade e seu valor venal máximo, dispensado o pagamento de renda em terrenos públicos.

Não havendo prova de acordo entre o titular e proprie-tários/posseiros até a transcrição do título de autorização, o dNPM enviará ao Juiz de direito da Comarca onde estiver si-tuada a jazida, cópia do título, determinando ao mesmo que em 15 dias proceda à avaliação da renda e dos danos, atuando, o Promotor de Justiça, como representante da União.

No exíguo prazo de 30 dias a contar da instauração do pro-cedimento, o mesmo deverá ter sido julgado, estabelecendo-se o

valor da renda e indenização que serão depositadas em 8 dias pelo titular (renda de 2 anos e a caução para pagamento da indenização), intimando-se os proprietários/posseiros a permi-tirem o início dos trabalhos de pesquisa, obviamente de tudo comunicando ao diretor-geral do dNPM, além das autorida-des policiais locais, para garantirem a execução dos trabalhos, repetindo-se toda a operação em caso de prorrogação do prazo da pesquisa.

Por fim, comunicada a conclusão dos trabalhos pelo titular da lavra e pelo dNPM, encerra-se a ação judicial, ressalvando--se a possibilidade das partes que se julgarem lesadas requere-rem ao Juiz “que se lhes faça justiça” (art. 28).

Ou seja, o que deveria instaurar o processo (pretensão resis-tida), é reservado à condição de mero adendo ao final do proce-dimento, posterior a uma série de medidas adotadas ex officio, que destoam de toda a sistemática processual vigente relativa às regras de produção da prova pericial, notadamente no que respeita à garantia do contraditório e ampla defesa.

Além da flagrante afronta aos princípios constitucionais da iNdePeNdÊNCiA dos PodeRes e da divisão de suas Funções (“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” Art. 2º CF), ao se impor a um Magistrado um comando dado por chefe de autarquia federal, o procedimento a ser instaurado a partir de referido diploma legal viola igualmente o princípio processual da INÉRCIA DA JURISDIÇÃO (“Nenhum juiz prestará a tu-tela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a re-querer, nos casos e forma legais.” Art. 2º CPC), na medida em que atribui poderes inquisitoriais ao Julgador, que passa a agir por iniciativa própria em defesa dos supostos interesses de pro-prietários/posseiros cujas identidades sequer conhece ao certo.

Abstraída a questão de ordem constitucional e apreciando a matéria unicamente sob o enfoque processual, impõe-se questio-nar se é cabível ao Poder Judiciário substituir-se à parte tida por prejudicada e iniciar um procedimento ex officio, sem que se

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verifiquem presentes as condições da ação pertinentes, notadamente no que respeita ao interesse processual e à legitimidade das partes.

Nesse particular, entendo que não há como se reco-nhecer no superintendente do dNPM legitimidade ou interesse na indenização ou renda a ser recebida pelo posseiro/proprietário das terras onde virá a ser desen-volvida a atividade de lavra de minerais, carecendo-lhe, portanto, a prerrogativa de provocar a tutela jurisdicio-nal para este fim.

Para que haja uma demanda juridicamente viável, faz-se imprescindível a demonstração da pretensão resis-tida, ou seja, não há como se pressupor que o proprietá-rio/posseiro está sendo ou será prejudicado pela lavra de minerais em suas terras, e instaurar em seu favor, porém à sua revelia, processo judicial.

Nesse diapasão, se não houve provocação ao Poder Judiciário por parte do titular do domínio ou posse da área de lavra, pressupõe-se a ocorrência de três possíveis situações, a saber: a) o plano de exploração não chegou a se concretizar, não havendo dano; b) o titular da lavra entrou em entendimento com o posseiro/proprietário extrajudicialmente, reparando o dano causado; ou c) o proprietário/posseiro sequer tem conhecimento da ati-vidade explorada em suas terras.

em todos os casos, não caberia ao Poder Judiciário atuar como CATALISADOR na deflagração do confli-to social, mas sim, esperar que referida lide venha a ser submetida à sua Jurisdição, e só então passar a atuar no intuito de dirimir o conflito instaurado.

o Princípio da inércia da Jurisdição, que pode ser sintetizado pelos brocardos nemo judex sine actore (não há juiz sem autor) e ne procedat judex ex officio (o juiz não pode proceder - dar início ao processo - sem a pro-vocação da parte), vem a ser doutrinariamente desen-

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volvido por Cintra, grinover e dinamarco,1 com a clareza dos mestres de nossas primeiras lições, e se amoldando como luva ao caso concreto:

“O exercício espontâneo da atividade jurisdicional acabaria sendo contraproducente, pois a finalidade que informa toda a atividade jurídica do Estado é a pacificação social e isso viria em muitos a casos a fomentar conflitos e discórdias, lançando desavenças onde elas não existiam antes.”

Conforme destacado no início deste texto, não se desconhe-ce a jurisprudência consolidada do egrégio tribunal de Justiça do Estado (35 acórdãos proferidos desde 2008) no sentido da recepção dos dispositivos do Código de Mineração de 1967 pela Constituição Federal de 1988, e na imposição de que se instau-re efetivamente o procedimento ali previsto, com destaque para recentes Acórdãos das três Câmaras Cíveis do tJRN2 anulando sentenças que declararam a inconstitucionalidade do rito, qua-lificadas como tendo sido proferidas em error in procedendo.

Acerca da matéria o superior tribunal de Justiça editou a Súmula 238, em 10/04/2000, estabelecendo que “a avaliação da indenização devida ao proprietário do solo, em razão de alvará de pesquisa mineral, é processada no Juízo estadual da situação do imóvel.”

o supremo tribunal Federal, por sua vez, pronunciou-se sobre o tema há mais de trinta anos, em sede de Conflitos de Jurisdição julgados da década de 1970, oportunidade em que igualmente fixou a competência da Justiça Estadual3 para seu processamento.

Não obstante tais pronunciamentos das Cortes de Justiça pela vigência da norma, não se deve conceber como natural, à luz dos preceitos mais comezinhos do direito Processual Civil, a instauração ex officio de demanda por um Magistrado, aten-dendo a comando de superintendente de autarquia federal, sem a intervenção de Advogado, na defesa do interesse de terceiros, sequer identificados no processo, e em relação aos quais não se sabe ao certo nem mesmo se efetivamente há interesse em liti-

gar, e com o Ministério Público estadual representando a União.A se admitir a validade dos dispositivos legais sob exame,

aplicando mecanicamente a orientação jurisprudencial domi-nante, o Poder Judiciário estará verdadeiramente subvertendo sua função social, deixando de dar solução aos graves, numero-sos e reais conflitos intersubjetivos submetidos à sua apreciação, para agir no fomento de lides que sequer existem de fato.

Por fim, não há que se cogitar de hipossuficiência presumida do proprietário/posseiro das áreas exploradas pela lavra mine-ral, e mesmo se assim o fosse, a tutela de seus interesses deveria ficar a cargo da Defensoria Pública ou do Ministério Público, órgãos de Estado vocacionados à sua representação em juízo e substituição processual dos menos favorecidos.

em conclusão, e sem a pretensão de esgotar o tema, propõe--se uma releitura crítica dos dispositivos do Código de Minera-ção (Decreto nº 227/67), mais precisamente no que tange ao procedimento instaurado por seu art. 27 e incisos, sob a ótica de sua possível não recepção pela ordem constitucional vigente, no-tadamente à luz do art. 2º da Constituição Federal, sugerindo--se, de lege ferenda, que as atribuições ali delineadas venham a ser assumidas pelo próprio dNPM, como processo administrati-vo prévio à autorização para lavra mineral.

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O inquilinoPara os amantes da língua francesa, vale a pena conferir

“Le Locataire Chimérique”. No melhor estilo Kafka/Nabokov, uma reflexão sobre a insanidade mental que aflige todo ser vi-vente. O vocabulário é um desafio a ser vencido, mas nada que um “Petit Robert” não resolva.

O inquilino (Le Locataire Chimerique) é um romance de Roland Topor, que inspirou Roman Polanski para o seu filme O inquilino (Le Locataire - 1976). Publicado, em primeira edi-ção, em 1964, pela editora Buchet/Chastel. Foi traduzido para o português e lançado pela editora Record.

diz a contracapa da edição francesa de 1996:“Um jovem instalado dentro de um apartamento cuja an-

tiga locatária acabara de se suicidar. ele é calmo, tímido, edu-cado. entretanto, seus estranhos vizinhos desencadeiam logo contra si uma guerra dissimulada. Para que objetivo? os as-sustadores mistérios aos quais ele podia assistir de sua janela existiam em algum lugar além de sua imaginação mórbida? o proprietário é sincero ao dizer este é um imóvel calmo?

Nesse romance, no qual o mais quotidiano realismo alimen-ta o pesadelo, o autor descreve um mundo asfixiante e sórdido, no qual o grotesco ladeia o drama o tempo todo. Ao descrever o funcionamento de uma armadilha destinada a conduzir um homem à sua morte, à sua perda, há uma visão de “pânico” , à qual o romance nos convida.

traduzido no mundo inteiro, o inquilino foi celebrizado por sua adaptação ao cinema por Polanski.

segundo Lemenager gregoire, o autor do livro teve forte influência de Kafka.

• Psychologies.com: “Que romance estranho e fascinante! (...) Dividido entre o horror e a curio-sidade, um jovem meio perdido, discreto e letrado se instala num apartamen-to cuja anterior inquilina acabara de se suicidar. No início, os vizinhos travam contra si uma guerra psicológica. Ambiente misterioso e mórbido que aterroriza. Um romance angustiante, emocionante, no qual o realismo mais banal nutre o pesadelo mais assustador. o dramático e o cômico se irma-nam com talento. O final é inesperado.”

• L’Express: “Este relato fascinante põe em cena um jovem na casa dos trinta, bastante convencional, pouco seguro de si, que se instala num pequeno apartamento parisiense e logo sus-cita a hostilidade dos vizinhos. Cada pequeno ruído lhe faz me-recer repreensões, além de estranhos comportamentos: batidas anônimas à sua porta, olhares inquisidores, injúrias, etc.. Como se refugiar da paranóia? Aguda e grave, a arte de topor é, nes-sa obra, sobretudo de uma esplêndida escuridão”.

// livro

Por Juiz Eduardo FeldJuiz da Comarca de Macau

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