PRIVATIZACAO DE PRESIDIOS

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  • 7/30/2019 PRIVATIZACAO DE PRESIDIOS

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    R. CEJ, Braslia, n. 15, p. 12-29, set./dez. 2001

    PRIVATIZAO DOSPRESDIOS

    MESA REDONDA I

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    !R. CEJ, Braslia, n. 15, p. 12-29, set./dez. 2001

    PRIVATIZAO DOS PRESDIOS*Maurcio Kuehne

    RESUMO

    Analisa a realidade carcerria, principalmente no que diz respeito superlotao dos presdios.Apresenta parecer contrrio proposta legislativa tendente a privatizar o sistema penitencirio, ressaltando que no h respaldo no ordenamento jurdico referida

    proposta, mas acredita que a terceirizao de alguns servios possa ser viabilizada.

    PALAVRAS-CHAVEPresdios privatizao; sistema penitencirio; Direito Penal; Execuo Penal; terceirizao de servios penitencirios.

    Inicio com a indagao de que se verdade que h tanta promiscuida-de, tanta violncia e tanto desrespei-to condio de dignidade do ser hu-mano em todos os crceres do nossoBrasil?

    Lamentavelmente temos de nosenvergonhar com a resposta, porqueela verdadeira. Procuramos, de umaforma ou de outra, percorrendo estePas, conhecer a sua realidade carce-rria e, principalmente, aqueles dep-sitos infectos, representados pelas ca-deias pblicas. No podemos, passi-vamente, aceitar que essa realidadepossa continuar, porque se trata de se-res humanos, como ns. O que se cons-tata no dia-a-dia, representado por n-meros dramticos, por situaes quefazem eclodir as rebelies nos crce-res e nos presdios, so as disputas devagas, o sorteio como h algum tem-po ocorria em Minas Gerais em queo pacto de morte selado entre os re-clusos para permitir que ao menos pos-sam deitar o corpo no cho, disputan-do aqueles mseros centmetros qua-drados e no os metros quadrados as-segurados pelo nosso ordenamento ju-rdico. So situaes como essas quefazem com que os seres humanos re-colhidos aos crceres, que, nica e ex-clusivamente, perderam a liberdade,

    mas no a dignidade, saiam dali em-brutecidos, animalizados, bestializa-dos, prontos a cometer no mais aque-le crime que os levou aos crceres, masoutros mais violentos, que a todos nsatordoa, porque, ao sairmos de nos-sos lares, no temos a tranqilidade ea certeza de que retornaremos, porqueos grandes centros, principalmente,esto a enfrentar um crescimento as-sustador, no que concerne crimi-nalidade, e no h remdios eficazesa possibilitar que essa criminalidadepossa ser contida.

    A resposta penal, representadapela pena de priso, h muito j mos-trou esse fracasso histrico, e nos ques-tionamos, nos indagamos o porqu dacontinuidade de se mandar aos crce-res aquele que de l sair pior. a ma-

    neira como algum j disse maistola de se investir em algum paratransform-lo em um ser pior quandodo seu retorno sociedade, porqueesse indivduo, recolhido aos crceres,submetido a maus-tratos, em funo doproblema da superpopulao carce-rria falta de higiene, falta de traba-lho, carncia mdica, carncia jur-dica, ao uso de drogas, corrupo,aos abusos sexuais e a outras violn-cias, enfim, que lhes so alvo no dia-a-dia, em verdade, bestializa-se, ani-maliza-se. Esse indivduo saber, nomomento aprazado, quando do seureingresso sociedade, quando da suareinsero social como quer a nossaLei de Execuo Penal, ou seja, que opreso volte reinserido, ressocializado,reintegrado s normas de conduta, emrelao s quais todos ns pautamosos nossos comportamentos , que vol-tar, de forma mais violenta, a trans-gredir com mais veemncia essas mes-mas normas de conduta, porque o m-nimo de dignidade que ainda tinha,lamentavelmente perdeu-a nos crce-

    res por meio das sevcias que lhe fo-ram impostas.A Dra. Elizabeth Sussekind nos

    d o perfil, o diagnstico preciso darealidade penitenciria em nmerosredondos, hoje, em termos de Brasil:so 230 mil homens privados de sualiberdade em locais que no caberiammais do que 140 mil homens, em umadisputa diria e incessante pelos es-paos. Somos co-partcipes de todoesse trabalho, com a Magistratura, oMinistrio Pblico, os advogados a en-caminhar s prises um nmero que

    suplanta naturalmente a demanda quepoderia ocorrer, na medida em quenem h demanda, posto que a carn-cia de vagas total e absoluta. Da asindagaes: o que se fazer para rever-ter esse quadro de maldio? O que

    se fazer para que, no amanh, possa-mos, enfim, transmitir aos nossos ps-tumos uma imagem diferenciada da-quela que estamos a vivenciar nos diasde hoje?

    Quando criana, ouvia que ascrianas de ento seriam aquelas quetrabalhariam para um Brasil melhor. Acriana de ento, a qual me fao repre-sentar, vivia em um clima que no erato violento. Hoje, ao olhar para osmeus filhos, para a sociedade e inda-gar a respeito daquilo que pode serfeito no sentido de atenuar ou minimizaresse quadro, vejo que a minha gera-o foi impotente, incapaz de traarum caminho adequado, humano, quepudesse realmente condizer com acerteza de que todos ns somos iguaisperante a lei, de que todos, naturalmen-te, por sermos irmos, devemos fazercom que haja o respeito mtuo e rec-proco, mas sabemos que esse respei-to se trata de uma inverdade.

    Detemos, no Brasil, a condiode sermos campees na questo rela-cionada ao desrespeito aos direitos

    humanos, no apenas do preso, mascomo um todo.No podemos permitir que em

    um Pas carente em todos os setores,sob todos os aspectos, com uma le-gio de miserveis a mendigar no dia-a-dia e com toda a problemtica rela-cionada questo dos menores, pre-tenda-se minorar a responsabilidadedesses menores para encaminh-losmais cedo aos crceres a fim de quepossam se prostituir mais cedo, com adevida vnia, porque, em verdade, asFEBEMs da vida existentes no Pas

    _________________________* Texto com reviso do autor.

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    nada mais so do que fabricantes daclientela futura dos crceres do Brasil.

    So vrios questionamentos quenaturalmente nos assolam por causadessas notcias que o cotidiano est aregistrar, das quais alinhei vrias: ape-nas no ms de abril de 2001 mais dequarenta rebelies ocorreram em de-legacias de polcia, crceres, distritos

    policiais e penitencirias, enfim, emtodos esses locais onde h o recolhi-mento do ser humano privado de sualiberdade. O que se tem feito? No po-demos dizer que o Executivo, o Judi-cirio, a classe do Ministrio Pblicoou a nobre classe dos advogados te-nham-se omitido; podemos, sim, dizerque, em conjunto, todos e mais a so-ciedade tm-se omitido, porque ns,co-partcipes de todo esse processo,por meio do qual objetivamos a reinser-o social do homem, somos os primei-ros, a sociedade, a mostrar a sua carahipcrita, porque no queremos ser re-ceptivos quele que um dia teve a des-graa de ficar privado de liberdade, porno pertencer ao nosso mundo, nofazer parte daqueles 2% culturalmenteaquinhoados com essa possibilidadede desfrutar de um curso superior que,naturalmente, no enfrentaram os re-veses de um crcere. Talvez haja algumcaso isolado, nica e exclusivamente,para se pretender mostrar que o Direi-to Penal para todos e para ser aplica-do indiscriminadamente, no elegen-

    do pobres, ricos, pretos, brancos oucoisa que o valha; quando sabemosque essa tambm uma grande men-tira, porque a seletividade e aquelecontingente dos que esto recolhidosaos crceres a prova mais incontestedaquilo que estamos a afirmar, na me-dida em que 98% desses privados deliberdade so miserveis sob o aspec-to jurdico propriamente dito, quandono sob os mais variados aspectos:analfabetos, semi-analfabetos, indiv-duos que temos a pretenso de resso-cializ-los quando nunca em sua vidativeram essa oportunidade. De uma for-ma hipcrita e mentirosa queremos fa-zer com que esse indivduo possa serressocializado. Novamente a pergun-ta: o que fazer?

    Enfrentamos, na ltima dcada,esto a as leis a testemunhar em nos-so favor, a feitura de instrumentoslegislativos que pudessem possibilitara amenizao desse quadro, sendouma outra mentira, uma outra farsa,outra grande inverdade. Desde a edi-o da Lei dos Crimes Hediondos, ins-

    pirada em um movimento de lei e or-dem, como se prises e mais prisesviessem a representar a salvao detoda essa panacia, vimos um cresci-

    mento desmesurado no que concerneexatamente criminalidade, como sepenas mais elevadas, como se vedao progresso de regime, como se au-mentar o requisito objetivo obtenodo livramento condicional, como se anegao, pura e simples, de um indul-to de comutao de pena a determi-nados segmentos de criminalidadepudessem vir a representar o recrudes-cimento, ou melhor, a diminuio des-sa mesma criminalidade. E a cresceu

    de forma assustadora a indstria queest agora dentro dos prprios pres-dios, a se irradiar e a se projetar paratodo o ambiente brasileiro, em que asfugas so financiadas por partidos quenaturalmente muitos dos presos co-mandam em determinados presdiosdo Brasil.

    H pouco tempo, no EspritoSanto, ouvi de autoridades ligadas problemtica penitenciria que para seadentrar em uma determinada peniten-ciria, era necessrio que se tivesse

    autorizao daqueles que se encontra-vam privados de liberdade. Por qu?Porque o ente pblico teria perdido asua autoridade.

    Se, de um lado, em termos deinstrumentos legislativos, procura-seuma proliferao com essa inflaolegislativa de leis, tendentes a encami-nhar cada vez mais para os crceresaqueles que delinqiram; de outro, emuma mar diametralmente oposta, va-mos encontrar, nessa ltima dcada,dois instrumentos que, pelo menos,

    tambm digam esta verdade: no tira-ram ningum dos crceres, como seapregoava, por meio da Lei dosJuizados Especiais Criminais e pormeio das leis de penas alternativas,que, na verdade, no so penas alter-nativas, so substitutivos penais, namedida em que nosso ordenamentojurdico tem como reitora, digamos as-sim, no que concerne sano em ter-mos de Direito Penal, a pena privativade liberdade. S quando o condenadopreencher os requisitos que esto con-templados no ordenamento jurdico epossa ser beneficiado por uma das res-tries de direitos, estas, sim, apresen-tam-se como alternativas a no-priva-o de liberdade. Mas, descumpridasas condies impostas, o retorno aocrcere obrigatrio.

    Atualmente, enfrentamos tam-bm um projeto j encaminhado aoCongresso Nacional, em que a rever-so ser o encaminhamento imediatodaquele que descumpriu a pena res-tritiva de direitos ao regime semi-aber-to, como se essa situao, ou esse qua-

    dro, pudesse reverter a criminalidade.Apresentam-se vrios cami-nhos, como o do Direito Penal mnimo,em que a pena de priso, malgradotodas as suas deficincias, ainda ummau necessrio. , como dissera Mi-chel Foucault:A detestvel soluo daqual no se pode abrir mo.

    No podemos compactuar nosentido de estendermos uma alterna-tiva privao de liberdade quele quepraticou um crime hediondo, que te-nha sido, na ao, o agente, e que essaao tenha todos os ingredientes rela-cionados queles aspectos de repul-sa, de averso, que naturalmente pos-sam vir a repugnar o senso comum detodos ns e no situaes, s vezescolocadas como se fossem crimes he-diondos, por exemplo: um beijo lasci-vo em uma garota de treze anos de ida-de por violncia presumida, que tam-bm uma autntica forma de aberra-o e que, felizmente, nossas CortesSuperiores, em um bom tempo, pormeio de uma releitura da legislao doscrimes hediondos, afastaram a carac-

    terstica da hediondez atinente ao co-metimento de estupro e atentado vio-lento ao pudor quando se tratar de vio-lncia presumida, porque o ordena-

    (...) apenas no ms deabril de 2001 mais dequarenta rebeliesocorreram emdelegacias de polcia,crceres, distritospoliciais epenitencirias, enfim,em todos esses locaisonde h o recolhimentodo ser humano privadode sua liberdade. O que

    se tem feito? Nopodemos dizer que oExecutivo, o Judicirio,a classe do MinistrioPblico ou a nobreclasse dos advogadostenham-se omitido (...)

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    mento jurdico, em verdade, propiciaessa leitura.

    No embalo, fugi da temtica,quando meu tema especfico a ques-to relacionada privatizao dos pre-sdios. At que ponto seria vivel aprivatizao, sob os aspectos da ordemtica, da ordem estritamente legal emesmo frente ao nosso Texto Constitu-

    cional? No exatamente a privatizao,porque o nosso ordenamento jurdicono contempla, por meio de seus me-andros, a questo de se fazer com quea jurisdio, relativa execuo penal,no propicie que se delegue a umaentidade particular os aspectos rela-cionados segurana, a se conter ocontingente privado de liberdade e quenecessite, em verdade, de um contin-genciamento, porque muitos dos queesto nos crceres, sabemos ns, nonecessitariam estar ali, mas esto en-caminhados pelo cometimento de umacriminalidade de bagatela, insignifi-cante, que, lamentavelmente, desde aedio da Lei n. 9.714, possibilitou, in-clusive ao juiz de execuo penal, re-verter esse quadro, afastar a figura dareincidncia para tirar inmeros presosque esto em regime fechado, propici-ando-lhes um substitutivo penal. Osnmeros de que temos conhecimento,no Brasil, no ultrapassam os nossosdedos das mos. H uma falta de von-tade generalizada. Se todos, de umlado, de uma forma ou de outra,

    estamos sendo partcipes de todo esseprocesso para reverter esse quadro, poroutro lado, estamos sendo omissos emrelao a esse mesmo processo. umparadoxo que faz com que vejamos osaspectos relacionados aos caminhosda privatizao, em que a discusso recente, da dcada de 1980 para c o modelo eventualmente de uma pos-svel privatizao comeou a ser ques-tionado e implantado em outros pa-ses. Mais precisamente se no estouequivocado em 1991 ou 1992, a ques-to da privatizao de presdios assu-miu uma temtica realmente sria aquino Brasil, encontrando-se em situaesdiametralmente opostas correntes quepregam uma privatizao pura e sim-ples, mas que tambm pregam umaatenuao daquilo que no ousaramoschamar de privatizao.

    A expresso privatizao dospresdios pode nos levar a quatroenfoques que a doutrina nos propicia.Em um primeiro momento, teramos aadministrao total pela empresa pri-vada que construiria o seu presdio e l

    seriam alocados os seres privados deliberdade. Mas, contrariamente ao quemuitos pensam, o Estado no poderialavar as suas mos em relao sus-

    tentao do particular no aspecto eco-nmico, porque teria de subvencionar como o faz a entidade encarregadanaturalmente de estar ali a albergaresses cidados privados de liberdade,o que representa um custo. Nos pasesque, inicialmente, h privatizao osEstados Unidos, principalmente ocusto do preso est na ordem, em m-

    dia, de 23 mil dlares a 24 mil dlarespor ano, o que, para ns, representariaum custo de 4 mil reais por ms. O cus-to dos presos recolhidos aos crceresdo Brasil como um todo de 670 reais,em mdia, por ms, o que equivale a 8mil reais por ano. A dimenso, no senti-do de se saber se a resposta pena depriso eficaz para conter a crimina-lidade, est nos nmeros que importa-mos e que nos dizem o contrrio. NosEstados Unidos, hoje, com uma popu-lao em torno de 270 milhes de ha-bitantes, existem mais de 2 milhesrecolhidos aos crceres. No Brasil, com170 milhes de habitantes, ou seja, 100milhes a menos, temos o contigentede 230 mil recolhidos nesses diferen-tes locais espalhados pelo nossos Pas.Ento, se a empresa privada construs-se o presdio, evidente que iria pre-tender retirar do Estado tudo aquilo queveio a empregar em relao quelepresdio, como tambm a automanu-teno, sustentao do prprio esta-belecimento, no que concerne ao pa-gamento do pessoal e ao fornecimen-

    to daquele elenco de direitos assegu-rados pelo ordenamento jurdico ao ci-dado privado de sua liberdade. Essaadministrao total pela empresa pri-vada , portanto, completamente des-cartada em face do que diz o nossoordenamento jurdico.

    O outro enfoque seria a constru-o de presdios pela empresa priva-da e a posterior locao pelo Estado.Trata-se de uma situao que no ousodizer que seja pacfica, mas existemEstados no Brasil que iro concitarempresas construo desses pres-dios para que, no amanh, aloquem-se aqueles presdios que, certamente,iro se acautelar, efetuando um contra-to de locao, ao menos, por dez, quin-ze ou vinte anos, de tal sorte a lhe asse-gurar o retorno respectivo do numer-rio que ali veio a empregar, e a constru-o feita pela empresa particular sersensivelmente mais barata do queaquela efetivada pelos segmentos p-blicos. A Dra. Elizabeth Sussekind tam-bm lanou o fato de que, em um de-terminado Estado, s a terraplanagem

    custou 5 milhes de reais quando, comuma cifra dessa ordem, no Estado doParan, foram construdas duas peni-tencirias a preos que no atingiram

    esse montante, quais sejam, as peni-tencirias de Londrina e de Maring,ambas com capacidade para 360 pre-sos. No seguem, rigidamente, o pa-dro ONU, em que o custo seriaelevadssimo, na ordem de 15 milhesde dlares, mas, nos trabalhos deterraplanagem, gastarem-se 5 milhesde reais; verdadeiramente assusta-

    dor. verdade ou mentira? Todos sa-bemos que verdade, s que o dinhei-ro, naturalmente, sofreu o desvio res-pectivo pelos caminhos vrios que pora existem.

    Outro aspecto, no que concerne questo da privatizao, seria o dautilizao do trabalho dos presos pelaempresa. Hoje podemos dizer, tranqi-lamente, que, frente aos comandosinsertos no Cdigo Penal, na Lei deExecuo Penal, o trabalho, tanto in-terno quanto externo, perfeitamentepossvel e vivel, e nenhuma alteraolegislativa seria necessria para viabi-lizar tal modalidade de servios. Quan-do eu dirigia a colnia penal agrcola,no Estado do Paran num perodo denove meses , assumi a unidade quetinha, poca, 240 presos no ms demaro de 1997, e quando a deixei, ha-via 440 presos no regime semi-aberto.

    Ao chegar, encontrei-a com um ndicede ociosidade que suplantava a casados 60%. Ufano-me de ter deixado aunidade com um ndice de ociosidadezero, porque, se no era o trabalho in-

    terno, era o externo que o ordenamentojurdico perfeitamente prev e permi-te, no apenas para servios em rgospblicos, mas tambm para serviosem entidades privadas, o que perfei-tamente vivel, com a anuncia e con-sentimento do preso, no com o pro-psito, ou com o sentido de escravizaro seu servio, de tornar esse trabalhocomo se fosse a imposio de umapena de trabalhos forados de hmuito abolida do nosso ordenamentojurdico. Temos de compreender que otrabalho obrigatrio e que naturalmen-te eleva-se como ponto de honra den-tro de um estabelecimento prisional,porque a laborterapia faz com que pos-sa naturalmente se reverter o quadroque a est diante de todos ns. O tra-balho necessrio, seja interno ou ex-terno, e o ordenamento jurdico possi-bilita perfeitamente essa viabilizao.

    Com o enfoque no problema daterceirizao, quer por imperativo cons-titucional, quer por imperativo legal,no podemos compactuar. Ousaria afir-mar que, em termos do elenco dos di-

    reitos e das garantias individuais con-tidos em nossa Constituio, os even-tuais projetos, como o Projeto de Emen-da Constitucional, que visa possibilitar

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    que o Brasil possa trabalhar com aprivatizao dos presdios, na sua mo-dalidade bsica e fundamental cita-mos como exemplo os Estados Unidos eu afasto, porque existem clusulasptreas a fazer com que o respeito dignidade do ser humano deva existir.Mas na terceirizao, no enfoque deque em determinados setores aqueles

    aspectos relacionados administraoda pena, materialmente falando, no oaspecto de segurana, de jurisdio,mas, por exemplo, o servio da alimen-tao poderia ser terceirizado? Pode-ria, perfeitamente. Mas os episdios,em relao aos quais temos tido not-cias, fazem-nos verificar que a terceiri-zao de servios de alimentao, emdeterminados presdios do nosso Pas,deixa o preo superiormente mais caroquele que as prprias empresas pri-vadas esto a fornecer no dia a dia,quando, a ns outros que podemos fre-qentar umself-service, pagando, svezes, 3 reais ou 3,5 reais por refeio,o Estado tem de pagar, em mdia, R$4,90 por uma refeio, quando sofornecidas de 12 a 15 mil refeies pordia, enriquecendo as burras, natural-mente, de alguns setores em detrimen-to, por completo, ao errio pblico. Masas questes relacionadas assistn-cia jurdica, mdica, psicolgica, aostrabalhos realizados pelos assistentessociais junto aos presdios, todas es-sas situaes so perfeitamente poss-

    veis e passveis de serem viabilizadas,de tal sorte que no tenhamos aquelemdico que o plantonista do pres-dio, que, tendo uma carga horria acumprir, quando muito, fica de dez aquinze minutos na penitenciria. Seesse mdico fosse de uma empresaprivada, teramos perfeitas condiesde exigir dele o cumprimento integraldo trabalho a que se props, tendo umvnculo com a empresa privada, e seno viesse a prestar o servio, por b-vio, seria dispensado. Exemplificativa-mente tambm, podemos citar o casodos advogados: a carncia de atendi-mentos jurdicos nos estabelecimentospenitencirios tem sido uma das mo-las propulsoras ocorrncia dessasrebelies que esto por a. Quantospresos j teriam direito a uma progres-so de regime, ao indulto, a uma co-mutao de pena, a um trabalho exter-no, a um livramento condicional, e noos tem, exatamente porque falta al-gum a postular em seu nome, embo-ra a Lei de Execuo Penal d ao pre-so a capacidade postulatria para que

    possa dar o pontap inicial tendente instaurao do incidente de execuopenal esses informes no chegam aocontingente carcerrio. O preso no

    tem condies de escrever porquequase sempre analfabeto. No cotidi-ano do Conselho Penitencirio do Es-tado do Paran, cansamos de receberpedidos de presos manuscritos, em umlinguajar, s vezes, ininteligvel, queprocuramos entender e fazer com queo Conselho Penitencirio possa dar,naturalmente, ensejo instaurao doincidente de execuo penal para queaquele indivduo venha a ter reconhe-cido a seu favor o direito que lhe as-segurado por lei.

    A questo dessa privatizao,

    cujos obstculos existentes so os maisamplos, apresenta seu lado favorvel,melhor dizendo, a terceirizao apre-senta um aspecto favorvel, que real-mente pode no nos impelir e nos indi-car que aprovamos a terceirizao deservios. Tive a oportunidade, junta-mente com um Conselheiro do Estadodo Paran, advogado Dlio Zippin Fi-lho, de visitar a penitenciria industrialde Guarapuava e,in loco, observar ostrabalhos que l esto sendo realiza-dos. Devo destacar, porque o relatrio

    que elaboramos poca, h um anoaproximadamente, mostrava uma situ-ao completamente diferenciada da-quilo que estvamos acostumados a

    ver: adentrvamos em cadeias, em pre-sdios, com aqueles ambientes ftidos,com colorao amarelada do con-tingente carcerrio, com aquele ambi-ente, enfim, que at j nos tornava, noingresso, temerosos de irmos com maisprofundidade e verificar o que real-mente poderia ocorrer nos fundesdos crceres. Nesse estabelecimento,

    esse quadro, por completo, foi rever-tido, porque ali, em verdade, todos osque se encontravam recolhidos esta-vam por manifestao prpria em umambiente que, por ser pblico, h proi-bies, como, por exemplo, em rela-o ao fumo, e que se tratava de umaquesto e de um ponto de honra paraque o preso l pudesse ingressar. En-to, teria, como alguns tiveram, a ne-cessidade de assistncia psicolgicanecessria, possibilitando-o de se livrardesse vcio terrvel. Verificamos e pu-demos constatar que a dignidade doser humano ali est sendo realada eobservada.

    Os trabalhos realizados pelosdiversos fatores tcnicos continuam porque, no cotidiano, obtemos infor-maes do funcionamento da unidade a possibilitar, no a aprovao de pla-no, no oreferendum, mas que expe-rincias dessa ordem, como as APACsexistentes, no Brasil, h mais de vinteanos, que trabalham com uma filoso-fia, em determinados segmentos daexecuo material, sejam terceirizadas.

    Jamais, em tempo algum, falou-se naquesto relacionada delegabilidade,porque indelegvel so todos os as-pectos relacionados jurisdio daexecuo penal, que felizmente viemosa ter em claro, alto e bom tom, a partirda prpria Lei de Execuo Penal de1984, que fez, teoricamente e essa uma outra verdade com que o juiz e opromotor de execuo penal deves-sem estar, ao menos uma vez, nos cr-ceres, porque, na prtica, desgraadae lamentavelmente, no esto, quan-do deveriam estar. Se houvesse umafiscalizao mais assdua por parte dossegmentos diretamente elencados,como rgos de execuo penal, nes-ses estabelecimentos penitencirios,muitos quadros poderiam ser reverti-dos, e no o so. Talvez ponho nasinterrogaes e nas observaes ques o tempo ir propiciar , porque ocusto que aqui j foi dimensionado esta nos mostrar, por enquanto, que essaterceirizao, por meio de empresasque esto a administrar presdios eduas so as situaes hoje no Brasil,

    que a do Cear e a do Paran; o Esta-do do Paran dever, a partir de julho,iniciar a segunda experincia, com aPenitenciria de Cascavel est ainda

    Outro aspecto, no queconcerne questo daprivatizao, seria o dautilizao do trabalho

    dos presos pelaempresa. Hoje podemosdizer, tranqilamente,que, frente aoscomandos insertos noCdigo Penal, na Lei deExecuo Penal, otrabalho, tanto internoquanto externo,

    perfeitamente possvel evivel, e nenhumaalterao legislativaseria necessria paraviabilizar tal modalidadede servios.

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    um pouco acima da nossa realidade.No caso da Penitenciria de Guarapua-va, para que se tenha uma dimensoexata, o Prof. Augusto Thompson, noartigo Privatizao de Presdios, sali-entou esse aspecto contnuo no rela-trio que oferecemos a respeito da vi-sita priso. A capacidade de presosque era de 240, e comeou a funcionar

    com noventa presos, e em seis meses,atingiu 113 presos. Hoje ainda no atin-giu a capacidade total, lamentavel-mente, por falta de maior agilidade doscritrios para os presos que para l es-to sendo indicados ao recolhimento,ou de um perfil diferenciado em rela-o massa carcerria como um todo.Poderamos e ousaramos at dizer queh uma seletividade, mas pecaramosno aspecto cientfico, porque essaseletividade, essa classificao aqui-lo que queremos e que est sendo con-templado no nosso ordenamento jur-dico, na medida em que a Lei de Exe-cuo Penal, no que concerne clas-sificao e individualizao dos pre-sos, quer que realmente seja o joio se-parado do trigo, o que est aconte-cendo. Em perspectiva, na medida emque se completarem os 240 recolhidosquele estabelecimento prisional eque, gradativamente, comearem aobter a sua liberdade, no mais do que10% reincidiro. Hoje, o ndice de re-cidiva existente no Brasil e as esta-tsticas lamentavelmente no existem

    em carter oficioso est a nos adian-tar que ultrapassa a barreira dos 70 a75%, ao passo que, com as medidasalternativas priso, o ndice de reci-diva no passa de 10%, e nessas ex-perincias, em que esto sendo ob-servadas a reincidncia, o prognsti-co que lanamos no sentido de queesta tambm no venha a ultrapassara barreira dos 10%. Se isso vier, natu-ralmente, a ocorrer, ser o fator que,amanh, nos far avalizar em gnero,nmero e grau, as experincias quehoje esto sendo feitas.

    Trago mais algumas palavraspara reflexo: cientista vivia preocupa-do com os problemas do mundo e es-tava resolvido a encontrar meios deminor-los; passava dias em seu labo-ratrio em busca de respostas para assuas dvidas. Certo dia, o filho de seteanos invadiu o seu santurio, decididoa ajud-lo a trabalhar. O cientista, ner-voso pela interrupo, tentou que o fi-lho fosse brincar em outro lugar. Vendoque seria impossvel demov-lo, o paiprocurou algo que pudesse ser ofere-

    cido ao filho, com o objetivo de distraira ateno dele. De repente, deparou-se com o mapa do mundo em uma re-vista. O que procurava? Com o auxlio

    de uma tesoura, recortou o mapa emvrias partes e, com um rolo de fita ade-siva, entregou-o ao filho, dizendo: Voc

    gosta de quebra-cabeas, meu filho?Ento, vou lhe dar o mundo para con-

    sertar; aqui est o mundo todo quebra-do. Veja se consegue consert-lo bemdireitinho. Faa tudo sozinho. Calculouque a criana levaria cinco dias para

    recompor o mapa. Algumas horas de-pois, ouviu a voz do filho, que o chama-va calmamente: Pai, j fiz tudo. J con-

    segui terminar tudinho! Em princpio, opai no deu crdito s palavras do fi-lho. Seria impossvel, nessa idade, terconseguido recompor um mapa quejamais havia visto. Relutante, o cientis-ta levantou os olhos de suas anotaes,certo de que veria um trabalho dignode uma criana. Para sua surpresa, omapa estava completo. Todas as par-tes haviam sido colocadas nos devidoslugares. Como seria possvel? Como omenino havia sido capaz de realizar talproeza? Voc no sabia como era o

    mundo, meu filho! Como conseguiu?Pai, eu no sabia como era o mundo,

    mas quando voc retirou o papel da re-vista para recortar, vi que do outro lado

    havia a figura de um homem. Quandovoc me deu o mundo para consertar,eu tentei, porm no consegui. Foi aque me lembrei do homem, virei os re-cortes e comecei a consertar o homemque eu sabia como era. Quando conse-

    gui consertar o homem, virei a folha e vi

    que havia consertado o mundo.

    ANEXO

    PRIVATIZAO DOS PRESDIOS

    Algumas reflexes

    I. Oferecemos junto ao Conse-lho Nacional de Poltica Criminal e Pe-nitenciria parecer contrrio propos-ta legislativa tendente a privatizar o Sis-tema Penitencirio e o fizemos basea-dos nas reflexes que seguem, comalgumas alteraes, as quais, entretan-to, no comprometem a substncia dopronunciamento em referncia, postoque a concluso no sentido de queno h guarida no ordenamento jurdi-co proposta. Vejamos.

    Conforme contido fl. 8, a ilus-tre secretria de assuntos legislativos

    do Ministrio da Justia submete a es-te colegiado, para manifestao a res-peito do mrito, proposta legislativaconsubstanciada em Projeto de Lei n.

    2.146/99, de autoria do Deputado LuizBarbosa. Objetiva a proposio auto-rizar o Poder Executivo apromover a

    privatizao do sistema penitencirio,constando s fls. 4/6 a ntegra do ob-jetivo colimado, bem como a justifi-cativa.

    O mvel da proposta se atm crtica e calamitosa situao peniten-ciria, cuja realidade est a dispensarconsideraes outras, posto que se tra-ta de fato pblico e notrio.

    Reconhece o nobre Deputadoque Embora a segurana pblica sejadever do Estado, o presente Projeto deLei visa compartilhar o gerenciamentoe a participao da iniciativa privada na

    soluo de um grave problema que notem encontrado resposta enquanto limi-tado exclusiva competncia do poder

    pblico.

    II. A discusso que se trava a res-peito da privatizao dos presdios vemdespertando, no Brasil, manifestaesdspares por fatores e setores os maisdiversos, principalmente no ltimo de-cnio. Com efeito, em nvel internacio-nal, conforme noticia Bernardo DelRosal Blanco, em artigo intituladoAsPrises Privadas: Um Novo Modelo emuma Nova Concepo sobre a Execu-o Penal, publicado na RT 665/243-257, traduzido que foi o artigo em ques-to por Luiz Flvio Gomes, a questo

    (...)refere-se a um fenmeno relativa-mente recente pois sua histria co-mea nos primeiros anos da dcada de80 que est tendo lugar especialmen-te nos Estados Unidos da Amrica (EUA)e que j esto tratando de importar para

    alguns pases europeus (...).Aps exaustivas consideraes,

    posiciona-se contrariamente privati-zao, com o alerta, todavia, de que odebate est a iniciar. ParafraseandoRadbruch consigna que no querme-

    lhores prises seno algo melhor queas prises.

    III. Na esteira da posio retro, alcida manifestao do saudoso JooMarcello de Arajo Jnior, o qual emforma de apresentao ao opsculoPrivatizao das Prises, ed. RT, 1995,apresentava, a nosso sentir, irrespon-dveis argumentos de ordem tica, ju-rdica e poltica, alm de agregar as-pectos prticos, contrrios tese emdiscusso.

    IV. Destaque-se, tambm, o es-

    tudo realizado por Carmem Pinheiro deCarvalho, ento Presidente do Conse-lho de Criminologia e Poltica Criminalde Belo Horizonte, publicado na Revis-

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    ta do Conselho em referncia, v. 2. n. 2,p. 35/38, jul/dez de 1994. Analisa aquesto relacionada ao trabalho, en-tendendo que a legislao vigente noestaria a contemplar qualquer forma deprivatizao. Entende que Entregar as

    penitencirias a uma direo estranha nova ideologia do tratamento peniten-cirio e filosofia da execuo penal,quando a sua legislao j alcanou umestgio to promissor, uma perspecti-va nova que merece estudos muito mais

    acurados quanto aos seus aspectos so-ciais, jurdicos e legais.

    V. Na viso externada, as procla-maes de Luis Fernando Camargo deBarros Vidal, em artigo publicado naRBCCrim, v. 2, p. 56/63, ed. RT. critica,de forma veemente, a inrcia estatal soluo dos graves problemas e nocompactua com a idia da privati-

    zao, posto que o preso ...deixa de sersujeito em processo de ressocializaoe torna-se objeto da empresa, resta pri-vado de qualquer dignidade.

    VI. Registre-se, sob outro ngu-lo, que o tema j foi objeto de estudose reflexes por diversos segmentos ju-rdicos. A Ordem dos Advogados doBrasil, mediante documento assinadopor nomes da mais alta respeitabilida-de nas cincias jurdicas em particu-lar, penal processual penal e de exe-cuo penal e pertencentes Magis-

    tratura Ministrio Pblico e classedos advogados, em carter preliminar, manifestou repdio proposta deprivatizao do Sistema Penitencirio,que teria sido apresentada a este Con-selho Nacional de Poltica Criminal ePenitenciria em 27/01/1992, pelo emi-nente ento Conselheiro e Presidentedo rgo, Prof. Edmundo Oliveira, pro-posta que ser destacada adiante.

    VII. De igual postura a Carta deJoinville editada em maro de 1993pela Associao dos Magistrados Bra-

    sileiros, que rejeitou a tese,sem em-bargo de recomendar sejam estimula-das as solues que visem ao incre-

    mento do trabalho do apenado.VIII. Mesmo a assim propalada

    terceirizao vem sendo objeto de con-testao, devido aos elevados custos,os quais esto sendo objeto de investi-gaes e j ocasionaram mudanas dealto escalo em Governo Estadual. Apropsito do tema, a reportagem Rio

    paga mais caro por refeio a presos

    (Folha de S. Paulo, cad. 1, p. 13, 8/4/2000).IX. sabido que o aspecto rela-

    cionado dignidade dos presos est a

    exigir reflexes profundas, contudo,parece-nos, no com a privatizaoque tal situao ir se resolver.

    X. As ponderaes e remissesefetivadas nos tpicos antecedentesno significam que a preocupaocom o problema perde interesse. Aorevs, avoluma-se. Em sentido diame-tralmente oposto ao que retro se con-signou, o eminente Prof. Edmundo deOliveira apresentou proposta, no dia 27de janeiro de 1992, a este Colegiado,sedimentada em estudos realizadospor experincias colocadas em prti-ca nos estabelecimentos prisionais dosEstados Unidos, Frana, Inglaterra,Blgica e Austrlia. Trata-se, na verda-de, de uma forma de gesto mista en-volvendo a administrao pblica e aadministrao privada.

    Conforme j informado, a refe-

    rida proposta recebeu o repdio daOAB (item VI), em documento assina-do em 9/4/1992. Este Conselho, contu-do, nos termos da Resoluo n. 01 de24/03/93, atinente proposta do Prof.Edmundo decidiu:

    I - submeter a proposta a amplodebate nacional pelos diversos seg-mentos da sociedade;

    II - deixar que os Governos Esta-duais avaliem a iniciativa de adotar ouno a experincia, em conformidadecom as peculiaridades regionais. Aten-

    te-se que publicao especfica foieditada em 1994 dando ampla divul-gao ao assunto.

    XI. De igual sorte, o magistra-do Mauro Bley Pereira Jnior em pro-posta crise penitenciria advoga aprivatizao. Lembra, contudo, queh possibilidade legal de intervenoprivada nos presdios consoante oordenamento atual. Assim, no have-ria qualquer necessidade de mudan-a legislativa, mesmo porque a situa-o dos reclusos estaria resguarda-

    da, posto que a questo relacionada disciplina, segurana e os aspec-tos de ndole jurisdicional no esta-riam a sofrer qualquer ingerncia, poisa empresa que estaria sujeita fis-calizao do juiz da execuo e de-mais rgos conforme dispe a Leide Execuo Penal. Maiores detalhesno artigo Propostas de soluo da cri-

    se penitenciria. Municipalizao ePrivatizao, publicado na Jurispru-dncia Brasileira Criminal, Juru Edi-

    tora, Curitiba, volume 34.XII. Nesta incurso doutrinria,releva salientar o que preconiza LuizFlvio Borges DUrso. Suas reflexes

    amplamente divulgadas constam depublicao especfica (Direito Criminalna Atualidade So Paulo: Atlas, 1999,p. 71 e 75), assim como nas Revistasdeste Conselho, v. 1 n. 7, jan/jun - 1996,p. 53/57 e Consulex (Ano III, n. 31, jul/99, p. 44/46).

    O que prope o autor Luiz Fl-vio, atrs citado, a necessidade queobjetiva adotar em nosso pas uma ex-

    perincia, uma unidade privada experi-mental, com o desideratum de afastaros grandes malefcios da priso.

    Aduz que: (...) no se est trans-ferindo a funo jurisdicional do Estado

    para o empreendedor privado, que cui-dar exclusivamente da funo materi-

    al da execuo penal, vale dizer, o ad-ministrador particular ser responsvelpela comida, pela limpeza, pelas rou-pas, pela chamada hotelaria, enfim, por

    servios que so indispensveis numpresdio.J a funo jurisdicional, inde-

    legvel, permanece nas mos do Esta-do que, por meio de seu rgo-juiz, de-terminar quando o homem poder ser

    preso, quanto tempo assim ficar, quan-do e como ocorrer a punio e quan-do o homem poder sair da cadeia,

    numa preservao do poder de impriodo Estado, que o nico legitimado parao uso da fora, dentro da observnciada lei.

    XII.1. Pelo que nos foi possvelcoligir, resta ainda o referencial po-sio de Jlio Fabbrini Mirabete, emsubstancial estudo que procedeu eque foi objeto de publicao na Re-vista deste Colegiado, v. 1, n. 1, jan/jul- 93, p. 61/71. Analisando o tema queintitulouA Privatizao dos estabele-cimentos penais diante da Lei de Exe-cuo Penal, separa as atividades ine-rentes execuo, destacando as ati-vidades administrativas em sentidoamplo, classificadas na diviso que

    prope: atividades administrativas emsentido estrito (judicirias) e ativida-des de execuo material, podendoestas, em seu modo de pensar, serematribudas a entidades privadas. Afas-ta, pois, em termos legais, qualquertentativa de privatizar as atividadesjurisdicionais, bem como a atividadeadministrativa judiciria, exercidasestas ltimas, v.g., pelo Ministrio P-blico, Conselho Penitencirio etc.

    Demais disso, mesmo em rela-

    o s atividades que entende pos-sa a empresa privada exercer, con-signa que o ordenamento jurdicocontm mecanismos contempla-

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    Maurcio Kuehne Membro Titular do Con-selho Penitencirio do Estado do Paran.

    ABSTRACT

    This study analyses incarceration reality,specially concerning prisons overcrowding.

    It presents a contrary opinion towardsthe legislative proposition of privatizing thepenitentiary system, emphasizing that it doesnot have any support on the juridical order, butbelieves that the use of some associatedservices could be possible.

    KEYWORDS Prisons privatizing;penitentiary system; Criminal Law; penalexecution; associated services for penitentiary

    maintenance.

    o, dispensando-se, pois, qualquerreforma legislativa.

    XIII. De tudo quanto se exps,parece que, afora as radicais oposiesa qualquer tentativa de cunho eminen-temente privatizador, busca-se me-lhoria no sistema, com a terceirizaode servios, ou implementao demedidas que possam reverter o qua-dro atual.

    Pela reportagem publicada nojornal Tribuna da Magistratura, edio demai/jun-1998, p. 8 e 9, encontramos ex-perincia vlida que pode ser imple-mentada sem que os postulados legaisvenham a ser afetados. A propsito, tam-bm, as lcidas observaes de JlioFabbrini Mirabete, conforme item XII.1,quando analisa as atividades adminis-trativas de execuo material.

    Alm disso, preciso que as

    verbas destinadas ao Setor Peniten-cirio sejam efetivamente aplicadase no ocorram as situaes contidasno noticirio constante das edies de8/11/1999 e 11/01/2000, Jornal Folhade S. Paulo, vale dizer em 1999 apenas7% da verba destinada s prises fo-ram liberadas.

    Os recursos prprios doFUNPEN (Fundo Penitencirio Nacio-nal) assim como as dotaes oramen-trias especficas, se aplicadas conve-nientemente, no estariam a propiciar

    a situao dramtica ocorrente.O problema, como se v, assu-me propores inimaginveis, e mes-mo as recentes medidas implemen-tadas no ordenamento jurdico, ampli-ando o rol dos substitutivos penais, nopropiciaro, a curto ou mdio prazo,minimizar o quadro, a no ser commedidas que devero ser equaciona-das e postas urgentemente em prti-ca. Para tal mister, a unio de todas asforas envolvidas com a problemticada execuo dever se efetivar, com a

    coordenao de Encontro, por parte doMinistrio da Justia. Segmentos co-munitrios como Magistratura, OAB eMinistrio Pblico, todos podero tra-ar estratgias.

    Na perspectiva fundamental,contudo, do caso que temos em mo,no vemos condio de xito pro-positura efetivada pelo nobre Deputa-do. Louve-se sua preocupao, contu-do, o Projeto carece de sustentao luz do ordenamento jurdico, sob o

    manto constitucional e legal. Na es-sncia, transfere-se ao particular a cus-tdia do preso, hiptese com a qualno se pode compactuar.

    Com efeito, enuncia o Projetoque as assim denominadas Casas deCorreo, como se prope, serodirigidas por um Diretor Administrati-vo e por um Diretor de Execuo Pe-nal, aduzindo que em relao queleno dever ter qualquer vnculo como servio pblico. Quanto ao Diretorde Execuo Penal, o vincula Secre-taria de Segurana Pblica como (...)

    responsvel pela observncia de todosos preceitos relativos ao condenado ar-ticulados no Cdigo Penal.

    Nenhuma meno Carta Mag-na Lei de Execuo Penal; nenhumareferncia aos aspectos jurisdicionaisque suscita a execuo; omisso com-pleta, por assim dizer, do ordenamen-to jurdico.

    Consoante atrs alinhado, aquesto atinente eventual terceiri-

    zao de servios pode ser viabilizada.Para tanto h lei e dispensvel, nesteaspecto, qualquer reforma legislativa.Neste particular, mediante experin-cia recente, o Estado do Paran, emao pioneira, a nosso ver, firmou con-trato com empresa, por meio do qualvrios servios foram terceirizados,dentre os quais aqueles que dizemrespeito s atividades de execuomaterial propriamente ditas (alimen-tao, vesturio, assistncia mdica,jurdica, odontolgica, vigilncia etc.),

    permanecendo o Estado com a tutelado Estabelecimento (Penitenciria In-dustrial de Guarapuava), nos aspec-tos relacionados direo, seguran-a e controle da disciplina. Em ne-nhum momento, as atividades jurisdi-cionais ou as de cunho administrati-vo-judicirio, adotando a classificaoproposta por Mirabete, foram afeta-das. De igual forma, criaram-se can-teiros de trabalho junto penitenci-ria referida, possibilitando a atividadelaborativa dos internos, mediante re-

    munerao, viabilizados os instrumen-tos de locao de servios dos inter-nos, com o Fundo Penitencirio doEstado.

    Ante tudo o que se exps, pa-rece-nos, com a devida vnia, que aproposta apresentada encontra bi-ces, quer sob o aspecto constitucio-nal quer legal, frente Lei de Execu-o Penal, da porque no enseja pos-sa ser objeto de recomendao. Alvi-tra-se, pois, seja rejeitada a proposi-

    o de fls. 4/6 pelas razes consig-nadas.(Parecer oferecido pelo Conse-

    lheiro Maurcio Kuehne e aprovado

    em sesso do Conselho Nacional dePoltica Criminal e Penitenciria rea-lizada em Braslia, em 24 de abril de2000.)