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CONSELHO DE DISCIPLINA
SECÇÃO PROFISSIONAL
Processo Disciplinar n.º 84-20/21
DESCRITORES: Sociedade desportiva – Infração
Disciplinar – Declarações – Liberdade de Expressão -
Lesão da honra e da reputação – Árbitro - Princípios
Desportivos – Ética desportiva - Comunicação Social –
Imprensa privada – Sítio na Internet – Newsletter –
Confissão integral e sem reservas
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ESPÉCIE: Processo Disciplinar
ARGUIDA: Sporting Clube de Braga - Futebol SAD
OBJETO: Declarações proferidas em órgão de comunicação social – imprensa privada –
newsletter
DATA DO DESPACHO: 28 de setembro de 2021
RELATOR: João Gouveia de Caires
NORMAS APLICADAS: Artigos 19.º, 112.º n.ºs 1,3 e 4 ambos do RDLPFP20; artigo 51.º n.º 1 do
RCLPFP20
SUMÁRIO
I. No direito disciplinar desportivo os bens jurídicos tutelados encontram
fundamentalmente a sua matriz na verdade e na integridade das competições, nas
quais se contêm os princípios desportivos da imparcialidade, lealdade, ética,
retidão, correção, respeito e urbanidade que devem nortear as relações entre todos
os agentes desportivos e sociedades desportivas.
II. As sociedades desportivas que através das suas páginas oficiais em redes sociais da
Internet, dos seus sítios na Internet e dos seus canais de comunicação e informação,
difundam declarações visando a atuação dos agentes de arbitragem, bem como
juízos gravosos para o interesse da própria competição profissional de futebol
nomeadamente para a imagem e credibilidade das competições, utilizando
expressões objetivamente injuriosas, difamatórias ou grosseiras e,
consequentemente, contrárias à ética desportiva que deve pautar as relações entre
as instituições, incorrem em responsabilidade disciplinar.
III. Pratica a infração disciplinar p. e p. pelos n.º 1, 3 e 4 do artigo 112.º, RDLPFP, a
sociedade desportiva responsável pelo sítio de internet através do qual se publica
eletronicamente newsletter referindo-se nessa publicação aos agentes de
arbitragem, que constituem declarações manifesta e objetivamente ofensivas da
honra e consideração dos visados, colocando em causa o núcleo essencial da função
da arbitragem, materializado na isenção e imparcialidade que a deve caracterizar,
afetando a imagem e credibilidade das competições e sendo aptas a potenciar riscos
acrescidos de fenómenos de violência desportiva – mais se verificando que essa
sociedade desportiva já tinha sido sancionada (com trânsito em julgado), no mesmo
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tipo de ilícito, por mais uma vez no período das três épocas desportivas anteriores
àquela em que se verificaram os factos em apreço.
IV. Por vezes, num afã de fazer aplicar ao ilícito disciplinar desportivo das lesões da
honra e da reputação as considerações paralelas do ilícito criminal das lesões à
honra, quer da jurisprudência nacional, quer a do TEDH, esquece-se de 3 topoi
essenciais e que fazem toda a diferença, a saber (e em síntese):
i) A autonomia do ilícito disciplinar desportivo justifica uma menor exigência do
que sejam lesões à honra: as consequências criminais não têm qualquer paralelo
com as consequências disciplinares desportivas;
ii) A especificidade e idiossincrasia do mundo desportivo profissional exigem uma
tutela preventiva que não tem lugar paralelo no foro criminal. Uma lesão à honra
criminal esgota-se em si mesma e no seu destinatário/visado (e não costuma
trazer outras implicações). A sanção tem uma função concreta de sancionar
aquela conduta tida como uma verdadeira “bagatela penal” em que a liberdade
de expressão, por natureza, tem uma dimensão muito maior. Já no lado do ilícito
disciplinar desportivo, tais condutas são das mais graves porque afetam não
apenas os visados, como também o interesse público quer da imagem e
credibilidade das competições, quer na prevenção de fenómenos de violência
desportiva face aos riscos adicionais provocados pelos movimentos das massas
associativas que o mundo do futebol profissional comporta, bastando por vezes
um pequeno fósforo, que faz explodir um autêntico barril de pólvora, pondo em
perigo não só a integridade moral e física dos agentes desportivos, como até
perturbação grave da ordem e tranquilidades públicas. O efeito bola de neve não
tem qualquer paralelo com a ofensa criminal (que se esgota com aquela atitude).
Há uma específica e autónoma dimensão preventiva muito maior no mundo
disciplinar desportivo que não encontra arrimo no lugar das ofensas criminais,
o que comporta uma maior restrição do direito à liberdade de expressão.
iii) Por último, tal compressão do direito à liberdade de expressão é totalmente
proporcional, e para além do já referido, dada a situação de os agentes
desportivos apenas se tornarem destinatários destes deveres especiais,
sujeitando-se a tal restrição, porque assim o entenderam livremente (ao
contrário dos destinatários dos ilícitos criminais em que somos todos só pelo
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simples facto sermos cidadãos imputáveis). Aliás, os agentes desportivos só se
tornam como tal por decisão autónoma, aceitando os ónus inerentes, como até
se autovincularam ao participarem na modelação dos regulamentos desportivos
que lhes impõem as restrições.
V. No âmbito jusdisciplinar as lesões à honra têm uma amplitude maior do que a que
decorre das lesões à honra criminais. O âmbito da liberdade de expressão é
configurado de modo distinto nas duas esferas.
VI. Tal comportamento não se vê justificado pelo exercício lícito da sua liberdade de
expressão, pelo que, por afrontar valores tutelados pelo direito disciplinar
desportivo, faz incorrer o seu autor na prática do ilícito disciplinar de lesão da honra
e reputação. Expressões como «[a] julgar pela disparidade de critérios
apresentados de jogo para jogo (ou de cor de camisola para cor de camisola), não
seria, certamente, prejudicial acrescentar um pouco de justiça à Liga» (destaque
nosso), estão para além do permitido pela liberdade expressão (como seria o caso
de tais declarações se tivessem ficado pela critica à disparidade de critérios), uma
vez que se insinua, na segunda parte, a disparidade de critérios de arbitragem variar
em função da cor de camisola, pretendendo-se afirmar que a Arguida é prejudicada
de modo pré-determinado em detrimento de outras equipas que são beneficiadas
sendo por isso injusta a competição. Lesa por isso a imagem e credibilidade das
competições e pode incrementar fenómenos de violência desportiva.
VII. O juízo de ponderação ou de concordância prática entre os bens jurídicos em
conflito (honra, liberdade de expressão, ética desportiva) não pode ignorar o facto
de a qualidade de agente desportivo estar associada, nos termos legais e
regulamentares, a um estatuto especial de direitos e deveres, entre eles o dever,
para esses agentes, de se absterem de condutas que potenciem comportamentos
violentos ou perturbações da ordem pública. Esta asserção não só encontra arrimo
na jurisprudência do STA, como é um dos aspetos tidos em conta pelo TEDH na
interpretação e aplicação do artigo 10.º, n.º 2 da CEDH, quando ali se assinala que
certas pessoas ou grupos, pelos deveres e responsabilidades inerentes à atividade
que desempenham, podem ter de suportar interferências mais intensas na sua
liberdade de expressão, sem que isso perturbe o justo equilíbrio dos interesses em
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presença, atenta a premência dos interesses públicos em que se esteiam aquelas
situações funcionais.
VIII. A valoração da confissão integral e sem reservas implica a redução a metade do arco
sancionatório abstratamente aplicável (no caso, de ilícito qualificado) e a dispensa
do pagamento das custas. Não implica a aplicação automática ou obrigatória do
valor mínimo da sanção (nem a dispensa do pagamento de despesas), que se
continuará a perscrutar em concreto de acordo com os critérios regulamentares e
fins das sanções.
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DESPACHO-DECISÃO
Decisão proferida ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 245.º do Regulamento Disciplinar das
Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol1
I – Relatório
Registo inicial
1. Por deliberação da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação
Portuguesa de Futebol, datada de 13.04.2021, mediante participação do Conselho de
Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol (CA), o Conselho de Disciplina da
Federação Portuguesa de Futebol (CD) instaurou e remeteu à Comissão de Instrutores da
Liga Portuguesa de Futebol Profissional (CI) o presente processo, autuado como processo
disciplinar, e em que é arguida a Sporting Clube de Braga – Futebol, SAD (1048.1), tendo
como objeto «Declarações proferidas em newsletter de sociedade desportiva com
repercussão na comunicação social, sob o enfoque das ofensas à honra ou consideração,
nomeadamente de agentes de arbitragem» ⎯ cf. capa do processo e fls. 1 e 2.
2. Por despacho do Senhor Presidente da Comissão de Instrutores, datado de 19.04.2021 e
proferido nos termos da alínea c) do Artigo 210.º do RD), foi nomeado instrutor o Exmo.
Senhor Professor Doutor Fernando Torrão, Presidente da CI, no presente processo
disciplinar dando-se abertura e início à respetiva instrução – cfr. fls. 8.
3. A 19.04.2020, por despacho de fls. 9 a 12, que aqui se dá por integralmente reproduzido,
determinou-se a notificação da Arguida Sporting Clube de Braga – Futebol, SAD, nos
termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 227.º do RD.
4. Concomitantemente, determinou-se a junção aos presentes autos:
⎯ Do extrato disciplinar da Arguida, designadamente abrangendo a atual e as três últimas
épocas desportivas anteriores à da data da prática dos factos (entretanto junto em fls.
19 a 31);
1 Aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018, 22 de maio de 2019 e 28 de julho de 2020, ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 26 de agosto de 2020, doravante abreviado, por mera economia de texto, por RDLPFP20 ou apenas por RDLPFP. O texto regulamentar encontra-se disponível, na íntegra, na página da LPFP.
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⎯ Cópia das declarações da arguida que constituem objeto do presente processo,
reproduzidas na respetiva newsletter (entretanto junta em fls. 33 e 34); e
⎯ Cópia de notícias na comunicação social relativas às declarações em apreço (entretanto
juntas em fls. 35 a 39).
5. Regularmente notificada, a Arguida optou por nada requerer ou por se pronunciar.
Acusação
6. Por resultar suficientemente indiciado que a Arguida Sporting Clube de Braga, Futebol
SAD cometeu a infração disciplinar p. e p. nos termos do disposto no artigo 112.º n.ºs 1,
3 e 4 RDLPFP20, o Il. Instrutor, a 06.09.2021, cumprindo os termos do disposto no artigo
237.º, n.º 1 do RDLPFP20, deduziu acusação e ordenou a remessa dos autos a este
Conselho de Disciplina (cfr. fls. 42 a 56).
II – Competência do Conselho de Disciplina
7. Nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1 do RJFD20082, compete a este Conselho, de
acordo com a lei e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas
pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar
procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares
em matéria desportiva.
8. No mesmo sentido, dispõe o artigo 15.º do Regimento deste Conselho3.
9. Conforme o disposto no artigo 237.º RDLPFP20, deduzida a acusação, são os autos
remetidos à Secção Disciplinar no mais curto espaço de tempo e, se nada obstar ao seu
recebimento, a Presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de
Futebol, ordena a notificação da acusação ao Arguido, procede ao agendamento de uma
audiência disciplinar para um dos 10 dias úteis seguintes e distribui o processo a um dos
vogais, que será o respetivo Relator.
2 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro (regime jurídico das federações desportivas e do estatuto de utilidade pública desportiva) e alterado pelo artigo 4.º, alínea c), da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (Cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei) e ainda pelos artigos 2.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, cujo texto consolidado constitui anexo a este último. 3 Divulgado e publicado através do Comunicado Oficial n.º 173, de 13 de janeiro de 2017 da FPF. Disponível, na íntegra, na página da Federação Portuguesa de Futebol.
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10. No cumprimento do citado comando regulamentar, foi recebida a acusação a 08.09.2021
(cfr. fls. 58), nos termos do Despacho prolatado pela Exma. Senhora Presidente deste CD
da FPF, Senhora Professora Doutora Cláudia Santos, ordenada a notificação nos termos
regulamentares à Arguida, designado o dia 20.09.2021, pelas 14h00, para a audiência
disciplinar, a realizar presencialmente na sede da LPFP, e distribuído o processo ao aqui
Relator (cfr. fls. 58).
11. Na sequência de tal Despacho, veio a Arguida Sporting Clube de Braga – Futebol SAD, a
17.09.2021, através de correio eletrónico remetido pelas 15h21, afirmar que “tendo lido
e compreendido a descrição dos factos constantes da acusação elaborada pela CI da LPFP,
declara confessar integralmente e sem reservas todos os factos que lhe são imputados”
(cfr. fls. 73), apresentando para o efeito o respetivo termo de reconhecimento das
assinaturas (cfr. fls. 74 a 75) e requerendo que seja dada sem efeito a audiência disciplinar
agendada.
12. Sobre tal requerimento, incidiu Despacho do aqui Relator e signatário do mesmo dia
(17.09.2021), pelas 19h20, nos termos do qual decidiu-se:
«(…)
i) Admitir a declaração de confissão integral e sem reservas da Arguida, por ser
tempestiva e preencher todos os requisitos de forma e de substância, sendo por isso
eficaz nos termos do artigo 245.º do RD, com os efeitos do n.º 6 do mesmo preceito
regulamentar, e consequentemente,
ii) Dar sem efeito a audiência disciplinar ao abrigo do n.º 4 do artigo 245.º do RD,
devendo os presentes autos ser conclusos ao Relator para a qualificação jurídica dos
factos confessados por “despacho sumariamente fundamentado” nos termos do
referido preceito regulamentar» - cfr. Despacho de fls. 77 a 78.
13. Por último, e após a notificação do sobredito Despacho a todos os participantes
processuais a 20.09.2021 (cfr. fls. 76 a 89), foram os presentes autos conclusos ao aqui
Relator a 20.09.2021, para, nos termos regulamentares, este, por despacho
sumariamente fundamentado, proceder à qualificação jurídica dos factos confessados
integralmente e sem reservas e à determinação da sanção aplicável, o que procederá de
imediato.
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III – Aplicação das normas regulamentares no tempo
14. Sendo a presente decisão prolatada na vigência do RDLPFP214, que entrou em vigor na
sequência do Comunicado Oficial n.º 18, datado de 14.07.2021,5 cumpre indagar se a
sucessão de regimes regulamentares levanta, in casu, um problema de aplicação das
normas regulamentares no tempo.
15. Preceitua a disposição transitória 1.ª do novo Regulamento o seguinte: «O presente
Regulamento entra em vigor imediatamente após a publicação em comunicado oficial da
deliberação de ratificação pela Assembleia-Geral da FPF, nos termos do artigo 47.º dos
Estatutos Federativos».
16. Em linha com os anteriores, o RDLPFP21 contém disposições específicas em matéria de
aplicação no tempo, lendo-se no artigo 11.º o seguinte: «(...) 1. As sanções são
determinadas pela norma punitiva vigente no momento da prática da infração disciplinar;
2. O facto punível como infração por norma legal ou regulamentar no momento da sua
prática deixa de ser punível se, em virtude da entrada em vigor de nova disposição legal
ou regulamentar, deixar de ser qualificado como infração disciplinar; no caso de já ter
havido condenação, ainda que por decisão já definitiva na ordem jurídica desportiva, cessa
de imediato a respetiva execução; 3. Quando a sanção aplicável no momento da prática
do facto for diversa daquela que vigorar em momento posterior será sempre aplicado o
regime que concretamente se mostrar mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido
condenado por decisão transitada em julgado (...); 6. As normas procedimentais previstas
no presente Regulamento serão aplicáveis a todos os procedimentos instaurados após a
sua entrada em vigor (...)».
17. Assim sendo, importa destacar que à data da prática dos factos que deram origem à
instauração do presente processo disciplinar, vigorava o RDLPFP20. Como nota Germano
Marques da Silva, «a escolha dos regimes penais em confronto em sede de aplicação das
4 Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018 e de 22 de maio de 2019 e de 28 de julho de 2020 e 02 de junho de 2021, ratificado na reunião da Assembleia Geral Extraordinária da FPF de 05 de julho de 2021. 5 Cf. Comunicado Oficial n.º 18, de 14.07.2021, disponível em https://www.fpf.pt/pt/Institucional/Documenta%C3%A7%C3%A3o (acesso em 18.07.2021).
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leis no tempo, tem de ser feita em bloco, não podendo criar-se uma norma abstracta com
os elementos mais favoráveis das várias leis».6
18. As infrações disciplinares em liça nos presentes autos – a saber, os artigos 112.º [Lesão da
honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros] e 136.º
[Lesão da honra e reputação e denúncia caluniosa] não sofreram, no essencial, alterações
nem na sua hipótese, nem no respetivo arco sancionatório, à exceção do que respeita ao
n.º 4 do artigo 112.º, onde se passou a ler: «Sem prejuízo do disposto nas leis que
regulam a imprensa, a rádio e a televisão, o clube é considerado responsável pelos
comportamentos que venham a ser divulgados pela sua imprensa privada e pelos sítios da
internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube
fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa» (o sublinhado
é nosso). A alteração na redação do artigo 53.º, n.ºs 2 e 3 [Circunstâncias agravantes] do
RDLPFP tem natureza meramente interpretativa, não se revelando concretamente mais
vantajosa para a Arguida.
19. Uma vez que não se detetam, noutros segmentos do RD, alterações com impacto na
responsabilidade disciplinar dos Arguidos – mormente no que respeita às circunstâncias
atenuantes (artigo 55.º), à reincidência como elemento de qualificação do tipo (artigo
54.º), aos prazos de caducidade e prescrição (artigos 22.º e 23.º) e ao valor da unidade de
conta (UC), sobre o qual recai o fator de ponderação previsto no n.º 3 do artigo 36.º (0,7
aplicável ao escalão 3 vigente no momento da prática dos factos como melhor se
demonstrará infra em VI.,67) – e tendo em conta que, efetuado um exercício comparativo
entre os blocos normativos do RDLPFP20 e do RDLPFP21, não se mostra o segundo
concretamente mais favorável para os Arguidos do que o primeiro, em termos que
imponham a aplicação do preceituado no n.º 3 do artigo 11.º, conclui-se que o presente
procedimento disciplinar deve ser regulado, tanto substantiva como
procedimentalmente, pelo Regulamento disciplinar vigente à data da prática dos factos –
a saber, o RDLPFP20.
IV – Fundamentação de facto
6 Germano Marques da Silva, Direito Penal Português – Parte Geral – I Introdução e teoria da lei penal, Editorial Verbo, Lisboa, 1997, p. 265
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§1. A prova no direito disciplinar desportivo
20. Nem no RDLPFP, nem em qualquer outro diploma de natureza jusdisciplinar desportiva
que regulamente as competições reconhecidas como profissionais se encontra uma
resposta expressa à questão da valoração da prova em ambiente disciplinar desportivo.
No entanto, dispõe o RDLPFP20 de uma norma que nos auxilia a enfrentar tal questão: o
artigo 16.º, n.º 1, estabelece: “na determinação da responsabilidade disciplinar e
subsidiariamente aplicável o disposto no Código Penal e, na tramitação do respectivo
procedimento, as constantes do Código de Procedimento Administrativo e,
subsequentemente, do Codigo de Processo Penal, com as necessarias adaptações.”.
21. Assim, constitui princípio geral do direito disciplinar a aplicação subsidiária dos princípios
do direito penal, com as necessárias adaptações, na medida em que as normas
processuais penais são, naturalmente, aquelas que se colocam como mais garantísticas
dos direitos de defesa dos Arguidos, razão pela qual, nalguns casos e sempre com as
necessárias adaptações, o processo penal pode e deve representar a matriz do direito
sancionatório público (criminal, contraordenacional e disciplinar)7. Por conseguinte,
ancorados no artigo 127.º do Código de Processo Penal8, a prova e apreciada “segundo as
regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente”, sem prejuízo,
como é óbvio, de dois princípios basilares do processo penal: o princípio da “presunção
de inocência” (consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio “in dubio pro reo”,
que tal como asseveram Gomes Canotilho e Vital Moreira9 constituem a dimensão
jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte
axiológico-normativo da culpa.
7 A própria Constituição da República Portuguesa parece sufragar este entendimento quando, a propósito das garantias do processo criminal, estende a outros processos sancionatórios, de forma inequívoca, pelo menos algumas delas (cfr. artigo 32.º, n.º 10). Vide, a este respeito, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 526 e Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, 2.ª edição, Tomo I, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, pp. 740-743. 8 Neste sentido, ver, entre outros o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo n.º 03132/11.6BEPRT, de 20-05-2016; o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n.º 07455/11, de 12-03-2015; o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n.º 06944/10, de 20-12-2012; o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo n.º 00093/06.7BEVIS, de 09-12-2011; o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n.º 01717/06, de 05-11-2009; o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n.º 12372/03, de 29-09-2005; o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n.º 10842/01, de 11-03-2004 (todos disponíveis em www.dgsi.pt). 9 Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 204.
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22. Destarte, no exercício do poder disciplinar, a autoridade competente tem a liberdade de
formar a sua convicção sobre os factos submetidos ao seu julgamento, mas não de forma
arbitrária, porque motivada e controlável, e consequentemente ela há-de “processar-se
segundo as regras da logica, da ciência e da experiência”10 e condicionada pelo princípio
da persecução da verdade material. Dito por outras palavras, com base no juízo que se
fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica,
tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo. Em suma, a
aceitação da credibilidade de toda a prova está dependente da convicção do julgador que,
embora sendo uma convicção pessoal, terá de ser sempre objetivável e motivável.
§2. Factos provados
23. Compulsada toda a prova existente nos autos consideram-se provados os seguintes factos
tal como constam da acusação (de fls. 46 a 56) que se transcreve de imediato (e se
consideram reproduzidos para todos os efeitos):
«(…)
1.º
A arguida, Sporting Clube de Braga – Futebol, SAD (1048.1) proferiu declarações na sua
newsletter oficial “Voz da Legião” (cf. fls. 33 e 34), como e publica e notoriamente
reconhecida, reproduzidas na newsletter #29 em 06 de abril de 2021.
2.º
As declarações são as que se seguem:
«[…] congratulámo-nos, ainda, com a decisão do TAD, a qual nos absolveu do castigo de
dois jogos de interdição aplicados pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa
de Futebol, por alegado apoio a grupos organizados de adeptos não legalizados. Apesar
do mais que provável recurso que a FPF sempre apresenta quando perde um caso deste
género, esta decisão trouxe finalmente justiça ao contexto do SC Braga, corrigindo uma
sentença imposta de forma pouco factual. Talvez não fosse mal pensado contratar alguns
10 A este propósito, entre muitos outros, consultar, Germano Marques da Silva, “Produção e valoração da prova em processo penal”, Revista do CEJ, n.º 4, 2006, pp. 37-53 (p.39).
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elementos do TAD para arbitrarem as derradeiras jornadas do nosso campeonato. A julgar
pela disparidade de critérios apresentados de jogo para jogo (ou de cor de camisola para
cor de camisola), não seria, certamente, prejudicial acrescentar um pouco de justiça à
Liga».
⎯ [Realce adicionado] cf. fls. 33 e 34.
3.º
As declarações em apreço tiveram repercussão na imprensa desportiva, nomeadamente
nas versões digitais do jornal Record (cf. fls. 4 e 5), do jornal O Jogo (fls. 35 e 36) e do
Magazine (da euro-região da Galiza – Norte de Portugal) Rías baixas tribuna (fls. 37 a 39).
4.º
A arguida agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu
comportamento, por ser desrespeitoso, lesava a honra e consideração dos elementos das
equipas de arbitragem visados, afetando a credibilidade e o bom funcionamento da
competição desportiva em que se encontra envolvida, facto que, consubstanciando
comportamento previsto e punível pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, não se
absteve, porém, a arguida de o concretizar.
5.º
A arguida tem os antecedentes disciplinares constantes de fls. 16 a 31» - cfr. fls. 46 a 47).
§3. Motivação
24. No caso vertente, para a formação da nossa convicção, foram tidas em consideração,
desde logo, a confissão integral e sem reservas da Arguida (confissão que implica a
aceitação de todos os factos que lhe são imputados tal como constam da acusação), mas
também todo o acervo probatório carreado para os autos - concretamente os
documentos especificadamente mencionados supra a propósito de cada facto – o qual foi
objeto de uma análise crítica à luz de regras de experiência comum e segundo juízos de
normalidade e razoabilidade. Quanto ao facto vertido no ponto 4.º, relativo aos
elementos subjetivos do tipo de ilícito, além da confissão integral e sem reservas, alicerça-
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se nas regras da experiência neste tipo de contexto futebolístico: quem profere tais
declarações sabe e deseja violar os deveres impostos regulamentarmente, ademais a
Arguida que, bem experiente dos deveres que impendem sobre os participantes em
competições profissionais, não poderia deixar de conhecer os mesmos e as suas
consequências, tendo agido com dolo direto (conhecendo e desejando proferir tais
declarações mesmo que violadoras dos deveres regulamentares).
V – Fundamentação de direito
§1. Enquadramento jurídico-disciplinar – Fundamentos e âmbito do poder disciplinar
25. O poder disciplinar exercido no âmbito das competições organizadas pela Federação
Portuguesa de Futebol – ou, por delegação, pela Liga Portuguesa de Futebol profissional
– assume natureza pública.
26. Com clareza, concorrem para esta proposição as normas constantes dos artigos 19.º, n.º
1 e 2, da Lei n.º 5/2007 de 16 de janeiro (Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto),
e dos artigos 10.º, 13.º, alínea i), do RJFD2008.
27. A existência de um regulamento justifica-se pelo dever legal – artigo 52.º, n.º 1, do
RJFD200811 – de sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as
demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva, entendendo-
se por estas últimas as que visam sancionar a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo
e a xenofobia, bem como quaisquer outras manifestações de perversão do fenómeno
desportivo (artigo 52.º, n.º 2, do RJFD2008).
28. O poder disciplinar exerce-se sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores,
técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam
a atividade desportiva compreendida no seu objeto estatutário (artigo 54.º, n.º 1, do
RJFD2008).
29. Em conformidade com o artigo 55.º do RJFD2008 o regime da responsabilidade disciplinar
é independente da responsabilidade civil ou penal.
11 Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro e alterado pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, tendo sido o seu artigo 12.º revogado pela lei que criou o Tribunal Arbitral do Desporto, Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro.
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30. Todo este enquadramento, representa, entre tantas consequências, que estamos perante
um poder disciplinar que se impõe, em nome dos valores mencionados, a todos os que se
encontram a ele sujeito, conforme o âmbito já delineado e que, por essa razão, assenta
na prossecução de finalidades que estão bem para além dos pontuais e concreto
interesses desses agentes e organizações desportivas.
Das infrações disciplinares em geral
31. O RDLPFP20 encontra-se estruturado, no estabelecer das infrações disciplinares, pela
qualidade do agente infrator – clubes, dirigentes, jogadores, delegados dos clubes e
treinadores, demais agentes desportivos, espectadores, árbitros, árbitros assistentes,
observadores de árbitros e delegados da Liga.
32. Para cada um destes tipos de agente o RDLPFP20 recorta tais infrações e respetivas
sanções em obediência ao grau de gravidade dos ilícitos, qualificando assim as infrações
como muito graves, graves e leves.
Das infrações disciplinares concretamente imputadas
33. Para a aferição em concreto das normas imputadas passamos à descrição da sua
localização sistemática no RDLPFP20, bem como às transcrições do que releva para o caso
sub judice:
TÍTULO II
INFRAÇÕES DISCIPLINARES
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 19.º (Deveres e obrigações gerais)
1. As pessoas e entidades sujeitas à observância das normas previstas neste
Regulamento devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de
lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de
natureza desportiva, económica ou social.
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2. Aos sujeitos referidos no número anterior é proibido exprimir publicamente juízos
ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou coletivas ou dos órgãos
intervenientes nas competições organizadas pela Liga, bem como das demais
estruturas desportivas, assim como fazer comunicados, conceder entrevistas ou
fornecer a terceiros informações que digam respeito a factos que sejam objeto de
investigação em processo disciplinar.
3. (...)
34. Atinente às infrações dos clubes, vejamos:
CAPÍTULO IV
INFRAÇÕES DISCIPLINARES
SECÇÃO I
INFRAÇÕES ESPECÍFICAS DOS CLUBES
SUBSECÇÃO II
INFRAÇÕES DISCIPLINARES GRAVES
Artigo 112.º
(Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros)
1. O clube que de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou
grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes,
clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas
funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de
indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75
UC e o máximo de 350 UC.
2. (...)
3. Em caso de reincidência, os limites minimo e maximo das multas previstas nos numeros
anteriores serão elevados para o dobro.
4. O clube e considerado responsavel pelos comportamentos que venham a ser divulgados
pela sua imprensa privada e pelos sitios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela
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sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por
interposta pessoa.
35. De realçar ainda que em matéria de prevenção de violência e promoção do fair-play,
atendendo ao preceituado no artigo 51.º n.º 1 do Regulamento das Competições
Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol12 (RCLPFP2020/21 ou, simplesmente,
RCLPFP20 ou ainda RC) “Deveres de correção e urbanidade dos intervenientes: 1.º Todos
os agentes desportivos devem manter comportamento de urbanidade e correção entre si,
bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros
assistentes».
§2. O caso concreto: subsunção ao direito aplicável
36. Importa agora atentar nas declarações em análise, apreciando-as jurídico-
disciplinarmente, por via da subsunção da respetiva factualidade às normas
regulamentares aplicáveis.
37. Determina o artigo 17.º (Conceito de infração disciplinar) do RDLPFP20 que se considera
infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente
culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos
e demais legislação aplicável.
38. Específica e analiticamente os elementos essenciais da infração disciplinar, de verificação
cumulativa, são: (i) o facto do agente (que tanto pode traduzir-se numa ação como numa
omissão); (ii) a ilicitude desse mesmo facto; e (iii) a culpa. No plano da culpa basta que
estejamos face a uma conduta meramente culposa ou negligente do agente, para que
essa conduta, desde que ilícita, seja passível de punição disciplinar.
12 Com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 27 de junho de 2011, 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 20 de junho de 2014, 19 e 29 de junho de 2015, 21 de outubro de 2015, 15 de março de 2016, 28 de junho de 2016, 07 de fevereiro de 2017, 12 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 27 de fevereiro de 2018, 27 de abril de 2018, 25 de maio de 2018 e 29 de junho de 2018, 22 de maio de 2019, 08 de junho de 2020, 28 de julho de 2020 e 30 de setembro de 2020.
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39. Nos termos constantes da acusação, vem imputada à Arguida Sporting Clube de Braga,
Futebol SAD a prática de uma infração disciplinar p. e p. no artigo 112.º, n.ºs 1, 3 e 4 do
RDLPFP20.
40. A propósito do conceito de “imprensa privada” para efeitos do referido n.º 4 do artigo
112 do RD (e bem assim do conceito de “sítios na internet” da responsabilidade das SAD),
remete-se integralmente para o já sustentado por este Conselho de Disciplina,
nomeadamente no acórdão13, aprovado por unanimidade, de 20 de março de 2018, no
âmbito do processo disciplinar n.º 21-2017/18 (relatora Maria José Carvalho):
“(…)
“Imprensa” e, atualmente, a designação coletiva dos veículos de comunicação que
exercem jornalismo e outras funções de comunicação informativa, apesar de o termo
imprensa derivar da prensa originalmente utilizada para imprimir jornais, então os
únicos veículos jornalísticos existentes, os quais, desde há décadas, passaram a ser
também teledifundidos (telejornal) e, com o advento da World Wide Web, surgiram
também os jornais online, ou ciberjornais, ou webjornais, mantendo-se o termo
"imprensa" para os designar colectivamente”.
41. De igual modo, e mais recentemente, no suprarreferido aresto14, aprovado por
unanimidade, de 27 de outubro de 2020, no âmbito do processo disciplinar n.º 97-
2019/20 (relator Vasco Cavaleiro):
“(…)
“imprensa privada”, para efeitos do normativo em glosa, são todos aqueles veículos de
comunicação que exercem jornalismo e outras funções de comunicação informativa que
sejam, direta ou indiretamente, detidos e/ou controlados em termos
empresariais/societários por clubes/sociedades desportivas”.
42. Posto isto, começamos por referir que a Secção Profissional do Conselho de Disciplina da
FPF tem consistentemente afirmado que, no seu entendimento15, o artigo 112.º do
RDLPFP20 realiza, sobretudo, a salvaguarda de bens jurídicos específicos da realidade do
desporto, in casu do futebol profissional, como sejam a proteção da ética e dos valores
desportivos, aqui ramificados na salvaguarda da credibilidade da competição, sendo um
13 Disponível, na íntegra, na página da Federação Portuguesa de Futebol, https://www.fpf.pt/. 14 Disponível, na íntegra, na página da Federação Portuguesa de Futebol, https://www.fpf.pt/. 15 Por todos, acórdão prolatado relativamente ao PD n.º 18-17/18, de 16 de janeiro.
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seu pressuposto essencial a dignidade e imparcialidade da função dos dirigentes
federativos e dos árbitros.
43. Assim, a responsabilidade disciplinar da Arguida depende da violação dos deveres gerais
ou especiais que a mesma está adstrita no âmbito dos regulamentos desportivos e demais
legislação aplicável à realização das competições desportivas profissionais (em que
participa). E esses deveres resultam da conjugação do artigo 19.º e 112.º do RDLPFP20 e
ainda do artigo 51.º do RCLPFP20.
44. No n.º 1 do artigo 19.º do RDLPFP20 estabelece-se que todos os clubes e agentes
desportivos que, a qualquer título ou por qualquer motivo, exerçam funções ou
desempenhem a sua atividade no âmbito das competições organizadas pela Liga Portugal,
«devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade,
verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva,
económica ou social». E, de forma muito expressiva, no n.º 2 da mesma disposição
regulamentar se inibe aqueles mesmos sujeitos de «exprimir publicamente juízos ou
afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou coletivas ou dos órgãos
intervenientes nas competições organizadas pela Liga».
45. É, pois, no quadro desses deveres gerais de lealdade, probidade, verdade e retidão, e da
proibição expressa de publicitação de juízos ou afirmações lesivos da reputação de todos
aqueles que intervenham nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa
de Futebol Profissional, que o n.º 1 do artigo 112.º do RDLPFP20 comina com a sanção de
multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC, o uso «de
expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com
órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais
agentes desportivos».
46. Impõe-se, então, analisar se os factos dados como provados se subsumem às citadas
previsões normativas do RDLPFP, ou seja, se com tais declarações publicadas e difundidas
através da newsletter oficial, a Arguida violou, ou não, bens jurídicos tutelados pelos
artigos 19.º, 112.º do RDLPFP20 e 51.º n.º do RCLPFP20, como a verdade e a integridade
da competição, particularmente evidenciados pela imparcialidade e isenção dos
desempenhos dos elementos das equipas de arbitragem.
47. Tendo presente o que se deixa referido, não temos dúvidas que o texto publicado na
newsletter oficial “Voz da Legião”, reproduzidas no dia 06 de abril de 2020 (fls. 32 a 34),
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com repercussão na imprensa desportiva (nomeadamente nas versões digitais do jornal
Record, cf. fls. 4 e 5, do jornal O Jogo, fls. 35 e 36 e do Magazine, da euro-região da Galiza
– Norte de Portugal Rías baixas tribuna, fls. 37 a 39), com alusão a decisões de arbitragem
no âmbito das competições profissionais de futebol em que a Arguida participa, é lesivo
da reputação dos árbitros pondo em causa a imagem e credibilidade das competições,
porquanto:
i) Por um lado, no segmento relevantes de tais declarações pode ler-se “«Talvez
não fosse mal pensado contratar alguns elementos do TAD para arbitrarem as
derradeiras jornadas do nosso campeonato. A julgar pela disparidade de
critérios apresentados de jogo para jogo (ou de cor de camisola para cor de
camisola), não seria, certamente, prejudicial acrescentar um pouco de justiça à
Liga» (destaque nosso), se quanto à “disparidade de critérios” da arbitragem
“de jogo para jogo” seria inócua no âmbito da critica objetiva e da margem
permitida da liberdade de expressão, já não se podendo dizer o mesmo quanto
a tal disparidade variar de “camisola para camisola”. Insinua-se (e até se afirma)
um juízo genérico, e por isso mesmo ainda mais grave (porque nada pior do
que um manto de suspeição), de parcialidade da arbitragem, não por erros,
mas pela predeterminação na parcialidade em função da equipa em jogo.
ii) Tais declarações, quanto à “disparidade de criterios de arbitragem em função da
cor da camisola”, são por isso típicas e ilícitas: constituem, de acordo com
qualquer critério, uma lesão (intensa) da reputação dos elementos das equipas
de arbitragem porque é condição da sua atuação a imparcialidade e isenção e
porque ultrapassam o nível da critica (permitida) e não encontram proteção na
liberdade de expressão (ate porque ao se afirmar que tudo depende da “cor da
camisola” lança-se igualmente uma descrença sobre a credibilidade e imagem das
competições e apta a empolar ou até criar fenómenos de violência desportiva,
uma vez que nada será pior do que os adeptos e simpatizantes da Arguida ao
lerem aquela posição não poderão ficar indiferentes, bem se sabendo que por
vezes tal constitui o pequeno “gatilho” que faz nascer efetivos perigos de
perturbação grave da ordem e tranquilidade pública além da própria integridade
moral e física dos elementos da arbitragem).
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iii) Ademais, porque a restrição do direito à liberdade de expressão é
manifestamente proporcional, quer em abstrato, quer em concreto. Por um lado,
verifica-se que a imposição destes deveres no contexto futebolístico visa não
apenas a proteção dos visados (agentes de arbitragem, outras equipas, etc.),
como também um interesse público na imagem e credibilidade das competições
e prevenção dos fenómenos de violência desportiva. Acresce que são os agentes
desportivos que tomam a decisão consciente de participar nas competições
desportivas sujeitando-se ao estrito cumprimento dos deveres inerentes, que
ademais ajudaram a modelar atento o seu papel na formulação dos regulamentos
desportivos). Por outro lado, e in casu: é totalmente adequada, necessária e
corresponde à justa medida o sancionamento de tais declarações porque
constitui o único meio de prevenir a prática de similares declarações no futuro
que incrementem o descrédito da imagem e credibilidade das competições e
criem as condições para fenómenos de violência desportiva atento o conhecido
“efeito de bola de neve” que o mundo futebolístico só potencia. Há por isso uma
tripla valoração: as declarações em causa são lesivas da honra e reputação da
arbitragem; afetando a imagem e credibilidade das competições e por último,
mas não menos importante, são aptas a criar um perigo efetivo de incremento de
fenómenos de violência desportiva, o que, infelizmente, também pela experiência
se tem evidenciado.
iv) Por último, e considerando a elevada experiência que a Arguida tem em
competições profissionais, o que é de louvar, não pode deixar de corresponder a
uma maior exigência quanto ao cumprimento dos seus deveres. É por isso
censurável, normativa e socialmente, que ao invés de se quedar pela critica (como
poderia ter feito se a Arguida se quedado pela parte das declarações à
“disparidade de criterios”), tenha adotado uma conduta acintosa e atentatória da
reputação dos agentes da arbitragem, da credibilidade das competições e idónea
a fomentar riscos de violência desportiva (mormente com a parte das declarações
em que se refere a que tais critérios variam em função da cor da camisola, i.e.,
que os elementos da arbitragem fazem variar os seus critérios em função das
equipas, prejudicando a Arguida e beneficiando “certas” outras equipas). Uma
conduta, em suma, culposa.
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v) Em reforço, quer da ilicitude, quer da culpa elevadas neste caso concreto, é de
destacar que tais declarações foram proferidas por via de uma newsletter (oficial)
através do seu sítio de internet, revela uma pré determinação que não é inócua.
Há aqui um certo nível de premeditação pois nem sequer se trata de declarações
proferidas no “calor de uma jogada”. O tempo de elaboração e de revisão de tal
newsletter não foi aproveitado para fazer um uso ponderado da liberdade de
expressão, até por causa da larga experiência da Arguida (e até reincidente
neste tipo de condutas). Pelo contrário.
48. Note-se que a desonra (e lesão da imagem e credibilidade das competições e o perigo de
violência desportiva) pode ser alcançada sob a forma de proposições hipotéticas,
suspeita, porventura de modo mais insidioso. Insinua-se que a disparidade de critérios
varia em função da “cor da camisola”.
49. Acompanha-se por isso a acusação (cfr. fls. 53), “[r]efere Paulo Pinto de Albuquerque: «[o]
facto desonroso ou ofensivo da honra […] pode ser comunicado sob a forma de uma
insinuação, suspeita ou expectativa, ou seja, de uma proposição dubitativa ou hipotética
sobre a verificação do facto»16. Adiantando, um pouco à frente: «o facto [desonroso ou
ofensivo da honra] pode até ser comunicado sobre a forma de perguntas»17.
50. Nas palavras de José de FARIA COSTA18, «a imputação de factos ou a formulação de juízos
desonrosos podem ser inequívocas, não apresentarem a mínima dúvida, ou podem estar
encobertas pelo manto perverso e acutilante da suspeita. Ninguém desconhece que as
formas mais destruidoras da honra e da consideração de outrem não são as que
exprimem, de modo directo, factos ou juízos atentatórios da honra e da consideração.
Qualquer aprendiz de maledicência e muito particularmente o senso comum sabem que a
insinuação, as meias verdades, a suspeita, o inconclusivo são a maneira mais conseguida
de ofender quem quer que seja», sendo que «mesmo que a insinuação se cubra de ironia
isso não a torna imune ao preenchimento do tipo».
16 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal, 2015, p. 723, com referência aos acórdãos do TRC, de 21.11.1996, do TRP, de 1.10.2008 e do TRE, de 5.11.2013. 17 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal, 2015, p. 724, com referência ao acórdão do TEDH Pedersen e Baadsgaard v. Dinamarca (GC), de 17.12.2004. 18 In Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs. 611 e 612.
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51. A conduta da Arguida ultrapassa a fronteira da liberdade de expressão da Arguida19.
Naturalmente, a liberdade de expressão não protege tais imputações pois não é absoluta
e tem de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais,
como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas,
garantidos pelo n.º 1 do artigo 26º da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem
como a imagem e credibilidade das competições e a prevenção de fenómenos de violência
desportiva.
52. Tratam-se, em síntese, de declarações que, sendo públicas (e com repercussão em outros
meios de comunicação social, nomeadamente de jornais desportivos), são injuriosas,
grosseiras e difamatórias para com a equipa de arbitragem, atingindo a sua autoridade e
imparcialidade, bem como a imagem e credibilidade das competições e são suscetíveis de
induzirem riscos de criação de fenómenos de violência desportiva. E é por isso que tais
declarações veiculadas pela newsletter oficial da Arguida não podem ser toleradas.
Colocada em causa a imparcialidade do árbitro no exercício da sua função judicativa
desportiva, é manifesto que a sua idoneidade e honra são atingidos, pelo que as
afirmações em causa são já do domínio da critica injuriosa atento o facto de que os
árbitros devem atuar com critérios de isenção e imparcialidade. Não podemos deixar de
considerar que se é legítimo o direito de crítica da Arguida à atuação dos árbitros, já a
imputação desonrosa não o é.
53. O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a pronunciar-se sobre esta matéria, no
mesmo sentido que aqui é defendido, entre outros, o Acórdão de 26 de fevereiro de 2019,
proferido no Processo n.º 066/18.7BCLSB, afirmou, além do mais, que tais imputações
«atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um
crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e
entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o
19 sobre a colisão dos direitos fundamentais à liberdade de expressão e o direito ao bom nome e à reputação, vide ac. do STJ proferido, em 14.02.2012, no processo n.º 5817/07.2TBOER.L1. S1, onde se decidiu: « O direito não assegura ao lesado a protecção contra todas as opiniões, desmesuradamente, agrestes, mas não afasta a valoração como ilícitas das ofensas, exclusivamente, motivadas pelo propósito de caluniar, rebaixar e humilhar o ofendido, pelo que, exceptuadas estas, dificilmente se conceberão constelações de formulações críticas cuja ilicitude possa escapar à eficácia dirimente do exercício de um direito. Não sendo a imputação legítima, nem tendo o agente actuado de boa-fé, o conflito de direitos verificado entre a personalidade [a honra] e o seu exercício [a liberdade de expressão], sendo ambos de igual importância e não ocorrendo a possibilidade da sua cedência recíproca, resolve-se, in casu, em detrimento da liberdade de expressão, que cede o seu lugar, em virtude de o seu exercício se revelar ilícito, com base no abuso de direito, ao direito à honra, cuja supremacia só seria sacrificada quando não fosse ilegítimo o exercício da liberdade de expressão.»
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sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário
para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam
comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico
protegido pelas normas em causa».
54. Por vezes, num afã de fazer aplicar ao ilícito disciplinar desportivo das lesões da honra e
da reputação as considerações paralelas do ilícito criminal das lesões à honra, quer da
jurisprudência nacional, quer a do TEDH, esquece-se de 3 “topoi” essenciais e que fazem
toda a diferença, a saber (e em síntese):
iv) A autonomia do ilícito disciplinar desportivo justifica uma menor exigência do
que sejam lesões à honra: as consequências criminais não têm qualquer paralelo
com as consequências disciplinares desportivas;
v) A especificidade e idiossincrasia do mundo desportivo profissional exigem uma
tutela preventiva que não tem lugar paralelo no foro criminal. Uma lesão à honra
criminal esgota-se em si mesma e no seu destinatário/visado (e não costuma
trazer outras implicações). A sanção tem uma função concreta de sancionar
aquela conduta tida como uma verdadeira “bagatela penal” em que a liberdade
de expressão, por natureza, tem uma dimensão muito maior. Já no lado do ilícito
disciplinar desportivo, tais condutas são das mais graves porque afetam não
apenas os visados, como o interesse público quer da imagem e credibilidade das
competições, quer na prevenção de fenómenos de violência desportiva face aos
riscos adicionais provocados pelos movimentos das massas associativas que o
mundo do futebol profissional (em especial do 1.º escalão), bastando por vezes
um pequeno fósforo, que faz explodir um autêntico barril de pólvora, pondo em
perigo não só a integridade moral e física dos agentes desportivos, como até
perturbação grave da ordem e tranquilidades públicas. O efeito bola de neve não
tem qualquer paralelo com a ofensa criminal (que se esgota com aquela atitude).
Há uma específica e autónoma dimensão preventiva muito maior no mundo
disciplinar desportivo que não encontra arrimo no lugar das ofensas criminais,
o que comporta uma maior restrição do direito à liberdade de expressão.
vi) Por último, tal compressão do direito à liberdade de expressão é totalmente
proporcional, e para além do já referido, dada a situação de os agentes
desportivos apenas se tornarem destinatários destes deveres especiais,
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sujeitando-se a tal restrição, porque assim o entenderam livremente (ao
contrário dos destinatários dos ilícitos criminais em que somos todos só pelo
simples facto sermos cidadãos imputáveis). Aliás, os agentes desportivos só se
tornam como tal por decisão autónoma, aceitando os ónus inerentes, como até
se autovincularam ao participarem na modelação dos regulamentos desportivos
que lhes impõem as restrições.
55. É bom recordar que a amplitude da liberdade de expressão neste âmbito jusdisciplinar é
muito distinta da criminal e civil. Em matéria de lesões à honra, o que pode ser licito em
termos criminais, poderá ser ilícito em termos disciplinares.
56. Como se defendeu anteriormente, nomeadamente no âmbito do RHI 13-2020/2120,
precisamente relatado pelo mesmo Relator nós e perante a mesma Arguida relativamente
a factos similares totalmente transponível:
«(…)
Salvo o devido respeito, entendemos que no âmbito jusdisciplinar as lesões à honra têm
uma amplitude maior do que a que se verifica nas correlativas lesões à honra criminais.
Donde decorre que o âmbito da liberdade de expressão é configurado de modo distinto
nas duas esferas. E isto por três ordens de razões principais, a saber:
i) A autonomia do ilícito jusdisciplinar das lesões à honra de acordo com a
ponderação do princípio da proporcionalidade implica:
a) De um lado, a configuração do tipo de ilícito é mais ampla (nos seus
elementos objetivos) na esfera disciplinar do que aquela que decorre
da esfera criminal. Nomeadamente, no ilícito jusdisciplinar de lesões
à honra bastam-se com a chamada “grosseria”, no que não tem
qualquer paralelo no foro criminal. É o que consta expressamente no
tipo de ilícito p. e p. pelo artigo 112.º, n.º 1 do RDLPFP que consagra
como elementos objetivos “expressões, desenhos, escritos ou gestos
injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da
FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes” (destaques nossos).
b) De outro lado, nos distintos bens e interesses jurídicos protegidos: na
esfera criminal, pela natureza de ultima ratio e subsidiariedade,
20 Acórdão aprovado por unanimidade no âmbito do RHI 13 n.º 20-20/21, datado de 12 de janeiro de 2021.
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protege-se a honra e de modo mais intenso, não se bastando com
qualquer maledicência; na esfera jusdisciplinar, e de modo mais amplo,
os interesses protegidos são, para além da honra (desportiva) dos
visados, a salvaguarda da ética e valores desportivos refletidos na
credibilidade da competição, sendo um seu pressuposto essencial a
dignidade e imparcialidade da função dos árbitros. Mais do que um
interesse comum de todos os agentes desportivos, é o interesse
público na credibilidade das competições profissionais que tem uma
elevada ressonância social dados os fenómenos de massas que o
futebol em particular suscita.
ii) A especial necessidade de prevenção impõe um filtro muito mais amplo do que
se passa no lado de qualquer infração criminal de lesão da honra. Enquanto
nestas lesões à honra, do que se tratam, são de afetações pessoais,
individualizadas e que não acarretam outras consequências, no domínio
disciplinar, as lesões à honra dos agentes desportivos (nomeadamente dos
árbitros), têm um elevado potencial de danosidade social dado o “efeito de
bola de neve”, suscetível de gerar perigo de perturbação (por vezes até grave)
da ordem e tranquilidade públicas (maxime, os fenómenos de violência
desportiva), como de resto se tem comprovado pela experiência. Tudo
afetando, uma vez mais, o interesse público na credibilidade das competições
profissionais.
iii) A autovinculação regulamentar não tem lugar paralelo no ilícito criminal. Enquanto no
foro criminal, a vinculação a deveres mínimos de respeito pela vida em sociedade, sob
pena de incriminação nos casos mais graves, decorre do contrato social a que qualquer
cidadão está adstrito, por se ser cidadão fica-se vinculado a estes deveres gerais; no foro
jusdisciplinar são os agentes desportivos que, querendo, estar numa competição
profissional decidem livremente aderir às regras especialmente exigentes (como
atividade com elevada ressonância social e de risco acrescido) e que até contribuem
para a exata configuração dos ilícitos através da aprovação dos seus próprios
regulamentos desportivos por via da competência delegada legalmente em nome do
interesse desportivo geral. O que vale por dizer que a (proporcional) compressão do
direito à liberdade de expressão faz parte dos ónus que decorrem do privilégio de se
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tornarem destinatários das normas que, aliás, os mesmos ajudaram a construir através
da aprovação do regulamento disciplinar ao abrigo de competência delegada legalmente.
Estar numa competição profissional como destinatário desta norma especialmente
exigente é um privilégio e, que de algum modo, até é configurado pelos próprios; não
um direito de qualquer cidadão perante a comunidade como se verifica no âmbito das
lesões à honra criminais em que se basta ser cidadão. A proporcional compressão do
direito à liberdade de expressão no direito jusdisciplinar faz parte das regras (um
verdadeiro “caderno de encargos”) a que aqueles agentes desportivos livremente
aderiram (e que, de resto, ajudaram a convencionar na fixação da amplitude dos deveres
regulamentares) (…)».
57. Tem total razão o Il. Instrutor quando refere que “[a] liberdade de expressão, enquanto
direito fundamental constitucionalmente consagrado (artigo 37.º da Constituição da
República Portuguesa21), sujeita-se, naturalmente, a condições ou limites impostos pela
consideração a outros direitos ou valores, também fundamentais e constitucionalmente
protegidos. Trata-se do princípio da concordância prática (a que, comummente, alude,
v.g., Gomes Canotilho), sufragado pelo artigo 18.º, n.º 2 da CRP e característico de um
Estado de Direito liberal e democrático que busca o justo equilíbrio entre direitos
fundamentais. O “direito ao bom nome e reputação” ⎯ enquanto “direito a não ser
ofendido ou lesado na sua honra, dignidade e consideração social mediante imputação
feita por outrem”22 ⎯ da pessoa humana erige-se em direito fundamental
constitucionalmente protegido (artigo 26.º da CRP), bem jurídico com dignidade penal
(nomeadamente, artigos 180.º e seguintes do Código Penal) e direito de personalidade
com tutela jurídico-civil (artigos 70.º e seguintes do Código Civil). Pode, assim, a liberdade
de expressão ser limitada por lei, entre outras situações alternativas, quando necessária
tal limitação para proteger a honra e reputação de outrem ou a autoridade e
imparcialidade do poder judicial, conforme resulta do artigo 10.º da Convenção Europeia
dos Direitos Humanos (CEDH), que se sintoniza com o princípio da concordância prática
21 Doravante CRP.
22 CANOTILHO, Gomes e MOREIRA, Vital, CRP Anotada, I, 4.ª ed., 2007, p. 466.
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(ou do justo equilíbrio) entre direitos e valores fundamentais, ínsito no mencionado artigo
18.º, n.º 2 da CRP” (cfr. fls. 50 e 51).
58. Em face do que fica referenciado, acrescenta-se que o interesse e bem jurídico a proteger
não se circunscreve à tutela da honra dos visados. Porventura, igualmente protegidos, ou
até mais relevantemente, se encontra o interesse público na imagem e credibilidade das
competições como também na prevenção de fenómenos de violência desportiva (bem
como de perturbação grave da tranquilidade e ordem públicas).
59. Como se referiu, o juízo de ponderação ou de concordância prática entre os bens jurídicos
em conflito (honra, liberdade de expressão, ética desportiva) não pode ignorar o facto de
a qualidade de agente desportivo estar associada, nos termos legais e regulamentares, a
um estatuto especial de direitos e deveres, entre eles o dever, para esses agentes, de se
absterem de condutas que potenciem comportamentos violentos ou perturbações da
ordem pública. Esta asserção não só encontra arrimo na jurisprudência do STA, como é
um dos aspetos tidos em conta pelo TEDH na interpretação e aplicação do artigo 10.º, n.º
2 da CEDH, quando ali se assinala que certas pessoas ou grupos, pelos deveres e
responsabilidades inerentes à atividade que desempenham, podem ter de suportar
interferências mais intensas na sua liberdade de expressão, sem que isso perturbe o justo
equilíbrio dos interesses em presença, atenta a premência dos interesses públicos em que
se esteiam aquelas situações funcionais.
60. Pode por isso concluir-se que as declarações imputadas à Arguida assumem relevância
disciplinar nos termos do artigo 112.º, n.ºs 1 e 4 do RD.
61. Acresce que o n.º 3 do mesmo artigo 112.º do RD prevê a reincidência como elemento de
qualificação do tipo (vide artigo 54.º, n.º 1 RDLPFP20), pelo que, compulsado o registo
disciplinar da Arguida, verifica-se nas épocas desportivas de 2018/2019 e 2019/2020 a sua
condenação já definitiva na ordem jurídica pela prática da mesma infração disciplinar
desportiva como tal, pelo que a sua sanção abstrata será agravada nos termos respetivos:
multa a fixar entre 150UC e 700 UC, sem prejuízo da redução a metade dada a confissão
integral e sem reservas (artigo 245.º, n.º 6 do RD).
VI – Medida e graduação da sanção
62. É no Capítulo III (Medida e Graduação das Sanções), artigos 52.º a 61.º do RDLPFP20, que
nos deparamos com as normas que possibilitam alcançar a medida concreta da sanção,
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tendo sempre presente o princípio da proporcionalidade patente no artigo 10.º: As
sanções disciplinares aplicadas como consequência da prática das infrações disciplinares
previstas no presente Regulamento devem ser proporcionais e adequadas ao grau da
ilicitude do facto e à intensidade da culpa do agente.
63. Também como princípio mentor da tarefa de concretização da medida da sanção deve
ter-se como revelante o disposto no artigo 52.º (Determinação da medida da sanção): A
determinação da medida da sanção, dentro dos limites definidos no presente
Regulamento, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências
de prevenção de futuras infrações disciplinares.
Adita o n.º 2 deste artigo que, na determinação da sanção, atender-se-á a todas as
circunstâncias que, não fazendo parte do tipo da infração, militem a favor do agente ou
contra ele. Por seu lado, o artigo 53.º, vem estabelecer as circunstâncias agravantes, e
cabe artigo 55.º, n.ºs 1 a 3, elencar as circunstâncias atenuantes.
64. No caso em apreço, é nossa convicção que a Arguida, conhecendo a proibição do uso de
expressões lesivas da honra e reputação dos agentes de arbitragem (e da imagem e
credibilidade das competições), não poderia deixar de representar a possibilidade de, ao
exprimir os juízos nas circunstâncias em que o fez, afetaria não só a honra dos visados,
mas também o difundir de informações altamente gravosas para o interesse da própria
competição profissional de futebol. E, agindo como agiu, conformando-se com tal
realidade, atuou com dolo direto.
65. Importa, também aludir às exigências de prevenção geral inerentes a situações como as
sub judice, as quais são elevadas, tendo em conta a frequência com que ocorre a prática
de infrações disciplinares de idêntica natureza, o que incrementa a «necessidade da tutela
da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma
violada»23. São, assim, intensas as necessidades de prevenção geral que se fazem registar.
66. No que concerne às exigências de prevenção especial ou individual avulta que as mesmas
são especialmente elevadas atento o que resulta do registo disciplinar, no qual estão
averbadas anteriores condenações (centrando-nos apenas nas já transitadas), o que
evidencia que as sanções disciplinares anteriormente aplicadas não foram suficientes
para dissuadir a prática de infrações disciplinares.
23 FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição (2ª Reimpressão), Coimbra Editora, 2012, p. 79.
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67. Tendo em vista a determinação da sanção disciplinar aplicável à Arguida, importa
concretamente ter presentes os seguintes aspetos:
a. A reincidência pelo tipo: a Arguida praticou a infração disciplinar p. e p. pelo
artigo 112.º n.º 1 e 4 RDLPFP20, e dado o seu registo disciplinar, verifica-se a
reincidência como elemento de qualificação do tipo artigo 54.º n.º 1 RDLPFP20),
pelo que os limites mínimo e máximo da sanção deverão ser elevados para o
dobro (artigo 112.º, n.º 3, do RDLPFP20), i.e., sanção de multa entre 150 UC a
700UC; Não obstante,
b. A confissão: considerando a confissão integral e sem reservas, os limites mínimo
e máximo das sanções de natureza pecuniária aplicáveis são reduzidos a metade
(artigo 245.º n.º 6 do RDLPFP20), pelo que, a sanção de multa concretamente
aplicada à Arguida terá de ser fixada entre o mínimo de 75 UC e o máximo de
350 UC.
c. Resulta do disposto no n.º 2, do artigo 36.º do RDLPFP20 que, no caso das
multas aplicadas a clubes da I Liga, o valor da unidade de conta é objeto da
aplicação do fator de ponderação aplicável à data dos factos (até porque o mais
favorável para a Arguida uma vez que atualmente seria aplicável o fator de
0,85), no caso de 0,70 (= 71,40 €), dado o escalão aplicável (3 – três), atendendo
à tabela elaborada pelos serviços da LPFP).
68. Assim, ponderando a moldura disciplinar abstratamente aplicável (entre 75 UC a 350 UC)
e tendo presentes as exigências de prevenção geral (positiva e negativa) e especial de
futuras infrações disciplinares, o dolo direto e a culpa acrescida, a sanção a aplicar no caso
vertente apenas corresponderá à justa medida se se situar acima do mínimo e mais perto
da metade do arco sancionatório acrescido do mínimo. Acresce que, a última sanção
aplicada, por este mesmo ilícito, e transitada em julgado, no âmbito do PD n.º 22-
2019/20, relativo a uma infração p. e p. pelo artigo 112.º, n.ºs 1 e 3 do RD (ou seja, sem
que tenha havido a reincidência pelo tipo), num espetro de 75 UC a 350 UC, foi de 100
(cem) UC correspondendo a multa no valor de 8 670€24 (oito mil, seiscentos e setenta
euros), pelo que a sanção a aplicar nos presentes autos não pode deixar de atender
igualmente a este aspeto (ainda que limitado exclusivamente aos fins das sanções e não
à consideração como circunstância agravante/reincidência geral em virtude do artigo
24 Atendendo ao fator de ponderação então aplicável de 0,85.
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54.º, n.º 2 do RD) a multa então aplicada de 100 UC, perante idêntico espetro, não teve
os efeitos gizados. Considerando ainda o largo arco sancionatório (entre 75 a 350 UC,
recorde-se) e às especiais necessidades de prevenção, a comunidade não aceitaria que se
perpetuasse a condenação pelo mínimo acrescido de pouco mais perante este tipo de
casos de persistência na prática de infrações (que comportam riscos acrescidos de
fenómenos de violência desportiva). Consequentemente, e sopesando todos os
elementos (e por último, o ligeiro menor desvalor da ação comparável com o suscitado
por outros casos idênticos), afigura-se, como justa medida, a aplicação à Arguida, Sporting
Clube de Braga– Futebol, SAD, pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 112.º
n.º 1, 3 e 4 RDLPFP20, a sanção de multa de 150 (cento e cinquenta) UC, à qual
corresponde o valor de € 10.710,00 (dez mil, setecentos e dez euros), integrando já a
aplicação do referido fator de ponderação de 0,70.
VII – Decisão
69. Nos termos e com os fundamentos expostos, é julgada procedente, por provada, a
acusação, e, consequentemente a Arguida Sporting Clube de Braga– Futebol, SAD, é
condenada na sanção de multa de 150 (cento e cinquenta) UC, à qual corresponde o valor
de € 10.710,00 (dez mil, setecentos e dez euros), integrando já o fator de ponderação
aplicável.
Sem custas (artigo 245.º, n.º 6, do RDLPFP20).
Registe, notifique e publicite.
Cidade do Futebol, 28 de setembro de 2021
O Relator
(João Gouveia de Caires)
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RECURSO DESTA DECISÃO
Os atos materialmente administrativos – considerando-se, como tais, os atos que ponham
termo ao procedimento disciplinar (artigo 290.º, n.º 2, do RDLPFP) – proferidos singularmente
pelos membros da Secção Profissional do Conselho de Disciplina são impugnáveis por via de
recurso hierárquico impróprio para o Pleno dessa mesma Secção (artigos 287.º, n.º 3 e 290.º,
n.º 1, ambos do RDLPFP).
O referido recurso é interposto por meio de requerimento devidamente fundamentado dirigido
ao Presidente do Conselho de Disciplina e apresentado no prazo de 5 (cinco) dias (artigo 292.º,
n.º 1, do RDLPFP).
A decisão torna-se executória quando: i) se esgotar o prazo para a sua impugnação, ii) houver
decisão do recurso pelo Pleno do Conselho de Disciplina ou iii) houver renúncia do arguido ao
prazo para a impugnação por pretender que a decisão se torne imediatamente executória.