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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” EDUCAÇÃO NO BRASIL – PROCESSO POLÍTICO E EDUCATIVO ANA ADELMA AUTRAN DA SILVA PROF. FABIANE MUNIZ RIO DE JANEIRO FEVEREIRO/2003

PROCESSO POLÍTICO E EDUCATIVO - avm.edu.br ADELMA AUTRAN DA SILVA.pdf · para a Realimentação do Capitalismo Selvagem. 36 ... ou pela repressão, consubstanciada pela imposição

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

EDUCAÇÃO NO BRASIL – PROCESSO POLÍTICO E EDUCATIVO

ANA ADELMA AUTRAN DA SILVA

PROF. FABIANE MUNIZ

RIO DE JANEIRO

FEVEREIRO/2003

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UNIVERSIDADECÂNDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

EDUCAÇÃO NO BRASIL – PROCESSO POLÍTICO E EDUCATIVO

ANA ADELMA AUTRAN DA SILVA

Trabalho monográfico apresentado como

requisito parcial para a obtenção do Grau de

especialista em PSICOPEDAGOGIA.

RIO DE JANEIRO

FEVEREIRO/2003

3

Agradeço a Deus, por fazer com que eu compreendesse

que a profundidade da inteligência depende da força da

sinceridade.

Agradeço aos meus pais, pois sem eles, não haveria o

sentido da vida.

Em especial ao meu marido, pelo incentivo e amparo

nas horas mais difíceis.

E a todos que,direta e indiretamente,contribuíram para

a execução desta pesquisa.

4

Dedico este trabalho em

especial ao meu filho João Paulo.

E a todos que vêem na educação

uma porta aberta para a liberdade,

para o amor, para a justiça, para a

igualdade.

5

“A educação é do tamanho da vida.

Não há começo. Não há fim. Só travessia”.

Rubens Alves

6

SUMÁRIO

RESUMO 8

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I – O PROBLEMA

1.1. Educação no Brasil: Realidade ou Utopia? 11

1.2. Compatibilidade entre Neoliberalismo Clássico adotado pelo

Governo Brasileiro e as Disposições Constitucionais. 13

1.3. Educação Brasileira – Direito de Todos e Dever do Estado. 15

1.4. Processo Político e Educativo – Objetivos. 17

CAPÍTULO II – A CONSTITUIÇÃO DE 1988

2.1. A Constituição Brasileira. 18

2.2. A Legislação Educacional Brasileira. 26

2.3. A Política Educacional Vigente. 32

2.4. Política Educacional Brasileira: Instrumento Manipulador

para a Realimentação do Capitalismo Selvagem. 36

2.5. A Democratização do Ensino Brasileiro. 39

CAPÍTULO III – PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA ESCOLA CIDADÃ

MOACIR GADOTTI

3.1. Escola Cidadã: A Hora da Sociedade. 42

3.2. De quem é a Responsabilidade da Constituição do Projeto da Escola? 44

3.3. Limitações e Obstáculos de um Processo Democrático. 46

3.4. O que é Educar para a Cidadania? 49

7

CAPÍTULO IV – A TRAJETÓRIA DE UM EDUCADOR BRASILEIRO

PAULO FREIRE

4.1. História Pessoal. 51

4.2. Pedagogia do Oprimido. 53

4.3. Concepção Problematizadora da Educação. 55

4.4. Método Paulo Freire. 57

4.5. Avaliação. 59

CAPÍTULO V – LEITURAS COMPLEMENTARES

5.1. Democracia e Educação – John Dewey. 60

5.2. O Trabalho Pedagógico – Carlos Rodrigues Brandão. 62

CONCLUSÃO 65

PARA NÃO CONCLUIR 69

REFLEXÃO FINAL 71

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 74

8

RESUMO

Sempre motivo de polêmica e de críticas, oriundas das apreensões dos

verdadeiros educadores a educação tem sido vista como uma arma para o domínio, para

conspiração, para manutenção do poder. Entende-se que todos os pesquisadores,

independente de suas posturas ideológicas, se coadunam com a idéia de que a escola, a

educação e o ensino quando estiverem estruturados na reforma moral e de caráter dos

homens principais responsáveis pela administração do País, pode tornar-se o único

instrumento conciliador e conseqüentemente confirmador de uma sociedade nova, uma

sociedade justa onde as oportunidades passam a ser iguais sem qualquer vestígio de

discriminação.

O objetivo do material compilado é mostrar as possíveis alterações no processo

educativo a partir da edição da Constituição de 1988, bem como tentar a identificação dos

novos rumos que serão determinados pelas disposições constitucionais tais como os efeitos

positivos ou negativos que poderão advir da ação da classe burguesa, cuja ideologia,

essencialmente, capitalista facilita a coincidência de atitudes, amparadas pelas brechas

deixadas pelos dispositivos constitucionais.

Criticar, comparar, analisar para, buscar finalmente, saídas através das

disposições constitucionais pertinentes à educação e ao ensino brasileiro, é a proposta

implícita no presente trabalho, pois, entendemos que a reconstrução da educação brasileira

terá como ponto de partida a elaboração de uma crítica inovadora que levará a

concretização de uma escola que se confunda com o nosso desejo de qualidade de vida.

9

INTRODUÇÃO

Os governantes são unânimes em reconhecer o impacto das atuais

transformações econômicas, políticas, sociais e culturais na educação, levando a uma

reavaliação do papel do governo dentro da educação. Entretanto, por mais que a educação

básica seja afetada nos seus conteúdos e métodos, ela mantém-se como instituição

necessária à democratização da sociedade. Por isso, o tema Educação no Brasil – Processo

Político Educacional assume hoje importância crucial ainda que a questão de fundo

continue sendo as políticas governamentais.

A questão problemática da Educação é justamente chamar a responsabilidade

àqueles que têm à tarefa de formular as diretrizes educacionais a fim de estruturá-las com

base em fundamentos sadios e acordes com a realidade de nosso povo sem se deixarem

levar por interesses imediatistas de massificação, que são deletérios, sobretudo quando

dizem respeito à formulação das gerações de jovens brasileiros.

O presente estudo justifica-se dada à importância da Constituição de 1988

como um divisor de idéias entre um regime fechado autocrático e um regime democrático

pleno. Assim, a compreensão dos dispositivos constitucionais que determinam à prática

educacional no País e o conhecimento da realidade do ensino praticado poderão

proporcionar a possibilidade do uso da Lei Maior para a elaboração de uma crítica

inovadora que conduza à construção da escola que se confunda com o nosso desejo de

qualidade de vida.

Esse trabalho pretende, desse modo, analisar a prática educativa como reflexo

do sistema capitalista escravocrata cada vez mais acentuado e em plena vigência, bem

como as novas perspectivas que se abrem com a aplicação do texto constitucional

brasileiro, através da identificação dos interesses particulares privados inseridos no

10

processo de ensino e as conseqüências advindas de ação do governo respaldado pela

Constituição de 1988.

A pesquisa tem por objetivo elucidar a forma de atuação da Educação no

Brasil, objetivando identificar os interesses de particulares inseridos no processo educativo

bem como fazer uma análise crítica dos benefícios e dos prejuízos causados pela ação do

governo, respaldados pela Constituição. O assunto abordará importantes aspectos da

atuação governamental, objetivando trazer à tona as reais repercussões do texto

constitucional, possibilitando uma análise crítica mais profunda, visando verificar até que

ponto a discussão sistemática de tais problemas pode contribuir de maneira decisiva e

eficaz para estancar o processo de degradação que, atualmente, envolve o processo

educacional no Brasil, bem como contribuir para concretizar a prática dessa educação

segundo os princípios propostos no preâmbulo de Constituição de 1988.

A pesquisa permitirá focalizar a amplitude e a profundidade da contribuição do

texto constitucional – negativa e/ou positiva – para a evolução do processo educacional

brasileiro. A partir do entendimento dessa contribuição toda a sociedade principalmente,

governo e empresários estarão em melhores condições de tomar atitudes que visem

incrementar uma atuação conjunta em busca da melhoria do processo educacional,

obtendo, como conseqüência, a renovação ideológica da sociedade como um todo.

Embora existam inúmeros estudos feitos, tanto em relação à Educação

brasileira, quanto em relação à Constituição, o tema se mostra viável e possível,

principalmente, pela facilidade das fontes de consultas disponíveis, bem como o interesse

das pessoas em um assunto de vital importância para toda a comunidade.

A essência dos dados será obtida através das fontes primárias: Constituição de

1988 e através das fontes secundárias: de consultas a livros, revistas, jornais e periódicos

especializados, além da edição diária de boletins das emissoras de televisão. O material a

ser pesquisado se encontra em bibliotecas de fácil acesso, tais como a Biblioteca Nacional,

Biblioteca da U.C.A.M. e de compêndios da biblioteca dos pesquisadores.

11

CAPÍTULO I

O PROBLEMA

1.1. Educação no Brasil: Realidade ou Utopia?

O único regime político admissível é, sem nenhuma dúvida, o democrático,

porque somente ele se acha de acordo com a própria natureza humana.

Não se compreende, com efeito, a ditadura, a imposição de um governo pela

força mesmo aquela dissimulada sob a capa da democracia, porque, ainda assim, ela

contraria a própria origem filosófica do poder. Esse, obviamente, vem de Deus. Como tudo

no mundo, foi por Ele criado para servir ao Homem na disciplinação e fixação das regras

de conduta com referência aos interesses da Comunidade.

Era preciso, realmente, estabelecer uma chefia para os aglomerados humanos

que se formavam e se ampliavam com o passar dos tempos tornando-se cada vez mais

complexos e exigindo normas e leis regulamentadoras das atividades comuns.

Assim, na fase embrionária dos clãs, tribos, famílias, chegou-se,

evidentemente, ao Estado de Direito que é o ápice da organização social e política

contemporânea.

É fácil compreender, toda via, que a sua chefia e a sua direção cabem, de

direito, aos seus componentes, porque são eles que vão sofrer as conseqüências dos erros

ou vão de beneficiar dos acertos praticados por aqueles que assumirem a responsabilidade

de dirigir os seus interesses.

A ninguém é dado sob qualquer pretexto ou justificativa, empalmar o poder por

conta própria ou pela força, simbolizada, no regime de hoje pelas sucessivas edições de

12

Medidas Provisórias, ou pela repressão, consubstanciada pela imposição das armas como

no regime passado.

Ninguém tem o direito de se considerar o escolhido por Deus, como se

consideravam antigamente, os reis e imperadores, que se diziam Seus emissários, para

dirigir os destinos do Estado.

Se Deus outorgou a alguém esse poder (o governo propriamente dito), somente

pode ter sido a todos, indistintamente, isto é, ao Povo. Não há razão para discriminação. O

Povo é que, legitimamente, têm o direito de gerir os seus interesses, através de seus

representantes por ele escolhidos, porque a Democracia direta é impossível, principalmente

hoje, quando os agrupamentos humanos tomaram vulto e ultrapassaram as praças, as

cidades e se estenderam por regiões e continentes. Não há possibilidade de fugir a essas

premissas, que são de Direito Natural e que emergem da própria natureza humana.

Entra, então, em cena o relevante papel que a Educação desempenha na

Sociedade, não somente no que diz respeito propriamente, à instrução, à aquisição de

conhecimentos técnicos, científicos, mas sobretudo, à formação das mentalidades, à

estruturação das personalidades. A Democracia, aliás, se fundamenta na instrução e na

educação do povo. Um povo instruído, culto, educado, exige um regime democrático único

em que pode viver e conviver.

Um povo inculto, deseducado, constitui presa fácil da ditadura, tanto em sua

fórmula explicita, através da força física a coerção se faz presente através de decisões

unilaterais, a que se submete com doçura e subserviência e cujos governantes impõe os

seus desígnios, por vezes personalíssimos e em desacordo com os interesses da

coletividade.

Entendemos que todos os esforços devem ser despendidos no sentido de se

difundirem os conhecimentos, a ciência, a tecnologia, ao lado dos bons princípios de vida,

de reta conduta, de forma tal que tal procedimento atinja cada vez mais um número maior

de indivíduos.

13

1.2. Compatibilidade entre o Neoliberalismo Clássico adotado pelo Governo Brasileiro

e as Disposições Constitucionais.

Assenta-se a Democracia, como se sabe, na igualdade de todos, no sentido de

se evitarem distinções, privilégios de qualquer natureza, sempre odiosos, sejam de classe,

de casta, de idade, de sexo, de cor, de situação econômica. Teoricamente a nossa lei não

admite, na sua aplicação, diferenças de tratamento. A igualdade na Democracia encontra-se

estereotipada na definição lapidar de Ruy Barbosa, quando diz que ela consiste em tratar

desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, a fim de igualá-los.

Não será, assim, de se cogitar de um regime de igualdade de bens, de riquezas,

de posses, mas sim de um regime em que todos tenham iguais possibilidades, em que todos

tenham igual acesso a esses bens, a essas riquezas, em que todos compartilhem das

oportunidades, que hoje são deferidas apenas a alguns. Em uma palavra: que haja

igualdade de oportunidades para todos e isso quer dizer a universalização da Educação.

Entretanto, para conseguir, no País, uma Educação que se evidencie como o

meio pelo qual se formam as mentalidades e as gerações, mediante o ensino e a prática de

métodos com vistas à personalidade dos jovens, a Política é fundamental para se traçarem

às diretrizes e as bases em que a mesma deve alicerçar-se.

A Política Educacional bem orientada e solidamente estruturada conduz, sem

dúvida, o País à realização dos seus destinos, preparando os homens para o amanhã da

Pátria.

A Estrutura Moral, de Bons Costumes, e a Religião, devem constituir os pontos

de apoio em que a mesma se arrima, ao lado do programa das disciplinas dosados e

distribuídos, tendo por parâmetro o trinômio, inteligência – consciência – correção,

elaborados com o objetivo não imediatista da conquista das situações, mas tendo em mira a

busca filosófica dos porquês e das razões últimas das coisas.

Infelizmente, em se falando de Brasil, não dispomos de uma Política

Educacional séria, e é a falta disso que se ressente a Sociedade Brasileira.

14

Obviaram-se os estudos e as pesquisas, para se atender apenas à prática, dentro

de um irrestrito objetivismo profissionalizante, relegando-se a plano secundário a busca

das razões que determinam a produção dos diversos fenômenos.

Pouco se raciocina hoje e parte-se de dados já obtidos anteriormente para se

extraírem conclusões prontas.

Soluções imediatas e populistas. Infelizmente a esperança de se procurar dotar

a País de uma legislação que atenda as reais necessidades e objetive fazer da Educação

Brasileira um instrumento de libertação de pesquisa e de conhecimento vai se

desvanecendo porque, lamentavelmente, não foi essa o espírito que predominou entre os

constituintes na elaboração final dos dispositivos constitucionais, e teme-se hoje, pelos

resultados que dessa atitude poderão advir.

Pode-se constatar ao examinar a Carta Constitucional, pelo tratamento

atribuído a outros assuntos, que os constituintes, para atender as respectivas clientelas

eleitorais, procuraram dar aos dispositivos constitucionais conotações que mais

satisfizessem os interesses peculiares de seus representados, abandonando, em

contrapartida, sobretudo no campo da Educação, os interesses coletivos, mantendo no texto

constitucional, com nova maquilagem, disposições já existentes em legalizações editadas

em pleno regime autoritário. Por tudo isso, tememos pela sorte da Educação, pois ela não

constitui como deveria, a preocupação máxima da legislação maior.

Entendemos que apesar do descaso, a educação é o alicerce, o fundamento de

toda a estrutura social e política do Brasil e é por ela, que ainda se aquilatam o progresso e

o desenvolvimento do nosso povo, pois um povo culto, instruído e educado exige bons

governos e não se conformará com os desatinos dos maus governos; saberá julga-los e

atribuir-lhes méritos quando a tanto fizerem jus, mas saberá, condená-los quando não

cumprirem o dever que o mandato lhes atribui. Por isso lutamos por uma Educação

verdadeira.

15

1.3. Educação Brasileira – Direito de Todos e Dever do Estado.

Ao estudar a Educação Brasileira a partir da promulgação da Constituição

Brasileira, sabemos que continuamos convivendo com a centralização do Poder, hoje

evidenciada como fruto de uma política educacional traçada a partir de 1954, cujo resíduo

foi transportado, embora de forma dissimulada, para o texto constitucional vigente.

A educação (segundo Anísio Teixeira, em A Pedagogia de Dewey, in John

Dewey, Vida e educação, pp. 8 e 31), como processo de reconstrução da experiência é um

trabalho da pessoa humana, e, por isso, tem que ser comum a todos. Essa concepção é

acolhida pelos artigos 205 a 214 da Constituição Brasileira, quando declara que ela é um

direito de todos e dever do Estado. Informa José Afonso da Silva, Curso de Direito

Constitucional Positivo – pp. 700-703, que essa concepção eleva a educação à categoria de

serviço público, pelo que a iniciativa privada, nesse campo, embora livre, é, no entanto,

meramente secundária e condicionada (arts. 209 e 213). Em Educação não e Privilégio – p.

80 – 1957 – Anísio Teixeira lembra que “obrigatória, gratuita e universal, a educação só

poderia ser ministrada pelo Estado. Impossível deixa-la confiada a particulares, pois estes

somente podiam oferecê-la aos que tivessem posse ou a” protegida “e daí operar antes

para perpetuar as desigualdades sociais, que para remove-las. A escola pública, comum a

todos, não seria, assim, o instrumento da benevolência de uma classe dominante, tomada

de generosidade ou de medo, mas um direito do povo, sobretudo das classes trabalhadoras,

para que, na ordem capitalista, o trabalho (não se trata, com efeito, de nenhuma doutrina

socialista, mas do melhor capitalismo), não se tornasse servil, submetido e degradado, mas,

igual ao capital na consciência de suas reivindicações e dos seus direitos”.

A concepção agasalhada pelos artigos 205 a 214 da Carta Magna, a princípio,

prega a igualdade de condições e o pleno desenvolvimento da pessoa, bem como o preparo

do indivíduo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205),

princípio este que só poderá ser realizado num sistema educacional democrático mas que

sobretudo na parte final (art. 205) repete fielmente disposição grafado artigo 1º da Lei

5.692 de 11 de agosto de 1971, editada em pleno sistema autoritário.

16

Espera-se que a atual Constituição redigida sob o “sopro” da democracia faça

da educação um instrumento de igualdade social e não possibilite o continuísmo de um

sistema autoritário repressivo e discriminador cujo resíduo ainda está evidente nos

inúmeros estatutos vigentes. Que os ideais nela consagrados não se transformem pelas

mãos dos legisladores complementares no eterno aparelho reprodutor das carcomidas

ideológicas que sempre foram à marca da contradição entre os preceitos da Lei Maior e a

realidade do povo brasileiro.

17

l.4. Processo Político e Educativo – Objetivos.

O Objetivo do presente estudo é a análise do Capítulo III da Constituição de

1988 – “DA ORDEM CONSTITUCIONAL DA CULTURA” – especificamente os artigos

205 a 214 combinados com o artigo 1º da Lei 5.692 de 11 de agosto de 1971. Quando o

artigo 205 afirma que a educação é direito de todos e que visa o desenvolvimento da

pessoa, bem como o seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho, outra coisa não está fazendo a não ser repetir a mesma disposição do artigo 1º da

Lei 5.692 com uma redação um pouco mais rebuscada, mas com o mesmo espírito da

legislação de 1971. Nos demais dispositivos estão contidas normas que escondem uma

ideologia capitalista, que nos dá a convicção de que, embora com aparência populista as

disposições, na prática, não fazem outra coisa a não ser conversar o tradicionalismo que

sempre pautou o espírito dos legisladores brasileiros.

Tentar-se-á uma abordagem onde serão analisadas as possíveis alterações na

educação brasileira, bem como as possibilidades dos efeitos negativos provocados pela

ação da classe dominante na determinação dos rumos dos acontecimentos no campo da

educação através de fendas deixadas por incompetência, ou de forma proposital, por

ocasião de construção dos dispositivos constitucionais que, redigidos sob a capa da

democracia, ocultam intenções extremamente dominadoras, próprias do capitalismo

selvagem praticado no Brasil de hoje, principalmente no campo da Educação

18

CAPÍTULO II

A CONSTITUIÇÃO DE 1988

2.1. A Constituição Brasileira.

A Constituição de 1988, aparentemente, deu grande relevância à “cultura”,

entendendo essa em sentido abrangente do termo, tal seja a formação educacional do povo.

O artigo 205, informa José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional

Político, pág. 272/273), prevê três objetivos básicos da educação:

a) pleno desenvolvimento da pessoa;

b) preparo da pessoa para o exercício da cidadania;

c) qualificação da pessoa para o trabalho.

A consecução prática desses objetivos, entretanto, só se viabilizará num

sistema educacional essencialmente democrático em que a organização da educação via

escola materialize o “direito ao ensino” de acordo com os princípios que com eles sejam

coerentes tais como a universalização do ensino bem como os princípios da igualdade,

liberdade, pluralismo, gratuidade do ensino público, valorização dos respectivos

profissionais, gestão democrática da escola e padrão de qualidade. É o que nos passa o

texto do artigo 206. Esse texto aprovado em segundo turno pela Assembléia Nacional

Constituinte, até mesmo na primeira votação da Comissão de Redação – Projeto de

Constituição (b) – no então artigo 211, III, dizia: “pluralismo de idéias, de concepções

pedagógicas e de instituições públicas e privadas”. Que os constituintes, na segunda

discussão naquela Comissão, mostrando inteira ignorância sobre o pluralismo ou

demonstrando sega obediência as respectivas clientelas eleitorais, propôs a redação que

prevaleceu: “pluralismo de idéias e concepções pedagógicas e coexistência de instituições

públicas e privadas de ensino”, sustentando que não existe pluralismo de instituições.

Assim, entendemos que a redação definitiva deformou a concepção do pluralismo: isto

19

porque a teoria do pluralismo reconhece várias formas: pluralismo social, pluralismo

jurídico, político, de interesse, de idéias, que reconduzem a dois tipos básicos: pluralismo

ideológico que segundo Burdeau – Traité de Science Politique – t. VIII/144 – designa a

variedade das concepções éticas ou dos valores que os indivíduos ou os grupos têm por

fundamentais, em que entre a liberdade de religião de pensamento, de idéias; e pluralismo

institucional que compreende o desenvolvimento das autonomias, e que, se quiser, pode ser

desdobrado em três: pluralismo político, pluralismo ideológico e pluralismo institucional,

mas não foi por acaso que o conservadorismo da Comissão de Redação adotou, correndo, a

proposta de mudança, que pende para o privatismo na medida em que a coexistência de

instituições públicas e privadas de ensino tendem a igualar os dois tipos, deixando

evidente, que continuamos convivendo com a centralização do Poder materializado na

política educacional traçada a partir de 1964, agravada pela ditadura, e agora transportada

de forma dissimulada para a atual Carta Magna como forte indicio que sob a capa da

democracia o resíduo autoritário da classe dominante continua fazendo da educação o

instrumento manipulador de suas idéias, aprimorando e confirmando, com a cooperação da

classe dominada, a ação do capitalismo selvagem agora mais do que nunca consagrado de

forma inteligente e dissimulada em nossa Lei Maior.

Após um breve comentário do texto constitucional voltado especificamente

para o campo da educação, pretendemos, a partir de então analisar os dispositivos

pertinentes a política educacional que poderá ser instalada em nosso País.

Inteirado do texto do artigo 205 que afirma que “a educação, é direito de todos

e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da

sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho” pode-se ver de imediato que o dispositivo em

epígrafe na sua primeira parte prega a universalização da Educação e atribui logo a seguir,

ao Estado e à família o dever de promovê-la e incentivá-la contando para isso com a

colaboração da sociedade. Na parte final o legislador pretende, através da Educação, o

pleno desenvolvimento da pessoa além de seu preparo para exercer a cidadania e qualificá-

la para o trabalho. De início merece aplausos o espírito do legislador, pois, não há nada

mais altruísta do que a preocupação com o desenvolvimento pleno da pessoa. Entretanto,

se for feita uma reflexão acerca do texto e do seu alcance, pode-se depreender que em

20

conseqüência de palavras de elevado desprendimento, estão várias formas de

interpretações que podem trazer à tona os objetivos ocultados por uma cadeia de palavras

que fazem os menos avisados acreditarem numa transformação verdadeira do homem, da

comunidade, do País.

O conservadorismo se faz presente através da fórmula de que a política e a

ação devem ser privilégio da minoria e ao afirmar que a Educação é direito de todos,

passando inicialmente a idéia de igualdade, outra coisa não objetiva senão continuar a

desigualdade já existente, pois o sistema capitalista praticado e presente no final do

dispositivo deixa claro que o objetivo maior é preparar o homem para o exercício da

cidadania (entendendo-se esta, como um “status” ligado ao regime político), através da

Educação, o eterno instrumento de reprodução do sistema econômico escravocrata.

Informa, por outro lado, o artigo 206, que o ensino será ministrado com base

em princípios que variam desde a igualdade de condições para o acesso e permanência na

escola até a proposta de gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. Vale

dizer entretanto que o artigo 242 afirma que o princípio do artigo 206, IV (Gratuidade de

ensino público em estabelecimentos oficiais), não se aplica as instituições educacionais

oficiais criadas por lei estadual ou municipal e existente na data da promulgação desta

Constituição, que não sejam total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos.

O dever do Estado, diz o artigo 208, I, com a educação será efetivado mediante

a garantia de ensino fundamental, obrigatório e gratuito; inclusive para os que a ele não

tiveram acesso na idade própria. O inciso II do artigo em análise garante a progressiva

extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio e o inciso V, informa que o

acesso a níveis mais elevados do ensino (superior) será concedido conforme a capacidade

de cada um. Depreende-se, então que é dever do Estado arcar com o ensino fundamental e

depois poderá arcar também com o ensino médio; já o acesso a nível mais elevado só será

possível aos capazes; isto é, os incapazes, segundo critérios traçados pelo sistema

dominante, serão relegados a outras atividades, pois estão conscientes de seus limites e, por

isso mesmo, admitem a derrota, admitem a incapacidade, segundo os parâmetros

previamente estabelecidos pela classe dominante e se contentam a servir de instrumentos

intermediários de manipulação entre a classe dominante e a classe dominada.

21

Isso implica em dizer que a incapacidade será julgada segundo parâmetros pré-

determinados e, pior ainda pré-determinados segundo valores estabelecidos por uma classe

que eternizada no Poder, dele não abre mão e de tudo faz para que não haja ascensão de

elementos oriundos da chamada classe dominada, Logo, tal igualdade é utópica e para os

desiguais, uma vez que todos os mecanismos em nome dessa igualdade social, são

acionados não para permitir melhor ensino à classe proletária, mas para aumentar a

desigualdade entre esta e a burguesia, fortificando em conseqüência, a igualdade entre os

burgueses. É nesse sentido que se prega toda igualdade no campo da Educação. Como as

Constituições, anteriores, a Constituição de 1988 mantém um certo descompasso com a

realidade política.

Mantendo-se as disposições anteriores com alguns aditamentos e houve um

claro estímulo à privatização do ensino e tal estímulo se encontra materializado no artigo

213 cujo texto determina: Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas,

podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas definidas em

lei, que:

I – Comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em

educação;

II – Assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária ou confessional,

ou no Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.

§ 1º - Os recursos de que trata este artigo (213) poderão ser destinados a bolsas

de estudos para o ensino fundamental e médio, na forma de lei (Que Lei?) para os que

demonstrarem insuficiência de recursos (Como?) quando houver falta de vagas na

localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado (Por Quem?) a

investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.

Vê-se, portanto, que o Poder Público poderá dirigir os seus recursos às escolas,

dentre outras ações filantrópicas. Sabemos que a maioria, além de visar lucros

exorbitantes, provenientes da fixação dos valores de suas mensalidades, recebe ainda

verbas do Poder Público, porque provam, facilmente, por intermédio de seus Deputados,

Senadores e até Ministros que não têm fins lucrativos.

22

É uma fenda que continua aberta a ação dos que vivem do engodo e

conseqüentemente, a serviço da manutenção das desigualdades sociais. Sabemos que não

temos nenhuma política séria, e a Política Educacional não fugirá à regra e, para a

proliferação dessas atitudes pouco honestas, contribui o dispositivo em questão, pois, além

de deixar brechas para, várias interpretações, não dispõe de nenhum mecanismo prático de

sanção. Os requisitos pré-estabelecidos, para que as benesses constitucionais sejam

concedidas são facilmente burláveis, atentando-se para o fato de que tais escolas ainda

estão por ser definidas em lei. Indagamos: Que Lei? Se não foi editada nenhuma lei nova,

prevalece a anterior, é o que determina o preceito legal. As leis editadas em pleno regime

autoritário, não estarão em descompasso com os objetivos de um Constituição promulgada

sob o sopro de uma plena Democracia? Se não há como compatibilizar a legislação em

vigor, resquícios de um entulho autoritário com os objetivos maquiados de uma nova

Constituição como proceder? Entendemos que podem ser tomadas algumas providências,

desde que haja verdadeiro interesse em renovar, incompatibilizar a Carta Constitucional

com a realidade educacional brasileira. Urge portanto, a elaboração de uma lei nova, uma

lei que revogue a nocividade dos dispositivos das legislações anteriores e ao mesmo tempo

vede qualquer perspectiva de dúbia e desonesta interpretação dos dispositivos

constitucionais, por aqueles que sempre fizeram da Educação uma simples mercancia a

serviço de uma manipulação ideológica da classe dominante.

Cumpre também o estabelecimento de um mecanismo de sanção contra aos que

desrespeitam a legislação que torne exeqüível o inciso VII, § 2º do artigo 208 que

proclama: “o não oferecimento do ensino obrigatório (fundamental) pelo Poder Público, ou

sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente” . Por via judicial

é possível, portanto, exercer o direito subjetivo com relação ao ensino fundamental.

Indagamos, a essa altura, por que com relação só ao ensino fundamental? Porque,

arriscamos uma resposta, o ensino médio e o de nível superior está deferido, embora

secundariamente, também à iniciativa privada, e o acesso à escola privada é facultativo não

porque o ensino fundamental prepara o indivíduo para o pleno desenvolvimento social e

econômico, sobretudo porque esse acesso é proporcional à condições econômicas do

indivíduo, evidenciando aí, mais do que nunca, uma severa discriminação.

23

O ensino fundamental torna-se obrigatório porque seu objetivo é preparar um

exército de autômatos, cuja força de trabalho pode ser aproveitada sem questionamento,

pois estes foram induzidos à subserviência e os subservientes são conscientizados pelo

sistema do limite de sua capacidade, e como tais não incomodam, já que não lhes foi dado

entrar em contato com o verdadeiro saber, o saber que desenvolve o pensamento crítico e

que, por isso mesmo, ameaça as estruturas de um capitalismo selvagem, montadas sobre a

ignorância, sobre a fome e sobre a miséria de um povo.

Para não prolongar muito a análise crítica do dispositivo em epígrafe (art. 213),

nunca é demais voltar nossa atenção para o seu parágrafo 1º, transcrevendo novamente o

seu texto, que diz: “os recursos poderão ser destinados a bolsas de estudos para o ensino

fundamental e médio na forma da lei para os que demonstrarem insuficiência de recursos,

quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência

do educando” (...).

Da leitura do texto deparamos imediatamente com um dos requisitos para que

tais recursos encontrem os seus destinos, o requisito da regulamentação das bolsas de

estudos por uma legislação pertinente. Deixar a destinação dos recursos sob a égide da

legislação atual é continuar alimentando as falcatruas dos mercenários do ensino; legislar

sobre o assunto estabelecendo soluções imediatas e demagógicas e sofisticar a indústria de

engodos e contribuir para a permanência das desigualdades; vê-se, portanto, que o impasse

continua. Outro requisito que, no mínimo, podemos qualificar de utópico, é o fato de as

referidas bolsas se destinarem aos que demonstrarem insuficiência de recursos. Ora,

demonstrar insuficiência de recursos de que forma? O que seria, segundo entendimento do

constituinte, insuficiência de recursos? Entendemos que insuficiência de recursos, de

acordo com a nossa realidade, não está restrita somente a falta de recursos para custear a

freqüência às salas de aula, para custear a aquisição do material didática, mas insuficiência

de recursos para o custeio da alimentação, o do transporte, de uniforme; insuficiência de

recursos na motivação. Conceder escassos recursos didáticos pedagógicos ao educando não

é suprir a sua insuficiência de recursos, conceder escassas refeições ao educando durante a

sua permanência na escola é no mínimo cruel, sarcástico, vergonhoso, indigno, pois suprir

a insuficiência de recursos não é tomar medidas demagógicas conforme explicita o

parágrafo 4º do artigo 212, mas contribuir para que o educando disponha sempre de

24

recursos através de sua família e não necessite das benesses públicas, submetendo-se a

demonstrar ao Estado a vergonha desse próprio Estado, que é a insuficiência de recursos

para que este preste o “favor” de conceder bolsas de estudos aos que delas comprovarem

necessidade.

O último dos requisitos para que o educando seja “agraciado” com as bolsas de

estudos é que, além de estar vinculado ao ensino fundamental, ou ao ensino médio, que

depois de comprovar insuficiência de recursos, há que inexistir vagas ou cursos regulares

na rede pública da localidade da residência do educando. Há aí uma grande distorção, se

não existir vagas, o educando terá que atender os requisitos anteriores. Se não houver

cursos regulares na rede pública terá, também, de submeter-se ao mesmo ritual. Ora, se o

Estado afirma que o ensino fundamental é obrigatório (art. 208 – I), cabe a ele oferecer

esse ensino, pois o parágrafo segundo, inciso VII do referido artigo ensina que o não

oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, importa

responsabilidade da autoridade competente. Se o ensino fundamental é responsabilidade do

Estado a inexistência de vagas para o mesmo é responsabilidade do Poder Público; a falta

de cursos regulares também o é. Logo, se presentes tais pressupostos, ao obrigar o

educando, para obtenção de bolsas, demonstrar insuficiência de recursos, está o referido

Poder punindo este educando por uma falha oriunda da negligência da autoridade

competente. Em síntese, torna-se vítima por mais de uma vez. Vítima porque o sistema

capitalista praticado no Brasil não lhe dá recursos para se manter; vítima porque tem que

comprovar ao Poder Público uma situação ocasionada por esse Poder; vítima porque tem

que arcar com a negligência oriunda do Poder de Império desse próprio Poder.

Concluindo, devemos atentar para o fato de que , apesar das lacunas existentes

nos dispositivos constitucionais, apesar de a Educação ainda não ter merecido, dessa vez,

maiores cuidados por parte dos constituintes de 1988, houve um pequeno avanço, e isso

significa progresso e maior conscientização. Cabe aos educadores mobilizar-se de forma

consciente, rumo a viabilização do ensino, a partir do texto constitucional. Deve-se sair da

cômoda posição de críticos sem compromissos para transformação dessas críticas em ação

numa atitude segura e rápida, pois embora a Educação, como está configurada na

Constituição, possa representar o capitalismo (a nossa Carta Magna é essencialmente

capitalista), há muitos dispositivos que dependem de leis complementares para se tornarem

25

exeqüíveis, por isso, cabe então aos verdadeiros educadores a tarefa de guardiões

incansáveis, quando da elaboração dessas leis, exercendo cerrada vigilância desde a

apresentação do projeto, das emendas e, sobretudo, durante as votações. É uma tarefa

árdua, reconhecemos, que dependem de uma mobilização responsável e inteligente para

que os vazios deixados (propositalmente ou até mesmo por incompetência de alguns

constituintes), sejam preenchidos para, a partir de então, surgirem novos horizontes. Isso

deve se dar através da ação de educadores competentes e sem compromissos com qualquer

ideologia, principalmente com a ideologia burguesa do neoliberalismo clássico, que desaba

sobre nossas cabeças no regime político e econômico vigente.

Esses horizontes poderão surgir desde que haja uma reformulação interior do

próprio homem, atual responsável pela degradação existente em todos os segmentos da

sociedade. Somente através dessa reformulação nascerá o educador que o Brasil precisa

para se libertar do julgo burguês, da escravidão que sufoca, que discrimina, que manipula.

Entendemos, finalmente, que só assim teremos um Brasil verdadeiramente

novo, um Brasil igual onde há rotulação das classes será apenas uma mancha do passado, e

uma experiência para o futuro.

26

2.2. A Legislação Educacional Brasileira.

A legislação educacional vigente que dita os rumos da educação brasileira, não

pode ser abordada sem ser antes verificado os resíduos ditatoriais submetidos a um regime

pródigo em acentuar a cada medida, as desigualdades sociais que sempre fizeram parte do

contexto da legislação brasileira.

Por isso, vamos tratar da política educacional ao nível da legislação abordando

superficialmente, a Constituição de 1967, promulgada no Governo Castelo Branco, bem

como as leis 5.540/68 (Reforma do Ensino Superior) e 5.692/71 (Reforma do Ensino de 1º

e 2º Graus), para chegar à realidade da política educacional praticada atualmente em nosso

País, sob a égide de uma Constituição redigida por constituintes de várias tendências e, por

isso mesmo, considerada uma constituição democrática.

Pode-se afirmar, sem sombra de dúvida com fundamento em Bárbara Freitag

(Escola, Estado e Sociedade – pág. 81 e 82), que a Constituição de 1967 já antecipava

alguns aspectos norteadores da lei de reforma, tanto do ensino superior como o de 1º e 2º

Graus de 1968 e 1971, respectivamente.

O fortalecimento do ensino particular torna-se evidente quando o parágrafo 2º,

do artigo 176, assegura, de forma explícita, que “o ensino particular merecerá ajuda técnica

e financeira do governo, inclusive bolsas de estudos”. É o que se encontra grafado na

Constituição autoritária.

Paradoxalmente ao fortalecimento do ensino particular estende a gratuidade de

ensino fundamental. Entretanto, esse paradoxo é apenas aparente, já que através de uma

análise empírica da realidade educacional, gerada por essas legislações de 67, 68 e 71 –

que permaneceram na Constituição de 1988 – vamos constatar uma densa penetração e

rápida expansão da rede particular de ensino, tanto no ensino propedêutico para as

universidades – os famigerados cursinhos pré-vestibulares – como no ensino de adultos e

ensino superior de graduação e pós-graduação.

27

Essa verdade mostra que a gratuidade de ensino prometida pela legislação não

perturbou o setor privado, mas fez no entendimento de Bárbara Freitag, com que esse

abandonasse de forma definitiva a área do secundário formal para utilizar as novas brechas

que lhes foram abertas pela atual legislação.

A lei 5.540, de 1968 – Lei de Reforma do Ensino Superior – está baseada no

modelo universitário americano (nós somos brasileiros). Estrutura o ensino em básico e

profissional, com dois níveis de pós-graduação – mestrado e doutorado; adotado o sistema

de matrícula por matéria e propõe a avaliação, em vez de notas por menções. Estas

inovações são generalizadas para todas as universidades brasileiras. No seu artigo 2º fica

mantida a unidade de ensino e de pesquisa (206, II CF) e no seu artigo 29 fica decidido que

a freqüência, tanto para os professores, quanto para os alunos, é obrigatória. A Lei 5.540

introduz ainda, o vestibular unificado e classificatório e cria a instituição do monitor.

Entretanto, essa lei foi elaborada tão somente dentro de gabinetes, não houve nenhum

debate que antecedesse a sua elaboração, foi, portanto, imposta de cima para baixo, após a

intervenção de uma comissão mista (MEC – USAID), que não teve divulgado as suas

análises, bem como as suas recomendações acerca da reforma que pretendiam como

efetivamente ficou implantada, através da edição da lei da reforma do ensino superior. Essa

maneira drástica de imposição de uma lei de ensino revela a existência, na época de sua

edição, de uma crise universitária, admitida oficialmente, necessitava, urgentemente, de ser

contornada; daí a necessidade da edição de uma nova lei que cumprisse essa função.

A função da Lei 5.692 era procurar conter, por um lado, o enorme de afluxo de

estudantes às universidades através da profissionalização de nível médio, retendo o aluno

antes de chegar à universidade encaminhando-o, de imediato para o mercado de trabalho e,

por outro, criar novos mecanismos de seleção para a expulsão do aluno de dentro da

universidade, por isso, por meio de um mecanismo, que segundo os experts da época, era

um verdadeiro vestibular interno que permitia as universidades eliminarem os alunos que,

durante o básico, não atingiam uma determinada média por elas fixadas. Era a instituição

do jubilamento.

Através do Decreto-Lei 477 foram eliminadas, com sansões mais fortes

quaisquer possibilidades de descontentamento, por parte dos estudantes, por isso percebe-

28

se uma total ambigüidade da política educacional, expressa na lei: a sua atuação autoritária

para implantar uma lei aparentemente democrática.

No capítulo IV – DO ENSINO SUPLETIVO, o artigo 24, “a” e “b” e parágrafo

único, afirma que o ensino supletivo foi previsto na lei de reforma de ensino de 1º e 2º

graus objetivando, sobretudo:

a) “Suprir – a alínea diz suprimir – a escolarização regular para os

adolescentes e adultos que não tenham seguido ou concluído na idade

própria”.

b) Proporcionar, repetida volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou

atualização para os que tenham seguido o ensino regular no todo, ou em

parte.

Informa, ainda, o parágrafo único: O ensino supletivo abrangerá cursos e

exames a serem organizados com vários sistemas, de acordo com as normas baixadas pelos

respectivos Conselhos de Educação.

Examinando a letra fria da lei, sem atribuir-lhe maior elasticidade, temos uma

idéia um pouco delineada quanto ao que pode estar oculto, pela ideologia capitalista

burguesa. Adentrando-se, todavia, no espírito da lei, um novo horizonte se apresenta, e a

sua contemplação nos permite uma análise mais próxima da realidade da política

educacional que determina os rumos da educação praticada no País. Entendemos que sobre

o prisma legal, o dispositivo ora em análise traz em suas entranhas o objetivo de suplência

e de suprimento, já que há aprendizagem entendida em seu sentido de formação para o

trabalho tendo como avaliada a qualificação profissional, adquire uma configuração

específica profanada dos cursos profissionalizantes, cujo objetivo principal é a preparação

de mão-de-obra e conseqüente esvaziamento da corrida em direção às universidades,

proporcionando, assim, aos descontentes, a opção de engrossar ainda mais as fileiras dos

fracassados, segundo a ideologia burguesa.

Elaborada essa análise sucinta do que é a realidade contemplada no horizonte

da norma, conclui-se, inicialmente, que, apesar de não haver uma aparente possibilidade,

de essa forma de ensino não se transformar em um “ensino regular de segunda classe” a

29

realidade nos dá conta de que o ensino supletivo, através da Lei 5.692, conservou em toda

plenitude revelada na criatividade dos mercadores de “ensino”, o sistema que prepara em

escolas separadas, as classes diretoras e as classes dirigidas. Essa argumentação encontra

seu amparo no fato concreto de que ao Estado só se reservou o direito de aplicar os exames

finais e expedir diplomas. O supletivo portanto, abriu caminho para que as empresas

privadas se constituíssem num verdadeiro oásis do ensino, tendo como mercado promissor

a exploração das aspirações educacionais das classes menos favorecidas que, buscando a

ascensão social, têm no ensino supletivo, através dos mercadores de ensino, um

mecanismo que permita a aquisição do diploma formal, para tentarem o ingresso nas

universidades, sem a preocupação dos requisitos qualitativos para enfrentarem sem

fracassos o vestibular.

Não podemos esquecer de comentar de uma parte da sociedade que ainda hoje

é discriminada, que são os portadores de deficiências. A “integração real” das pessoas com

necessidades especiais sempre foram vista, sobretudo pela sociedade e pelas políticas

públicas como algo assistencial e caritativo, basta lembrarmos um pouco de sua história no

Brasil.

No Capítulo V – DA EDUCAÇÃO ESPECIAL, os artigos 58, 59, 60 e o

parágrafo único, afirma que: “O Poder Publico adotará, com alternativa preferencial, a

ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede

pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste

artigo”.

A institucionalização da Educação Especial no Brasil tem pouco mais de três

décadas. A partir da década de 70 se inicia um processo de centralização administrativa e

coordenação política a partir do governo federal. Em termos de legislação, a Educação

Especial aparece pela primeira vez na LDB 4.024/61, apontando que a educação dos

excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação. Na lei

5.692/71, foi previsto o tratamento especial para os alunos que apresentam deficiências

físicas ou mentais e os superdotado. Na década de 70 também é criado o CENESP junto ao

MEC, com o objetivo de centralizar e coordenar as ações de política educacional. Este

órgão existiu até 1986 e em toda a sua trajetória manteve uma política centralizadora que

30

priorizava o repasse de recursos financeiros para as instituições privadas. Em 1986 é criada

a CORDE (Coordenadoria para integração da pessoa portadora de deficiência), junto a

Presidência da República para coordenar assuntos, atividades e medidas referentes ao

portador de deficiência. Extinto o CENESP, criou-se a Secretária de Educação Especial do

MEC. Em 1989, a CORDE foi transferida para o Ministério da Ação Social, e a área de

Educação Especial do MEC, tornou-se coordenação, configurando uma redução do poder

político da área, nos dois casos. Em 1993, voltou a existir a Secretária de Educação

Especial (SEESP), no Ministério da Educação. Isso demonstra o quanto a Educação

Especial tem se apresentado um “status” secundário das políticas públicas e que as

descontinuidades marcam sua trajetória.

Percebe-se todavia que a partir da década de 90, as discussões referentes a

educação das pessoas com necessidades especiais, tomam uma dimensão maior. No Brasil

mais recentemente podemos evidenciar a última LDB 9.394/96 que em seu Capítulo V,

aponta que a educação dos portadores de necessidades especiais deve-se dar

preferencialmente na rede regular de ensino, o que significa uma nova forma de entender a

educação de integração dessas pessoas. Entretanto é primordial que todas as ações que

apontem para a inclusão da pessoa com necessidades especiais, sejam bem planejadas e

estruturadas, para que seus direitos sejam respeitados. É preciso executar uma avaliação

responsável quando se levanta a bandeira da inclusão de pessoas que historicamente foram

e ainda são excluídas da sociedade, praticamente em todos os segmentos.

Neste sentido fica claro a urgência dos educadores e pesquisadores ligados

principalmente a educação, juntarem esforços para pesquisar e discutir essa temática. A

inserção de educandos com necessidades educacionais especiais, no meio escolar, são uma

forma de tornar a sociedade mais democrática. Da mesma forma, a transformação das

instituições de ensino em espaço de inclusão social é tarefa de todos que operam com a

alma e o corpo das crianças especiais.

Finalizando, não podemos restringir a futura participação desses portadores de

deficiências na vida social, econômica e política do País, seu acesso aos bens culturais

produzidos pela sociedade atual, excluindo-os assim do pleno exercício da cidadania.

Todos nós brasileiros, somos responsáveis por reverter essa situação, possibilitando assim

31

que alunos portadores de necessidades especiais, possam reintegrar-se ao percurso escolar

e posteriormente integrá-los na sociedade.

É, a gente quer viver pleno direito,

A gente quer viver todo o respeito,

A gente quer viver uma nação,

A gente quer é ser um cidadão!

- Gonzaguinha.

32

2.3. A Política Educacional Vigente.

Embora à primeira vista o título possa perecer um tanto redundante, a

abordagem que se pretende fazer demonstrará, por certo, que entre as inúmeras legislações

pertinentes, editadas, e a realidade que a política educacional praticada nos aponta, não há

qualquer ponto compatível com os verdadeiros objetivos da educação.

Escrevemos alhures que para conseguir no País uma Educação que se revele

como o meio pelo qual se formam as mentalidades e, conseqüentemente, as gerações,

mediante o ensino e a prática de métodos, com vistas à formação das personalidades dos

jovens, a Política Educacional torna-se fundamental, para que sejam traçadas as diretrizes e

as bases em que a mesma deve alicerçar-se. Isso quer dizer, em síntese, que a política

educacional, bem orientada, e solidamente estruturada, conduz, sem sombra de dúvidas, o

País à realização dos seus destinos, preparando, hoje, os homens de amanhã responsáveis

diretos pelo futuro de nossa pátria.

Até então, através das análises apresentadas, tendo como fundamento a Carta

Constitucional de 1988, secundadas pelas legislações pré-existentes, demonstramos que a

educação brasileira bifurca-se em dois aspectos.

O primeiro aspecto refere-se à realidade superficial configurada pela letra fria

da lei, o segundo à disparidade existente entre a letra fria da lei e a realidade praticada; ou

seja, realidade praticada em decorrência da aplicação da letra fria da lei.

Esses aspectos nos levam a concluir que a Educação Brasileira é uma ideação

da conduta humana exteriorizada nos dispositivos da Constituição, mas distorcida e utópica

quando interpretada pelo homem, a partir do momento em que os seus efeitos já sem

máscaras e distorcidos, são desencadeados como instrumentos de realimentação do sistema

através da conscientização do povo brasileiro.

Entre a letra fria da lei pródiga em dissimulações e os discursos metafóricos

proferidos pelos responsáveis pela implantação de uma política educacional que deveria

ser renovada, aparentemente, não aparece nenhum paradoxo entre o que até então tem sido

33

praticado e o que presentemente se propõe a fazer. Há então a continuidade, a

realimentação e a prevalência da classe burguesa nos pontos diretivos principais do País.

Valendo-nos da história para, através de uma reflexão mais responsável,

chegar, finalmente, a uma conclusão mais próxima da verdade, vamos buscar suporte em

Luis Carlos Bresser Pereira (Desenvolvimento e Crise no Brasil, pág. 198 e 199), para

fundamentar, mais adiante, a nossa conclusão, analisando o trecho que se segue:

Em “As Três Ideologias Capitalistas Possíveis” Luis Carlos Bresser Pereira,

explicando a ideologia do neoliberalismo clássico afirma que a mesma é a ideologia

burguesa por excelência. Aproxima-se do “Laissez Faire”, mas não pode ser com ele

identificado, em vista do simples fato de que o liberalismo puro está, hoje, morto,

sepultado. É a ideologia que prega a menor intervenção possível do Estado na economia,

que pretende deixar a responsabilidade, e também os principais frutos do desenvolvimento,

fundamentalmente nas mãos da classe capitalista. É uma ideologia sistematicamente

colonialista, nos países subdesenvolvidos, na medida em que não crê na capacidade da

classe capitalista nacional para a realização do desenvolvimento e então apela para a

eventual e discutível ajuda estrangeira. É uma ideologia que defende a ordem democrática,

as liberdades individuais e o sistema representativo, mas seus defensores estão sempre

dispostos a abandonar ou limitar essas idéias, quando vêem que o próprio sistema está em

jogo. Esta ideologia pressupõe o controle do país fundamentalmente por dois grupos: a

própria classe capitalista, que detêm o poder econômico, e irá ocupar, no Governo os

cargos-chave definidores da política econômica, e os políticos profissionais, que

funcionam não como meros representantes da classe capitalista, mas como participantes de

um escamento social, relativamente autônomo, que defendendo seus interesses

particulares, têm como papel o de servir de intermediário entre o Estado, a classe

capitalista, a classe média e o povo em geral, nessa ordem de prioridade.

Não vemos para essa ideologia, que é provavelmente ainda esposada pela

grande maioria da classe empresarial brasileira, e por boa parte da classe média, qualquer

operacionalidade no sentido de promover o desenvolvimento econômico brasileiro. Três

motivos para isso: é colonialista, e a nosso ver o desenvolvimento do Brasil só será

possível desde que haja um projeto nacional bem definido; é liberal, minimizando a função

do Estado, e sabemos hoje, que o desenvolvimento econômico sem intervenção do Estado

34

é obra do mero acaso, que os problemas hoje enfrentados pelos países subdesenvolvidos

são tão grandes que só o planejamento é uma intervenção deliberada e inteligente do

Estado na economia poderão levar ao desenvolvimento; e, finalmente, é estritamente

capitalista, é a ideologia de apenas um pequeno grupo que procurava trazer para ele as

maiores vantagens do desenvolvimento; ora, isso podia ser aceitável politicamente no

século XIX, mas no século XX, e particularmente no Brasil, não o é, além do fato de que,

economicamente, os efeitos da concentração da renda, decorrentes desta ideologia, são

funestos.

Luis Carlos Bresser Pereira nesse trecho, escrito em pleno regime autoritário,

parece estar analisando a atual política econômica e social brasileira. Quando nos

propusemos analisar o problema da educação brasileira, em função da ideologia que

determinou a elaboração dos dispositivos constitucionais, especificamente no campo da

Educação, deparávamos com um problema que nos levaria a dois principais

questionamentos básicos: Educação Brasileira – Realidade ou Utopia ? Há compatibilidade

entre o neoliberalismo clássico esposado pelo Governo Brasileiro e as disposições

constitucionais em relação ao desenvolvimento educacional brasileiro?

As considerações anteriores já permitem concluir que há Educação Brasileira é

uma utopia face às disparidades existentes entre o que há de concreto em relação ao

público alvo e a política educacional praticada se esta realidade for observada sob o ponto

de vista daqueles que vêem na Educação apenas uma oportunidade para enriquecimento.

Torna-se uma realidade se analisada sob o ponto de vista capitalista, onde o que importa

antes de tudo, é a reprodução e a atividade produtiva, responsável por lucros,cada vez mais

exorbitantes. Deve ser ainda considerado que tanto a realidade quanto a utopia têm

atualmente “coexistência pacífica” dentro do sistema se for levado em consideração a

política educacional que está sendo timidamente executada pelo governo do “Brasil Novo”.

Quanto ao segundo quesito; o da existência da compatibilidade entre o

neoliberalismo clássico, adotado pelo governo brasileiro, e as disposições constitucionais

em relação ao desenvolvimento educacional brasileiro; após encontrar em Luis Carlos

Bresser Pereira, argumentos que nos tornou cientes do conteúdo dessa ideologia burguesa -

podemos, a partir do domínio das demais informações até então compiladas, tentar

35

elucidar o quesito, concluindo que a política ora praticada, especificamente, no campo da

educação, está plenamente compatível com as linhas determinadas pela ideologia burguesa

e como o neoliberalismo clássico é, no dizer do autor citado anteriormente, a ideologia

burguesa por excelência e as decisões governamentais estão plenamente dentro das

características desse neoliberalismo clássico, esta compatibilidade está sendo, mais do que

nunca, a marca registrada da política educacional vigente. Se for considerada por outro

lado, a ideologia burguesa, vivificada pela prática governamental no campo da educação,

relacionada com as disposições constitucionais vigentes, podemos verificara que entre as

mesmas, e o que se pratica, há algumas aparentes divergências que decorrem da ideação

dos constituintes, que não se posicionaram face à consagração da política capitalista,

inserida na Carta Magna, de forma clara, mas possibilitaram, através de um inteligente

jogo de palavras, que a iniciativa privada fosse beneficiada não como responsável direta

por uma reestruturação do ensino, mas como principal beneficiária da política educacional

que aos poucos está sendo posta em prática, amparada pelas fendas deixadas nos

dispositivos constitucionais de 1988. Embora não tenhamos ainda, condições de falar da

existência de uma política educacional delineada no Plano de Reconstrução Nacional,

entende-se que o neoliberalismo clássico configurado como medida resgatável da

hegemonia do País contribuiu, através do Plano para que a ideologia capitalista,

consagrada no bojo da atual Carta Magna, dispensasse atitudes demagógicas para eclodir

em atitudes faraônicas, marca registrada do autoritarismo econômico imposto por uma

ditadura civil.

Entendemos, portanto, que diante do quadro desenhado pelos últimos fatos, a

Política Educacional vigente não apresenta nada de inovador e as últimas decisões

governamentais não nos mostra uma perspectiva animadora, pois a ideologia dominante é a

mesma dos anos 30 que aperfeiçoada nos anos 70, resultou no reforço do sistema nos anos

90 até hoje; sistema esse totalmente incompatível com a proposta de um Brasil Novo,

compromissado com a modernidade. A reconstrução só passará a ser viável quando o

homem tornar-se um ser digno, um ser moral, marco inicial da construção de um povo

culto, instruído e educado que não se conformará com os desmandos dos maus governos,

pois saberão, sem dúvida, atribuir-lhes méritos quando a tanto fizerem jus, mas saberá,

sobretudo, condena-los quando não cumprirem com o seu dever que o mandato lhes

delega.

36

2.4. Política Educacional Brasileira: Instrumento Manipulador para a Realimentação

do Capitalismo Selvagem.

Sob o ponto de vista superficial, pode nos parecer um pouco forte ou até

mesmo irresponsável a afirmação de que continuamos na convivência de uma política

educacional que, como instrumento manipulador, perpetua o sistema capitalista selvagem

praticado no Brasil. Atreves de uma reflexão, fundamentada em pesquisa já analisada em

páginas precedentes deste trabalho, sentimos que a Educação, que por manipulações do

sistema dominante, está, agora de forma mais acentuada, se consolidando como

instrumento responsável pela perpetuação da prática do capitalismo selvagem e sucateador

que está, aos poucos, se desenvolvendo no Brasil. Mostramos que a atual política

econômica está ultrapassada quando apresentamos as considerações de Luis Carlos Bresser

Pereira. Consideramos que essa política está ultrapassada ao analisá-la sob a ótica do

progresso, da igualdade, da justiça social preconizadas mas jamais consolidadas no Brasil,

a exemplo do que acontece nos países, considerado de primeira linha. Analisada como

instrumento de manipulação da classe dominante, chegamos a conclusão que, sob o ponto

de vista, ele progrediu em relação ao passado, atualizou-se em relação às técnicas e às

atitudes impostas de forma unilateral. E justificadas como necessárias ao bem comum e ao

bem estar do povo.

Sabemos que, vista sob essa realidade cruel, a política educacional brasileira

transformou a Educação em um negócio que Moacir Gadotti (Educação e Poder, pág. 123),

chama de traficância. No corpo do Projeto de Reconstrução Nacional, apresentado pelo

Presidente da República, no dia 14 de março de 1991, está embutida a proposta de restrição

do ensino gratuito nas universidades federais. Essa proposta, além de ser um forte indício

de que as lacunas, deixadas pelos “representantes do povo” (quando redigiram os

dispositivos destinados à educação), irão, gradativamente, se transformar nas armas de que

precisava a burguesia; significa que a estratégia desta para impedir que as classes

populares, mais pobres, tenham os que lhes é devido por justiça: Educação, ensino seja

consolidada em um projeto que o narcisismo exuberante chama de Projeto de Reconstrução

Nacional. Não há desenvolvimento independente este deve estar sempre atrelado à

educação. Sabemos que o Brasil, através do descaso pela educação, dissimulado no esboço

desse projeto, não criará um modelo próprio de desenvolvimento, mas continuará optando

37

por um desenvolvimento capitalista dependente, calcado em países desenvolvidos,

pertencentes ao centro hegemônico do capitalismo, financiando, por isso mesmo, carros e

televisões em detrimento do financiamento do leite, da carne do arroz e do feijão.

A política educacional deveria estar voltada para a eliminação da injustiça, da

desigualdade, entretanto, estamos presenciando a antítese dos nossos anseios muito bem

retratado na seguinte afirmação de Moacir Gadotti (Educação e Poder – pág. 128) : “o que

o atual modelo está exigindo é que os professores distribuam alimentos... Se as

circunstâncias nos obrigam hoje a fazer isso, pois não podemos ensinar a famintos... O

regime burguês nos obriga a reproduzir a força do trabalho para gerar crescimento

econômico pra a burguesia, para garantir maior taxa de mais-valia apropriada por uma

minoria. Este sistema que está aí foi implantado e consolidado com o auxílio da

educação...”. Eis aí porque,particularmente, considero que a política educacional brasileira

é um instrumento manipulador e responsável pela realimentação do capitalismo selvagem

no Brasil.

O sucateamento do País, o arrocho salarial “lato sensu” implica em

empobrecimento, em miséria, em fome. A distribuição de alimentos, como política

alternativa não erradica o problema da educação, pois entendemos que esta começa na vida

intra-uterina, quando a mãe, bem alimentada, gera filho saudável e, em tese, com todas as

possibilidades de, em idade escolar, continuar recebendo uma educação que lhe possibilite

armazenar conhecimento suficiente para saber por si mesmo distinguir conceitos e não se

deixar levar por propagandas deturpadas. Ora, estamos mais do que cientes de que a

política educacional é fruto do atual modelo econômico que, por sua vez é criado pela

burguesia; que mais do que nunca, continua no poder e não está nem um pouco preocupada

em fazer concessões; está, ao contrário, aperfeiçoando o sistema para preencher as lacunas,

deixadas nos dispositivos constitucionais pertinentes à política educacional, com as leis

complementares que se fizerem necessárias, legalizando, assim a sua hegemonia e o seu

modelo econômico selvagem implantado na Constituição.

Esse é o quadro que se apresenta. Essa é a política educacional brasileira,

política imposta pela classe que domina, que dirige, que educa, que nos engole. É a política

ideal para o Brasil? Essa perspectiva pessimista deve levar à conformação e à

38

imobilidade? Eis a questão. Particularmente acredito de que a tomada de consciência dessa

realidade, que nem sempre as dificuldades e o egoísmo permitem verificar, já é um grande

passo para tentar reverter esse dilema. Entendo, entretanto, que é preciso muito mais. É

preciso crença, idealismo, resistência; é preciso uma reforma de dentro para fora do

próprio homem; reforma essa voltada para a eliminação do ilícito, da injustiça, do

individualismo. Isso significa uma política educacional projetada em conjunto tendo como

ponto de partida o sentimento de igualdade e de oportunidades para todos, política esta,

possível num sistema capitalista desde que se consiga a reeducação do homem como ser

racional, tornando esse sistema no bom capitalismo.

39

2.5. A Democratização do Ensino Brasileiro.

Para iniciar uma reflexão sobre o tema, necessário se fazem alguns

esclarecimentos preliminares sobre democracia.

Democracia (do grego Demos = povo e Kratos = governo), segundo os

doutrinadores, quer dizer governo de todos ou ainda, na expressão de Abraham Lincoln: “É

o governo do povo, pelo povo e para o povo” (discurso de Gettysburg, em 19 de novembro

de 1863). Cabe, entretanto, esclarecer que na palavra povo, principalmente em Tebas não

estava incluído o artesão e o comerciante, porque entendiam os componentes do povo que

para o exercício pleno da democracia, esses elementos (componentes do povo), não deviam

estar ocupados com o trabalho, pois somente assim teriam disponibilidade de tempo e de

desenvolver o talento na arte de mandar e de fazer-se obedecer.

Conclui-se, então, que a democracia desenvolvida nas famosas cidades-estado

não era plena.

São pressupostos da democracia o econômico, o social, entendendo este como

a difusão da cultura a fim de poder o ser humano, por si mesmo julgar o que lhe pareça

melhor, sem risco de ser doutrinado por propaganda deturpada.

Devemos nos atentar, finalmente, para o fato de que um dos princípios da

Democracia é a liberdade, e esta é entendida sob os aspectos políticos e civil; vista sob o

aspecto civil a liberdade não é absoluta, pois o indivíduo não pode fazer tudo e só o que

bem entenda, já que se fosse dessa forma não estaríamos falando de liberdade; estaríamos,

isto sim diante de uma anarquia.

Assim, o que a democracia pretende dar é a liberdade social, isto é, o direito de

cada um fazer tudo o que não prejudique a liberdade dos outros. Essa é, a única liberdade

possível ao homem que vive em sociedade e não pode viver se não em sociedade.

A igualdade, como princípio democrático, não tem merecido tantos discursos

como a liberdade. É que a igualdade constitui o signo fundamental da democracia. Não

40

admite os privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra. Por isso é

que a burguesia, cônscia de seu privilégio de classes, jamais postulou um regime de

igualdade tanto quanto reivindicara o de liberdade. É que o regime de igualdade contraria

seus interesses e dá à liberdade sentido material que não se harmoniza com o domínio da

classe em que se assenta a democracia burguesa.

Feitos os esclarecimentos, voltaremos fundamentados neles, para a reflexão do

tema propriamente dito.

Para falar de democratização do ensino torna-se necessário verificar que,

estando a democracia nos moldes da classe burguesa, a democracia do ensino está, também

assentada sobre os parâmetros idealizados pela classe burguesa. A democracia do ensino

que propomos tem como pretensão uma dinamização mais profunda em relação à

propagação da igualdade e da conscientização dos seres humanos que, livres de qualquer

discriminação, voltem todos os esforços para que o ensino e a educação não continuem

sendo privilégios de poucos. A proposta é a da universalização do ensino no sentido amplo

da palavra. Ensino sem fronteira, sem distinção de classe, com oportunidades para todos. O

nosso sistema burguês não permite a nitidez da palavra liberdade, da palavra igualdade.

Entendendo ser o primeiro obstáculo à democratização universal do ensino e da educação.

Promover uma conscientização será o primeiro passo em direção a essa

democracia que ora propomos. Essa conscientização, entretanto, deve partir de dentro para

fora de cada ser pensante, porque a partir dessa iniciativa o homem começará a repensar o

próprio homem, objetivando uma reforma interna voltada para a isonomia social, voltada

para a justiça, voltada para o bem estar social. Isso implica um total desprendimento e

diante do quadro que a atual sociedade nos apresenta, concluímos com uma certa tristeza

que, apesar dos movimentos propondo essa democratização, ela não será possível nos

moldes de nossa proposta. Alenta-nos o fato de que alguma iniciativa nesse sentido já é o

primeiro passo que, combinados com outros, aperfeiçoará, gradativamente, o sistema que

levará a reforma de caráter do homem, pois, só assim, entendemos a viabilidade da

democratização do ensino.

41

Essa democratização, portanto, não se concretizará de imediato, pois mudanças

implicam adaptações, adaptações implica conscientização, crença, rompimentos de

barreiras. Todas essas etapas demandam tempo, geram controvérsias, mas a persistência, a

força de caráter, a adesão popular, o desprendimento de cada um, a integração de todos à

mesma causa gera resultados, resultados que a prática se encarrega de aperfeiçoar, e esse

aperfeiçoamento levará à democratização real e ideal do ensino e da educação, através da

participação de todos os segmentos da sociedade; voltado para o crescimento econômico,

político, cultural e social do País.

42

CAPÍTULO III

PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA ESCOLA CIDADÃ

Moacir Gadotti

3.1. Escola Cidadã: A Hora da Sociedade.

Até muito recentemente, a questão da escola limitava-se a uma escolha entre

ser tradicional e ser moderna. Essa tipologia não desapareceu, mas não responde a todas as

questões atuais da escola. Muito menos à questão do seu projeto.

A crise de paradigmas também atinge a escola e ela se pergunta sobre si

mesma; sobre seu papel como instituição numa sociedade pós-moderna e pós-industrial,

caracterizada pela globalização da economia, das comunicações, da educação e da cultura,

pelo pluralismo político, pela emergência do poder local. Nessa sociedade cresce a

reivindicação pela participação, autonomia, e contra toda forma de uniformização; cresce

também o desejo de afirmação da singularidade de cada região, de cada língua etc. A

multiculturalidade é a marca mais significativa do nosso tempo.

Nunca nossas escolas discutiram tanto autonomia, cidadania e participação. É

um dos temas mais originais e marcantes do debate educacional brasileiro de hoje. Essa

preocupação tem-se traduzido sobretudo pela reivindicação de um projeto político-

pedagógico próprio, específico de cada escola. Gostaríamos de tratar deste assunto,

sublinhando a sua importância e o seu significado, bem como as dificuldades, obstáculos e

elementos facilitadores para a elaboração do projeto político-pedagógico.

Freqüentemente se confunde projeto com plano. Certamente o plano diretor da

escola – como conjunto de objetivos, metas e procedimentos – faz parte do seu projeto,

mas não é todo o seu projeto. Isso não significa que objetivos, metas e procedimentos não

sejam necessários. Eles são insuficientes, pois, em geral, o plano fica no campo do

43

instituído, ou melhor, no cumprimento mais eficaz do instituído, como defende o discurso

em torno da “qualidade” em particular, da “qualidade total”. Um projeto necessita sempre

rever o instituído para, a partir dele, instituir outra coisa. Tornar-se instituinte. Um projeto

político-pedagógico não nega o instituído da escola, que é a sua história, o conjunto dos

seus currículos e dos seus métodos, o conjunto dos seus atores internos e externos e seu

modo de vida. Um projeto sempre confronta este instituído com o instituinte.

Não se constrói um projeto sem uma direção política, um norte, um rumo. Por

isso, todo projeto pedagógico da escola é também político. O projeto pedagógico da escola

é, assim, sempre um processo inconcluso, uma etapa em direção a uma finalidade que

permanece como horizonte da escola.

Em princípio, toda escola pode ser cidadã enquanto realizar uma certa

concepção de educação orientada para:

• A formação para a cidadania ativa: acreditamos que a escola pode

incorporar milhões de brasileiros à cidadania e deve aprofundar a

participação da sociedade civil organizada nas instâncias de poder

institucional;

• A educação para o desenvolvimento: entendemos que a educação é

condição para o desenvolvimento auto-sustentado do País. A educação

básica é o bem muito precioso e de maior valor para o desenvolvimento,

mas do que as suas riquezas naturais.

Nosso appartheid social não será superado apenas com uma melhor

distribuição de renda e com a solidariedade das classes médias. Será preciso preparar os

jovens para o trabalho. Só a educação básica de qualidade para todos pode acabar com a

miséria.

44

3.2. De quem é a Responsabilidade da Constituição do Projeto da Escola?

O projeto da escola não é responsabilidade apenas de sua direção. Ao

contrário numa gestão democrática, a direção é escolhida a partir do reconhecimento da

competência e da liderança de alguém capaz de executar um projeto coletivo. A escola,

nesse caso, escolhe primeiro um projeto e depois a pessoa que possa executa-lo. Assim

realizada a eleição de um diretor de uma diretora, se dá a partir da escolha de um projeto

político-pedagógico para a escola. Portanto, ao se eleger um diretor de escola, o que se está

elegendo é um projeto para a escola. Na escolha do diretor ou da diretora percebe-se já o

quanto o seu projeto é político.

Como vimos, o projeto pedagógico da escola está hoje inserido num cenário

marcado pela diversidade. Cada escola é resultado de um processo de desenvolvimento de

suas próprias contradições. Não existem duas escolas iguais. Diante disso, desaparece

aquela arrogante pretensão de saber de antemão quais serão os resultados do projeto para

todas as escolas de um sistema educacional. A arrogância do dono da verdade dá lugar à

criatividade e ao diálogo. A pluralidade de projetos pedagógicos faz parte da história da

Educação da nossa época.

Por isso, não deve existir um padrão único que oriente a escolha do projeto de

nossas escolas. Não se entende , portanto, uma escola sem autonomia – autonomia para

estabelecer o seu projeto e autonomia para executa-lo e avalia-lo.

A autonomia e a gestão democrática da escola fazem parte da própria natureza

do ato pedagógico. A gestão democrática da escola é, portanto, uma exigência de seu

projeto político-pedagógico. Ela exige, em primeiro lugar, uma mudança de mentalidade

de todos os membros da comunidade escolar. Mudança que implica deixar de lado o velho

preconceito de que a escola pública é apenas um aparelho burocrático do Estado, e não

uma conquista da comunidade. A gestão democrática da escola implica que as

comunidades, os usuários da escola, sejam seus dirigentes e gestores, e não apenas seus

fiscalizadores ou meros receptores dos serviços educacionais. Na gestão democrática, pais,

alunos, professores e funcionários assumem sua parte de responsabilidade pelo projeto da

escola.

45

Há pelo menos duas razões que justificam a implantação de um processo de

gestão democrática na escola pública:

• A escola de formar para a cidadania e, para isso, ela deve dar o exemplo.

A gestão democrática d escola é um passo importante no aprendizado da

democracia. A escola não tem um fim em si mesma. Ela está a serviço da

comunidade. Nisso, a gestão democrática da escola está prestando um

serviço também à comunidade que a mantém;

• A gestão democrática pode melhorar o que é específico da escola, isto é, o

seu ensino. A participação na gestão da escola proporcionará um melhor

conhecimento do funcionamento da escola e de todos os seus atores.

Propiciará um contato mútuo e, em conseqüência, aproximará também as

necessidades dos alunos dos conteúdos ensinados pelos professores.

O aluno aprende apenas quando se torna sujeito da sua aprendizagem. E para

ele se tornar sujeito da sua aprendizagem precisa participar das decisões que dizem

respeito ao projeto da escola, que faz parte também do projeto de sua vida. Passamos muito

tempo na escola para sermos meros clientes dela. Não há educação e aprendizagem sem

sujeito da educação e da aprendizagem. A participação pertence à própria natureza do ato

pedagógico. A autonomia e a participação – pressupostos do projeto político-pedagógico

da escola – não se limitam à mera declaração de princípios consignados em algum

documento. Sua presença precisa ser sentida no conselho de escola ou colegiado e também

na escolha do livro didático; no planejamento do ensino; na organização de eventos

culturais; atividades cívicas, esportivas e recreativas. Não basta apenas a assistir reuniões.

A gestão democrática deve estar impregnada por uma certa atmosfera que se

respira na escola, na circulação das informações, na divisão do trabalho, no

estabelecimento do calendário escolar, na distribuição das aulas, no processo de elaboração

ou de criação de novos cursos ou de novas disciplinas, na formação de grupos de trabalho,

na capacitação dos recursos humanos etc. A gestão democrática é, portanto, atitude e

método. A atitude democrática é necessária, mas não é suficiente. Precisamos de métodos

democráticos, de efetivo exercício da democracia. A democracia também é um

aprendizado, demanda tempo, atenção e trabalho.

46

3.3. Limitações e Obstáculos de um Processo Democrático.

Existem, certamente, algumas limitações e obstáculos à instauração de um

processo democrático como parte do projeto político-pedagógico da escola. Entre eles,

podemos citar:

• Nossa pouca experiência democrática;

• A mentalidade que atribui aos técnicos e apenas a eles a capacidade de

planejar e governar e que considera o povo incapaz de exercer o governo

ou de participar de um planejamento coletivo em todas as suas fases;

• A própria estrutura vertical de nosso sistema educacional;

• O autoritarismo que impregnou nossa prática educacional;

• O tipo de liderança que tradicionalmente domina nossa atividade política

no campo educacional.

Enfim, um projeto político-pedagógico da escola apóia-se:

• No desenvolvimento de uma conciência crítica;

• No envolvimento das pessoas: a comunidade interna e externa à escola;

• Na participação e na cooperação das várias esferas de governo;

• Na autonomia, responsabilidade e criatividade como processo e como

produto do projeto.

O projeto da escola depende da ousadia de seus agentes e de cada escola em se

assumir como tal, partindo da cara que tem seu cotidiano e seu tempo-espaço, isto é, o

contexto histórico em que ela se insere.

Um projeto político-pedagógico constrói-se de forma interdisciplinar. Não

basta trocar de teoria como se ela pudesse salvar a escola. A escola que precisa ser salva

não merece ser salva.

Pelo que falamos até agora, o projeto pedagógico da escola pode ser

considerado como um momento importante de renovação da escola. Projetar significa

“lançar-se para frente”, antever um futuro diferente do presente. Projeto pressupõe uma

47

ação intencionada com um sentido definido, explícito, sobre o que se quer inovar. Nesse

processo podem-se distinguir dois momentos:

• O momento da concepção do projeto;

• O momento da institucionalização e implementação do projeto.

Todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro. Projetar

significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de

instabilidade e buscar uma nova estabilidade em função de promessa que cada projeto

contém de estado melhor do que o do presente. Um projeto educativo pode ser tomado

como promessa em conseqüência de determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis

os campos de ação possíveis, comprometendo seus atores e autores.

A noção de projeto implica sobretudo tempo:

• Tempo político: define a oportunidade política de um determinado projeto;

• Tempo institucional: cada escola encontra-se num determinado tempo de

sua história. O projeto que pode ser inovador para uma pode não ser para

outra;

• Tempo escolar: o calendário da escola, o período no qual o projeto é

elaborado, é também decisivo para o seu sucesso;

• Tempo para amadurecer idéias: só os projetos burocráticos são impostos e,

por isso, revelam-se ineficientes para médio prazo.

Há um tempo para sedimentar idéias. Um projeto precisa ser discutido e

isso leva tempo.

Como elementos facilitadores do êxito de um projeto podemos destacar:

• Comunicação eficiente: um projeto deve factível e seu enunciado

facilmente compreendido;

• Adesão voluntária e consciente ao projeto: todos precisam estar

envolvidos. A co-responsabilidade é um fator decisivo no êxito de um

projeto;

48

• Suporte institucional e financeiro, que significa: vontade política - pleno

conhecimento de todos – principalmente dos dirigentes – e recursos

financeiros claramente definidos;

• Controle, acompanhamento e avaliação do projeto: um projeto que não

pressupõe constante avaliação não consegue saber se seus objetivos estão

sendo atingidos;

• Atmosfera, ambiente favorável: não se deve desprezar um certo

componente mágico-simbólico para o êxito de um projeto, uma certa

mística que cimente a todos os que se envolvem no designe de um projeto;

• Credibilidade: as idéias podem ser boas, mas, se os que as defendem não

têm prestígio, comprovada competência e legitimidade, o projeto pode

ficar limitado;

• Referencial teórico que facilite encontrar os principais conceitos e a

estrutura do projeto.

A falta desses elementos dificulta a elaboração e a implantação de um projeto

novo para a escola. A implantação de um novo projeto político-pedagógico enfrentará

sempre a descrença generalizada dos que pensam que de nada adianta projetar uma boa

escola enquanto não houver vontade política dos “de cima”. Contudo, o pensamento e a

prática do “de cima” não se modificaram enquanto não existir pressão dos “de baixo”. Um

projeto político-pedagógico da escola deve constituir num verdadeiro processo de

conscientização e de formação cívica. Deve ser um processo de recuperação da

importância e da necessidade do planejamento na Educação.

Tudo isso exige certamente uma educação para a cidadania.

49

3.4. O que é Educar para a Cidadania?

A resposta a essa pergunta depende da resposta à outra pergunta: “o que é

cidadania?”

Pode-se dizer que cidadania é essencialmente consciência de direitos e deveres

no exercício da democracia. Não há cidadania sem democracia.

A democracia fundamenta-se em três direitos:

• Direitos civis, como segurança e locomoção;

• Direitos sociais, como trabalho, salário justo, saúde, educação, habitação e

etc.;

• Direitos políticos, como liberdade de expressão, de voto, de participação

em partidos políticos e sindicatos etc.

O conceito de cidadania, contudo, é um conceito ambíguo. Existem no entanto,

diversas concepções de cidadania: a liberal, a neoliberal, a progressista ou socialista

democrática (o socialismo autoritário e burocrático não admite a democracia como valor

universal e despreza a cidadania como valor progressista).

Cidadania e autonomia são hoje duas categorias estratégicas de construção de

uma sociedade melhor em trono das quais há freqüentemente consenso. Essas categorias se

constituem na base da nossa identidade nacional, tão desejada e ainda tão longínqua em

razão do arraigado individualismo tanto das nossas elites quanto das fortes corporações

emergentes, ambas dependentes do Estado paternalista. A cidadania implica instituições e

regras justas.

O movimento atual da chamada escola cidadã está inserido nesse novo

contexto de busca de identidade nacional. E é justamente nesse contexto histórico que vêm

se desenhando o projeto e a realização prática da escola cidadã em diversas partes do país,

como uma alternativa nova e emergente. Ela vem surgindo em numerosos municípios e já

se mostra nas preocupações dos dirigentes educacionais em diversos Estados brasileiros.

50

Do movimento histórico-cultural a que nos referimos estão surgindo alguns

eixos norteadores da escola cidadã: a integração entre educação e cultura, escola e

comunidade (educação multicultural e comunitária); a democratização das relações de

poder dentro da escola; o enfrentamento da questão da repetência e da avaliação; a visão

interdisciplinar e transdisciplinar e a formação permanente dos educadores.

A interdisciplinaridade refere-se à estrita relação que as disciplinas mantém

entre si; a transdisciplinaridade refere-se à superação das fronteiras existentes entre as

disciplinas, portanto, além da interação e da reciprocidade existentes entre as ciências.

A escola cidadã surge como uma realização concreta dos ideais da escola

pública popular, cujos princípios vem sendo defendidos através de alguns pedagogos como

por exemplo Paulo Freire, nas últimas duas décadas.

Para finalizar, Moacir Gadotti¹ diz que: “não devemos renunciar ao nosso

sonho da ‘grande’ mudança. Estou convencido, acima de tudo, que a educação deve passar

não apenas pela melhoria da qualidade do ensino que está aí, mas por uma transformação

radical, exigência premente e concreta de uma mudança estrutural provocada pela

inevitável globalização da economia e das comunicações, pela revolução da informática a

ela associada e pelos novos valores que estão refundando as instituições e a convivência

social na emergente sociedade pós-moderna” ¹.

¹ Moacir Gadotti é professor da Universidade de São Paulo – USP e diretor do Instituto Paulo Freire.

51

CAPÍTULO IV

A TRAJETÓRIA DE UM EDUCADOR BRASILEIRO

Paulo Freire

4.1. História Pessoal.

Paulo Freire nasceu em Recife em 1921, e suas primeiras experiências

educacionais são efetuadas em 1962 em Angicos, no Rio Grande do Norte, onde 300

trabalhadores do campo se alfabetizaram em 45 dias. O impacto desse resultado é tão

grande que Miguel Arraes, então governador de Pernambuco, autoriza um trabalho

semelhante nas favelas de Recife e, em seguida, em todo o estado. Também o governo

federal se interessa pelo projeto e pretendia organizar 20 mil “círculos de cultura”,

procedimento de seu método de alfabetização, a fim de atingir cerca de 2 milhões de

adultos por ano.

Antes de tudo Paulo Freire é cristão. Seu cristianismo, porém, se embasa em

uma teologia libertadora, preocupada com o contraste entre a pobreza e a riqueza que

resulta dos privilégios sociais. Mantida a fé, sua formação intelectual se altera com o

tempo. Influenciada inicialmente pelo neotomismo. Percorre em seguida os caminhos da

fenomenologia, do existencialismo e do neomarxismo. Seu primeiro livro, Educação como

prática da liberdade (1965), ainda apresenta uma visão idealista marcada pelo pensamento

católico. Já em Pedagogia do oprimido (1970) faz uma abordagem dialética da realidade,

cujos determinantes se encontram nos fatores econômicos, políticos e sociais.

Além de outras obras, escreveu: Cartas à Guiné-Bissau, Vivendo e aprendendo

(junto com o grupo do IDAC), A importância do ato de ler. A maioria mereceu tradução e

comentários em vários países.

52

Paulo Freire fez parte do Movimento de Cultura Popular (MCP), de Recife. O

golpe militar de 1964 interrompe-lhe as atividades ao determinar sua prisão. Passa então a

viver exilado durante 14 anos no Chile e posteriormente como cidadão do mundo.

Ao contrário do que se poderia supor, sua produção se torna cada vez mais

rica, o que o faz conhecido em toda parte. Por seu intermédio, o Chile (antes da ditadura

Pinochet) recebe uma distinção da Unesco por ser um dos cinco países que mais

contribuíram para superar o analfabetismo.

Em Genebra, Suíça, junto com outros exilados brasileiros funda em 1970 o

IDAC (Instituto de Ação Cultural), que presta assessoria a movimentos bem diversos,

como os operários dos sindicatos italianos; para as mulheres, junto com o movimento

feminista da Suíça; alfabetização de adultos da Guiné-Bissau (ex-colônia portuguesa);

atividades similares em outras jovens nações africanas.

Enquanto isso, no Brasil, em 1967 o governo militar cria o Mobral

(Movimento Brasileiro de Alfabetização), numa pretensa campanha nacional. Neste

projeto, o método de Paulo Freire é aplicado de maneira deformada, apenas com as fichas

de leitura, sem o processo de conscientização. Se os militares consideravam o método

subversivo, mutilando-o, oferecem o seu avesso, impensável como mera técnica de

alfabetização.

Ao voltar do exílio, Paulo Freire retoma as suas atividades de escritor e

debatedor, assume cargos nas universidades e ainda o de secretário municipal da Educação

em São Paulo (1989-1991).

53

4.2. Pedagogia do Oprimido.

Paulo Freire parte do princípio de que vivemos em uma sociedade divida em

classes, na qual os privilégios de uns impedem a maioria de usufruir os bens produzidos.

Se a vocação humana de, ser mais só se concretiza pelo acesso aos bens culturais, ela é

“negada na injustiça, na exploração, na opressão, na violência dos opressores, mas

afirmada no anseio de liberdade, de justiça, de luta dos oprimidos, pela recuperação de sua

humanidade roubada”.

Um desses bens necessários é a educação, da qual é excluída grande parte da

população do Terceiro Mundo. Por isso Paulo Freire se refere a dois tipos de pedagogia: a

pedagogia dos dominantes, na qual a educação existe como prática da dominação e a

pedagogia do oprimido – tarefa a ser realizada -, na qual a educação surge como prática da

liberdade.

Não é simples instaurar a nova pedagogia, pois com freqüência o oprimido

“hospeda” o opressor dentro de si. Mesmo reconhecendo-se oprimido, assume atitude

fatalista de aceitação de “sua sina”. Às vezes se desvaloriza justificando a “natural

superioridade” do opressor; outras vezes inseguro tem medo da liberdade que não ousa

assumir, aumentando assim a irresistível atração pelo opressor. Ou, ainda, aspira a ocupar

uma posição entre os “superiores”, renegando suas raízes e tornando-se também um

opressor.

Por outro lado, os dominantes não podem ser vistos de um modo maniqueísta,

como aqueles que se reconhecem opressores. É mais comum acharem natural sua

superioridade, e justificar a pobreza pelos vícios inerentes aos próprios indivíduos. Não se

perguntam também por que os pobres são excluídos da cultura formal, achando mais fácil

explicar a ignorância das massas como resultado da incapacidade individual de estudo.

Ainda mais, os dominantes se vêem como generosos quando pretende ajudar o pobre a sair

da miséria e reagem violentamente a qualquer tentativa de alterar o que consideram ser a

ordem natural da sociedade.

54

O movimento de libertação deve partir dos próprios oprimidos, cuja pedagogia

será “aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na

luta incessante de recuperação de sua humanidade”. Trata-se de um trabalho de

conscientização e de politização. Não basta que o oprimido tenha consciência crítica da

opressão, mas que se disponha a transformar essa realidade. “A práxis é reflexão e ação

dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da

contradição, opressor - oprimidos” ¹¹ .

¹ Paulo Freire, Pedagogia do oprimido. p.30.

55

4.3. Concepção Problematizadora da Educação.

A pedagogia do dominante é baseada em uma concepção “bancária”, centrada

predominantemente na narração. Em Pedagogia do oprimido – p.66 e 68 – 1980 – Paulo

Freire afirma: “a narração, de que o narrador é o sujeito, conduz os educandos à

mecanização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda a narração os transforma em

‘vasilhas’, em recipientes a serem ‘enchidos’ pelo educador. (...) Em lugar de comunicar-se

o educador faz ‘comunicados’ e depósitos que os educando meras incidências recebem

pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção ‘bancária’ da educação, em que

a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos,

guardá-los e arquivá-los”.

As práticas derivadas dessa concepção são verbalistas voltadas para

transmissão e avaliação de conhecimentos abstratos. O professor “deposita” o saber e o

“saca” através do exame. Define-se aí uma relação de verticalidade (o saber é doado de

cima para baixo) e de autoritarismo (quem sabe manda).

Fica assim caracterizada a passividade do educando, tornado-o objeto e o

paternalismo do educador, único sujeito do processo. Essa educação baseia-se na

existência de um mundo estático e harmônico, isto é, sem contradições. Por isso a

concepção “bancária” de educação mantém a ingenuidade do oprimido e o acomoda em

seu mundo de opressão: eis a educação como prática da dominação.

A concepção problematizadora da educação, ao contrário, baseia-se em outra

concepção da consciência e do mundo, típica da fenomenologia. Considera que conhecer

não pode ser o ato de uma “doação” do educador ao educando, mas um processo que se

estabelece no contato do homem com o mundo vivido. E este não é estático, mas dinâmico,

em continua transformação.

Na educação autentica é superada a relação vertical entre educador e educando

e instaurada a relação dialógica. O diálogo supõe troca, não imposição. Desta maneira,

o educador já não é apenas o que educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo

com o educando, que, ao ser educado, também educa. Já agora ninguém educa ninguém,

56

como tão pouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão,

mediatizados pelo mundo. Mediatizados pelos objetos cognoscíveis, que na prática

“bancária” são possuídos pelo educador, que os descreve ou os deposita nos educandos

passivos.

O conhecimento que deriva desse processo é crítico, porque autenticamente

reflexivo, e implica o ato do constante desvelar a realidade e nela se posicionar. Esse saber

acha-se entrelaçado com a necessidade de transformar o mundo, pois os homens se

descobrem como seres históricos, como seres que estão sendo como seres inacabados,

inconclusos, em e com uma realidade, que, sendo histórica também, é igualmente

inacabada. Daí que seja a educação um que fazer permanente. Permanente, na razão da

inconclusão dos homens e do definir da realidade.

Numa sociedade de privilégios, é inevitável que a pedagogia seja considerada

perigosa: “Nenhuma ‘ordem’ opressora suportaria que os oprimidos todos passassem a

dizer: ‘Por quê?’” ²².

² Pedagogia do oprimido. p. 87.

57

4.4. Método Paulo Freire.

Coerente com o posicionamento filosófico, o método não pode ser reduzido à

mera técnica de alfabetização. Nem os educadores seriam os “sabidos” que de antemão

prepara o que deve ser impingido ao educando. Considera que em um Brasil tão grande,

onde é nítida a cisão entre cidade e campo e tão diferentes as culturas regionais, é

impossível saber antecipadamente o que interessa e motiva o educando. Por isso as

cartilhas são rejeitadas, como “roupa de tamanho único, que serve para todo mundo e pra

ninguém” e que tratam de temas distantes da realidade vivida.

Nesse espírito novo, os educadores superam a postura autoritária e, abertos ao

diálogo, procuram ouvir o próprio povo.

Inicialmente, Paulo Freire recomenda fazer o levantamento do universo

vocabular dos grupos, a fim de escolher as palavras geradoras que variam conforme o

lugar. Em seguida são organizados os círculos de cultura, constituídos de grupos pequenos

sob a coordenação de um animador, que tanto pode ser um professor ou um companheiro

já alfabetizado. Diante da representação de uma favela, por exemplo, há o debate sobre o

problema da habitação, da alimentação, do vestuário, da saúde, da educação, descobrindo-a

como uma situação problemática. Em seguida se passa à visualização da palavra favela.

Para Paulo Freire, “a alfabetização de adultos, para que não seja puramente mecânica e

memorizada o que se há de fazer é proporcionar-lhes que se conscientizem para que se

alfabetizem” ³³.

Algumas atividades também são desenvolvidas no processo de pós-

alfabetização, com a análise de textos simples mas sempre sem abandonar a

problematização da situação enfocada. Como Paulo Freire defende a autogestão

pedagógica, o professor é um animador do processo, evitando as formas de autoritarismo

que costumam minar a relação pedagógica. Ao dar mais valor à aprendizagem por meio

das discussões dos grupos, Paulo Freire recusa a transmissão de conhecimentos vindo de

³ Paulo Freire, Educação como prática da liberdade. P.120.

58

fora. Mesmo quando há necessidade de textos, prefere que sejam redigidos pelos próprios

alunos.

A pedagogia de Paulo Freire representa não só um esforço, mas um trabalho

efetivo em direção à democratização do ensino.

Ao longo das mais diversas experiências de Paulo Freire pelo mundo, o

resultado sempre foi gratificante e muitas vezes comovente. O homem iletrado chega

humilde e culpado, mas aos poucos descobre com orgulho que também é um “fazedor de

cultura” e, mais ainda, que a condição de inferioridade não se deve a uma incompetência

sua, mas resulta de lhe ter sido roubada a humanidade.

O método de Paulo Freire pretende superar a dicotomia entre teoria e prática:

no processo, quando o homem descobre que sua prática supõe um saber, conclui que

conhecer é interferir na realidade, de certa forma. Percebendo-se como sujeito da história,

toma a palavra daqueles que até então detêm seu monopólio. Alfabetizar é, em última

instância, ensinar o uso da palavra.

A palavra tem, portanto, duas dimensões: ação e reflexão – de tal forma

solidárias, em uma interação tão radical que, sacrificada, ainda que em parte uma delas, se

ressente, imediatamente, a outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí que

dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo.

59

4.5. Avaliação.

Ao lado do reconhecimento do seu trabalho, Paulo Freire também tem sofrido

críticas, muitas vezes apaixonadas. É recriminado pelos católicos conservadores por usar

categorias marxistas em seu discurso pedagógico. Para alguns intelectuais de esquerda, ele

não teria ultrapassado o pensamento cristão idealista e liberal. Claramente influenciado

pelos intelectuais do Iseb, dói acusado de sucumbir, como aqueles, ao nacional-

desenvolvimentismo. Outros criticam ainda a não-diretividade e o espontaneísmo, que

supervalorizariam a contribuição do educando. Sob este aspecto dizem ser impossível o

diálogo entre educador e educando, por haver assimetria entre eles.

Considerando todas as críticas, pertinentes ou não, é inegável a contribuição de

Paulo Freire, não apenas para a educação de adultos. Os fundamentos da sua pedagogia

permitem a aplicação dos conceitos analisados em uma amplitude maior, ou seja, na

própria concepção de educação.

Paulo Freire liga-se a uma das tendências da moderna concepção progressista,

segundo a qual descoberto o caráter político da educação, é necessário torná-la acessível às

camadas populares. Ainda mais, torná-la o espaço da discussão e da problematização que

visa transformar a realidade social.

Podemos dizer, sem risco de errar, que Paulo freire é um dos grandes

pedagogos da atualidade, não só no Brasil, mas também no mundo. Mesmo que suas idéias

e práticas tenham sofrido críticas as mais diversas, é indispensável considerar a fecunda

contribuição que deu à educação popular brasileira.

60

CAPÍTULO V

LEITURAS COMPLEMENTARES

5.1. Democracia e Educação

(...) a maioria dos seres humanos ainda não goza de liberdade econômica. Suas

ocupações são escolhidas pelo acaso e pela premência das circunstâncias; não é a

expressão normal de suas aptidões em atuação recíproca com as necessidades e recursos do

ambiente. As nossas condições econômicas ainda reduzem muitos homens e uma condição

servil. A conseqüência é não ser liberal a inteligência daqueles que são os senhores da

situação, na vida prática. Em vez de pugnarem resolutamente pela submissão do mundo

aos fins humanos eles dedicam-se à utilizar-se dos outros homens para fins tanto mais anti-

humanos, quanto mais egoístas.

Semelhante estado de coisas explica muitos fatos de nossas tradições históricas

educacionais; projetam luz sobre a contradição de objetivos entre as diferentes partes do

sistema escolar, sobre a natureza estreitamente utilitarista da educação elementar e sobre o

caráter estreitamente disciplinar ou cultural da educação superior. Contribui para a

tendência a isolar as matérias intelectuais até os conhecimentos tornarem-se: escolásticos,

acadêmicos ou técnicos, e para convicção dominante de que a educação liberal é contrária

às exigências de uma educação que atenda aos reclamos da vida prática.

Mas, por outro lado, esse estado de coisas contribui para definir o problema

particular da educação hodierna. A escola não pode refugir diretamente aos ideais

implantados pelas anteriores condições sociais. Mas a escola pode contribuir para a

melhoria dessas condições, por meio do tipo de mentalidade intelectual e sentimental que

formar.

61

E justamente neste ponto s verdadeiras concepções de interesse e disciplina são

da máxima importância. As pessoas cujos interesses se ampliaram e cuja inteligência foi

exercitada ao contato com coisas e fatos, em ocupações ativas com finalidade (seja no

jogo, seja no trabalho), poderão com mais probabilidades escapar às alternativas de uma

cultura puramente acadêmica e ociosa, de uma prática dura, áspera, acanhada de vistas e

simplesmente “prática”. Aquilo que mais precisa ser feito para melhorar as condições

sociais é organizar a educação de modo que as tendências ativas naturais se empreguem

plenamente na feitura de alguma coisa, alguma coisa que requeira observação, a aquisição

de conhecimentos informativos e o uso de uma imaginação construtora. Oscilar entre

exercícios seriados e intensivos para se conseguir a eficiência em atos exteriores sem o

concurso, da inteligência, e uma acumulação de conhecimentos que se supõe bastarem-se a

si mesmos, significa que a educação aceita as presentes condições sociais como definitivas

e por esse meio assume a responsabilidade de perpetuá-las. Uma reorganização da

educação de modo que a instrução se efetue em conexão com a inteligente realização de

atividades com um escopo será um trabalho lento. Ele só pode efetuar-se aos poucos,

dando-se um passo de cada vez. Mas isto não é uma razão para aceitarmos nominalmente

uma filosofia educacional e adotarmos outra na prática. Será antes um incentivo para

empreendermos o trabalho de reorganização animosamente e nele prosseguirmos com

perseverança.

John Dewey, Democracia e educação, p. 149-150.

62

5.2. O Trabalho Pedagógico.

Um trabalho pedagógico que não conduza a uma organização mais efetiva da

sociedade civil, em especial das classes subalternas, já comprometeu boa parte de seu

sentido educativo e eficácia. A criação e o fortalecimento das associações de professores,

de funcionários, dos movimentos estudantis e dos sindicatos são fundamentais, não apenas

para uma transformação da sociedade, mas da própria escola. Aliás, a educação que se

processa no enfrentamento, na luta que se trava nessas associações, tem um sentido e uma

eficácia geralmente bem maior do que a que se processa na escola propriamente dita. É aí,

muitas vezes, que os indivíduos adquirem uma compreensão mais lúcida e profunda do

processo histórico , das possibilidades e limites de sua prática, do sentido de sua atividade,

enfim, o saber realmente transformador porque brotado na prática coletiva.

Se os problemas que aparecem na educação e na escola não são propriamente

problemas da educação ou da escola, mas uma manifestação, no nível educacional, dos

problemas sociais, políticos e econômicos, a usa possível solução também não virá dos

técnicos em educação, nem depende da burocracia do MEC e das Secretarias estaduais e

municipais de educação. Não tenhamos ilusões: esperar e aceitar passivamente as soluções

oriundas da burocracia do Estado é aliar-se de fato aos beneficiados pela inércia do status

quo.

Apesar de toda a crítica que podemos endereçar à escola, não se trata de

destruí-la, nem de subestimar ou negar por completo seu poder de influência. Numa

sociedade de classe, ela é elitista, reprodutora da divisão social, inculcadora da visão de

mundo da classe dominante e, conseqüentemente, mantenedora da atual estrutura de poder.

Entretanto, não podemos dispensar a sua contribuição como instrumento de participação

cultural e sócio-político. Também em relação à escola parece verdadeiro o adágio popular:

“ruim com ela, pior sem ela”. O que talvez esteja faltando é um trabalho pedagógico que

explore a contradição social, presente também na escola, na sala de aula. Acima de tudo é

preciso ampliar as oportunidades reais de escolarização, especialmente para os que dela

são sistematicamente excluídos. Embora reconhecendo que a extensão da escolarização

fundamental a todas as crianças implica um reforço do processo de inculcação ideológica e

de reprodução social, é preciso lutar por ela, sob pena de se legitimar a exclusão das

63

classes oprimidas da escola. Não podemos permitir que apenas as classes alta e média

tenham acesso à escola. É necessário ainda não se contentar com a ampliação das vagas e

criação de novas escolas, mas ajudar os setores oprimidos a se organizarem como classe,

para que tenham condições de exigir do Estado uma escola de boa qualidade e de tempo

integral para seus filhos, necessária para a superação de suas dificuldades na

aprendizagem, originárias de sua situação de classe.

Em nossa sociedade, qualquer defesa de um processo de desescolarização ou

de não-expansão da rede de ensino (mesmo quando ”bem-intencionada”) beneficia apenas

aos que já foram escolarizados e aos que sempre tiveram garantido um ensino de boa

qualidade. Convém lembrar ainda esta verdade bastante conhecida, mas muitas vezes

esquecida: a escola não é a fonte de alienação, da exploração e da dominação de classe, de

modo que fazer dela a responsável por todas as mazelas da sociedade é uma forma de

justificar, de legitimar a estrutura social. Uma suposta destruição da escola não acabará, de

modo algum, com a alienação e a dominação. Essa, aliás, é a função da ideologia: desviar a

discussão do núcleo para a periferia, sempre à procura de um “bode expiatório” para os

problemas originários da estrutura da sociedade. (...)

Uma das maiores contribuições que a escola pode dar à classe operária não é

tanto “conscientizá-la”. como se ela não conhecesse a verdade libertadora por estar

impregnada da ideologia, sendo nossa “missão” arrancá-la do plano da realidade imediata

para eleva-la a seus reais interesses de classe. Esta concepção iluminista e autoritária,

fundada na dicotomia saber/ignorância, consciência/inconsciência, supõe que a consciência

crítica possa ser dada ou adquirida, possa vir de fora, esquecendo-se que ela se conquista

no trabalho (transformação do real) e na luta (política) e que a ideologia encontra-se

internalizada também no educador. As suas atitudes, em geral, traem seus compromissos

com o autoritarismo, com a ideologia, numa prova evidente de que o conhecimento da

dominação ideológica não imuniza ninguém. Numa palavra, a consciência crítica não pode

ser doada por algum iluminado, mas também não surge espontaneamente. É através da luta

e do trabalho coletivo que educadores e educandos criam condições para o seu

aparecimento.

64

A grande contribuição da escola ao trabalhador é ensinar de fato a expressão

oral, a leitura, a escrita e as operações fundamentais da aritmética a seus filhos. Se assim o

fizer, estará contribuindo para sua liberação, pois o desconhecimento de tais técnicas

coloca o operário numa posição extremamente desigual frente aos que o exploram, e o

operário sabe muito bem disto. É preciso, além disso, usar a escola para dar ao trabalhador

os conhecimentos técnico-científicos necessários ao controle técnico e social do processo

de produção, dar-lhe os instrumentos para que possa não só elaborar, mas explicitar seu

saber, liberar sua consciência de classe e defender seus interesses específicos, assim como,

propiciar-lhe as condições para uma maior participação sócio-político e uma compreensão

mais profunda da cultura que é coletivamente produzida por toda a sociedade. Somente

assim a educação pode de fato tornar-se um instrumento de luta política também para as

classes subalternas, assim como esta luta é um instrumento de educação do povo pois “toda

relação de ‘hegemonia’ é necessariamente uma relação pedagógica”.

Contra uma escola que a rigor nem alfabetiza os filhos dos trabalhadores é

preciso criar uma escola que realmente os ensine. Para tanto, os docentes não podem, de

forma alguma, abdicar de sua função primeira que é ensinar a todos os alunos,

especialmente os que devido sua situação de classe têm mais dificuldades na

aprendizagem. Esta não se dá espontaneamente, como um lazer, mas exige disciplina,

esforço, persistência; numa palavra, supõe trabalho. É profundamente ingênua (e

perigosa!) essa idéia de que o professor deve facilitar a aprendizagem ao máximo, fazendo

dela uma diversão, uma brincadeira (e aqui entra toda a parafernália da tecnologia da

educação, dos recursos audiovisuais), na qual o importante é apenas “aprender a aprender”.

Ora ninguém aprende a aprender sem o conteúdo, uma matéria-prima a ser trabalhada pela

reflexão, isto é, sem um trabalho que produza a compreensão da realidade. A vulgarização

da idéia de que não é o professor que ensina, mas o aluno que aprende, tem conduzido

muitos educadores a uma irresponsabilidade, a um populismo ingênuo, encoberto por uma

falsa defesa da liberdade e da criatividade do indivíduo e da igualdade entre professores e

alunos.

Carlos Rodrigues Brandão, O educador: vida e morte.

5. ed. Rio de Janeiro, Graal, 1984, p. 41,42,45 e 46.

65

CONCLUSÃO

Após as análises dos temas propostos dentro do problema central, cabe-nos

apresentar como fruto de nossas reflexões, oriundas do contato de nosso dia-a-dia com a

prática real da educação brasileira, quer pública ou privada, algumas conclusões que se não

são otimistas, objetivam alertar a todos que, de uma forma ou de outra, conscientes ou

inconscientes, estiverem envolvidos no campo da educação.

Entendemos, inicialmente, que a educação, como instrumento reprodutor do

sistema capitalista e da ideologia da classe dominante, é preceito consagrado no bojo de

nossa Carta Constitucional, cujo objetivo maior é reproduzir, no indivíduo, as habilidades

necessárias à integração total à ideologia dominante direcionadora da vida de todos os que

estão submetidos ao seu domínio, evidenciando, segundo Jamil Cury (Educação e

Contradição, São Paulo: Cortez Autores Associados), os chamados componentes básicos

do fenômeno educativo, que são certos elementos considerados dialeticamente

complementares e ao mesmo tempo contraditórios, identificados como idéias, instituições,

material e ritual pedagógico. Esses elementos são chamados a exercer sua função

educativa, pois, a serviço de uma hegemonia ajuda a dar suporte à interiorização normativa

da concepção dominante na classe subalterna, fazendo uso dos mecanismos de articulação

ou de desarticulação, visto que as idéias pedagógicas, pretendem a integração do próprio

sistema de dominação, significando que tal sistema faz da educação um momento de

medicação a serviço de determinadas e oportunas políticas sociais. Assim, tais

instrumentos (Idéias Pedagógicas, Instituições Pedagógicas, Agentes Pedagógicos,

Matérias Pedagógicos, Ritual Pedagógico), conjugados entre si, tornam-se agentes que,

atuando a serviço da classe dominante, ora o fazem como articuladores, ora como

desarticuladores, mas sempre dissimulando e procurando integrar a ideologia que convém,

aos dominadores, mesmo quando cede às poucas reivindicações da classe dominada.

66

Como decorrência da conclusão apresentada até então, podemos afirmar que,

no Projeto de Reconstrução Nacional, a edecação, enquanto aparelho ideológico da classe

dominante, é, essencialmente aparelho de reprodução de classes e reprodução das relações

de produção da sociedade de classes. Isso se deve ao fato de que embora o Brasil tenha

optado pela linha da reconstrução, continua se descaracterizando pelo descaso, quase total,

pelo ensino. Entendemos que educação e desenvolvimento têm que caminhar de braços

dados.

Pensando em partir para o progresso – sua palavra-chave grafada em seu

símbolo é “Ordem e Progresso”, - o Brasil está tratando a educação como a inimiga do

progresso e, por isso, entra em contradição quando inseriu em sua Carta Magna a pretensão

de desenvolver no indivíduo, tanto o exercício da cidadania, quanto à qualificação para o

trabalho. Não há desenvolvimento sadio sem o suporte da educação. Sem o concurso desta

o homem está qualificado para o trabalho apenas como força de produção e, nesse caso,

um simples robô a serviço da burguesia nacional.

Neste contexto o educador, trabalhador qualificado, que através do seu

relacionamento social, é um verdadeiro instrumento revelador do ideal e do real, vê

melancolicamente, a educação brasileira ser transformada em um verdadeiro negócio de

traficância. É a desvalorização da educação e do educador que se origina na ação de grupos

dominantes que, instalados no País, demonstram, maior preocupação com a quantidade do

que com a qualidade do ensino.

Entendemos, em segundo plano, que embora o quadro da educação brasileira

se apresente negra e assustadora não se constitui motivo suficiente para nos conduzir ao

pessimismo, ou até mesmo na pior das hipóteses, ao cinismo. O que não se pode fazer é

assumir uma atitude conformista; cruzar os braços nada fazendo.

Criticar, simplesmente, é atitude que revela pedantismo, porque ser educador,

ser mestre, significa ter feito em maior ou menor grau a descoberta de si mesmo. Isso quer

dizer que a educação não é outra coisa se não uma tomada de consciência, por parte de

cada indivíduo, da verdade que faz um homem, entendendo essa verdade como um

67

horizonte rumo ao qual sempre caminham e quanto mais o fazemos este horizonte mais de

afasta. A verdade humana é sempre provisória, é uma verdade inacabada.

Em decorrência das conclusões apresentadas até aqui, entendemos que, se

temos conciência do quadro crítico que nos ameaça, é nosso dever cívico tomar iniciativas,

repudiando a bandeira da exploração, da desobediência, do radicalismo. É nosso dever agir

de maneira inteligente, procurando ouvir para reformular, criando para somar esforços,

colocando em prática uma contra ideologia, reinventado a educação, pois esta se encarada

como uma tomada de consciência por parte de cada indivíduo, se constitui na verdade que

cada mestre deve despertar em cada um de seus discípulos, objetivando captar esforços

para uma caminhada organizada, rumo à humanização do sistema, a partir de uma análise

crítica e consciente, para engajar-se à crítica pela crítica à velha dialética burguesa com o

objetivo dantesco de manutenção do poder, é transformar-se num instrumento à serviço do

arcaísmo exacerbado.

Concluímos, finalmente, que para atingir o cerne do problema deve-se passar

das palavras aos atos, preparando propostas alternativas que não devem ser elaboradas

individualmente, mas através do envolvimento de todos os segmentos da sociedade, em

condições de igualdade, porque o individualismo leva ao narcisismo daquele que atrai para

si o troféu de “Salvador da Pátria”.

Iniciativas visando objetivos comuns, devem ser tomadas. É uma tarefa

gigantesca e ousada, mas por isso mesmo, estimulante. Estimulante porque tem que partir

das bases que deverão ter em mente que construir uma nova educação é uma tarefa que

demanda tempo, determinação, sabedoria, persistência, consciência crítica e, sobretudo, a

construção de uma nova sociedade; uma sociedade livre autentica universal, edificada nas

bases sólidas da moral, da firmeza de caráter, do descompromisso com qualquer modelo

importado, que não admita em nenhuma hipótese em seu texto constitucional, os vestígios

do autoritarismo, seja ele econômico, militar ou civil.

Uma educação edificada na igualdade universal dos seres humanos não

contribui para a realimentação do sistema que hoje aprisiona e mais do que nunca, é

68

responsável pela reprodução de uma ideologia de um capitalismo selvagem, consagrado na

Constituição promulgada em 1988.

Esta é a nossa conclusão.

O que mata um jardim não

[é o abandono...]

O que mata um jardim

[é esse olhar vazio]

De quem por ele passa indiferente.

- Mário Quintana.

69

PARA NÃO CONCLUIR

A maneira como a educação está organizada é o resultado da organização da

sociedade em seu conjunto.

Vale a pena tentar mudar a Educação?

Enquanto as relações de poder na sociedade não mudarem, a Educação

continuará funcionando do mesmo jeito.

A Educação está dentro da sociedade, quando mexemos na Educação estamos

mexendo na sociedade. E a sociedade, por sua vez, também não é uma coisa fixa, parada

que não muda. A sociedade não é só os donos do poder. A sociedade é também todos

aqueles que, até agora, não tiveram vez nem voz.

Todos nós somos a sociedade.

A sociedade pode e deve mudar, mas somos nós que temos de procurar essas

mudanças. Nós que achamos, por exemplo, que a Educação é uma coisa muito importante

e que ela está funcionando muito mal.

Muita coisa pode ser feita para melhorar a Educação.

É urgente e prioritário adotar medidas que assegurem a todos o ingresso na

Educação e sua permanência no ensino pelo maior tempo possível.

Pelas pistas que possuímos do mundo que espera nossos jovens, só sabemos

que será muito diferente do presente, com inevitável mudança de paradigmas. Se melhor

70

ou pior, impossível prever. Apenas precisamos não permanecer como espectadores, mas

tomar nas mãos o desafio de construir o novo.

Senão podemos prever, pelo menos temos noções sobre o que não queremos:

com tantas incertezas, seríamos capazes de construir um mundo mais humano?

Há duas formas para viver sua vida:

Uma é acreditar que não existe milagre.

A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.

(Albert Einstein)

71

REFLEXÃO FINAL

Aprovada a Constituição em 1988, resta elaborar uma lei complementar para

tratar das diretrizes e bases da educação nacional. Se lembrarmos que a LDB anterior levou

13 anos para ser aprovada (de 1948 a 1961), oferecendo no final um texto já envelhecido,

temos motivos de preocupação ao constatar que no início de 2003 ainda não foi feita a

regulamentação.

Começamos o século XXI com a lenta mudança do modelo agrário-exportador,

o advento da burguesia industrial urbana e as conseqüentes solicitações de ampliar a oferta

de ensino. Entre os anos 50 e 80, o país urbaniza-se e avança em vários aspectos sociais e

econômicos. O trunfo de se tornar um dos países mais ricos, no entanto, contrasta com o

fato de ser um triste recordista em concentração de renda, com efeitos sociais perversos:

conflitos com os sem-terra, os sem-teto, infância abandonada, morticínio nas prisões, nos

campos, nos grandes centros. A população não recebeu até agora um ensino fundamental

de qualidade.

Quando os governos passaram a dar um mínimo de atenção à organização

nacional do ensino, tivemos reformas tumultuadas, aprovadas entre contradições de

interesses que mantêm o dualismo escolar, próprio de uma visão elitista da educação. Isso

sem esquecer a longa noite dos 20 anos da ditadura militar, que obscureceu nossa vida

cultural, silenciando os intelectuais e artistas e intimidando professores e alunos.

Em História da Educação – 1996 - Maria Lúcia de Arruda Aranha informa: “É

no Brasil que se observa a mais alta taxa de repetência. Mais alarmante ainda é a

sobrevivência dos alunos no sistema de ensino de 1º grau. O Brasil, num perverso processo

social, mantém apenas 22 alunos a cada 100 alunos que ingressam no sistema”.

72

Para não sucumbirmos ao derrotismo, há que lembrar que na década de 90

setores da sociedade civil tiveram se expressando com maior autonomia, fazendo pressão

contra a corrupção e os desmandos do governo e exigindo os direitos dos cidadãos. Mesmo

que nem sempre os resultados tenham sido plenamente os desejados, não há como

desprezar os avanços nesse sentido.

No campo educacional, é grande a valorização dos estudos pedagógicos. Nas

últimas três décadas, em vários estados brasileiros, educadores tentam implantar projetos

inovadores. Acrescentem-se os núcleos de estudos e pesquisas, fecundando uma geração

de educadores capazes inclusive de elaborar teorias adequadas à realidade brasileira.

É importante continuar exigindo do Estado o cumprimento de suas obrigações.

Mais ainda, é preciso que nós mesmos atuemos de forma coerente e intencional, a fim de

reverter este triste quadro. A principal idéia é começar exigindo que as leis sejam

aprovadas após a participação efetiva da sociedade.

Destacamos a seguir algumas tarefas importantes a serem realizadas. É

preciso:

• Instaurar uma política educacional decente, que destine as verbas

públicas para o ensino público, com diretrizes educacionais coerentes e

continuidade de implantação, evitando os desencontros das políticas

governamentais;

• Valorizar o professor (salário, carreira, formação continuada, concurso de

ingresso), o que certamente manteria na ativa os profissionais de

qualidade;

• Escola para todos, sem sucumbir à tentação de monumentos: não

necessitamos de grandes prédios, mas de qualidade de ensino, com rede

escolar suprida de bibliotecas, materiais didáticos próprios a cada

disciplina, instalações adequadas, condições reais de reuniões

educacionais e pedagógicas.

Essas seriam as condições mínimas para implantar a escola pública, universal,

gratuita, democrática e de qualidade.

73

Os resultados positivos no processo de ensino-aprendizagem necessariamente

passam pelo crivo da interação. A troca só efetivamente ocorre à luz da afinidade que

possa ocorrer entre os agentes do processo de educação. A adequação é absolutamente

necessária, não só na relação professor x aluno, mas sim em todas as instâncias da escola e

na sociedade que a cerca.

Alfa Beta Ação

Aquele mestre ensina justamente aquilo

Que não me interessa saber

Esquece de dizer meninos nossa sina

É saber viver

Impõe, implora, impera e vocifera

É que ele tem a vara de condão

Da transformação da conformação

Da educação da revolução.

(Música – Ednardo)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. 2ª Edição, São Paulo: Editora

Moderna, 1996.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Educação Popular. 3ª Edição, São Paulo: Brasiliense,

1986.

___. O educador: vida e morte. 5. ed. Rio de Janeiro, Graal, 1984.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL – 1967. 25ª Edição,

Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1982.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, de 05 de outubro de

1988. Rio de Janeiro: Editora Atlas, 1991.

CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação e Contradição: Elementos metodológicos para

uma teoria crítica do fenômeno educativo. São Paulo: Cortez Autores Associados, 1989.

DEWEY, John. Democracia e Educação: introdução à filosofia da educação. Tradução

Godofredo Rangel e Anísio Spínola Teixeira. 4ª Edição, São Paulo: Nacional, 1979

(Atualidade Pedagógicas,21).

FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade. 6ª Edição, São Paulo: Editora Moraes,

1986.

75

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 3. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,

1971.

___. Pedagogia do Oprimido. 8. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.

GADOTTI, Moacir. Educação e Poder: Introdução à pedagogia do conflito. 9ª Edição,

São Paulo: Cortez Autores Associados, 1989.

PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Desenvolvimento e Crise no Brasil. 11ª Edição, São

Paulo: Editora Brasiliense, 1982.

TEIXEIRA, Anísio Spínola. Educação no Brasil. 2ª Edição, São Paulo: Nacional, 1976

(Atualidades Pedagógicas, 132).