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Bianca Mendes Pereira Richter
Princípios do processo civil tradicional aplicados ao
processo coletivo
MESTRADO EM DIREITO
ORIENTADOR: PROF. ASSOCIADO RICARDO DE BARROS
LEONEL
Faculdade de Direito
Universidade de São Paulo
São Paulo
2013
2
Bianca Mendes Pereira Richter
Princípios do processo civil tradicional aplicados ao
processo coletivo
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Direito, no Programa de Pós-Graduação stricto sensu
em Direito Processual, da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo.
Orientador: Professor Associado Ricardo de Barros Leonel.
Faculdade de Direito
Universidade de São Paulo
São Paulo
2013
3
TERMO DE APROVAÇÃO
Bianca Mendes Pereira Richter
Princípios do processo civil tradicional aplicados ao
processo coletivo
Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito,
no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito Processual, da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, pela seguinte Banca examinadora:
Orientador: Professor Associado Ricardo de Barros Leonel – Departamento
de Direito Processual – USP.
Membros: Prof. Dr.
Prof. Dr.
São Paulo, de de 2013.
4
Aos meus pais, Hércules e Rosa, pelo incentivo e apoio, que me
ajudam na concretização de tantos sonhos.
5
SUMÁRIO
I – Resumo............................................................................................................................7
II – Justificativa...................................................................................................................9
III – Objetivos.....................................................................................................................14
IV – Metodologia................................................................................................................15
1. Introdução...............................................................................................................16
2. Princípios na ciência jurídica................................................................................23
2.1 Princípio e processo coletivo.........................................................................................57
3. Princípios do processo civil tradicional aplicados ao processo coletivo............61
I - Jurisdição e juiz.............................................................................................................63
3.1 A judicialização das relações sociais e da política: o ativismo judicial como
tendência e suas implicações na seara coletiva...................................................................63
3.1.1 Ativismo judicial e a tutela jurisdicional dos interesses transindividuais.........76
3.1.2 Processo coletivo e as políticas públicas...............................................................80
3.2 Princípio da imparcialidade..........................................................................................91
3.3 Princípio da competência adequada.............................................................................93
3.4 Princípio do microssistema processual coletivo............................................................95
II) Ação e defesa.................................................................................................................96
3.5 Princípio do acesso à justiça..........................................................................................96
3.6 Princípio da ação.........................................................................................................102
3.7 Princípio da não taxatividade da ação e do processo coletivo....................................112
3.7.1 Controle da conexão, continência e litispendência entre ações coletivas...........116
3.7.1.1 Litispendência.........................................................................................................116
3.7.1.2 Conexão..................................................................................................................119
3.7.1.3 Continência.............................................................................................................124
3.8 Princípio da disponibilidade motivada da demanda coletiva................................125
III) Processo e conhecimento...........................................................................................128
3.9 Princípio do devido processo.......................................................................................128
3.9.1 Devido processo em sentido material.....................................................................133
3.9.2 Devido processo em sentido processual.................................................................138
6
3.9.3 O direito ao devido processo...................................................................................141
3.9.4 Devido processo coletivo........................ ..........................................142
3.10 Princípio do contraditório..........................................................................................147
3.10.1 Contraditório e tutela coletiva..............................................................................153
3.10.2 Coisa julgada coletiva.......................... ..........................................156
3.10.3 Contraditório no processo executivo coletivo.....................................................160
3.10.4 Direito à prova no processo coletivo: à luz do princípio do contraditório...........166
3.11 Princípio da publicidade............................................................................................173
3.11.1 Adequada notificação aos membros do grupo....................................................174
3.11.2 Adequada informação aos órgãos competentes..................................................184
3.12 Princípio da adaptabilidade procedimental temperada............................................185
3.13 Princípio da economia processual.............................................................................194
3.14 Princípio da duração razoável do processo...............................................................198
3.15 Princípio do interesse no julgamento do mérito........................................................205
IV) Sentença e execução...................................................................................................216
3.16 Princípio da (não) correlação entre o pedido e a sentença.......................................216
3.17 Princípio da reparação integral do dano...................................................................225
3.18 Princípio da máxima efetividade da tutela coletiva...................................................227
3.19Princípio da motivação das decisões judiciais...........................................................232
3.20Princípio da obrigatoriedade da execução coletiva pelo Ministério Público............236
4 Conclusões..................................................................................................................238
Bibliografia.................................................................................................................255
7
I - Resumo:
A presente dissertação de mestrado é fruto da pesquisa desenvolvida após o
período de três anos no programa de mestrado stricto sensu da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, sob a orientação do Professor Associado Ricardo de Barros
Leonel, do Departamento de Direito Processual, com subárea em processo civil.
A pesquisa foi desenvolvida ao longo do cumprimento dos créditos
obrigatórios para a aprovação no programa de Mestrado da Faculdade de Direito, no ano
de 2011, e posteriormente, ao longo do ano de 2012 e o corrente ano.
O tema abordado são os princípios do processo civil tradicional aplicados ao
processo civil coletivo. Dessa maneira, o início do trabalho passa por uma análise das
espécies normativas, dentre elas os princípios, sua evolução na doutrina, sua forma de
aplicação e as diferentes perspectivas existentes sobre o tema. Este capítulo se mostrou
necessário ao correto alinhamento do raciocínio seguido para o trabalho.
Em seguida, passa-se a analisar os princípios do processo civil, mas, com foco
nos que assumem peculiaridades na seara coletiva, pois esse corte se mostrou mais
proveitoso, dado que cada princípio pôde ser analisado de forma mais detalhada, passando
por institutos do processo civil que também adquirem peculiaridades quando no âmbito dos
interesses transindividuais, passando pela detida análise das tendências doutrinárias e
jurisprudenciais em cada princípio.
Como o procedimento processual civil passa por uma concatenação de atos
processuais, organizados de forma a fornecer a prestação jurisdicional da forma mais
eficaz possível, optou-se por fazer a divisão entre os princípios de forma vagamente similar
para facilitar a pesquisa e a lógica do encadeamento entre os temas.
Palavras-chave: princípios; espécies normativas; direito processual coletivo.
8
Abstract:
This academic work is the result of the research done in the Masters Program
at the Faculty of Law of the University of São Paulo, under Professor Ricardo de Barros
Leonel supervision, who belongs to the Civil Procedure Department.
The research was developed during the last three years, which subject-matter
is the principles of Civil Procedure when applied to the collective suits - the class actions
in Brazilian Law.
In order to commence, the first chapter contains a full explanation of the
subject, the second chapter covers the different concepts of rules, as principles and laws in
their many concepts adopted by the most distinguished authors in the field. Those chapters
are important to establish a base knowledge; hence, they showed to be benefic achieving a
better understanding of principles in Law’s actual situation. After that, the principles of
Civil Procedure in Brazil are analyzed, focusing in the Collective Suits, passing by the
main institutes of the Civil Procedure, especially those ones assuming a different
perspective in class action’s field.
As the Civil Procedure is organized in a specific method, which follows an
order, mainly, we adopted this structure to organize the presentation of the Civil
Procedure principles.
Keywords: principles; collective suits; Law.
9
II - Justificativa
Observa-se na prática jurisprudencial1 e nos textos legislativos que formam o
microssistema processual coletivo uma nova leitura de antigos princípios quando aplicados
ao processo coletivo. Tal fenômeno ocorre devido à necessidade de adaptação a uma nova
realidade que deixa de pensar somente no individual e passa a abranger um ou mais grupos
sociais, assumindo, assim, maiores proporções. Essa ocorrência não é feita de forma
sistemática, mas vem sendo construída doutrinária e jurisprudencialmente. Dentre essas
situações, destacam-se as seguintes que justificam a reanálise de alguns princípios
processuais que adquirem nova feição na seara coletiva.
Admite-se, por exemplo, que a defesa de interesses coletivos seja assumida por
entidade legitimada pela lei para defender interesses de pessoas que não integram
efetivamente o processo, sem que ocorra ofensa ao contraditório2, pois a idoneidade desses
legitimados3 legalmente possibilita uma defesa plena de seus interesses, visto sob a ótica
1 Conforme será trazido ao longo do trabalho. Ressaltando a importância da tutela jurisdicional dos interesses
transindividuais: STJ, Recurso Especial n. 235.422-SP, Ministro Rosado de Aguiar – 4ª Turma – j. 19-10-
00. DJU, 18-12-00, p. 202. “É preciso enfatizar a importância da ação coletiva como instrumento útil para
solver judicialmente questões que atingem um número infinito de pessoas, a todas lesando em pequena
quantidade, razão pela qual dificilmente serão propostas ações individuais para combater a lesão. Se o
forem, apenas concorrerão para o aumento insuperável das demandas, a demorar ainda mais a pretensão
jurisdicional e concorrer para a negação da Justiça pela lentidão, de que tanto reclama a sociedade. A ação
coletiva é a via adequada para tais hipóteses, e por isso deve ser acolhida sempre que presentes os
pressupostos da lei, que foi propositada e significativamente o de liberar o sistema dos entraves da ação
individual, pois pretendeu introduzir no nosso ordenamento medida realmente eficaz.”.
2 Nesse sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.1. 6.ed. São
Paulo: Malheiros, 2009. p. 225-226. “Modernamente tais restrições vão sendo depuradas do significado
individualista de que tradicionalmente se revestiam, entendendo-se que um processo conduzido por
entidade dotada de legitimidade adequada segundo a lei possa produzir efeitos sobre pessoas integradas em
determinado grupo ou comunidade. Tal é o fundamento da tutela coletiva preparada mediante o exercício
das ações coletivas pelo Ministério Público, associações e outras entidades que a lei indica – e relacionadas
com os valores do meio-ambiente, das relações de consumo etc. (LACP, art. 5º; CDC, art. 82). A
idoneidade dessas entidades qualifica-as como legítimas substitutas processuais dos interessados e sua
participação satisfaz as exigências do contraditório – agora visto da óptica do direito moderno e dos
objetivos da tutela referente a direitos e interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. [...] Não
reside nisso qualquer ultraje à garantia constitucional do contraditório, porque os entes qualificados para o
exercício da ação pública atuam no interesse do grupo ou comunidade interessada, sendo tecnicamente
qualificados como seus substitutos processuais.”.
3 Segundo os incisos do artigo 5º da Lei da Ação Civil Pública – Lei n. 7.347 de 1985 – são legitimados: o
Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, autarquia,
empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista e associação constituída há, pelo menos, um
ano nos termos da lei civil e que tenha entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao
consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico.
10
do direito processual coletivo. Trata-se do tema da representatividade adequada, inédito na
seara processual coletiva, que desafia antigos dogmas processuais.
Além disso, ganha relevo o tema do ativismo judicial4 e da judicialização das
relações sociais, destacando a mudança de postura dos magistrados, principalmente nos
casos de processos coletivos, tendo em vista o interesse social relevante envolvido nos
casos de demandas transindividuais. Trata-se de uma nova postura e novos conhecimentos
que têm sido demandados dos magistrados com o fito de que a entrega jurisdicional seja
compatível com o processo civil de resultados 5. O juiz pode assumir posturas mais ativas
para evitar desigualdades na defesa entre as partes, dificuldades probatórias enfrentadas
por uma delas, etc6. No entanto, o tema pede maiores aprofundamentos para que limites e
possibilidades sejam delineados. O magistrado abandona a imagem do juiz Pôncio Pilatos
e trata os desiguais na medida de suas desigualdades, como muito já foi dito na busca da
igualdade material7. Uma construção doutrinária e jurisprudencial é a possibilidade de que
4 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.1. 6.ed. São Paulo: Malheiros,
2009. p. 239. “No processo civil moderno a tendência é reforçar os poderes do juiz, dando relativo curso
aos fundamentos do processo inquisitivo. Ele tem o dever não só de franquear a participação dos litigantes,
mas também de atuar ele próprio segundo os cânones do princípio do contraditório, em clima de ativismo
judicial.” No mesmo sentido: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Por um processo socialmente efetivo.
In: Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 25-26. “O que se acaba de
dizer põe de manifesto quão importante, para a efetividade social do processo, é a maneira por que o
conduza o órgão judicial. A lei concede ao juiz muitas oportunidades de intervir no sentido de atenuar
desvantagens relacionadas com a disparidade de armas entre os litigantes. Todavia, uma coisa é o que reza
a lei, outra o que dela retira o órgão processante. [...] Não uma, senão inúmeras vezes já se proclamou, em
fórmulas bem conhecidas, que o verdadeiro critério da igualdade consiste em tratar desigualmente os
desiguais, na medida que se desigualam. [...] Na verdade, nenhum sistema processual, por mais bem
inspirado que seja em seus textos, se revelará socialmente efetivo se não contar com juizes empenhados em
fazê-lo funcionar nessa direção. Qualquer discussão da matéria passa obrigatoriamente pela consideração
dos poderes do órgão judicial na direção do processo.”.
5 Cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 44.
6 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.3. 6.ed. São Paulo: Malheiros,
2009. p. 52. “Há situações em que as omissões probatórias das partes seriam capazes de comprometer
direitos sobre os quais elas não têm disponibilidade alguma, ou não têm toda disponibilidade. [...] Assim
são também as relações de massa, envolvendo comunidades ou grupos mais ou menos amplos, o que
também tem por consequência as repercussões “erga omnes” ou ao menos “ultra partes” daquilo que vier a
ser julgado – como sucede nas causas relacionadas com o meio-ambiente, valores culturais ou históricos,
consumidores (CDC, art. 103) etc. Para esses casos, ordinariamente a lei vale-se da Instituição do
Ministério Público, que por definição é o guardião do interesse público e, ao dar-lhe legitimidade para
instaurar o processo ou exigir-lhe participação naqueles que forem instaurados por iniciativa de outrem,
procura a fidelidade dos julgamentos ao direito objetivo e à realidade dos fatos. Mesmo assim, há sempre o
risco de perdurarem deficiências probatórias, a dano da sociedade como um todo, de comunidades inteiras
ou de grupos expressivos de pessoas.”.
7 Conforme a Justiça distributiva de Aristóteles. Sobre a nova postura exigida dos juízes: FRANCO, Alberto
Silva. O perfil do juiz na sociedade em processo de globalização. In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES,
Maurício Zanoide de. (Org.). Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo:
DPJ, 2005. p. 818. “Uma sociedade marcada por profunda exclusão social não se compatibiliza com o
11
o juiz não fique adstrito ao pedido feito pela parte e possa ampliar, com cautelas, o objeto
do processo coletivo, quando tal postura mostrar-se relevante para os interesses da
sociedade. Tal possibilidade é uma manifesta mitigação ao princípio da correlação entre a
demanda e a sentença8 previsto legalmente, diante da nova conotação que os elementos
objetivos da demanda (pedido e causa de pedir) assumem na seara processual coletiva.
Diante de situações novas como essa no âmbito da jurisdição estatal, com ênfase na tutela
coletiva, procurou-se analisar o tema de forma detida e os princípios processuais a ele
relacionados. O tema se relaciona a diversas outras áreas do conhecimento, que fogem ao
escopo do presente trabalho, mas a menção a elas por vezes se fez necessária, nas palavras
de José Carlos Baptista Puoli:
“Outra consideração que este tema evidencia está relacionada à
constatação de que o processualista moderno, tanto quanto o juiz (como
será visto oportunamente), não pode ficar “encastelado” na suposta auto-
suficiência do processo civil, devendo, pelo contrário, estar sempre aberto
à assimilação de conceitos e conclusões resultantes de outras ciências
igualmente preocupadas com o equacionamento das relações
intersubjetivas havidas na vida em sociedade. É o exemplo da Sociologia
que, entre outras diversas preocupações, tem estudado e diagnosticado
questões que, ao lado do problema meramente econômico, têm
dificultado o efetivo acesso à Justiça para a parcela mais carente da
população.” 9
Quanto ao valorizado acesso à justiça, ele é uma das finalidades mais
almejadas no direito processual e deve ser interpretado em conjunto com os outros
princípios, pois só produzirá resultados efetivos se em harmonia com princípios como o da
efetividade, da instrumentalidade das formas, da celeridade processual, dentre outros.
Assim, o acesso à justiça não se identifica com o mero ingresso em juízo. Precisa o Poder
perfil de um juiz apegado ao texto da lei, insensível ao social, de visão compartimentada do saber, auto-
suficiente e corporativo. E, acima de tudo, com um juiz que ainda não teve a percepção de que a sua
legitimação não se apoia na vontade popular ou nas leis de mercado, mas substancialmente na sua função
central de garantidor de direitos, que atribuem dignidade ao ser humano, e dos valores axiológicos
incorporados aos modelos sociais que têm a democracia como uma garantia irrenunciável. Se o atual
arquétipo de juiz não tem serventia, é mister que se componha um juiz com um novo perfil, que se mostre
adaptável a uma sociedade de extrema complexidade e que, como nunca foi registrado na história, seja
capaz de provocar vulnerações profundas nos direitos humanos básicos.” Sobre a mudança do
comportamento do juiz e direitos humanos: p. 819. “Só um novo juiz, com a mudança radical da sua
maneira de perceber e compreender seu papel na complexa sociedade atual, terá condições de tutelar, com o
grau necessário de efetividade, os direitos humanos.”.
8 Cf. “caput” do artigo 460 do Código de Processo Civil.
9 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p.14.
12
Judiciário estar aparelhado e preparado para conceder uma tutela jurisdicional efetiva e
célere. Esse princípio vem expresso no texto constitucional: artigo 5º, inciso XXXV: “a lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Assim,
engloba tanto o direito já lesado, repressivamente, quanto à ameaça ao direito,
preventivamente. No plano dos interesses transindividuais, o acesso à justiça assume maior
proporção, pois interesses de um ou mais grupos buscam uma tutela jurisdicional efetiva e
há grande necessidade, portanto, de que legitimados, juízes, grupos sociais e todos os
sujeitos envolvidos tenham preparo para proporcionar um verdadeiro acesso à justiça. 10
A duração razoável do processo, elevado a princípio constitucional em 2004,
com a Emenda Constitucional n. 45, mas já adotado antes disso, é prova de que a
necessidade de celeridade para a produção de decisões judiciais efetivas e com justiça, em
um espaço de tempo razoável, é uma preocupação que não afeta somente o processo
coletivo. 11
No entanto, na esfera coletiva, as peculiaridades do direito material devem ser
consideradas com extremo zelo. Exemplo disso é a complexidade que uma perícia
ambiental pode demandar. Quanto à prioridade no processamento, há previsão nesse
sentido no Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 4º, Lei n. 8.069 de 1990) e no
Estatuto do Idoso (artigo 71, Lei n. 10.741 de 2003). Entretanto, apenas a previsão legal
não garante que o fim do processo ocorrerá em tempo razoável.
A necessidade de motivação das decisões vem expressa na Constituição
Federal (artigo 93, inciso IX12) e se justifica pela necessidade de que as partes e todos os
cidadãos tenham conhecimento das razões de fato e de direito que motivaram a decisão. 13
10 O Projeto de Lei n. 5.139 de 2009, rejeitado, previa diversos dispositivos que buscavam garantir a
inafastabilidade da prestação jurisdicional quanto aos interesses transindividuais, tais como: a ampliação
dos poderes instrutórios dos magistrados, prevendo a possibilidade de realização de audiências públicas
com o objetivo de maior participação social e maior cognição judicial, a ampliação do rol de legitimados
para ações coletivas, a organização do Cadastro Nacional de Ações Coletivas, permitindo acesso a
informações quanto à existência e ao estado de ações coletivas ajuizadas, a criação de Varas e Juízos
especializados em ações coletivas, dentre outras.
11 Artigo 5º, inciso LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”.
12 Cf. artigo 93, inciso IX: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados
atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito
à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;”.
13 José Joaquim Gomes Canotilho aponta três razões que justificam a necessidade de motivação das decisões
judiciais: para o controle da justiça, a demonstração do raciocínio utilizado e a delimitação do objeto de
eventual impugnação pelas partes. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da
constituição. 4.ed. Coimbra: Almedina, 1997. p. 816.
13
Esse princípio ganha maior destaque com a valorização do ativismo judicial e da atribuição
de maiores poderes do magistrado no processo coletivo, pois garante a ausência de
arbitrariedades na atuação do magistrado quando pauta suas atividades de acordo com as
especificidades do processo coletivo.
O princípio da publicidade garante conhecimento dos atos do processo a todos,
garantindo transparência à atividade jurisdicional. No texto constitucional há previsão no
artigo 5º, inciso LX, e no artigo 93, inciso IX. 14 Quando referente ao processo coletivo, o
princípio da publicidade ganha dimensão diversa, pois envolve a adequada notificação dos
membros do grupo ou grupos envolvidos, a publicidade necessária para a sociedade em
geral e a informação aos órgãos competentes. 15
Além disso, quando sujeitos com os mesmos direitos afetados, no caso, direitos
individuais homogêneos, já tiverem ações individuais ajuizadas, eles podem optar por
suspender suas ações individuais e integrarem a ação coletiva, mediante o direito de
habilitação no processo coletivo16. No entanto, para que isso ocorra é necessária a prévia
ciência da instauração da ação coletiva. Essa prática é conhecida nos Estados Unidos da
América como right to opt in or opt out. Alhures, para que esse direito seja exercido, a
comunicação deve ser justa e adequada, a chamada fair notice. No entanto, verifica-se que
falta regulamentação, no direito pátrio, que garanta uma eficaz comunicação aos
indivíduos lesados, o que mereceu uma análise detida.
Portanto, a questão central que esta dissertação visa a enfrentar refere-se às
peculiaridades que os princípios processuais assumem na esfera transindividual quando da
processualização do conflito coletivo.
14 Artigo 5º, inciso LX: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem;” e artigo 93, inciso IX: “todos os julgamentos dos órgãos do
Poder Judiciário serão públicos [...]”.
15 Nesse sentido, mas apontando também a comunicação ao Cadastro Nacional de ações coletivas, quando
criado: AZEVEDO, Júlio Camargo de. Princípios do processo coletivo aplicáveis à tutela dos interesses
metaindividuais: análise feita à luz do Projeto de Lei n. 5.139/09. Franca: UNESP, 2009. p. 91.
16 Quando isso ocorrer, eles serão beneficiados em caso de procedência da ação coletiva, mas não perderão o
direito de prosseguir com a ação individual, caso a ação coletiva seja entendida improcedente. Caso
decidam pela não inclusão na ação coletiva, não poderão ser beneficiados com eventual decisão procedente
em sede coletiva.
14
III - Objetivos estabelecidos
Quando da proposta da pesquisa, estabeleceram-se os seguintes objetivos:
analisar e aplicar os princípios do processo civil clássico ao processo coletivo, de forma
que as características específicas que aqueles assumem na seara coletiva sejam estudadas
de forma sistemática. Estudar os textos legais que preveem princípios de forma global e
complementar e, principalmente, as normas técnicas que são referentes ao processo
coletivo. Assim, o processo coletivo poderá ter um maior apoio estrutural, se os princípios
aplicáveis a ele estiverem bem estruturados e inter-relacionados, mediante a busca de
soluções que estimulem o acesso à justiça efetivo. Dessa maneira, o que se pretendeu foi
identificar os princípios processuais civis e seus conceitos, suas funções, dentro da teoria
geral do processo, assim como as suas fontes. Finalmente, verificar de que forma os
princípios do processo civil individual se aplicam ao processo coletivo: as peculiaridades
que assumem e a nova feição a antigos paradigmas: o novo papel do juiz na condução do
processo, o contraditório, a isonomia, a publicidade, o acesso à justiça, etc.
15
IV - Metodologia
Por ser o estudo dos princípios embasado em diversas fontes legais e
supralegais, faz-se necessário analisar os princípios elencados no texto constitucional,
assim como aqueles previstos na legislação ordinária e em tratados internacionais, mas,
principalmente, se mostra necessário o estudo da legislação que forma o microssistema
processual coletivo. Assim, o presente estudo se debruça, de forma ampla, em textos
legais, internacionais e nacionais, textos e dados da internet, artigos jurídicos, revistas
específicas, trabalhos acadêmicos (dissertações e teses) e jurisprudência, para que, sob o
enfoque do método indutivo, se possa partir de dados particulares e específicos para o
raciocínio geral.
Paralelamente, com uma larga pesquisa bibliográfica em obras doutrinárias
nacionais e estrangeiras sobre o tema: processo coletivo e base principiológica, pretendeu-
se alcançar conclusões particulares a partir de enunciados ou premissas genéricas, com
base no método dedutivo. Dessa maneira, os métodos de pesquisa utilizados foram:
dedutivo e indutivo, sendo que o primeiro conduz o raciocínio do geral ao particular, ou
seja, do todo ao molecular, através de enunciados, para uma conclusão necessária,
decorrente da correta aplicação de regras lógicas e no último o raciocínio caminha do
particular para o geral por meio da “[...] observação, verificação de hipóteses, repetição,
testação e, finalmente, generalização, ou seja, formulação de princípios gerais válidos e
importantes” 17. As conexões descendentes (método dedutivo) e ascendentes (método
indutivo) foram usadas de forma a se complementarem mutuamente, concorrendo para a
solução dos problemas enfrentados e explicação de fenômenos analisados.
Além disso, o método comparativo teve fundamental importância no
desenvolvimento da pesquisa, principalmente, na comparação entre a aplicação dos
princípios no processo civil individual e no coletivo. O direito comparado pode ser uma
importante forma de enriquecer a pesquisa, pois oferece sugestões ao direito nacional e
favorece a troca de experiências. 18 A pesquisa bibliográfica feita em obras vindas de
países com maior tradição no direito coletivo, ou forma de abordagem diferente da
nacional, foi interessante, como, por exemplo, o estudo das class actions norte-americanas.
17 LAKATOS. Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 3. ed. São Paulo: Atlas,
2000. p. 17.
18 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.1. 6.ed. São Paulo: Malheiros,
2009. p. 197.
16
CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO
Os princípios, durante largo período de tempo, inicialmente com a valorização
do positivismo, no século XIX, passaram a ser conceituados como pilares de qualquer área
de conhecimento19. Atuavam, segundo essa concepção, como fonte de estabilidade para
qualquer ramo da ciência. Especificamente, na ciência jurídica, os princípios integrariam
normas lacunosas, assim como a analogia e os costumes. Encontram-se resquícios dessa
concepção na vigente legislação, como o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro (Decreto Lei 4.657 de 1942). 20
No seu caráter geral, segunda essa concepção apontada, os princípios
forneceriam diretrizes para o sistema, possuindo interpretação mais flexível, o que
permitiria a adaptabilidade da ciência jurídica diante das evoluções sociais, econômicas e
políticas. 21 Além disso, o sistema que possui uma base sólida de princípios, bem
estruturados e atuantes de forma complementar, possuiria maior unidade lógica, garantindo
maior estabilidade a esse próprio sistema. Outrossim, os princípios teriam caráter
supranormativo, aplicando-se a todos os ramos do direito, embora alguns detivessem
princípios específicos, que, por vezes, mais se pareceriam a regras técnicas elevadas ao
caráter de princípio na tentativa de aquisição de maior imperatividade. 22
Quanto ao direito processual, principalmente, mas também aplicável a outros
ramos do direito, os princípios não devem ser indicados em rol taxativo, pois seria incerto
19 No uso do termo “positivismo”, aqui, não se busca a distinção ou as conceituações precisas do fenômeno
segundo a concepção de Augusto Comte ou segundo a concepção de Positivismo Jurídico da Hans Kelsen,
mas somente que o leitor contextualize o tema na perspectiva de valorização máxima da Ciência,
organizada através de princípios e métodos próprios.
20 Cf. artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “Quando a lei for omissa, o juiz
decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”. Esta visão de
princípios corresponde à visão tradicional de princípios, não aos posicionamentos recentes, como o de
Robert Alexy e Ronald Dworkin, ressaltados a seguir no presente trabalho.
21 Cf. LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,
2006. p. 129. “Devem ser vistos como grandes orientações da ordem jurídica positiva, figurando como
coordenadas que lhe conferem o traçado básico. Não sendo simples regras, ostentam orientações mais
flexíveis. Não descrevem, necessariamente, condutas humanas, mas estabelecem critérios (valorativos) para
disciplina-las.”.
22 Normalmente, esses princípios específicos são verdadeiras normas técnicas, que estão descritas
pormenorizadamente adiante.
17
que esse rol acompanharia a evolução social, política e econômica.23 Com base nisto, a
doutrina pontua quatro princípios informativos do processo, os quais, na verdade, não são
verdadeiros princípios, como aponta Cândido Rangel Dinamarco24, mas atuam como
elementos informadores do sistema, conferindo-lhe apoio sociológico, filosófico e político,
como ensina Ricardo de Barros Leonel. 25 Esses princípios informativos do processo são o
lógico, o político, o jurídico e o econômico.
Assim, concepção adotada pelo mestre Cândido Rangel Dinamarco e partilhada
por grande fatia da doutrina é no sentido de os princípios atuarem fornecendo coerência ao
sistema processual civil e o operador e o cientista do direito como responsáveis pelo
retorno a essa base para que seus atos e suas decisões sejam coerentes e lógicas, segundo a
teoria tradicional dos princípios, portanto. 26
Fato é que os princípios aplicáveis ao processo civil encontram-se dispostos no
texto da Constituição Federal, em diversas leis ordinárias, dentre elas, o Código de
Processo Civil27, e alguns se encontram, inclusive, em normas supranacionais, como o
Pacto de São José da Costa Rica. 28
23 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,
2006. p. 131. “É impensável indicar os postulados fundamentais do direito processual em rol taxativo, pois
seu surgimento ocorre naturalmente com o passar do tempo e a evolução da própria ciência processual.”.
24 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.1. 6.ed. São Paulo: Malheiros,
2009. p. 196. “[...] pensando nelas no estrito sentido da técnica processual que podem refletir, ficam
despidas da nota característica dos princípios, isto é, de figurarem como elementos basilares ao
conhecimento de determinada ciência.”.
25LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método, 2006.
p. 131. “Assumem conotações éticas, sociais e políticas, influenciando diretamente o sistema processual e
conferindo-lhe sustentação do ponto de vista filosófico, sociológico e político.”.
26 Sobre esta importância: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.1.
6.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 196. “[...] sabido que todo conhecimento só é verdadeiramente
científico quando tiver por apoio a consciência dos princípios que o regem: sem essa coerência, há o grande
risco de perder a necessária coerência unitária entre os conceitos exarados e jamais ter-se segurança quanto
ao acerto e boa qualidade dos resultados das investigações. Sem princípios um conhecimento é
desorganizado e só pode ser empírico porque faltam os elos responsáveis pela interligação desses
resultados. No que diz respeito às ciências jurídicas o conhecimento dos princípios é responsável pela boa
qualidade e coerência da legislação e também pela correta interpretação dos textos legais e das concretas
situações examinadas. O verdadeiro cientista do direito deve ter clara noção do modo como se inter-
relacionam e interagem os conceitos de sua ciência e precisa remontar sempre, no estudo dos diversos
institutos, aos grandes princípios que a regem.”.
27 Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
28 Trata-se da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969. Decreto n. 678,
de 6 de novembro de 1992.
18
A Constituição Federal garante proteção ao processo mediante a enumeração
de princípios e garantias, na chamada tutela constitucional do processo. 29 Ao mesmo
tempo, o processo funciona como meio de efetivação dos preceitos constitucionais. 30
O Código de Processo Civil também enumera princípios aplicáveis ao
processo. 31 No entanto, muitos desses chamados princípios são verdadeiras normas
técnicas, ou regras, segundo a classificação adotada por autores como Robert Alexy e
Ronald Dworkin, como será analisado de forma mais detida adiante. Ou seja, não são
verdadeiros postulados da ciência, mas foram opções feitas pelo legislador
infraconstitucional em dado momento da evolução jurídica. São verdadeiros instrumentos
na busca de soluções que pacifiquem com justiça e não são um fim em si mesmas. Muitas
das normas técnicas decorrem de princípios, mas aquelas são mais flexíveis do que estes e
a diferenciação entre princípios e normas técnicas é dificultosa, pois as semelhanças são
grandes. Assim, na prática, sem qualquer prejuízo, muitas normas técnicas são chamadas
de princípios sem preocupação com o rigor científico. 32 A mitigação de normas técnicas é
mais frequente do que a de princípios, principalmente, pelo seu maior caráter técnico do
29 Alguns exemplos dos princípios e garantias presentes no texto constitucional são: artigo 5º, inciso XXXV:
inafastabiliade da jurisdição; inciso XXXVII: vedação aos tribunais de exceção; inciso LIII: princípio do
juiz natural; inciso LIV: devido processo legal; inciso LV: contraditório e ampla defesa; inciso LVI:
vedação das provas ilícitas; inciso LX: princípio da publicidade; inciso LXVII: vedação da prisão civil por
dívidas; inciso LXXIV: assistência gratuita como corolário do acesso à justiça.
30 Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel e Cândido Rangel Dinamarco. Em opinião diversa, Nelson Nery
Júnior defende que a enumeração de princípios na Carta Magna seria dispensável se somente houvesse a
previsão do devido processo legal, o que englobaria todas as previsões feitas atualmente, de forma a
garantir um processo justo do ponto de vista formal e substancial. Cf. NERY JR., Nelson. Princípios do
processo civil na constituição federal. 4.ed. rev. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997. passim.
31 Princípios enumerados pelo Código de Processo Civil: princípio da demanda: artigos 2º e 262; correlação,
congruência, ou adstrição, pelo qual o juiz deve limitar-se ao que foi pedido; livre convencimento, o juiz
tem liberdade para examinar os resultados obtidos com as provas, mas deve motivar sua decisão;
dispositivo; impulso oficial; oralidade; lealdade processual; economia e instrumentalidade das formas.
32 Nesse sentido sobre as normas técnicas: LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito
superveniente. São Paulo: Método, 2006. p. 136. “Aqui, em verdade, o que há são regras técnicas de
enorme importância, mas que em verdade não são princípios, naquela concepção já exposta. Em última
análise, tais regras decorrem de algum ou alguns dos princípios fundamentais do processo, mas não são, por
si mesmas, elementos basilares, estruturais ou fundamentais da própria ciência e do direito processual. A
distinção entre princípios e regras nem sempre se apresenta simples: ambas são espécies de normas
jurídicas.” Ainda neste sentido: p. 141. “Os cânones, sempre invocados como princípios: da demanda, da
congruência, do exaurimento da competência do juiz ao proferir sentença, na verdade, são apenas regras
técnicas do direito processual que decorrem da opção formulada, em dado momento, pelo legislador
infraconstitucional. [...]As normas técnicas, como opções do legislador, não são princípios sacramentais do
processo civil, o que permite a evolução em sua interpretação. É possível admitir soluções aptas a enfrentar
problemas que se verificam com maior freqüência, modernamente, no âmbito do processo civil. [...] É
viável concluir que as regras técnicas do processo não são um fim em si mesmas, mas, apenas, instrumentos
para o alcance dos escopos do processo, particularmente o mais importante deles, consistente em pacificar
com justiça.”.
19
que dogmático.33 Neste ponto, há divergência entre as correntes doutrinárias na
classificação e conceituação das espécies normativas, que serão apontadas no capítulo
seguinte.
José Lebre de Freitas, ao analisar a importância dos princípios gerais do
processo civil, ressalta a diferença desse ramo com o direito civil, por exemplo, cuja marca
principal é a estabilidade de seus princípios clássicos. Por outro lado, os princípios do
processo civil têm grande relação “[...] com a organização do Estado e os direitos
fundamentais e em que, por isso, o momento histórico e as particularidades nacionais se
fazem muito sentir, os seus princípios enformadores continuam a ser objeto de discussão e
aperfeiçoamento.”34. Segundo o jurista português, “[...] o último pós-guerra marcou o
início do movimento de “constitucionalização das garantias processuais” e, com ele, o de
uma atenção cada vez maior aos princípios gerais do processo civil, que os sistemas
autoritários haviam desprezado.” 35, de forma que, após esse período histórico até os dias
de hoje, processualistas e constitucionalistas têm reconstruído os princípios da jurisdição e
do processo.
Paralelamente ao avanço da importância conferida aos princípios dentro da
discussão se seriam eles uma forma de conferir unidade e integração ao sistema jurídico ou
normas jurídicas com características especiais, o processo coletivo deu um salto em
quantidade e relevância. Ronaldo Porto Macedo Júnior aponta uma possível ligação entre
esses dois fenômenos, ao apontar as causas do aumento do número de ações coletivas.
Questiona o autor se haveria ligação entre essa “farra principiológica” que se presencia nas
últimas décadas do século XX até o momento e a valorização da tutela jurisdicional de
interesses transindividuais. 36
33 Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel defende que a mitigação de normas técnicas pode ser feita desde
que observados os princípios e garantias do processo. LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e
pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método, 2006. p. 142. “As soluções adotadas em casos
concretos devem estar em absoluta conformidade com os princípios e garantias fundamentais que
sedimentam o processo civil, ainda que, eventualmente, regras técnicas sejam mitigadas pela ação
normativa do legislador, ou mesmo pela sua flexibilização decorrente da atuação do intérprete. A condição
para que isto ocorra é (a) o respeito aos princípios fundamentais e garantias do processo, e (b) o alcance dos
resultados protegidos pelo próprio sistema de princípios e garantias.”.
34FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceitos e princípios gerais. 2.ed. Coimbra,
2009, p.80.
35FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceitos e princípios gerais. 2.ed. Coimbra,
2009, p.80-81.
36 MACEDO JR., Ronaldo Porto. Ação civil pública, o direito social e os princípios. In: YARSHELL, Flávio
Luiz; MORAES, Maurício Zanoide de. (Org.). Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini
Grinover. São Paulo: DPJ, 2005. p. 291. “Haveria alguma vinculação essencial entre a ampliação da
20
Diante desta nova e debatida realidade apresentada acima, é natural que os
princípios devam ser analisados e revistos, pela própria evolução axiológica da sociedade.
Os princípios, como qualquer fenômeno social, carregam forte carga valorativa37 e o valor
atribuído a cada norma varia de acordo com o tempo e espaço. 38 Como destaca Nelson
Nery Júnior, os temas de processo coletivo não devem ser enxergados sob a ótica do
processo civil individual, elaborada durante uma época em que prevaleciam diferentes
valores e objetivos distintos eram privilegiados. 39
Portanto, os princípios devem ser interpretados de forma sistemática e
complementar com vistas sempre ao objetivo maior, o qual é oferecer a tutela jurisdicional
de forma efetiva e célere, mesmo que isso signifique a prevalência de determinado
princípio sobre outro. 40 Essa interpretação dos princípios dentro de um sistema equilibrado
busca destacar o “processo civil de resultados”, em sobreposição ao antigo esquema do
importância dos princípios na teoria e na prática jurídica (que vem levando, muitas vezes, ao vivenciar de
uma “farra principiológica”) e o fortalecimento da tutela dos interesses coletivos?”.
37 Cf. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. passim. Sobre a
Teoria Tridimensional do Direito: fato – valor – norma.
38 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,
2006. p. 138. “É verdade, também, que os postulados essenciais da ciência, contendo evidente carga
axiológica, devem sempre ser revistos e ter sua concepção atualizada, na medida em que sua compreensão
envolve o contexto histórico, político e social considerado. Trata-se de interpretação evolutiva e
verdadeiramente “cultural” da ordem jurídica, tendo como pano de fundo os valores contidos nas normas,
que devem ser tomados em conta sempre que se pretenda analisar certo fato relevante para a aplicação do
direito positivo.”.
39 NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 4.ed. rev. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 1997. p. 110-111. “Isto porque os institutos ortodoxos do processo civil não podem
se aplicar aos direitos transindividuais, porquanto o processo civil foi idealizado como ciência em meados
do século passado, notavelmente influenciado pelos princípios liberais do individualismo que
caracterizaram as grandes codificações do século XIX. Pensar-se, por exemplo, em legitimação para a
causa como instituto ligado ao direito material individual a ser discutido em juízo, não pode ter esse mesmo
enfoque quando se fala de direitos difusos, cujo titular do direito material é indeterminável. Parte da
doutrina ainda insiste em explicar o fenômeno da tutela jurisdicional dos interesses e direitos difusos pelos
esquemas ortodoxos do processo civil.”.
40 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relendo princípios e renunciando a dogmas. Nova era do processo civil.
3.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 22. “A adoção dessa premissa metodológica manda, em primeiro
lugar, que todos os princípios e garantias constitucionais sejam havidos como penhores da obtenção de
resultados justos, sem receber um culto fetichista que desfigura o sistema. Manda também que eles sejam
interpretados sistematicamente e em consonância com os valores vigentes ao tempo da interpretação.
Muitas vezes é preciso sacrificar a pureza de um princípio, como meio de oferecer tutela jurisdicional
efetiva e suficientemente pronta, ou tempestiva; muitas vezes, também, é preciso ler uma garantia
constitucional à luz de outra, ou outras, sob pena de conduzir o processo e os direitos por rumos
indesejáveis.” No mesmo sentido, continua o autor: p. 23. “Obviamente, desfazer dogmas ou ler os
princípios por um prisma evolutivo não significa renunciar a estes, ou repudiar as conquistas da ciência e da
técnica do processo. [...] Somente não se atenha o intérprete ao modo como os princípios foram no passado
interpretados, à meia-luz de premissas democráticas mal explicadas ou na penumbra de preconceitos hoje
superados.”.
21
“processo civil do autor”. 41 Dessa maneira, objetivou-se analisar a relação dos princípios
do processo civil com a nova realidade de direito material dos interesses coletivos em
sentido amplo.
Assim, com o abandono da visão privatística no processo coletivo, este terá
maiores condições de oferecer resultados justos e efetivos.
Quanto à intensificação do processo coletivo, existem justificativas
complementares que explicam o fenômeno. Primeiramente, a necessidade de processos
mais céleres e econômicos estimula a defesa de diversos interesses em um processo único,
como ocorre nos interesses individuais homogêneos. Além disso, houve um aumento de
causas massificadas na sociedade, o que dificulta a identificação dos indivíduos
envolvidos, como ocorre com os interesses coletivos e difusos. Por último, mas não menos
importante, está a existência de um novo direito social, que tem como base a ideia de
justiça social e depende, prioritariamente, de políticas públicas para a sua efetivação. A
justiça social se apoia na distribuição das perdas como meio de alcance de equilíbrio. 42
Dessa maneira, a importância crescente do processo coletivo demonstra a
necessidade de que os princípios a ele aplicados sejam analisados com base em suas
especificidades, abandonando antigos dogmas individualistas.
Assim, o que foi proposto para o desenvolvimento de dissertação de mestrado
foi a análise sistemática de princípios e normas técnicas aplicáveis ao processo coletivo
como um todo, de forma a garantir coerência ao sistema na busca de resultados efetivos,
analisando as diferenças na aplicação de princípios entre o processo civil individual e o
coletivo, com luz na ideia de que seria pretensão almejar o completo e profundo domínio
de qualquer área de conhecimento sem o pleno domínio de seus fundamentos basilares, ou
41 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relendo princípios e renunciando a dogmas. Nova era do processo civil.
3.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 26. “Os vigorosos progressos da tutela coletiva, a que assistimos a
partir das últimas décadas do século XX, são a negativa dos dogmas da singularidade da tutela
jurisdicional, afirmando enfaticamente no artigo 6º do CPC (cada um por si e ninguém por todos...) e da
estrita limitação da autoridade do julgado ao âmbito daqueles que foram partes do processo (art. 472).”.
42 MACEDO JR., Ronaldo Porto. Ação civil pública, o direito social e os princípios. In: YARSHELL, Flávio
Luiz; MORAES, Maurício Zanoide de. (Org.). Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini
Grinover. São Paulo: DPJ, 2005. p. 299. “A tutela dos interesses coletivos está impregnada pela natureza
polêmica e contraditória do direito social. A Ação Civil Pública, como mecanismo privilegiado da tutela de
interesses coletivos, não é apenas uma forma mais racional ou adequada à sociedade de massa, mas também
um instrumento pelo qual os seus agentes, em especial organizações não-governamentais e o Ministério
Público, estão ampliando os foros do debate público sobre justiça social, em particular nas políticas
públicas, o meio por excelência de sua realização. Isso significa que a Ação Civil Pública tornou-se um
instrumento de política e de influência na gestão de políticas públicas. Em grande medida, o meio de sua
operacionalização realiza-se e vivifica por meio de regras de julgamento fundadas em princípios gerais de
direito.”.
22
seja, os princípios, segundo a concepção clássica sobre as espécies normativas, ou ainda
sem o domínio da forma de funcionamento dos princípios como espécie de norma jurídica,
segundo corrente mais moderna; na diferenciação que é apontada a seguir.
A análise desses princípios aplicáveis à tutela coletiva será eficiente na medida
em que analisar quais os limites de aplicação de cada princípio e a feição assumida por
cada um deles em sede coletiva, os limites de prevalência de um princípio a outro, assim
como analisar quais as regras técnicas aplicáveis, embora muitas delas sejam denominadas,
erroneamente, de princípios. Assim, optou-se por adotar a conceituação mais moderna da
espécie normativa “princípio” para explicar a dinâmica entre os princípios processuais na
seara coletiva.43
A partir da análise feita, apontam-se as opiniões doutrinárias divergentes no
sentido se formaria, ou não, o processo coletivo um novo ramo do direito processual civil,
pois uma ciência possui autonomia à medida que possui seu próprio método e seus
próprios princípios e regras. Diante de várias afirmativas encontradas na doutrina44 sobre
uma possível autonomia do direito processual coletivo, se mostrou relevante fazer
semelhante análise.
43 Como será estudado no capítulo seguinte, adota-se, aqui, a conceituação mais moderna de princípio,
incluindo as perspicazes observações elaboradas pelo Professor Humberto Ávila.
44 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual: princípios, regras interpretativas e a problemática da sua interpretação e aplicação. São Paulo:
Saraiva, 2003. p. 98/99. Como Gregório Assagra de Almeida ressalta em citação de Nelson Nery Júnior,
Boletim informativo MPMGJurídico, p. 23: “A idéia de se codificar, de forma a deixar tudo junto numa
legislação única, tem a vantagem de fazer com que essa temática do processo coletivo tenha a sua própria
principiologia regulada de forma normativa. Entretanto, para essa nova empreitada há a necessidade de um
grande esforço de toda a sociedade na construção do texto normativo que consagre a principiologia do
processo coletivo, com especial atenção para as diretrizes constitucionais.”.
23
CAPÍTULO 2 – PRINCÍPIOS NA CIÊNCIA JURÍDICA
Diante da linha de raciocínio que se segue no trabalho, apresentada no capítulo
anterior, este capítulo se mostra relevante para o conjunto da pesquisa, à medida que
contribui para a definição do conceito de princípio, algo complexo, diante da evolução do
tema, passando por diversas correntes e entendimentos ao longo do tempo. Procurou-se
apresentar os principais autores na área, seus entendimentos e a forma de interação entre os
princípios dentro do nosso sistema jurídico, para que o âmago da pesquisa, qual seja, a
aplicação dos princípios do processo civil tradicional ao processo coletivo seja alcançado
de forma coerente e lógica.
Destaca Nelson Nery Júnior45, em obra sobre os princípios processuais no texto
constitucional, que estudos recentes nas áreas da filosofia do direito, da teoria geral do
direito e do direito constitucional intensificaram as discussões acerca de conceitos como o
de norma, o de princípio, o de garantia e o de direito. Cada teorização sobre o tema traz
aspectos positivos e negativos de acordo com o direito positivo considerado. Para a
finalidade almejada neste trabalho, convém ser feita a análise de algumas dessas
concepções sobre princípios, pois como ensina Humberto Ávila: “Hoje, mais do que
ontem, importa construir o sentido e delimitar a função daquelas normas que, sobre
prescreverem fins a serem atingidos, servem de fundamento para a aplicação do
ordenamento constitucional – os princípios jurídicos.”46. Diante desse trecho destacado,
apesar de o autor já delimitar o conceito admitido por ele no fragmento, fica patente a
necessidade de um estudo aprofundado sobre o tema. O autor citado47 afirma que a
doutrina constitucional vive hoje a euforia do Estado Principiológico. No entanto,
demonstra o autor que há exageros e problemas teóricos que inibem a efetividade do
sistema jurídico. Fato é que a euforia principiológica predomina. Entretanto, a mencionada
euforia não corresponde à valorização constante deles, pois ora eles são elevados a
elemento de salvação do sistema, ora menosprezados. Assim, falta padronização no trato
45 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. p. 21.
46 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.23.
47 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.23.
24
com os princípios dentro do sistema jurídico. Assim, nessa parte do trabalho, destaca-se a
transição dos princípios de uma dimensão axiológica e sem eficácia jurídica para o centro
do sistema.48
Dessa forma, importa, para os presentes objetivos, traçar o panorama da
evolução da distinção entre princípios e regras. Foge ao escopo da pesquisa analisar todas
as concepções existentes e relevantes sobre essa distinção, mas as mais icônicas serão
destacadas de forma a contextualizar o tema.49
Inicialmente, cabe apontar que a distinção entre princípios e regras tem duas
finalidades: antecipar as características de cada uma delas, para que o trabalho do
intérprete ou aplicador do direito seja facilitado cotidianamente e aliviar o ônus de
argumentação do aplicador do Direito, já que haverá conceitos prontos e conhecidos de
cada espécie normativa.50
Humberto Ávila destaca os autores que estabeleceram uma distinção fraca
entre princípios e regras. Há Josef Esser51, que delineou uma distinção qualitativa entre
regras e princípios, sendo que estes serviriam de fundamento normativo para a tomada de
uma decisão. Já Karl Larenz destacou a importância dos princípios dentro do ordenamento
jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e
aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento.
A diferenciação entre princípios e regras, para esse autor, é que aqueles não são suscetíveis
de aplicação imediata, já que lhes falta o caráter de proposição jurídica, isto é, a conexão
entre uma hipótese de incidência e uma consequência jurídica52. Dentre os autores
mencionados por Humberto Ávila como os que adotam a distinção fraca entre as espécies
48 Sobre o tema, cf. o capítulo 3: BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro:
contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte:
Fórum, 2013. p.147.
49 Para uma análise mais ampla e com vasta indicação bibliográfica sobre as conceituações das espécies
normativas, cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
50 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.66.
51 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.35.
52 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.36.
25
normativa, tem-se, por fim, Canaris, que entende que os princípios possuem um conteúdo
axiológico explícito e que precisam de regras para a sua concretização.53
Para os defensores do entendimento acima apontado, os princípios são
conceituados como pilares de uma determinada área de conhecimento, atuando como fonte
de estabilidade para o ramo de uma ciência específica. Na ciência jurídica, os princípios
integrariam normas lacunosas, assim como a analogia e os costumes. Por seu caráter geral
e axiológico, os princípios forneceriam diretrizes para o sistema, possuindo interpretação
mais flexível do que as regras, o que permitiria a adaptabilidade da ciência jurídica diante
das evoluções sociais, econômicas e políticas. Além disso, o sistema que possui uma base
sólida de princípios, bem estruturados e atuantes de forma complementar, possuiria maior
unidade lógica, garantindo maior estabilidade a esse próprio sistema. Outrossim, para os
defensores desse entendimento, os princípios possuem caráter supranormativo, aplicando-
se a todos os ramos do direito, embora alguns possuam princípios específicos.
Quanto ao direito processual, o processualista paulista Cândido Rangel
Dinamarco se alinha a esse entendimento, defendendo que:
“[...] todo conhecimento só é verdadeiramente científico quando tiver por
apoio a consciência dos princípios que o regem: sem essa consciência, há
o grande risco de perder a necessária coerência unitária entre os conceitos
exarados e jamais ter-se segurança quanto ao acerto e boa qualidade dos
resultados das investigações.” 54
Defendem ainda que os princípios não devem ser indicados em rol taxativo,
pois seria incerto que esse rol acompanharia a evolução social, política e econômica. Com
base nisto, a doutrina indicada pontua quatro princípios informativos do processo, os quais,
na verdade, não são verdadeiros princípios, como aponta Cândido Rangel Dinamarco55,
mas atuam como elementos informadores do sistema, conferindo-lhe apoio sociológico,
filosófico e político. Esses princípios informativos do processo são o lógico, o político, o
jurídico e o econômico. Por fim, para esta corrente, os princípios atuariam fornecendo
53 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.36.
54 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. v. 1. p. 196.
55 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. v. 1. p. 196. “[...] pensando nelas no estrito sentido da técnica processual que podem
refletir, ficam despidas da nota característica dos princípios, isto é, de figurarem como elementos
basilares ao conhecimento de determinada ciência.”.
26
coerência ao sistema processual civil e o operador e o cientista do direito devem saber
como eles se relacionam e sempre retornar a essa base para que seus atos e suas decisões
sejam coerentes e lógicas, como já afirmado no primeiro capítulo.
Interessante notar o que Eduardo J. Couture56 observou sobre como o
legislador originário decide sobre a formação e o modelo processual a ser adotado pelo
texto constitucional, que não se limita a escrever artigos em um código ou em um texto
constitucional, mas, previamente a escritura deste, determina quais serão os princípios a
determinar o direcionamento deste conjunto normativo. Quanto ao sistema processual,
continua Eduardo J. Couture que a lei usa como referência determinados princípios e os
mescla, não existindo processos puramente dispositivos ou inquisitivos somente.
Antônio Alberto Machado57 afirma serem os princípios os fundamentos éticos
dos sistemas jurídicos, devido a sua alta carga valorativa, além de suas funções
pragmáticas na medida em que: “[...] (a) asseguram a harmonia e a coerência do
ordenamento legal; (b) atuam como critérios hermenêuticos de interpretação dos textos
legais; (c) orientam até mesmo o legislador na edição de leis; e, por fim, (d) propiciam a
integração do direito, funcionando como mecanismos de colmatação das eventuais
lacunas do ordenamento jurídico.” .58
Portanto, grosso modo, há duas correntes principais na doutrina que definem os
princípios. A primeira é essa que acaba de ser sucintamente exposta, que os conceitua
como normas de elevado grau de abstração, pois se destinam a inúmeras situações, e
também de elevada generalidade, pois atingem inúmeras pessoas. Devido a essas
características assumidas por essa corrente, os princípios têm maior carga de subjetividade
na sua aplicação, sendo que não se observa isso nas regras, que têm pouca abstração e
generalidade. É a teoria clássica do Direito Público que afirma serem os princípios os
alicerces do ordenamento jurídico. Trata-se de uma distinção fraca, como mencionado,
56 Cf. COUTURE, Eduardo J. Interpretação das leis processuais. São Paulo: Max Limonad, 1956. p.48-49.
“O que, em primeiro lugar, se apresenta ao legislador não é a tarefa de redigir leis, mas a de formular
princípios.”.
57 Cf. MACHADO, Antônio Alberto. Curso de processo penal. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.48-49.
58 Cf. MACHADO, Antônio Alberto. Curso de processo penal. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.48.
27
pois os princípios e as regras teriam as mesmas características, mas em distintos graus: o
grau de indeterminação é maior nos princípios59.
Humberto Ávila indica que há duas inconsistências no uso dessa distinção
entre as espécies normativas60, sendo uma semântica e outra sintática. A inconsistência
semântica se reflete em diversos aspectos. Primeiramente, não é adequado definir princípio
com base no grau de generalidade da norma, porque, veiculada por meio da linguagem,
assim como todo dispositivo normativo. Por ser a linguagem em alguma medida
indeterminada, toda norma possui tal característica, não sendo preciso, portanto, definir
uma espécie normativa com base em uma característica que está presente em todas as
outras espécies. Como destaca Ávila: “E como a aplicação das normas demanda amplo
processo de ponderação de razões e de fatos, tanto a aparente determinação pode
desaparecer quanto a pressuposta indeterminação pode transmudar-se em clareza diante
dos casos concretos. Até mesmo porque a aplicação das normas abrange vários outros
aspectos além do meramente semântico.” 61. Outra inconsistência semântica trazida como
fruto da distinção fraca entre as espécies normativas é em relação ao conteúdo valorativo.
Não somente os princípios possuem alta carga valorativa, pois toda norma serve para o
alcance da realização de valores. As regras concretizam, no mínimo, dois: o da segurança
jurídica, pois há maior previsão quanto ao seu conteúdo comportamental; e o valor
substancial específico de cada regra. Relacionável ao tema é a Teoria Tridimensional do
Direito do Professor Miguel Reale62. Assim, uma característica utilizada como fator
diferenciador acaba por aproximar as duas espécies normativas. Humberto Ávila pede
cuidado no manuseio dessa concepção fraca, pois a afirmação de pequeno conteúdo
valorativo das regras pode as transformar em normas de segunda categoria: “Mais que
isso: essa distinção pode levar à crença de que o intérprete não tem liberdade alguma de
configuração dos conteúdos semântico e valorativo das regras, quando, em verdade, toda
norma jurídica – inclusive as regras – só tem seu conteúdo de sentido e sua finalidade
59 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.84-85.
60 Para ampla indicação bibliográfica sobre o tema, cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da
definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.85 e ss.
61 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.85.
62 Cf. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. passim. Sobre a
Teoria Tridimensional do Direito: fato – valor – norma.
28
subjacente definidos mediante um processo de ponderação.” 63. Da mesma forma, esse
critério levado a cabo pode conduzir a uma supervalorização dos princípios indiretamente.
A implicação sintática da corrente em análise cai em contradição, pois afirmam que os
princípios são caracterizados pelo seu alto grau de abstração e generalidade, além da maior
carga subjetiva em sua aplicação. No entanto, essa denominação é conferida a situações
específicas e práticas, que fogem ao conceito assumido de princípio como algo geral e
abstrato.64 Dessa maneira, importa considerar essa corrente de conceituação das espécies
normativas, pois que se mostrou relevante na evolução dos estudos na área, mas existem
teorias mais condizentes com o atual estágio de evolução da Ciência Jurídica que são
demonstradas a seguir.
Após a análise dos que defendem a distinção fraca entre princípios e regras,
importa notar que Humberto Ávila, em sua obra sobre a teoria dos princípios, agrupa dois
doutrinadores, que, apesar de possuírem pontos de distanciamento em suas teorias,
estabelecem distinções fortes entre as espécies normativas, que são Ronald Dworkin e
Robert Alexy.
Ronald Dworkin, em sua obra “Levando os direitos a sério”65, contribuiu
decisivamente para a definição de princípios na tradição anglo-saxônica. Ele fez críticas ao
Positivismo devido ao modo aberto e vago de argumentar, quando da aplicação de
princípios. Devido à dificuldade de precisar conceitos vagos, como o de princípio, Ronald
Dworkin apontava que controvérsias poderiam surgir quando questionada a equanimidade
de uma determinada lei ou quando esta lei usasse conceitos abertos. Assim, juristas podem
“[...] discordar se em 1954, na questão da segregação, a Corte Suprema estava seguindo
princípios já estabelecidos ou criando nova lei; e a controvérsia entre eles pode redundar
na discussão sobre o que são princípios e o que significa aplicá-los.”. Dworkin defendia
que não há clareza em questões como essa. Diante disto, ele estabeleceu uma crítica ao
positivismo, partindo da solução dada, principalmente, aos casos difíceis, que fogem das
regras, para se embasar em princípios, políticas e outros tipos de padrões.
63 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.85-86.
64 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.86.
65 Sobre o tema: Cf. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
29
Ronald Dworkin diferencia “política” de “princípio”, sendo a política um
objetivo da comunidade em algum aspecto econômico, político ou social; enquanto que
princípio seria um padrão de justiça exigido pela moralidade66. Assim, princípio, como
gênero, abrange a política, que seria o princípio referente à comunidade, e o princípio em
sentido estrito, referente ao indivíduo. Quando Ronald Dworkin afirma que a decisão
judicial é política, deve-se recorrer a essa classificação, portanto, a decisão judicial teria,
para o autor, uma dimensão comunitária.
Já na diferença entre princípios e regras, o autor pontua que a distinção é de
natureza lógica. Enquanto as regras têm como forma de aplicação o modelo do “tudo ou
nada”, ou seja, se a hipótese de incidência fosse preenchida, a regra era aplicada com a sua
consequência, sendo válida, portanto; comportando exceções na sua aplicação, as quais
devem estar previstas no próprio enunciado para que a regra seja completa; os princípios,
mesmo os mais parecidos com as regras, não têm consequências que se seguem
imediatamente quando ocorrem as circunstâncias previstas67. Além disso, os princípios têm
uma dimensão especial, a da importância ou de peso, o que permite que mais de um
princípio conviva em uma mesma situação e que ambos sejam aplicáveis em diferentes
medidas; o mesmo não se dá com as regras, segundo esta concepção, pois em caso de
colisão entre regras uma delas deve ser considerada inválida. Normalmente, os princípios e
as políticas são utilizados para a solução de casos difíceis, os quais são aqueles que não
encontram pronta resposta em regras, ou seja, que não são resolvidos pela simples
mecânica da subsunção de uma determinada regra. Acrescente-se a essa função, que o juiz
(Hércules, para Dworkin) deve estabelecer princípios abstratos e concretos extraídos dos
precedentes judiciais da common law para ter a possibilidade de julgar os futuros casos
conforme o texto constitucional.68
Por vezes, regras contêm expressões vagas que levam à semelhança com
princípios, mas isto não afasta as características principais de cada categoria, segundo
66 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: BOEIRA, Nelson. São Paulo: Martins
Fontes, 2002. p.36. Cf. NERY JR., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.26-27.
67 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: BOEIRA, Nelson. São Paulo: Martins
Fontes, 2002. p.40.
68 NERY JR., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. p.26.
30
Ronald Dworkin.69 Por fim, a distinção feita por Ronald Dworkin não foi feita com base no
grau, mas quanto à estrutura lógica e critérios classificatórios.70
O segundo autor que estabelece uma forte distinção entre regras e princípios é
Robert Alexy. Ele partiu da distinção feita por Dworkin e precisou ainda mais o conceito
de princípio. Para o autor alemão, o gênero “norma jurídica” abarca duas espécies: regras e
princípios. Assim, princípios nada mais são do que uma espécie do gênero norma jurídica
que estabelecem deveres de otimização aplicáveis em vários graus de acordo com as
possibilidades normativas e fáticas.
Propõe o autor uma distinção precisa entre regras e princípios e o uso
sistemático dessa distinção71. Norma é gênero, como mencionado, e pode ser formulada
por meio de expressões deônticas básicas de dever, permissão e proibição, tendo como
espécies regras e princípios, que possuem diversos graus de generalidade.
Enquanto uma regra é um comando definitivo e a sua forma de aplicação é a
subsunção, os princípios requerem que algo seja realizado até o seu máximo grau possível
de acordo com a realidade fática e jurídica, ou seja, é um mandamento de otimização e a
sua forma de aplicação se dá pelo equilíbrio. Em caso de colisão entre princípios, um
sempre acaba prevalecendo sobre outro depois de realizada a ponderação. Os princípios
possuem dimensão de peso, portanto, e não determinam a consequência normativa de
forma direta como fazem as regras72. Dessa forma, os princípios são aplicados com a
devida cláusula de reserva, que significa a sua aplicação no caso concreto apenas se não
houver outro princípio com maior peso, o que aproxima princípios e regras no modo “tudo
ou nada”, com a diferença de que o princípio prevalente não invalida o outro.
Segundo o autor alemão, a principal distinção que pode ser feita entre regras e
princípios reside justamente neste ponto de os princípios deverem ser realizados na maior
69 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: BOEIRA, Nelson. São Paulo: Martins
Fontes, 2002. p.45.
70 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.36-37.
71 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de SILVA, Virgílio Afonso da. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 86.
72 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.38.
31
medida possível de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas73, como destacado,
enquanto as regras são satisfeitas ou não, ou seja, a distinção entre as duas espécies é
qualitativa74. As possibilidades jurídicas de aplicação dos princípios são determinadas pela
colisão entre regras e princípios em cada ordenamento jurídico.
A diferença entre Alexy e Dworkin nas conceituações das espécies normativas
é que o autor alemão entende que a diferença entre princípios e regras não pode ser
baseada no modo do “tudo ou nada”, como destaca Humberto Ávila:
“[...] mas deve resumir-se, sobretudo, a dois fatores: diferença quanto à
colisão, na medida em que os princípios colidentes apenas têm sua
realização normativa limitada reciprocamente, ao contrário das regras,
cuja colisão é solucionada com a declaração de invalidade de uma delas
ou com a abertura de uma exceção que exclua a antinomia; diferença
quanto à obrigação que instituem, já que as regras instituem obrigações
absolutas, não superadas por normas contrapostas, enquanto os princípios
instituem obrigações prima facie, na medida em que podem ser superadas
ou derrogadas em função dos outros princípios colidentes.” 75
Os direitos constitucionais têm caráter de princípio, segundo Robert Alexy,
mas isso não significa que as medidas que dão expressão aos direitos constitucionais não
possam ser expressas como regras, como exemplo, cita o autor a Constituição Alemã, em
seu artigo 102, da lei básica, que proíbe a pena de morte, além do artigo 104, que
determina que a polícia não pode manter ninguém sob custódia a partir do dia seguinte ao
de sua prisão76. O jurista também traz, como exemplo, os meios técnicos de vigilância
acústica da residência onde algum suspeito de crime resida. Neste caso, os princípios
constitucionais passarão por questões de equilíbrio. Assim, como quando o Tribunal
73 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de SILVA, Virgílio Afonso da. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 89.
74 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de SILVA, Virgílio Afonso da. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 91.
75 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.38-39.
76 Palestra proferida no II Congresso de Ciência Política e Direito Eleitoral do Piauí – Teresina. Junho, 2012.
32
Constitucional Alemão, em 2010, considerou o mínimo existencial como um direito
constitucional, estabelecendo uma relação direta entre princípios e proporcionalidade.77
O princípio da proporcionalidade, que tem recebido grande atenção nacional e
internacional, consiste de três sub-princípios, os quais são a adequação, a necessidade
(busca do meio menos gravoso) e a proporcionalidade em sentido restrito (mandamento de
sopesamento propriamente dito), sendo que todos os três expressam a ideia de otimização.
Portanto, para Alexy, a proporcionalidade funciona como princípio.
Os princípios, em virtude de serem mandamentos de otimização, requerem que
a otimização seja buscada na maior medida possível de acordo com o que é legalmente e
faticamente possível. Os princípios da adequação e da necessidade se referem às
possibilidades factuais: concernem se uma posição pode ser melhorada sem detrimento de
outra, ou seja, requerem eficiência. A otimização consiste em evitar custos evitáveis. Os
custos, no entanto, são inevitáveis quando os princípios colidem e se torna necessário
encontrar o equilíbrio, que é abordado pelo terceiro sub-princípio, qual seja, a
proporcionalidade em sentido estrito, que expressa a otimização em relação às
possibilidades legais. Esta regra pode ser chamada de lei da razoabilidade, segundo Alexy.
Quando ocorrer colisão entre princípios, segundo Robert Alexy78, quanto maior
o grau de detrimento de um princípio, maior deve ser o grau de satisfação de outro, sem
que exista a necessidade de declaração de invalidade de um desses princípios ou uma
cláusula de exceção, como ocorre na colisão entre regras. Isso decorre do caráter prima
facie dos princípios, o que significa que eles não têm um mandamento definitivo, mas
somente prima facie. Para que esta equação para a solução do conflito entre princípios seja
elaborada, Robert Alexy sugere o percurso de três estágios: o primeiro é o estabelecimento
do grau de não satisfação do primeiro princípio; o segundo é limitar qual a importância de
satisfazer o segundo princípio; o terceiro estágio é a determinação se o sacrifício do
primeiro princípio se justifica em face da realização do segundo.
77 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de SILVA, Virgílio Afonso da. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 116.
78 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de SILVA, Virgílio Afonso da. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 93-94.
33
Quanto à amplitude do conceito de princípio, Robert Alexy79 defende que é
indiferente caso o princípio se refira a direitos individuais ou a coletivos. No entanto,
Ronald Dworkin possui definição mais restrita do que a apresentada quando o princípio se
refere a direitos coletivos, denominando-os de “políticas”80. Robert Alexy critica tal
abordagem na medida da inconveniência em vincular o conceito de princípio a direito
individual.81
Essas duas concepções recém-apontadas de Alexy e Dworkin formam a teoria
moderna do Direito Público, que foi inicialmente difundida pelos estudos de Filosofia e
Teoria Geral do Direito e, por último, pelo Direito Constitucional. Cuida da distinção forte
entre os princípios e as regras, que não possuem as mesmas características, mas qualidades
diferentes já apontadas. Quanto ao Direito Constitucional, Luís Roberto Barroso afirma
que a distinção forte entre princípios e regras se tornou “[...] um dos pilares da moderna
dogmática constitucional, indispensável para a superação do positivismo legalista, onde
as normas se cingiam a regras jurídicas.” 82. Dessa maneira, “A Constituição passa a
ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores
jurídicos suprapositivos, no qual as ideias de justiça e de realização dos direitos
fundamentais desempenham um papel central.” 83. Segundo o Professor e Ministro do
Supremo Tribunal Federal mencionado, essa mudança se deve aos autores citados: Ronald
Dworkin e Robert Alexy. Assim, passada a fase de deslumbramento diante dessas novas
constatações das espécies normativas,
“[...] o pensamento jurídico tem se dedicado à elaboração teórica das
dificuldades que sua interpretação e aplicação oferecem, tanto na
determinação de seu conteúdo quanto no de sua eficácia. A ênfase que se
tem dado à teoria dos princípios deve-se, sobretudo, ao fato de ser nova e
79 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de SILVA, Virgílio Afonso da. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 115.
80 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: BOEIRA, Nelson. São Paulo: Martins
Fontes, 2002. passim.
81 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de SILVA, Virgílio Afonso da. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 116. As características lógicas de princípio indicam a conveniência de um conceito
amplo.
82 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.147-148.
83 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.148.
34
de apresentar problemas ainda irresolvidos. O modelo tradicional, como
já mencionado, foi concebido para a interpretação e aplicação de regras.
É bem de ver, no entanto, que o sistema jurídico ideal se consubstancia
em uma distribuição equilibrada de regras e princípios, nos quais as
regras desempenham o papel referente à segurança jurídica –
previsibilidade e objetividade das condutas – e os princípios, com sua
flexibilidade, dão margem à realização da justiça do caso concreto.” 84.
Humberto Ávila critica as inconsistências geradas pelo uso da distinção forte
entre princípios e regras. Segundo o autor, também seria uma semântica e outra sintática. A
semântica se trataria na definição de princípio com base em seu modo de aplicação através
da ponderação, pois, segundo o autor, toda norma é alvo de ponderação quando de sua
aplicação85, inclusive as regras, que se submetem a uma ponderação interna, quanto ao
significado de sua hipótese e de sua finalidade subjacente, e externa, quando ocorre o
conflito entre duas regras, que convivem harmoniosamente no plano abstrato, mas que
entram em conflito diante de um caso concreto86. Além disso, a corrente da distinção forte
adota como critério diferenciador a característica de, em caso de conflitos entre regras,
ocorrer a decretação de invalidade de uma delas. No entanto, a consequência do conflito de
regras nem sempre é essa. A inconsistência reside em usar como critério diferenciador
característica não constante, que acaba por aproximar as espécies normativas. Os erros que
podem ser gerados com a adoção desse posicionamento são: a trivialização do
funcionamento das regras, como se sua aplicação não requeresse ponderação de razões; a
crença na insuperabilidade das regras; e, por fim, o risco do uso arbitrário dos princípios se
não houver critérios precisos de argumentação e aplicação. A inconsistência sintática da
distinção forte é admitir como superável um princípio que foi adotado como elemento
normativo de extrema importância pelo legislador constituinte, como, por exemplo, a
proibição de provas ilícitas.
Humberto Ávila conclui que as duas classificações, a fraca e a forte, trazem
seus efeitos. A primeira possibilita alta subjetividade na aplicação dos princípios, devido
84 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.149.
85 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.88.
86 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.88. “É inapropriado, por isso, fazer uma distinção entre as espécies normativas
com base em propriedades comuns às espécies diferenciadas – a ponderabilidade e a superabilidade.”.
35
ao seu alto grau de abertura. A segunda atribui peso aos princípios colidentes em cada caso
concreto. Critica o autor citado:
“O tiro sai pela culatra: a pretexto de aumentar a efetividade da norma, a
doutrina denomina-a de princípio, mas, ao fazê-lo, legitima sua mais fácil
flexibilização, enfraquecendo sua eficácia; com a intenção de aumentar a
valoração, a doutrina qualifica determinadas normas de princípios, mas,
ao fazê-lo, elimina a possibilidade de valoração das regras, apequenando-
as; com a finalidade de combater o formalismo, a doutrina redireciona a
aplicação do ordenamento para os princípio, mas, ao fazê-lo sem indicar
critérios minimamente objetiváveis para sua aplicação, aumenta a
injustiça por meio da intensificação de decisionismo; com a intenção de
difundir uma aplicação progressista e efetiva do ordenamento jurídico, a
doutrina qualifica aquelas normas julgadas mais importantes como
princípios, mas, ao fazê-lo com a indicação de que os princípios
demandam aplicação intensamente subjetiva ou flexibilizadora em função
de razões contrárias, lança bases para o que próprio conservadorismo seja
legitimado.” 87
Humberto Ávila listou os critérios usualmente empregados para a distinção
entre princípios e regras, segundo as concepções acima listadas, tanto nas distinções fracas,
quanto nas fortes, para depois criticá-las e elaborar seu conceito das espécies normativas.
Tamanha a relevância da pesquisa feita para a área, que, cabe aqui, considerados os
objetivos da presente dissertação, passar por essas críticas de forma sucinta e analisar as
conceituações elaboradas pelo referido jurista. Sendo assim, a primeira característica
trazida é o caráter hipotético-condicional, que estabelece que as regras possuem uma
hipótese e uma consequência que predeterminam a decisão, enquanto que os princípios
apenas indicam o fundamento a ser utilizado pelo aplicador para futuramente encontrar a
regra para o caso concreto. O autor citado estabelece uma crítica a essa característica, pois,
segundo ele, apesar de ela demonstrar o elemento descritivo das regras e diretivo dos
princípios, há imprecisão, porque é insuficiente afirmar que os princípios apresentam um
primeiro passo para encontrar a regra do caso concreto sem determinar o que seja dar esse
primeiro passo. Além disso, essa característica transmite a falsa impressão de que a regra
seja a resposta definitiva para qualquer caso concreto, o que não se verifica, pois, “[...] o
conteúdo normativo de qualquer norma – quer regra, quer princípio – depende de
possibilidades normativas e fáticas a serem verificadas no processo mesmo de aplicação.
Assim, o último passo não é dado pelo dispositivo nem pelo significado preliminar da
87 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.90.
36
norma, mas pela decisão interpretativa, como será adiante aprofundado.” 88. A segunda
crítica cabível a esse elemento distintivo é que a ex istência de uma hipótese de
incidência é questão de elaboração linguística, sendo que princípios podem vir
escritos sob a forma de hipótese de incidência e consequência 89, assim é pouco
preciso utilizar essa característica como critério diferenciado r. Nas palavras do
Professor mencionado:
“[...] o critério do caráter hipotético-condicional parte do pressuposto de
que a espécie de norma e seus atributos normativos decorrem
necessariamente do modo de formulação do dispositivo objeto de
interpretação, como se a forma de exteriorização do dispositivo (objeto da
interpretação) predeterminasse totalmente o modo como a norma
(resultado da interpretação) vai regular a conduta humana ou como
deverá ser aplicada. Percebem-se, aí, uma manifesta confusão entre
dispositivo e norma e uma evidente transposição de atributos dos
enunciados formulados pelo legislador para os enunciados formulados
pelo intérprete.” 90.
Dessa forma, é função do intérprete, diante de um enunciado, determinar se seu
conteúdo é de regra ou de princípio. Não é preciso afirmar que os princípios não possuem
consequências normativas, pois o estado ideal de coisas a ser buscado pelo princípio exige
a tomada de comportamentos, que, apesar de não descritos diretamente pelos enunciados
normativos, são importantes consequências normativas. Assim, a distinção entre princípio
e regra, segundo a perspectiva ora analisada, não se trata da ausência da prescrição de
comportamentos e de consequências para os princípios, mas do tipo dessa prescrição.91
A segunda característica geralmente utilizada para distinguir as espécies
normativas é o modo final de aplicação, segundo o qual as regras seriam aplicadas no
modo “tudo ou nada” e os princípios de modo gradual, ou seja, “mais ou menos”. Essa
característica posta como absoluta é alvo de críticas novamente, pois o modo de aplicação
não decorre do objeto da interpretação, mas de conexões axiológicas feitas pelo intérprete,
88 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.40-41.
89 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.41.
90 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.41.
91 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.43.
37
que pode alterar o modo de aplicação tido, inicialmente, como elementar92. Por exemplo,
uma regra tida por absoluta pode ser superada por razões não previstas na própria regra
nem em outras (overruling), quando o aplicador considere razões substanciais, mediante
consistente fundamentação e com razões que superem a da própria regra (rule´s purpose).
A consideração de peculiaridades concretas e individuais não está inclusa na estrutura da
norma, mas se trata de sua aplicação, tanto das regras quanto dos princípios. Além disso, a
vagueza não poderia ser usada como critério distintivo dos princípios, pois é característica
de qualquer enunciado prescritivo, seja ele regra ou princípio93. Assim, as regras também
precisam de processo prévio de interpretação para a implementação de sua consequência
normativa, o que aproxima as duas espécies normativas sob análise. É truísmo que há
diferença quanto ao grau de abstração das prescrições normativas, no entanto, isso não se
torna de extrema relevância para distingui-las, vez que as regras também precisam ser
interpretadas em conjunto com princípios relacionados. Assim, tanto as regras quanto os
princípios possibilitam a consideração de aspectos concretos, a diferença reside que, no
caso dos princípios, os obstáculos a essa consideração são menores, já que eles
estabelecem um estado ideal de coisas a ser promovido sem descrever o comportamento
necessário diretamente. O que importa para a escolha do comportamento a ser adotado é o
fim estabelecido como ideal. Já as regras estabelecem o comportamento previamente e a
superação da previsão legal, dada considerações de características concretas, exige um
grande esforço de argumentação, que demanda ponderação.
Humberto Ávila afirma que os autores que defendem a distinção forte entre as
espécies normativas, ou seja, Ronald Dworkin e Robert Alexy, afirmam que, se ocorrer a
hipótese prevista em uma regra, a consequência jurídica deve se dar no plano concreto. No
entanto, segundo aponta o jurista citado, há casos de as normas não serem aplicadas
mesmo com as suas condições satisfeitas, citando o exemplo de ocorrência do
cancelamento da razão justificadora da regra por razões consideradas superiores pelo
aplicador, quando da análise do caso concreto94. Quanto aos princípios e ao modo de
aplicação “mais ou menos”, destaca Ávila que o estado de coisas estabelecido como ideal
92 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.45.
93 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.48.
94 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.50.
38
por um princípio é que pode ser mais ou menos aproximado da realidade fática, a depender
da conduta escolhida como meio para a sua concretização. Mesmo diante dessa
constatação, o princípio é ou não aplicado com a aplicação ou não do meio escolhido para
o alcance do estado ideal. Portanto, “[...] defender que os princípios sejam aplicados de
forma gradual é baralhar a norma com os aspectos exteriores, necessários à sua
aplicação.” .95
A terceira característica distintiva apontada en tre as espécies
normativas se refere ao relacionamento normativo na hipótese de conflito. O
conflito entre regras seria solucionável com a declaração de invalidade de uma
das regras ou com a criação de uma exceção, já o conflito entre princípios se
resolveria com o uso da ponderação, atribuindo uma dimensão de peso a cada
princípio. A esse traço usualmente apontado como fator de diferenciação entre
as espécies normativas, Humberto Ávila também aponta sua visão crítica,
alegando que, embora tentador e amplamente difundido, esse aspecto deve ser
repensado, pois há casos de conflitos entre regras , que não acabam na
invalidade de uma delas ou na criação de uma exceção, sendo que a solução
pode ser encontrada com a atribuição de peso às regras também. Exemplo des sa
constatação se percebe na regra que proíbe a concessão de liminar contra a
Fazenda Pública, que esgote o objeto litigioso, e a regra que determina a
obrigatoriedade de o Estado fornecer medicamentos excepcionais, de forma
gratuita, às pessoas que não puderem prover tamanha despesa. Embora os
comportamentos determinados por essas duas regras sejam contraditórios, as
duas mantêm a sua validade: não é necessário declarar a nulidade de uma das
regras nem criar uma exceção. As duas continuam válidas e deve ocorrer uma
ponderação entre as finalidades que estão em jogo 96. Nesse sentido, Luís
Roberto Barroso indica que já se discute a possibilidade de as regras sofrerem
ponderação, alterando o esquema doutrinariamente apontado diante do caso
95 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.50.
96 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.52-53. “É preciso, pois, aperfeiçoar o entendimento de que o conflito entre regras
é um conflito necessariamente abstrato, e que quando duas regras entram em conflito deve-se declarar a
invalidade de uma delas ou abrir uma exceção. Trata-se de qualidade contingente; não necessária.” p.54.
39
concreto. Segundo o autor em comento, para que isso ocorra, o intérprete deve
se valer da ponderação e da argumentação jurídica97:
“[...] há situações em que uma regra, perfeitamente válida em abstrato,
poderá gerar uma inconstitucionalidade ao incidir em determinado
ambiente ou, ainda, há hipóteses em que a adoção do comportamento
descrito pela regra violará gravemente o próprio fim que ela busca
alcançar. Esses são fenômenos de percepção recente, que começam a
despertar o interesse da doutrina, inclusive e sobretudo por seu grande
alcance prático.” 98.
A diferença reside na intensidade dessa ponderação de razões, pois
que, nas regras, há maior elemento descritivo já elaborado. No imbricamento
entre princípios, o aplicador tem maior amplitude de apreciação do
comportamento necessário, pois somente há o estabelecimento de um estado
ideal de coisas a ser buscado. Dessa forma: “A ponderação diz respeito tanto aos
princípios quanto às regras, na medida em que qualquer norma possui um caráter
provisório que poderá ser ultrapassado por razões havidas como mais relevantes pelo
aplicador diante do caso concreto. O tipo de ponderação é que é diverso.” 99. Usar a
característica em comento como fator de diferenciação entre normas jurídicas
não é preciso, pois a dimensão axiológica aclamada como privativa dos
princípios, também existe para as regras, assim como a dimensão de peso não é
uma característica dos princípios, mas uma forma de exercício da interpretação
de normas, que atribui peso às razões e aos fins de qualquer norma diante de
algum caso concreto.
Segundo Luís Roberto Barroso, o processo de ponderação que ocorre
nessa fase de decisão se realiza através da análise conjunta das normas
envolvidas e dos fatos, de forma que se apurem os elementos em disputa em
97 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.152-153.
98 Sobre a ponderação e a argumentação jurídica, por fugirem do tema ora em comento, recomenda-se a
leitura da obra do autor: BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro:
contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte:
Fórum, 2013. p.154. “A ponderação consiste, portanto, em uma técnica de decisão jurídica aplicável a
casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, especialmente quando uma
situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções
diferenciadas.”.
99 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.58-59.
40
cada caso e a repercussão daquelas nestes. Em seguida, deve -se decidir a
intensidade de prevalência de um determinado grupo de normas sobre os
demais. A ponderação seria guiada pelo princípio instrumental da
proporcionalidade ou da razoabilidade, segundo defende o autor mencionado .100
Embora a ponderação preveja a designação de pesos para as normas a serem
aplicadas em cada caso concreto, ela não nos fornece referências concretas ou
axiológicas dessa valoração que deve ser feita. Analisando a situação, Luís
Roberto Barroso critica: “No seu limite máximo, presta-se ao papel de oferecer um
rótulo para voluntarismos e soluções ad hoc, tanto as bem-inspiradas como as nem tanto.”
101. Dessa maneira, o uso da ponderação deve ser limitado aos casos em que o
ordenamento jurídico não tenha estabelecido uma solução em tese e o seu
controle se faz através do exame da argumentação. Existe toda uma teoria
desenvolvida academicamente acerca da teoria da argumentação. Foge ao
presente objetivo a análise detida do tema.102
Voltando ao tema da diferença entre regras e princípios , ela não está
no fato de estes serem aplicados na medida máxima, e aquelas no modo “tudo
ou nada”. “Ambas as espécies de normas devem ser aplicadas de tal modo que seu
conteúdo de dever-ser seja realizado totalmente. Tanto as regras quanto os princípios
possuem o mesmo conteúdo de dever-ser.” 103. A diferença essencial entre elas é o
grau de determinação da conduta, que é o mais preciso possível nas regras, pois
que determina o comportamento necessário para a promoção do fim da norma, e
100 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.156.
101 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.157.
102 Cf. BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.157 e ss. Sobre o
tema da teoria da argumentação, o autor aponta três parâmetros de análise: a) Uso de fundamentos
normativos que suportem a decisão, ainda que implícitos: “Ou seja, não basta o bom-senso e o sentido de
justiça pessoal – é necessário que o intérprete apresente elementos da ordem jurídica que referendem tal
ou qual decisão. Embora óbvia, essa exigência tem sido deixada de lado com mais frequência do que se
poderia supor, substituída por concepções pessoais embaladas em uma retórica de qualidade.”. p.159. O
dever de motivar é amplificado em decisões que utilizem a ponderação; b) possibilidade de universalização
dos critérios usados de forma que eles sejam usados em casos semelhantes no futuro; c) por fim, Barroso
nos remete a Humberto Ávila e a normas de segundo grau, ou seja, os postulados, que auxiliam na
interpretação das normas de primeiro grau.
103 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.63.
41
extremamente aberto nos princípios, pois a conduta necessária para o alcance
do estado ideal de coisas não vem prevista na norma, dependendo, portanto, do
ato de concretização do intérprete.
Por último, Humberto Ávila indica que os doutrinadores que
defendem as distinções fracas e fortes entre princípios e regras costumam usar
a característica de os princípios funcionarem como fundamento axiológico da
decisão a ser tomada.104
Após a análise feita sobre as concepções mais destacadas sobre as
espécies normativas e as apontadas críticas feitas pelo Professor Humberto
Ávila, em sua tese de livre docência para a Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, cabe destacar a conceituação elaborada pelo
próprio Professor autor das críticas, para que se averigue a utilidade e a
aplicabilidade dos conceitos a este trabalho.
Humberto Ávila separa normas de primeiro grau e normas de
segundo grau. Aquelas são os princípios e as regras, estas são os postulados.
Portanto, Ávila propõe um modelo tripartite: regras/princípios/postulados.
Estes últimos são definidos como instrumentos normativos metódicos, ou seja,
fixam condições para a aplicação das regras e dos princípios , mas sem com eles
se confundir.105
Para o Professor, a norma não é o texto, mas o sentido extraído dele
após o exercício da interpretação, não havendo correspondência entre norma e
dispositivo, portanto106. Assim, a Ciência do Direito não é a mera descrição de
um significado, que existiria intrinsecamente no texto e independente mente do
uso ou da interpretação. O intérprete extrai de dispositivos significados
construídos de acordo com o uso, não se trata de subsunção de conceitos
fechados107. Entretanto, isso não significa que o intérprete comece sem
104 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.63.
105 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.71.
106 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.30.
107 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.31-32.
42
nenhuma base prévia, pois há traços de significados mínimos que fazem parte
do uso ordinário ou técnico da linguagem. O autor destaca a ideia de
reconstrução, que é interpretar. Reconstruir a partir de textos normativos e a
partir de núcleos de sentidos admitidos pelo uso da linguagem. É o Poder
Judiciário concretizando o ordenamento juríd ico diante de cada caso
específico108. Dessa forma, Ávila afirma que a qualificação de uma norma como
princípio ou como regra dependerá da colaboração constitutiva do intérprete
que parte de um modelo ou hipótese provisória de trabalho para, em seguida,
reconstruir seu conteúdo normativo. É a proposta de dissociação heurística
entre as espécies normativas109. Também afirma o autor que deve ocorrer a
superação de alternativa exclusiva das espécies normativas diante de um
dispositivo, propondo a análise pluridimensional dos enunciados normativos,
que podem conter regras, princípios e enunciados a depender do enfoque dado.
Ávila destaca que tanto os princípios quanto as regras fazem
referência a fins e a condutas, já que “[...] as regras preveem condutas que
servem à realização de fins devidos, enquanto os princípios preveem fins cuja
realização depende de condutas necessárias.” . 110
A diferença, para o autor, entre regras e princípios, não está no modo de
aplicação do “tudo ou nada” ou do “mais ou menos”, mas na justificação que cada espécie
normativa exige quando da sua aplicação. A interpretação de uma regra exige o exame de
correspondência entre a construção conceitual feita dos fatos e da norma, além de sua
finalidade. Se a correspondência for feita facilmente, o ônus argumentativo será pequeno.
No entanto, caso haja alguma discrepância que impeça a correspondência absoluta como,
por exemplo, outra finalidade da regra, o ônus argumentativo é consideravelmente
ampliado. São os chamados casos difíceis. Já a interpretação dos princípios demanda a
avaliação da correspondência entre o estado de coisas tido como ideal e os efeitos da
108 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.34.
109 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.68. “Como já foi examinado, as normas são construídas pelo intérprete a partir
dos dispositivos e do seu significado usual. Essa qualificação normativa depende de conexões axiológicas
que não estão incorporadas ao texto nem a ele pertencem, mas são, antes, construídas pelo próprio
intérprete.”.
110 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.73.
43
conduta havida como necessária para o alcance desse estado. Os princípios não
determinam diretamente qual a conduta deve ser tomada, mas deixam indicadas qual a sua
espécie. Além disso, os princípios têm pretensão de complementaridade, segundo o autor,
pois eles não fornecem a solução de forma isolada, mas contribuem para a solução ao lado
de outras razões. Humberto Ávila entende ser estável o ônus argumentativo no caso dos
princípios, não havendo separação entre casos fáceis e difíceis.111
Assim, nas palavras do Professor Humberto Ávila, regras são:
“[...] normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e
com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se
exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que
lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente
sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a
construção conceitual dos fatos.” 112
E os princípios, por sua vez, vêm definidos, pelo autor referido, da seguinte
maneira:
“Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente
prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade,
para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o
estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta
havida como necessária à sua promoção.” 113
Para que a valorização dos princípios não se limite à exaltação de valores de
forma que os parâmetros fiquem apagados, há as seguintes diretrizes que auxiliam na
análise dos princípios114: a) especificação dos fins ao máximo, pois quanto menos
específico for o fim, mais difícil se tornará o controle da sua realização. Isso significa ler o
texto constitucional e tentar diminuir a vagueza e a abstração através de normas
constitucionais que possam restringir o âmbito de aplicação do princípio; b) uma possível
forma de redução da grau de vagueza é a pesquisa de casos paradigmáticos, na
111 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.75.
112 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.78.
113 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.79.
114 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.84.
44
jurisprudência, que indiquem quais as condições para o alcance do estado ideal a ser
buscado; c) dentre os casos examinados, buscar similaridades na solução de problemas
parecidos; d) verificar se há possibilidade de delinear quais são os bens jurídicos que
compõem o estado ideal de coisas a ser buscado e quais são os comportamentos tidos como
necessários para a sua realização; e) por fim, Humberto Ávila recomenda que seja feito o
percurso inverso: com o estabelecimento dos bens jurídicos que compõem o estado ideal
de coisas e os comportamentos necessários delineados para o seu alcance, propõe o autor
que se refaça a pesquisa jurisprudencial para que se verifique se outros casos foram
decididos com base no princípio sob análise.
A eficácia interna no sistema jurídico dos princípios se revela de
extrema importância, pois, ao definirem um estado ideal de coisas a ser
buscado, eles revelam sua importância para auxiliar a compreensão das próprias
regras. Essa característica se evidencia de forma direta quando um elemento
inerente ao fim almejado não esteja previsto no sistema. O princípio deve
garanti-lo. “Por exemplo, se não há regra expressa que oportunize a defesa ou a
abertura de prazo para manifestação da parte no processo – mas elas são necessárias -,
elas deverão ser garantidas com base direta no princípio do devido processo legal.”. 115
O autor referido defende que quando ocorrer um conflito entre um
princípio e uma regra do mesmo nível hierárquico, a regra deve prevalecer, pois
ela possui maior função decisiva do que o princípio, que estabelece somente um
estado ideal de coisas a ainda ser atingido. Ass im, segundo ele, importa rever a
concepção de que a violação a um princípio seria muito mais grave do que a
violação a uma regra, pois um princípio teria maior valor e a regra não
incorporaria valores. Para Humberto Ávila, não se trata de valor maior, mas
diferentes funções e finalidades entre as espécies normativas, além disso, a
regra cristaliza valores já incorporados ao ordenamento 116. Dessa forma, o autor
mencionado defende a revisitação do conceito de reprovabilidade, pois deve ter
maior grau de reprovação o descumprimento de um dever de que se saiba, por
ele já vir pronto com a descrição fornecida pela regra. O próprio ordenamento
115 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.97.
116 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.103.
45
jurídico valoriza o conhecimento por todos de seus comandos, como
demonstram os princípios da legalidade e da publicidade, por exemplo:
“Essa considerações revelam, pois, a diferente funcionalidade dos
princípios e das regras: as regras consistem em normas com pretensão de
solucionar conflitos entre bens e interesses, por isso possuindo caráter
prima facie forte e superabilidade mais rígida [...]; os princípios
consistem em normas com pretensão de complementaridade, por isso
tendo caráter prima facie fraco e superabilidade mais flexível [...].”117
No entanto, caso haja um conflito entre um princípio e uma regra, ambos de
estatura constitucional, pode ocorrer que o princípio prevaleça de acordo com o postulado
da razoabilidade, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal.118
Quanto às condições de superabilidade de regras, Ávila propõe um modelo
bidimensional, que envolve requisitos de ordem material e de ordem formal. As regras
permitem sua superação em casos excepcionais por envolverem valores, como já
mencionado, carecendo de certa dose de ponderação, portanto. A análise dessa superação
deve ser feita de forma criteriosa, ou seja, de acordo com o momento e com a
implementação de determinadas condições. Além disso, a análise da superabilidade de
certa regra deve considerar a repercussão da decisão em demais casos semelhantes. A
depender do grau de imprevisibilidade, ineficiência e desigualdade gerada pela regra, o
exame da possibilidade de sua superação será distinto. São dois os exemplos distintos
trazidos por Humberto Ávila. O primeiro caso envolve uma empresa nacional que estava
incluída em programa simplificado de pagamento de tributos, desde que não importasse
matéria prima para a sua produção. No entanto, eles importaram quatro pés de sofá para
finalizar somente uma peça e foram excluídos do referido programa. A empresa solicitou a
reinclusão no programa, o que ocorreu. Neste exemplo: “A tentativa de fazer justiça para
um caso mediante superação de uma regra não afetaria a promoção da justiça para a
maior parte dos casos. E o entendimento contrário, no sentido de não superar a regra,
provocaria mais prejuízo valorativo que benefício (more harm than good).”119. Já no
117 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.105.
118 STF, ADI 8155 e STF, Tribunal Pleno, HC 79.512-9-RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 16.12.1999, DJU
16.5.2003. Cf. para comentários sobre a decisão: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à
aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.106-107.
119 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.116.
46
segundo caso trazido como exemplo, uma regra condicionava a apresentação de
determinado recurso à juntada de cópias legíveis da decisão recorrida e dos documentos
que comprovassem a discussão existente nos autos. O caso concreto diz respeito a um
recurso apresentado sem a juntada de cópias da petição e do despacho que a indeferiu.
Inconformado com o indeferimento, o recorrente interpôs recurso, alegando violação ao
princípio da universalidade da jurisdição e excessivo formalismo na interpretação da regra
que exigia a juntada de documentos. O tribunal, contudo, manteve a decisão, alegando que
a exigência formal não faz parte de um formalismo inconsequente, mas da necessidade de
se garantir a segurança das partes e o devido processo legal120. Na análise desse exemplo, a
tentativa de justiça, superando a regra, afetaria demais casos de forma negativa, “[...] E a
não-superação da regra provocaria mais benefício que prejuízo valorativo (more good
than harm).” 121. A análise desses dois casos de superação de regras demonstra que
somente será viável efetivar a superação de alguma regra de acordo com o grau de
promoção do valor subjacente a ela, que é o valor substancial específico, assim como o
grau de promoção do valor subjacente comum a todas as regras, que se trata da segurança
jurídica. “E o grau de promoção do valor segurança está relacionado à possibilidade de
reaparecimento frequente de situação similar.” 122. Assim, a superação de uma regra não
se trata somente da ponderação horizontal entre o princípio da segurança jurídica e o
princípio constitucional específico que cada regra encerra, mas vai além, demandando a
análise da repercussão da decisão de superação de uma regra sobre todo o sistema
jurídico.123
Os requisitos procedimentais de superação de regras consideram a maior
resistência horizontal das regras em relação aos princípios, já que as regras tem maior
eficácia decisiva previamente estabelecida pelo Poder Legislativo. Não cabe ao aplicador
simplesmente substituir a ponderação legislativa pela sua sem padrões definidos
preenchidos. Dentre eles, Humberto Ávila traz a necessidade de uma justificativa
120 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.116.
121 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.117.
122 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.118.
123 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.119.
47
condizente que depende de dois fatores: da demonstração de incompatibilidade entre a
hipótese da regra e sua finalidade subjacente e da comprovação de que o afastamento da
regra não causará excessiva insegurança jurídica124; além dessa justificativa, a superação
exige uma fundamentação condizente, assim como uma comprovação condizente, pois
mera alegações não podem ser suficientes para a superabilidade de uma regra.
Para o Professor Humberto Ávila, o convívio entre as normas de primeiro
grau, ou seja, os princípios e as regras, deve se dar de acordo com critérios
intersubjetivamente controláveis para a sua aplicação dentro de um sistema de valorização
das regras, sem afastar, entretanto, a sua superação de forma extraordinária conforme o
modelo recém-apontado125. Na aplicação dos princípios, eles têm funções específicas que
não se encerram em afastar simplesmente as regras. A fundamentação se mostra de
extrema relevância nesse momento, pois devem ser justificados:
“[...] (i) a razão da utilização de determinados princípios em detrimento
de outros; (ii) os critérios empregados para definir o peso e a prevalência
de um princípio sobre outro e a relação existente entre esses critérios; (iii)
o procedimento e o método que serviram de avaliação e comprovação do
grau de promoção de um princípio e o grau de restrição de outro; (iv) a
comensurabilidade dos princípios cotejados e o método utilizado para
fundamentar essa comparabilidade; (v) quais os fatos do caso que foram
considerados relevantes para a ponderação e com base em que critérios
eles foram juridicamente avaliados.” 126
O uso da ponderação sem critérios definidos estimula o “decisionismo” e o
desvirtuamento de finalidades das normas127. O Direito como um sistema normativo não
deve apenas separar e classificar as espécies normativas, pois isso se revela de pouca
124 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.120. “Com efeito, as regras configuram meios utilizados pelo Poder Legislativo
para eliminar ou reduzir a controvérsia, a incerteza e a arbitrariedade e evitar problemas de coordenação, de
deliberação e de conhecimento. Sendo assim, a superação das regras exige a demonstração de que o modelo
de generalização não será significativamente afetado pelo aumento excessivo das controvérsias, da
incerteza e da arbitrariedade, nem pela grande falta de coordenação, pelos altos custos de deliberação ou
por graves problemas de conhecimento. Enfim, a superação de uma regra condiciona-se à demonstração de
que a justiça individual não afeta substancialmente a justiça geral.”.
125 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.121.
126 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.121-122.
127 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.122.
48
eficiência prática, diante da falta de concatenação entre as partes do sistema. “Deve
também municiar o aplicador de critérios, intersubjetivamente aplicáveis, que possam
tornar efetivos os comandos normativos sem a incorporação do arbítrio.”.128
Após a análise das normas de primeiro grau, segundo a classificação por último
trazida do Professor Humberto Ávila, cabe-nos, de forma sucinta, diante dos fins
almejados, dissertar sobre as normas de segundo grau, ou seja, os postulados normativos,
segundo a classificação tripartite deste Professor, para depois passar a análise de outras
formas de interpretação e aplicações dos princípios.
Sobre as normas de segundo grau, os postulados normativos, eles podem ser
hermenêuticos, servindo para a compreensão em geral do direito, ou aplicativos, que são
estruturantes de sua aplicação concreta.
Os postulados não se confundem com as regras e com os princípios pelas
seguintes razões: eles não estão situados no mesmo nível, pois os princípios e as regras
seriam o objeto da aplicação, orientados pelos postulados; os destinatários também são
distintos, na medida em que os postulados se dirigem ao intérprete e ao aplicador do
Direito, enquanto os princípios e as regras se dirigem ao Poder Público e aos cidadãos; por
último, o relacionamento entre as normas se dá de forma distinta, pois os princípios e as
regras, por estarem no mesmo nível, implicam-se de forma complementar, já os
postulados, por estarem localizados em um metanível, orientam a aplicação das normas de
primeiro grau sem ocorrer conflito com outras normas.129
Quanto aos postulados normativos aplicativos, que estruturam a aplicação do
direito, ou seja, estruturam a aplicação das normas de primeiro grau, se caracterizando
como metanormas, dirigem-se ao intérprete e ao aplicador do direito. Eles não se
identificam com outras normas que também influenciam outras, como é o caso dos
sobreprincípios do Estado de Direito ou da segurança jurídica, por exemplo130. Já os
postulados hermenêuticos servem para a compreensão abstrata do ordenamento, como a
unidade do ordenamento, que tem como subelemento o postulado da coerência. Já a
128 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.122.
129 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.124.
130 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.124.
49
compreensão do ordenamento como uma estrutura escalonada de normas baseia-se no
postulado da hierarquia.
Cabe-nos tratar de forma mais detida os postulados normativos aplicativos, já
que a eles incumbe a estruturação da forma de aplicação das normas de primeiro grau, ou
seja, princípios e regras. Eles permitem a constatação de alguma violação a um princípio
ou a uma regra. Os postulados normativos aplicativos são metanormas ou normas de
segundo grau por se situarem em um nível diferente ao das normas que são por eles
estruturadas. No entanto, a denominação de “segundo grau” não pode levar-nos a crer que
eles funcionam como fundamento na aplicação das normas de primeiro grau. Essa tarefa de
fundamentação, segundo o autor mencionado, cabe aos sobreprincípios, tais como o do
Estado de Direito ou o do devido processo legal131. Assim, enquanto a proporcionalidade é
classificada como um postulado normativo aplicativo por Humberto Ávila, conforme
afirmou-se, a maior parte da doutrina costuma enquadrá-la na categoria de princípios, já
Robert Alexy não enquadra a proporcionalidade em uma categoria específica, pois usa o
termo “princípio” para a proporcionalidade e o termo “regra” para as máximas parciais.132
A falta de uma correta definição para os chamados postulados, a depender da
corrente adotada de definições de espécies normativas, pode gerar algumas incongruências.
Segundo a corrente tripartite, encabeçada pelo Professor Humberto Ávila, as exigências de
proporcionalidade, razoabilidade e proibição de excesso, que costumam vir definidas como
princípios, não o podem ser, nem pela distinção fraca nem pela forte. Segundo a distinção
fraca entre as espécies normativas, a proporcionalidade, por exemplo, não poderia ser
considerada um princípio, pois lhe falta alto grau de abstração e de generalidade.
Tampouco poderia ser considerada uma regra, pois não tem uma hipótese e uma
consequência que permitam a subsunção do conceito do fato ao conceito da norma. Ao
invés dessas hipóteses, a proporcionalidade estabelece uma estrutura de aplicação133. Caso
admitida a distinção forte entre princípios e regras, da mesma forma a proporcionalidade
não poderia ser considerada uma das espécies de princípio, porque ela não é realizada em
vários graus, afinal, a medida será ou não adequada, será ou não necessária e será ou não
131 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.137.
132 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.137.
133 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.140.
50
proporcional. Ela é uma medida de aplicação do princípio quando em conflito horizontal
com outro princípio. Também não pode ser considerada uma regra, segundo a distinção
forte, pois não possui as características que viabilizam a subsunção nem podem ser objeto
de colisão com a consequente decretação de invalidade134. Para a análise dos postulados
normativos aplicativos, Humberto Ávila propõe um caminho semelhante ao que foi
proposto para análise dos princípios. Segundo o autor, primeiramente, há a necessidade de
levantamento de casos cuja solução tenha sido tomada com base em algum postulado
normativo através da investigação da jurisprudência dos Tribunais Superiores. Em seguida,
deve-se analisar a fundamentação das decisões para verificação dos elementos ordenados e
da forma como foram relacionados entre si: verificar quais normas foram aplicadas e como
o foram. Por fim, realiza-se o percurso inverso: descoberta a estrutura exigida na aplicação
do postulado, verificação da existência de outros casos que deveriam ter sido decididos
com base nele. São apontadas algumas espécies de postulados. A ponderação, a
concordância prática e a proibição de excesso exigem o relacionamento entre elementos,
mas não especificam quais são esses elementos e os critérios orientadores. Funcionam
principalmente como ideias gerais. A ponderação, por exemplo, é um método de atribuição
de pesos a elementos que se relacionam, mas não faz referência a pontos materiais que
orientem esse sopesamento. Usualmente, postulados, como o da razoabilidade ou o da
proporcionalidade, costumam orientar a atividade de sopesar realizada através da
ponderação135. Luís Roberto Barroso defende o uso da ponderação na busca de um
denominador comum para princípios divergentes: “Princípios – e, com crescente adesão
na doutrina, também as regras – são ponderados, à vista do caso concreto. E, na
determinação de seu sentido e na escolha dos comportamentos que realizarão os fins
previstos, deverá o intérprete demonstrar o fundamento racional que legitima sua
atuação.”136. Sobre a ponderação e a importância da fundamentação, trata-se em seguida.
A concordância prática, outro postulado inespecífico, estabelece que valores
divergentes, quando sopesados, devem ser realizados ao máximo. É o dever de
134 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.140.
135 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.145.
136 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.152-153.
51
harmonização. Por fim, dentre os postulados inespecíficos, há a proibição de excesso. É a
proibição que limita restrições excessivas a qualquer direito fundamental.137
Dentre os postulados específicos, ou seja, dentre aqueles que especificam seus
critérios orientadores, estão a igualdade, a razoabilidade e a proporcionalidade.
Primeiramente, quanto à igualdade:
“A igualdade pode funcionar como regra, prevendo a proibição de
tratamento discriminatório; como princípio, instituindo um estado
igualitário como fim a ser promovido; e como postulado, estruturando a
aplicação do Direito em função de elementos (critério de diferenciação e
finalidade da distinção) e da relação entre eles (congruência do critério
em razão do fim).” 138
Marcelo José Magalhães Bonício139, ao tratar da igualdade das partes no
processo civil com relação à proporcionalidade, afirma:
“Uma das garantias constitucionais mais fundamentais do sistema, a
igualdade das partes, implica não apenas no reconhecimento de poderes e
oportunidades iguais às partes, pela lei, mas também que estas sejam
tratadas igualmente pelo juiz, ao longo do processo, inclusive porque o
juiz precisa ser imparcial.
Isso não significa que, assim como fez o legislador ao permitir aos
hipossuficientes a gratuidade da justiça, o juiz não possa tratar as partes
de maneira um pouco diferente, visando, principalmente, a estabelecer
um equilíbrio entre elas.”
Quanto ao postulado normativo da razoabilidade, ele também funciona como
uma forma de estruturação na aplicação de outras normas. No entanto, segundo aponta
Humberto Ávila, falta um único sentido para a expressão e os Tribunais Superiores usam
seus vários sentidos, cabendo à Ciência do Direito estabelecer alguma clareza140. Além
137 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.148.
138 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.152.
139 BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.158.
140 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.153.
52
disso, há quem afirma, como Luís Roberto Barroso141, que exista fungibilidade entre os
termos “razoabilidade” e “proporcionalidade”. No entanto, dentre as acepções mais
correntes, destacam-se três: a) a razoabilidade como a relação entre a norma e as
peculiaridades do caso concreto no sentido de equidade, ou seja, do que ocorre
normalmente; b) a razoabilidade como exigência de relação entre a norma jurídica e o seu
suporte empírico no mundo, condenando o anacronismo legislativo; c) a razoabilidade é
utilizada, na terceira acepção mais corrente, como diretriz que exige a relação de
equivalência entre duas grandezas, entre a medida escolhida e o seu critério
dimensionador.142
Já o postulado da proporcionalidade exige que o Poder Legislativo e o Poder
Executivo escolham, para a realização de seus fins, meios adequados, necessários e
proporcionais. Um meio somente será adequado se promover o seu fim para o qual foi
proposto. Um meio será necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados
para promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais. E um
meio é proporcional, em sentido estrito, se as vantagens que promove superam as
desvantagens que provoca.
A diferença trazida por Humberto Ávila entre os postulados da
proporcionalidade e o da razoabilidade é que este não tem a relação de causalidade entre
meio e fim, como tem aquele.143
Os temas que circundam o postulado da proporcionalidade são vários, no
entanto, para os objetivos do presente estudo, cabe-nos tentar definir seus contornos e
estabelecer a relação com o tema que aqui se aborda. Humberto Ávila afirma que, apesar
da crescente importância dada ao postulado da proporcionalidade no Direito Brasileiro, sua
aplicação suscita problemas quando usado no controle de atos do Poder Público.144 No
conflito entre princípios, o postulado da proporcionalidade pode se mostrar útil e relevante,
141 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.168.
142 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.154.
143 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.161.
144 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.163.
53
mas somente se presentes um meio, um fim e uma relação de causalidade entre eles, de
modo que se possa passar à análise dos três exames fundamentais:
“[...] o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentre
os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não
há outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e
o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela
promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção
do meio?).” 145
Quanto à relação entre meio e fim, sabe-se que os princípios estabelecem um
estado ideal de coisas, ou seja, o dever de promover fins. No entanto, em casos concretos, a
análise eficiente desses fins, através do postulado da proporcionalidade, somente será
viável se eles vierem bem delineados.146
Ainda sobre a aplicação dos princípios, Luís Roberto Barroso147 analisa o
contexto do início da valorização dos princípios nos ordenamentos jurídicos de uma forma
genérica para depois analisar a sua forma de interpretação e aplicação em casos difíceis.
Interessa, aqui, a constatação de que a valorização dos princípios, a sua incorporação pelos
textos constitucionais, de forma explícita ou não, e o reconhecimento de sua eficácia
normativa pela ordem jurídica delineiam esse contexto sócio jurídico148. Fala o autor
mencionado sobre a distinção forte entre princípios e regras que se formou após a distinção
entre as espécies normativas que se baseava principalmente no critério da generalidade
(Jossef Esser):
“Na trajetória que os conduziu ao centro do sistema, os princípios
tiveram de conquistar o status de norma jurídica, superando a crença de
que teriam uma dimensão puramente axiológica, ética, sem eficácia
jurídica ou aplicabilidade direta e imediata. A dogmática moderna avaliza
145 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.163-164.
146 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.165. “Um fim vago e indeterminado pouco permite verificar se ele é, ou não,
gradualmente promovido pela adoção de um meio. Mais do que isso, dependendo da determinação do fim,
os próprios exames se modificam; uma medida pode ser adequada, ou não, em função da própria
determinabilidade do fim.”.
147 Para maiores detalhes acerca dessa transformação: Cf. BARROSO, Luís Roberto. O novo direito
constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no
Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.137-186.
148 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.146.
54
o entendimento de que as normas em geral, e as normas constitucionais
em particular, enquadram-se em duas grandes categorias diversas: os
princípios e as regras.” 149
Essa forma de distinguir as regras dos princípios se tornou um dos pilares da
moderna dogmática constitucional, segundo o autor constitucionalista Luís Roberto
Barroso150, que aponta os autores Ronald Dworkin e Robert Alexy como os principais
responsáveis por essa alteração, como já explanado. Na atual conformação da ordem
democrática, é comum ocorrer o conflito entre princípios, que apontam em diferentes
direções. Assim, uma forma de solução precisa ser encontrada, ultrapassando a tradicional
subsunção, modelo que foi concebido para a aplicação das regras. Assim, ultrapassada a
fase de deslumbramento em relação aos princípios, razoáveis esforços têm sido feitos para
encontrar a melhor forma de aplicação deles: “A ênfase que se tem dado à teoria dos
princípios deve-se, sobretudo, ao fato de ser nova e de apresentar problemas ainda
irresolvidos.” 151, segundo Luís Roberto Barroso, que indica o método da
ponderação para a resolução de conflitos entre princípios, como mencionado
anteriormente: “[...]à vista do caso concreto, o intérprete irá aferir o peso que cada
princípio deverá desempenhar na hipótese, mediante concessões recíprocas, e
preservando o máximo de cada um, na medida do possível.”.152
Apesar das concepções amplamente adotadas atualmente, acerca da
distinção forte entre as espécies normativas ou a divisão tripartite do Professor
Humberto Ávila153, chama a atenção a percepção de que há zonas cinzentas em
qualquer destas classificações, como demonstra Luís Roberto Barroso:
“É certo que, mais recentemente, já se discute tanto a aplicação do
esquema tudo ou nada aos princípios como a possibilidade de também as
regras serem ponderadas. Isso porque, como visto, determinados
149 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.147.
150 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.148.
151 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.149.
152 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.148-149.
153 Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed.
São Paulo: Malheiros, 2010.
55
princípios – como o princípio da dignidade da pessoa humana e outros –
apresentam um núcleo de sentido ao qual se atribui natureza de regra,
aplicável biunivocamente. Por outro lado, há situações em que uma regra,
perfeitamente válida em abstrato, poderá gerar uma inconstitucionalidade
ao incidir em determinado ambiente ou, ainda, há hipóteses em que a
adoção do comportamento descrito pela regra violará gravemente o
próprio fim que ela busca alcançar. Esses são fenômenos de percepção
recente, que começam a despertar o interesse da doutrina, inclusive e
sobretudo por seu grande alcance prático.” 154
O Professor citado defende o uso da ponderação para situações de conflitos
dialéticos entre princípios, já que o método da subsunção, qual seja - “[...] a premissa
maior – a norma – incidindo sobre a premissa menor – os fatos – e produzindo como
consequência a aplicação do conteúdo da norma ao caso concreto.” 155, se mostra
insuficiente. Ponderação se trata de uma técnica para casos jurídicos difíceis,
quando normas da mesma hierarquia indiquem soluções diferenciadas. Os
passos para a sua aplicação envolvem a constatação das normas relevantes para
o caso e os conflitos resultantes entre elas; a compreensão correta dos fatos; e,
por fim, através do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, indica
Luís Roberto Barroso, apura-se qual o peso será atribuído a cada elemento da
disputa e em qual intensidade156. Como visto, o autor defende que conflitos entre
princípios sejam resolvidos com o uso da ponderação, que, em sua última fase, envolve o
princípio instrumental da proporcionalidade ou da razoabilidade, que são classificados com
alto grau de fungibilidade pelo autor e também chamados de “princípio”, apesar de não o
serem segundo a classificação tripartite das espécies normativas. O próprio Luís Roberto
Barroso aponta a falta de homogeneidade da doutrina ao tratar da matéria: “Há quem a
situe como um componente do princípio mais abrangente da proporcionalidade e outros
que já a vislumbram como um princípio próprio, autônomo, o princípio da ponderação.”
157, além do perigo que o uso indiscriminado da ponderação pode gerar, pois a
154 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.152.
155 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.153.
156 Cf. BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.156.
157 Cf. BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.157.
56
valoração que deve ser feita não tem referenciais materiais ou axiológicos158,
podendo gerar o risco de voluntarismos. Assim, para que se evitem situações
como essas, há limites. Luís Roberto Barroso aponta o seguinte:
“Tal discricionariedade, no entanto, como regra, deverá ficar limitada às
hipóteses em que o sistema jurídico não tenha sido capaz de oferecer a
solução em tese, elegendo um valor ou interesse que deva prevalecer. A
existência de ponderação não é um convite para o exercício
indiscriminado de ativismo judicial. O controle de legitimidade das
decisões obtidas mediante ponderação tem sido feito através do exame da
argumentação desenvolvida. Seu objetivo, de forma bastante simples, é
verificar a correção dos argumentos apresentados em suporte de uma
determinada conclusão ou ao menos a racionalidade do raciocínio
desenvolvido em cada caso, especialmente quando se trate do emprego da
ponderação.” 159
Assim, o limite se encontraria nas possibilidades de aplicação da ponderação,
somente para situações não reguladas em tese pelo ordenamento, e quando aplicada a
ponderação, tolhem-se voluntarismos com a teoria da argumentação. Foge ao objetivo do
trabalho analisar detidamente esta teoria, que seria capaz de originar outra dissertação
extremamente detalhada e interessante, no entanto, diante da relevância do tema, cabe
enumerar os parâmetros de controle da argumentação quando do uso da ponderação: é
truísmo dizer que toda decisão deve ser fundamentada, da mesma forma que toda decisão
que use da ponderação merece maior carga de fundamentação. Na prática, o intérprete
deve priorizar elementos da ordem jurídica para fundamentar sua decisão, não bastando
uma retórica de qualidade com elementos de justiça; assim, os fundamentos normativos
não perdem importância nesse contexto apresentado; deve haver a possibilidade de
universalização dos critérios usados na decisão; e princípios instrumentais de interpretação,
como a proporcionalidade não são excluídos.160
158 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.157.
159 Cf. BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.158.
160 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.168.
57
2.1 Princípio e processo coletivo
De forma a contextualizar o tema, parte-se de conceitos iniciais sobre a
temática, como o de “processo”, que, segundo José Roberto dos Santos Bedaque161, é “um
método desenvolvido pelo Estado para permitir a solução dos litígios”. Por “método”,
entende-se um procedimento fundado em valores para a consecução de determinados
objetivos162. O processo coletivo, espécie do gênero processo, seria então um método para
a solução de conflitos que ultrapassam a esfera individual das relações intersubjetivas.
Como os princípios aplicáveis ao processo civil encontram-se dispostos no texto da
Constituição Federal, em diversas leis ordinárias, dentre elas, o Código de Processo
Civil163, e alguns se encontram, inclusive, em normas supranacionais, como o Pacto de São
José da Costa Rica, eles costumam ser aplicados ao processo de forma genérica164. No
entanto, é o texto constitucional que traça as linhas básicas e mínimas do método de
atuação estatal para a solução de litígios individuais e, também, os transindividuais165.
Nesse sentido, convém destacar o que apontam Bruno Silveira de Oliveira e Francisco
Vieira Lima Neto:
“Nessa linha, o subconjunto dos processos coletivos, por mais que se
diferencie do subconjunto dos processos “individuais”, há de manter e
efetivamente mantém com este um campo comum, uma grande área de
interseção, demarcada pela necessária observância – por ambos –
161 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo:
Malheiros, 2006. p.36.
162 Segundo os três escopos da jurisdição: social, jurídico e político. Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A
instrumentalidade do processo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. passim.
163 Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
164 Trata-se da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969. Decreto n. 678,
de 6 de novembro de 1992.
165 OLIVEIRA, Bruno Silveira de; LIMA NETO, Francisco Vieira. Notas sobre o devido processo
constitucional, o litisconsórcio e os processos coletivos. Revista de Processo, n. 191, ano 36, jan. 2011, p.
20. Nesse sentido: CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7.ed.
Coimbra: Almedina, 2003. p.274. “Do princípio do Estado de direito deduz-se, sem dúvida, a exigência de
um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Como a realização do
direito é determinada pela conformação jurídica do procedimento e do processo, a Constituição contém
alguns princípios e normas designados por garantias gerais de procedimento e de processo.”.
58
daqueles comandos fundamentais, componentes de nosso “modelo
constitucional de processo” (ou “devido processo constitucional”).” 166
Dessa maneira, o processo coletivo é regido, de forma geral, pelos mesmos
princípios que regem o processo civil tradicional, os que estão previstos em nosso
ordenamento jurídico, com algumas especificidades que serão explicadas no momento
oportuno, além de haver alguns princípios específicos. Entretanto, a principal diferença
reside no modo de aplicação que cada princípio pode assumir quando na esfera individual,
ou na coletiva. Os autores acima mencionados indicam que a diferença entre a seara
individual e a coletiva está no método de realização dos fins e meios do devido processo
constitucional167, o que será abordado em tópico separado.168
Quanto ao sistema processual civil, ele foi concebido com base em concepções
liberalistas e individualistas das codificações do século XIX. Assim, todo o sistema
(normas e institutos) tem a marca desses traços em sua concepção169. Com o destaque do
processo coletivo, iniciado principalmente nas últimas décadas do século XX, alguns temas
processuais necessitam ser revisitados para que o processo coletivo atinja sua principal
finalidade de forma efetiva: que é o acesso à justiça.170
Diante desta nova realidade apresentada, é natural que os princípios devam ser
analisados e revistos, pela própria evolução axiológica da sociedade. Os princípios
166 OLIVEIRA, Bruno Silveira de; LIMA NETO, Francisco Vieira. Notas sobre o devido processo
constitucional, o litisconsórcio e os processos coletivos. Revista de Processo, n. 191, ano 36, jan. 2011, p.
22.
167 OLIVEIRA, Bruno Silveira de; LIMA NETO, Francisco Vieira. Notas sobre o devido processo
constitucional, o litisconsórcio e os processos coletivos. Revista de Processo, n. 191, ano 36, jan. 2011, p.
22.
168 Cf. item sobre o devido processo legal.
169 Exemplo desta afirmação é o artigo 6º do Código de Processo Civil: “Ninguém poderá pleitear, em nome
próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.” Além disso, a única previsão do Código de
Processo Civil, no sentido de evitar processos repetitivos, é o litisconsórcio ativo ou passivo, previsto no
artigo 46, mas com a ressalva do seu parágrafo único sobre a limitação ao número de litigantes, quando a
defesa ou celeridade na resolução do conflito ficarem prejudicadas.
170 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,
2006. p. 135. “Toda sua interpretação e aplicação devem convergir, em última análise, para o alcance desse
escopo fundamental [O ACESSO À JUSTIÇA], do qual o exegeta e o operador do direito não podem abrir
mão. Tais postulados não podem ser negligenciados, seja pelo legislador infraconstitucional, seja pelos
operadores do direito.” Sobre o tema das ondas renovatórias do processo civil, cf. CAPPELLETTI, Mauro.
GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 1988. passim. Mauro Cappelletti e Bryant Garth apontam a existência de três ondas processuais. A
segunda dessas ondas renovatórias abrange o acesso à justiça e os direitos coletivos. Percebeu-se a
necessidade, segundo esses autores, de uma tutela mais efetiva para direitos que transbordam a esfera
individual e a consequente alteração procedimental para se adequar a esses novos direitos.
59
carregam forte carga valorativa171 e o valor atribuído a cada norma varia de acordo com o
tempo e espaço172. Como destaca Nelson Nery Júnior, os temas de processo coletivo não
devem ser enxergados sob a ótica do processo civil individual173, sob pena de se incorrer
na mitigação da efetividade do processo coletivo.
Portanto, os princípios devem ser interpretados de forma sistemática e
complementar com vistas sempre ao objetivo maior, o qual é oferecer a tutela jurisdicional
de forma efetiva e célere, o que pode ser obtido de forma mais eficaz com a interpretação
sistemática dos princípios que regem o processo civil coletivo.174 Essa interpretação dos
princípios dentro de um sistema equilibrado busca destacar o “processo civil de
resultados”, em sobreposição ao antigo esquema do “processo civil do autor”.175
171 Cf. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. passim. Sobre a
Teoria Tridimensional do Direito: fato – valor – norma.
172 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,
2006. p. 138. “É verdade, também, que os postulados essenciais da ciência, contendo evidente carga
axiológica, devem sempre ser revistos e ter sua concepção atualizada, na medida em que sua compreensão
envolve o contexto histórico, político e social considerado. Trata-se de interpretação evolutiva e
verdadeiramente “cultural” da ordem jurídica, tendo como pano de fundo os valores contidos nas normas,
que devem ser tomados em conta sempre que se pretenda analisar certo fato relevante para a aplicação do
direito positivo.”.
173 NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 4.ed. rev. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 1997. p. 110-111. “Isto porque os institutos ortodoxos do processo civil não podem
se aplicar aos direitos transindividuais, porquanto o processo civil foi idealizado como ciência em meados
do século passado, notavelmente influenciado pelos princípios liberais do individualismo que
caracterizaram as grandes codificações do século XIX. Pensar-se, por exemplo, em legitimação para a
causa como instituto ligado ao direito material individual a ser discutido em juízo, não pode ter esse mesmo
enfoque quando se fala de direitos difusos, cujo titular do direito material é indeterminável. Parte da
doutrina ainda insiste em explicar o fenômeno da tutela jurisdicional dos interesses e direitos difusos pelos
esquemas ortodoxos do processo civil.” .
174 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relendo princípios e renunciando a dogmas. Nova era do processo
civil. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 22. “A adoção dessa premissa metodológica manda, em primeiro
lugar, que todos os princípios e garantias constitucionais sejam havidos como penhores da obtenção de
resultados justos, sem receber um culto fetichista que desfigura o sistema. Manda também que eles sejam
interpretados sistematicamente e em consonância com os valores vigentes ao tempo da interpretação.
Muitas vezes é preciso sacrificar a pureza de um princípio, como meio de oferecer tutela jurisdicional
efetiva e suficientemente pronta, ou tempestiva; muitas vezes, também, é preciso ler uma garantia
constitucional à luz de outra, ou outras, sob pena de conduzir o processo e os direitos por rumos
indesejáveis.” No mesmo sentido, continua o autor: p. 23. “Obviamente, desfazer dogmas ou ler os
princípios por um prisma evolutivo não significa renunciar a estes, ou repudiar as conquistas da ciência e da
técnica do processo. [...] Somente não se atenha o intérprete ao modo como os princípios foram no passado
interpretados, à meia-luz de premissas democráticas mal explicadas ou na penumbra de preconceitos hoje
superados.”.
175 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relendo princípios e renunciando a dogmas. Nova era do processo
civil. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 26. “Os vigorosos progressos da tutela coletiva, a que assistimos
a partir das últimas décadas do século XX, são a negativa dos dogmas da singularidade da tutela
jurisdicional, afirmando enfaticamente no artigo 6º do CPC (cada um por si e ninguém por todos...) e da
estrita limitação da autoridade do julgado ao âmbito daqueles que foram partes do processo (art. 472).”.
60
Assim, com o abandono da visão privatística no processo coletivo, este terá
maiores condições de oferecer resultados justos e efetivos.
61
CAPÍTULO 3 – PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL TRADICIONAL
APLICADOS AO PROCESSO COLETIVO
Estabelecidas as conceituações sobre as espécies normativas e as premissas
necessárias para conferência de unidade e razoabilidade à linha de raciocínio que tem sido
seguida, passa-se ao exame dos princípios específicos do processo civil tradicional
aplicados ao processo coletivo, dado que a importância crescente conferida ao processo
coletivo demonstra a necessidade de que os princípios a ele aplicados sejam analisados
com base em suas especificidades, abandonando antigos dogmas individualistas.176
Além disso, a prática já nos mostra novas feições que esses princípios do
processo civil clássico assumem quando aplicados ao processo coletivo, assim como o
Projeto de Lei n. 5.139/09 - Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos - o
qual foi rejeitado pela Comissão de Cidadania, Constituição e Justiça da Câmara dos
Deputados, em março do ano de 2010, apontava princípios específicos aplicáveis à tutela
coletiva. 177 Assim, faz-se a análise sistemática de princípios e regras aplicáveis ao
processo coletivo como um todo, de forma a garantir coerência ao sistema na busca de
176 Cf. MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. 2.ed. São Paulo: Expressão
Popular, 2009. p.167-168. “O direito e a ciência que o estuda têm vindo a enfrentar, tanto no plano
histórico quanto no epistemológico, o fenômeno da emergência dos chamados “novos direitos” ou “direitos
de nova geração”, o que tem exigido, por parte dos cultores da ciência jurídica, uma ampla reflexão acerca
da natureza de tais direitos, de suas perspectivas claramente publicísticas e interdisciplinares, bem como a
revisão de todo o antigo arsenal de conceitos e institutos por meios dos quais o jurista vinha
compreendendo até aqui o fenômeno jurídico. Pode-se dizer que o futuro do direito parece projetar-se
mesmo na direção de uma dimensão pública e transindividual. A emergência em profusão dos direitos
difusos, coletivos e sociais no final do século 20 e início do século 21 é a prova mais evidente de que o
direito, que no seu nascedouro e nas suas raízes romanísticas surgiu com caráter exclusivamente privado,
caminha hoje, a passos largos, para a sua decidida publicização.”.
177 Segundo o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos: CAPÍTULO II - DOS PRINCÍPIOS
DA TUTELA COLETIVA: Art. 3º. O processo civil coletivo rege-se pelos seguintes princípios: I – amplo
acesso à justiça e participação social; II – duração razoável do processo, com prioridade no seu
processamento em todas as instâncias; III – tutela coletiva adequada, com efetiva precaução, prevenção e
reparação dos danos materiais e morais, individuais e coletivos, bem como punição pelo enriquecimento
ilícito; IV – motivação específica de todas as decisões judiciais, notadamente quanto aos conceitos
indeterminados; V – publicidade e divulgação ampla dos atos processuais que interessem à comunidade; VI
– dever de colaboração de todos, inclusive pessoas jurídicas públicas e privadas, na produção das provas,
no cumprimento das decisões judiciais e na efetividade da tutela coletiva; VII – exigência permanente de
boa-fé, lealdade e responsabilidade das partes, dos procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma
participem do processo; VIII – não taxatividade do objeto e dos meios de tutela dos interesses e direitos
coletivos; IX - preferência da execução coletiva; X – criação de Juízos, Câmaras e Turmas especializados.
62
resultados efetivos, analisando as diferenças na aplicação de princípios entre o processo
civil individual e o coletivo.178
A análise desses princípios aplicáveis à tutela coletiva será eficiente na medida
em que analisar quais os limites de aplicação de cada princípio e a feição assumida por
cada um deles em sede coletiva, os limites de prevalência de um princípio a outro, assim
como analisar quais as regras técnicas aplicáveis de forma subjacente em cada situação
processual.
No decorrer da análise feita, apontam-se posicionamentos doutrinários no
sentido de constituir o processo coletivo um novo ramo do direito processual civil, pois
uma ciência possuiria autonomia na medida que possuir seus próprios métodos e seus
próprios princípios. Diante de várias afirmativas encontradas na doutrina179 sobre uma
possível autonomia do direito processual coletivo, é relevante destacá-las.
Observa-se na prática jurisprudencial e nos textos legislativos atuais180 uma
nova leitura de antigos princípios quando aplicados ao processo coletivo. Tal fenômeno
ocorre devido à necessidade de adaptação a uma nova realidade que deixa de pensar
somente no individual e passa a abranger um ou mais grupos sociais, assumindo, assim,
maiores proporções. Essa ocorrência não é feita de forma sistemática, mas vem sendo
construída doutrinária e jurisprudencialmente, como já mencionado.
Questão importante para a correta compreensão do fenômeno é a divisão do
trabalho, pois o processo civil possui um amplo espectro de matérias, que envolvem
institutos e princípios diversos, de forma que o correto encadeamento de assuntos
178 Nos sistemas de common law, pela ausência de leis escritas e de uma própria Constituição escrita, a base
do sistema estão nos princípios, como explica Ronald Dworkin em sua obra. Cf. DWORKIN, Ronald.
Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 46.
179 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual: princípios, regras interpretativas e a problemática da sua interpretação e aplicação. São Paulo:
Saraiva, 2003. p. 98/99. Como Gregório Assagra de Almeida ressalta em citação de Nelson Nery Júnior,
Boletim informativo MPMGJurídico, p. 23: “A idéia de se codificar, de forma a deixar tudo junto numa
legislação única, tem a vantagem de fazer com que essa temática do processo coletivo tenha a sua própria
principiologia regulada de forma normativa. Entretanto, para essa nova empreitada há a necessidade de um
grande esforço de toda a sociedade na construção do texto normativo que consagre a principiologia do
processo coletivo, com especial atenção para as diretrizes constitucionais.”. Cf. BILICH, Edward K.M.;
KLONOFF, Robert H. Class actions and other multi-party litigation: cases and materials. American
Casebook Series. St. Paul: West Group, 2000. p.7.
180 Quanto aos textos legislativos, tal mudança de abordagem do legislador verifica-se, principalmente, nas
leis que formam o microssistema processual coletivo. O processo coletivo não é codificado e sua
regulamentação é feita pela relação de complementaridade entre diversas leis, principalmente o Código de
Defesa do Consumidor, a Lei da Ação Civil Pública, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade
Administrativa, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, a Lei do Mandado de
Segurança, dentre outras. O Código de Processo Civil é fonte residual desse microssistema.
63
fornecerá maior lógica à linha de raciocínio desenvolvida. Nesse sentido, Rui Portanova,
em sua obra sobre os princípios do processo civil (individual) faz excelente divisão do
tema, que nos serviu de inspiração para a concatenação dos temas que seguem.181
I) Jurisdição e juiz:
3.1 A judicialização das relações sociais e da política: o ativismo judicial como tendência
e suas implicações na seara coletiva
Ganha relevo o tema do ativismo judicial182, que consagra a exigência de
mudança na postura dos magistrados, que têm seus poderes reforçados com o dever de
estimular a participação das partes, bem como de ele mesmo se mostrar atuante sob o
fulcro do contraditório, buscando o cumprimento das exigências legais e evitando abusos
das partes. Segundo Luís Roberto Barroso, ativismo judicial é:
[...] uma expressão cunhada nos Estados Unidos e que foi empregada,
sobretudo, como rótulo para qualificar a atuação da Suprema Corte
durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969.
Ao longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em
relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos, conduzida por
uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais.
Todas essas transformações foram efetivadas sem qualquer ato do
Congresso ou decreto presidencial. A partir daí, por força de uma intensa
reação conservadora, a expressão ativismo judicial assumiu, nos Estados
Unidos, uma conotação negativa, depreciativa, equiparada ao exercício
impróprio do poder judicial. Todavia, depurada dessa crítica ideológica –
até porque pode ser progressista ou conservadora – a ideia de ativismo
judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do
Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior
interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. Em muitas
situações, sequer há confronto, mas mera ocupação de espaços vazios.”
183
181 Cf. PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995.
182 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.1. 6.ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 239. No mesmo sentido: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Por um processo
socialmente efetivo. In: Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 25-26.
183 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.244-246.
64
Estabelecido o conceito de ativismo judicial através da citação acima,
necessário perquirir quais as suas limitações e suas possibilidades, no âmbito processual
coletivo, para que fique nítido não tratar-se de arbitrariedade por parte do órgão judicial e
diferenciar-se de outros fenômenos, como o aumento do poderes do magistrado. Maria
Benedita Urbano destaca a pluralidade de conceitos encontrados para o termo “ativismo
judicial” e adota a autora o conceito de “pathological or unorthodox lawmaking” 184. Luís
Roberto Barroso identifica a diferenciação entre ativismo judicial e judicialização:
“A judicialização, como demonstrada acima, é um fato, uma
circunstância do desenho institucional brasileiro. Já o ativismo é uma
atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a
Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente, ele se
instala – e este é o caso do Brasil – em situações de retração do Poder
Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a
sociedade civil, impedindo que determinadas demandas sociais sejam
atendidas de maneira efetiva.” 185
Como ensina José Carlos Baptista Puoli, houve uma alteração na visão da
função do órgão jurisdicional dentro do processo civil que acompanhou a própria evolução
da ciência processual186. Hoje, reconhece-se que o magistrado “[...] é um agente estatal no
desempenho de uma função pública cujos objetivos são bem mais amplos do que a mera
satisfação das partes envolvidas no litígio.”187, prevalecendo a visão publicista do
processo, deixando marginalizado o repúdio ao juiz ativo e participativo.188
184 URBANO, Maria Benedita. The law of judges: attempting against Montesquieu´s Legacy or a new
configuration for an old principle? In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Volume LXXXVI, ano 2010, p.621-639. p.622.
185 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.246-247.
186 Cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 5-20.
187 Cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 21.
188 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 22.
65
Alguns juristas, tais como Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. 189, elencam o
ativismo judicial como princípio, que seria caracterizado como a maior participação do
magistrado na seara coletiva, “[...] resultante da presença de forte interesse público
primário nessas causas.”190. Os autores mencionados apontam o denominado “princípio”
como uma faceta do princípio inquisitivo ou impulso oficial. Preferimos não adotar o tema
como mais um princípio do sistema processual, seguindo a orientação da Professora Ada
Pellegrini Grinover que destaca que a tendência é notada em todo o processo, que deixa de
colocar o juiz na posição de espectador inerte para reposicioná-lo como protagonista
principal da relação processual.191 Seguindo a definição do vocábulo “tendência”, segundo
o dicionário Michaelis da língua portuguesa, o vocábulo significa uma disposição,
inclinação ou vocação.192 Da mesma forma, os autores do Projeto de Lei n. 5.139 de 2009
não elencaram o ativismo judicial como princípio. Assim, seguindo a definição de
princípio adotada aqui, o ativismo judicial representa mais uma tendência propriamente
dita do que um princípio, que poderia ser aplicado diante da regra do sopesamento, por
exemplo, com o uso dos postulados normativos aplicativos, tais como a proporcionalidade.
No entanto, tal tendência tem se revelado complexa e importante a ponto de merecer uma
análise mais detida dentro da pesquisa quanto aos princípios do processo civil no âmbito
coletivo.
Essa tendência é percebida no processo civil de uma forma geral, no entanto,
há a necessidade latente de destacarmos a sua presença forte na tutela jurisdicional dos
interesses transindividuais, pois em situações de maior desequilíbrio e/ou de interesses
indisponíveis, essa tendência se destaca, como ensina José Carlos Baptista Puoli no
seguinte trecho:
[...] maior será o poder do juiz (de pesquisa e complementação do sentido
da norma concreta a ser atuada), enquanto que, em situações entre partes
portadoras de suficiência para defesa de seus direitos (e onde estejam
189 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.129-132.
190 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.129.
191 GRINOVER, Ada Pellegrini. A marcha do processo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
passim.
192 MICHAELIS online. Disponível em:
<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=tend%EAncia>. Acesso em: 09 de março de 2013.
66
sendo debatidos direitos disponíveis), menor será essa liberdade de
atuação. 193
Entretanto, cabe uma ressalva importante quando à afirmação feita acima: não
se trata de um retorno à fase imanentista do processo, mas a afirmação segura da
independência da ciência processual com a característica da instrumentalidade, que
considera dados da relação de direito material, para que, com eles, produza um resultado
mais efetivo e ajustado à realidade material.194
Quanto aos sistemas processuais, há o sistema dispositivo, que se concentra na
vontade das partes e os poderes do magistrado se encontram em posição secundária, com
privilégio dado aos princípios dispositivo, da inércia e da imparcialidade do juiz, que
serviam como limites para a atuação do órgão jurisdicional, sob pena de caracterização de
abuso de poder e nulidade do ato judiciário195, e o sistema inquisitivo, que é centrado nos
poderes do juiz e, ao contrário, a vontade das partes passa a ser secundária. São sistemas
opostos. Atualmente, não se constata a existência de sistemas puros, mas mistos. Portanto,
existem efetivamente poderes do juiz, mas a vontade das partes também ganha
importância.196
Questão relevante é como os poderes do juiz se manifestam no âmbito coletivo.
A temática tem relevo, tendo em vista o interesse social relevante presente nesses
processos, além da elevada conflitusiodade dentro de um único grupo, que engloba
diversos tipos de interesses. Ensina José Carlos Baptista Puoli que o grau de intensidade da
atuação do órgão jurisdicional depende do grau de disponibilidade do interesse sob
análise197, como afirmado acima.
193 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 81.
194 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 81.
195 Cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 22-23. Observa o autor que tais princípios ainda são aplicados, mas com a
visão da instrumentalidade do processo: “[...] tais postulados ainda podem reter posição de destaque no
embasamento de nossa ciência sem, contudo, servir de amarra excessiva para a postura e forma de
atuação dos juízes, o que se entende mais condizente com o atual momento metodológico do processo.”.
196 Foge ao objetivo da presente dissertação a análise dessa evolução. Quanto ao tema, recomenda-se a
consulta da seguinte obra: PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo
civil. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001. p. 21-55.
197 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 27. Em relações de consumo, em âmbito coletivo, estarão presentes interesses
de alta relevância a demandar um alto grau de participação do órgão jurisdicional. Cf. p. 28.
67
Assim, por mais bem elaborado que seja um sistema processual, ele não será
efetivo se não tiver magistrados empenhados com a efetividade do direito material
envolvido198, dentro da visão publicista do processo, em que o magistrado deve buscar
“[...] impor e fazer valer o direito material positivado pelo próprio Estado e pacificar os
conflitos ocorrentes na sociedade e que lhe forem submetidos.”.199
Nessa temática, o processo coletivo apresenta duas singularidades que devem
ser consideradas: primeiramente, o titular do direito não participa do processo200, ou seja, o
sujeito da relação jurídica processual não é o mesmo da relação jurídica material; e os
indivíduos atingidos pela decisão jurisdicional são, em regra, em número bastante
considerável, fazendo com que o alcance subjetivo de um processo coletivo seja sempre
significativamente maior do que um processo individual.
Podem-se citar, como exemplo, os poderes instrutórios detidos pelo magistrado
na seara processual individual, conforme prevê o artigo 130 do Código de Processo Civil.
Com maior razão essa previsão legal se aplica ao processo coletivo.
Como afirma Fábio Peixinho Gomes Côrrea201, em tese sobre o tema, o
ativismo judicial possui maior legitimidade quando o procedimento judicial tenha sido
conduzido sob o manto da cooperação entre as partes, através da estratégia de condução do
processo que cada juiz deve traçar, mas não se trata de fim primordial. A cooperação entre
as partes e o órgão jurisdicional é forma de conferir maior legitimidade às decisões e
melhorar a qualidade e quantidade de dados a serem considerados em cada
pronunciamento judicial.202 Cabe citar, a respeito do assunto, o que ensina José Carlos
Baptista Puoli: “É relevante notar que esse diálogo cooperativo, em verdade, será mesmo
condição fundamental para a própria verificação concreta do alcance dos princípios
198 Sobre o tema, cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas da lei processual civil
brasileira. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob
a orientação do Prof. Dr. Luiz Carlos de Azevedo. São Paulo: USP, 2000. p.47-50, 78-88.
199 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 21.
200 Há uma exceção a essa regra que vem prevista no artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor, nas
ações que envolvem direitos individuais homogêneos.
201 CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos sujeitos
processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP, 2008.
p.225.
202 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 47.
68
constitucionais do processo, entre os quais o direito ao contraditório e ao devido processo
legal.” .203
Interessante notar, neste momento, o modo de definir “juiz” utilizado por
Marcelo Lima Guerra204 em comparação com um personagem teatral. Enquanto o
personagem do teatro tem um conjunto de atos que está autorizado a praticar de forma
fechada e estabelecida pelo autor da peça; o juiz, também deve seguir o conjunto de atos
previstos. No entanto, o conjunto estipulado para o magistrado é apenas uma possibilidade
hipotética de ocorrência e a criação desse modelo judicial se dá de forma mais complexa
que a criação teatral, pois depende da influência de diversas normas criadas não apenas por
processos explícitos, “[...] mas também recebendo o influxo de informações culturais
quase imperceptíveis.”205, além de situações externas que dependem da postura das partes
e das situações fáticas em que cada parte se encontra. Assim, desde há muito se averigua
qual o papel do magistrado: se mero intérprete-aplicador do direito ou se participa da
atividade de criação do direito, o que recebe, por vezes, a denominação de atividade
supletiva, dado que, primordialmente, quem teria a competência de “criar” o direito seria o
Poder Legislativo na clássica tripartição dos poderes206, elaborada por Montesquieu.207
Diante da já mencionada tendência ao aumento dos poderes judiciais, cabe fazer uma breve
análise histórica. No Estado liberal do século XIX, o juiz deveria conduzir o processo
seguindo as prescrições legais de forma estrita208, sem considerar as condições reais de
participação de cada parte no processo. Enquanto ao Poder Legislativo cabia a função de
203 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 47.
204 Cf. GUERRA, Marcelo Lima. O que é um juiz? Revista de Processo, n. 191, ano 36, janeiro 2011, p.321-
337. Cf. CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos
sujeitos processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP,
2008. p.39.
205 Cf. GUERRA, Marcelo Lima. O que é um juiz? Revista de Processo, n. 191, ano 36, janeiro 2011, p.324.
206 Cf. CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto
Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.13. Cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e
as reformas do processo civil. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001. p.125-128. Sobre a alteração
do papel do Poder Judiciário.
207 Do Espírito das Leis ou das Relações que as leis devem ter com as Constituições de cada governo,
costumes, clima, religião e comércio. Obra publicada em 1748.
208 CANTOARIO, Diego Martinez Fervenza. Poderes do juiz e princípio do contraditório. Revista de
Processo, n. 195, ano 36, maio 2011. São Paulo, Revista dos Tribunais. (p.279-308). P. 281. “Este sistema,
alicerçado na igualdade como mero princípio teórico, punha-se em contraste com a realidade da vida,
perecendo nos casos em que não houvesse contendas entre pessoas e coletividades que ocupassem posições
semelhantes na sociedade.”.
69
criação do direito, devido a sua legitimação popular e democrática, ao Poder Judiciário
cabia fazer atuar o conteúdo das normas legais209. No entanto, a solicitada igualdade
formal no tratamento das partes pelo magistrado não correspondia aos anseios sociais de
pacificação com justiça dos conflitos trazidos ao Poder Judiciário210, diante dessa
realidade, na Europa, durante o entre guerras211, houve leis que propugnavam o modelo do
juiz ativo na resolução de controvérsias212. Entretanto, o pêndulo rumou a seu outro
extremo, gerando empecilhos quanto à parcialidade do magistrado, que deixou sua postura
inerte para assumir uma postura ativa na busca de provas, comprometendo, da mesma
maneira, a eficácia do seu julgamento.213
Jeremy Bentham214, há quase dois séculos, usou o termo “direito judiciário”
para definir e também já condenar a realidade de o juiz declarar o direito e cria-lo neste
processo, a hoje conhecida judicialização da política e das relações sociais, defendida por
Luís Roberto Barroso215. Bentham criticava a criação do direito pelo magistrado diante dos
defeitos dessa atividade criativa, tais como a incerteza, a obscuridade, a confusão e a
dificuldade na verificação. No entanto, ele tinha consciência que mesmo a completa
codificação seria incapaz de inibir a atividade criadora do juiz. Sobre o tema, aponta
Mauro Cappelletti o paradoxo que ocorrera no século XX com a expansão do direito
209 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 125.
210 Segundo Cândido Rangel Dinamarco, a tutela jurisdicional deve perseguir três escopos: o social, o
político e o jurídico. Cf.DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 4.ed. São
Paulo: Malheiros, 1994. passim.
211A análise da evolução da postura judicial nesse âmbito é feita com saltos e superficialmente, por fugir do
objetivo do presente trabalho a evolução histórica do instituto.
212 Sobre a evolução histórica do tema, cf. SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a
partir da ciência política. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle
jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
213 CANTOARIO, Diego Martinez Fervenza. Poderes do juiz e princípio do contraditório. Revista de
Processo, n. 195, ano 36, maio 2011. São Paulo, Revista dos Tribunais. p. 283. “Entre nós, o CPC de 1973
foi uma das últimas manifestações da crença na supremacia do interesse público e na excelência do Estado-
Providência, excessivamente interventivo. Esta foi a fonte do art. 130 do CPC pátrio, que almejava maior
proximidade com a verdade objetiva através do aumento dos poderes inquisitórios dos magistrados.”.
214 BENTHAM, Jeremy. The limits of jurisprudence defined. New York: Columbia University Press, 1945.
p.342. No sentido de que a deficiência na elaboração da lei pelo legislador que cria a necessidade de
interpretação.
215 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p.246-247.
70
legislativo na mesma proporção em que o direito judiciário aumentara216. Adverte o autor
italiano que o tema não se reflete somente no âmbito do Poder Judiciário, pois é a
consequência da expansão do Estado em todos os seus ramos: executivo, legislativo e
judiciário. O reflexo causado no poder julgador é consequência do sistema de pesos e
contrapesos e da expansão do poder estatal nos poderes políticos. Segundo Mauro
Cappelletti217 a afirmação de que a expansão da atividade legislativa para novos domínios
com a consequente e paralela expansão do direito judiciário traz em si a necessária
conclusão de que a atividade do magistrado envolve certo grau criativo. É o conceito de
ativismo judicial de Luís Roberto Barroso trazido acima, com a participação do Poder
Judiciário na concretização dos valores constitucionais.
Pode-se lembrar uma causa provável para a ocorrência da judicialização das
relações sociais. É o fato de o Estado do Bem Estar Social ter operado suas mudanças
sociais iniciais através do Poder Legislativo, que elaborou leis regulamentadoras de
políticas sociais, concernentes ao direito do trabalho, da saúde, da segurança social, etc.
Com o decorrer do tempo, o Estado passou a ampliar sua regulamentação para a economia,
com leis antimonopolísticas, transportes e agricultura. Atualmente, o Estado assumiu
diferentes campos de responsabilidades para si, como a política de empregos, assistência
social, econômica e jurídica, o financiamento de atividades culturais, artísticas e a
renovação de centros urbanos em decadência218. Esses casos citados não são exaustivos,
pois as áreas de intervenção estatal são várias e não parecem parar de crescer. Além disso,
o mundo industrial que gera um grande mercado de consumo ocasiona consequências para
o consumidor durante a produção e no consumo, o que está regulamentado pelo direito
consumerista. Dessa maneira, quanto mais desenvolvida a sociedade, maior a sua
complexidade. Os conflitos originados nesta sociedade com elevado grau de complexidade
tendem a serem repletos de minúcias. Assim, a sociedade e o seu governo assumem o
compromisso de resolução desses conflitos de forma a manter o maior equilíbrio possível
216 Cf. Introdução do livro de Ronald Dworkin sobre a evolução da Teoria do Direito: DWORKIN, Ronald.
Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. CAPPELLETTI, Mauro. Juízes
legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor,
1999. p.18.
217 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.20.
218 No sentido da constitucionalização de direitos: SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um
olhar a partir da ciência política. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O
controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.15.
71
de acordo com o interesse público geral219, que não seria considerado por grandes grupos
empresariais, por exemplo, quando o assunto é o meio ambiente e o congestionamento no
trânsito, por exemplo, versus a maximização dos lucros.
Assim, os Estados com maior nível de organização se veem intervindo nas
mais diversas áreas e são chamados de Estado do Bem Estar Social, como já citado e
Mauro Cappelletti220 usa, inclusive, o termo “estado burocrático” para se referir a eles.
Essa realidade complexa que assume o Poder Legislativo gera uma situação de
sobrecarga sobre esse poder, principalmente nos Estados pluralísticos, onde seus
parlamentares se ocupam prioritariamente com discussões político-partidárias, e, assim, o
Poder Judiciário é chamado a intervir nos mais diversos campos221 e também o Poder
Executivo recebe funções novas, como a de regulamentar situações e regular serviços
através de agências222. Tais desenvolvimentos apontados trouxeram importantes
consequências para o Poder Judiciário, com aumento de funções e responsabilidades:
“Eles devem de fato escolher uma das duas possibilidades seguintes: a)
permanecer fieis, com pertinácia, à concepção tradicional, tipicamente do
século XIX, dos limites da função jurisdicional, ou b) elevar-se ao nível
dos outros poderes, tornar-se enfim o terceiro gigante, capaz de controlar
o legislador mastodonte e o levianesco administrador.” 223
Como aponta Mauro Cappelletti224, os Poderes Judiciários dos Estados
Modernos, mais cedo ou mais tarde, têm seguido a segunda opção, que acompanha o
219 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.37-38.
220 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.39.
221 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.43.
222 Não se aborda a temática com a devida profundidade por fugir ao escopo do trabalho, no entanto,
recomenda-se a leitura de: CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto
Alvaro de. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. passim. “Verifica-se, assim, o
desenvolvimento que já havíamos mencionado acima: a transformação gradual do welfare state em estado
administrativo. Mas, acrescenta-se aqui a constatação de crescente sentimento de desilusão e desconfiança,
não apenas em face dos parlamentos, mas também em relação ao poder executivo, à administração pública
e suas inúmeras agências.” p.44.
223 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.46-47.
224 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.48.
72
aumento do Estado “leviatã”. Essa opção não se apresenta isenta de riscos de abusos:
“Existe, antes, certa semelhança entre esses riscos e os decorrentes de outras
manifestações do gigantismo estatal, de natureza legislativa ou administrativa: riscos de
autoritarismo, lentidão e gravosidade, [...].”225. Dentre os vários pontos vulneráveis desta
nova realidade que se apresenta, pode-se citar a dificuldade no controle da
discricionariedade administrativa em questões técnicas e a dificuldade de fiscalização de
atividades que são de trato continuado no tempo, como a prestação de serviços públicos e a
implantação de políticas públicas, além da questão da legitimidade democrática das
decisões oriundas do Poder Judiciário.226
Seguidamente a essa realidade exposta, a legislação do Estado de Bem Estar
Social não se amolda ao modelo tradicional de o Estado optar por o que seja “certo” ou
“errado”, permitindo ou proibindo condutas. Este modelo estatal adota o modelo
promocional, estabelecendo diretrizes para o futuro, prospectivas sobre direitos sociais.
Assim, usualmente, a lei conterá princípios e diretrizes gerais que deverão ser
complementadas por normas técnicas posteriores de inferior grau hierárquico. Como
aponta Mauro Cappelletti227 sobre os direitos sociais: “Exigem eles, ao contrário,
permanente ação do estado, com vistas a financiar subsídios, remover barreiras sociais e
econômicas, para, enfim, promover a realização dos programas sociais [...].”.
Essa realidade da legislação sobre direitos sociais afeta o papel dos
magistrados, que integram um dos Poderes deste Estado com papel transformado e não
teriam como passar inertes diante de tamanhas mudanças. O Poder Judiciário é chamado a
tornar efetivos esses programas previstos legalmente de forma abstrata através de
finalidades e princípios.228
225 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.49.
226 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.50. “Permanece, todavia, o fato de que, segundo a opinião de muitos,
na criatividade jurídica dos legisladores democraticamente eleitos e dos administradores públicos
politicamente responsáveis reside maior grau de “legitimação”, de qualquer maneira mais evidente do que
no “ativismo judiciário”, vale dizer, na criatividade jurídica da magistratura, caracterizada exatamente pela
tradição de independência política e isolamento.”.
227 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.41.
228 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.42.
73
Assim, a atividade criativa existe em qualquer tarefa julgadora, como já
apontado, no entanto, em matéria de direitos sociais e leis prescritivas, o grau de
criatividade da atividade judiciária aumenta diante do elevado grau de abstração da própria
norma 229, exigindo dos membros do Poder Judiciário novas posturas de forma a fazer
respeitar esses direitos previstos legalmente de forma ampla.
Atualmente, o tema ganha relevância no controle judicial de políticas públicas,
é como Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. ensinam: “[...] os exemplos recentes estão se
multiplicando, existindo precedentes, já dos tribunais superiores, confirmando decisões
que ordenam a execução de atividades essenciais pelo administrador, a obrigatoriedade
do fornecimento de creches, a reforma de presídios, de hospitais, etc.” 230. Trata-se melhor
do tema adiante.
Assim, resta inconteste que a atividade judiciária envolve a atividade de
criação do direito, pois o significado dado a expressões idiomáticas e a palavras secas
variam de acordo com o tempo e com o espaço em uma mesma sociedade e,
acentuadamente, em sociedades plurais. Somada a essa realidade, o próprio legislador
passou a fazer maior uso de conceitos indeterminados para evitar que os textos legais
rapidamente se tornassem obsoletos com as cada vez mais rápidas mudanças que têm se
operado no âmbito tecnológico e social.231 Além disso, por vezes, não se trata de
determinar qual o grau de criatividade que o intérprete detém, mas o subjetivismo
carregado por cada interpretação e que é distinto em cada indivíduo232. O questão central é
o grau de criatividade, os modos, os limites e a aceitabilidade dessa criação pelos Tribunais
de forma a evitar a arbitrariedade. A afirmação de que toda interpretação envolve a criação
229 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.42.
230 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.130.
231PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 2002. p.72-73.
232CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.21-22. “Em realidade, interpretação significa penetrar os
pensamentos, inspirações e linguagem de outras pessoas com vistas a compreende-los e – [...]. É óbvio que
toda reprodução e execução varia profundamente, entre outras influências, segundo a capacidade do
intelecto e estado de alma do intérprete. Quem pretenderia comparar a execução musical de Arthur
Rubinstein com a do nosso ruidoso vizinho? E, na verdade, quem poderia confundir as interpretações
geniais de Rubinstein, com as também geniais, mas bem diversas, de Cortot, Gieseking ou de Horowitz?
Por mais que o intérprete se esforce por permanecer fiel ao seu “texto”, ele será sempre, por assim dizer,
forçado a ser livre – porque não há texto musical ou poético, nem tampouco legislativo, que não deixe
espaço para variações e nuances, para a atividade interpretativa.”.
74
de algo pelo indivíduo que a exerça não significa total liberdade deste. Como bem destaca
Mauro Cappelletti: “Discricionariedade não quer dizer necessariamente arbitrariedade, e
o juiz, embora inevitavelmente criador do direito, não é necessariamente um criador
completamente livre de vínculos.”.233 Dessa forma, a atividade judicial é tolhida por limites
processuais e substanciais. Estes variam com o tempo e com o espaço, podendo ser a lei ou
a equidade, por exemplo, além do texto constitucional, cabe-nos pontuar alguns dos limites
que incidem hoje para o magistrado pátrio adiante. Segundo Swarai Cervone de
Oliveira234, tanto no processo individual, quanto no coletivo, o vetor de atuação judicial
deve ser a cláusula do devido processo. O grau de liberdade judicial dependerá da menor
ou maior carga publicística que se dê ao processo judicial, como aponta o mencionado
autor. O Projeto de Lei n. 5.139/09, que foi rejeitado, valorizava o cunho publicístico do
processo coletivo e seus fins políticos sociais, no mesmo sentido que o microssistema de
processos coletivos atualmente em vigor o faz.235
Até o momento, delimitada a temática e, nos dizeres de Mauro Cappelletti, não
passa-se de “[...]truísmo privado de significado: é natural que toda interpretação seja
criativa [...]” 236. Agora, convém estabelecer quais os limites da atividade criadora do juiz.
Essa tarefa de delinear limites à realidade destacada é árdua, mas, dentro dos objetivos do
presente trabalho, esses limites são apontados dentro da manifestação de maior poder do
órgão jurisdicional em alguns dos princípios estudados em seguida e diante de algumas
conclusões alcançadas pelo Professor paulista José Carlos Baptista Puoli237 em pesquisa
sobre a ampliação dos poderes do juiz no processo civil brasileiro. Aponta o Professor
mencionado o princípio da motivação das decisões judiciais, imposto pelo constituinte
233 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.23-24.
234 Cf. OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processo coletivos. In: CALMON, Petrônio;
CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de
processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini GRinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.643.
235 Sobre o caráter político das decisões que envolvem interesses transindividuais, cf.: PUOLI, José Carlos
Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001.
p. 139. “Fechando este tópico, cumpre verificar que, seja pelo aspecto da maior influência que as decisões
proferidas em ações onde são debatidos interesses metaindividuais projetam sobre a sociedade, seja pelo
modo peculiar de interpretação exigida pelas normas legais relacionadas com os novos direitos, fato é que
tais decisões têm nítido componente político.”.
236 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.25.
237 Cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p.213-217.
75
brasileiro, no artigo 93, inciso IX, como um “[...] elemento de controle do exercício do
crescente poder exercido pelos juízes.”238, através do estudo da conformação do conteúdo
da decisão com as disposições de nosso ordenamento jurídico.
Além disso, em um Estado Democrático de Direito, que estabelece limitações e
responsabilidades para os que exercem o poder, o tema da responsabilidade dos juízes se
destaca e carece de profundos estudos sobre o tema que transitem pela responsabilidade
civil dos juízes e pela responsabilidade civil do Estado diante da atuação do magistrado
como um agente público.239
Por fim, aponta José Carlos Baptista Puoli240 que a forma de recrutamento e
aperfeiçoamento do corpo profissional são temas que não podem ser olvidados diante da
realidade de aumento de poderes dos magistrados; “[...] tudo para que o poder (de que
tanto tratou este texto) seja continuamente exercido dentro de parâmetros de
razoabilidade e humanismo e, no bojo do processo civil, não se perca de vista jamais o
norte, a saber, a viabilização dos escopos social, político e jurídico do processo.” 241, para
que se evitem situações perigosas, como indica José Eduardo Faria: “Porque, ao lado de
suas preocupações de natureza profissional, muitos atores jurídicos também não se
descartam de suas opções políticas, valendo-se dos aspectos ambíguos e contraditórios do
direito positivo para uma “práxis libertadora” em prol de uma efetiva justiça social.” .242
238 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 215.
239 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 213-214. “Sabe-se, contudo, que as dificuldades para formatação de um
adequado modelo para responsabilização dos juízes são inúmeras.”.
240 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 216.
241 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 217.
242 FARIA, José Eduardo. Ordem legal X mudança social: a crise do Judiciário e a formação do magistrado.
In: FARIA, José Eduardo. (Org.). Direito e justiça: a função social do Judiciário. 3.ed. São Paulo: Editora
Ática, 1997. p.97.
76
3.1.1 Ativismo judicial e a tutela jurisdicional dos interesses transindividuais
Como já mencionado linhas atrás, o processo coletivo tem peculiaridades que
afetam o ativismo judicial de forma peculiar, pois o titular do direito substancial não está
presente na relação processual diretamente, mas através de um representante adequado e a
abrangência da decisão judicial no âmbito coletivo é larga, tendo “[...] repercussão sobre
grandes parcelas da sociedade quando não atingem todos os seus componentes”, como
destaca o processualista José Carlos Baptista Puoli243, o que destaca a conotação altamente
política das decisões jurisdicionais que envolvem interesses transindividuais. Assim,
citam-se o artigo 130 do Código de Processo Civil e a possibilidade de saneamento de
vícios pelo magistrado244, como exemplos. Deve-se buscar o uso do processo de forma
ética, como ensina José Carlos Baptista Puoli: “Em situações de desequilíbrio, não poderá
o legislador, nem o aplicador da lei (principalmente o juiz), contentar-se com soluções
genéricas e formalistas que não tenham a capacidade de contribuir para o fim [...] de
superação de desigualdades.”.245
Em parecer sobre o Código de Defesa do Consumidor e o processo civil, o
processualista paulista José Rogério Cruz e Tucci destaca os aspectos processuais mais
relevantes trazidos pelo Código Consumerista e, dentre os pontos eleitos, está a amplitude
dos poderes conferidos aos órgãos do Poder Judiciário, inserido na necessidade de “[...]
um equilíbrio harmônico entre técnica de tutela substancial e garantia de defesa
processual.” 246, trazendo importante papel aos órgãos jurisdicionais no desenvolver do
processo: “[...] se funções transcendentais são reservadas ao juiz quanto à direção do
processo, com certeza dilatam-se estas no âmbito das ações de natureza coletiva.” .247
243 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 134.
244 Cf. item “O ativismo judicial como tendência e suas implicações na seara coletiva”.
245 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 76-77.
246 TUCCI, José Rogério Cruz e. Código do consumidor e processo civil: aspectos polêmicos. Revista dos
Tribunais, ano 80, setembro de 1991, vol. 671, p.32-39, São Paulo. p.33.
247 TUCCI, José Rogério Cruz e. Código do consumidor e processo civil: aspectos polêmicos. Revista dos
Tribunais, ano 80, setembro de 1991, vol. 671, p.32-39, São Paulo. p.33.
77
Assim, o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor traz previsões que
configuram exceções ao princípio da demanda248, que delineia a função jurisdicional com a
característica de substitutividade somente, quando prevê, em seu caput, a possibilidade de
o juiz determinar providências que assegurem o resultado prático equivalente ao da
prestação não adimplida; também prevê uma exceção no seu parágrafo 4º, quando
possibilita a fixação de multa diária ao réu independentemente de pedido do autor. Como
ensinam Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Nelson Nery Júnior:
“O dispositivo confere maior plasticidade ao processo, principalmente
quanto ao provimento nele reclamado, permitindo que o juiz, em cada
caso concreto, por meio da faculdade prevista no parágrafo em análise,
proceda ao adequado equilíbrio entre direito e a execução respectiva,
procurando fazer com que esta última ocorra de forma compatível e
proporcional à peculiaridade de cada caso.”249
Os autores mencionados destacam a necessidade de preparação dos
magistrados com relação ao conhecimento jurídico e também a outras áreas do saber
humano diante dessa previsão legal, para que a aderência de suas decisões à realidade
socioeconômica-política seja a maior possível.250 Por fim, o dispositivo sob análise ainda
prevê, em seu parágrafo 5º, a possibilidade de o magistrado determinar as medidas
necessárias para a obtenção do resultado prático equivalente.
Ensina José Rogério Cruz e Tucci251 que o Código de Processo Civil, no
âmbito do processo individual, portanto, já traz, em seu artigo 798, o “poder cautelar geral”
do magistrado. No entanto, a legislação ora em comento objetivou dar maior realce a essa
possibilidade concedida ao órgão jurisdicional na tutela dos interesses transindividuais, de
forma a impedir-lhes o dano ou a limitar seus efeitos nocivos. O processualista paulista
encerra o tema:
248 TUCCI, José Rogério Cruz e. Código do consumidor e processo civil: aspectos polêmicos. Revista dos
Tribunais, ano 80, setembro de 1991, vol. 671, p.32-39, São Paulo. p.33.
249 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p.115.
250 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p.115.
251 TUCCI, José Rogério Cruz e. Código do consumidor e processo civil: aspectos polêmicos. Revista dos
Tribunais, ano 80, setembro de 1991, vol. 671, p.32-39, São Paulo. p.33.
78
“Desse modo, não se faz difícil compreender a clara intenção do
legislador pátrio de afastar-se de dogmas tradicionais do processo civil,
posto, em se tratando de controvérsias de espectro coletivo, correta se
delineia, a meu ver, a ampliação dos poderes dos agentes do Poder
Judiciário incumbidos da administração da Justiça.”252
Além dessas previsões, o microssistema consumerista ainda traz a
possibilidade de inversão do ônus da prova em favor da parte vulnerável mediante o
preenchimento dos requisitos de vulnerabilidade ou de hipossuficiência. Cabe frisar o que
diz José Carlos Baptista Puoli sobre o tema: “Ocorre que o conteúdo de tais requisitos
será, em boa medida, plasmado pelo juiz, segundo as circunstâncias do caso concreto e o
influxo de uma carga valorativa [...].”253. O uso de termos vagos não se esgota aí na seara
coletiva, pelo contrário, os exemplos são vários e permeiam os princípios constitucionais,
assim como as regras, que, a rigor, deveriam conter termos com maior nível de precisão
teórica. Diante dessa situação, o silogismo puro da situação fática à norma é obstaculizado,
como ensina José Carlos Baptista Puoli.254
Como destaca Vittorio Denti255, as regras que regulam o papel do juiz não
exibem neutralidade, pois são reflexo da ideologia do processo que regula a relação entre o
juiz e o Estado e entre o juiz e a sociedade civil. No entanto, para a garantia de um
processo leal e célere, seria irresponsável falar-se apenas no papel mais ativo que o
magistrado assume sem destacar a devida colaboração das partes.256
Como expôs José Carlos Baptista Puoli em sua dissertação já citada neste
trabalho, cabe citar mais um trecho concludente sobre o tema:
252 TUCCI, José Rogério Cruz e. Código do consumidor e processo civil: aspectos polêmicos. Revista dos
Tribunais, ano 80, setembro de 1991, vol. 671, p.32-39, São Paulo. p.33.
253 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 78.
254 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 135.
255 DENTI, Vittorio. La giustizia civile: lezioni introduttive. Bologna: il Mulino, 1989. p. 80-92. Cf.
OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processo coletivos. In: CALMON, Petrônio; CIANCI,
Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de
processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini GRinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.645.
256 Cf. OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processo coletivos. In: CALMON, Petrônio;
CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de
processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini GRinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.646.
79
“Se isto, por um lado, demonstra aumento dos poderes detidos pelos
juízes, por outro, como será oportunamente examinado, impõe maiores
cuidados e maior grau de responsabilidade por parte do juiz, seja por
conta dele não poder se escudar de forma direta na vontade da maioria
(que nenhuma relação teve para com seu recrutamento), seja por conta de
sua decisão gerar efeitos para um futuro que, justamente por ser ainda
desconhecido, impõe maior ponderação a respeito da decisão, ou, ao
menos, algum tipo de controle sobre o correto atingimento dos objetivos
programáticos que nelas estejam embutidos.” 257
Entretanto, contar somente com “maior cuidado” por parte do magistrado e
com sua consciência de uma “maior responsabilidade” gera insegurança jurídica, pois falta
previsibilidade no exercício do poder político conferido ao Poder Judiciário, como
explanado na obra acima mencionada. Faltam limites objetivos ao exercício dessa
liberdade, que somente encontra freios no princípio da inércia e nos preceitos
constitucionais e legais, que, no entanto, apresentam termos indeterminados,
impossibilitando um nítido delineamento das possibilidades do órgão jurisdicional.258
Algumas formas de controle do exercício da atividade jurisdicional são trazidas ao longo
do trabalho, quando aborda-se do princípio da publicidade e o da motivação das decisões
judiciais, por exemplo, que possuem conexão com o tema ora em análise.
257 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 76-77.
258 Para ampla referência bibliográfica sobre os poderes do juiz, cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes
do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001. p. 145-146.
80
3.1.2 Processo coletivo e as políticas públicas
Thomas Humphrey Marshall, em seu estudo “Citizenship and social class” 259,
elaborado no contexto europeu, especificamente britânico, em meados do século XX,
propõe que a cidadania seja composta de três esferas de direitos que se desenvolveram em
um processo histórico: civis, políticos e sociais. São as duas primeiras gerações de direitos:
os civis e os sociais; acrescidos, posteriormente da terceira geração, que são os direitos que
pertencem aos grupos, ou seja, crianças, idosos, consumidores e minorias260. Para a
efetivação dos direitos de segunda e terceira geração, são necessárias políticas públicas:
“[...] ao reconhecerem a exclusão, objetivem uma justiça distributiva. Ou seja, é
necessário um Estado atuante, no sentido de providenciar a concretização dos direitos à
saúde, ao trabalho, à educação, à moradia, à aposentadoria etc.” 261. A divisão dos
direitos fundamentais é de Paulo Bonavides262, que acrescenta, ainda, a quarta
dimensão de direitos, referentes aos direitos de participação relacionados à
democracia.
É necessário conceituar “políticas públicas”, no entanto, conceituar
não é tarefa fácil, pois conceitos podem fechar realidades amplas, fornecendo
uma ideia menor do seu real alcance, ou apenas mostrar parte da realidade.
Diante desse obstáculo, seguimos a definição precisa de Rodolfo de Camargo
Mancuso que relaciona o tema ao controle jurisdicional:
“[...] política pública pode ser considerada como a conduta
comissiva ou omissiva da Administração Pública, em sentido
largo, voltada à consecução de programa ou meta previstos em
norma constitucional ou legal, sujeitando-se ao controle
jurisdicional amplo e exauriente especialmente no tocante à
259 MARSHALL, Thomas Humphrey. Citizenship and social class. Disponível em:
<http://delong.typepad.com/marshall-citizenship-and-social-class.pdf>. Acesso em: 08 de julho de 2013.
260 Sobre o tema, cf. SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política.
In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.9.
261 SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política. In: GRINOVER,
Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de
Janeiro: Forense, 2011. p.9.
262 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13.ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.571.
81
eficiência dos meios empregados e à avaliação dos resultados
alcançados.” 263
Nesse contexto brevemente apresentado264, “[...] modifica-se inteiramente o
perfil do poder público e também da justiça estatal. Trata-se, a partir de então, de garantir
não apenas as liberdades negativas, mas também de assegurar as liberdades positivas.”
265, assim, revela-se a extrema importância do acesso à justiça e do novo papel do Poder
Judiciário266. Eurico Ferraresi afirma que as políticas públicas almejam o alcance dos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, inscritos no artigo 3º do texto
constitucional.267
Foge ao objetivo deste trabalho a análise ampla do tema da intervenção do
Poder Judiciário nas políticas públicas, que se revela extremamente complexo268, no
263 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Controle judicial das chamadas políticas públicas. In: MILARÉ, Édis.
(Coord.). Ação civil pública: Lei n. 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.730.
264 Para maiores explicações sobre a evolução histórica dos institutos, recomenda-se a leitura do artigo:
SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política. In: GRINOVER,
Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de
Janeiro: Forense, 2011. p.1-32. Assim como a leitura da obra de Thomas Humphrey Marshall.
MARSHALL, Thomas Humphrey. Citizenship and social class. Disponível em:
<http://delong.typepad.com/marshall-citizenship-and-social-class.pdf>. Acesso em: 08 de julho de 2013..
265 SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política. In: GRINOVER,
Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de
Janeiro: Forense, 2011. p.10. Sobre os estudos acerca do tema: “Não é, pois, por acaso que os primeiros
estudos de natureza política sobre o Judiciário tenham nascido nos Estados Unidos. A tradição inaugurada
por Tocqueville no século XIX se desenvolveu, ganhando estatura. Desde pelo menos os anos 1950, uma
importante área de estudos e pesquisas se consolidou caracterizada por interpretações que acentuam o papel
político do Judiciário, e consequentemente sua atuação na arena pública. Essa literatura é em grande parte
marcada pelo debate entre os favoráveis e os contrários ao ativismo judicial.” – p.13. A obra de Tocqueville
a que a autora se refere é “A democracia na América: sentimentos e opiniões”.
266 CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. passim. Mauro Cappelletti e Bryant Garth apontam a existência de
três ondas processuais. A segunda dessas ondas renovatórias abrange o acesso à justiça e os direitos
coletivos. Percebeu-se a necessidade, segundo esses autores, de uma tutela mais efetiva para direitos que
transbordam a esfera individual.
267 FERRARESI, Eurico. A responsabilidade do Ministério Público no controle das políticas públicas. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 491-492.
268 Sobre a complexidade que circunda o tema: ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas
mediante ações coletivas e individuais. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O
controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 309. “Trata-se de um tema
com extensão amplíssima, transpassando por uma miríade de áreas do direito – dentre as quais é possível
destacar direito constitucional, administrativo, processual civil, econômico etc. -, bem como tem
fundamentado uma quantidade considerável de decisões dos tribunais pátrios, [...].”. No mesmo sentido:
COSTA, Susana Heniques da. O Poder Judiciário no controle de políticas públicas: uma breve análise de
alguns precedentes do STF. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle
jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.451.
82
entanto, convém registrar a existência do fenômeno e a forma que ele se revela dentro do
processo coletivo, pois há uma relação entre ele e os princípios do processo civil.
Inclusive, há processualistas, como Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. que classificam o
ativismo judicial como um princípio, como mencionado acima e, além disso, citam esses
juristas que o “princípio do ativismo judicial” se revela no controle judicial de políticas
públicas:
“Em verdade, é bom frisar, as decisões têm salientado não ser permitido
ao Judiciário a criação ou sindicabilidade de meras diretrizes em políticas
públicas, deixadas à conveniência e oportunidade do executivo e do
legislador, mas, quando existe um direito assegurado na Constituição e na
lei infraconstitucional, que regulamente o campo de escolha do
administrador, este está de tal forma reduzido que a sindicabilidade pelo
Judiciário é decorrência natural do dever de assegurar a efetividade dos
direitos fundamentais.” 269
Como já explanado, não se defende, aqui, a classificação do fenômeno
“ativismo judicial” como um princípio, por todos os argumentos já explanados
anteriormente, mas a posição dos juristas do Estado da Bahia se mostra relevante e merece
destaque.
Exemplos desse controle se multiplicam nos Tribunais Superiores, com a
obrigatoriedade no fornecimento de creches, a reforma de presídios e de hospitais, dentre
outros270. “Em outras palavras, o protagonismo judicial encontra guarida em
variáveis decorrentes do desenho institucional e da amplitude dos direitos
reconhecidos legalmente. Essas balizas levam a concluir que a relaç ão entre o
Poder Judiciário e as políticas públicas é indissociável e previsível .”, conclui
Maria Tereza Sadek.271
Embora fuja do cerne da questão a ser abordada aqui, cabe mencionar
que “[...] basicamente os argumentos contrários à judicialização das políti cas
269 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.131.
270 Cf. Boletim Informativo do STF n. 419 (RE 190938). Nesse sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR.,
Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador: JusPodium, 2010.
p.130-131.
271 SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política. In: GRINOVER,
Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de
Janeiro: Forense, 2011. p.19.
83
públicas se concentram nos seguintes pontos: i) a violação à teoria da
separação dos poderes estatais, ii) o dogma da discricionariedade
administrativa e iii) a reserva do possível.” 272. No entanto, esses argumentos têm
sido afastados na prática diante da premente necessidade de judicialização de conflitos que
envolvem a violação de direitos fundamentais. Além disso:
“Em realidade, sob a égide da Constituição Federal de 1988 e da eficácia
dos direitos fundamentais, é preciso revisitar a ideia liberal de que à
Jurisdição não cabe apreciar questões “políticas” sob pena de se imiscuir
em temática a ela estranha, considerando que tradicionalmente o
Judiciário decidia tão somente questões individuais. Em suma, é inegável
que o processo tem um escopo político273 na medida em que é
instrumento de consecução de fins estatais.” 274
As críticas costumeiramente feitas se baseiam em um conceito
equivocado de jurisdição, que não se coaduna com o seu instrumento, o
processo no formato atual, como meio de resolução de conf litos em uma
sociedade plural e democrática e também como meio de efetivação dos direitos
fundamentais previstos no texto constitucional, “[...] meio esse que convive
harmoniosamente com os instrumentos clássicos da democracia, como a
tripartição de poderes e a escolha dos representantes políticos por meio do
voto, por exemplo .” 275. O fator legitimador das decisões judiciais hodiernamente é o
binômio “participação e processo”, ou seja, é o procedimento judicial conduzido através de
um contraditório efetivo que concederá a legitimidade necessária às decisões judiciais no
âmbito de políticas públicas.
272 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 310. Sobre o dogma da discricionariedade administrativa,
recomenda-se a leitura dos artigos no livro: SALLES, Carlos Alberto de. (Org.). Processo civil e interesse
público: o processo como instrumento de defesa social. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
273 Segundo os três escopos da jurisdição: social, jurídico e político. Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A
instrumentalidade do processo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. passim.
274ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 311.
275 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 312.
84
Em seguida, apresenta-se o elemento de ligação entre o conteúdo do capítulo
anterior, que aborda as espécies normativas, e este tópico, afirmando a assunção de eficácia
jurídica pelos princípios que legitimam a intervenção judicial em matéria de políticas
públicas, como ensina Camilo Zufelato:
“Concomitantemente à suplantação da ideia de jurisdição liberal acima
referida, ocorreu uma significativa alteração no modelo de construção do
regramento jurídico, que passou de um sistema único de regras para um
sistema de regras e princípios. Essa mudança estrutural, fundada em uma
nova hermenêutica constitucional que confere eficácia aos valores
jurídicos e aos princípios constitucionais, autoriza o Judiciário a intervir
nos conflitos envolvendo políticas públicas mesmo sem lei
regulamentadora do assunto, pois que os princípios em tese violados
gozam de eficácia jurídica suficiente para serem implementados
judicialmente. Em síntese, a legislação não é mais a fonte única ou
mesmo prioritária da produção de regras jurídicas, e por consequência o
juiz não é mais um simples aplicador da regra legal ao caso concreto.”276
Portanto, a nova organização das espécies normativas, que alçou os princípios
a categoria de norma jurídica e não mera diretriz abstrata, possibilitou essa transformação
da jurisprudência que se forma nos Tribunais paulatinamente.277
No entanto, não é prudente admitir a possibilidade da intervenção judicial em
políticas públicas sem o delineamento de alguns limites para essa atuação. Embora essa
não seja tarefa fácil, estes limites podem ser encontrados na decisão monocrática do
Ministro Celso de Mello na ADPF n. 45/9 em três linhas: o mínimo existencial que deve
ser garantido a todo cidadão; a razoabilidade da pretensão deduzida frente ao Poder
Público; a existência de disponibilidade financeira do Estado para efetivar as prestações
positivas exigidas.
Quanto ao primeiro limite, o mínimo existencial, a discussão se concentra nos
direitos jurisdicionalizáveis: se todos os direitos fundamentais previstos no texto
constitucional seriam imediatamente exigíveis ou se há necessidade de uma manifestação
dos outros dois poderes, o Executivo e o Legislativo. Seguindo o esteio do Professor
276 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 313-314.
277 Remete-se o leitor ao capítulo segundo, que trata das espécies normativas e a demonstração da alteração
de aplicação das normas jurídicas, que deixou de ser exclusivamente através da subsunção para usar
critérios como o da proporcionalidade e da razoabilidade, que são as normas de segundo grau, segundo
Humberto Ávila. Nesse sentido também: ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas
mediante ações coletivas e individuais. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O
controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 314.
85
Kazuo Watanabe: “O “mínimo existencial” diz respeito ao núcleo básico do princípio da
dignidade humana assegurado por um extenso elenco de direitos fundamentais sociais,
tais como direitos à educação fundamental, à saúde básica, à assistência social, ao acesso
à justiça, à moradia, ao trabalho, ao salário mínimo, à proteção à maternidade e à
infância.” 278. A jurisprudência dos Tribunais Superiores não tem admitido a alegação da
tese da reserva do possível quando em jogo o mínimo existencial279. Dessa forma, o
mínimo existencial tem funcionado como parâmetro para o controle de políticas públicas
pelo Poder Judiciário. No entanto, o mínimo existencial, como acima explicado, pode ser
amplo e o Poder Judiciário precisará de um parâmetro. Nesse momento, entra o segundo
limite: a razoabilidade, segundo ensina Ada Pellegrini Grinover280, seria sinônimo do
princípio da proporcionalidade e de seus três sub-princípios já elencados nesse trabalho,
quais sejam: adequação de meios, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Em relação ao terceiro limite, a reserva do possível, não basta que a
Administração Pública o alegue sem fazer a devida prova. Caso a alegação de falta de
recursos seja acolhida, ocorrerá o diferimento no cumprimento da obrigação consistente no
fazer a política pública, pois a obrigação poderá consistir na dotação da verba necessária
para a próxima proposta orçamentária. Kazuo Watanabe entende que a reserva do possível
é inoponível quando em tela o mínimo existencial.281
Dentre os mecanismos técnico-processuais aptos a veicular pretensões que
envolvam políticas públicas, tem-se as ações constitucionais, conhecidas como ações do
controle concentrado de constitucionalidade, e as ações coletivas e individuais no âmbito
das situações concretas em que haja omissão ou desvirtuamento da atuação do Poder
278 WATANABE, Kazuo. Controle jurisdicional das políticas públicas – “mínimo existencial” e demais
direitos fundamentais imediatamente judicialízáveis. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE,
Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 219. “O
“mínimo existencial”, além de variável histórica e geograficamente, é um conceito dinâmico e evolutivo,
presidido pelo princípio da proibição do retrocesso, ampliando-se a sua abrangência na medida em que
melhorem as condições sociais e econômicas do país.”.
279 Nesse sentido: STF, RE n. 482.611, SC, Rel. Ministro Celso de Mello; STJ, REsp n. 1.185.474-SC,
Ministro Humberto Martins.
280 GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. In: GRINOVER, Ada
Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de
Janeiro: Forense, 2011. p. 133.
281 WATANABE, Kazuo. Controle jurisdicional das políticas públicas – “mínimo existencial” e demais
direitos fundamentais imediatamente judicialízáveis. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE,
Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 222-
223.
86
Público282. Tendo em vista o objetivo atual da análise aqui feita, percorrem-se, de forma
sucinta, as ações coletivas, que veiculam pretensões coletivas de direito material. Como
ensina Camilo Zufelato: “Em termos mais claros, em última análise as políticas públicas
são espécie de direitos coletivos e portanto tuteláveis mediante o processo coletivo.” 283.
Além disso, do ponto de vista legislativo, ocorreu uma grande ampliação do objeto das
ações coletivas com a inserção de uma espécie de cláusula geral que admite a tutela de
qualquer tipo de direito transindividual no inciso IV do artigo 1º da Lei da Ação Civil
Pública (Lei n. 7.347 de 1985). Assim: “[...] é possível inserir as políticas públicas no
interior das espécies de direitos coletivos, e nessa medida afirmar ser possível a utilização
da tutela jurisdicional coletiva para controlar tais políticas.”.284
Quanto às espécies de ações para a tutela jurisdicional de interesses
transindividuais, Camilo Zufelato defende ser possível o uso de todas elas, ou seja, ação
civil pública, ação coletiva, mandado de segurança coletivo, ação popular, ação de
improbidade administrativa e mandado de injunção coletivo, para esse objetivo.285
A preocupação com a efetividade do processo é tema corrente em quase todas
as áreas, no entanto, deve ser redobrada nessa seara, devido à grande relevância social e à
magnitude dos conflitos.286
Hermes Zaneti Jr. 287, em artigo sobre o tema, analisa a
admissibilidade das ações para tratar de políticas públicas. Defende o autor que
questões sobre os pressupostos processuais, quando estritamente formais,
282 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 315.
283 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 316.
284 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 316.
285 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 317.
286 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 319.
287 ZANETI JR., Hermes. A teoria da separação de poderes e o estado democrático constitucional: funções de
governo e funções de garantia. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O
controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.53.
87
devem ser superadas ao máximo para que o mérito seja analisado diante da
magnitude do assunto. Não se objetiva, aqui, tratar do tema, no entanto, a
seguir, analisa-se o princípio do interesse no julgamento do mérito que tem
relação estrita com a temática e com a efetividade da prestação jurisdic ional ao
fim proferida.
Um aspecto que favorece o controle de políticas públicas através do
instrumento processual é o modelo de admissão no processo, que é híbrido no
nosso ordenamento jurídico, com órgãos públicos como legitimados, assim
como entes da sociedade civil.288
Questão central do tema reside na técnica decisória, já que não há
regra jurídica a priori aplicável ao caso. A clássica técnica da subsunção do
fato à norma não se mostra suficiente:
“Com efeito, o juiz está diante de um conflito de interesses
juridicamente relevantes, e deverá, por meio de um
contraditório de valores constitucionalmente protegidos e não
exclusivamente de fatos ou provas, eleger o valor mais
relevante no caso sob análise. A judiciabilidade das políticas
públicas significa que o juiz deverá submeter a escolha – ou
mesmo a omissão – do administrador público ao crivo dos
direitos fundamentais garantidos constitucionalmente, que em
última análise são também direitos transindividuais, para só
então concluir se a escolha política é compatível com
prioridade eleita pelo constituinte.” 289
Dessa maneira, a técnica decisória envolve maior carga de atividade
criativa do magistrado diante do choque entre princípios, é a postura jurí dico-
política do magistrado já mencionada. No entanto, essa nova posição não é
sinônimo de arbitrariedades. A legitimidade da jurisdição não é perdida com o
não uso da subsunção, mas com o exercício efetivo do contraditório
cooperativo das partes para o alcance de uma decisão final justa.290
288 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 320.
289 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 321.
290 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 322. “Ademais, com a ideia de processo como instrumento
88
De grande contribuição para a melhor formação da decisão , através
do contraditório cooperativo, pode ser a participação de especialistas da própria
sociedade. Camilo Zufelato, de lege ferenda, recomenda a ampliação do uso da
figura do amicus curiae, que já está previsto em alguns procedimentos perante
o Supremo Tribunal Federal e que poderia ser ampliado para os processos
coletivos de uma forma geral 291. O rejeitado Projeto de Lei n. 5.139 de 2009,
em seu artigo 22, continha previsão no sentido de ampliar a participação da
sociedade292. Eurico Ferraresi, ao tratar do tema, observa que:
“Nos processos coletivos, todos os operadores do Direito são
colocados à prova, uma vez que as decisões não se baseiam em
juízos técnicos, mas sim em critérios sociológicos e políticos.
Por esse motivo a importância das audiências públicas como
forma de aproximação dos operadores do Direito com o corpo
social, fazendo com que a discussão não se limite ao âmbito
técnico-processual, mas, sim, atenda aos escopos sociais e
políticos do processo.” 293
O jurista mencionado ainda traz o exemplo da Espanha, que, apesar
de não possuir um modelo para processos coletivos, determina que direitos
pertencentes a massas só sejam analisados mediante a manifestação de grupos,
partidos políticos e meios de comunicação.
O Ministério Público do Estado de São Paulo, através do Ato
Normativo n. 484-CPJ, do ano de 2006, regulamentou a realização das
audiências públicas em seu capítulo V, artigo 60 e seguintes. Sobre o tema,
observa Eurico Ferraresi: “Com efeito, a oportunidade para o debate com a
democrático no qual as próprias partes constroem, por intermédio do contraditório cooperativo, juntamente
com o juiz, a solução jurídica, afasta-se a ideia de crise de legitimidade da jurisdição ao se imiscuir em
questões políticas, um dogma que precisa ser revisto a partir dos novos paradigmas do processo civil
contemporâneo.”.
291 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 323.
292 Artigo 22, PL n. 5.139/09: “Em qualquer tempo e grau do procedimento, o juiz ou tribunal poderá
submeter a questão objeto da ação coletiva a audiências públicas, ouvindo especialistas no assunto e
membros da sociedade, de modo a garantir a mais ampla participação social possível e a adequada cognição
judicial.”.
293 FERRARESI, Eurico. A responsabilidade do Ministério Público no controle das políticas públicas. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 497.
89
comunidade a respeito dos interesses prioritários será nas audiências
públicas; na hipótese de futura propositura de ação coletiva, o ajuizament o da
demanda não será um ato isolado do promotor [...] .” .294
Quanto à forma de tutela jurisdicional usualmente expedida nesse
âmbito, a tutela específica é a regra, pois o magistrado escolherá ou planejará
como certo direito fundamental será implementado pelo órgão estatal
competente295. Diante da prevalência da tutela específica, todos os seus
consectários também são aplicáveis, como defende Camilo Zufelato 296. Assim,
caso ocorra o descumprimento da decisão judiciária, Ada Pellegrini Grinover
afirma: “[...] abrem-se diversas vias para a aplicação de sanções: a) a
aplicação de multa diária (astreintes) ou a título de ato atentatório ao
exercício da jurisdição; b) a responsabilização por ato de improbidade
administrativa; c) a intervenção do Estado no Município; d) a
responsabilização criminal .” 297. A primeira opção, a multa, se mostra de pequena
eficiência, já que a conta recairá nos cofres públicos, ou seja, bem de todos. A multa
somente será eficiente quando cobrada do administrador público.298
Embora o tema tenha recebido grande destaque, o uso da intervenção
judicial nas políticas públicas deve continuar a ser a ultima ratio, já que, a
294 FERRARESI, Eurico. A responsabilidade do Ministério Público no controle das políticas públicas.. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 497.
295 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 324. “Em outros termos, a obrigação específica é do próprio
Estado em relação à adoção desta ou daquela política pública, que no caso de não cumprimento será
imposta pelo Judiciário, não por uma discricionariedade arbitrária e ilegítima do juiz, mas sim a partir da
construção, por meio do processo e das razões das partes em contraditório, da hipótese mais conveniente e
adequada ao caso concreto.”.
296 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 324.
297 GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. In: GRINOVER, Ada
Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de
Janeiro: Forense, 2011. p. 140.
298 Nesse sentido: GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 140-141. Também cf. ZUFELATO, Camilo. Controle judicial
de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense,
2011. p. 324-325.
90
priori, a competência para legislar e implantar políticas públicas continua a ser
dos poderes de Estado essencialmente políticos299. Nesse sentido, Kazuo Watanabe,
ao tratar dos limites expostos acima, ensina:
“Os demais direitos fundamentais sociais, que não correspondam ao
núcleo básico da dignidade humana e por isso não são qualificáveis como
asseguradores do “mínimo existencial”, e tampouco estejam consagrados
em normas constitucionais de “densidade suficiente”, não desfrutam da
tutelabilidade jurisdicional sem a prévia ponderação do Legislativo ou do
Executivo, por meio de definição de política pública específica. Em
relação a eles deve ser resguardado o debate democrático e preservado o
pluralismo político, no âmbito do Legislativo e do Executivo.” 300
Em contraposição aos benefícios trazidos pelo controle judicial de políticas
públicas efetivas, José Carlos Baptista Puoli aponta o lado pernicioso do fenômeno, que
são os abusos no uso da ação civil pública, quando o autor coletivo tenta impor seus
valores subjetivos na condução dos assuntos estatais. Isso se dá, segundo o autor, devido à
grande quantidade de termos indeterminados na legislação material que possibilita a
escolha política de preferência do agente301:
“Não tem sido esta, contudo, a atuação judicial verificada em nossa
realidade forense, na qual, ao lado dos casos em que valorosa
contribuição tem sido dada pela Ação Civil Pública, tem-se notado
preocupante número de situações em que pedidos abusivos e/ou não
razoáveis tem sido ajuizados em nome da busca por ideais apenas
genericamente acolhidos pelo sistema, gerando processos que acarretam
enormes riscos para o valor segurança jurídica, na medida em que as
escolhas subjetivas (políticas e ideológicas!) feitas pelo autor da demanda
em regra contrastam com condutas que vinham sendo historicamente
aceitas na sociedade, o que, ademais, ainda leva o Judiciário a enormes
perplexidades, eis que nossos juízes não foram formados para tomar as
decisões necessárias para a solução destes conflitos e/ou para aquilatar
299 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 314.
300 WATANABE, Kazuo. Controle jurisdicional das políticas públicas – “mínimo existencial” e demais
direitos fundamentais imediatamente judicialízáveis. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE,
Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 223.
301 PUOLI, José Carlos Baptista Puoli. Artigo 1º, LACP. In: COSTA, Susana Henriques da. (Coord.).
Comentários à Lei de Ação Civil Pública e Lei de Ação Popular. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
p.329.
91
das repercussões práticas que decorrerão de sua decisão, liminar ou
definitiva.” 302
Apesar da pertinência das críticas e da importância em mencioná-las, o
fenômeno conduzido de forma proba e correta tem apresentado vantagens. Além disso,
mais do que um fenômeno forçado em si, parece estarmos diante de algo ínsito ao novo
desenho institucional do nosso sistema, assim, o apropriado estudo do tema é
recomendável.
3.2 Princípio da imparcialidade
Não se encaixa no objetivo desse estudo a análise de todos os princípios
usualmente trazidos que circundam o juiz e a jurisdição, pois eles atuam de forma
semelhante na seara processual coletiva e na individual, como o princípio do juiz natural,
por exemplo303. No entanto, convém tratar do princípio da imparcialidade, pois muito se
questiona sobre o comprometimento desta diante da postura mais ativa do magistrado na
seara processual coletiva. As observações feitas valem tanto para o âmbito coletivo quanto
para o individual, no entanto, como muito se falou sobre o tema da judicialização da
política, da nova postura do juiz ou do ativismo judicial na tutela jurisdicional coletiva,
importa destacar o tema para que não restem dúvidas quanto ao não-comprometimento da
imparcialidade do magistrado.
Cândido Rangel Dinamarco, ao cuidar do tema, indica que a Constituição
Federal não traz dispositivo específico sobre o princípio da imparcialidade, mas são várias
as previsões dispersas pela Carta Magna que garantem o processamento de causas em juízo
por juízes imparciais304, dentre elas, há a garantia do juiz natural, a proibição dos tribunais
302 PUOLI, José Carlos Baptista Puoli. Artigo 1º, LACP. In: COSTA, Susana Henriques da. (Coord.).
Comentários à Lei de Ação Civil Pública e Lei de Ação Popular. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
p.331.
303 Para uma ampla análise do tema, cf. PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1995. p.77 e ss. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito
processual civil. vol. I. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.205-208.
304 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. vol. I. 6.ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p.205. “Seria absolutamente ilegítimo e repugnante o Estado chamar a si a atribuição de
solucionar conflitos, exercendo o poder, mas permitir que seus agentes o fizessem movidos por sentimentos
ou interesses próprios, sem o indispensável compromisso com a lei e os valores que ela consubstancia –
especialmente com o valor do justo.”.
92
de exceção, além de todas as garantias que os magistrados possuem, como a vitaliciedade,
a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos, por fim, há os impedimentos
trazidos pelo Código de Processo Civil (artigos 134 e 135 – casos de impedimento e
suspeição). Assim como o princípio da demanda também é mais um garantidor da
imparcialidade do órgão judicial.305
Rui Portanova conceitua o princípio da imparcialidade como a norma que
determina que o juiz não tenha interesse voltado para nenhuma das partes do litígio nem
que ele possa retirar algum proveito econômico do resultado da lide.306
De há muito a doutrina separa imparcialidade de neutralidade. O juiz é um
cidadão como os outros, inserido no contexto social, e é impossível que ele seja ética ou
axiologicamente neutro. No entanto, a afirmação da não existência da neutralidade não
gera excessos, pois “O sistema de pluralidade de graus de jurisdição e a publicidade dos
atos processuais operam como freios a possíveis excessos e prática de imparcialidades a
pretexto dessa liberdade interpretativa.” 307. Portanto, a diferença entre imparcialidade e
neutralidade é clara, nas palavras de Rui Portanova: “Já a neutralidade é dado subjetivo
que liga o juiz-cidadão-social e sua visão geral de mundo, no concerto da comunidade e
da ciência.”.308
Rui Portanova, ao tratar do princípio da imparcialidade, o relaciona com o
princípio da isonomia e afirma: “A igualização promovida pelo juiz não compromete em
nada a importância essencial da imparcialidade do juiz – pelo contrário, fortalece o
princípio da imparcialidade.” 309. Segundo o jurista mencionado, o magistrado que se
conforma com a igualdade meramente formal deve ter a sua imparcialidade questionada,
pois isso significa, na prática, o favorecimento da parte mais forte no sentido financeiro ou
técnico. No entanto, mais uma vez, é destacada a importância de se impor limites a essa
305 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. vol. I. 6.ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p.206-207.
306 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.44.
“Com desigualdade entre as partes não há imparcialidade judicial, mas conivência na opressão pela via
judicial do mais forte sobre o mais fraco. Sem que as partes estejam em igualdade de condições de postular
seus direitos (que não raro desconhecem) o contraditório é uma farsa.” – p.47.
307 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. vol. I. 6.ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p.206.
308 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.78.
309 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.77.
93
atuação. Rui Portanova indica a Constituição Federal como norte, assim como José Renato
Nalini, em sua obra “O juiz e o acesso à justiça”310, através, principalmente, do princípio
da publicidade e do princípio da fundamentação das decisões judiciais, como já
mencionado.
3.3 Princípio da competência adequada
A competência para as ações coletivas é um tema sensível em razão do direito
tutelado cujo titular pode ser um grupo espalhado por diversas localidades311. Assim, a
dificuldade em identificar o juízo competente é ínsita à temática.
O legislador pátrio optou pela técnica dos foros concorrentes quando o dano for
regional ou nacional, possibilitando que o réu seja demandado em qualquer capital de
Estado-membro ou mesmo em Brasília, conforme a dicção do artigo 93 do Código de
Defesa do Consumidor.
Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., ao tratarem do tema, alertam para a
possibilidade de ocorrência de forum shopping, diante de foros concorrentes, que é a “[...]
escolha do juízo de competência concorrente para apreciar determinada lide de acordo
com seus interesses, quer para dificultar a defesa do réu, quer porque saiba que
determinado juízo tem posicionamentos mais favoráveis a seus interesses.” 312. Essa
realidade é comum no âmbito do direito internacional e necessita de freios: “Dentro deste
contexto, há um princípio que deve ser inserido no processo coletivo nacional, pois tem
finalidade prática urgente: o princípio da competência adequada.”.313
Assim, diante dessa realidade, nasceu, no direito norte-americano, a
possibilidade de controle pelo órgão jurisdicional da competência adequada. Trata-se de
um limite para o forum shopping e é também conhecido como forum non conveniens. O
310 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.29.
311 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.135. “Como a ação coletiva atinge direitos que pertencem a
coletividades, muitas delas compostas por pessoas que não possuem qualquer vínculo entre si, além de
estarem espalhadas por todo o território nacional, é preciso ter muito cuidado na identificação das regras de
competência, principalmente a competência territorial.”.
312 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.116.
313 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.117.
94
juiz, perante o qual a causa foi proposta, tem a possibilidade de análise das circunstâncias
concretas para aferir qual a competência adequada, evitando, assim, manobras por parte da
parte autora. No entanto, a tarefa a ser empreendida não é simples, pois a competência vem
circundada por outros dois princípios: o da tipicidade e o da indisponibilidade, embora eles
não sejam intransponíveis, eles merecem consideração e análise em cada caso. O que se
propõe não é a ignorância desses princípios, mas a correta interpretação das regras de
competência, como propõem os juristas do Estado da Bahia314, de lege ferenda.
Os autores Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., já mencionados, trazem o
princípio da Kompetenzkompetenz, originário do direito alemão, que, segundo o qual, o
juiz é competente para julgar a sua própria competência para justificar o princípio em tela:
“Com a inserção desse princípio o próprio juiz da causa, dentro do
controle de sua competência, utilizando o princípio da
Kompetenzkompetenz (o juiz é competente para controlar a sua própria
competência), já aceito pelo ordenamento nacional, evitaria julgar causas
para as quais não fosse o juízo mais adequado, quer em razão do direito
ou dos fatos debatidos (p.ex.: extensão e proximidade com o ilícito), quer
em razão das dificuldades de defesa do réu. Também seria evitado o uso
da competência para obter vantagens processuais, trabalhando como
limite para que a regra da competência por prevenção não se torne uma
disputa pelo foro.” 315
Segundo essa lógica, defendem os autores mencionados, que, mesmo a
competência sendo territorial concorrente e absoluta, ela pode ser alterada quando se
verificar que isso atenderá melhor os interesses das partes ou da justiça de forma ampla:
“Como se pode perceber, trata-se de princípio do Direito norte-americano e da justiça
internacional que poderá, sem ofensa ao princípio do juiz natural, uma vez que o próprio
juiz deverá declinar da sua competência, gerar mais efetividade e racionalidade na
prestação jurisdicional em sede de tutela coletiva.” 316. Assim, concluem os autores
que o magistrado deve considerar sempre a facilitação da produção da prova e
da defesa do réu, a publicidade da ação coletiva e a facilidade de notificação e
conhecimento dos membros do grupo. Dessa forma, de lege ferenda, poder-se-
314 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.135.
315 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.117.
316 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.117.
95
ia adotar o mesmo procedimento no nosso ordenamento de forma a privilegiar a
efetividade da prestação jurisdicional no âmbito coletivo. Também, nesse
campo, a decisão do magistrado em aplicar o princípio da competência
adequada seria passível de controle através do princípio da publicidade e da
motivação das decisões judiciais, possibilitando o reexame da questão por
órgão jurisdicional superior.
3.4 Princípio do microssistema processual coletivo
Como afirma Ada Pellegrini Grinover, o Brasil foi precursor de um sistema de
tutela de interesses transindividuais, que teve início com a reforma de 1977 na Lei da Ação
Popular. Em 1981, a Lei n. 6.938 legitimou o Ministério Público para as ações ambientais
de responsabilidade penal e civil. Nas palavras da processualista paulista, a mudança se
deu: “Mas foi com a Lei n. 7.347/85 – a Lei da Ação Civil Pública – que os interesses
transindividuais, ligados ao meio ambiente e ao consumidor, receberam tutela
diferenciada, por intermédio de princípios e regras que, de um lado, rompiam com a
estrutura individualista do processo civil brasileiro e, de outro, acabaram influindo no
CPC.” 317. No entanto, foi o texto constitucional de 1988 que universalizou a
proteção a interesses transindividuais sem impor limites ao objeto do processo.
A formação do microssistema de processos coletivos , que muito se comenta, se
deu com o Código de Defesa do Consumidor – Lei n. 8.078 de 1990 – que
determinou a aplicação recíproca entre este e a Lei da Ação Civil Pública
(artigo 21 da Lei n. 7.347/85 e artigo 90, Lei n. 8.078/90).
Em comentário ao artigo 90 do Código de Defesa do Consumidor,
Kazuo Watanabe ensina que a relação de complementaridade entre esses dois
dispositivos é perfeita e o Código de Processo Civil, que é o diploma que
regulamenta o ordenamento processual de uma forma geral, tem aplicação
subsidiária, ou seja, será o último recurso quando não encontrado dispositivo
317 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,
Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.25.
96
mais consentâneo com as peculiaridades do processo colet ivo318. Nesse sentido,
é o artigo 22 da Lei da Ação Popular que determina a aplicação do Código de
Processo Civil somente naquilo que não contrariar a natureza específica da
ação. Dentro desse microssistema, também há a relação de complementaridade
entre diversos diplomas, como a já mencionada Lei da Ação Popular (Lei n.
4.717/65), Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92), Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), Estatuto do Idoso (Lei n.
10.741/03), Lei do Mandado de Segurança, que trata do mandado de segurança
coletivo (Lei n.12.016/09), etc.
Assim, afirmam Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., ao tratar do
princípio do microssistema: “Antes de voltar os olhos para o sistema geral, o
intérprete deverá examinar, no conjunto legislat ivo que constitui o
microssistema, se não existe uma norma melhor e mais adequada a correta
pacificação com justiça.” 319. Os autores mencionados relacionam o princípio
do microssistema com a observância do devido processo coletivo. Poder-se-ia
dizer que o microssistema “estabelece e fundamenta” o devido processo legal
coletivo.320
II) Ação e defesa
3.5 Princípio do acesso à justiça
Ada Pellegrini Grinover, em artigo sobre o Direito Processual Coletivo, afirma
que o princípio do acesso à justiça assume outra feição na seara transindividual e, devido a
318 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p.124.
319 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.123.
320 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.124.
97
isso, merece menção321. O rejeitado Projeto de Lei n. 5.139 de 2009, em seu artigo 3º,
inciso I, elencava o princípio do amplo acesso à justiça e da participação social como um
dos nortes do processo civil coletivo.
O acesso à justiça não é somente o ingresso aos tribunais, “[...] mas também o
de alcançar, por meio de um processo cercado das garantias do devido processo legal, a
tutela efetiva dos direitos violados ou ameaçados.” 322. Dessa forma, o princípio do
acesso à justiça não significa somente o ingresso nos Tribunais através dos
mecanismos processuais, mas a viabilização do acesso a uma ordem jurídica
justa323 junto a todos os mecanismos para tornar essa realidade viável.
Segundo Rui Portanova, o princípio do acesso à justiça é pré-
processual e supraconstitucional, informando todos os outros princípios ligados
à ação e à defesa. O lado ativo do acesso à justiça, segundo o autor, seria o
princípio da demanda, já o lado passivo do princípio seria o princípio d a inércia
da jurisdição.324
Quanto ao sistema processual civil tradicional, este foi concebido com base em
concepções liberalistas e individualistas das codificações do século XIX. Assim, todo o
sistema tem a marca desses traços em sua concepção325. Com o destaque do processo
coletivo, iniciado, principalmente, nas últimas décadas do século XX, como explanado
acima, alguns temas processuais e os princípios regentes do processo civil pedem outra
análise para que o processo coletivo atinja sua principal finalidade de forma efetiva: que é
o acesso à justiça. 326 Afirma Ada Pellegrini Grinover:
321 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,
Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.26.
322 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,
Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.26.
323 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
p.115.
324 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.70.
325 Exemplo desta afirmação é o artigo 6º do Código de Processo Civil: “Ninguém poderá pleitear, em nome
próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.” Além disso, a única previsão do Código de
Processo Civil, no sentido de evitar processos repetitivos, é o litisconsórcio ativo ou passivo, previsto no
artigo 46, mas com a ressalva do seu parágrafo único sobre a limitação ao número de litigantes, quando a
defesa ou celeridade na resolução do conflito ficar prejudicada.
326 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,
2006. p. 135. “Toda sua interpretação e aplicação devem convergir, em última análise, para o alcance desse
98
“Para tanto, buscando inspiração no direito comparado, mas adaptando as
soluções alienígenas à realidade nacional, foi necessário redimensionar
certos princípios que a processualística clássica tinha como verdadeiros
dogmas: e, notadamente, os princípios retores da legitimação para a
causa; da coisa julgada; dos poderes do juiz no processo.” 327
Um grande estudioso sobre o tema do acesso à justiça, Mauro Cappelletti,
observou que existem pontos sensíveis no sistema, que ele classificou como as ondas
renovatórias do processo civil. Em obra sobre o acesso à justiça, elaborada em conjunto
com Bryant Garth, 328 as três ondas renovatórias do direito processual foram expostas,
sendo que a segunda delas envolve o acesso à justiça e os direitos coletivos. Percebeu-se a
necessidade, segundo esses autores, de uma tutela mais efetiva para direitos que
transbordam a esfera individual e a consequente alteração procedimental para que o
processo se adeque a esses novos direitos.
Segundo Ada Pellegrini Grinover, há mudança no modo de ser do processo,
que, “[...] quando individual, obedece a esquemas rígidos de legitimação, difere do modo
de ser do processo coletivo, que abre os esquemas da legitimação, prevendo a titularidade
da ação por parte do denominado “representante adequado” [...]”329. Camilo Zufelato
afirma: “Tem-se, em síntese, um amplíssimo acesso à justiça, tanto do ponto de vista
formal, ou seja, as espécies de ação e de tutela jurisdicional, quanto substancial, relativo
às matérias judicializáveis e à fruição do resultado final do processo.”. 330
escopo fundamental [O ACESSO À JUSTIÇA], do qual o exegeta e o operador do direito não podem abrir
mão. Tais postulados não podem ser negligenciados, seja pelo legislador infraconstitucional, seja pelos
operadores do direito.”.
327 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
p.118.
328 CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. passim. Sobre as ondas renovatórias, a primeira é a assistência
judiciária, que favorece o acesso à justiça ao hipossuficiente; a segunda, os interesses transindividuais,
como mencionado; a terceira é o modo de ser do processo, ou seja, a técnica processual que realmente leve
à solução de conflitos com justiça.
329 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,
Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.27.
330 ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. (Coord.). O controle jurisdicional de políticas
públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 312.
99
José Renato Nalini, em obra que relaciona a figura do juiz ao acesso à justiça,
afirma que o texto constitucional deixa claro seu ânimo em abrir cada vez mais as portas
do Poder Judiciário a todos os tipos de reclamos, inclusive para o “planejamento e
elaboração de programas de ação, propostas projetadas para o futuro”, ou seja, o controle
jurisdicional das políticas públicas, já analisado previamente. Para o autor, diante do atual
desenho constitucional, o juiz passa a ser mais um “entidade concretizadora de direitos
fundamentais” 331. José Renato Nalini ainda traz a perspectiva do usuário da justiça estatal,
pois, segundo ele, “O movimento do acesso à Justiça introduziu na esfera jurídica uma
perspectiva nova: aquela dos usuários ou consumidores da Justiça” 332. Trata-se da visão
mais democrática do acesso à justiça, pois é a que considera o indivíduo, os grupos, a
sociedade e suas necessidades, as exigências e os obstáculos jurídicos, econômicos,
políticos e culturais. É o lado positivo da massificação do direito: “Reconhecer essa
tendência evolutiva representa, ainda, resgatar o aspecto positivo da massificação do
Direito. O incremento da demanda obriga o Judiciário a um razoável grau de abertura e
de sensibilidade para com a sociedade e os indivíduos que a integram, a cujo serviço
exclusivo se encontra o sistema judiciário.” 333. Ada Pellegrini Grinover destaca esse novo
aspecto, ao afirmar que nova perspectiva teve de ser considerada: a do consumidor da
justiça, exigindo uma nova postura mental.334
José Renato Nalini destaca a importância da informação para o acesso à justiça.
No Tribunal de Justiça de Paris, por exemplo, há folhetos que orientam o jurisdicionado
acerca de pedido de alimentos, guarda de filhos, questões de vizinhança, etc. Práticas como
essa facilitam o entendimento do funcionamento do Poder Judiciário para o cidadão,
principalmente no Brasil, onde “existem vários ramos da Justiça e inúmeros problemas de
competência, podem funcionar como canal de facilitação do acesso.” 335. Quando da
elaboração da obra de Nalini, em 1994, a situação era mais crítica em relação à
informação, pois a difusão da internet era menor e não havia o Conselho Nacional de
Justiça, criado com a Emenda Constitucional n. 45 de 2004. No entanto, a situação ainda
331 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.28-29.
332 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.54.
333 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.54.
334 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
p.115-116.
335 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.55.
100
precisa ser melhorada, diante do vasto território do país e do pouco acesso a essas fontes de
informação por grande parte da população que vive em situação de carência extrema.336
O movimento do acesso à justiça não é somente jurídico, mas pluridisciplinar,
abrangendo a sociologia, a antropologia, a ciência política, a história e a economia337. Da
mesma forma, dentro do campo jurídico, a preocupação do acesso à justiça deve atingir
todas as instituições: Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e advogados
mediante a OAB.
No redesenho operado pela Constituição Federal de 1988 na instituição
Ministério Público, ocorreu um inegável crescimento de suas funções com o objetivo do
alcance jurisdicional de vulnerações antes excluídas do Poder Judiciário. Dessa forma, na
luta pela efetivação dos direitos de terceira dimensão, o Ministério Público assume
importante papel.
Além disso, o Código de Defesa do Consumidor (assim como a Lei da Ação
Civil Pública, que integram o microssistema processual coletivo) adotou uma solução
pluralística na legitimação para a defesa dos direitos coletivos lato sensu, assim, a
sociedade civil tem seu espaço no acesso à justiça, assim como o cidadão, que é titular da
ação popular. Apesar da quebra de diversos dogmas processuais individuais e da nova
postura mental que foi exigida da comunidade jurídica com a edição das leis que compõem
o microssistema processual coletivo, desafios ainda existem. Por mais avançadas que
sejam as leis, elas devem encontrar guarida na jurisprudência e, nesse âmbito, foram
encontrados alguns limites338. Como exemplo, pode-se trazer a legitimação do Ministério
Público para a tutela de interesses individuais homogêneos, que foi colocada em dúvida
anteriormente. No início, a constitucionalidade da titularidade do órgão ministerial foi
questionada com base no artigos 129, inciso III, e 127, da Constituição Federal. Contra
336 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.57. “O
brasileiro tem direito constitucional à informação. Não desatende à positividade o juiz que se preocupar
com a transmissão desses dados à comunidade. Antes, estará implementando a nova ordem constitucional,
que pretende tornar cada homem um bom cidadão – a completeza do homem em sociedade – ou, segundo a
feliz expressão de Hannah Arendt, o direito a ter direitos.”.
337 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.64.
“Estudos da economia, analisando a relação custo/benefício da prestação jurisdicional, ou apontando os
valores que deixam de ser pleiteados pela ineficácia da máquina, sem dúvida auxiliam os formuladores de
novas propostas. Assim como análises sociológicas sobre a origem social dos magistrados, o perfil da
clientela da Justiça e o dos atuais estudantes dos cursos de bacharelado. Até mesmo os aspectos
psicológicos da prestação jurisdicional, em tudo aquilo que ela gera de traumas para os partícipes e
operadores, tudo há de ser considerado na construção da Justiça do futuro.”.
338 Quando os limites não venham incluídos na própria legislação. GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo
em evolução. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998. p.121.
101
esse posicionamento, lembrou-se de que o texto constitucional é anterior à edição do
Código de Defesa do Consumidor, portanto, não seria exigível que o constituinte
diferenciasse as espécies de interesses transindividuais como o legislador
infraconstitucional o fez. Além disso, o constituinte deixou uma norma residual no artigo
129, inciso IX, permitindo a atuação do Ministério Público em funções compatíveis com a
sua finalidade. Por fim, nas palavras de Ada Pellegrini Grinover:
“[...] a doutrina fixou desde há muito o conceito de que os direitos e
interesses, coletivamente tratados, não pertecem ao direito público nem
ao direito privado, colocando-se numa categoria intermédia, de direitos
privados de relevância social (Cappelletti); e que, pelo próprio fato de
receberem tratamento coletivo, os direitos ou interesses individuais
homogêneos adquirem relevância social, em decorrência da dimensão
política de que as demandas coletivas se revestem, como conflitos de
massa (Villone, Watanabe). [...] Quando muito, numa visão mais
acanhada, o juiz poderia aferir, caso a caso, se os direitos ou interesses
individuais homogêneos, coletivamente tratados, se revestem ou não, de
particular relevância social (Hugo Mazzili).” 339
Esse entendimento culminou com a edição da Súmula 643 do
Supremo Tribunal Federal, com relação às mensalidades escolares, e há
julgados, tanto do Superior Tribunal de Justiça, quanto do Supremo Tribunal
Federal, com relação à legitimidade do Ministério Público para a defesa
judicial de interesses individuais homogêneos decorrentes de relação de
consumo, como contratos bancários, consórcios, seguros, planos de saúde, TV
por assinatura, serviços telefônicos, etc. 340 Por fim, o Conselho Superior do
Ministério Público do Estado de São Paulo editou a Súmula 7 com o seguinte
texto:
“O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses ou
direitos individuais homogêneos de consumidores ou de outros,
entendidos como tais os de origem comum, nos termos do art.
81º, III, c/c o art.82, I, do CDC, aplicáveis estes últimos a toda
e qualquer ação civil pública, nos termos do art.21º da LAC
7.347/85, que tenham relevância social, podendo esta decorrer,
exemplificativamente, da natureza do interesse ou direito
pleiteado, da considerável dispersão de lesados, da cond ição
dos lesados, da necessidade de garantia de acesso à Justiça, da
339 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
p.121-122.
340 Nesse sentido: a fundamentação da Súmula 7 do CSMP-SP.
102
conveniência de se evitar inúmeras ações individuais, e/ou de
outros motivos relevantes.”
3.6 Princípio da ação
O direito de ação é um direito público, subjetivo e independente da situação
jurídica para a qual se pede a tutela judiciária341. Na visão clássica e individualista do
direito processual civil, a regra é aquela estampada no artigo 6º do Código de Processo
Civil: “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando
autorizado por lei.”. No entanto, esse modelo é insuficiente e inadequado para a tutela
jurisdicional de interesses coletivos em sentido amplo, pois seria inviável exigir a presença
de todos os membros de um grupo no processo. O tema da legitimação, diretamente
envolvido com o princípio da ação é um ponto intrincado na seara processual coletiva que
envolve escolhas político-legislativas com as considerações de questões técnicas.342
Tema técnico de extrema importância nesta área é a representatividade
adequada, que tende a ser abordado por parte da doutrina juntamente com o tema da
legitimidade, mas que com ele não se confunde, já que a representatividade é instituto mais
amplo, que exige do magistrado a correta análise de elementos do caso concreto para que
ocorra a completa observância do princípio do processo legal.343
Flávia Hellmeister Clito Fornaciari, em tese sobre o tema, conceituou
a representatividade adequada como “[...] uma qualidade apresentada pelo
representante que atuará em nome da sociedade ou do grupo na defesa de
interesses de ordem coletiva [...] ”344. A capacidade do representante deve ser
341FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceitos e princípios gerais. 2.ed. Coimbra,
2009, p.87.
342 VIGORITI, Vincenzo. Garanzie costituzionali del processo civile. Milano: Giuffrè, 1973. p.14.
343 Nesse sentido: COSTA, Susana Henriques da. O controle judicial da representatividade adequada: uma
análise dos sistemas norte-americano e brasileiro. In: SALLES, Carlos Alberto de. (Coord.). As grandes
transformações do processo civil brasileiro: homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. São Paulo:
Quartier Latin, 2009. p. 959.
344 FORNACIARI, Flávia Hellmeister Clito. Representatividade adequada nos processos coletivos. Tese
de Doutorado orientada pela Professora Ada Pellegrini Grinover a apresentada à Faculdade de Direito da
USP. São Paulo: Faculdade de Direito da USP, 2010. p.50.
103
aferida de acordo com as suas possibilidades de uma adequada defesa dos
interesses do grupo em juízo.
Eurico Ferraresi345 observa que a relação entre legitimidade346 e coisa
julgada é estreita, apesar de desvinculada, pois os atingidos não participam do
processo, assim, devem ser bem representados, para a satisfatór ia observância
do contraditório durante o procedimento judicial que at ingirá pessoas que não
estavam presente no processo, mas pelo processo. O mesmo autor ensina que:
“O requisito da representatividade adequada tem origem no sistema da
common law, apresentando-se como uma decorrência natural da proteção
do due process. Os países do common law exigem que o autor coletivo
represente adequadamente os interesses do grupo, diante da ausência dos
interessados não identificados e que sequer serão ouvidos em juízo. Por
este motivo é que os tribunais redobram a atenção no momento de
verificarem a capacidade do autor coletivo.” 347
A representatividade adequada funciona como um instituto legitimador da
tutela jurisdicional coletiva, pois a decisão alcançará quem não participou do processo,
portanto, a representação deve ter sido adequada. Segundo Susana Henriques da Costa348:
“É este conceito que torna factível a introdução dos interesses difusos, coletivos e
individuais homogêneos em juízo e, ainda, é ele que justifica a prolação de uma decisão
com efeitos erga omnes, incidentes sobre terceiros que não foram partes no processo.”.
345 FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo:
instrumentos processuais coletivos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.111.
346 VIGORITI, Vincenzo. Interessi collettivi e processo: la legittimazione ad agire.. Milano: Giuffrè, 1979.
p.65. “Il problema della legitimazione ad agire in giudizio (legitimatio ad causam), e cioè il problema della
individuazione dei sogetti che in concreto possono stimolare e nei confronti dei quali deve essere stimolata,
in um determinato caso, la funzione giurisdizionale, costituisce uno dei temi classici della teoria generale
del processo e non ha certo bisogno di introduzione.”.
347 FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo:
instrumentos processuais coletivos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.112. Cf. MULLENIX, Linda S. New
trends in standing and res judicata in collective suits. General Report – Common law. In: Direito
Processual Comparado, XIII World Congress of Procedural Law, Salvador, 16-22 set. 2007; Rio de
Janeiro: Forense, 2007. A autora conceitua representatividade nos seguintes termos: “intricately related to
the protection of the due process interests of absent class members. Because the class representatives are
representing the interests of absent class members, the representatives are guardians and fiduciaries for
the class interests”.
348 COSTA, Susana Henriques da. O controle judicial da representatividade adequada: uma análise dos
sistemas norte-americano e brasileiro. In: SALLES, Carlos Alberto de. (Coord.). As grandes
transformações do processo civil brasileiro: homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. São Paulo:
Quartier Latin, 2009. p. 957.
104
Dessa maneira, a representatividade adequada está intimamente relacionada à observância
do devido processo legal, em seu aspecto substancial, no processo coletivo.
A mesma discussão assume outra dimensão no ordenamento jurídico dos
Estados Unidos, pois, lá, a coisa julgada opera pro et contra, enquanto, aqui, a coisa
julgada é secundum eventum litis e in utilibus. Essa pode ser uma das razões para o sistema
norte-americano se concentrar mais sobre a representatividade adequada, já que a coisa
julgada produzirá efeitos no âmbito individual, mesmo quando prejudicial.
Dentre os requisitos para uma class action ser certificada é a representatividade
adequada, pela previsão da Rule 23 (a)(4). A verificação da adequação da
representatividade não se limita à certificação, podendo ocorrer, dessa forma, durante todo
o processo e mesmo após o seu término. Nesta última hipótese, caso o juiz verifique a
inadequação da representação, o julgado não produz efeitos.
Sobre o tema da representatividade adequada, há que se passar por dois campos
temáticos: os sujeitos que melhor podem cumprir essa defesa de indivíduos que
não estão presentes no processo e o controle do cumprimento dessa tarefa pelo
juiz da causa.
Quanto ao primeiro tema, sobre os sujeitos, interessa notar que,
normalmente, cada ordenamento adota uma solução. No Brasil, optou -se por
legitimar entidades públicas e privadas, mas não pessoas físicas, ressalvada a
ação popular349. A aferição da representatividade adequada pode ser feita pela
lei ou pelo juiz. A lei brasileira adotou o critério legal, estabelecendo
previamente as pessoas presumivelmente aptas a defender os interesses
transindividuais em juízo, já o ordenamento norte-americano adotou o outro
sistema.
O legislador pátrio previu o rol de legitimados nos artigos 5º da Lei
da Ação Civil Pública – Lei n. 7.347/85 – e 82 do Código de Defesa do
Consumidor. Diante desse rol extenso de legitimados, é possível a tomada de
duas posições: ou todos os entes possuem presunção absoluta de legitimidade,
não se admitindo o controle judicial da representatividade, ou deve ser
verificada a adequada representação de todos os legitimados. A adoção da
349 FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo:
instrumentos processuais coletivos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.115. “A opção brasileira pela
legitimidade concorrente é a mais adequada, uma vez que vários são os entes aptos à propositura de
demandas coletivas. [...] Não há hierarquia ou preferência de um legitimado sobre o outro. Todos são
igualmente legitimados para o ajuizamento da demanda – desde que, claro, representem adequadamente a
coletividade.”.
105
primeira posição traz empecilhos, como a possibilidade de entidades sem a
adequada estrutura operacional, econômica e jurídica promover ações coletivas
temerárias ou mesmo mal arguidas. Diante dessa possibilidade, o controle da
representatividade adequada, principalmente das associações, tem tomado força
na doutrina.350
Assim, diante da própria previsão legal, o magistrado deve aferir se a
associação tem o tempo mínimo de constituição e se tem, em seu estatuto
social, a finalidade de proteção dos direitos envolvidos, ou seja, se há
pertinência temática entre a demanda coletiva proposta e a associação. Dessa
forma, o próprio legislador pátrio estabeleceu critérios para que o juiz verifique
a adequada representação em ações coletivas propostas por associações.
Convém salientar que esse controle não é absolutamente efe tivo em
evitar fraudes, mas esse não é o principal objetivo da representatividade
adequada.351
Há requisitos subjetivos para a aferição da adequação da
representatividade, que são: credibilidade, capacidade, prestígio, experiência
do legitimado, histórico na proteção judicial ou extrajudicial dos interesses do
grupo, condutas em outros processos, coincidência ou não de interesses, tempo
de constituição da associação, representatividade do indivíduo frente ao grupo.
Assim, o magistrado deve fazer a análise da associação de forma conjunta com
a realidade da situação jurídica de direito material 352, não sendo suficiente a
mera observância da letra da lei, tampouco seria eficiente uma legislação que
fixasse critérios rígidos de aferição da adequação da representativ idade.
Convém destacar o seguinte trecho de Flávia Hellmeister Clito
Fornaciari:
350 FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo:
instrumentos processuais coletivos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.118.
351 FORNACIARI, Flávia Hellmeister Clito. Representatividade adequada nos processos coletivos. Tese
de Doutorado orientada pela Professora Ada Pellegrini Grinover a apresentada à Faculdade de Direito da
USP. São Paulo: Faculdade de Direito da USP, 2010. p. 52.
352 FORNACIARI, Flávia Hellmeister Clito. Representatividade adequada nos processos coletivos. Tese
de Doutorado orientada pela Professora Ada Pellegrini Grinover a apresentada à Faculdade de Direito da
USP. São Paulo: Faculdade de Direito da USP, 2010. p. 53.
106
“Diante disso, não se vislumbra justificativa plausível para que qualquer
legislação que verse sobre direitos coletivos não coloque a
representatividade adequada dentre os princípios dos processos voltados a
sua defesa, porque ele é intrínseco ao próprio conceito das ações
representativas.” 353
Antonio Gidi354 destaca que o direito norte-americano se interessa
mais pela realidade dos fatos do que por ficções legais, assim, foi ne cessária a
criação de meios para o controle da representatividade adequada de forma a
garantir o efetivo direito de todos os membros do grupo serem ouvidos em
juízo através do representante. Os norte-americanos, outrossim, acreditam que
somente um membro do grupo, ou seja, com interesse pessoal na controvérsia
contra o réu, possa defender bem os interesses do grupo. Além disso, segundo o
referido autor, há as seguintes vantagens:
“Através desse requisito, a lei atinge três resultados. A um só
tempo, minimiza-se o risco de colusão, incentiva-se uma
conduta vigorosa do representante e do advogado do grupo e
assegura-se que sejam trazidos para o processo todos os reais
interesses dos membros ausentes. O objetivo, em última
análise, é assegurar, tanto quanto possível, que o resultado
obtido com a tutela coletiva não seja diverso daquele que seria
obtido se os membros estivessem defendendo pessoalmente os
seus interesses.”
O direito norte-americano, para aferir a adequação da representatividade, além
da análise do representante, averigua também o advogado do grupo, desde a sua
experiência na condução de demandas coletivas, como a capacidade de suportar os custos
do processo e a ausência de conflitos entre advogado, grupo e representante.
A representatividade adequada deve funcionar como medida do respeito às
garantias constitucionais do processo. Quanto ao tema, Vincenzo Vigoriti355 bem
delimitou o problema da adequação da representação e o reflexo nas garantias
processuais dos sujeitos que não estão presentes no processo.
353 FORNACIARI, Flávia Hellmeister Clito. Representatividade adequada nos processos coletivos. Tese
de Doutorado orientada pela Professora Ada Pellegrini Grinover a apresentada à Faculdade de Direito da
USP. São Paulo: Faculdade de Direito da USP, 2010. p. 54.
354 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.100.
355 Cf. VIGORITI, Vincenzo. Interessi collettivi e processo: la legittimazione ad agire.. Milano: Giuffrè,
1979. p. 271-288.
107
A rule 23(a)(4) estabelece como uma dos condições da class action a
adequação da representação: “The representative parties will fairly and
adequately protect the interests of the class .” 356.
A exigência tem fundamento no devido processo, que não poderia
admitir decisões judiciais proferidas contra ou a favor de quem não teve a
chance de ser bem representado no processo.
A adequação da tutela é averiguada caso a caso, diante de variados
dados, como o tipo de interesse, o objeto da demanda, a capacidade financeira
dos representantes, dentre outros. A sentença alcançará indivíduos que não
estiveram presente em juízo, por isso, a importância do tema e os maiores
poderes que são atribuídos ao magistrado em matéria de ações coletivas.
Como aponta Susana Henriques da Costa,
“À análise séria da representatividade adequada alia-se, ainda, dentro de
uma perspectiva garantista, a necessidade de realização de notificação
pessoal dos membros ausentes sobre a existência da class actions,
permitindo que estes optem por não ser atingidos pela sua decisão (opt
out).” 357
O legislador brasileiro concedeu legitimidade ativa a um rol taxativo
de entes, quais sejam: Ministério Público; União, Estados, Municípios e
Distrito Federal; entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou
indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à
defesa dos interesses protegidos; associações constituídas há pelo menos um
ano e que tenham, como um de seus fins institucionais, a defesa dos interesses
transindividuais de seus membros. Portanto, o sistema brasileiro é misto, tendo
por legitimados tanto entes públicos quanto entes privados.
356 Cf. BAICKER McKEE, Steven; JANSSEN, William M.; CORR, John B. A student´s guide to the
Federal Rules of Civil Procedure. 3.ed. Saint Paul: West Group, 2000. p.361. “Because class actions vest
authority over the interests of passive members of the class in the hands of class activists, Rule 23(a)(4)
requires the court to ensure that class representatives will be individuals who will meet those
responsibilities fully.”.
357 COSTA, Susana Henriques da. O controle judicial da representatividade adequada: uma análise dos
sistemas norte-americano e brasileiro. In: SALLES, Carlos Alberto de. (Coord.). As grandes
transformações do processo civil brasileiro: homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. São Paulo:
Quartier Latin, 2009. p. 961.
108
Diante dessa previsão legal, há autores, como Nelson Nery Júnior e
Rosa Maria de Andrade Nery358, que entendem a legitimação coletiva ser ope
legis, ou seja, não cabe ao magistrado aferir, casuisticamente, a adequação da
representação, pois já teria o legislador, previamente, estabelecido um rol legal
taxativo de legitimados. Vincenzo Vigoriti359 ensina ser a questão da
legitimidade, antes de tudo, uma questão de política legislativa e, somente
após, um problema técnico. No entanto, percebe-se uma diminuição no número
de pessoas que defendem esta corrente360.
Outros autores defendem, com base na experiência norte -americana,
a existência de controle da representação adequada também no nosso
ordenamento jurídico, que se daria em duas fases, como ensinam Fredie Didier
Júnior e Hermes Zaneti Júnior:
“Primeiramente, verifica-se se há autorização legal para que
determinado ente possa substituir os titulares coletivos do
direito afirmado e conduzir o processo coletivo. A seguir, o
juiz faz o controle in concreto da adequação da legitimidade
para aferir, sempre motivadamente se estão presentes os
elementos que asseguram a representatividade adequada dos
direitos em tela.” 361
A necessidade do controle judicial na segunda fase decorre da necessária
observância do devido processo legal. A possibilidade de dispensa pelo magistrado da
constituição prévia por um ano da associação que pretenda propor ação coletiva, prevista
no artigo 82, parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor aponta para a
possibilidade de controle judicial sobre a legitimação362.
358 NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria A. Código de Processo Civil Comentado e Legislação
Extravagante em vigor. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 1443.
359 VIGORITI, Vincenzo. Interessi collettivi e processo: la legittimazione ad agire.. Milano: Giuffrè, 1979.
p.66.
360 FORNACIARI, Flávia Hellmeister Clito. Representatividade adequada nos processos coletivos. Tese
de Doutorado orientada pela Professora Ada Pellegrini Grinover a apresentada à Faculdade de Direito da
USP. São Paulo: Faculdade de Direito da USP, 2010. p.60.
361 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. vol.4.
5.ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2010. p. 211-212. “A tendência é a consagração legislativa da
possibilidade deste controle judicial.”
362 Nesse sentido: STJ, REsp 706449 / PR, Relator Ministro Fernando Gonçalves; 4ª Turma, DJ. 26/05/2008,
publicação em 09/06/2008, LEXSTJ vol. 227, p.75.
109
No mesmo sentido, a afirmação da jurisprudência e o texto da Súmula 7 do
Conselho Superior do Ministério Público também indicam a legitimidade da instituição
somente para a defesa de interesses individuais homogêneos quando estiver presente a
relevância social. Esse exame casuístico está próximo à análise da representatividade
adequada.
Além disso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem exigido um
vínculo de afinidade entre o objeto da demanda coletiva e o legitimado, ao que eles têm
chamado de “pertinência temática”, o que seria uma forma de controle jurisdicional da
adequação da representação363. Apesar de ser uma forma de controle, não se identifica com
a representatividade adequada, pois esta abrange, além do vínculo, outros critérios, como
seriedade, aptidão, atuação na defesa, dentre outros. Percebe-se que os Tribunais têm
chamado de “representatividade adequada” o que é, na verdade, apenas “pertinência
temática” 364. Sobre o tema, Susana Henriques da Costa ensina que:
“A exigência jurisprudencial desta pertinência temática no caso
concreto, mesmo nos casos em que a lei não menciona nada a
respeito, leva a doutrina brasileira a refletir e rever o
entendimento de que no sistema vigente não é permitido o
controle judicial da representatividade adequada do legitimado
à propositura da ação civil pública.” 365
O Projeto de Lei Flávio Bierrenbach havia previsto o controle da
representatividade adequada pelo juiz, mas a Lei da Ação Civil Pública acolheu, quanto ao
tema, a proposta do Ministério Público paulista, que prevê a legitimidade ope legis e sem
referência à adequação da representatividade. Os regulamentos legais posteriores seguiram
a mesma orientação. No entanto, convém transcrever o que aponta Ada Pellegrini
Grinover:
“Todavia, problemas práticos têm surgido pelo manejo de ações coletivas
por parte de associações que, embora obedeçam aos requisitos legais, não
363 Nesse sentido: cf. ADI 2482/MG, STF, Pleno, relator Ministro Moreira Alves, j. 02.10.2002, DJ de
25.04.2003.
364 Nesse sentido: cf. STJ-REsp 651.064/DF, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 15.03.2005, DJ 25/04/2005, p.
240.
365 COSTA, Susana Henriques da. O controle judicial da representatividade adequada: uma análise dos
sistemas norte-americano e brasileiro. In: SALLES, Carlos Alberto de. (Coord.). As grandes
transformações do processo civil brasileiro: homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. São Paulo:
Quartier Latin, 2009. p. 972.
110
apresentam a credibilidade, a seriedade, o conhecimento técnico-
científico, a capacidade econômica, a possibilidade de produzir uma
defesa processual válida, dados sensíveis esses que constituem as
características de uma ‘representatividade’ idônea e adequada. E, mesmo
na atuação do Ministério Público, têm aparecido casos concretos em que
os interesses defendidos pelo parquet não coincidem com os verdadeiros
valores sociais da classe de cujos interesses ele se diz portador em juízo.”
366
Para casos como esses ilustrados pela Professora Ada Pellegrini Grinover que
seria interessante conceder ao juiz o controle sobre a adequação da representatividade.
Os elementos para a certificação, nos Estados Unidos, estão na Rule
23 (a) e a tipificação das class actions é acertada conforme a Rule 23 (b).
Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior367 apontam que, no direito
brasileiro, a certificação também deve ocorrer, porém, na fase de saneamento,
como uma garantia para o réu, pois o procedimento coletivo traz inúmeras e
graves consequências para as partes, portanto, seria uma exigência natural.
Esses autores se referem a tal necessidade como um princípio, o princípio da
adequada certificação da ação coletiva.
Flávia Hellmeister Clito Fornaciari368 destaca que,
independentemente do texto legal, o juiz deve aferir os requisitos de
admissibilidade da demanda coletiva no despacho saneador, pois a
representatividade adequada seria inerente ao sistema, independendo, assim, de
previsão legal.
Nesse sentido, os autores apontam que a legislação brasileira, na Lei
de Improbidade Administrativa – Lei n. 8.429 de 1992, em seu artigo 17,
parágrafo 6º, - prevê uma fase própria para a verificação da existência de
elementos mínimos de prova. Por ser a Lei de Improbidade Administrativa
parte do microssistema processual coletivo, esse mesmo dispositivo poderia ser
aplicado a qualquer ação coletiva, segundo Fredie Didier Júnior e Hermes
366 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ações coletivas ibero-americanas: novas questões sobre a legitimação e a
coisa julgada, in Revista Forense, n. 301, p.3-12.
367 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. vol.4.
5.ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2010. p. 113-114.
368 FORNACIARI, Flávia Hellmeister Clito. Representatividade adequada nos processos coletivos. Tese
de Doutorado orientada pela Professora Ada Pellegrini Grinover a apresentada à Faculdade de Direito da
USP. São Paulo: Faculdade de Direito da USP, 2010. p.62-63.
111
Zaneti Júnior369. No entanto, em posição oposta, Susana Henriques da Costa
aponta:
“Por serem produto de um mesmo movimento histórico e
jurídico, às leis da ação popular, ação civil pública e ação de
improbidade administrativa aplicam-se os mesmos princípios e
regras interpretativas previstos para os processos coletivos. São
todas demandas coletivas e, como tais, sujeitas à disciplina da
teoria geral do processo coletivo.
O fato de as demandas acima mencionadas serem todas
coletivas, entretanto, não implica automaticamente a conclusão
de que os dispositivos legais sejam interdependentes, ou seja,
de que as leis tenham aplicação recíproca. [...] A comunhão de
regras específicas, ao contrário dos princípios, somente pode
decorrer por expressa previsão legal.” 370
Assim, em sentido oposto ao defendidos pelos mencionados autores,
a aplicação do dispositivo da Lei de Improbidade Administrativa somente seria
possível se houvesse previsão expressa na lei.
Eurico Ferraresi ensina:
“As novas tendências apontam que nos países do sistema civil
law, a aferição da representatividade adequada se faz mediante
critérios previamente estabelecidos pela lei. A aferição caso a
caso, realizada pelo juiz, acerca do preenchimento da
representatividade adequada sobressai no sistema norte -
americano, sendo raros os países que preveem esse tipo de
controle individualizado pelo juiz.” 371
De acordo com Susana Henriques da Costa372, o controle judicial
da representatividade adequada deve ser permitido tanto no aspecto
quantitativo, quanto no qualitativo, pois, pelo primeiro, não se deve admitir a
movimentação da máquina judiciária para uma demanda que, provavelmente,
será reproposta; pelo segundo, não há como controlar a qualidades das peças
369 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. vol.4.
5.ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2010. p. 113-114.
370 COSTA, Susana Henriques da. O processo coletivo na tutela do patrimônio público e da moralidade
administrativa. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 133-135.
371 FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo:
instrumentos processuais coletivos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.118.
372 COSTA, Susana Henriques da. O processo coletivo na tutela do patrimônio público e da moralidade
administrativa. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 975/976.
112
apresentadas. Apesar do esquema da coisa julgada coletiva, no Brasil, ser
garantista (artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor), não é efetivo
permitir o prosseguimento de uma demanda que tem altos riscos de ser proposta
novamente, como destacado. Dessa forma, Susana Henriques da Costa conclui:
“Sob todos os pontos de vista, portanto, o controle judicial da
representatividade adequada se mostra melhor e mais efetivo.
Sendo a efetividade o móvel do processo civil moderno, não há
por que negar a possibilidade de o juiz apreciar a aptidão do
legitimado coletivo em representar os membros ausentes na
relação jurídica processual.” 373
O artigo 13 do Código de Processo Civil cuida da deficiência na
representação no processo civil individual clássico. Como os institutos e
princípios do processo civil tradicional não devem ser simplesmente
transpostos para o processo coletivo, não é possível a aplicação do dispositivo
na seara coletiva.374
3.7 Princípio da não taxatividade da ação e do processo coletivo
O princípio da não-taxatividade pode ser analisado sob dois ângulos diversos.
Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. trazem essas duas facetas da seguinte maneira: a
análise através dos artigos: 1º, IV, da Lei da Ação Civil Pública e 5º, XXXV e 129, III, da
Constituição Federal, que delineiam um rol amplo para a tutela de direitos coletivos lato
sensu; e a análise do artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor, que permite todas as
373 COSTA, Susana Henriques da. O controle judicial da representatividade adequada: uma análise dos
sistemas norte-americano e brasileiro. In: SALLES, Carlos Alberto de. (Coord.). As grandes
transformações do processo civil brasileiro: homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. São Paulo:
Quartier Latin, 2009. p. 975.
374 “Art. 13, CPC. Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes,
o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito. Não sendo cumprido o
despacho dentro do prazo, se a providência couber: I - ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo;
II - ao réu, reputar-se-á revel; III - ao terceiro, será excluído do processo.” Nesse sentido: FORNACIARI,
Flávia Hellmeister Clito. Representatividade adequada nos processos coletivos. Tese de Doutorado
orientada pela Professora Ada Pellegrini Grinover a apresentada à Faculdade de Direito da USP. São Paulo:
Faculdade de Direito da USP, 2010. p.61.
113
formas de tutela para a defesa dos interesses transindividuais375, que é aplicável a todo o
sistema coletivo por força do artigo 21 da Lei da Ação Civil Pública. Gregório Assagra de
Almeida traz os mesmos artigos para fundamentar que qualquer direito coletivo poderá ser
objeto de ação coletiva, não subsistindo a regra da taxatividade que existia no sistema
anterior à Constituição Federal de 1988 e ao Código de Defesa do Consumidor376 e,
segundo o autor, a assertiva se reforça com o “princípio da máxima amplitude da tutela
jurisdicional coletiva”, “[...] previsto no art. 83 do CDC e aplicável a todo o direito
processual coletivo, por força do art. 21 da LACP.” 377, possibilitando o uso de todos os
instrumentos processuais necessários e eficazes para a tutela jurisdicional coletiva: “Com
efeito, cabe ação de conhecimento, com todos os tipos de provimentos (declaratório,
condenatório, constitutivo ou mandamental), ação de execução, em todas as suas espécies,
ação cautelar e respectivas medidas de efetividade pertinentes. Cabe inclusive a
antecipação da tutela jurisdicional no Processo Coletivo de Execução.”. 378
Assim, preferimos unir as duas facetas nesse princípio da não taxatividade da
ação e do processo coletivo, no entanto, a divisão em dois outros princípios não altera o
conteúdo nem prejudica a abordagem.
Dessa maneira, qualquer restrição ou tentativa de restrição ao objeto da ação
coletiva ou ao tipo de tutela jurisdicional dos interesses transindividuais deve ser ignorada
pelo intérprete, que deverá interpretar conforme o texto normativo, para adequá-lo ao
microssistema e à Constituição Federal, na proposta de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti
Jr.379. No entanto, em sentido contrário, José Carlos Baptista Puoli, comentando o
parágrafo único do artigo 1º da Lei da Ação Civil Pública, que foi redigido com a
finalidade de evitar que a ação civil pública seja usada para questionar tributos,
contribuições previdenciárias e questões relativas ao Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço, afirma que a ação civil pública que traga a matéria constante nesse parágrafo
375 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.125.
376 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.575.
377 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.575.
378 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.578.
379 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.129.
114
único deverá ser extinta sem julgamento do mérito por impossibilidade jurídica do
pedido.380
Outra limitação legal encontrada é o artigo 21, parágrafo único, da Lei n.
12.016 de 2009, a Lei do Mandado de Segurança, que determina que os direitos coletivos
que podem ser objeto do mandado de segurança coletivo são os coletivos em sentido estrito
e os individuais homogêneos. Dessa maneira, os difusos permanecem fora do âmbito do
instrumento mandamental. Essa questão é tormentosa, pois o constituinte originário
concedeu ao mandado de segurança status de direito fundamental individual e coletivo (cf.
artigo 5º, incisos LXIX e LXX) e qualquer limitação a direito fundamental deve receber
uma justificativa constitucional, o que se mostra difícil de se sustentar, pois qualquer
direito líquido e certo, seja ele individual ou coletivo, caso seja provado documentalmente,
pode, em tese, ser objeto de mandado de segurança, desde que não seja cabível o habeas
data ou o habeas corpus. Segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. 381, o dispositivo
em comento é inconstitucional por ofensa ao princípio da inafastabilidade da
jurisdição, previsto no inciso XXXV do artigo 5º da Carta Magna, afirmando:
“Ter um direito sem ter uma ação adequada para defendê-lo significa não
poder exercê-lo, o que fere de morte a promessa constitucional e a força
normativa da Constituição que dela decorre.” . 382 Apontam os autores mencionados
que o dispositivo criticado está em descompasso com a evolução doutrinária e
jurisprudencial da tutela coletiva, pois muito foi discutido sobre o objeto do mandado de
segurança coletivo e a tese que prevaleceu foi a mais ampla, no sentido de todas as
espécies de interesses transindividuais serem tuteláveis por mandado de segurança
coletivo383. Dessa forma, afirmam os autores que a interpretação literal do dispositivo
implica um retrocesso social, prejudicando a tutela constitucionalmente adequada.
380 PUOLI, José Carlos Baptista. Comentários ao artigo 1º. In: COSTA, Susana Henriques da. (Coord.).
Comentários à Lei de Ação Civil Pública e Lei de Ação Popular. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
p.327.
381 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.128.
382 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.127.
383 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.128. Nesse sentido: STF, RE 181.438-1/SP, Tribunal Pleno, relator
Ministro Carlos Velloso, RT 734/229).
115
Ada Pellegrini Grinover, ao analisar o mandado de segurança coletivo no ano
de 1998, o classificou como uma ação de eficácia potenciada pela própria Constituição
Federal e, assim, “Qualquer lei e qualquer interpretação restritivas serão
inquestionavelmente inconstitucionais.” 384. A autora defende que o intérprete deve
considerar esse aspecto ao analisar o mandado de segurança coletivo e buscar
retirar da norma a maior carga de eficácia possível, portanto, sendo possível a
defesa de qualquer espécie de interesse coletivo por meio desse instrumento:
“Mas nenhuma outra restrição deve sofrer quanto aos interesses
e direitos protegidos: além da tutela dos direitos coleti vos e
individuais homogêneos, que se titularizam nas pessoas filiadas
ao partido, pode o partido buscar, pela via da segurança
coletiva, aquela atinente a interesses difusos, que transcendam
aos seus filiados.” 385
Outro aspecto a ser destacado relacionado a este princípio é a irrelevância do
“nome” dado à ação, pois para fins de admissibilidade da demanda, o nome não importa386.
Embora essa já seja uma orientação corrente no processo civil como um todo e decorrente
da atual fase do processo, a instrumentalista, importa destacar isso em relação à
identificação da ocorrência de litispendência, coisa julgada ou a conexão e a continência.
Para a identificação da ocorrência desses institutos processuais, deve-se analisar o pedido e
a causa de pedir. Embora o âmago do trabalho sejam os princípios do processo civil
aplicáveis ao processo civil coletivo, esses institutos mencionados da relação entre
demandas apresentam peculiaridades na seara processual coletiva, e merecem breve
menção:
384 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
p.99.
385 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
p.101.
386 Nesse sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo
coletivo. v.4. 5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.126-127.
116
3.7.1 Controle da conexão, continência e litispendência entre ações coletivas
3.7.1.1 Litispendência
Quando dois ou mais processos forem iguais, ou seja, tiverem total identidade
de elementos, ou seja, mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido, eles trarão
em si a mesma demanda, o que ocasiona o efeito da litispendência387, que é a situação de
“processo pendente”, ou seja, ainda em curso, como afirma Cândido Rangel Dinamarco388.
Portanto, o efeito da litispendência é o impedimento da instauração válida e eficaz de outro
processo com a mesma demanda já levada a juízo, como determina o artigo 301, inciso V,
parágrafos 1º a 3º.
Essa é a concepção clássica do processo civil individual, que transposta para o
processo civil coletivo poderia nos levar a afirmar que duas demandas coletivas com
mesma causa de pedir e mesmo pedido, mas propostas por legitimados ativos distintos, não
seriam idênticas. Tal assertiva é equivocada, pois assume que “parte” no processo coletivo
teria o mesmo contorno que no processo individual. Como destaca Cândido Rangel
Dinamarco, quando trata do processo civil tradicional:
Partes da demanda são o sujeito que comparece perante o juiz pedindo
tutela jurisdicional e aquele em relação ao qual essa tutela é pedida
(Chiovenda). É, de um lado, um sujeito que externa sua dupla pretensão
ao Estado-juiz, para que este lhe preste o serviço jurisdicional e para que,
por este meio, faça valer seu interesse a haver o bem da vida; e, de outro,
a pessoa cuja interesse o primeiro quer que seja sacrificado para que o seu
seja satisfeito. 389
No processo coletivo, a legitimação ativa não é a ordinária, ou seja, aquela
tradicional do artigo 6º do Código de Processo Civil, mas feita de forma hipotética pela
387 Cf. Artigo 301, parágrafo 2º, Código de Processo Civil e; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito
processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. v. 1, Salvador: Juspodivm,
2006. p. 131.
388 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.2. 6.ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 50. “Formado, o processo considera-se existente e, portanto, pendente. Pendente é algo
que já foi constituído e ainda existe, não foi extinto.”.
389 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.2. 6.ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 117-118.
117
legislação que compõe o microssistema processual coletivo em seus artigos 5º da Lei da
Ação Civil Pública e 82 do Código de Defesa do Consumidor390. Assim, diferentes
legitimados coletivos podem representar a mesma coletividade, de forma que a parte, em
cada caso prático, deve ser estudada para que se analise qual a situação jurídica de direito
material existente e se busque soluções para eventuais problemas surgidos nos casos
concretos. Assim, o que se analisa, nas demandas coletivas, é a relação de direito material
existente.391
Para a identificação do autor, o que importa é a sua condição jurídica, ou seja,
qual a sua relação com a situação jurídica de direito material deduzida. Isto ocorre devido
às peculiaridades dos interesses transindividuais, que possuem titulares indeterminados ou
determináveis, elevada conflituosidade interna, liame fundado em relações fáticas, dentre
outras. Assim, diferentemente do processo civil individual, não é relevante aqui a
identidade física ou institucional. Portanto, pode ocorrer litispendência entre uma ação
popular e uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público, mesmo que aquela
tenha sido proposta por cidadão e esta pelo Parquet, por exemplo. 392 Assim, a
litispendência entre demandas coletivas é possível. 393 Nesse mesmo sentido é a Súmula 1
do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo:
SÚMULA 1. “Se os mesmos fatos investigados no inquérito civil foram
objeto de ação popular julgada improcedente pelo mérito e não por falta
de provas, o caso é de arquivamento do procedimento instaurado.”
Fundamento: Cotejando uma ação popular e uma ação civil pública, pode
haver o mesmo pedido e a mesma causa de pedir (p. ex., na defesa do
meio ambiente ou do patrimônio público, cf. LAP e LACP, e art. 5º
LXXIII, da CF). Numa e noutra, tanto o cidadão como o Ministério
Público agem por legitimação extraordinária, de forma que, em tese, é
possível que a decisão de uma ação popular seja óbice à propositura de
uma ação civil pública (coisa julgada), o que pode ocorrer tanto se a ação
390 Importante destacar brevemente que o modelo processual coletivo brasileiro adotou a legitimidade
taxativa, que está prevista no rol do artigo 5º, da Lei n. 7.347/85, em dissonância com o modelo da common
law, o qual adota o sistema da representatividade adequada, pelo qual o magistrado analisará em casa
situação concreta a capacidade de representação do sujeito que veio a juízo para representar os interesses de
um grupo.
391 Cf. STJ, REsp 1168391 / SC, Relatora Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, DJ. 20/05/2010, Publicado em
31/05/2010.
392 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.
229.
393 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor,
patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 22. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva,
2009. p. 256-257.
118
popular for julgada procedente, como também se for julgada
improcedente pelo mérito, e não por falta de provas (art. 18 da Lei n.º
32.600/93).
Quanto à litispendência entre ações coletivas e ações individuais, o artigo 104
do Código de Defesa do Consumidor394 nega a possibilidade entre ações coletivas que
versem sobre interesses coletivos ou difusos e ações individuais, pois partes e pedido não
coincidem (dano diferenciado). A interpretação a contrario sensu levaria à conclusão da
possibilidade de litispendência entre ação individual e ação coletiva sobre interesses
individuais homogêneos, mas tal conclusão não é precisa, porque os objetos e partes são
distintos. Sobretudo, jamais o ajuizamento de uma ação coletiva poderia ensejar
litispendência com ações individuais, impedindo o acesso do jurisdicionado ao Poder
Judiciário, pois violaria o direito de ação, como tem sido decidido pelo Superior Tribunal
de Justiça em inúmeros julgados, como, por exemplo, no REsp n. 264.423-RS395 e no
AgRg no Agravo de Instrumento n. 1.400.928 – RS.396
Quanto ao momento da caracterização da prevenção do juízo, no processo
coletivo, está disposto no parágrafo único do artigo 2º, da Lei n. 7.347/85397, que é a
propositura da ação, ou seja, da distribuição, onde haja mais de uma vara, ou com o
despacho do juiz da petição inicial. Quanto ao efeito do reconhecimento da litispendência,
o Superior Tribunal de Justiça aplicou nos Embargos de Declaração nos Embargos de
Declaração no Mandado de Segurança Coletivo n. 13.547/DF, o artigo 267, inciso V, e
parágrafo 3º, do Código de Processo Civil, ou seja, a extinção do segundo mandado de
segurança sem o julgamento do mérito em decorrência do reconhecimento da
litispendência398, que é o mesmo efeito aplicado para o reconhecimento da litispendência
394 Art. 104, CDC: “As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não
induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra
partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais,
se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da
ação coletiva.”.
395 Em decisão a contrario sensu, cf. Recurso Especial n. 1.110.549-RS, que teve como Relator o Ministro
Sidnei Beneti e julgado em 28 de outubro de 2009.
396 STJ, AgRg no Agravo de Instrumento n. 1.400.928 – RS, Relator Ministro Benedito Gonçalves.
397 Texto do dispositivo: “Art. 2º, Parágrafo único: A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para
todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.”.
398 STJ, EDcl nos EDcl no MS 13547 / DF, Relator Ministro OG Fernandes, 3ª Seção, Data do Julgamento:
22/05/2013, publicado em 31/05/2013. No mesmo sentido quanto aos efeitos: STJ, AgRg na MC 14216 /
RS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 3ª Seção, DJ. 08/10/2008, publicado em 23/10/2008.
119
no âmbito processual tradicional e defendido por parte da doutrina, como Fredie Didier Jr.
e Hermes Zaneti Jr. 399. No entanto, há corrente oposta que defende a reunião das
demandas coletivas. Foi nesse sentido que decidiu a 2ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça, no Recurso Especial n. 642.462 / PR, relatado pela Ministra Eliana Calmon, em
08/03/2005400, desde que observado o limite territorial imposto pelo artigo 16 da Lei da
Ação Civil Pública, segundo a Ministra Relatora. Segundo Marcelo Henrique Matos
Oliveira401, tal posicionamento se justifica pelo elevado interesse social presente nas ações
coletivas e com base na estrutura principiológica do processo civil coletivo, que demanda a
revisitação de conceitos tradicionais do processo civil individual:
É por isso que a reunião dos processos de natureza coletiva para serem
julgados conjuntamente demonstra-se mais adequado, principalmente por
propiciar o fortalecimento da proteção do interesse social contido nessas
ações, e não a simples aplicação das normas estabelecidas no processo
individual. Além disso, não restringe a possibilidade de defesa dos
interesses em jogo por aquele que foi mais rápido na propositura da
demanda, até porque nem sempre aquele que propõe primeiramente o fez
de forma adequada e com densidade probatória para futura sentença de
procedência. Tudo isso evidencia a possibilidade de, não reunindo os
processos, acarretar sérios prejuízos à coletividade. 402
3.7.1.2 Conexão
No artigo 103, Código de Processo Civil, conexão é definida pela identidade da
causa de pedir ou do objeto (pedido). 403 Cândido Rangel Dinamarco define conexão da
399 Nesse sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo
coletivo. v.4. 5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.177.
400 Nesse sentido: STJ, REsp n. 642.462/PR: “As ações que têm objeto idêntico devem ser reunidas, inclusive
quando houver uma demanda coletiva e diversas ações individuais, mas a reunião deve observar o limite da
competência territorial da jurisdição do magistrado que proferiu a sentença. Hipótese em que se nega a
litispendência porque a primeira ação está limitada ao Município de Londrina e a segunda ao Município de
Cascavel, ambos no Estado do Paraná.”.
401 OLIVEIRA, Marcelo Henrique Matos. Litispendência e conexão no processo coletivo brasileiro.
Disponível em: <www.seer.ufu.br/index.php/revistafadir/article/download/18547/12649>. Acesso em: 11
de setembro de 2013. p.15.
402 OLIVEIRA, Marcelo Henrique Matos. Litispendência e conexão no processo coletivo brasileiro.
Disponível em: <www.seer.ufu.br/index.php/revistafadir/article/download/18547/12649>. Acesso em: 11
de setembro de 2013. p.18.
403 “Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando Ihes for comum o objeto ou a causa de pedir.”
120
seguinte forma: “[...] é a relação de semelhança entre duas ou várias demandas que
tenham um ou mais elementos constitutivos em comum, sem terem todos [...]”, pois, se
todos os elementos fossem iguais, teriam demandas iguais, não conexas. 404 A relação de
conexidade é recíproca, pois não há preponderância de uma demanda em relação à outra.
Adotou-se, dessa maneira, a teoria dos três elementos da demanda para identificar a
conexão entre elas: “Há nessa definição nítida remissão aos três eadem, que
tradicionalmente servem de apoio para a identificação e comparação entre demandas.
Ocorre conexidade quando duas ou várias demandas tiverem por objeto o mesmo bem da
vida ou forem fundadas no mesmo contexto de fatos.” 405, mas recomenda a doutrina406
certa flexibilidade nessa análise, pois a conexidade deve ser avaliada quanto à sua utilidade
nas consequências, conferindo-se ao juiz certa margem de liberdade para aferir a utilidade-
necessidade na harmonia de julgados e na formação de sua convicção quanto a mais de
uma demanda. Observa Cândido Rangel Dinamarco que essa orientação, apesar de vaga,
tem suas vantagens com a flexibilização dos critérios e merece ser observada407. Fredie
Didier Jr. também critica a opção legal do modo de definir conexão e aponta a tendência,
na prática, da adoção da Teoria Materialista, que averigua a identidade da relação jurídica
de direito material, fornecendo maior garantia de julgamentos uniformes e economia
processual408. Nesse sentido, entendeu a Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do
404 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.2. 6.ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 154.
405 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.2. 6.ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 154.
406 Nesse sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.2. 6.ed. São
Paulo: Malheiros, 2009. p. 156. Também: DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria
geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. v. 1, Salvador: Juspodivm, 2006. p. 132-133. Critica o
autor o conceito legal que não abrange outras situações em que a conexão também ocorre e a flexibilização
acaba por ocorrer também na jurisprudência (RP 3/330, em. 51; STJ RT 762/197). Há três teorias sobre a
conexão, as quais são: a teoria tradicional (artigo 103, CPC), a teoria de Carnelluti, que defende a
identidade de questões, e a teoria materialista, que conceitua a conexão pela identidade da relação jurídica
de direito material, que leva a consequências positivas, tais como julgamentos uniformes e economia
processual. Esta última é a que prevalece. LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 251. “São admitidos pacificamente como casos de conexão situações
que não se enquadram no conceito estritamente legal, e não obstante não haja identidade ou comunhão
integral de causa ou de pedidos, justifica-se a identificação da conexão e a reunião das ações pela afinidade
da relação substancial. O que prepondera é o proveito econômico e a instrumentalidade processual,
mitigando-se a rígida concepção legal do fenômeno.” CRUZ E TUCCI, José Rogério. A causa petendi no
processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 169-170.
407 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.2. 6.ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 156.
408 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 6. ed. v. 1, Salvador: Juspodivm, 2006. p. 134.
121
Recurso Especial n. 1.087.783 / RJ, ao afirmar: “O escopo do artigo 103 do CPC, além da
evidente economia processual, é, principalmente, evitar a prolação de decisões
contraditórias ou conflitantes. Com vistas a dotar o instituto de efetividade, evitando a
reunião desnecessária – ou até mesmo imprópria – de ações, o art. 105 do CPC confere
certa margem de discricionariedade ao Juiz para que avalie a conveniência na adoção do
procedimento de conexão.”. 409
Assim, o artigo 105 do Código de Processo Civil fala que o juiz “pode” reunir
as ações conexas para julgamento conjunto. No entanto, afirma Fredie Didier Jr. que, caso
a conexão venha acompanhada de risco de decisões contraditórias e a possibilidade de
reunião devido a mesma competência absoluta, deve o magistrado reunir os processos por
se tratar de norma processual cogente.410
A conexão em causas coletivas pode modificar competência territorial, que é
absoluta na seara coletiva, de acordo com o parágrafo único do artigo 2º da Lei n. 7.347 de
1985,411 que permite a reunião dos processos para julgamento simultâneo, de acordo com a
letra da lei e também de acordo está Fredie Didier Júnior. 412 No entanto, se aplicado o
artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública413, que restringe a eficácia subjetiva da coisa
julgada na ação coletiva ao limite territorial do órgão prolator da decisão, somente haverá
conexão naquele limite territorial. Entretanto, malgrado o texto legal, é mais conveniente o
entendimento de que o referido artigo 16 estaria tacitamente revogado e inválido pelo
artigo 2º, parágrafo único, da mesma lei, embora haja decisões jurisprudenciais nos dois
409 STJ, Recurso Especial n. 1.087.783/RJ, Relatora Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ. 01/09/2009.
Publicado em 10/12/2009.
410 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 6. ed. v. 1, Salvador: Juspodivm, 2006. p. 132.
411 “Artigo 2º, Parágrafo único: A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações
posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.”
412 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 6. ed. v. 1, Salvador: Juspodivm, 2006, p. 136. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos
interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros
interesses. 22. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 261-262. “A reunião de processos em
razão da conexão só se dará, porém, se o juízo, junto ao qual se pretende a reunião, for competente para
todas as ações. Assim, p.ex., como a competência da Justiça Federal é absoluta (CR, art. 109), “não se
admite sua prorrogação por conexão, para abranger causa em que ente federal não seja parte na condição de
autor, réu, assistente ou opoente”; assim, a reunião dos processos por conexão só tem cabimento se o
mesmo juízo for competente para julgar as diversas causas.”.
413 “Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão
prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que
qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.”.
122
sentidos, tanto no sentido da aplicação do artigo 16, quanto no da sua revogação tácita,
assim: “Esse regramento especial da conexão em causas coletivas leva-nos a concluir que
a vetusta lição de que conexão modifica competência relativa deve ser revista. Conexão
pode modificar competência territorial, em regra relativa, mas que, em alguns casos, pode
ser absoluta.”. 414
Quanto à possibilidade de conexão entre uma demanda coletiva e uma
individual Hugo Nigro Mazzilli aponta que: “[...] casos há em que, em tese, também é
possível haver conexão, continência ou até litispendência entre ação civil pública ou
coletiva e algumas outras ações civis, ainda que estas não sejam ações civis públicas ou
coletivas propriamente ditas.” 415. As hipóteses de ocorrência de conexão são várias,
dentre as quais, trazidas por Hugo Nigro Mazzilli416: a) uma ação civil pública ambiental
que anteceda ações individuais para impedir o mau uso da propriedade vizinha, que emite
poluentes prejudiciais à saúde; b) ações individuais ou ações coletivas para a defesa de
direitos coletivos ou individuais homogêneos em andamento e ocorre o ajuizamento de
ação coletiva para a defesa de interesses difusos conexos com os interesses já levados à
apreciação judicial; c) também é possível que já esteja em andamento uma ação coletiva e
ações individuais conexas são ajuizadas. Para que o indivíduo se beneficie in utilibus dos
efeitos ultra partes ou erga omnes da coisa julgada coletiva, é necessário que requeira a
suspensão da ação individual em trinta dias, contados da ciência da ação coletiva417.
Importante frisar que ação coletiva que verse somente sobre interesses difusos não
influencia ações individuais, mas pode ocorrer que a coisa julgada coletiva sobre interesses
difusos seja usada in utilibus pelos indivíduos lesados.418
414 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 6. ed. v. 1, Salvador: Juspodivm, 2006. p. 137. Cf. STJ, CC 115532 / MA, Relator Ministro
Hamilton Carvalhido, 1ª Seção, DJ. 14/03/2011, Publicado em 09/05, 2011, que entendeu pela aplicação do
artigo 2º da Lei da Ação Civil Pública de forma a beneficiar os princípios da segurança jurídica e da
economia.
415 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor,
patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 22. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva,
2009. p. 254.
416 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor,
patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 22. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva,
2009. p. 255-256.
417 A Nova Lei de Mandado de Segurança (artigo 22, parágrafo 1º, Lei n. 12.016/09) tratou o tema de forma
distinta. Para que o autor individual possa se beneficiar do julgado coletivo, deverá requerer a desistência
da ação individual.
418 Cf. item sobre a correlação entre o pedido e a sentença.
123
Mesmo que baseadas nos mesmos fundamentos fáticos, as ações individuais
não ficam impedidas pelo ajuizamento de ações coletivas, sobretudo quanto aos danos
variáveis. Isto não poderia ser diferente, pois é garantia individual de todos os cidadãos o
acesso à jurisdição, como preceitua o inciso XXXV do artigo 5º do texto constitucional e a
tutela coletiva objetiva a ampliação do acesso ao Poder Judiciário, não a sua restrição.419
Como efeito da conexão, o juiz tem a faculdade de reunir os processos,
conforme dita o artigo 105, Código de Processo Civil. São os seguintes fundamentos que
justificam a reunião dos processos para julgamento conjunto: mais celeridade, menos
onerosidade e a prevenção da ocorrência de decisões contraditórias (ordem pública). Há
entendimento de Nelson Nery Júnior e Rosa Nery no sentido de que, em matéria de ordem
pública, o juiz deve conhecer da conexão de ofício. 420 Em sentido diverso, está Hugo
Nigro Mazzilli, que afirma que:
“[...] deve mesmo existir uma certa margem de discricionariedade para o
juiz ao avaliar até que ponto convém ou não a reunião das ações, para o
que deverá levar em conta: a) a fase processual de cada uma delas no
momento em que se identifica o nexo; b) qual o grau ou a intensidade da
conexão entre elas, e em que nível seu julgamento em separado poderá
provocar decisões inconciliáveis. Caso seja muito tênue o grau de
conexidade e nula a possibilidade de conflito entre eventuais julgados
isolados, a reunião poderá ser recusada.” 421
Quando admitida a reunião de processos, os autores, ainda que individuais, das
demais ações podem intervir como assistentes litisconsorciais. O juiz somente limitará o
litisconsórcio facultativo, quanto ao número de litigantes, quando possa comprometer a
celeridade do caso ou comprometer a defesa, como dispõe o parágrafo único do artigo 46.
422
419 Em decisão a contrario sensu, cf. Recurso Especial n. 1.110.549-RS, que teve como Relator o Ministro
Sidnei Beneti e julgado em 28 de outubro de 2009.
420 NERY JR., Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação
extravagante. 11.ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010. p. 378. Comentários ao artigo 105, CPC.
421 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor,
patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 22. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva,
2009. p. 261. Nesse sentido também: REsp n. 112.647-RJ.
422 Art. 46, parágrafo único, CPC: “O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de
litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. O pedido de limitação
interrompe o prazo para resposta, que recomeça da intimação da decisão.”.
124
3.7.1.3 Continência
A relação de continência423 entre demandas considera os elementos concretos
destas, tanto os subjetivos quanto os objetivos. Segundo Cândido Rangel Dinamarco, “Há
relação de continência entre duas demandas quando uma delas, por conter um pedido
mais extenso ou fundar-se em razões mais amplas, contém em si a outra.” 424 O Código de
Processo Civil definiu a continência em seu artigo 104 com a seguinte redação: “Dá-se a
continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto às partes e à causa
de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o das outras.”. Os efeitos da
continência são os mesmos da conexão, pois o Código de Processo Civil as trata de forma
uniforme.
A continência ocorre quando há identidade entre o elemento subjetivo da
demanda, ou seja, as partes, identidade de causa de pedir, mas um pedido é mais
abrangente do que o outro. Dessa forma, a continência é uma espécie de conexão, pois para
que haja continência é necessária a identidade da causa de pedir, configurando já a
conexão.
Não pode haver continência entre demanda coletiva e demanda individual, pois
o máximo de identidade entre demandas que poderá ocorrer será entre a causa de pedir
remota, isto é, os fatos, ocasionando eventual conexão, a qual, no entanto, não gerará a
consequência do artigo 105 do Código de Processo Civil, pois a reunião entre esses
processos não traria o melhor resultado. Além disso, como aponta Ricardo de Barros
Leonel: “Ademais, a finalidade do processo coletivo é proteger os interesses coletivos, e
não equacionar questões individuais.”. 425
Os efeitos da continência muito se assemelham aos da conexão. No julgamento
do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 24.196/ES, o STJ reconheceu a
continência entre dois processos, porém a reunião dos processos se mostrou inviável, tendo
423 Prevista no artigo 104, Código de Processo Civil: “Dá-se a continência entre duas ou mais ações sempre
que há identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o
das outras.”.
424 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.2. 6.ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 158.
425 LEONEL, Ricardo de Barros. Pedido e causa de pedir: conexão, litispendência e continência. In:
GOZZOLI, Maria Clara e al. (Coord.). Em defesa de um novo sistema de processos coletivos: estudos
em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 531.
125
em vista que um deles já havia sido julgado (Súmula 235/STJ), resultando na extinção
parcial da segunda ação, somente na parte em que apresenta o mesmo pedido.426
Existe, em nosso ordenamento jurídico, uma dificuldade de controlar a relação
entre demandas por não existir um cadastro nacional de ações coletivas.427
3.8 Princípio da disponibilidade motivada da demanda coletiva
Este princípio circunda algumas previsões legais dentro microssistema
processual coletivo, como o artigo 5º, parágrafo 3º, da Lei da Ação Civil Pública. A
nomenclatura dada a este princípio não é pacífica na doutrina. Gregório Assagra de
Almeida428 adota a denominação usada aqui, a disponibilidade motivada. Já Fredie Didier
Jr. e Hermes Zaneti Jr.429 usam o termo “indisponibilidade”. No julgamento do Recurso
Especial n. 855.181 / SC, o Superior Tribunal de Justiça também adotou o termo “princípio
da indisponibilidade da demanda coletiva”, julgado em 2009430. Independentemente da
preferência terminológica, importa delinear o fenômeno.
Gregório Assagra de Almeida431 afirma que, por este princípio, “a desistência
infundada da ação coletiva ou o seu abandono são submetidos ao controle por parte dos
outros legitimados ativos e especialmente do Ministério Público, que deverá, quando
infundada a desistência, assumir a titularidade da ação.”. É o que prevê o parágrafo 3º do
artigo 5º da Lei n. 7.347/85. Embora a previsão seja expressa na lei, sua justificativa está
426 STJ, RMS 24.196/ES, Relator Ministro Felix Fischer, 5ª Turma, DJ. 13/12/2007, Publicado em
18/02/2008, p. 46.
427 Cf. item sobre o princípio da publicidade e a comunicações aos órgãos competentes.
428 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.573.
429 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.121.
430 STJ, REsp 855181 / SC, Relator Ministro Castro Meira, 2ª Turma, DJ. 01/09/2009, publicado em
18/09/2009.
431 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.573.
126
no interesse social presente nas demandas coletivas432. Em decorrência da previsão legal,
que usa o verbo “dever” em relação ao Ministério Público, Fredie Didier Jr. e Hermes
Zaneti Jr. afirmam que o “processo coletivo vem contaminado pela ideia de
indisponibilidade do interesse público.” 433, mas os autores ressalvam que essa
obrigatoriedade é relativizada com a conveniência e com a oportunidade:
“Claro que esta obrigatoriedade está predominantemente
voltada para o Ministério Público, já que ele tem o dever
funcional de, presentes os pressupostos e verificada a lesão ou
ameaça ao direito coletivo, propor a demanda; mesmo assim,
poderá o parquet fazer um juízo de oportunidade e
conveniência, que equivale a um certo grau de
discricionariedade do agente. Nos casos de inquérito civil já
instruído a não propositura implicará em arquivamento, sujeito
ao controle pelo Conselho Superior do MP (art. 9º da LACP).”
434
Diante dessa constatação de que mesmo o Ministério Público tem critérios de
conveniência e oportunidade, diante de uma fundamentação adequada, não se justifica
denominar o princípio de “indisponibilidade”.
O que há é a obrigatoriedade do Ministério Público intervir como fiscal da lei
quando não for parte o próprio parquet, segundo o inciso III do artigo 82 do Código de
Processo Civil que é norma genérica e aberta a determinar a intervenção ministerial
quando presente o interesse público e o parágrafo 1º do artigo 5º da Lei da Ação Civil
Pública. É o que se dá no âmbito da ação popular, como escrevemos em artigo sobre o
tema:
“A atuação do Ministério Público, na ação popular, será sempre como
fiscal da lei, inicialmente, pois a legitimação é do cidadão. No entanto,
caso o cidadão desista da ação e nenhum outro se habilite para conduzi-
la, caberá ao Parquet fazê-lo (conforme se depreende da leitura do art. 9º
da Lei da Ação Popular). O Ministério Público tem a mesma incumbência
432 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.574.
433 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.121.
434 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.121.
127
para a execução de sentença condenatória, conforme o art. 16 da mesma
lei.” 435
No entanto, também aqui o Ministério Público pode fazer o juízo de
oportunidade para decidir se assume ação popular ou ação civil pública em andamento,
pois não faz sentido “[...] a obrigatoriedade de continuar em processo com demanda
infundada ou temerária.”. 436
Sobre o controle da motivação da desistência ou da não continuidade pelo
Ministério Público da ação coletiva, existem três teorias que cabem serem lembradas. A
primeira delas defende a aplicação, analogicamente, do artigo 28 do Código de Processo
Penal, é o que afirma Gregório Assagra de Almeida437, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de
Andrade Nery438, pois essa desistência ou abandono já não é questão interna corporis do
Ministério Público: “Caso o juiz não concorde com a desistência da ACP pelo MP, aplica-
se analogicamente o CPP 28. O magistrado, então, remeterá os autos ao PGJ, que
insistirá na desistência ou designará outro órgão do MP para assumir a titularidade ativa
da ACP.” 439. A segunda corrente defende a aplicação, feita também de forma
analógica, do artigo 9º da Lei da Ação Civil Pública, que estabelece o controle
pelo Conselho Superior do Ministério Público do arquivamento do inquérito
civil. Por fim, a terceira corrente defende a aplicação do artigo 267, incisos III
e VII do Código de Processo Civil, com a extinção do processo sem o
julgamento do mérito.
435 RICHTER, Bianca Mendes Pereira Richter. Nulidade processual pela falta de intervenção do Ministério
Público. In: Revista dos Tribunais, ano 102, abril de 2013, vol. 930, p.266.
436 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.121.
437 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.573.
438 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.1446.
439 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.1446.
128
III) Processo e conhecimento
3.9 Princípio do devido processo
Para iniciar a análise deste importante princípio, cabe conceituar o termo
central “devido processo legal”. No entanto, conceituar dificilmente se mostra como uma
tarefa fácil, principalmente quando se está diante de termos históricos e amplos. José
Carlos Baptista Puoli440, em sua dissertação de mestrado, conceitua o devido processo
como verdadeiro “princípio síntese” de todos os demais princípios processuais, no mesmo
sentido do processualista também paulista Nelson Nery Junior441 que pontua o princípio do
devido processo como a base dos princípios processuais, sendo que ele, por si só,
dispensaria a necessidade de expressa menção aos demais princípios442. No entanto, outros
autores, como Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior, definem o devido processo em
patamar superior, mas não, por isso, suficiente. Além disso, o devido processo é tido como
o responsável pela conquista de inúmeras garantias mínimas para o processo, tais como o
contraditório e a duração razoável, que devem ser mantidos nos textos legais por existir a
proibição do retrocesso em tema de direitos fundamentais443. Em sentido oposto, José
Rogério Cruz e Tucci aponta que a Constituição Federal incorreu em redundância ao
prever o devido processo em seu artigo 5º, inciso LIV, pois todos os princípios que o
440 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 64.
441 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p. 79. “Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio
do due process of law para que daí decorressem todas as consequências processuais que garantiriam aos
litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os
demais princípios e regras constitucionais são espécies.
Assim é que a doutrina diz, por exemplo, serem manifestações do “devido processo legal” a publicidade
dos atos processuais, a impossibilidade de utilizar-se em juízo de prova obtido por meio ilícito, assim como
os postulados do juiz natural, do contraditório e do procedimento regular.”
442 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p. 79.
443 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Princípio da adequação jurisdicional do processo coletivo –
benfazeja proposta contida no projeto da nova lei de ação civil pública. In: GOZZOLI, Maria Clara et. alli.
(Coord.). Em defesa de um novo sistema de processos coletivos: estudos em homenagem a Ada
Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 246.
129
garantiam já vinham previstos, no entanto, tal repetição foi oportuna, segundo o autor444. Já
Humberto Theodoro Júnior posiciona o devido processo como um “superprincípio”, “[...]
coordenando e delimitando todos os demais princípios que informam tanto o processo
como o procedimento. Inspira e torna realizável a proporcionalidade e razoabilidade que
deve prevalecer na vigência e harmonização de todos os princípios do direito processual
de nosso tempo.”445. Cândido Rangel Dinamarco afirma que a contínua redução
dos conflitos não-jurisdicionalizáveis não teria significado social se não
houvesse a garantia do devido processo, “[...] que por um de seus possíveis
aspectos é a expressão particularizada do princípio constitucional da
legalidade, enquanto voltado ao processo .” 446 O referido autor destaca que o
devido processo legitima os provimentos jurisdicionais na medida em que é o
caminho para a efetividade do contraditório.
É interessante e respeitável a posição defendida por Nelson Nery Junior com
relação à importância do devido processo para o processo civil, ou seja, de gênero dos
demais princípios, dispensando, inclusive, a expressa menção a todos eles no texto
constitucional, que foi feita somente como forma de ênfase, segundo o autor. No entanto,
há que se ter em tela a incipiência da tutela jurisdicional transindividual no ordenamento
pátrio e que a dispensa da menção a diversos princípios, com base somente no devido
processo, poderia ser instrumento de manobra político-jurídica para limitar a eficácia dessa
nova forma de tutela jurisdicional. Assim, entende-se absolutamente necessária a expressa
menção aos princípios na seara coletiva para a garantia de máxima observância destes, no
sentido que o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos caminhava em seu
artigo 3º.
Originariamente, o devido processo foi elaborado para a tutela do tripé vida-
liberdade-propriedade447 e todas as suas derivações. O próprio inciso LIV do artigo 5º da
Carta Magna indica essa inclinação: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens
444 TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias constitucionais do processo em relação a terceiros. Revista do
Advogado, ano XXVIII, n.99, set. 2008. p.63.
445THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. V.1. 44.ed. Rio de Janeiro: Forense,
2006. p.29.
446DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12.ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
p.374.
447 Nesse sentido: NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 81-83.
130
sem o devido processo legal”. No entanto, o texto constitucional que determina a
observância do devido processo é aberto e vago, sendo que a norma que se extraia da
previsão há séculos atrás é diferente da norma que extraímos hoje. É a chamada
historicidade448, ou seja, ocorre a mudança de um conceito de acordo com a evolução da
sociedade com o passar do tempo.
Como forma de atestar essa afirmação, é suficiente a observância da finalidade
do devido processo quando do seu surgimento, no Brasil, que era uma forma protetiva no
âmbito do processo penal, ou seja, com foco estritamente processualístico.449
Destaca Cândido Rangel Dinamarco que o texto constitucional
objetiva delinear um “processo pluralista, de acesso universal, participativo,
isonômico, liberal, transparente, [...] ”450, que, segundo este autor, será
alcançado com a observância do devido processo legal: “[...] porque observar
os padrões previamente estabelecidos na Constituição e na lei é oferecer o
contraditório, a publicidade, possibilidade de ampla defesa etc. ” 451. Além
disso, a cláusula do devido processo permite que a Corte julgue a causa em
análise ao mesmo tempo em que fixa parâmetros para os casos futuros, diante
de sua fluidez. Essa característica se reflete, nos países de direito continental,
na dificuldade enfrentada pelo Poder Judiciário em solucionar casos que
envolvam normas programáticas constitucionais sem a devida regulamentação
infraconstitucional.452
448NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. p.83. “O conceito de “devido processo” foi-se modificando no tempo, sendo que doutrina
e jurisprudência alargaram o âmbito de abrangência da cláusula, de sorte a permitir interpretação elástica, o
mais amplamente possível, em nome dos direitos fundamentais do cidadão.”. DIDIER JR., Fredie; ZANETI
JR., Hermes. Princípio da adequação jurisdicional do processo coletivo – benfazeja proposta contida no
projeto da nova lei de ação civil pública. In: GOZZOLI, Maria Clara et. alli. (Coord.). Em defesa de um
novo sistema de processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 245. Cf. VIGORITI, Vincenzo. Garanzie costituzionali del processo civile.1973, p.35,
sobre correttezza processuale.
449 Nesse sentido: NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 83.
450 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituição de direito processual civil. Vol.1. 6.ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p.203.
451 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituição de direito processual civil. Vol.1. 6.ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p.203.
452 Cf. parte sobre o ativismo judicial neste trabalho.
131
A Constituição Federal garante proteção ao processo mediante a enumeração
de princípios e garantias, na chamada tutela constitucional do processo. 453 Ao mesmo
tempo, o processo funciona como meio de efetivação dos preceitos constitucionais. 454 É o
que Cândido Rangel Dinamarco chama dos dois sentidos vetoriais.
A Constituição Federal adotou como fundamento da República Federativa do
Brasil, em seu artigo 1º, inciso III, a dignidade humana, que merece especial destaque e
proteção em todas as questões particulares455. Bruno Silveira de Oliveira e Francisco
Vieira Lima Neto456 denominam “devido processo constitucional” o direito positivo
combinado aos valores incorporados pela sociedade através de dois milênios como direitos
do homem, ou seja, o devido processo constitucional é o “conjunto dos direitos processuais
fundamentais”.
Com relação ao processo civil, a Constituição Federal adotou como princípio
fundamental o devido processo, expressão que advém do direito inglês (due process) e se
encontra previsto no artigo 5º, inciso LIV (“ninguém será privado da liberdade ou de seus
bens sem o devido processo legal”), do nosso texto constitucional. Marco Eugênio Gross457
aponta que o fundamento para o devido processo encontra-se disposto nos seguintes
dispositivos do texto constitucional, além do já mencionado inciso LIV, artigo 5º, incisos
XXXV e LV e o artigo 37. Segundo este autor, o devido processo tem a dimensão na
protetividade dos direitos em todos os procedimentos instaurados pelo poder público.458
453 Alguns exemplos dos princípios e garantias presentes no texto constitucional são: artigo 5º, inciso XXXV:
inafastabiliade da jurisdição; inciso XXXVII: vedação aos tribunais de exceção; inciso LIII: princípio do
juiz natural; inciso LIV: devido processo legal; inciso LV: contraditório e ampla defesa; inciso LVI:
vedação das provas ilícitas; inciso LX: princípio da publicidade; inciso LXVII: vedação da prisão civil por
dívidas; inciso LXXIV: assistência gratuita como corolário do acesso à justiça.
454 Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel e Cândido Rangel Dinamarco. Em opinião diversa, Nelson Nery
Júnior defende que a enumeração de princípios na Carta Magna seria dispensável se somente houvesse a
previsão do devido processo legal, o que englobaria todas as previsões feitas atualmente, de forma a garantr
um processo justo do ponto de vista formal e substancial. Cf. NERY JR., Nelson. Princípios do processo
civil na constituição federal. 4.ed. rev. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997. passim.
455 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p. 78.
456 OLIVEIRA, Bruno Silveira de; LIMA NETO, Francisco Vieira. Notas sobre o devido processo
constitucional, o litisconsórcio e os processos coletivos. Revista de Processo, n. 191, ano 36, jan. 2011, p.
23.
457 GROSS, Marco Eugênio. Devido processo legal procedimental e ofensa reflexa à Constituição. Revista
de Processo, n.193, ano 36, março de 2011, São Paulo. p.384.
458 Fala-se também na eficácia horizontal dos direitos fundamentais, conforme julgado do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, APL 9162509412008826 SP 9162509-41.2008.8.26.0000, Rel. Rui Cascadi,
j.15.05.2012, 1ª Câmara de Direito Privado, p. 17.05.2012.
132
É notável a importância que o princípio adquiriu ao longo do tempo na seara
processual. Atualmente, este princípio é indispensável ao Estado de Direito459. A primeira
referência ao devido processo legal encontra-se no regime feudal alemão durante a dinastia
de Conrado II, o qual editou um Decreto com a determinação de que nenhum homem
poderia perder o seu feudo “(...) senão pelas leis do império e pelo julgamento de seus
pares.”. 460
No entanto, o marco histórico mais lembrado é a Carta Magna do Rei João
Sem-Terra, da Inglaterra, com as garantias formais do devido processo, simbolizando a
limitação do monarca pelas leis por ele editadas. Apesar de sua origem ter sido a
necessidade de proteção dos barões contra as arbitrariedades do monarca, o princípio
acompanhou a evolução sócio jurídica e possui significação mais abrangente461. É o que
nos ensina também José Carlos Baptista Puoli, ao explanar a evolução histórica do
princípio.462
Humberto Ávila classifica o devido processo como um sobreprincípio, que,
além de exercer as duas funções importantes dos princípios: a interpretativa e a
bloqueadora, que serão explicitadas em seguida, ele também exerce a função de
459 GROSS, Marco Eugênio. Devido processo legal procedimental e ofensa reflexa à Constituição. Revista
de Processo, n.193, ano 36, março de 2011, São Paulo. p.376.
460 NOYA, Felipe Silva. O REsp 1.110.549 à luz do devido processo legal: o acesso à justiça individual
frente às ações coletivas. Revista de Processo, n. 197, ano 36, julho 2011, p. 380.
461 VENTURI, Elton. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p.147. ““Na verdade, como visto,
o princípio do devido processo legal foi forjado num contexto essencialmente voltado à proteção de direitos
individuais concernentes a castas privilegiadas (especificamente a do clero e a dos barões feudais), muito
embora tenha sido difundido, posteriormente, seu alcance genérico, numa perspectiva de afetação de todos
os indivíduos, indistintamente.”
A primeira menção ao devido processo ocorreu na Magna Carta de João Sem-Terra, em 1215, na Inglaterra.
No entanto, o termo “devido processo legal” não foi, de pronto, utilizado, sendo que este somente se
consagrou em 1254 em lei inglesa.
O devido processo se consolidou nos textos legais estadunidenses: “That every freeman for every injury
dono him in his goods, lands or person, by any other person, ought to have justice and right for the injury
dono to him freely without sale, fully without any denial, and speedily without delay, according to the law
of the land.” Declaraçao de Delaware, 02.09.1776, Seção 12. “That no freeman ought to be taken, or
imprisioned, or disseizae of his freehold, liberties, or privileges, or outlawed, or exiled, or in any manner
destroyed, or deprived of his life, liberty, or property, but by the judgement of his peers, or by the law of the
land.” (Constituição Americana, XXI).
Convém destacar que o texto da Magna Carta tinha o objetivo de resguardar o clero e a nobreza contra os
abusos do monarca inglês, sendo, portanto, instrumento reacionário, que, no entanto, simboliza a limitação
do poder do monarca pelas leis que edita. Apesar desta característica, havia institutos jurídicos originais
que ainda despertam o interesse dos juristas.
462 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 64.
133
rearticulação entre vários elementos que fazem parte do estado ideal de coisas a ser
buscado. No sentido de que os princípios, como a ampla defesa, o contraditório, o juiz
natural, a apresentação de provas, e outros, recebem uma significação diferenciada quando
interpretados à luz do sobreprincípio do devido processo. Quanto às duas funções tidas
como mais importantes pelo autor em comento, em relação ao devido processo, elas se
expressam da seguinte forma: a função interpretativa se reflete na proteção efetiva dos
interesses do cidadão, que, embora tenha garantido expressamente diversas manifestações
do devido processo de forma específica na legislação, sabe que a expressa menção ao
devido processo não foi inútil, pois serve de orientação para a interpretação e aplicação de
todo o sistema processual; e a função bloqueadora no sentido de afastar elementos
incompatíveis com o estado ideal de coisas a ser promovido, como exemplo, o autor traz o
seguinte trecho: “Por exemplo, se há uma regra prevendo a abertura de prazo, mas o
prazo previsto é insuficiente para garantir efetiva protetividade aos direitos do cidadão,
um prazo adequado deverá ser garantido em razão da eficácia bloqueadora do princípio
do devido processo legal.”. 463
3.9.1 Devido processo em sentido material
Devido à mencionada historicidade que caracteriza o devido processo, este, que
surgiu com cunho eminentemente processualista, ampliou seu espectro de atuação e tem
efetividade também nas relações materiais464. Segundo Nelson Nery Júnior, a origem do
devido processo legal substancial se deu com a questão dos limites do poder
governamental levado à análise na Suprema Corte norte-americana no final do século
XVIII. Cabe ao Poder Legislativo elaborar leis que atendam ao interesse público, ou seja, o
princípio da razoabilidade se aplica também ao processo de elaboração legal. Conclui o
mencionado jurista: “Toda lei que não for razoável, isto é, que não seja a law of the land, é
463 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p.98-99.
464 Nesse sentido: NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 85.
134
contrária ao direito e deve ser controlada pelo Poder Judiciário.” 465. Ensina José
Carlos Baptista Puoli que por law of the land se entende que sejam as normas
razoáveis, ou seja, as que estejam em conformidade com os princípios
constitucionais.466
Não basta que as decisões observem o teor das leis, pois elas devem ser
substancialmente devidas e razoáveis. Normalmente os valores comuns da sociedade vêm
expressos no próprio texto da lei, já que ela é a vontade da população expressada por meio
de seus representantes. Não obstante, a passagem do tempo ou outras causas podem gerar
um conflito entre os termos legais e o que seja razoável, fazendo nascer a necessidade de o
juiz atuar com base no devido processo legal substancial, aplicando a razoabilidade467.
Segundo Luciano Benetti Timm, em artigo sobre o devido processo legal em
sua perspectiva comparada com a Constituição norte -americana, a análise do
devido processual substancial com base na razoabilidade é um critério
filosófico e econômico subjetivo: “É da própria concepção filosófica
econômica e social pessoal que o juiz formula sua decisão a respeito da
razoabilidade da lei.”. 468
Fredie Didier Junior afirma que a partir da garantia de decisões corretas surge
os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, que são implícitos no texto
constitucional469, dentro da cláusula do devido processo legal substancial470. Parte da
doutrina brasileira, como Luís Roberto Barroso471, tem identificado o devido processo, em
seu aspecto substancial, com a proporcionalidade, que permite o questionamento de atos
465 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p. 85.
466 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 68.
467 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 69.
468 TIMM, Luciano Benetti. O direito fundamental ao Devido Processo Legal em perspectiva comparativa.
In: JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São
Paulo: Quartier Latin, 2008. p.756.
469 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 6.ed. Salvador: JusPodium, 2006. p.47.
470 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 70.
471 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
p.218-246.
135
estatais com critérios mais objetivos e de acordo com o devido processo substancial.
Marcelo José Magalhães Bonício afirma ser corrente na doutrina o entendimento de que o
princípio da proporcionalidade é formado por três subprincípios, quais sejam, a adequação
de meios; a necessidade e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito. O primeiro,
da adequação de meios, estabelece que a medida escolhida deve ter aptidão para alcançar o
fim almejado; já o segundo, da necessidade, estabelece que o meio escolhido deve ser o
que tenha o menor ônus para a sociedade; por fim, a proporcionalidade em sentido estrito,
que somente chega a ser analisada após a aprovação do meios pelos dois primeiros
subprincípios, estabelece o sopesamento das vantagens e desvantagens do meio em relação
ao fim.472
No direito norte-americano, como aponta Marco Eugênio Gross473, o Estado
necessita de uma justificativa razoável e suficiente para privar o cidadão de sua vida, de
sua liberdade ou de sua propriedade e, nesse sentido, é que se enquadra o sentido
substancial da cláusula do devido processo. A doutrina brasileira recebeu grande influência
da estadunidense, neste aspecto, ao identificar o sentido substancial do devido processo474,
assim como a jurisprudência brasileira contemporânea, como destaca Felipe Silva Noya475,
como se percebe da leitura do voto do Ministro Celso de Mello na ADI 10.603-8, que
vincula o devido processo substancial à razoabilidade e à proporcionalidade, ou seja, os
meios escolhidos devem ser adequados, a medida adotada deve ser necessária e os valores
devem ser estritamente proporcionais.
472 BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.27-28.
473 GROSS, Marco Eugênio. Devido processo legal procedimental e ofensa reflexa à Constituição. Revista
de Processo, n.193, ano 36, março de 2011, São Paulo. p.381. Importa salientar a alteração do devido
processo legal em sentido material na legislação estadunidense: “Assim é que, a partir da década de 30 do
século passado, a cláusula muda de foco, passando a fazer parte de seu contexto outros direitos
fundamentais. O devido processo legal assume papel importante, na medida em que se torna o meio pelo
qual a Suprema Corte traz à tona os direitos contidos no Bill of Rights, bem como aqueles não expressos na
Constituição e suas emendas, reconhecendo-os, mesmo assim, como direitos fundamentais.”
474 GROSS, Marco Eugênio. Devido processo legal procedimental e ofensa reflexa à Constituição. Revista
de Processo, n.193, ano 36, março de 2011, São Paulo. p.387.
475 NOYA, Felipe Silva. O REsp 1.110.549 à luz do devido processo legal: o acesso à justiça individual
frente às ações coletivas. Revista de Processo, n. 197, ano 36, julho 2011, p. 383.
136
Marcelo José Magalhães Bonício nos mostra que há doutrina que diferencia a
proporcionalidade da razoabilidade476, no entanto, para os fins do presente trabalho essa
distinção não se mostra relevante visto que seus elementos são bastante parecidos477. O
autor citado, em relação ao devido processo, afirma ser ele garantia de fundo,
“[...] predisposta, por exemplo, a assegurar a paridade de armas entre as
partes, durante o processo, desde que não haja uma regra específica com
a mesma finalidade, e, na sua feição protetora, para os fins propostos na
presente obra, é indiferente que tratemos da razoabilidade ou da
proporcionalidade.” 478
Dessa forma, tanto o princípio da razoabilidade como o princípio da
proporcionalidade se enquadram na categoria de standart, ou seja, “[...] termos fluidos que
servem de sustentação jurídica para hipóteses em que não há regra específica para
regular uma determinada situação.” 479. Portanto, eles são aspectos de um mesmo
fenômeno da cláusula do due process na luta contra injustiças, “[...] sendo o
primeiro deles de origem inglesa e o segundo de origem alemã, mas ambos
voltados para a mesma finalidade.” 480. Portanto, o devido processo em sentido
substancial fornece abrigo ao princípio da proporcionalidade que não tem
previsão expressa no texto constitucional481, funcionando como garantia de
476 Para maior aprofundamento no tema, com ampla citação bibliográfica, cf. BONÍCIO, Marcelo José
Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da proporcionalidade, a legitimação
do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2006. p.28-30.
477BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.32.
478BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.33.
479BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.33.
480BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.34.
481Embora a Constituição Federal não preveja esse princípio, a Constituição Estadual de São Paulo, em seu
artigo 111, faz menção ao princípio da razoabilidade, que, conforme afirmou-se, há quem sustente se tratar
de um princípio equivalente ao da proporcionalidade. Na legislação infraconstitucional, há a Lei n.
9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e que trata dos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade em seu artigo 2º. Para ampla análise do tema na
legislação nacional, cf. BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia
137
fundo sempre que faltar uma norma específica para algumas situações
processuais482. Nesse aspecto, o sobreprincípio do devido processo legal, em
uma de suas facetas, se assemelha a alguns dos postulados normativos
aplicativos, trazidos por Humberto Ávila, como explicado anteriormente.
No entanto, a análise do devido processo substancial merece ser menos rasa,
seguindo a direção que trouxe Luciano Benetti Timm483 e é a que analisa-se a seguir,
de forma breve, por fugir do escopo principal do trabalho, mas que não merece
o desprezo do leitor por esclarecer algumas origens essenciais dos temas ora
tratados. O devido processo foi adotado pelo constituinte brasileiro no inciso
LIV do artigo 5º em teor muito semelhante ao da 14º Emenda à Constituição
estadunidense. A partir dessa constatação e das explanações acima feitas,
poderia se questionar se o sistema jurídico interno teria admitido o amplo
controle judicial da razoabilidade das leis e dos atos administrativos, com a
consequente colocação do Poder Judiciário em uma posição fundamental. A
resposta a essa indagação não é simples, pois o constitucionalismo pátrio
seguiu a tradição francesa do princípio da legalidade, que considera a lei como
resultado da vontade do povo, como forma de prevenção contra abusos de quem
exerce o poder e como forma de assegurar as liberdades individuais. Esse
princípio não é compartilhado pelos Estados Unidos. Expondo o conflito,
Luciano Benetti Timm diz:
Ocorre que o constituinte de 1988, ao mesmo tempo em que
adotou o princípio da legalidade, como sempre o fizera,
também escreveu no texto constitucional atual a regr a de
controle americana, em uma má tradução do original: due
process of law por devido processo “legal”, quando law jamais
poderia ter sido traduzido por “legal”, já que significa, na
constitucional da proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São
Paulo: Atlas, 2006. p.39.
482BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.34.
483 TIMM, Luciano Benetti. O direito fundamental ao Devido Processo Legal em perspectiva comparativa.
In: JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São
Paulo: Quartier Latin, 2008. p.756 e ss.
138
verdade, Direito. Lei nos países anglo-saxões é chamada act,
estatute. 484
Dessa forma, como a cláusula do devido processo deve ser lida em seu sentido
substancial dentro do nosso ordenamento jurídico? Luciano Benetti Timm defende que a
vontade do constituinte não deve ser desconsiderada, ou seja, admitindo-se o controle
judicial de razoabilidade das leis e dos atos administrativos485. Segundo Marcelo José
Magalhães Bonício, o princípio da proporcionalidade, ou seja, o devido processo em
sentido substancial, não significa subjetivismo do julgador, mas uma forma de lidar com
situações excepcionais de falta de regras ou quando as regras existentes não apresentem
uma solução satisfatória sob a perspectiva da justiça.486
3.9.2 Devido processo em sentido processual
Em sentido estritamente processual, a cláusula do devido processo alcança
espectro mais estreito, pois abrange somente as repercussões do devido processo no âmbito
procedimental. Significa o direito de ser processado de acordo com as normas
procedimentais previamente estabelecidas487 regentes de um processo civil governado pelo
amplo acesso à justiça, com a garantia do juiz natural, com paridade de tratamento entre as
partes, de acordo com o contraditório, com publicidade dos atos processuais e decisões
motivadas, de forma a permitir o controle externo da atividade do Poder Judiciário; além
disso, tudo dentro de um período de tempo razoável de forma a garantir a efetividade da
484 TIMM, Luciano Benetti. O direito fundamental ao Devido Processo Legal em perspectiva comparativa.
In: JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São
Paulo: Quartier Latin, 2008. p.760.
485 TIMM, Luciano Benetti. O direito fundamental ao Devido Processo Legal em perspectiva comparativa.
In: JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São
Paulo: Quartier Latin, 2008. p.761. “Já quanto ao problema filosófico de nossa Carta Maior admitir dois
sistemas de controle do poder, atribuídos a diferentes poderes, ou seja, a questão de saber qual efetivamente
o poder supremo, só a prática política brasileira dirá.”. p.762.
486BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.35.
487 TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias constitucionais do processo em relação a terceiros. Revista do
Advogado, ano XXVIII, n.99, set. 2008. p.63.
139
tutela jurisdicional ao fim proferida. Como ensina José Carlos Baptista Puoli488, a atividade
estatal exercida pelo órgão jurisdicional visa pacificar conflitos e fazer atuar a vontade
concreta da lei, dessa forma, como se trata de um ato de poder que interfere na vida dos
cidadãos, ela está sujeita a limites delineados pelos direitos de cada indivíduo e no
conjunto de garantias constitucionais acima enumeradas.
O Direito Processual se encontra entre a necessidade de precisão técnica-
formal e o anseio por uma justiça substancial. Entre esse conflito, estão as garantias
constitucionais do processo inseridas nos textos constitucionais de Estados Democráticos
de Direito489. Como destaca José Rogério Cruz e Tucci, o processo visto como instrumento
de pacificação social “[...] enseja uma natural evolução de inúmeros princípios e regras
que passam a ser alvo de novas e importantes exigências.”490. Forma eficiente de
alcance do objetivo de uma justiça substancial no caso concreto é a observância
das garantias processuais, é a chamada legitimação pelo procedimento 491, com a
certeza fornecida por este de que as partes tiveram a oportunidade de serem
ouvidas e de exercer efetiva influência no conteúdo da decisão ao final
produzida. Convém citar o que ensina José Carlos Baptista Puoli:
E para que a regulamentação seja mais adequada, deve estar ela
previamente formulada pela lei, para que os jurisdicionados
tenham a prévia ciência sobre as formalidades condicionantes
do exercício da jurisdição e tenham segurança sobre não haver
a possibilidade de alterações oportunísticas das regras de rito
492.
No direito norte-americano, a cláusula do devido processo, em âmbito
processual, abrange a citação, o juiz natural, a possibilidade de uma defesa ampla, a
488 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 66.
489 TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias constitucionais do processo em relação a terceiros. Revista do
Advogado, ano XXVIII, n.99, set. 2008. p.63.
490 TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias constitucionais do processo em relação a terceiros. Revista do
Advogado, ano XXVIII, n.99, set. 2008. p.62.
491 O mestre Cândido Rangel Dinamarco invoca a teoria de Niklas Luhmann: DINAMARCO, Cândido
Rangel. Instituições de direito processual civil. v.1. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 250 e ss.
492 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 66-67.
140
oportunidade de apresentar provas, o direito à defesa técnica, o direito às decisões
fundamentadas, dentre outras, como enumera Nelson Nery Júnior. 493
No entanto, a existência em si de um procedimento legalmente
previsto não determina a observância das garantias processuais
constitucionais494, pois caso, por exemplo, o procedimento legal não garanta um
prazo razoável para a defesa ou não imponha o dever de motivação às decisões
judiciais, “[...] não poderão ser tidos como ritos erigidos em plena atenção ao
princípio do devido processo legal, entendido este como o conjunto de
garantias necessárias para que se tenha um processo justo .” 495. É nesse sentido
que o processualista paulista José Carlos Baptista Puoli recomenda a preocupação
constante do magistrado com o cumprimento do procedimento e se este cumpre com as
exigências do devido processo legal, possibilitando, à luz de cada caso concreto, que a
análise feita seja condição prévia de sua aplicabilidade496.
Por fim, observa-se que a doutrina tem usado a locução “devido
processo legal” no sentido processual majoritariamente, ao enumerar como
manifestações do devido processo a igualdade entre as partes, o direito de
defesa e do contraditório. 497 Tal se deve, principalmente, pela tradução do
termo “process”, do inglês, por “processo”, o que tem levado a doutrina
brasileira a priorizar os aspectos procedimentais do devido processo. No
entanto, o aspecto material, apesar de menos abordado, vem ganh ando espaço,
como mencionado anteriormente. Nas palavras de Nelson Nery Júnior, o devido
processo substancial é a “[...] possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça,
493 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.86.
494 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 67.
495 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 67.
496 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 67-68. Este tema é objeto de análise mais profunda adiante, quando analisa-se a
possibilidade de adaptação do procedimento.
497 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p. 87.
141
deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível [...]”, ou seja, his day
in Court.498
3.9.3 O direito ao devido processo
Nelson Nery Junior aponta que o direito comunitário europeu e o direito
interno italiano vêm desenvolvendo pesquisas sobre o devido processo legal e chamando-o
de justo processo, o que tem encontrado adeptos internamente, pois a terminologia
tradicional não expressa todo o conteúdo do instituto que envolve aspectos de direito
substancial e de direito processual.499
Sobre o tema, Humberto Theodoro Júnior pontua que o devido
processo não se resume à observância da letra da lei, mas compreende a
observância de outros princípios, como o do juiz natural, da ampla defesa, do
contraditório, dentre outros, de forma a garantir um processo justo 500. A ideia
de um processo justo abrange, portanto, a observância das normas legais,
garantindo a regularidade formal, mas que, além disso, busque a efetividade do
resultado concreto a ser proferido pela jurisdição. É, assim, a combinação entre
devido processo material e devido processo formal 501. Para Marco Eugênio
Gross502 e Carlos Alberto Alvaro de Oliveira503, o processo justo não é apenas
aquele que se adequa às previsões legais, mas aquele que, além de cumprir
essas previsões, também seja informado pelos direitos fundamentais.
498 Nesse sentido: NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 87-89.
499 Nesse sentido: NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 88.
500THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. V.1. 44.ed. Rio de Janeiro: Forense,
2006. P.28.
501THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. V.1. 44.ed. Rio de Janeiro: Forense,
2006. P.29.
502 GROSS, Marco Eugênio. Devido processo legal procedimental e ofensa reflexa à Constituição. Revista
de Processo, n.193, ano 36, março de 2011, São Paulo. p.385.
503 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Teoria e prática da tutela jurisdicional. Rio de Janeiro: Forense,
2008. p.129-135.
142
Os juristas italianos vêm discutindo o tema do justo processo desde as
alterações ocorridas no artigo 111 de sua Constituição504, quando princípios da atividade
jurisdicional foram enumerados no texto constitucional, principalmente nos dois primeiros
incisos. Arthur César de Souza sustenta que a discussão doutrinária que se formou na
península itálica demonstra a congruência que se faz necessária entre justo processo e justa
decisão505. Segundo o autor, “justo processo” em seu aspecto formal, é a legitimação que o
procedimento garante à decisão diante da sua estrita observância. No entanto, o respeito ao
procedimento formal, apesar de fornecer legitimidade ao provimento emanado ao fim, não
é garantia absoluta da justeza da decisão506. A justiça da decisão envolve a análise do caso
concreto, o que passa pela discussão da garantia da prova, a qual pode ser inserida na
cláusula geral do devido processo, mas, por questões de organização do presente trabalho,
é feito em tópico separado adiante.
3.9.4 Devido processo coletivo
Convém destacar, como ensina Vincenzo Vigoriti507, que a
participação popular pode se dar através da justiça, quando o processo passa a
ser um instrumento de realização do princípio da participação. Dentre as várias
ocasiões em que esse fenômeno pode ocorrer, inclui -se a tutela jurisdicional
dos interesses supraindividuais, que, além de demonstrar a confiança no
sistema processual, é uma expressão da vontade/necessidade de renovação
desse sistema.
504Art. 111. “La giurisdizione si attua mediante il giusto processo regolato dalla legge. Ogni processo si
svolge nel contraddittorio tra le parti, in condizioni di parità, davanti a giudice terzo e imparziale. La
legge ne assicura la ragionevole durata. [...]”.
505 SOUZA, Artur César de. Justo processo ou justa decisão. Revista de Processo, n. 196, ano 36, junho de
2011, p. 477.
506 SOUZA, Artur César de. Justo processo ou justa decisão. Revista de Processo, n. 196, ano 36, junho de
2011, p. 482. O autor cita o artigo 111 da Constituição italiana e o artigo 24 da Constituição espanhola, que
enumeram os aspectos formais de um “justo processo” para exemplificar que esses requisitos são
importantes, mas não são suficientes para a justiça material de uma decisão.
507 VIGORITI,Vincenzo.Garanzie costituzionali del processo civile. Padua, 1973. p.12-16.
143
O uso do sistema processual para a tutela de interesses coletivos, em
sentido lato, traz consigo questões intrincadas do âmbito político -constitucional
e também questões técnicas, como já destacado 508. O direito coletivo material,
quando transportado para a seara processual, exige o abandono da visão
individualista do processo civil, pois os indivíduos não podem participar
diretamente do procedimento (há vezes que não podem ser identificados!), além
disso, a postura do magistrado, em seara coletiva, é alterada .509
Dessa forma, os sistemas procedimentais pedem alterações profundas
nesse âmbito, mas que não significam o abandono do devido processo legal
tradicionalmente conhecido, mas a superação dele. Como exemplo, o direito de
ser ouvido, de ser citado e de apresentar a defesa tradicionais são substituídos
pelos direitos exercidos por um representante, o que traz o tema da
representatividade adequada, pois a maioria dos sujeitos da relação jurídica
material não estarão presentes no processo judicial. A adequação da tutela e da
representatividade adequada, no sistema das class actions, é averiguada caso a
caso, diante de variados dados, como o tipo de interesse, o objeto da demanda,
a capacidade financeira dos representantes, dentre outros; e garantida, de forma
idônea, com a realização de notificação pessoal dos membros ausentes sobre a
existência da class action, permitindo que os indivíduos decidam se serão
alcançados ou não pela decisão coletiva. No entanto, se elevado for o número
de lesados a ponto de dificultar a viabilidade da notificação de todos sobre a
ação coletiva, o prosseguimento desta ficará inviabilizado. Diante disso, a Rule
23 sofreu uma emenda no ano de 2003 para a forma de notificação ser distinta
conforme o tipo de class action. Para as mandatory - Rule 23 (b)(1) e (b)(2) -,
não é necessária a notificação pessoal, bastando que o juiz garanta a apropriate
notice. Nesse tipo de class action, não existe o direito de autoexclusão, pois o
interesse é indivisível.
No entanto, nas class actions for damages - Rule 23(b)(3) -, a
notificação de cada membro do grupo é obrigatória, pois há a possibilidade de
auto-exclusão do membro do grupo e os interesses são divisíveis. Entretanto,
não há a exigência de que todos os membros sejam notificados
508 VIGORITI,Vincenzo.Garanzie costituzionali del processo civile. Padua, 1973. p.14.
509 O que é abordado em tópico separado.
144
obrigatoriamente, pois esse tipo de exigência poderia prejudicar o andamento
da ação coletiva. Assim, basta que todos os membros que possam ser
notificados com reasonable effort o sejam.
Dessa maneira, a representatividade adequada unida a esse sistema
de notificação dos membros ausentes garante a observância do devido processo
legal, possibilitando a ocorrência da coisa julgada e de acordos coletivos, no
sistema processual norte-americano.
Assim, os instrumentos processuais, no âmbito coletivo, devem ser
tomados com vistas às peculiaridades dos interesses materiais em jogo .510
Da mesma maneira que diversos institutos processuais sofrem
modificações na seara coletiva, tais como a competência, a legitimação, a coisa
julgada, a publicidade, etc., o princípio do devido processo também precisa ser
adaptado ao processo coletivo, já que ele abrange diversos dire itos e garantias
processuais devido a sua grande abrangência 511. Segundo Fredie Didier Júnior e
Hermes Zaneti Júnior, essas mudanças ressaltadas são consequência da
necessária adaptação do princípio do devido processo legal aos novos litígios
coletivos, fazendo surgir, para os autores, o “garantismo coletivo”, que deve se
consolidar aos poucos na doutrina e na jurisprudência brasileiras para assegurar
maior legitimidade aos processos coletivos .512
A necessidade de adaptação não significa que o devido processo f oi
esvaziado pelas inúmeras mudanças que ocorreram na sociedade, mas que “A
construção do processo devido é obra eternamente em progresso.” 513,
destacando, mais uma vez, a historicidade do instituto.
510 Nesse sentido: COSTA, Susana Henriques da. O controle judicial da representatividade adequada: uma
análise dos sistemas norte-americano e brasileiro. In: SALLES, Carlos Alberto de. (Coord.). As grandes
transformações do processo civil brasileiro: homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. São Paulo:
Quartier Latin, 2009. p. 956.
511 Nesse sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo
coletivo. v.4. 5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.112.
512 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.112.
513 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Princípio da adequação jurisdicional do processo coletivo –
benfazeja proposta contida no projeto da nova lei de ação civil pública. In: GOZZOLI, Maria Clara et. alli.
(Coord.). Em defesa de um novo sistema de processos coletivos: estudos em homenagem a Ada
Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 246.
145
É esta cláusula geral que permite a flexibilidade do ordenamento
jurídico para a adaptação às novas situações sem a insegurança de ter qualquer
arbitrariedade cometida nos âmbitos legislativo, administrativo, jurisdicional e
privado514. Os alvos de proteção do devido processo legal, embora continuem os
mesmos, ou seja, vida, liberdade e propriedade, teve a sua perspectiva
profundamente modificada.
No âmbito coletivo, a observância do devido processo engloba o
respeito às normas do microssistema processual coletivo, composto pela Lei da
Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do Consumidor, que se
complementam mutualmente, além de normas específicas em outros diplomas
legais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, o
Estatuto das Cidades, dentre outros. Nesta seara, o Código de Processo Civil
tem aplicação somente subsidiária. No entanto, esse traço de subsidiariedade
não é no sentido estrito de “subsidiariedade” como possa parecer 515, pois, além
da ausência de regulamentação no microssistema processual coletivo, a norma
do estatuto processualista civil não pode contrariar a natureza da ação, como
dispõe o artigo 22 da Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65): “Aplicam-se à
ação popular as regras do Código de Processo Civil, naquilo em que não
contrariem os dispositivos desta lei, nem a natureza específica da ação .”.
Sobre este dispositivo, Daniela Gabbay516, ao comentá-lo, afirma que
ele funciona como legitimador do uso do Código de Processo Civil como
sistema subsidiário diante de lacunas e omissões, mas somente depois da
completa análise do microssistema processual coletivo, que não se limita ao
514 Nesse sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Princípio da adequação jurisdicional do
processo coletivo – benfazeja proposta contida no projeto da nova lei de ação civil pública. In: GOZZOLI,
Maria Clara et. alli. (Coord.). Em defesa de um novo sistema de processos coletivos: estudos em
homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 247. No mesmo sentido: VENTURI,
Elton. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p.148.
515 Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis, o vocábulo “subsidiário” tem o seguinte
significado: “(si) adj (lat subsidiariu) 1 Pertencente ou relativo a subsídio. 2 Que subsidia. 3 Que fortalece.
4 Que vem em apoio ou reforço. 5 Que se dá ou manda em socorro de outrem. 6 Dir Diz-se da ação ou
responsabilidade que confirma ou robustece outra principal. 7 Auxiliador, preparador.” Disponível em:
<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=subsidi%E1rio>. Acesso em: 14 de março de 2012.
516GABBAY, Daniela. Comentários ao artigo 22, Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.
(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,
2006. p.311 e ss.
146
Código de Defesa do Consumidor e à Lei de Ação Civil Pública, à luz do
princípio da especialidade:
“As diferenças paradigmáticas e principiológicas destes dois
sistemas processuais (individual e coletivo) precisarão ser
flexibilizadas somente em alguns casos, quando não mais for
possível se recorrer ao microssistema coletivo, e mesmo assim
encontram-se geralmente sujeitas a revisitações e esforços
hermenêuticos de compatibilização, que viabilizam o
intercâmbio de informações, em busca da garantia da
efetividade da tutela jurisdicional e da necessária pacificação
social, finalidade comum a que convergem os instrumentos
processuais de ambos os sistemas.” 517
Elton Venturi518 aponta a alteração paradigmática que se opera
constantemente, porém, de forma lenta, diante de novos contextos sociais o que
faz com que o entendimento da expressão “ser humano livre e digno” se altere
ao longo do tempo. Essas modificações se projetam sobre o conceito do devido
processo, que não mais se refere somente às relações intersubjetivas
individuais, mas às relações complexas de grupos, com a valorização da
solidariedade e da reciprocidade. Mudanças essas operadas, primeiramente,
pelo Estado Social Democrático de Direito. Diante dessa realidade que se
apresenta, Elton Venturi pontua que há uma necessidade urgente de revisão das
clássicas garantias processuais, principalmente a do devido processo, sob pena
de elas se tornarem obsoletas na nova realidade econômico-social, a qual é
incompatível com a proteção fragmentada de direitos .519
A vocação coletiva, preconizada por Elton Venturi, também
denominada de “devido processo social”, depende da ampliação e da
desburocratização do Poder Judiciário, além de alterações legislativas que
envolvem também uma mudança da compreensão do papel do judiciário na
efetivação de direitos individuais e sociais, segundo o autor. Além disso, tal
empreitada seria possível a partir da leitura do artigo 5º da Lei de Introdução às
517GABBAY, Daniela. Comentários ao artigo 22, Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.
(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,
2006. p.312.
518 VENTURI, Elton. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p.148-152.
519 VENTURI, Elton. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p.151.
147
Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657 de 1942), que menciona os
“fins sociais”: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela
se dirige e às exigências do bem comum .”.
Como aponta Mauro Cappelletti520, a real defesa processual de
interesses coletivos lato sensu depende do abandono de estruturas
individualísticas do processo civil, mas com a devida prudência para que
valores irrenunciáveis não sejam arranhados. Assim, as garantias basilares do
processo não podem ser dispensadas, o que seria inaceitável. Essas garantias
básicas que devem ser mantidas e assumem novos contornos no âmbito
transindividual formam o devido processo coletivo.
3.10 Princípio do contraditório
Como aponta Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, o processo é fruto da estrutura
social e, como tal, reflete os projetos sociais, ambições econômicas, interesses sociais e
políticos da sociedade em uma determinada época. O mesmo acontece com os princípios,
inclusive com o contraditório521, ora tratado. Na época em que vivemos, segundo o autor
citado, mostra-se uma forte inclinação pela ânsia de justiça, reforçando as liberdades
individuais juntamente com as sociais, de modo a assegurar uma igualdade material e não
somente formal. Essa tendência se reflete no princípio do contraditório, que não é apenas
uma garantia formal de necessidade de citação, por exemplo, mas um princípio que deve
ser observado durante todo o correr processual em seu aspecto substancial, ou seja, que as
partes tenham efetiva possibilidade de participação e de influência sobre a decisão
judicial522. Cresce a importância do contraditório com o destaque conferido à efetividade,
pois medidas conservativas ou antecipatórias de sentença de mérito, por exemplo, antes do
520 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p.48-59.
521 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Garantia do contraditório. In: TUCCI, José Rogério Cruz e.
(Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.133. “O
mesmo se passa com os princípios, que haurem seu significado, alcance, extensão e aplicação nos valores
imperantes no meio social, em consonância com o specificum de cada tempo e espaço social.”.
522 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Garantia do contraditório. In: TUCCI, José Rogério Cruz e.
(Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.136-137.
“Recupera-se, assim, o valor essencial do diálogo judicial na formação do juízo, fruto da colaboração e
cooperação das partes com o órgão judicial e deste com as partes, segundo as regras formais do processo.”.
148
término usual do processo ou liminarmente, exigem a correta observância do contraditório
e da ampla defesa.
A parte tem o direito de atuar de modo crítico, durante o processo, colocando-
se para além da posição de mero espectador da discussão de seus direitos, para atuar como
agente, influindo no convencimento do juiz, “[...] atuando, assim, como anteparo à
lacunosidade ou insuficiência da sua cognição.” 523, e, no âmbito processual, essa postura
da parte melhor se reflete no contraditório, como destaca Carlos Alberto Alvaro de
Oliveira.524
No entanto, essa garantia não é somente direcionada às partes, mas ao juiz
também, que deve participar da preparação do julgamento que será feito525. Entretanto,
mesmo com o destaque dado ao aumento dos poderes do juiz, todo o sistema processual é
estruturado de forma a permitir que as partes peçam, aleguem e provem, ou seja, que
tenham “his day in court”, como mostra Cândido Rangel Dinamarco.526
Nelson Nery Júnior527 aponta que os textos constitucionais do Brasil mantém a
tradição de conservar em seu conteúdo o contraditório como uma garantia e o texto atual,
em seu artigo 5º, inciso LV, prevê o seguinte: “aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes;”528. Com relação ao texto constitucional anterior,
a evolução foi a previsão expressa, em mandamento constitucional, da aplicação do
523 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Garantia do contraditório. In: TUCCI, José Rogério Cruz e.
(Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.140.
524 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Garantia do contraditório. In: TUCCI, José Rogério Cruz e.
(Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.139-140.
525 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p.124. Cf. p.130. “A garantia constitucional do contraditório endereça-se também ao juiz,
como imperativo de sua função no processo e não mera faculdade (o juiz não tem faculdades no processo,
senão deveres e poderes).”.
526 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p.125.
527 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.207.
528 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; MITIDIERO, Daniel. O direito fundamental ao contraditório e
sua centralidade no processo coletivo. In: ASSIS, Araken de. MOLINARO, Carlos Alberto. GOMES JR.,
Luiz Manoel. MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. (Org.). Processo coletivo e outros temas de direito
processual: homenagem 50 anos de docência do professor José Maria Rosa Tesheiner, 30 anos de docência
do professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.96. “O contraditório é tão
essencial à vida do processo que hoje não é possível mesmo conceituar este sem alusão àquele. Processo no
Estado Constitucional é procedimento em contraditório.”.
149
contraditório ao processo administrativo, o que já acontecia anteriormente, mas somente
por manifestação doutrinária.529
O princípio do contraditório pode ser explicitado através da concretização do
princípio da igualdade das partes combinado com o direito de ação e de defesa. Cândido
Rangel Dinamarco530 ensina que o contraditório das partes se revela na dinâmica do pedir-
alegar-provar, com a dedução de pedidos, na fase postulatória, e com a produção de provas
e alegações, na fase instrutória, impulsionados pela reação aos atos desfavoráveis.
O princípio em comento não é somente aplicável às partes litigantes, tais como
autor, réu, litisdenunciado, opoente e o chamado ao processo, mas também ao assistente,
tanto o litisconsorcial como o simples, e ao Ministério Público, mesmo quando na função
de fiscal da lei, pois quaisquer desses sujeitos podem ter pretensão de direito material
acerca do litígio531. Seguindo o mesmo raciocínio, testemunhas e peritos não têm direito a
invocar o princípio do contraditório, já que não possuem interesse material, atuando
somente como auxiliares da justiça.
O artigo 125, inciso I, do Código de Processo Civil, impõe ao juiz o dever de
assegurar às partes igualdade de tratamento durante a condução do processo. Assim,
enquanto as partes têm direito ao contraditório, é dever do juiz garantir a observância
deste. Saliente-se que por partes deve-se entender não somente pessoas naturais, mas
também pessoas jurídicas.
O princípio do contraditório tem duas facetas: o direito de informação da parte
de ter ciência de cada ato do processo e a possibilidade de reação diante de cada nova
informação, ou seja, a possibilidade de influência sobre o processo e seu resultado. Esta
última faceta abrange o amplo direito à prova que a parte possui, ou seja, de produzir prova
de suas alegações, assim como a contraprova do que foi alegado pela parte contrária532.
Como o destinatário da prova é o processo e não o juiz, este não pode indeferir
determinada prova sob a alegação de já estar convencido de determinado fato, pois tal
529 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.208. Cf. Lei do Processo Administrativo, Lei n.9.784/99, artigo 2º, caput.
530 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p.126-127.
531 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.210.
532 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.210-211.
150
atitude configuraria ofensa ao contraditório, como salienta Nelson Nery Júnior533. Como
destacado pelo substantivo “possibilidade”, a segunda faceta do contraditório consiste
justamente em a parte ter a chance de se manifestar, porém, não precisa necessariamente
fazê-lo. Assim, enquanto a informação é absolutamente necessária, sob pena de
ilegitimidade do processo e nulidade de seus atos, a reação exige somente a
possibilidade.534
Destaca Carlos Alberto Alvaro de Oliveira que o princípio do contraditório não
consiste somente na necessária ciência que as partes devem ter de cada ato do processo,
mas do poder de influência sobre a decisão a ser proferida ao final, como recém-destacado.
Para que este objetivo seja alcançado: “[...] insta a que cada uma das partes conheça as
razões e argumentações expendidas pela outra, assim como os motivos e fundamentos que
conduziram o órgão judicial a tomar determinada decisão, possibilitando-se sua
manifestação a respeito em tempo adequado.”.535
Como ensina Humberto Theodoro Júnior, o justo processo engloba um debate
bem feito entre as partes, proporcionando uma redução do tempo processual e decisões
construídas de uma melhor maneira, evitando o uso de recursos. Para proporcionar o
alcance desse debate, o contraditório surge como fundamental.536
Quanto à segunda faceta do contraditório, ou seja, a possibilidade de reação das
partes, toma importância a figura do juiz, pois além da previsão legal de um procedimento
que possibilite a atuação e influência sobre a decisão pelas partes, o juiz deve manter
postura ativa no sentido de fazer o contraditório ser observado. É o que determina, no
direito alienígena, o artigo 16 do nouveau côde de procédure civile francês537 que
533 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.211.
534 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p.127. “Esse é, de certo modo, um culto ao valor da liberdade no processo, podendo a
parte optar entre atuar ou omitir-se segundo sua escolha.”.
535 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Garantia do contraditório. In: TUCCI, José Rogério Cruz e.
(Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.144.
536 THEODORO JR., Humberto. Processo justo e contraditório dinâmico. In: ASSIS, Araken de.
MOLINARO, Carlos Alberto. GOMES JR., Luiz Manoel. MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. (Org.).
Processo coletivo e outros temas de direito processual: homenagem 50 anos de docência do professor
José Maria Rosa Tesheiner, 30 anos de docência do professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2012. p.262.
537 Artigo 16: “Le juge doit, en toutes circonstances, faire observer et observer lui-même le principe de la
contradiction. Il ne peut retenir, dans sa décision, les moyens, les explications et les documents invoqués ou
produits par les parties que si celles-ci ont été à même d'en débattre contradictoirement. Il ne peut fonder
sa décision sur les moyens de droit qu'il a relevés d'office sans avoir au préalable invité les parties à
151
prescreve que o juiz faça observar e observe ele mesmo o princípio do contraditório, assim
como o artigo 3º, 3, do Código de Processo Civil português, antes da reforma realizada no
ano de 2013: “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o
princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade,
decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as
partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se manifestarem.”538. José Lebre de
Freitas afirma que o escopo primordial do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido
de resistência a alguma atuação de outrem, para ser também a influência nas decisões
tomadas ao longo do desenvolvimento procedimental.539
Como ensina Cândido Rangel Dinamarco: “A globalização da ciência
processual foi o canal de comunicação pelo qual uma regra de direito positivo de um país
pôde ser guindada à dignidade de componente desse princípio universal, transpondo
fronteiras.”.540
O tema do ativismo judicial ganha relevância diante da busca pela efetividade
do processo541, cabendo ao juiz a direção do processo, a tomada de iniciativas probatórias
em certos casos (com a consequente mitigação do princípio dispositivo542) e o diálogo, o
qual também é uma forma de concretização do contraditório sem que ocorra ofensa à
imparcialidade necessária ao julgador, pois afastado o dogma de que o juiz que
manifestasse seus pensamentos estaria efetuando um prejulgamento, como explica Cândido
présenter leurs observations.”. Fonte:
<http://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do;jsessionid=1709B854A1CDD3A95C70A02520751E44.tpdj
o17v_3?idSectionTA=LEGISCTA000006149639&cidTexte=LEGITEXT000006070716&dateTexte=2012
0719>. Acesso em: 19 de julho de 2012.
Destaca Humberto Theodoro Júnior que a discussão não deve se limitar a uma análise comparada, pois que
é aplicável em qualquer Estado Democrático de Direito, como o Brasil. Cf. THEODORO JR., Humberto.
Processo justo e contraditório dinâmico. In: ASSIS, Araken de. MOLINARO, Carlos Alberto. GOMES JR.,
Luiz Manoel. MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. (Org.). Processo coletivo e outros temas de direito
processual: homenagem 50 anos de docência do professor José Maria Rosa Tesheiner, 30 anos de docência
do professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.261-272. p.263.
538 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p.131.
539FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceitos e princípios gerais. 2.ed. Coimbra,
2009, p.108-109.
540 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p.131.
541 Cf. item sobre “ativismo judicial”.
542 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p.134. “Isso não significa que o juiz assuma paternalmente a tutela da parte negligente.”.
152
Rangel Dinamarco543. É nesse sentido que indica o citado artigo 16 do estatuto processual
francês, determinando a proibição de o juiz fundamentar sua decisão com pontos que ele
haja levantado de ofício sem antes chamar as partes para que apresentem as suas versões.
Conclui Humberto Theodoro Júnior que:
“[...] o “processo justo”, nas dimensões constitucionais do Estado
Democrático de Direito deve ser construído e concluído como obra do
esforço e participação das partes e do juiz. Ele não dá margem ao
autoritarismo judicial, de sorte que, até mesmo quando a questão é
daquelas que o juiz pode enfrentar de ofício, não deverá decidi-la sem
antes ensejar a discussão com as partes, e assim permitir-lhes influir,
lógica e juridicamente, com seus argumentos, na formação do julgado. O
“processo justo”, como adverte Comoglio não convive com a
possibilidade de julgamentos “de surpresa”, qualquer que seja o seu
conteúdo. ” 544
No processo civil, o contraditório apresenta diferente viés do que é apresentado
pelo processo penal, pois, enquanto este exige que o contraditório seja efetivo e
substancial, a ponto de o Código de Processo Penal determinar, em seu artigo 497, inciso
V, que o Juiz Presidente do Tribunal do Júri nomeie novo defensor para o réu quando o
considerar indefeso; o processo civil admite como suficiente a oportunidade de
manifestação às partes, assim, o réu tido como revel terá contra si a possibilidade de o juiz
tomar como verdadeiras as alegações verossímeis feitas pelo autor relativas à matéria de
fato, conforme determina o artigo 319 do Código de Processo Civil. Diante dessa
diferença, Nelson Nery Júnior545 defende que o termo “bilateralidade da audiência” seria
mais apropriado para o processo civil, pois bastaria a citação quando os interesses fossem
estritamente disponíveis, mesmo que o réu se torne revel. Há situações em que mesmo o
processo civil somente admite o contraditório efetivo, como ocorre quando a citação se dá
por meios precários, ou seja, editais, permanecendo o réu revel. Deve ser dado curador ao
543 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p.135.
544 THEODORO JR., Humberto. Processo justo e contraditório dinâmico. In: ASSIS, Araken de.
MOLINARO, Carlos Alberto. GOMES JR., Luiz Manoel. MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. (Org.).
Processo coletivo e outros temas de direito processual: homenagem 50 anos de docência do professor
José Maria Rosa Tesheiner, 30 anos de docência do professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2012. p.271.
545 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10.ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.213. “O réu deve ser, portanto, citado (CPC 213). Isto se verificando, mesmo no
caso de ele tornar-se revel, deixando de apresentar contestação, terá sido atendido o princípio constitucional
do contraditório.”.
153
demandado que se encontre nessa situação, como determina o artigo 9º, inciso II, do
Código de Processo Civil.546
3.10.1 Contraditório e tutela coletiva
O viés individualista do processo civil determina como premissas do
contraditório a legitimidade ad causam prevista no artigo 6º do Código de Processo Civil,
ou seja, que ninguém pode defender em juízo interesses alheios; e os limites subjetivos da
coisa julgada delineados pelo artigo 472 do Estatuto Processual Civil.547
No entanto, com a superação desses traços individualistas que se faz necessária
com a tutela jurisdicional dos interesses transindividuais, essas premissas sofreram
alterações. O processo coletivo é conduzido por uma entidade que detém legitimidade
conferida a ela, no sistema jurídico brasileiro, pelo legislador (artigo 5º da Lei da Ação
Civil Pública e artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor), permitindo que sujeitos
que não estejam no processo sejam adequadamente representados por essas entidades, tais
como o Ministério Público, as Defensorias Públicas, associações, dentre outras, e que
sejam, inclusive, atingidos pela autoridade da coisa julgada. Sobre a possível ofensa ao
princípio do contraditório, convém citar Cândido Rangel Dinamarco:
“Não reside nisso qualquer ultraje à garantia constitucional do
contraditório, porque os entes qualificados para o exercício da ação
pública atuam no interesse do grupo ou comunidade interessada, sendo
tecnicamente qualificados como seus substitutos processuais.” 548
Como pontua Camilo Zufelato, em obra sobre a coisa julgada coletiva, o
princípio do contraditório ganha conotação própria nesta seara, mas a essência é a mesma,
qual seja, “[...] evitar que o comando judicial imutável traga prejuízos àquele que não
546 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p.128. “Não se sabe se o réu não respondeu à inicial porque não quis, ou porque não
soube da sua propositura.”.
547DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p.129.
548DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p.130.
154
participou efetivamente em juízo da formação da decisão judicial.” 549, assim, tornam-se
necessários novos mecanismos distintos dos clássicos conhecidos do processo civil de
cunho individual, tais como a intervenção de terceiros e as diversas formas de impugnação
da decisão.
A clássica conceituação do contraditório como o direito à informação e a
possibilidade de reação é compatível com o processo civil que se passa entre sujeitos
determinados e com uma relação jurídica material individual subjacente. O processo civil
coletivo é incompatível com as regras dos artigos 6º e 472 do Código de Processo Civil.
Diante disto, há a necessidade da adoção de um sistema que atinja um grande número de
pessoas sem que haja a necessidade de participação pessoal no processo550, pois, como
ensina Ada Pellegrini Grinover, a participação no processo coletivo é menor no processo;
mas, maior, pelo processo551. A solução adotada foi a elaboração de um sistema
diferenciado de legitimação coletiva e de formação da coisa julgada, eliminando resquícios
de conceitos do processo individual para a composição do devido processo coletivo552.
Neste ponto, destaca Camilo Zufelato: “Com efeito, entende-se que o modo de
configuração do regime jurídico da coisa julgada é aquele que está mais apto a
proporcionar respeito às garantias constitucionais e efetividade na concretização desse
novo campo do processo denominado tutela jurisdicional coletiva.”.553
Hermes Zaneti Júnior e Fredie Didier Júnior554 destacam a
necessidade de equilíbrio da relação processual coletiva, o que se dá com a
549ZUFELATO, Camilo. Coisa julgada coletiva. São Paulo: Saraiva, 2011. p.182.
550ZUFELATO, Camilo. Coisa julgada coletiva. São Paulo: Saraiva, 2011. p.182-183.
551GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,
Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.25 e ss.
552ZUFELATO, Camilo. Coisa julgada coletiva. São Paulo: Saraiva, 2011. p.183. “Insta frisar, nesse passo,
a intrínseca correlação entre o regime da coisa julgada e a legitimação para agir nas ações coletivas e sua
relevância para a constitucionalidade do modelo adotado.”.
553ZUFELATO, Camilo. Coisa julgada coletiva. São Paulo: Saraiva, 2011. p.184.
554 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.69-71. “Isto significa dizer que para preservar o campo razoável de
previsibilidade jurídica o Código de Processo Coletivo deverá apresentar um número determinado de
princípios gerais ou informativos e de cláusulas gerais que facultem aos intérpretes saber de antemão, a
depender das circunstâncias históricas, a tendência do microssistema em relação a questões dogmáticas
fundamentais.”. Cf. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; MITIDIERO, Daniel. O direito fundamental ao
contraditório e sua centralidade no processo coletivo. In: ASSIS, Araken de. MOLINARO, Carlos Alberto.
GOMES JR., Luiz Manoel. MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. (Org.). Processo coletivo e outros
temas de direito processual: homenagem 50 anos de docência do professor José Maria Rosa Tesheiner, 30
155
democratização do processo, e isso é possivelmente alcançado com o princí pio
do contraditório, que impõe o “dever de debate” entre juiz e partes e o “direito
de influência” das partes na decisão do julgador.
Como destacam Carlos Alberto Alvaro de Oliveira e Daniel
Mitidiero555, tanto o processo civil individual quanto o coletivo têm em comum
o fato da inexistência de processo justo sem a observância do contraditório.
Rodrigo Mazzei556, ao comentar o artigo 6º da Lei da Ação Popular,
destaca que muito se discute acerca do princípio do contraditório
exclusivamente quanto ao lado do autor na tutela jurisdicional dos interesses
transindividuais, sob o enfoque do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública e o
artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, que são as maiores fontes
legais dentro do microssistema relacionado à tutela de massa. No entanto, o
artigo 6º da lei comentada traz o enfoque do princípio do contraditório sob o
prisma do demandado e se revela importante dentro do microssistem a
processual coletivo557. O parágrafo terceiro do dispositivo mencionado permite
que a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja
objeto de impugnação e que se encontre no polo passivo, possa se abster de
contestar ou atuar ao lado do autor. Assim, a pessoa jurídica, no polo passivo,
detém três opções, quais sejam: contestar, manter -se inerte ou aderir ao polo
ativo da ação popular558. Existe divergência quanto à ocorrência ou não de
anos de docência do professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.95-100.
Neste texto, os autores discordam dos autores previamente citados, quais sejam, Didier e Zaneti, no sentido
de o contraditório não constituir um valor, pois se encontra no plano normativo.
555 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; MITIDIERO, Daniel. O direito fundamental ao contraditório e
sua centralidade no processo coletivo. In: ASSIS, Araken de. MOLINARO, Carlos Alberto. GOMES JR.,
Luiz Manoel. MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. (Org.). Processo coletivo e outros temas de direito
processual: homenagem 50 anos de docência do professor José Maria Rosa Tesheiner, 30 anos de docência
do professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.100. “Sem o contraditório
no centro do tablado do processo civil não há como construir-se um processo democrático realmente idôneo
à tutela dos direitos.”.
556 Para uma ampla referência bibliográfica sobre o tema, cf. MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º da
Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da. (Coord.). Comentários à Lei de ação civil
pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p.156.
557 MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º da Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.
(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,
2006. p.157.
558 MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º da Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.
(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,
2006. p.182.
156
preclusão para a pessoa jurídica. Rodrigo Mazzei entende que, desde que o
administrador pode rever seus próprios atos, como se extrai da leitura das
súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, não há preclusão 559. Admitir a
hipótese contrária, ou seja, que ocorreria a preclusão após o prazo para resposta
é aplicar norma de natureza estritamente individual do Código de Processo
Civil a interesse supraindividual. Assim, Rodrigo Mazzei admite a
retratabilidade a qualquer tempo desde que adequadamente fundamentada.560
3.10.2 Coisa julgada coletiva
Como destacado no item anterior, a coisa julgada coletiva é um dos
institutos que permite que a tutela jurisdicional coletiva obtenha a efetividade
que lhe é necessária561. Como afirma Ricardo de Barros Leonel562, para que a
tutela coletiva cumpra seus objetivos, ou seja, solucionar conflitos de massa,
proporcionar economia processual e alcançar a efetividade da prestação
jurisdicional, há “[...] a necessidade de modificação nos dois polos essenciais
da relação jurídica processual – legitimação e coisa julgada [...] .”.563
559 MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º da Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.
(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,
2006. p.182-183.
560 MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º da Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.
(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,
2006. p.183. “Ademais, nos termos da exposição prévia que fizemos sobre a aplicação puramente residual
do CPC na ação popular, não se pode pensar que regras de natureza individual venham a constituir
obstáculo para a ratio da LAP, que é a proteção especial de interesse supra individual, hoje descrita no
artigo 5º, LXXIII, da CF de 1988.”.
561LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.276. “Juntamente com a legitimação para agir, a coisa julgada é um dos pontos sensíveis da
regulamentação e desenvolvimento do processo coletivo. Da sua correta formulação torna-se possível o
alcance dos objetivos que a tutela jurisdicional coletiva preconiza em sua essência.”.
562LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.276-277.
563LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.277.
157
Sobre a questão da legitimação e da representação adequada, já
abordadas neste trabalho, convém somente recordar, neste momento, que a
legitimidade é conferida a determinados entes ope legis, pelo artigo 5º da Lei
da Ação Civil Pública e pelo artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor,
além de haver certa possibilidade de controle judicial da representatividade
adequada prevista no artigo 82, parágrafo 1º, do Código de Defesa do
Consumidor, e a análise jurisprudencial casuística da existência de inte resse
social na defesa de direitos individuais homogêneos pelo Ministério Público 564.
Dessa maneira, os indivíduos estão indiretamente presentes no processo
coletivo através de seu representante adequado, o que justifica o alcance da
sentença coletiva a eles, sem que haja a configuração de uma exceção ao
princípio da limitação subjetiva do julgado, “[...] configurando, sim, um novo
conceito de representação substancial e processual aderente às novas
exigências da sociedade .”.565
Quanto à coisa julgada coletiva, suas peculiaridades decorrem da
própria relação de direito material subjacente, pois, como destaca José Roberto
dos Santos Bedaque: “O regime dos limites da coisa julgada, sem dúvida, deve
ser considerado em função de o direito referir -se a apenas uma pessoa, a
várias determinadas ou a titulares indeterminados .”.566
O tratamento da coisa julgada coletiva recebe tratamento distinto do
modelo processual individual em razão das peculiaridades do direito material
coletivo. Assim, resumidamente, pode-se dizer que a sentença coletiva, quando
aborde interesses difusos, tem efeito erga omnes quando da procedência ou da
improcedência, salvo, neste último caso, quando a improcedência tiver como
fundamento a insuficiência probatória. A ação coletiva não impede ações
individuais dos lesados em razão dos mesmos fatos, pois partes, causa de pedir
e pedido serão distintos, além disso, o indivíduo não pode ser prejudicado com
564GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo: estudos e pareceres. 2.ed. São Paulo: DPJ Editora, 2009. p.268.
“Esse exame, que se faz caso a caso, implica a análise de algo muito próximo à representatividade
adequada, dependendo do objeto da demanda ou da quantidade de pessoas envolvidas na causa.”.
565LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.288.
566BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo.
5.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.125.
158
a improcedência coletiva. Com relação aos interesses coletivos stricto sensu, o
legislador determinou o efeito ultra partes do julgado limitado ao grupo, à
categoria ou à classe, salvo na hipótese de insuficiência probatória, quando a
coisa julgada será formal apenas. A extensão do julgado coletivo para o
indivíduo somente se dá in utilibus, não se admitindo a extensão que lhe seja
prejudicial. Por fim, as demandas que tratam sobre interesses individuais
homogêneos têm a formação da coisa julgada com efeitos erga omnes, sendo
que a sentença coletiva determina o an debeatur e cada indivíduo lesado deve
promover a liquidação e execução individuais para a consolidação do quantum
debeatur e a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta lesiva do réu
e a sua lesão567, ou seja, a própria condição de titular do direito reconhecido na
sentença deve ser objeto de prova568. Assim, “[...] cada liquidante deverá
provar, em contraditório pleno e mediante cognição exauriente, a existência de
seu dano pessoal e seu nexo etiológico, com o dano globalmente causado .”.569
Diante da necessidade de revisão do dogma processua l dos limites
subjetivos da coisa julgada, tornou-se imprescindível adequar o novo modelo
de coisa julgada ao princípio do contraditório.570
567LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.289-293. Cf. artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor que dispõe sobre a coisa julgada
coletiva. Diego Faleck destaca que com a sentença de mérito, tem início uma nova fase de liquidação, que
analisa aspectos quanto à legitimidade, quanto ao quantum debeatur, comprovação de renda, grau de
dependência econômica, dentre outros. FALECK, Diego. Do programa extrajudicial de prevenção ou
reparação de danos: inovação da Lei da Ação Civil Pública. In: ASSIS, Araken de. MOLINARO, Carlos
Alberto. GOMES JR., Luiz Manoel. MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. (Org.). Processo coletivo e
outros temas de direito processual: homenagem 50 anos de docência do professor José Maria Rosa
Tesheiner, 30 anos de docência do professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2012. p.153.
568WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luis Rodrigues. Anotações sobre as ações coletivas no
Brasil – presente e futuro. In: ASSIS, Araken de. MOLINARO, Carlos Alberto. GOMES JR., Luiz Manoel.
MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. (Org.). Processo coletivo e outros temas de direito processual:
homenagem 50 anos de docência do professor José Maria Rosa Tesheiner, 30 anos de docência do
professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.618.
569 LUCON, Paulo Henrique dos Santos; SILVA, Érica Barbosa e. Análise crítica da liquição e execução na
tutela coletiva. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Coord.). Tutela coletiva: 20 nos da LACP e do
FID, 15 anos do CDC. (p.163-183). p.175. Defendem os autores que, apesar do veto ao artigo 96 do CDC,
o juiz deve garantir a máxima publicidade possível à sentença coletiva, determinando a publicação de
editais em meios de comunicação de grande circulação, portanto, e assim, possibilitar a habilitação de
indivíduos para a liquidação individual da sentença genérica coletiva.
570BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo.
5.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.127.
159
Em função de os interesses tratados na demanda coletiva serem
indivisíveis e a coisa julgada alcançar indivíduos que não participaram do
processo efetivamente, há a necessidade de tratamento uniforme para a situação
material coletiva, afastando a possibilidade de decisões diferentes e
contraditórias. Assim, como ensina José Roberto dos Santos Bedaque:
“Daí a necessidade de o disposto na sentença tornar -se imutável
para todos. É, pois, a indivisibilidade do objeto da demanda
que determina a extensão dos limites subjetivos da coisa
julgada erga omnes ou ultra partes .” 571
A possibilidade de crítica à sistemática da coisa julgada coletiva por
ofensa ao princípio do contraditório deve ser afastada, pois que se basearia
somente em concepções individualistas do processo civil, o que não se amolda
às peculiaridades do processo coletivo, que possui um sistema arquitetado com
base na legitimação de entes específicos para a propositura de demandas que
garantam a representatividade adequada dos membros que não se encontrem no
processo e a incidência da coisa julgada benéfica, como ensina Ricardo de
Barros Leonel572:
“Há integral observância do devido processo legal sob a ótica
coletiva – com a inafastabilidade da jurisdição, do contraditório
e da ampla defesa -, pois o sistema estabelece meios de
controle e ressalvas a fim de inviabilizar, v.g., a colusão entre
autor e réu com a finalidade de fraudar a lei (produzindo
sentença de improcedência para legalizar conduta ilícita).” 573
Em relação ao demandado, que terá que refazer sua defesa, se o
julgamento for pela improcedência, pois a demanda pode ser reformulada em
outra oportunidade pelo mesmo ou por outro legitimado, não há sacrifício do
571BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo.
5.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.127.
572LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.278-279.
573LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.279.
160
contraditório574, por que, como destaca Ricardo de Barros Leonel, o demandado
integra a relação processual e tem condições de depositar grande empenho em
sua defesa dado à importância e à relevância da controvérsia575. Marcelo José
Magalhães Bonício, em sua tese sobre o princípio da proporcionalidade e o
processo civil brasileiro, indica a falta de proteção do réu em ação coletiva
caso a decisão se dê pela improcedência por falta de provas, gerando uma
desigualdade entre o réu de uma ação individual e o réu em ação civil pública,
no entanto, “Nem por isso se cogita de existência de violação à garantia da
coisa julgada, ou mesmo ao devido processo legal.” 576. Segundo o autor recém-
mencionado, o legislador considerou esta como uma hipótese em que a garantia
da coisa julgada não deve ser absoluta de acordo com o princípio da
proporcionalidade577, ou o postulado normativo aplicativo da
proporcionalidade. Assim, nesse caso, o legislador, no sopesamento entre o
princípio da igualdade de tratamento das partes do processo e o princípio do
contraditório, preferiu por bem delinear o sistema da forma que se encontra.
3.10.3 Contraditório no processo executivo coletivo
No processo civil individual, é indiscutível que o processo/fase executiva não
comporta discussões quanto à existência do crédito, pois, como determina o artigo 586 do
Código de Processo Civil, o título deve conter obrigação certa, líquida e exigível; no
574LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.281.
575LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.281.
576BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.106.
577Para uma ampla explicação das hipóteses de relativização da garantia da coisa julgada, cf. BONÍCIO,
Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da proporcionalidade, a
legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2006. p.102-108.
Convém lembrar a opinião trazida pelo Professor Cândido Rangel Dinamarco sobre as hipóteses legais de
flexibilização da coisa julgada. O autor critica que o legislador liste situações excepcionais. Somente
caberia ao magistrado a análise de casos concretos. Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do
processo civil. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.255.
161
entanto, mesmo no processo/fase executiva, há espaço para decisões referentes a outras
questões relativas à execução, e onde há decisão, deve estar presente o contraditório.
É o que afirma Acir Murad578, quando diz que o processo de execução não é
processo de sentença, “[...] motivo lógico a autorizar a conclusão de ausência de
julgamento que se identifique com aquele proferido no processo de conhecimento.”, mas
que há a presença de atuação cognitiva de menor dimensão. Nesse sentido, destaca
Cândido Rangel Dinamarco579 que também está presente o trinômio “pedir-alegar-provar”
na fase ou processo executivo, “Sendo a participação indispensável fator legitimante da
imposição dos resultados do exercício do poder [...].”580. Como destaca Carlos Alberto de
Salles581, é a cognição rarefeita, tratada por Kazuo Watanabe582. Dessa maneira, apesar de
não ocorrer o reexame quanto às questões decididas no processo/fase de conhecimento, há
conteúdo decisório quanto às providências a serem tomadas para a realização do
provimento jurisdicional e o contraditório deve ser observado.583
Em acréscimo ao exposto, o artigo 620 do Código de Processo Civil determina
que a execução se dê pelo meio menos gravoso para o executado e isso se torna viável com
a dialética possibilitada pelo contraditório. Além disso, o dispositivo constitucional, artigo
5º, inciso LV, não faz ressalva quanto ao modelo de processo judicial, conhecimento,
execução ou cautelar.584
Em sentido diverso, Enrico Tullio Liebman ensinava, em 1976, que a atividade
do juiz na execução toma a direção de modificação da realidade para que a vontade judicial
578 MURAD, Acir. Princípios constitucionais do processo civil. (Dissertação de mestrado apresentada à
FDUSP, sob a orientação do Prof. Dr. Antônio Carlos Marcato). São Paulo: USP, 2004. p.99. “A cognição
não é atividade exclusiva de um ou de outro processo – conhecimento e execução -, ainda que o espaço
ocupado no primeiro seja muito maior do que aquele que ocupa no segundo.”.
579 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p.128.
580 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. V.1. 5.ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p.129.
581 SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998. p.231.
582 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p.86.
583 SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998. p.233.
584 MURAD, Acir. Princípios constitucionais do processo civil. (Dissertação de mestrado apresentada à
FDUSP, sob a orientação do Prof. Dr. Antônio Carlos Marcato). São Paulo: USP, 2004. p.100.
162
expressa na sentença se concretize, ou seja, era extremamente prática e material585. Com
relação às partes, o autor referido afirmava que havia paridade no processo de
conhecimento, “[...] pois o princípio do contraditório é essencial a este tipo de processo;”
586, no entanto, no processo executivo, a situação se invertia. Nas palavras do autor:
“[...] na execução, não há mais equilíbrio entre as partes, não há
contraditório; uma exige que se proceda, a outra não o pode impedir e
deve suportar o que se faz em seu prejuízo, podendo pretender
unicamente que, no cumprimento desta atividade, seja observada a lei.”
587
De qualquer maneira, o autor citado acima não descartava a possibilidade de
surgimento do contraditório no processo executivo em um novo processo de cognição
incidente.588
Quanto ao processo executivo coletivo, o legislador não se ateve em determinar
suas peculiaridades, assim, cabe ao intérprete desenhar os seus contornos com base na
interpretação extensiva da existente legislação executiva para o âmbito individual589 e
com base nos poucos dispositivos na legislação coletiva, acrescidos dos
princípios regentes dos interesses transindividuais590. Não cabe aqui, diante dos
escopos do presente trabalho, esmiuçar a execução e a liquidação executivas,
mas somente o que for pertinente ao princípio do contraditório .591
585 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro (com notas da Dra. Ada Pellegrini
Grinover). São Paulo: Editora José Bushatsk Ltda, 1976. p.43. Nota introdutória de Ada Pellegrini
Grinover: “O código processual em vigor aboliu, como se sabe, a distinção entre execução e ação executiva
e unificou a execução, empregada, hoje, tanto para o título judicial como para o título extrajudicial.”.
586 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro (com notas da Dra. Ada Pellegrini
Grinover). São Paulo: Editora José Bushatsk Ltda, 1976. p.44.
587 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro (com notas da Dra. Ada Pellegrini
Grinover). São Paulo: Editora José Bushatsk Ltda, 1976. p.44.
588 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro (com notas da Dra. Ada Pellegrini
Grinover). São Paulo: Editora José Bushatsk Ltda, 1976. p.44.
589LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.402.
590 LUCON, Paulo Henrique dos Santos; SILVA, Érica Barbosa e. Análise crítica da liquição e execução na
tutela coletiva. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Coord.). Tutela coletiva: 20 nos da LACP e do
FID, 15 anos do CDC. (p.163-183). p.164. Cf. LACP, artigos 11,13 e 15; CDC, artigo 84.
591Para tal objetivo, haveria a necessidade de um trabalho inteiro sobre o tema. Cf., v.g., SILVA, Érica
Barbosa e. Cumprimento de sentença em ações coletivas. São Paulo: Atlas, 2009.
163
Com essa perspectiva definida, tem-se que o processo coletivo
desloca para a fase executiva maior atividade cognitiva do juiz, como pontua
Ricardo de Barros Leonel592, como, por exemplo, na liquidação e execução de
sentença que envolva interesses individuais homogêneos, como citado acima,
quando cada indivíduo deverá demonstrar o seu nexo de causalidade para a
fixação do quantum debeatur, através de uma liquidação semelhante à por
artigos do CPC, pois “[...] jamais poderá alterar aquilo que foi decidido na
sentença condenatória genérica, que reconhece a potencialidade lesiva do
dano [...]”593, além das chamadas “execuções complexas” 594, consagradas com
a reforma efetivada no artigo 461 do Código de Processo Civil, que
disponibiliza um grande leque de medidas a serem tomadas com vistas à
efetividade do provimento jurisdicional, que podem envolver, por exemplo,
danos ao meio ambiente, interesses difusos e coletivos, portanto, a demandar,
liquidação por arbitramento ou por artigos, caso haja a necessidade de prova de
fato novo595. A consequência dessa grande gama de possibilidades é o aum ento
da discricionariedade judicial, o qual deve vir acompanhado do contraditório
possibilitado às partes para que uma decisão adequada seja razoavelmente
alcançada.596
Em relação à execução específica das obrigações de fazer e de não
fazer, há previsão legal nos artigos 84 do Código de Defesa do Consumidor, no
artigo 11 da Lei da Ação Civil Pública, nos artigos 461 e 632 do Código de
592LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.402. Destaca o autor que a tendência de relativização entre o binômio conhecimento e execução
ocorre nos dois lados, pois existem medidas de antecipação dos efeitos da tutela ou ações destinadas ao
cumprimento da obrigação específica na fase de conhecimento e também maior carga decisória já na fase
executiva, como em questões ambientais, quando a obrigação de reparar o meio ambiente se dá em fase
cognitiva, mas a eleição do modo se dá na execução. Cf. SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial
em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p.239-240.
593 LUCON, Paulo Henrique dos Santos; SILVA, Érica Barbosa e. Análise crítica da liquição e execução na
tutela coletiva. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Coord.). Tutela coletiva: 20 nos da LACP e do
FID, 15 anos do CDC. p.168 e 176.
594 SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998. p.251 e ss.
595 Cf. LUCON, Paulo Henrique dos Santos; SILVA, Érica Barbosa e. Análise crítica da liquição e execução
na tutela coletiva. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Coord.). Tutela coletiva: 20 nos da LACP e do
FID, 15 anos do CDC. p.168.
596 SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998. p.252.
164
Processo Civil e no artigo 213 do Estatuto da Criança e do Adolescente,
conferindo poderes ao magistrado para determinar as medidas mais adequadas a
proporcionar a efetividade necessária ao provimento jurisdicional coletivo, para
impor ou modificar o valor de multa para o efeito de coerção,
independentemente do pedido da parte e determinar medidas, tais como a busca
e apreensão, a remoção de coisas e pessoas, dentre outras597. Diante desse poder
conferido ao magistrado, ele necessitará de subsídios técnicos para tomar a
melhor decisão, assim, como deve fazer com que o contraditório seja
observado, consultando o demandado. Como no exemplo trazido por Ricardo de
Barros Leonel, em que houve a condenação de uma empresa em não mais emitir
poluentes, com o pedido de cessação de suas atividades pela parte autora. Caso
o mesmo efeito possa ser obtido com a instalação de filtros, tal medida p ode ser
adotada.598
De semelhante exemplo, pode-se aferir a importância do
contraditório em situações tais a ponto de auxiliar o magistrado a tomar a
decisão que encontre um equilíbrio entre posições extremas, evitando o
fechamento de uma indústria, por exemplo, criadora de renda e empregos, além
de observar o disposto no artigo 620 do Código de Processo Civil.
Além disso, medidas compensatórias em espécie podem ser uma
opção viável, já que a medida compensatória que é conversão em perdas e
danos e a remessa das verbas ao Fundo de Interesses Difusos não tem
vinculação com o dano originário nem com a região atingida, a medida
compensatória em espécie pode ser uma opção mais adequada para a
efetividade da prestação jurisdicional .599
Convém destacar o seguinte trecho da obra de Ricardo de Barros Leonel:
597LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.408.
598LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.408.
599 Cf. LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.409. O autor traz o exemplo de contaminação irreparável de lençol freático que abastece
determinada localidade, sendo possível a determinação de que o causador do dano traga água de outra
região para abastecer a área atingida.
165
“Essa relevância do processo executivo é potencializada no sistema
coletivo, seja pelo amplo espectro de abrangência de sua base subjetiva,
seja pela complexidade objetiva dos atos executórios, bem como pelas
dificuldades inerentes à concretização da tutela específica das obrigações
de fazer ou de não fazer (também chamada de execução imprópria,
indireta ou específica).” 600
O artigo 15 da Lei da Ação Civil Pública determina que: “Decorridos sessenta
dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe
promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos
demais legitimados.”. Assim, preferencialmente, cabe ao autor da ação coletiva promover a
respectiva liquidação ou execução e o órgão ministerial tem o dever legal de fazê-lo em
caso de inércia daquele. Apesar de o texto legal falar em “associação”, deve-se fazer uma
interpretação extensiva para abranger todos os legitimados. Além disso, em caso de inércia
do autor coletivo para promover a execução, qualquer outro legitimado pode fazê-lo, desde
que respeitados determinados requisitos, como a pertinência temática para os entes da
administração indireta e para as entidades civis, além do prazo de constituição anuo para
estas últimas.
A previsão legal referida parece minimizar o princípio da disponibilidade da
ação ou da inércia, previsto no artigo 2º do Código de Processo Civil, havendo quem
defenda a sua inaplicabilidade diante da previsão específica na legislação coletiva pela
obrigatoriedade e indisponibilidade da execução601. Em casos concretos, caso o juiz
verifique a inércia dos legitimados para iniciar a liquidação/execução, deve comunicar o
chefe do Ministério Público. Sobre o tema, trata-se de forma mais aprofundada adiante, no
princípio da obrigatoriedade da execução coletiva pelo Ministério Público.
600LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.401.
601 LUCON, Paulo Henrique dos Santos; SILVA, Érica Barbosa e. Análise crítica da liquição e execução na
tutela coletiva. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Coord.). Tutela coletiva: 20 nos da LACP e do
FID, 15 anos do CDC. p.170. Os autores indicam, de lege ferenda, que o juiz possa determinar o início da
execução de ofício.
166
3.10.4 Direito à prova no processo coletivo: à luz do princípio do contraditório
O sistema probatório está em um momento de alteração paradigmática
desencadeada pelo avanço tecnológico, que ocorre através de um vagaroso processo de
reconsideração de conceitos diante do surgimento de meios novos e mais seguros de prova
que podem substituir ou adicionar maior robustez às provas tradicionalmente utilizadas,
como explicita Carlos Alberto de Salles602, e a principal área em que se podem observar
tais mudanças é na seara coletiva das ações civis públicas, onde provas tecnológicas
podem, por exemplo, demonstrar o estado de bens através de fotos de satélite, por
exemplo. A absorção pela ciência processual da certeza tecnológica não dispensa o papel
do juiz, mas o modifica na medida em que o julgamento de questões de fato fica relegado a
um segundo plano diante da prevalência do julgamento pela interpretação do direito e dos
valores envolvidos603. Essas modificações mencionadas repercutem na forma de apreciação
das provas no direito processual civil, gerando a necessidade de um regramento distinto
para o ônus da prova, que funciona como regra de julgamento604 da forma como está
regulado atualmente. Tradicionalmente, pelo princípio dispositivo, pelo qual cabe à parte a
prova de fatos de seu interesse, juntamente com a vedação do non liquet, é exigência
prévia do processo que as partes estejam cientes da forma de distribuição do ônus
probatório para que elas possam orientar suas iniciativas probatórias e sopesar as
probabilidades de resultado, como alerta Carlos Alberto de Salles605. No entanto, com a
prova científica adentrando o meio probatório, há alterações na possibilidade de prova de
cada parte, como, por exemplo, o caso de um fornecedor que terá domínio sobre as
602 SALLES, Carlos Alberto de. Processos coletivos e prova: transformações conceituais, direito à prova e
ônus da prova. In: MILARÉ, Édis. (Coord.). A ação civil pública após 25 anos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. p.147. “Pode-se dizer que os processos coletivos impulsionam as provas para um
momento de transição, [...].”.
603 SALLES, Carlos Alberto de. Processos coletivos e prova: transformações conceituais, direito à prova e
ônus da prova. In: MILARÉ, Édis. (Coord.). A ação civil pública após 25 anos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. p.151.
604 SALLES, Carlos Alberto de. Processos coletivos e prova: transformações conceituais, direito à prova e
ônus da prova. In: MILARÉ, Édis. (Coord.). A ação civil pública após 25 anos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. p.157. “Pretende-se, isso sim, denunciar a insuficiência do conceito quando aplicada a
novas situações, como na inversão do Direito do Consumidor [...].”.
605 SALLES, Carlos Alberto de. Processos coletivos e prova: transformações conceituais, direito à prova e
ônus da prova. In: MILARÉ, Édis. (Coord.). A ação civil pública após 25 anos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. p.154.
167
informações técnicas de um produto, diferentemente do consumidor final. Assim, a
possibilidade probante, neste contexto, não tem relação com a capacidade financeira de
forma direta. Diante disso, elaborou-se a teoria do ônus dinâmico da prova, a qual tem sido
corroborada pelo Superior Tribunal de Justiça.606
“Não obstante o reforço dos poderes do juiz se mostre presente nas
diversas fases do processo coletivo é, sem dúvida, na fase instrutória que
sua atuação deverá ser a mais ativa possível.” 607
Como demonstra Swarai Cervone de Oliveira, no trecho acima destacado, é na
instrução probatória que a postura ativa do magistrado, na seara coletiva, ganha relevo
maior; ou, como afirma Fábio Peixinho Gomes Côrrea, “[...] a experiência demonstra que
a iniciativa probatória constitui o mais valioso instrumento à disposição do Juiz para o
fim de reequilibrar a disputa no processo.”. 608
O interesse público primário está muito presente nos direitos materiais que são
objetos da tutela jurisdicional coletiva para permitir uma postura estática do magistrado. O
Código de Processo Civil, em seu artigo 130, determina o seguinte: “Art. 130. Caberá ao
juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução
do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.”. Se há
justifica para o legislador prever a possibilidade de o magistrado determinar provas na
seara individual, com maior razão deve fazê-lo no âmbito do processo coletivo.
Assim, compromete-se o princípio dispositivo para privilegiar a efetividade da
jurisdição, o acesso a uma ordem jurídica justa e de igualdade substancial e, não apenas
formal, como destaca Rogério Marrone de Castro Sampaio.609
606 SALLES, Carlos Alberto de. Processos coletivos e prova: transformações conceituais, direito à prova e
ônus da prova. In: MILARÉ, Édis. (Coord.). A ação civil pública após 25 anos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. p.155. Cf. AgIn 706.524-RS, decisão monocrática, rel. Min. Teori Albino Zavascki,
p.05.10.2005. Cf. REsp 69309-SC, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª T., j.18.06.1996. No mesmo
sentido: TJSP, AgIn 754.083-5/0-00, rel. Des. Samuel Júnior, Câmara Reservada do Meio Ambiente,
j.10.07.2008.
607 OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;
CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de
processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.668.
608 CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos sujeitos
processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP, 2008.
p.67.
609 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. Tese
de doutorado sob orientação do Prof. Dr. Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: USP, 2007. p.180.
168
Segundo Marcelo José Magalhães Bonício, o princípio dispositivo tem raízes
na natureza do direito material em discussão e no caráter instrumental do processo: “[...]
porque, conforme for o grau de indisponibilidade do direito material ou, em outras
palavras, a natureza pública ou privada deste direito, será definido o grau de
disponibilidade que os titulares do direito material possuirão.”610. O princípio dispositivo
impede que o juiz inicie a demanda – embora essa dimensão seja relativizada na seara
coletiva, à luz do artigo 7º, da Lei da Ação Civil Pública – e que determine e assuma toda a
atividade probatória do processo, independentemente da vontade das partes. No entanto,
ele não deve permanecer inerte, como o próprio Código de Processo Civil, em seu artigo
130, indica. É demandada certa atuação do magistrado, mas com limites. Por exemplo, o
juiz deve se limitar aos fatos trazidos pelas partes, com exceção dos fatos notórios,
segundo Marcelo José Magalhães Bonício.611
Quanto à provável alegação de comprometimento da imparcialidade do juiz, tal
não ocorre, como destaca Swarai Cervone de Oliveira612, pois o processo coletivo tem
como predominante o traço de vontade da atuação concreta da lei, se aproximando mais do
processo civil objetivo e deixando em plano inferior a vontade das partes, além disso, juiz
imparcial não é juiz imóvel: “Ser imparcial não significa ser passivo, mas, sim, analisar as
provas de forma não tendenciosa, sem a intenção de beneficiar uma ou outra parte.” 613.
Antes da produção da prova, de qualquer forma, não se sabe qual será o resultado
alcançado, além disso, a prova deve ser submetida ao contraditório, garantindo a
participação das partes na instrução probatória e legitimando o seu resultado. Como ensina
José Carlos Baptista Puoli614, a filosofia liberal exacerbada e os fortes traços
610BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.160.
611BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.161.
612 OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;
CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de
processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.669.
613 OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;
CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de
processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.669.
614 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 39-40.
169
individualistas do final do século XIX, que ainda exercem certa influência em nossos dias,
utilizam o comprometimento da imparcialidade do órgão jurisdicional como motivo para
negar a possibilidade de iniciativa probatória do magistrado, confundindo os conceitos de
“juiz ativo” com o de “juiz parcial”, o que contraria as bases da instrumentalidade do
processo. No entanto, o sistema de tutela coletiva cobra do juiz uma postura ativa, como
nos interesses de consumidores, de crianças e adolescentes e de idosos, ao prescrever, o
próprio texto legal, a inversão do ônus probatório. Um grande avanço foi logrado com o
texto do Código de Defesa do Consumidor, que previu, em seu artigo 6º, inciso VIII, como
direito básico do consumidor: “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a
inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for
verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiências;”. Assim, operou-se a flexibilização da regra clássica de distribuição do ônus
probatório previsto no artigo 333 do Código de Processo Civil, o qual privilegiava a
segurança jurídica com base no contraditório, para passarmos à fase em que a distribuição
do ônus da prova se dá ope judicis. Dessa maneira, quando o magistrado note presentes os
requisitos autorizadores da inversão, deve fazê-lo. No entanto, tem-se presente que não se
trata de empreitada simples, dado que o legislador se utilizou de expressões abertas, como
“verossimilhança da alegação” ou “hipossuficiência” 615, além de não destacar o momento
em que se opera a inversão, o que deu origem a diversas posições doutrinárias sobre o
momento adequado em que o magistrado poderia ordenar a inversão do ônus probatório616.
Sobre o tema, aponta José Carlos Baptista Puoli617 ser a posição mais adequada a que
defende o diálogo entre as partes com o órgão jurisdicional antes do início da fase
probatória, para que as condições do litígio e a possibilidade de inversão fiquem nítidas
615 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. Tese
de doutorado sob orientação do Prof. Dr. Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: USP, 2007. p.183. “O requisito
da hipossuficiência é o que, na realidade, retrata o espírito da técnica processual. A situação de
vulnerabilidade em que se encontram os consumidores, nas mais variadas e complexas relações jurídicas
travadas com os fornecedores, os coloca em situação de desequilíbrio também na relação processual.
Busca-se, com a inversão do ônus da prova, o restabelecimento da igualdade de condições que emerge da
cláusula do devido processo legal.”.
616 Para ampla indicação bibliográfica, cf. PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas
do processo civil. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001. p. 48-50.
617 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas do processo civil. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2001. p. 49.
170
para todos os envolvidos. Como destaca Kazuo Watanabe618, a teoria da carga dinâmica da
prova considera a facilidade da parte em demonstrar determinado fato com base em seus
conhecimentos científicos e técnicos ou pela detenção de informações acerca dos fatos
relevantes para a causa.
Quando se trata da verossimilhança da alegação, Kazuo Watanabe619 destaca
que não se trata propriamente de inversão do ônus probatório, mas a admissão pelo juiz da
produção de determinada prova que era incumbência de uma das partes com base em
máximas da experiência e regras da vida. Em determinado caso, com base na experiência,
determinado fato que deveria ter sido provado seria a premissa ou a consequência dos
acontecimentos, caso não haja prova em contrário. Como destaca o autor mencionado:
“Cuidou o legislador, apesar disso, de explicar a regra, e o fez com
propósitos didáticos, para lembrar aos operadores do Direito, não muito
propensos a semelhante critério de julgamento, que é ele inafastável em
processos que tenham por conteúdo o direito do consumidor. E há, no
dispositivo, também a lembrança de que, tratando-se de tutela do direito
do consumidor, deve ser utilizada, com mais frequência, regra inscrita no
art. 335 do Código de Processo Civil.” 620
Em relação à hipossuficiência, um verdadeiro caso de inversão do ônus
probatório, ela estará configurada não somente em casos de hipossuficiência econômica,
conforme a definição dada pelo parágrafo único do artigo 2º da Lei n. 1.060/50621, mas
também em casos de hipossuficiência técnica, ou seja, quando uma das partes estiver em
situação de grande desvantagem na obtenção de informações técnicas acerca de uma
contenda, como na relação entre consumidor e fabricante.622
618 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p.6.
619 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p.9.
620 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p.6. Cf. Artigo 335, CPC: “Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as
regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as
regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.”.
621 “Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar
as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.”.
622 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:
171
Ademais, o processo tem uma finalidade social que não pode ser olvidada
diante de um caso em que o desequilíbrio das partes fique evidente, exigindo a postura
ativa do magistrado a determinar a produção de provas, que, repita-se, não compromete sua
imparcialidade, pois o resultado de tal prova é desconhecido de todos os envolvidos
teoricamente: “O processo não pode ser visto como um jogo, em que o mais forte tem mais
possibilidades de vencer. Isso contraria o ideal da igualdade substancial entre as partes,
contentando-se o juiz com a simples igualdade formal, sob o cômodo manto da
imparcialidade.”. 623
As ações coletivas, por tratarem de direito de inúmeras pessoas que não estão
presentes no processo, mas que são representadas por representantes adequados, que
dificilmente terão contato direto com os representados, reclamam um juiz atento a suprir
lacunas detectadas na fase probatória.624
Como destaca Rogério Marrone de Castro Sampaio625, o Código de Processo
Civil sintetiza a atuação judicial em matéria probatória em seu artigo 130. O juiz é o
destinatário final das provas que são produzidas durante o iter procedimental. Assim, cabe
a ele ponderar os interesses em jogo à luz da proporcionalidade, para determinar as provas
essenciais e as somente protelatórias.626
Conforme já destacado, diante da ampliação dos poderes do juiz, ele poderá
determinar a colheita de algumas provas. Na mesma direção, a atuação do magistrado na
seara probatória vem delineada no artigo 331 do Código de Processo Civil, que dispõe
sobre a audiência preliminar, com a seguinte redação em seu segundo parágrafo: “Se, por
qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos,
Forense, 2011. p.10. “O mais que o magistrado poderá fazer, tal seja o custo da prova a ser colhida, por
exemplo, uma perícia especializada e sua impossibilidade prática de realização gratuita, é determinar que o
fornecedor suporte as despesas com a prova.”.
623 OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;
CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de
processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.672.
624 OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;
CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de
processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.673.
“A relevância social das decisões e o interesse público que permeia o processo coletivo impõem,
decididamente, a postura ativa do juiz.”.
625 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. Tese
de doutorado sob orientação do Prof. Dr. Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: USP, 2007. p.181.
626 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. Tese
de doutorado sob orientação do Prof. Dr. Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: USP, 2007. p.181.
172
decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas,
designando audiência de instrução e julgamento, se necessário.”. Portanto, deve o juiz
exercer papel ativo na audiência preliminar, fixando os pontos controvertidos e
determinando as provas que deverão ser produzidas. Além disso, caso entenda necessário,
o juiz pode alertar as partes sobre as regras de distribuição do ônus probatório que poderão
ser futuramente aplicadas627. Segundo Kazuo Watanabe, o juiz não deve decidir, neste
momento inicial, sobre a inversão do ônus probatório, mas apenas informar as partes, de
acordo com o princípio da colaboração processual628 e como aplicação de medida de boa
política judiciária629. A necessidade de se recorrer às regras do ônus probante somente tem
a probabilidade de surgir após a conclusão da fase probatória.630
O Projeto de Lei n. 5.139/2009 rejeitado pela Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara dos Deputados continha disposição neste sentido em seu artigo 20,
inciso IV, determinando que o juiz distribuísse “[...] a responsabilidade pela produção da
prova, levando em conta os conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os
fatos detidos pelas partes ou segundo a maior facilidade em sua demonstração.” 631, de
forma a buscar o restabelecimento do equilíbrio das partes quanto às possibilidades
probatórias.
627 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p.7.
628 CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos sujeitos
processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP, 2008.
p.65-66. “A colaboração das partes ocorre por força do fenômeno da “participação contraditória”, o qual
nada mais é do que o exercício do direito fundamental à participação visto segundo o princípio do
contraditório.”.
629 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. V.3. 6.ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p.82-83. “A transparência das condutas judiciais é uma inafastável inerência do due
process of law e da exigência do diálogo que integra a garantia constitucional do contraditório: o processo
civil moderno quer muita explicitude do juiz e de suas intenções, que são fatores indispensáveis à
efetividade do justo processo.”. GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo.
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo
coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.12.
630 No mesmo sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. V.3. 6.ed.
São Paulo: Malheiros, 2009. p.81-83. Em sentido contrário: Cf. ALMEIDA, João Batista de. A proteção
jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993. p.80. Para este autor, a inversão do ônus probatório
deve ser comunicada a tempo para que a parte possa se desincumbir deste ônus.
631 SALLES, Carlos Alberto de. Processos coletivos e prova: transformações conceituais, direito à prova e
ônus da prova. In: MILARÉ, Édis. (Coord.). A ação civil pública após 25 anos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. p.156.
173
3.11 Princípio da publicidade
O princípio da publicidade garante conhecimento dos atos do processo a todos,
garantindo transparência à atividade jurisdicional, juntamente com a necessidade de
motivação das decisões judiciais632. A publicidade adequada é uma garantia do devido
processo. Quando na seara coletiva, a publicidade adequada ganha meandros distintos e
passa a ser corolário do devido processo coletivo.
No texto constitucional, há previsão no artigo 5º, inciso LX, e no artigo 93,
inciso IX, aquele com caráter pragmático para possibilitar a sua restrição quando
necessário, preservar a intimidade ou o interesse social; este, com caráter garantístico633.
Quando referente ao processo coletivo, o princípio da publicidade ganha dimensão diversa,
pois envolve a adequada notificação dos membros do grupo ou grupos envolvidos, a
publicidade necessária para a sociedade em geral e a informação aos órgãos
competentes634. Antonio Gidi635 afirma que a notificação aos membros do grupo não deve
ser tomada como um fim em si mesma, mas como um meio de controle da adequação da
representação do processo coletivo e somente pode ser exigida na medida desta, pois uma
exigência para que o devido processo legal seja cumprido não pode servir como empecilho
do acesso à justiça.
Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior636 diferenciam o princípio da
publicidade em dois sub-princípios: o da adequada notificação dos membros do grupo e o
632 Cf. ALMADA, Roberto José Ferreira de. A garantia processual da publicidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005. p.17-18. Sobre a publicidade interna do processo, que possibilita o exercício do
contraditório pelas partes; e a publicidade externa, que cumpre o papel de revelação pública da regularidade
do procedimento, cf. ALMADA, Ibid., p. 49-50.
633 Artigo 5º, inciso LX: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem;” e artigo 93, inciso IX: “todos os julgamentos dos órgãos do
Poder Judiciário serão públicos [...]”. Cf. ALMADA, Roberto José Ferreira de. A garantia processual da
publicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.15.
634 Nesse sentido, mas apontando também a comunicação ao Cadastro Nacional de ações coletivas, quando
criado: AZEVEDO, Júlio Camargo de. Princípios do processo coletivo aplicáveis à tutela dos interesses
metaindividuais: análise feita à luz do Projeto de Lei n. 5.139/09. Franca: UNESP, 2009. p. 91.
635 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.230.
636 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.115.
174
da informação aos órgãos competentes. Para a melhor esquematização do tema, optou-se
por abordar essas duas facetas do princípio, ora abordado, de forma separada.
3.11.1 Adequada notificação aos membros do grupo
Quanto ao primeiro sub-princípio, o da adequada notificação aos membros do
grupo, os autores apontam a importância da comunicação da existência do processo
coletivo àqueles que não estão efetivamente presentes na relação processual, o que se dá
por editais, segundo a atual regulamentação dada à matéria no direito brasileiro637. É o que
o direito estadunidense chama de fair notice638. A notificação aos membros do grupo tem
dupla finalidade: permite que os indivíduos exerçam a fiscalização sobre a condução do
processo pelo representante adequado, assim como permite o exercício do direito de “sair”
da ação coletiva para dar continuidade a sua ação individual. Segundo Antonio Gidi639, os
membros dos grupos devem ser notificados acerca da causa, seus direitos e os riscos
envolvidos para que possam decidir qual conduta tomar.
Assim, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 94, tratou da matéria
da notificação dos membros do grupo, dispensando a publicação em jornal local por ser
custosa e não mais proveitosa640 do que a opção adotada, qual seja, a ampla divulgação da
ação pelos meios de comunicação, como rádio, televisão e internet, por órgãos de defesa
637 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.239. Cf. Artigo 94, Código de
Defesa do Consumidor.
638 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.115.
639 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.213.
640 Nesse sentido: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo.
10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. passim. Em sentido contrário: GIDI, Antonio. A class action como
instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. p.240.
175
do consumidor federais, estaduais e municipais e também por entidades privadas de defesa
do consumidor que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.641
O escopo da divulgação prevista no referido artigo 94 é possibilitar que os
interessados a intervir como litisconsortes no processo coletivo tomem ciência da
existência deste. O litisconsorte não poderá ampliar o objeto da demanda coletiva, trazendo
seus direitos pessoais, pois, como explicam Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e
Nelson Nery Júnior642, contraria a “molecularização” da causa. Diante desta inovação das
regras processuais, alguns autores643 preferem qualificar esta intervenção como um caso de
assistência qualificada ou litisconsorcial, mas, como destacam os autores recém-
mencionados, o enfoque de institutos processuais muda quando há a transposição para a
seara coletiva. Convém citar que a intervenção ora em comento acarreta consequências nos
limites subjetivos da coisa julgada para o interventor, pois caso a demanda seja rejeitada
pelo mérito, ele não poderá propor uma ação individual posterior, diferentemente daquele
membro do grupo que não atuou como litisconsorte.
Quanto ao sistema de auto exclusão no microssistema processual coletivo
brasileiro, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 104, dispôs que: “As ações
coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem
litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou
ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores
das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar
da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.”.
Assim, o demandante individual tem duas opções: continuar com sua demanda
individual, independentemente da ação coletiva, por não existir litispendência entre elas,
mas com a ciência de não haver possibilidade de ele ser beneficiado por eventual
procedência coletiva; ou, optar pela suspensão do processo individual, no prazo de trinta
dias, desde a ciência inequívoca nos autos da existência da ação coletiva, conforme já
641 Nesse sentido: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo.
10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.150.
642GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p.151.
643Como explicam: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo.
10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.151.
176
mencionado. Caso a ação coletiva seja julgada procedente, nesta última hipótese, o autor
individual será beneficiado; caso contrário, ele poderá prosseguir com sua ação que foi
suspensa e ainda ter chances de procedência na seara individual. É o critério de extensão
subjetiva dos julgados secundum eventum litis, adotado pelo microssistema processual
coletivo.644
Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior645 lembram que somente há
sentido na existência de uma previsão legal para a exclusão de um membro do grupo, caso
exista a possibilidade de prejuízo para o indivíduo, como a longa espera pelo julgamento
da ação coletiva, ou a ausência de confiança no sistema processual coletivo, ou, ainda, a
vedação da tutela individual. No entanto, o nosso sistema adota a eficácia in utilibus da
coisa julgada coletiva, ou seja, o indivíduo, que não seja demandante individual, não tem
motivo para comunicar nos autos de uma ação coletiva a sua exclusão do grupo, pois ele
somente pode ser beneficiado por eventual procedência646. Caso ele não deseje o benefício
advindo de uma ação coletiva, basta que não proceda à liquidação e à execução da sentença
coletiva.
No entanto, como nota-se da análise do artigo 94 do Código de Defesa do
Consumidor em conjunto com todo o microssistema de tutela coletiva, falta
regulamentação, no direito pátrio, que garanta uma eficaz comunicação aos indivíduos
lesados. É truísmo que a publicação de um edital para notificar os membros do grupo é
ineficaz e somente uma ficção. Como alerta Antonio Gidi647, o legislador pode criar
ficções, mas “[...] sem fugir ao bom senso e à necessidade constitucional de se promover
uma efetiva notificação aos membros do grupo.”. De nada adianta a previsão da
644 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p.213.
645 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.187.
646 Cf. GIDI, Antonio; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.). La tutela de los derechos difusos,
colectivos e individuales homogéneos: hacia um código modelo para iberoamLerica. 2.ed. México:
Editorial Porrúa México, 2004. Introdução por Ada Pellegrini Grinover. p. XLVIII. “A visão norte-
americana das class actions ainda é uma visão individualista do processo, centrada nos membros do grupo
e preocupada sobretudo com as pessoas que o compõem. Seguro indício disto são, entre outras, as
numerosas notificações, para que cada interessado seja cientificado da demanda; o critério do opt in e do
opt out, como princípio reitor do regime da coisa julgada; [...].”.
647 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.239.
177
possibilidade de intervenção do indivíduo no processo coletivo se não houver um
mecanismo eficiente de levar a notícia da existência deste para seus membros.
Como pontua Antonio Gidi648, o sistema de notificação utilizado nos Estados
Unidos não é transponível para o nosso sistema jurídico por diversas razões, tais como
normas éticas que impedem que advogados financiem suas causas e também a necessidade
de advogados com altas somas disponíveis para investir em tais ações. No entanto,
segundo o autor, nossa parca regulamentação da matéria não se justifica diante dos
interesses extremamente relevantes envolvidos.649
Propõe Antonio Gidi que os legitimados ope legis, no Brasil, poderiam adiantar
as despesas referentes à notificação dos membros do grupo, ou, ainda, que as verbas do
Fundo do artigo 13 da Lei da Ação Civil Pública poderiam ser direcionadas para tal
objetivo650, de lege ferenda.
Além disso, a segunda parte do artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor
faculta aos órgãos de defesa do consumidor a divulgação da existência de ações coletivas,
o que pode ou não ocorrer, portanto, não garantindo a eficácia da notificação651, pois tal
dispositivo funciona apenas como uma sugestão.
Dessa maneira, diante da ausência de regulamentação expressa quanto à forma
de comunicação do indivíduo sobre a existência da ação coletiva, a doutrina se divide.
Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior652 defendem que cabe ao réu
proceder a essa informação, pois o indivíduo que não teve ciência da existência do
processo coletivo não pode ser prejudicado com o prosseguimento normal de sua ação
individual. É o que se infere do artigo 31 do Código Modelo do IIDP. Apontam esses
648 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.240.
649 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.241. “Ademais, no direito
brasileiro, ao contrário do que acontece no americano, a coisa julgada coletiva atinge a esfera individual
dos membros do grupo apenas in utilibus, secundum eventum litis, diminuindo os riscos do grupo.”.
650 Assim como os membros do Ministério Público aspiram que as verbas do Fundo do artigo 13 da Lei da
Ação Civil Pública pudessem ser direcionadas para o financiamento de suas investigações. No entanto,
como aponta Hugo Nigro Mazzilli: “Entretanto, se, de lege ferenda, tal solução pode ser cogitada, hoje,
porém, lege lata, é inviável.”. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 572.
651 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.240.
652 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.183.
178
autores que o réu tem interesse na comunicação do autor individual acerca da existência da
ação coletiva, pois ele evitaria ser demandado mais de uma vez acerca do mesmo caso653,
criando-se um ônus para o réu, que, se não cumprido, beneficiará o autor da ação
individual. Trata-se, como indicam os autores mencionados, de aplicação do princípio da
cooperação no processo civil e, diante do silêncio do sistema normativo, manobra viável
diante da incidência do princípio da adequação.654
Assim, assumindo-se esta postura, o demandado em ação coletiva,
seria o único sujeito com ciência da existência de ações indivi duais acerca da
mesma matéria de uma ação coletiva, cabendo a ele o ônus de dar ciência aos
autores individuais.
Antonio Gidi655 sugere que a lei deveria obrigar o autor da ação
coletiva a promover uma adequada notícia, de uma forma mínima, aos membros
do grupo acerca da propositura da ação, deixando aberta a possibilidade de o
juiz determinar formas de notificação complementares 656. Defende o autor
mencionado que a entidade autora poderia conseguir divulgar a propositura da
ação de forma gratuita através de rádio, televisão e internet, o que obviamente
deveria ser feito de forma neutra e concisa. No entanto, caso necessário pagar
fosse, isso comprovaria também sua capacidade de representação adequada e
sua boa-fé. Antonio Gidi vai além em suas sugestões e propõe que a lei
estabelecesse critérios para que o juiz pudesse transferir ao réu, desde que
observados o contraditório e a ampla defesa, a responsabilidade financeira pela
notificação do grupo, com fundamento na analogia de casos de inversão de
ônus da prova, liminar, provimento cautelar e antecipação de tutela, ou seja,
653 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.183.
654 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.183.
655 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.241.
656 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.241. “O magistrado deveria
escolher a melhor forma de notificação de acordo com os fatos do caso concreto, avaliando as
peculiaridades do grupo e do direito violado.”.
179
casos de cognição sumária de verossimilhança ou da presença do fumus boni
iuris na pretensão do autor.657
Por fim, conclui Antonio Gidi que não há necessidade de que a
notificação dos membros do grupo seja pessoal, bastando a notificação a
entidades públicas e associações representativas do grupo para que o sistema
atual seja aperfeiçoado, pois, da forma como está, ele é vulnerável a ações
coletivas fraudulentas, porque os advogados e os entes coletivos legitimados
permanecem livres de controle que poderia/deveria ser exercido pelos membros
do grupo e de outras associações ou entidades legitimadas .658
Quanto à possibilidade de a parte exercer o direito de arrependimento quanto
ao pedido de suspensão de sua ação individual, Antonio Gidi, Fredie Didier Júnior e
Hermes Zaneti Júnior659 entendem pela possibilidade, desde que a informação seja levada à
ação coletiva e à ação individual660. Ainda, Kazuo Watanabe, Ada Pellegrini Grinover e
Nelson Nery Júnior concordam com a possibilidade de arrependimento da suspensão da
ação individual e citam a seguinte situação: “[...] como no caso de superveniência de uma
sentença desfavorável de primeiro grau, a prenunciar a formação de uma coisa julgada
negativa na ação coletiva.” 661. Apesar de o Código de Defesa do Consumidor não
disciplinar a questão, os autores recém-mencionados defendem a interpretação da questão
de acordo com os princípios norteadores da legislação consumeirista.662
657 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.241.
658 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.242. “A mera publicidade dos atos
processuais é instrumento insuficiente para proteger os interesses dos membros ausentes do grupo, se a
controvérsia coletiva não despertar o interesses dos meios de comunicação.”.
659 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.183.
660 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.183.
661 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p.213.
662 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p.213. “[...] assim, todo o enfoque da nova lei, como instrumento de proteção e defesa do
consumidor (art. 1º), com o reconhecimento de sua vulnerabilidade (art. 4º, inc. I), aliado à previsão da
“facilitação da defesa de seus direitos” (art. 6º, inc. VIII), leva a responder afirmativamente à indagação
supra.”.
180
A Lei n. 12.016 de 2009, que cuida do mandado de segurança, estabeleceu, em
seu dispositivo 22, parágrafo 1º, o seguinte:
“Art. 22. § 1º O mandado de segurança coletivo não induz litispendência
para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não
beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência
de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da
ciência comprovada da impetração da segurança coletiva.” (grifo nosso)
Assim, ao contrário do sistema usual de pedido de suspensão da ação
individual, o impetrante de mandado de segurança individual, caso queira ser beneficiado
pela coisa julgada formada em mandado de segurança coletivo, deve desistir daquela. No
entanto, tal prescrição pode causar restrição ao direito fundamental que é o mandado de
segurança, pois este tem prazo de cento e vinte dias para a impetração (artigo 23, Lei n.
12.016/09) 663. Assim, com a desistência da primeira demanda, é praticamente certo que o
impetrante perderia o prazo caso necessário fosse a impetração de segunda demanda em
decorrência da desistência da primeira e da improcedência da demanda coletiva. Além do
dispositivo não evitar a situação de concomitância entre ação individual e ação coletiva,
pois dificilmente o impetrante optará pela desistência, o dispositivo não segue os ditames
de efetividade e economia, pois caso haja a necessidade de nova impetração de mandado
de segurança individual, nada do que já houvesse sido feito poderá ser reaproveitado, dado
a desistência. Há que se lembrar do princípio da vedação do retrocesso, ou efeito cliquet,
em matéria de direitos fundamentais, que proíbe que o legislador restrinja direito
fundamental do indivíduo já regulamentado, como o é o direito ao mandado de segurança,
previsto no artigo 5º, incisos LXIX e LXX, da Constituição Federal.
A solução sugerida por Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior segue no
sentido de a jurisprudência tornar o dispositivo letra morta664, adotando a suspensão do
processo individual por aplicação do microssistema de processo coletivo ou com base na
relação de preliminaridade entre a ação coletiva e a ação individual, pois a procedência
663 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.184. “Pode ser que a desistência não implique necessariamente essa
perda (como nos casos de mandado de segurança contra omissão, que não se submete ao mencionado
prazo). Mas a regra será a perda da oportunidade de discutir o seu direito individual por mandado de
segurança.”.
664 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.184-185. Solução semelhante já foi adotada no Supremo Tribunal
Federal com relação ao mandado de segurança: MS n.25087 ED/SP, j. em 21.9.2006, MS n.26.244
AgR/DF, publicado no DJU de 23.2.2007, e MS n.26.006 AgR/DF, j. em 2.4.2007).
181
coletiva dispensa o julgamento da ação individual, com base no artigo 265, IV, “a”, do
Código de Processo Civil.665
Kazuo Watanabe, Ada Pellegrini Grinover e Nelson Nery Júnior destacam que
a solução dada pela legislação especial é muito mais drástica e destoa do microssistema de
processos coletivos.666
O nosso sistema legal admite a coexistência de ação coletiva e ação individual,
como já explicitado. Esse era o direcionamento das decisões do Superior Tribunal de
Justiça, como ilustra o CC n.47.731/DF, publicado no DJ em 05 de junho de 2006, que
teve como relator o Ministro Teori Albino Zavascki.667
Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior668 criticavam a manutenção da
postura do Superior Tribunal de Justiça no tema, pois, segundo os autores, há interesse
público na suspensão de ações individuais que versem sobre os mesmos interesses
individuais homogêneos contidos em ação coletiva, de acordo com a efetividade exigida do
sistema processual. Assim, defendem os autores que a admissão da relação de
prejudicialidade entre ação coletiva e ação individual nada mais é do que a aplicação do
princípio da adequação e da flexibilização dos procedimentos. É o que determinava o
artigo 7º, parágrafos 3º e 4º, da proposta de Código Brasileiro de Processos Coletivos669,
ou seja, a redefinição do sistema vigente, buscando uma adequação com as características
da tutela coletiva. Foi esta a ideia que o Superior Tribunal de Justiça adotou no julgamento
665 “Art. 265, CPC: Suspende-se o processo: IV - quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de
outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto
principal de outro processo pendente;”.
666 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p.214.
667 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.188. “Se a própria lei admite a convivência autônoma e harmônica das
duas formas de tutela, fica afastada a possibilidade de decisões antagônicas e, portanto, o conflito.”.
668 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.188-193. “O STJ deu um grande passo na racionalização do sistema de
tutela dos direitos, dando-lhe mais coerência e eficiência. Percebe-se que mudanças legislativas, às vezes,
são desnecessárias; a mudança do repertório teórico do aplicador é muito mais importante. A decisão é
bem-vinda e benfazeja.”.
669 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.191. “De acordo com a proposta, a suspensão dos processos
individuais, em razão da existência de uma ação coletiva correspondente, pode ser determinada pelo
tribunal, ex officio ou a requerimento da parte ou do juiz da causa, sempre obedecida a garantia do
contraditório, com a ouvida dos autores da ação individual. Determinada a suspensão pelo tribunal, o autor
não poderá retomar o andamento do processo individual até o trânsito em julgado da sentença coletiva.”.
182
do Recurso Especial n. 1.110.549-RS, que teve como Relator o Ministro Sidnei Beneti e
julgado em 28 de outubro de 2009.
Afirmam Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior670 que o indivíduo não
fica impedido de ajuizar a sua demanda individual, mas o processo poderá ser suspenso e
ele, indivíduo, poderá influenciar no julgamento, seja intervindo como amicus curiae
(artigo 543-C, par. 4º, CPC), seja intervindo como litisconsorte no molde do artigo 94 do
Código de Defesa do Consumidor.
Kazuo Watanabe, Ada Pellegrini Grinover e Nelson Nery Júnior671
classificaram a solução adotada pelo Superior Tribunal de Justiça como “criativa”, mas
sem embasamento no artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor.
Quanto ao direito estadunidense, cabe ao juiz a tarefa de redigir a notificação,
no entanto, como tal feito costuma demandar tempo e energias, é usual que o juiz delegue
tal tarefa a um dos advogados, sob a supervisão do outro. Após a oitiva de ambos, o juiz
decide o conteúdo da notificação672, que deve incluir a definição do grupo, a identificação
do réu, o nome do representante, o nome e o endereço do advogado do grupo, a
identificação do tribunal, a descrição da conduta do réu ou o sumário do caso; a descrição
da pretensão e do pedido; o prazo e o procedimento para a auto-exclusão, caso seja
possível, a informação de que os membros que não solicitarem a auto-exclusão serão
vinculados pela sentença, independentemente do resultado, o endereço para o envio do
pedido de exclusão do grupo, a informação sobre o procedimento para comparecer ou
intervir no procedimento, caso permitido, uma solicitação para que os membros ausentes
contribuam com provas, a informação de que os membros ausentes devem guardar provas
de seus direitos individuais, as alternativas disponíveis para os membros do grupo e suas
670 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.192.
671 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p.217.
672 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.214. Cf. GIDI, Ibid., p. 231. “É
verdade que a Rule 23 (c)(2)(B) exige a notificação somente nos casos de class actions do tipo (b)(3), mas
isso não significa que as demais espécies de ações coletivas não possam ou não devam proporcionar aos
membros alguma forma de notificação.”.
183
consequências, a eventual existência de pedido reconvencional contra o grupo, qualquer
outra informação que seja relevante para o caso.673
Dessa forma, quando sujeitos com os mesmos direitos afetados, ou seja,
direitos individuais homogêneos, já tiverem ações individuais ajuizadas, eles podem optar
por suspender suas ações individuais e integrarem a ação coletiva, mediante o direito de
habilitação no processo coletivo674. No entanto, para que isso ocorra é necessária a prévia
ciência da instauração da ação coletiva. Essa prática é conhecida nos Estados Unidos da
América como right to opt in or opt out. Alhures, para que esse direito seja exercido, a
comunicação deve ser justa e adequada, ou seja, a fair notice675, que não se trata da citação
de cada membro, pois tal desconfiguraria a ação coletiva para formar um litisconsórcio,
mas, sim, a ciência da existência da ação somente.
Na Federal Rules of Civil Procedure, Rule 23, (c), 2, (B), a previsão sobre a
ciência inequívoca do indivíduo é expressa: “the court must direct to class members the
best notice practicable under the circumstances, including individual notice to all members
who can be identified through reasonable effort”. Assim, o dispositivo mencionado exige a
adequada notificação dos membros do grupo, mas considera as circunstâncias de cada
caso, ou seja, não exige esforços hercúleos para que a notificação ocorra para todos os
membros, pois o esforço deve ser razoável diante de cada situação e cabe ao juiz, em
decisão discricionária, dispor sobre qual esforço seria razoavelmente exigido para que a
notificação dos membros ocorra. Como destaca Antonio Gidi, “[...] entre a notificação
pessoal de todos os membros do grupo e a mera publicação de um edital ritualístico,
escrito em letras miúdas e escondido nas últimas páginas de um jornal local de pequena
circulação, há uma infinidade de alternativas para o juiz da causa.”676, que pode, por
exemplo, determinar que o réu envie juntamente com correspondências, usualmente
673 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.214.
674 Quando isso ocorrer, eles serão beneficiados em caso de procedência da ação coletiva, mas não perderão o
direito de prosseguir com a ação individual, caso a ação coletiva seja entendida improcedente. Caso
decidam pela não inclusão na ação coletiva, não poderão ser beneficiados com eventual decisão procedente
em sede coletiva.
675 Destaque-se que as class actions da Federal Rule 23 (b)(1) e (b)(2) não permitem auto-exclusão devido à
relação de direito material de que elas tratam, por isso, são denominadas de mandatory class action ou no
opt out class action. Cf. BILICH, Edward K.M.; KLONOFF, Robert H. Class actions and other multi-
party litigation: cases and materials. American Casebook Series. St. Paul: West Group, 2000. p.6.
676 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.225. O sistema da class action
admite, inclusive, o sampling notice. Cf. GIDI, Ibid., p.220.
184
postadas, a notícia da ação677. Outrossim, a notificação ainda deve ser clara e concisa,
abrangendo as informações básicas, como listadas acima. A jurisprudência estadunidense
reconhece a importância da correta notificação678 dos membros da class action para que
fiquem vinculados à tutela jurisdicional ao fim proferida e cogita, inclusive, da
possibilidade de um membro da classe participar do processo, intervindo com a
apresentação de provas, por exemplo. No entanto, para que a possibilidade de intervir no
processo seja real, a notificação deve ocorrer em uma fase inicial do procedimento,
geralmente logo após a certificação da ação como coletiva, no sistema alienígena citado.679
3.11.2 Adequada informação aos órgãos competentes
Como destacou Ricardo de Barros Leonel680, as ações coletivas não funcionam
de forma adequada coletivamente, ou seja, não há, no Brasil, um sistema único de
informações sobre ações coletivas para que legitimados coletivos, magistrados e a
sociedade possam se informar acerca da existência e do estágio de determinada ação
coletiva para que o controle da relação entre demandas pudesse ser mais efetivo, por
exemplo.
O que o nosso ordenamento prescreve acerca da comunicação de ações
coletivas está previsto nos artigos 6º e 7º da Lei da Ação Civil Pública, este último que
dispõe que “Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de
fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério
Público para as providências cabíveis.”. Assim, cria-se um dever para o órgão
jurisdicional de comunicar ao Ministério Público e aos outros legitimados qualquer fato
que possa dar ensejo à propositura de ação civil pública, como a existência de vários
677 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.227.
678 Phillips Petroleum Co. v. Shutts, 472 U.S. 797, 105 S.Ct. 2965, 86 L.Ed.2d 628 (1985). Cf. BILICH,
Edward K.M.; KLONOFF, Robert H. Class actions and other multi-party litigation: cases and materials.
American Casebook Series. St. Paul: West Group, 2000. p.6.
679 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.215.
680 Em palestra proferida na Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, no dia 05 de
junho de 2012, com a tema: Brasil-Itália: ações coletivas.
185
processos semelhantes contra o mesmo demandado. Segundo Fredie Didier Júnior e
Hermes Zaneti Júnior681, o escopo do dispositivo é a racionalização do Poder Judiciário
através da preferência dada à ação coletiva.
A regra é dirigida ao juiz no exercício de suas funções jurisdicionais,
administrativas e extrajudiciais, não o tornando impedido ou suspeito para julgar a ação
civil pública resultante da remessa ao Ministério Público ou a outro legitimado682, além
disso, a remessa não obriga o Promotor de Justiça ou qualquer outro legitimado a ajuizar a
ação coletiva.
O projeto do Instituto Brasileiro de Direito Processual de Código Brasileiro de
Processos Coletivos contém regra neste sentido em seu artigo 8º: “Caso o Ministério
Público não promova a demanda coletiva, no prazo de 90 (noventa) dias, o juiz, se
considerar relevante a tutela coletiva, fará remessa das peças dos processos individuais
ao Conselho Superior do Ministério Público para ajuizar a demanda coletiva, ou insistirá,
motivadamente, no não ajuizamento da ação, informando o juiz.”.
3.12 Princípio da adaptabilidade procedimental temperada
Defende José Roberto dos Santos Bedaque que o sistema procedimental, para
ser eficaz, não pode ser dotado de formalismos estéreis, que comprometam a eficácia do
sistema. Para que isso se concretize, afirma o autor que o juiz deve ser dotado de poderes
para a condução do processo, “[...] possibilitando a adoção de soluções adequadas às
especificidades dos problemas surgidos durante o desenvolvimento da relação
processual.”683. A justificativa para semelhante afirmação reside no interesse público, que
determina que formalismos precisam ser relevados de acordo com a função social do
processo e de acordo com o processo civil de resultados.684
681 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.193.
682 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.1456-1457.
683 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 2.ed. São Paulo:
Malheiros, 2007. p.107.
684 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo.
5.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.68-69.
186
Normalmente, o início do processo se dá com o impulso da parte685 e segue seu
caminho com o impulso oficial do Poder Judiciário. Ada Pellegrini Grinover, ao tratar do
princípio do impulso oficial, aponta as alterações ocorridas nesse campo. Entretanto,
ensina a autora que “a soma de poderes atribuídos ao juiz é questão intimamente ligada ao
modo pelo qual se exerce o princípio do impulso oficial. Embora o aumento dos poderes
do juiz, seja, atualmente, visto como ponto alto do processo individual, a soma de poderes
atribuídos ao juiz no processo coletivo é incomensuravelmente maior.” 686. Dessa maneira,
a questão central é o equilíbrio que deve ser perquirido. Equilíbrio entre o amplo poder
conferido ao magistrado no exercício do impulso oficial em relação ao extremo oposto, que
se encontra na estrita aplicação dos termos legais ao procedimento judicial.
Entretanto, pede-se cautela nesse campo, pois o que pode ser extremamente
benéfico também pode gerar relevantes injustiças, se fruto de arbitrariedades. Assim,
interessante a busca por possibilidades e limites nesse tema, por isso, a escolha em tratar a
possibilidade de adaptação do procedimento judicial como temperada, ou seja, limitada.
Segundo Marcelo José Magalhães Bonício, o procedimento, que sempre vem delineado em
lei, é uma fórmula de como os atos processuais devem ser praticados, sua ordem
cronológica, para que se alcance o fim da relação jurídica processual.687
Além da dispensa de formalismos estéreis, um único procedimento rígido não é
capaz de suprir as diversas necessidades e diferentes nuances do direito material, assim,
nota-se uma tendência de flexibilização dos procedimentos688 em diversos países, como
685 Segundo o princípio da ação, mas, no processo coletivo, o magistrado pode estimular o legitimado a
ajuizar a ação coletiva, dando-lhe notícia da existência de diversos processos individuais, versando sobre o
mesmo tema: cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada
Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor:
comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
p.28.
686 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,
Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.28.
687BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.144.
688 Nesse sentido: CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das
atividades dos sujeitos processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci.
São Paulo: USP, 2008. p.168-170. Aponta o autor a tendência de flexibilização em cada país e, para os fins
deste estudo, cabe destacar o artigo 265-A do Código de Processo Civil de Portugal que possui a seguinte
redação: “quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o
juiz oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a prática dos atos que melhor se ajustem ao fim do
processo, bem como as necessárias adaptações.”.
187
enumera Fábio Peixinho Gomes Côrrea, na busca de uma maior adequação do
procedimento às especificidades do direito material.
No entanto, a previsão de diversos procedimentos de acordo com as
especificidades do direito material deve vir no texto legal, produzido de acordo com os
ditames constitucionais. Assim, as sugestões feitas neste trabalho são de lege ferenda. No
Brasil, doutrinariamente, o princípio da adequação do procedimento conquistou sua
importância. Já, jurisprudencialmente, ele se apresenta no sentido de conversão de ritos
quando tal feito se mostrar mais eficiente. Entretanto, a teoria encontra certa distância da
prática nesta seara689. O Ministro Raul Araújo, no Recurso Especial 698.598/RR, da 4ª
Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgado em 02/04/2013, afirmou: “Quando o Juízo
a quo, de ofício, converte o procedimento de ordinário para sumário, deve adotar medidas
de adequação ao novo rito, ordenando o processo, oportunizando às partes a indicação
das provas que pretendem produzir, inclusive com a apresentação de rol de testemunhas,
sob pena de cerceamento do direito de defesa.”, pois, no caso julgado, o magistrado havia
convertido, de ofício, o rito de ordinário para sumário sem intimar as partes para que
apresentassem rol de testemunhas, configurando cerceamento de defesa, portanto, como
conclui o Superior Tribunal de Justiça.
Um limite claro, destacado por Marcelo José Magalhães Bonício é a vedação
de alteração de estruturas procedimentais existentes que fixem prazos de contestação e
apelação, por exemplo, ou a inversão de fases processuais, pois a base do procedimento
jurisdicional fixado em lei é a garantia para o cidadão de que ele terá as mesmas chances
que todos, em qualquer circunstância ou localidade do território nacional: “Se não fosse
assim, em cada cidade ou região, poderiam existir regras diferentes, eventualmente
injustas, ou mesmo juízes arbitrários, que entendessem que os ritos processuais poderiam
ser, por exemplo, mais informais, ou, ainda, eminentemente orais.”690. Apesar da forte
presença do fator segurança da observância dos procedimentos previstos em lei, como já
apontado acima, há uma tendência de flexibilização de procedimentos, com a não
689 CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos sujeitos
processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP, 2008.
p.172. “Na prática, porém, a incidência do princípio da adaptabilidade do procedimento continua sendo
pontual e esporádica, não se identificando uma orientação constante e sistemática similar àquela dos países
que aderiram à flexibilização dos procedimentos.”.
690BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.148.
188
observância de algumas regras procedimentais, como o artigo 331 do Código de Processo
Civil, segundo o qual o juiz deveria marcar uma audiência para tentativa de conciliação,
não obtendo sucesso, fixar os pontos controvertidos para, depois, determinar as provas a
serem produzidas. Diante da não observância por muitos magistrados da previsão, houve
alteração do texto legal, com a inclusão do parágrafo 3º, deixando a audiência de tentativa
de conciliação como uma opção do magistrado.
As possibilidades abstratas, previstas em nossa legislação, quanto à
adaptabilidade do procedimento são as seguintes, como enumera Fábio Peixinho Gomes
Côrrea:
“(i) a inversão da regra do ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC), (ii) o
julgamento antecipado da lide (art. 330, CPC), (iii) a variação
procedimental da ação popular (art. 7º e ss. da Lei n. 4.717/65), e (iv) a
fixação do prazo para resposta pelo relator na ação rescisória (art. 491,
CPC).” 691
Quanto à ação popular, Frederico Cais, comentando o artigo 7º, inciso III, da
Lei n. 4.717 de 1965, que determina o não retorno do procedimento quando descoberta
identidade de pessoa beneficiada ou responsável até a prolação da sentença de primeiro
grau de jurisdição, mas apenas o cumprimento do contraditório, sendo-lhe conferido prazo
para contestação e produção de provas, ensina: “Essa possibilidade de ampliação tardia do
litisconsórcio tem por fim a integração do contraditório, mercê do caráter necessário do
litisconsórcio em questão, bem como a formação da coisa julgada material em face de
todos os que tenham sido integrados à lide, possibilitando, inclusive, o exercício do direito
de regresso entre os co-réus.” 692.
Esse exemplo legal mostra que a possibilidade de flexibilização procedimental
não precisa ser realizada de acordo com o subjetivismo do magistrado, mas de acordo com
a letra da lei, fornecendo a necessária previsibilidade ao sistema. Com a efetiva adoção da
possibilidade de adaptação do procedimento pelo órgão jurisdicional, a recomendação
passa a ser que o legislador, na sua tarefa de criação da lei abstrata e genérica, a exerça de
691 CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos sujeitos
processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP, 2008.
p.172-173.
692CAIS, Frederico. Comentários ao artigo 7º, III, Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.
(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,
2006. p.212.
189
forma aberta para que o magistrado tenha a possibilidade de adaptação do procedimento às
peculiaridades de cada caso substancial que se lhe apresenta todos os dias693. No Recurso
Especial n. 813.001/SP, aplicou-se o artigo 7º, inciso III, da Lei da Ação Popular,
afirmando-se: “A autorização legal da ampliação posterior do polo passivo da ação
popular, no curso do processo e antes da sentença, tem o objetivo de abarcar todas as
pessoas físicas e jurídicas que supostamente foram beneficiadas ou são responsáveis pelo
ato impugnado pelo autor popular. Assim, os réus poderão exercer o contraditório pleno
e, por conseguinte, irão se sujeitas aos efeitos da coisa julgada material.”.694
Segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., o princípio da adequação se
exterioriza em dois momentos: no legislativo, quando o legislador deve ser informado por
ele ao elaborar as regras processuais; e no jurisdicional, quando o juiz pode adaptar o
procedimento às vicissitudes do caso concreto: “Neste segundo momento, fala-se em
princípio da adaptabilidade, elasticidade ou adequação formal do processo.”. 695
No entanto, dentro das previsões legais dos procedimentos já existentes, há
insuficiências, que serão preenchidas nesse segundo momento, o jurisdicional, dito acima.
Um exemplo que nos interessa, trazido por Marcelo José Magalhães Bonício, é o da Lei da
Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), pois “[...] não houve nenhuma preocupação com a
criação de um procedimento novo para este tipo de demanda, até porque não se sabia, na
época, qual seria a reação do sistema a este respeito.”.696
Além disso, todos os pontos sensíveis do processo civil coletivo hoje, tais
como a legitimação, a coisa julgada, a competência, as políticas públicas, dentre outros,
decorrem da ausência de um procedimento específico para a ação coletiva, “[...] o máximo
possível, do tradicional procedimento ordinário, voltado apenas para os conflitos
693 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 2.ed. São Paulo:
Malheiros, 2007. p.109.
694 STJ, Recurso Especial n. 813.001/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, D.J. 26/05/2009. Disponível
em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=a%E7%E3o+popular+e
+contradit%F3rio&ref=LAP-65&&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=10>. Acesso em: 06 de
setembro de 2013.
695 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Princípio da adequação jurisdicional do processo coletivo:
benfazeja proposta contida no projeto de nova lei de ação civil pública. In: CALMON, Petrônio; CIANCI,
Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de
processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.247.
696BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.150
190
individuais.” 697. Ademais, falar-se em direitos coletivos lato sensu, no âmbito do direito
material, envolve a defesa do meio ambiente, a defesa do consumidor, questões de política
econômica etc. e é claro que há peculiaridades de direito material em cada campo a exigir
diferentes posturas procedimentais698. Nesse sentido, afirma Marcelo José Magalhães
Bonício:
“Não custa lembrar, ainda, que seria também muito interessante que se
pensasse num procedimento específico para tratar das questões ligadas às
fraudes praticadas contra a Administração Pública, ou contra o sistema
financeiro, permitindo, em cada uma das situações, por exemplo, um
poder maior aos juízes, ou uma dimensão diferente da coisa julgada.” 699
Dessa forma, propõe o autor especificidades procedimentais dentro da ação
civil pública de acordo com os interesses transindividuais tutelados.700
Dentro da adaptabilidade procedimental no âmbito jurisdicional, afirma José
Roberto dos Santos Bedaque ser o juiz também um sujeito do processo, devendo participar
ativamente do contraditório, “[...] para tornar efetivo o princípio da isonomia, em seu
aspecto substancial, não sendo mais admissível a figura do juiz espectador.”701. Assim,
compete ao magistrado atualmente a direção material do processo e não somente a formal.
Na análise do formalismo, o juiz deve considerar os princípios da economia processual, da
ausência de prejuízo, da instrumentalidade das formas, do contraditório e da ampla
defesa702: “Em resumo, o juiz, em colaboração com as partes, respeitando o devido
697BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.150
698BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.150.
699BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.150-151.
700BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.151.
701 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 2.ed. São Paulo:
Malheiros, 2007. p.110.
702 Cf. OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;
CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de
processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.650.
191
processo legal, deve, em tempo razoável, buscar o fim do processo, que é a solução do
litígio e a pacificação social. Para tanto, a forma do processo deve servir de instrumento a
ser devidamente manejado pelo julgador.” 703. Assim, indispensável que o magistrado se
paute pelo contraditório quando pretenda aplicar o princípio da adaptabilidade
procedimental (ou da elasticidade processual), alertando as partes sobre a possibilidade de
alteração para um procedimento mais adequado às necessidades do direito material
envolvido: “As formas mais utilizadas para assegurar essa participação das partes, em
outros países, têm sido a convocação de uma audiência preparatória específica ou a
provocação de manifestações escritas a respeito dessa questão.”704, pois é fundamental
que as partes possam influir na decisão sobre a necessidade de adaptação ou não do
procedimento. Daniela Monteiro Gabbay, ao tratar sobre o sistema processual italiano e a
audiência preliminar na península itálica, ressalta que a estabilização da demanda somente
ocorre após a fase de trattazione della causa, no entanto, o magistrado ainda tem a
possibilidade de, durante a instrução, admitir que a parte retorne à fase preliminar para
retomar ato precluso, desde que demonstrado que a nulidade que gerou a omissão não lhe é
culposamente imputável.705
Porém, importa destacar que de nada adianta as previsões legais no sentido de
maior flexibilidade do procedimento para que se garanta a efetividade da tutela coletiva
caso o juiz, ao longo do processo, não tenha essa novel perspectiva do processo imposta
pelo microssistema de tutela coletiva706, pois é ao juiz que cabe o papel de se orientar e
orientar as partes acerca dos princípios da tutela coletiva.
703 Cf. OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;
CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de
processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.646.
Cf. CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos
sujeitos processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP,
2008. p.42.
704 CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos sujeitos
processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP, 2008.
p.174.
705 GABBAY, Daniela Monteiro. Processo coletivo e elementos objetivos da demanda. Dissertação de
mestrado. São Paulo: USP, 2007. p. 98.
706 Cf. OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;
CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de
processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.652.
192
Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.707 apontam que a adequação se reflete no
processo jurisdicional em três aspectos: subjetivo, objetivo e teleológico. No processo
coletivo, a adequação subjetiva, ou seja, em relação aos sujeitos envolvidos no processo, se
mostra na regulamentação da coisa julgada, que tem especificidades para atingir sujeitos
não presentes no processo, além da legitimação para agir, que tem peculiaridades únicas
para a garantia da adequada representação. Essas peculiaridades do processo coletivo
foram regulamentadas pelo legislador, que previu um sistema próprio de legitimação
coletiva, assim como o sistema peculiar da coisa julgada que guarnece o processo coletivo.
No aspecto teleológico, o procedimento deve se adequar aos valores de cada
caso, como nos Juizados Especiais, onde deve preponderar a celeridade, por exemplo. Já
no processo coletivo, deve o juiz privilegiar a efetividade da tutela jurisdicional a ser
proferida ao final do procedimento com vistas às peculiaridades do direito material
envolvido, assim, deve se atentar para a legitimação e a representatividade adequada, para
a distribuição do ônus probatório, para a prioridade da tutela específica, etc.
A adequação, no aspecto objetivo, segundo Hermes Zaneti Jr. e Fredie Didier
Jr. 708, é guiada por três critérios: a natureza do direito material; a forma como esse direito
material se apresenta no processo judicial; e, por fim, a urgência: “[...] cabe ao órgão
jurisdicional prosseguir na empresa da adequação do processo, iniciada pelo legislador,
mas que, em razão da natural abstração do texto normativo, pode ignorar peculiaridades
de situações concretas somente constatáveis caso a caso.” 709. Assim, objetivamente, a
adequação considera o procedimento com vistas nas peculiaridades de cada caso concreto.
No entanto, convém destacar que o processo não pode ser uma “caixa de
surpresas” para as partes, de forma a comprometer a necessária segurança jurídica que o
procedimento legal garante. Quando o órgão jurisdicional entenda que a observância do
procedimento, embora garanta a segurança, prejudique a efetividade da tutela e, com isso,
707 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Princípio da adequação jurisdicional do processo coletivo:
benfazeja proposta contida no projeto de nova lei de ação civil pública. In: CALMON, Petrônio; CIANCI,
Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de
processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.249.
708 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Princípio da adequação jurisdicional do processo coletivo:
benfazeja proposta contida no projeto de nova lei de ação civil pública. In: CALMON, Petrônio; CIANCI,
Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de
processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.250.
709 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Princípio da adequação jurisdicional do processo coletivo:
benfazeja proposta contida no projeto de nova lei de ação civil pública. In: CALMON, Petrônio; CIANCI,
Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de
processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.251.
193
pretenda executar a elasticidade procedimental, ele deve fazê-lo, dentro de limites pré-
estabelecidos e com a observância do contraditório, observando os ditames legais,
portanto, as sugestões, aqui elaboradas, são de lege ferenda, como já mencionado.
Nenhuma alteração deve ocorrer sem a prévia ciência das partes, que, aliás, devem
participar da formação da convicção do juiz quanto à necessidade de adaptação do
procedimento. Atualmente, no nosso ordenamento jurídico, a situação é de prevalência da
conversão de ritos pelo juiz perante a jurisprudência e a facultatividade da audiência
prevista no artigo 331 do Código de Processo Civil.
O Projeto de Lei n. 5.139 de 2009 consagrava o princípio da adequação
jurisdicional do processo com o seguinte texto: “Artigo 10, par. 1º: Até o momento da
prolação da sentença, o juiz poderá adequar as fases e atos processuais às especificidades
do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico coletivo,
garantindo o contraditório e a ampla defesa.”. Assim, o Projeto era generoso na concessão
de poderes ao juiz para que ele adaptasse o procedimento em busca de efetividade. Sobre o
tema, conclui Rodrigo Mazzei:
“Assim, até que se edite um Código de Processos Coletivos, as omissões
internas das leis que compõem o sistema de massa serão supridas por
normas dos outros diplomas que fazem parte do microssistema para,
somente após, em postura residual, se cogitar em aplicação do CPC, já
que terá que se trazer para o caso concreto norma com concepção de
processo não coletivo, o que importará, inclusive, a adaptação da norma
individual (em homenagem ao princípio da adaptabilidade). Nada mais
correto, eis que, com tal postura, segue-se a linha do art. 2º da Lei de
Introdução ao Código Civil (LICC), em buscar hermenêutica com a maior
compatibilidade possível à especificidade da relação jurídica.”710
No inciso V do artigo 295 do Código de Processo Civil, o legislador
demonstrou vontade na ocorrência da adaptação do procedimento pelo juiz: “Art. 295. A
petição inicial será indeferida: V - quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor,
não corresponder à natureza da causa, ou ao valor da ação; caso em que só não será
indeferida, se puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal;”. Se a parte errar na
escolha do procedimento, o juiz somente indeferirá a petição inicial caso não possa adaptar
o procedimento. Difícil é imaginar uma situação em que o magistrado não possa fazê-lo,
710 MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º, Lei da Ação Popular: In: COSTA, Susana Henriques da.
(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,
2006. p.155.
194
dado o momento tão inicial do processo, portanto, normalmente cabe ao magistrado indicar
qual o procedimento mais adequado e prosseguir na demanda através dele.
3.13 Princípio da economia processual
O princípio da economia processual é tradicionalmente abordado sob dois
enfoques: a economia processual microscópica, que é a ideia de tornar o processo mais
econômico quando considerado individualmente; e a economia processual macroscópica,
que considera o sistema processual como um todo para a análise da economicidade do
sistema. Ao invés de olhar processos individualmente considerados, olha-se o conjunto de
processos, formando o sistema processual civil.
O que nos interessa para o fito deste trabalho é o segundo enfoque, ou seja, a
economia processual macroscópica, que tem o objetivo de alcançar o máximo de resultado
com o mínimo de atividade possível diante das circunstâncias fático-jurídicas. Exemplos
de institutos processuais que funcionam nessa seara, ou seja, que proporcionam eficiência
econômica para o sistema processual civil, são vários, tais como o litisconsórcio, as
modalidades de intervenções de terceiros, a ação declaratória incidental, a reconvenção e, o
que mais se destaca nesse momento, o processo coletivo. Enquanto aqueles institutos têm
sua importância na efetivação de certa economia processual, esta tem o potencial de ser
amplificada na seara coletiva, devido ao seu elemento subjetivo, ou seja, o elevado número
de indivíduos envolvidos. Se todo processo precisa ter a garantia de amplo acesso, de
ampla participação, de decisões justas e eficazes, o processo coletivo ainda mais, pois seu
elemento subjetivo torna tudo mais relevante, pois as ações coletivas têm um aspecto
subjetivo de alcance mais sensível.
O Superior Tribunal de Justiça711 reconheceu que o processo coletivo veio para
o sistema processual pátrio com duas promessas: a harmonização de julgados e a
diminuição de processos, de forma a contribuir para uma prestação jurisdicional eficiente,
célere e uniforme.
Além disso, a busca pela economia processual está na origem da ação coletiva
do sistema inglês da Equity, impulsionadora do surgimento do Bill of Peace, como ensina
711 Cf. STJ, 5ª T, Recurso Especial n. 1.142.630/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 7/12/2010.
Informativo n. 459.
195
Antonio Gidi712. Para evitar a inconveniência de um número elevado de pessoas em um
polo do processo através do litisconsórcio necessário ou a exclusão de indivíduos da
relação processual, impedindo que as demais obtivessem a prestação jurisdicional, as
chancery courts criaram a bill of Peace, admitindo ações representativas. Como foge ao
objetivo do presente trabalho analisar a origem do processo coletivo de forma detida, é
suficiente esse breve apontamento sobre o tema.
Ada Pellegrini Grinover afirma que típica aplicação do princípio da economia
está na reunião de processos nos casos de conexidade e continência e no encerramento do
segundo processo em casos de litispendência e coisa julgada. Entretanto, “os conceitos de
conexidade, continência e litispendência são extremamente rígidos no processo individual,
colocando entraves à identificação das relações entre processos, de modo a dificultar sua
reunião ou extinção”.713 Assim, esses institutos merecem uma releitura no âmbito coletivo
para que a efetivação do princípio da economia seja cada vez maior, o que foi feito
anteriormente aqui no trabalho.
Nesse sentido, quanto menor o número de ações individuais concomitantes e
sobre o mesmo direito material envolvido, maior a eficiência do sistema processual em
garantir a harmonia de julgados, e menor será o número de processos em trâmite. No
entanto, o direito de ação individual é perene e não merece limitação, como garantido pelo
texto constitucional (Artigo 5º, inciso XXXV, CF). A decisão do Superior Tribunal de
Justiça714 que foi paradigma em promover a suspensão obrigatória de ações individuais
impôs essa situação diante da multiplicação de ações individuais semelhantes, que pode ser
explicada pela falta de informação da maioria dos profissionais em lidar com a ação
coletiva, muitas vezes, transpondo conceitos e institutos processuais individuais para a
tutela coletiva, outras vezes, lidando com desconfiança. Essa decisão se tornou um
paradigma do nosso sistema por transpor o esquema da suspensão facultativa da demanda
individual, o critério do opt out, estabelecido no artigo 104 do Código de Defesa do
Consumidor, que permite ao indivíduo requerer a sua exclusão da demanda coletiva de
712GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.26; p. 41. “Esta norma baseia-se no
princípio de que um juiz deve fazer uma justiça completa ou abster-se de julgar.”.
713 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,
Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.29. Sobre o tema, escrevemos
no princípio da não taxatividade da ação e do processo coletivo, para onde remetemos o leitor.
714 Cf. STJ, 2ª Seção, Recurso Especial n. 1.110.545/RS.
196
modo a ser considerado terceiro, portanto, não abrangido pela coisa julgada, seja ela
favorável ou desfavorável715. Observação relevante sobre o sistema é a necessidade de
ampla divulgação da demanda. Ada Pellegrini Grinover reforça essa necessidade ao
afirmar que a notificação pode ser até pessoal quando viável716. O Código de Defesa do
Consumidor fornece o prazo de trinta dias para o pedido de suspensão da demanda
individual, contados da ciência da existência da demanda coletiva.
Rui Portanova717 define o princípio econômico como a procura em se obter o
maior resultado com o menor esforço, através da economia de custos, de tempo, de atos,
obtendo, assim, maior eficiência na administração judiciária. O referido autor define tal
princípio como informador do processo civil.
Cândido Rangel Dinamarco718 entende por princípio tudo o que atuar como
pilar de um sistema e como regra o que atuar internamente. Dessa forma, aponta o autor
quatro regras, tradicionalmente chamadas de princípios informativos do processo e, dentre
esses, está o econômico. Segundo o Professor paulista, somente será princípio o que refletir
as grandes premissas constitucionais e os chamados “princípios informativos do processo”
apenas refletem as ideias que os verdadeiros princípios representam.
Não obstante entendimentos diversos, adota-se o princípio da economia
processual como verdadeiro princípio do sistema processual no mesmo sentido que o
rejeitado Projeto de Lei n. 5.139 de 2009 o fez em seu artigo 3º, inciso III.
Antonio Gidi719, em obra sobre a class action, posiciona a economia processual
como um objetivo e um valor da tutela coletiva no ordenamento processual civil
americano. É importante ter claro que a economia feita não se materializa somente para o
Poder Judiciário, mas também para as partes. Para o autor coletivo, o custo é reduzido a
uma ação, sendo que as despesas podem ser rateadas entre os membros do grupo, caso haja
715 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,
Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.53.
716 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,
Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.53.
717 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.24.
718 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. V.1 6.ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p.200. Para o autor, somente é princípio o que for uma grande premissa constitucional.
719GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.25.
197
essa possibilidade. Para o Poder Judiciário, evitam-se processos repetitivos. Para o réu, a
vantagem está em concentrar sua defesa e esforços em apenas uma ação e não em inúmeras
ações individuais relacionadas à mesma controvérsia.720
Chama-nos a atenção Antonio Gidi para o fato de uma ação coletiva ser mais
complexa e mais cara do que uma ação individual, além de ocupar mais tempo dos
advogados e do juiz:
“Para analisar o grau de economia alcançada com o processo
coletivo, é preciso comparar, em abstrato, o tempo, a despesa e o
esforço necessários para julgar uma ação coletiva com os
necessários para julgar cada um dos correspondentes
procedimentos individuais emergentes da mesma controvérsia. por
exemplo, em In re Hotel Telephone Charges, observou-se que, se
apenas 10% dos quarenta milhões de membros do grupo lesado
resolvessem ir pessoalmente a juízo, ainda que cada audiência
durasse apenas dez minutos, seriam necessários cem anos para que
todos os casos fossem decididos.” 721
Assim, além dessa efetiva análise de cada caso concreto para que se possam
fazer afirmações precisas quanto à economia, continua o autor mencionado a enumerar as
vantagens da tutela coletiva de direitos, ao apontar que o valor simbólico de uma ação
coletiva é maior do que o de uma ação individual, no sentido de servir como exemplo para
a sociedade, assumindo a função preventiva da tutela coletiva722. No entanto, o ponto
negativo dentro da sistemática processual coletiva americana é o peso que isso representa
para quem se torna réu em uma ação coletiva, pois: “A desproporção entre o baixo custo
do processo e o alto valor da sentença faz com que mesmo uma ação com uma pequena
possibilidade de vitória seja economicamente viável para o grupo e extremamente
perigosa para o réu.” 723. No entanto, essa constatação decorre da própria sistemática de
720GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.26. Aponta o autor que para o réu
isso ocorre principalmente com a mass tort class action, que é aquela em que o dano sofrido por cada
indivíduo justifica financeiramente o ajuizamento de ações individuais.
721GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.27.
722GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.28.
723GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.28.
198
funcionamento da tutela coletiva de direitos e não pode ser evitada724. Sobre o tema,
conclui Ada Pellegrini Grinover:
“Outros institutos, como o reforço da coisa julgada de âmbito nacional e a
expressa possibilidade de controle difuso da constitucionalidade pela via
da ação coletiva, levarão ainda mais o processo coletivo a – na feliz
expressão de Kazuo Watanabe – “molecularizar” os litígios, evitando o
emprego de inúmeros processos voltados à solução de controvérsias
fragmentárias, dispersas, “atomizadas”.” 725
3.14 Princípio da duração razoável do processo
A Emenda Constitucional n. 45 de 2004 alterou o rol de direitos fundamentais
na Constituição Federal para acrescentar um inciso: “LXXVIII - a todos, no âmbito
judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação.”. Assim, o princípio da duração razoável do
processo está, a partir de 2004, expresso no texto constitucional.
Segundo Nelson Nery Jr. 726, em sua obra acerca dos princípios do processo
civil na Constituição Federal, o princípio da duração razoável do processo é um
desdobramento do princípio da ação, previsto no artigo 5º também, mas no inciso XXXV,
pois garante o direito do cidadão de obter a tutela jurisdicional adequada. Segundo José
Augusto Delgado, a garantia da duração razoável do processo, mesmo antes de 2004,
estava garantida pelo texto constitucional através dos incisos LIV, LV e LVI, que
asseguram o devido processo legal, assim como pelo artigo 37, caput, que determina a
atuação com eficiência por parte da Administração Pública.727
724Para ampla indicação bibliográfica sobre o funcionamento do sistema de tutela de direitos coletivos por
class actions, recomenda-se a consulta à obra do professor Antonio Gidi. Cf. GIDI, Antonio. A class action
como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.29.
725 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,
Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.29.
726NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.316.
727DELGADO, José Augusto. O processo posto na Constituição Federal: aspectos contemporâneos. In:
JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:
Quartier Latin, 2008. p.90-119. p.95.
199
O Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos
Humanos), de 1969, aprovado pelo Congresso Nacional, prevê, em seu artigo 8º, a duração
razoável do processo:
“Artigo 8º - 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas
garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal
competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei,
na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na
determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista,
fiscal ou de qualquer outra natureza.”
No entanto, a incorporação do Tratado Internacional ao nosso ordenamento
jurídico não parecia significar a imediata adoção do princípio da duração razoável do
processo, já que a leitura, através de uma interpretação restrita, do dispositivo levaria à
ideia de que se estaria no âmbito do processo penal. Entretanto, assevera Nelson Nery Jr.
728 que, em matéria de direitos humanos e fundamentais, deve-se preferir a interpretação
ampliativa à restritiva. Logo, mediante interpretação ampliativa aliada à sistemática, a
duração razoável do processo se aplica ao processo judicial como um todo e ao processo
administrativo729, logo, o princípio da duração razoável do processo já estava incorporado
no nosso ordenamento jurídico antes da aprovação da Emenda Constitucional n. 45 de
2004, ou, para outros, ele já seria ínsito ao próprio Estado de Direito.
A necessidade de celeridade para garantir efetividade não afeta somente o
processo civil coletivo, objeto do presente estudo, e já é alvo de discussões há mais tempo
no processo civil: “O tempo no processo assume importância vital nos dias de hoje,
porquanto a aceleração das comunicações via web (internet, e-mail), fax, celulares, em
conjunto com a globalização social, cultural e econômica, tem feito com que haja maior
cobrança dos jurisdicionados e administrados para que haja solução rápida dos processos
judiciais e administrativos.” 730. É a busca por um processo mais efetivo, ou seja, que
profira uma prestação jurisdicional justa, em tempo razoável de acordo com o devido
728NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.317.
729Também no sentido de já termos o princípio da duração razoável do processo incorporado ao nosso
sistema jurídico antes mesmo da EC n. 45/04: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Duração razoável do
processo: artigo 5º, LXXVIII, CF. In: JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O
processo na Constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p.322-342. p.336.
730NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.319-320.
200
processo legal. Assim, embora o tempo no processo seja fator de mensuração de justiça,
ele tem limites, como o respeito aos preceitos constitucionais que circundam o devido
processo, tais como a isonomia, o contraditório, a ampla defesa, a publicidade, dentre
outros. Sobre o tema, destaca José Lebre de Freitas:
“A duração dos processos judiciais nos tribunais portugueses ultrapassa
frequentemente o prazo razoável. Está, porém, hoje geralmente espalhada
a compreensão da necessidade de o respeitar. A progressiva valoração da
celeridade processual não deve, porém, levar a subalternizar, como por
vezes entre nós se verifica, a necessária maturação e a qualidade da
decisão de mérito, com o inerente desvio da função jurisdicional.” 731
Ensina Nelson Nery Jr. que: “A razoabilidade da duração do processo deve ser
aferida mediante critérios objetivos, já que não se afigura possível o tratamento
dogmático apriorístico da matéria. Comporta, portanto, verificação da hipótese concreta.”
732. O princípio do inciso LXXVIII do artigo 5º do texto constitucional, portanto, demanda
interpretação e aplicação com a devida carga de eficácia que ele contém. O dispositivo não
deve ser alinhado à posição de quem defende que a Emenda Constitucional n.45 de 2004
não trouxe mecanismos práticos de aceleração da tutela jurisdicional.733
Esses critérios são734: a) a natureza do processo e a sua complexidade: o tempo
não pode ser valorizado a ponto de olvidar necessidades materiais, como o tempo
necessário para a realização de uma perícia complexa, como as que perquirem sobre danos
ambientais em ações civis públicas, por exemplo; b) comportamento das partes e de seus
procuradores; c) a atividade e o comportamento das autoridades competentes: do juiz se
pode exigir o princípio constitucional da eficácia do serviço público, previsto no artigo 37,
caput, da Constituição Federal. Além disso, “A adoção do princípio dispositivo, com a
iniciativa da parte, no processo civil, não exime o juiz, como diretor do processo (CPC
731FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceitos e princípios gerais. 2.ed. Coimbra,
2009, p.127.
732NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.320.
733DELGADO, José Augusto. O processo posto na Constituição Federal: aspectos contemporâneos. In:
JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:
Quartier Latin, 2008. p.90-119. p.95.
734A Corte Europeia dos Direitos do Homem adota critérios semelhantes para aferir a duração razoável do
processo diante de cada caso concreto, cf. afirma: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Duração razoável do
processo: artigo 5º, LXXVIII, CF. In: JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O
processo na Constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p.326.
201
125 caput), de “velar pela rápida solução do litígio” (CPC 125 II).”;735 d) a fixação legal
de prazos que garantam o efetivo contraditório e a ampla defesa. Além desses mecanismos
de controle da duração razoável do processo, ainda tem-se: os deveres das partes elencados
no artigo 14, incisos III, IV e V do Código de Processo Civil; a aplicação da litigância de
má-fé pelo magistrado (artigo 17, incisos, IV, VI e VII, Código de Processo Civil); o dever
do juiz de velar pela rápida solução do litígio, determinando reunião de processos e
rejeitando provas protelatórias (artigos 125, I, e 130, Código de Processo Civil); impulso
oficial do processo (artigo 262, Código de Processo Civil); tentativa de conciliação das
partes a qualquer tempo do processo (artigo 125, IV, Código de Processo Civil); por fim, a
responsabilização do magistrado, por perdas e danos, quando recusar, omitir ou retardar,
sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte736.
Sobre a consideração desses critérios, conclui José Rogério Cruz e Tucci: “O
reconhecimento desses critérios traz como imediata consequência a visualização das
dilações indevidas como um conceito indeterminado e aberto, que impede de considerá-las
como o simples desprezo aos prazos processuais pré-fixados.”. 737
Quanto à prioridade no processamento, já há previsão nesse sentido no Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069 de 1990, artigo 4º) e no Estatuto do Idoso (Lei
n. 10.741 de 2003, artigo 71). No entanto, são raros os casos em que o fim do processo
ocorre em tempo razoável somente em decorrência da previsão legal. O rejeitado Projeto
de Lei n. 5.139 de 2009, em seu artigo 3º, inciso II, previa a ampliação da prioridade de
processamento, hoje prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, como
acima mencionado, para todo o processo civil coletivo: “Artigo 3º, II – duração razoável
do processo, com prioridade no seu processamento em todas as instâncias.”. A previsão
merecia aplausos, por notar as peculiaridades do processo coletivo e a sua necessidade de
celeridade, no entanto, leis que garantam a rápida duração do processo em geral já existem.
São várias e muito boas. O problema da morosidade do Poder Judiciário se concentra em
outros setores, como estruturais e de mentalidade, como afirma Nelson Nery Jr.:
735NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.321.
736DELGADO, José Augusto. O processo posto na Constituição Federal: aspectos contemporâneos. In:
JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:
Quartier Latin, 2008. p.96.
737CRUZ E TUCCI, José Rogério. Duração razoável do processo: artigo 5º, LXXVIII, CF. In: JOBIM,
Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo: Quartier
Latin, 2008. p.326-327.
202
“Queremos nos referir à forma com que são aplicadas as leis e à maneira
como se desenvolve o processo administrativo e o judicial em nosso País.
É necessário dotar-se o poder público de meios materiais e logísticos para
que se possa melhorar sua infra-estrutura e, ao mesmo tempo, capacitar
melhor os juízes e servidores públicos em geral, a fim de que possam
oferecer prestação jurisdicional e processual administrativa adequada aos
que dela necessitam.” 738
Nesse mesmo sentido, alertando para a necessidade de mudança de
mentalidade739, Rui Portanova afirma: “Ainda que seja um direito fundamental do cidadão
a solução judicial em prazo razoável, também é garantido que as decisões finais não
podem afastar-se de garantias processuais. Por outro lado, não parecem suficientes meras
mudanças legislativas processuais, sem que venham acompanhadas da mudança de
mentalidade.”. 740
José Augusto Delgado destaca que a preocupação com a duração do processo
alcança diversos países, pois se tornou valor globalizado o entendimento de que a demora
na prestação da tutela jurisdicional viola a cidadania741. José Lebre de Freitas ensina que a
“[...] decisão ou uma providência executiva tardia pode equivaler à denegação de
justiça.” 742, tanto para o autor, quanto para o réu, pois ambos têm o interesse de não ver o
prolongamento de uma indefinição jurídica, pelo menos, em tese. Segundo José Rogério
Cruz e Tucci: “Mesmo aquele que sai derrotado não deve lamentar-se da pronta resposta
do Judiciário, uma vez que, sob o prisma psicológico, o possível e natural inconformismo
738NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.323.
739No mesmo sentido: BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia
constitucional da proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São
Paulo: Atlas, 2006. p.57.
740 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.174.
Nesse sentido: NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.325. “A real efetividade do direito fundamental da CF 5º LXXVIII,
pois, não depende apenas do Poder Judiciário e de seus juízes, mas principalmente dos Poderes Executivo e
Legislativo e da mudança de mentalidade dos governantes e políticos, no sentido de cumprirem a fazerem
cumprir a Constituição, evitando a judicialização das questões que os particulares têm de submeter ao
Poder Judiciário por falha do poder público no exercício principalmente da função administrativa.”.
741DELGADO, José Augusto. O processo posto na Constituição Federal: aspectos contemporâneos. In:
JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:
Quartier Latin, 2008. p.97.
742FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceitos e princípios gerais. 2.ed. Coimbra,
2009, p.125.
203
é, sem dúvida, mais tênue quando a luta processual não se prolonga durante muito
tempo.” 743, além da diminuição da eficácia da decisão quanto maior for o tempo para a
prolação da decisão final.
Nesse sentido, é a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em seu artigo
6.1744, que gerou alterações nos ordenamentos europeus, como o art.20-4 da Constituição
da República de Portugal de 1997 (“Todos têm direito a que uma causa em que
intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável.”) 745. Segundo o jurista português
citado, o prazo para a aferição da razoável duração do processo se dá com a propositura da
ação até o seu término, no entanto, o excesso de duração pode-se configurar também no
curso do processo, quando este fique por muito tempo parado em uma fase. O Estado
português já foi condenado em situações como essas746. No Brasil, entretanto, ainda não foi
aceita expressamente a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos “[...]
como o tribunal competente para julgar os casos de ofensa a direitos humanos ocorridos
no país, o país não está obrigado a submeter-se a um processo instaurado contra si na
corte interamericana. Contudo, isso não exime o Estado brasileiro de responder por
violação a direitos humanos [...].”747. Sobre essa realidade brasileira, o litigante pátrio está
em desvantagem em relação ao litigante europeu cujo país integra a União Europeia, pois
este pode recorrer à Corte dos Direitos do Homem, caso se sinta prejudicado pela
excessiva demora do processo jurisdicional em que seja parte, com a certeza de que o
julgamento não será processado pelo mesmo órgão moroso que já lhe causou
743CRUZ E TUCCI, José Rogério. Duração razoável do processo: artigo 5º, LXXVIII, CF. In: JOBIM,
Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo: Quartier
Latin, 2008. p.323.
744Sobre o tema, cf. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Duração razoável do processo: artigo 5º, LXXVIII, CF.
In: JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São
Paulo: Quartier Latin, 2008. p.325. “Foi, sem dúvida, a partir da edição desse diploma legal supranacional,
que o direito ao processo sem dilações indevidas passou a ser concebido como um direito subjetivo
constitucional, de caráter autônomo, de todos os membros da coletividade (incluídas as pessoas jurídicas) à
tutela jurisdicional dentro de um prazo razoável, decorrente da proibição do non liquet, vale dizer, do dever
que têm os agentes do Poder Judiciário de julgar as causas com estrita observância das normas de direito
positivo.”.
745FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceitos e princípios gerais. 2.ed. Coimbra,
2009, p.125-126.
746Cf. FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceitos e princípios gerais. 2.ed. Coimbra,
2009, p.126. Caso Guincho: a citação somente ocorreu após mais de seis meses após a propositura da ação.
Caso Barona: o processo ficou parado por mais de um ano, aguardando a contestação do Ministério
Público.
747NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.323.
204
empecilhos748. No Brasil, o litigante deve encaminhar sua demanda para o mesmo órgão
jurisdicional que causou o dano anteriormente:
“Resta ao litigante brasileiro, mesmo na pendência do processo em que
houve excesso de tempo, ingressar em juízo e pedir uma indenização
pelos danos materiais e morais que sofreu, cabendo a ele provar,
especialmente, que sua conduta não foi determinante para o atraso da
tutela jurisdicional e que havia pouca complexidade no assunto em
discussão, de modo a deixar claro que o atraso ocorreu principalmente, ou
exclusivamente, dependendo das circunstâncias existentes, por culpa do
próprio Estado.” 749
Na Itália, indica José Augusto Delgado750, o artigo 111 da Constituição fez a
exigência da elaboração de uma lei, que foi aprovada em 2001, que garantisse ao cidadão
afetado pela demora do processo jurisdicional a justa reparação. O autor sugere, de lege
ferenda, que solução parecida seja adotada no Brasil. No entanto, mesmo diante do
regramento vigente hoje, no Brasil, afirma José Augusto Delgado ser: “[...] auto-aplicável
o inciso LXXVIII do art. 5º, da CF, que deve ser interpretado em harmonia com o art. 37,
caput, e par. 6º, da própria Carta Magna.”. 751
Marcelo José Magalhães Bonício, em sua obra sobre a proporcionalidade e o
processo civil, destaca o paradoxo do processo civil em ser tão rigoroso na imposição de
prazos aos litigantes e o sistema de preclusões, mas tão benevolente com o tempo de
duração do processo em si e afirma: “Não pode existir um serviço público que
simplesmente não esteja sujeito a prazo algum para apresentar resultados, assim como
também não pode existir um serviço público que não esteja preocupado com a eficiência
de seus serviços, principalmente quando se trata da relevantíssima missão de aplicar
748BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.65.
749BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.66.
750DELGADO, José Augusto. O processo posto na Constituição Federal: aspectos contemporâneos. In:
JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:
Quartier Latin, 2008. p.99.
751DELGADO, José Augusto. O processo posto na Constituição Federal: aspectos contemporâneos. In:
JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:
Quartier Latin, 2008. p.99.
205
justiça ao caso concreto.” 752. O Brasil, dessa maneira, embora tenha previsão expressa no
texto constitucional sobre a duração razoável do processo, mostra uma indiferença
vergonhosa quanto ao tema, pois nota-se quase nenhuma melhora nos últimos anos e quase
nenhum levantamento oficial com dados sobre o tema, que poderiam auxiliar na
identificação dos pontos mais fracos do sistema, fornecendo a ideia global necessária a
qualquer mudança efetiva753. Uma medida paliativa para essa situação alarmante já foi
trazida a lume, que é o artigo 1.112-A do Código de Processo Civil754, garantindo a
prioridade na tramitação de processos judiciais que envolvam pessoas com mais de
sessenta anos ou portadoras de doenças graves.
3.15 Princípio do interesse no julgamento do mérito
O término esperado de um processo judicial é o julgamento de mérito,
demonstrando que o poder estatal, teoricamente, deu ao caso concreto a solução mais justa
possível, pacificando, assim, um conflito social. Além do fim almejado, há o fim anômalo
através de uma sentença terminativa, o que deve ser evitado, como demonstrou o legislador
ao elaborar a norma do artigo 249, parágrafo 2º, CPC.755
752BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.54-55.
753BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p.60-61.
754Art. 1.211-A, CPC: “Os procedimentos judiciais em que figure como parte ou interessado pessoa com
idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, ou portadora de doença grave, terão prioridade de
tramitação em todas as instâncias”. (Redação dada pela Lei nº 12.008, de 2009). Cf. BONÍCIO, Marcelo
José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da proporcionalidade, a
legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2006. p.61. “É natural
que as pessoas idosas tenham preferência, mas melhor seria se o legislador estabelecesse regras que
levassem o Poder Judiciário a se preocupar com o excessivo tempo de duração do processo, beneficiando
indiretamente os idosos, do que voltar suas preocupações somente para estes, deixando de lado, por
exemplo, os enfermos e aqueles que estão em situação financeira difícil, todos com direito a prioridade
também.”.
755 “Art. 249. O juiz, ao pronunciar a nulidade, declarará que atos são atingidos, ordenando as providências
necessárias, a fim de que sejam repetidos, ou retificados. §2º Quando puder decidir do mérito a favor da
parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou
suprir-lhe a falta.”
206
Como destaca Gregório Assagra de Almeida756, esse princípio, na seara
coletiva, ganha maior dimensão diante dos direitos materiais envolvidos.
A sentença terminativa está prevista no artigo 267 do Código de Processo Civil
e significa que, após as providências preliminares, o juiz chega à conclusão de que o caso é
de extinção do processo sem o exame do mérito. Foge ao objetivo do trabalho a análise de
cada hipótese prevista na legislação para essa situação, mas apenas as que possuem
peculiaridades na seara coletiva. O artigo 267, em seu inciso II, CPC, prescreve que:
“Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: II – quando ficar parado durante mais
de um ano por negligência das partes.”. Normalmente, ou seja, no âmbito individual do
processo civil, essa extinção pode ocorrer por decisão de ofício do magistrado, depois que
tenha intimado as partes pessoalmente para providenciarem o andamento processual em 48
horas. Essa situação é rara de ocorrer, pois depende da inércia de ambas as partes para um
ato em comum. Já o inciso III é mais comum, pois prevê a extinção: “III – quando, por não
promover os atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de
trinta dias.”. Essa hipótese também exige a prévia intimação pessoal do autor para a
extinção. Assim, enquanto na seara processual clássica, ocorreria a extinção do processo,
nas ações coletivas, o abandono gera fenômeno diverso: a sucessão processual. O objetivo
do microssistema processual coletivo é fazer com que a ação alcance o seu fim normal, ou
seja, o julgamento com mérito da demanda que envolve interesses transindividuais,
portanto, de elevada repercussão social. Por fim, o inciso VIII fala em desistência da ação
por parte do autor e o raciocínio aplicado a essa situação é o mesmo do abandono,
ocorrendo a sucessão processual.
A valorização do conhecimento do mérito no processo coletivo é decorrente do
princípio da instrumentalidade das formas, como ensinam Fredie Didier Jr. e Hermes
Zaneti Jr.757
Este princípio se materializa no processo coletivo através de algumas maneiras,
dentre elas, está a necessária flexibilização na análise do preenchimento dos requisitos de
756 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.571. No mesmo sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR.,
Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador: JusPodium, 2010.
p.118.
757 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.118.
207
admissibilidade processual758, de forma que “[...] questões meramente formais não
embacem a finalidade do processo, permitindo ao órgão jurisdicional que seja mais
flexível em relação ao preenchimento dos requisitos de admissibilidade processual.” 759,
para que cumpra a sua função social760. Exemplo disso é a sucessão processual que
pode ser operada diante da ilegitimidade ativa, ao invés da extinção do processo sem o
julgamento do mérito de acordo com a previsão tradicional do artigo 267 do Código de
Processo Civil. A sugestão é que o magistrado use da possibilidade de evitar a extinção do
feito, aplicando, por analogia, o artigo 5º, parágrafo 3º, Lei da Ação Civil Pública761 e o
artigo 9º da Lei da Ação Popular762, ou seja, que determine a publicação de edital para
convocar legitimados ativos para assumir a condução do processo, o que já foi reconhecido
como possível pelo Superior Tribunal de Justiça763, evitando, assim, a extinção sem
julgamento de mérito de uma ação, que poderia ser reproposta por qualquer outro dos
legitimados coletivos. Quanto ao artigo 9º da Lei da Ação Popular, Rodrigo Mazzei admite
a possibilidade de a pessoa jurídica prosseguir no polo ativo da demanda, caso ela
demonstre interesse em obter a procedência do pedido, em aplicação do artigo 6º,
758 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.572. No mesmo sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR.,
Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador: JusPodium, 2010.
p.118-119.
759 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.118-119.
760 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.572.
761 Art. 5º, Lei da Ação Civil Pública: “§ 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por
associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.”.
762 Art. 9º, Lei Ação Popular: “Se o autor desistir da ação ou der motiva à absolvição da instância, serão
publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer
cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última
publicação feita, promover o prosseguimento da ação.”.
763 STJ. 2ª T, Recurso Espescial n. 1.177.453/RS: “5. De acordo com a leitura sistemática e teleológica das
Leis de Ação Popular e Ação Civil Pública, fica evidente que o reconhecimento da ilegitimidade ativa para
o feito jamais poderia conduzir à pura e simples extinção do processo sem resolução de mérito. 6. Isto
porque, segundo os arts. 9º da Lei n. 4.717/65 e 5º, § 3º, da Lei n. 7.347/85, compete ao magistrado
condutor do feito, em caso de desistência infundada, abrir oportunidade para que outros interessados
assumam o pólo ativo da demanda. 7. Embora as referidas normas digam respeito aos casos em que parte
originalmente legítima opta por não continuar com o processo, sua lógica é perfeitamente compatível com
os casos em que faleça legitimidade a priori ao autor.” - Data do Julgamento: 24/08/2010; Data da
Publicação/Fonte: DJe 30/09/2010. Ministro Relator Mauro Campbell Marques.
208
parágrafo 3º, da referida lei764, mesmo no caso de a pessoa jurídica ter contestado a
demanda, desde que os motivos de sua retratação venham bem fundamentados765. Segundo
a Ministra Eliana Calmon, em voto proferido em sede de Recurso Especial, em 2003, tal
entendimento não viola o teor da súmula 365 do Supremo Tribunal Federal766, tendo em
vista o conteúdo do parágrafo 3º do artigo 6º da Lei da Ação Popular e que a súmula tem
origem anterior à Lei n. 4.717/65. Em assertiva conclusiva sobre seu posicionamento,
Rodrigo Mazzei afirma:
“Além disso, a conjugação do artigo 9º e do parágrafo 3º do artigo
6º da LAP não induz ao ajuizamento da ação popular por pessoa
jurídica, mas apenas ao seu prosseguimento, o que é bem diferente.
Trabalha-se com a concepção de que a máquina judiciária já foi
movimentada por quem de direito e o processo deve continuar em
razão do interesse público em jogo. E, para finalizar, colocando
uma pá de cal na discussão, toda interpretação sobre o polo ativo
das ações coletivas merece, atualmente, a leitura da LACP e do
CDC, em razão da nova realidade legal. Se a pessoa jurídica for
legitimada para propor ação coletiva (ainda que outra que não a
ação popular), não haverá plausível justificativa para vedar a
providência contida no artigo 9º da LAP.” 767
Assim, a leitura do caso deve ser feita de acordo com o microssistema de
processos coletivos e os princípios que o regem.
Como salienta Gregório Assagra de Almeida: “[...] interesse em conhecer o
mérito do processo coletivo não significa que o Poder Judiciário estaria propenso a julgar
a favor de “A” ou de “B”, mas que tem interesse na resolução do conflito.”. 768
764 MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º da Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.
(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,
2006. p.185.
765 Nesse sentido: MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º da Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana
Henriques da. (Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo:
Quartier Latin, 2006. p.186. Cf. voto vencedor, STJ, AgRg no Resp n. 439.854/MS, 2ª Turma, Rel. Min.
Eliana Calmon, j.8.4.2003, DJU de 18.8.2003, p.194.
766Cf. voto vencedor, STJ, AgRg no Resp n. 439.854/MS, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j.8.4.2003,
DJU de 18.8.2003, p.194. Súmula 365, STF: “Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação
popular.”.
767 MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao artigo 6º da Lei da Ação Popular. In: COSTA, Susana Henriques da.
(Coord.). Comentários à Lei de ação civil pública e Lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin,
2006. p.186.
768 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.572.
209
Outra manifestação desse princípio se dá na fungibilidade entre as ações
coletivas. Por exemplo, o patrimônio público pode ser tutelado por ação popular, por ação
civil pública e por ação de improbidade administrativa. Cada qual com as suas
especialidades. Proposta uma, quando outra era a adequada, pergunta-se: porque não
receber uma pela outra? Mesmo por que adequações procedimentais podem ser feitas,
através de uma emenda à petição inicial, por exemplo.769
Além disso, na ação de improbidade administrativa, não se justifica “[...] que
não se possa reconhecer procedência parcial nas demandas de improbidade quando não
houver tipicidade ou dolo do agente (suficiente para condená-lo nas severas sanções da
lei), mas se configurar ato ilícito ensejando condenação no ressarcimento.” 770, o mesmo
se dá com relação à prescrição das sanções – artigo 23, Lei de Improbidade
Administrativa, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça 771, com base
no artigo 37, parágrafo 5º, Constituição Federal, determinando que a reparação de danos
causados ao erário seja imprescritível:
“7. O prazo estabelecido no art. 23 da Lei 8.429/92 se refere à
aplicação das sanções, e não ao ressarcimento ao erário.
8. O ressarcimento não constitui penalidade; é consequência lógica
do ato ilícito praticado e consagração dos princípios gerais de todo
ordenamento jurídico: suum cuique tribuere (dar a cada um o que é
seu), honeste vivere (viver honestamente) e neminem laedere (não
causar dano a ninguém).”
Assim, se o juiz constata posteriormente que as sanções previstas na Lei de
Improbidade Administrativa estão prescritas no caso sob sua análise, decidiu o Superior
Tribunal de Justiça que a ação deve seguir quanto ao pedido reparatório772. Quando a
prescrição é evidente, o juiz pode rejeitar o pedido de condenação nas sanções e rejeitar a
inicial parcialmente, prosseguindo a ação quanto à reparação dos danos causados ao erário.
A justificativa para a prescrição das sanções e não da obrigação de reparação dos danos,
769Nesse sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo
coletivo. v.4. 5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.119. “Revela-se interessante notar que as premissas do
formalismo-valorativo definem muito bem qual a conduta a ser adotada.”.
770 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.119.
771 STJ, 1ª T, Recurso Especial n. 1.028.330/SP.
772 STJ, 2ª T, AgRg no Recurso Especial n. 1.218.202/MG.
210
segundo Eurico Ferraresi773, é a prevalência da estabilidade social e da segurança jurídica
em não deixar o agente público sujeito a se tornar réu em ação de improbidade
administrativa indefinidamente. A ressalva é feita quanto ao ressarcimento, que é
imprescritível por expressa determinação constitucional – artigo 37, parágrafo 5º. Como
ensina o mencionado autor:
“De um lado, há o interesse em que as relações não se perpetuem;
de outro lado, há o interesse público de que lesões ao patrimônio
público não prescrevam. A discussão sobre qual interesse deva
prevalecer se mostra estéril, diante da expressa opção
constitucional pela imprescritibilidade da pretensão ao
ressarcimento dos danos causados ao patrimônio público. Acresça-
se que o Código Civil prevê casos em que não ocorre a
prescrição.”774
Além do que foi exposto acima, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a
constitucionalidade da imprescritibilidade do dano ao patrimônio público775. Ensina José
Afonso da Silva quanto à prescritibilidade dos ilícitos administrativos: “Vê-se, porém, que
há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do
ilícito, não, porém, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do
prejuízo causado ao erário.”. 776
Quando houver cumulação de pedidos condenatórios e ressarcitórios
na ação de improbidade administrativa, e, na hipótese de rejeição dos primeiros
devido à prescrição, nada obsta o prosseguimento da ação em relação ao
ressarcimento do dano em razão da sua imprescritibilidade , como já afirmado
acima. É o que ensina Eurico Ferraresi777, seguindo a orientação do Superior
Tribunal de Justiça.778
773 FERRARESI, Eurico. Improbidade administrativa: Lei 8.429/1992 comentada artigo por artigo. São
Paulo: Método, 2011. p.234. “[...] a prescrição constitui uma espécie de sanção imposta pelo ordenamento
ao titular do direito que, sabendo da ocorrência do ato lesivo, não agiu.” p.236.
774 FERRARESI, Eurico. Improbidade administrativa: Lei 8.429/1992 comentada artigo por artigo. São
Paulo: Método, 2011. p.236-237.
775 STF, Recurso Extraordinário 299.591/MG e 492.936/RS. No entanto, há decisões em sentido contrário:
cf., v.g., STJ, Recurso Especial n. 601.961/MG, DJU 21/08/2007.
776 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30.ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
p.673.
777 FERRARESI, Eurico. Improbidade administrativa: Lei 8.429/1992 comentada artigo por artigo. São
Paulo: Método, 2011. p.238-239.
211
Por fim, cabe analisar, como manifestação do princípio do interesse do
julgamento do mérito, a importância não só da análise do mérito, mas a busca do melhor
julgamento do mérito possível.
Como manifestação dessa relevância, na tutela coletiva, há a coisa julgada
material secundum eventum probationis (art. 103, incisos e parágrafos, CDC; art. 16,
LACP; art. 18, LAP). Basicamente, uma sentença de improcedência baseada na ausência
ou na insuficiência de provas não faz coisa julgada material. A ação pode ser reproposta
com base em prova nova.
Como destacam Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior: “O que o
legislador quis foi garantir que o julgamento pela procedência ou improcedência fosse de
mérito, não uma mera ficção decorrente da aplicação do ônus da prova como regra de
julgamento (art. 333, CPC).” 779. Como demonstra Rodolfo de Camargo Mancuso, a coisa
julgada, na seara coletiva, não apresenta nenhuma particularidade em relação ao processo
civil singular, com exceção da possibilidade de propor nova ação mediante prova nova. No
entanto, como ressalva o autor citado, a coisa julgada secundum eventum probationis não
se limita à tutela jurisdicional dos interesses transindividuais780,
“[...] evidenciando – mais uma vez – que prevalece, no instituto da
coisa julgada, o móvel de natureza política, vale dizer, ao legislador
é dado examinar a conveniência de certas decisões passarem ou não
em julgado e, em caso positivo, pode ele fixar os graus de expansão
e eficácia.” 781
778 Cf. STJ, Recurso Especial n. 1.089.492/RO.
779DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.120.
780MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas.
2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.293. Isso ocorre quando o legislador remete as partes às
“vias ordinárias” ou para a discussão ser travada em “ação própria”, v.g., questões de mais alta indagação
no inventário e na partilha; certos assuntos em desapropriação; julgamento de causas complexas nos
Juizados Especiais Cíveis; provas mais técnicas no procedimento sumário; quando não for possível
verificar a liquidez e a certeza do direito no mandado de segurança.
781MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas.
2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.293.
212
Se for o caso de direitos individuais homogêneos, a coisa julgada material é
tradicional, ou seja, não se admitirá a repropositura da ação782. No entanto, na hipótese de
interesses difusos e coletivos, a ideia é a seguinte: se o fundamento da improcedência tiver
sido a ausência ou insuficiência de provas, se admitirá a repropositura da ação coletiva,
com base em prova nova.
Ensina Rodolfo de Camargo Mancuso que a razão dessa diferença de
tratamento entre as espécies de interesses transindividuais se dá em função da maior
proteção conferida pelo legislador aos interesses essencialmente coletivos, já que os
individuais homogêneos configuram direitos subjetivos783, sendo considerados
acidentalmente coletivos.
Dentre as vantagens da coisa julgada secundum eventum probationis, está a
diminuição do risco de conluio entre o autor coletivo e o polo passivo, evitando a formação
de uma coisa julgada prejudicial a toda a coletividade devido às insuficiências probatórias
causadas pelo autor ideológico em atuação deturpada 784. No entanto, há críticas a essa
previsão, no sentido de que a sentença do magistrado perderá sua autoridade, o réu terá seu
direito de defesa esvaziado, além de desestimular a participação das vítimas no processo. É
o que defende José Ignácio Botelho de Mesquita785. Para o autor, a previsão afronta as
garantias constitucionais do demandado em ação coletiva:
“É sabido, sem dúvida, que as ações coletivas trazem em si o risco de
conluio entre o autor a título coletivo e o réu, com o fim de, maltratada e
julgada improcedente a ação, poder o demandado escudar-se na coisa
julgada contra pretensões futuras, melhor deduzidas e mais bem cuidadas.
Daí não se extrai, contudo, que não haja meios de coibir tal abuso, ou que
o direito o desconheça. Suposto, no entanto, que assim ocorresse, a opção
que restaria ao legislador não seria nunca a de escolher entre respeitar ou
não a Constituição, mas, sim, a de introduzir, ou não, no sistema jurídico,
a ação coletiva. A final, com que autoridades se poderia exigir o
782Criticando a opção do legislador no sentido de que a previsão também deveria se estender aos interesses
individuais homogêneos, cf. GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de
direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.287.
“A lei seria muito mais consistente se essa norma fosse aplicável em todos os tipos de ações coletivas.”.
783MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas.
2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.296.
784Nesse sentido, cf.: MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral
das ações coletivas. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.308.
785Nesse sentido, cf.: MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Na ação do consumidor, pode ser inútil a defesa
do consumidor. Revista do Advogado, n.33, p.80-82, dez./1990.
213
cumprimento da lei, se nem mesmo a Constituição precisasse ser
cumprida?” 786
Afirma Ricardo de Barros Leonel que o legislador restringiu a extensão da
coisa julgada para que os titulares da relação de direito material sejam preservados no caso
de improcedência por insuficiência de provas, dessa forma: “Ademais, mesmo com
visão estritamente processual do fenômeno, seria possível afirmar que não
houve ampliação legislativa dos efeitos do julgado coletivo .”.787
Como admite a melhor doutrina, nessa repropositura é possível ter o mesmo
autor da primeira ação tida por improcedente por falta ou insuficiência de provas788,
mesmo que o autor tenha sido desidioso na primeira ação, desde que haja prova nova. A
preocupação, nessa previsão, não se concentrou na celeridade do procedimento, mas com
as possíveis consequências perniciosas de uma ação coletiva mal proposta.789
Questiona-se se seria necessário que a ausência ou insuficiência conste na
fundamentação da decisão. Quanto a isso, parece não haver essa exigência de nenhuma
corrente doutrinária790, mas há quem defenda a necessidade de uma possível dedução, a
partir da leitura da fundamentação, que tenha ocorrido a falta de prova, como ensina
Ricardo de Barros Leonel: “[...] o que importa não é a dicção do magistrado na sentença,
mas o conteúdo ou modo pelo qual o feito se encerrou.”. 791
Por outro lado, outra corrente – encabeçada por Antonio Gidi - afirma que, na
verdade, não há essa necessidade de dedução de falta de prova a partir da leitura, bastando
o surgimento de prova nova. Antonio Gidi792 afirma que, em alguns casos mais claros,
786MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Na ação do consumidor, pode ser inútil a defesa do consumidor.
Revista do Advogado, n.33, p.80-82, dez./1990, p. 82.
787LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.288.
788Nesse sentido: LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011. p.290.
789MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas.
2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.293.
790LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.290.
791LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.290.
792GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.285.
214
pode ser que o magistrado consiga visualizar e afirmar que a rejeição da pretensão coletiva
se deu por instrução insuficiente. No entanto, na maior parte das vezes, não tem como o
juiz saber da existência de alguma prova relevante que não lhe tenha sido apresentada.
Lembra o autor mencionado que o direito processual civil americano tem como regra não
estar o juiz em condições de determinar os efeitos de suas decisões.
Este posicionamento é compatível com as provas tecnológicas novas e não se
trata de supressão do biênio para a possível propositura da ação rescisória, mas a fixação
do termo inicial desta com a obtenção do laudo de prova nova, como o exame de DNA ou
novos relatórios em relação a algum medicamento, por exemplo793. A prova nova não
precisa ter a condição de garantidora de um julgamento favorável ao grupo, ela somente
deve apresentar-se suficientemente relevante para que possibilite um resultado distinto do
anteriormente obtido. Segundo Antonio Gidi, o juiz da segunda ação coletiva não deve
efetuar o rejulgamento da causa sem considerar a decisão anterior: “[...] ele somente
poderá alterar o resultado obtido na primeira ação coletiva, se autorizado pela nova
prova apresentada.”. 794
Nesse sentido era a previsão do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos
Coletivos, versão janeiro/2007, que, além de prever a coisa julgada secundum eventum
probationis em seu artigo 13, parágrafo 5º,
“[...] diz ainda que mesmo as sentenças de mérito fundadas em
prova plena, dando pela procedência ou pela improcedência,
transitadas em julgado, podem ser repropostas, por qualquer co-
legitimado, “com idêntico fundamento, no prazo de 2 (dois) anos
contados do conhecimento geral da descoberta de prova nova,
superveniente, que não poderia ser produzida no processo, desde
que idônea para mudar seu resultado” (parágrafos 5º e 6º do art.
13).” 795.
No campo ambiental, a Carta de São Paulo, lavrada ao final do 7º Congresso de
Direito, ocorrido em junho de 2003, n.59, determina o seguinte:
793Nesse sentido, cf.: MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral
das ações coletivas. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.305-306.
794GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.286.
795MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas.
2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.293.
215
“Em relação à coisa julgada, deve prevalecer critério segundo o
qual, sobrevindo provas novas, é sempre possível a renovação da
ação civil pública para a defesa dos interesses transindividuais,
mesmo que a sentença anterior não tenha feito menção expressa à
improcedência da ação por insuficiência de provas.” (grifo nosso).
Ainda no campo ambiental, Rodolfo de Camargo Mancuso fornece o exemplo
de mitigação da coisa julgada no caso de novo laudo sobre agrotóxico: “[...] impende
atuar eficazmente para que a imunização trazida pela coisa julgada não acabe operando
como um contra-direito, ou como um vetor de injustiça, estabilizando situações absurdas e
iníquas.” 796. Embora Ricardo de Barros Leonel defenda que a viabilidade de nova
propositura dependa da constatação de insuficiência probatória como fundamento da
decisão anterior a partir da análise do conteúdo da decisão, afirma o jurista que, em caso de
avanço tecnológico nos meios de prova, será possível a repropositura da demanda
encerrada.797
Destaca-se que por “prova nova”, entende-se ser a prova não produzida durante
a primeira oportunidade, na demanda encerrada. Portanto, a novidade seria a apreciação
originária pelo Poder Judiciário. Em sentido mais restrito, Ada Pellegrini Grinover e Kazuo
Watanabe798 defendem que prova nova seja sinônimo de prova superveniente. Os autores
mencionados aplicam, por analogia, o artigo 474, do Código de Processo Civil, ou seja, a
eficácia preclusiva sobre a prova, que recai sobre alegações, fazendo coisa julgada material
o alegado e o alegável. Então, para esta corrente, prova nova é a que não foi utilizada e que
não poderia ter sido utilizada na primeira demanda.
Doutrina nacional799, curiosamente, diz que, na coisa julgada secundum
eventum probationis, na verdade, não há coisa julgada. O fundamento é que a possibilidade
de repropositura da ação é incompatível com a imutabilidade dos efeitos da decisão.
796MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas.
2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.306.
797Nesse sentido: LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011. p.290.
798 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p.197-201.
799 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor,
patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.601. Nesse
sentido: NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e
legislação extravagante. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.1473.
216
Segundo esse entendimento, caso ocorra a repropositura sem prova nova, deve ocorrer a
extinção do processo, não por respeito à coisa julgada material, já que essa não há, mas por
falta de interesse, na modalidade adequação - artigo 267, VI, CPC – com a consequente
sentença terminativa.
Antonio Gidi conclui o tema da seguinte forma:
“Portanto, segundo pensamos, se a qualquer momento depois da
decisão uma nova prova for descoberta que possa alterar a decisão
do caso, a ação coletiva poderá ser reproposta. Essa interpretação
liberal é imperativa para que a norma seja efetiva na prática e não
seja indevidamente limitada por uma exigência que não está na lei
nem deriva do bom senso.” 800
No âmbito da ação popular, o artigo 6º, parágrafo 4º, da Lei n. 4.717/65, prevê
que: “§ 4º O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção
da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-
lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus
autores.”.
IV) Sentença e execução
3.16 Princípio da (não) correlação entre o pedido e a sentença
A necessidade de congruência entre a sentença e o pedido encontra-se prevista
no Código de Processo Civil nos artigos 2º, 128 e 460 e a sua ratio é relacionada com a
intrínseca disponibilidade do bem da vida e do direito invocados, que são levados a juízo
da forma que melhor entender os litigantes801. Quanto à parte objetiva da demanda,
relacionado ao pedido, é vedado ao magistrado proferir decisão que vá além do objeto da
demanda (ultra petita), que extravase o objeto da demanda (extra petita) ou que fique
800GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos: as ações coletivas em
uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.286.
801 GABBAY, Daniela Monteiro. Processo coletivo e elementos objetivos da demanda. Dissertação de
mestrado. São Paulo: USP, 2007. p. 81.
217
aquém desse objeto (citra petita), pois o juiz estaria decidindo sem a necessária iniciativa
da parte (artigos 2º e 262 do Código de Processo Civil). Entretanto, é importante
compatibilizar o conceito liberal-individualista em que se pauta a correlação com a atual
fase publicista em que o processo civil se encontra, como afirma Daniela Monteiro
Gabbay802, que classifica a correlação entre o pedido e a sentença, como uma regra, apesar
de afirmar a tendência do uso da ponderação para a sua aplicação. Dessa maneira, neste
trabalho, adota-se o fenômeno como um princípio, tendo em vista a orientação
crescentemente adotada pela doutrina e jurisprudência pátria, como será adiante
aprofundado.803
Hugo Nigro Mazzilli804 entende que as ações coletivas estão sujeitas ao
princípio da correlação entre o pedido e a decisão judicial, previsto no caput do artigo 460
do Código de Processo Civil805. Segundo o autor, se o legitimado coletivo pretende que a
sentença seja título executivo aproveitável por lesados individuais, o pedido deve vir
expresso. No exemplo trazido pelo autor paulista citado, caso a causa de pedir seja a
poluição causada por uma fábrica; e o pedido, o seu fechamento, nenhum indivíduo poderá
utilizar a sentença para liquidar eventual dano individual causado pela poluição, pois
ocorreria ofensa à ampla defesa da parte. Em sentido oposto, Ada Pellegrini Grinover
defende que o Código de Defesa do Consumidor alterou o sistema tradicional para ampliar,
ope legis, o objeto do processo, de forma a incluir na coisa julgada coletiva o dever de
indenizar as vítimas:
“Seja como for, e qualquer que seja a explicação científica que se lhe dê
(eficácia preclusiva, efeito secundário da sentença, ou ampliação do
objeto do processo coletivo, para que o julgado inclua o pronunciamento
sobre o dever de indenizar, ope legis), trata-se de fenômeno bem
conhecido, agora incorporado ao Código do Consumidor, mercê do
802 GABBAY, Daniela Monteiro. Processo coletivo e elementos objetivos da demanda. Dissertação de
mestrado. São Paulo: USP, 2007. p. 82.
803 GABBAY, Daniela Monteiro. Processo coletivo e elementos objetivos da demanda. Dissertação de
mestrado. São Paulo: USP, 2007. p. 81. “Em conformidade com o princípio da instrumentalidade de
formas, porém, a jurisprudência tem determinado a anulação apenas do excedente no caso de sentenças
ultra petita, muito embora haja ainda casos de anulação total das sentenças citra petita, tendo em vista a
incompletude do julgado, e das sentenças extra petita, por tratarem de objeto diferente daquele debatido
nos autos.”.
804 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P.
138-139.
805 “É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar
o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado.”
218
transporte, in utilibus, do julgado da ação coletiva para as ações
individuais de responsabilidade civil.” 806
Segundo Luigi Paolo Comoglio807, a razão de ser da existência do dogma da
imutabilidade do objeto litigioso tem origem na litis contestatio romana. No entanto,
segundo o mesmo autor, a discussão acerca deste dogma tem evoluído em razão do
princípio da economia processual.
A questão que se coloca é até que ponto a economia no processo em curso deve
prevalecer sobre a possibilidade de multiplicação de processos externos, capazes de
ocasionar a multiplicação de demandas e o conflito lógico de julgados.
Em sentido contrário, Elton Venturi808, ao tratar da instrumentalidade da tutela
coletiva, defende que o artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor deve ser
interpretado da forma mais ampla possível: “Para a defesa dos direitos e interesses
protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de
propiciar sua adequada e efetiva tutela.”, segundo o texto da legislação consumeirista que
integra o microssistema processual coletivo809. Elton Venturi defende a legitimidade dos
magistrados para inovar nos provimentos jurisdicionais, antecipando a tutela final ou
assegurando o seu resultado útil, quando o escopo for concretizar a efetividade da tutela
jurisdicional coletiva. Dessa forma, o artigo 83 transcrito seria uma forma de estimular a
criatividade tanto das partes, quando pleiteiam interesses transindividuais, quanto do Poder
Judiciário, no papel de garantir a adequação e a efetividade da tutela a ser proferida ao
cabo do processo.
Em uma segunda análise do mesmo fenômeno, o Poder Judiciário também
seria dotado da faculdade de flexibilizar ao máximo as exigências de preenchimento dos
pressupostos processuais e das condições da ação coletiva para que o mérito seja
806 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
p.135-136.
807 COMOGLIO, Luigi Paolo. Il principio di economia processuale. Vol.1. Padova: Cedam, 1980. p.177.
808 Cf. VENTURI, Elton. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 152.
809 O microssistema processual coletivo brasileiro, o qual tem em seu centro o Código de Defesa do
Consumidor (Lei n. 8.078/90) e a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), que se complementam
através de remições recíprocas, e leis gravitantes em torno desses dois diplomas, tais como: Estatuto das
Cidades, Estatuto do Idoso, Estatuto de Proteção à Criança e ao Adolescente, etc., e que tem o Código de
Processo Civil somente como forma de aplicação subsidiária em caso de ausência de prescrição normativa
entre a legislação citada.
219
conhecido810. É o que Gregório Assagra de Almeida denomina de “princípio do interesse
jurisdicional no conhecimento do processo coletivo”.811 No mesmo sentido, Rogério
Marrone de Castro Sampaio812, em tese sobre a atuação do juiz no processo civil moderno,
defende a flexibilização do princípio da correlação entre pedido e a providência
jurisdicional concedida desde que respeitadas as garantias processuais das partes, com a
justificativa da função social a ser preenchida pelo processo. Dessa forma, admitir-se-iam
pedidos genéricos para a ampliação da efetividade da tutela jurisdicional coletiva, que são
tidos como exceção no modelo tradicional do processo civil.813
Daniela Monteiro Gabbay, no mesmo sentido, afirma que: “[...] à luz do
princípio da instrumentalidade de formas, a transgressão da regra de correlação deve ser
considerada como nulidade sanável se, observado o princípio do contraditório, nenhum
prejuízo concreto for detectado, restando preservado o escopo almejado por referida
regra processual.” 814. Além disso, segundo a autora, as provas produzidas também têm a
habilidade de ampliar os limites objetivos da demanda desde que os fatos estejam
definitivamente provados nos autos e submetidos ao contraditório. Havia previsão
semelhante do Código Estadual do Estado da Bahia, em seu artigo 306. Nesse sentido,
decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em 2008, no Recurso Especial n. 1.107.219 – SP:
“A tutela ambiental é de natureza fungível por isso que a área objeto da agressão ao meio
ambiente pode ser de extensão maior do que a referida na inicial e, uma vez assim aferida
pelo conjunto probatório, não importa em julgamento ultra ou extra petita.”.
Dessa maneira, defende-se a superação do rígido modelo de preclusões815, com
a consequente perda de faculdades processuais, no processo civil brasileiro quando
810 Cf. VENTURI, Elton. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 155. “Mais grave, contudo,
é que as prematuras exigências terminativas das demandas coletivas revelam um verdadeiro
amesquinhamento da função jurisdicional, vital à sobrevivência do Estado Democrático de Direito.”.
811 Cf. ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual: princípios, regras interpretativas e a problemática da sua interpretação e aplicação. São Paulo:
Saraiva, 2003. p. 571.
812 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. Tese
de doutorado sob orientação do Prof. Dr. Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: USP, 2007. p.154.
813 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. Tese
de doutorado sob orientação do Prof. Dr. Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: USP, 2007. p.155.
814 GABBAY, Daniela Monteiro. Processo coletivo e elementos objetivos da demanda. Dissertação de
mestrado. São Paulo: USP, 2007. p. 83.
815 Sobre o sistema de preclusões adotado, cf. LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o
direito superveniente. São Paulo: Método, 2006. p.223 e ss.
220
estivermos diante de interesses transindividuais, desde que observados certos limites. É a
posição defendida por Ada Pellegrini Grinover, ao abordar o tema de preclusões, que visto
pelo lado positivo, conduz o procedimento para o seu resultado final, mas que não pode ser
levado a extremos a ponto de comprometer a efetividade da tutela jurisdicional816. No
mesmo sentido, Daniela Monteiro Gabbay afirma: “No que tange aos interesses e direitos
coletivos, todavia, acredito que a regra da correlação da sentença ao pedido deva ser
aplicada de forma diferenciada, em face do bem jurídico coletivo e do interesse social que
estão subjacentes ao pedido, não se subsumindo à interpretação estrita que obste a sua
efetiva e adequada proteção.”. 817
Estava em curso a elaboração de um Código de Processos Coletivos, como já
mencionado neste trabalho, que, apesar da rejeição sofrida no ano de 2010, merece ser
trazido à análise. O Anteprojeto previa diversas possibilidades para os processos coletivos
que demonstravam a vontade de seus elaboradores de uma visão mais flexível para o
processo coletivo818 desde que respeitados os princípios constitucionais do processo.
Dentre essas hipóteses, estava o artigo 4º, que possibilitava a interpretação extensiva do
pedido e da causa de pedir com vistas ao bem jurídico tutelado. O Projeto de Lei n. 5.139
de 2009 permitia a alteração do pedido e da causa de pedir até a prolação da sentença de
primeiro grau, desde que fosse feita de boa-fé e sem a ocorrência de prejuízo para o
demandado, com a devida observância do princípio do contraditório e da ampla defesa.
A solução usual do processo civil é aquela trazida pelo Código de Processo
Civil em seu artigo 264819, que estabelece o saneamento como o momento final para
qualquer alteração dos elementos objetivos da demanda, quais sejam: causa de pedir e
pedido. Hodiernamente, a alteração do pedido e da causa de pedir varia de acordo com o
momento em que se encontra o procedimento. Até a citação é possível alterar a parte
objetiva da demanda. Entre a citação e o saneamento, a alteração mostra-se viável, desde
816 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,
Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.31-32.
817 GABBAY, Daniela Monteiro. Processo coletivo e elementos objetivos da demanda. Dissertação de
mestrado. São Paulo: USP, 2007. p. 84.
818 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,
2006. p.286-291.
819 Art. 264, CPC: Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o
consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei. Parágrafo
único. A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento
do processo.
221
que haja consentimento da outra parte. Após o saneamento, o sistema é rígido e não se
pode alterar mais o pedido ou a causa de pedir. A demanda se estabiliza.
O sistema é rígido quanto ao momento para a alteração objetiva da lide (na
expressão Carneluttiana), mas, apesar disso, o magistrado deve proferir decisão justa no
momento da entrega da prestação jurisdicional. Entre a propositura da demanda, a sua
estabilização e a entrega da decisão final, o decurso do tempo pode provocar diversos
fenômenos que alteram a justiça da decisão. Assim, diante dessa constatação, o legislador
determinou, no artigo 462 do Código de Processo Civil, que o magistrado pode, de ofício,
considerar fatos que interfiram no julgamento da causa: “Art. 462. Se, depois da
propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no
julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento
da parte, no momento de proferir a sentença.”, desde que não altere os contornos objetivos
da demanda820. Assim, o artigo 462 do Código permite a alteração limitada, ou seja: “Já os
“fatos posteriores” constitutivos, modificativos ou extintivos do direito (art. 462 do CPC),
embora digam respeito diretamente aos limites objetivos da demanda, podem ser
conhecidos, desde que não signifiquem inovação com relação ao que foi originariamente
deduzido pelo autor." 821. Ressalta Ricardo de Barros Leonel, em sua tese de doutorado
sobre o tema em análise, que toda a elaboração teórica construída acerca da estabilização
objetiva da demanda não deve ser esquecida, no entanto, é necessária uma interpretação
mais flexível quanto ao direito superveniente, no sentido de: “[...] envolver a compreensão
indissociável (conjunta) de fatos e direitos que sobrevenham (ou sejam invocados) no
curso da demanda já proposta, sempre que, com relação a esta, forem aptos a gerar a já
referida “eficácia jurídica superveniente”.” 822. Aponta o referido autor que essa
construção teórica acerca da flexibilização do momento para a alteração da demanda e do
objeto dessa alteração não viola o princípio da congruência823. Assim, opta-se por
denominar o fenômeno de princípio da (não) congruência para ressaltar a alteração de
820 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,
2006. p.227.
821 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,
2006. p.228.
822 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,
2006. p.231.
823 Nesse sentido: LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São
Paulo: Método, 2006. p.240.
222
paradigma, que não significa a valorização da alteração superveniente, que somente deve
ocorrer se respeitados os valores constitucionais do processo, como a ampla defesa e o
contraditório, diante da inexistência de prejuízo para as parte e em caráter excepcional.
O Anteprojeto continha disposição diversa da encontrada hoje em nosso
ordenamento, permitindo a modificação extemporânea desses elementos, desde que
houvesse requerimento da parte, até a prolação da sentença e observado o contraditório.
Assim, havia requisitos que deveriam ser observados: o requerimento da parte interessada,
a boa-fé do autor, a inexistência de prejuízo injustificado para o réu e a preservação do
contraditório824; além dos mencionados no Anteprojeto, é truísmo mencionar que a decisão
deveria ser fundamentada e impugnável por recurso de agravo.
É o objetivo da estabilização da demanda garantir o não retrocesso do processo
e garantir a segurança das partes que terão ciência do âmbito de discussão do processo825.
No entanto, na seara transindividual, tais valores devem ser sopesados com o inerente
dinamismo dos interesses coletivos lato sensu, para que a tutela jurisdicional coletiva a ser
ao fim proferida consiga resolver o conflito de um única vez. Nesse sentido, convém
destacar: “Todavia, isso não impede nem conflita com a solução que admite, em caráter
excepcional, que determinadas espécies de relações de direito material tenham um
tratamento diferenciado em função de sua ampla importância e relevância social,
justificando inclusive o reconhecimento de sua indisponibilidade.”. 826
Como destaca Ricardo de Barros Leonel827, a questão é de política legislativa,
pois o legislador deve optar por manter o sistema tradicional aplicável também à tutela
coletiva ou inovar. Portanto, a sugestão aqui feita é de lege ferenda.
No caso da manutenção do sistema atual de estabilização de demandas, caso,
por exemplo, seja feita uma perícia em uma ação coletiva, que tenha sido extremamente
morosa e dispendiosa e, a partir desta prova, tenha sido constatado que os fatos são mais
824 Para maiores explicações sobre cada requisito, cf. LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e
pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método, 2006. p.294-295.
825 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,
2006. p.292.
826 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,
2006. p.239-240.
827 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,
2006. p.293.
223
amplos, somente resta a possibilidade da propositura de uma nova ação828, que gera os
inconvenientes do maior lapso temporal para esta nova demanda e de novos custos. Além
disso, nova ação coletiva poderá gerar conflito de julgados, que, apesar de conviverem no
sistema, geram um desprestígio para o Poder Judiciário. O tempo para a tramitação dessa
nova demanda, instaurada por justificativa da segurança jurídica, pode funcionar como
elemento amplificador da insegurança jurídica para a situação diante do prolongamento da
querela. 829
No caso da proposta feita pelo Anteprojeto rejeitado, com a flexibilização da
estabilização da demanda, o pedido e a causa de pedir, no exemplo acima mencionado,
seriam modificados para englobar toda a crise de direito material em um processo só, que,
mesmo com um tempo de duração maior, ainda traria menores empecilhos do que a
propositura de uma nova ação. Dessa forma, o Poder Judiciário potencializaria seus
resultados, pacificando com Justiça.830
Swarai Cervone de Oliveira831 destaca que os interesses materiais discutidos
em ações coletivas tem elevada relevância social, assim, o bem jurídico (causa de pedir e
pedido) a ser tutelado deve ser interpretado de maneira extensiva, de forma a considerar o
bem da vida (pedido mediato).
Além disso, tendo em vista o maior grau de generalidade com que a causa de
pedir vem descrita832, o magistrado deve adotar maior flexibilidade na sua interpretação,
828 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,
2006. p.293-294.
829 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,
2006. p.244.
830 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método,
2006. p.294. No mesmo sentido: OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos.
In: CALMON, Petrônio; CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em
defesa de um novo sistema de processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover.
São Paulo: Saraiva, 2010. passim.
831 OLIVEIRA, Swarai Cervone de. Poderes do juiz nos processos coletivos. In: CALMON, Petrônio;
CIANCI, Mirna; GOZZOLI, Maria Clara; QUARTIERI, Rita (Coord.). Em defesa de um novo sistema de
processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010. p.655.
832 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p.241. “A descrição fática deve ser formulada no limite da suficiência para a demonstração da
situação material mais ampla, decorrente da própria essência dos interesses metaindividuais.”. No nosso
ordenamento atual, o artigo 286, II, CPC, admite a formulação de pedido genérico, ou seja, que não seja
certo e determinado, quando, pelas circunstâncias fáticas, não for possível determinar as consequências do
ato ou fato ilícito.
224
observando os limites da boa-fé, da ausência de prejuízo às partes e da observância do
contraditório efetivo.
Como afirma Rogério Marrone de Castro Sampaio, o magistrado está
autorizado a conceder a tutela coletiva que melhor dissolva a crise de direito material
coletivo, “[...] ainda que para tal tenha que integrar ou suprir deficiências oriundas do
ajuizamento da demanda.” 833, respeitado o devido processo legal e o contraditório.
O objetivo é evitar “decisões-surpresa” para as partes, por isso, a relevância da
observância do contraditório em casos que o magistrado pretenda extrair diversa
interpretação dos fatos trazidos ao processo ou, ainda, aplicar norma jurídica não ventilada
nos autos834. Além de prestigiar a participação das partes, a credibilidade do Poder
Judiciário junto à sociedade é maximizada quando observado o contraditório.
Interessante pesquisa jurisprudencial realizou Daniela Monteiro Gabbay, já
citada neste trabalho, acerca da aplicação ou não do princípio da correlação entre o pedido
e a sentença pelo Superior Tribunal de Justiça, como sua dissertação de mestrado perante
esta Faculdade. A autora formulou as seguintes hipóteses: A “regra” da correlação da
sentença ao pedido tem sido observada pelo STJ, tanto em casos que envolvam direitos
disponíveis, quando indisponíveis. Entretanto, naqueles, normalmente de natureza
patrimonial, a “regra” é observada com mais rigor, com interpretação restritiva do pedido e
anulação daquilo que extravasar os elementos objetivos da demanda. No caso de direitos
indisponíveis, dentre eles os coletivos, a “regra” da correlação admite maiores ponderações
na sua interpretação diante da natureza do conflito. Elementos que atenuam a correlação
são: a observância do princípio do contraditório e a ausência de prejuízo de acordo com a
instrumentalidade das formas. Além disso, causa de pedir e pedido compõem o objeto do
processo e a “regra” se aplicaria aos dois. Por fim, a última hipótese envolve a admissão de
forma pacífica de certos pedidos implícitos pelo STJ835. Depois da análise de inúmeros
julgados em confronto com as hipóteses trazidas acima, observou-se que há flexibilização
da correlação entre o pedido e a sentença, além dos casos que envolvam matérias de direito
833 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. Tese
de doutorado sob orientação do Prof. Dr. Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: USP, 2007. p.155.
834 CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Governança judicial: modelos de controle das atividades dos sujeitos
processuais. Tese de doutorado Professor Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP, 2008.
p.251.
835 Cf. GABBAY, Daniela Monteiro. Processo coletivo e elementos objetivos da demanda. Dissertação de
mestrado. São Paulo: USP, 2007. p. 140 e ss. para completo detalhamento da pesquisa realizada.
225
indisponível, em considerável número de situações com direitos disponíveis836. Em geral,
as demais hipóteses restaram confirmadas. Interessante julgado é o Recurso Especial n.
1.126.146 do Estado do Rio de Janeiro837, em que o Superior Tribunal de Justiça, ao
analisar caso de assentamento agrícola em área de proteção ambiental descartou a violação
ao princípio da correlação, pois a retirada do pessoal assentado é providência que se revela
implícita no pedido de nulificação do ato de aprovação do projeto de assentamento,
ilustrando a admissão de pedido implícito quando considerado o bem da vida envolvido no
conflito de natureza coletiva.
3.17 Princípio da reparação integral do dano
O rejeitado Projeto de Lei n. 5.139 de 2009, que objetivava a sistematização do
processo civil no âmbito coletivo, previa, em seu artigo 3º, inciso IV, o seguinte: “O
processo civil coletivo rege-se pelos seguintes princípios: IV – tutela coletiva adequada,
com efetiva precaução, prevenção e reparação dos danos materiais e morais, individuais e
coletivos, bem como punição pelo enriquecimento ilícito.”. Observa-se, assim, que o
objetivo era a reparação integral do dano.
Na legislação vigente, tem-se o artigo 11 da Lei da Ação Popular (“A sentença
que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado,
condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os
beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de
dano, quando incorrerem em culpa.”) que evidencia a presença do princípio da reparação
integral do dano ao permitir o pedido implícito de reparação de danos para a ação popular.
Segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., a reparação integral do dano é da natureza
da ação popular e da ação de improbidade administrativa.838
836 GABBAY, Daniela Monteiro. Processo coletivo e elementos objetivos da demanda. Dissertação de
mestrado. São Paulo: USP, 2007. p. 151.
837 Consulta realizada no sítio eletrônico do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=a%E7%E3o+civil+p%F
Ablica+e+extra+petita&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em: 05 de setembro de 2013.
838 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.125.
226
O princípio da reparação integral do dano se manifesta também no fluid
recovery, previsto no artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor839. Ada Pellegrini
Grinover ensina que: “A fluid recovery é instituto típico das ações coletivas que permite,
em determinadas circunstâncias, que se passe do ressarcimento pelos danos sofridos
(regulado pelo Código Civil) à reparação dos danos provocados, ou ao menos
coletivamente sofridos, na hipótese de o prejuízo individual ser muito pequeno ou as
vítimas dificilmente identificáveis.”. 840
Em comentário ao artigo 100 do Código Consumeirista, Kazuo Watanabe nos
lembra de que: “As ações coletivas que têm por objeto a reparação dos danos causados a
pessoas indeterminadas podem carrear consigo algumas dificuldades.” 841. Dentre as
várias dificuldades encontradas, há a barreira da identificação das pessoas que compõem o
grupo, a distribuição a ser feita entre elas da arrecadação do valor indenizado e o uso de
eventual resíduo financeiro do pagamento das indenizações. O sistema norte-americano
das class actions encontrou o sistema da fluid recovery para solucionar a maioria desses
empecilhos. O sistema pátrio não se parece com o norte-americano, pois, lá, o juiz desde
logo determina a indenização pelos danos causados, ao passo que, aqui, a indenização é
residual. É residual, pois, primeiramente, o bem jurídico objeto da tutela é genérico e
indivisível. Com a liquidação de sentença, os danos são apurados para cada uma das
vítimas. Assim, “A condenação faz-se, portanto, pelos danos causados, mas em termos
ilíquidos, e o pagamento a cada credor corresponderá exatamente aos danos sofridos.” 842.
Caso alguma vítima não liquide seu dano por qualquer motivo, ou caso o número de
indivíduos habilitados seja menor do que a gravidade do dano, aplica-se a previsão do
artigo 100 do CDC, ou seja, após o decurso do prazo ânuo sem a habilitação de vítimas do
839 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.
5.ed. Salvador: JusPodium, 2010. p.125.
840 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR.,
Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.32.
841, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p.162.
842Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor:
comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
p.163.
227
dano em nível compatível com a sua gravidade, os legitimados do artigo 82 do CDC843
poderão promover a liquidação e a execução da indenização devida que será revertido para
o Fundo criado pela Lei n. 7.347 de 1985.
Como a indenização que será revertida ao Fundo da Lei da Ação Civil Pública
é residual, não é correto o pedido explícito de recolhimento de indenização ao Fundo:
“Adequado, ao contrário, o pedido de indenização pessoal, por lesão aos interesses
individuais homogêneos, com indicação de sua reversão ao Fundo, somente na hipótese de
não haver habilitações dos interessados ou, em as havendo, a da reversão pelo eventual
resíduo não reclamado.”844. O valor que será revertido ao Fundo será determinado pelo
juiz com base no prejuízo globalmente causado e nas indenizações pessoais já apuradas
para compensação.845
3.18 Princípio da máxima efetividade da tutela coletiva
O devido processo constitucional estabelece as linhas do modelo processual
brasileiro que deve solucionar as lides de forma eficaz e em tempo razoável, sob pena de se
tornar inútil846. Dessa premissa, se extrai a efetividade como garantia fundamental do
processo, pois não haveria razão de existência para um sistema de solução de contendas
caso os resultados alcançados não fossem úteis. Segundo José Carlos Barbosa Moreira, o
processo será efetivo na medida em que se constitua em instrumento efetivo de realização
do direito material847. Além disso, o clamor por efetividade não atende somente aos
843 Não se está mais diante da legitimação extraordinária, mas a ordinária, pois os legitimados atuarão na
busca de seus objetivos institucionais. Cf. Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo.
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo
coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.164.
844Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor:
comentado pelos autores do anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
p.163.
845 Sobre o aumento dos poderes do juiz e a defining function: Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson;
WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. Vol.2: processo coletivo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.164-165.
846 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da amplitude de produção probatória. In: TUCCI, José
Rogério Cruz e (Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999. p. 159.
847 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva,
2004. p.15.
228
interesses privados das partes, mas ao escopo de pacificação que o processo possui848.
Assim, como destaca José Roberto dos Santos Bedaque: “Efetividade do processo, devido
processo legal e direito a adequada tutela jurisdicional são fenômenos indissociáveis.”.849
A efetividade do processo pode ser tomada por diversos prismas e escaparia ao
escopo deste trabalho explicá-los todos. No entanto, convém destacar a relevância da
efetividade social do processo, esmiuçada por José Carlos Barbosa Moreira850 em seu texto
“Por um processo socialmente efetivo”, no qual o autor salienta que o processo não tem
como assumir para si a responsabilidade de sanar todas as desigualdades sociais enraizadas
em um país como o Brasil, mas não pode o processualista enxergar o instrumento
processual em posição de total impotência. Prefere José Carlos Barbosa Moreira posicionar
o processo mais como um caminho que deve estar desimpedido para encampar interesses
sociais relevantes através da via judicial. Exemplos destes interesses sociais relevantes são
justamente os interesses transindividuais,851 veiculados através de ações coletivas.
Entretanto, não existem dados precisos sobre como está a situação das ações civis públicas
pelos fóruns desse país, assim, dispõe-se somente de informações de um ou outro caso
esparso. De qualquer maneira, como afirma o autor recém mencionado, é indubitável que
as ações civis públicas estejam sofrendo limitações sérias.
A efetividade da tutela pretendida depende, de início, da possibilidade de agir
em juízo, ou seja, da legitimidade e termina com a efetividade da tutela obtida, passando,
nesse iter, de forma sumarizada, pelo contraditório e pela ampla defesa852. Quanto à
legitimação, o sistema adotado, no Brasil, é o da concorrente e disjuntiva entre diversas
entidades enumeradas previamente pelo legislador. Dentre as entidades previstas, estão as
associações civis, constituídas há pelo menos um ano, que tenham como finalidade
848 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da amplitude de produção probatória. In: TUCCI, José
Rogério Cruz e (Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999. p. 163.
849 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da amplitude de produção probatória. In: TUCCI, José
Rogério Cruz e (Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999. p. 165.
850 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva,
2004. p.15.
851 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva,
2004. p.17. Destaca o autor que a efetividade desses interesses não pode ficar a cargo somente do processo
judicial, pois cada indivíduo tem deveres em face da comunidade na manutenção de bens e valores que são
de todos.
852 A ampla defesa envolve o direito à prova. Sobre o tema: cf. item sobre ativismo judicial.
229
institucional a proteção dos interesses em causa. José Carlos Barbosa Moreira853 destaca
que o legislador provavelmente teve a intenção de fornecer legitimação a esses corpos
sociais intermediários que poderiam fornecer voz a interesses camuflados e desprotegidos.
No entanto, o que parece ocorrer é que essas entidades preferem dar a notícia de alguma
violação a interesse coletivo para o Ministério Público para que esta instituição promova a
ação judicial, sendo que o Ministério Público é o órgão legitimado mais atuante na seara
coletiva. Medida legislativa que minou o interesse de iniciativa das associações foi a
Medida Provisória n. 1.984-24 que introduziu o artigo 2º-A à Lei n. 9.494/1997, com a
seguinte redação: “A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por
entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá
apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito
da competência territorial do órgão prolator. Parágrafo único. Nas ações coletivas
propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias
e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da
assembleia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos
seus associados e indicação dos respectivos endereços.” (grifo nosso). Tentativa clara de
minar a efetividade da tutela jurisdicional coletiva, especialmente quando o Poder Público
estiver no polo passivo, afinal, a prescrição legal atenta contra o conceito de substituição
processual, vinculando sua efetividade a um critério irrelevante, como é o domicílio.854
A máxima efetividade855 é garantida através de algumas maneiras, dentre elas,
pode-se citar o máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva comum a ser atingida
através da forma como a coisa julgada coletiva se delineia, com previsão legal no artigo
103 do Código de Defesa do Consumidor856, ou seja, garantindo a repropositura da ação
853 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva,
2004. p.17.
854 Nesse sentido: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual: oitava série. São
Paulo: Saraiva, 2004. p.18-19.
855 Cf. Princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva comum: ALMEIDA, Gregório Assagra
de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual: princípios, regras
interpretativas e a problemática da sua interpretação e aplicação. São Paulo: Saraiva, 2003. p.575.
856 Art. 103, CDC: “Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em
que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova,
na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por
insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do
parágrafo único do art. 81;
230
coletiva quando a improcedência tenha se dado por insuficiência de provas e haja prova
nova e possibilitando o acesso à justiça individual em determinados casos. Como ressalta
Gregório Assagra de Almeida: “[...] busca-se o aproveitamento máximo da prestação
jurisdicional coletiva, para evitar novas demandas, mesmo e especialmente as individuais
que tenham como fundamento idêntica causa de pedir.”.857
Além do especial modelo de coisa julgada coletiva, o processo coletivo possui
mecanismos de possibilitar que o magistrado tenha uma postura mais ativa diante da
elevada importância e repercussão dos direitos materiais envolvidos, assim, pode ele
determinar a produção de todas as provas pertinentes, como já explicitado anteriormente,
quando tratou-se do ativismo judicial na seara coletiva, pode conceder a antecipação de
tutela, utilizar as medidas previstas no artigo 84, parágrafo 5º, do Código de Defesa do
Consumidor858, etc. Nesse sentido, José Carlos Barbosa Moreira destaca a importância da
forma como o órgão judicial conduz o processo, aproveitando todas as oportunidades
legais para atenuar a disparidade de armas entre os litigantes, para a obtenção da
efetividade almejada.859
Nota-se certa carga civilista na legislação consumeirista, principalmente em
seu artigo 83, quando admite que: “Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por
este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus
sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos
individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.
§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não
tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.
§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24
de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas
individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e
seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.
§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.”
857 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual: princípios, regras interpretativas e a problemática da sua interpretação e aplicação. São Paulo:
Saraiva, 2003. p.576.
858 Art. 84, par.5º, CDC: “Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente,
poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e
pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.”.
Cf. ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual: princípios, regras interpretativas e a problemática da sua interpretação e aplicação. São Paulo:
Saraiva, 2003. p.577.
859 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva,
2004. p.25-26.
231
e efetiva tutela.”. Deve-se entender “tutela”, quando o Código trata de qualquer tipo de
ação, pois desde há muito o processo abandonou a sua fase civilista, ou seja, quando direito
material e processual eram apenas uma coisa860. Como forma de garantir a efetivação da
tutela coletiva, a tutela jurisdicional coletiva a ser proferida ao fim deve ter a maior
amplitude possível, ou seja, todos os instrumentos processuais necessários podem ser
utilizados.
Além da previsão legal no artigo 84, parágrafo 1º, Código de Defesa do
Consumidor861, sobre a primazia da tutela específica sobre a indenização nas obrigações de
fazer ou não-fazer, a exigência decorre também das peculiaridades dos direitos materiais
envolvidos. A tutela ressarcitória em danos de conteúdo não-patrimonial não encontra
efetividade na prática, como na poluição de uma região ou do ar. Existem mecanismos para
estimular o cumprimento da obrigação específica, que deve ser a preferência, como deixa
claro o enunciado da Súmula 23 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de
São Paulo: “A multa fixada em compromisso de ajustamento não deve ter caráter
compensatório, e sim cominatório, pois nas obrigações de fazer ou não fazer normalmente
mais interessa o cumprimento da obrigação pelo próprio devedor que o correspondente
econômico.”.
No entanto, há situações em que o devedor, mesmo tendo sido condenado a
reparar o dano causado, não o faz por circunstancias alheias a sua vontade ou por sua
própria decisão em se abster. Diante disso, solução outra não resta do que a condenação em
pecúnia. Como afirma Fausto José Martins Seabra862, cabe ao magistrado tomar decisões
que tornem o fazer ou não fazer realidade. Para isso, o juiz precisa de maior flexibilidade,
“[...] o que remete a breves reflexões sobre o poder discricionário do juiz nesse campo,
qual seja, o do inadimplemento das obrigações de fazer ou não fazer impostas por decisão
judicial.”.863
860 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da amplitude de produção probatória. In: TUCCI, José
Rogério da Cruz. (Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999. p. 156. “A tipicidade das ações se resolve, na verdade, em tipicidade de tutelas. Estas sim,
representam o elemento variável da demanda. Ação é única, voltada para a obtenção de mecanismos aptos a
assegurar o direito afirmado. Não comporta adjetivações, próprias da tutela pleiteada.”.
861 “A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se
impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.”
862 SEABRA, Fausto José Martins. A atuação do juiz na efetivação da tutela coletiva. Mestrado em Direito
sob a orientação do Prof. Kazuo Watanabe. São Paulo: USP, 2008.p.39.
863 SEABRA, Fausto José Martins. A atuação do juiz na efetivação da tutela coletiva. Mestrado em Direito
sob a orientação do Prof. Kazuo Watanabe. São Paulo: USP, 2008.p.39.
232
Mesmo que a obrigação de fazer ou não fazer seja convertida em pecúnia, o
sistema processual coletivo se preocupa com a efetividade na proteção dos interesses
transindividuais e, assim, organizou o Fundo do artigo 13 da Lei da Ação Civil Pública –
Lei n.7.347/85 -, na tentativa de solucionar a dificuldade do direcionamento do produto de
eventual condenação864. O fundo é denominado “Fundo de Defesa dos Direitos Difusos”
por definição legal (Lei n.9.008/95) e suas finalidades estão estabelecidas nesta lei, em seu
artigo 1º. Se o montante for referente a interesse transindividual divisível, ele será repartido
entre os lesados. No entanto, se indivisível, o dinheiro será destinado ao Fundo e deve ser
utilizado na reparação direta do bem lesado, ou, em caso de impossibilidade, em finalidade
semelhante com a origem da lesão.
Além disso, o microssistema processual coletivo garante a máxima efetividade
na execução da coisa julgada coletiva, com isso, prevê no artigo 15 da Lei da Ação Civil
Pública a obrigatoriedade de o órgão do Ministério Público promover a execução coletiva
em caso de desídia dos outros legitimados e, também, a Lei da Ação Popular, em seu artigo
16, determina a mesma obrigatoriedade para o parquet caso o cidadão seja renitente em
promover a execução coletiva865, mas esses aspectos são analisados de forma mais detida
em princípio específico.
3.19 Princípio da motivação das decisões judiciais
O já referido Projeto de Lei n. 5.139 de 2009 também previa como um dos
princípios regentes da tutela coletiva a “motivação específica de todas as decisões
judiciais, notadamente quanto aos conceitos indeterminados.”. 866
José Renato Nalini867, em obra sobre o juiz e o acesso à justiça, ressalta a
importância do dever de fundamentar, que está previsto inclusive no texto constitucional,
864 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p.565.
865 Art. 15, LACP: “Art. 15. Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem
que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual
iniciativa aos demais legitimados.”. Art. 16, LAP: “Caso decorridos 60 (sessenta) dias da publicação da
sentença condenatória de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva execução,
o representante do Ministério Público a promoverá nos 30 (trinta) dias seguintes, sob pena de falta
grave.”.
866Artigo 3º, V, PL n. 5.139 de 2009.
233
artigo 93, inciso IX: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos,
e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a
presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a
estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo
não prejudique o interesse público à informação;”. Embora haja a previsão na Carta
Magna, o princípio da motivação das decisões é um verdadeiro corolário do Estado de
Direito.868
Muito foi dito acerca da fundamentação das decisões no capítulo sobre as
espécies normativas, pois é exigência inarredável para o controle do uso da ponderação
pelo juiz em casos de ativismo judicial, por exemplo. A motivação funciona como um
obstáculo ao arbítrio, pois permite aos jurisdicionados avaliar os critérios usados pelo
julgador diante de cada caso e principalmente diante de conceitos indeterminados, como
previa o PL 5.139 de 2009.
O efeito do descumprimento do princípio da motivação das decisões judiciais é
a nulidade da própria decisão, segundo determina o próprio texto constitucional:
“Interessante observar que normalmente a Constituição Federal não
contém norma sancionadora, sendo simplesmente descritiva e
principiológica, afirmando direitos e impondo deveres. Mas a falta de
motivação é vício de tamanha gravidade que o legislador constituinte,
abandonando a técnica de elaboração da Constituição, cominou no
próprio texto constitucional a pena de nulidade.” 869
Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery 870 destacam que a decisão
judicial pode ser fundamentada de forma concisa, como determina o artigo 165 do Código
de Processo Civil, mas não desmotivada, “[...] eis que o fundamento da sentença é a
867 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.68-70.
868NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.289. “Nada obstante, há constituições que, como a nossa, exigem expressamente
sejam motivadas as decisões judiciais, como é o caso da Itália (Const. ital.111), da Grécia (Const. grega de
1968, art. 117), dentre outras.”.
869NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.297.
870 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.693. Casuística: STJ, 1ª T, REsp 15288-SP,
rel. Min. Demócrito Reinaldo, v.u., j.10.2.1993, DJU 15.3.1993, p.3784. “Carece de fundamentação
adequada o aresto que, ao invés de discutir e dirimir as questões fáticas e jurídicas ajustadas pelas partes, no
processo, limita-se a fazer remissão a um parecer jurídico, o qual não se detém na apreciação e desate dos
argumentos de uma das partes (a recorrente).”.
234
garantia do juiz contra duas pechas que se lhe possam atribuir: o arbítrio e a
parcialidade.”.
Além disso, não basta qualquer motivação. Ela deve ser coerente e lógica,
como afirmou o Ministro Humberto Gomes de Barros: “Embora não se resuma a puro e
abstrato silogismo, a decisão judicial resulta de um exercício lógico, em que premissas e
conclusões mantenham vínculos de pertinência e consequência. O dispositivo judicial é um
teorema que deve ser demonstrado.”.871
Segundo José Renato Nalini, a necessidade de motivação faz com que o juiz se
aproxime dos fatos e fundamentos da demanda, facilitando o alcance do ideal de justiça.
Além disso, afirma o autor:
“Estará indicando o sentido para as futuras invocações dos preceitos que
inspiraram o litígio e, com isso, também facilitando o ingresso à proteção
judiciária eficaz, mais ágil quando percorre trilhas já palmilhadas. E não
deixará de fornecer diretriz certa para a observância espontânea do
ordenamento, objetivo utópico mas que não deve ser desconsiderado.” 872
Para Rui Portanova, deve-se responder à pergunta: “O que é fundamentar?”;
com a adequada visão tridimensional do Direito, ou seja, dele como fato, valor e norma,
pois a fundamentação somente na lei não cumpre com os objetivos claros do princípio em
análise, que foram destacados acima: de funcionar como obstáculos a abusos e a
arbitrariedades, de aproximar o juiz da justiça tida por ideal e de trilhar o caminho de
condutas futuras dos jurisdicionados873. Rui Portanova ainda destaca o dever de o juiz
obedecer ao reclamo do artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,
que pede a consideração do bem comum e dos fins sociais pelo magistrado e que devem vir
expressos na fundamentação874. O Código de Processo Civil, em seu artigo 458, quando
trata dos requisitos da sentença, traz em seu inciso II os fundamentos; assim como o artigo
165 determina a necessidade de fundamentação inclusive das decisões interlocutórias,
ainda que de forma concisa. Nelson Nery Jr. sumariza o assunto da seguinte maneira:
871 STJ, 1ª T, REsp 132.349-SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 15.9.1998, v.u., DJU 3.11.1998.
872 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.70.
873 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.250.
874 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.251.
235
“A motivação da sentença pode ser analisada por vários aspectos, que vão
desde a necessidade de comunicação judicial, exercício de lógica e
atividade intelectual do juiz, até sua submissão, como ato processual, ao
estado de direito e às garantias constitucionais estampadas na CF 5º,
trazendo consequentemente a exigência da imparcialidade do juiz, a
publicidade das decisões judiciais, a legalidade da mesma decisão,
passando pelo princípio constitucional da independência jurídica do
magistrado, que pode decidir de acordo com sua livre convicção, desde
que motive as razões de seu convencimento (princípio do livre
convencimento motivado).” 875
Em decisões concessivas ou denegatórias de liminar, a fundamentação se faz
de extrema necessidade e importância, mas costuma acontecer de ser ignorada com a
simples menção à expressão: “Ausentes os pressupostos legais, revogo a liminar.”, o que
equivale à falta de fundamentação. Segundo Nelson Nery Jr., essas decisões se avolumam
no Judiciário brasileiro sem a preocupação de afronta ao texto constitucional e
principalmente no âmbito das ações civis públicas.876
A fundamentação serve para fornecer maior segurança aos jurisdicionados
diante de cada provimento jurisdicional, no entanto, a segurança completa nunca foi
prometida, já que nem mesmo as ciências naturais convivem com certezas. Sendo assim, a
certeza não é um objetivo do Direito, como afirma Ovídio A. Baptista Silva, sendo que o
processo “[...] será sempre um produto cultural que, como tal, submete-se às
contingências históricas, devendo conviver com a natural insegurança, peculiar à vida
humana, administrando-a, como sua condição essencial.”877. A questão reside em
estabelecer um equilíbrio entre o exercício da discricionariedade e o arbítrio mediante
critérios minimamente confiáveis: “Este é o ponto em que o Direito, afastando-se de suas
pretenciosas aspirações científicas, socorre-se da arte e do sentimento de justiça.” 878. A
essa situação de busca de um equilíbrio, soma-se a desconfortável constatação de textos
legais ambíguos, com o uso de conceitos indeterminados e eventuais lacunas, que parecem
875NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.290-291.
876NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 10.ed. rev. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p.298.
877SILVA, Ovídio A. Baptista. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. p.453-482. In:
JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:
Quartier Latin, 2008. p.455.
878SILVA, Ovídio A. Baptista. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. p.453-482. In:
JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:
Quartier Latin, 2008. p.456.
236
multiplicarem-se com o aumento da produção legislativa para preenchê-las, assim, diante
desse contexto, está aberto o campo da discricionariedade para o órgão jurisdicional879.
Forma que tem se mostrado eficiente nesse controle da segurança jurídica das decisões é o
exercício efetivo do contraditório e a fundamentação das decisões judiciais, que não seja
apenas em linguagem técnica, mas compreensível, na maior medida possível, para os
leigos.880
3.20 Princípio da obrigatoriedade da execução coletiva pelo Ministério Público
Embora falar em “indisponibilidade” no âmbito do processo de conhecimento
gere ressalvas, isso não ocorre na demanda coletiva executiva, pois o direito coletivo já foi
reconhecido e será dever do Estado promover a sua correta execução com vistas à
efetividade necessária. Assim, de acordo com o artigo 15 da Lei da Ação Civil Pública e o
artigo 16 da Lei da Ação Popular, cabe ao Ministério Público promover a execução da
sentença coletiva, sob pena das sanções previstas na legislação. Segundo Nelson Nery Jr. e
Rosa Maria de Andrade Nery881, incide aqui o princípio da obrigatoriedade em sentido
amplo, não sobrando espaço para a análise da conveniência ou da oportunidade.
Sobre o tema, Gregório Assagra de Almeida o separa em um princípio
autônomo, o princípio da obrigatoriedade da execução coletiva pelo Ministério Público882 e
foi o que optou-se por fazer, neste trabalho, para facilitar a esquematização principiológica
do tema.
879SILVA, Ovídio A. Baptista. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. p.453-482. In:
JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:
Quartier Latin, 2008. p.459.
880SILVA, Ovídio A. Baptista. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. p.453-482. In:
JOBIM, Eduardo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). O processo na Constituição. São Paulo:
Quartier Latin, 2008. p.473.
881 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.1472.
882 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.578-579.
237
Como afirmam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery883, embora o
artigo 15 da Lei da Ação Civil Pública fale em “execução”, o previsto no dispositivo
também se aplica caso a omissão seja com relação à liquidação.
O prazo de sessenta dias se justifica para que o autor coletivo tenha tempo
suficiente para promover a liquidação e a execução coletivas. No entanto, caso esse prazo
transcorra sem nenhuma atividade, essa omissão pode gerar grave prejuízo ao interesse
social contido na sentença condenatória transitada em julgado, justificando a atuação
obrigatória do órgão ministerial. Embora a atuação seja compulsória para o parquet, não o
é para os demais legitimados, que podem atuar sozinhos ou em litisconsórcio facultativo no
ajuizamento de execução dessa sentença condenatória.884
883 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.1472. “Caso a inércia do autor, vencedor
da ACP de conhecimento, se dê quanto à propositura da ação de liquidação, deve o MP ajuíza-la, podendo
fazê-lo os demais colegitimados pela LACP 5º.”.
884 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.1472.
238
CAPÍTULO 4 - CONCLUSÕES
1. Acerca da valorização dos princípios tanto na doutrina constitucional, quanto na
processual, muitos autores afirmam a ocorrência de certa “euforia principiológica”,
mas que isso não significa a esperada eficácia dessa espécie normativa dentro do
sistema jurídico, dado que falta padronização no trato com os princípios dentro do
ordenamento. Diante dessa falta de padronização, procurou-se estabelecer quais as
principais conceituações sobre as espécies normativas.
2. Os princípios, inicialmente, estratificados em uma dimensão axiológica e sem
eficácia jurídica concreta, passaram a ser enxergados no centro do sistema jurídico,
como norma jurídica. Há juristas que estabelecem uma distinção fraca entre
princípios e regras e os que estabelecem uma distinção forte. A diferenciação entre
as espécies normativas é útil na medida em que antecipa as características de cada
uma delas, facilitando o trabalho do intérprete e do aplicador do direito por aliviar o
ônus argumentativo de cada caso concreto.
3. Dentre os autores que fixam a distinção fraca entre as espécies normativas, há
pequenas diferenças conceituais entre uma e outra, no entanto, mantém-se o
seguinte traço comum: os princípios não são aplicáveis de forma imediata por lhes
faltar o caráter de proposição jurídica. Os princípios, segundo essas concepções
mais clássicas, funcionam como pilares de determinada área do conhecimento, a
fundamentar as demais normas jurídicas, mas sem possuírem aplicabilidade
imediata por si. Assim, os princípios ficariam marcados por sua forte carga
axiológica, mas sem possibilidade de concreção imediata. Está é a teoria tradicional
do Direito Público.
4. Os críticos dessa teoria clássica do Direito Público sobre a caracterização dos
princípios apontam duas inconsistências relevantes. A primeira está em definir
princípio com base na indeterminação da linguagem. Para os críticos, a forma vaga
de propositura através da linguagem pode estar presente em diversas espécies
normativas. Se mostraria equivocado usar a linguagem, que pode ser modelada e
manipulada, para definir princípio. A segunda inconsistência se localiza no
conteúdo valorativo, pois toda norma possui alguma carga valorativa. Por exemplo,
as regras técnicas, além de concretizarem cada valor específico à sua previsão legal,
também concretizam o valor segurança jurídica. Essa teoria de diferenciação fraca
239
entre princípios e regras pode levar a perigosa supervalorização dos princípios e à
crença em serem as regras normas de segunda categoria.
5. Em oposição à distinção fraca, há a distinção forte entre as espécies normativas,
defendida por Ronald Dworkin e Robert Alexy. Apesar de serem encontradas
diferenças substanciais entre as teorias dos dois juristas, eles são agrupados como
os que defendem o maior distanciamento conceitual entre as espécies normativas.
Para essa corrente, a distinção entre as espécies normativas está, inicialmente, na
forma de aplicação. As regras devem ser aplicadas no modo “tudo ou nada”, ou
seja, se a hipótese de incidência prevista legalmente for preenchida, a consequência
estabelecida na regra deve ocorrer a priori. Qualquer exceção a esse modelo deve
estar prevista na própria regra. Já os princípios se comportam de forma diferente,
além de possuírem a dimensão de peso, que permite a convivência de princípios
colidentes, com a aplicação de cada um em diferentes medidas. Para Ronald
Dworkin, quando ocorresse a colisão entre as regras, uma delas deveria ser
considerada inválida. Os princípios ficariam reservados para a solução de casos
difíceis, ou seja, aqueles que não encontram resposta pronta nas regras existentes.
6. Robert Alexy, jurista alemão, partiu das distinções elaboradas por Ronald Dworkin
e as especificou, seguindo a linha da distinção forte entre as espécies normativas.
Alexy estabeleceu o gênero “norma jurídica”, englobando duas espécies: regras e
princípios. Assim, para o autor, princípios são uma espécie do gênero norma
jurídica que estabelecem deveres de otimização variáveis de acordo com as
possibilidades normativas e fáticas. Em caso de conflito entre princípios, deve ser
feita a ponderação entre eles, diante do caso concreto, para a análise de qual deve
prevalecer, sem, entretanto, ocorrer a invalidação do outro princípio. As regras são
comandos definitivos aplicados através da subsunção. A diferença entre a
conceituação do jurista alemão e de Dworkin está no modo de aplicação, que, para
Alexy, não se dá no modo “tudo ou nada”, pois as regras comportam exceções.
Fator relevante a destacar é o fato de Robert Alexy considerar a proporcionalidade
um princípio, composto por outros três sub-princípios: adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito, sendo que os três expressam a ideia de
otimização necessária para solucionar conflitos entre princípios em cada caso
concreto. Robert Alexy afirma o caráter prima facie dos princípios, ou seja, eles
não possuem um mandamento definitivo. As concepções de Robert Alexy e de
Ronald Dworkin formam a teoria moderna do Direito Público, cada vez mais
240
difundida pelos estudos de Filosofia, Teoria Geral do Direito e Direito
Constitucional.
7. À luz das distinções fracas e fortes, Humberto Ávila elaborou uma terceira
classificação das espécies normativas que mereceu menção. Para o autor, a falha da
teoria moderna do Direito Público está em caracterizar os princípios pela sua forma
de aplicação, ou seja, a ponderação, pois toda norma sofre ponderação quando da
sua aplicação, e a caracterização do conflito entre regras com a consequente
invalidação de uma regra, que nem sempre ocorre. Para Humberto Ávila, o risco do
uso arbitrário dos princípios precisa ser superado. Dessa forma, Ávila separou
normas de primeiro e de segundo grau, propondo um modelo tripartite: regras e
princípios, formando as normas de primeiro grau; e postulados, formando as
normas de segundo grau, que servem como condições de aplicação para as normas
de primeiro grau.
8. Dessa maneira, optou-se, no trabalho, pela adoção da teoria tripartite do Professor
Humberto Ávila prioritariamente, que conceitua as regras como normas
imediatamente descritivas, com grande pretensão de decidibilidade, demandando a
análise da correspondência entre a construção conceitual e o suporte fático. Os
princípios, por sua vez, são normas finalísticas, prospectivas, que demandam a
análise de correspondência entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos da
conduta tida como necessária para a sua promoção. Para que a exaltação dos
princípios não fique sem parâmetros, foram apontados mecanismos de mensuração.
Além disso, dentro dessa teoria, são propostos mecanismos de resolução de
conflitos entre normas, como a prevalência de uma regra, quando em conflito com
um princípio, por exemplo, desde que esse princípio não tenha caráter
constitucional.
9. Os postulados normativos são normas dirigidas ao aplicador e ao intérprete do
Direito e, por estarem em um nível diferente do das normas de primeiro grau, não
ocorrem conflitos entre eles. Dentre os postulados normativos aplicativos, estão a
proporcionalidade, a razoabilidade, a igualdade e a proibição de excesso, por
estabelecerem uma estrutura de aplicação de outras normas. Segundo Humberto
Ávila, os doutrinadores que adotam a distinção forte entre as espécies normativas
costumam listar a proporcionalidade como um princípio, mas isso estaria incorreto,
pois uma medida será proporcional ou não, segundo o critério de aplicação, não
funcionando na maior medida possível ou como fundamento. Para os que adotam a
241
distinção fraca, a proporcionalidade não se enquadraria em nenhuma categoria.
Luís Roberto Barroso defende que o conflito entre princípios deve ser resolvido
através do sopesamento entre eles, o que é facilitado com o uso da
proporcionalidade, classificado como “princípio” por ele.
10. Como se constata pela exposição feita, falta homogeneidade na doutrina, ao tratar
sobre o tema da classificação das espécies normativas, seu conceito, suas fontes e a
forma de resolução de conflito entre normas, o que justificou a explanação, de
forma breve, da obra de destacados autores na área.
11. A existência da ponderação entre espécies normativas, a serem solucionadas com o
uso da proporcionalidade ou da razoabilidade, não é um convite a arbitrariedades
por parte do magistrado. O exame da legitimidade de cada decisão deve ser sempre
feito através da análise da argumentação desenvolvida, que deve ter priorizado
elementos da ordem jurídica, pois uma retórica de qualidade com elementos de
justiça não se mostra suficiente; deve haver a possibilidade de universalização dos
critérios usados na decisão; e os princípios instrumentais (Luís Roberto Barroso) ou
postulados normativos aplicativos (Humberto Ávila) estão incluídos na facilitação
dessa atividade.
12. Os princípios do processo civil têm previsão em diversas fontes: a Constituição
Federal, o Código de Processo Civil, diversas leis infraconstitucionais e tratados
internacionais. Apesar de existirem juristas que afirmem a independência do ramo
“direito processual coletivo” (Gregório Assagra de Almeida, Ada Pellegrini
Grinover), prefere-se, neste trabalho, manter o processo coletivo integrado ao
processo civil tradicional, mas com a assunção de especificidades que demandam a
revisitação de seus princípios e alguns de seus institutos. Para isso, se faz
necessário que o intérprete e o aplicador do direito se libertem de antigos dogmas
individualistas que caracterizaram a formação do processo civil clássico. Esse
processo de revisitação de conceitos, princípios e institutos processuais, no âmbito
coletivo, não tem sido feito de forma sistemática, mas paulatinamente através de
estudos doutrinários, jurisprudência e rejeitados projetos de lei. Dessa forma,
procurou-se estruturar os princípios processuais que assumem peculiaridades
diversas no âmbito coletivo em um único trabalho, reunindo as diferentes
concepções das espécies normativas, institutos processuais e princípios do processo
civil coletivo.
242
13. Na primeira divisão do presente trabalho, “jurisdição e juiz”, iniciou-se por
destacar tendência que se percebe cada vez mais presente no processo civil em
geral. Devido à sua repercussão também na seara coletiva, se mostrou relevante
realizar essa análise acerca da política e das relações sociais, com grande foco no
ativismo judicial, que remete à expressão consagrada nos Estados Unidos da
América, entre 1954 e 1969, quando a Suprema Corte adotou jurisprudência
progressista em relação aos direitos fundamentais sem qualquer ato do Congresso
ou decreto presidencial. Excluindo a crítica ideológica, que pode ser progressista ou
conservadora, o ativismo judicial está diretamente relacionado à maior participação
do Poder Judiciário na concretização dos valores constitucionais, interferindo na
esfera de atuação dos outros dois poderes, na clássica repartição de poderes, como
previsto no artigo 2º da Constituição Federal, ou, simplesmente, assumindo espaços
vazios. Esta é a origem do termo que retrata bem o seu contorno, no entanto, não há
homogeneidade na doutrina quando se trata de conceituar o ativismo judicial. Luís
Roberto Barroso o diferencia da judicialização. Para o autor, o ativismo judicial se
trata de uma atitude, ou seja, um modo proativo de interpretar a Constituição
Federal, de forma a expandir o seu sentido e o seu alcance. Já a judicialização é
uma circunstância do desenho institucional brasileiro. No entanto, há autores
(Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.) que enquadram o ativismo judicial como um
princípio do processo civil coletivo, caracterizado, principalmente, pela maior
participação do magistrado nos processos coletivos, em razão da existência de forte
interesse público primário nessas causas. Preferimos classificá-lo como uma
tendência, no mesmo sentido que a Professora paulista Ada Pellegrini Grinover,
que tem grande relação com o processo civil coletivo e inúmeros efeitos exerce
sobre ele, de forma a demandar uma maior análise de seus limites e possibilidades.
14. Destaca-se que o juiz deve incentivar a participação efetiva das partes ou dos
representantes adequados através do princípio da cooperação, que será fator de
legitimação de cada decisão através da observância do princípio do devido processo
legal e do contraditório. Quanto aos poderes do magistrado no processo coletivo, se
o próprio Código de Processo Civil, elaborado sob o manto da concepção
individualista, em seu artigo 130, consagra os poderes instrutórios do magistrado,
com maior razão deve o juiz determinar a realização de provas necessárias,
indeferir diligências inúteis ou meramente protelatórias no processo coletivo.
243
15. Apesar da constatação do aumento dos poderes do juiz no processo civil, essa
maior liberdade não significa a abertura de espaço para arbitrariedades. Assim,
necessário se faz a imposição de limites. Importante fator limitativo da atuação
judicial é o princípio da necessária motivação das decisões, consagrado no artigo
93, inciso IX, da Constituição Federal. Através dele é possível observar se a
decisão está em conformidade com o ordenamento jurídico e com os elementos
fáticos casuísticos. Além disso, não se exclui a responsabilidade civil dos juízes,
em sua atuação como agente público (José Carlos Baptista Puoli). Claro é que há
significativo aumento do dever de cuidado e da responsabilidade de cada
magistrado, mas contar somente com esses fatores leva à insegurança jurídica pela
falta de previsibilidade no exercício do poder político conferido ao Poder
Judiciário.
16. Quanto ao novo papel do Poder Judiciário e o acesso à justiça, o controle
jurisdicional tem se estendido para o campo das políticas públicas, assegurando
também liberdades positivas. Segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. uma
das manifestações do “princípio do ativismo judicial” se daria no campo das
políticas públicas. O Poder Judiciário não tem reconhecida a sua legitimidade em
criar diretrizes para políticas públicas, mas, uma vez que exista um direito
assegurado na Constituição ou na lei infraconstitucional, o magistrado é chamado a
intervir de forma a concretizar um direito previsto. Exemplos nesse sentido se
multiplicam na jurisprudência dos Tribunais Superiores, como no fornecimento de
creches, na reforma de prédios públicos, como presídios e hospitais, etc. Há
diversos argumentos contra essa intervenção do Poder Judiciário no âmbito das
políticas públicas, tais como a violação à separação dos poderes; o dogma da
discricionariedade administrativa e a reserva do possível. No entanto, esses
argumentos têm sido descartados na prática diante da premente necessidade da
resolução de conflitos envolvendo direitos fundamentais, que têm sido levados à
porta do Poder Judiciário, mostrando a urgência na revisitação de conceitos liberais
que circundam a jurisdição estatal. Um dos fundamentos para a atuação do Poder
Judiciário na seara de direitos fundamentais e sua efetivação através de políticas
públicas é a nova posição jurídica dos princípios, que deixaram de ser somente
fundamentos axiológicos para ser normas jurídicas dotadas de eficácia. Os limites
para a intervenção do Poder Judiciário em matéria de políticas públicas são
encontrados na decisão monocrática do Ministro Celso de Mello na ADPF n. 45/9,
244
que envolvem basicamente três linhas: o mínimo existencial a ser garantido a todo
cidadão, a razoabilidade da pretensão deduzida frente ao Poder Público e a
existência de disponibilidade financeira nos cofres públicos para a efetivação das
prestações exigidas. Nessa seara em análise, o contraditório cooperativo entre as
partes e o magistrado é extremamente relevante para a efetiva troca de informações,
assim como a participação de especialistas da sociedade na formação da decisão, de
lege ferenda, como, por exemplo, a ampliação do uso da figura do amicus curiae
no processo coletivo e das audiências públicas, como previa o rejeitado Projeto de
Lei n. 5.139 de 2009. Embora o tema tenha recebido grande atenção por parte da
doutrina e da jurisprudência, não significa a sua supervalorização. A intervenção
judicial continua a ser a ultima ratio diante da inércia dos demais poderes e
somente se justifica em casos que envolvam o mínimo existencial.
17. Quanto ao princípio da imparcialidade, coube destacá-lo para demonstrar o seu não
comprometimento, mesmo diante de uma postura mais ativa do magistrado. O
princípio da imparcialidade é a norma responsável pelo julgamento da lide sem que
o juiz tenha nenhum interesse nas partes do litígio. Em seguida, outro princípio
relacionado aos temas jurisdição e juiz, é o princípio da competência adequada,
considerando sempre a facilitação da produção da prova e da defesa do réu, a
publicidade da ação coletiva e a facilidade de notificação e conhecimento dos
membros do grupo. Assim, propõe-se, de lege ferenda, que o juiz, mesmo diante de
competência funcional, possa controlar a própria competência. Por último, dentro
dessa área temática, tem-se o princípio do microssistema processual coletivo, que
determina a aplicação recíproca entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei
da Ação Civil Pública, em conjunto com outras leis infraconstitucionais que cuidam
de interesses transindividuais, tais como o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Criança
e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, etc. O Código de Processo Civil somente
será aplicável quando não for encontrada norma específica dentro do microssistema
processual coletivo e naquilo que não contrarie o espírito do microssistema. Ou
seja, ele não é apenas subsidiário: as peculiaridades do processo coletivo também
devem ser observadas. Diz-se que o microssistema processual coletivo legitima o
devido processo coletivo.
18. Em seguida, na análise do princípio do acesso à justiça, que assume outra feição na
seara coletiva, ressalta-se que esse princípio não garante somente o ingresso aos
Tribunais, mas a garantia de que o acesso será resguardado por um processo que
245
observe as garantias do devido processo legal. Existiram e ainda existem diversas
tentativas para limitar o objeto da ação coletiva, como, por exemplo, a tentativa de
impedir o Ministério Público de tutelar os interesses individuais homogêneos, que
culminou com a edição da Súmula 7 do Conselho Superior do Ministério Público
do Estado de São Paulo, que regulamenta a matéria. Outro exemplo de tentativa de
limitação é o parágrafo único do artigo 1º da Lei da Ação Civil Pública e o próprio
artigo 16 da mesma Lei. Os mecanismos processuais coletivos proporcionam um
amplo acesso à justiça, antes pouco imaginado, e, acaba afetando outros interesses
por vezes. Cabe ao intérprete e ao aplicador do Direito interpretar cada limitação de
forma restritiva, sempre de forma a fornecer a maior eficácia ao sistema da tutela
jurisdicional dos interesses transindividuais.
19. Em relação ao princípio da ação, o instituto da legitimação é um tema intrincado
dentro do processo coletivo, pois envolve escolhas políticas e técnicas, passando
pelo tema da representatividade adequada, que funciona como instrumento
garantidor da observância dos princípios processuais constitucionais. Devido ao
fato de a coisa julgada coletiva atingir indivíduos que não estiveram presentes no
processo, mas somente através dele, o tema da “porta de entrada” para a jurisdição
coletiva merece muito zelo. O legislador pátrio preferiu legitimar entidades
públicas e privadas para a propositura de ações coletivas listadas na lei, no artigo 5º
da Lei da Ação Civil Pública e no artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor.
Ou seja, os legitimados, em nosso sistema, já estão previamente listados, mas isso
não significa ausência absoluta de controle jurisdicional da representatividade
adequada. A própria lei determina que o magistrado examine o tempo de
constituição das associações e a sua finalidade estatutária. Apesar de o nosso
ordenamento fixar previamente em lei quem sejam os legitimados, ganha força
entendimentos, doutrinários e jurisprudenciais, no sentido de conferir certo controle
sobre a representatividade adequada para o magistrado e, segundo seus defensores,
o artigo 82, parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor indica essa
possibilidade. Nesse mesmo sentido é o conteúdo da Súmula 7 do Conselho
Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, ao legitimar o órgão
ministerial para a tutela de interesses individuais homogêneos somente se houver
relevância social. Além disso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem
exigido o requisito da “pertinência temática”, que é a relação entre o objeto da
demanda coletiva e o legitimado. Há quem afirme que o requisito da
246
representatividade adequada seria inerente ao sistema, como condição de existência
e eficácia da coisa julgada coletiva, assim, o magistrado deveria aferir a existência
do requisito já no despacho saneador. A admissão do instituto do controle da
representatividade adequada garante o não prosseguimento de demandas que têm
elevada chance de repropositura, com a consequente movimentação de toda a
estrutura do Poder Judiciário por mais de uma vez.
20. O princípio da não taxatividade da ação e do processo coletivo tem relação com
dois importantes aspectos: a) qualquer interesse transindividual pode ser objeto da
tutela coletiva; b) qualquer espécie de tutela jurisdicional é admissível na proteção
desses interesses. Esse princípio se mostra de grande importância diante de
inúmeras tentativas de restrição nas ações coletivas. Exemplos que podem ser
trazidos é o artigo 1º, parágrafo único, Lei da Ação Civil Pública, norma que
deveria ter sua inconstitucionalidade declarada, e o parágrafo único do artigo 21 da
Lei do Mandado de Segurança, limitando o uso desse instrumento somente para
interesses coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos. Este último
dispositivo também mereceria ter sua constitucionalidade questionada. Outra faceta
desse princípio é a irrelevância do “nome” que a ação recebe, pois o que importa
para a caracterização de uma demanda coletiva é a causa de pedir e o pedido,
inclusive para determinar a relação entre demandas, que possuem peculiaridades
próprias no âmbito coletivo.
21. O princípio da disponibilidade motivada da demanda coletiva ressalta o elevado
interesse público presente nessas demandas, de forma a justificar o controle por
parte dos demais legitimados em caso de desistência infundada ou abandono do
autor coletivo. A previsão é legal: artigo 5º, parágrafo 3º, Lei da Ação Civil
Pública. O nível de obrigatoriedade é maior para o Ministério Público, que tem o
dever funcional de, presentes os pressupostos e verificada a lesão ou ameaça a
direito coletivo, prosseguir no polo ativo da demanda. Diante da presença de
critérios de conveniência e oportunidade mesmo para o órgão ministerial, convém
denominar o princípio de disponibilidade temperada ao invés de indisponibilidade,
embora muitos autores (Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior) o façam.
22. Quanto ao devido processo legal, ele é considerado, por muitos juristas, o
“princípio síntese” de todos os demais princípios processuais (Nelson Nery Jr., José
Carlos Baptista Puoli, José Rogério Cruz e Tucci). No entanto, há autores que
admitem ser o devido processo um princípio superior, mas não, por isso, suficiente
247
por si só (Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.). Há que se considerar a incipiência
da tutela jurisdicional coletiva e admitir, como faz Nelson Nery Jr., a
desnecessidade de menção aos demais princípios, somente pela forte presença do
princípio do devido processo, como um risco, pois poderia ser usada como
instrumento de manobra político-jurídica para limitar a eficácia da tutela
jurisdicional no âmbito transindividual. Assim, nesse campo, a expressa menção a
todos os princípios regentes do sistema processual, no modelo seguido pelo
rejeitado Projeto de Lei n. 5.139 de 2009, somente pode trazer benefícios para o
sistema.
23. Para Humberto Ávila, o devido processo pode ser classificado como um
“sobreprincípio”, pois ele exerce importante função de rearticulação entre vários
elementos que compõem o estado ideal de coisas a ser buscado. A função
interpretativa exercida pelo princípio do devido processo é no sentido de máxima
proteção do cidadão e de suas garantias. O devido processo também exerce função
bloqueadora, ou seja, afastando elementos incompatíveis com o estado ideal de
coisas a ser buscado.
24. O princípio do devido processo tem traços processualistas fortes, mas seu espectro
de atuação foi ampliado para alcançar também as relações materiais. As decisões
jurisdicionais, além de observar o teor das leis, também devem ser
substancialmente devidas e razoáveis. Assim, o aspecto material do princípio, ou
sobreprincípio, do devido processo legal, se identifica com as exigências de
proporcionalidade e razoabilidade. Nesse sentido, é a equiparação de um aspecto do
sobreprincípio com alguns dos postulados normativos aplicativos.
25. O princípio do devido processo legal em sentido processual significa o direito de
ser processado de acordo com as normas procedimentais previamente estabelecidas,
evitando surpresas para as partes, baseado em um sistema processual civil que
garanta o amplo acesso à justiça, com a observância de todas as garantias
constitucionais para que a decisão, proferida ao fim, seja efetiva e tempestiva. O
constante embate na seara processual é a necessidade de precisão técnica-formal e o
anseio por justiça material. Entre esses dois polos em conflito, estão as garantias
constitucionais do processo. A observância do procedimento previamente
estabelecido, embora garanta segurança jurídica, pode se mostrar ineficaz em
algumas situações. As partes e o juiz, diante do princípio da cooperação, devem se
atentar para esses casos, no local de trabalho que o processo deve ser, para,
248
mediante a estrita observância do contraditório efetivo, resolver situações como
essas, evitando abusos e discricionariedades. O próprio legislador já previu
situações como essa, como, por exemplo, o artigo 7º, inciso III, da Lei n. 4.717 de
1965, que regulamenta a ação popular.
26. O processo civil coletivo se mostra como um importante instrumento de
participação popular através do processo. No entanto, para que essa constatação se
torne efetiva é necessário superar dogmas processuais individualistas, erigidos
quando o processo coletivo era ainda um projeto. Assim, o princípio do devido
processo legal pede transformações, como, por exemplo, pode-se citar a enorme
diferença entre a legitimação para o processo coletivo em relação ao processo civil
individual, pois todos os membros do grupo ou da comunidade não estão presentes
no processo, não são ouvidos nem citados, sendo que eles podem estar vinculados
pela coisa julgada coletiva mesmo sem a sua presença no processo. Assim, temas
como a representatividade adequada, a adequada notificação dos membros do
grupo, a formação diferenciada da coisa julgada coletiva, a revisão do tema de
preclusões de forma estrita, dentre outros, faz com que vários princípios
processuais constitucionais e infraconstitucionais assumam novas feições na seara
coletiva. Por ser o princípio do devido processo legal um sobreprincípio, que
articula a aplicação de todos os outros, é de extrema relevância transformar a sua
forma de aplicação na seara coletiva. Assim, faz sentido falar-se em “devido
processo coletivo”. A vocação coletiva do devido processo é chamada de “devido
processo social” por Elton Venturi.
27. O contraditório deixou de ser apenas uma exigência formal de citação, por
exemplo, para ser um princípio que deve ser observado durante todo o correr
procedimental em seu aspecto substancial, ou seja, as partes devem ter efetiva
possibilidade de participação e de influência sobre cada decisão judicial. A parte
tem o direito de agir como agente influenciador de cada decisão judicial. Enquanto
as partes têm o direito ao contraditório, é dever do juiz assegurar a igualdade de
tratamento durante o processo, como prescreve o artigo 125, inciso I, do Código de
Processo Civil. Na efetivação do princípio do contraditório, ganha destaque a figura
do juiz em uma postura ativa, para estimular o debate entre as partes e tomar
iniciativas probatórias quando necessário (artigo 130, Código de Processo Civil).
No entanto, está-se diante de um ciclo, pois o contraditório acaba por legitimar a
postura ativa do magistrado, que, como prevê o artigo 16 do Código de Processo
249
Civil Francês, não pode fundamentar qualquer decisão com pontos levantados de
ofício sem antes chamar as partes para apresentarem as suas respectivas versões. O
processo justo não pode conviver com decisões “surpresas”, por isso, a importância
da concretização do princípio do contraditório em suas duas facetas: o direito à
informação e o direito ao poder de influência.
28. Com relação ao princípio do contraditório e à tutela coletiva, cabe destacar que
grandes premissas do processo civil individual precisaram ser alteradas para
possibilitar a tutela de interesses transindividuais em juízo. Algumas dessas
premissas são a legitimidade e a coisa julgada. Claro está que todos os indivíduos
que compõem um grupo não podem estar presentes no processo e exercer o
contraditório de forma ativa. Eles dependem de um representante adequado, que, no
nosso sistema, tem previsão legal combinada com certa dose de controle judicial da
adequação dessa representação. Não reside nisso qualquer ofensa ao princípio do
contraditório, pois os entes legitimados são tecnicamente qualificados para
representar os interesses do grupo de forma adequada. Além disso, para garantir o
maior benefício possível da tutela coletiva e a proteção dos indivíduos, o sistema de
coisa julgada foi revisto nessa seara, pois os esquemas processuais tradicionais não
eram suficientes.
29. Diante da necessária revisão do dogma processual dos limites subjetivos da coisa
julgada, tornou-se imprescindível adequar o novo modelo de coisa julgada com o
princípio do contraditório. Em razão de os interesses abordados em demanda
coletiva serem indivisíveis e a coisa julgada atingir indivíduos que não participaram
no processo, há a necessidade de tratamento uniforme para a situação material
coletiva de forma a evitar a possibilidade de decisões contraditórias. Dessa forma, é
a natureza do objeto da demanda que determina que a coisa julgada se opere erga
omnes ou ultra partes. A possível alegação de ofensa ao princípio do contraditório
nessa sistemática da coisa julgada coletiva deve ser afastada, pois se baseia
somente em dogmas individualistas do processo civil tradicional. O processo civil
no âmbito coletivo se baseia em um sistema arquitetado com base na legitimação
de entes que garantem a representatividade adequada nos membros do grupo, que
não estiverem presentes no processo, e o sistema da coisa julgada benéfica,
estruturado de forma pensada nas peculiaridades do direito material abordado.
30. O processo coletivo desloca para a fase executiva maior atividade cognitiva do juiz,
como na liquidação e execução de sentença que envolva interesses individuais
250
homogêneos ou nas execuções complexas, que envolvam obrigações de fazer ou
não fazer na tutela do meio ambiente, por exemplo. Nelas, há maior carga decisiva
transposta para o âmbito de atuação do magistrado na fase executiva, o que obriga a
observância do princípio do contraditório também neste momento.
31. O princípio da publicidade, na seara coletiva, envolve aspectos importantes: a
adequada notificação dos membros do grupo ou grupos envolvidos, a publicidade
necessária para a sociedade em geral e a informação para os órgãos competentes
envolvidos. Esses aspectos do princípio da publicidade funcionam como guaridas
para a observância do princípio do devido processo coletivo.
32. Quanto ao primeiro aspecto relevante do princípio da publicidade, a adequada
notificação aos membros do grupo, classificada como sub-princípio por Fredie
Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., ele garante a comunicação da existência do processo
civil coletivo para indivíduos que compõem o grupo, mas que não estejam
presentes no processo. Na atual regulamentação do direito brasileiro, isso ocorre
através da publicação de editais. O direito norte-americano, no sistema das class
actions, chama o fenômeno de fair notice. A comunicação aos membros do grupo
tem dupla finalidade: garante o exercício do controle da adequação da
representatividade do legitimado coletivo (artigo 94, Código de Defesa do
Consumidor) e o exercício do direito de exclusão do grupo pelo indivíduo (artigo
104, Código de Defesa do Consumidor). No entanto, os mecanismos legais
previstos para a notificação dos membros do grupo não se mostram eficientes em
nosso sistema. Assim, falta regulamentação, no direito pátrio, que garanta uma
eficaz comunicação aos indivíduos lesados. A crença de que a publicação de
editais, da forma como a lei prevê, garantirá a observância adequada do princípio
do contraditório é uma ilusão. De lege ferenda, há a sugestão doutrinária para que
os legitimados ope legis pudessem adiantar as despesas referentes à notificação dos
membros do grupo ou o direcionamento de parte da verba do Fundo do artigo 13 da
Lei da Ação Civil Pública para tal fim. Tem-se, hoje, a previsão legal, na segunda
parte do artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor, que faculta aos órgãos de
defesa do consumidor a divulgação da existência de ações coletivas, o que funciona
apenas como sugestão, não garantindo a eficácia da notificação. Diante da falta de
uma regulamentação efetiva sobre o tema, a doutrina se divide. Parte dela defende
ser ônus do réu informar a existência de processo coletivo em cada processo
individual relacionado, pois seria de seu interesse não se ver processado diversas
251
vezes. Concorda-se com essa posição que, apesar de ser de lege ferenda, mostra-se
viável, se considerados o princípio da cooperação entre as partes e a
proporcionalidade.
33. Outro aspecto do princípio da publicidade é a adequada informação aos órgãos
competentes. O sistema processual coletivo precisa funcionar de forma eficaz
coletivamente, ou seja, em seu conjunto. Entretanto, não existe, no Brasil, um
sistema único de informações sobre a existência e o estágio de andamento de cada
ação coletiva. Esse sistema facilitaria o controle da relação entre demandas, por
exemplo. O que existe atualmente é a previsão do artigo 7º da Lei de Ação Civil
Pública, que determina que o juiz comunique ao Ministério Público fatos que
possam ensejar a propositura de ação civil.
34. No campo da possibilidade de adaptação do procedimento previsto em lei, é
necessário zelo, pois o tema pode gerar injustiças, se fruto de arbitrariedades.
Assim, interessante é a busca por possibilidades e limites dentro desse tema, por
isso, a escolha em tratar a possibilidade de adaptação do procedimento judicial
como temperada, ou seja, limitada. É truísmo que um modelo de procedimento
rígido não é suficiente para atender todas as peculiaridades do direito material. No
entanto, de acordo com o modelo institucional tradicional, a previsão abstrata de
um procedimento deve vir em lei. Jurisprudencialmente, tem-se adotado a
possibilidade de conversão de procedimento, caso se mostre mais consentâneo com
o direito material envolvido. Há limites claros para a adaptação do procedimento:
prazos processuais e a ordem de fases processuais não podem ser transpostos.
Apesar da presença forte do valor segurança jurídica na observância dos
procedimentos previstos em lei, observa-se a tendência de flexibilização do
procedimento legal. Exemplo é o artigo 331, Código de Processo Civil, que sofreu
alteração por força da prática jurisprudencial. Exemplos previstos de adaptação do
procedimento é a inversão do ônus da prova (artigo 6º, VIII, Código de Defesa do
Consumidor), a variação procedimental da ação popular (artigo 7º e ss, Lei n. 4.717
de 65), dentre outras. Esta última previsão, quanto à ação popular, mostra que a
flexibilização não precisa ser feita ao arrepio da lei. O legislador pode estabelecer
padrões de flexibilização de modo a prestigiar a efetividade da prestação
jurisdicional. O procedimento da ação coletiva, quando de sua elaboração, não
recebeu nenhuma especificidade relacionada às peculiaridades do direito material
envolvido, até porque, da sua elaboração, não se sabia quais seriam as necessidades
252
da prática procedimental, além disso, quando se fala em “direito coletivo”, abrange-
se direito consumerista, direito ambiental, direito dos investidores do mercado
mobiliário, etc. Assim, quando necessária for uma adaptação do procedimento à luz
do caso concreto, deve o magistrado ser orientado pelo princípio da economia
processual, da ausência de prejuízo, do contraditório e da ampla defesa, desde que
observados os grandes limites expostos acima. O Projeto de Lei n. 5.139 de 2009
previa a possibilidade de adaptação procedimental no artigo 10, parágrafo 1º, e era
generoso em conceder poderes ao juiz na tarefa de adaptação procedimental, desde
que com a observância do contraditório. No entanto, nos contornos legais atuais, os
limites citados acima devem ser observados, sob pena de se violarem importantes
garantias individuais.
35. Institutos processuais que favorecem a economia processual macroscópica são: o
litisconsórcio, as intervenções de terceiro, a ação declaratória incidental, a
reconvenção e o processo coletivo. Enquanto os primeiros têm sua importância na
efetivação de certa economia processual, o fenômeno da economia processual é
amplificado na seara coletiva devido ao elemento subjetivo desta, ou seja, o
elevado número de indivíduos envolvidos. A importância é tanta que a economia
processual deve ser considerada um princípio no mesmo sentido que o Projeto de
Lei n. 5.139/2009 fazia, em seu artigo 3º, inciso III, de modo a orientar as posições
processuais das partes e dos servidores da justiça, assim como o próprio legislador.
36. O princípio da duração razoável do processo, previsto constitucionalmente, abrange
todos os processos em nível judicial e administrativo e deve ser aferido segundo
alguns critérios, tais como a natureza do processo e a sua complexidade, o
comportamento das partes e de seus procuradores, a atividade e o comportamento
das autoridades competentes e a fixação de prazos que garantam o efetivo
contraditório e a ampla defesa, segundo a Corte Europeia dos Direitos do Homem.
Assim, o princípio deve ser cumprido a partir de critérios amplos, como os
demonstrados e não somente de acordo com o cumprimento de prazos ou não. O
Estatuto do Idoso e o Estatuto da Criança e do Adolescente têm previsões que
garantem a prioridade de processamento. No entanto, leis que proporcionariam a
rápida duração do processo, nós já possuímos. O que necessita ser alterado são
posturas de mentalidade e aspectos estruturais do sistema judiciário.
37. O término esperado de qualquer processo judicial é o julgamento do mérito,
demonstrando que o Estado proferiu a decisão justa, teoricamente, para o caso
253
concreto. Há um verdadeiro princípio do interesse no julgamento do mérito, que
ganha maior dimensão na seara processual coletiva diante dos direitos materiais
envolvidos. Grande diferença entre a seara coletiva e a individual é de que, no
âmbito individual, o abandono gera a extinção sem julgamento do mérito do
processo, enquanto, na coletiva, o abandono ocasiona a sucessão processual. Além
disso, a análise do preenchimento dos requisitos de admissibilidade processual
pode ser mais flexível, por exemplo, ao invés de extinguir o processo por
ilegitimidade ativa, recomenda-se que o juiz aplique o artigo 5º, parágrafo 3º, Lei
da Ação Civil Pública, e o artigo 9º, Lei da Ação Popular, por analogia,
determinando a publicação de editais para a convocação de legitimados ativos que
tenham interesse em assumir a condução do processo, o que já foi reconhecido
como viável pela jurisprudência. Outra manifestação importante desse princípio se
dá na fungibilidade entre as ações coletivas, como, por exemplo, a possibilidade de
tutela do patrimônio público por ação popular, ação civil pública e ação de
improbidade administrativa. Quanto a esta, não se justifica que não se possa
reconhecer procedência parcial, somente em relação ao dano ao patrimônio público,
nas demandas de improbidade, quando não houver tipicidade ou dolo do agente ou
quando ocorrer a prescrição das sanções.
38. Questão intrincada se refere ao princípio da correlação entre o pedido e a sentença.
A doutrina tradicional, seguindo os padrões do processo civil individual, entende
que as ações coletivas também se sujeitam ao princípio da correlação entre o
pedido e a decisão judicial, previsto no artigo 460 do Código de Processo Civil
(Hugo Nigro Mazzilli). No entanto, há doutrina em sentido contrário com a qual
nos alinhamos, por isso a opção por denominar o princípio em seu formato
negativo. A tutela jurisdicional coletiva para ser efetiva precisa se adequar às
peculiaridades do direito material correlato. Isso exige mudança de paradigmas,
como indica Ada Pellegrini Grinover, por exemplo, na superação do rígido modelo
de preclusões. No entanto, para a preservação do equilíbrio, limites são necessários.
O Projeto de Lei n. 5.139 de 2009 previa a permissão da alteração do pedido e da
causa de pedir até a prolação da sentença de primeiro grau, desde que fosse feita de
boa-fé e sem a ocorrência de prejuízo para o demandado, com a devida observância
do princípio do contraditório e da ampla defesa. A questão é de política legislativa.
Portanto, a sugestão é de lege ferenda.
254
39. O microssistema processual coletivo privilegia a reparação integral do dano, que foi
alçada à categoria de princípio pelo Projeto de Lei n. 5.139 de 2009, rejeitado. Na
legislação vigente, o artigo 11 da Lei da Ação Popular evidencia o princípio da
reparação integral do dano, ao permitir o pedido implícito de reparação de danos
para a ação popular. Da mesma forma, outra manifestação do princípio está no
artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor, que prevê a liquidação através do
fluid recovery.
40. O princípio da máxima efetividade da tutela coletiva ressalta a importância da
concreção da efetividade em qualquer tutela jurisdicional, principalmente, na seara
coletiva, devido à grande relevância dos interesses em jogo. O processo deve ser
enxergado como um caminho que deve estar desimpedido para encampar interesses
sociais relevantes através da via judicial. A efetividade da tutela coletiva depende,
de início, da possibilidade de agir em juízo, ou seja, da legitimidade e termina com
a efetividade da tutela obtida. Há várias formas de garantir a máxima efetividade da
tutela jurisdicional coletiva, dentre elas, pode-se citar a previsão do artigo 103 do
Código de Defesa do Consumidor, que garante a repropositura da ação coletiva
quando a improcedência tenha se dado por insuficiência probatória e haja prova
nova.
41. Está previsto no texto constitucional que todas as decisões judiciais devem ser
motivadas. O princípio da motivação das decisões judiciais funciona como um
verdadeiro corolário do Estado Democrático de Direito. Nesse mesmo sentido, o
Projeto de Lei n. 5.139 de 2009 previa o princípio da motivação específica de todas
as decisões judiciais, notadamente quanto aos conceitos indeterminados, para o
âmbito do processo civil coletivo. A motivação correta garante o controle do uso do
ativismo judicial, funcionando como um obstáculo ao arbítrio, pois permite que os
jurisdicionados avaliem os critérios usados no julgamento. Caso haja
descumprimento do princípio, a decisão é nula.
42. Por fim, o princípio da obrigatoriedade da execução coletiva pelo Ministério
Público determina que o direito coletivo reconhecido deve ser efetivado. A previsão
decorre do texto legal (artigos 15 da Lei da Ação Civil Pública e 16 da Lei da Ação
Popular) e incide o princípio da obrigatoriedade em sentido amplo, não restando
espaço para questionamentos quanto à conveniência ou à oportunidade.
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