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PRIVAÇÃO SENSORIAL E PR VAÇÃO MATERNA ISOLDA DE ARAúJO GüNTHER Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba RESUMO a presente trabalho tem por objetivo revisar conceitos relacionados com privação sensorial e ma- tema. Os estudos relacionados a estes conceitos mostram que conseqüências desenvolvimentais adver- sas surgem de situações em que a estimulação sen- sorial e/ou materna é insuficiente. ABSTRACT Sensory and Maternal Deprivation The present article reviews concepts related to sensory and maternal deprivation. Studies in this area suggest that adverse developmental conse- quences arise from insuficient sensory and / or ma- ternal stimulation. Considerações Iniciais. Os meios de comunicação divul- gam amiúde o que qualquer observador pode constatar: é crescente o número de crianças abandonadas, carentes, pri- vadas, marginalizadas nas cidades brasileiras. O adjetivo uti- lizado e a quantidade indicada variam, mas o problema é por demais visível. Os profissionais, cuja prática de trabalho está orientada para esta população, adotaram a terminologia menino de rua para designar a criança cuja família se frag- mentou e que, no momento, vive com pessoas do mesmo gru- po de idade. O termo menino na rua é utilizado para indicar a criança que passa o dia fora de casa com o propósito de Rev. de Psicologia, Fortaleza, 4 O):. jan.jjun., 1986.

PRIVAÇÃO SENSORIAL E PR VAÇÃO MATERNA · a criança que passa o dia fora de casa com o propósito de ... Privação materna pode ser definida como "falta de afei-ção, atenção

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PRIVAÇÃO SENSORIAL E PR VAÇÃO MATERNA

ISOLDA DE ARAúJO GüNTHERDepartamento de Psicologia da

Universidade Federal da Paraíba

RESUMO

a presente trabalho tem por objetivo revisarconceitos relacionados com privação sensorial e ma-tema. Os estudos relacionados a estes conceitosmostram que conseqüências desenvolvimentais adver-sas surgem de situações em que a estimulação sen-sorial e/ou materna é insuficiente.

ABSTRACT

Sensory and Maternal Deprivation

The present article reviews concepts related tosensory and maternal deprivation. Studies in thisarea suggest that adverse developmental conse-quences arise from insuficient sensory and / or ma-ternal stimulation.

Considerações Iniciais. Os meios de comunicação divul-gam amiúde o que qualquer observador pode constatar: écrescente o número de crianças abandonadas, carentes, pri-vadas, marginalizadas nas cidades brasileiras. O adjetivo uti-lizado e a quantidade indicada variam, mas o problema épor demais visível. Os profissionais, cuja prática de trabalhoestá orientada para esta população, adotaram a terminologiamenino de rua para designar a criança cuja família se frag-mentou e que, no momento, vive com pessoas do mesmo gru-po de idade. O termo menino na rua é utilizado para indicara criança que passa o dia fora de casa com o propósito de

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adquirir meios que garantam sua subsistência mas à noitevolta para a família. Por considerar que esta terrnlnoloqla re~solve o problema em termos práticos mas mantém a necessi-dade de uma maior precisão dos termos e conceitos relacio-nados, objetivamos com o presente trabalho: a) definir termoscomo carência e privação, e b) fazer uma revisão da literatu-ra do que pesquisadores em desenvolvimento humano deno-minam privação sensorial e privação materna.

Carência / privação. O Novo Dicionário da Língua Por-tuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira define ca-rência (p. 283) como falta, ausência, privação. Carente é o quecarece, que não tem. Por sua vez privação é definida como atoo.u efeito de privar (se) e, privações, como falta do necessário àvida (p. 1148). Ambos os termos indicam, portanto, a falta dealguma coisa útil, requerida ou desejada. Algo que se deixoude ter, usar ou desfrutar. Semanticamente os dois termos en-cerram noções que se equivalem. A literatura psicolóq'ca,contudo, estabelece uma diferenciação. De acordo com Ge-wirt~ (1961), privação refere-se a uma situação na qual o or-ganismo, desde o nascimento, não é exposto a certos estí-mulos, enquanto que carência refere-se a uma situação emque a necessidade é ou poderá ser satisfeita subseqüente-mente. N? caso da carência, os estímulos, através dos quaisa necesstdade pode ser satisfeita, não são / estão (tempora-riamente) disponíveis. Neste trabalho adotaremos o termo pri-vação, por considerar que o mesmo reflete uma descriçãomais exata das situações com as quais nos defrontamos.

Privação sensorial (PS) e Privação Materna (PM). Dea.cordo com o conceito de privação, conseqüências desenvol-vtrnentats adversas se instalam a partir de situações em que asatisfação destas necessidades - estimulação sensorial ematerna - são insuficientes. Serão considerados no textoque se segue problemas associados à insuficiência de qual-quer uma destas duas necessidades. Antes de definir priva-ção sensorial e privação materna, consideremos as seguintessituações:

1 . Uma criança de seis meses de idade, que passa a maiorparte do seu tempo de vigília em seu berço, ouvindo mo-biles musicais, ou se ocupando com brinquedos que de-senvolvem a atividade motora, enquanto sua mãe faz astarefas domésticas.

2. Uma criança de cinco meses cuja mãe trabalha fora de

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casa, deixando-a aos cuidados de uma vizinha que diznão gostar de falar com crianças pequenas e que com-pensa isto sentando a criança diante da TV.

3. Uma criança de um ano que vive num orfanato e estásendo cuidada por profissionais treinados, todos unifor-mizados e falando de maneira impessoal.

4. Uma criança de oito meses que não tem brinquedos ma-nufaturados, mas três irmãos, um gato, um cachorro eum papagaio.

S. Uma criança de um ano que desde o nascimento foi ado-tada por uma família constituída pelos pais, duas tias, ummenino de sete anos, uma menina de quatro anos, duasempregadas, todos vivendo numa mesma casa.

Os exemplos acima indicam que a tarefa de ~eterminarprivação sensorial e materna não é fácil. Uma análise super-ficial poderia nos levar a afirmar que a criança do exemplo 1tem um nível de estimulação sensorial adequado, mas~ e par-cialmente estimulada pela mãe, de vez que a mesma nao estádisponível todo o tempo. Infere-se daí que a quantdade detempo é mais importante que a ~ualidade? As.sim sendo, amãe que não tem afazeres domésticos a cumprrr, nem traba-lho remunerado, encerra o modelo de mãe ideal? No seoun-do exemplo, fica patente que a criança não é estimuladaadequadamente a nível sensorial e que a mãe substituta tam-pouco desempenha seu papel a contento. No exemplo núme-ro três, pode-se perguntar se a estirnulação sensorial e ma-terna dispensadas à criança são suficientes. O quarto exem-plo parece referir-se a criança economicamente privada quevive num ambiente em que a estimulação é variada. Variadaimplica em adequada e suficiente? Finalmente, no exemplonúmero cinco, a criança não vive com a família biológica, masparece ter sido aceita pela família adotiva que_lhe di~pensaadequada estimulação sensorial e materna. Entao, quais dascrianças acima poderiam ser consider+das privadas senso-rialmente, quais as privadas maternalmente?

Dado o amplo âmbito de situações de PS e PM, aí refe-ridas, a tarefa central será a de limitar e definir os termosPS e PM.

Privação Sensorial pode ser definida como a ausência deestimulação contínua e variada. Estudos nesta área (easler,1968; Haywood, 1967; Rutter, 1972) indicam que a estimula-ção sensorial poderia ser estudada como parte integral da

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relação mãe x criança, particularmente por causa da sua im-portância no desenvolvimento da linguagem e inteligência. Nãoobstante o fato de que a evidência mais saliente nesta áreavenha de estudos experimentais com animais (Harlow e Har-low, 1970; Hinde, 1970; Sluckin, 1970), de vez que é possível,nestes estudos, controlar variáveis de maneira que seus efei-tos possam ser mensurados, tais estudos não serão aqui con-siderados. Também serão excluídos desta revisão estudos decriança com "estimulação sensorial limitada", em decorrên-cia de causas orgânicas tais como surdez, cegueira (Fraiberg,1971) ou crianças com danos do SNC, como no caso da dls-função cerebral mínima (e. g. Strauss e Kephart, 1955).

Privação materna pode ser definida como "falta de afei-ção, atenção e estimulação adequadas da mãe ou mãe substi-tuta particularmente durante a infância" (Goldenson, 1970,p. 755). Incluídos na definição de PM estão as noções de (a)separação (Ainsworth, 196'2) definidos como uma situação emque uma relação específica entre criança e seu ambiente égeograficamente interrompida: b) privação parcial (Bowlby,1951) definida como a situação em que a relação mãe x filhoé ernpobrecida e, por alguma razão, insuficiente; e c) privaçãoabsoluta (Bowlby, 1951), quando a criança não é cuidada deforma individualizada, não lhe sendo oferecidas as condiçõesde se sentir proteqida e sequra. Estão excluídas nesta revi-são as situações de isolamento social extremo, tais como cri-anças que se desenvolveram quase totalmente sem relacio-namento humano, como, por exemplo, as crianças lobo ou omenino de Avignon. Deve-se acrescentar Que o termo mãe,neste contexto, não se restringe a mãe biológica.

Serão revisados, em suma, estudos que tratam de proble-mas associados à insuficiência de uma exnertê era parti utar:a) necessidade de estimulação sensorial (quantld=de suficien-te, variedade e/ou complexidade; e b) necessidade de umvínculo emocional a uma pessoa, especificamente uma rela-ção materna. Para atender ao ponto central do oresente tra-balho, faz-se necessário definir, além de PS e PM, dois ter-mos: 'institucionalizados' e 'efeitos'.

Instituição / Institucionalizado é definido como um lugaronde o estilo de educação infantil é caracterizado pela dis-tância social entre responsável e criança, como também oeladespersonalização e rigidez da atenção. Alguns autores (Pro-vence e Coleman, 1957; Raynes e King, 1958) sugerem quemuitas famílias tratam seus filhos de maneira tão institucio-

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nalizada que não parecem dar atenção às necessidades dascrianças.

Considerando os efeitos de PS e PM, é oportuno afirmarque diferentes grupos culturais parecem dar valor _diferen~e. atais manifestações sócio-psicológicos como relações SOCIaIS,competência, cognição, para nomear algumas. As observaçõesde Brazelton (sic) (1977) entre os índios Maia do México apresen-tam um exemplo de como a infância é determinada cultural-mente e como os efeitos das práticas de educação infantildeste povo foram demonstrados no desenvolvimento das carac-terísticas de personalidade e aprendizagem imitativa de papéisque são esperados pela cultura e que facilitam o ajustamentoinfantil ao ambiente. Finalmente, no que se refere a efeitos,embora se aceite que as experiências de privação possam terefeitos sérios e duráveis no desenvolvimento (Bowlby, 1951,1969), investigadores têm mostrado que muitas crianças apre-sentam uma aparente invulnerabilidade ante tais experiências(Rutter, 1972) ou mesmo ganhos quando subseqüentemente éproporcionada a estimulação adequada (McKinney e Keele,1963). Por haver uma menção explícita à infância na maioriados estudos, nos concentraremos, na presente revisão, nesteperíodo de idade. A tarefa que nos cabe agora é a de com-parar e diferenciar PS e PM. Procurando as semelhanças, oque parece ter especial proeminência em ambas as definiçõesé o conceito de ausência, falta ou distorção na estimulação. Am-bos os tipos de privação podem ser melhor entendidos se con-ceituados como o resultado de um ambiente biologicamenteadequado porém psicologicamente restrito (Hebb, 1958).

A natureza dos ambientes restritos psicologicamente podeser ilustrada através deste exemplo, por nós testemunhado:

Quando estava no ginásio, a costureira da nossafamília levou para casa suas duas primas do interior.Elas tinham 18 e 25 anos àquela época, e tinham vividonuma fazenda isolada durante toda a vida, até que opai morrera. Elas vieram para ajudar no serviço dacasa, e. também, na costura. Uma vez que ambaseram surdas-mudas, a tia não estava certa de comoas coisas iriam se resolver, mas por ser a única pa-rente a quem elas podiam recorrer aceitou-as, e maistarde afirmou que elas tinham sido um "bom investi-mento". O que chamou minha atenção foi que a maisvelha era impassivel, trabalhando o dia todo sem olhar

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para a porta ou notar as pessoas em torno dela. Amais jovem, ao contrário, parecia reagir ao abrir daporta, à música, às pessoas se movimentando. Depoisde algum tempo, insisti em levar as moças a um otor-rinolaringologista. Finalmente, a tia concordou, e nósvoltamos com uma surpresa: a mais velha era de fatosur~~-muda, porém, a mais jovem não tinha problemasauditivos. Numa oportunidade posterior falei com amãe das duas moças, que contou que, após o nasci-mento da filha mais velha, ela tinha sido informada deque a mesma era surda-muda. Julgando que todas asoutras crianças seriam como a primeira, decidiu nãoter mais filhos. Quando ficou grávida novamente seisanos depois, foi um acontecimento triste. Quando suasegunda filha nasceu, tratou-a do mesmo modo quetratava a mais velha, e, além disso, a mais velha to-mava conta da irmã mais nova. Onde elas viviam nãoha~ia vizinhos, n~m rádio, nem escola. Os p;ucosbrinquedos que tinham eram bonecas para as quetssua mãe ensinou-as a fazer roupas. A segunda filhafoi tratada como surda-muda e como tal cresceu. Comquase 19 anos descobriu que podia ouvir se comu-nicar e "dançar". Infelizmente, após muit~s aulas dedicção, verificou-se que ela só tinha condições de arti-cular alguns sons que poderiam ser identificados como final das palavras. Afinal, o período crítico para odesenvolvimento de linguagem, que é aos sete anos.de há muíto pessere.

Este exemplo reforça o que Schaffer enfatizou o "desen-volvimento não acontece no vácuo; é necessário um ambienteorganizado para se realizar o crescimento psicológico" (1971p. 153). '

. De que maneira PS e PM são distintas? Parece que asdiferenças se originam da variada ênfase que diferentes auto-res que estudam a maternidade dão ao calor emocional e aten-çã? pessoal por um lado, e a estimulação sensorial por outro.Spltz (1945) descreveu a deterioração progressiva nos esco-res do teste de desenvolvimento de crianças criadas em ambi-entes altamente desestimulantes. Dennis (1960) sugeriu queuma fonte de retardamento grave parece ser a "homogeneida-de de estimulação". Gewirtz (1961) e Watson (1966) conside-raram o papel da mãe não como fonte de estirnulação, masde reforçamento. Em outras palavras, a mãe é a fonte de ex-

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p riências que pode enfraquecer ou intensificar o desenvolvi-mento infantil. Neste ponto de vista, a aprendizagem de com-portamemcs desejáve.s pode ser encoraj da e rntensificadapor reforço contingente das ocorrências de tais comportamen-tos. Em 1951, Bowbly defendeu o modelo de privação social

emocional, que considera que 'o amor materno na infânciao primeira infância é tão importante para a saúde mentalcomo s vitaminas e proteínas são para a saúde física'. Nooutro lado desta controvérsia, Casler apresentou em 1968 omodelo de privação cognitiva e sensorial defendendo que oorganismo humano não precisava do amor materno para fun-cionar normalmente; em vez disso, o autor considera os fato-res perceptuais como tendo a influência mais importante.

Apresentamos a seguir uma série de estudos que consi-deram os efeitos da PS e PM em crianças institucionalizadas:Goldfarb (1943) comparou grupos emparelhados de criançasque dif.eriam num aspecto: as crianças num grupo viv.arndesde os primeiros meses de vida em famílias adotivas, en-quanto que crianças no outro grupo foram admitidas numainstituição antes dos seis meses de idade. O autor testou ascrianças aos dois anos e dez meses e aos três anos e setemeses. Os resultados sugeriram que as crianças institucio-nalizadas apresentaram distúrbios no desenvolvimento intelec-tual. Spitz e Wolf (1946) estudaram 91 crianças numa insti-tuição de caridade e 122 crianças numa escola maternal deprisão. Subseqüentemente, a pesquisa foi ampliada para in-cluir outros dois grupos: um grupo de crianças de um ambi-ente urbano e outro grupo de crianças de uma aldeia de pes-cadores isolada. As crianças criadas na instituição de carida-de começavam aproximadamente tão bem quanto o melhorgrupo, mas, em torno do quarto a quinto mês, seu desenvolvi-mento ficou atrasado em relação às crianças na escola ma-ternal da prisão. No fim do primeiro ano, em vez de apresen-tar reações normais a estranhos, elas gritavam constantemen-te ante estranhos ou demonstravam amizade a todos. Apósdois anos, seu quociente de desenvolvimento (OD) reduziu-sea 45. Elas se tornavam passivas, ficavam deitadas em suascamas com expressões vazias e apresentavam atraso empraticamente todas as funções - manipulação, percepção,memória, imitação e desenvolvimento social. Apesar das boascondições higiênicas, sua reduzida resistência à infecção le-vava ao marasmo e mesmo à morte. Durante dois anos deobservação, 37% das 91 crianças na instituição de caridade

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morr~ram. Spitz (1945)) aplicou o termo 'hospitalismo' a estepadra? de comportamento. Entretanto, Pinneau (1955) chamouatença~ para o fato de que a "diminuição" no status do de-senvolvl~ento no .estudo de Spitz começou antes mesmo daseparaçao das cnan~as das suas mães. Dennis e Najarianp~~7) observaram crianças institucionalizadas no Líbano. Norrucro do .'estudo, seu desenvolvimento era normal mas, no fi-nal do pnrnetro ano, estas crianças estavam atuando num nívelment:l.mente defici~nte. Provencs e Lipton (1962) verificaramque cn~nça~ que vl~em numa instituição pareciam não formarfortes liqações afetivas, rar mente procuraram os adultospara aj.uda ou contato, exigiam imediata gratificação de suasnecessidades e eram apáticas, como também marcadamenteatr~sadas_ na linguagem. A quantldads e a intensidade daestlmulaç~o na form~ de atenção (Rubenstein, 1969), intensi-dade e nível da estirnulação social (Yarrow, Rubenstein ePedersen, 1972), parecem influenciar nos escores de QI quandol)1ensur~~o na infância (Clarke-Stewart, 1973). como tambémnas atividades de exploração do novo (Rubenstein, 1969;Yarrow, et aI., 1972). Dennis e Sayegh (1965) observaram umaumento no esc~re d? ~este de desenvolvimento após trêsse~ana~ de sessoe.s diárias de estimulação em crianças lnstl-tuclonallzadas, Rhemgold (1956) demonstrou que técnicas demate.rnagem, feitas por um experimentador durante um períodode 01~0 semanas em um grupo de crianças institucionalizadasde seis meses, aumentou a responsividade social das criançasao experimentador.

Os estudos citados apresentam alguns achados relevan-tes f~ito~ na áre~, qual, entretanto, é a nossa posição comrespeito a controvérsia? O que é mais importante: um relaclo-na~ento ~fetuoso, carinhoso entre criança e responsável, ouestlrnulação sensoria.l? Para decidir, consideremos Seligman(19!5)., Este aut~r salientou que uma criança privada de estimu-laç~o e uma criança privada de controle sobre estimulação.Sellgman acrescenta que uma criança que perde sua mãe éuma criança privada não só de amor, mas de controle sobre asconseqüências mais importantes de sua vida. "Não pode haverdança do desenvolvimento quando não há parceiro" (p. 144).A d~nça ..?o des,en~olvi~ento fica, na verdade, empobrecida sea _mae na? esta dlsponfvel como participante primária. "Semm~~, frequentem?nte, não há quem estreite quando você abra-ça (p. 145). Esta bem documentado que o infante não flores-cerá s~ lhe é proporcionada simplesmente uma estimulaçãosensorlal adequada (modelo de privação cognitiva ou senso-

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ria/). Parece, entretanto, que amor (modelo de privação socialou emociona/) não é, por si só, suficiente. Ainda considerandoque os sentimentos básicos do adulto responsável pelo .infan-te são direcionados através do falar, tocar e segurar a criança.se uma relação entre modalidades sensoriais e desenvolvimen-to da criança é estabelecido, "é essencialmente irrelevante, seestas relações possam ser atribuídas ao amor ou ao caraterda estimulação social da mãe" (Yarrow et aI., 197~): Ambosos tipos de estimulação são importantes e neces~arlos por-que representam diferentes aspectos do des?n~olvl~en,to hu-mano. Isto significa, então, que esta controvérsia nao e nadaexceto uma pseudocontrovérsia? A primeira vista pode pa-recer ser assim, mas isto não implica que o debate entre estasduas posições não seja producente. Sem estas duas posiçõesa análise dos componentes das condições que propiciam inte-rações efetivas entre crianças e ambiente ou das condiçõesque restringem tais interações provavelmente não teriam sidotão produtivas. As afirmações de Caldwell (1972) lembram-nosQue nos estudos experimentais com animais os achados ten-dem à ser consistentes de vez que as variáveis podem' ser pre-cisamente quantificadas. Em estudos de campo, com seres hu-manos "não apenas é difícil desintricar um tipo de privação dooutro, mas é quase impossível ter precisão sobre o tempo d?,empenho máximo do efeito de um ou de outro componente(Caldwell, 1972, p. 140).

Em suma, parece (Casler, 1968; Alnsworth, 1979) que afalta de amor materno se manifesta quando a criança atinge onível de reatividade emocional, que se evidencia em torno desete meses de idade. Os achados destes autores parecem in-dicar que sintomas precoces são, em sua maioria, produzidospor outros fatores, sendo o mais importante a PS. Por ou~rolado Schaffer (1971) refere-se aos primeiros' meses de vidacom~ uma época de relativo desamparo motor" em que a e~ti-mulação geralmente vem para a criança atraves da sua mae.Tudo isto, novamente, chama atenção para o fato de que PS ePM não são facilmente separados, e que, além disso. deve serconsiderado um outro elemento, a saber, as características par-ticulares da criança.

Os efeitos da privação são amplos e severos, sendo umfator comum a todos eles "a falta de controle sobre as conse-qüências" (Seligman, 1975, p. 143). Em alguns casos estesefeitos graves parecem ser irreversíveis, entretanto, estasadversidades não parecem ser universais. Como Rutter (1979)salienta, as crianças variam em sua vulnerabilidade .ao stress

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da privação. Hunt (1979, p. 137) considera que as perdas pre-coces podem ser compensadas se a qualidade da experiênciamelhora, e que o ganho precoce também pode ser perdido sea qualidade da experiência se deprecia. Parece que uma abor-dagem em múltiplos níveis é o primeiro passo para lidar comesta questão no momento atual, e a adequada afirmação deLangmeier e Matejcek (1975) enfatiza a necessidade de talabordagem, porque, "mesmo sob condições institucionais re-lativamente uniformes, não há um quadro ou síndrome únicoda criança privada, mas tipos diferentes de personalidade pri-vada" (p. XIII). Como Allport (1965) coloca, "o mesmo fogoque derrete a manteiga, endurece o ovo" (p. 72).

Sem dúvida o contexto econômico das famílias transfor-ma fatores ditos de risco, problemas potenciais em dificulda-des reais. Por esta razão, qualquer tentativa de compreensãoda problemática da criança socialmente marginalizada devedar atenção às forças sociais/institucionais. Não se deve, en-tretanto, deixar de atentar, também, para o comportamento in-dividual do adulto que, entre nós, freqüentemente falha empropiciar as condições psicológicas mínimas que possibilitemo desenvolvimento da criança. Será que como grupo, nós brasi-leiros, perdemos a capacidade de proteger a nova geração?Quando muito protegemos nossos filhos ou os protegemosalém da conta e justificamos, candidamente, que os outros sãomeninos de rua. Não podemos negar o fato que nos tornamosincapazes de sentir amor e proteção para com as criançasabandonadas do nosso ambiente. Badinter afirma que "umasociedade que não valoriza um sentimento pode extingui-Io aoponto de eliminá-Ia totalmente em numerosos corações" (1985,p. 10). Em nossa sociedade isto parece ocorrer. Permitimos oabandono, a privação, a negligência e não apenas as criançaspagarão o preço.

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