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PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE PROCURADORIA-GERAL DO MUNICÍPIO Processo Administrativo Nº: 001.060694.03.3 Interessado: Global Village Telecom Ltda Assunto: Natureza jurídica da cobrança do espaço aéreo e do subterrâneo de propriedade municipal utilizado para extensão de redes de infra-estrutura para telefonia Parecer Nº 1096/04 Competência municipal para gestão dos bens públicos. Constitucionalidade da cobrança pela utilização da propriedade municipal. Natureza jurídica da cobrança decorrente da utilização da propriedade municipal para extensão de redes de infra-estrutura aéreas e subterrâneas. Preço público. Legislação Municipal incidente. Precedentes jurisprudenciais. A Global Village Telecom Ltda. dirigiu requerimento ao Secretário Municipal da Fazenda (SMF) denominando Reclamação Administrativa, em face do recebimento das guias de cobrança do preço público, decorrente da utilização de bens públicos de propriedade municipal para extensão de redes aéreas e subterrâneas efetuada pela reclamante. Em síntese, alega (a) que foi surpreendida pela cobrança, (b) que não há possibilidade de cobrança de valores retroativos ao Decreto Nº 1

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Processo Administrativo Nº: 001.060694.03.3

Interessado: Global Village Telecom Ltda

Assunto: Natureza jurídica da cobrança do espaço aéreo e do subterrâneo depropriedade municipal utilizado para extensão de redes de infra-estrutura paratelefonia

Parecer Nº 1096/04

Competência municipal para gestão dos benspúblicos. Constitucionalidade da cobrançapela utilização da propriedade municipal.Natureza jurídica da cobrança decorrente dautilização da propriedade municipal paraextensão de redes de infra-estrutura aéreas esubterrâneas. Preço público. LegislaçãoMunicipal incidente. Precedentesjurisprudenciais.

A Global Village Telecom Ltda. dirigiu requerimento aoSecretário Municipal da Fazenda (SMF) denominando ReclamaçãoAdministrativa, em face do recebimento das guias de cobrança do preço público,decorrente da utilização de bens públicos de propriedade municipal paraextensão de redes aéreas e subterrâneas efetuada pela reclamante.

Em síntese, alega (a) que foi surpreendida pela cobrança,(b) que não há possibilidade de cobrança de valores retroativos ao Decreto Nº

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13.384/01, (c) que não há possibilidade da cobrança de valores retroativos àemissão dos avisos de cobrança ou mesmo à publicização dos valores quecompõe o fator “T” da fórmula inscrita no art. 12 do decreto Nº 13.384, (d) que anatureza jurídica da cobrança é de tributo da espécie taxa e não preço público e(e)ocorrer ofensa ao princípio constitucional da isonomia.

Na SMF foram prestados os esclarecimentos relativos ametodologia do cálculo adotada pelo Município, reclamada no item “b” citadoem epígrafe, motivando fartamente o cálculo que informam as guias emitidas,quanto a alegada falta de publicidade dos valores que compõe o “T” da fórmula,dando conta que este é informado pela própria empresa, motivo pelo qual nãocabe argumentar o seu desconhecimento, bem como explicitações quanto areclamada falta de isonomia de tratamento entre as empresas que operam nomercado. Foi esclarecido que a Lei Municipal estabeleceu prazo de carência dedois anos para regularização das empresas que já estavam instaladas em PortoAlegre, bem como o procedimento que está sendo adotado para as demaisempresas que atuam na cidade.

O processo foi remetido à PGM para abordagem dosaspectos jurídicos questionados pela GVT.

É o relatório.

I – DO HISTÓRICO DA COBRANÇA EM PORTO ALEGRE

A.

B. Em 05 de junho de 2000 foi publicado o Decreto12.789/00 que disciplina o licenciamento ambiental e o registro dasinformações decorrentes da implantação, ampliação e extensão dasredes de infra-estrutura para os serviços públicos, a utilização do bempúblico municipal para este fim, estabelece regras para cobrança pelautilização do espaço público, bem como define prazo para regularizaçãodas atividades implantadas anteriormente a Lei Municipal 8.267/99 e dáoutras providências.

As regras relativas a cobrança pela utilização do espaço depropriedade municipal constam da seguinte forma:

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Art. 15 - A requerimento do interessado, o Município poderáconceder o uso dos dutos instalados no subsolo de propriedademunicipal, notadamente dos logradouros públicos, paraimplantação e ampliação das redes de infra-estrutura deserviços públicos, mediante Termo de Concessão de Uso.

Parágrafo único - Constatada a viabilidade técnica da solicitaçãoo processo de licenciamento será dirigido à Secretaria Municipalda Fazenda, para fins de elaboração do Termos a que se refereo “caput” deste artigo.

Art. 16 - Todos os interessados na colocação de redes na cidadee que quiserem utilizar o espaço público municipal poderão fazê-lo, desde que observadas as condições estabelecidas nesteDecreto.

Art. 17 - Para o arbitramento do valor do espaço público municipalpara extensão e ampliação das redes aéreas e subterrâneas seráconsiderado os seguintes aspectos:

potencial econômico da infra-estrutura;

o estímulo à compatibilização do interesse municipal na induçãoao crescimento, aliado à rentabilidade do produto;

o valor econômico do bem, considerando a finalidade utilizada.

§ 1º - Definido o valor este deve ser adotado para todos osserviços de igual natureza.

§ 2º - Compete ao Município fundamentar mediante aapresentação de laudo técnico, o valor do pagamento pelaConcessão de Uso do Espaço Municipal, de modo que não sejavil, nem extorsivo.

Para atribuir o valor do espaço de propriedade públicamunicipal, o Município contratou um estudo do CPQD, órgão técnico comnotório saber na área, oriundo da Embratel, a fim de auxiliar na formulação dopreço público a ser cobrado pelo uso.

Neste Decreto constava regra para regularização dasoperadoras que já atuavam em Porto Alegre, atribuindo 04 meses para queprovidenciassem a Licença de Operação1.

1 Art. 13.” As prestadoras de serviço público cujas redes de infra-estrutura já estão implantadas em PortoAlegre, deverão providenciar a licença de Operação, na forma do art. 21 da lei 8.267/98, no prazo de 04meses, a contar da publicação deste Decreto”.

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Posteriormente, sobreveio a Lei Municipal Nº 8.712/01,publicada em 19 de janeiro de 2001. Sobre a cobrança, esta lei estabelece oquanto segue:

Art. 1º A ut i l ização de qualquer bem públ icomunicipal para colocação de redes de infra-estruturadeve ser remunerada.

§ 1º A remuneração pelo uso do próprio municipaldeve considerar o valor comercial do serviço a serimplantado.

§ 2º O Município de Porto Alegre deve demonstrartecnicamente os cri tér ios uti l izados para apuração dovalor atr ibuído ao subsolo ou ao espaço aéreorespectivo.

Art . 2º Para efeito do disposto no art. 1º, considera-se a ut i l ização do subsolo das vias públicas, passeiospúbl icos, prédios públicos, obras de arte,logradouros, bem como a ut i l ização da via aérea componto de apoio nos postes, ou na parte infer ior da viaou leitos, com postos de vis ita ou não.

Parágrafo único. Também devem ser remunerados aut i l ização do mobi l iár io urbano, os espaços ut i l izadospelas estações de radiobase de telefonia celular, bemcomo simi lares.

Já, acerca da regularização das situações existentes,estabeleceu um prazo de dois anos para que atendessem as regras atuais2.Esta Lei segue em vigor e tem orientado a atuação do Executivo municipal namatéria.

2 Art. 8º.” As redes aéreas e subterrâneas já existentes noMunicípio de Porto Alegre devem atender às atuais regras,regularizando a sua situação no prazo máximo de 02 (dois)anos.Parágrafo único. As empresas devem ser not if icadas para efetuar a regularização juntoao Munic íp io de Por to Alegre, sob pena de serem instadas a re t i rar as respectivasinfra-estruturas .”

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C. Após a conclusão do estudo do CPQD, do desenvolvimentode metodologia para a cobrança pelo Executivo, em setembro de 2001,foi publicado o Decreto 13.384/01 que regulamenta a Lei 8.712 de 19 dejaneiro de 2001, revoga artigos do Decreto 12.789 de 07 de junho de2000, dispõe sobre o preço público a ser cobrado pela utilização dosespaços de propriedade municipal e dá outras providências.

Assim, conforme se constata na digressão histórica emepígrafe, o dispositivo que estabelece a cobrança encontra-se no Decreto12.789 de 2000. Como se trata de remuneração pelo uso de bens está dentreas atividades de gestão, inerentes ao Poder Executivo, motivo pelo qual nãonecessitam de lei. No Rio de Janeiro, por exemplo, toda a cobrança estácalcada em Decreto. O art. 17, acima citado, estabelece os elementos quecompõem este preço público. Assim temos um valor atribuível e não atribuído, oque é plenamente aceitável, em termos jurídicos.

Destarte, não assiste razão ao reclamante ao dizer que foisurpreendido pela cobrança e que não tinha como saber o valor a ser pago,conquanto a legislação citada é pública, bem como os critérios que compõe estepreço estão expressos.

II – DO TEMA NO CONTEXTO BRASILEIRO3

Após a quebra do monopólio estatal para prestação deserviços públicos houve um significativo aumento de serviços postos àdisposição do mercado consumidor, os quais, para sua instalação, necessitamda extensão de redes, tanto subterrâneas quanto aéreas. São exemplos destesnovos serviços a telefonia celular, as televisões a cabo, as infovias próprias paraa Internet ou para ligações dos sistemas em rede. Além disto, tambémdependem de redes o gás canalizado, a energia elétrica, a água canalizada e oesgoto. Desta forma, o avanço tecnológico, o acelerado processo de ampliaçãodas telecomunicações, os serviços que estão sendo postos à disposição domercado consumidor que se encontra nas grandes cidades, dão conta de umnovo fato, no qual o locus privilegiado para implantação das redes aéreas esubterrâneas necessárias à efetivação dos mesmos são os Municípios.

Esta nova realidade exigiu do Município de Porto Alegre, ede outros na mesma situação, uma atuação efetiva visando que: (a) os serviçosfossem disponibilizados com a máxima segurança para os munícipes, (b) adisponibilização dos serviços e a respectiva implantação da infra-estrutura fossecompatibilizada com o processo de planejamento municipal e com as redes quejá existem nas cidades; (c) o poder local determinasse os espaços nos quais as

3 Este assunto foi desenvolvido em artigo de lavra da signatária denominado Redes Aéreas e Subterrâneas ea Relação com o Poder Local – Obrigatoriedade de Licenciamento e Possibilidade de Cobrança pelo Usodo bem Público, parcialmente reproduzido neste parecer. Tese premiada no XXVI Encontro Nacional deProcuradores Municipais, realizado em Vitória/ES de 1° a 4 de agosto de 2000, com o troféu OswaldoAranha Bandeira de Mello. Trabalho Publicado na Revista Interesse Público, n. 7, julho/setembro de2000, São Paulo, ed. Nota Dez

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redes podiam ser instaladas; (d) que as redes instaladas em área depropriedade municipal observassem o regime jurídico dos bens públicos.

Deste contexto, que fez com que o subsolo, anteriormentetido como infindável e bem fora do mercado por não possuir valor econômico,passasse a ser elemento substancial e escasso, porque fisicamente limitado,emergiu a necessidade de regulamentar a relação destes novos serviços com acidade, disciplinando por onde passam e regulamentando a sua interferência noespaço construído, bem como aplicando a estes novos serviços o regimejurídico dos bens públicos. Talvez a perplexidade desta atuação decorra natradição brasileira do poder público não gerir seus bens, deixando ocupá-los por particulares ao alvedrio das regras existentes sobre a utilizaçãodos bens públicos por terceiros.

Em Porto Alegre houve a indução da formação deconsórcios entre as operadoras de telefonia para que trabalhassem emconjunto, evitando a proliferação de buracos; nas obras viárias grandes como a3ª Perimetral houve o chamamento para atuação conjunta dos prestadores deserviços, em parceria com as empresas de telecomunicações. E por meio dadação em pagamento em face da utilização dos bens públicos está sendoconstruída uma rede pública urbana que permite que outros operadores quechegarem à cidade estendam seus serviços utilizando os dutos já existentes,evitando novas escavações que se constituem em enorme incômodo para osmunícipes. Além disso, para as redes novas definiu-se os locais por ondepassariam. Há locais, como por exemplo a Av. Borges de Medeiros onde não hámais espaço para novas redes subterrâneas, sendo que foi definido outro localpor onde deveria passar. Ainda, as operadoras, com fulcro na lei oraquestionada, já pagaram ao Município, por meio da construção da rede públicaurbana realizada na forma de dação em pagamento pela utilização do espaçode propriedade municipal.

Para as empresas que operavam no Município há anos, aLei Municipal nº 8.712/01, em seu art. 8º, previu a regularização, visandoatender às atuais regras no prazo de dois anos, a contar da sua publicação4. Asatuais regras referem-se a cobrança pela utilização do espaço de propriedademunicipal, bem como o licenciamento da atividade, fornecendo o cadastro dalocalização e extensão das redes existentes. O referido prazo findou em 20 dejaneiro de 2003. Em 07 de janeiro foi postada correspondência registradadirigida às empresas, notificando-as da necessidade do cumprimento da lei.

Uma delas, a Brasil Telecom, ajuizou Mandado deSegurança contra a cobrança pretendida pelo Município, sendo que em 1º graua decisão foi de improcedência. Os argumentos debatidos são praticamente osmesmos apresentados na reclamação da GVT. Diz a sentença5:

4 Art, 8º . “As redes aéreas e subterrâneas já existentes no Município de Porto Alegre devematender às atuais regras, regularizando a sus situação no prazo máximo de 02 (dois) anos.”5 Processo Nº 0114335970. Impetrante: Brasil TelecomImpetrado: Secretário da Fazenda Municipal de Porto AlegreJuíza Prolatora: Rosana Broglio Garbin – 4ª Vara da Fazenda Pública

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“A pretensão do impetrante em entender a natureza jurídica daremuneração estabelecida na lei municipal em questão, dizrespeito a compulsoriedade do pagamento de sua parte.

Tal circunstância, contudo, não se apresenta. A utilização doespaço público municipal decorre do interesse do impetrante enão de obrigação firmada com a agência reguladora, como fazcrer. As metas que deve atingir, poderiam ser alcançadas porsistemas tecnológicos outros, sem a utilização de áreaspúblicas, como bem salienta o município. A partir do momentoem que opta pela utilização de sistema tecnológico compassagem de fiação pelo subsolo e/ou espaço aéreo, deve arcarcom os custos de tal empreendimento.”

A lei municipal questionada foi editada nos estritos limitesda competência municipal, com a finalidade de disciplinar o uso dos benspúblicos e os serviços postos à disposição nas cidades, o que já foireconhcecido pela decisão judicial acima citada. A cobrança de preço públicopela utilização do subsolo e do espaço aéreo utilizado pelo Reclamante decorredo regime jurídico dos bens públicos, tem amparo constitucional, não é umataxa porque não se trata de prestação de serviço público nem exercício depoder de polícia, mas de utilização de bens público por terceiros. Nas palavrasde Ivan Barbosa Rigolin:6 “a) jamais se pode confundir trespasse de serviçopúblico (concessão de serviço, permissão de serviço) com trespasse de uso debem público (concessão de uso, permissão de uso, autorização de uso)institutos tão semelhantes entre si quanto uma ervilha e um parafuso; b) aConstituição federal não se referiu à questão do uso de bens públicos, cujasmodalidades permanecem ao alvedrio dos entes federados estabelecer edisciplinar de alfa a ômega”.

III - DA COMPETÊNCIA MUNICIPAL PARA LEGISLAR

O Brasil é uma República Federativa, formada pela uniãoindissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal7. O sistemaconstitucional vigente, portanto, estabelece que vivemos em uma RepúblicaFederativa Presidencialista8, composta pela União, Estados, Municípios eDistrito Federal. A partir desta constatação precisamos analisar as implicaçõesdecorrentes. Os Municípios são entes federativos9, da mesma forma que o são o

6 RIGOLIN, Ivan Barbosa, Uso de Bens Públicos – Matéria de Interesse Local – AutonomiaLocal para Disciplinar, DCAP – Direito Administrativo Contabilidade e Administração Pública,Nº 09, setembro 1999.7 Art. 1º Constituição Federal8 O sistema de governo presidencialista foi decidido em plebiscito realizado em 21/04/93, emcumprimento ao que dispôs o art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias daConstituição Federal.9 Art. 1º(citado corpo do texto) e art. 18 da Constituição Federal (art. 18 - A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito

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Estado, a União e o Distrito Federal, cada qual com suas competênciaspróprias.

A adoção de um modelo federativo ocasiona oreconhecimento da autonomia recíproca entre os entes que compõe aFederação. Isto porque existe igualdade jurídica entre os entes federativos10, namedida em que cada qual atua no âmbito da competência que lhe está atribuídana Constituição Federal. A definição quanto a área material de atuação decorre,pois, da própria Constituição ao estabelecer as competências dos entesfederativos11. A competência é a parcela de poder que cada ente federativo tempara dispor ou atuar.

A conceituação e a clara compreensão do que sejacompetência constitucional e das competências definidas na Constituição de1988 é imprescindível para interpretarmos a questão decorrente da competênciamunicipal para incidir sobre o tema. Isto porque, não há hierarquia entre leiseditadas pela União, Estados e Municípios. O que existe são competênciasatribuídas constitucionalmente a cada ente federativo.

Desde já, deixamos claro que a competência municipalnada tem a ver com a concessão dos serviços públicos, cuja atribuição éevidentemente federal.

O art. 21, incisos XI e XII 12da Constituição Federal,estabelece ser da competência da União a exploração direta ou medianteautorização, concessão ou permissão os serviços de telecomunicações, osserviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, os serviços e instalaçõesde energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água.

No âmbito das telecomunicações, a Lei Federal Nº 9.472,de 16 de julho de 1997, dispôs sobre a organização dos serviços detelecomunicações. Já a Lei Federal 9.427/96, disciplinou o regime de concessãodos serviços de energia elétrica, sendo que ambas as leis criam as respectivasagências reguladoras do setor. Trata-se da operacionalização do difundidoPlano de Reforma do Estado, o qual pressupunha a quebra do monopólioestatal, com a privatização ou a concessão dos serviços públicos.Evidentemente não pretende o Município intervir em tal questão, por não tercompetência constitucional para tanto, porquanto matéria de atribuição daUnião, já regulamentada pelas leis federais citadas e em plenodesenvolvimento. Todavia, não obstante ser competência da União disporsobre a exploração, autorização, concessão ou permissão dos serviços, istonão implica que os mesmos possam ser prestados sem o cumprimento deregras básicas dos Municípios, nem tampouco utilizando o espaço públicomunicipal sem o devido licenciamento e, quiçá a contraprestação remuneratória

Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição)10 Ataliba, Geraldo - Regime Constitucional e Leis Nacionais e Federais - RDP 53-54, p. 59 esegts.11 Na Constituição as competências estão elencadas nos arts.21 e 22 da União, art 25 dosEstados e 30 dos Municípios, sem prejuízo de outras definidas ao longo do texto constitucional12 Definições introduzidas pela Emenda Constitucional Nº 8, de 15-08-95

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cabível. Isto porque, é da competência dos Municípios, tanto as regras edilíciasquanto aquelas decorrentes do uso do solo urbano, conforme se verá a seguir.Destarte, a mesma fonte de validade da legislação federal sobre o tema, ouseja, a Constituição do Brasil, estabelece que é da competência municipal afunção de planejamento municipal, do controle da atividade edilícia e do uso dosolo urbano. Neste sentido, reconhecendo a competência municipal o art. Ar.74 da Lei Federal 9.472, de 16 de julho de 1997, assim dispõe:

Art. 74 - A concessão, permissão ou autorização deserviço de telecomunicações não isenta a prestadora doatendimento às normas de engenharia e às leis municipais,estaduais ou do Distrito Federal relativas à construção civil e àinstalação de cabos e equipamentos em logradouros públicos.

Veja-se que a própria Lei Federal, em respeito à federaçãoe às competências constitucionais, ressalva expressamente a competência dosdemais entes federativos quanto às regras edilícias e a ocupação doslogradouros públicos. Neste sentido, é que reafirmamos a competênciamunicipal para dispor sobre o tema, notadamente no âmbito da implantação eampliação das redes de infra-estrutura para execução dos serviços que têm nosMunicípios o “locus” de atuação. Trata-se de um poder-dever do ente federativomunicipal, o qual deve ser exercido limitado e adstrito aos princípios e às regrasconsagradas pelo texto constitucional. Os serviços públicos concedidos devemintegrar-se ao processo de planejamento municipal13 e não o inverso. Assim, sedeterminadas áreas da cidade são de indução ao crescimento urbano, porexemplo, os serviços públicos concedidos precisam chegar até lá. Ao contrário,se em algumas regiões existir restrições urbanísticas, ou inviabilidade deimplantação das redes de infra-estrutura, os serviços para serem implantadosdeverão adequar o seu projeto às restrições urbanísticas (por exemplo, áreas depreservação histórica, nas quais é vedado a construção de redes subterrâneasporque romperiam com calçadas , meio fio e vias dotados de valor históricopassível de proteção jurídica). E esta definição é eminentemente municipal,resguardada a preponderância do interesse de cada ente federativo (se umaárea inserida em um Município for tombada pelo Estado ou pela União, paraimplantação da infra-estrutura que implique em alteração ou modificação dobem protegido o ente que emitiu o ato de tombamento é que deve ser ouvido).

13 Joaquim Castro Aguiar, na obra Direito da Cidade, ed. Renovar, Rio de Janeiro, 1996, assim semanifesta sobre o tema: (p. 42, 43 e 44)“Muito mais do que um plano de obras, o planejamento local deve ser integrativo, interessado noprogresso da economia do Município, no aproveitamento e beneficiamento dos recursos locais ena preparação das cidades como centros de serviços que estejam ao alcance de todas asclasses da população....O fato de hoje em dia várias empresas e entidades autônomas estatais estarem encarregadas daimplantação e administração de redes de serviços nas cidades - água, energia elétrica, telefone,ressalta ainda mais a necessidade de disporem os governos municipais de um plano comorientação integrada sobre o crescimento físico das cidades, a partir do qual possam dialogarcom as referidas instituições e cooptar o seu esforço, visando a garantir o atendimento dosinteresses locais.”

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Muitos exemplos poderiam ser citados para demonstrar ointeresse local14 emergente da implantação, ampliação ou reestruturação dasredes de infra-estrutura. Um ponto de distribuição de energia elétrica quenecessita de equipamento volumoso não pode ser instalado em frente a prédiotombado. Ou, ainda, em via que será ampliada, pois a via não poderá serdesviada ou redefinida em função do equipamento urbano instalado. O conjuntoarbóreo das cidades precisa ser identificado e preservado. As árvores com raizprofunda precisam ser consideradas, pois eventual corte da raiz sem maiorescuidados, pode prejudicar a salubridade do vegetal e por conseguinte causar aqueda deste, causando, inclusive, risco à população. A estrutura edilícia dainfra-estrutura necessária à implantação dos serviços públicos deve observar asregras de edificação de cada município. Isto porque tais regras devem estar deacordo com as condições geológicas de cada solo, entre outros aspectos, o queimplica, também, na segurança do munícipe. Além disso, o administradormunicipal deve evitar que a cidade seja transformada em um “queijo suíço”, ouseja, numa seqüência de buracos para colocação das infra-estruturassubterrâneas. Há necessidade de ordenar estas questões, de modo que cause omenor inconveniente à população.

De outra parte, é imprescindível que os Municípiosmantenham o registro das obras que estão acontecendo na cidade, até porquea população vai reclamar ao Poder Local eventuais falhas no mesmo, dever deindenizar, o ruído, etc. Não pode o Chefe do Executivo responder que não sabeque obra está sendo executada ou que tipo de intervenção está ocorrendo noMunicípio. O poder de planejar implica no dever de manter, na obrigação deprocurar, na compulsoriedade de se envolver com tudo o que diz respeito aointeresse local. O cidadão tem o direito à informação sobre tudo o que dizrespeito à cidade. E o Município tem o dever de prestar esta informação, sendoque cada vez mais precisa estar preparado para responder aos cidadãos sobreas questões que dizem respeito a cidade, ao “locus” de vivências, de interaçãosocial, de criação de relações humanas, sociais e culturais que em últimainstância constituem-se na vida dos cidadãos.

Enfim, estas, entre outras questões, dão conta do interesselocal a respeito do tema, o que implica na competência constitucional de disporsobre a questão, de modo que os Municípios possam ser partícipes efetivos doprocesso de ampliação da infra-estrutura das cidades e, em decorrência, dopaís, tornando-as economicamente mais atrativas por serem dotadas dosserviços públicos que acompanham o desenvolvimento tecnológico mundial.

Ainda, é da responsabilidade do Município e decorrentedesta atribuição constitucional de planejar, a manutenção de registrosatualizados e confiáveis, tanto da situação do solo urbano quanto do subsolo.

14 Não é objetivo deste trabalho discutir o conceito de interesse local. Todavia, para situar, trata-se do peculiar interesse gizado pelas constituições anteriores e reforçado atualmente, segundo oqual, no dizer de Hely Lopes Meirelles, “é a predominância do interesse sobre o do Estado ou daUnião”, salientando o mesmo autor não se tratar de interesse exclusivo do Município, não éinteresse privativo da localidade, até porque não existe interesse municipal que não éreflexamente federal ou estadual.Para aprofundar o tema consultar Bastos, Celso - O Município: sua Evolução Histórica e suasAtuais Competências - Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política Nº 1, RT.

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Neste sentido, é imprescindível que as infra-estruturas existentes e mormenteas que venham a ser implantadas, sejam do conhecimento do poder municipal.Isto porque, do poder decorre um dever tanto de prestar esta informaçãoquando solicitado, quanto de compatibilizar as redes existentes, especialmenteas subterrâneas, de modo que não causem prejuízo à segurança dosmunícipes, possam identificar o causador do dano em evento que ocasione odever de indenizar, bem como permitam que as redes sejam implantadas demodo que os demais bens urbanos sejam considerados. São as cidades, porexemplo, que devem definir por onde as redes de infra-estrutura deverãopassar, de modo que preserve tanto a continuidade urbana, quanto a vegetaçãopreexistente e as peculiaridades de cada região da cidade. Esta definição é deinteresse eminentemente local. O limite para atuação municipal está notratamento igualitário de todos os prestadores de serviços públicos (princípio daigualdade), na utilização do regime jurídico de direito público para permitir o usodos bens públicos municipais por terceiros e na observância do princípio dalegalidade na relação a ser estabelecida com o prestador de serviço público.

IV – DA POSSIBILIDADE DE COBRAR PELO USO DO SUBSOLO E DOESPAÇO AÉREO

Conforme já dito a atuação municipal não pode interferir napolítica federal de concessão ou privatização dos serviços públicos. A atuaçãomunicipal restringe-se ao licenciamento, face ao flagrante interesse local e aadministração dos bens públicos municipais utilizados para extensão das redesde infra-estrutura tanto aéreas quanto subterrâneas. Inerente à administraçãode seus próprios bens está o direito a cobrar pela utilização por terceiros.

O princípio federativo informador do Estado Brasileiropressupõe a divisão de competências para atuação, tanto materiais quantoadministrativas. E, o mesmo fundamento que impede os Municípios deinterferirem na política federal de concessão ou de privatização dastelecomunicações, da energia elétrica, entre outras, impede a União de interferirnas normas locais edilícias, de uso do solo, bem como de administração dosbens públicos.

Especificamente quanto à administração dos bens públicoscompete à União exclusivamente a edição de normas gerais, estabelecidas naLei Federal 8.666, a qual estabelece comandos gerais sobre o tratamento daquestão. E, naquilo que excedeu a regra geral, o disciplinamento éinconstitucional15, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal. AConstituição Federal de 198816 não disciplinou o uso dos bens públicos, ficando15 Na Adin 927-3, referente ao capítulos dos bens públicos na Lei Federal 8666, o STFsuspendeu a aplicação aos Estados, Distrito Federal e Municípios da expressão “permitidaexclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera degoverno”, no art. 17-I-c da expressão “permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades daAdministração Pública”. Para aprofundar a questão, consultar Carlos Ari Sundfeld, Licitação eContrato Administrativo, Editora Malheiros, 1994, p. 3116 A Constituição Federal de 1969 separava a propriedade do subsolo da do solo, na hipótese de

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esta atribuição para cada ente federado (União, Estados e Municípios) tratar dosseus próprios bens, além do que dispõe o Código Civil a respeito.

Diante disso, qualquer regra federal que vise a obrigar osMunicípios a não cobrarem, por exemplo, ou a estabelecer o preço público a sercobrado padece do vício da inconstitucionalidade. O parâmetro é a regra geralestabelecida pelo artigo 7317 da lei das telecomunicações, indicando ocompartilhamento das redes de forma não discriminatória e a preços econdições justos e razoáveis.

A extensão das redes de infra-estrutura utilizafundamentalmente as estradas de rodagem e as vias públicas preexistentes, emface da facilidade decorrente da estruturação já consolidada. Cabe aosrespectivos entes federativos disciplinar a cobrança ou não pela utilizaçãodestas. Assim como o Município de Porto Alegre inúmeros outros Municípios jálegislaram sobre a matéria, assim como o fez o Estado do Rio Grande do Sul,por intermédio do DAER.

A matéria vem sendo debatida em Juízo e do nosso Tribunalde Justiça podemos colacionar os seguintes arestos:

ADMINISTRATIVO. MEDIDA CAUTELAR. LIMINAR.CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. USO DE BEMPÚBLICO. PAGAMENTO.

Ausentes os pressupostos, não é de ser concedida amedida cautelar. Hipótese em que o autor funda a pretensãopara se eximir do pagamento pelo uso de bem público estadualem ato normativo federal. Recurso desprovido. Voto vencido18.

O acórdão em epígrafe refere-se a dissídio envolvendo aRGE – Rio Grande Energia S.ª e o DAER/RS – Departamento Autônomo deexistência de jazidas, minas e demais recursos minerais, bem como de potenciais de energiaelétrica. No restante, solo e subsolo eram tratados de forma una, inexistindo separação entreambos, sendo que o proprietário do solo o era também do subsolo.Sob a égide da Constituiçãode 1988, os recursos minerais, inclusive os do subsolo, passaram a ser bens da União, a teor doque dispõe o art. 20, inc. IX da Carta Magna. Repetiu-se a separação entre a propriedade do soloe do subsolo, existente na Constituição anterior, estabelecendo-se, contudo, que o subsolo, paraestas hipóteses, constitui-se em bem da União. Ao proprietário do solo é assegurada aparticipação nos resultados da lavra, na forma que a lei dispuser.Destarte, a única hipótese de osubsolo pertencer à União, é a constante do art. 20, qual seja, existindo jazidas, minas e demaisrecursos minerais. No restante, inexiste separação entre solo e subsolo, sendo que oproprietário do primeiro é também o proprietário do segundo. E, gize-se, esta regra se aplicaigualmente aos bens públicos de propriedade dos Estados e Municípios. Assim, tais entesfederativos, respeitados os princípios e as normas gerais de competência da União, podemdispor sobre a utilização dos mesmos, observado o regime jurídico dos bens públicos.17 As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilizaçãode postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviçosde telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e apreços e condições justos e razoáveis.18 Voto vencedor lavrado pela Desª. Maria Isabel de Azevedo e Souza, Ag. Instrumento Nº70000844530, da 2ª Câmara Cível do TJRS

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Estradas de Rodagem acerca do eventual direito de utilizar as faixas de domíniodas rodovias para extensão das redes de energia elétrica. O TJRS nãoconcedeu a medida visando que a RGE fosse eximida do pagamento do preçopúblico respectivo.

No Rio de Janeiro colhe-se a decisão da 6ª Câmara Cível noAg. Instrumento nº 13294/2000, tendo como Agravante a LIGHT TELECOMLTDA. E Agravados a Secretaria Municipal de Obras e Serviço Público, sendoRelator o Des. Gilberto Rego, a saber:

Processual Civil. Agravo de Instrumento. Mandado deSegurança. Indeferimento de liminar inaudita altera parte parasuspender iminente ato praticado pelas autoridades agravadas.Para a concessão de liminar, imperiosa se faz a presençaconjunta de dois requisitos autorizadores, quais sejam o fumusboni juris e o periculum in mora.

A peça da procuradora municipal, na defesa dosinteresses dos órgãos tidos como coatores, revelou-se maisconsistente que o contexto apresentado pela agravante.

Visão comedida da questão ante o risco da discussãoaproximar-se perigosamente do meritis causae.

Recurso conhecido. Provimento negado.

Igualmente ao TJRS, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeironão concedeu liminar no Mandado de Segurança, visando a exoneração dopagamento do preço público fixado pelo Município do Rio de Janeiro, comocontraprestação em face da utilização das vias públicas por terceiros.

Na mesma linha vem se consolidando a jurisprudência donosso Tribunal, nos termos do que se constata nos acórdãos em apelação cívelNº 70005466024 e Nº 70002492874 .

No que pertine ao regime jurídico dos bens públicos, cabeainda refletir sobre os aspectos que seguem. Desde os romanos, reconhecia-sea res nullius, como coisas extra commercium, dentre as quais se incluíam as rescommunes (mares, portos, estuários, rios, insuscetíveis de apropriação privada),as res publicae (terras, escravos, de propriedade de todos e subtraídas aocomércio jurídico) e res universitatis (forum, ruas, praças públicas)19. No Brasil, aclassificação até hoje vigorante remonta ao Código Civil de 1916. O critério daclassificação é a destinação dos bens, qual seja: a) bens de uso comum dopovo, b) bens de uso especial e c) bens dominicais ou dominiais, denominadospelo Código de Contabilidade Pública como bens patrimoniais disponíveis.

19 Neste sentido, DI PIETRO, (nota 18), p. 368

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Quanto aos bens de uso comum do povo, como é o caso dasvias públicas e calçadas, nas quais ocorre a extensão das redes aéreas esubterrâneas, consideram-se bem fora do comércio jurídico de direito privado.Daí decorreria a primeira impossibilidade de outorgar o uso a terceiros,mediante remuneração. Ocorre que esta característica de estar fora do comérciojurídico é para garantir a afetação pública do bem. Guardada a função principaldo mesmo, nada impede que este seja utilizado para outro fim. Aliás, isso não énenhuma novidade, na medida em que postes e redes subterrâneas já existemdesde que os serviços foram postos à disposição do mercado consumidor. Adiferença que hoje faz ressurgir a discussão é o valor comercial que os mesmospassaram a ter, em função da salutar concorrência estabelecida para prestaçãodo serviço, face à quebra do monopólio estatal.

A utilização do bem público de uso comum para implantaçãodas redes é considerada como uso anormal do bem público, nos termos daclassificação adotada pela Profª Maria Sylvia Di Pietro, a saber:

O uso de bem público por particular nem sempre tem porobjeto o mesmo fim a que ele se destina, embora deva sersempre com ele compatível. Daí resulta a distinção, aceita poralguns autores, entre uso normal e anormal.

Uso normal é o que exerce em conformidade com adestinação principal do bem; uso anormal é o que atende afinalidades diversas ou acessórias, às vezes em contradiçãocom aquela destinação....

As utilizações anormais só devem ser consentidas namedida em que sejam compatíveis com o fim principal a que obem está afetado, ou seja, desde que não impeçam nemprejudiquem o uso normal do bem. Seu exercício depende, emgeral, de manifestação discricionária do poder público, podendoo ato de outorga ser a qualquer momento revogado, uma vezverificada a sua incompatibilidade com a utilização normal20.

A outorga do uso de bem público a terceiro pode dar-semediante concessão, autorização ou permissão de uso. A autorização e apermissão de uso21 são atos unilaterais e precários, podendo, por isso, recairsobre bens públicos de qualquer espécie. Já a concessão tem naturezacontratual e pode ser concedida em diversas modalidades (exploração ousimples uso, temporária, remunerada ou gratuita, de utilidade pública).

Em Porto Alegre, a lei prevê a concessão de uso parautilização dos bens públicos municipais para extensão das redes aéreas esubterrâneas, em função do caráter contratual e estável desta espécie deoutorga, diferentemente da autorização e permissão de uso, notadamente

20 DI PIETRO, (nota 18), p. 384.21 A doutrina reconhece a permissão qualificada, reduzindo a precariedade e similar a concessão.Neste sentido, ver DI PIETRO, (nota 18) p. 390.

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precários. Na hipótese foi utilizada a denominada concessão autônoma ouacessória segundo a qual fica garantida a afetação original do bem e, ao mesmotempo, este pode ser destinado a outra finalidade mediante a outorga do uso aterceiros, sem prejuízo da função precípua. É o caso da colocação de postes oudos cabos subterrâneos, objeto deste estudo. Sobre o tema, importante trazer àcolação excerto do estudo de Maria Sylvia Di Pietro, já citado, a saber:

“Pode-se, falar, ainda, em concessão autônoma ouacessória, conforme seja ou não conjugada com umaconcessão de serviço público; na acessória, o concessionário sópretende o bem como condição material da montagem de umserviço público, como se verifica na concessão da via pública oudo espaço aéreo para colocação de postes e lançamento de fiosou cabos, aéreos ou subterrâneos, de instalações elétricas deinteresse público, bem como na concessão de águas públicaspara aproveitamentos hidráulicos e interesse público”22.

Quanto à remuneração ou não pelo uso do bem público, odireito brasileiro, a teor do que comenta a mesma autora anteriormente citada, oartigo 68 do Código Civil23 revogado (vigente à época da edição da Lei Municipal8.712/01) dispunha expressamente que o uso dos bens públicos seja gratuitoou remunerado, conforme as leis da União, dos Estados ou dos Municípios acuja administração pertencerem.24 A mesma dicção do Código revogado estápresente no novo Código Civil, na forma que segue:

Art. 103. “O uso comum dos bens públicos pode sergratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pelaentidade a cuja administração pertencerem”.

Cabe, pois, ao Município definir a hipótese de cobrança ounão, exercendo sua competência para tanto. Foi isto que fez o Município dePorto Alegre ao aprovar a Lei Municipal nº 8.712/0125.

Sobre a polêmica – possibilidade de cobrança pelautilização do espaço de propriedade municipal consubstanciado nas viaspúblicas, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, exarou a decisão que

22 DI PIETRO, (nota 18) p. 392.23 Art. 68 do Código Civil - “O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito, ou retribuído,conforme as leis da União, dos Estados, ou dos Municípios, a cuja administração pertencerem.”24 Cf. DI PIETRO, (nota 18), pp. 384 e 38525 Não bastasse estes argumentos o Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/01) em seu art. 21 eseguintes, incorporou ao direito brasileiro o direito de superfície. Previu que dito direito abrange odireito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, separando o direito depropriedade do direito de construir. Além disso, estabeleceu que a concessão do direito poderáser gratuita ou onerosa, reforçando, por outro fundamento jurídico, a atuação municipal.

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segue, especificamente para o caso de telecomunicações, tendo como Relator oilustre Des. Vaco Della Giustina:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº70000063602

TRIBUNAL PLENO DO RIO GRANDE DO SUL

“70000063602. Ação Direta de Inconstitucionalidade .Novo Hamburgo. Lei nº 177/99 de 29 de março de 1999, queautoriza o Executivo a cobrar da CRT, a título de locação, pelautilização das vias públicas onde estão instaladas postes, torrese subestações da rede telefônica, bem como fixa, para tanto,providências ao Executivo como medições, para embasar acobrança de preços, dando prazo à empresa para adequar osseus procedimentos. Competência do Tribunal de Justiça paraapreciar lei municipal que afronte preceito da ConstituiçãoEstadual, ainda que repetido na Constituição Federal. Lei quenão invade competência privativa da União para legislarsobre a matéria, eis disciplina apenas interesse exclusivo elocal. Por conter mera faculdade, torna-se o diploma inócuo,dependendo da opção discricionária do Chefe do Executivo.Competência do Executivo para dispor sobre organização efuncionamento da administração municipal, onde seinscreve a administração dos bens públicos. Competênciaconcorrente. Vício de iniciativa. Ação julgada parcialmenteprocedente, para se declarar a inconstitucionalidade dosparágrafos primeiro e segundo do artigo 1º da lei Municipal nº177/99 de Novo Hamburgo, por contravir os artigos 8º, 10 60, II,“d” e 82, VII da carta estadual” (grifei)

No acórdão em epígrafe consta a seguinte passagem quepor sua pertinência ao caso concreto vale ser transcrita:

“Em arguta análise sustenta o douto parecer ministerial:

‘No caso sob exame, não há que se falar em invasão dacompetência legislativa da União pelo Município, concernente aoart. 21, XI, CR, pois esse dispositivo cuida da competênciaadministrativa daquele ente federativo, de onde originou-se a Leinº 9427/97, que ‘dispõe sobre a organização dos serviços detelecomunicações, a criação e funcionamento de um órgãoregulador e outros aspectos institucionais nos termos daEmenda Constitucional nº 8, de 15 de agosto de 1995 e a LeiMunicipal atacada sequer cogita de aspectos técnicos de tais

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serviços, apenas disciplina matéria afeta ao exclusivo interesselocal. Por igual, o art. 22, IV da CR cuida da competêncialegislativa privativa da União em matéria de águas, energia,informática, telecomunicações e radiodifusão, nada tendo emcontato com o assunto disciplinado pelo Município.

‘A matéria relativa ao regime jurídico da utilizaçãodos bens públicos municipais por particulares é assunto deinteresse exclusivamente local, afastando, até mesmo, acompetência concorrente que pudesse existir, em certashipóteses, relativamente aos entes das demais esferasfederativas.” (fls. 55/56)

Assim, o artigo 1º da lei “sub judice”, que autoriza oExecutivo Municipal a cobrar aluguel da CRT, pelautilização de vias públicas, onde estão instalados postes,linhas, torres e subestações não se apresenta inquinado dequalquer eiva de inconstitucionalidade.” (grifei)

a) V – DA ALEGADA NATUREZA TRIBUTÁRIA DA REMUNERAÇÃOMENSAL PREVISTA NA LEI MUNICIPAL Nº 8.712/01

O Reclamante esforçou-se por fazer crer que a retribuiçãopecuniária prevista na Lei Municipal 8.712/01 trata-se de tributo e não de preçopúblico. Para tanto, afirmou que há compulsoriedade na exigência dopagamento, sendo esta uma das características inerentes aos tributos.

Ocorre que a premissa partiu de pressuposto equivocado.Conforme já dito, a utilização de cabos e fibras que passam por propriedadespúblicas constitui-se em opção tecnológica do impetrante. Somente paraexemplificar, além da tecnologia para extensão de cabos e fibras óticas existe apossibilidade de conexão utilizando satélite ou a comunicação via rádio,conhecida por “wireless”.

Poderia ser alegado que a tecnologia por satélite é muitoonerosa, entre outros argumentos, para preferir o uso de redes que passampelas vias públicas. Todavia, daí a dizer que é a única alternativa e que, porisso, o preço público previsto transfigura-se em tributo por ser compulsório paraque a via pública seja utilizada, configura-se em uma distorção dos fatos quegeram o direito em debate.

Assim, demonstrado está que a essência do preço públicoconsubstanciada na liberdade de contratar está presente de forma muito clara.O que ocorre é que a Reclamante optou por uma tecnologia que utiliza benspúblicos e não pretende pagar contraprestação alguma por esta utilização.

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O questionamento pode exsurgir de modo inverso. Se osbens públicos são de propriedade dos respectivos entes e cabe aos seusgestores a administração destes cabe permitir a sua utilização sem nenhumacontraprestação? Certamente no âmbito privado isto não ocorre. Se apropriedade pertence a alguém e faz-se necessário a utilização deste bem paraextensão de alguma rede certamente o proprietário será remunerado por isso.

Não bastassem os argumentos acima esgrimidos, cabeanalisar a legislação federal, a regulamentação da ANATEL e o contrato deconcessão firmado com a Reclamante.

VI – DA LEI FEDERAL Nº 9.472/97, DA RESOLUÇÃO 73 DA ANATEL E DOCONTRATO DE CONCESSÃO COM A IMPETRANTE – Regras atinentes àCompetência Municipal

O art. Ar. 74 da Lei Federal 9.472, de 16 de julho de 1997,assim dispõe:

Art. 74 - A concessão, permissão ou autorização deserviço de telecomunicações não isenta a prestadora doatendimento às normas de engenharia e às leis municipais,estaduais ou do Distrito Federal relativas à construção civil e àinstalação de cabos e equipamentos em logradourospúblicos. (grifei)

O art. 37 da Resolução nº 73 da ANATEL, citado na inicial ejá anexado aos autos, estabelece:

Art. 37 . Caberá à prestadora quando da instalação deestação de telecomunicações:

...

III – observar as posturas municipais e outras exigênciaslegais pertinentes, quanto a edificações, torres e antenas, bemcomo a instalação de linhas físicas em logradourospúblicos. (grifei)

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(1) Veja-se que tanto a lei quanto a Resolução, corretamente, não afastamas leis municipais existentes versando sobre a administração dos benspúblicos, inclusive dispondo sobre a possibilidade de cobrança. A ilaçãode que há direito a utilizar os bens de propriedade municipal é argumentoque não encontra sequer amparo na legislação atinente astelecomunicações. A dicção “outras exigências legais pertinentes” éampla e não contempla o exercício hermenêutico desenvolvido peloreclamante no sentido de restringir a atuação municipal na formapretendida e expressa no presente expediente.

Ainda, cabe analisar o contrato firmado com a Anatel e asprestadoras existentes, situação da impetrante, a saber:

Contrato que a Anatel outorgou às prestadoras existentes,entre as quais a impetrante26:

Cláusula 15.5. A Concessionária deverá pactuardiretamente com cada Prefeitura Municipal das áreas deexploração do serviço, bem como com as demaisconcessionárias de serviços públicos as condições paracolocação de postes e cruzetas para suspensão de suas linhase cabos aéreos, bem como dutos e canalizaçõessubterrâneos destinados à passagem de cabos sob ruas elogradouros públicos.

§1º. A Concessionária diligenciará junto aos titularesde bens públicos ou privados sobre os quais passar os dutosou canalizações ou ainda instalar suportes para colocações dosmesmos, obtendo o respectivo consentimento ou servidãopara tal fim. (grifei)

Ora, no próprio contrato está previsto a necessidade depactuação com as municipalidades e a diligência para lograr o consentimento.E, também, a fim de não inviabilizar o serviço que tem obrigação decontinuidade e universalidade, está prevista a forma jurídica própria paraimpossibilidade de pactuação, qual seja a SERVIDÃO ADMINSITRATIVA. Aservidão é o instituto do direito administrativo utilizado para solver conflitos destanatureza. Há necessidade do serviço público, porém há proprietários públicosou particulares que também detêm direitos. Para tanto constitui-se a servidão depassagem, indenizando o proprietário da área pelo valor respectivo.

26SUNDFELD, Carlos Ari e CÂMARA, Jacinto de Arruda. Reforma das Telecomunicações: oproblema da implantação das novas Redes. Revista Interesse Público, nº 2, Ed. Nota Dez, 1999

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Além disso, a Lei das Telecomunicações em seu art 100prevê esta hipótese. Carlos Ari Sundfled (obra citada na nota 24), comentando otema, assim se manifesta:

“Todavia, é certo que nem sempre a livre negociaçãoserá suficiente para atender a contento os interesses dosenvolvidos ...Para que não haja em situações extremas, atémesmo um colapso do sistema são previstos meios deintervenção do Poder Público. ... O Estado pode, somente emrelação aos serviços explorados em regime público, instituirservidões administrativas ou até mesmo desapropriar bens. É oque diz a Lei Geral de Telecomunicações. Confira-se:

Art. 19. À Agência compete adotar as medidasnecessárias para o atendimento do interesse público e para odesenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuandocom independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidadee publicidade, e especialmente:

(...)

XX – propor ao Presidente da República, por intermédiodo Ministério das Telecomunicações, a declaração de utilidadepública, para fins de desapropriação ou instituição de servidãoadministrativa, dos bens necessários à implantação oumanutenção de serviço no regime público.

Art. 100. Poderá ser declarada de utilidade pública, parafins de desapropriação ou instituição de servidão, de bensimóveis ou móveis, necessários à execução do serviço, cabendoà concessionária a implementação da medida e o pagamento daindenização e das demais despesas envolvidas”.

Note-se que a solução para eventual impossibilidade depactuação está prevista na própria Lei das Telecomunicações, citada emepígrafe, ao prever a hipótese da servidão administrativa.

D. VII - DO PREÇO PÚBLICO

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A Lei Municipal 8.712/01 estabeleceu a obrigatoriedade decontraprestação pela utilização de bem público por terceiros. Para tanto indicouque o Município deveria constituir critérios técnicos balisadores da cobrança,visando que preço atribuído não fosse vil nem extorsivo.

A partir disso, o Município empenhou esforços edesenvolveu uma fórmula para atribuição deste preço, buscando contemplar alocalização, extensão e largura da respectiva rede de infra-estrutura.Considerando tratar-se de contraprestação por utilização de bem público porterceiro, o critério básico visou cobrar pelo valor de mercado do bem municipal,assim como fazemos com outros bens de propriedade pública que servem aoutras finalidades.

A conseqüência é que redes na periferia da cidade pagamum valor irrisório e aquelas situadas em locais privilegiados, com maiordensidade e serviços, um valor maior, porque o bem de propriedade municipalvale mais, na medida em que o valor de mercado do terreno naquele local émais significativo.

A metodologia utilizada para cobrança do preço público jáfoi explicitada na manifestação da SMF, motivo pelo qual não vamos repisá-la.Todavia, importa salientar que por se tratar de preço público, prescinde de lei.Além disso, para chegarmos a fórmula abaixo colocada e que consta no Decretonº 13.384/01, houve um extenso trabalho metodológico. Segue abaixo a fórmulaque tem sido aplicada aos casos concretos e constituem-se no substrato queinforma a respectiva cobrança.

“Art. 12 – O valor mensal da Concessão de Uso do solo,do subsolo e do espaço aéreo para as redes de infraestrutura édeterminado pela seguinte expressão:

______P = Lt x Bt x Ht x Vt x K t

a) P é o preço em R$ (real) da concessão para a rede deinfraestrutura licenciada pelo Município;

b) t é o trecho urbano onde passa a rede, conforme alistagem de logradouros e faces de quadra definida pela tabelade valores do Município;

c) Lt é o comprimento linear em m (metro) da rede emcada trecho urbano;

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d) Bt é a largura em m (metro) da estrutura por ondepassa a rede em cada trecho urbano;

e) Ht é a altura em m (metro) da estrutura por ondepassa a rede em cada trecho urbano;

f) Vt é o montante em R$/m² (real por metro quadrado)definido conforme tabela do Município, que estipula os valoresvigentes de avaliação de mercado para cada trecho urbano;

g) K é o coeficiente de cobrança pela concessão para arede, definido em 1%.”

Em síntese, o Município de Porto Alegre não está exigindoque a Reclamante solicite a concessão de uso para exercer atividade essencialdelegada pela União, nem tão pouco obstar um serviço que a concessionáriaestá obrigada a prestar. A concessionária optou por uma tecnologia que utiliza obem público municipal, que está cada vez mais escasso porque muitos queremutilizá-lo, que é finito e que precisa ser gerido por quem detém a competênciapara tanto. Não se trata de exercício de poder de polícia de atividade cujafiscalização é federal, mas de contraprestação em face da utilização de bempúblico por terceiro. O fato do bem ser o subsolo ou o espaço aéreo em nadamodifica a natureza jurídica da outorga, especialmente em um momento em queo subsolo por estar escasso passa a ter valor econômico. Ainda, não é umtributo a ser cobrado do concessionário, sendo um preço público decorrente dautilização deste bem para o exercício de uma atividade.

Por último, cabe abordar a alegada falta de isonomia detratamento. Conforme citado no decorrer deste parecer, o Executivo tem adotadotodas as providências necessárias á cobrança, os termos estabelecidos na leimunicipal vigente. Tanto isto é verdade que outra empresa ajuizou ação contraesta atuação. Assim, não há que se falar em tratamento anti-isonômico, pois o queestamos dando cumprimento a lei. Se alguma ponderação há de ser feita,concerne ao prazo de regularização estabelecido na lei. Contudo, enquanto elavigorar, cabe ao executivo a sua observância.

Por estes fundamentos, entendemos que a reclamaçãoapresentada não procede, devendo os lançamentos apontados no documento defl. 02, serem mantidos na íntegra.

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VIII - CONCLUSÕES

1. Há no Município de Porto Alegre legislação sobre acobrança de preço público para utilização do espaçoaéreo e subterrâneo de propriedade municipal, nãocabendo a alegação de seu desconhecimento ousurpresa em face da cobrança externada por intermédiodas guias respectivas;

2. a previsão de cobrança remonta ao decreto Nº 12.789de 2000, existindo base para exigir a remuneraçãodesde aquela data; na hipótese do administradorentender por uniformizar o momento (data) que passa aincidir a cobrança para fins organizacionais, está emseu âmbito de competência, eis que inerente a gestãodos bens públicos.

3. o Município tem competência para dispor sobre acobrança pela utilização dos bens de sua propriedade,sendo constitucional a remuneração por intermédio depreço público, na forma estabelecida na legislaçãomunicipal em vigor.

4. a remuneração pelo uso do espaço aéreo e/ousubterrâneo não se confunde com taxa, porque decorrede remuneração pelo uso de bem municipal e não deexercício de poder de polícia ou de prestação de serviçopúblico;

É o parecer.

Em, 05 de fevereiro de 2004.

Vanêsca Buzelato Prestes

Procuradora Geral Adjunta de Políticas Locais

OAB/RS 27.608

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Page 24: Processo Administrativo Nº: 001.060694.03lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/pgm/usu_doc/P1096_04.pdf · natureza jurídica da cobrança é de tributo da espécie taxa e não preço

PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGREPROCURADORIA-GERAL DO MUNICÍPIO

HOMOLOGAÇÃO

HOMOLOGO o Parecer nº 1096/04, de lavra da ProcuradoraVanêsca Buzelato Prestes que define pela aplicação do Decreto nº 12.789/00,que disciplina o licenciamento ambiental e o registro de informações decorrentesda implantação, ampliação e extensão das redes de infra-estrutura para osserviços públicos; da Lei nº 8.712/01; e, do Decreto º 13.384/01, afirmando acompetência municipal para gestão dos bens públicos municipais. Discorre,também, sobre a natureza jurídica da cobrança do espaço aéreo e dosubterrâneo de propriedade municipal utilizado para extensão de redes de infra-estrutura para telefonia.

Registre-se, devolvendo-se o expediente à SMF.

PGM, 17 de fevereiro de 2004.

I. HERON NUNES ESTRELLAII. Procurador-Geral em exercício

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