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PRIMEIRA TURMA

PRIMEIRA TURMA...Primeira Turma do Superior Tribu nal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar pro vimento ao recurso. Participaram

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PRIMEIRA TURMA

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA NQ 888-0 - DF

(Registro n Q 91.0003964-0)

Relator: O Sr. Ministro Gomes de Barros Recorrente: Francisco Carlos de Sá Freitas Tribunal de Origem: Tribunal de Justiça do Distrito Federal Impetrado: Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal Advogados: Drs. Jaci Fernandes de Araújo e outros

EMENTA: Incidente de Uniformização de Jurisprudência - Re­curso especial - Recurso ordinário - Fungibilidade.

Divergência pretoriana entre acórdãos de três turmas, sendo duas, integrantes de uma mesma Seção.

É necessário, primeiramente, ajustar o entendimento, no âmbito da Seção. Caso persista a divergência com a Turma componente da outra Seção, remeter-se-á o incidente à Corte Especial, para que se componha o descompasso remanescente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribu­nal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, reconhecer a di­vergência e determinar a remessa do processo à Primeira Seção. Vo­taram com o Relator os Ministros Milton Pereira e Demócrito Reinal­do. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Garcia Vieira.

Brasília, 20 de maio de 1992 (data do julgamento).

Ministro DEMÓCRITO REINAL­DO, Presidente. Ministro GOMES DE BARROS, Relator.

Publicado no DJ de 15-06-92.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO GOMES DE BARROS: O Recorrente impetrou Mandado de Segurança contra o Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

O Plenário daquela Corte negou o Amparo.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997. 77

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Contra o acórdão denegatório, o Impetrante (ora recorrente) inter­pôs recurso extraordinário, recebi­do como ordinário pelo Presidente daquele Tribunal.

O Ministério Público Federal, em parecer emitido pelo E. Subprocu­rador-Geral Antônio Fernando Bar­ros e Silva de Souza recomenda não se conheça do recurso, porque inviá­vel na espécie, a fungibilidade de apelos.

O Recorrente, constatando exis­tir, na espécie, divergência entre a jurisprudência da Primeira Turma deste Tribunal e aquela adotada pelas Segunda e Terceira Turmas, suscita incidente de uniformização de jurisprudência.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO GOMES DE BARROS (Relator): A divergência é patente.

De fato, a Primeira Turma enten­de que:

"Tratando-se de Mandado de Segurança decidido em única ins­tância, o recurso cabível é o ordi­nário, não o especial.

A eleição do especial, no caso, implica erro grosseiro, não se aplicando o princípio da fungibi­lidade.

Recurso não conhecido" (fls. 206).

No Recurso Especial n Q 1.507, a Segunda Turma disse:

"Mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso sem efeito suspensivo: desde que ocorrentes os pressupostos cons­titucionais do mandado de segu­rança (C.F., art. 153, parág, 21) e desde que tenha sido interposto, a tempo e modo, o recurso pró­prio sem efeito suspensivo (por­que, além do mandamus não ser sucedâneo de recursos processu­ais, a decisão irrecorrida é apa­nhada pela preclusão), se do ato judicial resultar a possibilidade de dano irreparável, ou de difícil reparação, admite-se o mandado de segurança para que sejam to­lhidas, de pronto, as conseqüên­cias lesivas da decisão impugna­da. É que o periculum in mora da prestação jurisdicional faz nascer causa petendi de outro direito da ação, assim do direito ao mandado de segurança, distin­to da ação em curso.

Inocorrência, no caso, da pos­sibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação.

Recurso Especial conhecido como Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (CF, art. 105, lI, h; RIISTJ, art. 67, parág.lº, V, e art. 247) e improvido" (fls. 230).

A Sexta Turma também exami­nou a questão, acordando no julga­mento do REsp n Q 5.288:

"Mandado de Segurança. Ilegi­timidade ativa ad causam. Ex­tinção do processo. Recurso.

Qualquer decisão que não seja concessiva de segurança tem ca-

78 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997.

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ráter denegatório, rendendo en­sejo, pois, à interposição de recur­so ordinário. Aplicação, no caso, do princípio da fungibilidade recursal, conhecendo-se do recur­so especial como recurso ordiná­rio.

Ilegitimidade ativa ad cau­sam dos impetrantes perfeita­mente caracterizada.

Recurso improvido" (fls. 244).

Parece-me configurado o dissídio.

Há dissídio entre a Primeira, a Segunda e a Sexta Turmas.

Como esta última compõe a Ter­ceira Seção, a hipótese seria de re­messa do incidente à Corte Espe-cial. .

Parece-me, contudo, necessário que se componha, antes, o descom­passo entre as duas Turmas inte­grantes da Primeira Seção.

Caso a Seção decida pela preva­lência do entendimento esposado pela Primeira Turma, apresentar­se-á o incidente à Corte Especial, para que se supere a divergência remanescente.

Voto, assim, pela apresentação do incidente à Primeira Seção.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA NQ 7.313 - RS

(Registro n Q 96.0038038-4)

Relator: O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros

Recorrente: Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul -Sindicato dos Trabalhadores em Educação - CPERS / Sindicato

Tribunal de Origem: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Impetrado: Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul

Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul

Advogados: Drs. Jorge Santos Buchabqui e outros, e Telmo Candiota da Rosa Filho e outros

EMENTA: Processual e Constitucional- Mandado de seguran­ça - Processo legislativo - Desrespeito ao regimento interno de assembléia legislativa - Conceito de questão interna corporis -Controle judicial - Dispositivo constitucional dependente de regulamentação.

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- o princípio due process of law estende-se à gênese da lei. Uma lei mal formada, vítima de defeitos no processo que a gerou, é ineficaz; a ninguém pode obrigar. Qualquer ato praticado à som­bra dela, expor-se-á ao controle judicial.

- Não cabe Mandado de Segurança, para desconstituir dispositi­vo de constituição estadual, cuja eficácia depende de regulamen­tação.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribu­nal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar pro­vimento ao recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira, José Delgado e Demócrito Reinaldo. Ausente, jus­tificadamente, o Sr. Ministro José de Jesus Filho.

Brasília, 20 de março de 1997 (data do julgamento).

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 05-05-97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: A Recorren­te impetrou Mandado de Seguran­ça contra ato da Presidência da As­sembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.

O ato malsinado se traduziu na inserção de projetos de reforma cons­titucional, entre as matérias a serem apreciadas em convocação extraor­dinária, pelo Legislativo estadual.

A Segurança foi denegada, por­que:

a) "a inobservância de normas do Regimento Interno da Casa Legislativa, no curso da tramita­ção do processo de emenda à cons­tituição, não gera vício de consti­tucionalidade, porquanto são re­gras de âmbito interna corporis."

b) as alterações operadas no texto da Constituição estadual carecem de eficácia imediata, dependendo de regulamentação. Por isto, não podem atingir direi­to individual. Não existe, pois, direito líquido e certo a ser ga­rantido através Mandado de Se­gurança.

A lide vem ao STJ, montada em recurso ordinário.

O Ministério Público Federal- em Parecer lançado pelo eminente Sub­procurador-Geral da República Moa­cir Guimarães Morais Filho - mani­festa-se pelo desprovimento do apelo.

Este o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): A

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moderna ciência política conceitua a liberdade, como a situação em que os homens estejam subordinados a regras jurídicas de cuja elaboração participaram e para cuja reforma estejam aptos a contribuir. (Cf. Dal­mo de Abreu Dallari - O Renas­cer do Direito - Ed. J. Bushatsky - 1976 - pág. 60)

Ora, somente é possível afirmar que o cidadão atuou na formação de determinado dispositivo legal, quan­do tal preceito gerou-se, no seio do Poder Legislativo, em obediência ao processo legislativo traçado na Cons­tituição e normas que a regulamen­tam.

Não é à toa que a Constituição Federal dedica uma Seção inteira ao Processo Legislativo (arts. 59 a 69).

O princípio do due pracess af law estende-se à gênese da lei.

Uma lei mal formada, vítima de defeitos no processo que a gerou, é ineficaz; a ninguém pode obrigar. Qualquer ato praticado à sombra dela, expor-se-á ao controle judi­cial.

Ajurisprudência do Supremo Tri­bunal Federal que afasta do contro­lejudicial os atos interna corporis das casas legislativas deve ser en­carada à luz dos esclarecimentos contidos no primoroso voto do emi­nente Ministro Celso de Mello, no julgamento do MS 21.374:

"Interna corporis são só aque­las questões ou assuntos que entejam direta e imediatamente com a economia interna da corpo­ração legislativa, com seus privi-

légios e com a formação ideológi­ca da lei, que, por sua própria natureza, são reservados à exclu­siva apreciação e deliberação de Plenário da Câmara. Tais são os atos de escolha da Mesa (eleições internas), os de verificação de po­deres e incompatibilidades de seus membros (cassação de man­datos, concessão de licenças, etc.) e os de utilização de suas prerro­gativas institucionais (modo de funcionamento da Câmara, elabo­ração de Regimento, constituição de Comissões, organização de Serviços Auxiliares, etc.) e a valoração das votações.

Daí não se conclua que tais assuntos afastam, por si só, a re­visão judicial. Não é assim. O que a Justiça não pode é substituir a deliberação da Câmara por um pronunciamento judicial sobre o que é da exclusiva competência discricionária do Plenário, da Mesa ou da Presidência. Mas pode confrontar sempre o ato pratica­do com as prescrições constitucio­nais, legais ou regimental que es­tabeleçam condições, forma ou rito para o seu cometimento.

Nesta ordem de idéias conclui­se que é lícito ao judiciário per­quirir da competência das Câma­ras e verificar-se se há inconsti­tucionalidades, ilegalidades e in­fringências regimentais nos seus alegados interna corporis, de­tendo-se, entretanto, no vestíbu­lo das formalidades, sem aden­trar o conteúdo de tais atos, em relação aos quais a corporação

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legislativa é ao mesmo tempo destinatária e juiz supremo de sua prática.

Nem se compreenderia que o órgão incumbido de elaborar a lei dispusesse do privilégio de des­respeitá-la impunemente, desde que o fizesse no recesso da cor­poração. Os interna corporis só são da exclusiva apreciação das Câmaras naquilo que entendem com as regras ou disposições de seu funcionamento e de suas prer­rogativas institucionais, atribuí­das por lei.

É de registrar - ainda que estas observações sejam inaplicá­veis ao caso presente - que a infração à norma do Regimento Interno, que não possua extração constitucional, pode revelar-se passível de controle pelo Judiciá­rio, desde que o exercício abusi­vo do poder pelo Presidente da Casa legislativa implique a nulificação de direitos conferidos aos parlamentares pelo próprio texto da Lei Fundamental, como o de oferecer emendas às propo­sições normativas (CF, art. 65, parágrafo único: art. 166, § 3º) ou o de recorrer, ainda que coletiva­mente, da deliberação das comis­sões legislativas tomada na for­ma do art. 58, § 2º, I, da Carta Política.

Os atos interna corporis -não obstante abrangidos pelos círculos de imunidade que exclu­em a possibilidade de sua revisão judicial - não podem ser invo­cados, com essa qualidade e sob esse color, para justificar a ofen-

sa ao direito público subjetivo que os congressistas titularizam e que lhes confere a prerrogativa institucional à devida observân­cia, pelo órgão a que pertencem, das normas constitucionais e re­gimentais pertinentes ao proces­so de atuação da instituição par­lamentar.

É preciso reconhecer neste ponto - consoante advertiu o saudoso Min. Luiz Gallotti em julgamento neste Supremo Tribu­nal (v. Amoldo Wald, "O Man­dado de Segurança e sua Juris­prudência", tomo II/889 - que

"Desde que se recorre ao Judiciário alegando que um direito individual foi lesado por ato de outro poder, cabe­lhe examinar se esse direito existe e foi lesado. Eximir-se comodamente com a escusa de tratar-se de ato político, seria fugir ao dever que a Constitui­ção lhe impõe, máxime após ter ela inscrito entre as garan­tias fundamentais, como ne­nhuma outra antes fizera, o princípio de que nem a lei po­derá excluir da apreciação do poder judiciário qualquer lesão de direito individual".

Não obstante o caráter políti­co dos atos interna corporis, é essencial proclamar que a discri­ção dos corpos legislativos não pode exercer-se - conforme ad­verte Castro Nunes ("Do Man­dado de Segurança", pág. 223, 5ª ed.) - nem " ... fora dos limites constitucionais ou legais", nem

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" ... ultrapassar as raias que con­dicionem o exercício legítimo do poder".

Lapidar, sob este aspecto, o magistério, erudito e irrepreen­sível, de Pedro Lessa (Do Poder Judiciário, pág. 65), verbis:

"Numa palavra: a violação das garantias constitucionais, perpetrada à sombra de fun­ções políticas não é imune à ação dos tribunais. A estes sem­pre cabe verificar se a atribui­ção política abrange nos seus limites a faculdade exercida. Enquanto não transpõe os li­mites das suas atribuições, o Congresso elabora medidas e normas, que escapam à compe­tência do poder judiciário. Des­de que ultrapassa a circunfe­rência, os seus atos estão su­jeitos ao julgamento do poder judiciário, que, declarando-os inaplicáveis por ofensivos a direitos, lhes tira toda eficácia jurídica." (RTJ 144/494)

Como se percebe, ofensas ao pro­cesso legislativo não traduzem atos internos do Poder Legislativo. Seu controle pelo Judiciário é possível e imperativo.

Imagine-se uma lei complemen­tar aprovada por maioria simples. Estaria o Judiciário impedido de declarar a nulidade de seus dispo­sitivos? - Evidentemente, não!

Quanto à possibilidade de exami­nar-se, em processo de Mandado de Segurança, a constitucionalidade de Lei, esta Turma, já se pronunciou, nestes termos:

"I - Na ação de Mandado de Segurança, o Judiciário aprecia, diretamente, a qualidade jurídi­ca do ato que agride a pretensão do Impetrante. A legalidade ou constitucionalidade da norma em que este se fomenta, pode ser ob­jeto de declaração incidente.

II - É defeso condicionar-se o conhecimento de recurso admi­nistrativo ao pagamento da mul­ta contra a qual se recorre. Reco­lhida a multa, o socorro à autori­dade superior perde o caráter de recurso, para ganhar contornos de ação rescisória."(RMS 4.780-6/SE)

Tenho, assim, como improceden­te o primeiro fundamento do Acór­dão.

O Apelo, contudo, não merece pro­vimento.

É que - como se registrou no Acórdão - as alterações operadas no texto da Constituição estadual criaram normas sem eficácia ime­diata, a reclamarem regulamen­tação. Por isto, não podem atingir direito individual. Não existe, pois, direito líquido e certo a ser garanti­do através Mandado de Segurança.

N ego provimento ao recurso.

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RECURSO ESPECIAL NQ 81.574 - GO

(Registro n Q 95.0064147-0)

Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira

Recorrentes: José Fidelis Soares e cônjuge

Recorrida: Furnas Centrais Elétricas S.A.

Advogados: Drs. Rômulo Gonçalves e Lycurgo Leite Neto

EMENTA: Administrativo. Civil e Processual Civil. Desapropria­ção. Demora no pagamento do preço fixado. Legítimo o socorro da ação ordinária objetivando o ressarcimento. Danos e perdas. Título sentencial transitado em julgado na desapropriatória.

1. Afastada a coisa julgada, legitima-se o socorro da ação ordi­nária objetivando o ressarcimento dos prejuízos causados pelo retardamento no pagamento de valor decorrente do título sentencial transitado em julgado na desapropriatória.

2. O pagamento tardio, durante período toldado por notória es­piral inflacionária, derruindo a expressão econômica da moeda, davante, espelhando indenização de valor simbólico, favorece plei­tear ressarcimento. Desconhecer-se a obrigação de repará-los se­ria a consagração de flagrante injustiça, com manifesta ofensa ao princípio da prévia e justa recomposição do patrimônio desfalca­do pela desapropriação.

3. Acolhimento do pedido, na execução, estabelecendo-se o va­lor da reparação, observando-se o valor fixado pelo título sentencial transitado em julgado e o encontrado na ação ordiná­ria de indenização, com a incidência dos consectários legais.

4. Recurso Provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, na forma do relatório e no­tas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte in­tegrante do presente julgado. Par-

ticiparam do julgamento os Senho­res Ministros José Delgado, José de Jesus Filho e Demócrito Reinaldo. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Humberto Gomes de Bar­ros. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Milton Luiz Pereira.

Custas, como de lei.

Brasília, 20 de março de 1997 (data do julgamento).

84 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997.

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Ministro MILTON LUIZ PEREI- gião, ao prosseguir o julgamento, ne-RA, Presidente e Relator. gou provimento à apelação. O v.

aresto está sumariado nestes termos: Publicado no DJ de 28-04-97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: O egrégio Superior Tri­bunal de Justiça constituiu acórdão, abreviado na ementa in verbis:

"Desapropriação - Fixação do justo preço e demora no paga­mento - Ação ordinária com a pretensão de indenização por da­nos e perdas pelo retardamento (art. 159, Código Civil) - Extin­ção do processo face à coisa jul­gada-Artigos 267, V, 301, §§ 1Q

,

2Q e 3Q, 467 e 469, CPC.

1. Sendo a causa de pedir e pedido na ação ordinária, obje­tivando a indenização por danos e perdas (art. 159, C. Civil), alheios à lide no antecedente processo expropriatório, inocorre eadem ~~usa petendi, davante, desco­gitando-se de coisa Julgada.

2. Arredada a coisa julgada, limitando-se o v. acórdão hostili­zado a confirmar a extinção do processo, apenas reafirmando aquela exceção, o egrégio Tribu­nal a quo deve prosseguir no jul­gamento apreciando as questões subjacentes do direito ou não à pleiteada indenização.

3. Recurso provido." (fi. 333).

Afastada a coisa julgada, o e. Tri­bunal Regional Federal da 111 Re-

"CiviL Ação de ressarcimento de perdas e danos. Ação de desa­propriação. Nova avaliação. Ju­ros compensatórios. Retarda­mento do processo judicial de de­sapropriação.

1. É inadmissível a realização de nova perícia para determinar o valor do bem expropriado, ape­sar de a avaliação ter sido reali­zada em outubro de 1973, porque o valor apurado é corrigido mo­netariamente. Não se pode pre­tender que, ao valor estimado agora, aplique-se correção mone­tária a partir de 1973. O valor do bem expropriado para efeitos de indenização deve ser contemporâ­neo à data da avaliação.

2. Concessão de juros de mora como se fossem juros compensa­tórios, pois mandado contar nos mesmos termos dos juros com­pensatórios, desde a imissão na posse" (fi. 348).

Manifestados Embargos de Decla­ração foram rejeitados por acórdão assim ementado:

"Processo Civil. Embargos de declaração. Análise de acórdãos. Omissão. Inexistência.

Não está o acórdão obrigado a analisar jurisprudência citada pela parte, se decidiu a questão fundamentadamente, com apoio, inclusive, em vários arestos." (fi. 357).

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997. 85

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Com amparo nas alíneas a e c, do inciso lII, do artigo 105, da Cons­tituição Federal, a parte interessa­da interpôs Recurso Especial, ale­gando negativa de vigência aos ar­tigos 159, do Código Civil, 29, do Decreto-lei de nº 3.365/41 e 5º, XXII e XXIV, da Constituição Federal, além de dissenso jurisprudencial.

A recorrida, em suas contra-ra­zões, alega, preliminarmente, a au­sência dos pressupostos de admis­sibilidade.

No mérito, aduz que o v. aresto "está consoante com as disposições legais e constitucionais aplicáveis à matéria debatida nos presentes au­tos, bem como representa o melhor entendimento dos mesmos disposi­tivos legais e constitucionais, face à unânime doutrina pátria e as de­cisões de inúmeros Tribunais."

O ínclito Presidente do Tribunal de origem admitiu a via especial em decisão assim circunstanciada:

"No tocante à alegada contra­riedade à lei federal, estão pre­enchidos os pressupostos de ad­missibilidade do recurso, eis que foram indicados os dispositivos tidos por contrariados e expostas as razões pelas quais tais dispo­sitivos, em tese, foram vulnera­dos. Por outro lado, as normas invocadas foram examinadas pelo acórdão recorrido, estando a matéria, portanto, devidamente prequestionada.

No que concerne à divergência jurisprudencial, encontra-se ela devidamente comprovada, uma vez que enquanto o venerando

acórdão recorrido decidiu que é incabível a indenização por atra­so na conclusão da desapropria­ção com sentença já transitada em julgado, em sentido contrário orientaram-se os arestos trazidos a confronto. À vista do exposto, admito o recurso" (fi. 384).

É o relatório.

VOTO

o SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Conse­qüente de expropriação de imóvel destinado à construção de sub-esta­ção de Furnas Centrais Elétricas S.A., defronta-se com ação ordiná­ria, objetivando o ressarcimento de pagamento de prejuízos causados pelo retardamento no pagamento devido desde a imissão provisória na posse, resolvida na instância a quo, conforme sintetizado na emen­ta do julgado:

"Processo Civil. Administrati­vo. Ação de indenização. Demora no pagamento do valor da desa­propriação. Pedido de nova ava­liação. Juros compensatórios. Pedidos já apreciados e decididos na ação de desapropriação. Coi­sajulgada.

2. Se o pedido de nova avalia­ção e a de juros compensatórios foram apreciados e rejeitados, na ação de desapropriação, tendo a decisão transitado em julgado, não podem os autores, mediante ação autônoma de indenização, pleitear essas parcelas, que já

86 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997.

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foram ocorrência de coisa julga­da.

3. Apelação denegada" (fi. 285).

Essa composição provocou mani­festação irresignatória da parte au­tora, na via Especial, anteriormen­te propiciando reexame por esta Turma, assim estadeado:

"Desapropriação - Fixação do justo preço e demora no paga­mento - Ação ordinária com a pretensão de indenização por da­nos e perdas pelo retardamento (art. 159, Código Civil) - Extin­ção do processo face à coisa jul­gada -Artigos 267, V, 301, §§ 1Q,

2Q e 3Q, 467 e 469, CPC.

1. Sendo a causa de pedir e pe­dido na ação ordinária, objetivan­do a indenização por danos e per­das (art. 159, C. Civil), alheios à lide no antecedente processo expropriatório, inocorre eadem causa petendi, davante, desco­gitando-se de coisa julgada.

2. Arredada a coisa julgada, limitando-se o v. acórdão hostili­zado a confirmar a extinção do pro­cesso, apenas reafirmando aquela exceção, o egrégio Tribunal a quo deve prosseguir no julgamento apreciando as questões subjacen­tes do direito ou não à pleiteada indenização.

3. Recurso provido." (fl. 333).

Sucedeu que, afastada a coisa julgada, o egrégio Tribunal a quo examinando o direito, ou não, à in­denização pedida por danos e per­das, desacolheu o pedido feito na

ação ordinária, segundo compreen­são assim resumida:

"Civil. Ação de ressarcimento de perdas e danos. Ação de desa­propriação. Nova avaliação. Ju­ros compensatórios. Retarda­mento do processo judicial de de­sapropriação.

1. É inadmissível a realização de nova perícia para determinar o valor do bem expropriado, ape­sar de a avalização ter sido reali­zada em outubro de 1973, porque o valor apurado é corrigido mo­netariamente. Não se pode pre­tender que, ao valor estimado agora, aplique-se correção mone­tária a partir de 1973. O valor do bem expropriado para efeitos de indenização deve ser contempo­râneo à data da avaliação.

2. Concessão de juros de mora como se fossem juros compensa­tórios, pois mandado contar nos mesmos termos dos juros com­pensatórios, desde a imissão na posse." (fl. 348).

Daí o surgimento do recurso sob exame, de riste, sublinhando a in­significância da indenização recebi­da (2,662% do valor fixado - fl. 368), plasmando a parte recorren­te:

"J amais se pleiteou que o va­lor apurado nesta ação de per­das e danos fosse reajustado a partir do longínquo ano de 1973, senão a partir da data da reali­zação da perícia de fls. 164, ou seja, 13.06.1986" (fl. 365).

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997. 87

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Bem se coloca, pois, que se plei­teia o ressarcimento de danos pelo tardio pagamento (art. 259, Código Civil). Logo, convém comentar a respeito da adequação da ação, de­pois de encerrado o processo expro­priatório, transitada em julgado a respectiva sentença e cumprida a execução.

Desse modo, à mão de alertamen­to para o convencimento, levanta­se que a ação de ressarcimento de danos é posterior àquela da expro­priação, por isso mesmo ficando ar­redada a coisa julgada material (art. 467, CPC). Constituídas razões jurídicas suficientes, extraindo-se, que os efeitos do antecedente julga­do restringiram-se aos fatos con­temporâneos à ocasião da sentença, apenas alcançando a situação jurí­dica resolvida, sem influência sobre os fatos supervenientes (James Goldschimidt - in Derecho Pro­cessual Civil, pág. 390 - trad. es­panhola - 1936 - in RTJ 108/887).

Em assim sendo, aponta-se:

"Desapropriação.

Legítimo é o socorro à ação or­dinária com o objetivo de atuali­zar o preço fixado para a indeni­zação, quando o poder público retarda o devido pagamento" (RE 67.987-GB - ReI. Min. Djaci Fal­cão - in RTJ 54/50).

É certo que, argumentando, o va­lor indenizatório poderia ser atuali­zado monetariamente. Contudo, timbrado pela demora, encerradas as fases de conhecimento e da exe­cução, a final, realizado o pagamen-

to, verificado que o valor indeniza­tório perdeu significado econômico, vulnerando o "justo preço", compa­tibiliza-se a ação de danos e perdas, via contingencial para superar in­denização meramente simbólica, cuj a perenidade constituiria fla­grante injustiça.

Por esse diapasão, diante de con­tínua desvalorização da Moeda, em louvor ao princípio da prévia e jus­ta indenização, em relação à possi­bilidade de ser reparado o preço fi­xado na sentença transitada emjul­gado, em reforço, objetivamente, aviva-se a oportunidade da ação in­tentada. Pois, na verdade, não se revisionará o valor anterior estabe­lecido, mas, isto sim, por fato super­veniente ao julgado - desproposi­tada demora no pagamento: mais de um decênio -, assegura-se com a ação ordinária a recomposição dos danos e perdas, como posto pelo eminente Ministro Djaci Falcão, relatando o RE 67.987/GB, verbis:

" ... Se o pagamento se atrasou por muitos anos, e foi feito com base em preço que, por efeito da inflação superveniente, só repre­sentava então uma pequena par­te do valor do imóvel desapro­priado, claro é que o preceito constitucional não foi obedecido e cabe ação ordinária de ressar­cimento." (in RTJ 54, pág. 51).

Dessa forma, decorrente da im­pontualidade, com o fito de suplan­tar-se o ilusório pagamento, revigo­rando a garantia individual da jus­ta indenização, pela via eleita, deve ser acolhido o pedido, para o ressar-

88 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997.

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cimento dos prejuízos sofridos, em face dos efeitos que alteraram os pressupostos de fatos orientadores da sentença fixadora de valor toldado pela inflação (Pontes de Miranda- CPC, voI. VI, págs.117 e sgts. - ed. 1939). Enfim, não sa­tisfeita integralmente a obrigação de pagamento em dinheiro, o dano provado deve ser reparado.

Por todos esses motivos, ficando esmaecidas as considerações, afei­çoando-se à simples reavaliação da dívida, uma vez que o pedido pren­deu-se ao "ressarcimento dos prejuí­zos causados pelo abusivo retarda­mento" com que a expropriante re­querida impulsionou o processo ex­propriatório (decorridos mais de doze anos da imissão de posse -1Q.03.72 - doc. 5 - e quase onze (11) anos da perícia avaliatória -5.10.73, nada receberam os expro-

priados) - item 17 (fI. 9), entendo que a parte ré deve indenizar os prejuízos causados aos autores.

Insculpida a fundamentação, con­vencido de que, no caso, não se re­solve a controvérsia com a aplica­ção da correção monetária e sim com a reparação ou ressarcimento dos prejuízos causados, portanto, consentânea a ação ordinária, voto provendo o recurso, a fim de que, em execução, sejam apurados os danos e perdas, levando-se à consideração o valor fixado no título sentencial transitado em julgado e o encontra­do na ação de indenização, conside­rados os elementos informativos de fls. 164 - in fine, e 191 a 193, obviando-se a dedução do quantum levantado (fl. 187). Pela inversão dos ônus da sucumbência, incidirão os juros e consectários legais.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL NQ 95.650 - MG

(Registro n Q 96.0030620-6)

Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira

Relator para o Acórdão: O Sr. Ministro José Delgado

Recorrentes: Empresa Venda Nova Ltda. e outros

Recorrida: Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais

Advogados: Drs. José Otávio de Vianna Vaz e outros, e Paula Abranches de Lima e outros

EMENTA: Tributário. Processual Civil. ICMS. Derivado de pe­tróleo.

1. Legitimidade ativa ad causam para a impetração da seguran­ça.

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2. Impossibilidade jurídica de se apreciar a questão de fundo re­lativa à legalidade ou ilegalidade da substituição tributária enfocada no curso da demanda, já que nenhum pronunciamento a respeito foi proferido pelas instâncias inferiores.

3. Devolução dos autos ao primeiro grau para a decisão sobre o mérito.

4. Recurso provido parcialmente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tri­bunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira e Humberto Gomes de Barros, dar parcial provimento ao recurso. Par­ticiparam do julgamento os Srs. Ministros José Delgado, José de Jesus Filho, Demócrito Reinaldo e Humberto Gomes de Barros.

Brasília, 08 de abril de 1997 (data do julgamento).

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro JOSÉ DELGADO, Relator p/Acór­dão.

Publicado no D.] de 02-06-97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO MILTON L UIZ PEREIRA: Em Mandado de Segurança, o colendo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais assentou o entendimento, consubs­tanciado no voto condutor assim fundamentado:

"Cuida-se de inconformismo con­tra sentença que, desprezando umas preliminares, mas acolhen­do a de ilegitimidade ativa, ex­tinguiu Mandado de segurança preventivo, aviado pela Empresa de Transporte Venda Nova Ltda., e outras, contra o Diretor da Su­perintendência da Receita Esta­dual de Minas Gerais, pretenden­do obter a supressão da exigên­cia tributária nas operações in­terestaduais com combustíveis derivados de petróleo, em virtu­de de Convênio ICMS, impondo a sistemática da substituição tri­butária pelas distribuidoras" (fi. 176).

omissis

"Caracterizar-se-ia a caducida­de da impetração, se o manda­mus buscasse, prioritariamente, a declaração da ilegalidade dos Convênios, bem como a da im­plantação do sistema de substi­tuição tributária. No caso em tela, porém, buscou-se inibir a exigência tributária do ICMS nas compras futuras. Portanto, a impetração se opõe a imposições continuadas, contra as quais o direito à oposição renasce a cada ato.

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E, se alegada a inconstituciona­lidade da Lei, o writ não terá o condão de obter tal declaração, mas, tão-só, o da suspensão dos seus efeitos, o que é sempre pos­sível. Foi o que se pretendeu" (fl. 177).

omissis

"Logo, não se caracteriza a de­cadência, acertadamente afasta­da.

Mantenho, pois, afastada esta preliminar.

1.2. A segurança normativa, por atacar lei em tese, isto é, que não produz efeitos de imediato, mas pende de atos administrati­vos para a sua eficácia, por isso inatacável por mandado de segu­rança, não se caracteriza, pois, no caso em exame, as normas con­veniais, repelidas pelas Impe­trantes, impõem a obrigação tri­butária renovável a cada ato, e são de cumprimento obrigatório pelas Autoridades Fazendárias. (fl. 178)"

omissis

"Mantenho a rejeição também a esta preliminar.

1.3. Da ilegitimidade passiva.

Também não há de ser acolhi­da esta prejudicial, pois o desti­natário do tributo recolhido pela Distribuidora é o Fisco do Estado de Minas Gerais, como menciona­do pelo Convênio normativo nº 112/93. Daí, a legitimidade pas­siva da Autoridade apontada coatora, responsável pelos reite­rados atos exatoriais.

Mantenho, ainda, afastada esta preliminar.

1.4. Da ilegitimidade ativa.

Acolhida pela r. sentença deve ser confirmada" (fl. 180).

omissis

"Efetivamente, sendo a obriga­ção imposta às Distribuidoras, eleitas contribuintes substitutas, toca a estas a legitimação ativa, mesmo que as destinatárias so­fram a repercussão jurídica do tributo, pelo direito de reembol­so, em relação jurídica de natu­rezaprivada-negocial, não fiscal.

Não sendo, pois, as impetran­tes, titulares da pretensão dedu­zida em juízo, são elas carecedo­ras da ação proposta." (fl. 181).

omissis

"Doutro lado, patente é a lega­lidade do sistema da substituição tributária, pois está previsto na legislação mineira, nos arts. 673, VI, da Lei nº 32.535/91 e 22 da Lei nº 6.763/7 5, na redação da Lei nº 9.758/89, editadas com supor­te no art. 6º, § 4º, do DL nº 406/ 68 e art. 128 do CTN, normas le­gais recepcionadas pela CF/88." (fl. 183).

omissis

"Assim, nego provimento à ape­lação, mantendo a r. sentença, por seus próprios e jurídicos funda­mentos." (fls. 186).

Manifestados Embargos de Decla­ração foram rejeitados.

Atacando o v. aresto, as Recorren­tes interpuseram este Recurso Es-

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pecial (art. 105, III, a e c, C. F. ), alegando contrariedade ao artigo 39 ,

do Código de Processo Civil, bem como dissenso jurisprudencial com julgados desta Corte. Entendem que os Convênios ICMS 105/92, 111193 e 112/93 ferem os princípios legais e constitucionais.

O Recorrido aduz:

omissis "Com efeito, num primeiro

plano é de se ver que o acórdão recorrido deu a devida interpre­tação ao disposto no art. 39 do CPC, sendo certo que são as re­correntes quem teimam em dar­lhe a interpretação que melhor lhes convém. Na verdade, ne­nhum reparo merece o acórdão recorrido, ao acolher a prelimi­nar relativa à ilegitimidade ati­va ad causam, vindo a confir­mar, assim, a sentença de primei­ro grau.

Isso porque as ora recorrentes não têm, realmente, legitimida­de ativa para discutir relação ju­rídica da qual não são partes, mas sim, terceiros em relação à obri­gação de recolher o ICMS em questão, obrigação esta que com­pete à distribuidora, eleita con­tribuinte substituta, o que exclui a responsabilidade das impetran­tes, ora recorrentes.

Pela substituição tributária aqui tratada, a responsabilidade pelo recolhimento do ICMS é atri­buída à distribuidora. Portanto, a relação jurídico-tributária de­corrente do regime legal da subs­tituição tributária questionada se

instaura entre o Estado (credor) e a distribuidora (devedora por substituição). As recorrentes são estranhas a tal relação jurídica." (fl.277).

omissis

"Como se vê, na espeCle dos autos, a discussão só pode (no máximo) se limitar, em grau de recurso especial, a que se decida se houve ou não houve a ilegiti­midade ativa ad causam. Na (remota) eventualidade de se con­cluir pela segunda hipótese, os autos deverão retornar ao Juízo originário, de primeira instância, para que venha a examinar o mérito do mandado de seguran­ça." (fl. 282).

omissis

"Mesmo que se pudesse aden­trar no mérito do recurso inter­posto o que, mais uma vez, apenas se admite em homenagem ao princípio da eventualidade -ainda assim não haveria como se dar guarida a qualquer das pre­tensões da recorrente: na verda­de, não há como se vislumbrar no acórdão recorrido, qualquer afron­ta à lei.

No caso dos autos, o que se dis­cute é sobre se a imunidade ver­sada no art. 155, X, b, da CF/88 abrange as operações que desti­nem petróleo, inclusive lubrifi­cantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados a consu­midores finais localizados em outros Estados da Federação.

A recorrida sustentou - e con­tinua a sustentar - que a imu-

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nidade ao ICMS prevista no arti­go supra referido, com relação às operações que destinam petróleo a outros Estados só se aplica àquelas hipóteses nas quais o destinatário é contribuinte do imposto, não alcançando, via de conseqüência, as hipóteses em que o adquirente é consumidor final." (fl. 283).

omissis

"Sendo assim, com o advento do Convênio ICM 105/92, bem como o Convênio 112/93 (este de cará­ter interpretativo, relativamente ao primeiro), tais aquisições pas­saram a ser tributadas pelo ICMS à alíquota interna, sendo que, a nível estadual, a matéria é regu­lada pelo art. 673 do Decreto n Q

32.535/91 (RICMS/91).

Por tais convênios, os Estados ficaram autorizados a atribuir aos remetentes de combustíveis a condição de substitutos tribu­tários, assegurado o recolhimen­to do ICMS ao Estado onde esti­ver localizado o adquirente, não havendo aí, ao contrário do que alegam as recorrentes, qualquer ilegalidade ou inconstitucionali­dade" (fi. 284).

omissis

"Espera, pois, em preliminar, a inadmissão do recurso especial. N a hipótese de chegar a ser apre­ciado o mérito pela instância su­perior, seja o mesmo desprovido, no que toca à questão relativa à ilegitimidade ativa ad causam, com a conseqüente manutenção do v. acórdão recorrido.

E, ainda na ordem de eventua­lidades, caso seja ultrapassada a questão relativa à preliminar de carência de ação, não se adentre no mérito propriamente dito da impetração, de vez que a maté­ria não foi julgada pela instância originária, motivo pelo qual de­verá a mesma retornar, para que não se suprima a primeira ins­tância.

Por fim, apenas como argumen­tação, mesmo na (remota) hipóte­se de se entender que o conheci­mento e o julgamento, por esse Eg. Superior Tribunal de Justi­ça, da matéria adstrita ao méri­to propriamente dito não signifi­caria supressão de instância, seja negado provimento ao recurso especial, com a conseqüente de­negação da segurança, à vista dos fundamentos jurídicos esposados no tópico anterior destas contra­razões." (fls. 285/286 - grifos originais).

Simultaneamente foi interposto Recurso Extraordinário, inadmitido na origem. O nobre Primeiro Vice­Presidente do Tribunal de origem admitiu o processamento do Especial em decisão assim fundamentada:

"Com efeito, deve ele prosse­guir, pois a divergênciajurispru­dencial apontada restou suficien­temente configurada, e está a merecer o exame do Superior Tri­bunal de Justiça que, em hipóte­se de situação fática assemelha­da, decidiu pela legitimidade ativa do substituído para questionar, via mandamus, a obrigação tributária.

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Quanto à alegação de "ofensa à Constituição Federal", seu exa­me não está autorizado em sede de recurso especial.

E uma vez que a admissão do recurso especial por apenas um dos fundamentos invocados am­plia o conhecimento para as de­mais questões, conforme enten­dimento adotado pelo ST J no Re­curso Especial n Q 6.963-PR, a análise do cabimento pelos de­mais fundamentos invocados faz­se desnecessária.

Admito, pois, o recurso." (fi. 306).

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Espiolhadas as peças informativas, colhe-se que, em Mandado de Segurança preventivo, as Impetrantes insurgiram-se con­tra a cobrança antecipada do ICMS, incidente nas operações realizadas concernentes à aquisição de produ­tos derivados do petróleo, em outros Estados-membros (art. 155, lI, § 2Q

,

b, C.F.).

Manifestando inconformismo na via Especial, foi imposto recurso, além da divergência jurispruden­cial, sob a alegação de que o julga­do contrariou o art. 3Q, CPC.

Nesse contexto, presentes os re­quisitos de admissibilidade, o recur-

so merece ser conhecido (art. 105, IlI, a, c, C.F.).

Liberado o exame, no circunló­quio da "ilegitimidade ativa ad cau­sam", a controvérsia já objeto de julgados anteriores, assentando-se compreensão favorável à legitima­ção. Deveras, no caso, colocar-se que as Impetrantes só poderão exercer a sua atividade comercial, ou seja, adquirir os derivados de petróleo, se o ICMS incidente na respectiva ope­ração for antecipadamente recolhi­do, recaindo sobre elas os ônus da exação fiscal. É o bastante para de­monstrar a pertinência subjetiva, consubstanciando pretensão juridi­camente razoável, quando as partes interessadas sustentarem que a an­tecipação do pagamento, pelo menos em tese, ofende o seu direito de so­mente efetivarem o pagamento de­pois de concluída a operação.

Por essa linha de pensar, à mão de reforço, versando o núcleo do ra­ciocínio, ganha significância reme­morar observações feitas pelo emi­nente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, como relator, votando no REsp 38.357-9-SP, registrando:

" ... a impetrante, na qualida­de de substituída na relação ju­rídica tributária, não é estranha à lide e tem legítimo interesse de insurgir-se contra a pretensão do fisco, porquanto é ela que desem­bolsa, por antecipação, o dinhei­ro destinado ao pagamento do imposto. O substituto tributário posiciona-se como mero repassa-

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dor da quantia retida e, é claro, que, nessa confortável situação, nunca irá decidir-se a discutir a questão. Impedir o substituído de discuti-la, no caso, ele que, na ver­dade, é o titular do direito mate­rial em litígio, implica atentar contra o princípio do livre acesso ao Judiciário.

Note-se que, a respeito, o art. 128 do Código Tributário N acio­naI há de ser interpretado em harmonia com os textos que re­gem a substituição tributária para frente e, especialmente, a E.C. n Q 3/93. A admitir-se o insti­tuto, não há como afastar-se a legitimação para a causa do subs­tituído ... " (julgado em 15.8.96).

Desse modo, patenteia-se que, na verdade, o tributo objeto de anteci­pado recolhimento será pago pelas Impetrantes, ora recorrentes, e, por­tanto, na moldura do contribuinte em substituição, afigura-se a perti­nência subjetiva para a pretensão deduzida.

Em assim sendo, seja porque foi contrariado o art. 3Q

, CPC, ou por divórcio do julgado com a prevale­cente compreensão jurisprudencial, referentemente à debatida legitima­ção ad causam, procede a irresig­nação.

No mérito, em que pese o v. Acór­dão ter-se ancorado na comentada legitimidade ad causam, davante, arvorou razões versando a legalida­de da exigência fiscal combatida, concluindo pela sua afirmação (fls. 181 a 186). Houve, pois, julgamen-

to. Logo, sem a quebra do duplo grau de jurisdição, também consi­derado e resolvido o mérito, abre­se ocasião para o reexame, todavia, circunscrito à alegada divergência jurisprudencial, ficando à deriva o conteúdo de natureza constitucional.

Nessa perspectiva, apesar de ter convicção aviando a ilegalidade (p. ex.: REsp 81.640-MG), atualmente, a questão tem sido resolvida contra­riamente à pretensão recursal de­duzida, conforme sintetizado no REsp 35.547-8-SP, Relator Ministro Garcia Vieira, assim fundamentan­do o seu prestigiado voto:

C .. ) "O regime de substituição tri­

butária é previsto pela própria Constituição Federal vigente (art. 155, inciso XII, letra b), nas leis e convênios firmados pelos Estados, com base no artigo 34, parágrafos 3Q e 8Q do ADCT. No Estado de São Paulo, regime de sujeição passiva, de pagamento antecipado é previsto pelo artigo 8Q

, item XII, segundo o qual, são sujeitos passivos por substitui­ção:

'O industrial, o comercian­te ou o prestador do serviço, relativamente ao imposto de­vido pelas anteriores ou sub­seqüentes saídas de mercado­rias ou prestações de serviço, promovidas por quaisquer ou­tros contribuintes.'

Já o Convênio n Q 66/88, artigo 25, item I, estabelece que a lei

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poderá atribuir a condição de subs­tituto tributário a: 'industrial, co­merciante ou outra categoria de contribuintes, pelo pagamento do imposto devido na operação ou operações anteriores.'

Este Convênio, com força de lei complementar (ADCT, artigo 34, parágrafo 8º), autorizou os Esta­dos a 'exigir o pagamento anteci­pado do imposto, com a fixação, se for o caso, do valor da opera­ção ou da prestação subseqüente a ser efetuada pelo próprio con­tribuinte' (artigo 2º, parágrafo 3º).

A lei estadual e o convênio ci­tados não contrariam os artigos 121 e 128 do CTN e com eles se harmonizam, na instituição des­ta substituição tributária, sendo legítima a exigência fiscal, com base na lei estadual editada com suporte no citado Convênio nº 661 88. Neste sentido o Recurso Es­pecial nº 9.587-SP, Relator Emi­nente Ministro lImar Galvão, hoje membro do STF, DJ de 101 06/91. A Excelsa Corte, nos Recur­sos Extraordinários n~ 108.104, DJ de 14/08/87 e 107.104-0-ES, DJ de 14/08/84, Relator Eminente Ministro Célio Borja, em casos de mercadorias destinadas a outros Estados, entendeu legítimo o pa­gamento antecipado do rCM, pre­visto na legislação estadual.

Com o pagamento antecipado, não ocorre o recolhimento do im­posto antes da ocorrência do fato gerador. Não se pode confundir momento da incidência do tribu­to com a sua cobrança. Ocorre o

fato gerador do rCM na saída da mercadoria do estabelecimento contribuinte. No caso, quando são vendidos os veículos automotores ou suas peças. A sua cobrança é a última fase concreta. Nos ter­mos da Lei Estadual nº 6.374/89, artigo 2º, inciso r e o do Convê­nio 66/88, artigo 2º, inciso V, ocor­re o fato gerador do imposto na saída da mercadoria do estabele­cimento contribuinte. É claro que esta substituição e antecipação, acolhida pela doutrina e por nos­sos Tribunais, tem de ser autori­zada por lei (artigo 121, inciso II do CTN) e a terceira pessoa deve ser vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação (artigo 128 do CTN), mas, no caso em exame estas condições estão amplamen­te satisfeitas."

Por essa linha de pensar, unifor­mizando a jurisprudência, a egré­gia Primeira Seção, de vez, fincou a aura da legalidade na exação fiscal (EDREsp 30.269-0-SP, ReI. Min. Hélio Mosimann - in DJU de 9.10.95; EDREsp 50.884-SP).

Comemorados esses registros, no pertencente à distribuidora de be­bidas, alinhados àquela diretriz bá­sica, existem julgados desta Corte, conseqüentemente, contrários às prédicas feitas no recurso, inter alia, como ficou estadeado no REsp. 86.465-RJ, ReI. Min. Ari Pargen­dler, assim:

"A controvérsia só pode ser di­rimida à base de um conceito pre­ciso de substituição tributária.

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o sujeito passivo da relação jurídica tributária, - escreveu Alfredo Augusto Becker -'normalmente, deveria ser aque­la determinada pessoa de cuja renda ou capital a hipótese de in­cidência é um fato-signo presun­tivo. Entretanto, freqüentemen­te, colocar esta pessoa no pólo negativo da relação jurídica tri­butária é impraticável ou sim­plesmente criará maiores ou me­nores dificuldades para o nasci­mento, vida e extinção destas re­lações. Por isso, nestas oportuni­dades, o legislador como solução emprega uma outra pessoa em lugar daquela e, toda a vez que utiliza esta outra pessoa, cria o substituto legal tributário' (Teo­ria Geral do Direito Tributário, Edição Saraiva, São Paulo, 2ª edição, 1972, pág. 504).

'Acrescente multiplicidade de relações sócio-econômicas; a com­plexidade e a variedade cada vez maior de negócios são os princi­pais fatores que estão tornando impraticável aquela solução do legislador' ... de escolher 'para sujeito passivo da relação jurídi­co-tributária aquele determinado indivíduo de cuja verdadeira ren­da ou capital a hipótese de inci­dência é um fato-signo presunti­vo. Até há alguns decênios atrás, este indivíduo era, quase sem­pre, aquele determinado indiví­duo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência tributária é fato-signo presuntivo. Entre­tanto, os fatores que acabaram de ser apontados estão induzindo

o legislador a escolher um outro indivíduo para a posição de sujei­to passivo da relação jurídico-tri­butária. E este outro indivíduo consiste precisamente no substi­tuto legal tributário cuja utiliza­ção, na época atual, já é freqüen­tíssima, de tal modo que, dentro de alguns anos, o uso do substitu­to legal pelo legislador será a re­gra geral (op. cito 5011502).

A expressão substituição tribu­tária não é uma boa expressão para definir esse instituto. Juri­dicamente, o substituto tributá­rio não substitui ninguém. 'O fe­nômeno da substituição' - ain­da nas palavras de Becker -'opera-se no momento político em que o legislador cria a regrajurí­dica. E a substituição que ocorre neste momento consiste na esco­lha pelo legislador de qualquer outro indivíduo em substituição daquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipó­tese de incidência é fato-signo presuntivo' (ibid., págs. 505/506). Quando essa escolha do legisla­dor se torna regra jurídica, e ela incide criando a obrigação tribu­tária, essa obrigação tributária já nasce contra o substituto le­gal tributário. 'Entre o Estado e o substituído não existe qual­quer relação jurídica' (ibid., pág. 507).

A primeira dificuldade a ven­cer, em termos de direito positi­vo, é a de que o Código Tributá­rio Nacional não refere a expres­são substituto legal tributário,

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nem mesmo a expressão substi­tuição tributária, que no âmbito federal só veio a ser utilizada pela Constituição Federal de 1988. O Código Tributário Nacional fala em responsável, mas com a im­propriedade de empregar esse vocábulo com, pelo menos, duas conotações diferentes; o respon­sável do artigo 121, parágrafo único, inciso lI, que é o substitu­to legal tributário; o responsável do artigo 128 e seguintes que é o responsável tributário no senti­do próprio.

O artigo 121 do Código Tribu­tário Nacional trata da sujeição passiva originária ou direta, aquela que resulta da incidência da norma jurídica tributária; é a sujeição passiva descrita na re­gra legal. Se o legislador optar por imputá-la à pessoa 'cuja ren­da ou capital a hipótese de inci- . dência é fato-signo presuntivo', estar-se-á diante da figura do contribuinte, aquele que tem re­lação pessoal e direta com a si­tuação que constitua o respecti­vo fato gerador (artigo 121, pa­rágrafo único, inciso 1). Se a op­ção for por terceira pessoa, não vinculada ao fato gerador, cuja obrigação decorra de disposição expressa de lei, estar-se-á diante do substituto legal tributário (ar­tigo 121, parágrafo único, inciso lI).

A obrigação tributária, portan­to, nasce, por efeito da incidên­cia da norma jurídica, originária e diretamente, contra o contribu­inte ou contra o substituto legal

tributário; a sujeição passiva é de um ou de outro, e, quando esco­lhido o substituto legal tributá­rio, só ele, ninguém mais, está obrigado a pagar o tributo.

A sujeição passiva originária, nas modalidades de contribuinte e de substituto legal tributário, pode não ser suficiente para o cumprimento da obrigação tribu­tária principal, a de pagar o tri­buto (CTN, artigo 113, § 1 Q). Para garantir a efetividade da obriga­ção tributária, a lei criou a res­ponsabilidade tributária, que é sempre derivada do inadimple­mento da obrigação tributária originária (ou, como querem ou­tros, sujeição passiva indireta, por oposição à sujeição passiva direta).

Quer dizer, em linha de prin­cípio, o contribuinte ou o substi­tuto legal tributário estão obri­gados a pagar o tributo, mas o inadimplemento da obrigação tri­butária originária ou direta dá causa à obrigação derivada ou indireta, positivamente prevista como responsabilidade tributária (CTN, artigos 128 e seguintes).

A responsabilidade tributária é uma obrigação de segundo grau, alheia ao fato gerador da obriga­ção tributária. Quando a norma jurídica incide, sabe-se que ela obriga o contribuinte ou o subs­tituto legal tributário. Apenas se eles descumprirem essa obriga­ção tributária, é que entra em cena o responsável tributário.

Nada mais é preciso dizer para acentuar a diferença ontológica

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existente entre o substituto legal tributário e o responsável tribu­tário; aquele é a pessoa, não vin­culada ao fato gerador, obrigada originariamente a pagar o tributo; este é a pessoa, vinculada ao fato gerador, obrigada a pagar o tribu­to, se este não for adimplido pelo contribuinte ou pelo substituto legal tributário, conforme o caso.

À vista do exposto, não se pode dizer que o "substituído" recolhe antecipadamente o ICMS; ele não recolhe nem antes nem nunca, porque é alheio à relação jurídi­co-tributária. Ainda no magisté­rio de Alfredo Augusto Becker, 'não existe qualquer relação ju­rídica entre substituído e o Esta­do' (ibid., pág. 513).

É preciso que isso fique claro: na substituição legal tributária há só uma obrigação tributária, e não várias, porque seu efeito é, exatamente, o de suprimir obri­gações tributárias que correspon­deriam às etapas do ciclo de co­mercialização anteriores ou pos­teriores, conforme a substituição se processe 'para trás' ou 'para frente'; o que esse fato gerador tem de especial é a base de cál­culo, a qual considera valores agregados em outras etapas do ciclo de comercialização.

A questão de saber quem su­porta esse encargo é de natureza econômica, nada tendo a ver com o fenômeno jurídico. Fora de toda dúvida, é um custo de quem ad­quire o produto para revendê-lo. Mas, como está embutido no pre­ço, é repassado ao consumidor.

Nessa linha, o substituto tri­butário, na espécie, é o fabrican­te das bebidas, não o distribuidor.

A ilegitimidade ad causam da Recorrente é o corolário lógico dessas razões. Superada que fos­se, ainda assim, a substituição tributária, em hipóteses desse jaez, está autorizada desde a Lei Complementar n Q 44, de 1986" (in DJU de 7.10.96).

Com a sua reconhecida objetivi­dade, no mesmo julgamento, desta­cou o eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, textualmente:

A substituição tributária in­clui-se no que se costuma deno­minar sujeição passiva indireta. De fato, ao lado do contribuinte, ou seja, daquele que tem relação pessoal direta com o fato gerador, existe o responsável, isto é, ou­tra pessoa que não o contribuin­te a que a lei impõe o cumprimen­to da prestação tributária (CTN, art. 121, parágrafo único, I e II).

Diz o art. 128 do CTN que 'sem prejuízo do disposto neste capí­tulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pes­soa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a esta em cará­ter supletivo do cumprimento to­tal ou parcial da referida obriga­ção.'

É, nesse contexto, que deve ser examinada a 'substituição tribu­tária para frente', que se apóia na

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figura do 'fato gerador presumi­do', hoje expressamente referido no § 79 do art. 150 da EC n 9 3, de 17-03-93, nestes termos:

'A lei poderá atribuir a su­jeito passivo da obrigação tri­butária a condição de respon­sável pelo pagamento de im­posto ou contribuição, cujo fato gerador deve ocorrer posterior­mente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se rea­lize o fato gerador presumido.'

Consiste a substituição tribu­tária para frente em obrigar al­guém a pagar, não apenas o im­posto atinente à operação por ele praticada, mas, também, o rela­tivo a operação ou operações pos­teriores.

O instituto não é novo no nos­so direito, mas, a partir da sua 'constitucionalização', passou a receber acerbos ataques de alguns eminentes tributaristas (Geraldo Ataliba, Aires F. Barreto, Ha­milton Dias de Souza, Ives Gandra da Silva Martins, den­tre outros). Sustentam esses ju­ristas que viola, praticamente, todos os princípios constitucio­nais basilares relativos aos tribu­tos (tipicidade tributária, não­cumulatividade, capacidade con­tributiva). Alegam, ainda, que vulnera o princípio atributivo de competência tributária aos Esta­dos-membros e, até mesmo, que configura autêntico empréstimo compulsório, só previsto nas hi­póteses do art. 148 da Constitui-

ção. Não cabe, nos limites deste recurso, rebater essa argumenta­ção de natureza constitucional, o que já fiz, contudo, em palestra que fiz sobre o assunto e que, em breve, será publicada.

Creio, pois, que, dos citados defeitos, não padece o instituto, que tem a defendê-lo juristas, igualmente, respeitados (Sacha Calmon Navarro Coelho, Ar­thur José Favaret Cavalcanti, Heron Arzua, dentre outros). N a verdade, sob o prisma radical ortodoxo, não é possível visuali­zar o instituto, fundamental para tornar efetivo, no atual estágio da civilização, o princípio da prati­cabilidade da tributação, algo parecido, no campo do processo, com o princípio da economia pro­cessual, segundo lembra Sacha Calmon. Acrescento mais: da mesma forma que o direito pro­cessual passa por verdadeira re­volução visando a concretizar o princípio da efetividade da juris­dição, com a criação de diversos institutos novos (ampliação das cautelares e antecipação de tute­la, dentre outros), o direito tribu­tário não pode passar imune a essa evolução da sociedade, dei­xando de acolher a figura da subs­tituição tributária para frente, que, numa visão analógica, apre­senta certo caráter cautelar: ob­jetiva tornar efetiva a responsa­bilidade tributária. Note-se que o destinatário legal tributário, como o substituto, tem sempre assegu­rada a possibilidade de recuperar o que dispender para pagamento do tributo gerado por outrem.

100 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997.

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A 'substituição tributária para frente' tem sido adotada e apli­cada, entre outros casos, nos se­guintes, relativos à cobrança do ICMS com inclusão do seu valor no preço devido pelos revendedo­res nas suas futuras operações de revenda: companhias distribuido­ras quanto as empresas que, no varejo, negociam com produtos derivados do petróleo e álcool etílico hidratado carburante; montadoras de automóveis no que se refere às suas concessionárias; fábricas de cigarros e bebidas quanto aos atacadistas das res­pectivas redes de comercializa­ção.

A introdução do instituto no nosso direito positivo ocorreu por meio do Código Tributário N acio­naI (Lei n 9 5.172, de 25-10-66), consoante se depreende do art. 58, § 29, II, na sua redação origi­nária, segundo a qual 'a lei pode atribuir a condição de responsá­vel': 'II - ao industrial ou comer­ciante atacadista, quanto ao im­posto devido pelo comerciante varejista, mediante acréscimo, ao preço da mercadoria a ele reme­tida, de percentagem não exce­dente de 30% (trinta por cento) que a lei estadual fixar.'

O Ato Complementar n 9 34, de 30-01-67, substituiu o inciso II do § 29 pelo seguinte:

'II - ao industrial ou comer­ciante atacadista, quanto ao imposto devido por comercian­te varejista, mediante acrésci­mo:

a) da margem de lucro atri­buída ao revendedor, no caso de mercadoria com preço má­ximo de venda no varejo mar­cado pelo fabricante ou fixado pela autoridade competente.

b) de percentagem de 30% (trinta por cento) calculada so­bre o preço total cobrado pelo vendedor, neste incluído, se incidente na operação, o im­posto a que se refere o art. 46, nos demais casos.'

O Decreto-Lei n 9 406, de 31-12-68, revogou expressamente os referidos dispositivos (art. 13).

A Lei Complementar n 9 44, de 07-12-83, acrescentou parágrafos aos arts. 29, 39 e 69 do Decreto-lei n 9 406, de 31-12-68, dispondo, no­vamente, sobre a denominada 'substituição tributária para fren­te'.

Eis os textos novos:

'Art. 29 ................................. .

§ 99 . Quando for atribuída a condição de responsável ao in­dustrial, ao comerciante ataca­dista ou ao produtor, relativa­mente ao imposto devido pelo comerciante varejista, a base de cálculo do imposto será:

a) o valor da operação pro­movida pelo responsável, acrescido da margem estima­da de lucro do comerciante varejista obtida mediante apli­cação de percentual fixado em lei sobre aquele valor;

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b) o valor da operação promo­vida pelo responsável, acres­cido da margem de lucro atri­buída ao revendedor, no caso de mercadorias com preço de venda, máximo ou único, mar­cado pelo fabricante ou fixa­do pela autoridade competen­te.

§ 10. Caso a margem de lu­cro efetiva seja normalmente superior à estimada na forma da alínea a do parágrafo ante­rior, o percentual ali estabele­cido será substituído pelo que for determinado em convênio celebrado na forma do dispos­to no § 6º do artigo 23 da Cons­tituição Federal.

Art.3º ................................ .

§ 7Q• A lei estadual poderá

estabelecer que o montante devido pelo contribuinte, em determinado período, seja cal­culado com base em valor fixa­do por estimativa, garantida, ao final do período, a comple­mentação ou a restituição em moeda ou sob a forma de utili­zação como crédito fiscal, em relação, respectivamente, às quantias pagas com insuficiên­cia ou em excesso.

Art. 6Q ••••••••••••••••••••••••••••••••

§ 3Q• A lei estadual poderá

atribuir a condição de respon­sável:

a) ao industrial, comercian­te ou outra categoria de con-

tribuinte, quanto ao imposto devido na operação ou opera­ções anteriores promovidas com a mercadoria ou seus in­sumos;

b) ao produtor, industrial ou comerciante atacadista, quan­to ao imposto devido pelo co­merciante varejista;

c) ao produtor ou industrial, quanto ao imposto devido pelo comerciante atacadista e pelo comerciante varejista;

d) aos transportadores, de­positários e demais encarrega­dos da guarda ou comerciali­zação de mercadorias.

§ 4Q• Caso o responsável e o

contribuinte substituído este­j am estabelecidos em Estados diversos, a substituição depen­derá de convênio entre os Es­tados interessados."

Finalmente, a Constituição em vigor encampou o instituto (art. 155, § 2Q

, XII, b), tendo o Convê­nio n Q 66/88 (com força de lei complementar, à vista do art. 34, § 8Q

, do ADCT) incluído no seu texto, praticamente, as normas da Lei Complementar n Q 44, de 1983. Sobreveio, a final, a Emen­da Constitucional nº 3, de 17-03-93, que acrescentou o § 7Q ao art. 150 da Lei Maior, a cujo teor, an­tes, me referi.

Quanto às operações relativas a veículos automotores, a elas se refere expressamente o Convênio ICMS n Q 107, de 24.10.89.

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Fiz essa rememoração legisla­tiva para mostrar que o instituto não constitui novidade, tendo, a partir da vigência da atual Cons­tituição, assumido conotação cons­titucional.

A propósito, bem lembrou He­ronArzua:

'desde o início de vigência do ICMS (1967), a substituição tributária foi adotada para cer­tas mercadorias, tais como, ci­garros e bebidas. À época não houve qualquer contestação quanto à constitucionalidade desse método de arrecadação. A alegação de que haveria co­brança do tributo antes da ocor­rência do fato gerador, demons­trava-se que praticamente todo o sistema normativo tributário brasileiro assim era concebido. Inúmeros impostos e taxas es­tabelecidos nas leis federais, estaduais e municipais eram cobrados antes do fato imponí­vel respectivo. O imposto de transmissão inter vivos deve ser pago antes da lavratura da escritura pública de compra-e­venda, a qual há de ser levada ao registro imobiliário, este sim o fato gerador do imposto já pago. O imposto de exporta­ção é exigido antecedentemen­te à saída do bem exportado, saída essa que é o suporte de incidência do tributo. O impos­to de renda das empresas é normalmente cobrado antes da configuração da disponibilida­de econômica ou jurídica da renda ou proventos. A taxaju-

diciária e as custas judiciais devem ser pagas, na maioria dos casos, previamente ao ajui­zamento da petição inicial de qualquer ação, antes, portan­to, da prestação do serviço pú­blico que lhes dá causa. As ta­xas de polícia, em geral, tam­bém são cobradas anterior­mente ao efetivo exercício do poder de fiscalização. E assim por diante.'

Assinale-se, com atinência ao tema, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Representa­ção nº 848, do Ceará, na vigência do art. 58 do CTN, na sua reda­ção originária, concluiu pela constitucionalidade do instituto. Ao julgar o RE 7.462-MG cingiu­se a declarar que o dispositivo codificado, a ele referente, fora revogado. É o que se depreende deste trecho da ementa do julga­do (RTJ 73/507):

'O art. 128 do CTN, ainda vigente, só a permite se hou­ver vinculação do terceiro ao fato gerador, pelo que já não é possível, em conseqüência da revogação do art. 58, § 2º, II do mesmo Código, pelo Dec.­Lei 406/68, atribuir ao indus­trial ou comerciante atacadis­ta, a responsabilidade pelo tri­buto devido pelo comerciante varejista.'

Faço esse retrospecto para dei­xar claro que o instituto era cons­titucional sob a égide da Consti­tuição anterior e constitucional

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continuou a ser na vigência da atual Lei Maior, em que passou a expressamente constar das suas normas, após ser restabelecido pela legislação infraconstitucio­nal antes citada" (REsp 38.357-9-SP).

No estuário do exposto, ficando afastada a preliminar da ilegitimi­dade ativa ad causam, no mérito, submetendo-me à jurisprudência da Corte, voto improvendo o recurso.

É o voto.

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO: No recurso especial em deba­te, embora a matéria de fundo tra­tada seja substituição tributária para o pagamento do ICMS em ope­rações realizadas concernentes à aquisição de produtos derivados de petróleo, em outros Estados-mem­bros, examina-se, apenas, ao meu entender, tema relativo à legitimi­dade das recorrentes para proposi­tura da ação. Essa limitação decor­re dos termos constantes na petição recursal, em seu final, do teor se­guinte:

"Por todo o exposto, faz-se neces­sária a reforma do acórdão pro­ferido pela E. li! Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça, re­lativo à Apelação Cível n. 34.903-5, declarando as Recorrentes par­tes legítimas para estar em Juízo. Destarte, as Recorrentes reque­rem e esperam o conhecimento e provimento do presente Recurso

Especial, com a conseqüente re­forma do acórdão recorrido no tocante ao interesse processual e à legitimidade da parte, devolven­do o processo para o julgamento do mérito da questão ou o julga­mento do mérito pelo próprio Su­perior Tribunal de Justiça."

N a verdade, a sentença de pri­meiro grau não atacou o mérito da demanda, conforme registro feito na sua parte dispositiva, a conferir:

"Ante o exposto e considerando tudo o mais que dos autos cons­ta, não tendo as impetrantes le­gitimidade ativa para o manejo do writ acolho a preliminar do Impetrado de ilegitimidade ativa das Impetrantes, via de conse­qüência, extingo o processo sem julgamento de mérito, e o faço com espeque no artigo 267, inciso VI, do CPC."

O acórdão guerreado, no trato do assunto, assim posicionou-se:

"1.4 Da ilegitimidade ativa. Aco­lhida pela r. sentença, deve ser confirmada.

Com efeito, as impetrantes argu­mentam que a operação citada é imune à incidência do ICMS, por força do previsto no art. 155, lI, § 2Q

, X, b, da CF, sendo inconsti­tucionais os Convênios ICMS n!la 105/92, 112 e 113/93, por obriga­rem a Distribuidora a reter e re­colher o imposto.

Buscam a segurança para os re­metentes dos combustíveis não

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reterem as alíquotas referentes ao ICMS, bem como para as Su­plicantes e as distribuidoras não serem autuadas pela fiscalização.

Daí resulta a responsabilidade pela retenção e recolhimento do tributo é tão-só da distribuidora, por força da substituição tributá­ria, tornando-se, as substituídas, infensas à obrigação e à autua­ção. Como exposto no menciona­do parecer, "A relação jurídica entre consumidor e distribuido­ra é irrelevante do ponto de vis­ta tributário. O fato de a distri­buidora repassar para os preços o imposto recolhido não enseja ao consumidor a legitimidade para postular direito de terceiro, como autêntico substituto processual' (fls. 102).

Efetivamente, sendo a obrigação imposta às Distribuidoras, elei­tas contribuintes substitutas, toca a estas a legitimação ativa, mesmo que as destinatárias so­fram a repercussão jurídica do tributo, pelo direito de reembol­so, em relação jurídica de natu­reza privada-negociaI, não fiscal.

Não sendo, pois, as impetrantes titulares da pretensão deduzida emjuízo, são elas carecedoras da ação proposta."

O eminente relator deu provi­mento ao recurso quanto a esse as­pecto, isto é, reconhecendo as impe­trantes como partes legítimas para a propositura do mandado de segu­rança, com os fundamentos seguin­tes:

"Liberado o exame, no circunló­quio da 'ilegitimidade ativa ad causam', a controvérsia já obje­to de julgados anteriores, assen­tando-se compreensão favorável à legitimação. Deveras, no caso, coloca-se que as impetrantes só poderão exercer a sua atividade comercial, ou seja, adquirir os derivados de petróleo, se o ICMS incidente na respectiva operação for antecipadamente recolhido, recaindo sobre elas os ônus da exação fiscal. É o bastante para demonstrar a pertinência subje­tiva, consubstanciando pretensão juridicamente razoável, quando as partes interessadas sustenta­rem que a antecipação do paga­mento, pelo menos em tese, ofen­de o seu direito de somente efeti­varem o pagamento depois de concluída a operação.

Por essa linha de pensar, à mão de reforço, versando o núcleo do raciocínio, ganha significância rememorar observações feitas pelo eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, como Relator, votando no REsp 38.357-9-SP, registrando:

" ....... a impetrante, na quali-dade de substituída na relação jurídico-tributária, não é es­tranha à lide e tem legítimo in­teresse de insurgir-se contra a pretensão do fisco, porquanto é ela que desembolsa, por an­tecipação, o dinheiro destina­do ao pagamento do imposto. O substituto tributário posicio­na-se como mero repassador da quantia retida e, é claro,

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que, nessa confortável situação, nunca irá decidir-se a discutir a questão. Impedir o substituí­do de discuti-la, no caso, ele que, na verdade é o titular do direito material em litígio, im­plica atentar contra o princípio do livre acesso ao Judiciário.

Note-se que, a respeito, o art. 128 do Código Tributário N acio­naI há de ser interpretado em harmonia com os textos que regem a substituição tributá­ria para frente e, especialmen­te, a E. C. n. 3/93. A admitir-se o instituto, não há como afas­tar-se a legitimidade para a causa do substituído .. .' (julga­do em 15.8.96).

Desse modo, patenteia-se que, na verdade, o tributo objeto de an­tecipado recolhimento será pago pelas Impetrantes, ora recorren­tes, e, portanto, na moldura do contribuinte em substituição, afi­gura-se a pertinência subjetiva para a pretensão deduzida.

Em assim sendo, seja porque foi contrariado o art. 32, CP, ou por divórcio do julgado com a preva­lecente compreensão jurispru­dencial, referentemente à deba­tida ad causam, procede a irre­signação.'

Nenhum argumento tenho a acres­centar na posição assumida pelo emi­nente Relator, pelo que acompanho o judicioso voto que apresentou, em todos os seus termos.

Peço mil vênias, contudo, ao emi­nente Relator, para não acompa-

nhá-Io quanto à expansão que deu ao julgado, apreciando a matéria de mérito. Estou convencido de que, de acordo com os limites impostos pe­las decisões de primeiro e segundo graus, não há qualquer possibilida­de jurídica de se apreciar a questão de fundo relativa à legalidade ou ilegalidade da substituição tributá­ria enfocada no curso da demanda, tendo em vista que nenhum pronun­ciamento a respeito foi proferido pelas instâncias inferiores.

O fato, por si só, do acórdão guer­reado ter, como mencionou, como mera digressão, tocado no núcleo da relação jurídica litigiosa posta nos autos, não autoriza a sua análise em recurso especial. Tenha-se em con­sideração que, a uma, os recorren­tes se limitaram, tão-somente, a rei­vindicar o reconhecimento de sua legitimação ativa e a devolução dos autos para o exame do mérito pelo primeiro grau; a duas, que o extra­polamento do acórdão guerreado não deve ser levado em consideração, de ofício; a três, que o pedido final dos recorrentes no sentido de que o STJ, se achar conveniente, julgue o méri­to, não tem qualquer base jurídica; a quatro, deve ser lembrado que as impetrantes buscam o reconheci­mento da inconstitucionalidade dos Convênios que cita, para o que o re­curso especial é inadequado.

Pelo exposto, o meu voto é no sen­tido único de reconhecer as impe­trantes como parte legítima e deter­minar que os autos voltem ao pri­meiro grau para a decisão sobre o mérito. Dou, para tais limites, par­cial provimento ao recurso.

É como voto.

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VOTO - VENCIDO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Presidente):

Srs. Ministros, peço vênia à maio­ria - até porque já manifestei a minha opinião a propósito - para acompanhar o eminente Ministro Milton Luiz Pereira.

RECURSO ESPECIAL NQ 99.124 - PR

(Registro n Q 96.0040023-7)

Relator: O Sr. Ministro Demócrito Reinaldo

Recorrentes: Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Pa­raná - DER / PR; Ministério Público do Estado do Para­ná

Recorridos: Maniti Kiara e outros

Advogados: Márcia Dieguez Leuzinger e outro, e Antônio Clarides Mo­dena

EMENTA: Administrativo e Processual Civil. Desapropriação. Honorários advocatícios. Critérios de eqüidade (§§ 3 52 e 4 52 do art. 20 do CPC). Fixação. Reexame. Via recursal inadequada (Súmula 7-STJ). Ministério Público. Intervenção desnecessária.

I - Os honorários advocatícios, quando fixados com base em critérios de eqüidade (§§ 39 e 49 do artigo 20 do CPC) não cabem ser reapreciados na via estreita do recurso especial, porque dizentes aos aspectos fáticos, insuscetíveis de reexame no âmbi­to do apelo extremo (Súmula 7-STJ). Precedentes.

II - O interesse a justificar a intervenção do Ministério Públi­co (art. 82, IH, do CPC) não se identifica com o da Fazenda Públi­ca e das Autarquias, que são representadas pelos seus Procura­dores. Por isso, figurando na relação processual pessoa pública ou entidade da administração indireta, que já gozam de várias regalias, no processo, excepcionadoras da igualdade de tratamen­to das partes, não se faz necessária tal intervenção.

IH - Em ação de desapropriação não é obrigatória a interven­ção do Ministério Público. Precedentes.

IV - Recurso do DER-PR não conhecido e do Ministério Públi­co improvido. Decisão unânime.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Supe­rior Tribunal de Justiça, por unani­midade, não conhecer do recurso do DER e negar provimento ao recur­so do Ministério Público, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fa­zendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamen­to os Srs. Ministros Humberto Go­mes de Barros, Milton Luiz Pereira e José Delgado. Ausente, justifica­damente, o Sr. Ministro José de Je­sus Filho. Custas, como de lei.

Brasília, 06 de março de 1997 (data do julgamento).

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Relator.

Publicado no DJ de 22-04-97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Nos autos de ação or­dinária de indenização, decorrente de expropriação indireta, em sede de apelação civil, a egrégia Primei­ra Câmara Civil do Tribunal de Jus­tiça do Paraná não proveu o apelo do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Paraná, dei­xou de acolher o recurso apelatório dos autores da ação e o do Ministé­rio Público Local, ficando determi­nada a cumulatividade dos juros

compensatórios e moratórias, man­tida a condenação da autarquia no pagamento de honorários advocatí­cios no percentual de 15% sobre o valor da condenação, consoante dis­posto no § 3Q do artigo 20 do Código de Processo Civil, bem como reco­nhecido que "muito embora o órgão ministerial, atuando custos legis tenha legitimidade para recorrer, só pode fazê-lo tratando-se de questão de ordem pública, que não é o caso dos autos, não cabendo ao Ministé­rio Público, como fiscal da lei, su­prir as omissões das partes, além de não se identificar o interesse públi­co com o da autarquia estadual" (fo­lhas 397/404).

Opostos e rejeitados tempestivos embargos de declaração (folhas 423/ 426), contra os mencionados aspec­tos da decisão da egrégia Câmara a quo, insurgem-se agora o D.E.R. do Estado e o Ministério Público, pela via dos recursos especiais interpos­tos, com arrimo nas letras a e c do permissivo constitucional, o primei­ro deles, sob a alegação de contra­riedade ao artigo 20, § 4Q do Código de Processo Civil, e divergência com julgados de outros tribunais (folhas 429/437), e o segundo, ao argumen­to de que o v. acórdão recorrido ne­gou vigência aos artigos 82, III, 246 e 499 do CPC, e 25 da Lei 8.625/93 (folhas 440/461).

Ofertadas as contra-razões (fo­lhas 469/473, folhas 475/479 e folhas 482/486), o recurso foi admitido na origem (folhas 490/494), subindo os autos a esta instância.

É o relatório.

108 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997.

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VOTO

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): Consoante foi ressaltado no relatório, o D.E.R. do Estado do Paraná e o Ministério Público Local insurgem-se, via re­cursos especiais, contra decisão da egrégia Primeira Câmara Civil do Tribunal de Justiça daquele Esta­do, que, nos autos de ação indeni­zatória, por desapropriação indire­ta, entendeu que:

1 Q) - era cabível a condenação da autarquia no pagamento de honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor da conde­nação, conforme o disposto no § 3Q do artigo 20 do CPC;

2Q) - o recurso apelatório do

Parquet Estadual não podia ser conhecido, por isso que "muito embora o órgão ministerial, atu­ando custos legis tenha legiti­midade para recorrer, só pode fazê-lo tratando-se de questão de ordem pública, que não é o caso dos autos, não cabendo ao Minis­tério Público, como fiscal da lei, suprir as omissões das partes, além de não se identificar o inte­resse público com o da autarquia estadual" (Acórdão folhas 397/ 404).

O primeiro dos recorrentes, ale­ga violação ao § 4Q do artigo 20 do CPC, além de divergênciajurispru­dencial, enquanto o segundo susten­ta negativa de vigência aos artigos 82, UI, 246 e 499 da Lei Processual Civil, e artigo 25 da Lei 8.625/93.

Ao examinar, preliminarmente, o inconformismo recursal manifesta­do pelo D.E.R., verifico, de logo, ser descabido o conhecimento do recur­so, se considerada a jurisprudência pacífica deste Tribunal acerca do tema posto em discussão.

É que, de acordo com a 'jurispru­dência mansa e pacífica deste egré­gio Tribunal, os honorários advoca­tícios fixados com base em critérios de eqüidade (§§ 3Q e 4Q do artigo 20 do CPC) não cabem ser apreciados na via estreita do recurso especial" (REsp n Q 74.983IMG, da minha la­vra, D.J. 4.12.95).

De acordo com o disposto no § 4Q

do artigo 20 da Lei Processual Ci­vil, portanto, nas causas em que for vencida a Fazenda Pública, devem os honorários ser fixados consoan­te a apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as condições previstas nas alíneas a e c do anterior § 3Q

,

nelas compreendidas o grau de zelo do profissional, a natureza e impor­tância da causa, o trabalho realiza­do pelo advogado e o tempo exigido para o serviço.

Em casos como o da espécie, a iterativa jurisprudência deste egré­gio STJ tem assentado o entendi­mento, segundo o qual a via excep­cional mostra-se inadequada para avaliar os critérios concernentes a atuação do profissional, porque dizente tal apreciação aos aspectos fáticos, insuscetíveis de reexame em sede de recurso especial (Súmula 07-STJ). Nesse sentido, entre os inúme­ros precedentes, à guisa de exem­plos, podem ser citados os acórdãos encimados das seguintes ementas:

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"Carente de elementos de exa­me na atuação do procurador na causa, incabe apreciar-se a ma­téria na via especial" (REsp 35.831/SP, ReI. Min. José Dantas, D.J.01.08.94).

"Arbitrados honorários advo­catícios segundo critérios de eqüi­dade, não podem os mesmos ser apreciados no âmbito do recurso especial, uma vez que referido critério calça-se em matéria fática. Precedentes" (REsp nº 3.886/SP, ReI. Min. Américo Luz, D.J. 12.09.94).

"O valor dos honorários advo­catícios, fixados por critério de eqüidade pelo juiz, não pode ser reapreciado na via do recurso es­pecial" (REsp nº 66.480/SP, ReI. Min. Assis Toledo, D.J. 25.09.95).

"Administrativo e Processual Civil. Haveres de funcionários pú­blicos. Natureza alimentar. Cor­reção monetária. Honorários advocatícios devidos. CPC, art. 20, §§ 3 Q e 4~ CPC. Lei 6.899/81.

1. À vista do crédito com a na­tureza alimentar impõe-se a atua­lização monetária em cada parce­la devida, a contar da data do pa­gamento periodicamente feito.

2. Em homenagem ao princí­pio da sucumbência, pelas instân­cias ordinárias, com base no art. 20, § 4º, CPC, fixado percentual dos honorários advocatícios devi­dos, descabe reapreciação, sob pena de investigação no campo fático, procedimento avesso à fi­nalidade da via especial e, con­seqüentemente, escapando da competência da Corte Superior.

3. Precedentes dajurisprudên­cia.

4. Recurso parcialmente co­nhecido e improvido, dele não se tomando conhecimento quanto aos critérios de fixação dos hono­rários advocatícios" (REsp 22.298/ RJ, ReI. Min. Milton Luiz Perei­ra, D.J. 19.09.94).

Sobre o segundo tema, ou mais precisamente, a questão relativa à legitimidade do Ministério Público para, no caso, poder recorrer, ou não, afigura-se-me incensurável a decisão recorrida, além de conso­nante com a jurisprudência predo­minante nesta Corte.

Com efeito, a questão jurídica é bem conhecida no âmbito deste Tri­bunal, inclusive já discutida e diri­mida com respaldo em acórdãos da minha lavra.

Discute-se, na espécie, se na ação expropriatória, é obrigatória a in­tervenção do Ministério Público, com base no artigo 82, III, do CPC. Todavia, a jurisprudência que se pacificou, no STJ, através de ambas as Turmas de Direito Público, foi no sentido de que, "não é necessária a intervenção do M. Público em exe­cução fiscal, porquanto o interesse público que a justifica não se iden­tifica com o da Fazenda Pública, que é representada por Procurador e se beneficia do duplo grau obrigatório" (DJU de 05.12.94).

São inúmeros os julgados desta Corte no mesmo sentido bastando citar, dentre outros, os proferidos nos REsps n.!!E 48.771-0/RS (ReI. Min. Milton Pereira), 63.529-2/PR

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(ReI. Min. Gomes de Barros), 25.700-5/SP (ReI. Min. Vicente Cernicchia­ro) 52.318-4/RS (ReI. Min. Pádua Ribeiro).

Ao enfrentar a questão em voto­vista proferido no REsp n Q 48.771-4, assim me posicionei:

"Estou em que são judiciosos os argumentos do eminente Re­lator. Em verdade, ajurisprudên­cia tanto desta, como da Supre­ma Corte, como se observa dos acórdãos colacionados no judicio­so voto, se inclinou no sentido de que, "o interesse a justificar a intervenção do Parquet (art. 82, IlI) não se identifica com o da Fazenda Pública, que é represen­tada por Procurador e se benefi­cia do duplo grau, necessaria­mente (art. 475, lII, do CPC). Embora o preceito legal tenha gerado perplexidade na doutrina e na jurisprudência, acerca de sua compreensão, prevaleceu o entendimento de que, figurando na relação processual pessoa pú­blica ou entidade da administra­ção indireta, que já gozam, no processo, de várias regalias, ex­cepcionadoras da igualdade de tratamento das partes, não se faz necessária a intervenção do M. Público". A pura e simples quali­dade da parte (União, Estado e Município) não é de molde a jus­tificar a oitiva do custus legis".

Em outra oportunidade, ao pro­ferir meu voto no julgamento do REsp n Q 80.5811SP, assim me posi­cionei:

"Não me parece assistir razão à recorrente. É que, na sistemá­tica processual vigente, o interes­se público justificador da presen­ça do Parquet há de ser imediato e não remoto, inexistindo identi­dade entre este e o interesse da Fazenda Pública, que possui pro­curadores para defendê-la em juízo e beneficia-se do reexame compulsório das decisões que lhe são desfavoráveis.

Este é o entendimento preva­lecente em ambas as Turmas de Direito Público desta e. Corte, a exemplo dos acórdãos proferidos nos REsp's nll..a 52.318/RS, reI. Min. Antônio de Pádua Ribeiro (DJ. de 5.12.94, pág. 33.551< 63.529/PR, reI. Min. Humberto Gomes de Barros (DJ. de 7.8.95, pág. 23.023) e 48.77l1RS, reI. Min. Milton Luiz Pereira (DJ. de 6.11.95, pág. 37.541), portando este último ementa do seguinte teor:

"Processual Civil - Execu­ção fiscal - Embargos - Mi­nistério Público - Intervenção desnecessária - Código Pro­cessual Civil, arts. 82, III, e 566 -Lei 6.830/80 (art. 1 Q

).

1. O sistema processual civil vigente revela dúplice atuação do Ministério Público - parte e fiscal da lei (art. 499, pará­grafo 2Q

, CPC) - A qualifica­ção custus legis tem mereci­do reprimenda doutrinária.

2. Os interesses sociais e in­dividuais indisponíveis (art. 127, CF) são pressupostos asse­guradores da legitimidade para

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integração do Ministério Públi­co na relação processual, exer­citando as suas funções e influ­indo no acertamento do direito objeto de contradição, com os ônus, faculdades e sujeições ine­rentes à sua participação influ­ente no julgamento do mérito. Esses pressupostos não são di­visados na execução fiscal.

3. O interesse ou participação de pessoa jurídica de direito pú­blico na lide, por si, não alcança definido e relevante interesse público, faltante expressa dispo­sição legal, de modo a tornar obrigatória a intervenção do Mi­nistério Público na relação pro­cessual. Não é a qualificação da parte nem o seu interesse patri­monial que evidenciam o "inte­resse público", timbrado pela re­levância e transcendência dos seus reflexos no desenvolvimen­to da atividade administrativa. N essa linha, só a natureza da lide (no caso, execução fiscal) não impõe a participação do Ministério Público. O interesse na execução fiscal é de ordem patrimonial.

4. De regra, a obrigatória participação do Ministério Pú­blico está expressamente esta­belecida na lei.

5. À palma, fica derriscada a intervenção do Ministério Pú­blico, acertado que o interesse público justificador (art. 82, IlI, CPC), na execução fiscal, não se identifica com o da Fazenda Pública, representada judici­almente pela sua procuradoria.

6. Precedentes jurispruden­CIaIS.

7. Recurso provido".

Mais especificamente ainda, vale invocar o precedente trazido à co­lação pelo recorrido às folhas 484, in verbis:

"Desapropriação.

Ministério Público - Inter­venção - Desnecessidade -CPC, arts. 82, III e 247, § 2º.

I - Não é obrigatória a inter­venção do Ministério Público em ação expropriatória, não se apli­cando à hipótese o art. 82, IlI, do C.P.C.

II - No caso, mesmo que se entendesse necessária a inter­venção do Parquet, por ser a par­te autora uma sucessão, ainda assim cumpre dispensá-la, por­quanto, no mérito, é possível de­cidir-se a lide em seu favor. C.P.C., art. 247, § 2º. Aplicação.

III - .. .

IV- .. .

v - Recurso especial conheci­do e provido." (STJ, REsp nº 33.247 -7 /RS, relator Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, in DJU de 20/02/95, pág. nº 3.171).

Em abono da tese sustentada nos citados acórdãos desta Corte, vem se manifestando a melhor doutrina, conforme é possível exemplificar com a abalizada opinião de Celso Agrícola Barbi, ao considerar as grandes dificuldades encontradas

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na interpretação do art. 82, inciso lU, do CPC, concluindo com muita propriedade:

"A dificuldade se acentua se for formulada a pergunta: Qual o interesse público que exige a in­tervenção do Ministério Público?

Não podem ser os da organi­zação familiar, os de zelo pelos incapazes, ausentes e testadores já falecidos, porque a eles há nor­ma expressa nos itens I e U. Não podem ser os interesses patrimo­niais da Fazenda e suas autar-

quias, porque elas têm seus pro­curadores judiciais, habilitados a bem defendê-las em juízo" (in Comentários ao Código de Pro­cesso Civil, I vol., arts. 1 Q a 153, pág.380).

Ratificando, pois, a posição que adotei em casos precedentes, e na linha da firme orientação jurispru­dencial desta Corte, não conheço do recurso do D.E.R. do Estado do Pa­raná e nego provimento ao do Mi­nistério Público.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL NQ 100.390 - SC

(Registro n Q 96.0042427-6)

Relator: O Sr. Ministro Demócrito Reinaldo

Recorrentes: Abílio de Almeida e cônjuge

Recorrido: Estado de Santa Catarina

Advogados: Eduardo A. L. Ferrão e outros, e João dos Passos Martins Neto e outros

Sustentação Oral: Dr. Eduardo Ferrão, pelos recorrentes, e a Dra. Edith Gondin, pelo recorrido

EMENTA: Processual Civil. Ação discriminatória. Preferência em relação às demais ações. Suspensão do processo. Prazo.

O processo discriminatório judicial, segundo a dicção da lei de regência, tem caráter preferencial em relação às ações que en­volvem o domínio ou a posse de imóveis situados na área discri­minada.

Estando o processo suspenso por decisão motivada, a retoma­da do andamento respectivo, antes de expirado o prazo consigna­do na lei, exige provimento jurisdicional fundamentado. A sus­pensão deve sempre ter duração determinada, evitando a eterni­zação do processo.

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Enquanto perdurar a suspensão, é defeso às partes, como ao juiz, a prática de qualquer ato processual.

Comparecendo, o réu, em juízo, apenas para argüir a nulidade da citação e, sendo esta decretada, considerar-se-á chamado o réu para integrar a relação processual, na data em que ele ou seu advogado for intimado da decisão.

Recurso parcialmente provido. Decisão unânime.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Supe­rior Tribunal de Justiça, por unani­midade, dar parcial provimento ao recurso, na forma do relatório e no­tas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte in­tegrante do presente julgado. Par­ticiparam do julgamento os Srs. Ministros Humberto Gomes de Bar­ros, Milton Luiz Pereira, José Del­gado e José de Jesus Filho. Custas, como de lei.

Brasília, 13 de março de 1997 (data do julgamento).

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Relator.

Publicado no DJ de 22-04-97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Trata-se de agravo de instrumento interposto no âmbito de ação indenizatória, porfiando pela determinação do prossegui­mento do feito, já que se encontra suspenso por determinação do Juiz, tendo em vista o disposto no art. 23 da Lei n Q 6.383/76.

O Tribunal de Justiça negou pro­vimento ao agravo, tendo os agra­vantes interposto recurso especial com base na letra a, do admissivo constitucional. Alegam ofensa aos arts. 214, § 1 Q, 265, § 5Q e 319 do Código de Processo Civil.

Admitido na origem, vieram os autos a esta instância.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): Senhores Mi­nistros:

Abílio de Almeida e sua mulher promoveram, no juízo competente, ação de indenização (desapropria­ção indireta) contra o Estado de Santa Catarina, cuja Inicial foi re­cebida pelo Juiz em 1 Q de agosto de 1977. Ocorre que em 9 de dezembro daquele ano, o Estado, representa­do pelo M. Público, juntou, aos au­tos, petição, requerendo a suspen­são da ação até o julgamento final da Ação Discriminatória de n Q 464/ 77, tendo em vista que o imóvel ob­jeto da desapropriação indireta está compreendido no pedido da discri­minatória. No mesmo dia - 9 de dezembro - o Juiz da causa defe-

114 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997.

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riu a suspensão do processo (art. 23 da Lei n Q 6.383/76).

Decorridos, apenas, sete (7) me­ses e (15) quinze dias, o Juiz, sem atentar para o disposto na lei (art. 265, § 5Q

, do CPC) determinou a ci­tação do réu (Estado de Santa Catarina), todavia, sem revogar, expressamente e de forma justifica­da, a decisão em que deliberou so­bre a suspensão do processo. Cita­do (em 4/6/79), o Estado, sem con­testar a ação, requereu: a) a suspen­são do processo da ação indenizató­ria até o julgamento final da discri­minatória; b) a renovação da cita­ção. O juiz, em 07 de junho de 1979, proferiu o despacho do teor seguin­te:

"O Estado de Santa Catarina re­quer a suspensão da presente ação até o julgamento final da Ação Discriminatória n Q 464/77. Tal pedido já tinha sido formula­do e deferido à folha 23. A ação está assim suspensa" (folha 09).

Inconformados, os autores mani­festaram agravo de instrumento, em que requereram que se torne insubsistente a decisão agravada e se reconheça a revelia do Estado e se ordene ao Juiz que julgue antecipa­damente a lide.

O Tribunal negou provimento ao agravo.

É contra esta decisão que se in­surgem os autores, pela via do Es­pecial e sob o pálio da letra a. Adu­zem que o acórdão malsinado afron­tou, a um só tempo, os arts. 214, § P, 265, § 5Q e 319 do Código de Processo Civil.

Quanto à violação aos arts. 214 e 319, não justifica o conhecimento do especial. Com efeito, o acórdão re­corrido limitou-se à aplicação e in­terpretação dos arts. 265, § 5Q e 266 do Código de Processo Civil, sem expender qualquer decisão sobre os efeitos do comparecimento espontâ­neo, do réu, em juízo, nem os da re­velia (art. 214, § P e art. 319 do CPC). É manifesta a ausência de prequestionamen to.

Todavia, no pertinente à suspen­são (indeferida) do processo da ação indenizatória (art. 265, § 5Q do CPC), o recurso merece conhecido e parcial­mente provido.

Inexiste, todavia, qualquer dúvi­da de que a ação discriminatória, uma vez ajuizada, importa na sus­pensão de ações pertinentes ao do­mínio e à posse que estejam, nela (discriminatória), compreendidos. É a dicção do art. 23 da Lei 6.383/76, in verbis:

"Art. 23. "O processo discrimina­tório judicial tem caráter prefe­rencial e prejudicial em relação às ações em andamento, referen­tes ao domínio e posse de imóveis situados, no todo ou em parte, na área discriminada".

A lei, como se observa, vem em prol dos Estados, na defesa dos do­mínios de terras devolutas, quando são objeto de pedidos indeferitórios. E a ação de desapropriação indire­ta é ação real - na definição da ju­risprudência desta Corte, condiz, efetivamente, com o domínio e a posse de terras nela envolvidas,

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estando abrangidas pela dicção da regra contida no art. 23 da Lei nº 6.383/76, citada.

De conseguinte, estando o proces­so da ação indenizatória (desapro­priação indireta) suspensa, por de­terminação expressa do Juiz, em decisão com trânsito em julgado, essa suspensão não poderia ser le­vantada, pelo magistrado, median­te o despacho citatório, antes que decorrido o prazo consignado na lei (CPC, art. 265, § 5º). E o despacho do Juiz que determinou a citação do réu se distanciou, apenas, daquele outro que suspendeu o processo, de sete (7) meses e quinze (15) dias. É evidente, pois, a nulidade do ato (ci­tatório) , em face do disposto ao art. 266 do Código de Processo Civil, assim concebido:

Art. 266 - "Durante a suspen­são é defeso praticar qualquer ato processual" .

Destarte, a citação que se deter­minou no processo da ação indeni­zatória é nulo, por determinação legal. Não se afirme que, o despa­cho que ordenou a citação do réu revogou, implicitamente, a suspen­são do processo. Em primeiro lugar,

não poderia, o Juiz, revogar a deci­são anterior, porquanto o prazo de um (1) ano ainda não havia expira­do (CPC, art. 265, § 5º); ao depois, o Juiz só poderia revogar o despacho, no curso do prazo, justificadamen­te (art. 458 do CPC e art. 93, IX da CF) ,já que, em face do ordenamen­to jurídico constitucional, inexiste decisão judicial implícita.

Por outro lado, não andou bem o Juiz, quando deferiu a suspensão, por prazo indefinido, eternizando o processo indenizatório. Se a suspen­são teve respaldo no disposto no art. 265, IV, a, do CPC, somente pode­ria perdurar por um ano (CPC, art. 265, § 5º). Com esse entendimento, todas as vezes que se promovesse ação indenizatória contra o Estado, este poderia inviabilizá-la, por lar­go espaço de tempo, com a discri­minatória.

Com estas considerações, conhe­ço do recurso pela letra a e dou-lhe provimento parcial, para determi­nar que o Juiz prossiga no anda­mento do feito (ação de desapropria­ção indireta), concedendo ao réu, prazo para a defesa, de acordo com o artigo 214, § 2º do CPC.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL Nº 101.582 - MG

(Registro nº 96.0045418-3)

Relator: O Sr. Ministro José Delgado

Recorrente: Frigorífico Irmãos Nogueira S/A

116 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997.

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Recorrida: Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais

Advogados: Drs. João Fabiano Maia e outros, e Álvaro Cangado Rocha

EMENTA: Tributário. ICMS. Pauta fiscal.

1 - A jurisprudência da Corte está assentada no sentido de não prestigiar a cobrança do ICMS com base no valor da mercadoria apurado em pauta fiscal.

2 - O princípio da legalidade tributária há de atuar, de modo cogente, sem qualquer distorção, no relacionamento fisco-contri­buinte.

3 - Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados a discutidos es­tes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tri­bunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar pro­vimento ao recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros José de Jesus Filho, Demócrito Rei­naldo e Humberto Gomes de Bar­ros. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira.

Brasília, 10 de outubro de 1996 (data do julgamento).

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro JOSÉ DELGADO, Relator.

Publicado no DJ de 28-04-97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DEL­GADO: O Frigorífico Irmãos No­gueira S/A interpõe o presente re­curso especial (fls. 209/214), com ful­cro no art. 105, inciso III, alíneas a

e c, da Constituição Federal, con­tra acórdão (fls. 199/205) proferido pela 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Ge­rais, o qual decidiu que a pauta de valores mínimos para cálculo do ICMS que decorre de pesquisa jun­to ao mercado, "é simples expedien­te para orientar o Fisco, para ser­vir de parâmetro na quantificação do tributo devido".

Aduz a recorrente ser inviável a cobrança do ICMS com base em va­lor arbitrado mediante a chamada "pauta de valores" com desprezo do critério do efetivo valor da operação.

Alega que o art. 148 do CTN e o art. 2g

, I do DL 406/68 foram con­trariados, bem como a decisão con­trarioujulgados favoráveis à tese da recorrente, demonstrando assim o dissídio jurisprudencial.

Sem contra-razões.

No juízo de prelibação (fls. 229/ 231), o Desembargador Primeiro Vice-Presidente do TJ/MG asseve­rou que: "a argumentação posta no inconformismo conta com o abono de autorizada correntejurispruden-

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cial", determinando assim a subida dos autos.

Tramita recurso extraordinário.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO (Relator): Conheço do recurso pelas letras b e c. Os pressupostos de sua admissibilidade, com base em tais dispositivos constitucionais, estão presentes.

Afigura-se, de modo incontrover­so, que o acórdão recorrido presti­giou a técnica de adoção de pauta de valores mínimos para a apura­ção, pelo Fisco, do ICMS devido pelo contribuinte.

Para tanto demonstrar, confira-se o seguinte trecho do voto que com­põe o acórdão recorrido:

"No caso, aponta-se à embar­gante a autoria de consignar, "ar­dilosamente" em seus documentos fiscais valor de venda inferior ao de mercado, e, assim, praticando subfaturamento, com descumpri­mento parcial de suas obrigações fiscais, procedimento este notó­rio no comércio, segundo a ape­lada: "ora não emite nota fiscal registrando a venda, ora a emite pondo valor aquém do efetiva­mente recebido" (fl. 110).

Já decidiu a E. 5ª Câmara Cível deste E. Tribunal, em v. Acórdão trazido à colação pelo Em. Procurador de Justiça, Dr. João Francisco Rona (fls. 171/ 173), que: "Se os valores da ven-

da, escriturados pelo contribuin­te não correspondem aos vigoran­tes na região, tem o Fisco, com base no art. 148 do CTN, c/c o art. 2Q

, inciso II, do DL n Q 406/68, e arts. 27 e 29 do Decreto-Estadual n Q 22.836/82, o direito de descon­siderar a documentação apre­sentada e adotar os valores míni­mos de sua pauta, estabelecida se­gundo os preços correntes obser­vados no mercado contemporâneo à operação, para aferir o montan­te do ICM devido, cabendo ao su­jeito passivo a obrigação de pro­var, convincentemente, não cor­responder o indício à realidade" (fl. 36, TJ-AC n Q 76.830/2 - cf. fl. 171).

O equívoco de interpretação da apelante, ao sustentar a incons­titucionalidade e ilegalidade da "pauta de valores", está em que não observou a sua finalidade, que é exatamente, como ressalta a apelada (fl. 110), de evitar so­negação fiscal, relativamente a não emissão de nota fiscal regis­trando a venda, ou sua emissão nela colocando valor inferior ao efetivamente praticado.

Não está o Fisco, como óbvio - porque esta é função da lei -a estipular que a base de cálculo do ICM seja aquela previamente em "Pauta de Valores".

A função do Fisco, neste qua­dro, limita-se a pesquisar o mer­cado, e, com base nos preços aí praticados, expedir uma pauta de valores mínimos para cálculo do ICM nas operações com os pro­dutos que especifica.

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o valor fixado pelo Fisco nes­ta pauta de valores, sendo o mí­nimo, em nada prejudica o con­tribuinte, como óbvio, pois que se a operação for tributada em pau­ta, e posteriormente constatar-se que o valor da mercadoria foi di­verso do praticado, resta claro à luz meridiana que a lei resguar­da ao contribuinte o direito de promover o devido acerto, medi­ante os procedimentos adminis­trativos previstos em lei, como assinalado à fi. l1l.

Ora, a dívida tributária objeto da execução veio a lume exata­mente em função do não recolhi­mento de ICM e multa relativa ao fato gerador descrito na certi­dão de dívida ativa (fi. 3, apenso), consignado nas notas fiscais "va­lor unitário inferior à pauta a partir de 16.11.87 ... ".

A respeito do tema enfocado no presente recurso a jurisprudência tem se posicionado, com larga maio­ria, a favor da tese desenvolvida pela recorrente. É o que demons­tram os acórdãos seguintes:

((Tributário. Imposto sobre a Cir­culação de Mercadorias e Servi­ços (ICMS). Base de cálculo. Fi­xação através de pautas de pre­ços ou valores. Inadmissibilida­de.

Quer se entendam as pautas fis­cais como presunção legal ou fic­ção legal da base de cálculo do ICMS, é inadmissível sua utiliza­ção apriorística para esse fim. A lei de regência do tributo (Decre-

to-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968) determina que a base de cálculo é "o valor da operação de que decorrer a saída da merca­doria" (artigo 2º, n. Mesmo que tomada como presun­ção relativa, a pauta de valores só se admite nos casos do artigo 148 do Código Tributário N acio­naI, em que, mediante processo regular, se arbitre a base de cál­culo, se inidôneos os documentos e declarações prestadas pelo con­tribuinte. Os incisos II e III do artigo 2º do Decreto-Lei nº 406/ 68 prevêem a utilização do valor de mercado dos bens apenas na falta do valor real da operação.

Precedentes do Supremo Tribunal Federal, que julgou inconstitucio­nal essas pautas." (REsp nº 23.313-0/GO - ReI. Min. Demó­crito Reinaldo, in DJU de 15.2.93)

((Tributário. Imposto sobre a Cir­culação de Mercadorias (ICM). Entrada de cana-de-açúcar. Di­ferimento. Fixação da base de cál­culo através das chamadas pautas fiscais ou pauta de valores míni­mos. Inadmissibilidade.

I - O arbitramento fiscal (art. 148, CTN), de forma casuística e mediante processo regular, é con­dicionado à omissão ou infideli­dade do contribuinte.

II -A adoção do preço de merca­do dos bens somente é prevista na falta do valor real da opera­ção (artigo 2º, Decreto-lei nº 406/ 68).

III - Recurso improvido." (REsp

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12.250-0/SP, ReI. Min. Cesar Asfor, in DJU de 24.5.93)

"Tributário. Cana-de-açúcar. ICM. Diferimento. Pauta fiscal.

É ilegal a predeterminação de valores, em pauta fiscal, para co­brança do ICM relativo ao forne­cimento de cana-de-açúcar." (REsp 49.907-0/SP, ReI. Min. Humberto Gomes de Barros, in DJU de 22.8.94)

"Tributário. ICM. Entrada e saí­da de cana-de-açúcar adquirida em caule para a fabricação de álcool carburante. Diferimen­to e pauta fiscal. CTN, arts. 97, § 1 Q e 148. Decreto-Lei n Q 4061 68 (art. 2 Q

, I e lI). Art. 21, VIII, CF.

1. Pretendida ofensa a convênio refoge do âmbito do recurso es­pecial (REsp 25.775-SP, ReI. Min. Pádua Ribeiro).

2. Constitui ilegalidade a cobran­ça do ICM baseada em pauta fis­cal, com manifesto desprezo do critério natural do valor da ope­ração (Decreto-Lei 406/68, art. 68). A predeterminação de valo­res nas pautas pode causar veda­da majoração do tributo (art. 97, § 1Q

, CTN).

3. Recurso improvido." (REsp 7.449-0/SP, ReI. Min. Milton Pe­reira, in DJU de 16.08.93)

Por tais fundamentos, dou provi­mento ao recurso.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL NQ 111.843 - PR

(Registro n Q 96.0068066-3)

Relator: O Sr. Ministro José Delgado

Recorrente: Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER

Recorridos: Norma Good Furutani e outros

Advogados: Drs. Ricardo Borda Lucchin e outros, e Carla Fleischfresser e outros

EMENTA: Responsabilidade civil do Estado. Teoria objetiva. Ação praticada por policial rodoviário, na presumida defesa de terceiro. Resultante de morte de terceiro estranho ao evento.

1. Se o agente público, no exercício de suas funções, pratica dano a terceiro não provocador do evento, há do Estado ser responsa­bilizado pelos prejuízos causados, em face dos princípios regedo­res da teoria objetiva.

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2. O art. 107, da CF de 1969, em vigor na época dos fatos, hoje reproduzido com redação aperfeiçoada pelo art. 37, § 62 da CF de 1988, adotou a teoria objetiva da responsabilidade civil do Esta­do, sob a modalidade do risco administrativo temperado.

3. A absolvição de policial rodoviário, no juízo criminal, em de­corrência da morte causada por ocasião de ação praticada em le­gítima defesa de terceiro, não afasta a responsabilidade civil do Estado, se não provar que o acidente ocorreu por culpa da vítima.

4. Passageiro atingido por disparo de arma de fogo em decorrên­cia de ação policial contra motorista de veículo.

5. Independência da responsabilidade civil do Estado em confron­to com a criminal, salvo quando no juízo penal se reconhece, via decisão trânsita em julgado, ausência de autoria e de materiali­dade do delito.

6. A absolvição no juízo criminal não impede a propositura da ação civil, quando pessoa que não concorreu para o evento sobre dano, não tiver culpa.

7. Indenização fixada de acordo com as regras do art. 1.537, do Código Civil, considerando-se os ganhos médios da vítima redu­zidos de um terço.

8. Indenização por danos morais cumulada com a relativa aos danos materiais. Possibilidade.

9. Recurso especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Mi­nistros da Primeira Turma do Su­perior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por una­nimidade, negar provimento ao recurso. Participaram do julga­mento os Srs. Ministros Demó­crito Reinaldo, Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Perei­ra.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro José de Jesus Filho.

Brasília, 24 de abril de 1997 (data do julgamento).

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro JOSÉ DELGADO, Relator.

Publicado no D.J de 09-06-97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO: O Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER -interpõe o presente Recurso Espe­cial (fls. 1941198), com fulcro no art. 105, inciso In, alíneas a e c, da

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Constituição Federal, contra acór­dão (fls. 192) proferido pela 5ª tur­ma do TRF da 4ª região, assim ementado:

"Responsabilidade civil. Morte causada por policial rodoviário no exercício de suas funções poli­ciais. Absolvição no juízo crimi­nal por legítima defesa de tercei­ro. Indenização por danos mate­riais e morais. Critérios para fi­xação.

1. Mesmo que o agente tenha pra­ticado o ato em legítima defesa, subsiste a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiro, que em nada contribuiu para a ocorrência do evento.

2. A indenização prevista no art. 1.537, II, do Código Civil, é devi­da tomando-se por base os ga­nhos médios da vítima, reduzidos de 1/3, que, presumidamente, se­riam gastos com sua própria man­tença. O termo inicial da pensão é o da data do fato. O termo final, em relação à viúva, é a data em que seu marido completaria 65 anos ou o da morte dela, o que ocorrer primeiro. Em relação aos filhos da vítima, o termo final é o da data em que completarem 24 anos de idade, quando presumi­velmente, terão concluído sua for­mação.

3. É cabível a indenização por da­nos morais à viúva e aos filhos, em caso de morte causada sem qualquer culpa da vítima. É in­denização cumulável com a de danos materiais (Súmula 37 do STJ), fixada a prudente critério

do juiz, a título compensatório, pela trágica perda do marido e pai, que tinha 29 anos de idade. Fixa-se tal indenização em cin­qüenta salários mínimos para a viúva e para cada um dos filhos (todos menores).

4. Considerando que a pretensão é endereçada não ao agente cau­sador da morte, mas ao Estado (responsabilidade objetiva), os honorários advocatícios devem ter como base de cálculo o mon­tante das parcelas vencidas, in­clusive pelo dano moral, e mais doze parcelas vincendas.

5. Sentença reformada, em par­te".

Sustenta o recorrente contrarie­dade aos artigos 65 do D.L. n 2 3.689/ 41 (Código de Proces~o Penal); e 15, 1.523 e 1.537 da Lein2 3.071/16 (Có­digo Civil), além de suscitar dissídio jurisprudencial.

Não há contra-razões.

Conta dos autos a interposição de recurso extraordinário (fls. 199/203) por parte do ora recorrente.

Admitido o processamento do es­pecial e do extraordinário por des­pachos (fls. 207/208) da Exma. Sra. Vice-Presidente do TRF da 4ª Re­gião, subiram os autos a esta Cor­te.

É o relatório

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO (Relator): O presente recurso

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especial não merece provimento. Inexiste qualquer violação aos arti­gos de lei apontados pela autarquia recorrente.

A certeza dessa afirmação está no exame do inteiro teor do acórdão atacado em confronto com os fun­damentos do recurso especial.

Além do mais, não foi ventilada, no acórdão recorrido, a questão sus­citada em relação aos arts. 15 e 1.523 da Lei n Q 3.071/16 (Código Civil).

Alega o recorrente que o acórdão contraria o art. 1.537 do mesmo di­ploma legal, ao conceder a indeni­zação extra por "dano moral", acres­cida das permitidas. Contudo, não lhe assiste razão, pois o acórdão encontra respaldo na Súmula 37 do ego Superior Tribunal de Justiça:

"São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral, oriundas do mesmo fato."

Esta linha de raciocínio veio a predominar no STJ, conforme os julgados REsp 3.604-SP (2ª T - 19-09-90 - DJU 22.10.90); REsp 4.236-RJ (3ª T - 04-06-91 - DJU 01.07.91); REsp 3.229-RJ (3ª T -10.06.91 - DJU 05.08.91); REsp 10.536-RJ (3ª T - 21.06.91 - DJU 19.08.91); REsp 11.177-SP (4ª T-01-10-91 - DJU 04.11.91); REsp 1.604-SP (4ª T - 09.10.91 - DJU 11.11.91) e Corte Especial, em 12/03/ 92, DJU 19.03.92, pág. 3.201.

N este sentido, registro o seguin­te pronunciamento do Ministro Dias Trindade, no REsp 4.236-RJ:

"A propósito da indenização de dano moral em caso de homicídio tenho que, realmente, a disposi­ção do art. 1.537 há de ser enten­dida como cuidando dos casos de indenização de dano material. A norma genérica do art. 159 abran­ge qualquer tipo de dano e não ape­nas o dano material.

Quanto à inacumulabilidade des­sas indenizações, também nunca entendi a razão por que, reconhe­cendo a existência de mais de um dano, só se indenize um deles. Se há o reconhecimento de que hou­ve danos material e moral, não vejo razão nenhuma por que só se indenize o dano material". (in Lima, Jesus Costa: Comentá­rios às Súmulas do STJ, 2ª ed., Brasília: Livraria e Editora Bra­sília Jurídica, 1992, pág. 252)".

Não há dissonância do acórdão recorrido com o art. 65 do D.L. n Q

3.689/41 (Código de Processo Pe­nal), visto que o alcance desse dis­positivo é o de atestar a inexistência da antijuridicidade, não afastando, por si só, a responsabilidade por danos. O próprio art. 66 do Código de Processo Penal confirma isso:

"Não obstante a sentença absolu­tória no juízo criminal, a ação ci­vil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência mate­rial do fato."

N o presente caso, a absolvição criminal em face de existir causa de exclusão de antijuridicidade (art. 386, inciso V, do CPP: legítima de-

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fesa de terceiro) não exclui a actio civilis ex delicto, pois foi reconhe­cida a existência material do fato.

Em relação ao dissídio jurispru­dencial, não apresenta o recorrente de maneira implícita e explícita a divergência entre os Tribunais, li­mitando-se a indicar os julgados. Cita, inclusive, jurisprudência que contraria suas alegações, como o RE n 9 74.554/SP, 1'! Turma, ReI. Min. Rodrigues Alckimin (DJ 20.09.74), cuja ementa completa, transcrevo:

"Responsabilidade civil do Esta­do. Teorias do risco administra­tivo e do risco integral. Provado que o fato decorreu de culpa ou dolo do lesado, não cabe ao Esta­do indenizar. Acórdão que julga improcedente ação de indeniza­ção porque a morte da vítima de­correu de ato praticado por agen­te policial em legítima defesa e no estrito cumprimento do dever le­gal. Recurso Extraordinário não conhecido."

Conforme o parecer do ilustre Procurador Regional da República da 4ª Região, às fls. 179/182, "ado­tou-se no direito brasileiro a teoria da responsabilidade civil objetiva do Estado, resultante do preceito cons­titucional do art. 107 da CF de 1969, em vigor à época dos fatos, e hoje reproduzido no art. 37, § 69 , da CF de 1988, sob a modalidade do risco administrativo. Esta linha teórica, conforme a lição de Yussef Said Cahali, embora dispense a prova da culpa da Administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima, para excluir ou ate-

nuar a indenização. A questão está centrada na investigação da causa do evento danoso, objetivamente considerada, mas sem se perder de vista a regularidade da atividade pública, a anormalidade da condu­ta do ofendido, a eventual fortuida­de do acontecimento, na determina­ção do que seja o dano injusto, pois só este merece reparação. E deslo­cada a questão para o plano da cau­salidade, qualquer que seja a qua­lificação atribuída ao risco - risco integral, risco administrativo, ris­co proveito - aos Tribunais se per­mite a exclusão ou atenuação da­quela responsabilidade do Estado quando fatores outros, voluntários ou não, tiverem prevalecido ou con­corrido como causa na verificação do dano injusto, como por exemplo, se tem como causa exclusiva o fato da natureza ou do próprio prejudicado (in Responsabilidàde Civil, São Paulo: Saraiva, 1984, págs. 364-366)".

Acresço aos fundamentos supra os desenvolvidos pelo eminente e culto juiz Teori Albino Zarascki, no voto condutor do acórdão recorrido, pela excelência do seu conteúdo e fir­mezajurídica de suas conclusões (fls. 187/190):

"Tenho como inquestionável o direito a indenização no presen­te caso. O marido e pai dos auto­res foi atingido mortalmente por disparo de arma de fogo, desferi­do por policial rodoviário, a ser­viço do réu. O depoimento de um dos policiais presentes ao fato descreve o que se passou: "que o depoente encontrava-se com o colega Edson em serviço, no KM

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108, no Bairro do Pinheirinho, na BR 116, em Curitiba, em plena madrugada, em data que não se recorda, quando viu um veículo, na ocasião com aparência de che­vette, constatando-se depois que era um corcel, saindo da mão para entrar na contra-mão, ten­tando atingir a outra pista, a fim de ficar em termos de trânsito correto. O depoente desceu do veículo oficial, no qual se encon­trava com o colega Edson, a fim de abordar o motorista do veícu­lo que estava trafegando na con­tra-mão. Quando o depoente abor­dou o veículo, praticamente este já estava entrando na pista da mão. O tempo era de neblina e o depoente acha que o motorista, olhando de lado para ver se vi­nha carro, não lhe tenha visto. Daí ter o veículo continuado a trafegar, dando a entender que o motorista o tinha colocado por cima do depoente, que foi obriga­do a cair na tentativa de se livrar do carro. Neste exato momento, ou seja, no momento em que o depoente cai e o carro passa à sua direita, o colega Edson atira, acertando no passageiro do car­ro" (fls. 78/9). Como se percebe, a vítima era mero acompanhante do automóvel, não praticara qualquer ato ilícito e nem, por qualquer outra forma, deu causa ao even­to.

Noticia-se, pela certidão de fls. 129, que no juízo criminal o au­tor do disparo foi absolvido por "legítima defesa de terceiro". Não há nos autos mais que essa lacô­nica informação a respeito do re-

ferido julgamento. De qualquer modo, tal absolvição certamente não elimina a responsabilidade civil. Reza, com efeito, o artigo 1.525 do Código Civil o seguinte: "A responsabilidade civil é inde­pendente da criminal; não se po­derá, porém, questionar mais so­bre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime". Há, é certo, o Código de Pro­cesso Penal, a proclamar, em seu artigo 65 que "Faz coisa julgada no cível a sentença penal que re­conhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em le­gítima defesa, estrito cumprimen­to do dever legal ou no exercício regular de direito". Mas o alcance desse dispositivo é o de, simples­mente, atestar a inexistência de antijuridicidade mas não afasta, por si só a responsabilidade por danos. O próprio artigo 66 do CPP confirma isso: "Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato". O fato de ter agido em legítima de­fesa não pode isentar o respon­sável pelos danos que tenha cau­sado a terceiro, como no presen­te caso, em que o de cujus foi fi­gura absolutamente passiva em todo o episódio. Esta, aliás, a li­ção da doutrina, como a de Caio Mário da Silva Pereira: "res­ponde pela reparação aquele que, procedendo em legítima defesa no exercício regular do direito, danificar a coisa alheia; igual-

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mente sujeito está a reparar o dano causado o que é levado a danificar a coisa alheia em esta­do de necessidade, isto é, para remover perigo iminente. Segun­do a noção mais exata, e já tan­tas vezes repetida, pressupõe o ato ilícito uma conduta contrária à ordem jurídica e é claro que o procedimento daquele que se de­fende ou do que exercia um di­reito seu, como de quem pretende impedir que se consume o perigo, não se pode tachar de contrave­niente à norma social de conduta. Não obstante, a obrigação de res­sarcir o dano causado existe, sob fundamento de que, no conflito de dois direitos, o titular daquele so­cialmente mais valioso poderá sa­crificar o outro, desde que se de­tenha no limite do razoável, mas nem por isto se exime de reparar o dano causado. Não há culpa no que se defende, ou no que neces­sita de remover perigo iminente. Mas há reparação, e, portanto, responsabilidade sem culpa." (Ins­tituições de Direito Civil, Foren­se, g5! ed., voI. lU, pág. 399). No mesmo sentido Silvio Rodrigues, em passagem extremamente apro­priada à hipótese em exame: "Cum­pre observar que, se no exercício do seu direito de defesa, a pessoa cau­sa dano a terceiro, o qual não é o autor da agressão injusta, seu de­ver de reparar o prejuízo se confi­gura. Assim, se o agredido reagiu contra o agressor, e atirando con­tra ele feriu terceiro, atrás de quem aquele se abrigava, deve reparar o dano causado" (Direito Civil, Sarai­va, 25! e .. 1989, voI. IV, pág. 257).

3. A observar, ademais, que, aqui, o fundamento da pretensão é a responsabilidade objetiva do Es­tado pelos atos de seus agentes, que só é elidida se demonstrada a culpa da vítima, culpa que, a toda evidência, não está nem re­motamente configurada.

4. Finalmente, o próprio recor­rente de certo modo admite a res­ponsabilidade, pois, embora te­nha a ela se oposto - ainda que laconicamente - nas razões re­cursais, ao formular o pedido de reforma da sentença pede ape­nas a redução do valor indeniza­tório, não sua eliminação. É o que se constata do pedido trans­crito no relatório.

5. Definida a obrigação de reparar o dano, examine-se o seu quan­tum. Segundo a petição inicial, "o rendimento médio mensal do de cujus à época do falecimento" era de seis salários mínimos (fls. 415). Não houve contestação es­pecífica a respeito. Tratava-se de trabalhador autônomo, que de­senvolvia atividade de estofador e vidraceiro de automóveis. Se­gundo o testemunho de pessoas que com ele conviviam no traba­lho ou que trabalhavam em ofici­nas vizinhas, o de cujus auferia rendimentos até mais elevados do que os noticiados na inicial. É o que se pode constatar dos de­poimentos de fls. 57/62. Portan­to, é bem verossímil a afirmação de que era de seis salários míni­mos mensais a média dos rendi­mentos do falecido. Consideran­do que, conforme construção pre­toriana, é de se presumir que um

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terço dos rendimentos seria des­pendido em gastos com a própria vítima, a base de cálculo, para efeito da indenização, é dos res­tantes dois terços, vale dizer, quatro salários mínimos.

6. A indenização prevista no ar­tigo 1.537, n, do Código Civil, que incide na espécie, tem por finali­dade a prestação de alimentos a quem a vítima os devia. O termo inicial da pensão, para esse efei­to, outro não pode ser senão a data da morte, a partir de quan­do a assistência material deixou de ser prestada pelo falecido. Quanto ao termo final, há de se distinguir a situação da viúva da dos filhos. A viúva faz jus a inde­nização enquanto viver, ou até o ano em que o seu falecido mari­do completaria 65 anos, o que acorrer primeiro (a idade de 65 anos foi fixada na sentença e a esse respeito nada se objetou em recurso). Já em relação aos filhos, os alimentos serão devidos até atingirem a idade em que, pre­sumivelmente, terão condições de alcançar meios para sua própria sobrevivência. Em caso análogo, o STJ adotou para tal efeito a ida­de de 24 anos, que parece bem razoável. Diz-se na ementa des­te presente: "Responsabilidade civil. Morte, pensão devida aos filhos. Limite de idade. Tratan­do-se de ressarcimento de dano material, a pensão será devida enquanto, razoável admitir-se, segundo o que comumente acon­tece, subsistisse vínculo de de­pendência. Fixação do limite em 24 anos de idade, quando, pre-

sumivelmente, os beneficiários da pensão poderão ter completa­do sua formação, inclusive curso superior" (REsp 61.001, 3ª Tur­ma, Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 24.04.95, pág. 10.405). Conside­rando que são quatro os autores (a viúva e três filhos), penso ade­quado fixar em um salário míni­mo para cada um deles a pensão devida, com o que se completam os quatro salários mínimos a que antes se fez referência, com ter­mo inicial na data da morte, e termo final segundo os critérios acima expostos. Quanto aos juros incidentes sobre as parcelas em atraso, a inicial limitou-se a plei­tear juros de mora, razão pela qual, neste aspecto, a sentença deve ser mantida.

7. Postula-se indenização por dano moral. É fácil compreender, à luz do que ordinariamente ocor­re, que a perda precoce do mari­do e pai - com apenas 29 anos de idade e nas circunstâncias em que a morte ocorreu - trouxe aos autores danos extrapatrimonias, e não apenas os decorrentes da dor profunda e da emoção da pri­meira hora, senão que também pela dor e pela ausência que se prolonga na viuvez e, sobretudo, na orfandade. É evidente, em ca­sos tais, o dano moral, como aliás reconhece a doutrina (Caio Má­rio da Silva Pereira, op. cit., pág. 401). Esse é o caminho tam­bém trilhado pela jurisprudência do STJ, como se pode ver, entre outros, dos precedentes publica­dos em RSTJ 23/260,27/268,33/ 542 e 62/429, onde ficou afirma-

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da não apenas a responsabilida­de pelo dano moral em caso de morte, como também sua cumu­latividade com a indenização por danos materiais. Aliás, a possibi­lidade da cumulação é matéria sumulada pelo ST J, no verbete 37: "São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral, oriundos do mesmo fato".

8. A dificuldade de quantificar, materialmente, o dano moral em casos como o presente, certamen­te não pode servir de empecilho à condenação. A reparação do dano moral, com efeito, jamais tem por parâmetro uma eventual equiva­lência entre a lesão moral e a quantia em dinheiro. Tal equiva­lência não pode existir, pois não se pode quantificar materialmen­te a dor do espírito, nem a triste­za, nem a viuvez, nem a orfanda­de. É por isso que, como observa Clayton Reis, "todos os autores brasileiros, como de resto os alie­nígenas, são unânimes em admi­tir o caráter meramente compen­satório dos danos morais, ao con­trário do caráter indenizatório dos danos patrimoniais. A idéia de reparar pecuniariamente os danos extrapatrimonias funda-se na gama de possibilidade que o recurso financeiro possibilita às pessoas para aplacar suas mágoas ou aflições" (Dano Moral, Foren­se, 3!! ed., 1994, pág. 88). Aliás, é exatamente em razão dessa sua natureza peculiar que a indeni­zação pelo dano moral é indepen­dente e autônoma em relação à dos danos materiais. Por outro lado, sendo materialmente im-

possível estabelecer parâmetros naturais de reparação de danos morais, e inexistindo, de um modo geral, a fixação legal de qualquer parâmetro, "o melhor critério", ainda segundo a doutri­na de Clayton Reis, "é o de con­fiar no arbítrio dos juízes para a fixação do quantum indenizató­rio. Afinal", diz ele, "o magistra­do, no seu mister diário de jul­gar e valer-se dos elementos alea­tórios que o processo lhe oferece e, ainda, valendo-se de seu bom senso e sentido de eqüidade, é quem determina o cumprimento da lei, procurando sempre resta­belecer o equilíbrio social, rom­pido pela ação de agentes, na prá­tica de ilícitos" (op. cito pág. 103). Pois bem, considero razoável, da­das as modestas condições mate­riais dos autores, que a indeni­zação de valor equivalente a cin­qüenta salários mínimos para cada um deles (portanto, duzen­tos salários mínimos no total), é adequada à compensação do dano moral sofrido. 9. No que se refere a honorários advocatícios, a jurisprudência tem entendido que o § 5Q art. 20 do CPC não se aplica aos casos em que a indenização tem por fundamento a responsabilidade objetiva, hipótese em que a base de cálculo são as prestações vencidas e doze parcelas vincen­das (Theotonio Negrão, Código de Processo Civil, Saraiva, 26!! edição, pág. 97). Adoto tal orien­tação para o caso concreto, dei­xando esclarecido que o percen­tual de 10% há de incidir também

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sobre o valor da indenização por danos morais. Em suma, voto no sentido de pro­ver parcialmente a ambos os re­cursos, para reformar a senten­ça e fixar a condenação segundo os critérios e valores acima refe­ridos. É o voto".

o substancioso pronunciamento do acórdão recorrido homenageia a teoria objetiva da responsabilidade civil, que é aplicada ao Estado. Face aos seus princípios, exige-se da par­te promovente, apenas, que faça a demonstração inequívoca do nexo etiológico entre o fato lesivo (comis­sivo ou omissivo) imputável à Ad­ministração Pública, e o dano de que se queixe. Evidenciado o liame cau­sal, não há necessidade de ser pro­vada a culpa do agente da entidade pública, que de resto ou se presu­me, ou mesmo se apresenta como irrelevante quando se cuida de dano injusto. (Yussef Said Cahali, in Responsabilidade Civil do Estado, Edit. RT, SP, 1982, pág. 112).

Vinculado a esse pressuposto oriundo da teoria objetiva, o ônus da prova de que o evento danoso ocorreu por parte da vítima passa para o Estado. A exclusão da respon­sabilidade civil só ocorrerá, em tais situações, se a pessoa jurídica de direito público demonstrar que a vítima foi quem concorreu com cul­pa ou dolo para o acontecimento provocador do prejuízo.

Como já bem demonstrado, no caso em julgamento, o ato do agen­te público (patrulheiro rodoviário em serviço), embora lícito, resultou

na morte da vítima sem que esta tenha concorrido com culpa ou dolo, em qualquer grau, para o evento, conforme reconheceu soberanamen­te o acórdão recorrido. Estabiliza­da, de modo definitivo, está tal si­tuação, sem condição de ser reexa­minada em sede de recurso especial.

Acrescento, ainda, aos funda­mentosjá expostos, que ojulgamen­to penal invocado pelo recorrente não exerce qualquer influência na presente ação de responsabilidade civil. Essa influência só seria agres­siva, ao ponto de excluir a respon­sabilidade civil do Estado, se a sen­tença penal, com trânsito em julga­do, afirmasse a ausência de autoria por parte do agente público e a inexistência do fato.

No caso da absolvição penal por ausência de culpa do agente públi­co, predomina em nosso sistemaju­rídico o assinalado por Yussef Said Cahali, ob. cit., pág. 114, de teor seguinte:

"As duas últimas hipóteses do esquema comportam tratamento unificado, e quanto a eles, assis­te razão a Hely Lopes Meirel­les: tanto a absolvição por ausên­cia de culpa penal do funcioná­rio, como a absolvição por insufi­ciência de provas ou por outros motivos, não produz efeito algum no juízo civil: o ilícito penal é mais que o ilícito civil, não se pondo aquele como condição da ação indenizatória; é insuficien­te a prova colhida na ação penal, nada impede que se demonstre, por outras provas, a culpa civil

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(Direito Administrativo Brasilei­ro, pág. 615)".

É de relevo, também, na aplica­ção da teoria objetiva da responsa­bilidade civil do Estado, o fato de que a Administração Pública, ao atuar, pode, mesmo no exercício de uma atividade lícita, gerar dano ao particular. O importante para que o Estado se isente de indenizar esse prejuízo, é que prove o atuar culpo­so ou danoso da vítima. Caso con­trário, em decorrência, tão-somen­te, do seu atuar, não pode ser ex­cluído da responsabilidade de inde­nizar.

Embora desnecessário, cumpre­me renovar preciosa citação de Wa­shington de Barros Monteiro, in Curso de Direito Civil, voI. I, 30ª ed., Saraiva, 1991, pág. 108:

"A Constituição Federal alar­gou, pois, consideravelmente, o conceito de responsabilidade ci­vil, de modo a abranger aspectos concretos que o direito anterior não conhecia, ou não levava em conta para conceder indenização. Presentemente, para que o Esta­do responda civilmente, basta a existência do dano e do nexo cau­sal com o ato do funcionário, ain­da que lícito, ainda que regular. A idéia da causalidade do ato veio substituir a da culpabilidade do agente. Por outras palavras, é o acolhimento da teoria do risco integral, iterativamente consa­grada pela jurisprudência.

Entretanto, para empenhar a responsabilidade do Estado por

ato de seu servidor, é essencial se ache este em serviço por ocasião do evento danoso.

Preciso é que o representante pratique o ato nessa qualidade, isto é, no exercício da função pú­blica, e não individualmente, no caráter de pessoa privada. Mas, provado que o funcionário agiu nessa qualidade, a Fazenda paga, ainda que aquele tenha excedido os limites legais de suas funções, transgredido seus deveres ou pra­ticado abuso de poder".

O sistema jurídico da responsa­bilidade civil do Estado não foi mo­dificado com a promulgação da Cons­tituição Federal de 1988. O art. 37, § 6Q

, desse Diploma Maior, determi­na que as pessoas jurídicas de di­reito público "responderão pelos danos que seus agentes, nessa qua­lidade, causarem a terceiros, asse­gurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Os intérpretes da Carta Magna são unânimes no afirmar que ado­tou-se a teoria da responsabilidade objetiva em seu conceito integral. Em face dos seus efeitos, há respon­sabilidade civil do Estado por danos produzidos por seus agentes, mes­mo que inexista culpa ou dolo dos mesmos ao praticar o ato lesivo. A responsabilidade, em tal patamar, não está vinculada diretamente ao pressuposto subjetivo da culpa.

Por último, há de se esclarecer que o presente recurso especial não está sendo decidido à luz do art. 37,

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§ 6Q, da CF. Os princípios que o re­

gem foram invocados, apenas, para demonstrar os limites que ao tema devem ser expostos.

Define-se, com base nos funda­mentos acima desenvolvidos, no re­curso em apreço, com carga decisó­ria em resumo, apenas:

a) não ter havido violação ao art. 65, do Código de Processo Penal, como apregoado pela au­tarquia recorrente;

b) não merecer conhecimento a alegada negação de vigência do art. 1.523, do Código Civil, por ausência absoluta de prequestio­namento;

c) o art. 1.537, lI, do Código Civil, foi bem aplicado pelo acór­dão recorrido, por ter lhe empres­tado interpretação consentânea com o nosso ordenamento jurídi­co;

d) não há o dissídio jurispru­dencial invocado, haja vista os acórdãos apontados como diver­gentes terem cuidado de litígio não assemelhado com o decidido;

e) o art. 15, do Código Civil, por, em seu conteúdo, tratar de matéria constitucional, haja vis­ta reproduzir a mensagem do art. 37, § 6Q

, da CF, só merecer apre­ciação no âmbito do recurso ex­traordinário.

Por tais fundamentos, nego pro­vimento ao recurso especial.

É como voto.

VOTO DE VISTA

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Senhores Ministros:

Cuida-se, no caso, de ação inde­nizatória promovida contra o De­partamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER, por familia­res de vítima, morta por um Polici­al Rodoviário, absolvido no Juízo Criminal por ter praticado o ato em legítima defesa e cuja sentença transitou em julgado.

O Recurso Especial é do DNER, ao qual o eminente Ministro José Delgado, Relator, negou provimen­to. Pedi vista dos autos por ter dú­vidas sobre a repercussão da sen­tença absolutória, no Juízo Crimi­nal, em face da legítima defesa, no julgamento da causa. E, examinan­do os autos, as dúvidas que me as­saltaram não eram sem razão, em­bora, por outras circunstâncias, eu esteja obrigado a acompanhar o Relator, no caso presente.

Em verdade, aquele que pratica o fato em legítima defesa age em consonância com a lei. Acaso o Poli­cial tivesse matado o próprio autor da agressão e não se haveria de fa­lar em indenização, se, no juízo cri­minal, fosse considerada legítima (em legítima defesa) a sua ação. É que, como bem salientou o nobre Relator, em seu voto, o direito bra­sileiro, em matéria de responsabi­lidade civil do Estado, adotou a teo­ria do risco. E, conforme lição de Cretella Júnior e YussefCahali, "embora se dispense a prova da cul­pa da administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa da

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vítima, para excluir ou atenuar a indenização. A questão está centra­da na investigação da causa do evento danoso, sem se perder de vis­ta a regularidade da atividade pú­blica, a anormalidade da conduta do ofendido e a eventual fortuidade do acontecimento para a determinação do que será dano injusto, pois, só este merece reparação". Ora, a in­denização exige que o dano seja in­justo. Se o agente público defende­se de agressão injusta da vítima, sendo a culpa pelo evento danoso do próprio ofendido e é reconhecida a legítima defesa, não há que se cogi­tar de dano injusto. Ao contrário, o ato do funcionário agredido é lícito e justo, porque praticado na defesa de direito seu - a própria vida. É assim que entende o STF, como se vê do acórdão proferido no julga­mento do RE n Q 74.554, assim emen­tado:

"Responsabilidade Civil do Es­tado. Teorias do Risco Adminis­trativo e do Risco Integral. Pro­vado que o fato decorreu de cul­pa ou dolo do lesado (vítima), não cabe ao Estado indenizar. Acór­dão que julga improcedente ação de indenização porque a morte da vítima decorreu de ato praticado por agente policial em legítima defesa e no estrito cumprimento do dever legal. Recurso extraor­dinário não conhecido".

No julgamento do RE n Q 68.107, o STF repetiu o escólio, assentando que, "embora tenha a Constituição admitido a responsabilidade objeti­va, aceitando a teoria do risco admi-

nistrativo, fê-lo com temperamen­tos para prevenir os excessos e a própria injustiça. Não exigiu da ví­tima e seus beneficiários, em caso de morte, a prova da culpa ou do dolo do funcionário, para alcançar a indenização, mas não afastou o Estado de eximir-se da reparação, se o dano defluíra do comportamen­to doloso ou culposo da vítima". No mesmo sentido os Recursos Extra­ordinários nl!tl93.376, 78.569, 74.292 (RTJ, voI. 131/417 e RDA, voI. 179/ 180).

Fosse, no caso, a própria vítima o agressor e tivesse sido abatida pelo Policial, o DNER estaria forro à indenização. O ato injusto teria sido da vítima, e teria agido com dolo.

Todavia, no caso em tela, a ver­são é diferente. Trata-se de legíti­ma defesa de terceiro. Um Policial que defende outro colega (legítima defesa de terceiro), da agressão in­justa do motorista de um auto ca­minhão e, ao efetuar o disparo, atin­ge a vítima, que era um terceiro (viajando na cabine do auto) e in­teiramente indiferente aos aconte­cimentos. A vítima não deu causa ao evento e dele não participou de qualquer forma. Em relação ao ofen­dido (que veio a falecer), o dano foi injusto, carecendo de reparação, em face do disposto no art. 1.519 do Código Civil.

Com estas considerações, acom­panho o voto do eminente Relator, negando provimento ao recurso.

É como voto.

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