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Problemas da orogenia portuguesa: o relêvo da orla sudoeste do planalto da Beira-Alta

Autor(es): Carvalho, A. Ferraz de

Publicado por: Imprensa da Universidade de Coimbra

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Accessed : 23-Apr-2021 00:18:15

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PUBLICAÇÕES DO MUSEU MINERALÓGICO E GEOLÓGICODA

UNIVERSIDADE DE COIMBRA

N.° 5

Memóriase Notícias

COIMBRA

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE

1930

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Problemas da orogenia portuguesa

O RELÊVO DA ORLA SUDOESTE DO PLANALTO DA BEIRA-ALTA

Comunicação feita à Academia das Sciências de Lisboa na sessão de 1.a classe, em 6 de Fevereiro de 1930

O relêvo da crusta terrestre provém, em geral, do trabalho de três categorias de agentes:

a) agentes de diastrofismo, ou dos movimentos da crusta terrestre relacionados com as suas deformações, quer sejam do tipo de ondulações, desde as rugas mais largas às mais apertadas, com esmagamento de massas e mesmo ruturas profundas e extensas acompanhadas de encavalamento ou avanço de umas sobre as outras; quer sejam dos tipos de falhas, movimentos diferenciais de compartimentos dilatados, abatendo uns, elevando-se outros;

b) agentes da erosão, esculpindo as terras emersas pela remoção de materiais das regiões elevadas para outros a níveis mais baixos. Com tendência geral para a destruição das profundas desigualdades do relêvo, antes que se atinja o equilíbrio final em que o seu trabalho normalmente se anula, passadas as primeiras fases, é a erosão que domina o desen­volvimento das formas superficiais, substituindo muitas vezes por novas formas as que o diastrofismo teria gerado, chegando mesmo à inversão total dos relêvos, elevando alinhamentos montanhosos na situação das depressões sinclinais, ou abrindo vales onde existiram lombas anticlinais.

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A água é pela sua circulação superficial o agente de erosão que mais nos interessa; e é sabido o papel que no desenrolar do trabalho dos cursos de água desempenha o nível de base: se o nível de base desce em relação à área em que o trabalho se exerce, logo êle se activa, se, ao contrário, um comparti­mento das terras emersas se eleva, a erosão rejuvenesce, readquirindo as águas a energia perdida;

c) à última categoria pertencem os agentes de vulcanismo, tomado este termo no sentido mais geral: elevação de massas profundas, através da crusta terrestre, fluídas, com altas temperaturas, e de cuja solidificação provêm as diversas rochas ígneas.

O vulcanismo apresenta duas formas: intrusiva, com ele­vação de massas magmáticas que, não atingindo a superfície, solidificam a níveis mais ou menos elevados, mas dentro da crusta; extrusiva, com expansão superficial de massas lávicas. Geralmente as extrusões estão na dependência das intrusões das quais serão manifestações superficiais: raro aparecem grandes falhas sem que se manifeste de alguma forma o vulcanismo, e a formação de rugas é geralmente acompanhada por movimentos de massas profundas, constituindo-se como que um recheio ígneo nos levantamentos montanhosos.

Em Portugal são muito numerosos os exemplos de invasão de formações geológicas diversas pelas rochas graníticas ou aliadas, e como formas do relêvo devidas à acção ígnea só referimos aqui os exemplos, tão semelhantes sob vários aspectos geográficos, das Serras de Monchique e de Sintra. Serão geologicamente homólogas: bossas de rochas eruptivas, irrompendo a primeira através dos estratos de tectónica ator­mentada do carbonífero inferior, na parte ocidental do Algarve; elevando-se a segunda junto ao mar entre as formações calcáreas

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da orla mesozoica, a oeste de Lisboa. Com os seus picos agudos, as vertentes juncadas de blocos descarnados pela erosão e resistentes à intempérie, os seus vales ricos em nascentes e permitindo culturas delicadas, nas suas encostas prosperando os castanheiros, as duas serras muito se asse­melham.

Vistas a distância, apresentam nos seus recortes os mesmos caractéres; e uma e outra inteiramente se diferenciam dos terrenos que as rodeiam.

As regiões portuguesas cujo relêvo ainda reflete com clareza a tectónica creada pelo diastrofismo são, como é de esperar, as geologicamente mais modernas. Apresenta-nos interes­santes relações desta ordem a orla mesozoica ocidental, com as serras do Cabo Mondego e de Verride, o levantamento dos calcáreos do Jurássico médio da serra do Rabaçal-Sicó, o planalto do Porto de Mós, as Serras de Aire, da Mendiga, de Candieiros e de Montejunto.

Lembramos que a tectónica da Serra da Arrábida foi objecto dum interessante trabalho de Paul Choffat.

Mas dos problemas da orogenia da orla mesozoica tra­taremos noutro estudo. Agora só queremos devidamente realçar alguns aspectos do relêvo na região alongada, pela qual se faz a ligação da orla mesozoica ocidental portuguesa com os terrenos antigos da Meseta.

O limite deste grande maciço, ao norte de Coimbra, na região da Anadia e na extremidade setentrional da Serra do Buçaco, corta obliquamente rugas de estratos permo-carbo- níferos e silúricos; depois forma-o uma faixa estreita de terrenos arcaicos, que, sem interrução, ultrapassa Miranda do. Corvo. Na extremidade ocidental da Serra da Louzã a Meseta termina com um afloramento de terrenos precâmbricos, co­bertos parcialmente por um possante conjunto de estratos rígidos

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dos quartzitos silúricos que descem em disposição tabular e grande inclinação, para no sopé da serra, a oeste, serem cobertos pelos conglomerados e arenitos triássicos, da orla mesozoica.

Desta região para o sul, até Tomar, o bordo da Meseta é geralmente recortado nos terrenos arcaicos.

Tiras alongadas de norte a sul, primeiro de terrenos triássicos depois, sucessivamente, de liássicos, de jurássicos médios, formam a orla mesozoica nesta zona de contacto com a Meseta. Há na sobreposição dos estratos triássicos, que se apresentam quási uniformemente inclinados para oeste, discor­dância completa com as formações anteriores. Pelo carácter arenoso e pelos conglomerados que se estendem na sua base dão bem ideia das condições litorais da sua sedimentação, iniciando um ciclo geológico, cujas fases se desenrolaram na área submarina profunda, na geosinclinal secundária que se formou ao longo da Meseta. Êsse ciclo fechou-se: aos calcá- reos das suas fases médias, sucederam formações argilosas e arenosas, à medida que o fundo se foi elevando, arrastado no complexo diastrofismo que assinalou os primeiros períodos da era terciária.

Com o levantamento progressivo das massas sedimentares secundárias, escalonaram-se, do lado da Meseta, os aflora­mentos triássicos e jurássicos e as tensões a que foram subme­tidos produziram falhas e rugas, geralmente alongadas de norte para sul. As deformações produzidas dirigiram a erosão; e assim predominam nesta região alinhamentos montanhosos de pequena altitude e longos vales que de uma maneira impressiva exibem aquela orientação. Exemplificando, indicamos o vale que a linha ferrea da Pampilhosa a Coimbra aproveita; o vale do rio de Eça, a sul de Coimbra; mais para oeste, o vale que desce de Alvorge às proximidades de Condeixa e que para o sul se alinha com o longo vale que, de perto de Ancião, chega a Tomar.

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Não se opõe aos: princípios da isostase a divisão do bloco continental da Meseta em dois compartimentos de densidades médias diferentes: o do norte menos denso, com predomínio dos granitos e exclusão de rochas ígneas básicas e pesadas; e do sul mais denso, tendo como rochas ígneas dominantes os dioritos, de feldspatos calco-sódicos; e uns augiticos, em Alter Pedroso, Elvas; outros biotíticos e hornblendicos, como no distrito petrográfico de Évora. Aos dioritos associam-se sienitos, gabros, pórfiros e diabases.

O compartimento meridional ainda se fragmentaria, submer­gindo os fundos das bacias terciárias, descendo relativamente menos a grande extensão primária do Baixo Alentejo, emquanto se manteria a níveis mais elevados o alto Alentejo.

Mas sobre toda essa grande província a erosão trabalhou sem perturbações, desenrolando-se as diversas fases do seu trabalho geológico por forma a atingir-se em grande parte da superfície a condição de peneplano. É curiosa a justa posição das cartas geológica e hipsográfica: à variedade de cores com que, por exemplo, na região de Beja, são representadas na primeira, formações geológicas muito diversas, corresponde, na segunda, uma tinta única. O castelo de Beja pouco se eleva acima de uma extensa área largamente ondulada, quási plana. A erosão tudo foi vencendo no seu trabalho metódico e imperturbado. A Ribeira das Alcaçovas, o Rio Xarrama,

Esta orientação do relêvo, com as suas linhas principais a cortarem quási normalmente as que dominam o da região vizinha da Meseta, leva-nos a considerar os dois, se não como absolutamente independentes, pelo menos sem a subordinação que conduz a imaginar-se um grande sistema, uma, na frase corrente, coluna vertebral da Península, coleando do Cabo da Roca à extremidade oriental da serra de Guadarrama.

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a Ribeira de Odivelas descem lentamente do Alto Alentejo para o Rio Sado e os seus vales e as regiões intermédias são apenas largas ondulações da superfície, na qual se apagam os caracteres dos terrenos que afloram.

Os diversos rios do Alentejo não têm renovado o seu tra­balho erosivo, quer pela elevação das suas bacias hidrográ­ficas, quer pela descida do seu nível da base: envelheceram, como é agora uso dizer-se.

Emquanto na Sub-Meseta meridional portuguesa as formas de relêvo são adoçadas, esbatidas, dominando as planícies e as largas ondulações de superfície de um vastíssimo peneplano, pelo contrário, na Sub-Meseta setentrional as formas são em geral vigorosamente esculpidas: imponentes alinhamentos de montanhas, altas e grandes serras se alongam, separando os profundos vales dos rios. Com a sua altitude média elevada, com as suas montanhas a determinarem a abundância de preci­pitações atmosféricas, aparece-nos como uma região de grande actividade erosiva.

O exame rápido da carta hipsométrica de Portugal dá-nos uma viva impressão da preponderância da direcção NE-SW na orientação das principais linhas do relêvo nesta metade setentrional do país. Mas também se nos revela, em detalhes insistentemente repetidos, a importância da direcção normal, NW-SE, na disposição de linhas secundárias.

Fixam primeiro a nossa atenção as cordilheiras da Estrêla e da Guardunha, que, desprendendo-se para ocidente do pla­nalto fronteiriço sobre que assentam Guarda, Almeida e Sa- bugal, mantêm acentuado paralelismo. Separa-as o vale do rio Zezere, o maior afluente português do Tejo, e obedecem à primeira orientação indicada. A Cordilheira da Estrêla é a mais importante de Portugal. Formam-na, começando por

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leste, as serras da Estrela, de S. Pedro do Açor ou de Arganil e a da Louzã.

A Serra da Estrela, geralmente granítica, como o planalto da Guarda, encerra, contudo, entalada nas suas rugas, uma área alongada de norte para sul em cuja constituição entram xistos e grauvaques precámbricas. A sua topografia é compli­cada : a uma sucessão de rugas, pouco afastadas daquela direcção, e que se vão elevando do planalto referido para oci­dente, sobrepõe-se um conjunto de vales longitudinaes, como os de Alva e do Mondego, do lado norte, e o mais profunda­mente escavado vale do Zézere, pelo lado sul. A parte oci­dental, mais elevada, forma um pequeno planalto ligeiramente convexo, subindo a 1991 metros, cortado em escarpa voltada a nascente e dominando o vale Zézere por dois esporões de empolgante grandeza. Têm na toponimia local o nome de Cântaros; e o Cântaro Gordo e o Cântaro Magro constituem as formações naturais mais belas desta serra portuguesa que, pelas suas vistas soberbas sobre um horizonte de extraordinário alcance, através de uma atmosfera de transparência rara, tão poderosa atracção exerce sobre naturalistas ou simples ama­dores de turismo.

São interessantes os vestígios de glaciação, quer nas zonas elevadas, em que aparecem lagoas de desgaste ou de barragem glaciar, quer nos vales, como os do Zézere e de Unhais da Serra, encerrando restos de moreias e tendo fundos de rochas estriadas, juncados de blocos erráticos. Também nas serras mais ocidentais, especialmente na de Arganil, foi de grande actividade a acção glaciar: na aba norte, junto daquela vila, ladeia a serra uma formação morénica importante ; e no seu interior ter-se-ia estabelecido um grande glaciar no vale longi­tudinal do rio Ceira. Este afluente do Mondego sai da serra pelo vale transversal de Gois, junto de cuja abertura, por oeste, se encontram massas consideráveis duma moreia ter­minal.

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Por ocidente, limitamos a serra da Estrêla na região rela­tivamente baixa entre Seia, ao norte, e Unhaes da Serra, ao sul. É aproximadamente o limite, passando por S. Romão, Valesim e Loriga, entre a imponente mole granítica da Estrêla e as formações, geralmente xistos precâmbricos, que formam as outras serras da cordilheira.

A serra de S. Pedro do Açôr ou de Arganil é profunda­mente ravinada pela erosão torrencial, devendo naturalmente à glaciação pleistocena a curiosa forma de circos de certas bacias desaguando para o norte. No mapa em relevo, de que apresentamos uma gravura, vê-se como sobresaem em cristãs transversais, ultrapassando para sul o vale do Zézere, os estratos duros formados por quartzitos silúricos. Os seus afloramentos são representados na carta geológica por es­treitas faixas dirigidas NW para SE.

A oeste do vale que dá passagem, para fóra da serra e para o norte, ao rio Ceira, próximo da vila de Gois, eleva-se uma massa possante dos quartzitos silúricos, formando os Penedos de Gois, perfeitamente alinhados com a serra do Buçaco.

Começa nos Penedos de Gois a serra da Louzã. Ao seu limite ocidental, no corte das formações da Meseta em frente da orla mezoica, consideramos nós também como última montanha do extenso sistema Central Divisório ou Lusitano- -Castelhano. A ele nos referimos quando descrevemos o relevo da região de ligação entre a Meseta e a orla mesozoica ocidental. As camadas muito inclinadas dos quartzitos formam o Pico do Espinhal, que, com os Penedos de Gois, oferecem, em virtude da sua aspereza, flagrante contraste com as lombas arredondadas nos xistos precâmbricos da serra.

A Cordilheira da Estrela é acompanhada na base do seu flanco norte por um alinhamento de bacias em que se reali­zaram sedimentações nas últimas fases do cretácico, já na era terciária e ainda na quaternária. Primeiro a da Louzã,

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em que prodominam as formações de argilas, areias e cas- calhos do cretácico superior, senonianas; depois a de Arganil, que ainda conserva de uma maneira tão perfeita o aspecto do lago quaternário esgotado pelo rebaixamento do leito do rio Alva que lhe corre a norte, para o Mondego; por fim, a bacia quaternária de Seia, no sopé norte da parte mais elevada da Estrela.

Conjuga-se a existência destas bacias com a forma por que do mesmo lado se ergue toda a cordilheira, num ressalto nítido, brusco, acima do extenso planalto da Beira Alta. Mostra-o bem um perfil que se trace cortando a bacia do Mondego, entre os pontos mais elevados da Estrêla e do Cara­mulo, que, de maneira inteiramente semelhante, surge a no­roeste do planalto.

Mas, já o dissemos, individualizada, destacando-se tão fortemente na orografia portuguesa por este aspecto da sua face norte, a cordilheira da Estrêla desprende-se de uma vasta superfície com altitudes entre 800 e 1000 metros, sobre que se eleva a cordilheira espanhola das Serras de Gata e de Francia, orientada paralelamente e situada mais ao sul. Assim entra no grande sistema orográfico da Península, cuja desi­gnação conviria fixar em Sistema Central Castelhano-Portu­guês.

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Ao norte da cordilheira da Estrêla, uma das mais belas pro­víncias de Portugal, a Beira Alta, é na sua maior extensão formada por um vasto planalto. Inclina docemente para su­doeste e sendo principalmente tributária do Mondego também largamente contribui com as suas águas para o Vouga e para o Douro, que dela recebe um afluente importante, o Paiva. Cortada por numerosos cursos de água, muitos convergindo entre si em ângulos agudos, conserva o aspecto geral de pla­nalto pela concordância das alturas que separam os seus vales

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dentro de tão aproximados limites de altitude que um mesmo plano todas abrangeria. E a impressão que se recebe quando se contempla esta privilegiada região de pontos elevados da Estrela e numa sugestiva vista de conjunto quando se examina o mapa em relevo cuja fotografia publicamos.

Esse mapa apresenta-nos com nitidez os contornos do planalto. Á barreira que o limita por sueste, constituída pela cordilheira da Estrêla, contrapõe-se : a poente, um con­junto notável de montanhas alinhadas de SSW para NNE. Formam-no, começando pelo sul, a Serra do Caramulo, a Serra de S. Macário e o extremo oriental da Serra de Montemuro. Em todo ele se observa o mesmo erguer brusco em frente do planalto; e, acentuando ainda a separação, vales profundos ou bacias lacustres dissecadas acompanham o alinhamento mon­tanhoso, alongando-se na sua base.

'Assim, uma extensa bacia, com depósitos quaternários a indicarem pequenos lagos extintos, ladeia a Serra do Cara- mulo: é designada por Vale de Besteiros e tem justa fama a beleza da sua paisagem a que as montanhas, cultivadas até grande altura, dão um fundo grandioso e de colorido variado. Para o extremo norte um profundo vale de fractura, rectilíneo, o vale de Riba-Má, corre no sopé da serra, abrindo sobre o do rio Vouga. Não deixaremos esquecido o facto, nesta região várias vezes repetido, da localização de nascentes termo-mine­rais junto destas fracturas: as termas de S. Pedro do Sul ou Caldas de Lafões, que são as mais importantes da Beira Alta e das mais frequentadas do país, constituem disso um exemplo interessante.

Separado do Caramulo pelo Vale do Vouga, eleva-se agora para o norte o Maciço da Gralheira, a que pertence, formando limite ao planalto, a Serra de S. Macário. E ao vale de fra­ctura de Riba-Má corresponde deste lado o que o rio de Sul aproveita para levar ao Vouga as suas águas.

O profundo vale do rio Paiva estabelece a divisão entre os

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maciços da Gralheira e de Montemuro, que já flanqueia o rio Douro. Emquanto as maiores altitudes no Caramulo e na Gralheira pouco excedem 1070 metros, o ponto mais elevado de Montemuro sobe a i382 e outros ha com 1278, e 1 2 1 0 .

As maiores alturas de Montemuro ficam a leste do maciço e, desse lado, cortam-se vales alinhados e abrindo para o Douro e para o Paiva.

Na região alta da Portela de Bigorne, uma extensa espla­nada pertence ao topo mais setentrional do planalto, cujo rebordo, depois na direcção NW-SE, segue sempre elevado ao encontro com o da Guarda, na região de Vila-Franca-das- -Naves. A esta aresta do grande planalto da Beira Alta dão-se, começando pelo norte, os nomes de Serras de Leomil, da Senhora da Lapa e de Pisco; e de uma altura que nela se mantém vizinha de 800 metros desce-se lentamente para sudoeste, abrutamente, no sentido oposto, para os vales dos rios Tedo e Tavora. Os dois vales conjugam-se na região baixa que Moimenta da Beira domina, formando assim uma depressão contínua ao longe da aresta.

O curso superior do Tavora captou da bacia do Dão os os afluentes da sua vertente oriental, entre Sernancelhe e Tran­coso : os respectivos vales têm a orientação dos do planalto, aparecendo nitidamente como o seu prolongamento. Lutam nesta região o Douro e o Mondego para o alargamento das suas bacias hidrográficas, como, dentro do planalto no ângulo norte parecem te-lo feito o Vouga e o Paiva, conseguindo este levar para o Douro a afluência de ribeiras que pertenceriam ao primeiro. Estes factos têm certa importância na cara­cterização do rio Douro e como indicadores na evolução do relêvo do ainda tão misterioso Maciço Galaico-Duriense.

Falta-nos descrever o quarto lado do trapésio formado pelo planalto da Beira-Alta, o de sudoeste. E o lado menor, a que dão particular realce as rugas silúricas do Buçaco e seu prolongamento para além do Mondego, ligado nos Penedos de

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Gois com a Cordilheira da Estrela. Para ele desce suave­mente a vasta área tabular e antes que o Mondego o trans­ponha vêm juntar-se-lhe o Alva, rio das montanhas do sul, e o Dão, rio exclusivamente planáltico e que só na parte inferior do curso recebe o Dinha e o Criz, afluentes que atravessam o vale de Besteiros e de que é tributária a face interior do Caramulo.

Paralelamente a esta muralha do Buçaco há outra mais oriental de que apenas se vê o esboço por uma crista interrom­pida que ligaria a extremidade sul da serra do Caramulo à serra de Arganil. Só a oeste dela se reúnem o Mondêgo e o Dão; e na parte norte da área entre as duas compreendida há uma curiosa bacia lacustre, hoje esgotada, que tem o suges­tivo nome de Bacia de Mortágua. Na orla meridional do antigo lago encontram-se restos de sedimentos cretácicos como os da bacia da Louzã, sendo igualmente cretácicas as massas estratificadas que revestem a cumiada da serra do Buçaco, o que provoca o maior interêsse para a interpretação dos factos geográficos que toda esta pequena região enfeixa num conjunto notável.

Entre as duas rugas paralelas, o Mondego, o Dão, a Ri­beira de Mortágua e especialmente, na parte sul, o Alva des­crevem as mais complicadas curvas, constituindo um exemplo perfeito de meandros profundos. Para fóra delas, a ocidente, ergue-se um pequeno maciço precâmbrico e arcáico a que se encostam as colinas secundárias de Coimbra e que é cortado pelo Mondego, antes de entrar nos seus campos, realmente muito dêle, porque num extenso estuário interior os construiu com as suas aluviões.

O pequeno maciço é rodeado a sul e oriente por formações cretácicas.

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O planalto da Beira-Alta aparece-nos como uma área ta­bular entalada entre duas regiões que experimentaram grandes deformações orogénicas, separando-a delas falhas profundas e extensas, em dois grupos que convergem para sudoeste. O grupo meridional alonga-se com a Cordilheira da Estrela, o mais setentrional faz face ao alinhamento do Caramulo-S. Ma- cário-Montemuro. Somos irresistivelmente tentados a transpor o vale do Douro e, talvez exagerando uma extraordinária homo- logia, a associar a este último alinhamento as Serras do Marão e de Alvão, imaginando um vasto sistema montanhoso, sempre acompanhado ao longo da sua base oriental por alinhamentos de fracturas e depressões. Também não pode omitir-se uma referência nêste lugar à perfeita concordância entre a linha de depressões da base da Cordilheira da Estrela e a que cons­titui o vale do Douro na secção, a jusante de Miranda, em que serve de fronteira às duas nações peninsulares.

A oeste das Cimas de Mogadouro, na junção do Douro com os seus afluentes Sabor, vindo do norte, Côa, do sul, encontra-se o mais claro efeito de fracturas com desligamento lateral, apresentado pela parte portuguesa da Meseta : as fracturas têm a direcção norte-sul, e o bloco oriental foi arras­tado para o norte. Entre as fracturas, uma longa depressão contem a última parte do vale do Côa, um troço do vale do Douro, outro do Sabor e, prolongando êste para o norte, a Veiga de Vilariça, notável pela sua extraordinária fertilidade, conjugando-se nela um solo de excepcional riqueza com as mais favoráveis condições de clima.

O diastrofismo, que durante a Era Terciária tão profun­damente afectou a Península, manifesta-se na Meseta, que é um grande maciço mais rígido, menos plástico do que os fundos marinhos que o envolvem, por deslocações de blocos cortados

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por fracturas e que uns em relação aos outros abatem ou se elevam. Na secção portuguesa da Sub-Meseta Setentrional o movimento de conjunto terá sido de elevação lenta e progres­siva, mantendo sempre a actividade erosiva dos rios que a sulcam.

O levantamento da Cordilheira da Estrela nas últimas fases da sua orogenia parece não ser mais do que um caso parti­cular no conjunto destas deslocações.

A área planáltica da Beira-Alta teria a sua parte mais ocidental desgastada pela erosão a ponto de se apagar o relevo herciniense, de que há tantos vestígios nos afloramentos por­tugueses dos terrenos silúricos. Dos quartzitos duros e es­pessos do silúrico inferior proviriam os materiais para a enorme formação geológica que constitui o conglomerado de base, triássico, na fase de sedimentação secundária do ciclo geológico que se desenrolou a oeste da Meseta.

No fim do período cretácico houve mesmo transgressão ma­rinha sobre aquela região, mais abatida entre as suas falhas late­rais, de modo que se estenderam os depósitos senonianos nos fundos de um golfo que se insinuava muito para o interior, abran­gendo as bacias da Louzã e de Mortágua e a área do Buçaco.

Depois, como se de um arrastamento para oeste de que dependessem as deformações da orla mesozoica fosse conco­mitante um conjunto poderoso de forças tangenciais em dire- cção normal ás antigas rugas hercinienses, a região beirã, a oriente de Coimbra, além de se elevar como um bloco, teve o seu relevo paleozoico renovado, surgindo na área compri­mida os restos duma sinclinal silúrica e constituindo-se por maior levantamento do flanco oriental a extensa lomba de que o Buçaco faz parte, e que se ergueu coroada de tão curiosa maneira por um farrapo do manto cretácico sob que estava oculta. Os rios Mondego e afluentes foram obrigados ás mais tortuosas voltas para abrirem caminho através das rugas que assim lhe iam transversalmente aparecendo.

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