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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM ADMINISTRAÇÃO
PRIMEIROS IMPACTOS DA PACIFICAÇÃO NO CONSUMO DE MORADORES DE FAVELAS
CARIOCAS
ALINE VIEIRA MUNIZ
ORIENTADORA: Prof.ª Dr.ª LUCIA BARBOSA DE OLIVEIRA
Rio de Janeiro, outubro de 2013
2
PRIMEIROS IMPACTOS DA PACIFICAÇÃO NO CONSUMO DE MOR ADORES DE FAVELAS CARIOCAS
ALINE VIEIRA MUNIZ
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado Profissionalizante em Administração como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Administração. Área de Concentração: Comportamento do Consumidor
ORIENTADORA: Prof.ª Dr.ª LUCIA BARBOSA DE OLIVEIRA
Rio de Janeiro, outubro de 2013
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PRIMEIROS IMPACTOS DA PACIFICAÇÃO NO CONSUMO DE MOR ADORES DE FAVELAS CARIOCAS
ALINE VIEIRA MUNIZ
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado Profissionalizante em Administração como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Administração. Área de Concentração: Comportamento do Consumidor
BANCA EXAMINADORA: _____________________________________________________ Professora Dra. LUCIA BARBOSA DE OLIVEIRA (Orientadora) Instituição: IBMEC-RJ _____________________________________________________ Professor Dr. LUIS FERNANDO FILARDI FERREIRA Instituição: IBMEC-RJ _____________________________________________________ Professor Dra. CECÍLIA LIMA DE QUEIRÓS MATTOSO Instituição: UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
Rio de Janeiro, outubro de 2013
4
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer primeiramente à Professora Lúcia Oliveira, por todo seu apoio na
orientação deste projeto. Sua colaboração e visão metodológica foram extremamente úteis
para delinear e aprimorar este trabalho de pesquisa.
Agradeço ainda ao Professor Fernando Filardi, por aceitar fazer parte da banca examinadora e
ainda ter contribuído com todo seu conhecimento sobre as comunidades cariocas para o
desenvolvimento do trabalho.
Um especial obrigada ao meu marido Aluísio, meu amor e maior apoiador ao longo dos
últimos 2 anos de estudos. Nos momentos mais difíceis, seu apoio foi fundamental para a
condução do mestrado, principalmente nos últimos meses da gravidez dos nossos gêmeos.
Aos meus filhos Arthur e Henrique, que chegaram há poucos meses em minha vida e já se
tornaram minha maior fonte de inspiração, fazendo crescer em mim a cada dia o desejo se ser
um exemplo de mãe, que luta por seus objetivos com paixão e dedicação.
Também agradeço à equipe da Casa 7 Pesquisas, parceiros de trabalho há mais de 10 anos. A
amizade e a ajuda de vocês me deram forças para continuar o campo de pesquisa no final da
gravidez e depois da chegada dos gêmeos. Sua ajuda no recrutamento dos entrevistados foi
determinante para a conclusão desta dissertação.
À minha equipe de trabalho na L’Oréal Brasil, meu sincero agradecimento pelo apoio nos dias
mais atribulados, garantindo que eu pudesse frequentar todas as aulas sem sobressaltos.
Por fim, agradeço ao corpo docente do IBMEC, que tanto colaborou para tornar realidade
meu antigo sonho de fazer o Mestrado em Administração. A cada novo dia, nova descoberta e
a certeza de estar no caminho certo.
5
RESUMO
Diversos autores têm destacado a importância da população de baixa renda na sociedade de
consumo – este importante sistema de valores que constrói identidades e se torna uma forma
de inclusão social (PRAHALAD e HAMMOND, 2002; PRAHALAD e HART, 2002;
KARNANI, 2007). No caso brasileiro, o aumento da renda média da população e a chegada
de um grande contingente de pessoas à chamada classe média trouxeram um impulso
importante ao consumo, despertando o interesse de grandes empresas. No Rio de Janeiro, este
movimento foi ainda mais significativo em função da pacificação de diversas comunidades
carentes da cidade. Com o objetivo de entender os primeiros impactos da pacificação de
favelas cariocas no consumo de seus residentes, foi desenvolvido este estudo qualitativo no
Morro Santa Marta, na Favela da Rocinha e na Cidade de Deus, conduzido por meio de
entrevistas pessoais em profundidade com 15 moradores, cinco de cada uma das comunidades
pesquisadas. Os resultados mostraram um ganho em qualidade de vida para muitos dos
entrevistados, decorrente de melhor infraestrutura, iluminação pública, chegada de energia
elétrica, TV por assinatura, internet, creches e comércio em geral. Mas, acima de todos estes
ganhos, a segurança foi o fator de maior impacto sobre o consumo. Após anos vivendo em
meio à presença do tráfico, a segurança advinda da entrada das UPPs foi mencionada por
todos como o ponto mais positivo, sendo também o principal determinante do aumento de
consumo nas comunidades estudadas. Com mais segurança, as empresas se instalam de
maneira numerosa nas favelas e incrementam o consumo dentro das mesmas e, com liberdade
para ir e vir, os moradores saem mais e consomem mais em comércios e shoppings próximos.
Ganha não apenas a comunidade, mas também todo o comércio e serviços do entorno, com
um potencial que vai além dos limites da favela.
PALAVRAS-CHAVE: baixa renda, classe média, favelas, comunidades, Rio de Janeiro,
consumo, infraestrutura, pacificação, UPP.
6
ABSTRACT
Several authors have highlighted the importance of low-income population for consumption
society – this important system of values that builds identities and becomes a way of social
inclusion (PRAHALAD e HAMMOND, 2002; PRAHALAD e HART, 2002; KARNANI,
2007). In Brazil, the recent growth on the population’s average income and the growing
number of people ascending to the medium social class brought an important impulse to
consumption, attracting the attention of many large companies. In Rio de Janeiro, this
movement was especially significant, considering the pacification of several low-income
communities. This qualitative study had been developed with the purpose of understanding
the first impacts of the pacification on the consumption of the slum’s inhabitants. Therefore,
face-to-face semi-structured interviews were conducted with 15 residents, five on each the
communities of Santa Marta, Rocinha and Cidade de Deus. The results showed a clear
improvement on the interviewees’ quality of life. They highlighted a better infrastructure,
streetlights, access to electric power, cable TV, internet, child day care centers and commerce
in general. However, above all these positive gains, the biggest impact came from safety.
After years living under drug dealers’ presence, the safety that came with the UPP’s was the
mentioned as the best result, and was also the most important fact that leveraged consumption
within the studied slums. With more safety, numerous companies arrived on these places and
stimulated local consumption and, with freedom to come and go, the inhabitants are also able
to visit nearby commerce and shopping malls. Thus, safety was positive beyond the
communities’ limits, improving all commerce and services in the neighborhood.
KEY WORDS: low income, medium class, slums, Rio de Janeiro, consumption,
infrastructure, pacification, UPP.
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – A pirâmide social no mundo _________________________________________ 13
Figura 2 – Os aglomerados subnormais na cidade do Rio de Janeiro __________________ 23
Figura 3 – Diretrizes de Ação das UPPs Sociais __________________________________ 26
Figura 4 – Pesquisa IBPS sobre presença das UPP’s em favelas. _____________________ 46
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Brasil metropolitano: evolução da taxa de pessoas de baixa renda ___________ 14
Gráfico 2 – Distribuição das despesas de consumo médio mensal familiar, por tipo de despesa, para a Classe Média – Brasil, período 2008-2009 ______________________ 17
Gráfico 3 – População de baixa renda na Região Metropolitana do Rio de Janeiro _______ 21
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Evolução das classes de renda entre 2003 e 2009 ________________________ 16
Quadro 2 – Municípios com maior população residente em aglomerados subnormais _____ 20
Quadro 3 – As 15 maiores favelas da cidade do Rio de Janeiro ______________________ 22
Quadro 4 – Cronologia da pacificação das favelas no Rio de Janeiro __________________ 24
Quadro 5 – Perfil dos entrevistados ____________________________________________ 32
8
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO _______________________________________________________ 9
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA __________________________________________ 11
2.1 Uma visão sobre o consumo ___________________________________________ 11
2.2 A população de baixa renda e seu potencial de consumo ___________________ 12
2.2.1 A base da pirâmide no mundo __________________________________________ 12
2.2.2 A base da pirâmide no Brasil ___________________________________________ 13
2.2.3 Os pobres e seu poder econômico _______________________________________ 15
2.2.4 O consumo entre a população de baixa renda ______________________________ 16
2.3 As favelas no Brasil e na cidade do Rio de Janeiro ________________________ 18
2.3.1 As favelas ou aglomerados subnormais ___________________________________ 18
2.3.2 As favelas na cidade do Rio de Janeiro ___________________________________ 21
2.4 As UPP’s e a mudança de paradigmas __________________________________ 23
2.4.1 A pacificação das favelas ______________________________________________ 23
2.4.2 A entrada de novos produtos e serviços nas comunidades após a pacificação ______ 26
3. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ________________________________ 30
3.1 Escolha dos locais a serem estudados ___________________________________ 31
3.2 Seleção e perfil dos entrevistados ______________________________________ 32
3.3 Coleta de dados e análise _____________________________________________ 33
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ___________________________ 35
4.1 Contexto e vida antes da UPP _________________________________________ 35
4.2 A chegada da UPP e novos cenários ____________________________________ 44
4.3 Novas empresas e novos modos de consumo _____________________________ 51
4.4 O que esperar do futuro? _____________________________________________ 58
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ____________________________________________ 61
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ________________________________________ 66
APÊNDICE – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS _______________________________ 72
9
1. INTRODUÇÃO
Não faz muito tempo, autores internacionais começaram a abordar a necessidade de se olhar
para as populações mais pobres nos países emergentes – extremamente numerosas e pouco
atendidas pelas empresas em geral. A principal ideia defendida era que as empresas, com seu
poder econômico, poderiam investir nestes mercados e obter negócios lucrativos. Não se trata
de filantropia, mas sim de entender o real potencial deste público em termos de consumo e
empreendedorismo (PRAHALAD e HAMMOND, 2002; PRAHALAD e HART, 2002;
KARNANI, 2007).
Trazer este enorme contingente de pessoas para o mercado consumidor não é simples. São
muitas as barreiras encontradas, como dificuldade de distribuição, a necessidade de se chegar
a preços realmente acessíveis e de se pensar todo o negócio de maneira diferente, com um
olhar que transforme cada barreira em oportunidade. Não basta usar velhas tecnologias ou
métodos e aplicá-los nos novos mercados, mas sim entender que estes novos consumidores
demandam uma nova visão de negócios como um todo (HART, 2005; SIMANIS e HART,
2008; HART 2010).
Mesmo com tantas oportunidades, não são muitas as empresas em todo o mundo que se
dedicam a criar novos modelos de negócios para a chamada base da pirâmide (PRAHALAD
e HART, 2002). São mais escassos ainda exemplos no Brasil, onde há apenas alguns anos se
nota a produção de conhecimento sobre o consumo dos pobres, suas necessidades e como
abordá-los (e.g. BARROS, 2007; CASTILHOS e ROSSI, 2009; CHAUVEL e MATTOS,
2008; MATTOSO, 2005). Como consequência, poucas empresas têm desenvolvido iniciativas
específicas para este grupo. Aquelas que já começam a empreender nesse sentido e buscam
levar produtos e serviços para este público aumentam sua base de consumidores e também
contribuem para melhorar a qualidade de vida dos locais atendidos.
Um exemplo importante vem ocorrendo no Rio de Janeiro, com a pacificação das
comunidades carentes da cidade. Um processo que começou em 2008, no Morro Santa Marta
em Botafogo, e se espalhou por vários pontos da cidade, chamando a atenção das empresas
para o potencial de consumo deste público. Os moradores das comunidades pacificadas
começaram a ter acesso a serviços de energia elétrica – em casa e nas vias públicas –, TV por
10
assinatura, internet, além da instalação de bancos, creches e escolas, mudando o padrão de
consumo local.
Diante deste contexto, o presente estudo está baseado em dois objetivos centrais:
• Analisar em profundidade os efeitos da pacificação e de seus desdobramentos sobre a
vida dos moradores de favelas pacificadas do Rio de Janeiro, entendendo impactos
positivos e negativos em suas rotinas decorrentes do processo de pacificação;
• Entender hábitos de consumo destes moradores e como o acesso a serviços como
energia elétrica, TV por assinatura, internet, bancos e outros vêm afentando o perfil
de consumo desta população.
Neste contexto, o presente trabalho se insere na linha de pesquisas conhecida como teoria da
cultura do consumo ou consumer culture theory (CCT), voltada ao entendimento de aspectos
sociais, culturais, experienciais e simbólicos associados ao consumo (ARNOULD e
THOMPSON, 2005; PINTO e LARA, 2011). Essa tradição de pesquisas emergiu na literatura
internacional na década de 1980, em resposta à perspectiva então dominante – fundamentada
nos preceitos da teoria microeconômica e da psicologia cognitiva – de um consumidor
racional em suas decisões (ARNOULD e THOMPSON, 2005). No Brasil, a CCT vem se
estabelecendo como abordagem de pesquisa apenas mais recentemente, o que tem contribuído
para o surgimento de novas abordagens metodológicas e novos entendimentos sobre atos,
sujeitos e contextos de consumo (PINTO e LARA, 2011).
Diante da escassez de pesquisas referentes ao consumo das classes menos favorecidas no
Brasil, verificou-se ser ainda mais escasso estudos sobre os impactos da pacificação na vida
do morador da favela pacificada. Buscou-se com esta pesquisa, portanto, ampliar a base de
conhecimento sobre o assunto, na expectativa de que os resultados aqui apresentados
estimulem mais pesquisadores a se aprofundar no tema.
Cabe ainda especificar que se buscou o entendimento dos impactos da pacificação a partir da
ótica dos próprios moradores de comunidades pacificadas como Santa Marta, Rocinha e
Cidade de Deus. A visão das empresas que investiram nesses locais, portanto, não fez parte do
escopo do trabalho.
11
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Como a pesquisa foi desenvolvida tendo como base a questão do consumo nas favelas, no
primeiro bloco procuramos estabelecer uma visão sobre os temas consumo e comportamento
do consumidor. E por concentrar uma população predominantemente de baixa renda, no
segundo bloco exploramos esse mercado no mundo e no Brasil, com foco no seu perfil e
potencial de consumo. O terceiro bloco discute as favelas no Brasil e na cidade do Rio de
Janeiro, com destaque para o conceito dos “aglomerados subnormais”. Por fim, o quarto bloco
aborda o histórico e o processo da pacificação das favelas no Rio de Janeiro, mostrando ainda
como algumas empresas se interessaram em entrar nestes mercados e explorar o potencial das
regiões pacificadas.
2.1 Uma visão sobre o consumo
Rocha (2004, 2006) afirma que o consumo representa um sistema de valores central na vida
cotidiana e um mecanismo estruturador de valores que constroem identidades, regulam
relações sociais e definem mapas culturais. Já Rocha e Silva (2009) colocam que todo ato de
consumo possui significados simbólicos e os bens podem servir para demarcar fronteiras
sociais, distinguir e hierarquizar, reafirmar, negar ou esconder o pertencimento a um grupo
social, reforçando a autoestima ou celebrando laços de amizade e parentesco.
De acordo com Barbosa (2004), o consumo é um processo essencialmente cultural: é um
processo porque não tem seu início e nem seu fim na compra do bem ou serviço, e é cultural
pois funciona como elemento de construção e afirmação de identidades, diferenciação,
exclusão e inclusão social – intermediando relações e práticas sociais.
Rocha e Silva (2009) defendem o consumo como uma forma de inclusão social e uma
importante ancoragem cultural na sociedade contemporânea. Desta forma, indivíduos sem
acesso ao consumo acabariam marginalizados no sistema social e impossibilitados de
expressar sua identidade. Douglas e Isherwood (2004, p.36) complementam que o consumo
tanto pode ser uma forma de inclusão, como pode também fomentar a exclusão entre grupos
em determinado contexto cultural, mencionando que “os bens são neutros, seus usos são
sociais, podem ser usados como cercas ou como pontes”.
12
Com as pessoas interagindo no meio urbano e as linhas que diferenciam as classes sociais se
tornando mais tênues, o consumo torna-se a forma que as camadas superiores utilizam para se
diferenciar das inferiores. O consumo seria, portanto, também uma forma de estabelecer
comparação e distinção (VEBLEN, 1980). O que distinguiria uma classe da outra não seria
então apenas a posse do bem em si, mas sim o uso que se faz do mesmo, a partir de uma
combinação de três tipos de capital: o “econômico”, que são os recursos financeiros; o
“social”, que são os relacionamentos; e o “cultural”, que seria a origem social e educação
formal (BOURDIEU, 1985).
Sendo assim, pesquisar o consumo é decisivo para entender experiências e representações
coletivas.
O consumo utiliza um complexo sistema de representações, que define
capitais sociais, expressa identidades, projetos, comportamentos,
subjetividades, diferenças, relações e oferece um mapa classificatório que
regula várias esferas da experiência social da cultura contemporânea.
(ROCHA, 2009)
2.2 A população de baixa renda e seu potencial de consumo
Nesta seção, discute-se inicialmente como o tema da população de baixa renda no mundo e no
Brasil é tratado nos meios acadêmicos, com a constatação de que pesquisas sobre o assunto
ainda são escassos no Brasil. Em seguida, aborda-se a importância do consumo entre os
pobres no país, associado ao forte crescimento de seu poder aquisitivo verificado nos últimos
anos. A última parte tem como foco a população de baixa renda da cidade do Rio de Janeiro.
2.2.1 A base da pirâmide no mundo
Historicamente, a população de baixa renda mundial recebeu pouca atenção dos acadêmicos
de Administração. Apenas a partir do ano 2000, nota-se finalmente um crescente interesse
pelos mercados emergentes e consumidores de baixa renda, principalmente por autores como
Prahalad, Hammond e Hart, entre outros. Os estudos destes autores mostram que o mundo
possui em torno de quatro bilhões de pessoas na chamada base da pirâmide, cuja renda situa-
se em torno de dois mil dólares anuais (PRAHALAD e HAMMOND, 2002). Tais estudos
defendem, ainda, que esta população possui um imenso potencial de consumo – ao contrário
13
do que se acreditava até então. O desafio seria deixar de pensar nos pobres como vítimas e vê-
los como empreendedores e consumidores conscientes de valor (PRAHALAD e
HAMMOND, 2002; PRAHALAD e HART, 2002; KARNANI, 2007).
Figura 1 – A pirâmide social no mundo
Fonte: PRAHALAD e HAMMOND, 2002.
2.2.2 A base da pirâmide no Brasil
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2011) classifica a população de baixa
renda no Brasil como aquela que recebe até meio salário mínimo mensal de rendimento médio
familiar per capita. O Gráfico 1 ajuda a dimensionar a questão da pobreza no Brasil,
mostrando uma queda no percentual de pobres residentes nas principais regiões
metropolitanas do país.
14
Gráfico 1 – Brasil metropolitano: evolução da taxa de pessoas de baixa renda
Fonte: IPEA, 2011.
No Brasil, é ainda mais escassa a literatura sobre a população de baixa renda. Segundo Barros
& Rocha (2007), a maior parte dos estudos no país se aprofunda no universo de consumo das
classes A e B, considerando este público mais rentável e mais “formador de opinião”. Rocha
(2009) diz ainda que as camadas populares eram consideradas invisíveis, pois praticamente
não participavam do mundo do consumo. Entre a metade da década de 70 e os anos 90, a
instabilidade da moeda e as altíssimas taxas de inflação excluíam este público do sistema
financeiro, dando-lhes poucas saídas senão utilizar seu salário o mais rapidamente possível e
garantir a compra dos produtos para sua subsistência. As consequências disto eram pessoas
que ficavam fora dos estudos sobre consumo e dos interesses do marketing e das pesquisas de
mercado no Brasil. Rocha (2009, p.14-15) completa:
Os modelos de (...) classe social (...) contribuíam para manter invisível este
consumidor. (...) Escalas como A, B, C, D e E (...) nos levam a criar a (...)
ideia de que o pobre não consome, sobrevive. Essa visão passa pela imensa
dificuldade que a pesquisa de mercado possui em ouvir o outro. (...) Esse
preconceito de classe, que impede o conhecimento de grupos sociais que
estão na base da pirâmide, se amplia ainda mais quando (...) trata-se de
pensar que o desejo do consumo é gerado por uma elite econômica e depois
desliza para baixo.
Sarti (2011) destaca que a dimensão simbólica não encontrava espaço nas análises de
consumo dos pobres, onde parecia que tudo se moveria apenas por uma “razão prática” que
39,1%
41,9%
39,5%
37,2%
34,1%33,1%
31,8%30,6%
27,8%27,1%
25%
30%
35%
40%
45%
jul/02 jul/03 jul/04 jul/05 jul/06 jul/07 jul/08 jul/09 jul /10 jul/11
15
permite às pessoas sobreviverem em meio à escassez. Era uma lógica da “falta” de bens, de
trabalho e de consciência de classe. A autora diz ainda que somente a partir da década de 80
surgem mais estudos etnográficos que enfatizaram as camadas populares urbanas.
É importante ainda pontuar alguns estudos que buscam delinear a identidade do pobre
brasileiro. Zaluar (2000) e Sarti (2011) mostram que os pobres se definem como
“trabalhadores”, em oposição a qualquer ideia de que sejam “vagabundos”. Suas famílias
possuem papéis claramente definidos, onde o homem – quando existente na família – seria o
provedor, e a mulher aquela que controla o orçamento da família e as prioridades de consumo.
Zaluar (2000) fala ainda da importância do entorno ou vizinhança como fundamental para
reproduzir a cultura própria da classe, enquanto Sarti (2011, p.116) complementa dizendo que
o vizinho é como “o espelho que serve de parâmetro para a criação de sua identidade social
(...), num processo onde solidariedade e rivalidade caminham juntas”.
De acordo com Castilhos e Rossi (2009), em seu estudo sobre o consumo dos pobres no Rio
Grande do Sul, a classificação que os pobres fazem de si mesmos se divide em três esferas: os
“pobres-pobres”, que vivem em posição mais precária de alimentação e por vezes falta de
moradia; os “pobres”, com acesso à moradia e alimentação sem luxos, mas farta; e a “elite dos
pobres”, formada por pequenos empresários e comerciantes locais, com melhores condições
econômicas e que são o símbolo de ascensão social para os demais.
2.2.3 Os pobres e seu poder econômico
Com a estabilidade da moeda advinda do plano Real, este cenário que mostra a população de
baixa renda como excluída do cenário econômico vem mudando. A expansão do emprego e
da massa salarial, juntamente com políticas governamentais de proteção social, foram fatores
que proporcionaram o crescimento da renda por parte das famílias das classes mais baixas
(BARROS e ROCHA, 2007; FECOMÉRCIO-SP, 2012). Barone (2008) destaca, ainda, o
importante papel dos instrumentos de crédito como impulsionador do consumo. Segundo o
autor, iniciativas governamentais permitiram a inclusão de uma grande massa de pessoas no
sistema financeiro nacional, especialmente a partir de 2003. Como exemplo, pode-se citar a
lei nº 10.735, de 11 de setembro de 2003, que estimula o acesso aos bancos para a população
de baixa renda e o direcionamento de 2% dos depósitos à vista para o microcrédito.
16
O estudo da Fecomércio-SP (2012) aponta que medidas como estas não apenas trouxeram
uma grande expansão da classe C, mas também farão com que este público seja o maior motor
de sustentação da economia do país, atingindo R$ 1,46 trilhão de consumo familiar em 2015 –
mais do que a soma das classes A e B. Segundo a pesquisa, este grupo se tornará mais
exigente e demandará cada vez mais produtos e serviços de qualidade. Dados da Pesquisa de
Orçamentos Familiares (IBGE, 2009) também mostram que em 2003 a classe média
representava apenas 19 milhões de famílias, mas em 2009 já totalizava 30 milhões –
equivalente a 54% da população ou 102 milhões de pessoas. Segundo este mesmo estudo, a
renda da nova classe média é de R$ 2.857 por mês – praticamente a mesma verificada no total
das famílias brasileiras (R$ 2.928). Da mesma forma, esta classe responde por metade do
consumo anual das famílias brasileiras, cujo total chega a R$ 2,03 trilhões.
Quadro 1 – Evolução das classes de renda entre 2003 e 2009
GERAL CLASSE E CLASSE D CLASSE C CLASSE B
CLASSE A
2009
Classe de rendimento (R$) até 920 920 - 1.380
1.380 - 6.900
6.900 - 11.500 11.500 +
Rendimento médio (R$) 2.928 599 1.135 2.857 8.323 17.961
Número de famílias 57.816.604 12.503.385 10.069.184 30.044.259 2.994.837 2.204.938
Part. % Famílias 100% 22% 17% 52% 5% 4%
Rendimento Total Mensal (R$ Bi) 169,3 7,5 11,4 85,8 24,9 39,6
2003
Classe de rendimento (R$) até 942 942 - 1.570
1.570 - 6.281
6.281 - 9.422
9.422 +
Rendimento médio (R$) 2.810 575 1.210 2.981 7.562 17.113
Número de famílias 48.534.638 14.696.772 10.181.484 18.952.229 2.236.892 2.467.262
Part. % Famílias 100% 30% 21% 39% 5% 5%
Rendimento Total Mensal (R$) 136,4 8,5 12,3 56,5 16,9 42,2
Evolução nº Famílias 19% -15% -1% 59% 34% -11%
Fonte: FECOMÉRCIO-SP, 2012.
2.2.4 O consumo entre a população de baixa renda
Vários são os efeitos visíveis do ganho de renda da classe C. Segundo Duailibi e Borsato
(2008), em 2007 um terço de seus membros já tinha conta bancária, 25% tinham computador
em casa, 34% possuíam carro na garagem e foram ainda responsáveis por 70% dos
financiamentos imobiliários na Caixa Econômica Federal e 70% dos cartões de crédito
emitidos no país.
17
Um estudo desenvolvido por Castilhos e Rossi (2009) sobre famílias de baixa renda destaca
ainda que a casa é o maior destino dos gastos das famílias estudadas, não apenas em
alimentação, mas em itens de conforto. Para os moradores do morro, ter uma casa significa ter
um abrigo e se distanciar da condição de miseráveis. O Gráfico 2 mostra ainda dados da
Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, realizada entre 2008 e 2009, ilustrando a grande
importância dos gastos com habitação na renda da população de Classe Média.
Gráfico 2 – Distribuição das despesas de consumo médio mensal familiar, por tipo de despesa, para a Classe Média – Brasil, período 2008-2009
Fonte: Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009, IBGE.
O estudo de Castilhos e Rossi (2009) ainda destaca que a casa ainda acaba tendo uma
fronteira tênue com a rua, visto que os espaços são bastante limitados e o convívio com a
vizinhança é muito forte, com janelas e portas abertas que facilitam o contato constante com
os vizinhos. São nestes momentos em que se pode “mostrar” a todos aqueles bens que foram
adquiridos para equipar a casa – entendida como o maior de todos os “templos de consumo”
dos pobres (CASTILHOS e ROSSI, 2009). Os autores destacam, ainda, as seguintes
prioridades de consumo dos pobres:
18
� Produtos eletrônicos: os maiores itens comprados para “equipar” a casa, sendo capazes
de colocar os pobres em contato com a modernidade, como DVDs, TVs modernas,
videogames e laptops. São itens capazes de conferir status mediante os vizinhos.
� Eletrodomésticos e móveis: artigos como fogão e geladeiras são considerados básicos
pelas donas de casa do morro, enquanto a máquina de lavar confere uma maior distinção
para as mulheres. Já os móveis são itens de conforto e sua aquisição se relaciona
claramente com uma “melhora de vida”. Recebem mais cuidado aqueles itens mais novos,
enquanto os móveis que foram comprados usados ou recebidos por doação são vistos
como provisórios e passivos de troca assim que possível.
� Vestuário: Uma forma usada pelos jovens de “camuflar” sua origem, onde a boa roupa
assume um caráter de distinção. Entre os mais velhos, a prioridade de aquisição de itens
de vestuário é voltada para os filhos.
� Alimentação: enquanto o vestuário busca “disfarçar” fronteiras sociais, a alimentação é o
principal veículo de afirmação de uma identidade pobre. A alimentação abundante é o que
distingue os “pobres”, dos “pobres-pobres”, e também se opõe aos “ricos” que são vistos
como pessoas que “passam fome” por preocupações estéticas.
2.3 As favelas no Brasil e na cidade do Rio de Janeiro
Neste bloco aborda-se a questão das favelas – ou aglomerados subnormais – no Brasil e no
Rio de Janeiro, perpassando pela definição destes aglomerados, o peso das populações das
favelas nas cidades, e finalmente detalhando a situação das favelas na cidade do Rio de
Janeiro.
2.3.1 As favelas ou aglomerados subnormais
Segundo o IBGE (2011), 11,4 milhões de brasileiros viviam nos chamados “aglomerados
subnormais” em 2010 – equivalente a 6% da população do país. Quase metade dos domicílios
destes aglomerados (49,8%) está localizada nos estados da Região Sudeste: São Paulo com
23,2% e Rio de Janeiro com 19,1%.
O IBGE (2011, p.19) define aglomerados subnormais como
19
um conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais
(barracos, casas etc.) carentes, em sua maioria sem acesso a serviços
públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até período recente,
terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas,
em geral, de forma desordenada e densa.
A identificação dos aglomerados subnormais deve ainda ser feita com base nos seguintes
critérios:
a) Ocupação ilegal da terra, ou seja, construção em terrenos de propriedade alheia (pública ou
particular) no momento atual ou em período recente (obtenção do título de propriedade do
terreno há 10 anos ou menos);
b) Possuírem pelo menos uma das seguintes características: i) urbanização fora dos padrões
vigentes (vias de circulação estreitas e de alinhamento irregular, lotes de tamanhos e formas
desiguais e construções não regularizadas por órgãos públicos; ii) precariedade de serviços
públicos essenciais.
Este grande contingente de pessoas que formam os aglomerados subnormais se formou
basicamente através das sucessivas migrações do campo para as grandes cidades. Essas
pessoas se instalavam sem encontrar condições de acesso a moradias adequadas, uma vez que
os investimentos em habitação e saneamento não foram suficientes para atender à crescente
demanda. Como estratégia de sobrevivência, esta população passou a ocupar espaços
normalmente preteridos pela urbanização formal (IBGE, 2011). A localização dos
aglomerados subnormais é mais claramente explicada quando associada ao papel das cidades
na rede urbana do país. As metrópoles que constituem o topo da hierarquia urbana são polos
de concentração da produção econômica e do emprego, e por isso concentram a maioria dos
aglomerados subnormais. A pesquisa do IBGE (2011) mostra ainda que os dois municípios
com maior quantidade de aglomerados subnormais são São Paulo e o Rio de Janeiro, com
1020 e 763 favelas, respectivamente. O Quadro 2 apresenta, em ordem decrescente, os
municípios com maior contingente de pessoas nesses aglomerados.
20
Quadro 2 – Municípios com maior população residente em aglomerados subnormais
Município População em aglomerados subnormais
Percentual de pessoas em aglomerados
subnormais (% do total)
Número de aglomerados subnormais
Rio de Janeiro - RJ 1 393 314 22,2% 763
São Paulo - SP 1 280 400 11,4% 1 020
Salvador - BA 882 204 33,1% 242
Belém - PA 758 524 54,5% 101
Fortaleza - CE 396 370 16,2% 194
Recife - PE 349 920 22,8% 109
Belo Horizonte - MG 307 038 13,0% 169
Manaus - AM 295 910 16,4% 50
Ananindeua - PA 288 611 61,2% 62
São Luís - MA 232 912 23,0% 39
Jaboatão dos Guararapes - PE 225 550 35,0% 64
Guarulhos - SP 214 885 17,7% 156
Porto Alegre - RS 192 843 13,8% 108
Curitiba - PR 162 679 9,3% 126
São Bernardo do Campo - SP 152 780 20,0% 58
Campinas - SP 148 278 13,8% 113
Brasília - DF 133 556 5,2% 36 Fonte: IBGE, 2011
Conforme se pode observar, apesar de São Paulo ter a maior quantidade de favelas, é a cidade
do Rio de Janeiro que possui o maior contingente de moradores em favelas – 1,4 milhão de
pessoas ou 22% de sua população. Trata-se ainda de uma parcela da população que cresce
mais rapidamente que o restante da cidade. De acordo com Galdo (2011), enquanto a
população fora das favelas cresceu apenas 3,4% em 10 anos, nas favelas esta taxa chega a
28%.
No entanto, mesmo com o forte crescimento no número de moradores de favelas, o Rio de
Janeiro mostra uma redução importante da população de baixa renda, conforme mencionado
anteriormente. O Rio de Janeiro segue, portanto, a mesma tendência do restante do país.
Segundo o IPEA (2011), e conforme mostra o Gráfico 2, a região metropolitana do Rio de
Janeiro teve uma queda de 15 pontos percentuais na participação da população de baixa renda
– de 34% do total em 2002, para 29% em 2011.
21
Gráfico 3 – População de baixa renda na Região Metropolitana do Rio de Janeiro
Fonte: IPEA, 2011.
2.3.2 As favelas na cidade do Rio de Janeiro
Segundo Ferreira (2009), as origens das favelas do Rio remontam o início do século XX,
quando a cidade crescia rapidamente e as políticas urbanas não favoreciam a ida dos mais
pobres para o subúrbio. Esses fatores, somados a um precário sistema de transporte, fizeram
com que as pessoas precisassem buscar alternativas para morar mais próximas aos seus locais
de trabalho. Concomitantemente ao surgimento de favelas, começaram também as medidas de
combate, especialmente as remoções. Estas medidas, no entanto, eram pouco efetivas, visto
que os locais onde os desalojados eram alocados eram muito distantes. Com a necessidade de
se morar perto do trabalho, a maioria voltava às favelas pouco tempo depois da remoção.
Ferreira (2009) explica ainda que o período de maior crescimento das favelas deu-se na
década de 1980, uma fase de baixo crescimento econômico, alto índice de desemprego,
crescimento da informalidade, especulação imobiliária, falta de política habitacional para a
população de baixa renda e um precário sistema de transportes coletivos. Com isso, este
público foi empurrado para as periferias e acabou sujeitando-se a condições precárias de
infraestrutura, saneamento básico, inundações e riscos de deslizamentos. O poder público, nas
raras situações em que se envolvia nessas comunidades, optava por obras de embelezamento
urbano e medidas apenas paliativas, ao invés de buscar políticas de inclusão social, geração de
empregos e desenvolvimento de saneamento e transportes coletivos.
33,9%
36,1%
33,9% 34,1%
31,1% 31,0% 30,6%29,1%
27,5%28,7%
3.767.903
4.056.974
3.847.357 3.910.475
3.605.688 3.624.388 3.615.915
3.353.032
3.181.462
3.342.468
3.000.000
3.300.000
3.600.000
3.900.000
4.200.000
20%
25%
30%
35%
40%
jul/02 jul/03 jul/04 jul/05 jul/06 jul/07 jul/08 jul/09 jul/10 jul/11
Peso da população de baixa renda População de baixa renda
22
Frente a este contexto, a cidade do Rio de Janeiro tem não apenas a maior quantidade de
moradores de favelas, mas também a maior favela do país – a Rocinha, em São Conrado –,
com 69 mil habitantes, um contingente maior do que 92% das cidades brasileiras (IBGE,
2011; PORTAL R7, 2011). Importante ainda destacar que os habitantes da Rocinha
discordam dos dados do IBGE, afirmando que a favela tem em torno de 220 mil habitantes
(TABAK, 2011a). A segunda maior favela do Rio e terceira do país é a de Rio das Pedras – na
Zona Oeste da cidade – com 54 mil habitantes.
O Quadro 3 mostra, em ordem decrescente, a população residente das maiores favelas do Rio
de Janeiro.
Quadro 3 – As 15 maiores favelas da cidade do Rio de Janeiro
Favelas do Rio de Janeiro População residente
1 Rocinha 69 161 2 Rio das Pedras 54 793 3 Cidade de Deus 47 021 4 Jacarezinho 29 678 5 Parque União 19 671 6 Fazenda Coqueiro 18 233 7 Vila Proletária da Penha 17 776 8 Nova Brasília (RA - Alemão) 16 185 9 Morro do Alemão 15 056 10 Vila do Vintém 14 650 11 Nova Cidade 14 620 12 Parque Vila Isabel 14 007 13 Nova Holanda 13 471 14 Parque Jardim Beira Mar 13 178 15 Parque Maré 12 429 83 Morro Santa Marta 3 913
Fonte: IBGE, 2011
A Figura 2 destaca, em vermelho, a localização dos aglomerados subnormais – ou favelas –
da cidade do Rio de Janeiro.
23
Figura 2 – Os aglomerados subnormais na cidade do Rio de Janeiro
Fonte: IBGE, 2011.
2.4 As UPP’s e a mudança de paradigmas
Neste último bloco, são apresentados dados sobre a pacificação das favelas do Rio de Janeiro,
um modelo pioneiro no país. A instalação de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) visa
levar maior segurança e infraestrutura às comunidades, permitindo ainda o maior acesso da
população a diversos serviços antes precários ou inexistentes.
2.4.1 A pacificação das favelas
Como já mencionado, as favelas receberam pouca atenção por parte dos governos, no sentido
de levar melhorias reais de condições de vida e moradia. As favelas da cidade do Rio de
Janeiro possuem, ainda, uma característica única no contexto internacional, com a presença de
grupos criminosos armados controlando essas comunidades por mais de duas décadas.
(HENRIQUES & RAMOS, 2011). Este contexto justificou a intervenção policial e a posterior
instalação das chamadas UPPs.
As UPPs constituem uma mudança de paradigma em meio ao contexto histórico de poucas
ações do governo. A primeira foi instalada em dezembro de 2008, no Morro Santa Marta, e
24
até junho de 2013 já havia outras 33 favelas atendidas na cidade – ver Quadro 4 abaixo.
Segundo o governo do Estado, as UPPs atendem um total de 1,5 milhão de pessoas, com
8.592 policiais que cobrem uma área de 9 milhões de metros quadrados. A meta é chegar a 40
UPPs até o final de 2014 (UPP REPORTER, 2013).
Quadro 4 – Cronologia da pacificação das favelas no Rio de Janeiro
dezembro-08 Santa Marta janeiro-11 São João / Matriz / Quieto fevereiro-09 Cidade de Deus fevereiro-11 Coroa / Fallet / Fogueteiro fevereiro-09 Batam fevereiro-11 Escondidinho / Prazeres
junho-09 Babilônia / Chapéu Mangueira maio-11 São Carlos dezembro-09 Pavão-Pavãozinho / Cantagalo setembro-11 Rocinha
janeiro-10 Tabajaras / Cabritos novembro-11 Mangueira / Tuiuti abril-10 Providência janeiro-12 Vidigal
junho-10 Borel abril-12 Nova Brasilia julho-10 Formiga maio-12 Adeus / Baiana julho-10 Andaraí maio-12 Alemão / Pedra do Sapo
setembro-10 Salgueiro junho-12 Chatuba / Fé / Sereno setembro-10 Turano agosto-12 Parque Proletário
novembro-10 Macacos agosto-12 Via Cruzeiro novembro-10 Complexo do Alemão janeiro-13 Jacarezinho / Manguinhos novembro-10 Vila Cruzeiro abril-12 Barreira / Tuiuti
janeiro-11 Engenho Novo abril-12 Caju junho-13 Cerro-Corá
Fonte: UPP REPORTER, 2013.
Segundo Henriques e Ramos (2011), com as UPPs, a Secretaria de Segurança Pública do
Estado do Rio de Janeiro com tem como objetivo: a) retomar o controle estatal dos locais sob
influência de facções criminosas; b) devolver à população a paz e a segurança; e c) quebrar a
lógica da “guerra” existente na cidade do Rio. Além disso, as UPPs não têm como objetivo: a)
acabar com o tráfico de drogas; b) acabar com a criminalidade; c) resolver todos os problemas
socioeconômicos das comunidades.
Ainda de acordo com o site do Governo do Estado sobre as UPPs (UPP REPORTER, 2013):
Cada UPP tem sua própria sede, que pode contar com uma ou mais bases.
Tem também um oficial comandante e um corpo de oficiais, sargentos, cabos
e soldados, além de equipamentos próprios, como carros e motos. Para
coordenar sua atuação, todas as UPPs estão sob o comando da
Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) e, administrativamente, cada
UPP está vinculada a um batalhão da Polícia Militar.
25
As UPPs trabalham com os princípios da polícia de proximidade, um
conceito que vai além da polícia comunitária e que tem sua estratégia
fundamentada na parceria entre a população e as instituições da área de
segurança pública. A atuação da polícia pacificadora, pautada pelo diálogo
e pelo respeito à cultura e às características de cada comunidade, aumenta
a interlocução e favorece o surgimento de lideranças comunitárias.
O programa das UPPs engloba parcerias entre os governos – municipal,
estadual e federal – e diferentes atores da sociedade civil. Projetos
educacionais, culturais, esportivos, de inserção social e profissional, além
de outros voltados à melhoria da infraestrutura, estão sendo realizados nas
comunidades por meio de convênios e parcerias firmados entre segmentos
do poder público, da iniciativa privada e do terceiro setor.
A elaboração, a organização e o trabalho da inteligência do programa de pacificação são feitos
pela Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro. Em princípio, as forças policiais
(civil e militar) são subordinadas à Secretaria, mas são principalmente dois departamentos da
Polícia Militar que realizam o projeto da pacificação: o Batalhão de Operações Policiais
Especiais (Bope) e as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Em algumas circunstâncias,
as forças policiais também recebem o apoio das Forças Armadas, como aconteceu, por
exemplo, durante a ocupação do Complexo do Alemão em 2010 e da Rocinha em 2011
(FOLHA DE SÃO PAULO, 2011).
Segundo a reportagem do jornal Folha de São Paulo (2011), a pacificação consiste de quatro
fases consecutivas: a) retomada, com a entrada da polícia na favela; b) estabilização,
eliminando as últimas celas de resistência do local; c) ocupação, com instalação da UPP
definitiva e d) Pós-ocupação, onde as UPPs recebem apoio do programa UPP Social, da
Prefeitura, coordenando esforços de vários órgãos públicos e promovendo parcerias com o
setor privado para que a comunidade seja reintegrada à cidade.
Na Figura 3 são apresentadas as principais diretrizes de ação que orientam o trabalho
realizado sob o âmbito do programa UPP Social.
26
Figura 3 – Diretrizes de Ação das UPPs Sociais
Fonte: HENRIQUES & RAMOS, 2011
Diversos efeitos positivos e negativos se fazem sentir nas favelas pacificadas após a instalação
das UPPs. Um dos principais seria a restauração da ordem social, a queda dos índices de
criminalidade e a valorização imobiliária, que ocorre na própria favela ou nos bairros do seu
entorno (REIS, 2012). Ainda nota-se como efeitos positivos a melhoria de serviços básicos
nas comunidades, como água, saneamento, coleta de lixo e regularização das redes elétrica, de
TV por assinatura e de telefonia, e a chegada de projetos socioculturais e de capacitação
profissional, além de novas empresas do setor privado investindo em negócios nas regiões
(CARNEIRO, 2011). No entanto, Carneiro (2011) também ressalta algumas críticas ao
modelo de pacificação das favelas, mencionando como exemplo que o tráfico apenas é
removido daquele local para outra favela não pacificada e o temor de que a ausência de
traficantes na região dê espaço à criação de milícias dentro da própria polícia. Questiona-se,
por fim, se as UPPs são sustentáveis no longo prazo e o quanto o policiamento cerceia a vida
comunitária das favelas, restringindo festas e bailes.
2.4.2 A entrada de novos produtos e serviços nas comunidades após a pacificação
A seção anterior mostra que a chegada das UPPs às favelas pode trazer investimentos em
projetos socioculturais, projetos de capacitação profissional e a melhoria da infraestrutura,
com serviços como água, luz, sistemas de telefonia e TV por assinatura. Também foi
mencionado o importante crescimento de poder aquisitivo das populações menos favorecidas
27
– constituindo um novo mercado consumidor que vem atraindo o interesse de diversas
empresas. Segundo a Folha de São Paulo (2012), 66% dos moradores de favelas do Rio de
Janeiro pertencem à nova classe média – classe C – e 13% pertencem às classes A e B.
Prahalad (2005) foi um dos primeiros a defender a ideia de que as empresas podem
desempenhar importante papel na redução da pobreza e da desigualdade social, e ainda ser
lucrativas. Diversas empresas, inclusive, se mostram engajadas em projetos sociais, no intuito
de levar às comunidades o acesso à educação, saúde e cultura. No entanto, o que Prahalad e
Hammond (2002) defendem não é um projeto empresarial filantrópico ou assistencialista, mas
algo que possa levar benefícios às comunidades atendidas, mas também às empresas, trazendo
lucro e incrementando seus negócios e seu público consumidor. Os autores ainda
complementam que desta forma – por não negar o lucro como objetivo – tais projetos teriam
maiores chances de sucesso.
Interessante notar que as grandes multinacionais sempre deram pouco foco ao público de
baixa renda, o que se devia principalmente ao fato de possuir sede em países desenvolvidos e,
como consequência, julgarem mercados emergentes como pouco atrativos, incapazes de
consumir e de oferecer potencial de crescimento no longo prazo. Visões que se mostram
equivocadas, pois são exatamente as grandes empresas as que têm maior poder para investir
em negócios nos países emergentes, e que com sua força, podem tornar esta população
economicamente ativa e empreendedora (PRAHALAD e HART, 2002).
Hart e Christensen (2002) dizem que atender a base da pirâmide não é algo que se faz
aplicando velhos conceitos, velhas estratégias e velhas tecnologias em países emergentes. O
necessário é compreender a necessidade de trazer inovações em todos os sentidos: novos
produtos, preços acessíveis, distribuição diferenciada e, acima de tudo, entender a real
necessidade deste público-alvo – fatores chave para obter retorno e operar negócios viáveis.
Já Karnani (2007) defende que, ao invés de meramente vender artigos às populações mais
pobres, é interessante que as empresas invistam em trazer este público para o processo
produtivo – que é o que de fato gera riqueza na base da pirâmide.
Outro ponto a ser considerado pelas empresas que pretendem operar com a base da pirâmide é
ter abertura para aprender com estes mercados, através do uso de estruturas e parcerias locais
e engajamento do público a ser atendido – tornando-se parte daquela cultura. Assim, é
importante saber que muitos paradigmas devem ser rompidos, como por exemplo, entender
28
que o mercado na base da pirâmide é em sua maioria informal, com negócios pequenos,
familiares, sem infraestrutura de distribuição e sem amparos legais. E que apesar de ser
importante obter parcerias com governos locais, em muitos casos pode ser mais fácil buscar
um contato direto com as comunidades, através de parcerias com organizações não
governamentais e associações de moradores (PRAHALAD e LIEBERTHAL, 2000; HART e
LONDON, 2005; HART, 2005; SIMANIS e HART, 2008; HART 2010).
No caso do Rio de Janeiro, algumas empresas já começaram a aplicar estes conceitos e a
investir no potencial de consumo dos moradores das favelas pacificadas – locais onde se
percebe a predominância da informalidade e a infraestrutura precária. Alguns exemplos
positivos a serem mencionados são:
� Light: a distribuidora de energia da cidade implantou-se nas favelas pacificadas no intuito
de regularizar o fornecimento de energia aos moradores locais e reduzir as instalações
ilegais – chamados “gatos”. Com isso, aumenta não apenas seu faturamento, mas a
segurança do sistema de abastecimento. A empresa já reduziu em 90% os “gatos” nas
favelas onde atua e estima-se que a regularização de todas as favelas pacificadas gere uma
receita de R$ 1 bilhão (FOLHA DE SÃO PAULO, 2010). A concessionária adotou a
política de, no primeiro mês, cobrar apenas 50% da conta, acrescendo 2% a cada mês
subsequente até chegar aos 100% do total. A empresa comparou o antes e o depois em seis
comunidades – Babilônia, Chapéu Mangueira, Cidade de Deus, Tabajaras, Jardim Batam e
Cabritos – e em todas houve redução drástica da quantidade de energia furtada e o
aumento do faturamento, da arrecadação e do ICMS (O GLOBO, 2012).
� Empresas de TV por assinatura também chegaram às favelas oferecendo seus serviços
com valores subsidiados. Com a imensa popularidade das instalações ilegais de TV a cabo
– chamadas de “gatonet” –, a população tinha acesso aos mais diversos canais com
pacotes de assinatura que variavam entre R$ 15 a R$ 40. Com a regularização dos
serviços, as empresas de TV por assinatura oferecem pacotes a preços subsidiados, como a
Sky, que lançou o serviço Sky UPP. (O GLOBO, 2010; UPP SOCIAL, 2010;
VASCONCELOS, 2012).
� A Capemisa Seguros já havia instalado um ponto de vendas na Rocinha em 2008 e
inaugurou em 2011 uma nova unidade no Complexo do Alemão. Para conseguir maior
29
facilidade de contato com os residentes, contratou dois moradores como corretores.
(MARTINS, 2011)
� O Banco Santander já estava presente no Complexo do Alemão desde 2010 – antes de sua
pacificação – e conta atualmente com mais de mil clientes. Para aproximar o banco dos
moradores da comunidade, o Santander possui um quadro de funcionários formado por
cerca de 70% de residentes na favela e fez parcerias com o grupo AfroReggae para
permitir uma melhor compreensão das finanças por parte dos consumidores e estimular a
venda de serviços bancários. Com isso, espera aproveitar o potencial oferecido pelos cerca
de 90 mil microempreendedores que procuram o serviço de microcrédito (MARTINS,
2011). Além do atendimento aos moradores e comerciantes locais, a agência promove
capacitação profissional, inclusão digital, empreendedorismo e atividades culturais. Um
espaço multiuso dentro da agência vai poder ser aproveitado pela Associação dos
Moradores para atendimento social. (TABAK, 2011).
Não são somente as grandes empresas que têm investido nas regiões pacificadas do Rio de
Janeiro. Empresas menores também respondem por uma grande parte dos novos
empreendimentos locais. Por exemplo, o turismo cresce bastante principalmente nas favelas
da Zona Sul, que possuem uma privilegiada vista para o mar. Movimentam este mercado os
visitantes passageiros e também os turistas que se hospedam nos diversos albergues e
pensões. Este trânsito de pessoas também oferece impulso ao comércio local, bares e
restaurantes, trazendo ainda incremento de renda aos pequenos negócios (QUAINO, 2011).
Ainda segundo Quaino (2011), não basta abrir uma loja nas favelas pacificadas para que se
tenha sucesso. É preciso primeiramente ter amplo conhecimento da cultura local, entendendo
que as favelas não são iguais e depois comunicar muito claramente aos consumidores que
produtos são comercializados e instruí-los sobre os benefícios. Por fim, o conceito das marcas
deve dialogar com o pensamento dos consumidores locais. “Eles não querem ser iguais aos
outros clientes, mas desejam que as empresas falem sua própria língua”.
Assim, o aumento de renda da população e o interesse de diversas empresas apontam para um
aumento de consumo nas favelas, corroborado por um estudo realizado pela Comlurb em
2012, em que foram pesquisados os detritos produzidos por 20 favelas do Rio de Janeiro. O
estudo mostra um forte crescimento na quantidade de lixo, indicando um claro aumento no
consumo dos moradores dessas comunidades (DAMASCENO, 2013).
30
3. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
O presente estudo buscou analisar a fundo os impactos no consumo causados pela pacificação
das comunidades carentes do Rio de Janeiro. A escolha do tema se deu primeiramente pela
escassez de informações sobre consumo na base da pirâmide no Brasil, em especial sobre os
impactos das UPPs nas favelas e em sua população. Além deste, três outros aspectos foram
decisivos para a escolha deste tema: (a) o crescimento do poder de compra da população de
baixa renda no Brasil; (b) a grande importância que a população de baixa renda tem no
contexto econômico e social da cidade do Rio de Janeiro; (c) a instalação das UPPs nas
principais favelas da cidade, com o objetivo de levar mais segurança e infraestrutura para a
população local.
Para melhor desenvolver o tema em questão e compreender impactos e motivações para o
consumo nas comunidades após a entrada das UPPs, optou-se por uma pesquisa exploratória,
indicada quando há pouco conhecimento acumulado sobre o tema a ser abordado, para
conhecer mais sobre o assunto, construir teorias e formular hipóteses. Assim, explorar um
assunto significa reunir mais conhecimento e incorporar características inéditas, bem como
buscar novas dimensões até então não conhecidas. O estudo exploratório pode se apresentar
como um primeiro passo no campo científico, abrindo caminho para a realização de outros
tipos de pesquisa acerca do mesmo tema, como a pesquisa descritiva e a explicativa (RAUPP
& BEUREN, 2003).
O método qualitativo foi utilizado neste estudo por ser um meio para explorar e para entender
o significado que indivíduos ou grupos atribuem a um problema social ou humano
(CRESWELL, 2010). A pesquisa qualitativa possibilita ainda uma compreensão profunda dos
fenômenos sociais, que não poderiam ser alcançados através de uma pesquisa quantitativa
(GOLDENBERG, 2009).
A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas individuais em profundidade, na qual os
participantes são encorajados a oferecer suas próprias definições da realidade e suas
motivações particulares, o que leva a obter os significados dos temas estudados a partir do
ponto de vista do sujeito estudado (DEAN & EICHHORN, 1969).
O presente trabalho se insere ainda na linha de pesquisas conhecida como teoria da cultura do
consumo ou consumer culture theory (CCT), voltada ao entendimento de aspectos sociais,
31
culturais, experienciais e simbólicos associados ao consumo (ARNOULD e THOMPSON,
2005; PINTO e LARA, 2011). Essa tradição de pesquisas emergiu na literatura internacional
na década de 1980, em resposta à perspectiva então dominante – fundamentada nos preceitos
da teoria microeconômica e da psicologia cognitiva – de um consumidor racional em suas
decisões (ARNOULD e THOMPSON, 2005).
3.1 Escolha dos locais a serem estudados
A primeira parte da seleção da amostra envolveu a escolha das comunidades que seriam
pesquisadas. Tal escolha baseou-se nos seguintes aspectos: (a) favelas que estejam entre as
maiores da cidade, com grande concentração populacional; (b) favelas que já receberam
Unidades de Polícia Pacificadora há mais de um ano, de modo a permitir uma melhor
percepção dos primeiros efeitos da pacificação sobre a comunidade; (b) favelas em diferentes
regiões da cidade do Rio de Janeiro, para uma melhor abrangência da coleta de dados.
Deste modo, as favelas escolhidas para a condução do campo da pesquisa foram:
i) Favela da Rocinha: no bairro de São Conrado, entre a Zona Sul e a Zona Oeste, é
considerada a maior favela da América Latina. Com 69 mil habitantes, ela está
localizada entre os bairros da Gávea e São Conrado, que abrigam populações de
alto poder aquisitivo – criando um enorme contraste urbano na paisagem da região.
Recebeu o status de bairro em 1993 e possui enorme visibilidade nacional e
internacional, mas convivia com o estigma de ser o ponto central do narcotráfico
na Zona Sul do Rio. Recebeu uma UPP em setembro de 2011 (UPP SOCIAL,
2012);
ii) Favela Cidade de Deus: em Jacarepaguá, na Zona Oeste, possui 47 mil habitantes.
Recebeu a UPP em fevereiro de 2009 (UPP SOCIAL, 2012);
iii) Morro Santa Marta: em Botafogo, na Zona Sul da cidade. Com 3.913 habitantes, é
a primeira favela onde uma UPP foi implantada, em dezembro de 2008 (UPP
SOCIAL, 2012).
Importante ressaltar que as favelas do Complexo do Alemão constavam na amostra quando da
primeira análise dos locais a serem estudados. No entanto, o agravamento dos conflitos
policiais no local nos primeiros meses do ano de 2013 impossibilitaram a condução de
32
entrevistas no local. Por questões de segurança, o Complexo do Alemão foi então substituído
pela Cidade de Deus, mantendo assim na amostra uma favela fora da Zona Sul do Rio de
Janeiro.
3.2 Seleção e perfil dos entrevistados
A partir da definição das favelas, seguiu-se para a escolha dos entrevistados. Foram ao todo
15 participantes, cinco entrevistados em cada uma das favelas onde o estudo foi conduzido. A
seleção dos entrevistados se deu por conveniência, tendo-se chegado aos mesmos por meio de
indicação de conhecidos, amigos e parentes que moravam nas comunidades escolhidas. Os
participantes possuem diferentes perfis de idade, sexo e profissão, o que possibilitou uma
visão mais abrangente deste público – ainda que sabidamente o método qualitativo não
busque representatividade numérica. Entre os entrevistados, havia dez mulheres e cinco
homens, sendo a maioria casada e com filhos. A maior representatividade das mulheres na
amostra foi intencional, tendo em vista que elas são as grandes responsáveis pelo controle do
orçamento e pela definição de prioridades de consumo do lar (SARTI, 2011). A idade entre 25
e 57 anos busca representar a população economicamente ativa do país – ver Quadro 5
abaixo.
Quadro 5 – Perfil dos entrevistados
N Local Nome Gênero Idade Profissão Estado Civil Filhos
Tempo de residência na comunidade
Pessoas com quem reside na mesma
casa
E1 Cidade de
Deus Deise Feminino 43 Vigilante Casada 5 filhos Nasceu na
comunidade Mora com o marido e
os filhos
E2 Cidade de Deus
Maria Feminino 38 Faxineira Casada Sem filhos
Nasceu na comunidade
Mora com o companheiro em cima
da casa do pai
E3 Cidade de
Deus Fatima Feminino 56 Vendedora em hortifruti Viúva 3 filhos
Mora há mais de 40 anos no local
Mora com um dos filhos
E4 Cidade de
Deus Jorge Masculino 50 Domo de mercearia Divorciado 1 filho
Mora há 48 anos no local Mora sozinho
E5 Cidade de Deus
Alexandre Masculino 37 Técnico em Informática
Casado 4 filhos Mora desde os 7 anos
Mora com esposa e a tia
E6 Rocinha Aldair Masculino 49 Confeiteiro Casado 4 filhos Mora há 40 anos no
local Mora com a esposa e
1 filho
E7 Rocinha Elisabeth Feminino 25 Vendedora de farmácia Casada
Sem filhos
Nasceu na comunidade
Mora com mãe e marido
E8 Rocinha Alessandra Feminino 29 Vendedora de produtos de beleza
Casada 3 filhos Nasceu na comunidade
Mora com o maridos e os filhos
E9 Rocinha Adriana Feminino 25 Manicure Casada Sem filhos
Nasceu na comunidade
Mora com os pais, irmão e marido
33
E10 Rocinha Tatiana Feminino 30 Camareira Casada 2 filhos Nasceu na comunidade
Mora com o marido apenas
E11 Santa Marta Elaine Feminino 26 Manicure Separada 3 filhos Nasceu na comunidade
Mora com avó, tias e filhas
E12 Santa Marta Simone Feminino 37 Técnica em
Enfermagem Solteira Sem filhos
Mora há 27 anos no local
Mora com a mãe e a sobrinha
E13 Santa Marta Édila Feminino 56 Diarista Solteira 1 filho Nasceu na comunidade
Mora sozinha
N Local Nome Gênero Idade Profissão Estado Civil Filhos Tempo de
residência na comunidade
Pessoas com quem reside na mesma
casa
E14 Santa Marta Maria do Carmo Feminino 57
Auxiliar de Serviços Gerais
Casada 5 filhos Mora há mais de 40
anos no local Mora com marido,
filho e 3 netos
E15 Santa Marta Michael Masculino 25 Operador de Máquinas
Casado 1 filho Mora há 15 anos no local
Mora com esposa e 2 enteadas
Muitos moravam com outros membros da família, além do cônjuge e dos filhos. A maioria
ainda nasceu nas comunidades estudadas ou, aqueles que vieram de outros lugares, já moram
nos locais de estudo há mais de 15 anos. São pessoas com pouco estudo – ninguém tem curso
superior – e que trabalham diversas horas por dia. Entre as principais ocupações, havia
manicures, diaristas, comerciante, vendedoras e técnica de enfermagem e de computação.
3.3 Coleta de dados e análise
As entrevistas foram conduzidas com base num roteiro semiestruturado (Apêndice A). As
questões começam explorando o contexto em que vivem os moradores da comunidade, suas
rotinas, suas casas, relação com familiares, gastos e renda. A segunda parte do roteiro busca
traçar as principais mudanças percebidas na realidade de suas próprias vidas e da comunidade
nos últimos anos, identificando quais delas têm ou não relação com o início do processo de
pacificação. O terceiro bloco visa se entender impactos trazidos pela UPP para eles e para seu
entorno e como enxergam tais mudanças – se positivas ou negativas. O bloco final busca se
aprofundar nos produtos ou serviços que chegaram após a UPP, como ficaram os gastos e o
consumo destas famílias com estes novos produtos/serviços e como se adequaram aos novos
gastos.
Uma entrevista de pré-teste foi conduzida no Morro Santa Marta, com duração de uma hora.
Este procedimento visa verificar a adequação do roteiro quanto aos temas abordados, duração
da entrevista, fluxo das perguntas e entendimento das mesmas. O campo se deu entre os
meses de novembro de 2012 e janeiro de 2013. Como já mencionado, as entrevistas foram
34
individuais, na própria residência dos entrevistados e tiveram duração entre 45 minutos e uma
hora.
Antes de começar as entrevistas, foram explicados o objetivo do estudo e o tema pesquisado,
evitando-se detalhes que pudessem influenciar os participantes. Foi ainda garantido aos
entrevistados que as informações coletadas seriam de uso exclusivo da pesquisadora e que
seus dados seriam mantidos em confidencialidade. Este sigilo, inclusive, foi uma forte
preocupação dos participantes da pesquisa, fruto ainda do antigo temor de falar muitos
detalhes que pudessem “desagradar” traficantes que subjugavam os moradores dos morros.
Assim, as entrevistas foram gravadas com a autorização dos entrevistados e transcritas pela
própria pesquisadora.
A análise dos dados se deu através do estudo minucioso das transcrições, com base nas quatro
etapas de análise prescritas por Bardin (1977), que são: 1) organização da análise (preparação
e padronização do material a ser analisado); 2) codificação (agregação dos dados em grandes
unidades internamente homogêneas); 3) categorização (agrupamento conceitual, sintático,
léxico e expressivo dos dados); e 4) interpretação (análise dos resultados de acordo com os
objetivos do estudo).
Por fim, vale ressaltar que, por se tratar de um tema que recebeu muita atenção da população
da cidade do Rio de Janeiro e de haver um maciço acompanhamento por parte da mídia sobre
todos os aspectos das UPP’s nas favelas cariocas, pode ocorrer algum viés perceptivo nas
interpretações dos dados, inerentes à abordagem qualitativa. Entretanto, a pesquisadora
trabalhou buscando o máximo possível uma postura neutra, atendo-se às informações obtidas
nas entrevistas e usando dados disponíveis na mídia não para formar conclusões, mas sim
como um complemento ou contraponto às conclusões advindas do trabalho de campo.
35
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A análise dos resultados foi desenvolvida seguindo a mesma lógica utilizada no roteiro e,
portanto, a apresentação foi organizada em quatro blocos. O primeiro corresponde ao contexto
e vida antes da UPP e buscou explorar como os participantes viam suas rotinas antes da
chegada da polícia pacificadora, como consumiam e como avaliavam sua qualidade de vida.
O segundo bloco corresponde à chegada da UPP e novos cenários, ou seja, as primeiras
percepções e impressões sobre a intervenção policial na comunidade onde residem, as
mudanças trazidas e os impactos positivos e negativos nas suas rotinas. O terceiro item é
destinado à análise de novas empresas e novos consumos, relatando como o consumo das
famílias foi alterado pela chegada das UPPs, com a entrada de empresas oferecendo maior
variedade de produtos e serviços. E, por fim, o quarto bloco busca compreender como as
mudanças no cenário de consumo impacta a visão de futuro destas famílias, com novos
planos, projetos e desejos para os próximos anos.
4.1 Contexto e vida antes da UPP
Todos os entrevistados mostraram ter raízes sólidas nas comunidades onde vivem. A maioria
nasceu no local, após seus pais ou avós terem migrado de outras cidades do interior ou outros
Estados. Todos contam histórias parecidas de busca por uma vida melhor, por maiores
oportunidades e da falta de condições de buscar uma residência em bairros com mais
infraestrutura – o que por fim acabou “empurrando” suas famílias para as favelas.
Minha avó veio para o morro quando se casou e minha mãe já nasceu aqui
há 50 anos, junto com seus seis irmãos. Todos estão aqui, filhos, netos e
sobrinhos. (Morro Santa Marta)
Sempre morei aqui aqui. Moro com meu marido em cima da casa do meu
pai. (Cidade de Deus)
Os relatos abordavam ainda o assunto de maneira bastante nostálgica e um pouco
romantizada, relembrando infância entre amigos, uma época de menos violência e mais união
entre os moradores, mas, ao mesmo tempo, de mais precariedade. Foi dentro deste contexto
de dificuldades que os laços de amizade com seu entorno, como vizinhos e pequenos
comerciantes, se fortaleceram. Segundo os entrevistados, somente ajudando uns aos outros era
36
possível tornar o dia a dia mais viável, seja em momentos quando precisavam deixar os filhos
com alguém, seja para comprar “fiado” na mercearia, ou mesmo para pedir algo emprestado –
inclusive dinheiro e comida aos vizinhos. Muitas famílias que viveram ou vivem estes
momentos difíceis afirmam que isso reforça ainda mais a noção de comunidade – algo
bastante presente no discurso dos moradores das favelas pesquisadas. Um claro exemplo disto
foi observado no próprio campo deste estudo: praticamente todos os entrevistados, ao
caminhar da entrada da favela até sua casa acompanhado do entrevistador, cumprimentavam a
maior parte das pessoas que cruzavam seu caminho.
A proximidade dos entrevistados com os vizinhos também caminhou junto a uma alta
proximidade com seus familiares. Todos demonstram conferir um alto valor à base familiar,
dizendo que é na família que encontram apoio mais frequente. Por esta razão, observa-se que
a maioria dos entrevistados morava com outros familiares, seja os pais, avós, tios, sobrinhos,
etc. São diversas as razões que explicam esta concentração de pessoas da mesma família
dentro da mesma casa ou em casa contíguas. Seja para estar próximos dos familiares, para
contar com seu apoio, ou mesmo por limitações de renda, quando preferem construir um
adendo na casa da família – o “puxadinho” – ou mesmo construir sobre a casa dos pais, a ter
que comprar um terreno e fazer sua casa distante dali – o que sairia mais dispendioso.
Moro com sete pessoas em casa. Eu, meu marido, meu filho, filha e netos. E
os que não moram, estão sempre aqui em casa. (Morro Santa Marta)
Meu filho morava comigo, mas quando casou, fez um puxadinho aqui em
casa e mora lá com a esposa. (Morro Santa Marta)
Família é meu chão, minha estrutura. Sem família, a gente não tem apoio.
(Cidade de Deus)
Moro aqui desde que nasci... Na minha casa mora eu, minha mãe, dois
irmãos, um sobrinho e meu marido. (Rocinha)
Poucos tiveram chance de morar algum tempo fora da favela e os que tiveram esta experiência
ressaltam que, apesar das facilidades percebidas fora das favelas, sentiram falta das famílias,
dos amigos, do senso de comunidade. Alguns mencionaram ainda que se sentiam “sozinhos”,
sem aquela sensação de proximidade que marca a vida dentro das favelas.
Mas se por um lado os laços de amizade são vistos como um ponto positivo dentro da
comunidade, o excesso de proximidade também gera seus desconfortos. Os entrevistados
37
mencionam que os pequenos espaços, as casas com “portas sempre abertas” geram por vezes
uma falta de privacidade e uma consequente intromissão dos vizinhos em seus assuntos
pessoais. Reclamam que isto resulta na impossibilidade de uma vida onde seus problemas
sejam tratados de maneira discreta e privada. Todos sabem de tudo e nada se esconde.
Se o vizinho quiser, ele vai te desrespeitar sim. Você tem que saber se impor.
Eles são abusados sim. Até as criancinhas não respeitam muito o próximo.
(Cidade de Deus)
O que não é legal às vezes é fofoca. É todo mundo muito próximo, então dá
briga. Todo mundo sabe da vida de todos. (Morro Santa Marta)
São pessoas que possuem uma rotina bastante dura, com muitas horas de trabalho fora e ainda
com uma jornada adicional para cuidar da casa e dos filhos. Há os que possuem empregos
formais com registro em carteira – como operador de máquinas, auxiliar de serviços gerais,
vigilante – e os que trabalham sem registro formal, como manicures e faxineiras, além
daqueles que possuem seu próprio negócio, como mercearias e lan houses.
Eu estou sempre fazendo alguma coisa para ganhar dinheiro. Passo roupa
para fora, quando tem evento eu limpo o local, e quando não tem o que fazer
eu vejo televisão. (Morro Santa Marta)
Levanto e trabalho. Saio do trabalho correndo para chegar em casa e fazer
jantar, lavar roupa. Eu cuido de tudo sozinha. (Cidade de Deus)
A rotina é super cansativa. Acordo cedo e antes do trabalho já adianto o
serviço da casa. Saio para o trabalho e na volta termino de fazer as coisas e
o jantar. Às vezes meu marido me ajuda. (Rocinha)
Dinheiro, ou a falta dele, não foi um ponto de gravidade no discurso dos entrevistados. Há
uma sensação de conformismo, onde parte da amostra afirma ter uma vida relativamente
confortável, sem luxos, mas tendo tudo o que necessita. Já outra parte afirma nem sempre
conseguir fechar as contas ao final do mês, o que leva à necessidade por vezes de fazer
trabalhos extras no final de semana, os “bicos”.
A gente tem o mínimo que o pobre deve ter. Não tenho luxos, não almejo
viagens, mas apenas o que eu preciso. Se preciso de algo, faço um esforço
para comprar, mas não me falta nada. (Morro Santa Marta)
38
Prioridade hoje é a casa e a comida. Minha prioridade é ter a geladeira e o
armário cheios. Gasto muito com a alimentação, mais de metade do meu
orçamento. Quando sobra um pouco, vou ao salão, faço o cabelo e a unha.
Para lazer é que não sobra. (Cidade de Deus)
Poupança e planejamento financeiro ainda são pontos distantes da realidade destas pessoas.
Apesar de confessarem o desejo de poder algum dia poupar economias para o futuro,
raramente conseguem cumprir este desejo, pois pouco sobra de sua renda. O que
eventualmente sobra acaba sendo gasto com uma nova aquisição para a casa, como nova
geladeira, nova TV, entre outros aparelhos.
Não consigo poupar. Minha família gosta de comer muito bem. Não gosto
de comer nada de qualidade ruim, seja o preço que for. Já que eu não posso
ter tudo que eu quero, pelo menos vou comer tudo o que eu quero. (Cidade
de Deus)
Poupar? Não, só se for para pagar dívidas. Guardar dinheiro para o futuro
não dá. (Morro Santa Marta)
A gente não tem planejamento com o dinheiro da casa. Eu não penso que vai
sobrar dinheiro e então no mês que vem vou poder comprar algo com isso.
(Morro Santa Marta)
Às vezes consigo guardar um pouquinho sim, mas preciso deixar de fazer um
cabelo, uma manicure. Só assim para sobrar algo. (Rocinha)
A aquisição de novos aparelhos, eletrodomésticos e eletrônicos, foi bastante corrente como
objeto de consumo e necessidade para o lar. Afirmam que sua casa precisa ser confortável, e
isso inclui ter computador, internet, ar condicionado, uma cozinha equipada e TV de LCD. É
como se o conforto da casa fosse o primeiro ponto de conquista após o incremento de renda, e
também facilitado pelo acesso a serviços como energia elétrica sem cortes e sem picos e TV
por assinatura que inclui ainda acesso à internet.
Veja que na comunidade era muito difícil as pessoas terem as coisas. Hoje
não, hoje minhas filhas me pedem um computador de natal, eu faço um
sacrifício, mas dou. Jamais poderia ser assim na minha época de criança.
Nem para mim, nem para ninguém. (Morro Santa Marta)
39
Eu tenho uma TV tela plana. Nunca achei que fosse ter uma TV assim...
todos têm. Tem gente que tem TV maior que a própria sala. As coisas
ficaram muito fáceis. (Cidade de Deus)
Hoje eu tenho internet... Antes eu não tinha porque nem tinha computador.
Tinha que usar da minha irmã. Agora finalmente consegui comprar um e já
coloquei internet em casa. (Rocinha).
Como Sarti (2011) descreveu em seu livro, as mulheres são de fato as grandes responsáveis
pelo controle do orçamento e das prioridades de consumo do lar. Nas favelas estudadas, isto
também se confirma. As mulheres entrevistadas são na maioria casadas, mas afirmam serem
elas que cuidam da casa, pagam as contas no banco e fazem as compras. O homem dentro
deste contexto, ou inexiste, ou tem um papel de provedor, pois elas afirmam que além de
terem que administrar o dinheiro da casa, recebem pouca ajuda nos afazeres domésticos e no
cuidado com os filhos. Este resultado se confirma também quando são analisados os homens
que fizeram parte da amostra: poucos admitem ajudar além de prover o dinheiro para a casa.
Não, meu filho não me ajuda. Eu resolvo tudo, pago todas as contas e faço
compras. Eu ganho meu dinheiro na faxina e ainda ajudo ele quando está
apertado. (Morro Dona Marta)
Trabalho 10 horas por dia. E quando chego em casa faço tudo... Tenho que
pedir para me ajudarem. Meu marido me ajuda quando quer. (Cidade de
Deus)
Quem arruma a casa sou eu e minha mãe. Só as mulheres. Meus irmãos são
bagunceiros e não ajudam. (Rocinha)
Quando começam por fim a falar de realidade e da infraestrutura poucos anos antes da
chegada da UPP às comunidades, ocorre um choque de realidade, e são trazidos temas
bastante duros como a precariedade de itens básicos como acesso à água, luz, gás e esgoto,
falta de iluminação e, principalmente, falta de segurança e tranquilidade com a presença
maciça do tráfico.
Eu cresci vendo o tráfico, tinha até algumas amizades... (Morro Santa
Marta)
Antes a gente estava dormindo, começavam os tiros de madrugada e a gente
tinha que correr para baixo da cama. Ou então eu saía de madrugada para
40
ir trabalhar, chegava lá fora não tinha ônibus, pois estava sendo
incendiado. Aí eu tinha que andar até a Freguesia para pegar um ônibus.
(Cidade de Deus)
Era muito chato ver as pessoas andando armadas por aí. Ainda mais para a
gente que tem criança. (Rocinha)
Começando com a questão da infraestrutura, todos os entrevistados falam da dificuldade de se
ter energia elétrica e a péssima qualidade da que tinham. Esta qualidade inferior era resultante
exatamente do fato de que a energia era informal – os chamados “gatos”. Como a empresa
fornecedora de luz simplesmente não levava seus serviços às comunidades, a única solução
possível era “puxar” a luz da rua e distribuir através de ligações clandestinas a todos da
favela. Se por um lado esta energia não tinha custo, por outro oferecia riscos de ligações mal
feitas, energia intermitente, picos que danificavam os aparelhos em casa e pouca iluminação
nas ruas, o que aumentava ainda mais a insegurança. Ainda, se a luz faltasse, pouco se podia
fazer e por vezes dias se passavam até que fosse providenciado um reparo nas instalações de
luz do local.
Água não tinha... Tinha mês que eu passava 15 dias sem água. (Rocinha)
Muitas pessoas tinham gato. Então na época do verão, sempre dava queda
de luz. (Cidade de Deus)
Antes, quando acabava a luz, a gente esperava a boa vontade da Light vir
consertar, e a comida estragava na geladeira. Eles não vinham pois a gente
não pagava, por que viriam? (Morro Santa Marta)
Não apenas o acesso à energia elétrica era escasso, mas também o acesso a outros serviços
básicos, como telefonia, TV por assinatura e internet, esgoto e água, bancos e comércio.
Vários deles ainda permanecem bastante deficitários – como esgoto e água –, mas outros
começaram a ser solucionados antes mesmo da entrada das UPPs, ainda que de maneira
informal. Os itens de consumo básicos abordados antes das UPPs foram:
a) Acesso à internet: em grande parte já era feito através de pequenas lan houses que se
estabeleciam nas comunidades. O acesso pessoal poderia ser feito através dos
telefones celulares ou através de placas de conexão vendidas por operadoras de
telefonia celular – conectados aos seus computadores em casa.
41
b) Telefonia fixa: praticamente inexistia e ainda tem pouca força atualmente. As
empresas fornecedoras deste serviço não o ofereciam dentro das comunidades, o que
fez com que toda esta população acabasse utilizando exclusivamente os celulares.
Hoje afirmam que o celular está tão arraigado nas suas rotinas que pouco precisam de
uma linha de telefone fixo.
c) TV por assinatura: nenhuma empresa oferecia seus serviços formalmente dentro das
favelas. Com isso, se formaram pequenas centrais clandestinas que distribuíam a TV
por assinatura nas favelas a um custo bastante inferior – os chamados “gatonet”.
Segundo os participantes do estudo, estas TVs a cabo clandestinas eram pagas através
de carnês, como se fossem de empresas formais e, embora a qualidade do serviço por
vezes deixasse a desejar, a população tinha a acesso a todos os canais, sem restrições.
TV a cabo não entrava na comunidade. Antes era ‘gatonet’. Quem tem filho
pequeno já conseguia segurar mais o filho em casa e não fica tanto na rua,
solto. (Cidade de Deus)
d) Água: Nas comunidades estudadas, os entrevistados já possuem acesso à água há
vários anos, sendo que a maioria já paga pelo serviço normalmente. As mudanças
ocorridas em alguns casos mencionam que o crescimento desordenado da favela tem
ocasionado falta de água em diversas situações. Outras obras da prefeitura foram
apontadas por alguns como causas para a falta de água.
e) Esgoto e lixo: o recolhimento de lixo e escoamento de esgoto foi um problema que
pouco evoluiu dentro das comunidades nos últimos anos. Além do lixo que se acumula
e é descartado sem o devido cuidado, muito do esgoto ainda corre abertamente e, em
alguns casos, só não é pior por conta de obras realizadas pelos próprios moradores das
favelas. Tais obras não resolvem o problema, mas podem “mascarar” a situação e
tornar o esgoto menos exposto de maneira geral. Os entrevistados residentes nas partes
baixas da favela alertam que a chuva pode agravar ainda mais a situação, pois a água
desce do topo do morro junto ao lixo e diversos detritos, causando inconvenientes às
casas que estão no caminho.
O estudo da Comlurb feito em 2011 em 20 favelas da cidade do Rio de Janeiro
(DAMASCENO, 2013), mostrou ainda como a quantidade de lixo produzida por
residência nas favelas aumentou 8,16% apenas entre 2011 e 2012, saltando de 0,49 kg
42
para 0,53 kg por habitante/dia. Se os próprios entrevistados afirmam que as
comunidades crescem desordenadamente e se a quantidade de lixo por residência
cresce ao longo dos anos, observa-se que a falta de coleta de lixo sistemática nas
favelas poderá agravar ainda mais os problemas já mencionados pelos entrevistados.
f) Bancos e comércio: bancos eram praticamente inexistentes antes da chegada das UPPs
e poucos entrevistados afirmaram ter conta corrente antes da pacificação.
Normalmente são pessoas que já tinham empregos formais com registro em carteira e
recebem seus salários em conta corrente. Acessavam os bancos de bairros próximos e
relatam dificuldades para ir até agências distantes de seu trabalho e de suas casas.
Quanto ao comércio, sempre existiram as pequenas mercearias e bares/lanchonetes.
Este tipo de comércio, muito baseado na informalidade, é na opinião dos entrevistados
algo que não mudou na comunidade. A questão é que eram em menor número e com
pior qualidade do que atualmente, sem grandes possibilidades de entretenimento, pois
sair à noite nas favelas era sempre complicado e inseguro. Embora alguns bares
ficassem abertos à noite, muitos preferiam ficar em casa a sair em ruas escuras e se
expor à alta insegurança em que viviam há alguns anos.
O comércio antes era muito simples, tinha apenas garrafa de cachaça. Hoje
tem mais variedade. (Morro Santa Marta)
A gente não tinha agência bancária na Cidade de Deus. Agora tem banco,
tem caixa eletrônico. Antigamente, para sacar um dinheiro ou fazer um
depósito, tinha que ir lá na Taquara ou na Freguesia. Hoje tem um caixa
eletrônico, banco 24h, facilita. Me sinto mais segura de fazer isso aqui
dentro. (Cidade de Deus)
É importante lembrar, porém, que nem tudo o que os entrevistados veem como positivo na
comunidade onde moram é fruto da entrada da UPP. Alguns pontos de melhoria são
mencionados como já existentes antes da chegada da pacificação, como telefone, água e a
presença de bancos e creches.
Aqui onde eu moro, a falta de água era rara. Hoje de vez em quando a água
diminui, mas acho que porque a comunidade cresceu muito. Mas a gente
sempre pagou, isso não mudou. (Cidade de Deus)
43
As creches que têm aqui hoje já tinham antes da UPP. Isso não mudou nada.
(Morro Santa Marta)
Internet e telefone a gente sempre teve. (Morro Santa Marta)
Internet sempre esteve disponível através da lan house perto da minha casa.
A gente pagava um valor e recebia o sinal. (Rocinha)
Um ponto de insatisfação muito recorrente nas entrevistas é a relação com o governo e o
tráfico. Do lado do governo, os entrevistados relatam sentir um completo abandono no
passado. Antes da iniciativa das UPPs, pouco se fazia pelas favelas. Afirmam ainda que o
pouco que se fazia era apenas na entrada das comunidades, a chamada “parte baixa”, com
medidas que eram mais voltadas para o aspecto estético do local do que propriamente para
trazer ganhos de qualidade de vida aos moradores.
Ficam pensando em beleza, mas e o esgoto? Tinha que cuidar deste esgoto a
céu aberto. (Morro Santa Marta)
A presença da criminalidade foi outro ponto de impacto extremamente negativo na vida da
comunidade. A falta de segurança no dia a dia, com ruas mal iluminadas e a sensação
iminente de se viver “em guerra”, acabava cerceando o direito de ir e vir dentro das favelas.
Segundo os entrevistados, este fator, somado à falta de policiamento e à postura violenta da
força policial nas favelas, também contribuem para uma sensação de abandono do poder
público.
Antes, gente da minha família não aparecia aqui nem por um decreto. Tinha
até vergonha de chamar aqui e acabar saindo tiroteio. (Cidade de Deus)
Esta sensação de abandono encontra relação com o trabalho de Ferreira (2009), que expõe que
o poder público, nas raras situações em que se envolvia nestas comunidades, optava por obras
de embelezamento urbano e medidas apenas paliativas, ao invés de buscar políticas de
inclusão social, geração de empregos e desenvolvimento de saneamento e transportes
coletivos.
Por fim, é possível destacar duas visões do passado de acordo com os entrevistados: i) um
passado mais remoto, sua infância, onde a infraestrutura era mais precária, mas a comunidade
era mais tranquila e segura, sem a presença do crime e do tráfico, e ii) um passado mais
recente, até em torno de cinco anos atrás, quando a infraestrutura ainda precária, mas um
44
pouco melhor do que antes, mas um alto grau de insegurança causado pelo tráfico e pela
criminalidade. Agravado ainda pela consciência de que o poder público “abandonou” as
favelas e que as intervenções policiais eram sempre muito violentas e em nada garantiam paz
e segurança para a comunidade.
O lado bom é que não tem mais aquelas situações de falta de respeito dos
policiais com os moradores... Nem vale a pena comentar. (Cidade de Deus)
Nada é melhor do que não precisar mais ver gente armada. É ótimo não ter
que expor isto aos meus filhos. (Rocinha)
4.2 A chegada da UPP e novos cenários
De maneira geral, os entrevistados relatam ter vivido uma melhora considerável em suas vidas
nos últimos anos. Sentem ainda que esta melhora não foi apenas para eles, mas sim algo mais
abrangente, com uma sensação de que toda a sociedade, dentro e fora da comunidade, passou
por ganhos importantes nos últimos anos.
Entre as principais mudanças, nota-se o aumento de renda e do acesso ao crédito, o que tem
impacto sobre o poder de consumo, que por sua vez se reverte em maior acesso à educação,
melhor alimentação e melhor conforto dentro de casa. O acesso a melhores empregos e a um
transporte de melhor qualidade, com mais linhas de ônibus e metrô, também foi mencionado.
Boa parte destas mudanças não são necessariamente frutos da entrada da UPP, mas são vistos
como decorrentes de ações recentes do governo, como Bolsa Família e a instalação de
creches, escolas e cursos técnicos próximos da favela – pontos positivos na opinião dos
entrevistados, mesmo apesar da já mencionada sensação de abandono do poder público com
relação à segurança e infraestrutura.
Mudou muito. No tempo da minha mãe, a gente não comprava carne de
primeira, nem de segunda. Hoje você consegue ir no mercado e compra uma
alcatra. Hoje os jovens têm mais oportunidade de estudar. Aqui na
comunidade têm cursos de graça. Mudou para todo mundo, o povo está
cobrando mais. (Cidade de Deus)
Eu era pobre, não tinha nada. Hoje eu tenho tudo, geladeira, fogão, minha
casa. Antes as coisas eram muito caras. Agora a gente consegue ter as
coisas. Eu tenho tudo dentro de casa. (Morro Santa Marta)
45
O governo passou a ajudar mais a gente. Começou com o Bolsa Família... É
mais fácil para nós. (Rocinha)
A chegada da polícia pacificadora nas comunidades foi vista pelos entrevistados com
desconfiança em seus momentos iniciais. A força da criminalidade e a baixa presença de
policiais nas favelas por anos fizeram com que muitos dos entrevistados pensassem ser aquela
ação de pacificação apenas algo passageiro. A confiança de que seria uma medida mais
duradoura veio para a maioria com o passar dos meses e dos anos.
No início da UPP eles revistavam nossa casa, tinha muita desconfiança.
Hoje está mais normal, a polícia anda por aí sem problemas. (Morro Santa
Marta)
O conjunto dos entrevistados ressaltou de maneira consistente que a entrada das UPPs trouxe
a segurança como principal e imediato benefício. Ter de volta seu direito de ir e vir foi uma
grande conquista deste público que se sentia tão cerceado pelo tráfico. Com a chegada dos
policiais, o momento inicial de desconfiança foi vencido pela clara e imediata sensação de
segurança. Com isto, veio a possibilidade de circular livremente pela comunidade, inclusive à
noite, sem a sensação de medo que acabava forçando as famílias a se manterem em casa após
o fim da tarde. E toda essa sensação de segurança foi causada, basicamente, pelo fim da
presença diária e constante do tráfico, pela ausência de contato com pessoas armadas à luz do
dia, circulando pela comunidade, inclusive na presença de crianças. Esta foi a mudança
apontada como mais relevante para suas rotinas.
Acho que melhorou para muita gente. Não vejo mais as coisas erradas por
aí. Não fico mais escutando tiro. Antes eu saía, deixava as crianças em casa,
tinha que pedir para as crianças não abrirem a porta para ninguém. (Morro
Santa Marta)
Agora ando por aí muito mais calma. Sem medo de tiro. Melhorou muito.
(Rocinha)
Além da questão da segurança, que foi o único ponto de unanimidade entre os entrevistados,
há diversos outros pontos a explorar, mas que tiveram opiniões divididas. Por exemplo, se por
um lado a maioria dos entrevistados vê a nova geração de policiais como pessoas mais
amigáveis e mais cientes de seu papel na comunidade, por outro lado, parte da amostra diz
que ainda há casos de abuso de poder, com moradores comuns sendo confundidos e
46
abordados como criminosos, além de rispidez e intromissão de alguns policiais no direito
privado dos moradores, repreendidos por ouvir música alta, fazer churrascos e festas, e
circular pela favela de madrugada. Carneiro (2011) também destacou este ponto como uma
das críticas ao modelo de pacificação das favelas, mencionando o quanto o policiamento
cerceia a vida comunitária das favelas, restringindo festas e bailes.
Alguns policiais acham que podem mandar no morro. Eles querem interferir
até na música que você ouve na sua casa. Se colocar música alta, eles batem
na sua casa pedindo para baixar o som. (Morro Santa Marta)
Eu acho que o problema é a falta de respeito. Alguns policiais te veem na
rua e saem parando sem motivo algum. Teve até um policial que parou e
revistou uma menina.... Achei isso falta de respeito! (Rocinha)
Estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS), com moradores de
favelas pacificadas e não pacificadas, também traz evidências de um sentimento de
desconfiança. A pesquisa com moradores de favelas pacificadas e não pacificadas mostra uma
opinião favorável à implantação das UPPs, mas a existência de alguma desconfiança em
relação à Polícia Militar, conforme mostra a Figura 4.
Figura 4 – Pesquisa IBPS sobre presença das UPP’s em favelas1.
1 O Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS) realizou, em dezembro de 2010, uma pesquisa por telefone com 800 moradores de favelas (400 onde há UPPs e 400 onde não há UPPs) com o objetivo de obter uma avaliação sobre questões relativas à segurança pública.
47
Fonte: O GLOBO (2010) Outro ponto que dividiu opiniões foi infraestrutura e acesso a comércio e serviços nas favelas
após a pacificação. Esta diferença de visões tinha uma clara relação com a parte da favela
onde os entrevistados moravam: aqueles que residiam próximos à entrada ou na sua “parte
baixa” são os que mais relatam ganhos após a UPP, principalmente em relação à
infraestrutura, comércio e serviços. Foram esses moradores que parecem ter tido mais acesso
a ruas e becos pavimentados, melhor iluminação pública, TV por assinatura, Internet,
telefonia e ampliação do comércio. Aqueles que moram em partes menos acessíveis, longe da
entrada da favela ou na sua “parte alta”, em sua maioria afirmam que a infraestrutura pouco
mudou e que poucos novos serviços chegaram às suas casas. Neste ponto, é como se para eles
a vida continuasse como antes das UPPs – exceto pela já mencionada questão de melhor
segurança, reconhecida por todos. Por fim, existe ainda um grupo de entrevistados que,
mesmo vivendo em áreas da comunidade atendidas por variadas obras de infraestrutura,
possui uma visão crítica e pessimista sobre a qualidade destas obras.
Antes não faltava agua, agora que o serviço é pago, já vejo faltar. Sábado e
domingo tem faltado água. (Morro Santa Marta)
Acho que mudou mais ou menos, sinto que é só maquiagem para fazer
bonito. De vez em quando vem o RJ TV falando das obras, mas quando
chove, você precisa ver a quantidade de lixo que desce. É horrível. Na parte
alta da favela é ainda pior, pois eles não fizeram nada lá. (Morro Santa
Marta)
Não gostei das obras que fizeram aqui depois da UPP. Nunca os bueiros
entupiram tanto. Agora falta muita água [...] Abriram um buraco enorme na
rua, fizeram um serviço ruim, e agora vaza água e entra nas casas. (Cidade
de Deus)
Aqui onde eu moro está do mesmo jeito que era antes. Não vi obras,
iluminação pública, creches.... Água e luz estão até faltando mais agora. A
UPP não melhorou isso. O comércio também continua o mesmo. (Rocinha)
Outros pontos, como a instalação de creches e ONGs, também dividem as opiniões dos
entrevistados. Com relação às creches, alguns afirmam que houve sim criação de unidades
adicionais pós-UPP e que há mais transparência e menos necessidade de “indicação” para
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conseguir vagas. Outros já acham que, mesmo com novas creches, ainda há muito a melhorar,
pois muitas mães que trabalham não conseguem vaga para seus filhos e ainda precisam lançar
mão de “influência” para conseguir uma vaga. Já quanto às ONGs, parece não haver muita
diferença de percepções, pois elas já haviam se instalado antes da chegada da pacificação.
Antes só podia ser mãe que trabalhasse, já hoje mesmo se estiver
desempregada, as crianças têm acesso à creche, a aulinhas de dança,
capoeira, informática. Isso foi um convênio com a Petrobras que veio depois
da pacificação. (Morro Santa Marta)
Entraram novas creches na comunidade. Mas falta organização. Antes, só
tinha como colocar na creche se a mãe trabalhasse. Hoje, ganha a vaga
quem tem influência... mesmo que não precise. Acho injusto. Eu vejo gente
que trabalha duro e ainda precisa pagar alguém para cuidar de seus filhos.
(Cidade de Deus)
Após a UPP passou a ter mais projetos para as crianças e os jovens, mas
acho que tem espaço para ter mais. (Rocinha)
Por fim, o turismo foi observado mais fortemente no Morro Santa Marta e na parte baixa da
favela da Rocinha. A Cidade de Deus ainda não vê o turismo como algo frequente na
comunidade. Parte da amostra vê o turismo de maneira neutra ou positiva, pois promove o
nome da comunidade para fora, chama a atenção para o local de maneira positiva e ainda
incrementa o consumo local, ajudando comerciantes e donos de bares. Isto corrobora a visão
de Quaino (2011) sobre como os visitantes passageiros e turistas impulsionam o comércio e
os serviços locais, trazendo incremento de renda aos pequenos negócios. No entanto, outra
parte da amostra vê os turistas com desconfiança, pois eles circulam livremente pela favela
sem guias, por vezes não respeitam o espaço dos moradores e ainda tiram fotos sem
autorização, agindo como se os moradores do local não tivessem opinião.
Aumentou muita coisa. É bom porque tem muita gente que pensa que na
comunidade as pessoas não são nada. As pessoas têm medo do Rio. Os que
vêm e conhecem, não querem mais ir embora. (Morro Santa Marta)
Eu acho que os turistas sobem no morro e tiram foto das crianças sem nossa
autorização. Eu não deixo. Não conheço e não sei o que vai fazer com a
foto. Eles sobem o morro sem cerimônia. Eu acho que deveria ter um projeto
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de guias para subir com eles, ao invés de deixar eles subirem sem
orientação. (Morro Santa Marta)
Turismo aqui é pouco. Vejo de vez em quando alguns grupos que vão na
associação de moradores. Mas não é frequente. Antes, as pessoas nem
passavam perto daqui. (Cidade de Deus)
Passou a ter mais visitantes aqui na favela. Acho bom, para que as pessoas
conheçam mais a favela. Tem umas coisas legais para se visitar aqui. Muita
gente que faz artesanato, música. Aqui é bem variado e os turistas gostam
bastante. (Rocinha)
Dada esta diversidade de opiniões, foi possível identificar três grupos distintos entre os
participantes do estudo, no que se refere à visão dos efeitos da pacificação sobre suas vidas e
sobre a comunidade.
a) Os otimistas: São aqueles que associam a pacificação a diversos pontos de melhoria na
comunidade e no seu dia a dia. Afirmam que os policiais enviados às UPPs são de uma
nova geração, com menos “vícios” e menos propensos a abusos de poder e a fazer
alianças com o crime. Avaliam ainda de maneira positiva a entrada de fornecedores de
energia elétrica, de telefonia, internet e TV por assinatura, e acham que a entrada de
bancos e comércio facilita a vida da comunidade. Esperam que as mudanças sejam
perenes para que todos saiam ganhando.
Achei interessante, pois abriu novas oportunidades. Vejo hoje trabalhando
aqui no morro em obras gente que era do tráfico. Chamou muita gente para
a responsabilidade. Além disso, a gente tem uma vida mais regrada,
pagando contas como todo mundo. (Morro Santa Marta)
A melhor coisa foi conseguir dormir sem escutar tiro na minha cabeça.
Antes a gente estava dormindo, começavam os tiros de madrugada e a gente
tinha que correr para baixo da cama. (Cidade de Deus)
Não vi nada negativo após a pacificação... Me sinto muito mais segura.
Acho tudo positivo. (Rocinha)
b) Os neutros: São os entrevistados com opiniões divididas. São capazes de encontrar
pontos positivos, como o acesso à energia elétrica formal, melhor infraestrutura na
favela e no entorno, mas também possuem uma visão descrente em outros pontos.
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Acham que nem todo o progresso da comunidade veio com a UPP e que as melhorias
que de fato podem ser associadas à UPP não lhes são tão úteis, como mais comércio,
TV por assinatura, internet. São o que usam pouco estes serviços ou, quando utilizam
com mais frequência, afirmam estar satisfeitos com a qualidade do que tinham antes.
Também fazem críticas à forma de policiamento que não atinge toda a favela
igualmente.
Eu acho que o que eles fizeram de bom foi só a segurança. Não vejo projetos
diferentes. Nada para jovem. (Morro Santa Marta)
Tudo de comércio novo veio depois da UPP, mas eu não faço questão e
prefiro comprar lá embaixo no bairro mesmo. (Morro Santa Marta)
Para o futuro? Olha, todo mundo acha que depois dessa Copa vai voltar
tudo como era antes. Se acontecer o pior, vai fechar tudo (o comércio).
Ninguém quer isso. Todo mundo quer paz, quer ter direito de entrar e sair.
Estamos então torcendo para isso não acontecer. Aí sim, tudo seria melhor.
(Cidade de Deus)
Eu espero que esta questão do respeito dos policiais melhore.... Vai
depender da própria polícia, mas precisa melhorar, né? (Rocinha)
c) Os pessimistas: São o menor grupo entre os entrevistados, e não veem a pacificação
com bons olhos. Apesar da clara sensação de segurança, ainda mantém a visão de uma
força policial bruta, arrogante e em muitos casos aliada do tráfico, achando que a
pacificação não terá vida longa e que em breve voltarão a viver como era antes.
Temem ainda que a UPP exerça o mesmo poder de cercear a vida dos moradores como
antes fazia o tráfico. A entrada de novas empresas é vista como algo que “força” as
pessoas a pagar por serviços caros e que não necessariamente trazem alta qualidade.
Querem melhorias, mas acham que tudo foi pensado apenas como algo “para o país
fazer bonito para a Copa do Mundo e as Olimpíadas”, ou mesmo como medida
eleitoreira.
Acho que mudou pouco. Isto tudo que foi instalado acho que é ruim, não
dura nada. Vive dando problema. Essa luz nova, esta água nova, esta
encanação nova. Daqui a pouco tudo vai pelos ares. (Morro Santa Marta)
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Acho que a UPP é mais uma fachada para a Copa do Mundo. (Morro Santa
Marta)
Acho que não vai dar certo. Tem muitos policiais aqui dentro que são
despreparados. Não sabem nem pegar em uma arma. Parece que é para
fazer pressão. (Cidade de Deus)
Infraestrutura, iluminação pública, aqui em cima eu ainda não vi nada... As
coisas não chegaram aqui. Falta creche ainda, muita coisa não chegou
aqui. (Rocinha)
4.3 Novas empresas e novos modos de consumo
Com a maior segurança e maior facilidade de acesso às comunidades após a pacificação, o
ambiente de negócios se tornou muito mais favorável, e diversas empresas e pequenos
comércios se instalaram nas favelas nos últimos anos. Quaino (2011) já mostrava que o
melhor acesso de pessoas à comunidade, aliada à vista privilegiada que alguns morros têm da
cidade, facilitam a circulação de pessoas na favela e fomentam o comércio da região de
maneira geral.
Na visão dos entrevistados, a instalação de novas empresas atuando nas favelas pacificadas
trouxe não apenas novas possibilidades de consumo, mas também mais qualidade de serviço e
a sensação de inclusão no mercado consumidor, permitindo que eles possam exercer seus
direitos, reclamar por qualidade e viver com mais conforto.
Várias empresas estão interessadas no pessoal da favela, Claro, Tim, plano
de saúde, empresa de celular dando chip. Todo dia a gente vê alguém
diferente. (Morro Santa Marta)
Ter que pagar por estes serviços é claro que é chato, mas alguma hora a
gente teria que viver de forma correta. O dinheiro sobrava mais antes, mas
agora eu posso reclamar, posso ligar para a Light e reclamar. (Morro Santa
Marta)
Eu acho que não tem problema pagar pelo serviço se ele é bem prestado e,
claro, se também eu puder pagar. (Rocinha)
Os entrevistados relataram que, logo após a pacificação, a primeira empresa a se estabelecer
foi a Light, que entrou para instalar relógios e cobrar formalmente pela conta de luz, antes
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acessada através de ligações clandestinas (“gatos”). Apesar de ser uma situação onde
claramente não se tem escolha senão assumir que conta de luz será um novo gasto para o
orçamento do lar, os entrevistados não parecem ver a conta de luz como apenas um peso no
orçamento, já que a instalação do relógio garante uma energia sem interrupções e sem picos,
que tanto danificavam os aparelhos em casa.
A questão da interrupção, principalmente, era um ponto de forte insatisfação em relação aos
antigos “gatos”. Os entrevistados mencionaram que quando havia queda de luz, demoravam
dias para que voltassem a ter energia e isso causava diversos transtornos. Entendem que a
Light não tinha interesse em fazer reparos na rede, visto que toda aquela estrutura era
clandestina e ilegal. Hoje, têm a sensação de que como pagam, podem exigir um serviço de
qualidade. Acreditam que é o correto pagar pelo serviço que se usa, assim como todos o
fazem. É como se gerasse uma sensação de pertencimento à sociedade da qual sempre se
sentiram excluídos. Apenas os entrevistados residentes na da parte mais alta da Rocinha
afirmam que para eles a energia elétrica em nada mudou. Não houve ainda ligação de relógios
marcadores de consumo em suas casas e as ligações permanecem clandestinas.
Acho bom ter o relógio. É mais organização. Vou ter como reclamar. Se
queimar uma coisa minha, eu reclamo. Sem o relógio, tenho vergonha. Se
acaba a luz, como posso chamar a Light? Não gosto das coisas assim.
Prefiro ter as coisas legalizadas e direitinho, para ter direitos. (Cidade de
Deus)
A conta de luz aqui em casa é cara, pois temos ar condicionado nos quartos.
Fica em torno de R$ 120, mas a light soube entrar na favela, pois começou
cobrando 10, passou para 20 até chegar ao valor real de hoje, após 4 anos
de UPP. (Morro Santa Marta)
Para a gente aqui nada mudou. Nada chegou aqui em relação à ter relógio.
Sempre foi ‘gato’ e continua sendo. (Rocinha)
Outro ponto que confere uma sensação de pertencimento e que também advém da instalação
da energia elétrica é a possibilidade de ter um endereço formal. As ruelas e becos vão sendo
registrados pelos correios e vão trazendo para os moradores a possibilidade de se ter um
endereço. O endereço facilita sobremodo não apenas o recebimento de correspondência, mas
também a abertura de linhas de crédito em lojas, bancos e financeiras. Este ponto atua de
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forma quase subliminar, deixando os entrevistados mais seguros de si e com uma importante
sensação de inclusão.
A Light chegou, mapeou as casas, numerou, criou nome das ruas, pois antes
era tudo beco e sem número. Com isso, instalaram a luz, mandaram a conta.
(Morro Santa Marta)
Hoje as ruas foram cadastradas pelo correios, tem placa com nome de rua,
então é mais fácil as pessoas nos acharem. Eu tenho correio e recebo
correspondência na minha casa e isso é muito bom. Recebi até livrinhos
para minhas filhas em casa. Antes, tudo seu ia para a Associação. É um
orgulho ver meu endereço na internet. (Morro Santa Marta)
Ah, se eu tiver uma conta no meu nome, vai ser mais fácil. Sabe como é? A
"cidadã" fica direita, melhora muito! (Cidade de Deus)
Agora eu posso chegar e, com um comprovante de residência, posso abrir
uma conta no banco, fazer um empréstimo. Isso abre portas para você.
(Cidade de Deus)
A questão do crédito também apareceu, mas de maneira moderada. Poucos mencionam
contrair empréstimos em bancos ou financeiras, embora esse tipo de empresa tenha se
instalado nas comunidades pacificadas. Os bancos são usados com mais frequência, mais para
movimentar conta corrente e fazer saques, e menos para a obtenção de empréstimos. O
crédito, quando mencionado, vem principalmente do cartão de crédito, do qual muitos já
fazem uso, e dos carnês de lojas de artigos para o lar, como eletrodomésticos e
eletroeletrônicos. Equipar a casa, para a amostra pesquisada, é o essencial do consumo antes
de se partir para a compra de outros itens. Todos os entrevistados tinham TV de LCD,
computadores e salas e cozinhas equipadas com boa variedade de aparelhos.
A unânime presença dos aparelhos de TV de LCD vem alinhada à forte entrada da TV por
assinatura nos lares dos entrevistados. Empresas prestadoras deste tipo de serviço também se
instalaram rapidamente nas favelas após a pacificação. Os entrevistados relatam ainda que
apenas poucos dias após a instalação da UPP já havia empresas de TV por assinatura fazendo
plantão para a venda de pacotes.
Neste caso específico, nem sempre a instalação de um serviço de TV por assinatura formal foi
vista com bons olhos. Apesar da qualidade do sinal ser melhor e de não haver quedas de
54
serviço, houve recorrentes reclamações sobre os pacotes ofertados. Muitos diziam que os
pacotes tinham preços atrativos para estimular a adesão dos moradores, mas que a oferta de
canais desses pacotes promocionais era muito reduzida quando comparada aos canais do
serviço de TV a cabo clandestino. Sem dúvida, este foi o serviço com o qual os participantes
demonstraram maior dificuldade de adaptação, mais em função da qualidade do serviço do
que do custo em si.
Um dos primeiros serviços que entrou na favela foi a TV a cabo. Já
começaram colocando promotor, o pessoal se deslumbrou fazendo
contratos, todos querendo ser os primeiros. Um ano depois várias pessoas
não queriam mais porque não podiam mais pagar. (Morro Santa Marta)
Eu tinha gato. Mas agora não tem opção... Ou você paga Sky, ou você paga
a Claro. (Cidade de Deus)
Não vivo sem TV a cabo. Tem que ter em todos os cômodos da casa, senão
tem briga. (Morro Santa Marta)
TV a cabo agora tem que pagar pois a empresa veio aqui na favela e
instalou para todos. Mas custa caro e eu agora não consigo pagar. Quem
sabe em breve? (Rocinha)
A forte presença de computadores na casa dos entrevistados traz ainda à tona a grande
necessidade de acesso à internet. Seja através das operadoras de TV por assinatura ou mesmo
por outras operadoras de telefonia que se instalaram oferecendo este serviço, ter uma internet
de qualidade e alta velocidade se mostrou tão importante quanto à própria presença dos
computadores em suas casas. Este é outro serviço que foi agregado ao orçamento, mas de uma
maneira bastante positiva, com uma sensação de haver uma ótima relação custo-benefício
entre o preço e a qualidade do sinal de internet.
O comércio também parece ter aberto possibilidades para incrementar o consumo dos
moradores das favelas pacificadas, especialmente em função da abertura de mais lojas, com a
maioria aceitando cartão de crédito. Alguns participantes afirmaram que ter mais lojas
estimula a concorrência e reduz os preços, além de aumentar a conveniência de se poder
comprar o que se deseja perto de casa. Redes de lojas de eletrodomésticos e de artigos para o
lar foram bastante citados por oferecerem mais facilidade de crédito, principalmente pela já
citada importância que os entrevistados a esse tipo de produto.
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As lojas daqui te tratam melhor, né? Porque se tem mais comércio, tem mais
concorrência. Tem que tratar melhor mesmo, para a pessoa voltar depois.
Me oferecem até cafezinho, imagina! (Cidade de Deus)
No dia da inauguração das Casas Bahia, estava tão cheio que não tinha
espaço nem para andar. Tinha gente saindo com televisão na cabeça, você
precisava ver! Está muito fácil! (Rocinha)
O ponto interessante, porém, é que nem todos os entrevistados afirmam consumir nestes
estabelecimentos. Apesar da vantagem das entregas em domicílio – que não são feitas por
lojas em outros bairros –, há os que acreditam que os artigos vendidos na favela custam mais
caro do que em lojas de rua tradicionais. Parte dos entrevistados atribui este alto valor a dois
motivos: i) trazer produtos para a favela não é mesmo tão simples como abastecer uma loja
fora dali; e ii) a maior circulação de pessoas e turistas acaba levando o comércio a especular
sobre o poder de consumo dos que circulam por ali. Os entrevistados se ressentem desta visão
e afirmam que, nestes casos, os prejudicados são os próprios moradores da favela, que
ganham menos e em alguns casos precisam pagar mais caro. Por isso, alguns dizem que
compram sim na favela, mas outros afirmam preferir pesquisar preços e fazer suas compras
em lojas fora dali.
Tem diferença de preço sim... Aqui sempre tudo é mais caro. Não sei te dizer
por que. Eu me pergunto se é porque eles compram de alguém que revende e
por isso sai mais caro. (Cidade de Deus)
Acho que a gente acaba pagando mais caro que na rua. Acho que é porque
na favela é longe, mas acho que se aproveitam da pacificação e ainda do
fato de vender para o gringo, que compra e paga qualquer preço. (Morro
Santa Marta)
A gente pesquisa bastante antes de fazer as compras, buscando os preços
nos supermercados daqui e da Barra. Aqui não tem tantas opções de
supermercado com preço bom. (Rocinha)
Com relação à questão da entrega de itens em casa, foi possível observar uma grande
frustração por parte dos que moram nas partes mais altas das favelas. Segundo eles, as
empresas não enviam entregadores para essas partes e, em muitos casos, o item vai até metade
do caminho e cada comprador fica responsável por levá-lo para casa – o que gera um enorme
desconforto. Por isso, não apenas o acesso à compra do bem é importante para este público,
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mas também ter direito a serviços “acessórios” tão desejados, como entrega em domicílio –
que poucas empresas fazem de fato.
As casas Bahia não entregam em casa exatamente, pois deixam no pé da
ladeira e todos têm que buscar lá embaixo. Agora com CEP e endereço, é
obrigação deles entregar na minha porta. (Morro Santa Marta)
Os serviços de bares e restaurantes também foram avaliados de forma positiva. Em alguns
casos, os bares melhoraram de qualidade e houve a chegada de restaurantes e pizzarias. O
público entrevistado afirma querer frequentar estes lugares, pois comer fora é um prazer a que
eles querem ter direito, ainda que eventualmente. Por isso, pesa muito não apenas a criação de
novos lugares de entretenimento, mas também a segurança como fator fundamental para
permitir que estas pessoas possam ir a um bar ou restaurante jantar sem o medo da
criminalidade rondando a comunidade à noite.
Os entrevistados apontaram, ainda, que os salões de beleza foram um tipo de comércio que
cresceu bastante nas favelas, principalmente após a chegada das UPPs. As mulheres
entrevistadas se mostraram bastante ligadas a cuidados pessoais, como cuidar das unhas e dos
cabelos. Embora muitas cuidem dos cabelos em casa, a ida aos salões também é frequente, e
por esta razão dizem que este é um ponto que sem dúvida elas incrementaram em seus gastos.
Meu filho, parece que isso aqui virou a Feira de Acari. É tanto comércio,
tanta portinha aberta vendendo de tudo. Você encontra alguém na rua e a
pessoa já te diz que abriu um negocinho. É muita coisa que não tinha antes:
loja de roupas, sapatos, salão de beleza então nem se fala. É muito! (Cidade
de Deus)
Se você andar aí pelo morro, tem loja nova para tudo quanto é lado.
Roupas, mercado. No mesmo preço que os mercados lá da rua e da mesma
qualidade. (Morro Santa Marta)
Aqui perto de casa tem um salão que fica lotado. Todo dia vem gente da rua
para cá. Isso não acontecia antes. (Morro Santa Marta)
A mudança que eu percebi é que avançou mais o comércio. Até aqui em
cima onde eu vivo abriu mais lojinhas, salões...Inaugurou uma Casas Bahia
e um Ricardo Eletro aqui, que não tinha. (Rocinha)
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Por fim, cumpre destacar que o aumento do consumo após a entrada das UPPs nas favelas
parece estar associado a dois fatores. Em primeiro lugar, pela criação de mais pontos de
comércio e de novas empresas de serviços. Além disso, a partir dos relatos, foi possível
verificar um incremento no consumo mesmo em locais onde o comércio não mostrou
evolução significativa pós-UPP, e isto se deve à questão da segurança. Segundo alguns
entrevistados, com mais segurança, é possível ir a outras lojas fora da favela, ou em
shoppings, sempre com mais tranquilidade. Por esta razão, consomem um pouco mais, ainda
que não necessariamente dentro da favela. Isto confirma que a segurança foi, de fato, o grande
estopim para todo este processo de aumento de consumo, pois conferiu liberdade de
movimentação dentro e fora da favela, em qualquer horário.
Passou a ter bastante coisa. Não tinha lojas de roupas, salão de beleza...
Hoje você anda por aí e tem tudo. Acho que antes as pessoas tinham medo.
Por isso não tinha. (Morro Santa Marta)
Fico mais segura até de ir ao supermercado. Antes, se eu saísse, na hora de
voltar tinha tiroteio e não conseguia subir na minha casa. (Cidade de Deus)
Só perto da minha casa abriu três salões. Fora as lojas e bares por aqui...
Antes tinha que ir lá em Copacabana para comprar. Agora as pessoas
podem comprar aqui com mais calma. (Rocinha)
Por fim, considerando todos os fatores que podem impactar o consumo dos moradores de
favelas pacificadas, observamos que há dois grupos distintos de consumidores: os de consumo
leve a moderado e os de consumo elevado.
a) Consumo leve e moderado: pessoas que se beneficiaram basicamente com energia
elétrica formal e a instalação da TV por assinatura. Usam o comércio local apenas
quando precisam de alguma compra urgente e são moderados em seu consumo. Dizem
não ter capacidade de contrair mais despesas, ou são mais reticentes por achar que as
coisas na favela custam mais caro. Acham interessante a maior oferta de produtos e
serviços, mas isso deveria vir acompanhado de redução de preços para valer a pena.
Não gasto muito mais hoje. Não sou de ficar comprando por aí.... Ainda
mais que aqui é mais caro. Por isso continuo comprando lá fora como fazia
antes. (Cidade de Deus)
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Eu acho que gasto um pouco mais hoje. Mas porque hoje tenho mais acesso
à renda. Por causa da UPP, só se for porque eu consigo ir mais ao
supermercado a hora que eu quero. (Morro Santa Marta)
Se eu comparo com a Zona Sul, aqui com certeza é mais barato. Mas são
mercados menores. Embora tenha bons preços, é melhor ir na Barra
comprar em supermercado maior. Os preços acabam compensando mais.
(Rocinha)
b) Consumo elevado: São os entusiastas da chegada de novas empresas e novos serviços.
Acham que ter acesso à luz, internet, TV por assinatura, telefonia, lojas de
eletrodomésticos e bares e restaurantes os insere melhor na sociedade. Acham que são
gastos necessários, que todos devem ter numa vida em sociedade. Ficam satisfeitos
porque hoje possuem um endereço, um comprovante de residência e isso lhes abre
portas. Gostam da ideia de ter lojas interessantes perto de casa, de poder comprar sem
precisar ir muito longe e de ter bares e restaurantes para se divertirem nos finais de
semana. Resistem em reconhecer que consomem mais, até porque sua renda não
permite extravagâncias, mas afirmam que agora possuem mais opções. É, por fim, um
grupo que consome com mais consciência.
Gasta-se mais, pois a maioria das lojinhas, salão de beleza, aceitam débito,
crédito. Você acaba gastando mais. Antes ninguém aceitava isso. Sinto que
eu preciso me controlar mais (risos). (Cidade de Deus)
Passei a gastar mais sim, em casa e saindo mais para comer fora. (Morro
Santa Marta)
Minha rotina mudou com gastos... Eu não saía de casa e agora eu consigo
sair com meu marido e meus filhos. Aí, nestas saídas eu acabo comendo
fora, comprando uma coisinha ou outra.... Acaba gastando mais....
(Rocinha)
4.4 O que esperar do futuro?
Após as diversas mudanças vividas pelos moradores das favelas pacificadas, a grande parte
dos entrevistados vê o futuro de maneira positiva. Mas esta visão parece ter começado antes
da pacificação, com o incremento de renda, o acesso ao Bolsa Família e a criação de mais
59
creches e escolas. As UPPs vieram em um segundo momento para consolidar a percepção de
que finalmente o governo passou a olhar para este grupo de pessoas com uma visão de longo
prazo.
Desta forma, verificou-se o surgimento de uma perspectiva de futuro e a possibilidade de
fazer planos, que se nota fortemente no discurso de cada pessoa que fez parte deste estudo.
Sua visão de futuro perpassa basicamente três pontos: futuro dos filhos ou netos, uma casa
melhor, e realização profissional.
1. Filhos ou netos: parte da preocupação que tinham com o futuro dos filhos e netos se
resolveu com a entrada da UPP. Não ter mais contato diário com pessoas armadas que
circulavam diariamente entre as crianças da favela mostrou-se ponto de alívio para os
pais e avós. Ninguém se confirmava com a ideia de ver seus filhos e netos crescerem
acreditando que aquilo era normal.
Queria ver minhas filhas encaminhadas na vida, estudando. (Morro Santa
Marta)
Ver meus netos nascerem, ver meus filhos bem. Ficar velhinha, mas ficar
bem, poderosa, pra frente. (Cidade de Deus)
Eu daria tudo para meus filhos. (Morro Santa Marta)
Sempre que posso eu guardo um dinheirinho. Tem dia eu é R$ 10, R$ 20, R$
50.... Nem sempre consigo. Mas é tudo pensando nos meus filhos. (Rocinha)
2. Moradia: Também passa pelo discurso de todos. Muitos não possuem residência
própria e precisam pagar aluguel ou viver junto à família. Os que moram em imóveis
alugados mostram forte desejo de adquirir uma casa própria. Aqueles que moram com
familiares, desejam poder fazer suas casas próximas ou na laje da casa da família. É
uma forma de ganhar privacidade, sem deixar de estar perto da família – ponto muito
valorizado pela maioria da amostra.
Eu teria uma casa própria, um carrinho para me levar onde eu quisesse.
Dar uma casa para cada filho.... Eles poderiam fazer o que quisessem com a
casa, mas ao menos eu ajudava cada um. (Cidade de Deus)
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Se eu pudesse, aumentaria a minha casa, faria mais cômodos, e deixaria
como eu quero. Faria mais viagens também. Adoro viajar e não consigo
muito. E faria um plano de saúde. (Cidade de Deus)
Eu compraria uma casa para mim, aqui na favela, mas o problema é que os
preços aqui estão absurdos. (Morro Santa Marta)
Aumentaria minha casa. Faria um puxadinho, pois hoje tenho apenas dois
cômodos para toda a família. (Rocinha)
3. Realização Profissional: A maioria dos entrevistados – principalmente os mais jovens
e que possuem filhos em idade escolar - conferem grande importância à questão do
estudo e da realização profissional. Mais do que apenas sobreviver do salário, alguns
demonstraram o desejo de ir além, com planos de voltar a estudar, de entrar em uma
universidade ou fazer um curso técnico para, dessa forma, ter acesso a trabalhos mais
qualificados e valorizados.
Minha ambição é ser uma profissional melhor, fazer cursos e me estabilizar.
Com isso, o dinheiro flui, né? (Morro Santa Marta)
Meu sonho é passar num bom concurso... Vou tentando, uma hora quem
sabe eu passo? Aí vou tentando... Não custa nada. Quero fazer uma
faculdade... Mas preciso ter condições de me manter nela por todo o curso.
(Cidade de Deus)
Estes sonhos, porém, encontram dificuldade de realização muito em função da falta de
planejamento financeiro ou de uma poupança. Alguns reconhecem a necessidade de
poupar, mas não conseguem ter “sobras” em seu orçamento mensal. Sabem, portanto,
que a falta de reservas os impedem de fazer planos mais ambiciosos. Mesmo assim, se
sentem otimistas com relação ao seu futuro e de sua família. Mesmo aqueles que
pouco relacionam seu otimismo com o resultado da pacificação, ainda assim imaginam
que o futuro de suas vidas pessoais será promissor.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Morar em uma favela, para a maior parte dos participantes, não foi decisão própria, mas sim
de seus pais e avós que migraram para o local há vários anos. Os entrevistados cresceram ali e
ali construíram suas famílias e amizades. Observa-se que o ambiente da favela é imensamente
agregador, e que mesmo que isso por vezes traga inconvenientes como falta de privacidade, é
maior a sensação de cooperação, de acolhimento e, para muitos, de ser o “seu lugar”, onde
nasceram, foram criados e onde está toda sua família.
Esta sensação de acolhimento e cooperação, porém, parece ser resultado das dificuldades
encontradas. Viver em favelas, ainda que não seja mais tão precário como há algumas
décadas, ainda envolve muitos desafios. A falta de infraestrutura e de policiamento e a
sensação de que o governo não enxergava aquele local como merecedor de investimentos e
melhorias, aumentava ainda mais a sensação de exclusão, da cidade e da sociedade.
O cenário começou a mudar alguns anos antes da chegada das UPPs, com o aumento da renda
e o maior acesso a escolas, creches e cursos. O baixo nível de desemprego vivido no país nos
últimos anos contribui para aumentar a sensação de segurança financeira das famílias,
potencializando ainda mais o consumo. Nesse sentido, o consumo desses moradores de
favelas pacificadas cresceu nesse período, mas de forma diferente nesses dois momentos:
a) Antes da pacificação, já com maior renda, emprego, e acesso a benefícios como o
Bolsa Família, as casas passaram a ter mais aparelhos eletrodomésticos,
computadores, TVs mais sofisticadas e outros itens de conforto. Neste primeiro
momento, a ideia dos entrevistados era equipar a casa para seu bem-estar, mas também
para atrair as crianças e jovens para dentro de casa, evitando o contato com os
traficantes que circulavam livremente pela favela à luz do dia.
b) Após a pacificação, o aumento de consumo se deu primeiramente através dos serviços
como luz elétrica, internet e TV por assinatura, e secundariamente através do comércio
local, bares, bailes e festas, mencionados como fonte de aumento de consumo apenas
para parte da amostra. Há também aqueles que consomem mais em lojas, bares,
restaurantes e shoppings, mas não necessariamente dentro da favela. Dizem consumir
fora da favela por acharem que o comércio da comunidade cobra mais caro e porque
62
agora possuem liberdade para sair a qualquer horário e voltar mais tarde com
segurança.
Segurança é, neste contexto, a palavra-chave para a conclusão deste estudo. Apesar de
algumas queixas quanto ao comportamento dos policiais no trato diário com os moradores, o
ganho com segurança foi ressaltado por todos. Desta forma, o grande estopim para o
incremento do consumo parece ter sido a percepção de segurança que passou a fazer parte do
dia a dia dessas favelas.
A conquista do direito de ir e vir, que permeou a vida dos moradores e dos comerciantes, foi
fundamental para que se instalasse um ambiente favorável aos negócios dentro e fora das
favelas. Um ambiente seguro permitiu a chegada de mais empresas, de comerciantes, de
novos pontos de entretenimento, bares e restaurantes. Como consequência, aumentou o fluxo
de pessoas em toda a favela e também chegaram visitantes e turistas, que contribuem para
incrementar a economia do local. Se por um lado alguns moradores dizem que isto aumenta
os preços do comércio da comunidade, por outro, incentiva a abertura de mais lojas e o
aumento da concorrência. Com mais concorrência, os serviços melhoram, a variedade de
produtos oferecidos aumenta, e os preços tenderão a se reduzir.
A liberdade de ir e vir também potencializa o comércio fora das favelas. Uma vez que as
pessoas têm liberdade de sair e voltar mais tarde sem receios de represálias, elas conseguem
visitar comércio de outros bairros e os shoppings em outros locais. Uma vez que podem sair
mais, comparam mais preços, experimentam serviços de melhor qualidade e passam a exigir
mais do próprio comércio local, forçando-os a melhorar sua oferta continuamente.
Por fim, este mesmo ambiente de segurança possibilitou a chegada de outros serviços, como
luz, TV por assinatura e correios. No caso dos correios, especificamente, a grande
contribuição é possibilitar que os moradores da favela tenham endereço formal. Com as ruas e
becos mapeados e endereçados, abrem-se as portas para as compras on-line, já que produtos
podem ser entregues em domicílio. O acesso ao crédito e, portanto, a produtos de maior valor
também fica facilitado, tendo em vista que o comprovante de residência é um item
frequentemente necessário nas compras a crédito. Esses pontos contribuem indiretamente,
mas de maneira decisiva para o consumo destas famílias.
A partir dos resultados do estudo, observa-se então que o consumo deste perfil de moradores
de favelas pacificadas ainda está em expansão. A maior parte da amostra mostra possuir um
63
potencial reprimido de consumo, somado à uma visão otimista sobre sua vida financeira para
o futuro próximo. O ponto de atenção, no entanto, são os mais recentes dados sobre
endividamento dos brasileiros, que apontam para uma potencial retração de consumo que já se
nota em alguns setores. Uma reportagem especial do jornal Estado de São Paulo (2013)
destaca alguns dados pertinentes a este assunto, como a seguir:
a) Alto nível de endividamento da classe média brasileira, devido à abundante oferta de
credito – que dobrou em cinco anos. O peso das dívidas no orçamento familiar mensal
chega a cerca de 20%, um porcentual considerado muito alto para os padrões
internacionais. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse comprometimento é de 10%;
b) O texto fala ainda da pesquisa realizada pela Nielsen no primeiro semestre deste ano,
onde a soma de 131 categorias de alto consumo entre os brasileiros mostra queda de
2,6% em relação ao mesmo período de 2012;
c) O endividamento das famílias brasileiras já superou 45% de sua renda acumulada em
um ano, o maior porcentual verificado pelo Banco Central desde 2005;
d) Toda esta situação pode se agravar se mantidas as altas taxas de inflação e baixo
investimento do governo no aumento de produtividade da indústria brasileira.
Neste contexto, a expansão de consumo dos moradores de favelas pacificadas no Rio de
Janeiro encontra um cenário promissor, mas que nos próximos meses dependerá de um
contexto macroeconômico que terá papel decisivo no incremento ou redução deste potencial
de consumo.
O perfil de consumidor aqui abordado continuará sendo uma fonte bastante rica para estudos
futuros. Apesar de o estudo estar limitado a três favelas da cidade do Rio de Janeiro, espera-se
que os achados aqui apresentados possam contribuir para que as empresas tenham
entendimento mais amplo sobre o que este consumidor deseja, como se comporta e como lida
com as mudanças recentes em seu entorno e em sua vida pessoal, com mais acesso à renda e
maior padrão de consumo. Como implicações para as empresas que pretendem se instalar nas
comunidades pacificadas, dois pontos devem ser observados fundamentalmente:
• Qualidade: Oferecer seu produto ou serviço meramente não é mais suficiente para
atrair o consumidor morador das favelas pacificadas. Os tempos de extrema carência
mudaram, e hoje eles sabem que possuem mais poder, com mais renda em mãos. Cada
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vez mais exigentes, buscam a qualidade como fator decisivo na sua escolha de
consumo. Por qualidade, inclui-se facilidade de acesso, entregas, atendimento e
produto ou serviço impecável.
• Proximidade & Customização: As empresas devem saber falar a língua deste público,
moldando sua oferta para se alinhar ao perfil do público das comunidades. Esta
população sabe que a favela é diferente do “asfalto” e demanda que produtos e
serviços sejam desenhados com estas especificidades. Muitos consumidores mostram
frustração perceberem que o que recebiam geralmente tinha qualidade inferior ao
restante da cidade (como atendimento nas lojas, serviços como TV a Cabo, etc). Por
isso, proximidade e customização, ouvir e atender este consumidor com prontidão, são
todos diferenciais para ganhar sua confiança.
• Para empresas de serviços públicos (como luz, água, infra-estrutura no geral) e o
próprio governo, vale ressaltar a necessidade de se atuar com consistência nas medidas
implementadas nas comunidades. Isso significa qualidade das obras de infra-estrutura,
e alcance em todos os pontos da favela – não apenas nas suas entradas ou “partes
baixas”. Este ponto, combinado a uma força policial que inspira respeito e atua com
respeito serão pontos fundamentais para consolidar a confiança dos moradores no
programa de pacificação. O sucesso das UPPs é, em grande parte, fruto da colaboração
e força dos próprios moradores.
O presente estudo procurou contribuir para trazer mais detalhes e conhecimento sobre a
população moradora de favelas pacificadas no Rio de Janeiro, mas muito ainda pode ser feito
e explorado sobre este tópico. Algumas sugestões neste sentido são:
• Buscar mensurar financeiramente o quanto o fator “segurança” consegue alavancar o
comércio e serviços dentro das favelas e em seu entorno. Com isso, saberíamos
exatamente o quanto a economia local teria a perder se porventura as comunidades
voltassem a viver como antes da pacificação.
• Avaliar o potencial de consumo online de moradores de comunidades pacificadas que
agora possuem endereço formal – o que viabiliza entregas de produtos pelos Correios.
• Continuar a avaliação do impacto do processo de pacificação na vida dos moradores
destas comunidades nos próximos anos, verificando-se até que ponto a visão de futuro
65
apresentada pelos entrevistados irá se confirmar – positiva ou negativamente. Se o
cenário se confirmar positivo no futuro, pode-se investigar ainda se o perfil do
consumo sofrerá mudanças. Atualmente, esta população ainda se vê muito voltada ao
consumo para prover bem estar no lar, como reformas em casa, compra de
eletrodomésticos e serviços como TV por assinatura e internet. Uma vez que tenham
suas casas equipadas, e contando com a segurança de ir e vir quando desejam, vale
observar se haverá uma substituição gradual de gastos em bens duráveis por outros
gastos, como lazer, cultura e alimentação fora de casa.
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72
APÊNDICE – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS
APRESENTAÇÃO
Explicação do trabalho: o que é a dinâmica, gravação Orientações gerais (reforçar a ideia de ser espontâneo e neutro) Apresentação pessoal: idade, se é casada, se tem filhos, se trabalha Você mora com alguém? Quantas pessoas moram na sua casa? Há quanto tempo mora na atual casa? E na região?
QUEM SÃO
Gostaria de saber um pouco sobre sua rotina. Como você descreve um dia típico na sua vida? Trabalha, estuda, cuida da casa, cuida dos filhos? Trabalha em quê? Como conciliar todas as atividades? O que gosta de fazer quando tem um tempo livre? O que representa família para você? Como você descreve seu papel em casa? Divide as tarefas com alguém? Se você pudesse, o que mudaria em sua vida? Quem administra o dinheiro da casa? Como você administra o seu dinheiro? Quais são as prioridades? Se pudéssemos desenhar uma ‘pizza’ de gastos, quais seriam as maiores fatias? Como seria essa ‘pizza’? (alimentação, lazer, beleza e saúde, prestações, casa e etc) Falta dinheiro para alguma área/ou para determinados itens? Como dribla, como contorna essa situação? Você consegue poupar? Em quê? Por que sim / por que não? Se estivesse com dinheiro sobrando, onde investiria? Com que gastaria?
Como você olha o futuro? Quais são os seus sonhos? Sonhos para realizar agora e sonhos para o futuro mais distante.... Onde estão suas metas?
ÚLTIMAS MUDANÇAS NA VIDA
Pensando em uma linha do tempo, como você estava há alguns anos atrás e como está agora? O que mudou? O que ainda pode mudar? A vida melhorou ou piorou? Por que vc acha que melhorou / piorou? (ver se menciona melhorias em suas condições de vida ou se credita esta evolução ao contexto econômico do país como um todo...) Você sente que melhorou mais para você especificamente ou melhorou para todo mundo? E o que você acha que fez com que melhorasse para todo mundo à sua volta?
73
SOBRE A COMUNIDADE
Agora gostaria de falar um pouco sobre a comunidade onde você vive... Há quanto tempo mora aqui? Tem família aqui? Por que veio para cá? O que acha daqui? O que tem de bom, e o que tem de ruim? O que mudou aqui na comunidade nos últimos anos? O que mudou para melhor e o que mudou para pior? Por que você acha que as coisas mudaram? (ver se menciona UPP’s, pacificação, etc)
(Se ainda não mencionou as UPP’s como fonte destas mudanças, estimular...)
E a pacificação? Ela tem a ver com estas mudanças na comunidade? Quais mudanças foram causadas pela pacificação e quais não têm nada a ver com isso? E estas mudanças na comunidade de maneira geral, elas atingiram você de alguma forma? Como? Trouxe coisas boas? Quais? Trouxe algum efeito negativo? Quais? Você acha que a pacificação teve alguma influência nesta mudança que passou na sua vida? Que pontos especificamente você acha que a pacificação impactou? Para o bem ou para o mal? Gostaria que você listasse estes pontos comigo. (anotar os pontos, por exemplo:)
� INFRA/SEGURANÇA - Policiamento e segurança � INFRA/SEGURANÇA - Mais investimentos em pavimentação, iluminação publica. � INFRA/SEGURANÇA - Entrada de organizações de assistência (ONG’s, creches,
escolas) � CONSUMO - Novos serviços como água, luz, TV por assinatura, telefone e internet � CONSUMO - Mais oferta de serviços e comércio, como bancos, salões, mercados, etc � CONSUMO - Aumento de turistas � Outros
(Separar os pontos que se referem a infraestrutura e segurança daqueles que se referem a consumo. Para cada ponto referente a INFRA-ESTRUTURA E SEGURANÇA, explorar rapidamente)
� O que mudou � O que foi bom ou ruim neste aspecto para a comunidade e em especial para você? � Perspectivas para o futuro neste ponto: otimistas ou pessimistas?
Listar os pontos referentes a CONSUMO, foco da discussão. Para cada um deles, discutir:
Novos serviços como água, luz, TV por assinatura, telefone fixo e internet (explorar um de cada vez, dentro daqueles que se aplicam ao entrevistado)
• Estes serviços chegaram aqui após a pacificação? • Como era antes sem este serviço? Já tinha acesso a ele? De que maneira?
Como era a qualidade? (ver se menciona que tinha “gato”, se a qualidade era ruim, o serviço instável, se usava internet em lan-house e agora usa em casa, etc)
• E agora, como estes serviços como chegaram aqui? Como foi a implantação?
74
• São serviços de qualidade? O que têm de bom ou de ruim? O que poderia melhorar?
• Como ficam os custos destes serviços? E este custo traz benefício? • Como você vê a perspectiva de futuro para estes serviços? Otimista ou
pessimista? • (se não sair, estimular) Estes serviços trazem uma conta endereçada a você
pessoalmente? O que muda agora que você tem uma conta em seu nome? Facilita alguns aspectos na sua vida? Quais?
Para bancos, especificamente:
• Houve aumento de agências bancárias ou de agência de serviços financeiros na comunidade desde a pacificação? Quero dizer, bancos e empresas que fazem financiamento, empréstimos, etc
• (se sim) você utiliza estes serviços? (conta bancária, poupança, empréstimos, etc)
• Como você fazia antes destes serviços chegarem aqui? Já tinha conta em outro banco fora da comunidade? Ou já usava financeiras fora daqui?
• Mudou algo na sua visão sobre dinheiro? (veja se diz que poupa mais, pensa mais no amanhã, controla melhor, se aprendeu a lidar melhor com o dinheiro, etc)
Para comércios novos, redes de lojas, salões de beleza, etc
• O comércio na comunidade melhorou desde a pacificação? • E para você? Qual diferença faz? Fez alguma? • Como era antes sem o comércio? Comprava em outros lugares? • Eles lugares têm atendimento de qualidade? O que têm de bom ou de ruim? O
que poderia melhorar? • Como ficam os preços nestas lojas? • Como você vê a perspectiva de futuro este aspecto? Otimista ou pessimista? • (se não sair, estimular) Como ficam suas compras nestes comércios? Elas são
mais facilitadas aqui na comunidade que fora daqui?
Para finalizar, como você avalia de maneira geral toda esta mudança trazida com a pacificação? Gostaria que você pensasse somente nos impactos da pacificação mesmo. Você acha que a pacificação trouxe mudanças que te fizeram consumir mais, gastar mais com produtos e serviços? (verificar se há aumento de consumo, mas que pode não ter sido causado pela pacificação)
O que então de maneira geral você consome mais? Com o que você gasta mais após a pacificação?
O que a pacificação poderia trazer ainda para facilitar sua vida? O que você gostaria que chegasse aqui na comunidade e ainda não chegou ou tem pouco?
AGRADECER E ENCERRAR