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PROCESSO DE COLONIZAÇÃO DE MATINHOS: MEMÓRIA E IDENTIDADE Márcia Regina Broska da Cruz Professora PDE 2008 RESUMO O objetivo deste artigo é a apresentação dos resultados da aplicação do Projeto de Intervenção na Escola e do Material Pedagógico produzidos, tendo como temática o desenvolvimento do povoamento do município de Matinhos, entre os anos de 1910 e 1930, nos bairros do Sertãozinho e do Bom Retiro, onde está localizado o Colégio Estadual Sertãozinho. Com o desenvolvimento deste estudo, os alunos tiveram a oportunidade de participar do projeto de pesquisa de campo, entrevistar pessoas próximas e, em alguns casos, suas próprias famílias, percebendo a História como uma disciplina viva, dinâmica e real, feita por pessoas comuns. O presente estudo tem como eixo central a importância da utilização da história local em sala de aula, proporcionando aos alunos o desenvolvimento de atitudes investigativas, para a compreensão de sua realidade, através dos registros da história da comunidade. PALAVRAS CHAVES: colonização, história local, identidade. SUMMARY This article is the presentation of the results of the implementation of the project of assistance and educational material produced, local history, thematic reporting the development of the stand of the municipality of Matinhos, between 1910 and 1930, in districts of Sertãozinho and the smooth ride the Sertãozinho State College. With the development of this study, students had the opportunity

PROCESSO DE COLONIZAÇÃO DE MATINHOS: … utilização da História Oral foi fundamental para o desenvolvimento da pesquisa, porque, de acordo com ALBERTI, é um método de pesquisa

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Page 1: PROCESSO DE COLONIZAÇÃO DE MATINHOS: … utilização da História Oral foi fundamental para o desenvolvimento da pesquisa, porque, de acordo com ALBERTI, é um método de pesquisa

PROCESSO DE COLONIZAÇÃO DE MATINHOS:

MEMÓRIA E IDENTIDADE

Márcia Regina Broska da Cruz

Professora PDE 2008

RESUMO

O objetivo deste artigo é a apresentação dos resultados da

aplicação do Projeto de Intervenção na Escola e do Material Pedagógico

produzidos, tendo como temática o desenvolvimento do povoamento do

município de Matinhos, entre os anos de 1910 e 1930, nos bairros do

Sertãozinho e do Bom Retiro, onde está localizado o Colégio Estadual

Sertãozinho. Com o desenvolvimento deste estudo, os alunos tiveram a

oportunidade de participar do projeto de pesquisa de campo, entrevistar

pessoas próximas e, em alguns casos, suas próprias famílias, percebendo a

História como uma disciplina viva, dinâmica e real, feita por pessoas comuns. O

presente estudo tem como eixo central a importância da utilização da história

local em sala de aula, proporcionando aos alunos o desenvolvimento de

atitudes investigativas, para a compreensão de sua realidade, através dos

registros da história da comunidade.

PALAVRAS CHAVES: colonização, história local, identidade.

SUMMARY

This article is the presentation of the results of the implementation of the project

of assistance and educational material produced, local history, thematic

reporting the development of the stand of the municipality of Matinhos, between

1910 and 1930, in districts of Sertãozinho and the smooth ride the Sertãozinho

State College. With the development of this study, students had the opportunity

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to participate in field research project, interviewing people nearby, and in some

cases, their own families, realizing the living history as a discipline, real and

dynamic, made by ordinary people. This study has as its central axis of the

importance of the use of history classroom location, providing students with the

development of investigative, attitudes to understanding their reality, through

the community's history records.

KEYWORDS: colonization, local history, identity.

INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende relatar as experiências obtidas na

implantação do Projeto de Intervenção na Escola e na aplicação do material

pedagógico produzidos no Programa de Desenvolvimento Educacional –PDE,

referente ao estudo da colonização dos bairros do Sertãozinho e do Bom

Retiro, no município de Matinhos, entre 1910 e 1930. A escolha deste tema

está relacionada com o interesse em se conhecer e compreender a

comunidade onde está inserido o Colégio Estadual Sertãozinho e proporcionar

aos alunos a possibilidade da construção de um conhecimento crítico da

realidade, contribuindo para o desenvolvimento da consciência histórica.

O Colégio Estadual Sertãozinho está situado no bairro do Bom Retiro e

seus educandos são oriundos, em grande parte, do bairro do Sertãozinho. O

estudo sobre o processo de ocupação e o desenvolvimento destes bairros

contribuiu para que a comunidade escolar conhecesse sua própria história,

suas origens e provocou uma reflexão sobre as mudanças pelas quais vem

passando.

Foi realizada uma consulta bibliográfica no acervo de BIGARELLA,

onde está relatado que por volta de 1926, a população local do município de

Matinhos ligava-se por vários graus de parentesco com as famílias Apolinário,

Crisanto, Ramos, Viana, Ferreira e Mesquita, as quais habitavam a região há

muito tempo e eram as proprietárias das terras. Mas o que fundamentou a

pesquisa foi a história oral, onde foram entrevistadas as famílias pioneiras,

que disponibilizaram seus acervos pessoais, como fotografias, documentos

pessoais, entre outros.

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A utilização da História Oral foi fundamental para o desenvolvimento da

pesquisa, porque, de acordo com ALBERTI, é um método de pesquisa que

privilegia o contato com pessoas que participaram de acontecimentos,

aproximando do objeto de estudo e produz fontes de consulta para outros

estudos.

OS PRIMEIROS CONTATOS

Nos primeiros contatos realizados com a Família Ferreira, a

professora aposentada Nazir Ferreira, neta do senhor Manuel Ferreira, um dos

pioneiros, fez uma narrativa da chegada de seu avô ao município ainda

criança, o desenvolvimento de suas atividades, a forma de produção, as

relações sociais da família, a ocupação e distribuição das terras. Descreveu

sua prática docente, as dificuldades enfrentadas, as limitações e os avanços

dos primeiros tempos da escola pública no município. Além das narrativas,

disponibilizou alguns documentos de sua família entre eles fotografias de

Matinhos, documentos relacionados a divisão da herança deixada pelo seu

avô, fotos de sua família, entre outros.

Outra família pioneira, a Ramos Viana foi também bem receptiva,

disponibilizou documentos pessoais como a certidão de casamento, certidão de

nascimento e um processo de usucapião, documentos que foram utilizados na

produção do material pedagógico. Através da entrevista com esta família foi

possível ampliar o conhecimento a respeito da formação dos bairros

pesquisados.

A PRODUÇÃO E APLICAÇÃO DO CADERNO PEDAGÓGICO

As Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná,

para a disciplina de História, orientam que na aprendizagem histórica devem

ser consideradas diferentes possibilidades de documentação, múltiplos sujeitos

e suas experiências, em uma perspectiva diversificada das formas de

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problematização do passado, objetivando a contribuição para a formação da

consciência histórica nos educandos.

Considerando essas orientações, o Caderno Pedagógico foi produzido

com o objetivo de proporcionar aos alunos contatos com diferentes fontes

históricas e contribuir para o registro das experiências da população de

Matinhos.

O Caderno Pedagógico está dividido em quatro unidades pedagógicas,

sendo que a primeira unidade analisa a questão das diferenças espaciais de

Matinhos, as mudanças e as permanências na paisagem, através da

comparação das fotografias.

Foto 1 – Matinhos – Praia Central -1930 Fonte: Acervo pessoal - Nazir Vaiss

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Foto 2 – Matinhos – Praia Central – 2008 Fonte : Acervo pessoal

Foto 3 – Matinhos – Praia Central – 1930 Fonte: Acervo Pessoal – Nazir Vaiss

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Foto 4 - Matinhos – Praia Central – 2008 Fonte : Acervo pessoal

Foto 5 – Matinhos – Praia Central – 1930 Fonte: Acervo Pessoal – Nazir Vaiss

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Foto 6 - Matinhos – Praia Central – 2008

Fonte: Acervo pessoal

A segunda unidade aborda o povoamento do bairro do Sertãozinho, os

costumes das famílias, as atividades econômicas e sociais através do relato da

família Ferreira. A terceira unidade discute a ocupação de terras através do

processo de usucapião da Família Ramos Viana e a quarta unidade contribui

para a análise de documentos de famílias, através da certidão de casamento

ocorrido em vinte e seis de janeiro de mil, oitocentos e noventa e um.

O Caderno Pedagógico foi aplicado nas turmas de sétimas e oitavas séries do

Colégio Estadual Sertãozinho, não apresentando maiores dificuldades para a

sua execução. Os alunos resolveram as atividades com facilidade,

demonstraram interesse no assunto trazendo documentos de suas próprias

famílias para acrescentar a discussão proposta.

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OS RESULTADOS

Como afirma BIGARELLA, a região de Matinhos esteve praticamente

isolada antes do aparecimento do banhista, tendo uma evolução espontânea e

sua população foi se adaptando às necessidades para suprir sua existência.

No bairro do Bom Retiro, destacam-se algumas famílias, entre elas, do

Senhor Horácio Pinto das Neves, do Senhor Sebastião Silvestre e Senhor

Manuel Ferreira Gomes, sendo esta última destaque deste trabalho por sua

relevância na história do Colégio Estadual Sertãozinho.

A aplicação do material pedagógico preparado no programa de

Desenvolvimento Educacional – PDE foi aplicado nas turmas das 7ªs e 8ªs

séries do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Sertãozinho, no município

de Matinhos.

A primeira unidade do caderno Pedagógico que propõe uma atividade

utilizando fotografias, com o objetivo de observar as mudanças e

transformações espaciais, foi desenvolvida com bastante facilidade. Os alunos

realizaram as atividades propostas, sem apresentar grandes problemas. Na

primeira etapa eles conseguiram identificar as permanências e as

transformações fazendo uma descrição utilizando conceitos históricos.

Durante a realização da pesquisa os alunos se envolveram bastante

com o projeto, principalmente aqueles oriundos das famílias pioneiras, que se

empolgaram com o assunto e contribuíram levando para a sala de aula

fotografias, documentos de suas famílias, certidões de nascimento, entre

outros. Este material também foi utilizado em sala com os demais alunos, que

motivados, participaram das discussões, contribuindo com suas próprias

histórias, relatando as causas da vinda de suas famílias e o momento que

chegaram ao município.

Esta discussão foi muito interessante porque os alunos participaram de

todo o processo, superando as expectativas, pois acrescentaram informações

preciosas, que foram aproveitadas e novas idéias foram surgindo, sendo

agregadas ao projeto inicial. Por exemplo, com as 8ªs séries desenvolveu-se a

pesquisa sobre a história das escolas de Matinhos, dentro do conteúdo contido

no planejamento anual do colégio. Com as 7ªs série, que a temática é trabalho,

a pesquisa desenvolvida foi referente aos imigrantes no litoral do Paraná,

partindo sempre da história local.

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No que se refere às pesquisas realizadas pelos alunos com as famílias

pioneiras, de um modo especial com a Família Ramos Viana, foi possível

perceber que, ao mesmo tempo que sentem saudades dos tempos de infância,

onde as crianças brincavam livremente pelas ruas e tomavam banho nos rios

que cortam o município, apreciam o progresso que proporcionou o aumento do

número de escolas, a implantação da Universidade Federal do Paraná - UFPR,

dos supermercados substituindo as “vendas” e “armazéns”.

A relação dos chamados nativos com as pessoas que vieram morar em

Matinhos se deu de forma pacífica, apesar de perceber-se um certo

ressentimento com as pessoas que procuram o município para fixar residência

e criticam seus hábitos, seus costumes, a forma que se entendem a vida.

A FAMILIA FERREIRA E O BAIRRO BOM RETIRO

A família Ferreira Gomes disponibilizou um relato sobre o Senhor

Manuel Ferreira Gomes onde está registrado uma grande parte da história da

família, os costumes, a origem, as atividades econômicas e sociais.O Senhor

Manuel Ferreira Gomes, Seu Ferreira como ficou conhecido, tem sua história

narrada pelas suas netas senhoras Nazir Vaiss e Euzi Lucia da Silva:

“O NOSSO HOMENAGEADO E PIONEIRO DE MATINHOS É MANUEL

FERREIRA GOMES

Foto 7 - Manuel Ferreira Gomes e Maria Silveira Phaiffer

Fonte: acervo pessoal Nazir Vaiss

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Manoel Ferreira Gomes veio da Ilha da Madeira, Portugal, junto com

seus pais ainda muito criança. Estabeleceram-se em Itajaí, mais tarde em

Barra Velha, Santa Catarina.

Nascido em 20 de março de 1877. Vindo com seus pais para a

Prainha, já com 18 anos de idade, foram fazer uma pequena viagem no

Descoberto, onde conheceu Dª Maria Silveira Phaiffer, com quem veio casar-

se, passaram a morar na Prainha com seus pais.

Não dando certo a convivência com a madrasta, mudou-se para o

morro do Sertãozinho, acima onde hoje as terras do Mario Pock. Pai de 15

filhos sendo cindo homens: João, Alexandre, Francisco, José, Leopoldo e 10

mulheres: Antonia, Maria, Rosa, Ana, Francisca, Ermínia, Joaquina,

Alexandrina, Joaquina, Maria e Luzia.

Foto 8 - Sr. Manuel, sua esposa Maria, filha e netos

Fonte: acervo pessoal Nazir Vaiss

Morando com eles seu irmão Avelino, o caçula. Com o trabalho muito

sacrificado veio machucar-se, quebrando a coluna ao subir e descer o morro

carregando mandioca e outros. Por motivo do acontecido, viu-se obrigado a

mudar-se para o lugar onde se estabeleceu em Matinhos, comprando terras

num total de 16 alqueires. Mais tarde, mais ou menos em 1939 saiu uma lei

federal, quem possuíssem terras, mesmo comprada, requeresse do governo

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para que viesse a medição das terras e a documentação definitiva. O Sr.

Ferreira logo tratou de requerer. Onde construiu uma casa de 11x13m, com um

salão de 6m² que servia para festas de São Gonçalo comemorado no dia 10 de

janeiro com o famoso Fandango, onde também era rezado os terços do Divino

Espírito Santo, a Santíssima Trindade, quando por aqui passavam. Os

capelães eram o Sr. Satuca Ramos, Leocádio Viana (velho) e outros.

Eram feito grandes fogueiras para clarear o terreiro.

Os festeiros de São Gonçalo forneciam broinhas de goma e licores,

tudo grátis.

O mesmo salão era usado para o fandango e mutirões de retirada de

paus para confecções de canoas e plantações de arroz, mandioca e outros e

para bater o arroz e feijão cozido.

Também possuía animais que eram usados para girar os engenhos de

açúcar e farinha, tinha vacas leiteiras e cavalos.

Sua profissão era pescador e lavrador. Plantava café, laranja, arroz,

milho, cana-de-açúcar e mandioca e outros.

Possuía engenho de farinha e açúcar, cujas mercadorias eram levadas

em carro de boi até Pontal do Sul e de lá usavam as canoas do Sr. Fernandes

até Paranaguá, onde eram vendidos.

A fabricação da cachaça pura funcionava da seguinte forma: o Sr.

Ferreira levava o melado até Cubatão em Guaratuba para transformar em

cachaça.

As despesas do Sr. Manoel eram poucas, somente comprava sal,

tecidos e calçados (tamanco). O sal era grosso, comprado em sacos e

colocado em cortiços feitos de um pau só, cavoucado por dentro deixando oco.

Nos dias de chuvas eram tiradas taquaras, que eram limpas, deixando

tipo palhas estreitas e finas para tecer os chapéus usados na roça e passeios,

eram tecidos e costurados pelas mãos da esposa e filhos.

Tinha os tipitis, uma espécie de cesto para secar a massa da

mandioca, depois de ralada para fazer a farinha, o bejú de goma, da folha da

banana, cuscuz que era feito na panela de barro.

A farinha de mandioca era feita da seguinte maneira: era arrancada na

roça, carregada em balaio ou sacos, nas costas ou na cabeça posto no meio

da casa, raspada depois era lavada, a água era buscada no rio, uns 50 metros

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da casa numa lata de 18 litros, colocada num pau, posto no ombro, uma

pessoa na frente e outra atrás.

Depois de ralada na cevadeira girada a boi ou a pessoa. Quando

queria a farinha meio azeda, deixava a massa descansar ou já emprensava, aí

ficava doce. Era colocada no tipiti e ia para a prensa que era de dois fuzos, era

puxado em um dia inteiro, força de dois homens para secar a massa. Depois

era quebrada, moída e peneirada para tirara carueira, que era a parte grossa

da massa. A família do Sr. Ferreira levantava de madrugada, 2 0u 3 horas da

manhã e acendiam a fornalha e ia torrando a farinha. Quando amanhecia o dia,

já tinha três ou quatro sacos de farinhas de 60 quilos.

Era colocada em umas caixas quadradas de 1,50m X 1,50m feito da

madeira caixeta, ali era bem conservada para depois vender.

Ainda tinha uma qualidade de mandioca que não era levava, chamada

socatica que da mandiqueira (a água da mandioca) com goma, colocavam num

tacho a ferver, apuravam até ficar numa marmelada muito gostosa.

Os balaios eram feitos de taquaruçú e cipó preto, que servia para

colher arroz, mandioca, café. Eram feitos também os cargueiros de timbopeba,

uma espécie de cesto, usado em mulas.

Com as cascas do cipó preto eram tecido cordas, que chamavam de

beta para amarrar os animais e puxar as redes do mar.

Tinha também as peneiras feitas de taquaruçú com várias espessuras

para peneirar a massa e depois torrar, para fazer a farinha. A pá feita de

madeira caixeta para mexer a farinha no forno. As cuias feitas de purungo ou

catuto grandes para lidar com a farinha. As medidas eram o litro, a quarta e

alqueire que valia 20 litros a quarta 5 litros.

O café era pilado em pilão e torrado nas torradas de barro e socado no

pilão, peneirado em peneiras finas.

O arroz também era pilado para tirar as casca para cozinhar.

O milho era socado no pilão para fazer a canjica.

A cana de açúcar era carregada em atilhos (uma amarração) do

morro, onde era plantado até o engenho para ser moída, era girado por dois

bois. Tirado a garapa, colocado no forno e apurado até sair o melado e depois

o açúcar preto. Nesse engenho o seu filho José que estava colocando a cana

para moer, no momento usava a camisa de manga comprida, os dentes do

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engenho puxaram a manga e foi o braço, ficando aleijado de um braço e uns

dedos da outra mão, assim mesmo trabalhava na roça, tirava mariscos nas

pedras do mar e foi professor no Riozinho.

Como pescador possuía quatro canoas cujos nomes eram: Andorinha,

Vovó, Navegante, Santa Rosa, possuía redes para mangonas ou cação

grande, pesando mais ou menos 100 kg cada. Redes para tainhas e peixes

miúdos. A pesca da tainha era feita na Prainha e Matinhos, onde possuía casa

e ranchos que permaneciam por dois meses. Em Matinhos eram feitas as

pescas de tainha e peixes miúdos.

O rancho das canoas era onde hoje é o mercado de peixe. Quando a

pesca era grande, o peixe era trazido de canoa pelo rio que cortava o terreno

até chegar à casa do Seu Ferreira, onde era limpo e salgado, feito cambira

para secar ao sol e em fogo fumacento, depois colocado em cestos nos giraus,

que eram um forro de paus gradeados no alto, em cima do fogo, para não

estragar e ficar sempre enxuto. Quando caíam tempos de chuvas, o pessoal

das colônias vinha comprar.

O Sr. Ferreira também foi um lutador para a criação do nosso antigo

cemitério de Matinhos, em parceria com o Sr. Manoel Antonio Viana, que

cedeu o terreno e o Sr. Ferreira entrou com o arame de farpas para cercar a

área e documentar para a Prefeitura de Guaratuba.

O Sr. Ferreira, como era conhecido, morreu no dia 18 de janeiro de

1954.”

As terras que pertenciam a Manuel Ferreira Gomes foram divididas

entre seus filhos e posteriormente seus netos. O terreno onde está localizado o

Colégio Estadual Sertãozinho fazia parte de seu patrimônio, bem como grande

parte do bairro Bom Retiro. Uma de suas netas, Euzi Lucia da Silva compõe o

corpo docente do colégio e dois de seus bisnetos compõe o corpo discente.

Atualmente parte de sua família, uma filha, netos, netas, bisnetos e

bisnetas residem em parte deste bairro, o que tornou possível conhecer um

pouco de sua história.

A FAMÍLIA RAMOS VIANA E O BAIRRO SERTÃOZINHO

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De acordo BIGARELLA, antes da chegada dos banhistas, Matinhos era

habitada por várias famílias, entre elas a Ramos e a Viana. Grande parte do

bairro do Sertãozinho foi colonizada pela família Ramos Viana, concentrando

principalmente na área territorial onde hoje está localizada a Rodoviária

Municipal José Bonatto e a Escola Municipal Oito de Maio.

Não foi possível estabelecer uma data precisa da chegada da família

em Matinhos, mas através do Processo Usucapião do senhor Jurival Ramos

Viana, percebe-se que desde 1891, quando seus bisavós casaram, já residiam

na área hoje denominada Sertãozinho. Estas terras foram passando de pai

para filho e sendo divididas entre os irmãos e regularizadas através de

processo de usucapião.

A origem e desmembramento da área que pertencia à família podem

ser observada através dos documentos disponibilizados pela mesma, como o

Processo de Usucapião e as certidões de casamento e de nascimento.

Um dos aspectos que levantou vários questionamentos entre os alunos

foi referente aos sobrenomes observados nos documentos da Família Ramos

Viana. Não foi possível explicar as mudanças ocorridas entre elas o

desaparecimento do sobrenome Paciência. Nas entrevistas realizadas com as

famílias foi narrado que o surgimento do sobrenome Gomes se deu por ocasião

de uma visita do senhor Laudemiro Viana à Praça Carlos Gomes, em Curitiba,

ocasião que teria ficado maravilhado com o lugar e resolveu colocar em um dos

seus filhos, Carlos Gomes Ramos, irmão do senhor Jurival Ramos Viana.

Outro sobrenome inserido na família Ramos Viana foi o Mesquita, que se deu

ao homenagear o Padre Mesquita.

A família Ramos Viana relatou que as ruas dos bairros eram “estradas

de areia” e que não tinham água encanada nem rede elétrica. Os moradores

trabalhavam na “roça”. Viviam da lavoura (plantação de banana, mandioca,

cana de açúcar), criação de gado, engenho de farinha, alambique e no bairro

não tinha “armazém”. A primeira escola surgiu na casa do Senhor Modesto,

que posteriormente foi fechada e passou então a funcionar na casa do Senhor

Eudóxio, nas proximidades da atual rodoviária municipal.

Na época da Festa do Divino, em Guaratuba, os moradores do bairro

do Sertãozinho recebiam em suas casas pessoas vindas de Guaratuba

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trazendo uma “bandeira vermelha” (representando o Divino). Era uma festa

para as crianças, pois aquelas pessoas tocavam instrumentos, cantavam e

estouravam foguetes. Todas as famílias católicas recebiam a bandeira em

suas casas, reunindo os vizinhos.

CONCLUSÃO

O uso da história oral motivou os educandos a produzirem narrativas

de sua própria história, valorizando as experiências individuais e coletivas,

possibilitando uma abordagem da história, não como uma verdade pronta e

definitiva, mas como uma constante análise e reconstrução em torno das ações

e relações dos sujeitos no tempo e no espaço.

Não fazer o estudo da própria comunidade torna o conteúdo da

disciplina da História distante, irreal, desmotivador e monótono. Implica

também na perda de sua identidade, de sua memória, seus costumes e

tradições.

O estudo sobre o processo de colonização dos bairros do Sertãozinho

e do Bom Retiro, onde está localizado o Colégio Estadual Sertãozinho,em

Matinhos, Estado do Paraná, contribuiu para que a comunidade escolar

conhecesse sua própria história, suas origens, aumentando sua auto estima e

proporcionando a construção da consciência histórica.

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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. 3. Ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. BIGARELLA, J. J. Matinho... homem e terra – reminiscências. 2 ed. Matinhos/ PR: Prefeitura Municipal de Matinhos/Fundação João José Bigarella para Estudos e Conservação da Natureza, 1999. BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004. FERREIRA, Marieta de Moraes (org.). História Oral. Rio de Janeiro: Diadorim FINEP, 1994. FERREIRA, Marieta de Moraes e Amado, Janaina (org.). Usos e Abusos da História Oral. 8. Ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006. HORN, Geraldo Balduíno, GERMINARI, Geyso Dongley. O Ensino de História e seu Currículo. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2006. MATINHOS. Lei Orgânica Municipal MEIHY, José Carlos sebe Bom e HOLANDA, Fabíola. História Oral: Como Fazer, Como Pensar. São Paulo: Editora Contexto, 2007. SCHMIDT, Dora, Historiar – Fazendo, contando e narrando a História. Editora Scipione, 2005. SCHMIDT, Maria Auxiliadora, CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004. SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Historiar: fazendo, contando e narrando a História. 7ª série. São Paulo: Scipione, 2002. THOMPSON, Paul. A Voz do Passado- História Oral. 3. Ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2002. WACHOWICZ, Ruy Christovam. História do Paraná. 7.ed. Curitiba: Editora Gráfica Vicentina Ltda, 1995.

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ANEXO 1 - PROCESSO USUCAPIÃO – FAMÍLIA RAMOS VIANA

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ANEXO 2 – CERTIDÃO CASAMENTO – FAMÍLIA RAMOS VIANA

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ANEXO 3 – CERTIDÃO DE NASCIMENTO – JURIVAL RAMOS VIANA