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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X PROBLEMATIZANDO O PAPEL DO ESTADO COMO UM MONOPÓLIO DOS RECURSOS LEGAIS DE RECONHECIMENTO: UMA LEITURA A PARTIR DE JUDITH BUTLER Marcos Mariano Viana da Silva 1 Resumo: Este trabalho pretende refletir sobre o papel do Estado como um monopólio dos recursos legais de reconhecimento e a crítica à violência de Estado a partir das ponderações sugeridas pela pensadora norte americana Judith Butler nas obras “Deshacer el Género” (2006), “Vida Precaria” (2006), “Quadros de Guerra” (2015) e “Relatar a si mesmo” (2015). Butler (2006) apresenta a noção de que o Estado mantém o controle hegemônico sobre as normas de reconhecimento e indaga se é possível sentir-se inteligível e real fora da esfera do reconhecimento do Estado. Para fomentar o debate teórico são mobilizadas as concepções de Max Weber (2010) sobre o papel do Estado como aquele que detém o monopólio do uso legítimo da força e de Pierre Bourdieu (1989) sobre a violência simbólica, com o intuito de problematizar as implicações das normas de reconhecimento estatal como efeito da dominação racional-legal. Para fins de exemplo empírico, apresenta-se a luta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) pelos os direitos ao reconhecimento da identidade de gênero através da garantia da mudança de nome social e sexo/gênero nos documentos oficiais, ao acesso de atendimentos clínicos e hospitalares adequados e ao respeito protegido, inclusive por legislações específicas, à vivência de gênero de mulheres transexuais e travestis em contextos educativos e sociais. Palavras-chave: Reconhecimento; violência de estado; garantia de direitos. Introdução Este trabalho tem como intenção refletir e contextualizar algumas noções propostas por Judith Butler em algumas de suas obras sobre o poder de reconhecimento e a violência exercida pelo Estado em diferentes níveis da sociedade. A nossa questão central debruça-se sobre como a experiência de reconhecimento pode ser problematizada a partir das atribuições e da influência do Estado no modo de vida dos sujeitos distribuídos em sociedade. Na obra “Deshacer el Género”, Judith Butler (2006) apresenta a noção de que a experiência de reconhecimento pode ser pensada a partir do entrecruzamento de três pontos: desejo, normas sociais e individualidade. Em outras palavras, a autora esclarece que quando percebemos que as normas sociais que moldam a nossa existência carregam em si desejos que não são gerados em nossas individualidades, o poder de dependência exercido por estas normas sociais em nossa individualidade é desvelado. 1 Doutorando do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN, Natal/Brasil.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

PROBLEMATIZANDO O PAPEL DO ESTADO COMO UM MONOPÓLIO DOS

RECURSOS LEGAIS DE RECONHECIMENTO: UMA LEITURA A PARTIR DE JUDITH

BUTLER

Marcos Mariano Viana da Silva1

Resumo: Este trabalho pretende refletir sobre o papel do Estado como um monopólio dos recursos

legais de reconhecimento e a crítica à violência de Estado a partir das ponderações sugeridas pela

pensadora norte americana Judith Butler nas obras “Deshacer el Género” (2006), “Vida Precaria”

(2006), “Quadros de Guerra” (2015) e “Relatar a si mesmo” (2015). Butler (2006) apresenta a

noção de que o Estado mantém o controle hegemônico sobre as normas de reconhecimento e indaga

se é possível sentir-se inteligível e real fora da esfera do reconhecimento do Estado. Para fomentar o

debate teórico são mobilizadas as concepções de Max Weber (2010) – sobre o papel do Estado

como aquele que detém o monopólio do uso legítimo da força – e de Pierre Bourdieu (1989) sobre a

violência simbólica, com o intuito de problematizar as implicações das normas de reconhecimento

estatal como efeito da dominação racional-legal. Para fins de exemplo empírico, apresenta-se a luta

da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) pelos os direitos ao reconhecimento

da identidade de gênero através da garantia da mudança de nome social e sexo/gênero nos

documentos oficiais, ao acesso de atendimentos clínicos e hospitalares adequados e ao respeito

protegido, inclusive por legislações específicas, à vivência de gênero de mulheres transexuais e

travestis em contextos educativos e sociais.

Palavras-chave: Reconhecimento; violência de estado; garantia de direitos.

Introdução

Este trabalho tem como intenção refletir e contextualizar algumas noções propostas por

Judith Butler em algumas de suas obras sobre o poder de reconhecimento e a violência exercida

pelo Estado em diferentes níveis da sociedade. A nossa questão central debruça-se sobre como a

experiência de reconhecimento pode ser problematizada a partir das atribuições e da influência do

Estado no modo de vida dos sujeitos distribuídos em sociedade.

Na obra “Deshacer el Género”, Judith Butler (2006) apresenta a noção de que a experiência

de reconhecimento pode ser pensada a partir do entrecruzamento de três pontos: desejo, normas

sociais e individualidade. Em outras palavras, a autora esclarece que quando percebemos que as

normas sociais – que moldam a nossa existência – carregam em si desejos que não são gerados em

nossas individualidades, o poder de dependência exercido por estas normas sociais em nossa

individualidade é desvelado.

1 Doutorando do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte –

UFRN, Natal/Brasil.

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A partir disso podemos nos perguntar: que desejo é esse? E que poder é esse? Butler (2006)

baseando-se em Hegel afirma que: “el deseo es siempre un deseo de reconocimiento y que

cualquiera de nosotros se constituye como ser social viable únicamente a través de la experiencia

del reconocimiento” (BUTLER, 2006, p. 14). A autora acrescenta que é do desejo de ser

reconhecido enquanto humano que ela pretende pensar, tendo em vista que na esfera do

reconhecimento:

Algunos humanos son reconocidos como menos que humanos y dicha forma de

reconocimiento con enmiendas no conduce a una vida viable. A algunos humanos no se les

reconoce en absoluto como humanos y esto conduce a otro orden de vida inviable. Si parte

de lo que busca el deseo es obtener reconocimiento, entonces el género, en la medida en

que está animado por el deseo, buscará también reconocimiento (BUTLER, 2006, p. 15).

Nesse sentido, podemos introduzir mais dois pontos que serão de profunda relevância para a

nossa reflexão, a noção de vida viável e a de gênero inteligível. Butler (2006) faz uso dessas noções

para contextualizar acerca das estratégias de produção das vidas que podem ser reconhecidas como

humanas, menos humanas ou não humanas. Os termos “viável” e “inteligível” têm a ver com a

concordância entre as expressões identitárias com um sistema de normas sociais fundado e

determinado sob o alicerce da matriz heterossexual. Ou seja, o fato de não se reconhecer nem como

homem nem como mulher, mas como trans2, por exemplo, pode implicar numa série de

experiências que findam em restrições e/ou anulações daquela vida ser considerada como humana.

Com isso, aqui retornamos a nossa segunda pergunta, “que poder é esse?”. Butler (2006)

afirma que as normas sociais têm o poder de interpelar o sujeito enquanto ser social passível de

reconhecimento, uma vez que o desejo de reconhecimento é uma via de mão dupla onde o “eu” não

tem preferência. Afirmar “eu desejo ser reconhecido” é a mesma coisa que dizer “desejo que o

Outro me reconheça”, e, nesse jogo de palavras e ações, o “Outro” exerce muito mais poder do que

o indivíduo que reivindica reconhecimento. A autora coloca que “la medida en que el deseo está

implicado en las normas sociales, se encuentra ligado con la cuestión del poder y con el problema

de quién reúne los requisitos de lo que se reconoce como humano y quién no” (BUTLER, 2006, p.

15). Entretanto, lembramos que Butler avalia que mesmo que o sujeito seja constituído e

dependente das normas sociais, é possível tentar manter com elas uma relação crítica e

transformadora. Dito isto, consideramos a possibilidade de nos apropriarmosdas palavras de Butler

para fazer mais uma indagação: qual é a instituição imbuída por normas sociais que pode ser vista

2Entendendo trans como as experiências de gênero vivenciadas pelas pessoas transexuais, travestis e/ou transgêneros.

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como o grande “Outro” capaz de dar legitimidade ao desejo de reconhecimento do sujeito?

Vislumbramos o Estado como a possível resposta para essa pergunta.

Butler (2006) não faz uma teoria geral do Estado, mas o retrata como sendo aquele que por

vezes detém o monopólio dos recursos de reconhecimento3, uma vez que, na visão da autora, muitas

pessoas gays, lésbicas e trans perseguem a legitimação estatal com o intuito de ter o direito ao

reconhecimento, como humanas e/ou como cidadãs, garantido e respeitado. A fim de exemplos

práticos, Butler (2006) cita as lutas do movimento de pessoas gays, lésbicas, trans, intersexo e

queers pela conquista ao casamento homoafetivo, pela adoção de crianças por casais homossexuais

e o movimento pela despatologização das identidades trans. Em todos esses casos, o Estado aparece

como um dos principais reguladores das condutas e reprodutor das normas sociais baseadas sob a

matriz heterossexual, tendo em vista que essas reivindicações são feitas ao Estado através de

propostas de mudanças na legislação vigente de uma nação.

Para aprofundar nossa análise sobre o papel do Estado como possível monopólio dos

recursos legais de reconhecimento, propomos alçar ao debate, em um primeiro momento, as

ponderações de Max Weber (2005) sobre a definição e as atribuições do Estado na sociedade

moderna, dialogando também com as contribuições de Pierre Boudieu (1997; 2014), Butler (2006) e

os relatos de violência estatal sofrido pelo povo palestino. No segundo momento, a série de

conjuntos de mecanismos de controle em diferentes espaços impostos a maioria da parcela da

população trans brasileira será contextualizada e problematizada a nível conceitual a partir do uso

do suporte das pesquisas de Berenice Bento (2006; 2017), Luma Nogueira de Andrade (2012) e

Tarcísio Dunga Pinheiro (2016). Em seguida, encerramos a nossa proposta de discussão com

algumas considerações sobre como o Estado em seu papel centralizador de reconhecimento legítimo

tenta retirar do sujeito o seu poder inventivo e autônomo da própria existência.

Sobre o papel do Estado: da violência ao reconhecimento

Weber na obra “Ciência e Política: duas vocações” (2005) conceitua o Estado como sendo:

Um agrupamento de dominação que apresenta caráter institucional e que procurou (com

êxito) monopolizar, nos limites de um território, a violência física legítima como instrumento

de domínio e que, tendo esse objetivo, reuniu nas mãos dos dirigentes os meios materiais de

gestão (WEBER, 2005, p. 62).

3 BUTLER, 2006, p. 166.

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A reivindicação do uso legítimo da força física é para Weber o maior atributo do Estado

moderno e aquilo que o define em sua existência. Obviamente, para que algo exista em caráter de

legitimidade é preciso que haja o respaldo da obediência, ou seja, que os dominados se submetam à

autoridade dos dominadores. Nesse sentido, Weber (2005) esclarece que há três tipos de dominação

legítima que justificam a obediência. A primeira delas é a dominação fundamentada no poder

tradicional, que cria raízes na força dos hábitos e nos costumes. A segunda é alicerçada no carisma,

baseada no poder de confiança e na devoção ofertada a um líder, como podemos ver, por exemplo,

o poder carismático exercido por um profeta, por um dirigente de um partido político e/ou por um

demagogo eleito por um plebiscito. A terceira e última é a autoridade que é imposta aos indivíduos

pelo poder da razão da legalidade, ou seja, a obediência a um estatuto, um conjunto de leis e regras.

Weber (2005) ainda observa que a obediência exercida pelo o poder da legalidade é fundamentada

em dois tipos de motivos de interesses pessoas, são eles: a retribuição material e o prestígio social.

A partir disso, temos que lembrar que Weber (2005) ao falar sobre a dominação racional legal

refere-se muito mais ao servidor do Estado-maior administrativo do que ao conjunto de indivíduos

dispersos em sociedade que são subordinados aos processos regulatórios produzidos pela burocracia

estatal. No entanto, visualizamos a possiblidade de colocar em diálogo as ideias do autor para

abordar contextos específicos da realidade social. Antes disso, percebe-se a necessidade de

problematizar e ampliar a noção de violência a qual o Estado tem o controle como trunfo.

Segundo Pierre Bourdieu “o Estado é a posse do monopólio da violência física e simbólica”

(BOURDIEU, 2014, p. 30). De acordo com o autor, a violência simbólica é produzida no campo

simbólico das estruturas das formas de ver e pensar a realidade social e pode ser definida da

seguinte maneira: “A violência simbólica é uma violência que se exerce com a cumplicidade tácita

daqueles que a sofrem e também, frequentemente, daqueles que a exercem na medida em que uns e

outros são inconscientes de a exercer ou a sofrer” (BOURDIEU, 1997, p. 22). Desse modo,

podemos dizer que Bourdieu introduz outro tipo de dominação para pensar as relações entre os

sujeitos integrados em sociedade, a dominação simbólica, que é constituída pela imposição de

sistemas simbólicos – como a língua, arte e os símbolos, por exemplo – de uma classe sobre a outra

e tendo o Estado como centralizador e reprodutor da legitimação da dominação simbólica.

Pois bem, até este ponto chegamos através de apresentações e arranjos teórico-conceituais,

mas podemos partir agora para problematizações de contextos específicos para pensar criticamente

a violência exercida pelo o Estado. Primeiramente, serão apresentadas breves considerações das

experiências do povo palestino em meio ao Estado repressivo de Israel a partir de recortes dos

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relatos dos próprios palestinos em veículos de comunicação, de trechos do diário de viagem de

Berenice Bento à Palestina (2017) e de considerações de Butler (2015) sobre como os palestinos são

“enquadrados” e têm suas vidas apreendidas. Em seguida, partiremos para a contextualização e

problematização de outra realidade, as reivindicações do movimento trans brasileiro a partir da

reflexão sobre a vivência de uma cidadania precária (BENTO, 2014).

Pensando a violência estatal

No relato de viagem narrado por Berenice Bento à Palestina, podemos ver:

Um dia vi um soldado chutando um palestino na hora da prece. Estava no Qalândia

esperando para atravessar para Jerusalém Oriental (ocupada por Israel). De repente, vários

trabalhadores palestinos se ajoelharam e começaram a rezar. O soldado gritava em hebraico

alguma coisa e chutava um destes trabalhadores. Senti meus nervos vibrando, minha

garganta seca e não contive as lágrimas.

Em outro dia conversei com duas crianças de 11 anos que foram presas por soldados

(acusação: jogar pedras nos soldados). Não conseguia dormir. Foram noites iguais a esta

que me levaram a antecipar minha volta. Tornou-se insuportável ver famílias que tiveram

suas casas demolidas, conhecer histórias de crianças que são julgadas por tribunais militares

(BENTO, 2017, s/p)4.

Em outro trecho do seu relato de desrespeitos aos direitos humanos exercidos pelo o Estado

de Israel, Bento narra a sua indagação diante de uma situação política classificada por ela como

ditatorial e tem como resposta: “se assumirmos que estamos fazendo ativismo de direitos humanos

aqui, somos deportados” (idem, s/p). Ora, não é a toa que a Palestina é considerada por alguns

ativistas e intelectuais sensíveis à causa como a maior prisão a céu aberto do mundo, devido à

existência de um muro e dos vários checkpoints (barreiras de controle, fiscalização e revista)

impostos pelas forças militares israelenses. A Palestina não tem um Estado próprio reconhecido,

nem tem forças armadas, quem tem o controle sobre o uso da violência física e simbólica no

território palestino é o Estado de Israel (ibidem). Consequentemente, é o Estado de Israel quem

considera quais vidas são passíveis de um tratamento humano e quais não são (BUTLER, 2015).

Butler (2015) também traz ideias para contribuir com a análise sobre esse contexto. Ao

apresentar a noção de enquadramento, a autora possibilita pensar como o ato de enquadrar alguém

pode ter mais de um sentido, por exemplo:

4 Disponível em: <http://outraspalavras.net/posts/israel-sem-mascaras-por-uma-feminista-brasileira/> Acesso em: 22

Fev. 2017.

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Um dos sentidos de “ser enquadrado” significa ser objeto de uma armação, de uma tática

mediante a qual a prova é manipulada de maneira a fazer uma acusação falsa parecer

verdadeira. Algum poder manipula os termos de aparecimento e torna-se impossível

escapar do enquadramento/armação; alguém é incriminado, o que significa que é acusado,

mas também julgado por antecipação, sem provas válidas e sem nenhum meio óbvio de

retificação (BUTLER, 2015, p. 27).

A noção de enquadramento como armação ou incriminação apresentada por Butler

oportuniza pensar a realidade do povo palestino frente às experiências de controle e verificação da

própria cidadania ocasionadas pelos checkpoints israelenses. Em uma reportagem para o veículo de

comunicação Al Jazeera foram recolhidos vários depoimentos de pessoas palestinas sobre a

experiência de viver em um território rodeado e controlado por diversos checkpoints.

Como se puede observar, si alguien quiere hacer un trámite que no debiera tomarle más de 10

minutos, esto hoy podría convertirse en una hora, y la razón de ello es la existencia de los

checkpoints. Todos los días tenemos momentos difíciles. Hoy, hace apenas una hora, un

estudiante fue detenido en su escuela. Cada día, la policía israelí busca a los niños. Algunos

de los niños más pequeños no van más a la escuela porque tienen miedo a la policía, a los

militares y a los checkpoints. Todo esto ha creado un estado de depresión para nosotros

(Relato de Ziad Shomali, 50 anos, Diretor de escola)5.

Em outro trecho da reportagem uma palestina relata:

Cuando llegué al checkpoints de Suwwana, a pesar de que yo estaba de pie y venía con

dolores, tuve que mostrarles mi tarjeta de identificación. Incluso si eres una mujer

embarazada, usted tiene que parar. No les importa si usted siente dolor o si está

embarazada. Ellos pudieron ver que estaba embarazada. Ellos sabían que estaba

embarazada y me retuvieron de todos modos. Vivimos bajo la colonización; por supuesto

aceptamos que esta es la situación (Relato de Hakmat Jaber, de 34 años, paciente no

hospital Maternidad de la Media Luna Roja)6.

Os depoimentos que narram as situações de controle, violência e humilhações impostas às

vidas palestinas nos permitem refletir sobre algumas das questões centrais da obra de Butler: o que

é uma vida? E como podemos apreender a precariedade e a condição precária da vida? (BUTLER,

2006; 2006b; 2015). Butler ao se debruçar sobre essas questões argumenta que o assunto ainda está

relacionado aos marcos do reconhecimento entre os sujeitos, pois:

Se o reconhecimento é um ato, ou uma prática, empreendido por, pelo menos, dois sujeitos,

e que, como sugeriria a perspectiva hegeliana, constitui uma ação recíproca, então a

condição de ser reconhecido pode acontecer, e efetivamente acontece. Parece, pois, que

ainda há mais dois termos para compreender: apreensão, entendida como um modo de

5Disponível em: <http://www.resumenlatinoamericano.org/2015/12/07/palestina-checkpoints-israelies-vivimos-bajo-la-

colonizacion/> Acesso em 06 de março de 2017. 6Idem.

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conhecer que ainda não é reconhecimento, ou que pode permanecer irredutível ao

reconhecimento; e inteligibilidade, entendida como o esquema (ou esquemas) histórico

geral que estabelece os domínios do cognoscível (BUTLER, 2015, p. 20-21).

Esse modo de conhecer sem pleno reconhecimento apontado por Butler (2015) desvela as

imbricações da condição de ser reconhecido dentro de um sistema determinado por normas sociais,

uma vez que uma vida para ser inteligível como vida precisa se conformar a concepções do que é

uma vida que não são determinadas pelos os sujeitos em suas individualidades, mas produzidas

socialmente e colocadas à variedade dos grupos através de diferentes níveis de entendimento. Por

exemplo, a vida de uma criança palestina é tomada nos mesmos termos de reconhecimento de uma

vida de uma criança israelense? Os depoimentos de crianças palestinas presas e/ou agredidas por

jogarem pedras em soldados de Israel e julgadas por tribunais militares indicam que não. (BENTO,

2017).

Outro exemplo – que será tratado mais adiante – é a condição precária de vida e cidadania

da maioria das pessoas trans brasileiras que experimentam constantemente situações de violência

física e simbólica produzida, reproduzida e/ou sustentada, em muitos casos, pelo o próprio Estado

brasileiro.

Os checkpoints da vida cotidiana

Os checkpoints, já citados anteriormente, são postos militares de controle, fixos ou não,

impostos pelas forças armadas israelenses ao povo palestino. A noção de checkpoint será apropriada

quase como uma proposta conceitual com a finalidade de ser discutida como um mecanismo de

controle capaz de oportunizar a problematização de contextos experimentados pela maioria da

população trans brasileira. Nesse contexto, nomeamos três tipos de checkpointsi mpostos pelo o

Estado à população trans que abordaremos a seguir: o checkpoint médico, o checkpoint escolar e o

checkpoint judicial.

Bento (2006) em sua pesquisa com transexuais no Brasil e na Espanha que se submetem a

uma série de exames clínicos, terapias e laudos psicológicos para conseguirem realizar a cirurgia de

transgenitalização, desvela as estratégias do Estado, encarnado, sobretudo, pelo saber médico, em

diagnosticar as identidades de gênero a partir de um parâmetro de normalidade fundamentado sob

um alicerce heteronormativo. Por outro lado, a autora também apresenta as táticas usadas pelas

pessoas trans para subverterem as normas e os processos burocráticos regulatórios impostos pelo

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saber médico, por exemplo, como pode ser visto na fala de uma das colaboradoras de pesquisa de

Bento que ao comentar em uma reunião do grupo de pessoas trans em Valência/Espanha sobre a

conclusão do médico Robert Stoller que após anos atendendo pessoas que solicitavam um

diagnóstico de transexualidade, afirmou: “Eles mentem”, relata: “nós somos muito mentirosos,

falamos o que eles querem escutar” (BENTO, 2006, p. 66). O ato de mentir no momento que está

sendo analisado, controlado, julgado surge como uma estratégia de resistência e de negociação da

própria identidade que no contexto hospitalar é determinante para atravessar as barreiras de um

checkpoint médico capaz de permitir o acesso ou não a uma cirurgia de transgenitalização, e,

consequentemente, facilitar a mudança no registro civil.

Sobre o atendimento clínico a pessoas trans, Bento (2006) e Butler (2006) são críticas à

classificação da transexualidade como patologia e reivindicam a despatologização das identidades

trans. Butler (2006) propõe a noção de transautonomia para defender o argumento da

despatologização da transexualidade, mesmo esclarecendo que não vislumbra a total ausência da

interferência do saber médico nas vidas das pessoas trans. De acordo com Butler (2006), a

transexualidade precisa passar de patologia para estado de atenção médica, assim como é com a

gravidez, para que as pessoas trans não precisem mais se submeterem a imposições, testes, terapias,

exames e longas jornadas em hospitais, ou seja, uma série de mecanismos de controle do próprio

modo de vida que estamos chamando aqui de checkpoints médicos e passem a ter a autonomia sobre

o próprio corpo e a própria existência, tendo como garantia o direito ao cuidado e a atenção médica.

Outro ponto que vale ser lembrado como uma reivindicação do movimento trans brasileiro7

é a luta por reconhecimento e respeito à identidade gênero em contextos escolares. Luma Nogueira

de Andrade (2012) realiza uma pesquisa sobre a inserção de travestis na escola na rede estadual de

ensino do Ceará e conclui que o baixo número de pessoas trans que não ocupam os espaços

educacionais não se dá pelo simples motivo da evasão, mas pode ser explicado muito mais por um

tipo de “evasão involuntária”, ou seja, uma tentativa de expulsão, tendo em vista que a autora

aborda a aceitação por parte dos professores e gestores da escola do uso do nome social pelas

travestis e também o dilema da utilização do banheiro para as travestis. Nas palavras de Bento

(2011) o que acontece em muitos casos no espaço da escola com as pessoas trans são a produção e

reprodução de práticas “heteroterroristas” por meio da transfobia, do constrangimento e da anulação

das identidades trans. A escola, a sala de aula, a chamada de nomes na lista de presença e a

vigilância do uso do banheiro por pessoas trans é o que estamos tentando caracterizar nesse breve

7 Ver mais em: <https://www.facebook.com/antrabrasil/> Acesso em 03 de março de 2017.

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esboço reflexivo de checkpoint escolar, ou seja, situações que têm como finalidade controlar e

marcar o limite da autonomia do reconhecimento do sujeito na escola.

Contudo, para complementar a nossa análise, não podemos esquecer que o nome social é,

sobretudo, uma reivindicação por reconhecimento em termos jurídicos com a finalidade da garantia

à cidadania, como foi observado por Tarcísio Dunga Pinheiro (2016) no acompanhamento de

processo de retificação do registro civil de uma das suas colaboradoras de pesquisa, Érica.

De maneira simplificada, o andamento do processo de retificação de registro civil de Érica,

que teve a duração de dois anos, iniciou-se com a solicitação de uma petição inicial,

confeccionada pelo advogado responsável pelo atendimento e acompanhamento do

processo. Em seguida, vieram as consultas periódicas com profissionais da área de saúde –

psiquiatra, psicólogo, endocrinologista, ginecologista, urologista – cujo intuito era a

emissão dos laudos que viriam a comprovar que a demanda era realmente necessária, visto

que eram esses profissionais diagnosticariam se a experiência de gênero feminina da

solicitante realmente “caracterizavam a realidade”. Além disso, mensal ou quinzenalmente

assistentes sociais faziam “visitas” ao local de moradia e trabalho da interlocutora para

analisar possíveis desencontros entre os relatos apresentados e o cotidiano em si

(PINHEIRO, 2016, p. 72).

Como podemos ver no relato acima, para Érica conseguir a retificação do registro civil e ter

a sua “certidão de (re)nascimento” (como nomeia Pinheiro) em mãos, foi imposto a ela uma série de

processos burocráticos para a certificação de que Érica era uma “transexual de verdade”, termo

analisado e desconstruído por Bento (2006), mas que ainda é usado como justificativa para que a

sentença favorável a pessoa trans seja dada pelo juiz. A retificação do registro civil de acordo com a

identidade de gênero da pessoa trans pode ser entendida como uma conquista dentro de um sistema

marcado pela vivência de uma cidadania precária (BENTO, 2014).

A cidadania precária representa uma dupla negação: nega a condição humana e de

cidadão/cidadã de sujeitos que carregam no corpo determinadas marcas. Essa dupla

negação está historicamente assentada nos corpos das mulheres, dos/as negros/as, das

lésbicas, dos gays e das pessoas trans (travestis, transexuais e transgêneros). Para adentrar a

categoria de humano e de cidadão/cidadã, cada um desses corpos teve que se construir

como “corpo político”. No entanto, o reconhecimento político, econômico e social foi (e

continua sendo) lento e descontínuo (BENTO, 2014, p. 167).

O que sugerimos concluir a partir das narrativas das colaboradoras de Pinheiro (2016) e

Bento (2006) sobre o longo processo de fabricação e verificação de provas que atestem a vivência

da transexualidade é mais uma vez a visualização de barreiras de revista, fiscalização e controle

sobre a vida dos sujeitos, dessa vez no âmbito jurídico, retratando assim, as experiências de

enfrentamento a um checkpoint judicial imposto às pessoas trans.

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Em suma, a problematização dos checkpoints da vida cotidiana refere-se à violência

cometida pelo o Estado por meio de distintas estratégias de constrangimentos, restrições e/ou

proibições aos sujeitos que em teoria deveriam estar protegidos pelo o próprio Estado em diferentes

contextos sociais. Sobre essa questão, Butler (2015) apresenta a noção de condição precária para

visibilizar a situação de vulnerabilidade social que se encontram alguns sujeitos:

A condição precária designa a condição politicamente induzida na qual certas populações

sofrem com redes sociais e econômicas de apoio deficientes e ficam expostas de forma

diferenciada às violações, à violência e à morte. Essas populações estão mais expostas a

doenças, pobreza, fome, deslocamentos e violência sem nenhuma proteção. A condição

precária também caracteriza a condição politicamente induzida de maximização da

precariedade para populações expostas à violência arbitrária do Estado que com frequência

não têm opção a não ser recorrer ao próprio Estado contra o qual precisam de proteção. Em

outras palavras, elas recorrem ao Estado em busca de proteção, mas o Estado é

precisamente aquilo do que elas precisam ser protegidas. Estar protegido da violência do

Estado-Nação é estar exposto à violência exercida pelo Estado-Nação; assim, depender do

Estado-Nação para a proteção contra a violência significa precisamente trocar uma

violência potencial por outra. Deve haver, de fato, poucas alternativas. É claro que nem

toda violência advém do Estado-Nação, mas são muito raros os casos contemporâneos de

violência que não tenham nenhuma relação com essa forma política (BUTLER, 2015, p.

46-47).

O saber médico e o hospital, a escola e o poder judiciário apresentam-se como braços do

Estado que têm a capacidade não só de manipular a violência física e simbólica, como argumenta

Bourdieu (2014), mas de ser o veículo emissor de reconhecimento sob o espectro da legitimidade.

Os checkpoints (médico, escolar e judicial) representam as barreiras que funcionam como

mecanismos de controle impostas pelo o Estado a aqueles que usam o próprio Estado como porta

para conseguirem o acesso ao reconhecimento e a experiência de uma vida viável.

Considerações Finais

Por fim, é importante deixar claro que a proposta do nosso exercício de reflexão teórica

inspirado pelas proposições de Butler tem muito mais a intenção de incitar provocações ao debate e

a contextualização de recortes específicos da realidade brasileira – como, por exemplo, as questões

enfrentadas pela população trans no Brasil – do que esgotar as possibilidades de respostas às

perguntas feitas pela autora.

Tivemos o intuito de dialogar com os conceitos mobilizados por Butler, como por exemplo,

a noção de reconhecimento, vidas viáveis e/ou inteligíveis, assim como também as considerações

sobre a violência de Estado e a condição precária imposta a certas populações, para tentar

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evidenciar e cavar uma brecha possível de ler Butler de forma que escape da tentação colonizadora

de impor e encaixar as propostas teóricas da autora, sem maiores problematizações, a um contexto

exterior que não é trabalhado diretamente em sua obra. Por isso, com a ajuda de outros autores

como Bento (2006; 2017), Andrade (2012) e Pinheiro (2016), vislumbramos a oportunidade de

pensar a noção de checkpoint como proposta conceitual a fim de contextualizar algumas das

demandas e lutas da população trans no Brasil.

Um último ponto merece ser destacado como horizonte de discussão futura possível sobre os

limites do exercício da violência e do reconhecimento por parte do Estado. A noção de

despossessão (BUTLER, 2006; 2011; 2015b) tomada para análise pela autora para discutir como é

difícil haver a criação de si mesmo fora das determinações das normas que orientam, até mesmo de

modo violento, os sujeitos em sociedade. Recorrer ao Estado a fim de ter em mãos um documento

que garanta o reconhecimento enquanto sujeito possuidor de um gênero inteligível perante a Lei,

como é o caso de Érica acompanhado por Pinheiro (2016) em sua pesquisa, evidencia como o

Estado usa de estratégias – em diferentes níveis – para tirar do próprio sujeito o caráter de possuidor

de si mesmo, tentando anular assim a sua autonomia como sujeito criador da própria existência.

Com isso, almejamos ter contribuído para o debate das ideias de Butler de modo crítico,

reiterando a intenção de contextualizar as reflexões sobre quais vidas são consideradas humanas e

quais não são e sobre como Estado usa dos seus aparelhos disponíveis para mediar o desejo por

reconhecimento.

Referências

ANDRADE, Luma Nogueira de. Travestis Na Escola: Assujeitamento ou Resistência à Ordem

Normativa. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação - UFC. Fortaleza, 2012.

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Bento. - Rio de Janeiro: Garamond, 2006.

______. Na escola que se aprende que a diferença faz a diferença. In: Revista Estudos Feministas.

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______. Nome social para pessoas trans: cidadania precária e gambiarra legal. Contemporênea –

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______. Israel sem máscaras, por uma feminista brasileira. Disponível em:

<http://outraspalavras.net/posts/israel-sem-mascaras-por-uma-feminista-brasileira/>Acesso em: 22

Fev. 2017.

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BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado: Curso no Collège de France (1989-1992). São

Paulo:Companhia das Letras, 2014.

______.Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

BUTLER, Judith. Deshacerel género. Barcelona: Paidós, 2006.

______. Vida precaria: El poder del duelo y la violência. Buenos Aires – Barcelona – México:

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______. Violencia de Estado, guerra, resistencia: por una nueva política de la izquierda. Buenos

Aires: Katz Editores – Barcelona: CCCB, 2011.

______. Quadros de Guerra: Quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2015.

_____. Relatar a si: crítica da violência e ética. Ed: Autêntica, 2015b.

PINHEIRO, Tarcísio Dunga. ENTRE ELAS:Políticas públicas e cidadania de travestis e mulheres

transexuais de uma ONG emNatal/RN. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em

Ciências Sociais - UFRN. Natal/RN, 2016.

WEBER, Max. Ciência e Política: Duas Vocações. Cultrix, 2005.

Problematizing the role of the state as a monopoly of legal recognition resources: A reading

from Judith Butler

Abstract:

This work intends to reflect on the role of the State as a monopoly of the legal resources of

recognition and the criticism to the violence of State from the considerations suggested by the North

American thinker Judith Butler in the works "Undoing Gender" (2006), "Precarious Life" (2006),

"Frames of War" (2015) and "Giving An Account of Oneself" (2015). Butler (2006) presents the

notion that the state retains hegemonic control over recognition norms and inquires whether it is

possible to feel intelligible and real outside the realm of state recognition. In order to foment the

theoretical debate, Max Weber (2010) conceptions of the role of the State as having the monopoly

of the legitimate use of force and Pierre Bourdieu (1989) on symbolic violence are mobilized with

the aim of problematizing the implications of the rules of state recognition as an effect of

Legitimate rational domination. For the purpose of an empirical example, the struggle of the

National Association of Transsexuals and Transgender (ANTRA) for the rights to the recognition of

gender identity through the guarantee of the change of social name and sex / gender in official

documents, access to care clinical and hospital conditions and to the protected respect, including by

specific legislation, for the gender experience of transsexual and transgender women in educational

and social contexts.

Keywords: Recognition; State violence; Guarantee of rights.