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REVISTA CIENTÍFICA DA ACADEMIA MILITAR Série VII, n.º 4 (2013) Ficha Técnica Proprietário e Editora: Academia Militar Rua Gomes Freire 1169-203 Lisboa Tel.: 213186907 Fax: 213186911 URL: www.academiamilitar.pt E-mail: [email protected] Local: Lisboa Ano: 2013 Periodicidade: Semestral Depósito Legal: 209905/04 ISSN: 1645-8826 Capa: Sandra Veloso e Pedro Trindade Paginação, Impressão e Acabamentos: CENTRO DE AUDIOVISUAIS DO EXÉRCITO/SECÇÃO DE ARTES GRÁFICAS Tiragem: 700 A Revista Proelium está indexada à LATINDEX. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo electrónico, mecânico ou fotográfico, incluindo fotocópias, xerocópias ou gravação, sem autorização prévia da Academia Militar.

Proelium IV

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REVISTA CIENTÍFICA DA ACADEMIA MILITAR SérieVII, n.º 4 (2013)

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REVISTA CIENTÍFICA DA ACADEMIA MILITARSérie VII, n.º 4 (2013)

Ficha Técnica

Proprietário e Editora: Academia Militar Rua Gomes Freire 1169-203 Lisboa Tel.: 213186907 Fax: 213186911 URL: www.academiamilitar.pt E-mail: [email protected] Local: Lisboa Ano: 2013 Periodicidade: Semestral Depósito Legal: 209905/04 ISSN: 1645-8826 Capa: Sandra Veloso e Pedro Trindade Paginação, Impressão e Acabamentos: Centro de AudiovisuAis do exérCito/seCção de Artes GráfiCAs Tiragem: 700

A Revista Proelium está indexada à LATINDEX.

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo electrónico, mecânico ou fotográfico, incluindo fotocópias, xerocópias ou gravação, sem autorização prévia da Academia Militar.

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Órgãos da PROELIUM

Director: Major-General António José Pacheco Dias Coimbra Editor: Tenente-Coronel (Doutor) José Carlos Dias Rouco Co-Editor: Professora Doutora Maria Manuela Martins Saraiva Sarmento Coelho Conselho Editorial: Major-General António José Pacheco Dias Coimbra, Academia Militar Professor Doutor Salvatore Messina, European University for Tourism (Albânia) Professor Doutor Carlos Alberto Silva Melo Santos, Universidade dos Açores Professor Doutor Neven Duic, Universidade de Zagreb (Croácia) Professor Doutor Pedro Telhado Pereira, Universidade da Madeira Professor Doutor Henrique Manuel Dinis Santos, Universidade do Minho Professor Doutor João Joanaz de Melo, Universidade Nova de Lisboa Professora Doutora Maria Manuela M. S. Sarmento Coelho, Academia Militar Professor Doutor Vítor Manuel S. da Silva Ferreira, Universidade Técnica de Lisboa Tenente-Coronel (Doutor) Carlos Manuel Mendes Dias, Academia Militar Tenente-Coronel (Doutor) José Carlos Dias Rouco, Academia Militar Tenente-Coronel (Doutor) António Palma Esteves Rosinha, Academia Militar Major (Doutor) Pedro Luís R. R. Ferreira da Silva, Academia Militar Major (Doutor) David Pascoal Rosado, Academia Militar

Conselho Consultivo Nacional: Major-General José António Henriques Dinis Professor Doutor Diamantino Freitas Gomes Durão, Universidade Lusíada Coronel Tirocinado (Doutor) Jorge Filipe Corte-Real Andrade, Academia Militar Coronel Tirocinado (Doutor) João Vieira Borges, Academia Militar Professora Doutora Ana Bela Ribeiro da Costa Santos Bravo, Academia Militar Professor Doutor António José Barreiros Telo, Academia Militar Professor Doutor Mário Lino Barata Raposo, Universidade da Beira Interior Professor Doutor António Fernando Boleto Rosado, Universidade Técnica de Lisboa Professor Doutor Carlos José Bernardo da Silva Barracho, Universidade Lusíada Professor Doutor João Torres de Quinhones Levy, Universidade Técnica de Lisboa Professora Doutora Lúcia Maria Portela Lima Rodrigues, Universidade do Minho Professor Doutor João Paulo de Freitas Sousa, Academia Militar Professora Doutora Ana Maria Carapelho Romão, Academia Militar Professora Doutora Paula Manuela dos Santos L. R. Figueiredo, Academia Militar Professor Doutor António Joaquim dos Santos Serralheiro, Academia Militar Professor Doutor Fernando José Gautier Luso Soares, Academia Militar Professor Doutor César Rodrigo Fernández, Academia Militar Professor Doutor Jorge da Silva Macaísta Malheiros, Universidade de Lisboa Professora Doutora Maria da Saudade Baltazar, Universidade de Évora Professora Doutora Sandra Maria Rodrigues Balão, Universidade Técnica de Lisboa Professor Doutor Thomas Peter Gasche, Academia Militar Coronel (Doutor) João Pedro da Cruz Fernandes Thomaz, Academia Militar Tenente-Coronel (Doutor) Francisco Miguel Proença Garcia, Academia Militar Tenente-Coronel (Doutor) Paulo Fernando Viegas Nunes, Academia Militar Professora Doutora Maria Francisca Saraiva, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Tenente-Coronel (Mestre) Jorge Manuel Dias Sequeira, Academia Militar Tenente-Coronel (Mestre) Pedro Marcelino Marquês de Sousa, Academia Militar Major GNR (Mestre) Nuno Miguel Parreira da Silva Capitão GNR (Mestre) Reinaldo Saraiva Hermenegildo Dra. (Mestre) Sofia de Freitas e Menezes, Academia Militar Dra. (Mestre) Teresa Almeida, Academia Militar Conselho Consultivo Internacional: Professora Doutora María Jesús Hernández Ortiz, Universidade de Jaén (Espanha) Professor Doutor Sven Biscop, Egmont Institute (Bélgica) Professor Doutor Gary N. McLean, Texas University (EUA) Professor Doutor Hermano Perrelli de Moura, Universidade Federal de Pernambuco (Brasil) Professor Doutor Michael F. Cassidy, Marymount Unversity (EUA) Professora Doutora Patrícia M. Salgado, Universidade Autónoma do Estado do México (México)

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Editorial

EDITORIAL ............................................................................................................................................... 5Major-General António José Pacheco Dias Coimbra

FORMAÇÃO SUPERIOR MILITAR: DENOMINADORES COMUNS DA ESCOLA DO EXÉRCITOAOS NOSSOS DIAS ...................................................................................................................................................... 7General António Barrento

A LIDERANÇA E A COMPONENTE MORAL NO EXÉRCITO PORTUGUÊS ................................................ 19Carlos Rouco, Paulo Quinta e Roberto Mariano

UMA FORÇA EXPEDICIONÁRIA PORTUGUESA NA CAMPANHA DA ETIÓPIA DE 1541-1543............. 43Hugo Pereira, Nuno Lemos Pires e Gonçalo Feio

O BATALHÃO DE INFANTARIA DO BATTLEGROUP DA UNIÃO EUROPEIA ........................................... 75João Magalhães e João Ribeiro

GESTÃO DO RISCO DAS FORÇAS NACIONAIS DESTACADAS DE ESCALÃO BATALHÂONO TEATRO DE OPERAÇÕES DO KOSOVO ........................................................................................................ 103Sérgio Encarnação

O GÉNERO E O EXERCÍCIO DE COMANDO E LIDERANÇA NO EXÉRCITO ........................................... 129Cristina Borralho e Carlos Rouco

O CURSO DE PRECURSORES AEROTERRESTRES: FACTORES MOTIVACIONAISPARA O VOLUNTARIADO ......................................................................................................................................... 161Francisco Silva e Carlos Rouco

DA GESTÃO DO CONHECIMENTO À GESTÃO DA SEGURANÇA E DA PROTECÇÃO CIVIL:INFORMAÇÃO, CONHECIMENTO E COOPERAÇÃO INSTITUCIONAL ....................................................... 191David Rosado

DA ESTRATÉGIA ........................................................................................................................................................... 227Ana Soares

RISCOS DOS PROCESSOS DE ELECTRODEPOSIÇÃO (PARTE I) ................................................................... 249João Sousa e José Rossa

TÉCNICAS VOLTAMÉTRICAS ACOPLADAS COM MICROELÉCTRODOS NA MONITORIZAÇÃODE FÁRMACOS ............................................................................................................................................................ 273João Sousa e Cristina Cordas

O PLANEAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS NO ACTUAL CONTEXTO DE INCERTEZA:OBJECTIVOS E METODOLOGIAS ........................................................................................................................... 283António Gil

APLICAÇÃO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS E ESTATÍSTICOS À ANÁLISE DO MOVIMENTO HUMANO EM CONTEXTO CLÍNICO ...................................................................................................................... 299Catarina Godinho, Filipe Melo e Orlando Fernandes

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA PROELIUM ................................................................. 313Carlos Rouco

TODOS OS TEXTOS SÃO DA RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DOS RESPECTIVOS AUTORES

sumário

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Editorial

António José Pacheco Dias Coimbra (*)

Major-General

A história mostra-nos que os valores representam um dos pilares funda-mentais para a sobrevivência em sociedade, sobretudo na harmonização entre o caos e a ordem dos comportamentos considerados apropriados e inapropriados para atingir níveis de satisfação individual e colectiva. Os valores corporizam-se num determinado código ideológico de conduta que permite articular respostas a problemas, emergindo como padrão do comportamento, vinculando os indiví-duos a papéis e funções, em que o preceito ético e a moral criam um espaço comum entre as diferentes realidades de cada grupo ou sociedade.

Todas as organizações criam o seu sistema de valores, a sua própria cultura, sendo esta determinante para a definição de um padrão de desempenho e de satisfação individual e organizacional, configurando-se também como crucial a existência de uma liderança eficaz, capaz de sintonizar o alinhamento dos recursos humanos com as necessidades e a adequação da acção aos ambientes e circunstâncias.

Na instituição militar, o poder de combate tem como componente fundamen-tal a moral. A componente moral edifica-se tendo como base os valores éticos, geradores de comportamentos militares apropriados e agentes potenciadores da motivação e da coesão. Ainda, no contexto militar, a ética funciona como uma percepção inequívoca para os seus membros sobre os comportamentos que são (in)apropriados. Se estes aspectos não forem tidos em conta pelos comandantes, será negada a força moral às operações. Em operações, entre o instinto de so-brevivência biológico e a necessidade de fazer o que é “legal, justo, correcto e honesto”, os soldados podem facilmente violar as normas, a menos que sejam

(*) 2.º Comandante e Director de Ensino da Academia Militar.

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ProElium – rEvista CiEntífiCa da aCadEmia militar

individual e colectivamente treinados para tomar decisões a partir dos critérios éticos determinados – o ethos militar – mesmo quando os valores de primeira ordem são colocados em causa, como por exemplo o direito à vida.

A importância deste vector desde sempre foi reconhecida como crucial na formação militar, com vista a desenvolver nos soldados das escolas militares os atributos e qualidades indispensáveis a quem se destina às funções de comando, direcção e chefia. Assim, não se trata apenas do desenvolvimento de habilida-des, mas essencialmente de promover a capacidade para reflectir e reconhecer as diferentes realidades, e ser capaz de alinhar os seus recursos humanos para o cumprimento da missão através de uma educação ética.

Neste quadro, pretende-se que cada soldado que sai das escolas militares seja um cidadão com elevados padrões morais, conhecedor da realidade do país, da história e da sua cultura, bem como dos problemas e desafios emergentes num mundo globalizado. A este soldado cabe, em todos os momentos, ser capaz de reflectir e agir, com discernimento, coragem, audácia e reserva, sendo leal aos valores e ao ideal da sociedade que representa.

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General António Barrento

ABSTRACT

The aim of this article has been to identify ideas and procedures that have been followed for 175 years from the creation of the Army School in 1837 to the current Military Academy.Several aspects have been identified, amongst which the following main ones: the absolute need for this School, the exchange of knowledge with other schools, the military behaviour education which officials are required to acquire and the effort to carry out the difficult task of command.The continuity of these ideas and of these procedures certainly has to do with the specificity of the military function and of the education of those that are to be responsible for the army in its different levels of hierarchy.

Keywords: Higher education; Portuguese military academy; behaviour education.

RESUMO

Neste artigo procurou-se identificar as ideias e os procedimentos que ao longo dos 175 anos que vão desde a criação da Escola do Exército em 1837 até à actual Academia Militar têm vindo a ser seguidos.Destes foram identificados como principais a imprescindibilidade desta Esco-la, a troca de saberes com outras escolas, a formação comportamental militar que é necessário que os oficiais adquiram e o esforço para a difícil função de exercício do comando.

formação suPErior militar: dEnominadorEs Comuns da EsCola do ExérCito aos nossos dias

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A continuidade destas ideias e destes procedimentos tem certamente a ver com a especificidade da função militar e da formação daqueles que vão ser respon-sáveis pelo exército, nos vários níveis da hierarquia.

Palavras-Chave: Ensino Superior; Academia Militar; formação comportamental.

1. INTRODUÇÃO

Passaram 175 anos desde que Bernardo de Sá Nogueira, então Ministro da Guerra, criou a Academia Politécnica de Lisboa e a Escola do Exército, pro-longando a vocação e actualizando o ensino ministrado na Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho, fundada em 1790, ensino com um cientis-mo que se esboçara nas Academias Militares, criado em 1963, pelo Conde de Lippe, nos Regimentos de Artilharia do Reino e que já começara a despontar após a Restauração.São 175 anos da nossa história, em que sucederam alterações muito signifi-cativas na comunidade internacional, na evolução científica e tecnológica, no espaço da nossa soberania, nos regimes políticos e na sociedade portuguesa. Estas alterações repercutiram-se no poder, nas formas de fazer a guerra, nas forças armadas e na formação dos quadros do exército.A formação militar foi durante séculos, predominantemente, um saber de ex-periência feito. Já o nosso poeta, que encorajou o jovem D. Sebastião para a política que o conduziu a Alcácer-Quibir, lhe dizia: “A disciplina militar prestante, / não se aprende senhor na fantasia, / sonhando, imaginando ou estudando, / mas vendo, tratando e pelejando”. Mas, por outro lado, também nos advertia que “não houve forte capitão, que não fosse também douto e ciente”. E é curiosa a evocação desta dualidade, porque o fundador da Escola do Exército é um exemplo notável de simbiose do “saber de experiência feito” com o ser “douto e ciente”.Sá da Bandeira, combatente da guerra peninsular, na qual foi ferido várias vezes, vai depois aprofundar a sua formação na Academia Real da Marinha; na Academia Real de Fortificações, Artilharia e Desenho; na Universidade de Coimbra; e em Paris e em Londres. Este percurso da sua formação mostra que ele não considerava suficiente a aprendizagem que obtivera pela experiência, tendo sentido a necessidade de alargar e aprofundar os seus conhecimentos. Mas diz-nos, também, que a preparação dos jovens para os quadros superiores do exército deve seguir o caminho inverso daquela formação, em que a prática e a experiência sejam complementares da formação académica inicial.

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Interessante, também, é notar-se que a Escola do Exército ocupou parte do edifício que fora o Colégio dos Nobres e que já havia sido um Colégio da Companhia de Jesus. Estes antecedentes simbolizam a reunião do saber que os jesuítas detiveram, com o facto de os nobres, anteriormente, terem ocupado os lugares de relevo na hierarquia militar. Mas em 1851 a Escola do Exército “é bem posta” no Paço da Bemposta, onde hoje é ainda, a sede da Academia Militar.

2. DENOMINADORES COMUNS

Ao longo destes 175 anos sucederam centenas de alterações no ensino dos quadros do exército, mas verifica-se hoje, ainda, a continuidade de muitas preocupações, ideias e orientações, das quais lembraremos quatro constantes, que nos parecem mais significativas:• A consciência da imprescindibilidade desta escola ou academia;• Em ligação com a universidade, a possibilidade e vantagem de se obter certos

“saberes” no exterior e também a de “exportar” alguns dos seus próprios saberes.

• A necessidade de uma formação comportamental militar e do desenvolvimento de uma preparação prática.

• O esforço na preparação para o exercício do comando.

2.1 A ConsCiênCiA dA impresCindibilidAde destA esColA ou ACAdemiA.

Formar oficiais do exército impõe fazer com que os jovens, que deste modo pretendam servir nas forças armadas, sejam pessoas fisicamente aptas, moral e civicamente bem formadas, patriotas e militares. Fisicamente aptas para que possam suportar os esforços físicos que lhe vão ser exigidos; moral e civicamente bem formadas porque ser oficial exige a posse e demonstração de uma ética e das virtudes que são necessárias para as responsabilidades que irão assumir e para o exemplo que terão de dar; patriotas, porque o “nós”, Pátria, é muito maior do que os “eus”, os quais terão que se apagar face àquela grandeza, e porque, servindo a Pátria, passado e presente, o patriota quer que ela seja futuro; militares, porque esta é uma forma de estar e de servir, com total espírito de missão, disciplina e em doação total.Por estas razões houve a consciência, que tem permanecido ao longo dos anos, da necessidade de uma escola militar que formasse, antes do inicio da carreira, os quadros superiores do exército – foi-o então a Escola do Exército e é, hoje, a Academia Militar.

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Já Sá da Bandeira sentiu essa necessidade quando em 11 de Janeiro de 1837 criou a Escola Politécnica “para habilitar os alunos com os conhecimentos ne-cessários para seguir os cursos da Escola do Exército e da Marinha, e instruir para outras profissões científicas”. No dia seguinte, na criação da Escola do Exército, diz que ela é “para instruir Oficiais do Exército de um modo com-pleto”, por forma a “adquirirem conhecimentos para se desenvolverem depois na prática das suas honrosas fadigas…”. Tornava-se pois, claro, na primeira metade do século XIX e após Portugal ter sofrido as invasões, ter combatido na Guerra Peninsular e vivido a Guerra Civil, que seria necessário, aos quadros superiores do exército, uma formação de nível universitário, vasta, atualizada, e especializada nos assuntos militares. Mas não era só o passado recente que aconselhava esta orientação, era principalmente a razão pela qual os exércitos existem, que é a de terem capacidade para, em proveito do Estado, realizarem o combate – obrigação difícil e singular. Competindo ao exército realizar o combate terrestre, no qual o homem é o elemento fundamental e as armas os instrumentos que lhe acrescentam capacidade para lutar, tornava-se evidente que os seus quadros superiores necessitavam de uma formação que nenhuma outra escola lhes poderia fornecer.Se no século XX Sá da Bandeira o entendeu, outro tanto sucedeu em 1911, com o aparecimento da Escola de Guerra e em 1959 com a Academia Militar. Durante todos estes anos e até em tempos bem recentes, outros têm continuado a bater-se contra aqueles que, não entendendo a especificidade da Instituição Militar e com o propósito de uma hipotética melhoria, lembram soluções que a descaracterizaria.A continuidade da Escola deve-se não apenas a permanecerem válidas às ra-zões da sua criação (escola de alto nível, independente, especializada, única), mas também porque o “produto” que apresentam é de elevada qualidade. Com efeito, essa qualidade tem sido verificada ao longo dos anos e é hoje reco-nhecida pelos nossos aliados que, pública e repetidamente, sublinham o seu elevado valor, tanto nos órgãos de comando como nas unidades operacionais das forças combinadas em que há já vários anos temos vindo a participar. Note-se que para a obtenção destas merecidas apreciações não precisámos de Bolonha, porque, no essencial praticámos grande parte do espírito de Bolonha “avant la lettre”: selecção e escolha de professores; cursos especializados das armas e serviços não muito extensos; período teórico alongado em períodos de aplicação, de que o mais evidente é o tirocínio; formação contínua ao longo da carreira, para habilitar os oficiais a exercer cargos mais exigentes ou mais elevados na hierarquia.

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A aplicação de Bolonha à nossa Academia Militar, sendo uma procura de uni-formidade nas universidades, é demonstrativa de uma muita generalizada falta de compreensão da especificidade da carreira das armas. Poder-se-á dizer que é uma questão de equiparação e prestígio. Mas equiparação com quê?, se não há nada para comparar; e o prestígio dos oficiais não lhe advém um ensino “bolonhado”, com multiplicação de universidades e inflação de doutores, mas da sua conduta nas missões que desempenham. E esta tem sido excelente, mesmo sem Bolonha. Além disso, a uniformização e diluição das nacionalidades, que Bolonha procura, não é compaginável com um exército, dito europeu, porque ele é constituído por “dádivas” de exércitos nacionais.O corolário da imprescindibilidade desta escola militar é bem visível na preo-cupação com que, ao longo dos anos, se adequou a vida escolar à realidade do País e das forças armadas; se atendeu à evolução científica e tecnológica; se acompanhou o mundo, a política internacional, o aprofundamento das ciências humanas, a conflitologia e a guerra; e, também, como se foram alterando as condições de admissão e a duração cursos. Veja-se a preocupação expressa no relatório que acompanha o decreto orgânico de 25 de Maio de 1911, quando diz: “tem esta Escola primado em acompanhar os progressos das sciencias… e em se constituir no mais aperfeiçoado instrumento de instrução superior e educação militar”…”impunha-se, portanto, dentro d’esta Escola, o desenvolvimento do ensino no que respeita às sciencias militares, mas também às sociais que não só ampliam os horizontes do saber, mas tornam o Oficial mais apto a ser um verdadeiro educador…”. E também nessa reorganização se desenvolveram os estudos sobre as colónias e a táctica colonial e o estudo comparado dos regu-lamentos tácticos de exércitos estrangeiros. Nesta preocupação em modernizar, inscrevem-se ainda, as missões de estudo ao estrangeiro, por lentes da Escola, com o fim de ver, investigar, colher ensinamentos.Porque cada vez se torna mais necessário conhecer o mundo em que se actua e o homem que se comanda ou que se nos opõe, há actualmente um equilíbrio entre as ciências sociais e as ciências exactas; desenvolvem-se os estudos de relações internacionais e de estratégia; aprofunda-se a história como único “laboratório” possível da guerra e naquilo em que ela nos dá a conhecer melhor o nosso País; trata-se a sociologia, a gestão da comunicação, sistemas computacionais, etc…

2.2 em ligAção Com A universidAde, A possibilidAde e vAntAgem de se obter Certos “sAberes” no exterior e, tAmbém, A de exportAr os seus próprios “sAberes”.

A possibilidade de se importarem “saberes” começou logo em 1837, com os estudos que eram feitos na Escola Politécnica antes da frequência dos cursos

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na Escola do Exército, preparatórios esses que depois passaram a poder ser obtidos em Coimbra e, a partir de 1852, na Escola Politécnica do Porto. Com a criação da Escola de Guerra em 1911, manteve-se esta orientação, que se prolongou depois de 1919, na Escola Militar.A continuação desta política justifica-se por poderem ser adquiridos em outras universidades certos saberes que são necessários a carreiras civis, conseguindo-se desta forma um bom nível de conhecimento e economia. Isto sucede ainda hoje, com cadeiras necessárias à formação dos oficiais de engenharia e transmissões e, recentemente, com a formação dos oficiais do serviço de saúde.A “exportação” dos seus “saberes” também aconteceu logo no início, em 1837, quando a Escola dava os cursos de engenharia civil (4 anos), de engenharia de construção naval (3 anos) e quando ministrava a “alunos livres” cadeiras para outros cursos e que não podiam ser adquiridas noutras escolas. Esta situação prolongou-se ao longo da monarquia e só depois de 1910, com a criação de IST, o curso de engenharia civil deixou de ser dada no exército.Nos nossos dias a Academia Militar prolonga essa política, fruto do desen-volvimento dos seus próprios “saberes”, ministrando cursos de liderança e formando mestres em história militar, com a colaboração de uma universidade, e em “competitive intelligence”.Deve também lembrar-se, aqui, a capacidade que a Escola/Academia tem tido para ministrar parte da sua formação a outros cursos militares, tendo, até, depois de convenientemente reforçada, assumido a formação de oficiais de outros ramos das forças armadas e, mais recentemente, a dos oficiais desse corpo especial de tropas que é a Guarda Nacional Republicana.

2.3 neCessidAde de umA FormAção ComportAmentAl militAr e de umA prepArAção prátiCA ComplementAr dA FormAção teóriCA.

A necessidade de uma formação comportamental militar e de uma preparação prática complementar da formação teórica, são um denominador comum, da Escola do Exército à Academia Militar, ainda que tenham assumido, ao longo destes 175 anos, diferentes formas de se manifestar.De início elas eram em grande parte adquiridas nos corpos militares em que os alunos assentavam praça; no contacto com os instrutores que, por desempenharem essas importantes funções, não perdiam a qualidade de militares e educadores; e, também, em certas instruções práticas como a equitação e a esgrima. Esta formação estendia-se para lá do tempo imediato à realização dos cursos, porque eram exigidos dois anos de bons serviços nos corpos das armas, aos finalistas

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de engenharia e artilharia, para que fossem promovidos a tenentes, e aos de cavalaria e infantaria para a promoção a alferes.Em 1851 pode observar-se a importância desta formação lendo as condições de preferência para a promoção a alferes: um terço das vagas era atribuído aos candidatos da Escola do Exército e com o curso preparatório do Real Colégio Militar; outro terço aos provenientes da Escola do Exército; e o restante das vagas aos oficiais inferiores a quem tivessem sido reconhecidos bons serviços.Na reorganização de 1863, que determina uma importante melhoria na formação dos alunos, era condição de admissão à Escola do Exército ter assentado praça em qualquer corpo e, para a cavalaria, infantaria e administração militar, ter um ano de serviço efectivo nas fileiras, tendo prioridade na matrícula os vindos do Colégio Militar, onde, desde 1803, se recebia uma formação comportamen-tal militar. Quanto à preparação prática, além daquela que sucedia em várias cadeiras como forma de objectivar o ensino, no final do ano lectivo teórico, durante dois meses realizavam-se exercícios militares.Apesar destas acções preconizava-se, como meio auxiliar da formação dos alunos, que fosse estabelecido o internato, mas por falta de instalações tal só veio a ser possível a partir de 1894. As vantagens do internato são óbvias: a vivência comum e a disciplina diária praticada; a facilitação da educação militar, consciência cívica, valorização das virtudes que os quadros devem possuir; um maior contacto com os valores institucionais; uma maior disponibilidade para o estudo, encontro de ideias e prática da camaradagem como elo de coesão; o aumento do espírito de corpo que é um elemento de valor das forças morais, logo, do potencial de combate. Mas, mesmo com estas vantagens, na reorga-nização de 1894 tinham prioridade na admissão os candidatos com melhores informações dos comandantes dos corpos em que tivessem servido.Com a reorganização de 1911 estabeleceram-se as conferências sobre edu-cação militar, a prática de tiro, ginástica, equitação e esgrima; os exercícios tácticos das diferentes armas e, como diz o decreto, procurava-se “aperfeiçoar o carácter”. A duração dos cursos foi aumentando “com o fim de melhor se poder atender à educação militar dos alunos e desenvolver a sua instrução” e “o ensino será ministrado tendo em vista … uma severa educação militar que fortaleça as qualidades físicas e carácter dos alunos…”, sendo um dia por semana “exclusivamente destinado a trabalhos de aplicação das cadeiras ou exercícios militares…”. No final dos cursos os alunos eram promovidos a alferes, servindo no primeiro ano desse posto na Escola de Aplicação da sua arma ou serviço.No decreto de 1940 diz-se que “acima da preparação técnica e de cultura geral importa criar e desenvolver nos oficiais um forte espírito militar” e que “na

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Escola do Exército deve estar o exemplo de fervor de patriótico, de amor ao trabalho, do espírito de colaboração e de gosto e bem servir…”, tendo passado a haver aulas teóricas sobre educação moral e ética e um desenvolvimento maior da educação física nas suas várias vertentes. Terminados os anos na Escola do Exército, os cadetes com aproveitamento eram promovidos a aspirantes a oficial e iam fazer o tirocínio nas Escolas Práticas, onde teriam que ter aproveitamento e boas informações para serem aprovados nos respectivos cursos.Em 1959, o decreto que cria a Academia Militar refere, também, a exigência de “…uma formação militar muito cuidada, visando em particular o sentido do dever, da honra, da lealdade, o hábito da ordem e disciplina e as qualidades de comando”. Nasceu, então, como cadeira, a deontologia militar e desenvolveu-se a instrução militar geral, a ser ministrada no corpo de alunos. O tirocínio nas Escolas Práticas continuou a ser condição para o aproveitamento nos cursos e destinava-se, principalmente, “a ministrar uma instrução para o desempenho das funções de subalterno e para realização das manobras ou exercícios”. Ao longo dos 58 anos da Academia Militar foram feitas alterações significativas na duração dos cursos, nas matérias, nos tirocínios, mas mantiveram-se e desenvolveram-se, no âmbito da constante que temos vindo a tratar, a ética, a formação geral militar e a educação física.

2.4 esForço nA prepArAção pArA o exerCíCio do ComAndo

Por fim, por ser o mais importante contributo para o produto final e por receber participações das anteriores constantes, temos o esforço na preparação para o exercício do comando.A Instituição Militar existe porque ela é símbolo e actor da soberania do Estado. Símbolo porque sem ela não existe Estado Soberano; actor, porque o seu em-prego é a manifestação da vontade do Estado, expressa pelo poder político, em garantir um dos seus objectivos essenciais – o da segurança e defesa. Mas as forcas armadas, sendo a única organização que para a obtenção deste objectivo usa, como “ultima ratio”, a violência organizada, tem que possuir uma hierar-quia adequada à sua dimensão, aos fins a alcançar e uma eficiente estrutura de comando. Esta condição estrutural requer, como elemento imprescindível para o seu funcionamento e eficácia, um correcto exercício do comando aos vários níveis. O exercício do comando surge, assim, como um pilar fundamental da Instituição Militar, o que exige dos seus quadros superiores uma formação singular que abrange o saber alargado, o saber militar, a aptidão física, a cons-ciência cívica, a força moral, a disciplina, as virtudes militares, de que faz parte

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a redução de direitos e aumento de deveres relativamente aos outros cidadãos. Isto, porque os quadros terão que ser, essencialmente, comandantes e chefes de unidades e órgãos aptos a desempenharem as suas funções na preparação das forças e no seu emprego na paz, na crise ou na guerra.Lembremos, então, a definição de comando do R.O., dada a sua intemporalidade: “comando é a autoridade conferida a um indivíduo, para dirigir, coordenar e controlar forças militares”. O comando é pois para o exercício sobre forças militares, que são o produto final de que a Instituição Militar dispõe para cum-prir as missões que lhe são confiadas; para que elas as cumpram necessitam de direcção, coordenação e controlo, que sendo funções da administração em qualquer organização, aqui, pela essencialidade das missões e pelos sacrifícios que podem ser exigidos terão que ser particularmente cuidadas; a autoridade é conferida a um indivíduo, mercê das qualidades que lhe são reconhecidas para o exercício desse comando, e pelo qual passa a ser responsabilizado.Mas voltando ao início da definição, “comando é autoridade”, é muito importante que ela diga de forma tão clara – comando é autoridade e não qualquer outra coisa. É que isto significa a sua capacidade para impor; mostra a sua afinidade com o pder, que é capacidade para ser obedecido; diz-nos que existindo uma crise de autoridade, que verificamos em diferentes actividades e a vários níveis, esta crise não pode chegar às forças armadas, porque isso anularia o exercício de comando; e diz-nos, também, porque o ascendente para comandar não se sustenta hoje no sangue ou classe social, como sucedeu noutros tempos, que ele terá que resultar da competência que se nota no “ser”, no “saber” e no “saber ser”.A autoridade que devem ter os oficiais do exército de forma a exercerem a sua primeira e mais exigente função – comandar – decorre do “ser” desse indivíduo, das suas qualidades pessoais, e do “saber”, dos conhecimentos que o habilitam a desempenhar corretamente essa função. Como vimos anteriormente, da Es-cola do Exército à Academia Militar, de 1837 aos nossos dias, houve sempre a procura de aperfeiçoar o “ser”, como referência de rigor inerente à função militar, e com a orientação do “saber” para as matérias militares fundamentais e para as do mundo envolvente, que o oficial terá também de conhecer. As várias reorganizações que sucederam nestes 175 anos falam-nos disso, desse caminhar, dessa evolução, dos sucessivos aperfeiçoamentos. Logo em 1837 Sá da Bandeira diz que é para dar aos oficiais os conhecimentos necessários para as suas “honrosas tarefas”, para que “… possam corresponder aos deveres de cada posto…”. Sendo o esforço então feito nas matérias es-sencialmente militares, não eram descuradas outras áreas do saber, de que os preparatórios na Escola Politécnica eram exemplo.

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Em 1863 é significativo o aumento de conhecimentos a adquirir e em 1894 sentiu-se a necessidade de elevar o nível científico dos candidatos a oficial, e porque “a instrução de todas as classes sociais se desenvolve, as aplicações científicas do domínio militar se alarga … se vai aperfeiçoando a instrução operacional das tropas… não pode deixar de exigir-se que os que têm que comandá-las, conservem sempre uma grande superioridade sobre elas…”.O decreto de 1911 diz que a Escola de Guerra é para “instruir, educar e pre-parar oficiais, entre os quais sairão os que tem que ser incumbidos dos altos comandos…”. A preocupação com a formação do “ser” e o alargamento do “saber” surgem também no decreto de 1959, que cria a Academia Militar, e se vai aperfeiçoando ao longo dos anos, até aos nossos dias.Deve notar-se, também, que a capacidade ideal para comandar excede a capa-cidade formal, porque há uma componente não cientifica do comando, já que comandar é também uma “arte”. Por esta razão há algo que potencia a auto-ridade formal que pode fazer com que os subordinados não apenas obedeçam mas adiram em pleno às decisões e posições de quem os comanda. Esta “arte”, sendo em parte genética, pode também ser aperfeiçoada pela reflexão, e pelo estudo. Não é pois de estranhar que em 1959 surja a cadeira de “psicologia, pedagogia e arte de comandar” e que, mais recentemente, se tenham desenvol-vido e ministrado “ética e liderança”. Foi este aspecto que eu acima nomeie por “saber ser”, e tudo isto porque comandar, como dissemos, é a primeira e mais exigente função a ser exercida pelos oficiais do exército.

3. CONCLUSÕES

Termino com umas breves conclusões:• Formar oficiais é uma missão difícil especializada e aliciante, porque se

estão a preparar aqueles que vão ser responsáveis, ao longo do tempo e a diversos níveis, por uma Instituição que tem uma tarefa singular – estar apta a realizar o combate – e que é fundamental para a sobrevivência da Nação.

• Pela essencialidade das Forças Armadas e porque estamos vivendo numa época em que abunda a “incerteza”, há que ter a certeza que os oficiais do exército aqui formados serão um “exemplo de dedicação e competência”.

• Porque é evidente a existência, a nível nacional e internacional, de uma crise de autoridade, o primeiro objectivo da Academia é apetrechar os candidatos a oficial com a autoridade de que vão necessitar para sua função mais exi-gente – comandar.

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• Para que a Academia Militar continue a cumprir com sucesso a sua missão, deve, em permanência, fazer criteriosos e sucessivos aperfeiçoamentos, mas não rupturas, que só se justificariam se o produto não fosse bom, o que não é o caso.

• A evolução da formação e ensino nesta Escola tem que acompanhar o tempo, para ser actual, mas salvaguardar os valores da Instituição Militar, sem os quais o “braço armado” da Nação passará a ser, apenas, caro e inútil.

• Ao pensarmos em melhorias para a nossa Academia Militar deve considerar-se, como ponto de reflexão, aquilo que ao longo dos últimos 175 anos têm sido as constantes, porque a sua continuidade não resulta de inércia, mas da sua importância para a formação de um oficial.

• “A formação dos nossos oficiais,Não se faz senhores na fantasia,Mas estudando, melhorando e conservando,Princípios e valores essenciais…”

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Carlos Rouco ab1, Paulo Quinta ab2, Roberto Mariano ab2

a Departamento de Ciências e Tecnologia Militar, Academia Militar, Rua Gomes Freire, 1169-244, Lisboa, Portugal.b Membro do Centro de Investigação, Desenvolvimento & Inovação da Academia Militar e Exército.

ABSTRACT

Values are the essence of men’s survival in the society. Without values, the ethical precept does not exist and moral makes no sense. In practice, values are constituted as an ideology that permits to articulate and to emphasize fast, cognitive and privileged answers to organizational problems, which emerge as patterns for judgment and justification of the organizational behaviour, where individuals are linked to the roles and functions that they have been receiving and where the leader has an essential role in the alignment of all Human Re-sources. This study gives a valuable assessment within the military institution on how these values are consciously developed. These values are structured by the mission and the specific objectives that have been enhanced by its members throughout its history, based on the needs and efforts developed to maintain the interests and main goals of the nation, although the globalisation of society has been enhancing an urgent need to promote a transnational ethics in the conduct of the organisations and particularly at the military level. However, this reality has been causing the need for a particular affirmation of the or-ganizational values by mean of agents with global solutions, yet infirmed and structured on perennial and transversal values, which may not be crystallized but must be updated. The theoretical approach enabled to carry out an inventory of main values. In the field, it was asked to a sample of 68 Subaltern Officers of the Portuguese Army to grant priorities to these values, according to level of importance. The

a lidErança E a ComPonEntE moral no ExérCito Português

1 Contacto: Email – [email protected] (Carlos Rouco), Tel. - +351 21 498 56 602 Contacto: Email – [email protected] (Paulo Quinta); [email protected] (Roberto Martins).

Recebido em 3 de Setembro de 2012 / Aceite em 8 de Outubro de 2012

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data obtained evidence the existence of a stable set of values, knowledge, cou-rage, loyalty, integrity, sense of duty, honour, respect, discipline and patriotism.

Key-words: Leadership; Organizational Culture; Military values; Example and Alignment.

RESUMO

Os valores são a essência da sobrevivência em sociedade, sem eles não existe o preceito ético e a moral não faz sentido. Os valores na prática constituem-se como uma ideologia, que permite articular e enfatizar respostas cognitivas pron-tas e privilegiadas a problemas organizacionais, emergindo estes como padrões para o julgamento e a justificação do próprio comportamento organizacional, vinculando os indivíduos aos papéis e funções que lhe foram sendo atribuídos ao longo do tempo, em que o líder desempenha um papel fundamental no alinhamento de todos os recursos humanos.Neste construto, este estudo afere como se ordena de forma valorativa o de-senvolvimento consciente dos seus valores na instituição militar. Valores são edificados, pela missão e objectivos específicos que têm sido enaltecidos pelos seus membros ao longo da sua história, com base nos esforços dispendidos para salvaguardar os seus interesses e os objectivos vitais da nação.Embora a globalização da sociedade tenha vindo a acentuar uma necessidade premente de corporizar uma ética transnacional, na conduta das organizações e em particular ao nível militar. Esta realidade contudo, tem vindo a incutir a necessidade de uma afirmação particular dos valores organizacionais através de agentes portadores de soluções globais, mas infirmadas e edificadas na sua génese de valores perenes e transversais aos tempos, que não se podem cris-talizar, mas antes se devem actualizar. A abordagem teórica permitiu-nos realizar um inventário de valores centrais castrenses e que no terreno foi solicitado a uma amostra de 68 Oficiais Subal-ternos do Exército Português para os hierarquizar pelo grau de importância. Os dados obtidos remetem-nos para a existência de um corpo estável de valores, a saber, a coragem, a lealdade, a integridade, o sentido do dever, a honra, o respeito, a disciplina e o patriotismo.

Palavras-Chave: Liderança; Cultura Organizacional; Valores militares; Exemplo e Alinhamento.

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1. INTRODUÇÃO

Todas as organizações têm a sua própria cultura, em que esta representa um dos pilares estratégicos e que define os padrões de trabalho, através das cren-ças, tradições, usos, rituais, rotinas, normas, valores e tabus próprios. A cultura é determinante no desempenho e satisfação individual e colectivo. A cultura, através de uma liderança eficaz representa o alinhamento organizacional sobre o que é apropriado ou inapropriado fazer e assim contribuir de forma signifi-cativa para o clima organizacional.A fonte da cultura em geral são as exigências universais do ser humano, a sa-ber, as necessidades biológicas, as sociais relativas à regulação das interacções interpessoais e as sócioinstitucionais referentes à sobrevivência e bem-estar dos grupos. Para Schwartz e Bilsky (1990) os indivíduos para percepcionar a realidade, têm que reconhecer essas necessidades e criar respostas apropriadas para a sua satisfação. Essa satisfação, porém, deve acontecer através das normas definidas e aceites pelo grupo. Assim, surgem os valores que são princípios e metas que norteiam o comportamento do indivíduo nas organizações e na sociedade em geral.Uma organização não é apenas constituída por partes físicas, mas também, por estruturas de eventos, de interacções e de actividades (Allport, 1962; Schein, 1965). O ambiente onde as pessoas interagem, o seu equipamento físico e tecnológicos não constituem a sua verdadeira estrutura. Mas esta é constituída pelo seu próprio funcionamento, cujas principais componentes são os papéis, as normas e os valores (Katz & Kahn, 1978).Estes três elementos definem e orientam o funcionamento de cada organiza-ção. Os papéis definem e prescrevem formas de comportamento associadas a determinadas tarefas – com determinados níveis de proficiência, as normas são expectativas transformadas em exigências e os valores “são as justificações e aspirações ideológicas mais generalizadas” (Katz & Kahn, 1978, p. 54). Os papéis diferenciam as funções e os cargos exercidos pelos indivíduos, e as normas e os valores são elementos integradores, no sentido de que eles são compartilhados e aceites por todos.Triandis (1994) refere que a cultura é para a sociedade o que a memória é para o indivíduo. Para Ros, Schwartz e Surkiss (1999), Schwartz (1994) e Schwartz e Ros (1995) os valores são a componente principal da cultura. Ou seja, a predominância dos estudos centra a atenção nos valores individuais, naqueles que os indivíduos através de processos de socialização se apropriaram, tomando e reconstruindo-os como seus. Por valores organizacionais, segundo Tamayo e Borges (2001) designam-se aqueles valores atribuídos a uma organização e

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que podem ser estudados a partir da percepção dos colaboradores. Para de-senvolver a compreensão sistemática dos valores ao nível organizacional, os autores fundamentam-se na estrutura dos valores culturais (Schwartz & Ros, 1995). Assim, a multiplicidade de valores organizacionais estrutura-se em três dimensões bipolares: conservação versus autonomia, hierarquia versus estru-tura e harmonia versus domínio. Cada um destes pólos tem diversos valores, conforme Tabela 1.Cada pólo axiológico, segundo Tamayo e Gondim (1996), pode ser analisado em dois níveis distintos da percepção: real e ideal. O nível real refere-se aos valores existentes na organização segundo a percepção dos colaboradores. Os valores reais guiam a vida organizacional, especialmente no que diz respeito às suas decisões e à estratégia seguida. O nível ideal refere-se aos valores que os mesmos colaboradores crêem que a organização deve ou deveria seguir. A dife-rença entre os resultados obtidos em cada pólo designa-se por descompensação axiológica, em que o líder desempenha um papel fundamental das diferenças.

Fonte: Adaptado de Ros e Schwartz (1995) e Schwartz e Ros (1995).

Tabela 1: Agrupamento dos Valores por Pólos Axiológicos.

As teorias e o comportamento ético têm assumido um papel cada vez mais re-presentativo nos estudos do comportamento organizacional. Associados a estes estudos aparece frequentemente a variável liderança como influenciadora do desempenho e satisfação dos recursos humanos de determinada organização. O líder define os padrões comportamentais que regem a conduta ética no ambiente social e, por extensão, no ambiente profissional. A conduta dos líderes exerce um forte impacto sobre os seguidores e implica partilhar comportamentos que materializam os desempenhos organizacionais, situacionais, grupais e individuais.

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O líder deve estimular os seus seguidores a participarem efectivamente nas decisões, dando-lhes a liberdade e autonomia, mas esperando bom-senso e resultados enquadrados nos padrões e na cultura organizacional. A compreensão da liderança sob a égide da ética processa-se a partir da conju-gação entre a razão e o sentimento, procurando o bem, a justiça e a liberdade de expressão. Mobilizar recursos humanos segundo um determinado rumo estabe-lecido pelo líder apenas se justifica quando o resultado final é a produtividade/ desempenho e satisfação ao nível profissional e o bem-estar ou felicidade ao nível pessoal. Assim, a liderança torna-se ética quando possibilita a melhoria contínua dos seres humanos, a partir de virtudes e valores.Actualmente, a ética é um factor fundamental para a liderança, uma vez que se evidencia, de maneira acentuada, a necessidade dos líderes actuarem segundo os padrões da cultura organizacional e os valores universais quando se estabelecem relações interpessoais com os seguidores e, sobretudo quando as suas organizações representam uma “mais valia” para a comunidade local - responsabilidade social. Uma característica comum aos “grandes” líderes é que eles enfatizam continua-mente os valores e os princípios organizacionais, e têm a capacidade para criarem ambientes organizacionais que promovem a adesão aos valores estabelecidos. Neste sentido, procura-se com este estudo uma abordagem integrativa entre o contexto organizacional e o militar sobre a importância das teorias da lideran-ça na vida das organizações, nomeadamente nos alinhamentos dos seguidores através dos valores. Procurando-se assim obter os seguintes objectivos:

• Identificar os valores centrais dos Exércitos pertencentes à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN);

• Verificar a ordem de importância dos valores do Exército Português percep-cionados pelos Oficiais Subalternos;

• Verificar o papel do líder no alinhamento dos seguidores através dos valores.

Para o presente estudo foram levantadas as seguintes questões:

• Quais os valores centrais para o Exército de acordo com a percepção dos Oficiais Subalternos?

• Qual a ordem de importância dos valores do Exército Português percepcio-nados pelos Oficiais Subalternos?

• Qual o papel do líder no alinhamento dos seguidores através dos valores?

Os resultados deste estudo procuram sensibilizar os comandantes e os esta-belecimentos de ensino militares para a importância do ensino e cultivo dos valores como o garante de desempenhos de excelência.

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2. A ESSÊNCIA DA LIDERANÇA EM CONTEXTO MILITAR

Sendo a liderança uma das componentes fundamentais no exercício de comando, importa apresentar segundo a perspectiva da doutrina militar nacional e internacional a sua essência, num ambiente com características e especificidades muito próprias.Assim e segundo o U.S. Army (2006) a liderança é a capacidade de influenciar as pessoas, delinear finalidades, dirigir e motivar durante as operações para cumprir a missão e melhorar a organização. Segundo o MOD-UK (2005) a liderança militar também se caracteriza na projecção da personalidade e carácter do líder para levar os seguidores a fazer o que é requerido. Para o ND-Canada (2005a) a liderança eficaz é definida como o processo de dirigir, motivar e permitir aos outros a possibilidade de realizar profissional e eticamente a missão, através do desenvolvimento e melhoria das capacidades dos militares, contribuindo desta forma para o sucesso da missão. Neste contexto, os líderes eficazes realizam as tarefas, ocupam os seus seguidores, pensam e actuam sempre em prol da sua equipa, antecipando e adaptando-se à mudança e exemplificando os ethos4 militares em tudo o que fazem (EME-Espanha, 1998; ND-Canada, 2005a).O líder tem a capacidade de influenciar os seguidores, o que irá garantir o funcionamento operacional e a melhoria da organização. Mas a influência não está apenas nas ordens, mas também no poder das palavras, no exemplo e nas acções do líder durante o desempenho de uma função ou mesmo fora dela (ND-Canada, 2005a; Vieira, 2002). Por outro lado, as finalidades dão aos seguidores uma razão para a execução das suas tarefas. Tal não significa que um líder tenha que explicar todas as suas decisões para satisfazer os seus seguidores, contudo é necessário ganhar a sua confiança. O líder deve conhecer as reais capacidades dos seus seguidores e não exigir tarefas que os coloquem numa situação de perigo para além do que é estritamente necessário a fim de cumprir a missão (ND-Canada, 2005a; U.S. Army, 2006; Vieira, 2002).Ao dar uma direcção, o líder comunica a forma como quer que a missão seja realizada. O líder dá prioridade às tarefas, atribui responsabilidade (delegação de autoridade, quando necessário) e certifica-se de que os seus seguidores vão ao encontro dos padrões da organização. Em resumo, o líder planeia a forma como o trabalho deve ser realizado e envolve os seus seguidores, faz a gestão do tempo e a alocação de recursos (ND-Canada, 2005a; U.S. Army, 2006; Vieira, 2002).

4 Conjunto de valores que identificam a organização militar.

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A motivação dá aos seguidores a vontade para cumprir uma missão e promove a iniciativa, imprescindível à tomada das devidas providências. Para motivar os seguidores, os líderes devem confiar-lhes missões desafiantes, dando-lhes um espaço individual, que melhor contribua para a sua realização. O líder também deve con-ferir responsabilidade aos seguidores e elogiá-los nas suas execuções, procurando motivá-los e nunca deve menosprezar a importância das suas acções nos momentos em que são exigidas (ND - Canada, 2005a; U.S. Army, 2006; Vieira, 2002). A liderança deve ser a inspiração para todas as actividades militares, tanto na guerra, como em qualquer outra operação, ou seja, em todos os níveis a responsabilidade da liderança do comandante abrange o quotidiano dos seus soldados. Uma liderança eficaz inspira todos os soldados, transforma equipas, une diferentes contingentes multinacionais e transforma os conceitos em acção (MOD-UK, 2005; ND-Canada, 2005a). Uma liderança eficaz representa um factor crítico para o comando. Esta caracteriza-se por uma projecção da personalidade e um propósito de in-fluenciar os subordinados pelo exemplo nas circunstâncias mais exigentes. O exercício da liderança está relacionado com o indivíduo, a dinâmica de grupo e o contexto em que a missão está inserida. A liderança é uma variável combinada de exemplo, persuasão, compulsão e exigência da situação. A força de carácter, julgamento, iniciativa e pro-fissionalismo ajudam a superar os perigos naturais e humanos. Os líderes, para ganhar o respeito e o compromisso dos seus seguidores, precisam de demonstrar competência profissional, firmeza, uma disciplina justa e coragem moral. Os líderes devem, ainda, gerar a confiança que produz a iniciativa, a aceitação do risco e da responsabilidade. Especialmente, face à adversida-de, os líderes devem partilhar a sua coragem e conter o medo, demonstrar calma e confiança, com uma forte capacidade para comunicar claramente e materializar as intenções. Estes factores são vitais para o sucesso das ope-rações militares e a manutenção da moral, mesmo quando os outros factores contrariam os acontecimentos.O desempenho colectivo deve ser concentrado na liderança. Os comandantes devem ser treinados e escolhidos de acordo com o tipo de operação e a dimen-são da Força, concentrando-se em primeiro lugar nas exigências do combate.Os seguidores confiam, admiram e respeitam o líder e estão, por vezes, mais motivados para “fazer as coisas” do que as suas expectativas iniciais. De acordo com Bass (1985) um líder pode transformar os seguidores através dos seguintes comportamentos: (a) torná-los mais cientes da importância e do valor dos resultados da tarefa; (b) induzi-los a transcender os seus próprios interesses pessoais em prol

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da equipa; (c) activar as necessidades de ordem elevada. A Figura 1 ilustra as cons-truções e respectivas competências que estão associadas ao líder transformacional.

Figura 1: Construções e competências associadas ao líder transformacional.Fonte: Adaptado de Rouco e Sarmento (2012).

As teorias carismáticas e as transformacionais têm muitas semelhanças. O carisma é também um elemento da teoria transformacional, inserido na influência idealizada e na motivação inspiradora (Bass & Riggio, 2006). A liderança transformacional estende-se também à teoria carismática incluindo a consideração individualizada e o estímulo intelectual (Lowe & Gardner, 2000). Muitos dos teóricos argumen-tam que as duas teorias se confundem ou fundem prevendo-se, assim, um novo paradigma da liderança (Avolio & Bass, 2004; Lowe & Gardner, 2000).

3. OS VALORES

Os valores não são apenas uma lista de qualidades exigidas a cada soldado indivi-dualmente. São uma exigência moral e têm uma utilidade funcional. Confirmá-los é a responsabilidade colectiva do Exército e de cada um nas suas Unidades através da acção de comando. São as estruturas do trabalho de equipa que multiplicam o poder de luta de cada soldado. Se alguns destes valores faltarem, naturalmente que a equipa será ameaçada. Estes valores fundamentais e centrais são promovidos e realçados pela liderança ao longo de toda a cadeia de comando.

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Todos os soldados devem ser preparados para as tarefas que envolvem o uso da força. Pode-lhes ser exigido tirar a vida de outro indivíduo ou arriscar a sua própria vida. Em algumas situações têm que testemunhar o ferimento ou a morte dos seus camaradas e continuar no cumprimento da missão. Isto exige a coragem física e os soldados dependerão dela, assim como da coragem moral. No extre-mo, a demonstração de coragem por parte de um comandante pode promover o respeito e a confiança. É uma qualidade necessária para todos os soldados, mas é especialmente importante para aqueles que ocupam posições de autoridade.Conforme ilustra o Quadro 1, a coragem, a lealdade, a integridade e o dever são os quatro valores comuns a todos os Exércitos da OTAN estudados. De igual modo, os valores respeito, compromisso, disciplina e camaradagem estão implicitamente presentes e associados às qualidades do soldado e em particular às do comandante.Outros valores como por exemplo, o dever e a honra estão, ainda, associados a todas as doutrinas dos diferentes Exércitos e caracterizam toda a Instituição Militar. Outro exemplo é a justiça estar associada às qualidades do comandante ou líder. Salienta-se ainda, que no Exército Britânico o seu ethos é constituído pelos valores de camaradagem, exemplo, flexibilidade e orgulho.A lealdade liga todos os níveis hierárquicos do Exército e respectivos soldados. As relações interpessoais entre o comandante e o subordinado criam confiança mútua e respeito. A nação, o Exército e a cadeia de comando confiam na fideli-dade, no compromisso e na determinação para servir em todas as circunstâncias.

Quadro 1: Valores de alguns Exércitos da OTAN.

Fonte: Adaptado do ND-Canada (2005a), MOD-UK, 2005 e U.S. Army (2006)

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A integridade está sempre presente no trabalho dos soldados em prol da equipa, procurando em todos os momentos evitar qualquer factor de conflito. Numa equipa, as pressões internas devem ser minimizadas, para que todo o potencial seja orienta-do para o cumprimento da missão. Os soldados individualmente devem identificar as suas próprias necessidades, desejos e ideais e subordiná-los aos da organização. Todos os soldados devem ter absoluta confiança na integridade dos seus camaradas. A integridade exige igualmente que aqueles que estão em posições de autoridade sejam justos e coerentes em todas as situações sobre os que estão sob o seu comando.Os soldados devem ainda ter um respeito profundo para com todos os indiví-duos, porquanto as causas e vidas que defendem estão dependentes dos seus camaradas no campo de batalha. A cadeia de comando é responsável pela definição e manutenção dos padrões comportamentais exigidos, que devem ser dados através do exemplo. É dever de todos os soldados do Exército a devoção a uma causa ou missão que transcenda os seus interesses e desejos pessoais.No Exército, todos os soldados devem ser treinados para lutar. Os soldados aceitam um compromisso para estarem sempre disponíveis, onde sejam necessários, indepen-dentemente das dificuldades ou perigos. Tal compromisso impõe determinadas limi-tações na liberdade individual e exige um grau elevado de auto-sacrifício, que pode colocar a sua vida em risco, o que significa a colocação das necessidades da missão e da equipa antes dos interesses pessoais. O compromisso altruísta é reflectido no juramento de fidelidade que é realizado ao entrar para as fileiras, no qual os soldados concordam em subordinar os seus próprios interesses aos da nação e do Exército.Para ser eficaz em operações, o Exército deve actuar como uma força discipli-nada. Os comandantes devem estar certos que as suas ordens são cumpridas, e todos devem estar confiantes de que nunca serão abandonados pelos seus camaradas. A vida de cada soldado ou o sucesso da missão podem depender da disciplina, sendo esta um factor de união dos soldados em caso de ameaça. Apoiados pela lealdade entre os membros da equipa, pelo espírito da unida-de, pelo orgulho, pela confiança e pelo profissionalismo, a disciplina mantém os soldados no esforço extremo durante uma batalha. A melhor disciplina é a autodisciplina, desde que esta seja voluntária e não imposta. A disciplina eficaz significa que todos os soldados estão treinados para obedecer às ordens em todas as circunstâncias, porque esta é vital para o sucesso das operações.

4. A COMPONENTE MORAL DO EXÉRCITO

O poder de combate assenta nas componentes conceptual, moral e física. A componente moral está relacionada com a física – o elemento humano, onde todo o esforço deve

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concentrar-se na sua promoção e valorização. Por outro lado, a componente moral tem como base a ética que suporta o comportamento militar, a motivação e a coesão.Assim, a ética fornece o contexto para o desenvolvimento da motivação e da coe-são dos soldados (IESM, 2005; MOD-UK, 2005; ND-Canada, 2005b; U.S. Army, 2006). Acresce que, a ética dá uma percepção ao soldado sobre os comportamentos que são (in) apropriados no contexto militar. Se estes aspectos não forem tidos em conta pelos comandantes, será negada a força moral às operações. Além disso, os soldados podem facilmente violar as normas legais, a menos que em operações sejam individual e colectivamente treinados para tomar decisões a partir dos critérios éticos determinados (IESM, 2005; MOD-UK, 2005; ND-Canada, 2005b; U.S. Army, 2006).

4.1 A étiCA

De acordo com a história militar, alguns Exércitos, sem princípios éticos, tiveram uma moral tremenda e lutaram baseados na motivação e na liderança. Ganharam as suas batalhas e conseguiram alcançar os objectivos definidos pelos seus coman-dantes. Esta observação pode sugerir que a vitória táctica e estratégica é que conta, não obstante os métodos usados para a conseguir. Contudo, esta pode ter sido uma doutrina apropriada noutros tempos mas que não se enquadra nos dias de hoje. Hoje, os Exércitos ocidentais têm as suas origens no espírito da democracia. Além disso, as influências sociais e culturais criaram uma compreensão muito clara das necessidades para actuar dentro dos limites do que é justo e legal. De igual modo, os soldados são pouco susceptíveis de usar a força física sem estar por detrás uma força moral que se baseie em causas justas, enquadradas pelos princípios e valores éticos universais.As operações militares conduzidas por um Exército não podem ser sustenta-das sem o apoio da sociedade a que pertencem. A direcção política, os meios disponibilizados pelo governo e o recrutamento político dependem dela. O Exército deve dar uma atenção permanente à força da sua base moral, porque uma sociedade eticamente educada não lhe dará sustentação, a menos que o seu Exército actue pela força da moral comummente aceite. Aqueles que exercitam a força física não podem evitar a introdução da responsabi-lidade moral. Esta é, em parte, a consequência de se possuir um poder destrutivo com armas letais. Por isso, todos os soldados devem ser preparados para tomar a decisão correcta em determinados momentos. Para os comandantes, esta respon-sabilidade moral é fundamental, pois na ausência de ordens superiores existem sempre as consequências morais na execução ou falta de execução das acções.A sociedade julga as acções de um soldado com base nas leis nacionais e in-

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ternacionais, as condenações de Nuremberga, após a segunda guerra mundial, são um exemplo disso. Isto coloca frequentemente um dever específico nos comandantes que devem ter em conta a dimensão moral. É igualmente impor-tante que todos sejam educados de acordo com as responsabilidades morais em que serão julgados e através da responsabilidade legal enquadrada pela lei.

4.2 A morAl

O termo “moral” apareceu em vários contextos, no meio industrial, médico, educa-cional e no militar. Infelizmente, o termo parece ter significados bastante diferentes em cada um dos contextos referidos. Em estudos recentes, este termo associa-se frequentemente ao sentimento de uma pessoa, isto é, ao bem-estar, nomeadamente relacionado com a felicidade no trabalho ou satisfação. De uma forma geral, nos manuais do Exército dos Estados Unidos da América do Norte, por exemplo, a moral é definida como “o estado espiritual, emotivo e mental do indivíduo, e o quanto ele se sente feliz, confiante, esperançoso, triste ou deprimido”. Bartone (1988) refere que se a moral fosse somente um sinónimo de felicidade ou disposição, então nenhum propósito serve como útil para a sua abordagem nos vários estudos. A concepção anterior de moral, tanto militar como industrial, é designada como a disposição ou estado emotivo, que converge para um objectivo segundo a orientação do grupo. Munson (1921) investigou a evolução da moral do Estado-Maior General do Exército dos Estados Unidos durante a I Guerra Mundial e refere que esta se pode definir como a determinação em ter sucesso no propósito pelo qual o indivíduo foi treinado, ou para o qual o grupo existe. Para Baynes (1967) a moral é o único factor importante em guerra e que esta é elevada quando um indivíduo está confiante, resoluto, bem-disposto, disponível para sacrificar-se e com uma atitude corajosa durante o desempenho das suas funções. A moral também se manifesta quando o soldado percepciona que é parte de um grupo. Este sentimento de pertença ao grupo sustenta-se em factores como o orgulho na realização dos objectivos, um sentido de participação frutífera no seu trabalho, uma devoção e lealdade para com os restantes membros do grupo, e na convicção de que e que a sua influência contribui para o sucesso final colectivo.Outros autores são mais sucintos, Grinker e Spiegel (1945) definem moral como sendo as forças psicológicas dentro de um grupo de combate que impedem os seus membros de lutar entre eles. Leighton (1943) referiu que moral é a capa-cidade dos elementos de um grupo trabalharem de forma permanente para um propósito comum. Moran (1966) descreveu moral como a capacidade de fazer um trabalho sob qualquer circunstância até aos seus limites.

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Shibutani (1978) caracterizou uma unidade militar com moral elevada, como sendo um grupo organizado que executa de forma constante níveis elevados de eficiência e as tarefas são executadas de forma pronta e eficaz. Em tais unidades, a cada membro é possível contribuir de forma pronta com a sua parte e fazer o que considera estar certo, assim como acreditar que os seus camaradas farão a sua parte para o cumprimento da missão. Quando necessário, os membros ajudam sem lhes ser pedido qualquer auxílio. Os poucos que não partilham estas orientações ou valores predominantes sentem pressões para se submeterem.A conclusão do sucesso em cada ocasião de transacção não é surpresa, dado que é o esperado por todos os membros do grupo e sobretudo porque todos partici-pam de forma continuada no cumprimento dos objectivos. Os membros de tais grupos normalmente colocam elevados níveis de exigência neles próprios. Estes membros frequentemente desenvolvem um forte sentido de identificação uns com os outros, desenvolvem Espírito de Unidade, tornam-se cientes da sua reputação e têm prazer em exibir os emblemas da sua Unidade.Evonic (1980) proporcionou uma visão tripartida da moral, semelhante à de Motowidlo (et al.:1976), mas mais conveniente para a psicologia militar durante os estudos dos Exércitos em combate. Segundo o autor existem três dimensões que concorrem para uma moral elevada: o objectivo organizacional; o compromisso para o fortalecimento da identidade do grupo; e os factores pessoais relacionados com a autoconfiança.Smith (1985), e Gal e Manning (1987) realçaram também estas três dimensões, com base em estudos efectuados a partir de entrevistas aos soldados de Infantaria Australianos, assim como também na análise dos dados de pesquisa em solda-dos Israelitas e dos Estados Unidos da América do Norte. De uma forma geral todos os investigadores têm em comum uma visão da moral como um atributo de carácter individual, antes de ser uma característica dos grupos.Assim, é consenso que cada um determina o que está certo e errado, e é nesta base que se opta por considerar “a moral” como uma característica individual. No entanto os individuos estão mas integrados em grupos e orientada para um objectivo. Os grupos “com a moral elevada” apenas podem ter níveis eleva-dos quando os seus membros têm também a moral elevada. Em conclusão, a moral é o entusiasmo e a persistência com que cada membro se empenha nas actividades prescritas pelo grupo.

4.3 A motivAção

A moral elevada é evidente quando as tropas estão motivadas em operações, o que apresenta desafios específicos. As necessidades fisiológicas, tais como o alimento e a segurança, são factores poderosos para a motivação e são inseridos na componente

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física. As operações terrestres exigem que estas necessidades fisiológicas sejam susten-tadas permanentemente para que o soldado possa comportar-se de forma entusiástica. Cada indivíduo reage a diferentes estímulos motivacionais. Um soldado voluntário precisa de uma motivação reforçado em todas as operações.A motivação também pode ser colocada em causa se as necessidades espirituais não forem satisfeitas. Os esforços para alcançar níveis motivacionais elevados podem passar pela obediência e serem reforçados pelo reconhecimento das consequências da desobediência. Este sucesso motivacional é conseguido pela imposição da disciplina, executada com autoridade ao longo da cadeia hierárquica.A moral elevada e o sucesso operacional reforçam-se, na medida em que a moral é a força intangível que pode reforçar a resistência física e a coragem dos homens face à dificuldade, à fadiga e ao perigo. A moral elevada dá ao soldado um sentimento de pertença a um grupo, abdicando este dos seus pró-prios interesses e dando o seu esforço máximo para atingir a finalidade comum. Dá-lhe ainda a sensação de que faz parte de algo maior do que ele mesmo e a convicção de que os objectivos são sempre realizáveis.

4.4 A Coesão

A importância da solidariedade dos membros do grupo para o desempenho in-dividual do militar, deu origem a vários estudos nos Exércitos nos últimos 2500 anos. Tem-se reflectido na coesão como uma elevação de uma ordem próximo do estado sacramental, isto é, a unidade física foi o objectivo explícito - a disci-plina colectiva, como o elemento fundamental das formações nas batalhas, como as falanges gregas, a técnica do quadrado da infantaria, e as várias linhas que têm que dar apoio à dispersão, cobertura e encobrimento no campo de batalha. Dupicq (1865) chamou a este factor de coesão moral e referiu “...à medida que as fileiras ficam mais afastadas, e a coesão material destas fileiras não dá confiança, os soldados devem apoiar-se na solidariedade dos seus camaradas e na confiança dos seus Oficiais...”. Para o autor, este conceito é mais explícito, quando afirma que o soldado é capaz de obedecer e a sua acção vai segundo uma direcção, quando o respeito existe entre os seus chefes e camaradas, assim como tem medo das suas reprovações e na retaliação se os abandonar em perigo.O que capacita o soldado de ir para o campo de batalha é a presença próxima do seu camarada e o facto de combater ao seu lado, tendo a certeza de que nun-ca é abandonado. No campo de batalha, o soldado é induzido a encarar a vida corajosamente, através da amizade, lealdade, responsabilidade e o conhecimento de que ele é um repositório de fé e confiança dos outros. Segundo Weinstein

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(1947) a principal característica de um soldado com uma neurose de combate é que tornou-se uma pessoa desamparada, solitária e assustada, cujo relacionamento foi rompido, perdeu o sentimento de pertença a um grupo poderoso e tornou-se uma pessoa isolada cujos esforços para se proteger sentenciaram-no ao fracasso.Em 1980, o Exército dos Estados Unidos da América reconheceu o risco do nível de coesão inicial exigida para enfrentar as adversidades da guerra e fez uma ten-tativa nunca vista para reforçar e desenvolver nas Unidades esta coesão mínima. O esforço foi a implementação do Sistema “Unit Manning System”, que mudou o conceito básico de designar a importância dos soldados em termos individuais para um conceito de unidade até à dimensão de Companhia. Como a definição militar da moral não menciona os termos satisfação ou motivação, deve entender-se que estes estão implícitos e que no sentido lato desta definição está explícito o compromisso do soldado à Unidade. A coesão de unidade ou grupo, deve assim ser vista como um alicerce fulcral para a moral, ainda assim, antes de ser um sinónimo ou um conceito relacionado deve ser entendida como independente.Um terceiro aspecto da “coesão da unidade”, que não é tão óbvio na genera-lização das definições, é a constante preocupação pelo tamanho da “unidade” envolvida. Little (1964) observou a predominância de dois militares no apelidado “sistema de parelha” na Coreia, sugerindo que o facto de ter pelo menos outro soldado ao seu lado, lhes permite sobreviver mais tempo no campo de batalha.

4.4.1 A Coesão Moral

No militar, a moral elevada parece ser um factor que está directamente relacionado com os resultados de sucesso em tempo de guerra. É também um factor importante para manter os efeitos de stress de combate 5 em baixos níveis ou para que o soldado possa sobreviver mais tempo em combate. Aqui pretendemos definir a moral como sendo uma função que contribui directamente para a coesão e para o Espírito da Unidade.Na guerra, o “poder” dos Exércitos é a capacidade dos sistemas de armas por algo mais, um factor desconhecido. A ciência militar, tem vindo a analisar nas várias batalhas da história um número imenso de exemplos em que as capacidades de um Exército não correspondem ao real potencial da sua força, e que por vezes pequenos Exércitos derrotam os grandes. Na maioria das vezes os investigadores não reconhecem a existência deste factor desconhecido, e tenta-se encontrá-lo na disposição táctica das tropas, na superioridade de sistemas de armas e bem frequentemente no génio dos líderes ou simplesmente na arte do Comandante.

5 As principais fontes de stress em combate – a antecipação de possível morte ou dano físico, fadiga, fome, expo-sição demorada ao ruído e vibração e informações reduzidas (Vieira, 2002).

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Segundo Richardson (1978) não são os números, nem a capacidade da força que trazem as vitórias na guerra, mas qualquer Exército que entre na batalha mais forte em alma, os seus inimigos geralmente não resistem. Também Heinl (1967) põe esta questão de uma forma mais sucinta, afirmando que o “coração humano” é o ponto inicial que importa fazer pertencer a uma guerra. Também Napoleão via esta questão desta forma “no fim, o espírito sempre conquistará a espada.”. Um outro autor, trouxe esta visão cem anos mais tarde, “O que é a arte do Comandante? O génio das combinações estratégicas, a precisão da sua concentração, a superioridade numérica que pode ter em cada momento e nos locais decisivos, mas a vitória escapar-lhe-á se os seus soldados não observarem que ele é animado pela vontade da conquista” (Dupicq, 1865).No entanto, as operações não são acções individuais e o seu sucesso depende do trabalho de equipa. A coesão liga os indivíduos a uma equipa, o que lhes permitirá superar a tentativa de abandono e desistência do cumprimento dos objectivos. A coesão bem-sucedida e sustentada conduz um grupo ou organiza-ção a ter limites definidos e uma identidade distinta das restantes – o seu ethos (MOD-UK, 2005). A liderança assume um papel fundamental na promoção da coesão, cujos princípios são:

• Continuidade – as amizades individuais e as relações colectivas são incen-tivadas quando as equipas são mantidas juntas, o que cria um sentimento de pertença, apoiado por hábitos e tradições específicos.

• Experiência partilhada – a coesão é promovida quando as experiências são partilhadas. A partilha do sucesso desenvolve a confiança do grupo – espírito de corpo. Partilhar a adversidade, mesmo as próprias falhas, pode desenvolver a determinação do grupo.

• Tarefas claras – as equipas tendem a unir-se em torno de uma tarefa comum. Quando esta não é óbvia, a coesão pode dissipar-se rapidamente. Os líderes devem fornecer tarefas desafiantes e exequíveis em todas as circunstâncias.

• Antecipação – os grupos formam-se de acordo com os testes padrão que são predizíveis ao nível dos comportamentos. Todos os factores subjacentes a possíveis divisões e conflitos devem ser colocados em evidência durante os treinos. É assim fundamental compreender e antecipar os comportamentos do grupo, dos membros da equipa e, em particular, dos seus líderes. Deste modo constrói-se facilmente a coesão durante o treino e as operações.

• Valores partilhados – a partilha dos valores fornece uma previsibilidade e uma uniformidade do comportamento entre os membros da equipa. Se estes valores partilhados proíbem comportamentos inapropriados, há um efeito

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coercivo mais forte porque cada pessoa tira proveito da segurança e da confiabilidade mútua.

Actualmente, o combate moderno exige uma maior dispersão no campo de bata-lha. Assim, o soldado, longe de integrar as apertadas formações militares e sob ordens directas do seu comandante, encontra-se em muitas ocasiões integrado em pequenos núcleos de combatentes, com responsabilidade e iniciativa, e por isso o que os une é a coesão moral (EME-Espanha, 1998).

4.4.2 O Espírito da Unidade

O desempenho eficiente para o combate não só requer a existência de coesão nos grupos primários, mas também que esta se articule nas grandes unidades, assim como na instituição militar como um todo, e que passa a designar-se pelo Espírito da Unidade. Na hierarquia vertical, a coesão é um só factor, não existindo por isso o somatório da coesão dos vários grupos primários, isto é, nos soldados não se deve apenas fomentar a coesão horizontal, mas também cabe aos líderes contribuir para a coesão como um todo, dado que são o elo de ligação entre os vários níveis hierárquicos. Assim, os soldados identificam-se com estes líderes de pequenas Unidades e integram-se no processo para aceitar os objectivos e metas definidos por estes. Os líderes, por força das suas virtudes adicionais em grupos além da Esquadra, do Pelotão, ou Companhia (e.g. o Batalhão, Regimento, Divisão), estão naturalmente associados ao mesmo processo de identificação e assim na passagem aos seus subordinados dos objectivos finais. Os Exércitos aumen-tam a coesão neste tácito e contrato imperfeito entre soldado e líder primário de grupo, pela criação de um grupo secundário maior, ainda suficientemente pequeno para servir como um foco de identidade mas suficientemente grande para escapar à catástrofe nas mãos do inimigo. Por estabelecer expectativas relativamente exigentes de comportamento de com-bate, e por ligar o próprio soldado à reputação da unidade, o grupo secundário proporciona motivação adicional para a participação entusiástica no combate. Uma unidade tipo Regimento (ou uma Brigada, ou uma Divisão, etc.) que faz disto um êxito, é considerada como tendo Espírito de Unidade. O Espírito de Unidade não é mais do que o conceito mais alto da ordem. Enquanto a coesão garante o empenhamento ao nível primário do grupo, o Espírito de Unidade pretende enraizar o orgulho e a devoção à reputação na organização formal e, junto com a coesão, o necessário desempenho eficiente do soldado em combate.

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5. METODOLOGIA

A partir da revisão de literatura foram identificados 15 valores que estão presentes na cultura militar dos países pertencentes à OTAN em estudo. Para validação e selecção dos valores foram seguidos os requisitos dos testes e método de Lawshe (1975), em que estes foram submetidos a uma comissão de validação de 15 especialistas para verificarem a sua pertinência segundo três respostas: essencial (n), útil, mas não essencial e, desnecessário. Desta validação resul-taram oito valores centrais, a saber, integridade, lealdade, honra, sentido do dever, disciplina, patriotismo, respeito pelos outros e coragem. Numa segunda fase e para ordenar os oito valores pela sua ordem de importância foi utilizado o método de Saaty.

5.1 AmostrA

A amostra em estudo foi constituída por Oficiais Subalternos do Exército Português (n=68) representativa das várias Armas e Serviços, em que 30 eram Alferes e 38 Tenentes.

5.2 Análise de dAdos

A partir dos oito valores seleccionados utilizou-se o método de Saaty para definir o grau de importância de acordo com a percepção dos 68 Oficiais Subalternos. A grande vantagem do método Analytic Hierarchy Process (AHP) é permitir que o usuário atribua pesos relativos para múltiplos critérios, ou múltiplas al-ternativas para um dado critério, de forma intuitiva, ao mesmo tempo em que realiza uma comparação par a par entre os mesmos (Saaty, (1980).

6. resultAdos

Quais os valores centrais para o Exército de acordo com a percepção dos Oficiais Subalternos?

De acordo as respostas da Comissão de Validação, e como ilustra o Quadro 2, verifica-se que os valores considerados mais importantes no Exército são: a coragem, a lealdade, a integridade, o sentido do dever, a honra, o respeito, a disciplina e o patriotismo.Estes resultados vão ao encontro dos valores centrais que são comuns nos Exér-citos em estudo, nomeadamente, quanto à coragem, à lealdade, à integridade, ao sentido do dever e à honra.

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Qual a ordem de importância dos valores do Exército Português percep-cionados pelos Oficiais Subalternos?

Conforme ilustra o Quadro 3, e de acordo com as respostas dos Oficiais Su-balternos do Exército Português, verifica-se que o grau de importância é o seguinte: a integridade, a lealdade, a honra, o sentido do dever, a disciplina, o patriotismo, o respeito pelos outros e a coragem.

Quadro 2: Valores de alguns Exércitos da OTAN.

Quadro 3: Grau de importância dos valores.

Qual o papel do líder no alinhamento dos seguidores através dos valores?A compreensão da liderança sob a égide da ética processa-se a partir da con-jugação entre a razão e as emoções, procurando em cada momento distinguir os comportamentos apropriados, como por exemplo, a justiça, a honestidade, a legalidade e a liberdade de expressão ética.A liderança torna-se ética, quando possibilita a melhoria contínua dos seres humanos, a partir de valores e virtudes. Mobilizar os recursos humanos segun-

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do um determinado rumo estabelecido pelo líder apenas se justifica quando o resultado final é o desempenho e satisfação ao nível profissional e o bem-estar ou felicidade ao nível pessoal.Uma característica comum dos grandes é que eles enfatizam continuamente os valores e princípios organizacionais, e têm a capacidade para criarem ambientes organizacionais que promovem a adesão aos valores estabelecidos.

7. CONCLUSÕES

Na Instituição militar, o comandante é essencial para ajudar a organização a encontrar os compromissos organizacionais num clima de estabilidade, mas a liderança é essencial para dirigir a mudança e os climas de grande instabilidade. O comandante estabelece relações interpessoais e mobiliza os subordinados através de uma visão inspiradora, valores e ética, o que promove a motivação e a coesão para realizar esforços extraordinários. Uma característica transversal aos líderes é que eles enfatizam continuamente os valores e princípios organizacionais, e têm a capacidade para criarem ambientes organizacionais que promovem a adesão aos valores estabelecidos.A compreensão da liderança sob a égide da ética organizacional processa-se a partir da conjugação entre a razão e as emoções, procurando em cada momento distinguir os comportamentos apropriados dos inapropriados, impondo-se como fundamentais a justiça, a honestidade, a legalidade e a liberdade de expressão ética. A liderança torna-se ética quando possibilita a melhoria contínua dos seres humanos, a partir de virtudes e valores.Neste quadro valorativo, o líder militar tem de ter consciência do seu papel de gerador de cultura organizacional, e de mentor de comportamentos impreg-nados de valores essenciais, dos quais se destacam, a integridade de carácter, a lealdade, a honra, o sentido do dever, a disciplina, o patriotismo, o respeito pelos outros, e a coragem. Os valores são assim, a alma que alimenta a componente moral de um Exérci-to, sendo estes reconhecidos pela virtuosidade dos comportamentos que neste caso a amostra de oficiais subalternos percepcionam como fundamentais no quotidiano da sua ação. A grande questão que se pode colocar é se em termos superiores ao nível hierárquico, se percepciona uma importância semelhante? No entanto, não podemos deixar de referir que a desadequação dos valores ou a sua manifesta

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ausência descaracterizam e corroem os pilares essenciais em que se deve edi-ficar a instituição militar.Em qualquer cenário manifesto de crise, a história mostra-nos que geralmente são equacionadas novas percepções sobre a realidade emergente, sob a égide de perspectivas inovadoras face às diversas problemáticas equacionadas.Todavia, não podemos esquecer a reconhecida perenidade em que assenta o edifício militar, permitindo-nos apenas questionar a sua cabal actualização valorativa pelas novas gerações face à sua importância para a organização, nunca a sua exclusão.

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Agradecimentos

A realização deste artigo teve a colaboração dos Cadetes-Alunos da Academia Militar Portuguesa, do 4º Ano Escolar, do ano lectivo de 2010/2011 na aplicação da matriz de Saaty aos Oficiais Subalternos do Exército Português para definir o grau de importância dos valores.

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Carlos Rouco

Tenente-Coronel de Infantaria do Exército Português. Professor Regente da Unidade Curricular - Ética e Liderança (Academia Militar Portuguesa), Docente (Convénio) da Unidade curricular de Competência Transversal I (Instituto Su-perior Técnico - Lisboa) e do Seminário Avançado: Liderança Organizacional (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova - Lisboa). Director do Mestrado em Liderança: Pessoas e Organizações e dos Cursos de Liderança na Academia Militar. Editor da Revista Proelium. Membro do Centro de In-vestigação da Academia Militar e Secretário da Assembleia Geral. Doutorado em Gestão.

Paulo Quinta

Major de Infantaria do Exército Português. Licenciado em Sociologia pelo Ins-tituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), Pós-graduado e Mestre em Políticas de Desenvolvimento dos Recursos Humanos (ISCTE). Professor Adjunto da Unidade Curricular (UC) Ética e Liderança na Academia Militar (AM). Professor Convénio no Instituto Superior Técnico (IST) na UC Competências Transversais I. Adjunto e Professor para os Cursos de Liderança. Adjunto da Secção de Avaliação e Qualidade da AM. Membro do CINAMIL (Centro de Investigação da Academia Militar).

Roberto Mariano

Major de Infantaria “CMD” do Exército Português. Professor Adjunto da Uni-dade Curricular (UC) Ética e Liderança na Academia Militar (AM). Adjunto e Professor para os Cursos de Liderança.

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H. Pereira et al / Proelium VII (4) (2013) 43 - 74

Hugo Pereira a , Nuno Lemos Pires b , Gonçalo Feio c a Escola Prática de Infantaria, 2640-777, Mafra, Portugalb Academia Militar, Rua Gomes Freire, 1169-244, Lisboa, Portugalc Instituto Piaget, Quinta da Arreinela de Lima, 2800-305, Almada, Portugal

ABSTRACT

This article aims to study the Ethiopia campaign of 1541-1543. With a con-tingent of about four hundred men, the Portuguese decided to go to aid the Emperor of Ethiopia, also known as Prester John. Accustomed and adapted to a very particular way of combating, the Portuguese will reveal certain aspects of modern war that they did not knows they dominated. One possible explanation is due to the lack of written military doctrine.Thus, the objective is to understand the new updates that distinguish this cam-paign from others that occurred in this era.Regarding the method, we use the comparative method, applying synchronous analysis.The structure of work adjusted to this article was made in five chapters. The first three are for the fall season, the campaign and the area of operations. Then, the analysis is made of the campaign with the goal of answering the questions and respective assumptions. In the end, the conclusions. Accordingly, various aspects are mentioned. The influence of lessons learned from the war in Italy [the power of mobile artillery, fortification techniques, the command of men by experience and not by birth; organized combating] combined with the leadership by example lead by D. Christopher. Important note to enhance was the duration of the campaign: two years and a half without any supply lines and communications with the Portuguese forces in the region.

Key Words: D. Christopher; Prester; Ethiopia; Turks; Zeyla

umA forçA expediCionáriA portuGuesA nA CAmpAnhA dA etiópiA de 1541-1543

1 Contactos: Email – [email protected] (Hugo Pereira), Tel. - +351213186900 Contactos: Email – [email protected] (Nuno Lemos Pires) Contactos. Email – [email protected] (Gonçalo Feio)

Recebido em 8 de Outubro de 2012 / Aceite em 16 de Novembro de 2012

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RESUMO

O presente artigo tem como estudo a Campanha da Etiópia de 1541-1543. Com um contingente de aproximadamente quatrocentos homens, os portugueses vão em auxílio do imperador da Etiópia, também designado por Preste João. Habituados e adaptados a uma forma de combater muito própria, vão revelar aspetos da guerra moderna que não se sabia que dominavam. Esta lacuna deve-se à inexistência de doutrina militar escrita.Desta forma, o objetivo visa compreender as novidades que distinguem esta campanha de outras da sua época.Relativamente à metodologia, utiliza-se o método comparativo, aplicando a análise sincrónica.A estrutura do trabalho [reajustada para este artigo], foi feita em cinco capitulo. Os primeiros três servem para enquadrar a época, dar a conhecer a campanha e a área de operações. De seguida, é feita a análise da campanha com o obje-tivo de responder às questões derivadas e respetivas hipóteses levantadas. Por último, as conclusões. Nestas, são mencionados vários aspetos. A influência dos ensinamentos da guerra de Itália [o poder da artilharia móvel; as técnicas de fortificação; o comando de homens pela experiência e não pela nascença; o combate organizado] aliado à liderança pelo exemplo de D. Cristóvão. Ímpar até à data, a duração da campanha de dois anos e meio e sem linhas de abas-tecimento e comunicações com forças portuguesas na região.

Palavras-chave: D. Cristóvão; Preste; Etiópia; Turcos; Zeyla

1. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO

“A vida só se compreende mediante um retorno ao passado, mas só se vive para diante” 4 Fazendo uma analogia com a frase anterior, para se tentar compreender o mundo e o Portugal do século XVI, é “obrigatório” olhar para trás no tem-po a fim de tomar contacto de todas as modificações que se verificaram. Esta viagem ao passado visa tornar percetíveis as transformações que ocorreram na sociedade, fruto de uma nova mentalidade e de um projeto político ambicioso. Esta mudança, só foi possível em Portugal, pois teve no seu leme homens com uma visão que, citando Fernando Pessoa 5 “Porque eu sou do tamanho do que

4 KIEKERGAARD, Soren (2012). Tema: Vida. Internet: http://www.citador.pt/frases/a-vida-so-se-compreende-mediante-um-retorno-ao-pa-soren-kierkegaard-3921, consultado em 24 de Junho de 2012

5 PESSOA, Fernando (2012). Tema: campo, cidade, universo. Internet: http://www.citador.pt/poemas/eu-sou-do-tamanho-do-que-vejo-alberto-caeirobrheteronimo-de-fernando-pessoa, consultado em 11 de Junho de 2012

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vejo e não, do tamanho da minha altura.“ Antes de passarmos à compreensão deste fabuloso Portugal de Quinhentos, que permitiu deixar-nos um cunho mui-to pessoal na História da Europa e do Mundo, vamos de uma maneira muito geral, visualizar os momentos mais marcantes que se registaram pelo globo.

1.1 o mundo no séCulo xv e xvi

No contexto internacional, muitas foram as individualidades e acontecimentos que marcaram o século XV, mas, as seguintes deixaram obras/realizaram feitos que lhes permitiu gravar o seu nome para sempre na História Mundial.Na opinião de Briggs et al. (1995), figuram os nomes de Boticcelli (1444-1510); Leonardo Da Vinci (1452-1519); Miguel Ângelo (1475-1564), Leon Battista Alberti (1404-1472); Donatello (1386-1466); Joana d´Arc (1412-1431); João Gutenberg (1398-1468); Henrique VIII (1491-1547); Maquiavel (1469-1527); Copérnico (1473-1543); Francisco Pizarro (1476-1541); Thomas More (1478-1535); Martinho Lutero (1483-1546). No que concerne a acontecimentos mar-cantes, destacam-se a Guerra dos Cem Anos (1337-1453); Guerra das Rosas na Inglaterra (1450-1485); Conquista de Constantinopla em 1453; Colombo desembarca na Ilha de San Salvador, 1492 (Briggs, et al., 1995, p. 424). Re-lativamente ao século XVI, de acordo com a opinião de Ferreira (2000), este fica recordado por alguns marcos históricos como são o início da expansão a todos os continentes acompanhado por conflitos que também extravasam a Eu-ropa; as reformas na igreja; as guerras de Itália e o aumento do poderio turco. Além destes acontecimentos, em termos de individualidades, a acrescentar aos anteriores referenciados; segundo a opinião Lerner e Meacham (1988), inclui-se ainda Calvino (1509-1564). Após esta contextualização, que serve para identificar e compreender o ambiente em que estávamos inseridos, no caso particular de Portugal, as transformações foram imensas. Dessa forma, irei recuar um século, para uma melhor perceção dos acontecimentos, pois caso contrário, seria como colocar um Etíope do século XVI na 5ª Avenida em Nova Iorque…sentir-se-ia perdido, confuso e sem rumo.

1.2 portugAl no séCulo xv e xvi

Na opinião de Mattoso (1998a), em 1400, Portugal, assim como a Europa encontrava-se isolado do resto do mundo. Contudo, esse isolacionismo só continuará mais algum tempo pois Portugal vai ser, como afirma o autor, o principal motor da expansão europeia que terá consequências na mutação da mentalidade ocidental. Este afirma ainda que, ocorre a passagem do mundo

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medieval para o mundo moderno 6. Segundo Matos (1998), foram diversos fatores que permitiram a Portugal lançar-se na expansão marítima. Ele destaca contudo, como os mais relevantes, a posição geográfica do reino; o reinado de D. João I que a partir de certo momento garantiu paz e tranquilidade e a defi-nição das fronteiras (que remonta ao Tratado de Alcanises de 1297). Contudo, existia um adversário de enorme respeito, o oceano. Mattoso (1998b), define-o neste época como um mundo sem fim, ainda inexplorável e cheio de monstros. Nas palavras de Bombi, Lichtenberger, e Malabarba (1983), ouve um homem iluminado que mudou o curso da história e ficou conhecido como o «Navega-dor». Este ilustre homem, tinha por nome, Infante D. Henrique. Outro grande homem deste século, foi D. João III. No seu reinado, “a política ultramarina recebeu de D. João II um impulso notável, sendo ele quem verdadeiramente abriu as portas da India, firmou o comércio de Africa e garantiu a defesa dos nossos interesses no mundo de então” (Ferreira, 2000, p. 51). “Durante o seu reinado, e já muito perto de falecer, estabeleceu a partilha do mundo” (Bessa, 1994, p. 63). A 7 de Junho de 1494 foi assinado em Tordesilhas um tratado em que D. João II de Portugal e os Reis Católicos de Espanha acordaram dividir o Mundo em dois (…) houve quem o considerasse o mais importante tratado da história.Eis então, chegados ao século XVI, também conhecido como “o período áureo das artes, das ciências e das letras que é para nós o século XVI, dar-nos-ia, e ao mundo, novos mundos” (Santos, 1951, p. 19). Contudo “basta um relance de olhos sobre a situação do reino no começo do século XVI para se poder avaliar da desproporção enorme entre a gigantesca tarefa que se lhe oferecia e os meios de que dispunha para a realizar” (Selvagem, 1931, p. 253). “Em 1527- 32 foi ordenado, por decisão de D. João III, o primeiro censo da história portuguesa. Mostrou a existência de 280 528 fogos, ou seja, um mínimo de 1 000 000 a um máximo de 1 500 000 de almas” (Azevedo, 1982, p. 289). Em jeito de retrato do Portugal do século XVI:

Com a palavra «Índia», os Portugueses do século XVI designavam não só a Península Indostânica, mas todo o mundo oriental, desde o cabo da Boa Esperança até ao Japão. Por toda essa imensa área se estabeleceram a partir de 1500. Grandes feitos de armas (…) alternam com massacres

6 O início da Idade Moderna não é unanime entre os historiadores. Alguns defendem que que essa passagem se deu com a queda de Constantinopla em 1453; outros com a descoberta do caminho marítima para a Índia 1498; existe ainda quem defenda em 1522 com as 95 teses de Martinho Lutero ou mesmo com o início das guerras de Itália.

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de guarnições. Foi mais de um século de contínua guerra na terra e no mar, guerra travada na Africa e no Oriente, mas contabilizada em Lisboa (Saraiva, 2005, pp. 155-165).

Anteriormente fez-se referência a um conjunto de condições que se criaram e permitiram catapultar Portugal para a vanguarda da expansão europeia. Contudo, Boxer, (1969), estabelece como principais motivações uma mescla de fatores religiosos (cruzada contra os muçulmanos); económicos (o ouro da Guiné); es-tratégicos (o reino cristão do Preste João) e políticos (as especiarias orientais), sendo que, em dado momento, um tem mais peso que os outros. Nos fatores religiosos, o conceito de «serviço de Deus», no século XV, aparece como a condicionante de todas as ações do comportamento sócio cristão. O «serviço de Deus», aparece interligado aos conceitos de «serviço do Rei» e de «serviço do Reino» ” (Junqueiro, 1983, pp. 93-94). Em segunda ordem, surge o desejo de se apoderarem do ouro de Guiné. Esta ocupação materializou-se sobretudo, segundo Riley (1998) ao longo da costa através de feitorias e em locais que balizavam as rotas marítimas. Ainda de acordo com este autor, com a construção do Castelo de São Jorge da Mina, garantiu-se o estabelecimento de relações comerciais e o intuito de salvaguardar o monopólio régio do trato do ouro. Nos fatores estratégicos, a questão do Preste João, ganha maior importância no reinado de D. João III [1521-1557]. Após a chegada à India e visto o volume comercial que ali se realizava, era fundamental controlar aquele comercio. Assim, uma aliança com este reino, de acordo com (Couto e Loureiro, 2007, p. 19), “ que se localizava algures na retaguarda do bloco islâmico e próximo das Índias” poderia servir de base para expulsar os muçulmanos do comércio do Mar Vermelho e da India. Por último motivação, as especiarias da India e da Asia Oriental.

1.3 Contributo dos portugueses no desenvolvimento teCnológiCo

Correspondendo às novas necessidades aparecem novas ciências que se desenvolveram extraordinariamente ao lado de outras. Portugal levou o mundo ao estudo e investigação de muitas outras, mercê do espírito prático e experimental dos povos que seguiam as diretrizes de cientistas portugueses como Pedro Nunes, Garcia da Horta e João de Castro (Cardoso, 1963, p. 78).

Numa época onde os desafios eram diários, as necessidades prementes e a sede de glória enorme, Portugal viu-se “obrigado” a desenvolver em variadas áreas. Desta forma, contribui significativamente para o aumento do conheci-mento na cartografia; navegação; quadro naval; artilharia naval, entre outras.

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Na cartografia, isso é visível segundo (A. Cortesão (1969-1970 como citado em Alegria, Garcia e Relanõ, 1998, p.54), “c) o registo em mapas das novas terras descobertas, especialmente por portugueses e espanhóis.” Na opinião de Alegria, Garcia, e Relaño (1998), as incógnitas, o desconhecido, foram des-feitos e em muito contribuíram as viagens de Bartolomeu Dias, que dobrou o Cabo da Boa Esperança em 1488, assim como a circum-navegação de Fernão Magalhães e Elcano em 1521-22. No que diz respeito à navegação, “com a definição dos limites territoriais, após a conquista do Algarve, no reinado de D. Afonso III, (…) aos fossados terrestres 7 sucedem-se os fossados marítimos” (Matos, 1998, p. 72).

A invenção da náutica astronómica: a navegação por alturas, isto é, me-dindo a bordo e em terra as alturas das estrelas e do sol para calcular a latitude; passa-se deste modo a uma forma mais rigorosa de representação do espaço do globo terrestre, a escala de latitudes corrigida e precisando a estima das distâncias e o rumar pela agulha. O homem vem assim a situar-se no espaço porque inventa os instrumentos 8 para nele operar, graças aos quais reconstrói pela referenciação de posições, medidas de distâncias, determinação de formas, isto é, configurações, proporção de dimensões” (Godinho, 1963, p. 19).

Relativamente ao quadro naval, “as navegações portuguesas nos séculos XV e XVI foram levadas a cabo por tipos diferenciados de embarcações, num processo onde são visíveis tanto a adaptação dos recursos disponíveis como a busca continuada de novas soluções tecnológicas” (Domingues F. C., 1998, p. 62). O mesmo autor (1998, p. 69) refere que “a nau aparece essencialmente vocacionada para o trânsito comercial, o galeão apresenta características mor-fológicas mais apropriadas para um vaso de guerra. ”Por último, uma breve referência à artilharia naval.Desde muito cedo os Portugueses introduziram no Índico uma tática de combate naval revolucionária, que fazia depender a sorte das batalhas do compromisso entre a enorme capacidade de manobra dos seus navios e o poder de fogo da sua artilharia, abandonando o método tradicional da investida-abordagem utilizado pelas marinhas orientais e ocidentais (Parker e Pedrosa (1988a, 1998) citado em (Rodrigues, 2004, p. 198). A excelente qualidade da artilharia portuguesa,

7 “Tratava-se de uma expedição militar, só de cavaleiros ou de cavaleiros e peões, que entrava em território inimigo para talar os campos e colher os despojos possíveis, regressando depois ao ponto de partida” (Marques A. , 1998, p. 11).

8 “Os marinheiros quatrocentistas se viram forçados a recorrer a observações astronómicas (…) tinham ao dispor os instrumentos que os astrólogos há muito usavam, nomeadamente o quadrante e o astrolábio, que eram para fins mais expeditos; além disso (…) a bastilha” (Albuquerque, 1989, p. 227).

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dotada de um grande número de peças de bronze, e o desempenho superior dos seus bombardeiros, aliados à grande capacidade de manobra dos navios, permitia-lhes que, depois de colocados a barlavento, não só evitassem a apro-ximação das frotas inimigas, mas que as destruíssem a tiros de canhão, uma vez que as possibilidades de fuga daquelas eram reduzidas por se encontrarem contra o vento (Rodrigues, 2004, p. 199).Estas foram algumas das inovações que Portugal, fruto das necessidades que diariamente sentia, desenvolveu, tendo em vista o cumprimento do projeto político delineado.

2. SÍNTESE DA CAMPANHA

A campanha da Etiópia de 1541-1543, surgiu de uma forma inesperada. Em mais um périplo pelo Mar Vermelho, a fim de conquistar pontos geoestratégicos para negar o acesso ao oceano Indico aos turcos Otomanos, houve necessidade de aportar em Máçua, na Abissínia. Aqui, um emissário do Preste João esta-beleceu contato com os portugueses. O seu objetivo foi de pedir auxílio na luta contra os muçulmanos e turcos, que pretendiam erradicar o reino cristão daquela região. D. Estevão da Gama, o então governador do Estado da Índia, decidiu aceitar o pedido, pois representava ser um “grande serviço a Deus e ao rei de Ethiopia, e cumprir os desejos d´el Rei de Portugal” 9. Para tal desígnio, escolhe o seu irmão mais novo, D. Cristóvão da Gama como comandante da força. Concede-lhe um contingente de “quatrocentos homens, que eram os me-lhores da armada, e se foram oferecer; e lhe deu oito peças de artilharia, cem mosquetes, e muitas munições; e além das armas que os soldados levavam lhe mandou dar outras tantas de sobrecellentes” 10. Após uma viagem da Índia até à Abissínia, em 9 de Julho 1541, e após as devidas despedidas, a força inicia o deslocamento para o interior deste território. Este é o meio de transporte que vai predominar em toda a campanha, o pedestre. A partir deste momento, estão condicionados ao que o território tem para oferecer e à carga que transporta. Inicia-se o deslocamento, indo a força portuguesa e duzentos abexins [naturais], num território com um terreno e condições meteorológicas agrestes. Caminharam durante seis dias até chegarem a Debarwa 11. Uma vez que o inverno se iniciava, decidiu esperar que este acabasse por duas razões. Uma delas, é que o inverno é rigoroso e a outra justificação é a de que aproveitou para treinar a sua força

9 (Castanhoso, 1898, p. XXX).10 (Castanhoso, 1898, p. XXX).11 “Debarwa ou Debaroa, para usar um termo aportuguesado” (Sousa, 2008, p. 73).

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[articulação e composição desta; treino operacional, treino de tarefas críticas (…)] e obter informações sobre a região e o adversário. Entretanto, determinou juntar a rainha Sabla Vangel ao arraial. Uma vez terminado o inverno, em 15 de Dezembro, inicia novamente a marcha durante oito dias até Salava, onde descansaram e festejaram o Natal. Depois de comemorado, em 25 de Dezembro de 1541, reiniciam a marcha durante mais cinco dias até alcançarem Agame. Aproveitou para fazer descansar a força e, sabendo de uma força adversária ali perto, decidiu assaltar a sua posição em Amba Sanayt. Neste assalto, aproveitou para sistematizar os procedimentos que haviam treinado. Uma vez conquistada a serra [Amba Sanayt], aproveitou para descansar e permanecer naquele local até ao final de Fevereiro. Retemperadas as forças, retoma a marcha mas logo assentou o arraial, ao saber da proximidade do Rei de Zeila. 12 Neste momento encontra-se Sahart 13, onde por duas ocasiões vão defrontar os muçulmanos. Nestas batalhas, os portugueses e os duzentos abexins vão alcançar o sucesso perante os muçulmanos [os naturais e os turcos que apoiavam estes.]. Apesar de um efetivo muito maior e de ter nas suas fileiras os aguerridos combatentes turcos, do outro lado, a forma de combater organizada, o apoio da artilharia móvel (entre outros aspetos), revelou que o confronto podia ser equilibrado. Findo estes dois combates, D. Cristóvão leva a força para a serra de Ofla, onde passou o inverno de 1542. Concluído este, novo confronto ocorreu. Du-rante todo este interregno, Ahmad, tendo ficado furioso e desiludo com o que anteriormente acontecera, pediu “socorro ao báxa de Zabid, que lhe mandou novecentos Turcos espingardeiros, e dez bombardas” 14. Em 28 de Agosto de 1542, neste novo confronto, o potencial de combate de cada uma das forças era teoricamente desequilibrado. E foi isso, que na prática aconteceu no terreno. Com o reforço do Ahmad e os portugueses sem qualquer tipo de abastecimento [recursos humanos ou materiais], o resultado do combate foi uma estrondosa derrota portuguesa [e abexin]. Originou a fuga de D. Cristóvão, devido a ter sido gravemente ferido, tendo sido capturado pelos muçulmanos e levado a Ahmad, onde o próprio acabou por lhe cortar a cabeça. Os restantes, de forma desorganizada fugiram do campo de batalha. Terminada a batalha, e com a morte de D. Cristóvão, Ahmad pensou que os portugueses faziam parte do passado e que seria uma questão de tempo até eliminar os restantes abexins. Contudo, após um período de alguma acalmia, que serviu para recuperar e reorganizar, em ”seis de Fevereiro de 1543, com

12 Rei de Zeila, ou o comandante das forças de Adal,; ou o granhe, são a mesma pessoa, o Ahmad bin Ibrahim el-Ghazi (Ahmad Gran).

13 Sahart ou “campos de Iarte”, significam o mesmo.14 (Castanhoso, 1898, p. XXXII) .

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oito mil homens de pee frecheyros e adargueyros, e quinhentos de cavallo, e todos mui boa gente e luzida, e cento e vinte Portugueses” estavam pronto para a vingança. Sob o comando do Preste João [imperador Cláudio II], ofereceram novo combate a Ahmad, que não esperava tal reação. Uma vez, ambos os dispositivos organizados no terreno, inicia-se a batalha. Uma curiosidade desta batalha é a presença de portugueses a cavalo. Esta batalha vai ter um resultado bastante relevante para o futuro da região. Nesta, Ahmad é morto; originando a debandada da sua força do terreno. O mais importante a reter, é que com esta morte, os muçulmanos nunca mais voltaram a ter um líder unanimemente aceite e capaz de importunar o reino cristão do Preste João. Com a missão cumprida após mais de dois anos, era tempo de os portugueses regressarem a casa, no entanto, tal não se sucedeu. Permaneceram na Etiópia e não mais voltaram a servir em nome do rei de Portugal.

3. ETIÓPIA NO SÉCULO XVI

Fazer o estudo de qualquer região é sempre um exercício difícil de realizar. Contudo, nos dias de hoje, devido à panóplia de informação que chegou até aos nossos dias aliada à tecnologia existente, muitas vezes o difícil é escolher o mais adequado. Em pleno século XVI, diversas eram as dificuldades, nome-adamente em recursos humanos e materiais. Recursos humanos, no que diz respeito, a existir alguém capaz de documentar, ou seja, escrever. No que se refere aos meios materiais, a tecnologia desta época não permitia ter aparelhos que garantissem/confirmassem os resultados efetuados 15 manualmente ou por mera estimativa. O estudo que se segue, realizado sobre a Etiópia, é dividido em duas fases: a primeira pretende esclarecer um pouco mais a ligação que existe entre a Etiópia e o mítico Preste João. Por último, tendo por base os fatores geopolíticos 16, que segundo Dias (2005) são eles o fator físico, humano, recursos naturais, circulação, tecnológico e estruturas, efetua-se o estudo da Etópia em função das informações que existem desta no século XVI. Contudo, não vamos estudar em pormenor todos eles nem os seus subfactores pois, esta diferenciação é realizada pelo homem do século XXI, e não existe documenta-ção sobre todos. Dito isto, é o momento oportuno de esclarecer uma definição,

15 Nesta época na Etiópia, o tempo estimado ou a distância entre dois pontos eram medidos em dias de caminho. Estas deduções têm sempre uma enorme subjetividade.

16 “Fatores geopolíticos/geoestratégicos são “um conjunto de agentes, elementos, condições ou causas de natureza geográfica, susceptiveis de serem operados no levantamento de hipóteses para a construção de modelos dinâmicos de interpretação da realidade, enquanto perspetivação consistente de apoio à Politica e á Estratégia” (Dias, 2005, p. 222).

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Etiópia ou Abissínia? De acordo com Couceiro (1936, p. 249), “ Abissínia é nome relativamente moderno que deriva de abexim, deturpação portuguesa da palavra Habax ou Habech com que os árabes designavam a Etiópia “Após este esclarecimento, segue-se o estudo da figura do Preste João. Mas, afinal, quem é esta figura? De onde surge?

A geografia medieval punha a Ásia a começar no Nilo, e não no mar Ver-melho, incluindo portanto nela a maior parte da moderna Etiópia. Alargava também o sentido da palavra «Índia», parte da qual englobava o Nordeste da actual África. Havia várias «Índias», e numa delas vivia um grande imperador cristão, governando um vasto território, densamente povoado, intensamente rico e espantosamente poderoso (Marques A. H., 1997, p. 231).

Este “grande imperador cristão”, que vivia em parte incerta, segundo Chagas (1900), é referenciado desde o século XII por diversos homens, tais como “Ja-cques de Vitry, Matheus Paris, du Plande Carpin, Joinville, Marco Polo”. “Era conhecido como o Preste João, visto ser ao mesmo tempo padre (presbítero) e rei” (Marques A. H., 1997, p. 231). No entanto, “sabe-se hoje que o conceito medieval de “Preste João” (cujo nome parece derivar de zan hoy,”meu senhor”, forma como os etíopes se dirigiam ao seu rei)” (Azevedo, 1982, p. 230). O reino cristão do mítico Preste João, nas palavras de Couceiro (1936), foi um objetivo identificado desde os tempos do Infante D. Henrique. No tempo de D. João II, “o reino fez diligências decisivas ao enviar expedições de reconhecimento, cuidadosamente organizadas, para procurarem 17 o Preste João e as especiarias, por terra e por mar, a meio da década de 80” (Boxer, 1969, p. 49). Após o contacto com esta figura mítica do Preste João, é chegado o momento de termos a perceção das características da região onde combateram os qua-trocentos portugueses.

3.1 estudo geopolítiCo dA região 3.1.1 Fator Físico

Nas palavras de Sousa (2008), a Etiópia localiza-se numa região de contrastes geográficos, pois, é caracterizado por um maciço montanhoso central e por

“ A maioria dos emissários enviados por terra parece terem-se perdido, mas um deles, o escudeiro que sabia falar árabe, chamado Pêro da Covilhã, atingiu a costa ocidental da Índia em 1488. Esta viagem aventurosa, que durou mais de dois anos, deu-lhe uma ótima visão do comércio do Indico em geral e das especiarias em particular. Durante a viagem de regresso a Portugal, nos fins de 1490, encontrou no Cairo um mensageiro do rei que lhe transmitiu a ordem de continuar até ao reino de Preste João, que tinha sido então localizado nas montanhas da Abissínia. Pêro da Covilhã obedeceu. Foi recebido com todas as honras pelo imperador da Etiópia (ou negus da Abissínia), mas não foi autorizado a sair do país” (Boxer, 1969, p. 49).

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dois planaltos separados pelo grande vale do Rift. Refere ainda Ras Dejen, localizado nas montanhas do Simien como um dos pontos mais altos da Etiópia com 4200 metros, e no campo oposto, a planície semi-desértica localizada a leste, dá-se pelo nome de depressão de Danakil que nos seus limites tem o porto de Massuá (a norte) e a cidade de Zeila (a sudeste).Como principal referência hidrográfica Sousa (2008), alude ao Nilo Azul que nasce a norte no lago Tana. Menciona ainda, as épocas das chuvas, que são registadas em duas fases, sendo a primeira entre Fevereiro e Abril, e a segunda, com maior pluviosidade no mês de Junho. Além do Nilo, o principal rio da região, existem ainda outros rios e lagoas.

3.1.2 Fator Humano

As lingoas q há em este Imperio são muitas e muy diferentes, ainda em hu só reyno; a mais universal e cortesaam he a q chamão amharâ, lingoa q na eloquência se parece muito co a latina. As nações são também muitas e muy diferentes, mas podemse reduzir a 4: Christãos 18, Mouros, Judeos, e Gentios; e nos mais dos reynos se achão todas inuntas (Pais, 1945, p. 18).

3.1.3 Fator Recursos Naturais

Apesar de sempre ter sido mencionado como um reino extremamente rico e onde abundava de tudo, afinal, nas palavras de Pais (1945, p. XIII), “não era tão rico e poderoso como fôra pintado”. Contudo, o mesmo refere que, cicli-camente, surgem pragas de gafanhotos que provocam falta de alimentos em muitas regiões. Relativamente a recursos minerais,

Minas de ouro hua alga, particularmente no Reyno de Nareâ. Há também minas de prata na Provincia de Tamben e na de Zalâmt. Ferro em muitas partes, e chumbo em alguas mas disto tão pouco q quasi não lhes basta pera pelouros de suas espingardas (Pais, 1945, pp. 208-209).

3.1.4 Fator Circulação

De acordo com Sousa (2008) , devido ao terreno acidentado que apresenta, as comunicações na Etiópia são muito dificultadas, e aumentam com as épocas das chuvas, tornando-se impossíveis em determinadas regiões. Couceiro (1936,

18 “No caso do cristianismo, este manteve uma forte presença na região do Tigrai, como o demonstra a mais de uma centena de igrejas ainda existentes na região, e muitas delas desconhecidas até há bem pouco tem-po; permitiu ainda, a sua sobrevivência em face ao Islão militante de Ahmad Gran” (Sousa, 2008, p. 21).

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p. 252), refere ainda que “abaixo do grande maciço etíope, correm as terras litorais, do Mar Rubro, ou do Golfo de Adén, cujos portos são as testas das linhas de comunicação da Abissínia para o mar”.

3.1.5 Fator Estruturas

Por esta altura, segundo Pais (1945, p. 90), era o “Emperador Cláudio a que em Ethiopia chamão Glaueôs; e como lhe derão o Império, se intitulou Atanâf Çaguêd” que era a entidade máxima na Etiópia. O comércio é identificado, segundo (Pais, 1945, p. 182) “o modo, q comumente tem de comprar e vender, he trocar huas cousas por outras.“ Na componente militar:

As armas de q usão são arcos, e flechas comumente, eruoladas, espadas, e lanças compridas, e outras mais curtas, q arremessão; e huas machadinhas de pao muito duro, com q atirão de longe (Pais, 1945, p. 183).

4. ANÁLISE DA CAMPANHA DA ETIÓPIA

A análise da campanha da Etiópia é realizada em duas fases. A primeira, pretende dar resposta à questão derivada, Quais os fatores influenciadores da Campanha Portuguesa? O estudo e a respetiva análise crítica de cada uma das hipóteses visam responder a esta questão. Na segunda fase, e à questão, Quais as Lições aprendidas?, é feita uma análise critica sobre a campanha, tendo em atenção os aspetos positivos e as suas vulnerabilidades.

4.1 FAtores inFluenCiAdores

4.1.1 Hipótese: Doutrina/ Boa Organização

“Em Portugal, a evolução da arte militar desenvolverá sobretudo a vertente na-val do poderio militar” (Sousa, 2008, p. 24). Neste capítulo, Portugal, segundo Sousa (2008) , foi pioneiro na construção de uma embarcação para a guerra no mar, que com a sua artilharia embarcada, permitiu efetuar operações militares em que as embarcações artilhadas apoiavam as forças terrestres que efetuavam o assalto. Estas operações anfíbias, “se serviam do efeito e da vantagem de poderem escolher onde e quando atacar” (Rodrigues, 2004, p. 199).Em outra vertente, Sousa (2008), menciona a arquitetura militar que por altura evidenciava um grande desenvolvimento, apontando como expoente máximo a “fortificação de Mazagão”. Desenvolveu-se tanto e foi tão importante que levou “Alberti a afirmar que as vitórias militares se deviam mais à competência do

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arquiteto do que à conduta ou sorte dos generais” (Pires, 1988, p. 85). Por sua vez, a componente terrestre, pode ser descrita da seguinte maneira:

Portugal pode constituir um interessantíssimo campo de observação de um «caso contrastante». Pois a sua história militar é a de um país que, durante mais de 150 anos (entre Toro [1476] e a Aclamação [1640]), não participa em operações militares na Europa, onde as grandes inovações se iam ve-rificando, e que, de experiência, apenas conhecia a guerra ultramarina, em que se defrontavam tradições e práticas bélicas, e em que a componente da guerra terrestre, central no modelo militar europeu, era substituída por uma fortíssima componente naval, ou, pelo menos anfíbia, fortemente apoiada pela artilharia embarcada (Hespanha, 2004, p. 9).

Sousa (2008, p. 26), corrobora da opinião de Hespanha, acrescentando que tanto no Norte de Africa 19 como no Oriente o modo de combater é semelhante, ou seja, com exceção de algumas operações de maior envergadura, pratica-se a designada «pequena guerra», cujas raízes se misturam com o tradicional modo árabe de combater na qual se cultivava a audácia e os atos individuais dos fidalgos ou cavaleiros, ou émotive et désordonnée, nas palavras de Jean Aubin.” 20 Assim, a “guerra terrestre parece constituir o parente pobre deste tríptico – guerra naval, arte militar e arquitetura militar” (Sousa, 2008, p. 50).No contexto internacional, as Guerras de Itália (1494-1559), são o grande acontecimento militar. Nestas, considerado o laboratório da guerra moderna, vai trazer ensinamentos que vão influenciar outros reinos na sua forma de comba-ter, tais como Portugal. A influência espanhola e suíça vão-se evidenciar das demais, absorvendo o que de melhor estes modelos militares têm para oferecer. Relativamente ao modelo espanhol, de acordo com Sousa (2008), as guerras de Granada [1482-1492] 21 foram o acontecimento que marcam o despoletar de um novo modelo militar, que vigorará até ao século XVII, altura em que a escola holandesa com Conde de Nassau e a escola sueca de Gustava Adolfo, se tornam elas nos novos modelos militares. Este novo modelo militar, designava-se por terço 22, e na sua fase mais evoluída, encontrava-se:

definindo um quantitativo fixo para o total de cada tipo de arma utilizada pelos soldados, os piques – as armas brancas – e os arcabuzes e mosquetes

19 “as praças de Marrocos eram as únicas que serviam de escola prática de guerra e primeira estância de aclimação aos capitães e soldados que iam mais tarde servir às Índias ou nas fortalezas da Africa Oriental”(Anônimo, 1959, p. 21).

20 Na vertente naval, “um aspeto importante é o elevado grau de coordenação com que os assaltos são executados, tendo em consideração a época em que ocorrem (Sousa, 2008, p. 25).

21 Conflito tendo como objectivo de expulsar os muçulmanos do seu ultimo reduto na Península Ibérica. 22 “O esquadrão designaria uma unidade autónoma que se organiza no campo de batalha sem um efetivo

orgânico pré-definido, e onde se agrupavam os soldados que compunham as companhias de um ou mais

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– as armas de fogo. O terço apoiava-se num sistema onde se combinavam as armas brancas e as de fogo, que na sua forma clássica se resumem a dois tipos fundamentais, o pique e o arcabuz (Sousa, 2008, p. 126).

No que concerne aos suíços, segundo Wise (1975), devido à sua organização e aos seus piques, foram uma inspiração para muitos exércitos no final do século XV e início do século XVI. Contudo, também eles se inspiraram nos exércitos da antiguidade clássica. De acordo com Oman (1924), este modelo, constituído essencialmente por infantaria, estava adequado para enfrentar a cavalaria feudal, contudo, com a introdução de novas variantes (entenda-se armas de fogo) no século XVI, foi perdendo espaço, tornando-se obsoleta. Uma referência ainda para os Landsknecht (alemães); Condottieri (italianos); Gendarmes (franceses) e os Stradiotti (albaneses/gregos). Estas eram as forças tidas como referência neste período. De salientar que todas elas eram mercenárias, ou seja, perante a falta de pagamento deixavam de combater. A sua lealdade era para quem pagasse mais, ou seja, poderiam perfeitamente combater de manhã para um rei e à tarde encontrarem-se no campo adversário. Um observador atento a estas guerras [Itália] foi Maquiavel, afirmando:“The real future (…) combine the action of infantry, cavalry, and artillery (Oman, 1924, p. 310). Além destes ensinamentos, ainda a importância da fortificação e o comando [escalões intermédios] a homens que, não sendo nobres ou fidalgos, revelam competência no terreno.Relativamente a documentos oficiais que são referência para a organização militar, existem as ordenanças manuelinas; as ordenanças de D. João III e o regimento de guerra. É no seu reinado, segundo Sousa (2008), que no ano de 1508, se publicam dois alvarás que se designam por “ordenanças manuelinas.” Nestes, segundo Morais (1954, p. 156), “regula o serviço da «gente da orde-nança», cujo comando foi dado a D. Nuno, com o título de capitão general (…), investido no comando das cem lanças da guarda.” De acordo com Sousa (2008, p. 28), as cem lanças foram divididas por cinco capitães, todos eles, experientes da guerra moderna.” Esta tentativa, de acordo com Sousa (2008), de reorganização da componente terrestre, não teve tempo para amadurecer, e uma dessas causas foi a falta de um sistema de recrutamento eficiente. No

terços. Pode-se acrescentar que o terço era uma organização com carácter administrativo, enquanto o esquadrão era uma unidade com um cunho essencialmente tático. Os esquadrões são formados segundo um leque formal ecléctico que comporta analogias de índole conceptual/visual de diversas origens, como a galé cerrada ou o caracol. O caracol compreendia um conjunto de manobras visualmente apelativas: na sequência da descarga das suas armas retirava para a retaguarda da formatura, onde procedia à sua recarga. A galé, ou galé cerrada: Referida por Mattheo Giovanni Cicogna e Martim Afonso de Melo, apresenta uma analogia directa com a galé, um tipo de embarcação empregada frequentemente no apoio às tropas desembarcadas” (Sousa, 2008, pp. 127-130).

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que concerne às ordenanças de D. João III, no reinado, Sousa (2008, p. 34), refere que por “duas vezes, em 1526, e depois em 1549, tentou introduzir um sistema de recrutamento e de adestramento controlado pelo estado.” Tentou colmatar as lacunas identificadas na reorganização realizada por D. Manuel, mas como refere Sousa (2008, p. 34), foi “notória a incapacidade do rei.” No que diz respeito ao regimento de guerra 23, segundo Sousa (2008, p. 64), “este texto é invulgarmente rico pela quantidade de informação prática contida - um autentico manual de doutrina táctica do século XVI.” Diz ainda que, um aspeto muito importante registado nesta obra é a existência de tabelas que organizam os soldados no terreno.Depois desta introdução, segue-se a análise crítica da campanha. Aquilo que hoje entendemos por doutrina e que encontramos, por exemplo, nas publica-ções doutrinárias do Exército (PDE) é um conceito inexistente no Portugal do século XVI. Uma das possíveis razões que podemos apontar para esta realidade prende-se com as elevadas taxas de analfabetismo da época pois, saber ler e escrever não era um quesito nacional. Decerto que nesta época, as preocupações não passavam por deixar um testemunho do que se fazia nas mais diversas áreas, neste caso particular, o militar, até porque provavelmente, a projeção das gerações vindouras seria de continuarem maioritariamente analfabetas. A juntar a isto, a impressão de livros era extremamente dispendiosa, sendo costume, dedicar o autor a obra a quem a custeava ou, quem o autor gostaria que a custeasse. Assim, o conhecimento era sobretudo transmitido na forma oral e prática. Relativamente aos reinados de D. Manuel I e de D. João III, os textos elaborados para a reorganização terrestre, de facto, pouco ou nada dizem. No primeiro, nas “ordenanças manuelinas”, é sobretudo a guarda real que sofre remodelações e divide os homens em cinco capitanias, comandadas por “capitães, e as outras pessoas que são vindas de Itália”. 24 Aqui, coloca-se em evidência uma diferença do que anteriormente se praticava, a partir de agora, não era obrigatório ser nobre ou fidalgo para comandar uma capitania. No segundo, em 1526, tentou-se resolver a questão do recrutamento, mas sem grande sucesso. Existe ainda o Regimento de Guerra, provavelmente mais útil mas ainda assim escasso 25, para quem combate no Norte de Africa e na Índia.

23 “É um texto escrito por um soldado veterano e experimentado no comando de tropas, quer em batalha quer nas evoluções próprias destinadas ao campo de parada. O autor do Regimento de Guerra segue assim o percurso clássico dos militares portugueses, combinando a experiencia adquirida nos teatros de guerra africanos e asiáticos” (Sousa, 2008, p. 63).

24 (Morais, 1954, pp. 162-165).25 Escasso, na medida em que se refere à experiência de um único homem, não pode ser considerado doutrina.

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Assim sendo, pergunta-se: se não existe nada escrito como é que estes homens combatem? O Norte de Africa (Marrocos), era a nossa escola de guerra, em virtude de, desde 1415 que as operações militares ali decorrem e, no contexto europeu, não estávamos em guerra. Foi neste território que os portugueses aprenderam a combater e, durante os combates, aquilo a que hoje designamos por “on job training” 26. Era, de forma básica, por tentativa e erro, que os por-tugueses neste período aprendiam a combater, alcançando a excelência na sua arte militar. Nesta característica muito própria de combater, sofremos algumas influências. Estas, registadas inicialmente na Índia, identificam a forma e a prática de como combatíamos, “fossem suíços e andassem em ordenança.” 27. E, desta forma, quase a virar para a segunda metade de quinhentos, surge a campanha da Etiópia. Esta campanha destaca-se logo à partida das demais pela sua duração, sensivel-mente dois anos e meio. Durante todo este período de tempo, o abastecimento de água e alimentação, equipamento e munições feito a partir dos recursos lo-cais e do que se desembarcou em Maçuá em 1541. Quando partimos para esta campanha, a força destacada já ia preparada para uma campanha demorada 28 mas não penso que tenha sido para tanto tempo como acabou por acontecer. Exemplos disso são a falta de reforços portugueses. Os únicos reforços que foram possíveis, pertenceram às forças Abexins, e apenas por duas vezes, sendo uma delas no reunir de forças após a morte de D. Cristóvão. Outro exemplo mais visível, foi a falta de pólvora, que se teve de obter a partir de métodos expeditos. Nesta vertente, com este magro efetivo quando comparado com as outras forças em questão, e partindo do pressuposto de que vão para a guerra e iam ter mortos, poderia estar-se aqui a criar condições para o não cumpri-mento do objetivo. Outro aspeto relevante, os abexins disponíveis ao longo de quase toda a campanha foram de apenas duzentos homens, pois os restantes encontravam-se com o Preste João com quem se iam encontrar. As forças de Adal, por sua vez, eram rapidamente recompletadas, visto os seus recursos humanos serem vastos. Contudo, a clara superioridade numérica do adversá-rio, foi desfeita devido à nossa tática em combate. Esta tática, era para nós também inovadora pois empregámos, em conjunto, vertentes até então nunca

26 Significa aprender e fazer em simultâneo. Cariz mais prático onde se aprende com a tentativa-erro.27 (Sousa, 2008, p. 30). Esta expressão significa que andavam com o pique, característica dos suíços, (forma)

e em ordenança, ou seja, numa determinada ordem. (pratica). Esta prática foi desenvolvida e aperfeiçoada pelos espanhóis e imitada pelos portugueses.

28 “O governador nomeou-lhe quatrocentos homens, que eram dos melhores da armada, e se foram oferecer; e lhe deu oito peças de artilharia, cem mosquetes, e muitas munições; e além das armas que os soldados levavam, lhe mandou dar outras tantas de sobrecellente” (Castanhoso, 1898, p. XXX).

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experimentados, mas que estavam em voga na guerra moderna que ocorria em Itália. Infantaria, artilharia e fortificação da forma como foi empregue, distin-gue esta campanha de todas as outras até então realizadas. Em termos táticos, esta força apresenta uma clara influência espanhola, presente na técnica de combate adotada. 29 Quando diz “ordenou cinco capitaens entre esta gente” 30; demonstra um corte com o passado/presente, onde só os nobres e os fidalgos é que comandavam. Tal como estava escrito nas Ordenanças Manuelinas 31 de 1508, aqui foi operacionalizado. No deslocamento da força, predominam dois fatores; a segurança e as informações. Outro aspeto da segurança presente é o dispositivo adotado em marcha ou com o arraial montado. Em termos de informações, elas também são obtidas em combate, o que demonstra que sabia perfeitamente o que pretendia em cada momento. Importa mencionar o fato de, quando D. Cristóvão da Gama diz “cousas necessárias para a guerra” 32, foi neste inverno que provavelmente, além de preparar a tropa, se inteirou do modo de atuar das forças de Adal, do seu equipamento, o tamanho da força, os locais mais perigosos, os locais onde podem abastecer de água e comida (…). A análise deste comandante português far-se-á abaixo mas para já, coloca-se a questão de como é que alguém tão jovem, possui tão vastos conhecimentos sobre o comando de tropa, especialmente do combate organizado e da guerra moderna.Depois da componente tática, seguem-se as especialidades.A colocação da artilharia móvel na frente de combate, foi uma aprendizagem da batalha de Marignano, em Itália. Até então, os portugueses estavam habi-tuados a usar artilharia mas embarcada. Esta aprendizagem foi fundamental para o desenrolar de toda a campanha até à entrada dos turcos otomanos com a sua artilharia. Curiosamente, ou não, também estes colocavam a artilharia na sua vanguarda. A partir desse momento, a diferença ficou desfeita e a balança começou a pender culminando com a morte de D. Cristóvão. A fortificação, foi outro aspeto aprimorado das campanhas de Itália, nomeada-mente nas batalhas de Ravena, Bicoca e Pavia. Esta combinação de artilharia com a fortificação permitiu de forma incrível derrotar por diversas vezes, mesmo em cerco, as forças de Adal, que se apresentava normalmente constituída por milhares de homens.

29 “E diante da tenda da Raynha fizemos socia com caracol cerrado e aberto duas vezes” (Castanhoso, 1898, p. 12).

30 (Castanhoso, 1898, p. 6).31 “as pessoas dos capitães, e as outras pessoas que são vindas de Itália” (Morais, 1954, pp. 162-165). “A frase completa é: E determinou Dom Christovão de gastar o inverno em cousas necessárias para a

guerra, em carros para levar a artelharia e monição, e para fazermos forte o nosso arrayal” (Castanhoso, 1898, p. 12).

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No que concerne à cavalaria, os Abexins e a força de Adal, deslocavam-se a cavalo, e era vista como a arma mais prestigiante. Importa mencionar que os duzentos abexins que se encontravam com os portugueses iam a pé com a restante força. Por sua vez, os otomanos, apesar de terem uma cavalaria de elite, não a utilizaram nesta campanha. Os portugueses trouxeram só infantaria. Este é um fato curioso, pois, uma das ilações de Itália é a conjugação da cavalaria, não a da época medieval mas a cavalaria ligeira com a infantaria e a artilharia. Esta ausência foi sentida e por diversas vezes teria sido muito útil. Ainda importa aludir que, apesar de serem infantes, os homens que sobreviveram e acabam por vingar a morte de D. Cristóvão da Gama, deslocam-se conjuntamente com o exército do Preste João a cavalo, e alguns combatem mesmo a cavalo com ótimos resultados.

4.1.2 Hipótese: Desenvolvimento Tecnológico

O percurso das armas de fogo e o da pólvora fizeram-no paralelamente: o comprimento do tubo, o diâmetro do calibre, o tipo de culatra e a própria natureza do tiro dependiam das características comburentes da pólvora (Duarte, 2003, p. 359).

Na campanha da Etiópia, o material que cada força ostentava era diferente, devido maioritariamente, ao seu díspar nível de desenvolvimento militar. O ma-terial militar identificado nas forças abexins (espadas, escudos, arcos comprido, flechas ervadas), era um pouco arcaico, contudo, até à morte de D. Cristóvão não são influentes uma vez que, não entram em combate. Nas forças de Adal, o armamento não era muito diferente, neste caso, num confronto direto, sem a ajuda de ninguém, não deveria de existir logo à partida, um vencedor e um vencido. Eram duas forças muito semelhantes. No que concerne aos turcos otomanos e aos portugueses também acabam por se assemelhar. Estes homens que formavam estas forças tinham treino ( armas brancas e de fogo) e muita experiência com diverso material. As espadas 33 usadas em combate eram as habituais, contudo, os turcos poderiam possuir alguma vantagem devido ao gol-pe da sua lâmina. Quanto às armas de fogo 34, arcabuzes e mosquetes, também

33 “O corte produzido por uma espada de lâmina direita é diferente do de uma lâmina curva. Enquanto um golpe de espada de lâmina direita, por exemplo, corta o braço de um adversário, estilhaçando os ossos, a lâmina curva provoca o mesmo corte sem, no entanto causar estilhaçamento. Isto, ao fim de diversas horas de combate, acaba por causar um menor desgaste no portador da espada com a lâmina curva” (Daehnhardt, 2010, pp. 189-191).

34 “Também as armas de fogo com que estavam equipados conferiam aos janizeros uma superioridade im-portante sobre os seus congéneres europeus. Comparando com os arcabuzes utilizados pelos cristãos, os

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aqui os turcos aparentam ter alguma vantagem. Os piques, era uma arma que os portugueses levavam e que, contra a cavalaria era a arma ideal. Por fim, a artilharia. Esta arma, que era de difícil transporte, tinha, à semelhança da artilharia que os turcos depois colocaram no terreno e em maior quantidade, um poder de destruição elevado. Esta artilharia móvel, aparenta ter sido um elemento importante nesta campanha, uma vez que, quando usada só pelos portugueses, permitiu algum sucesso. Outro aspeto potencialmente revelador, os turcos otomanos, inicialmente apareceram prontos para combater apenas com mosquetes e espingardas, contudo, aquando do reforço, trouxeram também a artilharia móvel.

4.1.3 Hipótese: Liderança

Nesta hipótese, o foco encontra-se nos comandantes das respetivas forças. São eles D. Cristóvão da Gama, Ahmad bin Ibrahim al- Ghazi (rey de zeyla) e o imperador Cláudio II (preste joão).

D. Christovam da Gama era o quarto filho de D. Vasco da Gama. A edu-cação parece ter sido muito cuidada e bastante completa, e sem dúvida foi dirigida com o fim de seguir a carreira das armas, como seus irmãos, e de servir na India, cujo caminho por mar seu pae havia descoberto. (Casta-nhoso, 1898, pp. IX-XV).

“A sua presença na expedição naval ao Mar Vermelho foi o corolário da sua ilustre carreira militar, que atingiu o seu ponto alto quando lhe foi atribuído o comando da expedição de socorro ao imperador da Abissínia Cláudio II” (Sousa, 2008, p. 69). Relativamente à sua experiencia em combate, apesar de tão tenra idade [26 anos em 1541] para o comando de homens, já possui no seu histórico diversas participações em operações, especialmente na Índia. No decurso da campanha, vários foram os momentos onde demonstrou a sua liderança.No que se refere à forma de Ahmad bin Ibrahim al- Ghazi (rey de zeyla) liderar a sua força,

Ahmad bin Ibrahim al- Ghazi terá nascido perto da cidade de Zeyla, (…) usava a mão esquerda quer na escrita, quer a combater, razão por que fi-cou pelo nome de Ahmed Gran (esquerdino), e entre os portugueses como o granhe ou “canhoto”. A partir de 1526 os muçulmanos reagruparam-se.

mosquetes otomanos lançam grande pelouro de muito maior compridão que os nossos, por onde fazem maior chegada as balas eram mais pesadas – “são escopetas grandes como mosquetes e que tiram onça e meia de bala…”, e como o observador indica, apenas os mosquetes europeus se lhes podiam comparar tanto em alcance como em poder de fogo” (Sousa, 2008, p. 68).

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[liderados por Ahmad bin Ibrahim al Ghazi]. Procedeu à atualização do exército através da importação de armamento moderno e contratação de mercenários turcos, movendo uma guerra sem tréguas contra a Abissínia, que colocou o reino cristão à beira do fim (Sousa, 2008, p. 41).

Por último, o imperador Cláudio II (preste João), que de acordo com Sousa (2008), Cláudio II é filho de David II, que em 1517 derrotou os muçulmanos e pôs em paz durante uma década aquela região. Essa paz manteve-se até ao reagrupar por parte dos muçulmanos sob a liderança de Ahmad bin Ibrahim el-Ghazi, em 1526. A partir deste momento, toda esta região não teve paz nem sossego. Com a morte em 1540 do seu pai, ascende ao trono, tornando-se im-perador, e tendo em mãos uma situação complicadíssima, mas seu pai, antes de morrer, pediu auxílio aos portugueses. Segue-se a análise crítica da campanha. O conceito de liderança no século XVI é com certeza um pouco diferente daquele que hoje é definido pois trata-se de duas sociedades completamente diferentes. Nesta época, em nome de Deus e do Rei, a motivação era suficiente, mas, era importante que o comandante fosse alguém a quem os homens reconhecessem qualidades. De entre todos os comandantes 35 envolvidos na campanha da Eti-ópia, D. Cristóvão da Gama; Ahmad bin Ibraim el-Ghazi (o rei de Zeyla) e o Imperador Cláudio (o Preste João), a informação sobre a interação destes com os seus homens são escassos, ou mesmo inexistente.D. Cristóvão demonstra ao longo de toda a campanha a preocupação com os seus homens; espirito de abnegação e de nunca fugir à sua responsabilidade. 36 Era um homem que comandava pelo exemplo, e isso era transversal desde as situações teoricamente mais fáceis de resolver 37 passando pelas situações em combate 38. Foi um comandante extremamente lúcido e frio na hora de tomar as decisões, e mesmo na adversidade, era constante a sua presença a motivar os homens. Quanto a este último ponto é importante mencionar alguns aspetos. D. Cristóvão da Gama era, como anteriormente foi dito, apesar de novo, um comandante com alguma experiência no comando de homens segundo a forma de combater naquele território. Esta campanha, como foi visto na hipótese Doutrina/ Boa Organização, apresenta características diferentes das restantes e, por isso, também seria necessário um comandante diferente dos demais. Um

35 Importa referir que os Turcos otomanos encontravam-se ás ordens de el Rey de Zeyla36 “Dom Christovão andava esforçando a gente, pondose sempre nos mayores perigos” (Castanhoso, 1898,

p. 33).37 “D. Christovão vendo que os carros não podiam passar, mandouos desfazer (…) era o primeyro qu elevava

as costas o que podia” (Castanhoso, 1898, p. 15).38 “Dom Christovão, vendo o mao trato que nos davão, acometeo muito rijo a subida, e [ todos o seguimos

(…)]” (Castanhoso, 1898, p. 23).

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dos pontos, que demonstra a sua relação com os seus capitães, é que debate a sua modalidade de ação com eles, homens mais maduros e experientes da guerra moderna, ou seja, possuem conhecimentos que lhe podem ser úteis no comando dos homens. Por outro lado, apresenta um conhecimento das tendên-cias que transpiravam de Itália. Mas como/onde é que ele aprende a dominar estas variáveis? O uso da artilharia móvel, dado que na sua experiência de combates apenas existia a artilharia embarcada; a fortificação, que também é novidade e o combate organizado, visto que o seu pai, Vasco da Gama, mostrou ter conhecimentos alargados no que concerne à guerra terrestre e o seu irmão D. Estevão da Gama combate na Índia numa forma já sua conhecida. Este comandante moderno português já estava habituado a comandar os homens; já aceitava de forma voluntária que o adversário fosse mais numeroso que a sua força, e também já estava acostumado a defrontar os turcos. Importa realçar a sua grande capacidade de adaptação, visto que teve uma formação virada para uma determinada forma de combate e nesta campanha, reformulou e aplicou no terreno as novas tendências da época.Relativamente a Ahmad bin Ibrahim al- Ghazi, ele não se empenhava no com-bate, ele comandava os seus capitães e estes com os seus homens executavam no terreno. Ao longo desta campanha, aquando da primeira vez que tentou chegar à frente para incutir maior agressividade nos homens, resultou no seu ferimento. De resto, no texto escrito por Castanhoso, o rei de Zeyla aparenta, fruto quiçá do ainda desconhecimento do poderio dos portugueses, ter falta de humildade 39, visto desprezar e tentar humilhar D. Cristóvão e os seus homens. Se por um lado se pode interrogar a sua competência como comandante de homens, visto que, antes de lá chegarem os portugueses ou mesmo já com es-tes, os abexins eram combatentes sem grandes recursos materiais e em termos individuais fracos, no que diz respeito ao seu poder aglutinador de massas, não restam dúvidas de que é uma entidade unanimemente aceite. Exemplo prático disso, foi o reagrupar em torno de si todos os muçulmanos que depois da morte de Mafude ficaram sem líder. Um outro exemplo em que a sua presença era motivadora, foi o dos acontecimentos depois da sua morte. Sem este homem para congregar esforços, os muçulmanos deixaram de constituir um problema para os abexins, pois, a vontade e a capacidade de combate morreu com este líder muçulmano.O imperador Cláudio II, ou Preste João, ao longo da campanha foi pratica-mente inexistente. Já com D. Cristóvão morto pelo rei de Zeyla, finalmente o

39 “Mandou el Rey de Zeyla hum rey de armas a Dom Christovão; e mandou-lhe dizer, que se espantava muito como tivera tamanha ousadia de com tão pequeno poder parecer elle; que bem parecia tão moço, como lhe dizião, e inocente sem experiencia” (Castanhoso, 1898, p. 29).

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Preste João se encontra com os portugueses, e é ele que vai comandar uma última batalha contra os muçulmanos que culmina com a morte do Granhe. Cláudio II, como imperador da Abissínia é respeitado e intocável, pois nin-guém discorda da sua autoridade e poder. Contudo, apesar de ser quase como um deus, demonstra ser uma pessoa humilde, pois reconhece todo o esforço e competência dos portugueses, propondo-lhes que fossem eles a comandar o ultimo combate, também em jeito de vingança. Por outro lado, aparenta ser um homem preocupado com o bem-estar do seu povo, daí, ter esta capacidade de juntar à sua volta todos os homens disponíveis.Nesta campanha, sem querer atribuir um lugar do pódio a todos eles, D. Cris-tóvão foi o que mais se distinguiu, e pode-se constatar isso:

Assim que depois que el Rey de Zeyla cortou a cabeça a Dom Christovão, soubese pelas tendas dos Turcos, aos quais pesou muito em estremo, e forão se logo a el Rey mui irados, que como matara o capitão dos Portugueses, sem lho fazer saber; porque nenhuma cousa poderão levar daquela terra ao Grão Turco, com que mais folgara, que com elle, sabendo quão esforçado era, e que o levavão em sinal de tão grande victoria (Castanhoso, 1898, p. 51).

4.1.4 Hipótese: Terreno

O terreno é sempre um fator extremamente importante a considerar. Saber tirar o melhor partido deste é essencial para a vitória. Para um comandante de homens no terreno, a obtenção de informações é essencial para poder deslocar a força em segurança e pelo melhor itinerário. Bem como a confirmação do melhor local para estabelecer o arraial, preparando este para o combate ou simplesmente para o descanso. Este terreno, já estudado anteriormente mas numa visão abrangente de todo o reino, era bastante difícil 40 para quem tem de se deslocar a pé e, se se juntar todo o material que foi desembarcado para transportar, a missão é ainda mais complexa. Exemplo neste terreno, de uma árdua travessia 41, foi quando os próprios animais não foram capazes de trans-portar a carga, aumentando desta forma, o desgaste nos homens. Este é um ponto que difere de outras campanhas. Estes homens faziam muitos dias a andar

40 “Era muito áspero e longo o trajecto desde o forno de Maçuá ao interior da Etiópia. As caminhadas tornavam-se mais fatigantes sob o sol ardente, pisando um terreno duro que magoava e feria os pés. A água faltava com frequência” (Domingues M. , 1962, p. 172).

41 “Quando atingiram as serranias, pejadas de encostas escarpadas e desfiladeiros abruptos, os camelos recusavam-se a transportar cargas. Então os homens substituíram-se aos animais, levando aos ombros os incómodos fardos e carregando sobre o dorso as bombardas de bronze que pesavam toneladas” (Domin-gues M. , 1962, p. 172).

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debaixo de temperaturas extremas e com todo o seu arraial, algo que em outras paragens não acontecia, aumentando exponencialmente o desgaste em todos. Como medidas para diminuir esse cansaço, por vezes, quando não era de todo possível iniciar a caminhada, esperavam pela noite para tal. O valor tático do terreno já foi abordado anteriormente (hipótese 1- Doutrina/ Boa Organização), contudo, é de valor mencionar que, em todo o reino, os locais de maior ele-vação eram os pontos fortes de defesa, ocupados por população abexin ou por homens do rei de Zeyla. Apesar de ser um território predominantemente hostil para a sobrevivência, existiam alguns locais onde seria possível reabastecer e descansar. Estes (assim como outros), eram os possíveis destinos da força sempre que se retiravam de um local para o outro. Normalmente estes locais localizavam-se em serras pois, dessa maneira garantiam também a sua defesa, uma vez que, ninguém possuía tecnologia que pudesse destruir muralhas com exceção dos portugueses com a sua artilharia. Enquanto não chegavam ao des-tino, era necessário montar o arraial, e nestas condições, tentava-se escolher o terreno mais favorável em termos defensivos e que pudesse suprir as carências da força. 42 Este terreno, aliado às suas condições climatéricas desgastaram bastante ambos os lados, no entanto, um aspeto é diferenciador, enquanto os portugueses e abexins se deslocavam pelo próprio pé, a força do rei de Zeyla deslocava-se maioritariamente a cavalo.

4.1.5 Fator Moral, Fator Intelectual e Inimigo Fraco

Hipótese: Fator Moral 43

A moral cristã, patente nas forças abexins e portuguesas, era de perpetuar o reino cristão naquela região. A moral muçulmana (os naturais e os turcos otomanos), estava patente no seu líder, que pretendia erradicar os cristãos daquela região do globo. O moral das forças portuguesas, e dos abexins, era elevado desde o início e ganhou alguma consistência, à medida, que o tempo ia decorrendo, devido aos resultados que os combates iam tendo. Após a morte de D. Cris-tóvão, esse momento de dor pela perda do seu comandante, serviu também de

42 “e como chegámos á vista da ribeyra (…), e quis ali descansar poe ser já tarde, e a terra aparelhada para isso” (Castanhoso, 1898, p. 37).”fomos dous dias athe chegarmos a hum senhorio, que se chama Agame (…), os lavradores nos sahirão [a receber com muitos mantimentos]” (Castanhoso, 1898, p. 18).

43 “[murál]. s.f. (Do latim morãlis). 1.Conjunto das práticas, sentimentos e juízos relativos ao bem e ao mal e á conduta em geral= costumes, moralidade. [murál]. s.m. (Do latim morãlis). 1. Conjunto das faculdades psíquicas”. (Academia das Ciências de Lisboa; Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 2523). “O bom Moral resulta diretamente do bom comandante. A manutenção do Moral constitui uma responsabilidade do comando e compete aos comandantes de todos os escalões” (Soares & Adelino, 1963, p. 163).

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união. 44 Da parte dos muçulmanos, onde se incluem, as forças de Adal e os turcos otomanos, no primeiro contacto estavam bastante confiantes na vitória, o moral era alto, mas com os sucessivos reveses diminuiu e pode-se vislumbrar isso no local onde o próprio rei de Zeila se desloca. 45

Hipótese: Fator IntelectualEntende-se por fator intelectual, a vivência e a cultura militar expressa na experiência dos homens em combate. Os homens com que os portugueses se apresentam, eram indivíduos com larga experiencia em combate e habituados a uma vida dura. A viagem de Lisboa para a Índia, apesar de já ser norma, é sempre desgastante; a vida no destino é um vaivém em torno do Índico e na conquista de alguns pontos importantes (locais estratégicos) no mar vermelho. Se por um lado, o analfabetismo predominava entre os homens, por outro lado, a cultura militar era algo que eles dominavam, visto, o combate ser o seu “core business” 46. Por parte das forças Turcas, eram também indivíduos experientes na arte militar; homens mercenários muito bem treinados e equipados. Estas eram as forças que, possivelmente poderiam fazer a diferença no terreno, de-vido à sua maior cultura militar. Os abexins e os muçulmanos de Adal, eram muito semelhantes em termos de cultura militar, sendo que se faziam valer essencialmente da sua vontade e abnegação do que pela sua arte militar. A sua cultura militar parece, dado o armamento disponível, centrado mais em práticas antigas do que nas inovações que aparecem, nomeadamente as armas de fogo.

Hipótese: Inimigo FracoNormalmente, quando se assume uma postura ofensiva, esta pode assumir vá-rias finalidades, tais como conquistar terreno; obter informações; desestabilizar; explorar o fator surpresa; (…). Nesta campanha, o rei de Adal, contando com o apoio dos turcos, pretendia conquistar todo o território. Após alguns combates com o Preste João, assumiu que seria uma questão de tempo para conseguir o seu objetivo. Militarmente era superior em tudo ao seu adversário. Assim sendo, nesta vertente, pergunta-se: se os abexins fossem realmente um reino cristão militarmente poderoso, a conquista por parte dos muçulmanos seria imaginável? É de difícil resposta, contudo, apresentando-se aparentemente como um reino

44 “Hião seguindo o alcance aos mouros principalmente os Portugueses, que se não fartavam de vingarse” (Castanhoso, 1898, p. 61).

45 “No primeiro contato com os portugueses. “Pareceo a el Rey de Zeyla,que estava vendo de fora.” (Cas-tanhoso, 1898, p. 33). “No último confronto com os portugueses:”el Rey de Zeyla vinha na dianteira” (Castanhoso, 1898, p. 60).

46 Significa [o combate], ser essa a sua principal atividade.

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isolado, sem estabelecer contacto ou relações comerciais/militares regulares com outro reino e tendo uma componente militar medíocre, reunia as condições para que os muçulmanos atuassem sem grandes preocupações. Os abexins eram de fato pobres militarmente e em confronto direto com os muçulmanos e os turcos otomanos partiriam em desvantagem teórica, no entanto nunca desisti-ram de lutar. Este é de resto o único ponto de vista onde se pode considerar que o opositor é mais fraco que ele. Aquando da entrada dos portugueses, a última força a entrar em combate, estes, se por um lado possam ter despre-zado o valor militar dos naturais, já o valor militar dos turcos otomanos era seu conhecido dos combates na Índia. Aliado a isto, o fato de o reforço destas forças serem mais eficientes, visto terem um manancial humano muito maior, pode dar a entender que os portugueses acreditavam que podiam ganhar mas não desprezaram o adversário.

4.2 lições AprendidAs

A questão derivada, Quais as Lições aprendidas? da campanha da Etiópia 1541-1543, visa identificar os aspetos-chave que acabaram por se evidenciar dos demais. A aplicação prática das influências que fomos ao longo do tempo absorvendo, tais como a forma suíça e a prática espanhola, foi implementada e com sucesso nesta campanha. A juntar a estas, os ensinamentos da guerra de Itália 47 permitiram a D. Cristóvão um leque de alternativas que, com a sua agilidade mental, lhe permitiu tirar o melhor partido destas. Em destaque, a artilharia, foi uma arma de preciosa ajuda, pois o seu poder de destruição, capaz de atingir indiscriminadamente os elementos do campo de batalha, permitiu equilibrar o desfasamento de efetivos de ambos os lados. A fortificação teve também um papel central na proteção da força. No que diz respeito a D. Cristóvão da Gama, como comandante da força por-tuguesa, poderia ter tido uma conduta mais de autodefesa. Para tal, daria as orientações aos seus capitães e seguiria na retaguarda. No entanto, nunca o fez, e a sua presença na linha da frente de combate, motivava os seus homens, ou pelo menos fá-los avançar. Este aspeto de liderar na proximidade com os ho-mens, ainda apresenta algum peso, na medida em que mesmo perante as armas de fogo ninguém retrocede. Outro ponto, é o reconhecimento de faculdades/

O grande laboratório que foi a Itália neste período com as suas guerras, mostrou a grande utilidade da artilharia móvel; das técnicas de fortificação e do comando de homens experientes em detrimento da sua classe social. Ainda a relevância da infantaria em formações ordenadas- ordenança. A importância da conjugação de todas as forças no terreno é o aspeto mais relevante destas guerras.

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capacidades a homens que, não sendo nobres ou fidalgos, assumem lugares vitais e revelam competência no terreno.Relativamente ao terreno, aprendeu-se a deslocar uma força com todas as pre-ocupações táticas inerentes, tais como a segurança de flanco, retaguarda e na vanguarda. Além disso, tiveram de ter a capacidade de ajustar o dispositivo em função do terreno que se apresentava, e por várias vezes o terreno era de difícil progressão. A disposição do arraial com os novos elementos, fortifica-ção e artilharia, foi um desafio que aparenta ter sido bem resolvido pois não permitiu o seu controlo e foram de grande utilidade no combate. A questão do moral nos homens é importantíssima. D. Cristóvão neste aspeto fez uma boa gestão pois manteve o moral num ponto de equilíbrio. Não existia excesso de confiança nem medo ou receio de combater. Quanto ao aspeto in-telectual, verificou-se no terreno que as forças com maior cultura militar; com mais experiência (os portugueses e os turcos), controlava os ritmos do combate e tinham menos baixas que as restantes. Por fim, a noção de inimigo fraco, é uma falsa hipótese para qualquer um que pense atacar um outro. Existem fatores como a vontade de combater; a deter-minação (…), que, não sendo fatores quantificáveis, podem influenciar imenso o resultado do combate. Em último caso, se o desnível for muito acentuado entre as forças, pode-se efetuar um pedido de auxílio a um aliado que permita equilibrar para fazer frente ao seu adversário. Estas foram as hipóteses levantadas e algumas delas apresentaram-se como aspetos bastante positivos. Outras não tiveram tanta influência. Neste capítulo, impõe-se ainda referir a importância da cavalaria. A ausência desta foi um pormenor relevante, visto que os homens tinham capacidade para combater a cavalo como no fim demonstraram, já com o Preste João no comando. A reter para futuras operações que se desenvolvam bem no interior de um território, a necessidade de ter uma linha de comunicação para sustentar a força sob pena desta não ter condições para continuar a missão. A combinação das três armas [infantaria, cavalaria e artilharia], aliada à fortifi-cação; uma boa liderança e um sistema de comunicação que permita abastecer a força, são vertentes que perduraram no tempo e inclusive hoje, não se podem descurar.

5. CONCLUSÕES

O presente artigo teve como estudo a campanha da Etiópia de 1541-1543. Esta trouxe diversas novidades para a então obsoleta componente terrestre portuguesa na guerra moderna. Deseja-se com esta pergunta de partida Na campanha da Etiópia em 1541-1543, quais os fatores diferenciadores presentes

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na preparação e execução da força, que permitiram o sucesso a um grupo pequeno de homens? identificar o que distingue esta campanha das outras suas contemporâneas, ou seja, que inovações trouxe para a arte militar portuguesa de Quinhentos. Para responder a esta questão, procedeu-se a duas questões derivadas: Quais os fatores influenciadores da Campanha Portuguesa? Quais são as Lições aprendidas obtidas? Com os fatores influenciadores, pretendeu-se verificar qual ou quais deles contribuíram para que esta força tivesse sido bem-sucedida. Estes foram de-signados por doutrina; desenvolvimento tecnológico; terreno; liderança; fator moral; fator intelectual e inimigo fraco. Em pleno século XVI, a componente doutrinária militar terrestre, apesar de desde 1415 a combater no Norte de Africa e no início de 1500 alargar o combate para a Índia, encontrava-se um pouco obsoleta, relativamente às inovações da guerra moderna. Estas inovações advêm das guerras de Itália (1494-1559), onde as principais forças militares (mercenárias) se digladiam e produzem novos conhecimento da arte militar. As inovações registadas são a utilização da artilharia móvel e das técnicas de fortificação, sendo que a primeira teve um papel primordial no desenrolar da campanha. A arte militar espanhola sobrepõe-se a todas as outras, e é fonte de inspiração para muitos reinos, incluindo o português. “Fossem suíços e andassem em ordenança” 48, foi o modelo que vingou e que teve um ótimo desempenho. Outro aspeto que é introduzido e ainda reflexo de Itália é a atribuição dos lugares de comandantes pelo mérito; competência; experiência em detrimento da condição social. Assim, a falta de textos que expliquem como se combate é ultrapassada com a sincronização de todas estas componentes. Aqui, resulta que o comandante D. Cristóvão, apesar de novo, deve ter tido acesso de algu-ma forma aos mais recentes conhecimentos. Desta forma, é de registar o seu desembaraço; a agilidade mental uma vez que a sua formação foi sobretudo na Índia, onde o modo de combater e o decurso das operação eram diferentes daquilo que na Etiópia se efetuou. Além da sua competência que é reconhecida, é visto também como um exemplo pelos homens devido à sua forma de estar. Com estes atributos, consegue manter o moral da tropa elevado apesar de se encontrarem num terreno muito difícil, com condições meteorológicas adver-sas e com um adversário aguerrido. Este terreno árduo, constituído por serras e deserto, provocava bastante mais desgaste nas forças portuguesas uma vez que se deslocavam a pé com material pesado. Todos os fatores acabaram por influenciar, com maior ou menor peso, contudo, a “doutrina”, onde se encontra os grandes ensinamentos das guerras de Itália e a liderança praticada por D. Cristóvão destacam-se dos demais.

48 (Sousa, 2008, p. 30).

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Com as Lições aprendidas, pretendeu-se retirar as principais ilações, ou seja, os pontos fortes e vulnerabilidades. Na campanha, os pontos fortes registados foram a “doutrina”, ou seja, a aplicação no terreno dos ensinamentos da guerra de Itália (aqui já está incluído o desenvolvimento tecnológico e o aproveita-mento do terreno). A liderança de D. Cristóvão que nunca foge da sua res-ponsabilidade de dar o exemplo e assim é-lhe reconhecida a sua competência. O fator moral da força é importante que não esteja nos índices mais elevados pois pode gerar frustração em caso de algum insucesso ou de menor sucesso e o fator intelectual, onde se evidenciou que quanto maior a experiência de combate, maior benefício o próprio homem e o seu comandante poderiam ter, pois a sua cultura militar permite-lhe ter uma maior sobrevivência no campo de batalha. Como pontos vulneráveis, a ausência de cavalaria foi notória e em algumas ocasiões teria sido muito útil. Deve-se acrescentar que, se os turcos tivessem levado de início a artilharia que posteriormente colocaram no terre-no, esta campanha teria sido mais rápida e com outro resultado. Dado que os portugueses lutaram sozinhos, esta arma foi notoriamente decisiva. Exemplos disso, enquanto só os portugueses a tinham, foram vencendo o seu adversário. A partir do momento em que o inimigo equilibrou nesta vertente, o combate foi mais nivelado. Depois, revelou-se que o magro efetivo (que era disfarçado até então pela artilharia), não era suficiente para fazer frente aos numerosos muçulmanos de Adal e aos experientes turcos otomanos.Uma vez respondidas as duas questões derivadas, a resposta à questão central torna-se mais clara. O que torna diferente esta campanha das demais suas con-temporâneas, são os seguintes aspetos. A duração da campanha, sensivelmente dois anos e meio. O facto de durante todo este período o contingente português se encontrar longe de qualquer ponto de apoio e sem linhas de comunicação de abastecimentos com outras forças portuguesas. Este aspeto, aquando de opera-ções bem no interior de um território, é essencial a ter como preocupação. O uso da artilharia móvel e de técnicas de fortificação. O combate organizado e o dispositivo da força nos deslocamentos. Ainda a mencionar, a presença de homens no comando, sem serem nobres ou fidalgos. Este comando, não é o de comandante, esse pertencia a D. Cristóvão, mas nos escalões intermédios. Noutro âmbito, se se pensou que a Etiópia poderia ser uma base para que a cristandade se expandisse ou, uma base para as operações no mar Vermelho, esta campanha demonstrou a dificuldade no cumprimento daquele propósito. No primeiro caso, o isolacionismo aliado aos aguerridos vizinhos muçulmanos, não o iriam permitir. No segundo caso, a extensão das linhas de comunicação e o poderio dos turcos otomanos na região inviabilizariam tal propósito.Esta campanha foi claramente um sucesso. O objetivo inicial de ir em auxílio do Preste João, devido à vontade expressa do rei muçulmano em erradicar a fé

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cristã daquela região, foi claramente cumprido. Nem mesmo a morte de inú-mero portugueses, ou mesmo a do seu comandante, D. Cristóvão, apaga o que ali foi conseguido. Em termos militares, as Guerras de Itália foram o grande laboratório da guerra moderna. A Etiópia, constituiu mais um passo para que a componente terrestre portuguesa, se adaptasse à guerra moderna. A duração da campanha, obrigou a uma capacidade de resiliência e lucidez notáveis.

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João Magalhães a1, João Ribeiro ba Regimento de Guarnição n.º 3, Rua Estefânia 3, 9000-096, Funchal (Madeira), Portugal.b Escola Prática de Infantaria, 2640-492, Mafra, Portugal.

ABSTRACT

This Investigation paper on the theme “The Infantry Battalion of the European Union Battlegroup” aims to clarify the capabilities and features of a maneuver battalion sized unit required to integrate a BG.The aim is to carry out a study directed to identify which Infantry Battalion is more suitable to integrate a BG.To conduct this study, I went through an exhaustive bibliographical research, which was the basis for the development of a questionnaire intended to verify the hypotheses related with the main question raised: “Which Infantry Battalion is more appropriate for the Battlegroup?” The method used was a qualitative analysis, under a case study format.After analyzing the results it is concluded that a light infantry unit with a strong deployment capability, and material and equipment providing protection and mobility its the best answer, organized in order to allow more flexibility of employment, through combinations of several different types of assets, including suportting capabilities to increase its own potential may contain an organization that confers greater flexibility, by combining various types of media and other capabilities including the ability to increase employment.

Key-Words: Battlegroup; European Union; Infantry Battalion; EUROFOR

o BAtAlhão de infAntAriA do BAttleGroup dA união europeiA

1 Contactos: Tel. - +351 916 560 135Email: [email protected] (João Magalhães)

Recebido em 4 de Outubro de 2012 / Aceite em 6 de Novembro de 2012

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RESUMO

Este estudo tem, como tema “O Batalhão de Infantaria do Battlegroup da União Europeia”, visando identificar as capacidades e as características que um Batalhão necessita para integrar um Battlegroup. E ainda o estudo tem como objectivo dar a conhecer qual a Unidade de Infantaria escalão Batalhão que se encontra nas melhores condições para se formar num Battlegroup.Para a realização do estudo, efetuou-se uma pesquisa bibliográfica, que serviu de base para a elaboração de um questionário para verificar as hipóteses de resposta para a questão central: “Qual o Batalhão de Infantaria mais adequado para constituir o Battlegroup?”. Ressalve-se que o método que foi utilizado na realização deste trabalho foi a análise qualitativa sob a forma de estudo de caso.Após a análise dos resultados concluiu-se que a melhor resposta reside numa unidade de infantaria ligeira que possua uma grande capacidade de projeção, material e equipamento que confiram real proteção e mobilidade. Esta Unida-de deve ter flexibilidade através da conjugação de várias tipologias de meios, incluindo outras capacidades para aumentar a sua capacidade de emprego.

Palavras-Chave: Battlegroup; União Europeia; Batalhão de Infantaria; EUROFOR

1. INTRODUÇÃO

Este estudo tem como objetivo enunciar as capacidades e as características es-senciais para um Batalhão de Infantaria integrar um Battlegroup (BG) da União Europeia (UE). Visa, ainda, elencar o tipo de subunidades que o constituem, procurando verificar se existem ou não diferenças com o primeiro BI/BrigInt que constituiu o BG da EUROFOR 2011-2. Desde a sua conceptualização com a Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1958, o projeto europeu tem como finalidade estabelecer um mercado comum. Mais tarde, com o Tratado de Maastricht 2, é oficialmente institucio-nalizada uma nova personalidade jurídica – a UE -, em 1992. Nessa altura, a construção europeia apresentava-se numa estrutura tri-pilar 3 (forma de templo grego), em que no segundo pilar estava inserida a Política Externa e de Segu-rança Comum (PESC) 4. A UE criou e desenvolveu, então, alguns mecanismos políticos e económicos, dispositivos civis e militares para conseguir responder a necessidades várias de gestão de crises internacionais.

2 Assinado em 7 fevereiro de 1992, entrando em vigor a 1 de novembro de 1993.3 O primeiro pilar correspondia ao pilar comunitário que, por sua vez, correspondia às três comunidades: a Comu-

nidade Europeia, a Comunidade Europeia da Energia Atómica (EURATOM) e a antiga Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). Por sua vez, o Terceiro Pilar abrangia a cooperação judicial e policial em matéria penal.

4 No capítulo 2 são abordadas mais ao pormenor.

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Nesse sentido, o Conselho de Ministros da União Europa Ocidental (UEO) realizado no dia 15 de Maio de 1995, declara a criação da EUROFOR pela França, Itália, Espanha e Portugal. Contudo, a EUROFOR só se torna ativa no ano seguinte, numa cerimónia realizada em Florença, a 9 de novembro, em que estiveram presentes os ministros da defesa dos países referidos. Desta forma, a EUROFOR atingiu a sua Initial Operational Capability (IOC) em novembro de 1997 e a sua Full Operational Capability (FOC) um ano depois (1998), no dia 9 de julho. Contudo, é só em 2000 que esta força efetua a sua primeira missão, na Albânia, integrada na Kosovo Force (KFOR).Com a Cimeira de Saint-Malo (1998), bem como nos Conselhos Europeus de Helsínquia e de Santa Maria da Feira, em 1999 e 2000 respetivamente, a UE sublinha a importância das Missões de Petersberg 5, alargando-as e assumindo assim responsabilidades ao nível da segurança internacional. Desta feita, reforça o seu segundo pilar, pois este encontrava-se enfraquecido devido à incapacidade de resposta da UE verificada na crise dos Balcãs (Xavier, 2010).Assim, em 2004, é criado o conceito de BG da UE devido ao sucesso que a Opera-ção Artémis tivera na resposta ao pedido da Organização das Nações Unidas (ONU) para a intervenção na República Democrática do Congo. Este conceito atingiu a IOC, em Janeiro de 2005 e, finalmente este atingiu a FOC, no dia 1 de Janeiro de 2007.O objetivo geral é demonstrar qual a unidade de Infantaria de escalão Bata-lhão que se encontra em melhores condições para integrar um BG. Para tal, é também importante explorar a doutrina da União Europeia sobre os BG, logo, enunciar a estrutura orgânica de um BG e a tipologia de unidades de escalão batalhão adequadas a este tipo de capacidades. Estes objetivos são estabelecidos partindo do pressuposto que o sistema de forças do Exército permite a composição e articulação de unidades para o cumprimento de missões específicas.

2. O BATTLEGROUP DA UNIÃO EUROPEIA

2.1. evolução HistóriCA

A PESC, que foi institucionalizada com o Tratado de Maastricht, ao pretender contribuir para a cooperação entre os Estados-membros, permitiu à União ter uma voz internacional mais ativa e constituir uma nova forma de política ex-terna (Hermenegildo, 2009). Nascia, assim, o ator global (Bretherton e Vogler, 2006) de segurança e gestão de crises.

5 No capítulo 2 são abordadas mais ao pormenor.

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Para explicar como apareceu o conceito do BG da UE, temos de regressar aos anos noventa e à crise que a Europa atravessou por não conseguir resolver os seus próprios problemas. Cite-se, a título de exemplo, a crise dos Balcãs, mais propriamente, a crise da Bósnia e da Macedónia no ano de 1992, ou a crise da Albânia e do Kosovo em 1998. Neste mesmo ano de 1998, em Saint-Malo, reúnem-se os chefes de Estado e do governo do Reino Unido e da França. Desse encontro, nasce uma declaração que, no futuro, será vertida na Política Europeia de Segurança e Defesa (doravante PESD). Foi, contudo, a crise do Kosovo que veio demonstrar que a UE não tinha capacidade para resolver problemas ao nível da segurança na sua área de influência. Essa crise mostrou, ainda, que existia a necessidade de aumentar a sua capacidade militar para minimizar a dependência face aos EUA. Desde logo, a iniciativa franco-britânica colheu o apoio da Alemanha (Merlingen e Ostrauskaite, 2006), ainda que a PESD só tenha sido formalmente adotada em Junho de 1999, no Conselho Europeu de Colónia. A UE veio a construir a sua política no âmbito da segurança e da defesa tendo por base as “Missões de Petersberg”, missões que já estavam consignadas na declaração de Petersberg de 1992 da UEO. Foram incluídas no então tratado da União Europeia (artigo 17.º), atual artigo 43.º do Tratado de Lisboa, que inclui estas missões, mas que também as expande (Silva, 2008). No quadro-resumo abaixo (quadro n.º1), conseguimos visualizar a inclusão de novas missões que vieram a colmatar “lapsos” que tinham sido identificados durante a vigência do tratado da União Europeia.

Quadro 1: Missões da UE

No final do ano de 1999 e durante o Conselho Europeu de Helsínquia, a UE desenhou tanto a estrutura da sua PESD como o Headline Goal 2003 que previa que os Estados Membros não só dessem respostas às missões de Petersberg

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introduzidas pelo Tratado de Amesterdão, como também criassem uma força de reação com um efetivo de sessenta mil militares projetada em apenas ses-senta dias (Keane, 2005). Nesse momento, a UE considera assim as forças de reação rápida como uma ferramenta muito importante na resposta às operações de gestão de crises.Com o Tratado de Nice 8 algumas alterações foram introduzidas, quer na ati-vidade das instituições políticas comunitárias, quer no sistema jurisdicional da Comunidade. Assim, aconteceram modificações relativamente à Comissão, ao Conselho e ao Parlamento Europeu (Soares, 2002) Embora a primeira missão lançada sob os auspícios da PESD se refira à European Union Military Operation in the former Yugoslav Republic of Macedonia, é a 12 de junho de 2003 que o Conselho da UE aprovou a decisão de lançar uma operação da PESD, operação de grande relevância para o presente estudo - a “Operação Artémis” 9, surgida devido à falta de capacidade da ONU para lutar contra as milícias que se situavam na região de “Bunia”. O então secretário-geral das ONU, Kofi Annan, solicitou à estrutura da UE que desse seguimento a missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUC). A operação Artémis era constituída pela França como “nação quadro” (responsá-vel pela operação) e era constituída por cerca de 1800 militares. No entanto, esta operação estava limitada no tempo, pois terminava a 1 de setembro de 2003. A UE foi, então, rendida pela força da ONU (MONUC) 10. Saliente-se que o balanço desta operação é positivo, pois na perspetiva de Aldo Ajello 11 a pronta resposta evitou um massacre em grande escala, ajudando assim na criação de condições necessárias para a realização do processo político que estava parado até àquela data. A operação Artémis ficou, assim, para a história, pois tratou-se da primeira intervenção de gestão de crises efetuada autonomamente (sem apoio de outro ator de gestão de crises). Provou a capacidade que a UE tinha de dar uma resposta rápida a uma emergência num teatro de operações longínquo que exigia muito a nível logístico (Xavier, 2005) e permitiu o nascimento do conceito do BG na UE. Assim,com esta operação a UE criou uma força de reação rápida com a capacida-de de 1500 militares, comandados por um Operation Headquarters (OHQ) e, no terreno, por um Force Headquarters (FHQ), projetados num prazo de 10 dias e auto-sustentáveis até 60 dias, a distância não superior a 10.000 km (Silva, 2008).

6 Como foi introduzido pelo Tratado de Amesterdão em 1 de maio de 1999.7 Como foi introduzido pelo Tratado de Lisboa em 13 de dezembro de 2007.8 Adotado na sequência do Conselho Europeu de Nice, em dezembro de 2000, e assinado em 26 de fevereiro

de 2001, o Tratado de Nice entrou em vigor em 1 de fevereiro de 2003.9 “A operação “ Artémis” foi efetuada a pedido das Nações Unidas, com o fim de garantir a segurança da

cidade de “Bunia” na província do “Ituri” na República Democrática do Congo.” (Silva, 2008).10 No dia 1 de julho de 2010 a MONUC passou a MONUSCO - United Nations Organization Stabilization

Mission in the Democratic Republic of the Congo.11 Aldo Ajello foi o Representante especial da União Europeia na região dos Grandes Lagos de 1996 a 2007.

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Da cimeira franco-britânica de 24 de novembro de 2003, cuja agenda refletia o tema da cooperação europeia de segurança e defesa, saiu uma declaração em que os dois países quiseram definir um modelo de atuação, baseando-se, para tal, na operação Artémis. Posto isso, a UE deveria ser capaz de responder, através da PESD, a pedidos efetuados pela ONU, fosse em África, fosse em qualquer outro lugar do mundo. A proposta que se referia aos “Battlegroups” (Britânicos) ou aos “Tactical Groups” (Franceses) só foi, contudo, aprovada a 10 fevereiro de 2004. Foi submetida ao Comité Político e de Segurança (COPS) que, por sua vez, pediu um parecer ao Comité Militar da UE (CMUE). O con-ceito começou a ganhar força após a reunião informal que reuniu ministros da defesa e chefes de estado-maior nos dias 5 e 6 de abril de 2004. Subsistiam as expetativas iniciais de, em 2007, o primeiro BG estar operacional. Depois do acordo prévio Franco-Britânico-Germânico, agendou-se um Conselho onde estiveram presentes os ministros dos negócios estrangeiros, bem como os mi-nistros da defesa. Dessa reunião, saiu a necessidade de reformular um novo Headline Goal, o Headline Goal 2010 (Quille, 2006).O Headline Goal é um conceito que surge a 17 e 18 de junho de 2004, nas con-clusões do Conselho Europeu, espelhando as deficiências existentes e a corrigir, para que os Estados Membros conseguissem dar uma resposta rápida a todas as necessidades e em todo o espetro de missões abrangidas pelo tratado da UE. Este comunicado referia, ainda, não só a necessidade de operações conjuntas de desarmamento, como também de combate ao terrorismo e de reforma do setor da segurança. Um passo importante já que: “Os Estados Membros deci-diram estabelecer um novo Headline Goal que refletia a Estratégia Europeia de Segurança bem como o ambiente estratégico e tecnológico”. Tem por base as missões de Petersberg e as tarefas estabelecidas no tratado de Amesterdão (Lidley-French 2005, p4). No dia 1 de janeiro de 2005, o conceito de BG atingiu a Initial Operational Ca-pability (IOC) consistindo em dispor de um BG em standby numa base fixa. No dia 1 de janeiro de 2007, o conceito atingiu a Full Operational Capability (FOC). Passou a ter à sua disponibilidade dois BG para efetuar operações de reação rápi-da, podendo estas ocorrer, se necessário, quase em simultâneo (Hamelink, 2005).

2.2. o ConCeito do bAttlegroup

Para Rodrigues (2010), o conceito de BG na UE (BG UE) designa um conjunto de forças disponíveis para assumir operações com elevado nível de autonomia, com pouco tempo de pré-aviso que, maioritária, mas não exclusivamente, atuam a partir de uma solicitação da (ONU) em missões previstas pelo capítulo VII da Carta 12.

12 Ação em caso de ameaça à paz, rutura da paz e ato de agressão

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Segundo o Conselho da UE (2007), o conceito do BG garante à UE uma ferra-menta para intervir com uma força de reação rápida e permite-lhe estar dotada de uma capacidade para responder a crises emergentes, tendo sempre em conta a capacidade do seu BG que se encontra em standby. Este conceito permite também aos Estados Membros dotarem as suas forças armadas de capacidade para efetuarem operações de reação rápida, em locais distantes e em larga escala. A tomada de decisão tem que ser rápida, pois os prazos estabelecidos necessitam de uma elevada prontidão na decisão que ocorre não só ao nível da UE, como também ao nível nacional, muitas vezes envolvendo os parlamentos. Por conseguinte, deve existir uma estreita ligação entre o meio político e o meio militar a estes níveis. O conceito de BG veio, por tudo o que ficou referido, contribuir para um reforço da identidade militar da UE.Segundo o deputado britânico Geoffrey Hoon (2005), os BG foram concebidos específica, mas não exclusivamente, para uma utilização rápida a pedido da ONU, mas também para intervenções rápidas em ambientes hostis. Este tipo de ações pode incluir ações de ajuda humanitária, bem como de prevenção de atrocidades.Os elementos-chave essenciais para um BG ser bem sucedido são: possuir uma força com um efetivo de cerca de 1500 homens, com apoio de combate e apoio de serviços; ter capacidade para ser projetado no prazo de 15 dias após apro-vação do CMC, e 10 dias após a tomada da decisão para a sua projeção, e ser autossustentável, no mínimo 30 dias, podendo todavia este prazo estender-se até aos 120 dias se reabastecido. O BG é desenhado para desempenhar operações ao nível do capítulo VII da Carta da ONU para restaurar a paz ou a segurança internacional. Pode ser constituído por Estados Membros, mas também está aberto à participação de outros Estados. O BG tem uma área de emprego que dista até 6000 km de Bruxelas, como se pode ver na figura 1. Bruxelas é o centro do raio de ação, mas aquela força pode ser utilizada em qualquer parte, a nível global. A força tem que ser pro-jetada e, se necessário, reabastecida no local.Podemos então concluir que o conceito de BG é um conceito operacional

Figura 1: Raio de Ação de BG desde Bruxelas.Fonte: Adaptado de Paccaud, n.d..

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que estabelece a necessidade de dotar a UE de forças (BG) com um QG pro-jetável para a força (FHQ) desenhado com base numa organização de tipo e escalão brigada, mas tendo como ponto central um BI reforçado com o apoio de combate e dos serviços que forem necessários. O BG tem 10 dias para estar a operar no teatro de operação, após a tomada de decisão política para o lançamento da missão. Após o «notice to move» (NTM), o BG tem 10 dias para a sua projeção, deve apresentar uma capacidade de autossustentação até aos 30 dias e, se for reabastecido, deverá, se necessário, permanecer no teatro de operações até aos 120 dias. Cabe-lhe ainda cumprir todo o espetro de Missões, devidamente ilustradas no quadro 1 (Rodrigues, 2010).Para apoiar o levantamento, preparação e projeção de um BG, a UE desenvolveu um conjunto de conceitos assessórios, como o BG Preparation Guide, o conceito de nação quadro e diversos conceitos funcionais (informações, logística, apoio médico, etc), que os diferentes intervenientes adaptam aos diferentes casos e combinações. Aponta-se como exemplo o conceito de preparação de um BG: Este passa por três fases: uma primeira fase, que compreende o planeamento, inclui as orientações gerais e o desenvolvimento doutrinário; uma segunda fase, relativa já ao aprontamento da força, consigna uma consolidação da doutrina e a preparação e certificação que se estende até à última fase - a de stand-by (CMUE,2006).

2.3. missões e CApACidAdes de um bAttlegroup

O BG da UE efetua CRO até 6000 km de Bruxelas, derivadas dos seguintes cenários: Separação das partes pela força, Restabelecimento da Paz e Segurança de linha de comunicações, Prevenção de Conflitos (incluindo Embargos), Operações de desar-mamento conjunto e Operações de Evacuação (aqui se compreendendo operações de evacuação de não combatentes) e Assistência Humanitária (compreendendo-se, nesta dimensão, a assistência aos movimentos migratórios) (CMUE,2006).Estas missões são planeadas e conduzidas pela cadeia de C2 da EU, que apresenta três níveis, nos quais são igualmente incluídas diferentes capacidades: o nível estratégico, materializado por um dos cinco quartéis-generais disponibilizados por países da União Europeia, designados por Operation Headquarters (OHQ). Estes níveis de comando operam a partir da sua localização física atual e são responsáveis pela geração, projecção e comando estratégico da operação, sendo no entanto estruturas que, normalmente, necessitam de incremento de pessoal, através de processos de bidding, no qual se identificam os necessários augmentees; o nível operacional, constituído num Force Headquarters (FHQ), projectado no teatro de operações específico, com a responsabilidade de planear e conduzir a

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operação no terreno, articulando as componentes que lhe sejam confiadas para o efeito. É nestas componentes que surgem outras capacidades inerentes ao conceito BG, nomeadamente os enablers ou facilitadores. Estes facilitadores podem assu-mir a forma de comandos de componente ou outra, para garantir as capacidades logísticas, de operações especiais, aéreas em especial no âmbito intra-teatro, navais ou outras consideradas necessárias. A indicação de um FHQ para uma operação da UE pode beneficiar da existência de cinco quartéis-generais nacionais deste nível, já constituídos e que podem ser disponibilizados à UE, ou de outros constituídos ad-hoc para o efeito, aos quais também se aplicam normalmente os processos de bidding descritos para os OHQ;Finalmente, o nível tático, corporizado por um quartel general, normalmente de escalão brigada, designado por BG Headquarters (BG HQ), e de um con-junto de forças de manobra, de apoio de combate e de apoio de serviços, num quantitativo desejável de cerca de 1500 elementos. (Ribeiro, 2012).

2.4. tipologiA de ForçAs de um bAttlegroup

Um BG da UE é constituído por um Batalhão de Infantaria reforçado com elementos de apoio de combate e de apoio de serviço. Os elementos de apoio de combate podem ser constituídos entre outros por estes elementos: Apoio de fogos, Engenharia, Defesa antiaérea, Reconhecimento, Guerra eletrónica, Opera-ções de informações, helicópteros de assalto e NBQR. Ao nível dos elementos de apoio de serviços estes podem ser constituídos por: Apoio logístico, Apoio Medico, Células CIMIC e Policia Militar.Dado o princípio da multinacionalidade, a interoperabilidade é da maior importância para assegurar a utilização eficaz das forças militares no teatro. A interoperabilidade é conseguida, em grande parte, pela via do treino constante, rigoroso e sistemático.O BI é constituído por um posto de comando de Batalhão, um Posto de Comando de Companhia, 3 companhia de atiradores, apoio de Fogos, reconhecimento e Apoio de Serviços. Devemos ter em conta, contudo, que o princípio da multinacionalidade não é aplicável abaixo do nível de companhia dentro dos BI (CMUE,2006).

2.4.1. A unidade de Escalão Batalhão

É importante assinalar que, ao nível do Batalhão, se notam algumas falhas no que se refere à disponibilização de informação por da parte da EU, circunstância que valeria a pena equacionar no sentido de melhorar o funcionamento de todo o pro-cesso. No que diz respeito à constituição do BI do BG, essa falta de orientações assume uma óbvia gravidade. As Nações constroem os BI tendo em conta as suas

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estruturas nacionais. De qualquer forma, cada um destes BI tem de possuir, na sua orgânica, um posto de comando de Batalhão, um Posto de Comando de Companhia, 3 companhia de atiradores, apoio de Fogos, reconhecimento e Apoio de Serviços.Neste subcapítulo vamos explanar a constituição de dois BI/BG - o caso Por-tuguês e (no próximo subcapítulo) o caso Polaco.

O caso Português:

Segundo o QO do BI/BG da UE, este é um sistema de manobra que se caracte-riza pelo emprego de forças na conjugação do movimento, a proteção e o poder de fogo, sendo este o sistema decisivo que opera no campo de batalha. O BI/BG tem uma fácil capacidade de projeção dos seus equipamentos orgânicos principais, sendo uma unidade de proteção blindada média.O Batalhão é constituído por três companhias de atiradores, uma companhia de apoio de serviços, uma companhia de apoio de combate, o comando do bata-lhão e o seu Estado-Maior. Apresenta, essencialmente, viaturas blindadas 8x8 Pandur II, mas também está equipado com sistemas Acar Carl Gustaf, Milan e morteiros 120 mm (Fernandes, 2010).

Figura 2: Organograma do 1ºBI/BG.Fonte: Adaptado de Estado-Maior do Exercito, 2011.

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O BI/BG está capacitado para poder atuar de uma forma independente ao nível da secção, executa ações de combate próximo com armamento portátil. Tem a capacidade de efetuar fogos diretos e indiretos, montados ou apeados, com os quais garante a concentração de fogo necessária a empenhar forças inimigas. A sua força tem a capacidade para manter a posse ou mesmo controlar terreno que tenha sido conquistado ao inimigo e ainda preparar posições defensivas, fazer a defesa de pontos fortes, ocupá-los e negar o acesso aos mesmos. Tem capacidade para observar e executar operações em áreas urbanizadas, efetuar operações de resposta à crise (CRO) e levar a cabo operações de controlo de tumultos até ao efetivo de uma companhia. Pode efetuar operações conjuntas e combinadas; está preparada para atuar em condições meteorológicas adversas (extremo calor ou frio) e em terreno de qualquer tipo/condição. Apresenta ca-pacidade para transportar 5DOS, garante o apoio a forças blindadas através do uso da proteção e da mobilidade, executa desminagem manual e destruição de obstáculos, encontrando-se equipada com equipamentos de proteção de pessoal e de equipamento, no âmbito do CBRN 13, e também contra RCIED 14 Apresenta capacidade para manter atualizada a rede logística relativa à classe III e V, bem como a rede de comando com os dados de combate e não combate; tem, ainda, capacidade orgânica para conseguir o apoio logístico e sanitário.Apresenta algumas limitações ao nível da sobrevivência face à ameaça blindada, um grande consumo ao nível das classes de abastecimento, classe III (com-bustíveis), classe V (munições) e classe IX (sobressalentes); dificuldades em terreno impeditivo 15, quando se trata de unidades montadas; quando apeadas, reduzida capacidade de Comando e Controlo (C2) e, por último, limitações ao nível da projeção e estratégia da força pelo facto de o equipamento ser pesado (Estado Maior do Exercito, 2011).

2.4.2 Exemplos Recentes

Para ilustrar, eis alguns dos exemplos mais recentes. Começando pelo BG 2010-1 polaco, este foi iniciado em outubro de 2008, quando foi dada a missão a uma brigada polaca de levantar um BG de acordo com o conceito do “EU Battle Group Preparation Concept” e de outros documentos da UE. O BG foi composto por 3185 militares. A Polónia foi a nação quadro, enquanto a Alemanha foi a

13 Chemical, Biological, Radiological, Nuclear.14 Remote Controlled Improvised Explosive Devices.15 Terreno Impeditivo - impede ou dificulta quase completamente os movimentos de forças em formações

de combate a não ser que seja efetuado um elevado esforço.

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Lead Nation para a área da Logística e do Apoio Sanitário, e a Eslováquia foi a Lead Nation para a Engenharia (Paccaud, n.d.).

Figura 3: Organograma do BG 2010-1.Fonte: Adaptado de Paccaud n.d..

Como podemos verificar na Figura 3, o BI Polaco era constituído por 4 com-panhias de Atiradores, uma companhia de morteiros, uma companhia de apoio de serviços e com um pelotão de Artilharia Antiaérea, um Pelotão de Reco-nhecimento, um Pelotão EOD 16 e um Pelotão Sanitário. Contudo o próprio BI incorporava unidades de outros países, importando para o seu interior o conceito de multinacionalidade.

2.5. tipologiA e CApACidAdes dos bAtAlHões de inFAntAriA do sistemA de ForçAs nACionAl

2.5.1 O Batalhão de Infantaria da Brigada de Intervenção

Os Batalhões de Infantaria da Brigada de Intervenção (BI/BrigInt) são sistemas de manobra que são caracterizados por forças que combinam o movimento e o poder de fogo, com os quais pretendem alcançar uma posição vantajosa sobre o adversário conseguindo, desta forma, o cumprimento da missão atribuída. São unidades de proteção blindada média com facilidade de projeção dos seus equipamentos orgânicos principais. Estão capacitados para poderem atuar de uma

16 Explosive Ordnance Disposal

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forma independente ao nível de secção, executando ações de combate próximo com armamento portátil. A sua capacidade ofensiva advém da possibilidade de se efetuarem fogos diretos e indiretos, montados ou apeados, com os quais se garante a concentração de fogo necessária a empenhar forças inimigas blindadas ou de infantaria mecanizada, deste modo assegurando o máximo desgaste das forças empenhadas. As suas forças têm a capacidade para manter a posse ou mesmo controlar terreno que tenha sido conquistado ao inimigo e ainda preparar posições defensivas, fazer a defesa de pontos fortes, ocupá-los e negar o acesso aos mesmos. Têm capacidade para observar, executar operações em áreas urbanizadas, efetuar operações de resposta à crise (CRO),e ainda a capacidade de operações de controlo de tumultos. Podem efetuar operações conjuntas e combinadas; estão preparados para atuar em condições meteorológicas adversas (extremo calor ou frio) e em terreno de qualquer tipo/condição. Apresentam capacidade para transportar 3DOS, garantem o apoio a forças blindadas através do uso da proteção e da mobilidade, executam desminagem manual e destruição de obs-táculos, encontrando-se equipadas com equipamentos de proteção de pessoal e de equipamento, no âmbito do CBRN 17 e também contra RCIED 18.Apresentam algumas limitações ao nível da sobrevivência face à ameaça blindada: grande consumo ao nível das classes III (combustíveis), classe V (munições) e classe IX (sobressalentes); dificuldades em terreno impeditivo; quando se trata de unidades montadas, estas, quando apeadas, apresentam reduzida capacidade de Comando e Controlo (C2) e, por último, limitações ao nível da projeção e estratégia da força pelo facto de o equipamento ser pesado. Como fundamentais capacidades, nomeadamente as que consubstanciam as valências e competências essenciais de um BG, podemos referir a capacidade de proteção média com grande facilidade de projeção de todos os seus equi-pamentos principais (Estado Maior do Exército, 2009a, 2009b).

2.5.2 O Batalhão de Infantaria da Brigada Mecanizada

Os Batalhões de Infantaria da Brigada Mecanizada (BI/BrigMec) são sistemas de manobra que são caracterizados por forças que combinam o movimento e o poder de fogo, através dos quais pretendem alcançar uma posição vantajosa sobre o adversário, e conseguir, desta forma, o cumprimento da missão atribuída. São unidades de combate pesadas, blindadas e com elevado poder de mobilidade.

17 Chemical, BIological, Radiological, Nuclear.18 Remote Controlled Improvised Explosive Devices.

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Estão especialmente preparados para executar operações convencionais de média e alta intensidade de natureza ofensiva, tendo como fatores decisivos da sua ação a iniciativa, o movimento, a proteção, a violência e a precisão dos fogos. Apresentam ainda grande capacidade técnica e tática. Têm capacidade para atuar de uma forma independente até ao nível de secção. Conseguem executar ações de combate próximo com armamento portátil, e garantir apoio a forças blinda-das, fazendo uso tanto da sua capacidade de proteção como da sua mobilidade. Ao nível das operações, estes podem efetuar CRO como Operações de controlo de tumultos em áreas urbanizadas, bem como Operações Conjuntas e Combinadas. Conseguem não só observar, negar o acesso, ocupar e defender pontos fortes, como também têm a possibilidade de controlar ou manter a posse de terreno que tenha sido conquistado ao inimigo e ainda preparar posições defensivas. Têm a possibilidade de atuar em situações de extremo calor e frio. Efetuam desminagem manual e destruição de obstáculos. Apresentam uma capacidade de transporte 3 DOS. OS BIMec estão equipados de material de proteção adequado ao âmbito do CBRN e também do RCIED.Apresentam, contudo, algumas limitações ao nível da sobrevivência face à ameaça blindada, e grande consumo ao nível das classes III (combustíveis), classe V (munições) e classe IX (sobressalentes). Manifestam dificuldades em terreno impeditivo. Quando se trata de unidades montadas, estas, quando ape-adas, revelam reduzida capacidade de Comando e Controlo (C2) e, por último, são manifestas as limitações ao nível da projeção e estratégia da força pelo facto de o equipamento usado ser pesado. As principais capacidades que vão ao encontro das do BG são as de efetuar CRO, mas tendo sempre em conta que estes são forças de combate pesadas, blindadas e com elevado poder de mobilidade (Estado Maior do Exército, 2009c, 2009d).

2.5.3 O Batalhão de Infantaria Paraquesdista

Os Batalhões de Infantaria Paraquedistas da Brigada de Reação Rápida (BIPa-ra/BRR) são forças de Infantaria ligeira que estão preparados para realizarem as operações convencionais que apresentam um elevado estado de prontidão e grande capacidade de projeção. Caracterizam-se pela projeção de potencial de combate, rapidez na ação, flexibilidade e a possibilidade de inserção através de salto de paraquedas.Conseguem executar operações aerotransportadas para entrada inicial de forças em ambiente não favorável em diferentes tipos de terreno, com o auxílio do paraquedas, explorando assim a mobilidade estratégica, a velocidade de reação na conquista de terreno vital. Têm capacidade para atuar de uma forma indepen-

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dente até ao nível de secção. Conseguem executar ações de combate próximo com armamento portátil. Com execução de fogos diretos, da manobra apeada e da sua mobilidade, conseguem obter uma elevada concentração de potencial, empenhando assim forças inimigas, sendo estas blindadas, mecanizadas ou mesmo de Infantaria, e causando o máximo de atrição. Ao nível das operações, podem efetuar CRO como Operações de controlo de tumultos em áreas urbanizadas, bem como Operações Conjuntas e Combinadas. Conseguem não só observar, negar o acesso, ocupar e defender pontos fortes, como também têm a possibilidade de controlar ou manter a posse de terreno que tenha sido conquistado ao inimigo e ainda preparar posições defensivas. Têm a possibilidade de atuar em situações de extremo calor e frio. Efetuam desminagem manual e destruição de obstáculos. Apresentam uma capacidade de transporte 3 DOS. OS BIPara estão equipados de material de proteção adequado ao âmbito do CBRN e também do RCIED.Apresentam, contudo, algumas limitações ao nível da proteção, pois existe uma grande vulnerabilidade aos fogos inimigos, a capacidade de efetuar operações sem apoio adicional é de 3 a 5 dias. Apresentam ainda dependência inicial de Apoio de fogos aéreos, necessidade de superioridade da aérea local e de condições meteorológicas favoráveis para deslocamento e desembarque aéreo. Como principais capacidades, em termos de correspondência às capacidades necessárias de um BG, demos referir o facto de estes serem forças de infanta-ria ligeira, com elevada capacidade de projeção imediata e elevado estado de prontidão (Estado Maior do Exército, 2009e, 2009f).

2.5.4 O Batalhão Comandos

O Batalhão de Comandos da Brigada de Reação Rápida (BCmds/BRR) está situado na Carregueira. Este Batalhão é definido como forças de combate li-geiro, não blindado, estando maioritariamente preparado para ações ofensivas na parte das operações convencionais. Tem um elevado grau de projeção, capacidade de projeção imediata ao nível da técnica e da tática, elevada capa-cidade, grande flexibilidade de emprego, apresentando como fatores decisivos a surpresa, velocidade, violência e precisão do ataque. Tem capacidade para atuar de uma forma independente até ao nível de equipa. Consegue executar ações de combate próximo, com armamento portátil. Com a execução de fogos diretos, da manobra apeada e da sua mobilidade, consegue obter uma elevada concentração de potencial, empenhando assim forças inimigas sendo estas blin-dadas, mecanizadas ou mesmo de Infantaria, causando o máximo de atrição.O BCmds está equipado de material de proteção adequado ao âmbito do CBRN e também do RCIED.

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Ao nível das operações, pode efetuar CRO como Operações de controlo de tumultos em áreas urbanizadas, bem como Operações Conjuntas e Combinadas. Consegue não só observar, negar o acesso, ocupar e defender pontos fortes, como também tem a possibilidade de controlar ou manter a posse de terreno que tenha sido conquistado ao inimigo e ainda preparar posições defensivas. Tem a possibilidade de atuar em situações de extremo calor e frio, bem como conduzir operações em aéreas urbanizadas e em condições de visibilidade limitada. Tem capacidade para inserção e infiltração através de meios aéreos, terrestres e aquáticos. Executa patrulhas de longo alcance e reconhecimento em profundidade, contando com um guiamento terminal munições através de designador laser e executando também deslocamentos em viaturas orgânicas. Apresenta capacidade para manter atualizada a rede logística relativa à classe III e V, bem como a rede de comando com os dados de combate e não combate.Apresenta, contudo, algumas limitações ao nível da capacidade de defesa, pois não consegue fazer face a ameaça blindada ou mecanizada em terreno favorável a este tipo de forças. Como principais capacidades, tendo em contas as necessidades e funções do BG, os “Comandos” são forças de combate ligeiras, não blindadas, com elevado estado de prontidão (Estado Maior do Exército, 2009g).

2.6. Futuro dos bAttlegroups

O conceito de BG que se encontra definido, parece apresentar-se concetualmente bem construído e adequado relativamente às missões e tarefas que lhe estão cometidas. Contudo, temos que ter em conta que nunca tendo sido empregue, as valências nele incluídas não foram testadas e que, por outro lado, a grande maioria dos BG até agora constituídos apresentam constituições com diferen-tes capacidades e efetivos pois, na sua essência, representam combinações de intenções de várias Nações, já que os Estados Membros consideram-no como um instrumento de “transformação” das forças armadas.Podemos então concluir que este conceito não se pode considerar fechado, apresentando mesmo algumas tendências de evolução.Podemos assim referir o senhor Gros-Verheyde (2012a, 2012b), no que se refere ao calendário onde se encontram as forças que vão aprontar um BG, deparando-se com alguns “buracos”. Mesmo sendo diferente do calendário que vigorava até ao ano de 2012 (onde se encontrava sempre 2 BG de permanência), a partir do 1.º semestre de 2013 até ao ano de 2016 já só se encontram disponíveis 1 BG de permanência por cada semestre, exceto para o segundo semestre de 2014. Existem ainda 10 países para se assumirem como nação líder para a construção

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do BG. Porém, deparamo-nos aqui com o entrave da falta de uma vontade política. Na política externa da UE, subsistem diferentes perceções sobre a segurança. O fator financeiro é um verdadeiro problema, pois exige um grande esforço do país que desempenha o papel de nação líder. Ao falarmos em problemas financeiros, não podemos deixar de referir os entraves que estão no dia-a-dia de países como a Grécia, Portugal, Roménia ou Hungria. Para a resolução dos mesmos, deverá ter de se melhorar o mecanismo Athena 19 para apoiar os países que estejam a desempenhar estas funções. A redução dos Efetivos do Contin-gente da ISAF no Afeganistão pode ajudar a melhorar o calendário dos BG.Gros-Verheyde (2012a) apresenta também novas soluções, nomeadamente: o ajun-tamento dos Estados Membros maiores e a formação de cada um numa nação líder (por sua vez, os Estados mais pequenos deveriam aglomerar-se e organizar-se em parcerias regionais para construírem assim uma nação líder); a inclusão de uma componente civil como a inserção de FPU ou IPU; a introdução de alterações em torno de algumas das suas capacidades de resposta rápida, como por exemplo o apoio médico; o estabelecimento de contratos de suporte logístico para o transporte estratégico; um reforço na cooperação entre o Estado Maior da União Europeia (EMUE) e as estruturas logísticas da ONU (Gros-Verheyde, 2012a). Existe ainda a possibilidade de o BG ser utilizado como força de reserva como está descrito no documento aprovado pelo COPS (este poderá vir a ser utilizado como reserva na operação Althea na BH). Este conceito encontra-se ainda em desenvolvimento, ao mesmo tempo que defendem que este deveria sofrer algumas.Já em 2010, Lemos Pires falava da utilização de unidades militares especiais do tipo forças militarizadas (a incluir nas Gendameries 20). Estas constituíam a solução para responder às dificuldades das forças militares no desempenho de missões policiais e similares.

3. SÍNTESE METODOLÓGICA

Neste estudo, foi adotado um estudo de caso de cariz qualitativo. O estudo incidiu sobre pessoas que já tinham desempenhado funções em BG/UE.

19 O mecanismo Athena, estabelecido em 2004, foi concebido para gerir o financiamento dos custos comuns necessários à execução das operações da União Europeia (UE) que têm implicações militares ou no domínio da defesa. O Athena é gerido sob a autoridade do Comité especial, órgão composto por representantes dos países contribuintes.A Força de Gendarmerie Europeia (EGF) é uma iniciativa multinacional de 5 Estados Membros da UE - França, Itália, Holanda, Portugal e Espanha - para reforçar as capacidades de gestão internacional de crises. O EGF visa uma implantação coerente e coordenada das forças policiais da UE com estatuto militar e poder de polícia completos. O EGF estará, em primeiro lugar, à disposição da UE. Também pode ser colocado à disposição da ONU, OSCE, NATO e outras organizações internacionais ou coligações ad hoc.

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Durante todo o processo de recolha e análise de dados, teve-se sempre em conta as questões derivadas: Qual o conceito da União Europeia para o Bat-tlegroup? Qual a organização tipo de um Battle Group? Quais as missões e tarefas doutrinariamente atribuídas aos Battle Groups? Quais as capacidades necessárias para um Batalhão para o cumprimento das missões e tarefas de um Battle Group? Quais as características e capacidades dos diferentes tipos de unidades de escalão batalhão? Qual a unidade nacional de escalão batalhão mais adequada para a integração num Battle Group e qual a sua organização e capacidades? Bem como a questão central: Qual o Batalhão de Infantaria mais adequado para constituir o Battlegroup?Para responder a estas questões, teve-se em conta toda a recolha de dados que assentou na análise documental e nas entrevistas.No final de todo o trabalho, foram organizados, estruturados, analisados e cruzados todos os dados a fim de se poderem apresentar conclusões sobre o tema estudado.

4. APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS

4.1 ApresentAção dos resultAdos dA AnAlise doCumentAl

A análise documental iniciou-se com o estudo das capacidades dos Batalhões de Infantaria do Sistema nacional de forças. No quadro n.º4, podemos verificar as características em que falhavam os Batalhões, comparando-os com o BI/BG.

Quadro 4: Capacidades dos Batalhões de Infantaria.

Legenda: O X indica a presença das capacidades referidas, nestes batalhões. O campo a vermelho indica a ausência da capacidade mencionada no Batalhão.

Neste quadro resumo, podemos verificar as diferenças entre as capacidades dos Batalhões de Infantaria do sistema nacional de forças e o BI/BG. Uma questão crítica, como se pode verificar na tabela, é a capacidade de transportar os 5

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DOS. Na tabela encontramos, porém, o BCmds sem capacidade de atuar de forma independente até ao nível de secção, mesmo se consegue atuar de forma independente até ao nível de equipa. Quanto à capacidade de garantir apoio fazendo uso da proteção e mobilidade, o BCmds e os BIParas não conseguem executá-la devido aos equipamentos orgânicos que estão estabelecidos para estas unidades. O BI que se encontrava mais próximo do BI/BG é, por conseguinte, o BI/BrigInt,Continuando a análise documental, serão apresentados dados sobre as missões que estes batalhões estão aptos a levar a cabo, como podemos observar no quadro n.º 5.

Quadro 5: Missão dos BI

A partir deste quadro, conseguimos verificar que existe um dos BI que não se enquadra na missão do BI/BG EUROFOR, que são os BIParas, pois necessi-tam de ser reforçados para conseguirem efetuar missões em todo o espetro de operações. Aqui também podemos verificar que o tipo de operações para as quais o BCmds está preparado não é o mais indicado. Este tem, porém, por si só, capacidade para realizar o tipo de missões que o BI/BG tem que cumprir.A análise da tipologia de forças que se encontra espelhada no quadro n.º6 vai ajudar-nos a definir qual o BI mais adequado para pertencer ao BI/BG.

Quadro 6: Tipologia dos BI

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Com este quadro, podemos verificar que existem grandes diferenças entre os BI. Os BIMec ficam desde logo limitados, pois podem apresentar blindagem, mas são forças de combate pesado. Os BIParas e o BCmds também apresentam limitações, pois são duas forças de infantaria ligeira, mas não são blindadas.

4.2 Análise dos resultAdos

Após a apresentação dos resultados (primeira e segunda parte), cabe-nos a análise dos resultados com o intuito de responder às questões levantadas.Primeira questão. Qual o conceito da União Europeia para os BG?No decurso das entrevistas, tentou colher-se a opinião dos entrevistados sobre o facto de o conceito de BG da UE se encontrar ou não atualizado. Caso não estivesse atualizado, na opinião dos inquiridos, a pergunta equacionaria as melhorias a introduzir. Existiu a necessidade de verificar qual era o conceito da UE para o BG, como está disposto no ponto 2, e a revisão da literatura no subcapítulo 2.2., em que o conceito dado sobre o BG se baseia em documentos do Conselho Europeu.O conceito do BG da UE encontra-se adequado e atualizado, sendo definido como uma força de reação rápida da EU para a gestão de crises. Esta força deve ter obviamente em conta as suas limitações. É indiscutível que esta força carece de melhoramentos, mesmo ao nível da tomada de decisões, se considerarmos que, em alguns países, existe até a necessidade de consultas ao parlamento. Ao nível do transporte estratégico, há também alterações.A segunda questão é: Qual a organização tipo de um BG?Segundo a análise documental (subcapítulo 2.3) e as informações recolhidas nas entrevistas, tentou-se perceber qual seria uma organização-tipo de um BG e a forma como este estava constituído, recolhendo-se propostas para possíveis melhorias ao nível da organização.O BG é constituído por uma unidade manobra, ou seja, o Batalhão de Infantaria, sendo este a sua unidade principal e contando com mais unidades de apoio de combate, unidades de apoio de serviço, NSE e com os QG, o OHQ e FHQ, o BGHQ e os facilitadores. Tendo tal em conta, esta organização encontra-se adequada para responder ao tipo de missões para as quais foi constituída, pos-suindo as capacidades necessárias para estas missões. Genericamente, o BG é constituído por cerca de 1500 militares (circunstância que raramente se verifica, pois a soma de todos os envolventes é quase sempre superior a este número). Contudo, dever-se-ia aumentar a sua capacidade ao nível das informações, com a inclusão de alguns meios e mesmo com a utilização da componente das operações especiais para a recolha de informações. Quais as missões e tarefas doutrinariamente atribuídas aos BG?

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As missões e as tarefas atribuídas ao BG são as missões da UE, que estão compreendidas no capítulo 2 no quadro 1. Importa ainda ter em conta o con-ceito do BG e a razão por que estes foram criados.Podemos concluir que o BG é capaz de realizar as missões que lhe estão atri-buídas, mas o grau de eficácia dependerá sempre dos meios que vão estar à sua disposição e também das suas condições. De qualquer forma, do ponto de vista conceptual, está objetivamente preparado para as realizar.Quais as capacidades necessárias para um Batalhão para o cumprimento das missões e tarefas de um BG?Segundo a análise documental (subcapítulo 2.4 tipologia de forças BG) e as informações recolhidas nas entrevistas, pretendia-se verificar quais as capa-cidades necessárias ao BI do BG e as enunciar as capacidades que poderiam ser levantadas para um BI/BG.As capacidades necessárias ao cumprimento das missões e tarefas de um BI vão depender, em cada momento, da própria natureza dos objetivos e das situações específicas em causa. Contudo, existem capacidades que são transversais a todo o tipo de missões, como por exemplo as capacidades ao nível das informações, do C2, ISTAR e proteção da força.Deve realçar-se a possibilidade de, no Batalhão, poderem existir diferentes capacidades nas diferentes companhias, constituindo-se assim unidades mais ligeiras, medias e/ou pesadas, o que conferirá uma maior flexibilidade ao Cmdt da força. No entanto, existem capacidades que devem ser reforçadas, como as informações, pois sendo o efetivo da força reduzido, como atrás se sublinha, haverá sempre a necessidade de ampliar/potenciar as suas capacidades, para se elevar a proteção da força.Quais as características e capacidades dos diferentes tipos de unidades de escalão batalhão?Após a análise das entrevistas e depois do estudo, a análise documental efetuada no sub-capítulo 2.5, 2.5.1, 2.5.2, 2.5.3, 2.5.4, prentendiamos verificar quais as principais características e possíveis melhorias a introduzir, como por exemplo a eventual inclusão de diferentes tipos de equipamentos.As capacidades e características que já existem nos BI são aquelas que já foram reproduzidas no ponto 2. Contudo, existem ainda algumas que devem ser salientadas, como o C2 e o ISTAR. Para que estas capacidades consigam dar uma melhor resposta, verifica-se a necessidade de dotar o BI com alguns equipamentos, que passam por exemplo pela inclusão de uma secção Mini-Uav, a qual iria ajudar na tomada de decisões, aumentando-se assim o comando e o controlo, bem como o nível da recolha de informações.Há outros meios que deveriam também ser incluídos, de maneira a alterar-se

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as características da força – por exemplo, a inclusão de viaturas 4x4 (Humvee) com proteção permitiria constituir uma força mais ligeira.Qual a unidade nacional de escalão batalhão mais adequada para a integração num BG e qual a sua organização e capacidades?Segundo a análise documental (subcapítulo 2.4 tipologia de forças BG) e as informações recolhidas nas entrevistas, pretendia-se verificar qual a unidade de escalão Batalhão mais adequada e preparada para integrar um BG e qual seria a sua constituição.A unidade de escalão batalhão mais adequada é uma unidade de infantaria ligeira, com proteção e com capacidade de projeção rápida. No entanto, devemos ter sempre em conta o conceito do BG e as suas missões e tarefas. Trata-se de uma unidade de Infantaria ligeira, pois as missões que esta tem para desempenhar também são ligeiras. É muito importante não esquecer a tão necessária proteção.Esta unidade deve ter uma capacidade de projeção rápida devido a necessidade de responder aos tempos que estão definidos no conceito do BG. Parece-nos óbvio que uma unidade de infantaria ligeira, com proteção, com capa-cidade de mobilidade e projeção é a unidade mais adequada para pertencer ao BG.Fazendo um resumo do que foi toda esta análise, será obrigatório falar da não utilização dos BG até aos dias de hoje, podendo esta situação dever-se à falta de capacidades por parte dos países de transporte, ou mesmo às dificuldades financeiras por parte de alguns países. No sentido de ultrapassar estes obstácu-los, deveríamos apostar em verdadeiros melhoramentos ao nível do mecanismo Athena, ou com o recurso a “slot” de capacidades (i.e., à ideia de todos os países dizerem quais as suas possibilidades e que meios poderiam disponibilizar para se executar o transporte).Ressalve-se que este mecanismo, de qualquer modo, deve manter-se, pois garante a possibilidade de forças armadas dos países membros alavancarem algumas capacidades que, de outro modo, não garantiriam.

5. CONCLUSÕES

Fomos realçando ao longo deste trabalho que o conceito que existe de BG encontra-se devidamente atualizado, devendo contudo ser considerado aber-to e com possibilidades de evolução. No seu esforço de afirmação militar, a UE tem uma necessidade incontornável de deter uma força de reação rápida, capaz de uma projeção eficaz, aqui residindo também a carência de meios adicionais para o transporte estratégico, que na generalidade dos casos, obriga a uma negociação caso a caso para a realização do mesmo. Julga-se adequada a necessidade de reformular os meios da tomada de decisão permitindo uma

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coerência dos prazos com os processos de decisão política internacional e na-cional, a análise da possibilidade de inclusão de uma componente civil mais alargada e a revisão do mecanismo Athena. Assim, poderia existir uma “slot de capacidades”, em que os Estados membros dariam a conhecer os meios à sua disposição para a realização do transporte ou, por outro lado, a definição prévia da assunção da responsabilidade de colocar, cada um, os seus meios e equipamentos no teatro.Os BG devem possuir um elevado estado de prontidão para poderem ser ra-pidamente projetáveis, e aqui identificamos um problema que é o chamado “timing” de decisão. Após o NTM, o BG tem 10 dias para começar a operar no TO, o que torna complicado o cumprimento do prazo, devido ao facto de a decisão, na maior parte dos Estados Membros, passar por uma aprovação nacional ou consulta. A sua capacidade de sustentação inicial subsiste até 30 dias sem serem reabas-tecidos, o que causa muitas complicações, pois consegui verificar que ao nível dos BI Portugueses essa capacidade se encontra em 3 dias, o que significa que existe uma grande necessidade de apoio por parte da estrutura do BG. Devido à sua multinacionalidade, é importante que exista uma interoperabilidade entre as forças armadas da UE.Uma organização tipo do BG, segundo o estudo que realizámos, encontra-se adequada à tipologia de missões que o BG tem que executar. Contudo, podemos evidenciar a componente civil dos BG que foi anteriormente falada, quando defende uma reformulação em torno do “nicho” de capacidades como a inserção do apoio médico, inclusão de unidades de polícia para ministrar formação ou mesmo policia já formada.As missões e o tipo de cenário que um BG tem que realizar são aquelas que resultam da combinação das Missões definidas pelo tratado de Lisboa com a Estratégia Europeia de Segurança (Solana, 2003), que consistem na Separação das Partes pela força (SOPF), a estabilização, reconstrução e apoio militar em países de terceiro mundo (SR), prevenção de Conflitos (CP) as operações de evacuação de não-combatentes (NEO) e, para finalizar, a assistência a operações humanitárias (HA). As capacidades que um BI tem que possuir para conseguir desempenhar as missões e tarefas de BG são capacidades para atuar de forma independente até ao nível de secção, realizar operações de combate com armas ligeiras, conduzir operações de resposta a crises, observar, negar o acesso, ocu-par e defender pontos fortes, conduzir operações em áreas edificadas, participar em operações conjuntas ou combinadas. De qualquer forma, estas capacidades devem estar de acordo com o estudo de situação que é feito pela UE onde se evidenciam os possíveis locais de ação do BG, bem como o tipo de missões

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que estes podem ter que desempenhar nesses cenários.A articulação mais adequada para um BI de Infantaria pertencer a um BG da UE é a utilização de 3 companhias de atiradores, sendo que esta poderia ser reforçada com uma secção de morteiros para aumentar o seu poder de fogo e os seus pelotões reforçados com um atirador especial para auxiliar em al-gumas tarefas que são atribuídas. Acrescente-se a necessidade de, idealmente, equipar estas forças com viaturas 4x4 blindadas que garantissem a proteção, a projeção e a mobilidade.A capacidade de executar operações de controlo de tumultos que a 1ªCAT tinha deveria ser estendida a todas as companhias do Batalhão, pois foi um dos factos que foi referenciado como uma mais-valia durante as entrevistas efetuadas. A presença de várias capacidades e diferenciadas pelas Companhias também daria ao Cmdt de Batalhão uma maior flexibilidade.Em suma, existem várias possibilidades para constituir um BI/BG – mas, nos conjuntos dos cenários, a força que se adequa mais é uma força ligeira e blindada.O número de efetivos da CCS do BI poderia ser menor devido ao facto de existir o NSE, que tem a capacidade de nos conseguir apoiar de melhor forma, assim podemos afirmar que o tamanho da CCS sera sempre adequada ao NSE que nos tiver a apoiar.A Figura nº 9 mostra-nos então como poderia ser a estrutura de um BI para pertencer a um BG da UE.

Figura 9: Organograma de um BI.

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6. investigAções FuturAs

Não obstante as limitações acima referidas,parece clara a pertinência de estudar os BG, pois estes são instrumentos de resposta rápida da UE e são considerados como algo de extrema importância.Considero que seria interessante efetuar uma investigação com os mesmos moldes, mas neste caso para o NSE, ou para um EM de um BG, tendo sempre em conta os parâmetros a que este tem que obedecer, bem como as capacidades que deverá garantir.Para a concretização desse mesmo estudo, poder-se-ia criar um grupo de traba-lho sobre informações, pois é uma parte que deveria estar mais desenvolvida ao nível dos EM BG.

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Documentos:Estado Maior do Exercito (2009a). Quadro Orgânico do 1º Batalhão de Infan-

taria nº24.0.11. Vila RealEstado Maior do Exercito (2009b). Quadro Orgânico do 2º Batalhão de Infan-

taria nº24.0.12. ViseuEstado Maior do Exercito (2009c). Quadro Orgânico do 1º Batalhão de Infan-

taria Mecanizado nº24.0.01. Santa MargaridaEstado Maior do Exercito (2009d). Quadro Orgânico do 2º Batalhão de Infan-

taria Mecanizado nº24.0.02. Santa MargaridaEstado Maior do Exercito (2009e). Quadro Orgânico do 1º Batalhão de Infan-

taria Pára-Quedista nº24.0.21. TomarEstado Maior do Exercito (2009f). Quadro Orgânico do 2º Batalhão de Infan-

taria Pára-Quedista nº24.0.22.São JacintoEstado Maior do Exercito (2009g). Quadro Orgânico do 1º Batalhão de Co-

mandos nº24.0.23. CarregueiraEstado Maior do Exercito (2011). Quadro Orgânico do Batalhão de Infantaria/

Battle Group nº24.0.11. Vila Real

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Sérgio Encarnação a,1

a Academia Militar, Rua Gomes Freire, 1169 - 244, Lisboa, Portugal

ABSTRACT

At the beginning of the year 2011, a new structure was implemented in Kosovo’s Theater of Operations. The troops who formed the Kosovo Force declined significantly and were implemented the Joint Regional Detachment. Through its participation in the Kosovo´s Theater of Operations and as a result of this restructuring, Portugal also reduced the effectives and started to operate with Hungarian troops, constituting the Kosovo Tactical Reserve Manoeuvre Battalion. It’s the first time that the Deployed National Forces operate in Kosovo, in battalion level, in multinational context.With the conduct of this investigation, it is intended to understand the impact this restructuring caused in Deployed National Forces. This perception allo-ws identify indicators that may change the risk level resulting from this new structure in performing the assigned tasks. As a final product, it is intended to apply the risk management process to hazards related to restructuring in order to identify controls that will reduce the risk to a tolerable level.The use of the inductive method in this investigation allows the application of semi-structured interviews directed to some officers who were deployed to Kosovo after the restructuring. It is assumed that this force was the most felt the impact of the restructuring. This process allows us to obtain qualitative information in order to identify hazards arising from the restructuring.In the end of the investigation, it is verified that emerged new dangers, new threats related to restructuring causing the increased risk associated to the mission. Despite

gEstão do risCo das forças naCionais dEstaCadas dE EsCalão Batalhão no tEatro dE oPEraçõEs do Kosovo

1 Contactos: Email - [email protected] Tel. – +351213186900

Recebido em 2 de Outubro de 2012 / Aceite 9 de Novembro de 2012

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this situation, is to highlight the work done by the Deployed National Forces in order to reduce risk to an acceptable level through the implementation of controls defined.

Keywords: Kosovo; Restructuring; Hazards; Controls; Tasks

RESUMO

No início do ano de 2011, foi implementada uma nova estrutura no Teatro de Operações do Kosovo. Os efetivos que constituíam a Kosovo Force sofreram uma redução significativa e foram implementadas as Joint Regional Detachments. Através da sua participação no Teatro de Operações do Kosovo e na sequência desta reestruturação, Portugal também reduziu os efetivos passando a operar com tropas húngaras, constituindo a Kosovo Tactical Reserve Manoeuvre Battalion. É a primeira vez que as Forças Nacionais Destacadas atuam no Kosovo, no escalão batalhão, em contexto multinacional.Com a realização deste trabalho de investigação, pretende-se compreender o impacto que esta reestruturação provocou nas Forças Nacionais Destacadas. Esta perceção permite identificar indicadores que possam alterar o nível de risco resultante desta nova estrutura na realização das tarefas atribuídas. Como produto final, pretende-se aplicar o processo de gestão de risco aos perigos relacionados com a reestruturação de forma a identificar controlos que permitam reduzir o risco a um nível tolerável.A utilização do método indutivo nesta investigação permite a aplicação de entre-vistas semiestruturadas direcionadas a alguns oficiais que foram destacados para o Kosovo logo após a reestruturação. Pressupõem-se que esta força foi a que mais sentiu o impacto da reestruturação. Este processo permite a obtenção de dados qualitativos com vista a identificar perigos resultantes da reestruturação. Após toda a investigação realizada, verifica-se que surgiram novos perigos, novas ameaças relacionados com a reestruturação provocando o aumento do risco associado à missão. Apesar desta situação, é de realçar o trabalho efetuado pelas Forças Nacionais Destacadas no sentido de reduzir o risco a um nível aceitável através da implementação dos controlos definidos.

Palavras-chave: Kosovo; Reestruturação; Perigos; Controlos; Tarefas

1. INTRODUÇÃO

A Kosovo Force (KFOR) é uma força multinacional da OTAN responsável por estabelecer um ambiente seguro em toda a região do Kosovo. Esta força

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entrou no Kosovo em Junho de 1999, dois dias após a aprovação da resolução 1244 do Conselho de Segurança das Nações Unidas com o objetivo de deter hostilidades e estabelecer um ambiente seguro naquela região.Desde 2005, Portugal participa no Teatro de Operações (TO) do Kosovo através de uma unidade de escalão batalhão com rotação semestral entre várias unida-des do Exército Português integrando a Kosovo Tactical Reserve Manoeuvre (KTM). Esta unidade de escalão batalhão tem atuado como força de reserva e de primeira intervenção do comandante da KFOR, preparando-se para condu-zir operações militares em toda a área de operações do Kosovo, podendo, se necessário, ser empregue na Bósnia-Herzegovina.Desde 1999 até à atualidade, a situação no Kosovo tem-se vindo a alterar e de forma gradual. A paz no Kosovo tem-se restabelecido e o nível da ameaça tem diminuído. Deste modo, a KFOR tem-se reestruturado de forma a adaptar os meios à ameaça. Uma das reestruturações ocorreu no primeiro trimestre de 2011, no qual, a composição e articulação das forças foi alterada significativamente resultando numa diminuição de cerca de 40% de efetivos no TO do Kosovo.A KTM, onde o contingente português se insere, também sofreu alterações significativas. Desde 2005, esta unidade era composta pelo contingente por-tuguês destacando para o TO do Kosovo, uma unidade de escalão batalhão. A partir de Março de 2011, no âmbito da reestruturação da KFOR, a KTM passou a ter uma constituição multinacional, composta por militares portugue-ses e húngaros, no qual Portugal é a nação líder. Pela primeira vez, Portugal insere-se no TO do Kosovo em ambiente multinacional no escalão batalhão.É nesta reestruturação que se incide o trabalho de investigação onde se pretende aplicar o processo de gestão de risco às tarefas desempenhadas pelas Forças Na-cionais Destacadas (FND) no TO do Kosovo na sequência da reestruturação da KFOR. Com o processo de gestão de risco procura-se eliminar todos os riscos desnecessários aumentando, desta forma, as capacidades operacionais contribuindo para o cumprimento da missão. A rápida mudança do ambiente operacional é um dos fatores que contribuem para o aumento do nível de risco permitindo detetar possíveis consequências para a atuação das FND face a esta reestruturação.Deste modo, foi elaborada uma questão central formulando as linhas orienta-doras para a investigação e contribuindo para delimitação do tema. Assim, foi proposto responder à seguinte questão central: “No âmbito da reestruturação da KFOR no primeiro trimestre de 2011 no Teatro de Operações do Kosovo, que conjunto de controlos adicionais foram implementados para eliminar ou reduzir o risco por parte das Forças Nacionais Destacadas?”.

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Partindo da questão central de investigação, formularam-se algumas questões derivadas que contribuem para dar resposta à questão central. Deste modo, foram formuladas as seguintes questões derivadas:

QD1. Que alterações influenciaram a atuação das FND no TO do Kosovo, relacionadas com a reestruturação da KFOR?

QD2. Durante o período de reestruturação, o nível da ameaça teve alterações significativas para a atuação das FND no TO do Kosovo?

QD3. Que perigos foram levantados pelas FND relacionados com a reestrutu-ração da KFOR?

QD4. Qual o nível de risco global identificado na avaliação dos perigos levantados?

Através da metodologia apresentada, delimitou-se o tema para a atuação das FND que integraram o TO após a reestruturação da KFOR. Pretende-se investigar o pro-blema durante o aprontamento e realização da missão das forças do 2º Batalhão de Infantaria Mecanizado da Brigada Mecanizada que foram projetadas para o TO do Kosovo em Março de 2011. A escolha desta unidade para a investigação deve-se, essencialmente, por ser a primeira unidade a ir para o teatro nestes moldes. Pressupõe-se que é a unidade que mais arcou com as alterações efetuadas ao nível da KFOR. Através da atuação da FND referida, pretende-se determinar os fatores influencia-dores provocados pela reestruturação da KFOR que possam alterar o nível de risco global das tarefas efetuadas pela força. Estes fatores permitem identificar perigos e controlos aplicados ou a aplicar relacionados com a reestruturação, contribuindo para a resposta à questão central.Para o desenvolvimento desta investigação adotaram-se duas técnicas de investigação, nomeadamente, a análise documental e a realização de entrevistas. A análise documental permite uma recolha de dados concreta sobre a situação a investigar e a realização de entrevistas contribui para a partilha de informações através de experiências vividas dos entrevistados no TO facultando dados a serem tratados e analisados posteriormente.

2. ENQUADRAMENTO DAS OPERAÇÕES MILITARES NO TEATRO DE OPERAÇÕES DO KOSOVO

2.1 A Kosovo ForCe: dA suA projeção à reestruturAção de 2011

A 9 de Junho de 1999, chegou-se a um acordo para o final da Guerra: as tropas sérvias iriam retirar-se do Kosovo e permitiam a presença de uma força multinacional sob comando da OTAN, a Kosovo Force (KFOR). “Finalmente o processo de paz

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tinha sido atingido e estavam reunidas as condições para se realizarem operações de imposição de paz e manutenção de paz.” (Assis, 2009, p. 19) e (Costa, 2008).Tendo em conta o seu mandato operacional, a KFOR tem cooperado com a ONU, a UE e outros atores internacionais, conforme apropriado, para apoiar o desenvolvimento de uma sociedade estável, democrática, multiétnica para que a paz seja alcançada no Kosovo (NATO, 2012). Com o tempo, a situação de estabilidade e segurança tem melhorado levando a OTAN a reduzir gradualmente a sua postura no sentido de minimizar a presença da KFOR no TO do Kosovo. Este processo consistia es-sencialmente em reduzir gradualmente os efetivos da KFOR de forma a ajustar os meios à ameaça e dar mais autonomia às autoridades locais. O ritmo e o nível de redução de tropas sucessivas são decididos pelo Conselho do Atlântico Norte com base na evolução da situação de segurança e estabilidade no terreno (NATO, 2012).Inicialmente, a KFOR era composta por cerca de 50.000 militares provenientes de vários países, na sua maioria membros da OTAN formando-se quatro brigadas multinacionais 2. Em 2002, a KFOR reduziu o seu efetivo para 39.000 militares. Através de um ambiente de maior segurança, a OTAN reduziu novamente os efeti-vos passando para 26.000 em Junho de 2003 e 17.000 no final de 2003 (EMGFA, 2012). Em Junho de 2006, a KFOR alterou a sua estrutura, extinguindo-se as qua-tro Brigadas Multinacionais e implementando-se cinco Multinational Task Force (MNTF) 3 sendo-lhes atribuídas uma área de responsabilidade no TO do Kosovo. Esta transição tinha o objetivo de melhorar a eficácia das forças e aumentar a capacidade de operar de forma flexível em todo o TO do Kosovo (NATO, 2012).Em Dezembro de 2008, deu-se início à missão da União Europeia de Polícia e de Justiça no Kosovo, com a implementação da EULEX 4. A missão desta unidade era”…constituir uma polícia, um sistema judiciário e uma administração multié-tnica com cerca de 2000 elementos.” (Costa, 2008, p. 10). A implementação da EULEX contribuiu para maior autonomia local ajudando as autoridades do Kosovo no seu progresso, rumo à sustentabilidade e responsabilidade (EULEX, 2012). Desde então, a situação de estabilidade e segurança continuou a melhorar. Como resultado, em Junho de 2009, ministros de defesa da OTAN decidiram ajustar gradu-almente a postura da KFOR para uma presença dissuasiva. Isto significa que, quando apropriado e de acordo com a evolução da situação, ao longo do tempo, a OTAN irá reduzir o número de forças no TO. Assim, em Fevereiro de 2010 a KFOR é novamente reestruturada reduzindo os seus efetivos para cerca de 10.000 militares5. Analisando

2 Quatro Brigadas Multinacionais: MNB Oriente, MNB Centro, MNB Nordeste, MNB sudoeste. A cada Brigada foi atribuída uma área de responsabilidade.

3 Forças de escalão equivalente a Brigada.4 European Union Rule of Law Mission in Kosovo.5 Reestruturação denominada por “Gate One”.

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a Figura nº 1, os cinco MNTF implementados em 2006 são substituídos por Multinational Battlegroups (MNBG)6 ocupando as áreas de responsabilidade dos antigos MNTF (NATO, 2012).Uma nova reestruturação foi recomendada e autorizada pelo Concelho do Atlântico Norte em Outubro de 2010 implementando-se a mudança para a fase Gate 2

7. Esta reestruturação foi imple-mentada no TO do Kosovo em Fevereiro de 2011 (ver Figura nº 2), reduzindo-se o número de MNBG a dois e sem áreas de responsabilidade permitindo maior flexibilidade ao comando da KFOR. São implantadas as Joint Regional Detachments (JRDs), pequenas unidades que ocuparam as antigas áreas de responsabilidade dos MNBG. Caracterizam-se por não andarem armadas e estarem junto da população com a responsabilidade de prever possíveis ações da população8 que não se en-quadrem na política adotada pela OTAN para o TO do Kosovo (Bühler, 2011). Concluída a nova estrutura da KFOR, o número de forças no TO diminui para

cerca de 5.500 militares. Destaca-se que em cerca de 12 anos de presença, a KFOR diminuiu os seus efetivos de 50000 mili-tares para cerca de 5500 militares, uma redução que se aproxima dos 90% do efetivo inicial. Além destas duas forças de manobra e das JRDs, a KFOR continuou a man-

6 Forças de escalão equivalente a Batalhão.7 2ª Fase do processo de redução de efetivos relativa à passagem gradual para uma presença dissuasiva no TO do Kosovo. 8 Designado “feel the pulse”.

Figura nº 1: Dispositivo da KFOR em 2010 (Operacional, 2010).

Figura nº 2: Estrutura da KFOR em Março de 2011 (Operacional, 2011).

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ter uma força de reserva denominada por Kosovo Tactical Reserve Manoeuvre (KTM), na qual se inserem as Forças Nacionais Destacadas (FND).

2.2 Kosovo tACtiCAl reserve mAnoeuvre bAttAlion

A KTM é uma unidade de escalão Batalhão que atua como força de reserva da KFOR em todo o território do Kosovo, podendo ainda, se necessário, ser empregue na Bósnia-Herzegovina. As características mais relevantes desta unidade é a ausência de CAVEATS 9, capacidade de projeção por terra e por ar em toda a região do Kosovo possuindo um elevado estado de prontidão e autossustentável durante 72 horas dando à KFOR maior flexibilidade de emprego (Loureiro, 2012); (Abreu, 2011).Em Janeiro de 2005, Portugal foi projetado para o TO do Kosovo através de uma força de escalão batalhão de 300 militares. Esta força constituiu-se como reserva tática da KFOR, a KTM, composta essencialmente por militares portu-gueses. Era constituída por um comando e estado-maior e por três companhias das quais duas companhias eram de manobra e uma de apoio. De 2005 até 2011, a KTM manteve a sua estrutura independentemente das várias reestruturações que ocorreram nesse espaço temporal. Em Março de 2011, face à reestruturação da KFOR proveniente da passagem para a fase Gate 2 da presença dissuasiva, a KTM passa a ter uma constituição multinacional composta por militares portugueses e húngaros 10 (EMGFA, 2012).É a primeira vez que as forças militares portu-guesas trabalham num contexto multinacional no escalão batalhão no TO do Kosovo. A partir de Março de 2011, Portugal

9 São restrições impostas superiormente relativas ao emprego da força.10 Ver figura nº 3.

Figura nº 3: Organigrama da KTM após a reestruturação GATE 2 (Operacional, 2012).

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começa a projetar para o TO do Kosovo através do 2º Batalhão de Infan-taria Mecanizado (2º BIMec) apenas 157 militares sendo o restante efetivo da KTM completado por militares húngaros (Exército, 2012). O comando do batalhão continua a pertencer a Portugal, no entanto, passam a trabalhar num contexto multinacional 11. Relativamente às companhias, possuía uma companhia de manobra portuguesa, uma companhia de manobra húngara e uma companhia de apoio multinacional.

2.3 síntese ConClusivA

A tensão na região no Kosovo resultou com a projeção de uma força mul-tinacional para deter as hostilidades das partes insurgentes e estabelecer um ambiente seguro na região. A situação hostil do Kosovo tem-se vindo a acalmar resultando em várias reestruturações da KFOR de forma a ajustar os meios à ameaça e contribuindo para o apoio a uma autonomia local.A última reestruturação da KFOR, denominada por Gate 2, decorreu em Mar-ço de 2011 diminuindo significativamente os efetivos. A KFOR passou a ser constituída por dois MNBG sem áreas de responsabilidade e foram introduzidas JRDs no TO para monitorar a população. Portugal, através da sua participação desde 2005 no TO do Kosovo, viu o habitual efetivo a ser reduzido de 300 para 157 militares passando a constituir a KTM em contexto multinacional através de militares portugueses e húngaros.A situação no Kosovo tem melhorado justificando as sucessivas reestruturações, no entanto, é necessário perceber o impacto que esta reestruturação causou na atuação das FND e na KFOR. Será que esta reestruturação foi adequada ao mo-mento? Será que existiram implicações para as FND face a esta reestruturação?

3. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA GESTÃO DO RISCO

O comandante é permanentemente colocado perante o dilema de tomar decisões entre os requisitos da missão e a proteção da força. O processo de gestão do risco alicerça-se como uma peça fundamental no Processo de Decisão Militar para balancear os riscos12.

11 O 2º comandante da KTM era Húngaro. 12 Risco: “…é a possibilidade de perigo ou acontecimento indesejado. É caracterizado pelo grau de probabilidade e

de severidade de uma potencial perda resultante de perigos devido à presença de um inimigo ou outras condições adversas. O nível de risco é expresso em termos de probabilidade e severidade do perigo. (CID, 2007, p. E-18).

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Conceptualmente, este processo visa tomar decisões em que os benefícios superem os custos e a implementação de medidas de controlo permita reduzir ou eliminar o risco face a ameaças identificadas, sendo fundamental para a conservação do potencial de combate.

3.1 proCesso de gestão de risCo

A gestão do risco é um processo de identificação de perigos e controlo de riscos para conservar o potencial de combate. As cinco fases que compõem este processo são:

• 1ª Fase: Identificação dos perigos;• 2ª Fase: Avaliação dos perigos, para determinar os riscos;• 3ª Fase: Desenvolvimento de controlos e tomada de decisões de risco;• 4ª Fase: Implementação dos controlos;• 5ª Fase: Supervisão e avaliação dos controlos.

O processo é cíclico e contínuo contribuindo para uma sistemática avaliação e gestão do risco. Isto permite identificar novos perigos, novos riscos e imple-mentar constantemente novos controlos durante todas as fases da execução de uma determinada tarefa. No final de cada tarefa, deve-se efetuar um relatório a ser reportado a um centro de lições aprendidas de forma a minimizar o risco de tarefas futuras.

3.1.1 1ª Fase – Identificação dos Perigos

Esta fase é fundamental para o processo de gestão de risco e depende muito da experiência e da arte do identificador dos perigos 13. A doutrina portuguesa apresenta um modelo de referência utilizando os Fatores de Decisão Militar14 como ferramenta para a identificação dos perigos que afetam os riscos da força (CID,2007) e (Rosa, 2003). É efetuada uma análise dos possíveis perigos que podem ocorrer relativos a cada fator de decisão militar.

13 Perigo: “…é uma condição, uma situação ou um acontecimento, actual ou potencial, de que pode resultar ferimento, doença ou morte no pessoal, bem como danos, perda ou destruição de equipamento ou de instalações. Pode ainda ser uma situação ou acontecimento do qual resulte degradação das capacidades ou provoque o incumprimento da missão. (CID, 2007, p. E-4).

14 MITM-TC: Missão, Inimigo, Terreno e condições meteorológicas, Meios, Tempo Disponível, Considerações de natureza civil.

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A todos os perigos lhes estão associados uma causa. Um perigo não provém do nada e a identificação das causas relativas a cada perigo serão uma ajuda preciosa para definição e implementação de medidas e controlos para diminuir o risco no caso de ocorrer um determinado perigo. Após a identificação dos perigos, prossegue-se para a fase seguinte do processo de gestão de risco.

3.1.2 2ª Fase – Avaliação dos perigos para determinar os Riscos

A segunda fase contempla a avaliação dos perigos de forma a determinar o nível de risco. É examinado cada perigo em termos de probabilidade de ocorrência e de severidade que pode provocar à força resultando de uma exposição ao perigo. Os perigos devem ser credíveis na medida em que deve ter uma razoável expectativa de acontecer. O resultado final é uma estimativa de risco de cada perigo e uma estimativa do risco global para a missão causado por perigos que não podem ser eliminados (U. S. Army, 1998). Deste modo, este passo é conduzido em três etapas: atribuir um grau de probabilidade de ocorrência 15, atribuir um grau de severidade 16 e avaliar o risco.Na avaliação do risco, são utilizadas as estimativas de probabilidade e severidade e verifica-se a sua interseção na matriz de avaliação do risco apresentada no Quadro nº 1:

Quadro nº 1: Matriz de avaliação do risco (CID, 2007)

Ao efetuar o processo de gestão de risco é muito frequente uma determinada tarefa a realizar, possuir vários perigos. Nesta fase do processo, é prepon-derante determinar qual o nível de risco associado à realização dessa tarefa facultando ao comandante o nível de risco global 17. O processo a efetuar é o

15 Graus de probabilidade: Frequente, provável, ocasional, raro e improvável.16 Graus de severidade: Catastrófico, crítico, marginal e negligenciável.17 É determinado quando se verifica a existência de vários perigos na realização de uma tarefa, podendo ser de

vários níveis (CID, 2007).

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mesmo, são determinados os riscos de cada perigo, no entanto, o risco global é estabelecido pelo nível de risco mais elevado dos perigos identificados na realização dessa tarefa 18.

3.1.3 3ª Fase – Desenvolvimento de controlos e tomada de decisões de risco

Sendo avaliado o risco, é necessário controlar e gerir o risco a um nível aceitável. Desta forma é iniciada a 3ª fase do processo de gestão de risco composta por três etapas: desenvolvimento de controlos, a reavaliação dos riscos e a tomada de decisões de risco. A primeira etapa consiste em desenvolver controlos que permitam eliminar ou reduzir o risco dos perigos identificados. São definidos os procedimentos a adotar para atenuar o risco identificado, tendo em conside-ração as causas do perigo e não apenas o perigo isolado fornecendo uma ajuda preciosa para a definição dos controlos (CID, 2007). As medidas de controlo normalmente conjugam-se em três categorias:

• Controlos educacionais 19: são baseados no conhecimento e capacidades das unidades e indivíduos. Inclui a consciência do perigo e da forma de o controlar. A implementação de um controlo educacional eficaz foca-se essencialmente no treino de forma a se assegurar desempenhos uniformizados (CID, 2007);

• Controlos físicos 20: são controlos que assumem a forma de barreiras, obstáculos ou sinais para avisar ou alertar as unidades, da existência de um perigo (CID, 2007);

• Controlos evasivos 21: são medidas aplicadas relacionadas com a implementação de ações de forma a evitar ou prevenir o contacto com um perigo identificado (CID, 2007).

A segunda etapa consiste na reavaliação dos riscos após a definição dos con-trolos para cada perigo. É realizada novamente a segunda fase do processo de gestão de risco para cada perigo, efetuando-se uma avaliação dos perigos tendo em conta os controlos definidos. (U. S. Army, 2006). Ao efetuar esta reavaliação dos riscos, atinge-se o nível de risco residual, ou seja, os riscos que permanecem após a implementação dos controlos.A terceira etapa materializa a tomada de decisão para o risco. Esta decisão baseia-se nos riscos residuais obtidos em que o comandante decide se os controlos são suficientes e aceitáveis e o que fazer com o risco. Se o risco não for aceitável,

18 A determinação da média aritmética dos níveis de risco estimados para os vários perigos não tem qualquer validade (Rosa, 2003).

19 Exemplo: treino para a uniformização de técnicas, táticas e procedimentos.20 Exemplo: colocar alertas expeditos numa defensiva.21 Exemplo: efetuar um deslocamento tático pelo itinerário menos provável de entrar em contacto com o inimigo.

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a decisão deverá ser no sentido de alterar ou implementar novos controlos. Se o risco é aceitável, o comandante indica ”…qual o nível de risco que autoriza ser assumido pelos seus subordinados impondo constrangimentos à liberdade de acção na aceitação de riscos que coloquem em perigo a sua intenção, a intenção do escalão superior ou as capacidades críticas da unidade.” (CID, 2007, p. E-12).

3.1.4 4ª Fase – Implementação de controlos

A quarta fase do processo de gestão de risco compreende a implementação de controlos que visa aplicar os controlos desenvolvidos na fase anterior para a redução dos riscos. Normalmente, os controlos implementam-se em Normas de Execução Permanente das Unidades ou difundidas através de ordens verbais ou escritas22. Para se garantir o sucesso desta fase deve-se assegurar que as medidas de controlo sejam convertidas em ordens claras e simples, perfeitamente entendidas a todos os níveis (Rosa, 2003).

3.1.5 5ª Fase – Supervisão e avaliação dos controlos

A última fase do processo de gestão de risco corresponde à supervisão e avaliação dos controlos. É a forma de garantir que os controlos são implementados contribuindo para a gestão do risco associado a cada perigo. Como as outras fases deste processo, a supervisão e avaliação devem ocorrer ao longo de todas as fases de qualquer operação ou atividade. É um processo contínuo proporcionando a capacidade de identificar potencialidades e vulnerabilidades dos controlos aplicados contribuindo para que no final de cada operação seja possível partilhar lições aprendidas para futuras operações.

3.2 síntese ConClusivA

No decorrer deste capítulo verifica-se que o processo de gestão de risco se manifesta como uma ferramenta essencial para a tomada de decisão do coman-dante. Este processo permite, numa primeira fase, a identificação e avaliação dos perigos de forma a determinar o nível de risco associado aos perigos e numa segunda fase, todo o processo que permite gerir o risco através da definição e implementação de controlos, ou seja, todo o procedimento que diminui o risco a um nível tolerável para o cumprimento da missão.Este processo manifesta-se determinante para a investigação realizada. Apresenta uma metodologia que permite detetar o nível de risco das várias tarefas realizadas por uma unidade, em vários escalões. Enquadrando o processo de gestão de risco com a atuação das FND no TO do Kosovo, permite a deteção do nível de risco

22 Um plano ou ordem de operações deve possuir um subparágrafo do parágrafo Instruções de coordenação referente aos controlos implementados.

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global, bem como identificar controlos aplicados para diminuir o risco associado a cada tarefa realizada por esta força. No entanto, será que a reestruturação da KFOR influenciou o nível de risco das FND face à estrutura anterior? Será que existem novos perigos, novas ameaças advindas desta reestruturação?

4. GESTÃO DO RISCO ASSOCIADO ÀS ALTERAÇÕES DA KOSOVO FORCE

4.1 missão e tAreFAs AtribuídAs à Ktm/tACres/KFor

De acordo com os documentos analisados, a missão restabelecida para a KTM é: “A KTM/TACRES/KFOR conduz operações de 23 de Março a Setembro de 2011 em todo o território do Kosovo para contribuir para um ambiente seguro e estável; Prepara-se para reforçar a EUFOR na Bósnia Herzegovina.” (Dias, 2011). Para esta missão, o 2º BIMec reorganizou-se comtemplando um efetivo de 157 militares constituído pelo seu Comando e Estado-Maior, uma companhia de apoio e uma companhia de atiradores mecanizada. Este Batalhão é reforçado por militares húngaros através de uma companhia de manobra e algumas fun-ções no Comando e Estado-maior e na companhia de apoio (2º BIMec, 2011) e (CFT, 2010). A integração das duas forças constitui a KTM/TACRES/KFOR.Restabelecida a missão da KTM no TO do Kosovo, é necessário determinar quais as tarefas atribuídas a esta unidade que adquiriram perigos resultantes da reestruturação da KFOR. Desta forma, através dos vários documentos analisados, verificou-se que a KTM teria que conduzir operações de reserva através de meios terrestres orgânicos dentro de uma área de responsabilidade, aplicar a doutrina e praticar os procedimentos associados às Operações de Apoio à Paz, nomeadamente: • Apoio à luta contra o crime organizado; • Efetuar o controlo e proteção de itinerários; • Conduzir operações de cerco e busca; • Apoio a operações de detenção; • Substituição ou apoio à proteção de PrDSS 23; • Conduzir operações de controlo de tumultos (CRC); • Efetuar patrulhamentos; • Garantir a segurança dos aquartelamentos. (DIAS, 2011) e (2º BIMec, 2011).

As tarefas atribuídas à KTM e mencionadas anteriormente foram as que, quando executadas, obtiveram perigos significantes, provenientes da reestruturação da KFOR.

23 Property with designated Special Status: pontos sensíveis no terreno de elevado valor cultural, religioso e social.

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No entanto, é necessário perceber que a KTM realiza outras tarefas, nome-adamente: vigilância, escolta e proteção; operações de segurança; vigilância de fronteiras/ limites e a execução de ações de demonstração de força (Dias, 2011). O critério de seleção das tarefas baseou-se na identificação dos perigos e no seu impacto em cada tarefa.

4.2 Alterações ao Nível da KFOR que Influenciaram as FND

No enquadramento das operações militares no TO do Kosovo foram destacadas três alterações a este nível, no entanto, era desconhecido o seu impacto relacionado com a atuação das FND. Através da investigação realizada, constata-se que existem três alterações que influenciaram a atuação das FND face às FND que estiveram presentes no TO do Kosovo antes da reestruturação: a implementação de uma KTM multinacional, a redução de efetivos ao nível da KFOR e a implementação de JRDs.A implementação de uma KTM multinacional destaca-se como a alteração mais convicta dos entrevistados. O facto de a KTM passar a operar com tropas húngaras influenciou bastante a atuação das FND em diferentes campos. Na KTM falavam-se três línguas na qual só a língua inglesa era comum aos dois contingentes, no entanto, não era a língua mãe. E da parte dos húngaros, existiam grandes falhas comunicacionais criando fortes constrangimentos para a atuação da KTM. Outro campo bastante mencionado pelos entrevistados foi o empenhamento acrescido na assimilação das TTP entre os dois contingentes. Apesar de existir um esforço por uniformizar as TTP ao nível OTAN, quando se chega ao terreno em ambiente multinacional, os procedimentos desempenhados pelas várias forças nem sempre são uniformes. Deve-se efetuar um esforço acrescido na assimilação das várias TTP entre as forças contribuindo para que o batalhão multinacional trabalhe para a mesma finalidade. A área mais crítica era sem dúvida, a área de CRC.A redução dos efetivos por parte da KFOR não influenciou diretamente a KTM, no entanto, menos tropas no terreno originou maior liberdade de ação por parte dos insurgentes levando a que existisse um acréscimo no número de missões atribuídas à KTM. Se há menos tropas no terreno, há maior probabilidade de uma determinada unidade acumular mais tarefas originando a acumulação de funções dos militares nos vários escalões, aumentando deste modo, o desgaste físico e psicológico dos militares. Outro campo relacionado com esta redução relaciona-se com a dificuldade de obter as informações. Há menos tropas no terreno, logo, há maior dificuldade de obter informações em determinadas áreas como o combate ao crime organizado e à espionagem.As JRDs influenciaram as FND a nível de informações. Diretamente, as JRDs não se ligam à KTM. Estas pequenas unidades ligam-se diretamente ao Joint

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Effect Coordination (JEC) 24, que por sua vez, se liga ao comando da KFOR. Ou seja, como as JRDs estão no terreno, junto das populações para sentirem o seu ambiente, estas unidades são importantíssimas para a disseminação de informações para as restantes unidades do TO. Formalmente, a KTM apenas receberia informação das JRDs através do comando da KFOR. Esta situação retarda o acesso às informações e retarda a preparação das tropas para um eventual incidente. Para combater este constrangimento, a KTM optou por esta-belecer relações diretas com as JRDs, manter os bons relacionamentos, de forma a antecipar o acesso a essas informações aumentando a preparação das forças.

4.3 Caracterização do Nível de Empenhamento da KTM

Com a caracterização do nível de empenhamento pretende-se perceber se existem fatores relacionados com a reestruturação que contribuíram para o aumento do nível de empenhamento. Os resultados obtidos provam que de facto existiram fatores que aumentaram o empenhamento da KTM.Um dos fatores está relacionado com a geopolítica da região. No Inverno, nor-malmente não existem muitos incidentes, no entanto, no Verão a intensidade da agitação aumenta. A população manifesta grande agitação nesta época levando a um maior empenhamento em relação ao Inverno. Este é um facto que se tem verificado ao longo dos anos. No entanto, os efetivos no TO reduziram, levando a um acréscimo do empenhamento das unidades que estavam no teatro e chegou-se a um determinado ponto que as forças que estavam no TO se manifestaram insuficientes para fazer face a todos os incidentes. Das 23 operações que a KTM executou de Março a Setembro de 2011, 18 foram efetuadas no Verão.Outro fator que justifica o aumento do empenhamento da KTM face a con-tingentes anteriores foi o facto de ser chamada a Operational Reserve Force (ORF) 25, a reserva de teatro para o Kosovo. Até aquela data, esta unidade de escalão batalhão nunca tinha sido empenhada e demonstra que se esta unidade é destacada para o TO, todas as restantes forças, incluindo a KTM, foram esgotadas ou demonstraram incapacidade para responder a todos os incidentes.

4.4 Caracterização da Ameaça no Teatro de Operações do Kosovo

A caracterização da ameaça compreende a deteção de alguns indicadores no TO do Kosovo que contribuam para o aumento da ameaça resultante da reestruturação da KFOR.

24 Joint Effect Coordination – Célula que possui comando direto sobre as JRDs. 25 ORF – É uma reserva multinacional da KFOR sendo constituída por cerca de 600 militares que treina nos res-

petivos países e só atua no TO caso se justifique a sua presença.

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Uma ameaça evidenciada foi o aumento da espionagem. A espionagem neste teatro sempre foi um facto, no entanto, quando existe uma alteração desta natu-reza numa unidade como a KFOR, os insurgentes pretendem adquirir todas as informações possíveis sobre a reestruturação para vários fins, de forma a detetar possíveis lacunas na nova estrutura da KFOR. Outro fator está relacionado com a economia local. É preciso ter em conta que a região do Kosovo possui elevada taxa de desemprego e a presença da KFOR faculta muitos postos de trabalho à população kosovar. Se existe uma forte redução de efetivos por parte da KFOR, vai originar maior taxa de desemprego perante a população kosovar, ou seja, o Kosovo está interessado na permanência da KFOR no terreno. Face a isto, existe maior probabilidade de se criarem incidentes justificando a presença da KFOR no terreno aumentando o nível da ameaça e o nível de empenhamento. Existiram também algumas situações pontuais que contribuíram para o aumento do nível da ameaça. A morte de um polícia durante uma escolta na área de responsa-bilidade da KTM foi uma situação a ter em conta. Outra situação está relacionada com a construção de abrigos por parte dos insurgentes que lhes permitiam efetuar fogo ajustado para determinadas zonas. Sabendo que a KFOR atua no Kosovo desde 1999 e estando numa fase de retração das forças significa que a situação no Kosovo tem-se vindo a estabilizar, no entanto, os últimos factos mencionados não justificam esta tendência contribuindo para o incremento do nível de ameaça.

4.5 Aplicação do Processo de Gestão de Risco

Com base na delimitação do tema e de acordo com as alterações que influen-ciaram a atuação das FND no TO do Kosovo, irá ser aplicado o processo de gestão de risco com vista a retirar perigos, níveis de risco e controlos advindos da reestruturação da KFOR.

4.5.1 Identificação dos perigos

O processo de gestão de risco é iniciado através da identificação dos perigos para cada tarefa. Normalmente, esta etapa é auxiliada através da utilização dos fatores de decisão militar 26. Ou seja, para cada tarefa identificam-se os vários perigos as-sociados a cada fator de decisão militar. O resultado seria a obtenção de inúmeros perigos associados a cada tarefa. No entanto, esta investigação visa identificar os perigos que estão associados às alterações que influenciaram as FND no Teatro

26 Missão, inimigo, terreno e condições meteorológicas, meios, tempo, condições de natureza civil.

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de Operações do Kosovo, ou seja, existiu uma delimitação dos perigos a levantar para cada tarefa. Assim, optou-se por identificar os perigos através das entrevistas realizadas. Os entrevistados estiveram no TO do Kosovo logo após a reestrutura-ção, contribuindo, através da sua experiência, a identificação dos vários perigos. O Quadro nº 2 apresenta os perigos levantados associados à reestruturação da KFOR permitindo iniciar o processo de gestão de risco:

27 Relação entre os perigos e tarefas pode ser vista na avaliação do risco e desenvolvimento de controlos.

Quadro nº 2: Perigos associados à Reestruturação da KFOR.

Identificados os perigos, é necessário relaciona-los com as tarefas desempenha-das pela KTM. É necessário ter a perceção se os perigos identificados causam impacto significativo na realização das tarefas identificadas 27.

4.5.2 Avaliação do Risco e Desenvolvimento de controlos

Tendo-se identificado os perigos associados a cada tarefa, parte-se para a segunda fase do processo de Gestão do Risco. Nesta fase, é atribuído um grau de severidade e um grau probabilidade para cada perigo de forma a identificar o nível de risco para cada perigo e o risco global de cada tarefa. Esta atribuição é um processo intuitivo que depende muito da experiência dos indivíduos que elaboram o processo de gestão do risco. Deste modo, o conteúdo das entrevistas realizadas serve de instrumento para a atribuição do grau de severidade e de probabilidade. As histórias contadas, a experiência vivida pelos militares entrevistados per-cecionaram o ambiente sentido no TO dando a entender o impacto sentido no caso de um determinado perigo ocorrer. Após a identificação dos perigos e a determinação do seu nível de risco, é necessário desenvolver controlos para atenuar os riscos de cada perigo. Ou seja, a fase de avaliação do risco é concluída, iniciando-se a gestão do risco de acordo com a avaliação efetuada nas duas etapas anteriores.

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A avaliação do risco e o desenvolvimento de controlos para atenuar os riscos dos perigos identificados encontram-se no Quadro nº 3:

Quadro nº 3: Desenvolvimento de controlos associados a cada perigo

(cont)

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Para atenuar os riscos relativos a cada perigo, foram definidos os controlos referidos anteriormente. Este passo permite uma nova reavaliação dos riscos de forma a determinar o risco residual de cada perigo, ou seja, o risco que permanece após a implementação dos controlos definidos para cada perigo. O comandante, após ter conhecimento dos controlos definidos e do risco residual existente em cada perigo, decide se aceita assumir o risco associado a cada tarefa. No caso de não aceitar os riscos, executa-se novamente o desenvolvimento de controlos de forma a encontrar novas medidas para atenuar os riscos. Caso assuma o risco residual existente nos perigos, indica o nível de risco que autoriza ser assumido pelos seus subordinados impondo alguns constrangimentos à liberdade de ação na aceitação dos riscos que coloquem em perigo a sua intenção.A fase seguinte do processo de gestão de risco visa a implementação dos con-trolos. Ao nível de escalão batalhão, os controlos podem ser encontrados em NEP, no parágrafo Instruções de Coordenação do Plano/Ordem de Operações ou são implementados através de ordens verbais aos subordinados.

28 Elementos destacados para o TO para apoiar e controlar o contingente húngaro.

Quadro nº 3 (cont): Desenvolvimento de controlos associados a cada perigo

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A quinta e última fase do processo de gestão de risco visa a supervisão e avaliação dos controlos. Para a execução desta fase dever-se-ia ir ao TO do Kosovo e fazer a supervisão e avaliação dos controlos implementados, onde é avaliada a eficácia e eficiência da implementação de cada controlo, na redução ou eliminação do risco de cada perigo.Após o cumprimento da missão, dever-se-iam divulgar todas as lições aprendidas de forma a se assegurar a manutenção do sucesso da próxima missão. É este pro-cedimento que caracteriza o processo de gestão de risco como cíclico e contínuo.

4.6 Discussão Dos Resultados

Foram identificadas três alterações implementadas ao nível da KFOR que influenciaram a atuação das FND no TO do Kosovo. Com base nos dados recolhidos através da aplicação das entrevistas, identificaram-se vários perigos relacionados com a reestruturação da KFOR para as FND. Verificou-se que surgiram novos perigos, no entanto, existiam perigos que já permaneciam no TO que sofreram algum impacto com a reestruturação tendo algum incremento no nível de risco. Foram identificados oito perigos relacionados com a rees-truturação. A maior parte dos perigos advêm da implementação de uma KTM multinacional devido à assimilação de TTP pelas forças dos dois contingentes e da linguagem utilizada que é diferente. A redução dos efetivos pela KFOR originou também alguns perigos, no entanto, o controlo respetivo é difícil de implementar. São controlos que estão na dependência do escalão superior. Os perigos identificados através desta alteração foram o acréscimo da liberdade de ação dos insurgentes, maior desgaste de meios, especialmente viaturas, e o aumento da espionagem. A implementação das JRDs gerou perigos relativos ao acesso de informações pois a KTM, tal como outras unidades, depende muito das informações provenientes das JRDs. São elas que estão junto da população e por vezes, o acesso a essa informação é lento, criando vários constrangimen-tos a nível de tempo disponível para o planeamento e preparação das forças relacionadas com o cumprimento de determinada tarefa.Identificando-se os perigos, existiu a necessidade de relacionar esses perigos com as tarefas atribuídas à KTM. Tentar perceber se esse perigo causa algum impacto na execução dessa tarefa. Das doze tarefas atribuídas à KTM, detetou-se que os perigos identificados podiam causar algum impacto na execução de oito tarefas. Verificou-se que a condução de operações de controlo de tumultos, a condução de operações de cerco e busca e o apoio à luta contra o crime organizado foram as tarefas que obtiveram mais perigos.

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Iniciou-se o processo de gestão do risco atribuindo, em cada tarefa, um grau de probabilidade e de severidade a cada perigo. Obteve-se o nível de risco inicial. Constata-se que as tarefas mais críticas são a condução de operações de controlo de tumultos e a condução de operações de cerco e busca. Em ambas as tarefas, a assimilação de TTP pelos dois contingentes é um perigo a ter em conta, pois obtiveram um nível de risco alto. Em controlo de tumultos devido à especificidade das TTP e nas operações de cerco e busca devido à exigência da operação. A comunicação constitui-se de igual modo, como um perigo re-levante devido a possíveis descoordenações na condução destas duas tarefas.Identificados os perigos e determinados os riscos de cada perigo e o risco global de cada tarefa é necessário desenvolver controlos de forma a atenuar o risco. Existiu alguma dificuldade em identificar os controlos de alguns perigos pois alguns deles não são da responsabilidade da KTM, no entanto, podem contribuir para atenuar o risco de ocorrência. É o caso do aumento da espio-nagem e da maior liberdade de ação insurgente. Foram definidos os controlos para cada perigo e determinado o risco residual de cada perigo. Verificou-se que na maioria dos perigos, o nível de risco diminuiu um nível, ou seja, se o risco inicial era alto passou a ser moderado, se o risco inicial fosse moderado passou ser baixo. Constata-te que das oito tarefas identificadas, cinco obtiveram o nível de risco baixo e três obtiveram o nível de risco moderado. Desta análise constata-se que a execução destas tarefas não é crítica mas existe a necessidade de perceber que a KFOR tem trabalhado doze anos no Kosovo para uma paz estável contribuindo para que o nível de risco após a implementação dos controlos não fosse significativo. No entanto, é fundamental ter em conta o nível de risco global, ou seja, o risco associado a cada tarefa sem a definição e imple-mentação dos controlos. Para um teatro, em que existem operações de apoio à paz com duração de mais de uma década, o nível de risco determinado é significativo.Ao longo destes anos, a evolução da situação do Kosovo tendia para a imple-mentação de uma paz estável. Existia o empenhamento de várias organizações internacionais para que tudo corresse bem nesta região. Enquadrando-nos numa situação de crise internacional, a redução de efetivos era mais que justificada para este teatro. Projetar uma força para o TO requer gastos monetários e as nações têm tendência a poupar financeiramente neste sentido. Estes fatores le-varam a uma redução de efetivos que constituíam a KFOR existindo a perceção que o risco associado para a missão fosse reduzido.No entanto, dever-se-ia ter em consideração a geopolítica da região. O Kosovo é uma região com grande descontentamento social face ao nível de vida, através de uma fraca economia e o desemprego a rondar os 50%. A existência de uma

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dependência externa face à sua posição política e o aumento da criminalidade face à sua posição geográfica eram fatores mais que suficientes para acautelar qualquer estado de euforia e facilitismo no cumprimento da missão pelas FND. E este acautelamento ficou bem visível quando o comandante da KFOR averiguou o comandante da KTM dizendo que tinha algum receio que a OTAN tenha ido longe demais. Precisava de perceber até que ponto é que existia potencial sufi-ciente para cumprir a missão. Mais tarde confirmou-se que os efetivos presentes no Kosovo manifestaram-se insuficientes através da entrada no TO da ORF, um batalhão multinacional com efetivo aproximado a 600 militares.Face aos indícios mencionados, todos os cuidados seriam poucos e a situação poderia agravar-se de um momento para o outro como se veio a constatar a partir de Julho de 2011. De Julho a Setembro, a KTM efetuou 18 operações das 23 que realizou durante toda a missão. De forma a reduzir o risco inerente a estes fatores, foram apresentadas algumas medidas e controlos para atenuar os perigos advindos da reestruturação da KFOR.Estava prevista nova reestruturação no ano de 2012, denominada de Gate 3. Essa reestruturação foi adiada…

5. CONCLUSÕES

A KFOR é uma força multinacional da OTAN que tem atuado no TO do Koso-vo desde 1999. Sendo uma missão de estabilização, ao longo destes anos tem existido um decréscimo dos perigos e ameaças a que uma força está sujeita. As FND têm atuado como reserva tática da KFOR desde 2005 constituindo a KTM e como força pertencente à KFOR, os perigos e ameaças também têm diminuído ao longo destes anos. Em Março de 2011, foi implementada uma nova estrutura na KFOR, no qual, existiram várias alterações que influenciaram a atuação das FND.Face a esta reestruturação, o processo de gestão de risco é certamente uma fer-ramenta fundamental para detetar novos perigos advindos desta nova estrutura concorrendo para a escolha da melhor modalidade de ação no processo de deci-são militar. Faculta ao comandante a informação pertinente que o auxilia na sua decisão através da determinação dos riscos existentes na execução de uma tarefa.Assim, todo o trabalho de investigação efetuado possibilita a resposta às várias questões derivadas:

QD1: Que alterações influenciaram a atuação das FND no TO do Kosovo, relacionadas com a reestruturação da KFOR?

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A resposta a esta pergunta é a presença de uma KTM multinacional, redução significativa de efetivos ao nível da KFOR e a implementação de JRDs, no entanto, a alteração que causou maior impacto nas FND foi a implementação de uma KTM multinacional. O facto de ser a primeira vez que as FND traba-lhassem no TO do Kosovo em contexto multinacional levou a que existissem uma série de constrangimentos adicionais por parte das FND. A linguagem utilizada pelos dois contingentes e a assimilação de TTP levaram a um esforço acrescido por parte das FND. A redução significativa de efetivos da KFOR levou a que existisse maior empenhamento das forças que estavam no terreno, e a KTM, como reserva tática, sentiu esta redução especialmente no Verão ao realizar numerosas operações. As JRDs, como forças que estavam junto das populações tornavam-se assim, uma valiosa fonte de informação para a KFOR e para a KTM criando algumas limitações no acesso a informações para efetuar o processo de decisão militar em tempo oportuno.

QD2: Durante o período de reestruturação, o nível da ameaça teve alterações significativas para a atuação das FND no TO do Kosovo?

A resposta a esta pergunta é relativa, pois a ameaça não tem o mesmo nível em todo o território do Kosovo, no entanto, se analisarmos a situação no Nor-te do Kosovo, a zona mais crítica, há indicadores que aumentam a ameaça. Existiu uma redução de efetivos por parte da KFOR conduzindo à existência de “espaços em branco” no TO do Kosovo levando a que existisse maior liberdade de ação por parte dos insurgentes. O facto da população kosovar não ter interesse na retração da KFOR devido a fatores económicos e sociais também é um fator que aumenta o nível da ameaça. Esta situação leva a que a população kosovar tente justificar a permanência da KFOR no terreno através da criação de alguns incidentes.

QD 3: Que perigos foram levantados pelas FND relacionados com a reestru-turação da KFOR?

Os perigos resultantes da reestruturação da KFOR que tiveram influência na atuação das FND derivam das três alterações mencionadas. O acréscimo da dependência no acesso a determinadas informações, especialmente com as JRDs, manifestou-se como um perigo relevante devido ao tempo disponível para a tomada de decisão em tempo oportuno. A redução de efetivos resultou na maior liberdade de ação insurgente conduzindo a que o crime organizado tivesse tendência a aumentar. A capacidade de segurança nos aquartelamentos não se manifesta como um perigo determinante, no entanto, era efetuado em

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ambiente multinacional e a responsabilidade do campo pertencia ao contingen-te nacional. A implementação de uma KTM multinacional originou também problemas ao nível comunicacional provocando possíveis descoordenações ao nível linguístico. Este facto gera um comando e controlo mais débil entre os vários escalões da KTM. A integração dos dois contingentes provocou algu-mas dificuldades iniciais na assimilação de algumas TTP entre as duas forças. A diminuição de efetivos originou mais empenhamento dos contingentes que estavam no terreno através do aumento do ritmo de patrulhamentos, levando à existência de maior desgaste dos meios utilizados, especialmente em viatu-ras. Verifica-se também o aumento da espionagem derivada da reestruturação da KFOR em que todos os insurgentes pretendem adquirir informação sobre debilidades desta nova estrutura. Os perigos mencionados relacionam-se com a reestruturação, no entanto, não são os únicos existentes. Existem perigos associados a diversas tarefas da KTM que já permaneciam do antecedente, no entanto, não foram estudados devido à delimitação do tema.

QD 4: Qual o nível de risco global identificado na avaliação dos perigos le-vantados?

Os perigos identificados foram associados às tarefas atribuídas à KTM e foi ava-liado o nível de risco para cada perigo e o nível de risco global para a execução da respetiva tarefa. Das tarefas atribuídas à KTM, as que obtiveram níveis de risco mais elevados foram a condução de operações de cerco e busca, o apoio ao crime organizado e a condução de operações de controlo de tumultos. Após definidos os controlos, constatou-se que o nível mais elevado era moderado, ou seja, existiu um decréscimo significativo entre o nível de risco inicial e o nível de risco residual.Respondendo às questões derivadas formuladas, existem condições para dar resposta à questão central: “No âmbito da reestruturação da KFOR no primeiro trimestre de 2011 no Teatro de Operações do Kosovo, que conjunto de controlos adicionais foram implementados para eliminar ou reduzir o risco por parte das Forças Nacionais Destacadas?”A resposta à questão central deriva dos perigos identificados. Foram detetados oito perigos que advieram desta reestruturação sendo associados ao cumprimento das várias tarefas efetuadas pelas FND verificando se podiam ter algum impacto nessa tarefa. Após serem determinados, foi efetuada a avaliação desses perigos de forma a estabelecer o respetivo risco inicial. Face a esta avaliação, iniciou-se a fase da gestão dos perigos no sentido de atenuar o impacto de um determinado perigo ocorrer. Os controlos genéricos que permitem atenuar o risco dos perigos identificados baseiam-se nas constantes ligações entre o comando da KTM e as restantes unidades do TO

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no sentido de diminuir o tempo de acesso a determinadas informações. Colocar mais efetivos e maior rotina nas rondas e patrulhamentos com a finalidade de atenuar a liberdade de ação insurgente. Implementar as equipas da NSE e NCC nas escalas de segurança aos aquartelamentos e implementar mais medidas de segurança a fim de aumentar as suas capacidades contribuindo para o combate à espionagem. Criar condições para melhorar a preparação linguística, efetuar o backbrief até ao detalhe e dar ordens claras e simples de forma a atenuar as debilidades relacionadas com o comando e controlo e a comunicação entre os dois contingentes. Efetuar um esforço acrescido relacionado com o treino entre os dois contingentes a fim de uniformizar as diferentes TTP e constituir uma equipa proficiente na área da manutenção de forma a reparar viaturas e equipamentos atempadamente para a próxima tarefa devido ao acréscimo do empenhamento da KTM no terreno.Os controlos desenvolvidos, face à tipologia dos perigos levantados e respetivas causas, enquadram-se nos controlos educacionais. São controlos que se baseiam no conhecimento e nas capacidades das FND, no qual, o treino possui um papel determinante para o desenvolvimento de todos os controlos mencionados.Face a toda a investigação realizada, é importante referir que a reestruturação implementada no primeiro trimestre de 2011 trouxe novos perigos, novas ameaças para as FND. Esta decisão ocorreu ao nível da OTAN, no entanto, verifica-se que foi um pouco prematura face aos incidentes ocorridos no Verão de 2011. O facto de reduzir os efetivos e extinguir três MNBG deu mais liberdade de ação aos insurgentes e provocou algum descontentamento na população. Estes factos deram origem a que a ORF, a reserva de teatro, fosse chamada para atuar no TO. Face a estas situações, foram determinados os riscos associados a cada perigo advindo da reestruturação, no entanto, é preciso perceber que existem perigos que já permaneciam no TO. A esses perigos deve-se efetuar uma sincronização do risco associado a cada tarefa de modo a perceber qual a dimensão que o nível de risco determinado nesta investigação demonstra face aos riscos que já permaneciam no TO para as FND. Sem os controlos aplicados, provavelmente apresentava um grande impacto no nível do risco, no entanto, é de realçar o trabalho efetuado pelas FND no sentido de reduzir o risco a um nível tolerável através da implementação dos controlos apresentados.

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Cristina Borralho a,1, Carlos Rouco bc,2

a Regimento de Lanceiros n.º 2, Calçada da Ajuda, 1349-054, Lisboa, Portugalb Departamento de Ciências e Tecnologia Militar, Academia Militar, Rua Gomes Freire, 1169 - 244, Lisboa, Portugalc Membro do Centro de Investigação, Desenvolvimento & Inovação da Academia Militar e Exército

ABSTRACT

The presented thesis studies the leadership skills in a military context, regar-ding the gender. As an instrument of data collection, an inquiry by questionnaire was built and the associated to the performance of leadership skills, the criterion factors inherent to the action command and the integration process of women in the Army. This inquiry was applied to a group of 60 (30 men and 30 women) Subaltern Officers and Captains of the Permanent Panel (PP) and the various Arms and Services, and also to all Officers, Sergeants and Squares that are under the direct command of 13 of these officers.From the data analysis, we found that women run their practice of command through dimensions that are oriented to people, “participative leadership” and “cohesion and teamwork,” transformational leadership. Men, on the other hand, are associated with task oriented behaviors, “decision making and planning” and “vision of the external and internal environment,” transactional leadership.The command actions that most contribute to the satisfaction, effectiveness and extraordinary effort, according to the perception of officers and subordinates, are the dimensions of behavior associated with people-oriented, transformatio-nal leaders, who have the ability to gain the trust of subordinates, in order to achieve the goals and even mobilize them for the extraordinary effort.Gender is not a limitation on the exercise of command and leadership, as shown by the data analysis, women are associated with transformational leadership,

o génEro E o ExErCíCio dE Comando E lidErança no ExérCito

1 Contacto: Email – [email protected] (Cristina Borralho), Tel. - +351 213 620 2062 Contacto: Email – [email protected] (Carlos Rouco)

Recebido em 4 Outubro 2012 / Aceite em 9 de Novembro de 2012

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however, there are physiological, psychological and cultural aspects that may take influence on their performance levels.

Key-Words: Military Context; Leadership; Gender; Officers; Subordinates.

RESUMO

O presente trabalho estuda as competências de liderança em contexto militar tendo em conta o género.Como instrumento de recolha de dados, foi construído um inquérito por questionário, associado ao desempenho das competências de liderança, aos fatores critério inerentes à ação de comando e ao processo de integração das mulheres no Exército. Foi aplicado a um grupo de 60 (30 homens e 30 mulheres) Oficiais Subalternos e Capitães do Quadro Permanente (QP) e das diversas Armas e Serviços, e ainda a todos os Oficiais, Sargentos e Praças que estão sob o comando direto de 13 destes oficiais.Da análise de dados, foi possível verificar que as mulheres dirigem a sua prática de comando através de dimensões orientadas para as relações pes-soais, “liderança participativa” e “coesão e trabalho de equipa” – liderança transformacional, enquanto os homens estão associados aos comportamentos orientados para a tarefa, “tomada de decisão e planeamento” e “visão do ambiente externo e interno” – liderança transacional. As ações de comando que mais contribuem para a satisfação, eficácia e esforço extraordinário, segundo a perceção dos oficiais e subordinados, são as dimensões associadas aos comportamentos orientados para as pessoas – líderes transformacionais – que tem a capacidade de ganhar a confiança dos subordinados, de maneira a atingir os objetivos e até mesmo mobilizá-los para o esforço extraordinário.O género não é uma limitação ao exercício de comando e liderança, como se pode verificar pela análise de dados, estando as mulheres associadas à lide-rança transformacional, no entanto, existem fatores fisiológicos, psicológicos e culturais, que podem condicionar os seus níveis de desempenho.

Palavras-Chave: Contexto Militar; Liderança; Género; Oficiais; Subordinados.

1. INTRODUÇÃO

Isolar a Instituição Militar (IM) da época histórica é ignorar dimensões essenciais ao seu desenvolvimento. A partir da década de 60 do séc. XX, a rápida e complexa

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evolução tecnológica e organizacional levou à profissionalização3 das Forças Armadas (FA), tendo sido também o fim da conscrição4, nos anos 80, um fator de aceleração do processo de profissionalização (Vaz, 2001). A profissão militar focalizada na autoconceção do guerreiro típico ou do chefe heroico veio, então, incorporar uma componente técnica e de gestão (Vieira, 2001). A IM tem-se confrontado com a obrigação de rever a sua organização, até mesmo no que se refere ao exercício in-terno de autoridade, sendo levada a um permanente aperfeiçoamento dos processos de gestão e liderança.A doutrina sobre a liderança no Exército focaliza a dimensão humana e identifica habilidades essenciais que o líder deve possuir (Herron, 2004), é por isso essencial que os militares tenham capacidade de comando e liderança para enfrentar os novos desafios que se percecionam e cumprir os objetivos superiormente determinados. Uma das profundas transformações nas FA foi sem dúvida o serviço militar femini-no 5 e, de seguida, a possibilidade de aceder a cargos de comando, direção e chefia como oficial do Exército, nas várias armas e serviços. O género será uma variável importante na transformação da essência da liderança, neste novo século da igualdade das oportunidades, ainda mais num contexto militar. A IM tem tentado acompanhar a evolução da sociedade a todos os níveis não sendo excluídos quer os processos de gestão e liderança, quer o papel da mulher no desempenho destas funções, nomeadamente no contexto militar. Em relação à participação militar feminina, temos o facto de as mulheres ocuparem hierar-quicamente lugares de comando, o que tem efeitos não só no desempenho dos subordinados como nos próprios processos de comando e liderança levados a cabo no mundo militar. Será pertinente descobrir se as competências de liderança e a eficácia da ação de comando são avaliadas pelos subordinados tendo por base o género do Co-mandante/ Líder. No que toca ao processo de integração feminina nas fileiras e tendo em conta os estereótipos da nossa sociedade, será interessante conhecer o ponto de vista quer de subalternos/capitães, quer dos seus subordinados. Como fio condutor da investigação, surge a pergunta de partida, a qual indica o que se pretende saber: O género feminino é uma limitação ao exercício de comando e liderança?

3 A profissionalização militar surgiu num contexto de compromissos relacionado com a defesa e desenvolvido por um ensino específico e complementado pelo exemplo, onde se desenvolvem competências técnicas, táticas, de comando e de código de conduta (Santo, 2007).

4 Em Portugal o Serviço Militar Obrigatório terminou oficialmente em 19 de novembro de 2004. 5 No ano de 1968, em pleno fluir da guerra no ex-Ultramar foi publicada a nova Lei de Serviço Militar - Lei n°

2135, de 11 de Julho - que no n° 2 do seu Artigo 2° referia que” Os cidadãos portugueses do sexo feminino podem ser admitidos a prestar serviço militar voluntário”. Porém, só no início da década de 90 foram criadas condições que permitiram efetivamente a prestação de serviço militar pelas mulheres nas FA. (Alves, 1999).

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As perguntas derivadas surgem sustentadas nos objetivos específicos para res-ponder à pergunta de partida, conforme se indicam: PD1: Existem diferenças significativas de desempenho nas dimensões de lide-

rança percecionados pelos oficiais do género masculino e feminino?PD2: Existem diferenças quanto ao desempenho dos comandantes dos diferentes

géneros nas dimensões de liderança percecionadas pelos subordinados? PD3: Existem diferenças significativas quanto ao desempenho dos comandantes

nas dimensões de liderança percecionados pelos subordinados? PD4: Será que o género é um fator mediador da satisfação, da eficácia e do desem-

penho no exercício das funções de comando, direção e chefia dos oficiais?PD5: Existem fatores que facilitem ou dificultem o processo de adaptação/

integração das mulheres nas Forças Armadas?PD6: A mulher no exercício de comando, direção e chefia é aceite pelos su-

bordinados?PD7: O género feminino é uma limitação ao exercício de atividades militares?

O objetivo geral do estudo é identificar se existem diferenças de desempenho entre os oficiais do género masculino e feminino no exercício de comando e liderança, tendo por base a autoperceção dos líderes e dos subordinados. Os objetivos específicos são:• Identificar as diferenças de desempenho entre os Oficiais do género masculino

e feminino quanto às dimensões da liderança.• Identificar as relações entre as dimensões da liderança e o desempenho ex-

traordinário, eficácia e satisfação, tendo em conta o género no desempenho das funções de comando, direção e chefia.

• Identificar fatores que influenciem o processo de integração feminina no Exército.• Identificar limitações do género feminino no exercício das funções de co-

mando, direção e chefia.

As hipóteses constituem eventuais respostas às perguntas de investigação.H1: Existem diferenças significativas de desempenho nas dimensões de liderança

entre a perceção dos oficiais quanto ao Género. H2: Existem diferenças de desempenho dos comandantes nas dimensões de

liderança percecionados pelos subordinados quanto ao género.H3: Existem diferenças significativas de desempenho dos comandantes nas di-

mensões de liderança percecionados pelos subordinados quanto ao género.

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H4: Existem relações significativas entre as dimensões da liderança e os fatores critério quanto ao género dos Oficiais do Exército, segundo:

H4.1: Oficiais.H4.2: Subordinados.

H5: Existem fatores que influenciam o processo de adaptação/integração das mulheres nas FA.

H6: As mulheres são aceites pelos subordinados no exercício das funções de comando, direção e chefia quanto:

H6.1: À Categoria.H6.2: Às Armas e Serviços.H6.3: Ao Género.

H7: O género feminino não é uma limitação ao exercício de atividades mili-tares.

O trabalho de investigação encontra-se dividido em duas partes: uma parte teó-rica e uma parte prática. A Figura 1 explana claramente a metodologia seguida.

Figura 1: Metodologia do Trabalho de Investigação Aplicada.Fonte: Adaptado de Instituto de Altos Estudos Militares (2004), Sarmento (2008) e Quivy (2003).

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2. COMANDO E LIDERANÇA

No contexto militar a necessidade de comandantes e chefes para mobilizar e orientar os soldados para a obtenção de objetivos, e garantir a defesa da sua comunidade foi desde sempre uma prioridade estratégica.Fruto da transformação da sociedade, surge o primeiro esboço da IM, evocado no exército nacional de Maurício de Orange no séc. XVII, e a instituciona-lização da profissão militar no pós-vitória prussiana de 1870, fenómenos que levantaram problemas ao nível não só da organização militar, mas também da hierarquia militar. A crescente correlação entre as FA e a sociedade, a inovação tecnológica e organizacional, como também a nível da inserção social e das relações civil-militares, levou à necessidade do profissionalismo do oficial de hoje, distinto dos guerreiros de outras épocas (Carrilho, 1985).As FA não são mais do que um sistema em que as características profissionais dos militares se alteram com o tempo, em resposta às condições de mudança da própria sociedade. Como resultado das grandes mudanças sociais, a base da autoridade e da disciplina tende a evoluir no sentido do consenso negociado, mas será fácil isto acontecer numa instituição que vive de valores institucio-nais, como é o caso da IM, e onde a posição de poder (autoridade formal) é essencial para garantir os interesses vitais da nação e em que se sacrifica a própria vida e a dos outros quando necessário? De encontro a esta pergunta surge o conceito de liderança.

2.1 ConCeito de liderAnçA

O termo liderança tem-se tornado cada vez mais importante na vida das orga-nizações, sendo alvo de estudo na área da psicologia, da sociologia e da gestão desde a década de 30, do século passado. Mas, desde o início da década de 80 o estudo da liderança como chave da eficácia organizacional ganhou, ainda, maior relevância (Bergamini, 2002). As organizações possuem um núcleo de pessoas que trabalham em prol de um objetivo comum, e para que tudo decorra de forma proveitosa são necessárias pessoas que detenham poder e algum tipo de autoridade formal porém, tal facto não implica que estes indivíduos sejam necessariamente líderes (Bergamini, 2002). A liderança é um processo ou capacidade de influenciar um grupo, por um dos membros que ocupa uma posição hierarquicamente superior, a fim de alcança-rem objectivos comuns. Pode tornar-se um processo mais complexo quando a interação dos membros do grupo implica uma estruturação ou reestruturação da situação, perceções e expetativas dos membros (Bass, 1990). Segundo Maxwell (2007), o líder gera uma influência especial dentro de um grupo, com um esforço consciente no sentido de levá-lo a atingir metas que

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atendam às necessidades reais do grupo. Para ser líder, não basta estar à frente de um grupo, mas ser a pessoa que outros seguem sem hesitar, com prazer e confiança – influencia pelo exemplo. Para Stogdill (1950), a liderança é o processo de influenciar o comportamento humano, e só se torna eficaz quando o seguidor continua com o comportamento, mesmo na ausência do líder.

2.2 do ComAndo à liderAnçA

Em Portugal e no contexto militar, o conceito de liderança tem como anteceden-tes a arte de comandar, sendo os primeiros estudos dirigidos às competências do líder e não ao processo de liderança (Jesuíno, 1999).

2.2.1 Evolução do Conceito de Comando

De acordo com a Figura 2 e segundo Valente (1999, p. 12) “o comando é con-ceptualmente o exercício de autoridade formal e a chefia uma arte que radica numa autoridade natural”, autoridade de facto, ambos os conceitos se tornam complementares quando inseridos num sistema de relações interpessoais. Para Vieira (2002), o líder militar, tendo em conta a função de comando, é portador de três funções: chefia – nomeação inerente às funções que vai desempenhar; gestão – maximizar os meios que lhe são disponibilizados; e liderança – cujo exercício é questionável, pois apenas é garantido quando “consegue criar e manter um clima que encoraje os seus subordinados a participar ativamente e a querer ajudá-lo no cumprimento da missão recebida de forma voluntária” (Vieira, 2002, p. 41). O comando, a direção e chefia acabam, desta forma, por ser legitimados através do Estatuto Militar das Forças Armadas, enquanto a liderança é um exercício de influência (Leitão & Rosinha, 2007).

Figura 2: Evolução do conceito de comando.Fonte: Adaptado de Valente (1999).

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2.3 liderAnçA em Contexto militAr

Nas organizações, incluindo o Exército, os comandantes são responsáveis por lhe dar vida, transformando o potencial humano em ações que geram desem-penho. Para que estas ações sejam voluntárias, a liderança desempenha um papel fundamental, dado que esta procura permanentemente uma interação entre os membros de um grupo, na qual ser líder implica “influenciar os seus seguidores em situações cujo esforço máximo é o sacrifício da própria vida e cujos objetivos propostos são vitais para a sobrevivência coletiva de uma determinada nação” (Rouco & Sarmento, 2010, p. 73).A liderança em contexto militar insere-se no exercício de comando, complemen-tando o desempenho funcional do comandante com o próprio objetivo da chefia militar, que confere autoridade ao comandante. Segundo Sousa, liderar é muito mais do que conseguir que os seus subordinados atinjam os objetivos organizacionais (a orientação para a missão), é também ter a capacidade de retirar o melhor do seu potencial (a orientação para as relações humanas), pelo que a relação entre a motivação, satisfação e desempenho – esforço extraordinário – devem estar sempre presentes (Vieira, 2009).Para enquadrar este trabalho, considerou-se a definição da liderança segundo o Vieira (2002) em que esta é um “processo de influenciar, para além do que seria possível através do uso exclusivo da autoridade investida, o comportamento hu-mano com vista ao cumprimento das finalidades, metas e objetivos concebidos e prescritos pelo líder organizacional designado” (p. 11).

2.4 liderAnçA trAnsACionAl vs liderAnçA trAnsFormACionAl

Da Figura 3 que se segue, deduz-se que a liderança militar é fruto de uma combinação de duas teorias, obtendo a satisfação e desempenho necessário para o cumprimento da missão através da motivação, característica da liderança transformacional.

Figura 3: Liderança em contexto militar.Fonte: Adaptado de Rouco (2010).

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Burns (1979) defende que a liderança transacional motiva os seus seguidores através do apelo ao seu próprio interesse. Os líderes transacionais possuem características especiais, Avolio e Bass (2004) distinguem as quatro componentes do comporta-mento transacional: recompensa contingente, prestação de incentivos para motivar os subordinados; gestão ativa, os líderes identificam e corrigem deficiências ou erros; gestão passiva, os líderes evitam o envolvimento com o grupo até serem detetados erros; laissez-faire, o líder abstém-se de tentar influenciar os subordinados. A liderança transformacional, segundo Burns (1978, citado por Rego, 1997, p.366), é a “liderança exercida por indivíduos que introduzem profundas mu-danças na sociedade e nas atitudes e comportamentos dos membros das orga-nizações, obtendo deles o compromisso e empatia necessários para o alcance dos objectivos, deixando marcas indeléveis”. Os líderes transformacionais são líderes ativos, possuidores de quatro caracte-rísticas distintas: carisma, características de natureza sócio afetiva que inspiram nos subordinados sentimentos de lealdade, admiração e devoção; inspiração, o líder provoca o entusiasmo dos subordinados na realização das tarefas; es-timulação intelectual, incentivo dado pelos líderes para que os funcionários desafiem suposições existentes através de uma nova perspetiva; e consideração individualizada, o líder fornece orientações e treino e adapta o seu apoio con-soante as necessidades, interesses e capacidades dos indivíduos si (Bass, 1990).No modelo de Bass (1985, citado por Rouco, 2012) representado na Figura 4, o líder transacional dirige e motiva os seus liderados na direção dos objetivos estabelecidos, clarificando papéis e exigências da tarefa. O líder transformacional está associado a níveis superiores de dedicação e desempenho por parte dos membros do grupo.

Figura 4: Modelo de superação da liderança transacional e transformacional.Fonte: Adaptado de Avolio e Bass (2004).

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2.5 desempenHos superiores e dimensões dA liderAnçA

De acordo com Harvey (1991, citado por Rouco, 2012), a competência consiste no conhecimento para realizar a tarefa, no comportamento – aptidão para realizar essas tarefas – e ainda outros aspetos como a atitude e os traços de personalidade. Através da revisão de literatura efetuada a Figura 5 faz uma associação entre a liderança transacional e transformacional e os comportamentos dos líderes segundo Likert (1967, citado por Rouco, 2012). Para a obtenção de desempenhos superiores, o modelo de competências de liderança elaborado por Rouco (2012) é constituído por seis dimensões. As di-mensões associadas aos comportamentos orientados para tarefa são: a “orientação para a missão pelo exemplo e ética e determinação”, a “tomada de decisão e planeamento” e a “visão e ambiente externo e interno”. As dimensões orientadas para as pessoas são: a “coesão, trabalho de equipa e cooperação”, a “gestão de conflitos pela transparência” e a “liderança participativa e envolvimento”.

Figura 5: Esquema relacional entre a liderança e os comportamentos.

Bass (1985) definiu três critérios que podem ser associados à ação de comando: eficácia dos líderes, satisfação dos subordinados e esforço extraordinário. A efi-cácia do líder é avaliada consoante a motivação imprimida nos subordinados e a sua capacidade de organização. A satisfação dos subordinados é avaliada con-forme os estilos de liderança que são utilizados pelo líder para melhor cumprir os objetivos. Quanto ao esforço extraordinário, e no que se refere ao líder, este será ou não capaz de motivar os subordinados para o sucesso, fazendo com que façam mais do que aquilo que lhes é exigido, acabando por superar expetativas. No que respeita às dimensões, a primeira dimensão, orientação para a missão através do exemplo e ética, caracteriza a liderança direcionada para a tarefa representada pelo nível de empenho que o líder deposita na tarefa do seu subordinado. Para além do

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líder dar uma orientação clara do trabalho a realizar, a formação dos subordinados com base na ética permite que as tarefas sejam realizadas com maior eficiência. A segunda dimensão, tomada de decisão e planeamento, depende da capacidade de comunicação do comandante, o qual deve transmitir eficazmente e em tempo oportuno as decisões de maneira a inspirar confiança e promover a coesão (Rou-co, 2012). O grau de participação que os subordinados podem ter nas tomadas de decisão varia, para que estas sejam mais eficientes e eficazes. A terceira dimensão, visão do ambiente externo e interno, dada a dinâmica do am-biente atual, caracterizado por rápidas e constantes mudanças, os líderes devem ser mais visionários e possuir uma orientação a longo prazo. Surge então a liderança visionária (Estevinha & Menoría, s.d.), na qual os líderes implementam uma nova visão e capacitam os seus subordinados a desenvolver comportamentos eficazes. A quarta dimensão, coesão e trabalho de equipa, trata-se de uma interação permanente entre os membros de um grupo, num clima de confiança e colaboração (Rouco, 2012). A quinta dimensão, gestão de conflitos, vem ao encontro das dimensões ante-riores, permitindo uma interação na base da confiança e respeito. No que se refere à terceira dimensão, o líder deve ser capaz de imprimir novas formas de visionar e resolver os problemas, tendo a capacidade ao mesmo tempo de gerir possíveis conflitos que possam surgir em virtude do que os próprios su-bordinados defendem. Para que tal seja possível concretizar é necessário que haja grande coesão e trabalho de equipa. A sexta dimensão, liderança participativa e envolvimento, segundo Likert (1971) relaciona-se com o comportamento dos líderes. No seu modelo, propõe três estilos de liderança, entre os quais a liderança participativa, na qual existe um envolvimento total dos subordinados na definição dos objetivos e na própria tomada de decisão (citado por Estevinha & Menoría, s.d.).

3. GÉNERO

De entre as grandes instituições sociais e face às sua caracteristícas a IM foi a que durante mais tempo impediu a participação feminina. É inquestionável o papel de apoio de combate desempenhado pela mulher. Após as guerras napoleónicas, à me-dida que os exércitos se profissionalizavam, as mulheres acabaram por ser excluídas. Apesar disso, a participação feminina em funções de apoio aos esforços de guerra não deixou de existir, embora em moldes totalmente distintos (Scrivener, 1999).Após a I Guerra Mundial e II Guerra Mundial, inúmeros países da Europa passaram a desenvolver um sistema nacional de conscrição feminina, devido à carência de homens, até mesmo na ocupação de funções combatentes (Carreiras, 1997). Os líderes militares perceberam a necessidade de integrar as mulheres no serviço militar ao mesmo tempo que percebem que representaria uma rutura dos papéis de género (Scrivener, 1999).

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No início dos anos 70 do século XX, na maioria dos países ocidentais, as mu-lheres passaram a ser admitidas nas FA, em circunstâncias equitativas em relação aos homens. Quanto ao seu acesso a especialidades de combate e a determinados lugares hierárquicos, revelam-se ainda enormes desigualdades (Carreiras, 2002).

3.1 integrAção dAs mulHeres nAs FA: CAso português

Em Portugal, a integração progressiva de mulheres nas FA tem sido vista numa perspetiva de profissionalização num tempo em que não existem guerras. Desde os anos 60, que se podem encontrar mulheres na vida militar, nomeadamente na Força Aérea, enquanto enfermeiras para-quedistas, mas é apenas no início dos anos 90 que as mulheres têm possibilidade de, em regime voluntário, se candidatarem à prestação de serviço militar. No que toca ao ingresso das mu-lheres nas Escolas de Formação de Oficiais e Sargentos com destino ao Quadro Permanente, só foram criadas condições legais em 1992. Após duas décadas deste acontecimento, Helena Carreiras (2006) vem demonstrar que a temporalidade da presença feminina nas fileiras não vem por si só favorecer a sua integração nas FA, nem contribuir para eliminar discriminações em relação à mulher na ocupação de cargos de hierarquia superior.

3.2 ConCeito de género

O conceito de género refere-se à construção do papel social “imposto pela sociedade que rege comportamentos predeterminados como sendo apropriados e característicos de homens e de mulheres” (Mendonça, 2006, p.222). No Qua-dro 1, encontram-se as várias abordagens ao estudo do género, as quais são essenciais para a compreensão do presente estudo de investigação.

Fonte: Adaptado de Barracho e Martins (2010).

Quadro 1: Abordagens no estudo do género

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3.3 estudos experimentAis

Dada a ideologia do papel sexual na nossa sociedade, o trabalho elaborado por Rice, Bender e Vitters (1980) tem em conta o género como uma característica individual importante e influenciadora dos processos e da eficácia da liderança. Johnson, Murphy, Zewdie e Reichard (2008) realizaram um trabalho experi-mental com o objetivo de compreender até que ponto os protótipos dos líderes de hoje são complementares ao papel de homens e mulheres, e compreender a extensão das violações do papel sexual no impacto do papel de liderança. O estudo vem apoiar a Teoria de Congruência de Papéis, Figura 6, a liderança feminina foi associada à sensibilidade, enquanto a liderança masculina foi as-sociada à força; estes aspetos, quando associados à eficácia da liderança, não são considerados suficientes no desempenho de funções de um líder feminino, ou seja, a mulher, para ser eficaz, vai ter que utilizar a sensibilidade e a força.

Figura 6: Teoria de Congruência de Papéis.Fonte: Adaptado de Johnson, Murphy, Zewdie e Reichard (2008).

As dimensões do protótipo de liderança feminina encontram-se positivamente correlacionados com a liderança transformacional, no entanto, considera-se o homem como sendo o líder mais eficaz. Uma explicação para a disparidade de resultados, apesar da semelhança de comportamentos, é que os mesmos comportamentos exibidos por homens e mulheres são percebidos de forma diferente devido aos papéis de género. Rice, Bender e Vitters (1980) avaliaram o efeito do género do líder em duas medidas caracterizadoras da eficácia da liderança: desempenho da tarefa de grupo e a moral dos seguidores. Os resultados da investigação acabaram por declarar que um grupo liderado por um homem é mais eficaz na realização da tarefa e a sua moral é consequentemente mais elevada. Os motivos pelos quais se obtém estes resultados vão ao encontro do estudo anterior, acabando por apoiar a Teoria da Congruência de Papéis.

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Dois estudos experimentais realizados por Vinkenburg, Engen, Eagly e Johan-nesen-Schmidt (2011), analisaram se os esteriótipos de género sobre o estilos de liderança constituem uma vantagem ou um impedimento para o acesso das mulheres a posições de liderança nas organizações. Dos resultados concluiu-se que se o responsável por decidir a selecção ou promoção tem em conta as crenças descritivas (atributos típicos de mulheres e homens) ou considera que as mulheres não manifestam certos estilos de liderança eficazes, então aí as mulheres passam a ter mais dificuldades na ocupação de grandes cargos. Segundo Vecchio (2003) as mulheres são mais eficazes do que os homens na tomada de decisão, devido não só à sua capacidade de análise, como também à sua capacidade de relacionamento e de visão emocional. Tendo em conta a mudança na sociedade, que achatou a hierarquia e aumentou a colaboração entre líder e subordinado, as mulheres acabam por ter mais vantagem uma vez que são favorecidas pelo seu estilo de liderança mais colaborativo, ao contrário dos homens que possuem um estilo de liderança baseado no comando, no controlo e na afirmação do poder. No entanto acabam por sofrer algumas desvantagens quando sujeitas a avaliações preconceituosas da sua competência como líderes, especialmente em contextos organizacionais masculinos.Bass (1997) afirma que a inclinação masculina de impessoalidade, que antes era valorizada pelas organizações, está a abrir um espaço para uma liderança voltada para as relações, característica considerada do género feminino. De acordo com o autor, os líderes de sucesso devem apresentar tanto as qualidades femininas como masculinas. No estudo experimental desenvolvido por Lindo (2003) as mulheres apresenta-ram um estilo de liderança, predominantemente, transformacional, ao contrário do homem, o qual apresentou um estilo transacional baseado na maior distância hierárquica e relacional.

3.4 liderAnçA e género em Contexto militAr

Segundo Martins (2010), o comando e os estereótipos de género levantam uma série de restrições à ascensão da mulher a cargos de liderança. O estudo foi realizado com base na autoperceção de líderes e heteroperceção de subordinados, aplicando o método MLQ, ao nível das unidades militares do Norte. Concluiu-se que a liderança transformacional, tipicamente feminina, não se assume num contexto masculino, funcionando as diferenças de estereótipos frequentemente em prejuízo das mulheres. Por outro lado, as mulheres adotam padrões de comportamento masculino precisamente para terem maior possibilidade de se-rem bem-sucedidas num mundo de homens, no entanto acabam por ser menos

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eficazes que os homens em papéis de liderança estereoscopicamente masculinos. Através do estudo de investigação, levado a cabo por Carreiras (1997) no âmbito dos fatores que podem influenciar a adaptação/integração da mulher nas FA, concluiu-se que a resistência cultural é o principal fator que gera dificuldades à mulher aquando da sua integração na IM. A estereotipização de género reflete-se através da constante visibilidade e controlo, em atitudes de descrédito e suspeição das suas capacidades, levando a que sejam testadas constantemente. Outros dos fatores referidos como geradores de diferenças na competência do exercício das funções militares foram: a fisiologia, nomeadamente em termos de força física, resistência e maternidade; a psicologia da mulher, relativamen-te à ausência de combatividade e agressividade, ingredientes necessários em situações de combate e stress; os aspetos socio-organizacionais, relativamente ao nível da coesão e integração num grupo de homens; e por fim, os valores socioculturais, intimamente relacionados com “os posicionamentos morais e conceções normativas sobre os papéis sexuais “socialmente adequados” (Car-reiras, 1997, p. 75).

4. METODOLOGIA

Neste trabalho de investigação foram utilizados os métodos de investigação documental e inquisitivo. O método documental permitiu formular as hipóteses, enquanto no inquisitivo foi utilizado o questionário como método de recolha de dados. Tendo em conta os conceitos chave da revisão de literatura, nomeadamente do Modelo de Competências de Liderança de Rouco (2012), dos três fatores critério da ação de comando (Bass, 1990), e do processo de integração da mulher no Exército (Carreiras, 1997), selecionaram-se os instrumentos mais apropriados para a recolha de dados. Os modelos aplicados já foram utilizados anteriormente, tendo coeficientes de fiabilidade favoráveis, acabando por dar validade ao inquérito.O pré-teste foi realizado a um grupo de sete entrevistados que mantém uma semelhança razoável com a população aproveitável do estudo. Permitiu verificar que as perguntas foram entendidas com clareza e interpretadas consoante os objetivos do trabalho. O tempo de preenchimento cronometrado variou entre os 7 e os 18 minutos, não gerando, por isso, relutância em preenchê-lo. As Tabelas 1, 2, e 3, que se seguem, caracterizam as variáveis que estão a ser medidas: dimensões das competências de liderança, fatores de critério quanto à ação de comando e processo de adaptação/integração das mulheres nas FA.

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Tabela 1: Composição das dimensões da Liderança em contexto militar.

Fonte: Adaptado de Rouco (2012).

Fonte: Adaptado de Rouco (2012).

Tabela 2: Fatores critério decorrentes da ação de comando.

Tabela 3: Composição das perguntas do processo de integração feminina nas FA.

Fonte: Adaptado de Carreiras (1997).

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4.1 CArACterizAção do universo e dimensão dA AmostrA

O universo deste estudo é constituído por militares do Exército Português, no-meadamente por Oficiais Subalternos e Capitães do Quadro Permanente (QP), e das diversas Armas e Serviços. A população alvo inclui ainda todos os oficiais, sargentos e praças que estão sob o seu comando direto. Para este estudo não se teve em conta a representatividade da população, e de estratificação quanto aos postos na seleção dos indivíduos, dado o interesse apenas na análise das relações entre variáveis. Para a formação do grupo de oficiais, foi considerada a variável critério: o número mínimo para tratamento estatístico no SPSS, igual número quanto ao género e quanto às Armas e Serviços, ou seja, utilizou-se a técnica de amostragem não-probabilística – amostra por conveniência. Foram inquiridos por conveniência 2 grupos de 30 oficiais, um masculino e outro feminino, 15 militares de Armas e 15 de Serviços, em cada grupo.

4.2 método dA Análise de dAdos

Após a recolha de todos os inquéritos foi construída uma base de dados, numa fase inicial no Microsoft Office Excel 2007, sendo depois transferida para o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS 15.0), com vista ao tratamento e análise estatística dos dados.Para caracterizar a amostra faz-se uso da tendência central, da dispersão das ob-servações em torno das estatísticas de tendência central e da forma de distribuição.Para verificar se existem diferenças significativas dos valores médios das di-mensões extraídas entre o género dos Oficiais e outras variáveis independentes em estudo, em complementaridade, seguem-se os testes paramétricos. Na utilização dos testes paramétricos é verificado se a variável dependente possui distribuição normal e se as variâncias populacionais são homogéneas. São utilizados os testes de Kolmogorov – Smirnov (distribuição normal) e Levene (homogeneidade). No método da comparação múltipla de médias, utiliza-se o teste post-hoc – Tukey. Segundo Maroco (2003, p. 133) o teste Tukey é o mais robusto, para colmatar desvios à normalidade e homogeneidade das variâncias, enquanto para amostras pequenas o teste de Bonferroni é dos mais potentes.Para calcular se existem relações entre as variáveis dependentes, utilizou-se o teste de independência do qui-quadrado – coeficiente de correlação de Bravais-Pearson.

4.3 CArACterizAção soCiodemográFiCA dA AmostrA

O tratamento efetuado às respostas da parte I do questionário, permitiu carac-terizar os indivíduos quanto: à Categoria, no caso dos inquéritos destinados à

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amostra total, ou Posto, nos inquéritos destinados aos líderes; Arma ou Serviço; Idade; Unidade de colocação; Função; Quadro Permanente (QP) ou Regime Contrato/Voluntariado (RC/RV) e Género.

Figura 7: Categoria.

Figura 8: Armas e Serviços.

Figura 9: Género.

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5. APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS

5.1 CArACterizAção soCiodemográFiCA dA AmostrA

5.1.1 Desempenhos de liderança – autoperceção dos Oficiais

Da análise seis dimensões, verifica-se que a variável com a média aritmética mais elevada é OMEE, enquanto a média mais baixa é na dimensão TODP. Ainda quanto à análise dos níveis de desempenho autopercecionados pelos oficiais, pode verificar-se, conforme Figura 10, que as mulheres consideram níveis de desempenho superiores em relação à avaliação dos homens, exceto nas dimensões TODP e VISA.

Figura 10: Caracterização das variáveis das dimensões de liderança.

5.1.1.1 Níveis de desempenho da liderança – diferenças significativas quanto ao género

Tendo por base a hipótese 1 procedeu-se à análise das diferenças significativas de desempenho ao nível do género dos oficiais. A Hipótese 1 não se confirma, uma vez que não existem diferenças significativas entre as respostas dos 30 oficiais masculinos e 30 oficiais femininos no desempenho, relativamente às dimensões de liderança em estudo, dado que todos os valores de p são supe-riores a 0,05, conforme ilustrado na Tabela 4.Na revisão de literatura foram vários os estudos efetuados nesta área, os quais apontavam para uma diferença de desempenho entre os oficiais, quer nas di-mensões associadas à tarefa, quer nas dimensões associadas às relações, no entanto tal não se comprovou de forma significativa. Embora não se tenham verificado diferenças significativas é relevante referir que segundo Vecchio (2003) as mulheres possuem níveis de desempenho maiores do que os homens na tomada de decisão, devido não só à sua capacidade de análise, como também à sua capacidade de relacionamento e de visão emocional, no entanto neste

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estudo os homens acabaram por se auto considerar com níveis de desempenho superiores nesta dimensão.

Tabela 4: Diferenças significativas no desempenho de liderança quanto ao género – Oficiais.

5.1.2 Desempenhos de liderança – heteroperceção dos subordinados

Nesta subseção apresenta-se uma síntese das principais estatísticas relativamente às variáveis de desempenho quanto à restante amostra, nomeadamente a que engloba os subordinados Civis, Praças, Sargentos e Oficiais, com respetivamente 10, 184, 53 e 9 inquiridos, perfazendo um total de n=256. Da análise dos dados às quatro categorias de subordinados, verifica-se que a variável com média aritmética mais elevada é OMEE, enquanto a mais baixa é TODP. Com-parando estes valores, em relação aos autopercecionados, verifica-se que os níveis de desempenho avaliados nas dimensões de liderança, maior e menor, coincidem. Ainda quanto à análise geral pode-se verificar, conforme Figura 11, que os civis e os oficiais são aqueles que atribuem níveis de desempenho mais elevados, nomeadamente ao nível da OMEE. Pelo contrário as praças e os sargentos, por esta ordem, são aqueles que atribuem níveis de desempenho mais baixos, ambos na variável LIDP.

Figura 11: Variáveis de desempenhos de liderança – Subordinados civis, praças, sargentos e oficiais.

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5.1.2.1 Níveis de desempenho da liderança – diferenças quanto ao género

De acordo a hipótese 2 procedeu-se à análise de diferenças de desempenho de lide-rança entre oficiais masculinos e oficiais femininos percecionados pelos subordinados. Os estudos, levados a cabo por Lindo (2003), indicam que as mulheres apresentam um estilo de liderança transformacional baseado num processo de socialização inerente ao seu papel social, isto significa que as mulheres neste estudo teriam de apresentar valores de desempenho superiores em relação ao homem nas di-mensões associadas às competências relacionais, entre as quais a CTEQ, GCON e LPAR, tal como acaba por acontecer, exceto ao nível da GCON, dimensão na qual o homem relativamente à mulher obtém desempenhos superiores, Figura 12.

5.1.2.2 Níveis de desempenho da liderança – diferenças significativas quanto ao género

Tendo por base a hipótese 3 fez-se a análise das diferenças de desem-penho quanto ao género com base na avaliação dos subordinados. A hipótese não se confirma uma vez que entre as respostas dos subor-dinados, quanto ao desempenho das dimensões de liderança dos oficiais masculinos e femininos, não existem diferenças, sendo por isso todos os valores de p superiores a 0,05, Tabela 5.

Figura 12: Variáveis de desempenhos de liderança – Subordinados de Cmdt`s do género feminino e masculino.

Tabela 5: Diferenças significativas no desempenhode liderança quanto ao género–subordinados.

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5.2 CArACterizAção dAs vAriáveis dos FAtores Critério dA Ação de ComAndo

5.2.1 Fatores critério – autoperceção dos oficiais

Apresenta-se uma síntese das principais estatísticas relativamente aos fatores critério quanto às respostas por parte dos oficiais.Da análise aos três fatores critério e conforme a Figura 13, verificou-se que a variável com a média aritmética mais elevada é EFIC, enquanto a média mais baixa é no fator critério EEXT. As mulheres consideram obter maior SATI por parte dos subordinados à custa de maior EEXT, no entanto consideram ter menos EFIC na ação de comando.

Figura 13: Variáveis dos fatores de critério – Oficiais masculinos e femininos

De seguida, tendo por base a hipótese 4 faz-se a análise da autoperceção dos oficiais quanto à correlação entre as dimensões de liderança e os fatores cri-tério, Tabela 6. Para os oficiais masculinos as dimensões que mais contribuem para os fatores critério, EEXT, SATI e EFIC, são a OMEE e a GCON. Quanto à dimensão que menos contribui para cada fator critério esta também acaba por coincidir nos três, TODP. Ao contrário dos homens as oficiais femininas compartilham de uma conceção completamente distinta. Para além de existirem relações mais significativas entre as dimensões de liderança e os fatores critério do que em relação aos homens, as dimensões que contribuem para os fatores critério também são diferentes. As dimensões que mais contribuem para o EEXT são a CTEQ e a OMEE. Para a SATI e EFIC a dimensão que contribui de forma significativa é a CTEQ. A hipótese 4.1 acaba por se confirmar, uma vez que existem relações signifi-cativas entre todas as dimensões e fatores.

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5.2.2 Fatores critério – heteroperceção dos subordinados quanto ao género

Nesta subseção apresenta-se uma síntese das principais estatísticas relativamente aos fatores critério avaliados pelos subordinados, em relação aos oficiais ho-mens e mulheres. Da análise às quatro categorias dos subordinados verifica-se, Figura 14, que a variável com média aritmética mais elevada é a SATI, enquanto a mais baixa é EEXT. Os subordinados civis e oficiais consideram que os oficiais ao nível da ação de comando, possuem níveis superiores de desempenho em qualquer fator critério. Comparando os valores obtidos na autoperceção dos oficiais e na perceção dos subordinados, verifica-se que o fator critério com menor média aritmética coincide, EEXT.

Tabela 6: Correlação entre as dimensões de liderança e os fatores critério - oficiais.

Figura 14: Variáveis dos fatores de critério – Subordinados civis, praças, sargentos e oficiais.

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De seguida tendo por base a hipótese 4, mais uma vez, faz-se a análise da perceção dos subordinados quanto à correlação entre as dimensões de liderança e os fatores critério, conforme Tabela 7.Tabela 7: Correlação entre as dimensões de liderança e os fatores critério – subordinados.

Quanto aos subordinados de comandantes homens, verifica-se que existem relações significativas entre todas as dimensões de liderança e os fatores critério. Relativamente às dimensões de liderança CTEQ e LIDP verifica-se que são as que mais contri-buem para o fator critério esforço extraordinário. Para o fator critério satisfação as dimensões que mais contribuem são a VISA e a CTEQ. No que toca ao fator critério eficácia são as dimensões CTEQ e LIDP. Não há dúvidas quanto à dimensão que mais contribui para os fatores critério, sendo ela a CTEQ e logo de seguida a LIDP. Relativamente à perceção dos subordinados em relação às mulheres, considera-se que contribuem para os fatores SATI e EFIC, com maior significância, a TODP e GCONF. Por sua vez as dimensões que mais contribuem para o EEXT são a VISA e a CTEQ. A hipótese 4 acaba por se confirmar, quer quanto aos oficiais (hipótese 4.1), quer quanto aos subordinados (hipótese 4.2), uma vez que existem relações significativas entre todas as dimensões e fatores critério.

5.3 CArACterizAção dAs vAriáveis do proCesso de AdAptAção/integrAção dAs mulHeres nAs FA.

Nesta secção faz-se a análise de três variáveis relacionadas com o processo de adaptação/integração das mulheres nas FA, através de quadros e gráficos, à amostra na sua totalidade n=316.

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Da análise feita, pode verificar-se quanto ao género que a percentagem de inquiridos a avaliar o processo de adaptação/integração feminina fácil é quase ¾ em ambos os géneros.

Figura 15: Processo de adaptação/integração feminina nas FA.

Nos gráficos que se seguem é possível verificar os principais motivos assinalados, quer pelas mulheres, quer pelos homens, para considerarem o processo de adaptação feminina nas FA fácil ou difícil. Quanto à categoria, a grande maioria dos civis, praças, sargentos e oficiais considerou que o processo de adaptação das mulhe-res é fácil, sendo as menores percentagens pertencentes a sargen-tos e oficiais. Quanto às armas e serviços, a grande parte considerou que o processo de adap-tação das mulheres é fácil, sendo as maiores percentagens dos in-quiridos pertencentes à Administração Mi-litar e ao Serviço de Material. Em relação

Figura 16: Processo de adaptação/integração feminina nas FA – adaptação fácil.

Figura 17: Processo de adaptação/integração feminina nas FA – adaptação difícil.

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ao Serviço de Saúde não se pode retirar conclusões credíveis, dado o número de inquiridos ser limitado.

Tabela 8: Processo de integração/adaptação das mulheres no Exército – Género, Categoria, Armas e Serviços.

5.3.1 Aceitação das mulheres pelos subordinados

Nesta secção faz-se a análise estatística da aceitação das mulheres pelos su-bordinados em cargos de comando, direção e chefia, Figura 18.

Figura 18: Aceitação das mulheres pelos subordinados.

Segundo a Tabela 9, quanto ao género, a maior percentagem de inquiridos conside-ram que a aceitação das mulheres em cargos de comando, direção e chefia é difícil apenas no início, sendo esta ideia partilhada por 50,6% mulheres, e 38,7% homens.

Tabela 9:Aceitação das mulheres pelos subordinados – Género, Categoria, Armas e Serviços.

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Quanto à categoria, mantém-se a conceção anterior, exceto na categoria de ci-vis. A maioria dos civis considera que os subordinados encaram as mulheres no comando sempre com alguma dificuldade, ao contrário das restantes categorias que considera este fenómeno difícil apenas no início. É de referir os 59,4% de inquiridos da categoria de oficiais.Quanto às armas e serviços, as maiores percentagens mantém-se ao nível da aceitação com dificuldade apenas no início. É de salientar a Infantaria que tem percentagens mais elevadas ao nível dos 2 níveis de concordância centrais, sempre com alguma dificuldade e dificuldade apenas no início, e a Adminis-tração Militar que possui uma aproximação de dados nos últimos dois níveis, com dificuldade apenas no início e sem dificuldade.

5.3.2 Fatores que influenciam o processo

A percentagem de inquiridos que partilha da opinião que as mulheres possuem limitações no desempenho de atividades militares é 34,2%. Destes inquiridos, 78,1% são homens, enquanto os restantes 21,9% são mulheres. Foram várias as limitações referidas como sendo limitações ao género feminino para o de-sempenho de atividades militares, Figura 19.

Figura 19: Fatores que podem pôr em causa o grau de competência das mulheres no exercício de liderança.

De encontro à hipótese 7 – O género feminino não é uma limitação ao exercício de atividades militares – e segundo o estudo de Helena Carreiras, esta hipótese confirma-se parcialmente, uma vez que o género feminino, embora não sendo uma limitação ao exercício de atividades, vai mesmo assim acabar por gerar diferenças ao nível de competências aquando da prática do comando/liderança.

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6. CONCLUSÕES

Face aos resultados obtidos, verifica-se que não existem diferenças de género quanto às dimensões de liderança percecionados pelos oficiais e subordinados.Existe uma tendência das médias das dimensões de liderança obtidas, relati-vamente ao desempenho dos comandantes percecionados pelos subordinados. Os subordinados avaliam as mulheres como tendo níveis superiores de desem-penho, nomeadamente ao nível das dimensões associadas às relações pessoais, “liderança participativa e envolvimento” e “coesão e trabalho de equipa”. Os homens foram melhor avaliados nas dimensões associadas à tarefa, “tomada de decisão e planeamento” e “visão do ambiente externo e interno”.Todas as dimensões estão correlacionadas de forma significativa com os fatores critério quanto ao género dos oficiais do Exército, segundo os oficiais e os subordinados. Ao nível dos oficiais, as dimensões que mais contribuem para os três fatores critério da ação de comando, autopercecionados pelo homem, são a “orientação para a missão” e a “gestão de conflitos”. Relativamente à mulher, a “coesão e trabalho de equipa” é aquela que mais contribui para a satisfação e esforço extraordinário, obtendo níveis de eficácia superiores na ação de comando. Relativamente à heteroperceção dos subor-dinados: quanto aos oficiais homens, consideram-se as dimensões, “coesão e trabalho de equipa” e “liderança participativa” em relação a qualquer fator critério; quanto às oficiais mulheres, consideram a “tomada de decisão” e a “gestão de conflitos”, para a satisfação e eficácia, e a “coesão e o trabalho de equipa”, para o esforço extraordinário. Quanto ao processo de integração feminina nas fileiras do Exército quase ¾ dos inquiridos masculinos consideraram o processo de adaptação fácil e referiram como principais fatores de influência: “os militares portugueses aceitarem bem a presen-ça de mulheres nas FA” e o “favoritismo” em relação às mulheres. As mulheres consideraram como principal fator as “provas de boa capacidade de desempenho de tarefas militares”. Por outro lado, os inquiridos masculinos que consideraram o processo difícil, elegeram como principal fator de influência a “concorrência pouco leal entre homens e mulheres”, o qual vem de encontro ao favoritismo. As mulhe-res que assinalaram o processo como sendo difícil foi justificado principalmente pelos “militares portugueses não aceitaram bem a presença de mulheres nas FA”.As mulheres são aceites pelos subordinados com dificuldade apenas no início no exercício das funções de comando, direção e chefia quanto à categoria, às armas e serviços e ao género O género feminino não é uma limitação ao exercício de comando e liderança, tal como o estudo de investigação demonstrou. No entanto, não se pode deixar de con-siderar as limitações consideradas pelos inquiridos, as quais podem pôr em causa o grau de competência com que a mulher realiza o exercício de comando e liderança.

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De encontro à pergunta de partida, identificaram-se condicionantes que podem influenciar o desempenho de competências de liderança da mulher. O género não é uma limitação ao exercício de comando e liderança, mas esta prática pode ser demarcada por questões de ordem fisiológica, como a maternidade e a capacidade física, psicológica e cultural, relacionada com os valores da nossa sociedade, com as expetativas e tendências comportamentais que são desejáveis e esperadas para a mulher, de acordo com o seu papel social.

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Francisco Silva a,1, Carlos Rouco a,2

a Academia Militar, Rua Gomes Freire, 1169 - 244, Lisboa, Portugal

RESUMO

Companhia de Precursores Aeroterrestres enfrenta, atualmente, dificuldades em combater o défice de pessoal, similarmente às Unidades Paraquedistas ou mesmo ao Exército em geral. Identificar os fatores motivacionais que atraem os voluntários, de forma a incrementar as inscrições nos cursos será um passo fulcral para a sobrevivência da Companhia de Precursores Aeroterrestres em particular, e da Instituição Castrense em geral.A presente investigação trata pois de identificar e analisar os fatores motiva-cionais que balanceiam o voluntariado no sentido de concorrer ao Curso de (Auxiliar) Precursor Aeroterrestre permitindo, no futuro, desenvolver as medidas necessárias para melhorar os aspetos que mais cativam os militares e corrigir os aspetos que menos os motivam. Após uma primeira fase de pesquisa bibliográfica, foram aplicadas nove entre-vistas exploratórias a especialistas na matéria, de forma a identificar claramente quais os fatores motivacionais mais pertinentes para esta realidade particular que são os Precursores Aeroterrestres. Identificados os critérios, foi desenha-do e aplicado um inquérito a uma amostra representativa de 282 militares da Brigada de Reação Rápida e militares em formação. Entre os resultados mais significativos destaque para a grande similitude de perceções entre as três categorias da hierarquia militar, no que concerne aos diferentes fatores motivacionais. Tal facto não se verifica quando se constituem as subamostras tendo por base as diferentes unidades de colocação dos militares paraquedistas e dos militares em formação.

o Curso dE PrECursorEs aErotErrEstrEs: fatorEs motivaCionais Para o voluntariado

1 Contacto: Email: [email protected] (Francisco Silva), Tel.: +351 9136115002 Contacto: Email – [email protected] (Carlos Rouco)

Recebido em 28 de Setembro de 2012 / Aceite em 29 de Novembro de 2012

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Entre as principais conclusões de notar o cumprimento por parte da Compa-nhia de Precursores Aeroterrestres ao nível dos fatores motivacionais em geral, salientando-se o desejo de responsabilidade por parte dos militares o qual é correspondido em 80,7%, fruto, sobretudo, da natureza das missões a si in-cumbidas. De entre os fatores extrínsecos destacam-se as condições de trabalho satisfeitas em 74,4%, resultado sobretudo da boa perceção dos militares face ao material, equipamento e armamento à disposição dos Precursores Aeroterrestres.

Palavras-chave: Fatores Motivacionais, Teorias da Motivação, Precursores Aeroterrestres,Voluntariado, Recrutamento Interno.

ABSTRACT

The Precursores Aeroterrestres Company faces, in actuality, a difficulty in combating the shortage of staff, as do the Army in general. To identify the motivational factors that draw volunteers, in order to increase enrollment in courses is a key step for the survival of the Company in particular, and globally for the Military Institution.The present investigation is therefore aimed at identifying and analyzing the motivational factors that drive the volunteers to compete for the course (Auxi-liar) Precursor Aeroterrestre. This study first undertook a more theoretical phase, a literature search and document analysis, complemented by nine exploratory interviews applied to experts, so as to clearly identify what the motivational aspects are for this particular reality which is the Precursores Aeroterrestres. Subsequently, having the theoretical foundations that allow for the start of field work, the study pro-duced a survey and its application to a representative sample of 282 military paratroopers from the Brigada de Reação Rápida, and by military in their training for the different groups.Among the most significant results comes the great similarity of perceptions between the three groups of the military hierarchy, regarding to the different motivational factors. This fact is not the case when the subsamples are based on the different military units. Among the key findings highlight to the Companhia de Precursors Aeroter-restres satisfaction of motivational factors in general, coming the desire of responsibility matched in 80.7%, due, mainly, to the nature of the missions committed to the company. Among the extrinsic factors relevant place to the working conditions with 74.4%, grounded on the good perception of the military

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concerning the material, equipment and weaponry disposed by the Companhia de Precursores Aeroterrestres.

Keywords: Motivation Factors, Theories of Motivation, Airborne Precursors, Volunteering, Internal Recruitment.

1. INTRODUÇÃO

Uma operação aerotransportada nasce e cresce no campo de batalha como um edifício imenso; os seus tijolos são vidas, vidas de bravos…e a sua base, a massa granítica do trabalho divino da equipa que nos precede, a EQUIPA DE PRECURSORES. “Após muito tempo no comando da 82ª Divisão Aerotrans-portada, aprendi a amar e a respeitar o trabalho daqueles homens que a todo o instante oferecem as suas próprias vidas em holocausto à segurança de milhares de paraquedistas”. (US Army, 2006).A execução das Forças Armadas (FA) depende, em grande medida, da existência de um Sistema de Forças Nacional, devidamente edificado e levantado. Significa isto que, para além de atender aos imperativos de meios materiais, deve con-templar os requisitos da sua componente de recursos humanos (Neves, 2007). Qualquer ato bélico, com vista a obrigar o adversário a conformar-se com a nossa vontade, conduzido na ausência de ânimo, convicção e motivação, pode levar à derrota, por melhor que seja o equipamento de que as forças militares disponham. Mas se conduzido com todo o ímpeto de uma força motivada, esse pode ser um elemento decisivo para a vitória (Almeida, 2002). Será pois fundamental compreender as motivações dos militares, as suas necessidades, os seus sonhos e ideais, para que este recurso nunca seja escasso nas FA, quer em quantidade, quer em qualidade, tanto ao nível das competências e qualificações como ao nível dos interesses e motivações. Respeitante à quantidade, e face aos seus objetivos, é indiscutível que atual-mente as FA atravessam um período de carências significativas ao nível dos seus efetivos, fruto de vários fatores que conduziram à atual situação, desde a passagem do Regime de Conscrição para o Regime de Profissionalização, como a própria conjuntura económica - este último tem condicionado e questionado o número de efetivos. E é sobretudo nos tempos de maior dificuldade que é exigido do poder organizacional um esforço consciente e intenso para que as decisões de “sobrevivência” não destruam o ambiente organizacional e as rela-ções entre a instituição e os seus membros. O Exército deverá sempre procurar manter os seus níveis de formação e de treino operacional elevados, mas nunca poderá o fator humano ser esquecido durante este processo. Se tal acontece, compromete-se irremediavelmente o potencial de contribuição das pessoas para

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o bem-estar da instituição, perdendo-se assim o recurso mais essencial para a sobrevivência e coesão de todas as FA (Almeida, 2002). E é precisamente nesta área dos recursos humanos que surge a presente in-vestigação, com especial realce para a temática da motivação, aplicada aqui ao estudo de caso da CPrec3. A CPrec constitui-se assim como o objeto de estudo, tendo-se delimitado a investigação à área do pessoal, particularmente no que diz respeito à temática do recrutamento interno, com vista a analisar as especificidades que levam o militar a querer concorrer ao Curso de Pre-cursor Aeroterrestre e/ou Curso de Auxiliar Precursor Aeroterrestre (Curso de Prec’s). Será ainda importante delimitar o estudo no tempo, ao abordar a atualidade em que vivem as FA, as quais, como afirma o Ministro da Defesa Nacional Aguiar-Branco (2012), se pretende que continuem a cumprir com os compromissos assumidos pelo país ao nível das organizações internacionais, dando continuidade às missões de tantos militares destacados no exterior da fronteira nacional. Tendo por objetivo geral identificar as potencialidades e limitações da esfera motivacional da CPrec, permitindo implementar medidas no sentido de corrigir hiatos que levem o militar a optar por outra via que não ingressar no curso de Prec’s, foram levantados os objetivos específicos a seguir apresentados. Identificar os fatores motivacionais que mais influenciam o militar do Exército Português na hora de tomar a decisão entre as diferentes unidades e/ou qualificações que tem oportunidade de optar; entender qual o nível de informação do voluntariado relativamente à CPrec e qual a influência de um nível superior de marketing dos Precursores Aeroterrestres na sua opinião. Subsequentemente um objetivo específico pretendido será constituir com o presente estudo uma base de partida para futuras investigações, adaptando-se o instrumento aqui utilizado ao objeto mais abrangente que são os paraquedistas como um todo.A partir do objetivo geral levantou-se a pergunta de partida para o presente trabalho: Quais os fatores motivacionais que levam o militar do Exército a voluntariar-se no curso de Prec’s? Recorrentes desta, e sustentadas nos objetivos específicos, foram levantadas cinco perguntas derivadas, para as quais se estabeleceram as hipóteses a seguir apresentadas:

3 Estão correlacionados os conceitos de motivação, satisfação e liderança, mas será importante distinguir perfeitamente os seus domínios, uma vez que o presente estudo focará a sua atenção na motivação. I.e. nos processos psicológicos que sugerem e dirigem o comportamento para objetivos, e não tanto na satisfação, a qual se entende como a reação afetiva ou emocional por parte do indivíduo a esses comportamentos. Motivação trata-se portanto de um processo indi-vidual, mas que certamente poderá ser influenciado no sentido de perseguir voluntariamente as metas organizacionais. É esta influência que está precisamente na base do que se entende por liderança (Kinicki, A., & Kreitner, R. (2006). Comportamento Organizacional (2a ed., trad. Rosa, M. L. G. L). Universidade Estadual do Arizona. McGraw Hill.).

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Pergunta Derivada 1: Qual o nível de informação dos militares do Exército Português e a sua influência nas decisões dos mesmos face ao voluntariado para a CPrec?

Hipótese 1: A atual divulgação da CPrec é suficiente para o esclarecimento dos militares do Exército Português, os quais mantêm a opinião face ao vo-luntariado para o curso de Prec’s.

Pergunta Derivada 2: Existem diferenças significativas dos fatores motivacio-nais entre as categorias de Oficiais, Sargentos e Praças do Exército Português 4?

Hipótese 2: Existem diferenças significativas entre as categorias de Oficiais, Sargentos e Praças do Exército Português quanto a:

H 2.1: Fatores motivacionais intrínsecos;H 2.2: Fatores motivacionais extrínsecos;

Pergunta Derivada 3: Existem diferenças significativas dos fatores motivacio-nais entre os militares colocados nas diferentes unidades?

Hipótese 3: Existem diferenças significativas entre os militares das diferentes unidades de colocação quanto a:

H 3.1: Fatores motivacionais intrínsecos;H 3.2: Fatores motivacionais extrínsecos;

Pergunta Derivada 4: Qual a perceção dos militares das diferentes categorias face à satisfação que a CPrec proporciona a cada um dos fatores motivacionais?

Hipótese 4: A CPrec satisfaz os fatores motivacionais dos militares das dife-rentes categorias da Hierarquia militar do Exército Português.

Pergunta Derivada 5: Será que existem diferentes percepções entre os militares das diferentes unidades relativamente à CPrec e ao curso de Prec´s?

Hipótese 5: Os militares paraquedistas têm níveis motivacionais mais elevados para se voluntariarem no curso de Prec´s que os militares em formação.

4 De acordo com o Estatuto dos Miliares das Forças Armadas (EMFAR), os militares são escalados hierarquicamente por postos que se podem agrupar nas categorias de Oficiais, Sargentos e Praças, como presente no artigo 28.º Categorias, subcategorias e postos (Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de junho, com as alterações e retificações introduzidas pela Declaração de Retifica-ção n.º 10-BI/99, de 31 de julho, Lei n.º 25/2000, de 23 de agosto, Decreto-Lei n.º 232/2001, de 25 de agosto, Decreto-Lei n.º 197-A/2003, de 30de agosto, Decreto-Lei n.º 70/2005, de 17 de março, Decreto-Lei n.º 166/2005, de 23 de setembro, Decreto-Lei n.º 310/2007, de 11 de setembro, Decreto-Lei n.º 330/2007, de 09 de outubro e Lei n.º 34/2008 de 23 julho.).

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Para testar as hipóteses apresentadas recorreu-se a uma metodologia de inves-tigação assente em três grandes partes: exploratória, analítica e conclusiva. A parte exploratória teve por objetivo principal identificar os fatores motivacio-nais, sendo composta por duas fases. Numa primeira fase, a revisão da litera-tura visou enunciar os fatores motivacionais, os quais, através de entrevistas exploratórias, foram analisados e adaptados ao contexto militar por diferentes personalidades, especialistas na área dos Precursores Aeroterrestres (Prec’s). As entrevistas exploratórias permitiram reduzir para 11, de um total de 16 fa-tores iniciais identificados por Herzberg, e ainda estruturar o inquérito que se constituiu como o instrumento de recolha de dados utilizado na segunda parte, analítica. Após validação e pré-teste, a versão final do inquérito foi aplicada a uma amostra de 282 militares de diferentes unidades do Exército Português. Para registo, tratamento e análise dos dados, o Microsoft Office Excel 2010TM

(Excel) permitiu de uma forma objetiva e sistematizada extrair as informações mais pertinentes, servindo ainda de base de dados para o Statistical Package for the Social SciencesTM (SPSS). Estas foram duas ferramentas informáticas bastante úteis para a última fase, conclusiva. A interpretação dos resultados, orientada no sentido de confirmar ou inferir as hipóteses formuladas, permitiu adquirir conhecimentos práticos e aplicáveis a esta realidade da CPrec, deixando ainda bases importantes para futuras investigações.

2. CONCEITO E TEORIAS DA MOTIVAÇÃO

Qualquer organização procura sempre preencher os seus quadros com os me-lhores indivíduos. Mas para tal acontecer é necessário ter o mínimo de poder de escolha entre os diferentes sujeitos a recrutar. O mesmo acontece com a Instituição Militar a qual deverá, nesse sentido, persuadir o maior número possível de candidatos para que possa selecionar os mais aptos. Este cenário será, no entanto, somente possível se o Exército almejar uma imagem atrativa junto do “mercado de trabalho”. É pois de vital importância conhecer os fato-res motivacionais mais importantes para as pessoas em condições de ingressar nas fileiras, tanto para o Exército em geral, como, para a CPrec em particular. Será pois pertinente, antes de mais, compreender este conceito de motivação:

“Conjunto de forças energéticas com origem tanto no interior do indivíduo como fora dele, e que moldam o comportamento de trabalho, determinando a sua forma, direção, intensidade e duração” (Pinder, 1998, p. 11 como citado em Afonso, 2009).A motivação “envolve tantas perceções, valores, interesses e ações tão intima-

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mente relacionados, que várias foram as aproximações a este tema, segundo diferentes abordagens” (Lai, 2011, p. 5). Para Gouveia e Baptista (2007) as teorias da motivação podem classificar-se segundo as teorias de conteúdo, que focam o seu estudo nos fatores motivacionais, e teorias do Processo, as quais estudam todo o processo do fenómeno da motivação, como ilustra a Figura n.º1. Estas, por sua vez, dividem-se nas teorias gerais, que abordam as aspi-rações genéricas dos seres humanos, e as teorias organizacionais, que incidem diretamente sobre o comportamento organizacional, em situações de trabalho (Forte & Trigo, 2007). O presente estudo foca a sua atenção nas teorias de conteúdo organizacionais, já que são as que centram a sua atenção nos fatores

Figura n.º 1: Teorias da motivação

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motivacionais em contexto laboral 5, das quais se destaca a teoria dos dois fa-tores de Herzberg, cujos conceitos foram aqui adaptados e aplicados à realidade particular da CPrec 6.Herzberg et al (2009), na teoria dos dois fatores ou teoria bifatorial, sugere que as pessoas têm dois grandes tipos de necessidades, devendo considerar-se esses grupos independentes e de efeitos distintos. As necessidades motivadoras, de na-tureza intrínseca ao trabalho, conduzem à satisfação a longo prazo e à felicidade, enquanto as necessidades higiénicas, de natureza extrínseca ao trabalho, conduzem ao evitamento da dor e ao alívio da insatisfação a curto prazo (Afonso, 2009). A cada grupo de necessidades estão associados diferentes fatores motivacionais, sendo que, segundo Herzberg (1987), os fatores que provocam atitudes positivas face ao trabalho não são os mesmos que provocam atitudes negativas. Satisfação e insatisfação não são os lados opostos da mesma moeda (Adair, 2006). Assim, num total de 16 fatores, seis deles são fatores motivacionais intrínsecos, espe-cialmente responsáveis pelos estados de satisfação, de empenhamento, alegria e esforço no trabalho, causando, essencialmente, atitudes positivas, enquanto os restantes 10 são fatores higiénicos ou extrínsecos, responsáveis por estados de descontentamento, de oposição afetiva, de queixas e contestação, não causando atitudes positivas, mas evitando atitudes negativas (Almeida, 2002). A Figura n.º 2, baseada em Herzberg (1987) apresenta, à esquerda, os fatores higiénicos, na origem de insatisfação no trabalho, os quais se destacam dos fatores motivacio-nais, à direita, envolvidos em situações que produzem satisfação e motivação. Entendida esta temática da motivação, que culminou na apresentação dos 16 fatores motivacionais identificados por Herzberg, importa agora entender per-

5 Exceção será a teoria da avaliação cognitiva (Cognitive Evaluation Theory – CET), a qual, constituindo-se como uma das cinco mini-teorias que formam a teoria da auto determinação (Self-determination theory – SDT), estuda as influências do contexto social e da interação interpessoal ao nível da motivação intrínseca. Esta é pois uma teoria do processo que não será tão importante para esta investigação no sentido da identificação dos diferentes fatores motivacionais, mas será pertinente pois permitirá uma melhor compreensão dos conceitos de motivação intrínseca e motivação extrínseca, os quais serão abordados posteriormente (Deci, E., & Ryan, R. (2002). Handbook of Self-Determination Research. Rochester, USA: University of Rochester Press. Retirado: fevereiro, 19, 2012, de http://books.google.pt/books?id=DcAe2b7L-RgC&printsec=frontcover&hl=pt-PT#v=onepage&q&f=false.).

6 Importante contributo foi igualmente o trabalho de Hackman e Oldham que permitiu identificar os fatores mo-tivacionais que devem caracterizar o trabalho de forma a manter uma pessoa motivada. O modelo resultante defende cinco características principais que uma função deve possuir de modo a constituir-se como uma fonte de motivação: variedade, identidade, significado, autonomia, feedback. Estas características contribuíram para uma visão mais completa e abrangente do que será importante analisar neste estudo, atentando ao caso particular da CPrec e do curso de Prec’s (Hackman, J. R., & Oldham, G. R. (1980). Work design in organizational context. Research in organizational behavior (Vol. 2, pp. 247-278). University of Illinois. Yale University. JAI Press Inc. Retirado: junho, 30, 2012, de http://groupbrain.wjh.harvard.edu/jrh/pub/JRH1980_3.pdf).

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Figura n.º 2: A visão de Herzberg da satisfação/insatisfação no trabalho

feitamente os conceitos de motivação intrínseca e extrínseca. Segundo Ryan e Deci (2000), as pessoas têm diferentes níveis de motivação bem como di-ferentes tipos de motivação. Quer isto dizer que podem ser diferentes razões que originam a ação do indivíduo. E.g., dois estudantes podem sentir um alto nível de motivação para estudar, mas sendo que um, porque sente curiosidade e interesse no que está a fazer, enquanto o outro apenas para receber a aprovação do professor ou dos pais. Neste sentido, a motivação não pode ser tida como um fenómeno unitário como se elucida de seguida. A motivação intrínseca é a realização de uma determinada atividade pela satis-fação inerente que o indivíduo nela encontra, e não pela intenção de alcançar qualquer tipo de consequências exteriores, materiais ou sociais, quer se trate de recompensas ou punições 7 (Ryan & Deci, 2000).

7 Foi realizada uma experiência, na qual seria dito ao indivíduo que não seria aceite em determinado trabalho. A pessoa, continuando na sala, pode escolher livremente se continua ou não a realizar a tarefa. Não tendo agora nenhuma recompensa, a tarefa será tão mais intrinsecamente motivadora quanto maior o tempo que o sujeito a realizar (Ryan & Deci, 2000, p. 56).

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Os comportamentos extrinsecamente motivados, por outro lado, são aqueles que as pessoas levam a cabo não pelo simples gosto que a tarefa em si representa, mas pelas consequências que tal comportamento terá. A ação desenvolvida é tida como um meio para atingir um determinado fim, quer seja obter alguma recompensa material ou social – remuneração, boas notas, reconhecimento – ou pelo contrário evitar alguma forma de punição (Sampaio et al, 2003).

3. Precursores Aeroterrestres

As Forças de “Precursores Aeroterrestres” são forças vocacionadas para operar Zonas de Lançamento ou Zonas de Aterragem (ZA/ZL), em proveito de todo e qualquer tipo de força, aerotransportada ou aeromóvel, que necessite de utilizar meios aéreos para lançar equipamentos, para aterragens em zonas não preparadas e para lançamento de paraquedas, sendo dotadas de capacidade de inserção no Teatro de Operações (TO) através de meios marítimos, terrestres e aéreos (Diretiva 90/CEME/07). A CPrec encontra-se na dependência do Batalhão Operacional Aeroterrestre (BOAT), e apresenta o mapa de efetivos apresentado na Tabela n.º 1, à data de 11 de julho de 2012.

8 E.g. nos dois últimos cursos de Precursor Aeroterrestre iniciaram oito e seis militares respetivamente, tendo sido eliminados dois deles em ambos os cursos. Nos dois últimos cursos de Auxiliar Precursor Aeroterrestre iniciaram nove e 10 praças respetivamente, tendo sido eliminados seis em ambos os cursos. Ao nível das provas de seleção, as taxas de atrição são bastante consideráveis, não havendo no entanto o registo preciso dos dados em questão.

Tabela n.º 1: Efetivos da Companhia de Precursores Aeroterrestres.

Fonte: Batalhão Operacional Aeroterrestre: Quadro Orgânico, 2010.Legenda: QO - Quadro Orgânico; EE - Efetivo Existente; EF - Efetivo em Falta; ETF - Efetivo Total em Falta. (*) Estão colocados militares na CPrec mas sem o curso de Auxiliar Precursor Aeroterrestre.

Para ingressar na CPrec o militar paraquedista deverá concluir com sucesso o curso de Prec’s. É um curso exigente, apresentando elevadas taxas de atrição, tanto ao nível das provas de seleção como no curso em si 8. A Figura n.º 3 representa as várias áreas de especialização do curso de Precursor Aeroterrestre para militares graduados e do curso de Auxiliar Precursor Aeroterrestre para

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Figura n.º 3: Curso Precursor Aeroterrestre e Curso Precursor Aeroterrestre – Praça.Fonte: Referencial de Curso Precursor Aeroterrestre (2007), Referencial de curso Precursor Aeroterrestre – Praça (2017).

os militares da categoria de praças, ilustrando ainda os distintivos galardoados aos militares no final dos respetivos cursos.Uma vez colocados na CPrec, os militares têm a possibilidade de adquirir novas qualificações aeroterrestres 9, bem como outras especializações em diferentes áreas 10.Este conjunto de valências favorecem um empenhamento dos militares da CPrec em diversas ações de formação a diferentes cursos, quer da sua responsabilidade direta como o curso de Prec’s e o curso de Queda Livre Operacional (curso de SOGA), quer em auxílio a outras qualificações, como o curso de Combate, e curso de Paraquedismo. Além da formação, os Prec’s têm participado num leque alargado de exercícios conjuntos, com forças nacionais como e.g. o Destacamento de Ações Especiais (DAE), da Marinha, e exercícios combinados, com forças provenientes de vários países como Bélgica, Espanha, etc. Compete ainda à companhia participar em projetos de cooperação técnico-militar, no âmbito da sua tipologia de forças, com forças de países amigos como a Bélgica, Alemanha, Espanha e EUA 11.

9 Completo o Curso de Prec’s, as praças poderão frequentar o curso de SOGA, assim como os graduados, tendo estes ainda a possibilidade de frequentar o curso de Chefe de Salto e curso de Instrutor de Queda Livre Operacional.

10 E.g. curso de condutor, curso de operador de embarcação, curso de sapadores, curso de minas e armadilhas. 11 E.g. entre agosto e novembro de 2010, um oficial e um sargento da CPrec frequentaram nos EUA os seguintes

cursos: Ram-Air Parachute Systems (1 Semana), Airborne Course (3 Semanas), Combat Life Saver (1 Semana), Pathfinder Course (3 Semanas).

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Integrando e/ou intercalando estas atividades, a CPrec leva a cabo o seu treino operacional no plano aeroterrestre, operando ZA/ZL sempre que solicitado e realizando saltos em diferentes atividades, bem como o treino orientado di-retamente para o combate, passando por áreas como e.g. armamento e tiro. Todas estas atividades acabam por ser exigentes, ao nível da disponibilidade requerida, bem como ao nível físico e psicológico, dedicando os Prec’s, nesse sentido, parte do seu tempo para o treino físico. Finalmente o dia-a-dia dos Prec’s nos restantes aspetos decorrerá de um modo semelhante ao dos militares colocados nas demais unidades do Exército Português.Quanto aos recursos disponíveis, tendo os DestPrec uma capacidade de atuação autónoma que lhes permite sobreviver, sem reabastecimento, garantindo a sua autoproteção em território controlado pelo inimigo, por curtos períodos (3 a 5 dias), até à junção com o grosso da força ou à sua exfiltração, a CPrec dispõe deste modo de recursos materiais essenciais para o cumprimento das missões a ela cometidas 12 (FII: OEP(18)-01-01).Os aspetos sociais, familiares e económicos são fatores de desistência muito importantes para o militar em formação em RV/RC. Segundo Monteiro et al. (2009) a distância da unidade em relação a casa implica não só mais gastos de deslocamentos mas também mais tempo afas tado do seu círculo familiar e de amigos. Será pois importante nesse sentido analisar o enquadramento geográ-fico da ETP por forma a perceber as implicações que a sua localização terá na vida pessoal dos militares. A Figura n.º 4 apresenta um mapa de Portugal continental onde se pode verificar a localização de Tancos e a distância em relação às principais cidades, apresentando ainda uma breve caracterização das vilas e cidades mais próximas, bem como outras unidades militares.

12 Estes meios são essenciais para o cumprimento das missões e acabam por ser também um elemento importante na motivação dos militares. Num estudo de Monteiro et al. (2009), os aspetos funcionais e estruturais, onde se englobam os meios à disposição da formação, quando desatualizados ou com deficiências, acabam por ser um fator importante para a desistência dos militares em RV/RC.

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4. METODOLOGIA

Esta secção visa replicar a metodologia, métodos e procedimentos empregues nas diferentes etapas desta investigação científica. Contextualizada a investigação no campo teórico da motivação e no objeto de estudo, a CPrec, importa agora aproximar os fatores motivacionais identificados por Herzberg à realidade particular da CPrec. Nesse sentido, foram realizadas nove entrevistas exploratórias as quais permitiram identificar 11 fatores moti-

Figura n.º 4: Enquadramento Geográfico da ETP.Fonte: mMps.google.pt, www.pcaopmemais.com/intermediacao-negocios/mapa-de-portugal-3 e censos.ine.pt

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Tabela n.º 2: Quadro resumo das entrevistas exploratórias

(*) Cada número identifica uma personalidade entrevistada, exatamente pela ordem apresentada no apêndice B.

13 Entrevistas realizadas entre os dias 27 de fevereiro e 2 de março a personalidades que estão ou estiveram ligados aos Precursores Aeroterrestres: Major General Agostinho da Costa, Comandante da Escola da Guarda; Coronel Tirocinado de Infantaria Carlos Perestrelo, 2º Comandante da Brigada de Reação Rápida; Tenente Coronel de Infantaria Henriques, Comandante do Batalhão Operacional Aeroterrestre; Capitão de Infantaria Pereira, Coman-dante da CPrec; Tenente de Infantaria Lopes, Comandante do Destacamento ALFA da CPrec; Sargento-ajudante de infantaria Ramos, Adjunto do Batalhão Operacional Aeroterrestre e Cumulativamente Adjunto da CPrec; 1Sargento de Infantaria Basílio, Destacamento ALFA; Auxiliares Precursor Aeroterrestre da CPrec; Militares Paraquedistas, desistentes do Curso de Auxiliar Precursor Aeroterrestre.

vacionais mais pertinentes para a investigação, de entre os 16 fatores motiva-cionais identificados inicialmente por Herzberg, como ilustra a Tabela n.º 213.

A coluna COMPONENTES apresenta os fatores motivacionais identificados na revisão bibliográfica, seguidos, na coluna INDICADORES, pelos diferentes aspetos enunciados pelos entrevistados, numerados estes de um a nove na linha

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superior. A cada entrevistado corresponde uma coluna onde são simbolizados por um certo ( ) os indicadores tidos como positivos para a motivação dos militares, por uma cruz (x) os indicadores referidos como negativos, e por um zero (0) os indicadores referidos como indiferentes, i.e., cuja importância se verifica tanto na CPrec como em qualquer outra unidade paraquedista.Identificados os critérios mais pertinentes a ter em conta na investigação procedeu-se ao desenho de um inquérito sob a forma de questionário. O questionário divide-se em três grupos principais subordinados a cada um dos objetivos específicos, como representa a Figura n.º 5. O I Grupo, procura entender qual o nível de informação do voluntariado relativamente à CPrec e qual a influência de um nível superior

Figura n.º 5: Caracterização do instrumento.

de marketing dos Precursores Aeroterrestres. Este grupo, divide-se em duas partes principais, tendo sido aplicada a primeira juntamente com o inquérito principal, enquanto a segunda constituiu-se como um inquérito final a ser aplicado após a visualização por parte dos inquiridos de um vídeo promocional da CPrec. O II Grupo procurou analisar a importância para os militares dos diferentes fatores motivacionais. O III Grupo teve como objetivo observar a satisfação desses mes-mos fatores motivacionais por parte da CPrec, segundo a opinião dos militares das diferentes categorias e unidades de colocação.Associado às questões está a metodologia de recolha dos dados. Optou-se por recorrer a uma escala não comparativa ordinal, composta por um conjunto de frases (itens) em relação a cada uma das quais se pedia ao inquirido para manifestar o grau de concor-

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dância, desde discordo totalmente (nível 1) até concordo totalmente (nível 5) 14. Este tipo de respostas obrigou desde logo a pensar as questões de modo a evitar opiniões radicais ou tendenciosas por parte dos sujeitos 15. Esta escala tipo Likert é assim a escala predominante no inquérito, pese embora tenham sido também utilizadas escalas comparativas, nominais, de escolha múltipla e ainda perguntas de resposta aberta. Cumpridas todas estas etapas, procedeu-se à validação 16 do questionário e sub-sequente pré-teste a uma subamostra 17, permitindo uma última revisão formal ao nível da metodologia de recolha de dados, layout 18, linguagem e termino-logia utilizadas, esclarecer questões duvidosas e mesmo cronometrar o tempo de preenchimento 19 (Bell, 2004). Não tendo sido detetadas incongruências no pré-teste do inquérito, procedeu-se à aplicação do mesmo sem mais alterações. Concluído o desenho do questionário, falta agora atentar na população alvo para determinar uma amostra representativa evitando assim o dispêndio de meios e tempo. Como ilustra a Figura n.º 6, o universo considerado é composto por 903 militares

14 Este tipo de escala, de Likert, varia entre cinco e 11 níveis. Optou-se por uma escala de cinco níveis, devido às reduzidas dimensões da amostra, possibilitando um menor pormenor das respostas, mas permitindo uma maior capacidade de comparação. Optou-se por uma escala ímpar, permitindo um nível de opinião neutro, o que não seria possível com uma escala par, a qual forçaria positiva ou negativamente as respostas, uma vez que a opção indiferente não existe.

15 Este instrumento de medida simples traz depois alguns problemas, nomeadamente o número de perguntas que obriga a realizar por forma a bater as diferentes vertentes que se relacionam com o assunto.

16 Na conceção do questionário participaram diferentes especialistas do Centro de Psicologia Aplicada do Exército (CPAE), bem como o Tenente Coronel de Infantaria Antão, além do auxílio do meu orientador.

17 Como se pode verificar na Tabela nº 4, onde é apresentado o cálculo da subamostra do pré-teste, calculada a partir da amostra. Os dados são apresentados nas duas colunas da direita, onde a subamostra (sn= 28,2), por motivos de arredondamento para números inteiros, resultou na subamostra real de 37 militares (snr=37).

18 Layout: desenho e aspeto do questionário.19 O tempo de preenchimento do questionário variou entre 12’ e 22’; Duração do vídeo promocional: 7’05’’, disponível em

http://www.youtube.com/watch?v=dZu0xQ1xFOA; autorizada utilização por sargento-ajudante de infantaria Morais.

Figura n.º 6: Universo considerado

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20 Qualquer militar do Exército Português poderá concorrer ao curso de Prec’s, desde que respeitando as condições de admissão para o curso de Prec’s. No entanto foram considerados apenas os militares em situação mais privilegiada de ingresso, i.e. os militares paraquedistas no efetivo na BRR, à qual pertence a CPrec. Como o limite de idade para concorrer ao curso de Prec’s é de 32 anos, delimitou-se o universo, na categoria de oficiais, até ao posto de capitão, inclusive, e na categoria de sargentos, até ao posto de primeiro-sargento, inclusive (Referencial de Curso Precursor Aeroterrestre, 2007).

21 Os militares da categoria de oficiais, sargentos e praças, a frequentar, respetivamente, o Tirocínio para Oficial de Infantaria (TPOI), o Curso de Formação de Sargentos de Infantaria (CFSI) e o Curso de Paraquedismo (CPQ).

22 Segundo Sarmento (2008, p. 27), o Nível de Confiança (λ) suficiente para validar um estudo importante é de 95%, sendo que, para este nível de confiança, a distribuição normal apresenta o valor Z =1,96, com uma margem de erro entre 5% e 10%, tendo-se optado pelo valor mínimo (5%).

23 Segundo Sarmento (2008, p. 26) quando não se sabe o valor de (p), deve-se assumir a hipótese mais pessimista, i.e. quando a dispersão é máxima, ou seja p=0,5, daí que a função [p×(1-p)]=0,25.

Tabela n.º 3 – Amostra para o inquérito.

paraquedistas em condições diretas de concorrer ao Curso de Prec’s 20, pertencentes às três grandes unidades paraquedistas da BRR, respetivamente o 1BIPara com 205 militares, 2BIPara com 226, BOAT com 111 e a própria ETP com 63 indivíduos, aos quais se somaram 123 militares em formação, para os quais o curso de Prec’s poderá ser um fator influenciador a quando da escolha das unidades de colocação 21. Tendo assim uma população de 1026 militares, calculou-se uma amostra repre-sentativa, estratificada pelas diferentes categorias e unidades. Pretendendo-se um nível de confiança λ=95%, com um nível de precisão D=±5% 22, tendo uma população finita N=1026 indivíduos, e considerando uma proporção p=0,523, obteve-se uma amostra n=279,51, de acordo com a fórmula de Sarmento (2008, p.25), presente na Tabela n.º 3.

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Esta amostra tem um peso percentual de 27,25%, representando a proporção de indivíduos de cada posto aos quais interessa aplicar o questionário. Mas como um indivíduo é sempre um número inteiro a amostra real (nr) obtida será sempre arredondada para o valor superior mais próximo, daí que nr= 282. A Tabela n.º 3 apresenta o total de efetivos (TE) que compõem a amostra (n) e amostra real (nr). De notar os valores escritos em branco sob fundo preto que representam acertos necessários de valores, fruto da insuficiência de indivíduos disponíveis pelos diferentes postos nas diferentes unidades.Esta amostra constituída, à qual foi submetido o inquérito de forma presencial, distribuiu-se pela categoria de oficiais (13,5%), sargentos (27,0%) e praças (59,6%), constituindo-se assim as subamostras respeitantes às categorias da hierarquia militar. Relativamente às unidades de colocação, os militares distri-buem-se pelas unidades paraquedistas do 1BIPara, 2BIPara (BIParas), bem como do BOAT e ETP (ETP), num total de 89,3%, e ainda pelos diferentes cursos de formação (CPQ, CFSI, TPOI), compreendendo estes 10,6% dos militares inquiridos, como ilustra a Figura n.º7. De notar que o BOAT, embora apresentado separadamente da ETP, está sediado precisamente nesta unidade, constituindo assim a ETP 30,1% dos efetivos 25.

Figura n.º 7: Caracterização da amostra

25 O Exército integra uma componente operacional, materializada na Força Operacional Permanente do Exército (FOPE), e uma componente fixa, que assenta na Estrutura de Comando e na Estrutura Base do Exército (EBE). A FOPE compreende as grandes unidades e as unidades operacionais (onde se encontra a BRR), as Zonas Militares dos Açores (ZMA) e da Madeira (ZMM), e as forças de apoio geral. A EBE, com a missão principal de aprontamento e apoio à FOPE, compreende a Academia Militar (AM), na dependência direta do Chefe de Estado-Maior do Exército (CEME), responsável pela formação do TPOI, a Escola de Sargentos do Exército (ESE), na dependência do Comando da Instrução e Doutrina, ministrando o CFSI, e a ETP, na dependência da BRR, formando os militares paraquedistas (Ministério da Defesa Nacional. (2006, 21 março). Decreto-Lei n.º 61/2006. Lei orgânica do Exército (57 Série I-A, pp. 2044-2050). Diário da República.).

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No que diz respeito à distribuição etária, verifica-se uma média de 26 anos, variando entre os 18 e os 42 anos, com uma grande percentagem de indivíduos entre os 23 e os 27 anos (58,9%). Quanto ao género, a amostra fez-se constituir apenas por 3 elementos femininos. Já a situação social refletida pelos indivíduos mostra que 50% vive com os pais, sobretudo elementos da categoria de praças (42%). 12,3% vive com o cônjuge e 16,7% vive com o cônjuge e com filhos. Respeitante às habilitações literárias, 55% dos militares possuem o 12º ano de escolaridade, dos quais 49% pertencem à categoria de sargentos e 51% à categoria de praças. A categoria de oficiais possui o grau académico licencia-tura ou mestrado, enquanto 25% dos indivíduos possui o 9º ano (categoria de praças). No que concerne à distribuição geográfica, 51,8% dos indivíduos reside no norte do país na região do Porto, Aveiro e Viseu, constituídos sobretudo por militares do 2BIPara. 23,4% dos inquiridos vive na envolvente de Tancos e 14,7% na região de Lisboa e Évora, constituídos sobretudo por militares da ETP e do 1BIPara. Finalmente será importante referir o pequeno grupo de militares com o curso de Prec’s (5,3%).Recolhidos os dados, o seu tratamento estatístico passou pela criação de uma base de dados no Microsoft Office Excel 2010TM, possibilitando a transfe-rência para o SPSSTM, versão 15.0 para Windows. Tendo por objetivo testar as hipóteses formuladas, procedeu-se ao cálculo de médias, desvios padrão e percentagens para a estatística descritiva, bem como o método da comparação múltipla de médias, teste post-hoc – Tukey, para análise da variância, tendo este sido precedido pelo teste Kolmogorov-Smirnov, para análise da distribuição normal, e pelo teste de Levene, para cálculo da homogeneidade, importantes quando se re-correm a testes paramétricos, como foi o caso (Reis, 1999).

5. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Nesta secção serão apresentados os dados mais pertinentes no sentido de con-firmar ou inferir as hipóteses formuladas.

5.1. A inFormAção dos militAres do exérCito português respeitAnte à CpreC

Hipótese 1: Os militares do Exército Português conhecem os Precursores Aero-terrestres mantendo uma opinião consolidada acerca dos mesmos.

Quando analisamos o nível de conhecimento dos militares sobre a CPrec, verificamos que a hipótese se confirma, uma vez que mais de 50% afirmam

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conhecer as tarefas e missões dos precursores (88%), bem como as provas para o curso de Prec’s (88%). Quanto às fontes desse conhecimento, a internet é uma origem importante (46,8%), ainda que bem atrás do convívio entre camaradas (90%) como ilustra a Figura n.º 8.

A pergunta anterior foi aplicada aquando do questionário principal, ao qual se seguiu o vídeo promocional da CPrec e, após este, um inquérito final, cujos resultados se apresentam na Figura n.º 9, ilustrando as respostas à questão A sua opinião sobre os Prec’s…?

Figura n.º 8: Nível e fonte do conhecimento sobre a CPrec por parte dos militares

Figura n.º 9: Mudança da opinião dos militares após vídeo promocional da CPrec

Como se verifica, embora seja positivo o conhecimento dos militares face à CPrec, a opinião destes mantém-se perfeitamente alterável, sobretudo quando considerados os militares em formação, dos quais mais de 50% alteraram a sua opinião relativamente à CPrec de forma positiva ou bastante positiva (67,2%). Por estas razões considera-se que a hipótese 1 confirma-se parcialmente.

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Tabela n.º 4: Comparação múltipla de médias na dimensão “fatores intrínsecos” e na di-mensão “fatores extrínsecos” segundo as diferentes categorias.

Legenda: Nenhuma correlação significativa para p < 0,05.

5.2. diFerençAs signiFiCAtivAs entre As perCeções dAs diFerentes CAte-goriAs HierárquiCAs

Hipótese 2: Existem diferenças significativas entre as categorias de Oficiais, Sargentos e Praças do Exército Português quanto a:

H 2.1: Fatores motivacionais intrínsecosH 2.2: Fatores motivacionais extrínsecos.

Na Tabela n.º 4 são apresentados os resultados que permitem verificar as diferenças significativas entre as diferentes categorias, tendo como variáveis dependente as dimensões “fatores intrínsecos” e “fatores extrínsecos”. Constata-se que não se verificam diferenças significativas entre a importância atribuida pelos militares das diferentes categorias aos diferentes fatores motivacionais intrín-secos e extrínsecos, concluindo-se assim que a hipótese 2 não se confirma.

5.3. Diferenças Significativas Entre as Perceções dos Militares das Diferentes Unidades

Hipótese 3: Existem diferenças significativas entre os militares das diferentes unidades de colocação quanto a: H 3.1: Fatores motivacionais intrínsecosH 3.2: Fatores motivacionais extrínsecos

A Tabela n.º 5 exibe as variações entre as médias das opiniões dos militares das diferentes unidades de colocação, respeitantes às dimensões “fatores intrínsecos” e “fatores extrínsecos”. Verificam-se diferenças significativas entre a importância atribuída aos diferentes fatores motivacionais extrínsecos quando considerados os militares da ETP em comparação com os militares dos BIParas e os militares em formação, considerando-se por isso que a hipótese 3 confirma-se parcialmente.

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5.4. A Perceção da Satisfação dos Fatores Motivacionais por Parte Da Cprec, na Perspetiva das Diferentes Categorias da Hierarquia Militar

Hipótese 4: A CPrec satisfaz os fatores motivacionais dos militares das dife-rentes categorias da Hierarquia militar do Exército Português.

A Figura n.º 10 apresenta as perceções das diferentes categorias da hierarquia militar quanto à satisfação por parte da CPrec dos diferentes fatores motiva-cionais. Como se verifica a CPrec corresponde positivamente aos diferentes fatores motivacionais, destacando-se os fatores intrínsecos, todos acima dos 70%, excetuando-se o crescimento profissional que se fica pelos 51,3%, não sendo a CPrec de facto motivadora para o militar que anseia por progredir na carreira. Quanto aos fatores extrínsecos, estes são de igual modo correspondi-dos positivamente pela CPrec, apresentando, no entanto, uma média percentual cerca de 10% inferior à média dos fatores intrínsecos (74,7% vs 64,4%). Aliás, quando considerado o vencimento 26, a perceção dos militares face à possível satisfação por parte da CPrec, chega mesmo a ser negativa, com 35,1% de média entre as diferentes categorias.Pelas razões apresentadas considera-se que a hipótese 4 confirma-se parcial-mente.

26 O vencimento engloba não só o salário base como os benefícios financeiros que poderão advir das funções desempenhadas, contribuindo neste sentido fatores como a distância unidade-casa (casa-trabalho), que, além de motivar o afastamento do militar face ao seu círculo de amigos e familiar, obriga a gastos superiores nos deslocamentos; e ainda, com especial relevância, as missões internacionais, as quais, além do enorme contributo para a autorrealização, e desenvolvimento pessoal, serão certamente um elemento importante a considerar para o militar que quer auferir um vencimento superior.

Tabela n.º 5: Comparação múltipla de médias na dimensão “fatores intrínsecos” e na di-mensão “fatores extrínsecos” segundo as diferentes unidades de colocação.

Legenda: (*) Correlações significativas para p < 0,05.

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5.5. As perCeções dos militAres dAs diFerentes unidAdes relAtivAmente à CpreC

Hipótese 5: Os militares paraquedistas têm níveis motivacionais mais elevados para se voluntariarem no curso de Prec´s que os militares em formação. A Figura n.º 11 apresenta as perceções dos militares colocados nas diferentes unidades, quanto à satisfação por parte da CPrec dos fatores motivacionais enumerados. Como se verifica, embora os militares paraquedistas apresentem uma perceção positiva face à satisfação que a CPrec proporciona nos diferen-tes fatores motivacionais (69,1%), são de facto os militares em formação que mantêm níveis mais elevados (77,4%), destacando-se a “vida pessoal”, com 83,7%, face aos 62,7% percecionado pelos militares paraquedistas.

Figura n.º 10: Perceções dos militares das diferentes categorias face à satisfação dos fatores motivacionais por parte da CPrec

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Por estas razões considera-se que a hipótese 5 não se confirma.

27 Também é importante a Internet como fonte de informação, fruto de páginas como Tropas Paraquedistas Por-tuguesas, Exército - Recrutamento, Wikipédia ou mesmo Youtube, onde se poderá encontrar o vídeo divulgado aquando da aplicação dos questionários.

Figura n.º 11: Perceções dos militares colocados nas diferentes unidades face à satisfação dos fatores motivacionais por parte da CPrec

6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Respeitante ao nível de informação, positivo, por parte dos militares, verifica-se que a principal fonte é o convívio entre camaradas. Tal dever-se-á ao facto de, embora a CPrec não tenha qualquer subunidade sediada nos BIParas, vários são os militares com o curso de Prec’s aí colocados, levando nesse sentido ao convívio e troca de experiências com os restantes militares. O mesmo acon-tecerá na ETP, onde está colocada a CPrec. Os militares, ainda, em formação são os que apresentam menores níveis de informação, dado o período reduzido de vivência no meio militar 27.

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Quanto às diferentes importâncias atribuídas aos fatores motivacionais por parte das diferentes categorias, as opiniões são geralmente similares. O mesmo não se verifica, ao nível das unidades de colocação, entrando aqui aspetos como e.g. a distância casa-trabalho. No que diz respeito à perceção dos militares face ao cumprimento da CPrec quanto aos diferentes fatores motivacionais, verifica-se que a mesma é, em geral, positiva. Analisando os fatores intrínsecos, ao nível da natureza do trabalho, a CPrec constitui-se como uma opção positiva, fruto das atividades desenvolvidas pelos seus militares, quer no âmbito das suas missões aeroterrestres, quer no âmbito de formações que lhes poderão ser incumbidas, caracterizando a função (Auxiliar) Precursor Aeroterrestre como sendo exigente física e psicologicamente e possuidora de um forte sentimento de risco e aventura. Quanto à autorrealização a perceção dos inquiridos neste domínio é que o curso de Prec’s representa um desafio que traz grande satisfação quando superado, materializando uma boa opção para o indivíduo que tem em si o desejo de se tornar aquilo de que é capaz.Aliada a esta exigência do curso de Prec’s e das suas provas de seleção, bem como à natureza das missões desenvolvidas, fundamentais para que, em qual-quer operação aeroterrestre, o paraquedista se sinta tranquilo no início da sua missão ao acreditar que irá aterrar no local planeado, está um forte sentimento de reconhecimento e admiração por parte dos militares que interagem com a CPrec. No mesmo sentido de ideias, uma missão como a incumbida à CPrec acarreta grande responsabilidade, como refletido pelos inquiridos (80,7%). No que respeita ao crescimento profissional, a CPrec não se constitui como um estímulo para a progressão na carreira. Não existindo grandes diferenças entre as categorias de praças, sargentos e oficiais, podem-se constatar no entanto diferenças ao nível das unidades de colocação, sendo percecionado de forma distinta entre os militares paraquedistas (ETP, BOAT e BIParas – 48,2%) e os militares em formação (68,7%). Já o desenvolvimento pessoal proporcionado pelo curso de Prec’s, que se constitui como um desafio importante, e pela pos-terior colocação na CPrec, com a possibilidade de executar diversos exercícios conjuntos e combinados bem como progredir na carreira aeroterrestre (e.g. o curso de SOGA), encontra nos militares uma perceção bastante positiva.No que diz respeito aos fatores extrínseco, atentando a componente “vida pessoal”, verificou-se que não existem diferenças relevantes entre as diferentes categorias. No entanto ao nível das unidades de colocação, nota-se uma clara distinção entre os militares paraquedistas e os militares ainda em formação.

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Enquanto para os militares em formação, cuja unidade de colocação ainda não é a da sua preferência, este fator apresenta 83,7% 28, ao passo que os militares paraquedistas, possivelmente já colocados nas suas unidades de preferência, este componente fica-se pelos 61,4%. Grande importância atribuída à distância casa-trabalho bem como à disponibilidade exigida, tendo sido referido por mi-litares, que por uma questão de realização pessoal o militar iria para os Prec’s, mas que para tal “seria necessário ter uma vida profissional estável e a vida familiar concretizada. Com mais serviços, escalas e exercícios, ou se vai para os Prec’s a tempo inteiro ou se tem família”.Quanto às condições de trabalho a CPrec cumpre satisfatoriamente com uma média de 73,9%, o que seria expectável fruto da similitude entre as condições de trabalho e de alojamento entre a CPrec e as restantes unidades, pese embora a CPrec corresponda mais positivamente no que se refere ao material, equipa-mento e armamento disponível (79,4%).O vencimento, percecionado pelos militares em formação com a média de 49,3%, demonstra que não existe de facto qualquer diferença entre o vencimento de um paraquedista e de um militar com o curso de Prec’s. No entanto, os militares colocados nas unidades paraquedistas percecionam de forma bem mais negati-va este componente (31,3%). Tal dever-se-á, à combinação de fatores como a distância a casa-trabalho, que aumenta os custos de deslocamento, bem como a perspetiva de incorrer numa missão internacional que traria grandes benefícios financeiros e que é percecionada pelos militares como mais provável de ocorrer se colocados nos BIParas.No que toca às relações interpessoais, como se esperaria, a CPrec é tida de forma positiva, combinando no fundo o espírito de corpo e de camaradagem que caracteriza qualquer unidade militar, com os seus reduzidos efetivos e atuação em pequenos grupos, o que promove maior proximidade entre os ele-mentos da CPrec. Finalmente, no que concerne ao estatuto, a CPrec é de facto tida como uma força especial, caracterizada por um curso exigente física e psicologicamente. Esta Companhia não está ao alcance de todos os militares, resultando num pequeno nicho de excelência ao qual são incumbidas missões de grande responsabilidade e risco, daí advindo o prestígio e admiração refletidos pelos inquiridos.

28 Esta é a média entre as opiniões do CPQ (92,7%), CFSI (76,7%) e TPOI (71,7%), onde se salienta a perceção bastante positiva por parte dos militares em frequência do CPQ.

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7. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

De acordo com os resultados constata-se que é positivo o nível de conhecimento por parte dos militares face à CPrec, mantendo-se, no entanto influenciável a sua opinião de forma positiva, sobretudo dos militares em formação.Será por isso importante desenvolver um plano de divulgação da CPrec jun-to das companhias de formação, no sentido de fomentar a curiosidade dos militares em formação para que estes tenham presente desde o início da sua carreira militar que os Prec’s são uma opção que eles poderão tomar a quando do término das suas formações. Verificou-se igualmente que, embora não existam diferenças significativas no modo como os militares das diferentes categorias valorizam os fatores moti-vacionais, tal não poderá ser afirmado quando se têm em conta as diferentes unidades de colocação dos militares destacando-se aqui, face aos restantes, os militares da ETP. Uma possível explicação para este facto poderá advir da res-posta à pergunta terão os inquiridos confundido motivação com satisfação? Se tal for o caso, então será pertinente neste sentido estudar o nível de satisfação dos militares da ETP, no sentido de identificar possíveis lacunas que possam ser colmatadas, se forem de encontro com os interesses da organização. Quanto à satisfação dos diferentes fatores motivacionais por parte da CPrec, verificou-se que é semelhante a perceção dos militares das diferentes categorias, o que não acontece quando observados os militares paraquedistas em comparação com os militares em formação, os quais acreditam de forma mais positiva na capacidade da CPrec em corresponder a esses mesmos fatores motivacionais.Procurando dar resposta à pergunta de partida “Quais os fatores motivacionais que levam o militar do Exército Português a voluntariar-se no curso de Prec’s?”, conclui-se que, de um modo geral, os militares encontram na CPrec uma unidade que consideram corresponder satisfatoriamente às suas necessidades motivacionais. No que se refere aos fatores motivacionais intrínsecos, destacam-se a natureza do trabalho, autorrealização, reconhecimento, responsabilidade e desenvolvimento pessoal como fatores positivamente correspondidos, com uma classificação média de 79,4%. Já referente aos fatores motivacionais extrínsecos, destacam-se as condições de trabalho, o estatuto e as relações interpessoais, com uma média de 74%. De forma menos postiva encontram-se os seguintes fatores: a vida pessoal; crescimento profissional e sobretudo o vencimento. Referente à vida pessoal, é importante considerar ambos os indicadores distância casa-trabalho e disponi-bilidade exigida, tidos de forma menos positiva pelos inquiridos. Neste sentido,

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embora o primeiro indicador não seja fácil, nem tão pouco pertinente corrigir no sentido de proporcionar uma maior satisfação dos miltiares, o segundo por seu lado poderá ser analisado no futuro, desenvolvendo para tal estudos de forma a examinar a equidade interna e externa das diferentes funções dos mi-litares das várias subunidades paraquedistas, no sentido de equilibrar de forma justa os vetores empenho e recompensa. Com 62,4%, a vida pessoal é perce-cionada pelos inquiridos como difícil de conciliar com a vida profissional do militar colocado na CPrec. Tal deverse-á aos reduzidos efetivos da CPrec (31 militares paraquedistas com o curso de Prec’s), os quais nem sempre serão os necessários para responder às solicitações, no âmbito da sua missão de apoio aeroterrestre, de toda uma BRR, ao mesmo tempo que se mantêm disponíveis para os normais serviços internos da unidade além de outras solicitações. Esta combinação de fatores torna assim exigente a carga horária associada ao militar da CPrec, além de inviabilizar o treino operacional contínuo e estruturado como seria o ideal, segundo os níveis de ambição estabelecidos.O crescimento profissional é o fator que menor motivação cria junto dos milita-res, fruto da impossibilidade por parte da CPrec de se constituir como qualquer estímulo para a progressão na carreira, como e.g. os quadros permanentes para a categoria de praças.Já ao nível do vencimento, como foi já referido, o maior empenhamento da CPrec ao nível das missões internacionais seria bastante motivador, pese embora tal medida não poderá nunca ser tomada ao seu nível. Finalmente, uma recomendação final acenta no forte poder motivacional que os Prec’s detêm, resultado das características das atividades por si desenvolvidas, as quais serão, sem dúvida, uma mais valia se orientadas para o recrutamento externo, ao nível dos paraquedistas. Num momento em que a população jovem é fortemente atraída pelo desporto, pela aventura, a atividade aeroterrestre proporcionada pela CPrec seria um fator extremamente poderosa a favor dos paraquedistas em geral, se aproveitada para a divulgação dos paraquedistas, no seguimento do programa iniciado em 2008.

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David Rosado a, b, 1

a Departamento de Ciências Sociais e Humanas, Academia Militar, Rua Gomes Freire, 1169-244, Lisboa, Portugal.

b Direção Académica, ISLA Campus Lisboa / Laureate International Universities, Estrada da Correia N.º 53, 1500-210 Lisboa, Portugal

ABSTRACT

The knowledge becomes increasingly an essential pillar in modern organiza-tions, in that to remain competitive organizations they must constantly create knowledge and rethink the use, maintenance, development and expansion of their knowledge. Knowledge management has emerged alongside the Strategic Management as an area pragmatic and realistic in order to achieve and maintain competitive advantage from the knowledge existing within and outside of the organizations, developing it continuously.In this article we proceed to an approach about what are some of the most basic fundamentals of Knowledge Management, to better understand the ma-nagement challenges, information sharing and knowledge attached to areas of National Defence, Internal Security and Civil Protection, taking into account the permanent, multidisciplinary and multisectoral activity of Civil Protection and the emerging needs of coordination between the various Agents of Civil Protection. Also discusses in this context of Security and Safety, the issue of Private Security and Non-Governmental Organisations.

KEY WORDS: Management, Knowledge, Defence, Security, Safety, Civil Protection

dA Gestão do ConheCimento à Gestão dA seGurAnçA e dA proteCção Civil: informAção, ConheCimento e CooperAção instituCionAl

1 Contactos: [email protected] - [email protected], Tel. +351 214985660Recebido em 1 de Outubro de 2012 / Aceite em 26 de Novembro de 2012

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RESUMO

O conhecimento torna-se cada vez mais o pilar imprescindível nas organizações modernas, na medida em que para se manterem competitivas, as organizações devem criar conhecimento e repensar constantemente a utilização, manutenção, desenvolvimento e ampliação do seu conhecimento. A Gestão do Conhecimento tem emergido, a par da Gestão Estratégica, como uma área pragmática e realista em ordem a alcançar e a manter vantagens competitivas a partir do conhecimento existente dentro e fora das organizações, desenvolvendo-o de forma continuada. Neste artigo procede-se a uma brevíssima abordagem sobre aquilo que são alguns dos mais elementares fundamentos da Gestão do Conhecimento, para melhor perceber os desafios de gestão e de partilha de informação e de co-nhecimento adstritos às áreas da Defesa Nacional, da Segurança Interna e da Proteção Civil, tendo em linha de conta o carácter permanente, multidisciplinar e plurissectorial da atividade de Proteção Civil e as emergentes necessidades de coordenação entre os diversos Agentes de Proteção Civil. Aborda-se neste contexto de Segurança, ainda, a questão da Segurança Privada e das Organi-zações Não Governamentais.

Palavras-Chave: Gestão, Conhecimento, Defesa, Segurança, Proteção Civil

1. INTRODUÇÃO

Em tempos de crise, é sabido que novos desafios são endereçados, todos os dias, aos gestores. Nas mais diversas organizações, independentemente da sua missão, dos objectivos gerais e dos objectivos específicos, os líderes são confrontados com a urgência de romper com as ideias pré-estabelecidas, de reestruturar processos e de inovar o produto final dessas entidades. Talvez mais do que nunca, não basta apenas inovar no produto obtido, é essencial inovar na imagem e no conceito associados a essas organizações. Também por esta razão, reconhece-se que “cada vez mais a competitividade empresarial está baseada no conhecimento” (Martins, 2010, p. 9). E o que aqui vale para as empresas, vale, bem entendido, para os outros tipos de organizações. A atualidade tem demonstrado, de uma forma cada vez mais assertiva, que as organizações en-contram no conhecimento que detêm, aquilo que é o seu maior ativo.Por todas as razões, é hoje impossível pensarmos estrategicamente se, ao mesmo tempo, não pensarmos de forma global. Em domínios como a Defesa Nacional, a Segurança Interna e a Proteção Civil, encontramos algumas das mais evidentes necessidades em partilha de informação e integração competitiva

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de meios, tanto a nível nacional como a nível internacional. Por exemplo, os empenhamentos no exterior do território nacional pelas nossas Forças Armadas e pelas nossas Forças de Segurança, têm materializado esse nosso contributo além fronteiras pelo cumprimento dos acordos a que estamos obrigados inter-nacionalmente, mas também tem oferecido uma oportunidade muito relevante para estas organizações evoluírem, pelo desenvolvimento das suas capacidades e pela maior flexibilidade e adaptação de procedimentos e aplicação de recur-sos (Baltazar, 2005). Em contexto de Proteção Civil, encontramos hoje uma realidade, nacional e internacional, muito similar àquela que é partilhada pelas Forças Armadas e Forças de Segurança, porque “a cooperação internacional se tem revelado indispensável, quer no que concerne à prevenção e redução de riscos e de desastres, quer no socorro e resposta a catástrofes que, pela sua dimensão, ultrapassam as capacidades nacionais dos países atingidos” (Cruz, 2012, p. 2). A informação emerge como um recurso fundamental nas organizações moder-nas. Aquilo que foi o minério de ferro para a Revolução Industrial, é hoje a informação na Era do Conhecimento. E, neste sentido, o conhecimento “po-tencia uma vantagem competitiva”, pelo que “deve ser protegido, cultivado e partilhado”, na certeza de que este representa “o domínio e a forma como essa informação é utilizada para tomar decisões” (Pereira, 2011, pp. 2 e 3). A Gestão da Segurança só pode existir - no respeito pelas funções de planear, organizar, liderar e controlar (Santos, 2008, p. 27) - se houver e se potenciar uma efetiva Gestão do Conhecimento, sempre na prossecução de uma estratégia credível e fundamentada. Isto acontece assim porque “o sucesso de uma estratégia depende não só de uma boa escolha – a formulação – mas também da forma como ela é posta em prática, ou seja, da sua implementação” (Teixeira, 2011, p. 207). Um lugar comum onde a Segurança Privada e as Organizações não Governamentais também têm uma palavra muito importante a dizer, absolutamente indispensável perante os desafios plurais de Segurança que existem na atualidade.

2. DOS MODELOS INTEGRADOS À GESTÃO EFICIENTE E CON-TROLO DO RISCO

A cada dia que passa nesta crise económica em que vivemos, ficamos cada vez mais com a sensação de que a gestão nas organizações, com destaque para as empresas, não será mais aquela gestão do passado, mas sim um outro tipo de gestão, muito mais flexível, pragmático e realista. A intuição certamente continuará a existir nos negócios e nas mais diversas tácticas organizacionais, tal como sempre existiu, mas será, em crescendo, sujeita ao escrutínio maciço

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de complexas análises de sensibilidade, de análises de risco, atinentes a um controlo tendencialmente mais eficaz dos resultados esperados através da cor-reção de medidas estratégicas ao longo do ciclo de vida da empresa/produto. Como Maquiavel um dia escreveu, “Acontece o mesmo nos negócios do Estado; prevendo à distância os males nascentes – dom só concedido aos judiciosos -, remedeiam-se depressa. Mas quando, por já não terem sido previstos, cres-cem tanto que qualquer um os vê, já não há remédio” (Maquiavel, s.d. [Ed. Original 1532], p. 27).Notemos que “a conjuntura económica mundial evidenciou que empresas con-sideradas verdadeiros modelos de gestão indiciaram problemas aos primeiros sinais de crise, sobretudo devido à falta de liquidez e fraudes detectadas ao nível da administração” (Oliveira, 2011, p. 15). Neste contexto, vale a pena salientar o lugar que ocupa o Modelo Integrado para uma Gestão Eficiente e Controlo do Risco, nomeadamente enquanto resposta possível para o desafio de estruturar as organizações em ordem a torná-las competitivas e exemplos de aplicação das melhores práticas de gestão (cfr. Ilustração 1).

Ilustração 1: Modelo Integrado para uma Gestão Eficiente e Controlo do Risco.Fonte: Adaptado de Oliveira (2011, p. 15).

É oportuno recordar que já em 1958, Andre’ Le Gall referia que “num tempo em que o clima social, a vontade de progresso humano, uma nova atenção prestada aos problemas psicológicos e o sentido bem marcado da dignidade humana tornam indispensável uma política, solidamente estabelecida, das relações da empresa, impõe-se a necessidade de definir esta ação de forma objectiva” (Le Gall, 1958, pp. 5 e 6). Para concorrer para este desiderato, as informações, como sempre, assumem-se como um instrumento absolutamente essencial para os gestores, justamente porque se constituem como um elemento diferenciador à tomada de decisão, e, por isso mesmo, continuam a ser “inseparáveis da linha hierárquica e nenhum catálogo das informações poderá ser posto em circulação sem a sua concordância ou a sua participação” (Rose, 1972, p. 99).

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Pensar em gerir eficiente e eficazmente uma organização na atualidade, exige que tomemos desde logo consciência daquilo que Bertram Gross referia em 1973, quando escreveu que “o palco é o planeta inteiro (...) [e que] o enredo e os cenários são tão diversos como a própria vida” (Gross, 1973, p. 23). Com efeito, se é verdade que “a nossa época evoluiu sobre o impacto da ciência, da tecnologia e do pensamento racionalista, que tiveram origem na Europa setecentista e oitocentista (...) [e que] a cultura industrial do Ocidente foi moldada pelas ideias do Iluminismo (...) [alicerçada no preceito simples de que] quanto mais capazes formos de usar a razão para entendermos o mundo e para nos entendermos a nós próprios, mais capazes seremos de moldar a História à nossa medida (...) [todavia] o mundo em que agora vivemos não se parece muito com aquele que foi previsto, nem o vemos como tal. Em vez de estar cada vez mais dominado por nós, parece totalmente descontrolado – um mundo virado do avesso” (Giddens, 2002, pp. 15 e 16).Esta complexa realidade, que se explana nas mais diversas vertentes, mas com destaque para a área política, a área económica, a área sociológica, a área tecno-lógica, a área legal e, não menos importante, a área ambiental, compromete os novos gestores com um repto de mudança, naquilo que em termos de paradigma poderíamos alocar à dimensão sócio-crítica ou emancipatória, justamente pela necessidade urgente de atingir uma proposta de mudança. Com efeito, como sabemos, ao nível da investigação é adequado que sob a denominação de pa-radigma sócio-crítico se agrupem uma família de visões de investigação que, bem entendido, surgem como resposta às tradições positivista e interpretativa, e que, em determinada medida, pretendem superar o reducionismo da primeira e o conservadorismo da segunda, admitindo a possibilidade de uma ciência social que não seja nem puramente empírica nem somente interpretativa. Ora, na gestão das organizações deverá acontecer exatamente isto, adaptando-se justamente aquilo que deve ser adaptado, com melhores e mais sofisticados sistemas de Performance Management, e prevendo, na medida daquilo que é possível, a questão da Enterprise Risk Management, através das seguintes pers-pectivas (AIRMIC; Alarm; IRM, 2010, p. 7): Arquitetura de Risco; Estratégia de Risco; Protocolos de Risco.Importa sublinharmos, por tudo isto, que não existe Gestão de Crise sem Aná-lise de Risco. Esta acepção fica particularmente evidente na Ilustração 2, onde apresentamos o Processo de Gestão de Riscos. Depois, a par das diferentes tipologias de risco existentes, existe ainda a presença de um mundo organiza-cional cada vez mais concorrencial, onde os níveis de exigência face a padrões de qualidade e resposta às necessidades existentes, condiciona as organizações a racionalizar os processos e reduzir custos, com maior enfoque na optimiza-

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ção da gestão do desempenho. Para que se atinja este ensejo, concede-se uma importância central à Cultura Organizacional, pois esta enquanto “conjunto de crenças, valores e comportamentos aceites e partilhados (...) ajuda a construir laços de cooperação, motivação e dedicação dos trabalhadores, facilitando a interiorização da visão global” da organização (Serra [et al.], 2010, p. 309).

Ilustração 2: Processo de Gestão de Riscos.Fonte: Adaptado de ABNT/CEE-63 (2009, p. 20).

Uma das áreas onde a Segurança e Proteção Civil desempenham um papel muito importante, é, por exemplo, no caso da “identificação de perigos e riscos em obras de infraestruturas em meio urbano”. Neste domínio, tomam relevância, entre outras vertentes, a questão da “cultura de segurança do peão, conjugada com o nível de segurança da EE (Entidade Executante)”. Com efeito, e tal como acontece em outros contextos adstritos à Segurança, também aqui, naquilo que é uma breve referência ao fenómeno da designada Safety (e, em especial, à Higiene Industrial e Segurança no Trabalho), é essencial ter a noção de que “o primeiro passo é entender o relacionamento e a conecção entre estes dois vectores (perigo/risco e vice-versa) porque (...) toda a atividade humana tem riscos, mas a interpretação dos perigos prepara-nos muito melhor para as tarefas que porventura tivermos em mãos, obrigando-nos a executar boas práticas em detrimento dos comportamentos de risco”, tendo em linha de conta que o risco é sempre um produto resultante entre a probabilidade e a severidade associados (Botelho, 2011, pp. 30 e 31).

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3. DA CRIAÇÃO DO CONHECIMENTO À SUA GESTÃO E TRANSFE-RÊNCIA: A INFORMAÇÃO E O CONHECIMENTO EM CONTEXTO ORGANIZACIONAL

Enquanto ativo organizacional, o conhecimento pode ser encarado como um dos principais recursos estratégicos em ordem a proporcionar aptidões diversas para a ação estruturante numa determinada instituição, inclusivamente quando se trata de a renovar organizacionalmente. Não é por acaso que as empresas e outras organizações transnacionais são também estudadas como repositórios de conhecimento e redes de capacidades, num quadro de relações formais e informais que permite, e potencia, transações de conhecimento, porque se compreende que o êxito de um processo de transferência de conhecimento é determinante para que se obtenham vantagens competitivas. Posto isto, é útil distinguir informação de conhecimento, até porque, frequentemente, estes termos são utilizados alternadamente (Martins, 2010, pp. 16 e 17):– A informação pode ser compreendida como “um fluxo de mensagens ou

significados que pode adicionar ou alterar o conhecimento”; – O conhecimento “existe num contexto específico, visto depender de um es-

paço e de um tempo próprios. Se não for colocado num contexto é apenas informação, ou seja, um fluxo de comunicação. Todavia, quando a informação é apresentada num contexto torna-se conhecimento, o qual ao estar essen-cialmente relacionado com a ação humana denota ser dinâmico, dado que é criado em interações entre os indivíduos”. Neste sentido, o conhecimento pode ser entendido como “um processo humano dinâmico fundamentado em convicções pessoais ancoradas num contexto”.

Naquele que é um cenário mundial cada vez mais caracterizado pela competi-tividade, informação e conhecimento, existem recursos diferenciadores na vida das organizações que vão assumindo um lugar sucessivamente mais central. Sendo certo que novos conhecimentos podem ser criados a partir do processa-mento de informações e de outros conhecimentos advindos do ambiente interno e ambiente externo às organizações, percebe-se que as organizações recebem e trocam conhecimentos e informações naquilo que é sempre, inevitavelmente, um sistema aberto. Podemos ir mais longe nesta consideração, complementando-a com a noção de que as habilidades e as aprendizagens capturadas externa-mente são alteradas, enriquecidas e traduzidas, no sentido de se ajustarem à identidade e auto-imagem da própria organização. Isto quer dizer que as in-formações recolhidas externamente são adaptadas de forma a que (re)orientem a organização estrategicamente, direcionando-a para ações efetivas de acordo

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com os objectivos gerais e específicos acalentados, mas adaptados de forma continuada. Em contraponto, e em termos de ambiente interno, podemos dizer que a criação de novos conhecimentos ocorre a partir de um processo interativo intensivo e prolongado entre os membros da organização, através de diversas vias e instrumentos. Logo, o fluxo de informações e de conhecimentos que envolvem o ambiente interno e ambiente externo organizacional possibilita que sejam criados novos conhecimentos e, consequentemente, que a organização se inove e permita a sua diferenciação perante terceiros. Aliás, segundo Nonaka e Takeuchi, é também essa interatividade interna e externa que permite a criação de novos conhecimentos, sustentando a tal inovação contínua na organização e, consequentemente, a sua vantagem competitiva (cfr. Ilustração 3). Os autores referidos observam que “o conhecimento, diferentemente da informação, refere-se a crenças e compromisso” (Nonaka e Takeushi, 1997, p. 63), tendo classificado o conhecimento humano em dois tipos – conhecimento tácito e conhecimento explícito – que constituem unidades estruturais básicas que se complementam, e onde a interação entre esses conhecimentos é a principal dinâmica da criação do conhecimento na organização.

Ilustração 3: O Conhecimento como Vantagem Competitiva.Fonte: Adaptado de Nonaka e Takeuchi (1997, p. 5).

Neste enquadramento, a Espiral de Conhecimento (cfr. Ilustração 4) pode ser encarada como uma “estrutura de integração de aspectos opostos por meio de um processo dinâmico de atuação individual ao nível organizacional”

Ilustração 4: A Espiral do Conhecimento (o conhecimento criado através de uma espiral).Fonte: Adaptado de Nonaka e al. (2001) apud Martins (2010, p. 24).

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(Martins, 2010, p. 24), sendo então possível dizer que o processo de criação de conhecimento ocorre quando a denominada espiral do conhecimento se movimenta entre as duas dimensões, provocando, nesse ensejo, a interação entre os conhecimentos (tácito e explícito) e entre os níveis de conhecimento, exatamente porque o conhecimento é sempre gerado pelos indivíduos, sendo ampliado intra-organizacionalmente e inter-organizacionalmente. Esse processo, ainda de acordo com Nonaka e Takeuchi, é operacionalizado pela “conversão do conhecimento” em quatro modos de conversão: socializa-ção, externalização, combinação e internalização. A conversão de conhecimento é, assim, “um processo de interação social que cria conhecimento tácito e conhecimento explícito”, onde a espiral do conhecimento é construída a partir da fluidez do conhecimento entre os quatro modos de conversão de conhe-cimento: de conhecimento tácito para conhecimento tácito (socialização), de conhecimento tácito para conhecimento explícito (exteriorização), de conheci-mento explícito para conhecimento explícito (combinação) e de conhecimento explícito para conhecimento tácito (internalização). Isto quer dizer que, para que uma organização gere conhecimento, deve então completar uma espiral do conhecimento (Martins, 2010, pp. 41 e 42). A espiral reinicia-se depois de ter sido completada, mas em patamares cada vez mais elevados, ampliando assim a aplicação do conhecimento em outras áreas da organização. O conhecimento é, pelo exposto, criado através da Espiral SECI (cfr. Ilustração 5), que funciona através de quatro modos de conversão existentes entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito.

Ilustração 5: O Processo Espiral SECI.

Fonte: Adaptado de Nonaka e Takeuchi (1995) apud Martins (2010, p. 42).

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Por todas as razões, a Gestão do Conhecimento é atualmente apresentada como uma emergente e muito importante abordagem para tentar solucionar os pro-blemas de competitividade e de inovação nas organizações, naquilo que, sem pejo, são elementos centrais no desempenho organizacional moderno. Sendo a Gestão do Conhecimento um assunto que integra várias áreas do conhecimento, é legítimo que se refira que um conjunto abrangente de teóricos contribuiu ao longo do tempo para a evolução da Gestão do Conhecimento, contando-se, entre outros, Peter Drucker (o “pai da Gestão”), Peter Senge e Paul Strass-mann. Se, por um lado, a Drucker e Strassman lhes é atribuído, entre outros méritos, o talento de ter contribuído de forma decisiva para que a informação e o conhecimento explícito fossem considerados como relevantes recursos de uma organização, por outro, Senge dirigiu os seus esforços e o enfoque das suas teorias no conceito de Learning Organization. Ainda assim, o conceito de Gestão do Conhecimento é algo que podemos considerar relativamente recen-te, apontando-se usualmente a Iniciative for Managing Knowledge Assets, em 1989, como o momento em que um conjunto de empresas nos EUA resolveu incrementar um fundamento tecnológico à ideia de Gestão do Conhecimento. E, de facto, foi a partir desse instante que “foram publicados vários artigos a abordar a temática em diversas publicações, como a Sloan Management Review, Organizational Science, Harvard Businesse Review, e também os primeiros livros a abordar conceitos de Learning Organization e Gestão do Conhecimento, como foram os casos de The Fifth Discipline, por Peter Senge, e de The Knowledge Revolution, por Taichi Sakaiya” (Pereira, 2011, pp. 14 e 15). Em pleno século XXI, reconhecemos hoje que numa economia e num mundo globalizado tão volátil, o conhecimento é de facto o único ativo que fica, e que pode, não raras vezes, fazer definitivamente a diferença. Como bem referiu Peter Burke, “a mudança é estruturada e as estruturas mudam. É somente comparando-a com outras que podemos descobrir em que aspectos uma sociedade é única” (Burke, 1980, p. 9).Importa ainda dizer que, tal como Aristóteles disse, “não há dúvida de que todos os diálogos socráticos possuem originalidade, subtileza, novidade e sa-gacidade. Mas como é difícil ser perfeito em tudo” (Aristóteles, 1998, p. 127), é essencial preservar aquilo que são as capacidades essenciais do gestor, que inevitavelmente passam pelas capacidades técnicas, conceptuais e humanas, mas que não podem ser apartadas das capacidades de liderança e das capaci-dades interpessoais. Sobretudo em organizações afectas às áreas da Segurança e da Proteção Civil, existe sempre a necessidade premente da optimização de meios, num esforço logístico que também é sempre significativo e que implica um sistema de apoio à decisão eficiente, em ordem a responder eficazmente às

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diversas ocorrências que surgem. Não raras vezes, os Agentes de Proteção Civil são ainda confrontados com situações que exigem deles assinalável coragem e onde o sacrifício da própria vida é uma realidade com que têm de conviver através das idiossincrasias das suas próprias profissões, que desde elementos dos Corpos dos Bombeiros, a elementos das Forças e Serviços de Segurança, a elementos das Forças Armadas, entre outros, de forma abnegada servem as suas instituições e o País, na certeza de que o cumprimento das suas missões é o objectivo maior que os motiva a seguir em frente. Se um dia Sir Winston Churchill referiu que a “Coragem é muito acertadamente estimada como a primeira das qualidades humanas, porque é a qualidade que garante todas as outras” (Churchill, 1994, p. 83), importa dizer que James F. Lincoln afirmou que “Um líder forte sabe que se desenvolver os seus colaboradores, ele ficará ainda mais forte” (James F. Lincoln apud Fitton, 1994, p. 149).

4. GESTÃO DA SEGURANÇA E AGENTES DE PROTECÇÃO CIVIL: DOS DESAFIOS DE COORDENAÇÃO AO CARÁCTER PERMANEN-TE, MULTIDISCIPLINAR E PLURISSECTORIAL DA ACTIVIDADE DE PROTECÇÃO CIVIL

É sabido que a estrutura de Proteção Civil em Portugal se organiza ao nível nacional, regional e local. E, com efeito, a Lei de Bases da Proteção Civil (Lei n.º 27/2006, de 03 de Julho) refere, no n.º 1 do seu art. 46.º, quais são os Agentes de Proteção Civil de acordo com as suas atribuições próprias, nomea-damente: os Corpos de Bombeiros; as Forças de Segurança; as Forças Armadas; as Autoridades Marítima e Aeronáutica; o INEM e demais Serviços de Saúde; e os Sapadores Florestais. Além destes, o mesmo artigo, no seu n.º 2, refere que a “Cruz Vermelha Portuguesa exerce, em cooperação com os demais agentes e de harmonia com o seu estatuto próprio, funções de proteção civil nos domínios da intervenção, apoio, socorro e assistência e social”, complementando, logo no número seguinte desse artigo, que impede “especial dever de cooperação com os agentes de proteção civil (...) as seguintes entidades”: associações hu-manitárias de bombeiros voluntários; serviços de segurança; Instituto Nacional de Medicina Legal; instituições de segurança social; instituições com fins de socorro e de solidariedade; organismos responsáveis pelas florestas, conservação da natureza, indústria e energia, transportes, comunicações, recursos hídricos e ambiente; serviços de segurança e socorro privativos das empresas públicas e privadas, dos portos e aeroportos.Este enquadramento institucional é muito importante. Se mais razões não houvesse, é relevante pelo que vem descrito logo no n.º 4 do art. 46º da Lei

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supra referida, onde é sublinhado que os “agentes e as instituições referidos no presente artigo, e sem prejuízo das suas estruturas de direção, comando e chefia, articulam-se operacionalmente nos termos do Sistema Integrado de Operações de Proteção e Socorro (SIOPS)”. Por SIOPS, entende-se o que vem depois exarado no n.º 1 do art. 48.º, designadamente que “é o conjunto de es-truturas, de normas e procedimentos que asseguram que todos os agentes de proteção civil atuam, no plano operacional, articuladamente sob um comando único, sem prejuízo da respectiva dependência hierárquica e funcional”.Esta última definição é novamente presente no n.º 1 do art. 1.º Decreto-Lei n.º 134/2006, de 25 de Julho, complementando-a depois no n.º 2 do mesmo artigo, quando é referido que o “SIOPS visa responder a situações de iminência ou de ocorrência de acidente grave ou catástrofe”, e ainda no número seguinte, que afirma que o “princípio do comando único assenta nas duas dimensões do Sistema, a da coordenação institucional e a do comando operacional”. Sendo verdade que as ações de proteção civil integram, obrigatoriamente, agentes e serviços que pertencem a organismos do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, mas também de organizações não governamentais, entre outras, esta definição do SIOPS toma um lugar central porque, bem entendido, o SIOPS articula-se “em estruturas de coordenação, os centros de coordenação operacional, de âmbito nacional e distrital, onde se compatibilizam todas as instituições necessárias para fazer face a acidentes graves e catástrofes”. Neste contexto, ainda se incluem as “estruturas de comando operacional que, no âmbito das competências atribuídas à Autoridade Nacional de Proteção Civil, agem perante a iminência ou ocorrência de acidentes graves ou catástrofes em ligação com outras forças que dispõem de comando próprio” (cfr. Preâmbulo Decreto-Lei n.º 134/2006, de 25 de Julho).Recentemente, em 27 de Setembro de 2012, o Governo aprovou em Conselho de Ministros as Grandes Opções do Plano para 2013, na sequência do parecer aprovado pelo Conselho Económico e Social. De forma expectável, as Gran-des Opções do Plano foram “enquadradas nas estratégias de consolidação orçamental, de rigor das finanças públicas e de desenvolvimento da sociedade e da economia portuguesas”, sendo as seguintes: “O Desafio da Mudança: a transformação estrutural da Economia Portuguesa; Finanças Públicas e Crescimento: a estratégia orçamental; Cidadania, Solidariedade, Justiça e Segurança; Políticas Externa e de Defesa Nacional; O Desafio do Futuro: medidas sectoriais prioritárias”. Particularmente no que concerne a um dos Agentes de Proteção Civil, o Conselho de Ministros “aprovou alterações ao diploma que define o regime jurídico aplicável aos bombeiros portugueses no território continental, procedendo a reajustamentos para uma mais eficaz

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proteção social do bombeiro e para a harmonização das carreiras dos bom-beiros voluntários”, sendo que, além de preocupações ao nível do apoio na Saúde (sistema de acompanhamento) e no âmbito da Educação (reembolso de propinas no Ensino Superior, com limite, mas independentemente da natureza pública ou privada do estabelecimento de ensino), o diploma regulou “ainda a possibilidade de transferência de bombeiros do quadro de reserva de um corpo de bombeiros para o quadro ativo de outro corpo de bombeiros, suprindo al-gumas das dificuldades de mobilidade verificadas” e, no domínio do incentivo ao voluntariado, foi “aumentada a idade de admissão a estágio, na carreira de bombeiro voluntário, dos 35 para os 45 anos”, tendo sido criada, ainda, “no quadro ativo, uma nova carreira, a carreira de bombeiro especialista, de relevante utilidade para os corpos de bombeiros vocacionada para áreas funcionais específicas” (cfr. Comunicado do Conselho de Ministros de 27 de Setembro de 2012).Em ordem a melhorar a eficácia e eficiência da estrutura dos Corpos de Bom-beiros a nível nacional, o Conselho de Ministros “aprovou também um diploma que define o regime jurídico aplicável à constituição, organização, funciona-mento e extinção dos corpos de bombeiros, no território nacional. De entre as alterações introduzidas destaca-se o aumento da liberdade de organização dos corpos de bombeiros, no sentido de maior eficiência operacional e de gestão dos corpos de bombeiros. Assim, existindo diferentes corpos de bombeiros no mesmo município, a respetiva área de atuação pode não coincidir com as fronteiras das freguesias, cabendo à Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) fixar áreas de atuação na falta de acordo entre os corpos de bombei-ros” (cfr. Comunicado do Conselho de Ministros de 27 de Setembro de 2012). Recordemos que a ANPC veio substituir o Serviço Nacional de Bombeiros e Proteção Civil, tendo este resultado da fusão do Serviço Nacional de Proteção Civil, Serviço Nacional de Bombeiros e Comissão Nacional Especializada de Fogos Florestais. Ao tempo, esta medida foi materializada, em primeiro lugar, com a entrada em vigor da já referida Lei n.º 27/2006, de 3 de Julho (que aprovou a Lei de Bases de Proteção Civil), onde foi redefinido o Sistema de Proteção Civil, assumindo a ANPC um papel fundamental no âmbito do pla-neamento, coordenação e execução da política de Proteção Civil, e depois, em segundo lugar, com a entrada em vigor do também já referido Decreto-Lei n.º 134/2006, de 25 de Julho, onde se iniciou a implementação do SIOPS, passo nuclear reformador da função socorro, definindo-se a organização operacional suportada na caracterização do território nacional e nas características estrutu-rantes dos Agentes de Proteção Civil. Sublinhemos que a ANPC integra três direções nacionais, para as áreas de recursos de Proteção Civil, planeamento de

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emergência e bombeiros, bem assim como a estrutura de comando do SIOPS. A ANPC constitui-se, assim, como um serviço central de natureza operacional, da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, na dependência do membro do Governo responsável pela área da Administração Interna.

Ilustração 6: Logótipo da ANPC. 2

Fonte: ANPC

Ora, ao nível dos Corpos de Bombeiros, o Conselho de Ministros supra referido veio trazer um novo enquadramento ao nível da limitação geográfica adstrita aos municípios no que concerne à criação de forças conjuntas e agrupamen-tos. 3 Com efeito, percebe-se que no “que respeita às forças conjuntas e aos agrupamentos, o município deixa de constituir o limite à respetiva criação. A única limitação geográfica passa a ser a da contiguidade das áreas de atuação dos corpos de bombeiros em causa. Finalmente, cria-se a obrigação de as entidades detentoras de corpos de bombeiros atualizarem permanentemente a informação necessária dos beneficiários do seguro de acidentes pessoais, via Recenseamento Nacional dos Bombeiros Portugueses” (cfr. Comunicado do Conselho de Ministros de 27 de Setembro de 2012).

2 O logótipo da ANPC encerra a missão e os valores daquela instituição: no movimento sem-fim das suas linhas transmite a ideia permanente da prevenção-reação, numa presença constante e permanente; o cru-zamento das linhas representa o rigor, a coordenação e a integração, num trabalho de equipa que é ativa e multidisciplinar; as três cores simbolizam o foco da atividade da ANPC, centrada no cidadão (laranja), no património (azul) e no ambiente (verde); finalmente, o círculo envolvente transmite a ideia de reforço da coordenação e defende a imagem de unificação da ANPC sobre um mesmo comando.

3 Vale aqui referir o alerta de Veyret, quando este refere que o “risco é desde sempre indissociável da polí-tica: tomar decisões concernentes à organização do território, à repartição dos bens, ao uso dos recursos, equivale, ao menos em parte, a fazer apostas sobre o futuro, a construir cenários que encerram sempre uma dose de riscos” (Veyret, 2007, p. 29).

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É oportuno aqui referir que, no âmbito da intervenção ativa das Forças Armadas enquanto Agente de Proteção Civil no combate aos incêndios florestais, é sabido, por exemplo, que o Exército Português coopera todos os anos na prevenção e combate aos incêndios florestais, através dos Planos Vulcano e Lira. 4 Neste contexto, o Exército tem apoiado a Autoridade Florestal Nacional também através da beneficiação de infraestruturas, nomeadamente através da reparação de caminhos florestais e limpeza de aceiros. O Exército, através do Plano Lira, colabora ativamente no território nacional com a estrutura de Proteção Civil através de ações tendentes a minimizar os efeitos dos incêndios florestais e ainda noutras ações relacionadas com a satisfação das necessidades básicas e melhoria da qualidade de vida das populações, para as quais tenha capacidade dentro dos parâmetros definidos pela legislação em vigor. No âmbito do Plano Lira, o Exército ainda emprega as suas Unidades preferencialmente nas res-pectivas áreas de responsabilidade de apoio, colaborando com as corporações de bombeiros em operações de rescaldo e fornecendo apoio logístico a essas corporações bem como aos serviços florestais, serviços de Proteção Civil e a outros elementos e entidades empenhados nas ações de combate aos incêndios. 5

Ilustração 7: Militar em apoio à ANPC numa operação de combate a incêndio.Fonte: Estado-Maior do Exército

4 Com efeito, desde 2004 que o Exército, através do Plano Vulcano, contempla o apoio à prevenção, vigilância, detecção e combate em primeira intervenção aos incêndios florestais, no sentido de responder às solicitações da Autoridade Florestal Nacional (AFN) do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

5 Esse apoio logístico materializa-se através do fornecimento de alimentação, transporte, apoio sanitário de emergência (incluindo evacuação terrestre de sinistrados), abastecimento de água às populações carenciadas ou a unidades empenhadas no combate a incêndios, disponibilização de infraestruturas e apoio em material diverso.

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Acresce ainda o emprego de meios de Engenharia Militar em operações de res-caldo ou de combate indireto a incêndios e defesa de aglomerados populacionais e na cooperação na reabilitação de infraestruturas danificadas pelos incêndios. 6Numa realidade complexa e que exige uma coordenação de esforços assinalável entre todos os Agentes de Proteção Civil, a PSP e a GNR ocupam um lugar de extrema importância ao nível da Proteção Civil. A GNR está consciente de que “agir oportuna e assertivamente, é a aposta que os novos decisores têm que desenhar para que se possa operacionalizar a resposta adequada aos atuais e futuros reptos” (Damião, 2012, p. 3). Mas é importante que se refira que não só a GNR, a PSP, o Exército (e restantes Ramos das Forças Armadas), mas também todos os restantes Agentes de Proteção Civil, com destaque para os Corpos de Bombeiros, estão conscientes que independentemente da qualidade e amplitude das suas ações nos diversos Teatros de Operações onde forem cha-mados a cumprir as suas missões, todavia, a prevenção continua a ser um dos investimentos mais seguros e estratégicos onde o país deve empenhar os seus

Ilustração 8: Sistema de Segurança Interna, de acordo com Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto.Fonte: Elaboração pelo Gabinete da GNR da Academia Militar.

6 O Exército também nomeia, a nível distrital, oficiais de ligação do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) aos Centros de Coordenação Operacional Distrital (CCOD) da ANPC e às Comissões Distritais de Defesa da Floresta. Para além disto, faz-se ainda representar, sempre que solicitado, nas Comissões Municipais de Defesa da Floresta.

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mais dedicados esforços. Aliás, é esse, até, o racional que também tem estado cada vez mais associado, por exemplo, à área da Segurança nas empresas e, muito concretamente, à Segurança e Saúde no Trabalho: “em tempos de crise como os que vivemos, há que cortar nos custos e apostar em investimentos seguros” (Lopes, 2011, p. 7).Já no conhecido Arte da Guerra, escrito há aproximadamente 2500 anos, se referia que “Cinco pontos há que um general deve prestar a maior das atenções. O primeiro é a administração, o segundo a preparação, o terceiro a determi-nação, o quarto a prudência e o quinto a economia” (Tzu, 2000, p. 138). Esta afirmação contida naquela obra milenar, conduz-nos à necessidade de haver uma estratégia realmente coerente e pragmática entre organizações, como é, necessariamente, o caso dos Agentes de Proteção Civil. E isto deve ser assim porque “estratégia e planeamento são conceitos diferentes. O planeamento é a determinação antecipada do que deve ser feito e como fazê-lo. O planeamento estratégico é a determinação antecipada da estratégia (análise e formulação) e da forma de a concretizar (implementação)” (Teixeira, 2011, p. 24).A acrescentar a isto, temos a questão da Logística. Com efeito, tal como num conflito armado, nem sempre é “possível planear e contornar a complexidade subjacente ao apoio logístico, estruturando uma cadeia eficiente de órgãos funcionais de gestão, com unidades especializadas, devidamente enquadradas e, sobretudo, dotadas com meios de elevada qualificação técnica e interligadas com as correspondentes componentes operacionais. Normalmente, o funciona-mento da logística é uma face invisível da guerra. Quando a campanha é bem sucedida, muitas vezes, passa despercebida; no insucesso, o seu papel pode ser fortemente responsabilizado, mesmo quando haja factos pouco significativos e tenham sido respeitados princípios, como o da flexibilidade na conduta, e re-gras, como as da adequação e racionalização dos meios” (Coelho, 2010, p. 7).Como em quase tudo, também a realidade social e organizacional da Proteção Civil tem idiossincrasias próprias, onde “nem tudo aquilo que se deseja se realiza”. Permitir uma gestão atempada, eficiente e eficaz numa situação de emergência, continua, de facto, a ser um desafio difícil, mesmo com o aces-so privilegiado a toda a moderna tecnologia do século XXI. No fundo, pode dizer-se que continuam a existir “duas visões de planeamento de emergência em proteção civil: uma de cunho mais verticalizado e outra de âmbito mais horizontal”, prevalecendo “na situação vertente a primeira visão, definida em termos de comando e controlo, e menos a segunda, mais de direção e coor-denação”. Na verdade, continua-se a argumentar “em torno de dois conceitos fundamentais das operações de gestão de emergência: o comando e a coor-denação”, e continua-se a perseguir uma matriz de unidade conceptual e de

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sinergia institucional, em ordem a responder convenientemente às diferentes tipologias de operações no âmbito da Proteção Civil (Ribeiro, 2008, pp. 3 e 4).Notemos que a necessidade de comando e controlo (ou, em contraponto, de direção e coordenação) em termos de Proteção Civil, é logo inferida pela própria definição de Proteção Civil, inscrita no n.º 1 do art. 1.º da Lei de Bases da Proteção Civil (Lei n.º 27/2006, de 03 de Julho), quando refere que a “proteção civil é a atividade desenvolvida pelo Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais, pelos cidadãos e por todas as entidades públicas e privadas com a fina-lidade de prevenir riscos colectivos inerentes a situações de acidente grave ou catástrofe, de atenuar os seus efeitos e proteger e socorrer as pessoas e bens em perigo quando aquelas situações ocorram”. Esta necessidade de integração de recursos, de informação e de conhecimento para um processo de decisão esclarecido e célere, acresce quando se atenta logo no número seguinte do referido artigo, designadamente porque se afirma que a “atividade de proteção civil tem carácter permanente, multidisciplinar e plurissectorial, cabendo a todos os órgãos e departamentos da Administração Pública promover as con-dições indispensáveis à sua execução, de forma descentralizada, sem prejuízo do apoio mútuo entre organismos e entidades do mesmo nível ou proveniente de níveis superiores”. 7A analogia que aqui se pode acometer dos desafios existentes em domínios de Proteção Civil, para aquilo que foi uma discussão antiga em matéria de classi-ficação tripartida, acaba por ser um exercício analítico simples, na medida em que, como é sabido, a classificação tripartida e a “sua utilidade taxonómica formal extinguiu-se com o triunfo do modelo das constituições mistas, assente no equilíbrio e separação de poderes. Em suma, vivendo hoje na bene com-mixta, o nosso problema já não é como alcançar-lhe a forma, mas antes como fazê-la funcionar e como estudar os princípios e as realidades desse funcio-namento – enquanto o modelo durar” (Câmara, 1997, p. 71). Como sempre, também aqui é preciso enfrentar a realidade tal como ela é, e não como essa realidade foi ou como nós gostaríamos que ela fosse, exatamente como Jack Welch referiu, e muito antes dele, Nicolau Maquiavel, entre outros autores (Phillips, 2009, p. 12).

7 Sublinhemos que o n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 27/2006, de 03 de Julho, refere que a “proteção civil é desenvolvida em todo o território nacional”, sendo que, pelo n.º 2 do mesmo artigo, expressa-se que nas “Regiões Autónomas as políticas e ações de proteção civil são da responsabilidade dos Governos Regio-nais” e no seu n.º 3, afirma-se que no “quadro dos compromissos internacionais e das normas aplicáveis do direito internacional, a atividade de proteção civil pode ser exercida fora do território nacional, em cooperação com Estados estrangeiros ou organizações internacionais de que Portugal seja parte”.

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É evidente que associada a toda esta complexa rede de exigências na coordenação dos diferentes Agentes de Proteção Civil, existe ainda uma notória necessidade de lideranças fortes. A Liderança tem sido uma das áreas do conhecimento onde se têm realizado estudos importantes e úteis, mas a grande verdade é que ainda não existe um melhor modelo de Liderança ou um melhor modelo de Gestão para todas as organizações, porque muito simplesmente não existe um modelo melhor do que outro para todas as situações, seja no domínio da Liderança, seja no domínio da Gestão. Cada situação emerge como um caso específico, onde, seja a título de Liderança, seja a título de Gestão, as respostas são sempre pontuais e sujeitas a adaptações de forma continuada. Talvez também por tudo isto, ontem, como hoje, os textos clássicos continuam a assumir uma posição relevante nestes domínios, com especial destaque para o campo da Liderança. Num desses clássicos intemporais, já referido, A Arte da Guerra, de Sun Tzu, o Mestre Sun faz várias alusões à importância do líder e afirma que o quarto elemento fundamental para o sucesso é o Comandante, na certeza de que o Comandante representa as virtudes da sabedoria, da sinceridade, da benevo-lência e da firmeza. Ora, não é certamente tarefa fácil conseguir, sobretudo nos dias de hoje, combinar todas estas qualidades, de forma harmoniosa, em alguém com responsabilidades elevadas de Chefia, Comando ou Direção. Os desafios de Gestão são imensos. Aliás, não terá sido por acaso que o General Norman Schwarzkopf referiu que “a liderança é uma combinação de estratégia e de caráter. Se tem de prescindir de alguma coisa, que seja da estratégia” (Mccreadie, 2009, p. 14).Dado o carácter permanente, multidisciplinar e plurissectorial da área de Proteção Civil, é urgente que se invistam não só mais recursos para todas as entidades envolvidas nesta atividade, com destaque para aqueles que são os Agentes de Proteção Civil, mas também que, concomitantemente, se desenvolvam estudos em ordem a potenciar capacidades de gestão mais assertivas e potenciadoras dos recursos existentes. De facto, a investigação científica tem aqui uma im-portância relevante, até porque um projeto de pesquisa na área de Proteção Civil tende a ser não só interessante, mas também, sendo bem problematizado e planeado, e em condições de ser exequível e operacionalizável, pode condu-zir à detecção de pontos fortes e pontos fracos na estrutura de Proteção Civil e nos seus processos de gestão, permitindo-se, nesse encalço, relacionar essa vertente interna com a vertente externa, ou seja, potenciar o aproveitamento das oportunidades existentes e a necessária proteção contra as possíveis amea-ças. Ou seja, o que temos é muito simples: da mesma forma que é impossível analisar convenientemente uma organização se não a perspectivarmos sujeita, inevitavelmente, ao ambiente externo que a envolve - tal como se exige na

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Análise SWOT -, também é verdade que não existe problema sem problemática, exatamente como expressava a Metáfora da Pirâmide de Curie e Cellier (cfr. Ilustração 9).

Ilustração 9: Metáfora da Pirâmide.Fonte: Adaptado de Curie e Cellier (1987, p. 123)

À temática de Proteção Civil, mais até do que em outras áreas, está também sempre associada a questão do Risco. E, neste domínio, importa não esquecer-mos que nas atuais sociedades a noção de Risco está intrinsecamente ligada à de Segurança, embora, bem entendido, em termos absolutos, esta não possa ser atingida na plenitude, porque é “amplamente considerado que o conceito de risco é determinado como um contra-conceito para a segurança. (...) Uma versão mais refinada pode ser encontrada entre os especialistas de segurança. A sua experiência profissional ensina-lhes que a segurança absoluta não pode ser alcançada. Alguma coisa pode acontecer, sempre” (Luhmann, 1993, p. 19).O repto de socializar os cidadãos para os riscos e incertezas nunca foi matéria isenta de dificuldades. Com efeito, todas as decisões sobre riscos e catástrofes continuam a depender do chamado conhecimento substancial, ou da sua produ-ção, o que muitas vezes não chega a acontecer. Isto implica que terá de haver a abertura da burocracia do conhecimento e ainda a sua apresentação, em termos apropriados, às populações (Beck, 1992). Ora, acontece que “apesar de ser ne-cessária, a informação ao público não é simples. Apesar das controvérsias que descrevemos acerca da percepção do risco, todos os autores estão de acordo que a forma como as pessoas pensam sobre os riscos não é unidimensional, e que as formas de comunicar os riscos ao público devem levar em conta este carácter multidimensional” (Lima, 1997, p. 71).

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As preocupações ao nível da Proteção Civil, por tudo o que já foi referido neste artigo, perpassam em muito aquilo que é o domínio exclusivamente nacional. Com efeito, perante o aumento significativo do número e também da gravidade das catástrofes naturais e de origem humana a que assistimos nos últimos anos, acrescidos da noção de que, tendencialmente, as futuras catástrofes serão pro-vavelmente ainda mais extremas e mais complexas (onde se poderão acalentar repercussões de grande alcance e a mais longo prazo, resultantes, sobretudo, das alterações climáticas e da potencial interação entre diversos riscos natu-rais e tecnológicos), é mais do que necessário e urgente prever-se a adoção de uma abordagem integrada em matéria de gestão de catástrofes ao nível da União Europeia. Como refere Martins, em Outubro de 2001 foi “criado o Mecanismo Comunitário de Proteção Civil, que não é mais do que uma força constituída por meios e recursos dos países que nele participam, adequada à emergência em causa, com o objetivo de prestar apoio, a pedido do país afetado, na eventualidade de situações de emergência grave, e facilitar uma melhor coordenação das intervenções de socorro dos Estados-membros e da Comunidade. Em Janeiro de 2002 este Mecanismo entrou em vigor, tendo-se tornado na primeira ferramenta europeia de resposta coordenada a situações de emergência de proteção civil dentro ou fora das fronteiras europeias e conta, atualmente, com a participação de 32 países” (Martins, 2012, p. 4). 8Neste contexto, a União Europeia deve continuar a apoiar, coordenar e com-plementar as ações dos Estados-Membros na vertente da Proteção Civil, 9

8 Notemos que o Mecanismo de Proteção Civil criado pela Decisão 2001/792/CE, Euratom do Conselho, de 23 de Outubro de 2001 (que estabeleceu um mecanismo comunitário destinado a facilitar uma cooperação reforçada no quadro das intervenções de socorro da Proteção Civil), foi reformulado pela Decisão 2007/779/CE, Euratom do Conselho, que estabeleceu um Mecanismo Comunitário no domínio da Proteção Civil. Também nesse ano, o financiamento desse Mecanismo foi assegurado pela Decisão 2007/162/CE, Euratom do Conselho, de 5 de Março de 2007, que instituiu um Instrumento Financeiro para a Proteção Civil, o qual previu a concessão de assistência financeira não só como um contributo para melhorar a eficácia da resposta a emergências graves, mas também para reforçar as medidas de prevenção e preparação para todo o tipo de emergências, incluindo a prossecução das medidas anteriormente tomadas ao abrigo da Decisão 1999/847/CE do Conselho, de 9 de Dezembro de 1999, que havia criado um programa de ação comunitária no domínio da Proteção Civil. Ora, o Instrumento Financeiro termina a sua vigência em 31 de Dezembro de 2013. O processo de revisão do Mecanismo, ocorrido em 2007, teve a ANPC como representante na-cional nas negociações e obteve o consenso durante a presidência Portuguesa da União Europeia. Além de clarificadas as competências da Comissão Europeia e da Presidência do Conselho da União Europeia nos cenários de emergências graves, foram também definidos os procedimentos a adotar no caso de intervenções em países terceiros, incluindo os relativos à designação de equipas de peritos de avaliação e coordenação.

9 Sublinhemos que a proteção a assegurar pelo Mecanismo de Proteção Civil da União cobre, em primeiro lugar, as pessoas, mas também o ambiente e os bens, nomeadamente o património cultural, contra todas as catástrofes naturais ou de origem humana, incluindo atos de terrorismo e acidentes tecnológicos, radiológicos e ambientais, a poluição marinha, bem como emergências sanitárias graves que ocorram dentro ou fora da União. Em todas estas catástrofes, a assistência da Proteção Civil e outra ajuda de emergência poderão revelar-se necessárias para complementar as capacidades de resposta do país afetado.

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exatamente para melhorar a eficácia dos sistemas de prevenção, preparação e resposta a catástrofes naturais ou de origem humana. 10 Mas a sua intervenção não se limita às fronteiras da União Europeia. Aliás, neste desiderato é útil recordar que com a “intervenção do Mecanismo [Comunitário de Proteção Civil] nas operações realizadas na sequência do Tsunami no sudoeste Asiá-tico, o ano de 2005 constitui-se como um ponto de viragem a partir do qual várias alterações foram introduzidas com vista a melhorar a capacidade de resposta a catástrofes. Desde então, destacam-se os esforços levados a cabo pela Comissão Europeia e pelos Estados no âmbito da mobilização de equipas rápidas para reconhecimento e avaliação, o incremento da cooperação com as Nações Unidas, quer ao nível institucional quer ao nível operacional, a me-lhoria da articulação entre a dimensão da Ajuda Humanitária e da Proteção Civil, o desenvolvimento de um Programa de Formação Comum e a criação e operacionalização de módulos de proteção civil” (Martins, 2012, pp. 4 e 5).Percebe-se que a atividade de Proteção Civil exige que os diferentes Agentes de Proteção Civil procedam em ordem a conseguir-se uma sinergia de esfor-ços, tal como a União Europeia, de forma similar, pretende que essa sinergia aconteça ao nível dos Estados-Membros. 11 Neste quadro, alguns autores têm apontado a junção da Segurança e da Defesa, referindo que “se no passado e em termos históricos, se poderia separar a segurança militar (ameaças ex-ternas) da segurança interna e da segurança (proteção) civil, hoje a situação é completamente diferente, as áreas sobrepõem-se e tudo deve ser concebido, estruturado e planeado de modo integrado ao nível da Estratégia Total (topo do Estado) até chegar, para o planeamento e execução, à autarquia, à empresa, aos serviços, à escola, ao hospital, às estradas, portos e aeroportos, aos complexos desportivos, etc., até ao cidadão, de modo a que ninguém fique de fora. É o único modo de conseguirmos os resultados de que precisamos, dando segurança

10 Cfr. Proposta de Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a um Mecanismo de Proteção Civil da União - COM (2011) 934 final, 2011/0461 (COD), Bruxelas, 20 de Dezembro de 2011.

11 Importa sublinhar que a “proteção civil é hoje uma área onde a cooperação internacional se tem revelado indispensável, quer no que concerne à prevenção e redução de riscos e de desastres, quer no socorro e resposta a catástrofes que, pela sua dimensão, ultrapassam as capacidades nacionais dos países atingi-dos. A Lei de Bases da Proteção Civil assume expressão externa, ao prever que, no quadro dos com-promissos internacionais e das normas aplicáveis do direito internacional, a atividade de proteção civil possa ser exercida fora do território nacional, em cooperação com Estados estrangeiros ou organizações internacionais de que Portugal seja parte, atribuindo esta Lei à Autoridade Nacional de Proteção Civil a responsabilidade de coordenar as intervenções no quadro do auxílio externo. Portugal, através da ANPC, tem vindo a promover a cooperação em matéria de proteção civil no quadro bilateral, através de vários acordos, nomeadamente com Espanha (1992), França (1995), Rússia (1999), Marrocos (1992) e Cabo Verde (1998), mas a expressão mais visível da cooperação internacional tem vindo a ser desenvolvida no quadro do Mecanismo Comunitário de Proteção Civil, sendo fundamental fazer aqui um parêntesis, sobre a natural evolução desta matéria” (Idem, p. 4).

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e tranquilidade à nossa população e investimentos”, onde, ao nível estrutural, e “para efeitos de segurança, as Autarquias e a Proteção Civil (incluindo os bombeiros) deviam depender deste Ministério (diga-se Ministério da Segurança e Defesa) que teria um Secretário de Estado para a Segurança do Território Nacional; os bombeiros, tendencialmente, terão que ser profissionalizados e sujeitos a uma estrutura hierarquizada” (Leandro, 2007, pp. 16 a 18).De certa forma, esta noção implica que todos, seja o Poder Político (a nível nacional e a nível internacional, com destaque para a União Europeia), sejam os Agentes de Proteção Civil, sejam as organizações do Estado, sejam as or-ganizações privadas, seja o cidadão comum, todos devem compreender o novo conceito que a realidade económica e a dinâmica social da sociedade globalizada impõem, não só elegendo o cidadão e as populações como o ponto fulcral de toda a Segurança e da denominada “democratização dos riscos”, mas também como participantes ativos e responsáveis pela própria Segurança, pois ninguém pode ser dispensado de vir dar o seu contributo comunitário, exatamente porque a “Segurança Humana não é algo que as pessoas possam esperar e receber passivamente das instituições sociais. É parte substancial delas a sua partici-pação ativa e a sua capacidade para assumir riscos” (Pereira, 2006, p. 183). É pública a noção de que existe frequentemente dificuldade na articulação entre Forças e Serviços de Segurança, e estruturas ou serviços de proteção e socorro e das Forças Armadas (entre outros exemplos, cfr. MAI, 2003, pp. 75

lustração 10: Os Pilares da Segurança Humana na Sociedade da Globa-lização do Risco.Fonte: Adaptado de Amaro (2009, p. 31).

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a 89). A compreensão integrada da Segurança, englobando a Segurança Exter-na, a Segurança Interna e a Proteção Civil, constitui um novo Paradigma de Segurança que vem sendo discutido de forma crescente, não só em Portugal, como além fronteiras. A maior resistência decorre sempre da aceitação pelas diferentes organizações em ajustar-se, no muito ou no pouco, naquilo que é o processo de coordenação, direção, controlo e comando operacional, pois trata-se também quase sempre de estruturas muito distintas e com culturas muito próprias, onde a resistência à mudança se faz sentir. Cada vez mais assiste-se a um fim definitivo da “segurança garantida”, com uma crescente diluição dos conceitos de Segurança Interna e Segurança Externa, abrindo portas a um conceito alargado de Segurança (Leandro, 2007, pp. 24 a 30). Independentemente do âmbito em que procedamos à análise, seja na vertente nacional, seja na vertente internacional, o nosso País tem concorrido para uma partilha de conhecimento e experiência que, no âmbito da Proteção Civil, tem sido cada vez mais determinante. Se analisarmos, por exemplo, as ativações de Portugal no quadro do Mecanismo Comunitário de Proteção Civil, ressalvamos o seguinte: “Portugal ativou o Mecanismo Comunitário de Proteção Civil entre 2003 e 2005 e, novamente, em 2009 e em 2010, num total de 12 ativações; A situação de emergência foi sempre a mesma: incêndios florestais; O tipo de assistência solicitado foi, da mesma forma, sempre o mesmo: meios aéreos de combate aos incêndios; Vários países prestaram assistência a Portugal, com especial ênfase para os países do sul da Europa”. Isto quer dizer que somos um País com alguma experiência enquanto receptor de assistência internacional, mas que, em contraponto, não temos ativado o Mecanismo exclusivamente para solicitar assistência. De facto, em várias situações o nosso País prestou assistência internacional, “designadamente na Argélia, Irão, Marrocos, Indonésia, Peru, China, Haiti, Chile e Itália, na sequência de sismos, e na Grécia e Espanha, na sequência dos incêndios florestais” (Martins, 2012, p. 5). 12

Já no século III a.C., disse Maharbal (comandante da cavalaria de Aníbal) o seguinte: “Sabes como ganhar uma batalha, não sabes como explorar uma

12 Temos consciência, contudo, que é necessário equacionar um quadro comum que permita uma resposta eficiente e eficaz a emergências de grande escala, “em especial aquelas que por afetarem vários Estados condicionam a disponibilização imediata de entreajuda”. É sabido que “para poder responder a um qualquer pedido de assistência em matéria de proteção civil”, a União Europeia continua a depender, em muito, “das decisões dos Estados, e no limite, poderá acontecer não ser possível responder a uma catástrofe, seja porque os Estados não se voluntariam, seja porque os recursos nacionais estão empe-nhados”. Neste sentido, julga-se que um “trabalho conjunto entre a Comissão Europeia e os Estados é naturalmente chave de sucesso da cooperação internacional, e a criação de um novo Mecanismo traduz-se num passo tão necessário como indispensável para a natural evolução da Proteção Civil a nível internacional” (Idem, p. 6).

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vitória” (Hesse, 2011, p. 47). A Segurança, vista de forma ampla como fizemos ao longo deste artigo, é uma área que influencia muitas outras áreas, quase na mesma medida em que alertava Clausewitz, quando disse que “o espírito e outras qualidades morais que animam um exército, um general ou os gover-nos, a opinião pública nas províncias onde grassa a guerra, o efeito moral de uma vitória ou uma derrota, são coisas que em si próprias variam imenso da natureza, e que também, de acordo com sua posição em relação ao nosso objectivo e relações, podem influenciar de diferentes maneiras” (Clausewitz, s.d. [Ed. original 1832], p. 166).Por tudo, também ao nível da Segurança e da Proteção Civil importa maximizar as capacidades do nosso País, porque estas são áreas de extrema importância no apoio às populações e no impulso que importa dar à imagem e às capacidades estruturantes das instituições envolvidas, com predominância para os Agentes de Proteção Civil. Isto é tanto mais importante porque, como já aludimos, a “organização é uma entidade onde a criação e a partilha de conhecimento acontecem num ambiente de cooperação voluntária em atividades criativas do processo produtivo, o qual é influenciado pelos contextos social, cultural, e histórico dos indivíduos, cujas contradições afiguram-se ser indispensáveis para criar conhecimento” (Martins, 2010, p. 25). 13 Um bom exemplo de parti-lha de conhecimento entre Agentes de Proteção Civil a nível nacional e outros além fronteiras, tem sido no domínio da cooperação, em várias vertentes, com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Com efeito, se a cooperação militar com os PALOP é uma realidade que está bem vincada nos três Ramos das Forças Armadas, onde, por exemplo no Exército, várias são já as gerações de Oficiais dos PALOP que foram formados na Academia Militar (nos últimos anos, já com a habilitação do grau de Mestre), em contraponto, no que concerne à Proteção Civil, é sabido que, para além da cooperação ao nível da União Europeia de que tivemos oportunidade de abordar, neste cam-po da cooperação técnica com os PALOP, merece destaque especial o facto da “ANPC, no quadro do projeto de cooperação técnico-policial protocolado entre os Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna e as autoridades dos PALOP” ter vindo a prestar, “desde 2008, apoio formativo e

13 Sendo certo que a transferência de conhecimento “é um processo complexo que requer a existência de recursos relacionados do lado da organização recebedora para esta poder assimilar o conhecimento transmitido”, a verdade é que se pode contar com um “‘sistema de conhecimento transitivo’ que possibilita identificar as capacidades próprias dispersas por ‘unidades’ onde os gestores destas atuam como ‘gestores de fronteira’, pois granjeiam o conhecimento necessário para melhorar a performance das suas unidades, cuja avaliação das capacidades e das insuficiências constitui o ‘autoconhecimento organizacional’, o qual permite aos gestores identificar as necessidades de conhecimento e iniciar os esforços de transferência para as suas ‘unidades organizacionais’ ” (Idem, Ibidem, p. 59).

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assessoria técnica visando a capacitação dos serviços de proteção civil destes países. Para o presente ano, está previsto um conjunto extenso de ações de formação e assessoria, a realizar em Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe” (Martins, 2012, p. 6). E aqui, a coragem e a moralização deve ser potenciada como na Guerra, na medida em que “a coragem das tro-pas tem de renascer todos os dias (...) [porque] nada é tão variável (...) [e] a verdadeira aptidão do general consiste em saber como garantir essa coragem” (Marechal Maurice de Saxe apud Shafritz, 1990, p. 76).

5. DA COOPERAÇÃO POLICIAL NA UNIÃO EUROPEIA À EMERGÊN-CIA DA SEGURANÇA PRIVADA

Disse o General Beaufre que “O destino do Homem depende da Filosofia que adoptar e da Estratégia pela qual procurar fazê-la prevalecer” (Beaufre apud Alves, 1998, p. 23). Depois de um período menos atenta a estas questões, mas consequentemente impulsionada pelo impacto mundial que tiveram os atentados do 11 de Setembro nos Estados Unidos da América, assim como o 11 de Março em Madrid e o 7 de Julho em Londres, a União Europeia está agora mais empenhada em empreender políticas e executar ações ao nível da Segurança, com destaque para a cooperação policial, 14 no sentido de construir um espaço de Liberdade, Segurança e Justiça. 15 Não existe margem para facili-tismos nesta matéria: vivemos numa sociedade globalizada onde a ameaça não conhece fronteiras e onde, cada vez mais, se apresenta uma maior sofisticação das organizações criminosas, sendo, por todas as razões, necessário encontrar respostas onde a cooperação policial, de forma eficiente e eficaz, combata o flagelo da insegurança, da criminalidade e do terrorismo (Sousa, 2005).Percebe-se que para que exista essa maior coordenação e cooperação institu-cional, é então necessário que o Serviço Europeu de Polícia (EUROPOL), a Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade, o Grupo Cooperação Policial, a Academia Europeia de Polícia (CEPOL), a Unidade Europeia de Coopera-ção Judiciária (EUROJUST), o Sistema de Informações Schengen, a Agência

14 A cooperação policial pode ser definida como “a atuação combinada ou a assistência entre os Estados-Membros da União, no vasto espectro que abrange a prevenção e o combate à criminalidade em geral e, em particular a que, assumindo natureza transnacional, pode afectar diversos Estados-membros (…) ou a que atenta contra os valores mais basilares das sociedades democráticas (…), tendo como objectivo último garantir um elevado nível de proteção dos cidadãos” (Gomes, 2006, p. 228).

15 Segundo Didier Bigo (apud Oliveira, 2001, p. 9) a ideia de uma “estrutura de cooperação policial ao nível europeu teve origem num projeto de racionalização das estruturas policiais, com vista a passar de uma cooperação horizontal para uma cooperação vertical mais integrada”.

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Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados-Membros da UE, entre outros, promovam isso mesmo. Recordemos que estes são organismos que têm como principais objectivos combater a criminalidade e o terrorismo, promover a cooperação transfronteiriça na luta contra a criminalidade, coordenar investigações e procedimentos penais e ainda apoiar o controlo de fronteiras e a troca de informações, entre outras vertentes. Constituindo um conjunto de missões complexo, pode dizer-se que o processo de cooperação policial na União Europeia “tem sido construído lentamente, pedra sobre pedra, com sucessivos avanços e recuos. Duas premissas estão subjacentes ao sucesso da cooperação policial no espaço europeu: ela começa no seio de cada Estado-membro e será aquilo que os Estados-membros quise-rem” (Gomes, 2006, p. 232).Mas se a cooperação policial potencia que cada país proceda à criação de órgãos específicos de ligação com os seus homólogos, o grande desafio é que isto não deve acontecer apenas ao nível europeu. Com efeito, para além da cooperação a esse nível, pretende-se que cada Estado-Membro desenvolva, internamente, essa cooperação institucional. No nosso País, e sem prejuízo de que possam existir outras instituições envolvidas nestes processos, existe o repto de coope-ração entre as Forças e Serviços de Segurança, a troca de informação através do SIRP, do SIS, do SIED e a Unidade de Coordenação Anti-terrorismo (ver, por exemplo, Aden, 2003). Como disse um dia Napoleão, “Não são as tropas que vos faltam, é a maneira de as reunir e de agir com vigor” (Bonaparte, 2003, p. 64).Uma palavra, ainda, para aquilo que é a importância adstrita à Segurança Privada, enquanto “sector em franco crescimento e que, atualmente, se pode afirmar que quase diariamente afecta ou intervém com o dia-a-dia de todos os cidadãos”. A Segurança Privada é um ator inequívoco nas políticas de Se-gurança Interna, procurando transmitir ao cidadão uma sensação de Segurança com base na capacidade, comunicação, coordenação, cooperação, confiança e convivialidade. Esta atividade, de facto, tem vindo adquirir uma importância crescente no nosso País, quer na proteção de pessoas e bens, quer na prevenção e dissuasão de práticas de atos ilícitos, quer pelos meios humanos que envolve, e quer ainda pelo crescimento sustentado que se tem verificado nos últimos anos que se tem repercutido numa ampliação do mandato policial (Durão, 2009).E, bem entendido, muitos são - e tendem a ser cada vez mais - os atores en-volvidos neste sector de atividade, “desde as próprias empresas prestadoras de serviços e comercializadores de equipamentos, os profissionais, os utilizadores destes serviços e equipamentos” a outros atores, o que implica maiores e me-lhores contributos ao nível das “especificidades técnicas e de regulamentação,

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as características dos serviços e equipamentos”, etc. (Malheiro, 2007, p. 3). Sem surpresa, “as agências privadas surgem cada vez mais em programas de parceria pelo policiamento público e é observável uma certa erosão das fron-teiras entre público e privado em matéria de controlo social” (Durão, 2009, p. 46). Outro aspecto que é importante referir, é o de que a “prestação de serviços de segurança privada, para além do enquadramento jurídico, pouco respeitado e fiscalizado, obedece a diversas regras, mais ou menos implícitas que são assumidas, como força de lei, por todos os intervenientes – cliente, empresa, Agente de Segurança Privada (ASP)” (Santos, 2011, p. 32). Neste contexto, é possível dizer que a Segurança Privada assume “um papel complementar e subsidiário das FSS [Forças e Serviços de Segurança] do Estado no quadro da política de segurança interna e (…) em resultado das necessidades e solicitações dos cidadãos em geral, visando aumentar a sua segurança e qualidade de vida” (MAI, 2008, p. 5). Recordemos que o objecto principal da atividade de Segurança Privada é precisamente a prestação de serviços a terceiros e a organização interna de serviços de Segurança Privada, cabendo a esta uma vigilância especial, a um lugar específico, enquanto que a Segurança Pública faz uma vigilância mais geral, abrangendo um panorama mais diversificado. 16 Independentemente da ocupação profissional, importa recordarmos que “contri-butos, quer da Sociologia quer da Psicologia, têm vindo a destacar a impor-tância do trabalho, não só pela remuneração que proporciona, mas também pelo seu decisivo contributo para a construção da nossa identidade pessoal e pela sua determinante influência na maneira como percepcionamos o nosso bem-estar subjetivo”. É por isso que “a história das organizações é também uma história do trabalho ou emprego”. Sem surpresa, nos dias que correm, “as carreiras são, cada vez mais, construídas com a incorporação de aprendizagens resultantes das experiências diárias de trabalho” (Correia, 2007, pp. 9 e 10). Se é usual que as organizações contratem colaboradores pelas suas competências técnicas (quase sempre, desejavelmente, associadas à experiência profissional entretanto adquirida), a verdade é que muitas das vezes a ascensão desses co-laboradores nessa estrutura hierárquica organizacional é consequente das suas competências de liderança e, em contraponto, muitos dos reveses profissionais que esses colaboradores vivem são derivados da falta de competências interpes-soais. Este desiderato também tem uma aplicação central na área da Segurança

16 Ainda assim, é sabido que com a reestruturação da PSP em 2008, foi definido o quadro organizacional relativo à Segurança Privada e foi criado um Departamento de Segurança Privada na estrutura orgânica da Direção Nacional da PSP, ganhando um novo formato.

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Privada, exatamente porque a “importância da segurança privada na nossa sociedade democrática sustenta-se no seu caráter eminentemente civilista, ou seja, não securitário. Os trabalhadores e trabalhadoras da segurança privada, independentemente da sua profissão, têm uma função principalmente de pre-venção e segurança de instalações, bens e pessoas” (Trindade, 2007, p. 17).Tal como em outros sectores, também ao nível da Segurança Privada, percebe-se que “sob o lema ‘menos Estado, melhor Estado’, assiste-se a uma minimização do Estado em prol da libertação da sociedade civil: o Estado-providência cede lugar ao Estado-regulador. Para tanto, o ideário liberal pugna pela passagem à esfera privada dum vastíssimo leque de tarefas administrativas, ainda pros-seguidas pelos serviços públicos” (Clemente, 2006, p. 64). Isto também quer dizer que, uma vez que o Estado já não dá resposta a todas as situações rela-cionadas com a Segurança, o cidadão tem de recorrer à Segurança Privada em ordem a obter uma solução para os seus problemas, ou, no mínimo, concorrer para minimizá-los. Neste quadro, Valente (2006, pp. 76 e 77) defende que se promove “perda da sujeição ao direito, a consequente perda da proteção de direitos fundamentais pessoais e a perda por parte do Estado do conjunto na prevenção e repressão do crime”. Na verdade, reconheceremos sem grande di-ficuldade que o crime não se extingue só porque se utilizam câmaras de vídeo, sensores de alarmes, trancas reforçadas ou portas duplamente blindadas. Pode contribuir para minimizar, mas não resolve por completo. De referir, finalmente, que uma das áreas onde a Segurança Privada apresenta mais pergaminhos, é no domínio das Relações Públicas (RP). Não é por acaso que se defende que os vigilantes “devem ser treinados de forma a que, no momento em que iniciam as suas funções, sejam qualificados e garantam a segurança, tendo ao mesmo tempo formação em RP adequada para que possam ser bons embaixadores”. Recordemos que as RP “da atualidade tiveram a sua origem na retórica. Esta técnica baseava-se em convencer o receptor da mensagem através da oratória e era há muito tempo usada por vários agentes de comu-nicação. A retórica era uma das disciplinas mais bem estabelecidas no tempo de Platão”, onde Aristóteles teve um papel determinante (Falcão, 2007, p. 43).

5. CONCLUSÕES

Com este artigo, pretendemos fazer uma brevíssima abordagem sobre aquilo que representa a Gestão do Conhecimento num domínio tão complexo, mas tão emergente, como é o da Gestão da Segurança e da Proteção Civil, onde os diversos Agentes de Proteção Civil, entre outros atores, desempenham papéis absolutamente essenciais e determinantes num contexto de Segurança que é

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cada vez mais complexo e abrangente. Sendo verdade que se criam benefícios significativos através de uma adequada Gestão do Conhecimento, que embora partilhada por natureza, é também potenciada pelas influências externas às orga-nizações, hoje, em pleno século XXI, reconhece-se que em ordem a conseguir-se a maximização do capital intelectual organizacional, assim como a tendencial melhoria dos processos, a maior fluidez nas operações e ainda o alcance de processos de tomada de decisão optimizados que sejam promotores de melho-res resultados, é indispensável pensar nas organizações de forma competitiva.Se a atividade de Proteção Civil tem um carácter permanente, multidisciplinar e plurissectorial, a verdade é que a Segurança Interna tem cada vez mais im-plicações externas e, por outro lado, a Segurança Externa tem cada vez mais implicações internas. Todo o conceito de Segurança está a sofrer mutações, sérias mutações, até porque as ameaças e os riscos a que estamos sujeitos são cada vez mais diversificados. É hoje redutor pensar de forma totalmente indepen-dente em Defesa Nacional, em Segurança Interna, em Proteção Civil e até em Segurança Privada. Com efeito, a nível internacional exige-se que se promova a cooperação institucional entre as organizações nacionais e estrangeiras afectas a cada um destes domínios, pelo que, necessariamente, a atividade de Gestão da Segurança terá de incluir, de forma integrada, a informação, o conhecimento e os vários contributos destas áreas, exatamente para que se consiga uma mais objectiva, e mais racional, aplicação dos recursos disponíveis.Numa sociedade globalizada complexa, moderna e sujeita a novas variáveis sociais, económicas e políticas, emergiram novos riscos, ameaças e limitações, que implicaram a adopção e a operacionalização de uma nova governance da Segurança por parte dos Estados. Nesta nova dinâmica, o papel do Estado so-freu alterações e depara-se com a emergência de novos poderes supranacionais e subnacionais, onde o sector privado surge com um grande potencial, aliado ao surgimento de novos atores no domínio da Segurança.Na atualidade, a Segurança, vista de forma extensiva, engloba as vertentes Se-curity e Safety, pelo que a área de Proteção Civil, adstrita à segunda vertente, enquanto atividade desenvolvida pelo Estado, Regiões Autónomas e Autarquias Locais, e também pelos cidadãos e por entidades públicas e privadas, assume um papel central no contexto da Segurança. Pela sua finalidade de prevenir os riscos colectivos inerentes a situações de acidente grave ou catástrofe, e também de atenuar os seus efeitos, proteger e socorrer as pessoas e bens em perigo quando aquelas situações ocorram, a Proteção Civil conta hoje com a participação não só de todos os Agentes de Proteção Civil que a legislação expressamente refere, mas também de todos aqueles atores de Segurança or-ganizacionais e individuais que, de forma direta e indireta, contribuem, em

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diferentes medidas, para que se cumpram os objectivos superiormente fixados. Organizações flexíveis, adaptativas e produtivas distinguem-se em situações de rápida mudança. Se o conhecimento, aliado aos recursos humanos, constituem os ativos organizacionais mais importantes de uma organização para atuar num ambiente turbulento e competitivo, importa selecionarmos os melhores, os mais capazes, os mais empreendedores, aqueles que são capazes de gerar a mudança, de criar conhecimento e de transferir conhecimento, ultrapassando as competências técnicas pela emergência de capacidades de liderança, na certeza de que muitos dos processos internos e externos às organizações, se baseiam, quase sempre, em competência interpessoais.As organizações continuarão a ser entendidas como grupos de pessoas que são constituídos deliberadamente com o intuito de atingir determinados objectivos. Enquanto sistemas, as organizações encontram-se integradas e interagem com outros sistemas, onde além do ambiente interno, o desempenho organizacional é influenciado pelo meio envolvente transacional e pelo meio ambiente con-textual. Por tudo o que foi apresentado neste artigo, a gestão das organizações, com especial destaque para as organizações afectas à Gestão da Segurança e da Proteção Civil, deve ser entendida como um processo de coordenação e integra-ção de recursos, tendente à consecução dos objectivos estabelecidos, através do desempenho das atividades de planeamento, organização, liderança e controlo.

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David Miguel Pascoal Rosado

Major de Administração Militar do Exército Português. Professor Regente da Academia Militar Portuguesa. Coordenador Científico da área da Gestão da Segurança e Proteção Civil no ISLA Campus Lisboa | Laureate International Universities. Professor Regente do ISLA Campus Lisboa | Laureate International Universities. Doutor em Sociologia. Mestre em Ciência Política – Cidadania e Governação. Licenciado em Ciências Militares, na especialidade de Adminis-tração Militar. Habilitado com o Curso Avançado de Gestão Pública.

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Ana Cristina Soares a,1

a Universidade Católica Portuguesa, Palma de Cima, 1649-023, Lisboa, Portugal

ABSTRACT

This article intends to conduct an analysis of the evolution of the concept of strategy from Ancient Greece to the contemporary age, verifying that the con-cept assumes a pronounced and complex expression in International Relations. Nevertheless, the purpose of this paper goes to confront the different themes and approaches of the theme and reach the current understanding of strategy.It has been a constant in recent decades, the immoderate use and abuse and term strategy in the most infinite areas and different Actors of the International Political System leading to a trivialization of the word. We highlight the two enlargements of the strategy and also the impact they have had in the First and Second World War and evolution of strategy in Portugal. We have also made a detailed analysis about the relationship between Strategy, Policy and Tactics identifying there main differences.

Keywords: Strategy, Evolution, coercion, International Relations.

RESUMO

O presente artigo pretende efetuar uma análise da evolução da noção Estratégia desde da Grécia Antiga até à idade Contemporânea, verificando-se que o seu conceito assume uma acentuada e complexa expressão nas Relações Interna-cionais. Ainda assim, o objetivo deste artigo passa por confrontar as diferentes abordagens da temática e chegar ao entendimento atual de Estratégia.

da Estratégia

1 Contatos: Email – [email protected] Tel. - (+351) 217 214 000

Recebido em 22 Março 2012; Aceite em 4 Maio de 2012

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Tem sido uma constante, nas últimas décadas, o abuso e uso imoderado do termo Estratégia, nas mais infinitas áreas e pelos diferentes Atores do Sistema Político Inter-nacional levando a uma banalização da palavra. Destacamos os dois alargamentos da Estratégia e ainda importância que tiveram a Primeira e a Segunda Guerra Mundial e a evolução da Estratégia em Portugal. Efetuamos também uma análise minuciosa da relação entre Estratégia, Política e Tática identificando as principais diferenças.

Palavras-chave: Estratégia, Evolução, Coação, Relações Internacionais.

1. INTRODUÇÃO

Apresentar uma definição de Estratégia é um grande desafio, sabendo o quão difícil e complexo é falar do seu conceito. A utilização do termo Estratégia nas mais distintas atividades e sentidos e o seu uso imoderado fora do seu âmbito levou a um certo desgaste e a uma banalização do seu verdadeiro significado. É uma designação utilizada por inúmeros Atores do Sistema Político Interna-cional, nas mais diversas esferas de acção, tais como na Política, Comunicação Social, Saúde, Economia, ou até mesmo na Educação. Assim, a finalidade deste artigo remete-nos para a procura de um entendimento abrangente, para tal, abordaremos como o conceito evoluiu ao longo dos tempos, procurando efetuar uma análise histórica profunda de vários autores que deram os seus contributos, sem esquecer as ligações aos diferentes domínios disciplinares. Os ataques terroristas do 11 de Setembro, de 2001, mudaram a configuração das Relações Internacionais encontrando-se, atualmente, em profunda mutação. Quer isto dizer, que se multiplicaram os protagonistas, com intervenientes de diversa natureza, numa era mais globalizada gerando assim, uma interdepen-dência mútua entre os diferentes atores. Atendendo a que as “Relações Internacionais se basearem essencialmente numa relação de força” (Freund, 1974, p. 167), subentende-se que as diversas entidades políticas sempre tiveram a sua Estratégia. Não podemos confundir esta ciência com a «Política», apesar da sua ligação. No presente século, mais do que nunca essa diferenciação “merece uma atenção especial devido à precariedade da paz, à frequência do recurso à força e à necessidade de uma permanente atualização do pensamento estratégico que deve estar a montante da acção” (Barrento, 2010, p.11). É cada vez mais notório a precariedade da paz, tendo sido demonstrada ao longo da última década, com os atentados terroristas nos Estados Unidos da América, em Espanha (11 de Março de 2004) e na Inglaterra (Julho de 2005). Os conflitos na Península Balcânica, Médio Oriente e Norte de África, as diversas acções de movimentos separatistas, o aumento de ocorrência de tensões nos

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países detentores de recursos naturais com forte presença de grupos extremistas e radicais tem contribuído para o aumento de um sentimento de insegurança.A crise económica de 2008 iniciada nos Estados Unidos da América e, que se alastrou à Europa, se não tiver um fim rápido, poderá eclodir em conflitos. Im-porta realçar que todos estes acontecimentos ocorreram em espaços geográficos e em ocasiões que não parecia ser possível verificar-se. Todas estas considera-ções remetem para a necessidade de meditar sobre o pensamento Estratégico e de eventualmente atualizar o seu conceito. No entanto devemos ter em atenção as diferentes considerações ditadas pela conjuntura; “ainda que muito dos seus fundamentos sejam referências estáveis, mas porque a estratégia depende da Po-lítica e esta está em evolução, hoje mais lenta que noutros períodos históricos, e porque os instrumentos utilizados, função da evolução tecnológica, também estão em mudança acelerada e são de largo espectro, desde os instrumentos bélicos aos meios e modos de comunicar – a Estratégia e, particularmente, as formas de a tratar e aplicar também estão em movimento” (Barrento, 2010, p.13).Este artigo organiza-se em vários pontos. Primeiro efetuamos uma análise con-cetual do conceito Estratégia e a sua evolução ao longo de três grandes épocas: Antiguidade Clássica, Idade Média e Contemporaneidade. Efetuaremos uma aná-lise mais detalhada na era Contemporânea (século XX e XXI) e nomeadamente os impactos que tiveram a Primeira e Segunda Guerra Mundial, uma vez que foi neste período que houve os alargamentos da Estratégia, não esquecendo a evolução da Estratégia em Portugal, nomeadamente a sua teorização por Abel Cabral Couto. Seguiremos o nosso pensamento apresentando as diferenças entre a Política, Estratégia e a Tática, terminando com algumas conclusões.

2. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE ESTRATÉGIA

Uma primeira abordagem da palavra Estratégia, num dicionário de língua portugue-sa, classifica o referido substantivo feminino como “ciência que, tendo em vista a guerra, visa a criação, o desenvolvimento e a utilização adequada dos meios de coação política, económica, psicológica e militar à disposição do poder político para se atingirem os objetivos por esses fixados” (Porto Editora, 1999, p. 698). Nesta visão do termo, associa-se a Estratégia à Guerra, contudo constata-se a noção de que esta disciplina trata de aplicar a «coação». Mas este entendimento, não foi constante ao longo da história, daí ser interessante verificar as diferentes noções, de vários autores clássicos e contemporâneos. Dos inúmeros conceitos de Estratégia, vamos salientar aqueles que, em nosso entender, se consideram típicos e marcantes de uma época, e que poderão constituir referência para o conceito que apresentaremos no final.

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2.1 A AntiguidAde ClássiCA

O vocábulo Estratégia teve a sua origem na antiga Grécia «onde adquire a sua defini-ção funcional», estando relacionada com o fenómeno da guerra. A Estratégia deriva da palavra grega Strategos 2, na prática, a arte do general, traduzida na maneira de articular e dispor as tropas e de combinar a manobra e as batalhas para se atingirem os objetivos de uma campanha militar. Este vocábulo é associado à «Eclésia» 3 que era responsável pela eleição dos dez comandantes militares responsáveis pela defesa da cidade.Foi no apogeu dos séculos IV e V a.C., que aparecem pela primeira vez, na Grécia Antiga documentos escritos de cariz militar e estratégico, nomeadamente nos escritos de Tucídides (460-399a.C.), na «História da Guerra do Peloponeso»4. “Tradicionalmente, a estratégia cingia-se à estratégia militar e preocupava-se, essencialmente, com a melhor forma de articular e aplicar os meios militares para se alcançar a vitória na guerra” (Couto, 1998, p.211). Assim, a primeira acepção de Estratégia era “a arte de conduzir o exército, a direção de uma expedição armada ou, mais globalmente, a arte do comando militar ou do conjunto de uma campanha” (Borges, 2006, p.22). Com o Império Romano, a Stratégia deixa de ser a «arte da liderança militar» e passa a ser a «prefeitura militar» (no sentido administrativo), constituindo o Stra-tego, o chefe do Exército, aquele que possui de facto o Imperium, deixando de ser puramente uma atividade. De facto, “os romanos prefeririam igualmente ignorar a palavra estratégia relativamente ao sentido original” (Fernandes, 1998, p.31). O termo referido irá permanecer até ao século V, contudo com a queda do Império Romano do Ocidente, tanto a palavra como o seu significado dissipam-se, onde seria recuperado só no século XVIII. Porém, a palavra sofre uma transformação gradual, relativamente ao seu significado, não desaparecendo na totalidade. Tanto para os Gregos como para os Romanos, não havia um consenso em torno da palavra Estratégia. “Para os Romanos, a Estratégia era diretamente associada à mais alta direção militar e à guerra enquanto violência coletiva armada, confundindo-se frequentemente com a Tática” (Borges, 2006, p.24). Dentro do contexto da antiguidade, na China Clássica, apesar de existirem grande número de escritos orientais sobre a «arte da Guerra», o conceito foi abordado, de forma indireta,

2 Strategos que tem o significado de “comandante da Exército, responsável pela cidade ou o comandante da frota”. O vocábulo consiste na composição de dois outros: stratos, o equivalente a “exército”; e agein, que equivaleria a conduzir”. Na prática, significava “a arte do General” (Borges, 2006, p. 22).

3 Era a principal assembleia popular da democracia ateniense na Grécia Antiga. Era aberta a todos os cidadãos homens com mais de dezoito anos. A Eclésia abria suas portas para todos os cidadãos para que se nomeassem e votassem magistrados e os dez estrategos ou comandantes militares, para que se tivesse a decisão final acerca de legislação, guerra e paz; e para que, os magistrados respondessem por seus anos no cargo. No século V a.C. havia 43.000 pessoas participando da Eclésia.

4 Tucídides que participou em alguns dos acontecimentos descritos na sua História da Guerra do Peloponeso. Membro da elite ateniense que viveu durante a era mais magnífica de Atenas. A Guerra do Peloponeso foi um conflito armado que opôs duas superpotências do século V, a.C. Atenas e Esparta.

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por T’ai Kung, no século XI a.C., na sua obra “Os Seis Ensinamentos Secretos” e por Sun Tzu,5 na obra “A arte da guerra,” por volta do ano 500a.C. Para este autor, “a melhor estratégia (Shu)6 é atacar a estratégia do inimigo, a segunda melhor estratégia é destruir as alianças do inimigo, a terceira melhor estratégia é atacar as tropas do inimigo, por fim, a pior estratégia é atacar cidades fortificadas do inimigo” (Borges, 2006, p. 26).Esta obra cheia de astúcia e máximas de «estratégia indireta», serve ainda no tempo corrente, como guia aos diferentes generais chineses, militares e gestores, teorizado nos conhecidos “Sete Clássicos Militares Chineses 7. É claro que, apesar de não encontramos, na China Clássica, um equivalente exacto da pa-lavra Estratégia, em contrapartida, o conteúdo por ela encerrada, isto é, a arte do general, a preparação dos planos, a análise da situação e o método, tudo isto é sobejamente conhecido e teorizado pelos orientais (Nunes, 1998, p. 3).Fazendo referência a diferentes pensamentos estratégicos em outras geografias, temos na Índia, no século IV a.C. a produção literária «Arthashâstra» do autor Kautiliya. Esta obra traduziu-se num “tratado político que contem várias partes relativas à arte da guerra, onde se destacam as táticas e os estratagemas. Não esquece a articulação entre meios e os fins, numa abordagem da guerra sob vários aspetos e que inclui todas as formas de coação” (Borges, 2006, p.27). Este livro é considerado como um dos mais importantes do mundo, quer do pensamento político, quer estratégico.Nizam al-Mulk (1018-1092) 8, Persa e fundador da Universidade de Bagdad “foi autor de um Tratado sobre a arte de governar, consubstanciando contributos para a concetualização da Estratégia, constituindo-se como manual de todos os administra-dores do Irão e do Império Otomano, durante mais de mil anos” (Dias, 2012, p.259).

2.2 A idAde médiA

Com os Bizantinos (Império Romano do Oriente), entramos na era da Idade Média. Com Bizâncio, há uma adaptação e um regresso ao conceito original de “atividade”, ou melhor da arte (a arte do General), que é sustentada na obra do Imperador Maurício «Strategikon»; é constituída por doze livros, e é conside-rada um verdadeiro manual de estratégia militar Bizantina, onde os principais

5 Sun Tzu foi um dos autores mais lidos em todo o mundo, a sua obra fora traduzida e difundida por toda a Europa, somente no século XVIII, por um jesuíta francês, mas sem grande sucesso. É no século XX que os europeus se voltam a interessar pela obra (Borges, 2006).

6 Shu era o vocábulo que mais se equivalia à Estratégia. 7 A Arte da Guerra, de Sun Tzu; A Arte da Guerra, do General Wu Zi; O Livro do Mestre da Cavalaria; Questões

e Respostas entre Tang Taizong e Li Weigong; Wei Lião Zi; Três Estratégias de Huang Shegong e os Seis Ensi-namentos Secretos de T’ai Kung (Borges, 2006, p. 25 e 26).

8 Nizam al-Mulk, persa defensor do Sunismo e fundador de diversas Universidades, nomeadamente da Universi-dade de Bagdad, porém em 1092 seria assassinado (Borges, 2006).

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destinatários seriam os oficiais das forças militares de Bizâncio. Esta obra dá especial relevo para a preparação da guerra, não esquecendo as referências à forma do discurso que prepara para o empenhamento violento, revelando a sua natureza motivadora e destacando a importância da moral, do psicológico, na acção do guerreiro. Uma vez que era do “interesse do Imperador Bizantino definir uma Estratégia direccionada contra a expansão dos muçulmanos e à conquista da Palestina e da Síria” (Dias, 2012, p. 259).Após Maurício, o reaparecimento da palavra Estratégia ocorre no contexto renascen-tista, em França no século XVII, com Robert Morden, com o significado atribuído pelos Roamanos (prefeitura militar). Mas seria com Nicolau Maquiavel (1469-1527), nomeadamente com a sua obra «O Príncipe» 9, que entraríamos na Idade Moderna.É na sua obra “que aparecem os mecanismos que constituíram os pré-requisitos para impor a concetualização Estratégica, suportada numa racionalidade social Estra-tégica” (Borges, 2006, p.30). “Um príncipe não deve ter outro objetivo, nem outro pensamento, nem aprender outra coisa como a sua arte que não a guerra, os seus métodos e a sua disciplina, pois essa é a arte que se espera de quem comanda. A guerra é justa quando necessária, e as armas são sagradas onde não há esperança senão as armas” (Maquiavel, 2007, p.66). Maquiavel referia-se a Itália, pois era necessário, esta dispor de um exército próprio, pois senão corria o risco de sucumbir. De referir, que Maquiavel nunca utilizou manifestamente o termo Estratégia, passando o seu testemunho a Clausewitz, “o estudo dos princípios da guerra, a importância da batalha e as relações entre o político e o militar” (Borges, 2006, p. 30).Anos mais tarde em França, no ano de 1732, surgem os termos «Stratège ou Stratègue», no «Dictionnaire de Trévoux»10 volvendo ao seu significado original, o comandante das tropas (o General). O termo seria introduzido, cinquenta anos depois, com o significado clássico, de grande tática ou tática dos exércitos, em 1771, por Joly de Maizeroy11 (1719-1780),

9 “Nicolau Maquiavel nasceu em Florença numa altura em que a sua cidade e país atravessavam um período extremamente conturbado. Desde 1434 que Florença era governada pela poderosa família Médici. O seu regime foi interrompido em 1494 pela chegada das tropas francesas de Carlos VIII. Ate 1496, Florença uma espécie de república teocrática sob a influência do pregador dominicano Savonarola. Após a queda deste, a república mantém-se durante mais dezasseis anos. Maquiavel desempenha aqui um papel extremamente importante como diplomata. Quando os Médici reconquistam o poder, em 1512, Maquiavel é preso, torturado e afastado da política activa. A sua obra mais importante, “ O Príncipe”, foi escrita em 1513, mas apenas publicada em 1532, cinco anos após a sua morte. A obra foi condenada pelo papa Clemente VIII e, em 1559, é colocada no índex dos livros proibidos” (Maquiavel, 2007, p. 9).

10 Os Jesuítas de Trévoux entre os anos 1704 e 1711, “fizeram sair seis edições, que seriam compilações, que estiveram então na base das edições em forma de enciclopédia ou de dicionário, efetuadas pela Furetiéres” (Dias, 2012, p.260).

11 Joly de Maizeroy entrou para o exército com apenas 15 anos. Sob o comando do Conde de Saxe, combateu nas campanhas da Boémia e da Flandres.

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na sua obra «Comentários sobre as Instituições Militares». Para Maizeroy, a “conduta da guerra era a ciência do general, a que os gregos chamaram Estratégia, ciência profunda, vasta, sublime e que englova muitas outras” (Borges, 2006, p.31). Este autor escrevia no ano de 1776: “para formar projetos, a estratégia combina o tempo, os lugares, os meios, os diversos interesses e entra em consideração com tudo o que é do domínio da dialética, isto é, a faculdade mais sublime do espírito, do raciocínio” (Borges, 2006, p.33). Contudo, certamente devido ao facto dos seus trabalhos terem sido pouco divulgados no seu tempo, e à proximidade de Napoleão, que fascinou os principais estrategos do século XIX, desde Jomini a Clausewitz, o conceito de estratégia permaneceu ligado às suas origens gregas.Frederico II12 (1712-1786), outro importante estratega, um herói e filósofo, considerado “o melhor estratego europeu antes da Revolução” deixou-nos escritos, sobretudo de acção, que serviriam como regulamentos e instruções. Textos que serviriam de inspi-ração a Napoleão. A sua obra mais mediática seria «Princípios Gerais da Guerra», datada de 1746 e «Instruções para os meus Generais» (Borges, 2006, p.32).Napoleão Bonaparte13 (1769-1821), “Deus da Guerra” apesar de ter sido um homem de mais acção que escritor, “considerava as altas partes da guerra di-ferenciáveis da Tática, naquilo a que designava por “Grande Tática” (Borges, 2006, p.32). Foi especialmente um decisor ao mais alto nível que, com criações organizativas como a «Divisão», soube explorar diversas combinações Estratégicas. Napoleão iria implementar o ideário de nomes influentes como Aníbal, Júlio César, Frederico II, Maquiavel ou o não menos importante Carnot, o seu Ministro da Guerra, privilegiando os princípios da manobra, da iniciativa e da concentração. É com o prussiano Dietrich Heinrich von Bülow14 (1757-1807) que a Estratégia ganha o seu vínculo definitivo no quadro do pensamento militar “quer apoiado pelas práticas napoleónicas da combinação entre a massa, o movimento e o fogo, e pela introdução, por parte da escola alemã, de forças morais, escalada e descalada da violência…” (Fernandes, 1998, p. 48). Ainda assim, para Bülow, a “Estratégia era a doutrina da segurança e liberdade do Estado” (Borges, 2006, p. 33).

12 Frederico II, nasceu em 1972 em Berlim, foi Rei da Prússia de 1740 a 1786 e comandante do exército prussiano. Introdutor do despotismo esclarecido na Europa e fez de Berlim a Capital das Luzes. Faleceria em Potsdam em 1786 (INFÓPEDIA, 2012b).

13 Napoleão nasceu em Ajaccio, na Córsega em 1769 e viria a falecer em Santa Helena em 1821. Fora incontes-tavelmente um líder político e militar. Imperador da França entre 1804 e1814. Esteve presente em diversas campanhas, como a italiano, do Egipto e da Rússia. Esta última campanha traçaria o destino de Napoleão, um ano depois desta campanha, Napoleão fora batido na Batalha em Waterloo em Julho de 1815. Falecera seis anos depois na Ilha de Santa Helena (Borges, 2006).

14 Dietrich Heinrich von Bülow foi um prussiano, autor da obra «Espírito do Sistema de Guerra Moderna», de 1801, fora também um soldado, entrando para o exército prussiano em 1773. Tivera sempre uma carreira ligada à literatura, nomeadamente a escritos relativos à Estratégia e a Tática.

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A atividade política e a procura de entendimento da tática ao longo do século XVIII foram a base da fundamentação da Estratégia e a consequente inspiração dos autores do século XIX, com destaque para Clausewitz e Jomini (Borges, 2006). Na segunda metade do século XVIII, como resultado das guerras napoleónicas que levaram ao aumento dos teatros de operações, à criação de escalões autónomos (táticos e logísti-cos), à criação do «Estado-Maior» e uma maior dimensão dos exércitos, foram alguns dos fatores que levaram à perceção da existência de um escalão entre a Política e a Tática. Poderemos assim afirmar, que a evolução do conceito de Estratégia foi a resultante de acontecimentos marcantes, que levaram à necessidade de alguém que “pensasse” e coordenasse as batalhas e não só os combates (Borges, 2006).O século XIX pode ser caracterizado de forma sucinta, como o século da industria-lização, do aparecimento de novas potências, de inovações militares, do aumento do potencial de fogo, das comunicações, da evolução da marinha, mas também por novos pensadores que se dedicaram ao estudo da Guerra. Podemos destacar, entre muitos outros, Clausewitz e Jomini (conhecido como pais da logística). A obra de Clausewitz (sendo nos dias de hoje uma referência) fora desconhecida até ao final do século XIX, em contraposição ao êxito da obra do seu homólogo Jomini.O conceito de Estratégia é, pela primeira, vez claramente separado da Tática por Clausewitz15 (1780-1831), classificando a “estratégia como arte de ligar os combates uns aos outros ou a teoria relativa à utilização dos empenhamentos ao serviço da guerra, e define a Tática como a arte de dirigir e ordenar as acções de combate” (Borges, 2006, p.35); Defarges (2003, p.40) designa-o como o “profeta do poder/guerra moderna”. O grande mérito deste autor deve-se ao estudo do fenómeno da guerra numa perspetiva sociológica e não meramente descrevendo o decorrer e o resultado das batalhas; foi influenciado por autores como Kant e Montesquieu e considerava que a investigação, a observação, a filosofia e a experiência nunca se deviam menosprezar. A frase célebre que mediatiza Clausewitz “a guerra é a continuação da política por outros meios”, realça claramente o pensamento deste militar prussiano, a guerra visa a concretização de objetivos determinados pela política, ou seja, “fazer a guerra não é ganhar batalhas, é perseguir um objetivo político (preservar a sua independência, aumentar o seu território, fazer reconhecer a sua supremacia)” (Defarges, 2003, p. 41).

15 Carl Philipp Gottlieb von Clausewitz, “General prussiano, foi estratego e escritor militar. Esteve no desastre de Iéna (1806). Foi feito prisioneiro pelos franceses em Prenzlau até 1809. Participou nas reformas do exército prussiano, professor na Escola Militar de Berlim, até 1812, participante na campanha da Rússia e fez as campanhas de 1814 e 1815 e dirigiu entre 1818 a 1830 a Escola Militar de Berlim. Viria a falecer em 1831 por cólera. Deixando a sua obra maior Von Krige (Da Guerra) inacabada. Graças ao esforço de sua esposa Marie, a obra foi terminada e editada em 1832. Clausewitz é um teórico do fenómeno “guerra”. Não é somente um estratego, mas também um filosofo da guerra. Situa-se na perspectiva da “guerra absoluta” que se estendeu da Revolução Francesa à Segunda Guerra Mundial” (Borges, 2006, p.35).

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Henry de Jomini (1779-1869) 16, tal como Clausewitz, também separa os conceitos de Tática e Estratégia, definindo a estratégia como “l’art de bien diriger les masses sur le théâtre de la guerre, soit pour l’invasion d’un pays, soit pour la defense du sien» (Jomini, 1838, p. 36) ou «a estratégia é a arte de fazer a guerra na carta (no mapa), abarcando todo o teatro de guerra” (Borges, 2006, p. 37). Então a Estratégia estaria ligada à direção e decisão da campanha e a Tática só diria respeito às batalhas, à sua execução. No entanto, seria a sua obra “Précis de l’art de la Guerre” que viria a marcar o pensamento estratégico, uma vez que dava um conteúdo científico à Estratégia, ao apresentar as suas definições e classificações precisas.O General prussiano Helmuth von Moltke (1800-1891) 17 “clarifica e identifica de forma mais vincada, a responsabilidade do comandante militar perante o governo que serve, no seu livro “Sur la Stratégie” (Dias, 2012, p.263). Este, destaca que o primeiro objetivo da estratégia é a preparação dos meios para a luta, tendo presente as considerações políticas, geográficas e nacionais. Assim, para Moltke, a Estratégia é a “adaptação prática dos meios postos à disposição dos generais, para alcançar os fins da guerra», acrescentando ainda «a Estratégia indica o melhor caminho para conduzir a batalha; ela diz onde e quando se deve combater enquanto a tática diz como se deve combater” (Borges, 2010, p. 38), ou seja, este autor “revela-nos a Estratégia essencialmente como ciência, propiciadora de princípios e de doutrinas, colaboradores imprescindíveis na aplicação da arte da guerra” (Dias, 2012, p.263).

3. A ERA CONTEMPORÂNEA

O primeiro alargamento do conceito de Estratégia deduz-se da obra “do Marechal General Colmar von der Goltz 18 (1843-1916) chamado «La Nation Armèe» e publicado em 1884” (Nunes, 1999, p. 30); este militar alemão foi

16 Barão Suíço de Jomini, Antoine Henri, nasceu no cantão de Vau, na Suiça. Destacou-se com o Tratado da Grande tática em 1803, sendo promovido Coronel por Napoleão. Participante em diversas batalhas, como na Guerra de Espanha. Chegou a General aos 28 anos no exército francês. Participou na campanha da Rússia, onde tempo depois passou para o lado dos Russos. A sua maior obra “Precis de l’art de la guerre” fora publicada em 1837. Viria a falecer em Paris em 1869 (Borges, 2006).

17 Helmuth von Moltke fazia parte da velha nobreza alemã de Mecklenburg. Em 1822 entra na escola dirigida por Clausewitz, Escola Geral de Guerra, tendo sempre como base o pensamento de Clausewitz, o que fez dele um bom estratego e organizador. Em 1857 foi nomeado chefe do Estado-maior, cooperando com Bismark com o se Ministro da Guerra von Roon na transformação do sistema militar prussiano. Passou pelo cargo de conselheiro do exército turco otomano em Constantinopla, fez também parte da campanha contra os Egípcios de Mehemet Ali, na Síria e em 1866 contra os Austríacos e na Guerra Franco-Prussiana, em 1870-1871 (Borges, 2006).

18 Marechal Wilhelm Leopold Colmar Freiherr von der Goltz, nasceu a 12 de Agosto de 1843, na Prússia Oriental, vindo a falecer em Abril 1916. Ficou conhecido como Goltz Pasha. Foi autor de diversas obras, como Krieg und Heerführung em 1991 (A Conduta da Guerra); Der Krieg Thessalische, 1898 (A Guerra na Grécia), entre outras, e várias contribuições para revistas militares. Foi um autor mais reconhecido e lido, quer por ingleses, quer por americanos do que Clausewitz.

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um teórico ímpar e percursor da guerra total de Ludendorff, traduzindo a “ideia de que a Estratégia também convive em tempos de paz…” (Dias, 2010, p.86). No entanto, o mérito foi atribuído ao Almirante americano Alfred Thayer Mahan19 (1840-1914), ao referir que a “estratégia naval é tão necessária em tempos de paz quanto em tempo de guerra. A estratégia naval deve criar, em tempo de paz, bases terrestres para o apoio das esquadras. Daqui resulta a ideia de que compete à estratégia não só aplicar os instrumentos da força, na guerra, mas também promover ao seu desenvolvimento na situação de paz. A preocupação estratégica passa a ser permanente na paz e na guerra” (Nunes, 1999, p. 30), introduzindo, assim a noção da necessidade da existência da Es-tratégia, também, em tempo de paz, ou seja, a sua permanência. Podemos então afirmar que, na primeira década do século XX, a Estratégia se mantinha restrita ao domínio militar e ao desenvolvimento e aplicação das Forças Armadas, no entanto, surge a perceção que o desenvolvimento da força deve efetuar-se, também, em tempo de paz. Inicia-se com a Primeira Guerra Mundial (IGM) “a fase moderna das guerras sociais que destruiu o conceito de “Exército em Armas” substituindo-o pelo “Nação em Armas” (Borges, 2006, p.39), isto é, o conceito de estratégia evolui, deixando de estar exclusivamente traduzida no emprego e desenvolvimento da força militar. A IGM marca o início de uma nova era, reconhecendo a existência de meios que constituem força não militar. “Ao verem-se frustradas as esperanças de que esta guerra seria temporalmente curta, o objetivo principal dos beligeran-tes passou a ser o da mobilização económica, organizada por Clemenceau em França, Kitchener na Grã-bretanha e Rathenau na Alemanha. É hoje plenamente aceite, pela Historia Militar, que a Alemanha perdeu a guerra na Batalha da Jutlândia 20, em 1916, encontro naval tacticamente indeciso mas que marcou o momento a partir do qual a marinha alemã ficou retida no Báltico, sem liberdade de acção para poder proteger os navios e comboios mercantes que reabasteciam as indústrias germânicas de matérias-primas essenciais” (Nunes, 1999, p. 31).

19 Alfred Thayer Mahan foi um Almirante Americano. Estratego marítimo ou geopolítico do mar, entre outras profissões, foi jornalista, historiador naval de Guerra dos EUA, autor de vária e grandes obras “The influence of Sea Power upon History; The influence of Sea Power upon French Revolution; The interest of América in Sea Power-Present and Future”…. Desempenhou funções de oficial de Marinha. Este chegaria a ser comparado a Clausewitz, chamando-lhe (Mahan) mesmo de “Clausewitz do mar, por ter promovido um pensamento siste-mático da estratégia naval, da mesma forma que Clausewitz pensara a estratégia terrestre” (Dias, 2005, p. 144).

20 A Batalha da Jutlândia ocorreu em Maio de 1916, na Península da Jutlândia sendo considerada a Batalha naval mais importante da Primeira Guerra Mundial. Esta Batalha traduziu-se num confronto entre duas frotas, de um lado a frota britânica e do outro a frota alemã. A frota alemã acabaria por sucumbir, ficando totalmente imobilizada nas suas bases. A Frota britânica teve um grande número de baixas, apesar disso, ficaram senhores dos mares, derrotando a frota alemã (INFÓPEDIA, 2012a).

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Dá-se então o segundo alargamento do conceito de estratégia, deixando de, esta, estar exclusivamente dedicada à “coisa militar” e estendendo-se à logística e a todas as outras atividades, como se verificou na Segunda Guerra Mundial (IIGM).Na IIGM, fruto da evolução tecnológica, são introduzidos novos meios e a guerra alarga-se a todos os domínios de acção do Estado, “a cada forma de coação, a cada face da violência, corresponde agora uma dada estratégia” (Nunes, 1999, p.32). Os novos meios técnicos como o vector aéreo e marítimo (submarino), os meios de comunicações e a imprensa. O avião permitiu efetuar bombardeamentos constantes e extensíveis “ao coração” do inimigo, paralisando-o ao atingir cidades, campos, fábricas, asfixiando assim a sua economia. As guerras atingem outra dimensão, deixam de ser periféricas para serem travadas em fronteiras distantes. “A guerra muda pela primeira vez e a técnica e a ética desencontram-se” (Nunes, 1999, p.31). A introdução dos meios de comunicação, como o rádio, televisão e o cinema vieram dar uma nova configuração à guerra, “através da propaganda, do massacre psicológico de massas de população cres-centes que cada vez mais se agarram à telefonia, e depois ao cinema e à televisão, torna-se possível atingir a mente do adversário” (Nunes, 1999, p.32). Apesar de aparentemente inofensivos, estes meios tem o poder de veícular mensagens de cariz agressiva, enfraquecendo a resistência do inimigo, atingindo-o psicologicamente. Com o aparecimento e desenvolvimento das armas nucleares e o seu enorme poder de destruição, a Guerra-fria (1947-1989) não evoluiu para uma Guerra Quente, isto é, «a estratégia de dissuasão nuclear transformou-se numa estra-tégia de não-guerra» (Borges, 2006, p.40), originando um período nas relações internacionais dominado pelas duas super-potências: o designado sistema bipolar. Na década de 50, encontramos a filiação de um novo conceito de estratégia, com Liddell Hart 21 (1895-1970) que a definiu como “a Grande Estratégia ou Política de Guerra ou Estratégia Superior, como a arte de coordenar e dirigir todos os recursos de uma Nação ou de um grupo de Nações, para a consecu-ção dos objetivos definidos pela política. Identifica a Estratégia Militar, cujo objetivo é o desequilíbrio, como arte de distribuir e aplicar os meios militares para atingir os fins da política, classificando-a como a Arte dos Generais” (Borges, 2006, p.41). Para Liddell Hart, não é só o poder militar que faz parte dos elementos da grande Estratégia, este refere, também, que se deve conside-

21 Basil Liddell Hart, apesar de ter nascido em Paris, era um inglês nato. Oficial de infantaria Britânica, historiador militar e um observador atento e ativo do período entre a Primeira Guerra Mundial e a Guerra-Fria. Autor de vastas obras importantes sobre a I e a II Guerra Mundial, como: (The Real War, 1914-1918, 1930; A History of the World war, 1934; The Other Side of the Hill, 1948), (Borges, 2006).

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rar e aplicar o poder económico, diplomático e comercial e para enfraquecer a vontade do adversário, reduzindo-lhe a sua moral. Este autor efetua a separação entre a «estratégia superior» e a estratégia militar.O General francês André Beaufre 22 (1902 -1975), na década de 60, baseado nos ensinamentos de Liddel Hart, designa a «grande Estratégia» como «Estratégia total» (Dias, 2010) e, define-a como “a arte de empregar a força para atingir os fins fixados pela política” (Borges, 2006, p.43). Este autor conclui “que a Estratégia é então, a arte da dialética das vontades empregando a força para resolver o seu conflito. Para Beaufre, a Estratégia já não era domínio exclusivo de militares e muito menos da guerra. A “Estratégia Total” devia fazer face à “Guerra Total”, mas em todo o tempo (paz ou guerra)” (Borges, 2006, p.44 e 45). Podemos nesta altura afirmar, que o objeto da Estratégia é a coação, entendida como a “utilização dos meios adequados para obrigar o adversário a aceitar condições que sem ela não aceitaria” (Alves, 1998, p.97) e a dialética de vontades, o ambiente essencial em que esta se desenvolve.Um pouco por todo o mundo em especial entre as duas guerras e na pós-Segunda Guerra Mundial, desenvolveram-se diferentes conceitos de Estratégia. Cada Estado desenvolvia a Estratégia que melhor se adaptasse aos seus interesses. No entanto, as diferentes mutações não provocaram alterações significativas no conceito. Do lado Soviético, o Marechal Vassili Sokolovsky (1897-1968) 23 publica uma obra que “constitui a base fundamental das operações estratégicas que im-portava coordenar para assegurar a derrota total do inimigo. Sustentada na subordinação da Estratégia à Política e à ideologia global do comunismo, era dominada pela Estratégia militar” (APUD Borges, 2006, p. 45). Na China, Mao Tsé-toung (1893-1976) 24 tinha como referência dois grandes espe-cialistas da Estratégia, Sun Tzu e Clausewitz. Mao “considerava a Estratégia como um objetivo, impondo as suas leis implacáveis aos adversários no campo de batalha.

22 André Beaufre, chefe das operações no Estado-Maior do 1º Exército francês em 1945, adjunto de Lattre de Tassigny na Indochina, seguidamente chefe do Grupo de Estudos Táticos Interaliados. Em 1955 participou na Guerra da Argélia e em 1956 comandou o Corpo de Exército Francês durante a intervenção do Suez. Em 1958, foi chefe de Estado-maior Adjunto do SHAPE, representante da França no grupo permanente da NATO em Washington em 1960. Em 1963, criou o Instituto Francês de Estudos Estratégicos. Autor de vasta obra como: a Introdução à Estratégia (1963); Dissuasão e Estratégia (1964); Estratégia Nuclear (1966) (Borges, 2006).

23 Marechal Vassili Sokolovsky, em 1931 foi um oficial do Exército e membro do partido Comunista e chefe do Estado-Maior em 1941. Em 1952 seria nomeado chefe do Estado-Maior do Exército e da Marinha Soviética e membro do Comité Central do PC da URSS (Borges, 2006).

24 “Mao Tsé-toung foi o con-fundador do Partido Comunista chinês em 1921, organizador da Longa Marcha e a instalação de bases vermelhas no norte da China. Escreveu três grandes obras militares, Problemas Estratégicos da Guerra Revolucionaria na China (1936); Problemas Estratégicos da Guerra dos Partisans contra o Japão (1938), Da Guerra Prolongada (1938). É sem dúvida uma das personagens mais marcantes do século XX, não só pela influência que exerceu o seu pensamento através dos continentes, mas também pelo peso concreto dos seus atos e decisões políticas sobre centenas de milhões de pessoas em todo o mundo” (Borges, 2006, p. 45 e 46).

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Para Mao o resultado final não consistia na modificação de uma relação de forças inicial ou no empenhamento em pontos políticos para a conquista de territórios, mas sobretudo em vencer de maneira decisiva” (APUD Borges, 2006, p.46).Por sua vez na América, surgem imensas reflexões à volta da Estratégia; destacou-se o professor Edward N. Luttwak 25 que considerava esta disciplina como sendo de acção. A qual se encontra num cruzamento de duas dimensões: a horizontal e a vertical. A primeira “representa a lógica sempre incerta das acções/retroacções que constitui o fulcro da estratégia e a torna num paradoxo onde o equilíbrio adquirido é fonte de futuros desequilíbrios” (Fernandes, 1998, p.64). A segunda tem uma “divisão em cinco níveis interativos (técni-co, táctico, operacional, estratégico de teatro, grande estratégia)” (Borges 2006, p.47). Nos Estados Unidos da América, a Estratégia Total de Beaufre é designada de Estratégia Nacional sendo definida como “a arte e ciência de desenvolver e usar o poder político, económico e psicológico de uma Nação, juntamente com as suas forças armadas, durante a Paz e a Guerra, para assegurar a consecução dos objetivos nacionais” (Borges, 2006, p.47).Apesar destes autores, considera-se que após a Segunda Guerra Mundial, o pensamento estratégico, no mundo Ocidental, encontrava-se em profunda crise. Até então quer políticos, quer pensadores, não dispensaram muito tem-po na reflexão da Estratégia (Barrento, 2010). Também Abel Cabral Couto considerava “o pensamento estratégico ocidental se encontrava em crise de fundamentos e de epistemologia, devido a dois fenómenos que abalaram o saber tradicional, ainda afirmado na Segunda Guerra Mundial: o factor nuclear e o facto subversivo” (Beaufre, 2004, p15). Surge assim um novo interesse pela Estratégia, pois era urgente e necessária uma explicação para o que sucedera nas duas Grandes Guerras. Era preciso procurar e compreender as razões da guerra, o comportamento dos diferentes líderes e intervenientes e o seu modo de acção, por tudo isto é que se tornou necessário aprofundar o conhecimento da Estratégia. Outra razão plausível foi a emergência de duas super potências os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas logo a seguir à guerra. Este foi um período muito importante, levantando sérias questões de ordem Política e Estratégica, em virtude das diferenças políticas, quer pela influência direta que ambas tinham no mundo, obrigando os restantes países a uma cuidada atenção (Barrento, 2010).

25 Edward N. Luttwak foi Professor em Washington no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais e consultor na Secretaria de Estado da Defesa, no Conselho Nacional de Segurança (Borges, 2006).

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4. A EVOLUÇÃO DO CONCEITO ESTRATÉGIA EM PORTUGAL

“Portugal pode ser considerado no que diz respeito ao pensamento estratégico como um caso pioneiro da globalidade, um dos poucos percursores da maneira moderna de pensar os grandes objetivos nacionais e a forma de os alcançar. O que seguia nas naus da Índia não eram só, nem sequer principalmente, homens de armas, comerciantes e missionários; era sobretudo uma nova visão do mundo, baseada na centralização do poder régio, numa inovadora e prematura consciência nacional” (APUD Borges, 2006, p.7).Começando por fazer uma breve contextualização histórica, a partir do século XVI, daquele que foi o conceito estratégico para Portugal, facilmente percebemos, que o assunto não lhe era alheio, ainda que inicialmente estivesse ligado ao interesse nacional. O século XVI foi a época áurea das grandes expansões marítimas, que marcariam Portugal neste período, que até então não tinha qualquer conceito estratégico explícito, sendo que, como referido inicialmente, os objetivos nacionais passa-riam “pela obtenção e manutenção do monopólio do comércio com o Noroeste Africano, Guiné e Índia; pela obtenção e manutenção da liberdade de acção nos mares, nomeadamente no Atlântico e no Índico”… (APUD Borges, 2006, p. 62). Portugal, como potência marítima, oscilou as suas opções estratégicas nos sé-culos seguintes (facilmente visíveis) entre a Índia, Brasil e posteriormente pelo Norte de África. Apesar da “inexistência” de um conceito estratégico, podemos ter em conta, que o interesse nacional fora determinante (Borges, 2006), par-ticularmente influenciado por fatores de ordem político, económico e militar. É no século XVIII, em 1831, que o termo aparece pela primeira vez nos di-cionários de Língua Portuguesa, em que a Estratégia significa “a ciência dos movimentos de um exército” (Borges, 2006, p. 51). Das diferentes obras existentes sobre a evolução do pensamento estratégico, no nosso país, destaca-se Fortunato José Barreiros (1797-1885)26. No contexto das Guerras Liberais que marcaram o país, publicou, em 1837, a obra intitulada “Ensaio sobre os Princípios Geraes de Strategia e de Grande Tática”, na tipografia da Escola do Exército, em Lisboa; teve como destino a instrução dos primeiros alunos desta esco-la. De acordo com esta obra de referência, em Portugal, “a Strategia”, que “pelas suas raízes etimológicas significa Comando do Exército, “constitui-se como a arte de dirigir as tropas aos pontos decisivos do theatro da guerra e a Tática é a arte de as empenhar em combate nesses pontos” (Dias, 2012, p.).

26 General Fortunato José Barreiros, militar e governador de Cabo Verde, nasceu em Elvas a 26 de Março de 1797. Foi nomeado Cavaleiro da Torre e de Espada em 1885, Cavaleiro de Aviz em 1834, Comendador de Aviz em 1847, Major de Artilharia, Lente (atualmente designado por Professor Regente) do 3º Cadeira da Escola do Exército, e Sócio da Academia Real das Ciências.

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Também, o General Sebastião Teles “define a Estratégia como a parte da ciência positiva da guerra que estuda as combinações a fazer com as forças militares nas diversas situações em que possam encontrar-se” (Alves, 1998, p. 95). Findo o século XVIII e o início do século XIX, facilmente identificamos que o conceito de Estratégia contínua associado à arte militar, à guerra, aos exércitos, às campanhas ou com o comando militar.Seria no século XX, mais precisamente nos anos 50 e 60, que nos deparamos novamente com escritos de cariz estratégico (com influência das escolas francesas e alemãs) não havendo, neste período, evidência escrita do saber estratégico. Apesar da escassa informação sobre a evolução do Pensamento Estratégico no nosso país, Portugal também não ficaria indiferente às novidades no período de duração das duas grandes guerras. Importa salientar que tivemos e temos pessoas que, quer outrora, quer agora, pensam sobre estes assuntos, mesmo do ponto vista concetual, como são exemplos: Oliveira Salazar, Humberto Delgado, Botelho Moniz, Loureiro dos Santos, Abel Cabral Couto, Martins Barrento, Pinto Ramalho, Políbio Valente de Almeida, Quesada de Andrade, João Andrade de Corvo, Tasso de Miranda Cabral, Luís Câmara Pina, Adriano Moreira, António José Telo, Borges de Macedo, Adriano Freire, António Horta Fernandes, Men-des Dias, João Vieira Borges, Francisco Abreu e Proença Garcia, entre outros.O pensamento estratégico português começa a generalizar-se com o fim da Segunda Guerra Mundial e expande-se com o início da Guerra-Fria Guerra. Mas é com a entrada de Portugal na NATO que “fizeram emergir, na maioria dos pensadores militares portugueses, um conceito mais político da Estratégia…a NATO contribuiu para uma melhor compreensão genética e estrutural da Estratégia” (Borges e No-gueira, 2006, p. 143). Com o início da Guerra Colonial, em 1961, o pensamento estratégico português atinge o seu o apogeu, alarga-se a novas aéreas, ultrapassando o militar, no entanto, levanta algumas questões de articulação e de expressão (Bor-ges e Nogueira, 2006), particularmente no tocante ao fracasso da descolonização. O Brigadeiro Alfredo Pereira da Conceição (1911-1979)27 “apresenta-nos a estratégia como uma ciência que remonta à Grécia antiga. Representa a ciência do social de aplicação ao Estado” (Fernandes, 1998, p.58). Este autor “propunha a Estratégia como a Ciência da condução superior do Estado, tanto na paz como na Guerra, com vista às melhores condições para a realização da sua missão histórica e política na comunidade internacional ou ainda o conjunto de conhecimentos do Chefe ou dos Chefes duma Nação” (Dias, 2010, p.15). Uma concetualização mais recente e que se aproxima do General Beaufre, é a do Tenente-General Abel Cabral Couto.

27 Alfredo Pereira da Conceição, Major do Corpo de Estado-Maior e foi Professor da Escola do Exército, e editor do artigo intitulado “A Estratégia nunca foi uma ciência puramente militar”.

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Este define a estratégia como “a ciência e a arte de desenvolver e utilizar as forças morais e materiais de uma unidade política ou coligação, a fim de se atingirem objetivos políticos que suscitam, ou podem suscitar, a hostilidade de uma outra vontade política” (Couto, 1988, p.209).

5. CRITÉRIOS DELIMITADORES DA ESTRATÉGIA

Após a Segunda Guerra Mundial, e sobretudo com o nuclear, as ciências militares começaram a despertar o interesse do meio civil que “colonizaram” vários termos, entre os quais o de Estratégia, que passou a ser estudada, não só pelos Institutos Militares como nas próprias Universidades. “À medida que se foi alargando o horizonte geográfico dos Estados e das Nações, que as ambições políticas se guindaram a planos mais destacados, que os quantita-tivos de populações e o progresso aumentaram e que as possibilidades de ligação se desenvolveram, a guerra deixou de ser exclusiva do domínio militar de cada Estado e passou a interessar igualmente outros domínios…” (Alves, 1999, p.94).A Estratégia generalizou-se e o seu conceito ampliou-se a tal ponto de encontrarmos frequentemente expressões como “Estratégia de Futebol”, “Estratégia Empresarial”, “Estratégia Ambiental”, “Estratégia contra a Droga”, “Estratégia de Protecção Ci-vil” ou “Estratégia da Solidariedade”. Assim, para evitar o uso abusivo da palavra, estabeleceram-se os seguintes critérios delimitadores (Dias, 2012, p. 269 e 270):

• do objeto, segundo o qual, a Estratégia é algo que, em permanência, trata do desenvolvimento e utilização da força (com a intervenção de todos os setores Estado) para se alcançarem determinados objetivos políticos, que suscitem ou podem suscitar oposição de uma outra vontade política do Estado. “Os objetivos que se procurarão são políticos e simultaneamente estratégicos, no racional de um quadro conflitual, caracterizado pela intencionalidade e praxis hostis”. Este critério permite uma transferência ou mesmo uma subs-tituição do “uso da Política para Estratégia, até porque a primeira, na sua matriz de ciência, tem um objeto muito vasto, que veio progredindo desde o Poder, passou pelo Estado, encontrando-se agora nos sistemas políticos”;

• dos sujeitos, segundo o qual, uma das características da Estratégia é o nível mais ou menos elevado da reflexão sobre oposição ou a dialética de vontades. Este critério remete-nos para outros caminhos de reflexão, “aqueles relativos à designada “visão Estratégica”, prerrogativa dos líderes de exceção. As capacidades de apreender o real, de perceber dados e inerente informação, de sintetizar quadros ou contextos com nitidez, de destrinçar o essencial do acessório, conservando no espírito os

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elementos fundamentais e consequentes relações ou associações, de conjugar a realidade apreendida com o “background”, de ser sensível à mudança, permitindo a intuição trabalhada e visionar a vaga que vem à la longue”;

• da forma de produção, que nos remete para uma componente mais aca-démica, segundo a qual, a Estratégia tende a assentar em bases científicas cada vez mais sólidas, mas nunca perdendo o seu aspeto de “arte”. Apesar da componente científica nos apresentar cada vez mais uma maior solidez nos diferentes ramos como a informática, prospectiva, cenarização, teoria dos jogos (soma nula e não nula, cooperativos e não cooperativos), estatística e econometria “parece impensável que os problemas materializam dimensão viável da resolução, quer na política, quer na estratégia, somente à custa do crescendo do número de ferramentas de carácter científico.”

Em síntese e atendendo aos diversos conceitos apresentados podemos a firmar que a estratégia (Couto, 1988, p.209):

• tem como objeto a coação, entendida como o processo em que se leva o adversário a aceitar os nossos pontos de vista, ou seja, a capitular perante a nossa vontade;

• a sua finalidade é a consecução de objetivos políticos, através do desenvol-vimento e utilização da força;

• é da competência das mais altas hierarquias civis e militares • a sua execução estende-se a todos os setores de uma unidade política ou coligação;• é, simultaneamente, uma ciência e uma arte.

Neste racional, se forem mantidos os ingredientes do jogo da Estratégia (ob-jetivos, capacidades e ameaças), os critérios delimitadores e esta for entendida como uma dialética de vontades, fundada na força, consideramos que estamos presente a disciplina que temos estado a abordar.

6. A ESTRATÉGIA EMPRESARIAL

Alguns autores, como Francisco Abreu ou Horta Fernandes, transportaram os conhecimentos da Estratégia (essencialmente aplicada a Unidades Políticas) para o universo empresarial. De facto, com a globalização, os fluxos transnacionais (financeiros, culturais e humanos), a crescente complexidade e heterogeneidade do sistema político internacional, as tendências supranacionais e a defesa coletiva, torna difícil a separação do “competitivo” ou “conflitual” e, por isso, Abel Cabral Couto apresentou, no prefácio do livro do seu orientando «Fundamentos de Estratégia

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Militar e Empresarial» apresentou a seguinte definição: é a ciência/arte de, à luz dos fins duma organização gerar, estruturar e utilizar recursos tangíveis e intan-gíveis, a fim de se atingirem objetivos, num ambiente conflitual ou competitivo”.No sentido de justificar este novo conceito de outros estéreis e inaceitáveis Abel Cabral Couto destacou então que (Abreu, 2002): • o fim teleológico que a serve é, em última análise, a segurança, isto é, a

sobrevivência;• é aceitável a extensão da situação conflitual, para além do âmbito político;• é aceitável o alargamento do conceito ao domínio competitivo, apesar das

diferenças entre competição e conflito.

Para Cabral Couto o “efeito morfológico” da acção estratégica que constitui o mundo atual, em que interagem uma infinidade e diversidade de atores, com objetivos, capacidades e processos de atuação muito diferenciados, acaba por se reflectir na marcha e evolução das civilizações. Na prática, no atual mundo conturbado, em face da alteração dos dados iniciais e mesmo que se mantenha o objetivo visado, há que corrigir sucessivamente os “caminhos”, podendo no decurso da acção alterar-se inclusivamente o próprio objetivo, com novas estratégias e planos, desde que não comprometam os fins da “or-ganização”. As sua reflexões deram assim, origem a um novo conceito de Estratégia ainda mais alargado que o conceito anterior que era enquadrável entre os anos 60 e 80, nos limites inclusivamente de uma teoria unificadora e integradora cada vez mais necessária.

7. CONCEITO ADOPTADO

Contrapondo ao argumentado por Cabral Couto, é referido por Mendes Dias que “o aumento de interações e correspondente infiltração no tecido social que se aceita, até por empírico, não justifica, por enquanto, a aludida exten-são da linguagem; justifica antes, em primeiro lugar, o reconhecimento da dificuldade de identificação, como tal, e mesmo de ocorrência/materialização de situações de competição e de conflito, mas não as descaracteriza, nem as noções se esbatem; em segundo, a possibilidade de ocorrência de um maior número de contextos competitivos e conflituosos, alimentando com o segundo, o significado da expressão “estrategização da vida”; e, em terceiro, porque a “amostra social” ainda verifica da existência diferenciada da competição e do conflito” (Dias, 2012, p.272 e 273). Isto quererá dizer que na prática poderão surgir situações complexas e simultaneamente podem apresentar dois tipos de

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elementos, uns de origem competitiva e outros conflituosos, mas onde verda-deiramente a Estratégia se envolve é nos elementos conflituosos.Acresce mencionar, que o último conceito de Abel Cabral Couto (2002) poderá acarretar maiores problemas conceituais, uma vez que, ao “admitir a utilização da força, como instrumento de coação (com a finalidade intencional de provocar prejuízo no «outro», por acção direta sobre si tentando negar a prevalência de uma vontade hostil e contraria) em situações de competição, provocará a dissolução concetual dos entendimentos de competição e de conflito e por fim induzirá, no extremo, à indiferenciação de política e estratégia e consequentes disfunções em áreas diferentes do saber”, uma vez que a Política é ela própria competitiva (Dias, 2012, p. 277).Considerando que o conceito de Estratégia, apresentado por Cabral Couto, le-vantava alguns problemas conceituais, ao alargá-lo para situações de competição e conflito, impossibilitando, desta forma, a distinção entre Política e Estratégia. Assim, consideramos mais adequado e correcto a definição de Mendes Dias: “a Estratégia é ciência/arte de gerar, estruturar e utilizar recursos tangíveis e intangíveis a fim de uma organização atingir objetivos por si estabelecidos, que suscitam ou podem suscitar hostilidade de uma outra vontade/estrutura organizacional” (Dias, 2012, p.278).

8. CONCLUSÕES

Dentro do contexto da Antiguidade, na Grécia Antiga o termo estava essencial-mente ligado ao fenómeno militar, ao comando dos Exércitos; com o Império Romano, a Estratégia apesar de associada à guerra, deixa de ser a «arte de liderança militar» e passa a ser entendida como uma atividade administrativa. Na Idade Média há o regresso ao conceito original da «a arte do General», mas seria com Clausewitz, na Idade Moderna, que a Estratégia é claramente separada da Tática, assim como, a sua subordinação à Política.No início da Era Contemporânea, o termo é ainda associado «à arte do General» e ao fenómeno da guerra. O âmbito Estratégia alarga-se com von der Goltz e, sobretudo, com Alfred Thayer Mahan quando, na sua obra «Estratégia Naval», refere a necessidade de construir bases de apoio em situações de harmonia; deste modo, esta passa a existir tanto em tempo de Paz como em tempo de Guerra, ou seja, a Estratégia passa a existir em permanência.Com a Primeira Guerra Mundial dá-se o segundo alargamento do conceito Estratégia, que se manifestou, pela primeira vez, na batalha da Jutlândia, com

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o fenómeno a estender-se para além da «coisa militar». Mas é na 2ª Guerra, com o grande desenvolvimento tecnológico que esta deixa de ser estritamente militar e alarga-se a todos os domínios de acção. Foi Liddell Hart que, na década de 50, associa a Estratégia com aquilo que hoje designámos como «formas de coação», ao associar a aplicação do poder económico, diplomático e comercial para «obrigar» o adversário a submeter-se à nossa vontade. Os diferentes conceitos apresentados por inúmeros autores reflectem diferen-tes momentos históricos e geográficos e, várias vezes, procuravam traduzir uma realidade momentânea de determinado actor, traduzido no interesse dos governantes. Releva-se que a Estratégia em tempos estava associada à guerra, mas atualmente, ela engloba este fenómeno social (utilização da coação mili-tar) mas extravasa-o completamente pelo uso das restantes formas de coação: política, económica e psicológica. No ocidente a Estratégia subordina-se à Política e comanda a Tática, desta forma ela enquadra-se entre estas duas ciências. Ou como refere Abel Cabral Couto “a Política comanda a estratégia; a Política é um fim; a Estratégia é, como atividade, um meio para esse fim” (1988, p.221).Tal como acontecera na Europa, com especial relevância para as escolas francesas e alemãs, Portugal acompanhava este conhecimento como podemos deduzir dos trabalhos, por exemplo, de Fortunato José Barreiros ou Perei-ro da Conceição, isto é, a Estratégia estava intimamente ligada à atividade militar. A partir da década de 60, do século XX, com a introdução da obra de André Beaufre, pelo General Kaúlza de Arriaga, no nosso país, o termo ganha a expressão, que lhe é atribuída pelas principais escolas europeias. Este conhecimento é depois difundido e aprofundado com as obras de Loureiro dos Santos e Abel Cabral Couto. Cabral Couto apresenta-nos várias definições de Estratégia, notando-se uma evolução do conceito dum ambiente conflitual, até a um ambiente competitivo; com a admis-são desta ciência ao ambiente competitivo procurou alargá-la da esfera estatal até ao mundo empresarial. Só que esta extensão, cria um problema conceitual de saber qual o limite entre a estratégia e a política, uma vez que esta, também se insere num meio em que a competição pela obtenção e/ou manutenção do poder é bastante acérrima.Neste racional, consideramos que o conceito de Estratégia de Mendes Dias é o mais apropriado. Assim “a Estratégia é ciência/arte de gerar, estruturar e utilizar recursos tangíveis e intangíveis a fim de uma organização atingir objetivos por si estabelecidos, que suscitam ou podem suscitar hostilidade de uma outra vontade/estrutura organizacional” (2012, p.278).

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João Sousa a,1, José Rossa a,2

a Departamento de Ciências Exactas e Naturais, Academia Militar, Rua Gomes Freire, Lisboa, 1169 - 244, Portugal

ABSTRACT

The new approach to prevention of occupational risks adopted by the Framework Directive (Council Directive nº. 89/391/CEE) requires that all EU Member-State create prevention on services at the level of the enterprises which may put into practice in an adequate way, activities concerning safety and health in the workplaces. The requirement is a result of the definition of high levels of safety, health and well-being to be reached in the workplaces. Considering that electroplating processes handles and uses dangerous chemical substances there is a need to evaluate the risks level at workplaces.

Key Words: Metals, electroplating, risks, legislation and SHW.

RESUMO

A nova abordagem da prevenção de riscos profissionais, introduzida pela Diretiva Quadro (Diretiva nº. 89/391/CEE). Veio estabelecer para os Estados membros da união Europeia a necessidade de ao nível das empresas, se constituírem serviços de preven-ção que organizem de forma adequada as atividades de segurança, higiene e saúde no trabalho. Esta necessidade resulta da definição de níveis elevados de segurança, saúde e bem-estar nos locais de trabalho. Os processos de eletrodeposição implicam a manipulação, transporte e armazenagem de substâncias químicas perigosas, pelo que é necessário avaliar os riscos de exposição dos trabalhadores nos locais de trabalho.

Palavras Chave: Metais, eletrodeposição, risco, legislação e SST.

risCos dos ProCEssos dE ElECtrodEPosição (PartE i)

1 Contacto: Email – [email protected] (João Sousa), Tel. - 21 498 56 602 Contacto: Email - [email protected] (José Rossa)

Recebido em 4 Outubro 2012 / Aceite em 2 de Dezembro de 2012

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1. INTRODUÇÃO

A nova abordagem da Prevenção de Riscos Profissionais introduzida pela Diretiva Quadro (Directiva nº. 89/391/CEE), veio estabelecer para os Estados membro da União Europeia a necessidade de ao nível das empresas, se consti-tuírem serviços de prevenção, que organizem de forma adequada as atividades de Segurança e Saúde nos locais de Trabalho (SST). Esta necessidade resulta daquela Diretiva ter definido níveis elevados de segurança, saúde e bem-estar a observar nos locais de trabalho e, ainda, do facto de tais níveis determinarem uma complexidade acrescida nas atividades preventivas a desenvolver.Transpostos os princípios gerais desta Diretiva Europeia para o direito interno, pelo Decreto-Lei nº. 441/91, de 14 de novembro, veio posteriormente, o Decreto-Lei nº. 26/94, de 1 de Fevereiro, alterado por retificação pela Lei nº. 7/95, de 29 de março, estabelecer o regime de Organização das Atividades de Segurança, Higiene e Saúde do Trabalho (SHST) das empresas. Este regime, todavia, já se encontra devidamente estipulado pelos Decretos-Lei nº. 109/2000 e 110/2000, de 10 de agos-to, que consagra os serviços de SHST nas empresas, sector público e cooperativo.Os sucessivos acordos de Concertação Estratégicos, celebrados pelo Governo e Parceiros Sociais (e.g. desde 1996 até ao presente), vieram reconhecer, explici-tamente, este estado de situação, perspetivando um quadro global de soluções, através de um conjunto de medidas a adotar nos planos normativo e operacional. Os Acordos de Concertação Estratégica, vieram estabelecer as grandes linhas de força de uma estratégia concertada para o emprego, a competitividade e o desenvolvimento, tendo por horizonte a convergência estrutural da economia portuguesa com as economias europeias mais desenvolvidas, no quadro da construção politica, económica e social da União Europeia.Em tal contexto, os Acordos perspetivam a promoção do emprego cada vez mais em função não só da quantidade, mas da qualidade do investimento. A priorização deste objetivo supõe o desenvolvimento conjugado de medidas em dois vetores fundamentais: i) a valorização dos recursos humanos e ii) a modernização dos modelos de organização da empresa.No âmbito da valorização dos recursos humanos, os Acordos equacionam três eixos principais, a saber: i) a formação escolar; ii) a formação profissional e iii) a certificação profissional. Quanto à formação escolar, indicam-se medidas tendentes ao desenvolvimento quantitativo da escolaridade da população e ao reajustamento dos programas curriculares em função das novas necessidades no domínio da informação, da abertura à mudança e da participação na vida social, como forma do sistema de ensino ser capaz de promover e implementar uma cultura preventiva contra os riscos dos vários tipos de atividades desenvolvidas pelas empresas e a população em geral.

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À formação profissional, por sua vez, aponta-se a necessidade de se estruturar segundo princípios mais adequados à criação de competências profissionais re-nováveis e polivalente, o que pressupõe programas direcionados para formação de base larga, soluções formativas mais flexíveis e metodologias diversificadas em função dos grupos alvos, para formação de Técnicos de Segurança e Hi-giene do Trabalho, de nível III em conformidade com os requisitos europeus no domínio de formação (vide Decreto-Lei nº. 110/2000, de 30 de agosto).Em todo este contexto, os Acordos apontam a necessidade de se desenvolver o sistema de certificação (vide Decreto-Lei nº. 109/2000, de 30 de agosto), com base na especificação de perfis profissionais, tendo em conta a promoção da qualidade do desempenho profissional e a garantia do seu reconhecimento, nomeadamente no espaço da União europeia, com particular enfoque para os Técnicos Superiores de Segurança e Higiene do Trabalho (e.g. nível IV de formação de acordo com o quadro formativo europeu).Os locais de trabalho são, todavia, o espaço onde se jogam, afinal, as condições necessárias ao desenvolvimento das potencialidades dos recursos humanos. Daí que os sucessivos Acordos reconheçam a necessidade de a empresa se abrir a modelos de gestão mais flexíveis, incluindo sistemas de organização mais capazes de interpretar as indicações do mercado laboral, de integrar as novas tecnologias, novos métodos de trabalho e de implementar sistemas de qualidade (e.g. diretrizes práticas da OIT e OSHAS 18100). Como cada sector de atividade possui riscos específicos, para além dos princípios gerais de prevenção, é necessário abordar os riscos específicos subjacentes ao processo fabril, condições ambientais, equipamentos de proteção, tarefas desem-penhadas e organização do trabalho. Com este intuito, neste artigo abordaremos os riscos específicos dos processos de eletrodeposição.

2. PROCESSOS DE ELETRODEPOSIÇÃO

A eletrodeposição é um processo de natureza eletroquímica que consiste na deposição de uma camada metálica (e.g. filmes de níquel, crómio, prata e ouro) com as propriedades desejadas, através de uma eletrólise. O objetivo funda-mental destes processos consiste em alterar as características de uma superfície por forma a melhorar a sua aparência, proteção contra agentes de corrosão, resistência à abrasão, ou outras propriedades pretendidas e, nomeadamente uma combinação de várias propriedades apesar de ocasionalmente ser um processo utilizado simplesmente para alterar as dimensões do material base. A eletrólise ocorre numa solução ou banho químico que existem disponíveis no mercado, que invariavelmente são soluções aquosas (e.g. alcalinas ou ácidas) contendo

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sais do metal ou liga metálica a depositar sobre a superfície dos materiais base.Os processos de eletrólise, baseiam-se nas leis de Faraday, formuladas em 1833 por Faraday, as quais estabelecem o tempo necessário para que uma determi-nada corrente (I / A) imposta ao sistema produza uma quantidade de depósito metálico (e.g. 96 490 C produzem 1 eq/g de substância metálica). O eq/g é obtido a partir da divisão do peso atómico de um metal depositado pelo número de eletrões requeridos para a redução normal dos átomos. Quando mais do que uma substância é cododepositada, como por exemplo na codeposição de um metal e hidrogénio ou na formação de ligas metálicas, as leis de Faraday são aplicáveis ao número total de equivalentes de todas as substâncias produzidas, mas não especifica as respetivas proporções (Sousa et al., 1999).Um exemplo prático simples do funcionamento de uma célula electroanalítica con-siste no processo de eletrodeposição do cobre (Cu). Neste processo, dois elétrodos de cobre são imersos numa solução aquosa de sulfato de cobre (CuSO4) os quais estão ligados a uma fonte externa de corrente (e.g. bateria, gerador ou retificador). O sulfato de cobre quando em solução aquosa encontra-se totalmente ionizado, i.e. apenas existe Cu2+ e SO4

2- no banho, juntamente com quantidades ínfimas dos iões H3O+ e OH- provenientes da autoprotólise da água (H2O). A diferença de potencial imposta à célula eletroquímica pela fonte externa de corrente induz a um aumento de eletrões disponíveis no cátodo (chapa ou placa de Cu metálico), acima daqueles que estariam disponíveis na ausência de aplicação de um potencial, i.e. o cátodo torna-se mais negativo. Como os iões Cu2+ possuem carga positiva, são potencialmente atraídos para o cátodo, onde são incorporados na matriz interfacial da chapa ou placa de cobre, transformando-se numa camada ou filme (depende da espessura) de cobre metálico.No decurso dos processos de eletrodeposição, no cátodo ocorrem as reações de redução, enquanto que no ânodo ocorrem as reações de oxidação. Como as reações anódicas e catódicas são processos de natureza diferente, geralmente processam-se a diferentes velocidades. Contudo, se a velocidade da reação anó-dica superar a da reação catódica, recebendo o ânodo um excesso de eletrões, verifica-se a ocorrência de um desvio de potencial no sentido negativo, provo-cando uma diminuição da reação anódica e, simultaneamente, um aumento da reação catódica até se atingir o equilíbrio das respetivas velocidades reacionais. Isto implica que num simples processo de eletrodeposição, a dissolução anódica dos iões é acompanhada pela deposição catódica de iões.Quando um metal é imerso numa solução contendo os seus iões, alguns dos átomos superficiais da malha metálica sofrem hidratação e, subsequente disso-lução no seio da solução. Simultaneamente alguns dos iões em solução aderem à superfície ocorrendo a respetiva deposição. A velocidade de ocorrência destes dois processos opostos é controlada principalmente por diferenças de potenciais

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existentes na interface metal-solução. Para cada metal e dependendo da com-posição da solução existe um potencial específico, para um determinado valor de temperatura, que corresponde ao igualar dos dois processos. Caso não seja imposto qualquer potencial externo, este potencial de equilíbrio é estabelecido na interface, desde que não ocorram interferências devidas a reações colaterais. Os potenciais de equilíbrio dependem da temperatura e da composição química do banho ou das atividades dos iões em solução. Os potenciais normais de redução, referentes a soluções contendo iões com atividades unitárias à tem-peratura de 25ºC, encontram-se descritos na literatura (Brett & Brett, 1996). A medição do potencial requer sempre a existência de pelo menos dois elétrodos (alguns processos eletroquímicos utilizam três elétrodos, um dos quais é o de referência), pelo que em termos práticos as medições efetuadas traduzem valores relativos de potencial. Como valor de referência para a medição dos potenciais, foi estipulado que o potencial normal de redução do hidrogénio à pressão de uma atmosfera, à temperatura de 25ºC e numa solução cuja atividade do ião hidrogénio é unitária (pH = 0), o potencial assume o valor de 0,00 V. Assim, os valores de potencial refletem a tendência relativa de um metal se ionizar, por comparação com o valor de potencial do hidrogénio.Os principais metais eletrodepositados, dependendo das suas aplicações são o bronze, latão, cádmio, crómio, cobre, ouro, prata, chumbo, níquel, platina, ródio, zinco e estanho e suas ligas.Subjacente aos processos de eletrodeposição, ocorre um vasto conjunto de ope-rações, durante as quais é necessário efetuar tarefas e controlar parâmetros fundamentais de natureza diversa, em função do produto final pretendi-do. Genericamente, o fluxograma do processo global de produção numa indústria do sector pode ser representado pelo esquema ilustrado na Figura 1, com as devidas adaptações específicas do processo de fabrico.

Figura 1: Fluxograma genérico da produção de materiais onde é utilizado o processo de eletrodeposição.

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2.1 polimento

O processo de polimento dos materiais base e/ou materiais eletrodepositados constitui parte integral da operação de acabamento. Em muitos casos, o acaba-mento mecânico das superfícies é satisfatório para proceder à eletrodeposição dos metais. Contudo, em muitos casos práticos, a operação de polimento é realizada após ter o metal eletrodepositado. Para acabamentos decorativos, como por exemplo na deposição de crómio brilhante bem como em muitos casos em que é visado a obtenção de artigos de alta qualidade, um certo grau de polimento é, contudo, necessário.O processo de polimento é muito complexo e complicado, não se encontrando to-talmente compreendidas as alterações estruturais e morfológicas que provocam. De uma forma genérica, o polimento não engloba completamente a remoção de material, mas também a ocorrência de fenómenos de fusão das moléculas das camadas mais externas, formando-se uma superfície amorfa, a qual possui uma menor resistência à corrosão e diferente potencial elétrico. Os métodos utilizados no polimento são essencialmente: Calcamento; Mecânico; Vibratório; e Eletrolíticos ou químicos.Na Figura 2 está ilustrado um técnico a proceder ao polimento mecânico de uma peça após o processo de niquelagem. No mercado existem disponíveis um vasto conjunto de materiais abrasivos, que utilizam discos rotativos, dis-cos horizontais e verticais e etc.. Um abrasivo muito utilizado consiste numa mistura de alumina, óxido de ferro, silicatos e várias impurezas. A alumina tem substituído em grande parte a utilização de silicatos abrasivos (dado que a manipulação de produtos silicatados provoca uma doença pulmonar fatal que é a silicose) que possuem propriedades perigosas para os trabalhadores.

Figura 2: Polimento mecânico.

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Existe um vasto leque de equipamentos de polimento que abrange as rodas de polimento, cintas de polimento e discos. Os materiais empregues nestes equi-pamentos são variados (e.g. cabedal, lona, calico, felpo, etc.), dependendo do metal eletrodepositado, forma e dimensão das peças, tipo de acabamento pre-tendido e finalidade do material. O polimento pode ser manual, caso se proceda ao polimento peça a peça, automático efetuando um polimento em massa de artigos específicos, recorrendo ao uso das máquinas de mesa rotativa, máquinas de linha direta, etc., ou semiautomático, quando devido aos contornos incutidos às peças existem zonas onde o polimento tem de ser efetuado manualmente.O polimento vibratório permite obter um desbaste uniforme em toda a superfície. Consiste na imersão das peças numa solução de polimento e através do movi-mento vibratório continue a proceder ao polimento. As soluções de polimento empregues utilizam uma mistura de abrasivos, compostos de polimento e uma determinada proporção de água (variável de peça para peça), um aumento do teor de água diminui a ação abrasiva. O movimento vibratório contínuo produz um efeito cicatrizante e de abrasão. São, ainda, utilizadas algumas barrelas de acabamento, sempre que um elevado grau de polimento é requerido. Estas bar-relas de acabamento devem ser mantidas limpas e isentas de gorduras ou óleos.A utilização de métodos eletrolíticos para polimento de metais tem aumentado ao longo dos anos porque, por um lado, contribuem para uma redução efetiva dos custos de mão-de-obra e, por outro lado, por permitirem obter um grau de acabamento mais elevado do que os obtidos por processos mecânicos. Estes métodos também possuem a capacidade de produzirem superfícies lisas sem provocarem distorções da rede cristalina e camadas amorfas. Neste tipo de polimento, as peças eletrodepositadas são utilizadas como ânodos em diversos tipos de misturas, a uma determinada temperatura sob condições cuidadosamente controladas da densidade de corrente, posição e distância dos ânodos, etc. Na Tabela 1 estão sumarizados algumas destas misturas e parâmetros operacionais.Nos processos de polimento químico, não se verifica a aplicação de corrente elétrica, sendo as peças imersas em soluções ácidas (e.g. ácido fosfórico, nítri-co e acético). As temperaturas utilizadas situam-se na gama dos 20ºC a 95ºC (Sousa, 1999). As misturas de ácido nítrico – ácido fosfórico são colocadas em recipientes de aço inoxidável e o aquecimento destas misturas é efetuado por sistemas de circulação de vapor quente. Toda a zona dos recipientes deve estar dotada com um sistema funcional de exaustão de fumos e vapores, que são nocivos para a saúde dos trabalhadores. Existe um vasto leque de processos químicos baseados na utilização do ácido fosfórico e nítrico com adição de nitratos ou sulfatos de metais pesados (e.g. Cu, Ni, Fe, Co, Ag, Cd, etc.) e ácidos fracos (e.g. ácido acético, cítrico, bórico

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e molibedénico). É necessário manter as soluções agitadas e o sistema deve possuir uma eficiente extração de fumos e vapores. Uma solução de polimento típica tem uma composição de aproximadamente 80% de H3PO4, 4% de HNO3 e 10% de H2O (Sousa et al. 1999), operando a uma temperatura de 90ºC, sendo o tempo de tratamento variável entre 30 s e os 6 minutos. Os processos patenteados e comercialmente mais utilizados são os designados por Alupol, os quais fazem uso de soluções cuja composição ronda os 50%de H3PO4, 6,5% de HNO3, 25% de H2SO4, 6% de CH3COOH, 1,5% de H2O e 35% de NiNO3.

Tabela 1: Misturas eletrolíticas utilizadas no polimento de alguns materiais metálicos.

2.2 desengordurAmento e limpezA

A remoção de óleos, gorduras, ceras e outros contaminantes das superfícies metálicas e/ou materiais base, é particularmente importante para que qualquer acabamento de eletrodeposição tenha um terminus com sucesso. Na realidade, provavelmente a principal causa de acabamentos com defeitos reside numa limpeza deficiente das superfícies dos materiais de base. Novos métodos de limpeza, tais como a eletrolimpeza e o ataque químico, foram desenvolvidos para tornar os processos de eletrodeposição operações fiáveis e rentáveis. A Figura 3 mostra um trabalhador a proceder a uma operação de limpeza com tricloetileno como desengordurante. Na realidade este solvente orgânico é um dos mais utilizados nos processos de desengorduramento, mas apresenta algumas desvantagens, nomeadamente um elevado índice de toxicidade para os trabalhadores e o cloro que funciona como agente oxidante causando

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processos de oxidação e, consequentemente, uma elevada taxa de retorno dos materiais depois de acabados.De um modo genérico, to-dos os materiais requerem no decurso do processo de eletrodeposição operações de limpeza, mesmo que esta ocorra na fase final do produto. O uso de solventes orgâni-cos pode em certos casos ser um fator de degradação das peças durante a armazenagem e transporte e, também, podem contribuir para uma efetiva obstrução da lubrificação de determinadas peças. Nos últimos anos, as operações de limpeza têm sido intensamente estudadas, tendo em consideração aspetos de ordem económica, incluindo o consumo de água e a substituição de solventes orgânicos.Os processos de eletrodeposição automáticos incorporam ciclos de limpeza altamente sofisticados, concebidos para remover todo o tipo de contaminantes da superfície dos materiais e, são criteriosamente controlados para que não resulte numa sobre limpeza. Isto seria desastroso, principalmente nas superfí-cies muito sensíveis como é o caso do alumínio e do zinco, podendo conduzir a eletrodepósitos com defeitos. Nos processos automáticos, a maior parte da linha de produção é ocupada pelas operações de limpeza, lavagens intermédias e secagem das peças enquanto que a deposição dos metais preciosos constitui o processo que menos onera e equipamento utiliza.Os tipos de contaminantes superficiais a remover, de uma forma genérica, são classificados em:• Óleos, gorduras, óleos solúveis, componentes de estampagem e lubrificantes;• Resíduos de polimento, os quais incluem gorduras, sabões, abrasivos, limalhas

metálicas e materiais têxteis resultantes dos materiais de polimento;• Poeiras, metais absorvidos e limalhas depositadas existentes na atmosfera de

trabalho;• Filmes de corrosão desenvolvidos durante o transporte e armazenagem;• Resíduos de soldadura.

Figura 3: Desengorduramento com tricloetileno.

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Existem três grandes grupos de substâncias utilizadas na limpeza dos metais eletrodepositados e no desengorduramento, nomeadamente:• Solventes orgânicos;• Detergentes, que consistem em soluções aquosas de vários materiais;• Emulsões.

Estas substâncias e misturas químicas são usadas nos processos de limpeza de natureza química e nos processos de natureza física (e.g. limpeza por ultrassons).Aquando da utilização de solventes orgânicos no processo de limpeza dos materiais é necessário ter em consideração os seguintes requisitos:• Estabilidade, preço e disponibilidade no mercado;• Não inflamáveis;• Solvente efetivo na remoção de todos os tipos de óleos, gorduras e ceras;• Não tóxicos;• Baixos níveis de viscosidade e tensão superficial para facilitar a penetração

efetiva das gorduras;• Fácil separação da matéria extraída;• Elevada taxa de recuperação;• Não corrosivos para com os metais mesmo para elevadas temperaturas;• De evaporação fácil.

A Figura 4 ilustra uma tina onde ocorre o processo de limpeza dos metais ele-trodepositados utilizando solventes orgânicos. Infelizmente, nem todos os traba-lhadores aplicam os princípios gerais de prevenção aquando da realização desta tarefa e, como consequências, a longo prazo sofrem de doenças profissionais.As instalações fabris mais mo-dernas deste sector de atividade, procedem ao desengorduramen-to com compostos cloretados de hidrocarbonetos, existindo atualmente um vasto conjunto destes compostos disponíveis para comercialização e a baixo custo. Todos eles são solventes poderosos para remover óleos, gorduras e ceras, possuindo a grande vantagem de não serem Figura 4: Processos de limpeza.

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inflamáveis. Estes solventes quando misturados com outros solventes orgânicos conferem um grau de não inflamabilidade, desde que, a proporção do constituinte inflamável não seja excessiva. A Tabela 2 indica as principais características dos principais solventes.Todos estes solventes possuem propriedades narcóticas e tóxicas (e.g. o te-tracloreto de carbono é muito tóxico e cancerígeno enquanto que o tricloroe-tano é comparativamente seguro). Alguns destes solventes atacam os metais, nomeadamente o tetracloreto de carbono que corroí lentamente o cobre (Cu) e o chumbo (Pb), o tricloroetileno provoca a corrosão do ferro (Fe) e no aço inoxidável após o desengorduramento. O ataque químico ocorrido sobre os metais poderá não ser devido à ação do solvente per si, mas sim por causa da superfície se encontrar limpa, o que a torna mais suscetível de corrosão por parte da atmosfera circundante. Contudo, os vapores quentes do tricloroetileno reagem com alguns metais (e.g. Al e Mg).É necessário ter em consideração, que estes solventes sofrem decomposição com o aumento de temperatura e são afetados pela luz e feixes luminosos, resultando na libertação de vapores de ácido clorídrico. Por estes motivos, os banhos comerciais destes solventes possuem aditivos (e.g. estabilizadores), que geralmente são compostos orgânicos, nomeadamente aminas. Todas as medidas preventivas devem ser adotadas por forma a minimizar os acidentes de trabalho e as doenças profissionais.

Tabela 2: Caraterísticas dos principais solventes cloretados de hidrocarbonetos

Foram desenvolvidos métodos que utilizam vapores de solventes para secar os metais eletrodepositados bem como os materiais base e respetivas peças de filmes metálicos. Estes processos envolvem a imersão das peças húmidas numa mistura à base de tricloroetileno que contém cerca de 1% de um agente tensioativo o qual promove preferencialmente o contato com o solvente, desprendendo a

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água da superfície juntamente com qualquer sal dissolvido. Este agente depois é removido por imersão das peças num solvente puro, o qual depois evapora à temperatura ambiente. O método é apropriado para todos os tipos de metais e ligas metálicas eletrodepositadas, independentemente da sua forma e respetivos contornos, sendo também utilizado nos acabamentos de níquel, prata, ouro, crómio e em peças fosfatadas, anodizadas e/ou electroliticamente polidas.Este método utiliza uma célula de limpeza com dois compartimentos, um dos quais contém a solução à base de tricloroetileno com o aditivo e o outro compartimento contém tricloetileno puro. Nesta célula, estão ainda incorporados um separador de água e uma fonte de vapor aquecido. As peças molhadas são imersas no primeiro compartimento durante cerca de 15 a 30 segundos (s), sendo depois transferidas para o segundo compartimento onde permanecem imersas durante mais 15 segundos. Após a sua remoção passam pela zona de vapor (geralmente situada acima do solvente), durante um curto intervalo de tempo e, depois são removidas da linha de secagem.

2.3 Processo e Equipamento

O equipamento e operações manuais dos processos de eletrodeposição continuam a ser prática comum manipulados manualmente, à exceção da produção em grande escala onde os processos são automáticos. Basicamente, a operação de eletrode-posição per si é simples, muito embora a sequência do processo completo ser bastante complexa e elaborada, por ser necessário efetuar operações meticulosas de limpeza, que englobam um número considerável de operações separadas. Os tratamentos de acabamento, incluindo a lavagem e secagem, requerem numerosas etapas a realizar em tempos sequenciais. A Figura 5 ilustra o processo de mon-tagem manual das peças a serem eletrodepositadas, para a niquelagem.As linhas de produção devem ser concebidas para permitir a produção em fluxo, reduzindo, assim, desnecessários movimen-tos de pessoal e de trabalho. Nos processos manuais, a linha de produção deve ser ergonómica por forma a evitar movimentos repetitivos suscetíveis de causar perturbações músculo-esquelé-ticas, durante a estampagem, polimento, pré limpeza, eletro-deposição, secagem e inspeção. Figura 5: Processos manuais em linha de produção.

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O sistema de ventilação das instalações fabris constitui um ponto fulcral, de-vendo permitir a remoção eficaz dos vapores e fumos nocivos para a saúde dos que a eles estão expostos e adequada renovação de ar nos locais de trabalho.As linhas de produção exigem a definição de requisitos críticos relativamente à escolha de materiais por causa da natureza corrosiva das soluções usadas. Assim, o revestimento dos tanques tem sofrido, ao longo dos anos, alterações significa-tivas, relativamente aos materiais utilizados. Chapas de ferro, chumbo e placas de vidro foram empregues na construção dos tanques, mas devido ao facto de ocorrer contaminação das soluções eletrolíticas e/ou dispersão da corrente elétrica, estes materiais têm sido substituídos por outros com propriedades mais nobres. Recentemente, o recurso a materiais plásticos, nomeadamente o policloreto de vinilo, melhoram substancialmente as caraterísticas dos revestimentos dos tanques.Uma instalação dos processos de eletrodeposição tem de compreender os se-guintes itens:• Deposição, limpeza e recipientes em materiais apropriados;• Uma fonte geradora de corrente de baixa voltagem;• Equipamento apropriado para aquecimento dos tanques;• Facilidade de medição e instrumentos de registo, unidades de filtração, bom-

bas peristálticas, compressores de ar e/ou agitadores magnéticos, condutas de exaustão e sistema de ventilação.

O processo manual consiste num conjunto de tanques colocados em série, contendo as soluções de limpeza, decapagem e banhos eletrolíticos. Os ma-teriais base são colocados em suportes apropriados, transportados e imersos manualmente de tanque em tanque. Este processo exige um grande esforço humano, sujeitando os trabalhadores a estarem em contato quase direto com as substâncias químicas utilizadas nas várias etapas do processo.Nas instalações mais recentes a sequência completa das operações de ele-trodeposição, i.e., estampagem, limpeza, deposição metálica, acabamento, desengorduramento e secagem encontram-se automatizados e com postos de trabalho ergonómicos. Nos processos automáticos, os componentes a tratar são transportados sucessivamente e numa sequência lógica pelas operações a efetuar.As principais vantagens das instalações automáticas traduzem-se em:• Aderência consistente da sequência de operações, reduzindo, assim, o trabalho

deficitário;• Melhoria das condições de trabalho e eliminação de equipamentos de pro-

teção individual;• Uniformidade de qualidade e consistência das especificações de eletrodeposição;• Melhoria do layout industrial e economia de espaços;

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• Utilização efetiva da instalação, assegurando que os requisitos pré-definidos são mantidos;

• Possibilidade de utilizar tanques de maior dimensão e suportes maiores;• Diminuição efetiva dos danos causados pelo transporte de peças;• Redução dos custos laborais.

Neste tipo de instalações a única intervenção direta dos trabalhadores consiste em colocar e remover as peças dos suportes e respetivo empilhamento para subsequente transporte.

3. RISCOS DOS PROCESSOS DE ELETRODEPOSIÇÃO

A vasta panóplia e complexidade dos processos de eletrodeposição conjuntamente com a vasta diversidade de produtos químicos utilizados, suscetíveis de provocarem riscos para a saúde dos trabalhadores presentes nos locais de trabalho, implica proceder à avaliação dos riscos do ponto de vista da SHST e indicar as medidas preventivas a adotar. Como a nível nacional se trata de um setor de atividade em franca expansão, tendo ocorrido um acréscimo de cerca de 30% das expor-tações na ano transato, é pertinente abordar os principais riscos específicos que a atividade apresenta e algumas medidas preventivas a implementar por forma a minimizar os riscos de exposição, acidentes de trabalho e patologias associadas.Efetua-se uma identificação de riscos gerais e específicos, subjacentes a cada uma das operações dos processos, enunciando as consequências da exposição dos trabalhadores, quer no decurso do processo de eletrodeposição, quer no pro-cesso de limpeza e armazenagem de substâncias e agentes químicos perigosos, bem como algumas regras a observar na obtenção de uma correta ventilação dos postos de trabalho onde ocorre a manipulação destes agentes.Os princípios gerais de prevenção estipulados pela Diretiva Quadro dos Ser-viços de Segurança e Saúde no Trabalho (SST), estipula que no âmbito das suas responsabilidades, a entidade empregadora tomará as medidas necessárias à defesa da segurança e da saúde dos trabalhadores, incluindo as atividades de prevenção dos riscos profissionais, de informação e de formação, bem como a criação de um sistema organizado e de meios necessários,A entidade patronal deve zelar pela adaptação destas medidas, a fim de atender a alterações das circunstâncias e tentar melhorar as situações existentes. É da competência da entidade patronal aplicar as previstas na Diretiva com base nos seguintes princípios gerais de prevenção:• Evitar os riscos;• Avaliar os riscos que não possam ser evitados, elaborando uma matriz de

avaliação de riscos com a classificação dos mesmos;

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• Eliminar e/ou combater os riscos na origem;• Adaptar o local de trabalho e as tarefas, especialmente no que se refere à conceção

dos postos de trabalho, bem como a escolha dos equipamentos de trabalho e dos métodos de trabalho e de produção, tendo em vista, nomeadamente atenuar o tra-balho monótono e o trabalho cadenciado e reduzir os efeitos desses sobre a saúde;

• Ter em conta o estado da evolução da técnica e desenvolvimento tecnológico, adequando os equipamentos às normas em vigor elaborando um programa de renovação/substituição de equipamentos;

• Substituir o que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;• Planificar a prevenção com um sistema coerente que integra a técnica a

organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos fatores ambientais no trabalho;

• Dar prioridade às medidas de proteção coletivas em relação às medidas de proteção individual;

• Dar instruções adequadas aos trabalhadores e elaborar um programa de formação continua sobre os procedimentos de segurança a realizar na execução das tarefas.

Sem prejuízo das restantes disposições da presente Diretiva, a entidade patronal deve, de acordo com a natureza das atividades da empresa e/ou do estabelecimento:• Avaliar os riscos para a segurança e a saúde dos trabalhadores, inclusivamente

na escolha dos equipamentos de trabalho e das substâncias ou preparados químicos e na conceção dos locais de trabalho;

• Na sequência desta avaliação, e na medida do necessário, as atividades de prevenção e os métodos de trabalho e de produção postos em prática pela entidade patronal devem: i) assegurar um nível mais eficaz de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores: ii) ser integrado no conjunto das ati-vidades da empresa e/ou do estabelecimento e a todos os níveis da hierarquia;

• Sempre que confiar tarefas a um trabalhador, tomar em consideração as suas capacidades em matéria de segurança e saúde;

• Proceder de uma forma a que a planificação de novas tecnologias seja objeto de consulta aos trabalhadores e/ou aos seus representantes, no que diz respeito às consequências sobre a segurança e a saúde dos trabalhadores, em matéria de escolha de equipamentos, de organização das condições de trabalho e de impacte dos fatores ambientais do trabalho;

• Tomar as medidas adequadas para que só os trabalhadores que tenham recebido uma formação adequada possam ter acesso às zonas de risco grave e específico.

Sem prejuízo das restantes disposições da presente Diretiva, quando estiverem presentes no mesmo local de trabalho, trabalhadores de diversas empresas, as enti-

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dades patronais devem cooperar na aplicação das disposições relativas à segurança, à higiene e à saúde e, tendo em conta a natureza das atividades, coordená-las no sentido da proteção e da prevenção dos riscos profissionais, informar-se reciproca-mente desses riscos e comunica-los aos trabalhadores e/ou aos seus representantes.As medidas relativas à segurança, à higiene e à saúde no local de trabalho não devem em caso algum implicar encargos financeiros para os trabalhadores.Contudo em matéria de SST, também existem obrigações para o trabalhador, devidamente estipuladas na Diretiva Quadro, nomeadamente:• Cada trabalhador deve, na medida das suas possibilidades, cuidar da sua se-

gurança e saúde, bem como da segurança e saúde das outras pessoas afetadas pelas suas ações ou omissões no trabalho, de acordo com a sua formação e as instruções dadas pela sua entidade patronal;

• Para realizar aqueles objetivos, os trabalhadores devem, em especial, e de acordo com a sua formação e as instruções dadas pela entidade patronal, cumprir com o estipulado nas alíneas seguintes;

• Utilizar corretamente as máquinas, aparelhos, instrumentos, substâncias pe-rigosas, equipamentos de trabalho e outros meios;

• Utilizar corretamente o equipamento de proteção individual colocado à sua disposição e, após a sua utilização, arrumá-lo no respetivo local;

• Não desligar, mudar ou deslocar arbitrariamente os dispositivos de segurança próprios, designadamente das máquinas, aparelhos, instrumentos, instalações e edifícios, e utilizar corretamente os dispositivos de segurança;

• Comunicar imediatamente à entidade patronal e/ou aos trabalhadores desempe-nhando uma função específica em matéria de proteção de segurança e da saúde dos trabalhadores qualquer situação de trabalho relativamente à qual tenham um motivo plausível para pensar que apresenta um perigo grave e imediato para a segurança e a saúde, bem como qualquer defeito registado nos sistemas de proteção;

• Contribuir, de acordo com as práticas nacionais, juntamente com a entidade patronal e/ou com os trabalhadores desempenhando uma função específica em matéria de proteção de segurança e da saúde dos trabalhadores, pelo período de tempo necessário, para possibilitar o cumprimento de todas as tarefas ou exigências imposta pela entidade competente, a fim de proteger a segurança e a saúde dos trabalhadores no local de trabalho;

• Contribuir, de acordo com as práticas nacionais, juntamente com a entidade patronal e/ou com os trabalhadores desempenhando uma função específica em matéria de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, pelo período de tempo que for necessário, para permitir que a entidade patronal assegure que o posto de trabalho e as condições de trabalho sejam seguros e isentos de riscos para a segurança e a saúde dentro do seu campo de trabalho.

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No que concerne ao controlo da saúde nos locais de trabalho onde ocorrem processos de eletrodeposição, serão tomadas medidas destinadas a assegurar a vigilância adequada da saúde dos trabalhadores em função dos riscos para a sua segurança e saúde no local de trabalho, de acordo com a legislação e/ou práticas nacionais. As medidas a adotar serão de molde a permitir que, caso o deseje, cada trabalhador possa submeter-se a um controlo de saúde a intervalos regulares. O controlo da saúde pode estar incluído num sistema nacional de saúde ou nos serviços de medicina do trabalho disponibilizados pela entidade patronal.

3.1 pAnorâmiCA dA AvAliAção de risCos

Nos processos de eletrodeposição, os trabalhadores estão diariamente expostos a um elevado número de perigos e riscos no desempenho das suas tarefas. Os termos “perigo” e “risco” nem sempre são utilizados no mesmo sentido em todos os Estados membros da União Europeia, o mesmo acontecendo no âmbito das diferentes disciplinas científicas. Para a elaboração do presente artigo foram utilizados significados destes termos que são aceites e considerados práticos no contexto do local de trabalho.As definições usadas são as seguintes:• Perigo: a propriedade ou capacidade intrínseca de uma coisa (e.g. materiais, equi-

pamentos, métodos e práticas de trabalho) potencialmente causadoras de danos.• Condição perigosa: exprime uma condição com potencial para provocar lesões

nas pessoas ou danos nos equipamentos e instalações, ou outros prejuízos patrimoniais. Quando uma condição perigosa está presente, há sempre a possibilidade destes efeitos adversos ocorrerem.

• Perigosidade: expressa a exposição relativa a uma condição perigosa. Um perigo pode estar presente, mas a perigosidade pode ser diferente, dependendo das medidas de proteção que são tomadas.

• Risco: a probabilidade do potencial danificador ser atingido nas condições de uso e/ou exposição, bem como a possível amplitude do dano.

• Danos: gravidade das lesões, físicas ou psíquicas, ou prejuízos materiais que podem resultar quando se perde o controlo de um perigo.

• Avaliação do risco: o processo de avaliar o risco para a saúde e segurança dos trabalhadores no trabalho decorrente das circunstâncias em que o perigo ocorre no local de trabalho.

Embora o objetivo da avaliação de riscos inclua a prevenção de riscos profissionais, na prática isto nem sempre se consegue. No caso de não ser possível eliminar o risco, deverá ser o mesmo reduzido ou controlado até níveis que sejam aceitáveis, através do incremento da formação especializada dos trabalhadores, assim como,

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dos mecanismos de controlo dos mesmos. Numa fase posterior, como parte de um programa de revisão, estes riscos residuais serão de novo avaliados de acordo com o fluxograma apresentado na Figura 6. A avaliação de riscos deve ser estruturada e realizada de forma a ajudar os empregadores e os trabalhadores nos locais de trabalho.

Figura 6: Fluxograma de avaliação de riscos químicos no processo de eletrodeposição.

A manipulação destes produtos químicos deverá ser limitada a, apenas, aqueles trabalhadores devidamente informados e que tenham recebido formação espe-cífica para a sua manipulação e armazenamento.

3.2 FiCHA de dAdos de segurAnçA

Para permitir, nomeadamente que os utilizadores profissionais tomem as medidas necessárias para a proteção do ambiente, assim, como a saúde e a segurança nos locais de trabalho, todo e qualquer fabricante, importador ou distribuidor,

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aquando da primeira entrega de uma substância perigosa ou mesmo antes, deve enviar ao seu destinatário uma ficha de dados de segurança contemplando as informações necessárias à proteção do Homem e do Ambiente, a qual pode ser transmitida em papel ou em formato digital.Tal ficha, deve ser atualizada em função das novas informações técnico-científicas a que o fabricante, importador ou distribuidor tenha acesso, devendo também transmiti-las ao destinatário final. Por lei, estas fichas de dados de segurança, devem estar escritas na língua oficial do utilizador.Como guia de elaboração da ficha de segurança, esta deve conter a identificação da substância e da sociedade/empresa que a fabrica e quem a comercializa. Esta ficha deve conter informação sobre:• Identificação dos perigos;• Primeiros socorros e indicar o número de telefone de emergência da empresa

e/ou do organismo consultivo oficial, nos termos do Decreto-Lei nº. 120/92, de 30 de junho, e sua regulamentação;

• Medidas de combate a incêndios;• Medidas a tomar em caso de fugas acidentais;• Manuseamento e armazenagem;• Controlo da exposição/proteção individual;• Propriedades Físico-Químicas;• Estabilidade e reatividade;• Informação toxicológica;• Informação ecológica;• Questões relativas à eliminação e valorização de resíduos;• Indicações relativas ao transporte;• Informações sobre regulamentação;• Outras informações úteis.

Todas estas informações devem estar perfeitamente claras e sucintas, de for-ma - que o utilizador final, reúna toda a informação e formação adequada à manipulação de substâncias químicas perigosas.

3.3 simbologiA de perigo

De acordo com a portaria nº. 732-A/96, de 11 de dezembro, e alterações in-troduzidas pelo Decreto-lei nº. 330-A/98, de 2 de novembro, as substâncias químicas, classificadas em função da sua perigosidade, dividem-se nas seguin-

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tes categorias e às quais corresponde uma determinada simbologia de perigo conforme representado na Tabela 3 deste artigo.

Tabela 3: Simbologia de perigo e classificação de perigosidade.

Para o processo de armazenamento de substâncias químicas perigosas, a adequa-da armazenagem é fundamental para a segurança da produção. A armazenagem inadequada contribui para a ocorrência de acidentes e incidentes de trabalho, bem como a longo prazo ao surgimento de doenças profissionais. As etapas que devem ser implementadas para se obter uma armazenagem segura das substâncias químicas em geral, são:• Formar e informar os utilizadores;• Identificar as propriedades de todas as substâncias perigosas;• Decidir sobre os requisitos apropriados de armazenagem;• Procedimentos a serem adotados em caso de derrames;• Plano de emergência para acionar em caso de incidente;• Informação sobre substâncias tóxicas, corrosivas e inflamáveis;• Classes das substâncias perigosas.

Como a grande maioria dos agentes oxidantes são compostos muito tóxicos, é importante a racionalização das quantidades armazenadas destas substâncias, bem como a utilização de recipientes hermeticamente fechados e com cinturas de segurança.

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As substâncias perigosas estão agrupadas nas categorias que a seguir se des-crevem, segundo os riscos inerentes:• Classe 1: Explosivos;• Classe 2: Gases comprimidos;• Classe 3: Líquidos inflamáveis;• Classe 4: Sólidos inflamáveis;• Classe 5: Substâncias oxidantes;• Classe 6: Substâncias tóxicas;• Classe 7: Material radioativo;• Classe 8: Substâncias corrosivas;• Classe 9: Misturas de substâncias perigosas.

Na Tabela 4 encontram-se indicadas as incompatibilidades entre as diversas substâncias perigosas, de acordo com o quadro normativo (NP 1796) e legis-lativo vigente a nível nacional.

Tabela 4: Incompatibilidade na armazenagem de substâncias perigosas.

Os cuidados a ter em consideração aquando da manipulação, transporte e armazenagem de substâncias químicas perigosas, consiste em obedecer aos princípios gerais de prevenção e ao bem-estar físico e psíquico nos locais de trabalho. Uma utilização correta das substâncias químicas perigosas, contribui para uma melhoria significativa das condições de vida nos locais de trabalho.

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4. CONCLUSÕES

O incremento das exportações de materiais que utilizam processos de eletrodeposição na sua produção, requer uma atenção redobrada em termos de riscos e perigos a que os trabalhadores estão expostos com o intuito de minimizar os acidentes de trabalho e o surgimento de doenças profissionais a longo prazo. Como este tipo de processos utiliza substâncias químicas perigosas, é necessário ter uma atenção redobrada com as medidas preventivas e conhecer toda a legislação subjacente à sua manipulação e quais as medidas preventivas a adotar nos locais de trabalho.O layout dos processos de produção de metais eletrodepositados, quer seja de forma manual quer automatizada, requer a formação e informação adequada dos trabalhadores presentes nos locais de trabalho. Como comentário final, resta mencionar que a correta manipulação das substâncias químicas perigosas e a existência de postos de trabalho ergonómicos, espaçosos, bem iluminados, com os procedimentos de segurança e os produtos bem identificados contribui para fomentar uma cultura de segurança e Saúde a observar nos locais de trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1) Diretiva nº. 89/391/CEE, de 12 de junho, “Medidas destinadas à promover a melhoria da segurança da saúde dos trabalhadores no trabalho”.

2) Decreto-lei nº. 441/91, de 14 de novembro, “Regime Jurídico de enquadra-mento da segurança, higiene e saúde no trabalho”.

3) Decreto-Lei nº. 26/94, de 1 de fevereiro, “ Regime de organização e fun-cionamento das atividades de segurança, higiene e saúde no trabalho”.

4) “Livro verde para os serviços de prevenção das empresas”, IDICT, 1998.

5) J.P. Sousa et al., “Manual de prevenção dos riscos dos processos de eletro-deposição”, IDICT, 1999.

6) A. Brett e C. Brett, “Electroquímica. Princípios, métodos e aplicações”, Almedina, 1996.

7) Aitio et al., “metals toxicology”, VCH, 1988.

8) J. LaDon, “Occupational medicine. A lange medical book”, Prentice – Hall International, Inc., 1990.

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João Paulo SousaProfessor Associado com Agregação da Academia Militar Portuguesa. Regente das Unidades Curriculares de Química e de Química dos Explosivos. É membro do CINAMIL.

José Manuel dos Ramos RossaChefe do Departamento de Ciências Exatas e Naturais da Academia Militar Portuguesa. Tem formação de auditor interno nas normas ISO 9001, ISO 14001 e OHSAS 18001 (NP 4397), de 2002 a 2006. Gestor do processo de realização – Produção Cartográfica e de 2006 a 2010 foi o gestor do proces-so de direção – Planeamento Estratégico, do Sistema Integrado de Gestão da Qualidade, Ambiente e Segurança e Saúde no Trabalho do Instituto Geográfico do Exército Português.

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João Sousa a1, Cristina Cordas b2

a Academia Militar, Rua Gomes Freire, 1169-244, Lisboa, Portugalb REQUIMTE, CQFB, Departamento de Química, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova

de Lisboa, 2859-516, Monte da Caparica, Portugal

ABSTRACT

The monitorization of pharmaceutical drugs either in vitro or in vivo is very suitable for the patients and for the society. The use of microelectrodes coupled with electroanalytical techniques has shown to be a reliable tool for monitoring pharmaceutical drugs, mainly those who have an electroactive compounds in its composition. The present paper deals with the application of microelectrodes for detecting such electroactive substances present in useful pharmaceutical drugs commonly used in medicine.

Key Words: Voltammetric Techniques, Microelectrodes and Phamaceutical Drugs.

RESUMO

A monitorização de fármacos quer in vitro quer in vivo é uma mais valia para os pacientes e para a Sociedade. A utilização de microelétrodes acoplados com técnicas electroquímicas tem demonstrado ao longo das últimas décadas ser uma ferramenta importante na monitorização de fármacos, essencialmente nos que possuem na sua composição substâncias electroactivas. Neste artigo é efectuada uma descrição da utilização dos microeléctrodos na detecção de substâncias electroactivas presentes em fármacos de variadas aplicações em medicina terapêutica.

Palavras Chave: Técnicas Voltamétricas, Microelétrodos e Compostos Farma-cêuticos.

téCniCAs voltAmétriCAs ACoplAdAs Com miCroeléCtrodos nA monitorizAção de fármACos

1 Contactos: Email - [email protected] (João Sousa), Tlf. - +351 213 611 500Email - [email protected] (Cristina Cordas)

Recebido em 1 de Outubro de 2012 / Aceite em 3 de Novembro de 2012

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1. INTRODUÇÃO

A utilização de técnicas voltamétricas e potenciostáticas, tem sido alvo de um grande avanço tecnológico, na identificação e quantificação de fármacos electro-activos, durante as três últimas décadas. A elevada sensibilidade e selectividade faz das técnicas voltamétricas únicas no que concerne à quantificação vestigial de produtos com aplicação na indústria farmacêutica, como é o caso de fárma-cos electroactivos. De entre as técnicas mais utilizadas estão a voltametria de varrimento linerar, a voltametria ciclíca, a voltametria catódica e anódica de adsorção de impulso, polarografia e amperometria [1-3]. Estas técnicas foram inicialmente concebidas para monitorização de espécies metálicas presentes em amostras contendo níveis vestigiais destas espécies, mas com o avanço tecnológico foram também aplicadas em outros domínios de investigação (e.g. biomateriais, indústria farmacêutica e indústria dos comésticos).As técnicas voltamétricas de varrimento catódico e anódico adsortivas utili-zando microeléctrodos de carbono com filme de mercúrio foram utilizadas por Sousa e colaboradores [4-7] para quantificar espécies metálicas libertadas de implantes metálicos (e.g. aço inoxidável AISI 316L), quer em estudos in vitro utilizando culturas de células de osteoblastos quer in vivo utilizando ratinhos como cobaias. O uso destas técnicas permitiu quantificar as espécies metálicas (e.g. Fe, Ni e Cd) na ordem de grandeza dos ppm e ppb. Na realidade, estas técnicas apresentam um elevado grau de precisão e de reprodutibilidade das medições experimentais.A ferramenta dos microeléctrodes associadas a técnicas voltamétricas imple-mentadas na década de 70 por Fleischmann e colaboradores [8], abriu um novo campo de investigação no que concerne à detecção de espécies electoativas existentes em amostras a nível vestigial. Os microeléctrodes (com diâmetro na ordem dos 5 micrómetros) abriram um manancial de aplicações das técnicas voltamétricas para detecção de espécies metálicas, neurotransmissores, fármacos, compostos explosivos, estudos cinéticos e de electronucleação de elementos metálicos [9]. Actualmente, os microelectrodes de superfície modificada com membranas selectivas de iões, compostos poliméricos, microorganismos e ma-teriais biológicos encontram vasta aplicação na identificação, monitorização e quantificação de espécies electroactivas nos vários ramos da ciência.A título exemplificativo da aplicação das técnicas voltamétricas na monitori-zação de fármacos, Reguera e colaboradores [10] utilizaram a voltametria de varrimento adsorptivo de impulso diferencial para determinar indometacina e acemetacina em amostras de urina. Estes autores utilizaram esta técnica voltamétrica acoplada com um eléctrodo de mercúrio, para quantificar os fár-macos em níveis vestigiais (e.g. ppm) directamente em amostras de urina sem

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terem de proceder a separações prévias. Os resultados obtidos para o ácido 1-(4-clorobenzoil)-5-metoxi-2-metil-1-indole-3-acético conhecido do ponto de vista farmacológico como um anti-inflamatório, para diferentes valores de pH (e.g. 4,2 e 8,6) obtiveram picos voltamétricos bem definidos quer para a ace-metacina quer para indometacin na ordem dos 7,5 x 10-7 mol/l.A redução electroquímica do fármaco antidepressivo fluoxetina foi estudada por técnicas voltamétricas, nomeadamente voltametria ciclíca, varrimento linear, voltametria diferencial de impulso e voltametria de onda quadrada utilizando um eléctrodo de gota de mercúrio numa solução aquosa e numa mistura de água com acetonitrilo [11]. As medições por voltametria ciclíca em solução aquosa demonstraram uma forte adsorção do composto na superfície do eléc-trodo, formando um filme compacto. As espécies adsorvidas foram medidas voltametricamente aplicando um potencial de redução de -1,5 V numa solução aquosa de tampão M. Ringer, com pH 12, em solução de 20% de acetonitrilo v/v. A quantificação da fluoxetina em formulações farmacológicas existentes no mercado foi efectuada utilizando voltametria adsortiva de varrimento catódico e os resultados foram comparados com os obtidos por espectrofotometria de UV demonstrando a existência de uma correlação linear entre os dois métodos.Mais recentemente, Santini e colaboradores [12] determinaram diclofenac em preparações farmacêuticas utilizando métodos potenciométricos com um sen-sor imobilizado numa matriz de grafite. Para esta determinação utilizaram um eléctrodo de Pt/Hg/Hg2(DCF)2/grafite, com uma sensitividade de 58.1+0.8 mV numa gama de 5,0 x 10-5 a 1,0 x 10-2 mol/l a um pH de 6,5 – 9,0 e um limite de detecção de 3,2 x 10-5 mol/l. Este sensor apresenta uma boa selectividade para o diclofenac na presença de diversas substâncias, especialmente carboxi-latos e aniões inorgânicos.Em 2011, Bozal e colaboradores [13] escreveram um artigo de revisão sobre o uso de técnicas electroanalíticas na determinação de fármacos anti-HIV. Os au-tores apresentam de uma forma cronológica os estudos efectuados sobre o HIV, onde 25 compostos anti-HIV foram formalmente aprovados para uso clínico no tratamento da SIDA. Neste artigo de revisão é descrito de uma forma sucinta e concisa as várias técnicas electroanalíticas para determinação de fármacos anti-HIV. Os autores focuram a sua revisão nos artigos publicados entre 1990 e 2010 incluindo todas as técnicas voltamétricas utilizadas, relacionadas com os fármacos anti-HIV a partir de formas de dosagem farmacológicas e amostras biológicas.

2. ELÉCTRODOS E BIOSENSORES

O uso de microeléctrodos, tal como referido na secção anterior, deu um novo impulso na análise de compostos farmacêuticos, permitindo não só baixar o

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limite de detecção como realizar determinações in-situ. Em conjugação com técnicas de voltametria de redissolução anódica ou catódica, o uso de micro-eléctrodos permite melhorar a pré-concentração dos analitos, a sensibilidade e o tempo de resposta das técnicas. Por estas razões, mais recentemente muitas aplicações com microeléctrodos têm sido experimentadas para a detecção ves-tigial de fármacos, tirando partido da facilidade de adsorção à superifície dos eléctrodos da generalidade desses compostos. A adsorção dos fármacos pode aumentar a sensibilidade mas pode também, o que acontece frequentemente, impedir a detecção electroquímica pela passivação das superfícies. Actualmente, a utilização de novos materiais e modificações superficiais tem permitido ultra-passar esta limitação da passivação, com algum sucesso. Sempre que possível, contudo, a utilização de eléctrodos não-modificados na detecção de compostos farmacológicos, é preferível uma vez que é o procedimento mais simples. Na literatura são vários os exemplos de aplicações utilizando microeléctrodos de carbono não modificados, como por exemplo, na detecção de carbamazepina, um fármaco anti-epilesia, na qual foi possível atingir o limite de detecção de 2 mg/mL [14]. Microeléctrodos de platina não modificados foram utilizados para monitorizar o comportamento electroquímica de fármacos anti-HIV, no-meadamente Carbovir e Norcarbovir por voltametria de onda quadrada, com resultados que atingiram o limite de detecção de 6 x 10-5 mol/L [15]. Um outro exemplo é a detecção do letroxole, um composto anti-cancerígeno, por voltametria adsortiva de redissolução, utilizando microeléctrodos de ouro, num sistema de fluxo, aplicando o método da transformadas de Fourier, onde o limite de detecção alcançado foi 0.08 x 10-9 mol/L [16]. Assembleias de microeléctrodos têm sido correntemente utilizados em engenha-ria biomédica, tanto em ensaios in vitro como in vivo, com várias geometrias, composições e metodologias [17, 18]. Estas apresentam duas grandes vantagens, nomeadamente, a amplificação da corrente de resposta e a detecção simultânea de um diferentes analitos. Apresentam-se, desta forma, como particularmente adequadas para a monitorização da actividade eléctrica de células, uma vez que tornam possível obter resolução espaço-temporal. Na literatura é possível encontrar numerosas descrições deste tipo de aplicações, com especial relevo para o estudo de células neurais. Um estudo que se revelou muito interessante utilizou uma assembleia de microeléctrodos para obter informação qualitativa e quantitativa dos efeitos de compostos farmacológicos, nomedamente, 6-ciano-7-nitroquinoxalino-2,3-diona (CNQX), ácido D-2-amino-5-fosfopentanóico (APV), N-metil-D-aspartato (NMDA) e ácido α-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazolo propiónico (AMPA), no comportamento electrofisiológico da rede neuronal em embriões de ratos [19]. Também nesta área a dopamina tem sido estudada de forma extensiva com o objectivo de encontrar um sistema eficiente de detecção

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in vivo. Uma das metodologias mais seguidas é através do uso de microeléctro-dos de fibra de carbono, com ou sem modificações superficiais. Um interessante artigo de revisão recente sobre esta temática foi escrito por Huffman et al. [20].Um exemplo de outras aplicações com este tipo de microeléctrodos é a detecção de compostos anti-tiroidais [21], por detecção amperométrica acoplada a um sistema em fluxo, em que o composto 6-metil-2-thiouracilo foi monitorizado, com um limite de detecção de 2.6×10−7 mol/L e elevada reprodutibilidade. A mesma metodologia permitiu a determinação de furosemida em amostras de leite, neste caso, com detecção amperométrica com aplicação de pulsos, para evitar o envenenamento do eléctrodo [22, 23].O envenenamento ou passivação das superfícies de eléctrodo é um dos maiores problemas nas aplicações a sistemas de compostos orgânicos. A modificação das superfícies é uma metodologia utilizada para evitar a adsorção irreversível e passivação e, simultaneamente, tem como objectivo melhorar a resposta da corrente obtida. Neste sentido têm sido experimentadas várias aproximações diferentes, como por exemplo, através da utilização de polímeros condutores como modificadores de superfície. Estes permitem a obtenção de superfícies estáveis, com elevada condutividade e diferentes propriedades dependentes do tipo de polímero, dopante ou potencial aplicado [24]. Os polímeros condutores são, ainda, e em geral, boas matrizes para a imobilização de biomoléculas, sendo assim aplicados frequentemente para a construção de biosensores [25, 26]. De entre a muitas referências que se podem encontrar na literatura, podem destacar-se, por exemplo, a utilização de microeléctrodos de platina modifica-dos com filmes de politiofeno electropolimerizados e ligados covalentemente a citocromo c, para a monitorização de NO, in vivo, em cérebros de rato [27]. Nesta aplicação, os autores afirmam ter conseguido ultrapassar as interferên-cias de moléculas análogas através da ultilização de uma cobertura adicional do eléctrodo modificado com um filme da Nafion, tendo obtido um limite de detecção de 13x10-9 mol/L. Para além dos polímeros condutores mais comuns, como o polipirrolo, polianilina ou politiofeno, outros têm sido testados como modificadores de microeléctrodos [24, 28, 29]. Um exemplo é o poli-N-vini-lcarbazole electropolimerizado sobre microeléctrodos de fibra de carbono. Os autores demonstraram que o eléctrodo modificado resultante é selectivo para a oxidação da dopamina atingindo o limite de detecção de 0.01 mol/L [30].Um tipo de microeléctrodos mais recentes baseados em polímeros são os deno-minados microeléctrodos de polímeros (do inglês, all-polymer microelectrodes), nos quais tanto a estrutura como a superfície de contacto são feitas de políme-ros, respectivamente não-condutores e condutores. A imobilização do oxidase da glucose neste tipo de matriz foi bem sucedida, permitindo obter um sensor para a glucose que provou que o conceito funciona [31].

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Uma das vantagens que os sensores ou biosensores baseados em microeléctro-dos é a sua reduzida dimensão que permite a sua utilização com volumes na ordem dos microlitros. A imobilização de biomoléculas é uma das aplicações mais usuais, tendo por objectivos obter métodos de detecção rápidos e de baixo custo. Um exemplo deste tipo de aplicações é a contsrução de um microsensor para a detecção de ATP em amostras biológicas utilizando um microeléctrodo de platina modificado com duas camadas, uma de poli-m-fenilenodiamina e a segunda, uma co-imobilização de oxidase da glucose e hexokinase [32]. Neste caso, o limite de detecção alcançado foi de 2.5x10-6 mol/L, com um tempo de resposta de 15 s, e sem interferências relevantes.Uma área diferente onde a utilização de microeléctrodos tem vindo a aumen-tar é na construção de eléctrodos selectivos de iões (ISE) para a obtenção de sensores potenciométricos. Este tipo de sensores são particularmente úteis em medicina, por exemplo, para monitorizar os níveis de potássio e hidrogénio associadas ao funcionamento cardíaco [33, 34]. O desenvolvimento destes microeléctrodos selectivos de iões, com dimensões mais reduzidas do que o diâmetro de uma célula, possibilitou a detecção de gradientes iónicos nas células, permitindo aplicações como a detecção da actividade extracelular de potássio em células devido ao fluxo em canais de potássio activados por Ca2+, de uma forma não invasiva [35].A tabela 1 apresenta alguns exemplos de fármacos cujo método de detecção envolve o uso de microeléctrodos.

TABELA 1: Exemplos de fármacos detectados com o recurso a microeléctrodos.

(cont)

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2. CONCLUSÕES

O desenvolvimento de microeléctrodos durante as últimas quatro décadas tem permitido explorar uma vasta gama de investigação fundamental e aplicada no domínio das ciências farmacêuticas, com particular enfoque para os fármacos que apresentam princípios electroactivos. Na realidade a aplicação dos micro-eléctrodes acoplados com técnicas electroquímicas permitiuo desenvolver um vasto conjunto de biosensores utilizados na monitorização de fármacos como consta da tabela apresentada anteriormente.A utilização de assembleias de microeléctrodos na monitorização de fárma-cos, permito não só efectuar um espectro em tempo real do resultado dose-efeito, como também a medição de vários parâmetros em simultâneo. Assim os microeléctrodos de superfície modificada (eg. Biosensores) tem permitido

As siglas, das respectivas expressões em ingles, designam: CV – voltametria cíclica, FI – injecção em fluxo, FIA – amperometria de injecção em fluxo, DPV – voltametria de pulso diferencial, FFT-transformação rápida de Fourier, SWV- voltametria de onda quadrada, LSV – voltametria de varrimento linear, PAD – detecção amperomética de pulso, CE – electrofórese capilar.

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um incremento significativo na qualidade de vida dos pacientes e na correcta dosagem de fármacos no campo da medicina terapêutrica. È expectável que num futuro muito próximo estes dispositivos possam vir a ser implantados em pacientes com o intuito de proceder à medição telemétrica dos teores de fármacos presentes no organismo dos pacientes, nos excrementos (eg. Fezes, urina e órgãos reprodutores) e consequências nefastas para o meio ambiente.Os microeléctrodos acoplados com técnicas electroquímicas permitem melho-rar a qualidade de vida dos pacientes e fomentar uma cultura de segurança e saúde da Sociedade.

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António Gil a2

a Academia Militar, Rua Gomes Freire, 1169-244, Lisboa, Portugal.

ABSTRACT

Water resources constitute an essential factor for human activity, associated with human development. However, it is recognized that the availability of water has its limitations. Although the annual ratio between the availability and consumption of water in Portugal is usually adequate, factors such as temporal and spacial variability of water resources, the high concentration of population along the coast, and the fact that our main drainage basins are shared with Spain are potential sources of future problems that we will have to face.In order to deal with any issues related with water resources, various legislations have been created, such as the Water Framework Directive from the European Union and the Water Law in Portugal. These promote the quality of the aquatic ecosystems and demand deadlines for the conservation and rehabilitation of these ecosystems. On the other hand, there has been an increase in the risks associated with the occurrence of extreme natural phenomena and with the impact of climate changes, besides the remaining uncertainty of situations related with the increased demand of water, the need to warrant its quality standards, the need to ascertain priorities in its consumption, and the constant change in the availability of water. The goal of the present thesis is to identify and analyze the impacts of the main sources of uncertainty and risk related to our water resources. Based on this analysis, it is believed that the development of future and prospective scenarios is the best strategy for the planning of our water sources.

Keywords: Water Resources; Strategic planning; Development of future sce-narios; Risk and uncertainty factors.

o plAneAmento de reCursos hídriCos no ACtuAl Contexto de inCertezA: oBjeCtivos e metodoloGiAs 1

1 Resumo da Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Engenharia Militar2 Contactos: Tel.: 964983080, Email - [email protected] (António Gil)

Recebido em 1 de Outubro de 2012 / Aceite em 26 de Novembro de 2012

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RESUMO

Enquanto elemento estruturante da atividade humana, os recursos hídricos estiveram sempre associados ao desenvolvimento humano, embora apenas nos últimos anos se tenha desenvolvido a consciência plena dos limites da sua disponibilidade, ao mesmo tempo que se complica a conciliação dos valores naturais e ecológicos com as atividades humanas. Embora em Portugal a situação não seja grave em termos de balanço hídrico anual, aspetos como a elevada variabilidade temporal e espacial dos recursos hídricos, a concentração humana no litoral, e a partilha das nossas principais bacias hidrográficas com Espanha, colocam-nos perante graves problemas que teremos de enfrentar.Para responder aos problemas e desafios relacionados com os recursos hídricos surgiram estruturas legislativas como a Diretiva Quadro da Água na União Eu-ropeia ou a Lei da Água em Portugal, que consolidaram uma visão de qualidade dos ecossistemas aquáticos e impuseram prazos à conservação e reabilitação destes. Paralelamente, verifica-se a emergência de riscos associados a fenómenos hidrológicos extremos e aos impactes das alterações climáticas. Para além disso, a incerteza e complexidade resultantes das pressões de procura, das exigências de qualidade, das prioridades a atender e da evolução das disponibilidades dos recursos hídricos, tornam o seu planeamento uma tarefa difícil mas crucial.Pretende-se com este trabalho esclarecer quais as principais fontes de incerteza e risco que afetam o planeamento dos nossos recursos hídricos, analisando o seu impacte sobre estes. Com base nesta análise, pretendeu-se reformular a metodologia de planeamento, sendo considerado o planeamento baseado em cenários prospetivos como a melhor resposta a este desafio.

Palavras-chave: Recursos hídricos; Planeamento Estratégico; Cenarização; Fontes de incerteza e risco.

1. INTRODUÇÃO

Num contexto mundial de crescente escassez de água e de consciencialização dos limites da sua disponibilidade, a problemática da gestão e planeamento dos recursos hídricos tem vindo a ganhar relevo nos últimos anos. Em Portugal, não havendo um problema global de escassez de água e de disponibilidade deste recurso, existem problemas da sua alocação, uma vez que a distribuição de água no país é irregular, quer espacial quer temporalmente. Este facto, as-sociado a recentes exigências de qualidade das massas de água, paralelamente à emergência de fatores de risco e incerteza associados a estes recursos vem

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trazer novos desafios ao seu planeamento estratégico, fatores estes que exigem a reformulação da metodologia tradicional de planeamento. Através da caracterização das principais fontes de incerteza e risco associadas ao planeamento dos nossos recursos hídricos e da avaliação dos seus impactes sobre estes, pretendeu-se contribuir para uma reformulação da metodologia de planeamento, baseando-a na construção de cenários prospetivos do futuro, validando a cenarização como ferramenta essencial do planeamento estratégico e de decisão em situações de incerteza.

1.1. os reCursos HídriCos

O conceito de “recurso hídrico” não se refere à totalidade das águas, mas sim ao conjunto de águas que se encontram disponíveis, ou que podem vir a ser mobilizadas, para satisfazer em quantidade e qualidade uma certa necessidade, num determinado local e durante um determinado período de tempo. Os Recursos Hídricos constituem um fator essencial na atividade humana e estiveram sempre associados ao desenvolvimento humano. No entanto, apenas recentemente foi reconhecido que a disponibilidade de água tem as suas limi-tações. Para além disso, é cada vez mais difícil equilibrar fatores ecológicos e a preservação dos recursos naturais com as necessidades das sociedades modernas. De facto, o consumo de água aumentou cerca de 6 vezes no último século, o que representa mais do dobro do aumento da população mundial. Resumidamente, o crescimento demográfico, o desenvolvimento económico, a urbanização e as alterações climáticas têm vindo a intensificar as pressões que o homem exerce sobre a utilização da água. Pode ser considerado um grande número de objetivos económicos, sociais e de conservação ambiental que uma sociedade pode procurar atingir com o desenvolvimento dos seus recursos hídricos, tais como o crescimento econó-mico, qualidade ambiental, desenvolvimento regional e bem-estar social, sendo necessário estabelecer compromissos entre as diferentes soluções que otimizam individualmente cada objetivo.A água tem uma escala natural ou física de intervenção: a bacia hidrográfica de cada rio. No planeamento e gestão da água, a escala da bacia hidrográfica apresenta diversas vantagens, em oposição a uma escala ou divisão adminis-trativa, nomeadamente no controlo quantitativo e qualitativo das águas super-ficiais e, geralmente, das águas subterrâneas. Nos casos de bacias hidrográficas internacionais, os conflitos relacionados com os recursos hídricos podem e devem conduzir mais facilmente a uma exploração conjunta dos mesmos e a uma rede de interesses comuns do que a situações mais graves de conflito ou mesmo guerra. É assim desejável que os Estados envolvidos estabeleçam

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planos conjuntos de desenvolvimento dos recursos hídricos da bacia, como no caso das bacias Luso-Espanholas.A água é assim um recurso natural frágil, que requer a maior atenção e esforço na sua gestão e planeamento, no sentido da sua utilização adequada e sustentável.

1.2. A metodologiA trAdiCionAl de plAneAmento

O planeamento de recursos hídricos é uma atividade multidisciplinar que en-volve todos os setores relacionados direta ou indiretamente com o uso da água. As ações de planeamento “visam estabelecer procedimentos organizados com o objetivo de escolher a melhor alternativa para otimizar a utilização dos re-cursos hídricos” 3. Assim, o desenvolvimento de planos de longo prazo prevê a evolução da procura de água e define a política para a gestão dos recursos hídricos, de maneira a ajustar as disponibilidades com a procura, o que pode ser alcançado aumentando as primeiras ou diminuindo a última. Após definido um quadro de objetivos, o processo do planeamento deverá passar por uma avaliação de diferentes alternativas e pelo estabelecimento de prioridades e ca-lendarização de potenciais projetos, considerando as oportunidades e limitações físicas e de gestão do sistema.

1.2.1. O Planeamento na Legislação Atual

Para responder aos problemas e desafios relacionados com os recursos hídricos surgiram estruturas legislativas como a Diretiva Quadro da Água na União Europeia (2000) ou a Lei da Água, em Portugal (2005). Este quadro legislativo enquadra o planeamento dos recursos hídricos, a protecção e ordenamento do domínio hídrico, o regime económico e financeiro, as utilizações, o estabeleci-mento de objetivos de qualidade, a participação das populações e utilizadores, bem como a articulação com os diferentes sectores de atividade económica. Para além disso, a referida legislação promove a qualidade dos ecossistemas aquáticos e veio impôr prazos à conservação e reabilitação destes.É estabelecida como unidade básica do planeamento e gestão dos recursos hí-dricos a Região Hidrográfica, que abrange as águas superficiais, os respetivos leitos e margens e as águas subterrâneas de uma ou várias bacias contíguas. Para cada Região Hidrográfica é elaborado um Plano de Gestão de Região Hidrográfica, que determina as medidas a tomar para se atingirem os objetivos estabelecidos para todas as águas da Região Hidrográfica.

3 Cunha, et al. 1980.

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1.2.2. Planos de Recursos Hídricos

O planeamento de recursos hídricos em Portugal inclui o Plano Nacional da Água (PNA) e os diferentes Planos de Gestão de Região Hidrográfica (PGRH). Estes planos apresentam o diagnóstico da situação dos recursos hídricos em Portugal, para além de cenários de evolução sócio-económica e seu relaciona-mento com os recursos hídricos, enunciam objetivos e medidas, propondo uma programação física e financeira para um horizonte de 20 anos, enquadrada por um conjunto de programas de ação de construção de infraestruturas (saneamento básico e regadio) e da implementação das ações necessárias ao cumprimento de objetivos ambientais.Atualmente estão em vigor o PNA 2002 e os Planos de Bacia Hidrográfica de 2000/2001, produzidos aquando da aprovação da Diretiva Quadro da Água. Até à data da elaboração deste trabalho, Portugal ainda não adotou os novos PGRH e o PNA 2010, que somos obrigados a produzir por força da Lei da Água, e que são considerados indispensáveis para cumprir a legislação europeia de qualidade da água.

2. AS FONTES DE INCERTEZA E RISCOS ASSOCIADOS À ÁGUA

Nos últimos anos registou-se um aumento dos riscos associados à ocorrência de fenómenos naturais extremos e ao impacte das alterações climáticas. Adicional-mente, a incerteza e complexidade de situações relacionadas com a crescente procura de água, a necessidade de garantia dos seus parâmetros de qualidade e de definição de prioridades de consumo, para além da constante variação da disponibilidade do recurso, fazem do planeamento de recursos hídricos uma difícil tarefa. Neste contexto, procurou-se analisar os diferentes fatores de risco e incerteza relacionados com os recursos hídricos portugueses, bem como os seus impactes sobre estes.

2.1. evolução no Consumo de águA

Um dos elementos chave do planeamento de recursos hídricos é a análise prospe-tiva da evolução das necessidades de água pelos diferentes sectores de atividade, no quadro do desenvolvimento sócio-económico nacional e regional em horizontes temporais relativamente alargados. Esta análise sugere uma inversão da presente tendência decrescente do consumo de água na agricultura, devido a um possível aumento na produção agrícola nacional, mesmo que este seja sustentado em tecno-logias de uso eficiente de água. No que respeita ao consumo industrial e urbano, não se antecipam mudanças significativas, como resultado da estabilização do cres-

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cimento demográfico e crescimento industrial, aliado ao facto de praticamente toda a população ter acesso a sistemas de abastecimento de água. Para além disto, pode ser previsto um aumento da eficiência também neste sector, com a preocupação crescente das próprias entidades gestoras para a redução das perdas nas redes, e a implementação de tarifas que incentivem o uso eficiente da água. O seguinte gráfico ilustra mesmo uma descida dos volumes de água captada, tratada e distribuída pela rede pública de abastecimento, sensivelmente desde 2005.

Figura 1: Evolução do volume de água captada (a vermelho), tratada (a azul) e distribuída (a laranja) pela rede pública, 1991-2008 (PORDATA , 2009).

2.2. evolução dA quAlidAde dA águA

O reconhecimento das massas de água como sistemas ambientais resultou numa significativa melhoria da sua qualidade. Assim, verificou-se um aumento significativo do número de parâmetros de qualidade analisados bem como dos pontos de amostragem. Por outro lado, evoluiu igualmente a legislação dos recursos hídricos, introduzindo exigentes restrições nas descargas de efluentes e a definição simultânea de objetivos de qualidade nos meios recetores. O ob-jetivo final é a obtenção de um bom estado químico e ecológico de todas as águas superficiais, uma boa qualidade das águas subterrâneas e o cumprimento das normas e objetivos relativos a zonas protegidas.

2.3. impACtes dAs AlterAções ClimátiCAs

Na análise dos impactes das alterações climáticas sobre os recursos hídricos nacionais, foram realizados vários estudos considerando diferentes modelos climáticos. Como resultado, vários cenários potenciais foram previstos: redução

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global do escoamento anual no Sul de Portugal; aumento da assimetria sazonal das disponibilidades de água - ligeiro aumento de escoamento no Inverno e acentuada diminuição nas outras estações; aumento da assimetria regional das disponibilidades de água – redução do escoamento e da recarga de aquíferos no Sul; aumento do risco de cheias, particularmente no Norte; degradação da qualidade das águas superficiais e subterrâneas particularmente no Sul; aumento global da procura de água.Foram igualmente estabelecidos cenários climáticos com base nestes modelos, para o ano de 2050 e 2100, em termos de precipitação e variação de tempe-ratura, apresentados na seguinte tabela.Tabela 1: Cenários climáticos com os modelos considerados (Cunha L. V., Oliveira, Ribeiro, & Nascimento).

Para que Portugal possa enfrentar estas alterações, é fundamental que modifique as metodologias tradicionais de planeamento e gestão de recursos hídricos. Neste sentido, foi desenvolvida uma Estratégia Nacional de Adaptação aos Impactos das Alterações Climáticas relacionados com os Recursos Hídricos (ENAAC–RH), que tem o objetivo de identificar as principais linhas de atuação relacionadas com ações de adaptação, no âmbito dos recursos hídricos, face às alterações climáticas. Pretende ainda avaliar que ações concretas podem ser desenvolvidas a curto e médio prazo, em diversos sectores, incluindo o planeamento e gestão de recursos hídricos (que inclui gestão de riscos de cheias, secas e qualidade da água). São assim definidos seis programas, que envolvem: proteção das massas de água, aperfeiçoamento dos processos de planeamento e gestão dos recursos hídricos, reforço e diversificação das origens de água, aumento da capacidade de armazenamento e de regularização de escoamento, controlo do risco de cheias e promoção do conhecimento. A principal mudança conceptual deverá ser o abandono do pressuposto tradicional da engenharia que considera o clima histórico como um indicador credível das circunstâncias futuras.

2.4. situAções HidrológiCAs extremAs

Não sendo situações novas, as situações hidrológicas extremas, como as cheias e secas, têm causado crescentes impactes ambientais e socioeconómicos. Por

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outro lado, como visto anteriormente, identificam-se cenários de possíveis agra-vamentos futuros destes fenómenos devido às alterações climáticas. Em situações de cheia, a inundação das margens e zonas adjacentes pode colocar em risco a segurança das populações e causar elevados prejuízos ambientais e materiais. Procura-se, por isso, mitigar os efeitos das cheias através de diversos tipos de medidas, tais como: criação de albufeiras de regularização, diques de protecção, ordenamento da ocupação da planície de inundação, sistemas de aviso de cheias, entre outros. Por sua vez, uma análise do problema das secas e da possível escassez de água em Portugal permite reconhecer que a nível nacional as disponibilidades hídricas têm em média, valores acima da média europeia. No entanto, a sua distribuição no espaço e no tempo é bastante irregular, o que está na origem da ocorrência de problemas de escassez. Face a essa irregularidade do regime de precipitação e, consequentemente, do regime hidrológico, a gestão dos recursos hídricos impõe a regularização dos caudais e o armazenamento da água dos rios, de maneira a minimizar os efeitos de situações extremas. Com o objetivo de prevenir e mitigar os efeitos das secas, é possível intervir sobre a vulnerabilidade dos sistemas de armazenamento e distribuição de água (como as albufeiras e aquíferos), dos usos e dos desperdícios, de maneira a prevenir e mitigar os efeitos da seca através da aplicação de diferentes medidas. Para além de tais medidas, o desenvolvimento de indicadores de avaliação que reflitam a afetação sequencial das diferentes fases do ciclo hidrológico numa situação de seca torna-se fundamental para uma sistemati-zação do processo de gestão e prevenção de secas.

2.5. o pApel dA HidroeleCtriCidAde nA produção energétiCA

Um estudo acerca do papel da hidroelectricidade na produção energética na-cional concluiu que este é um sector em expansão, que crescerá em paralelo com outras fontes de energia renovável (especialmente eólica). Tal crescimento deve-se ao importante papel na regulação e armazenamento de energia, que se torna particularmente relevante dado o presente cenário de tentativa de re-dução da nossa dependência em combustíveis fósseis e importação de energia elétrica. Outra consequência desta crescente capacidade será a criação de mais albufeiras de armazenamento de água, um importante fator na eventualidade de situações de escassez.

2.6. outros risCos e FAtores de inCertezA

Entre os problemas emergentes e outros fatores de mudança a considerar, po-demos referir: o aumento dos custos dos serviços prestados aos utilizadores; a

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maior competição na disputa de verbas do orçamento global para o sector da água; a crescente participação da opinião pública e o seu papel na aceitação das soluções a implementar; o contexto institucional, caracterizado por modelos

Figura 2: Evolução acumulada da potência licenciada (MW) (Direcção Geral de Energia e Geologia, 2011).

de gestão que envolvem cada vez mais o sector privado, num domínio tradicio-nalmente marcado pela responsabilidade direta do poder público. Igualmente a destacar é a questão das janelas de oportunidade de investimento, associadas a financiamentos comunitários, que podem originar a precipitação de tomada de decisões, interferindo na articulação dos planos a longo prazo. Outros fatores de risco e fontes de incerteza, são ainda analisados nos PGRH, nomeadamente: erosão hídrica e transporte de material sólido, erosão costeira e capacidade de recarga do litoral, movimentos de massas (deslizamentos de terras) e riscos associados a infraestruturas (barragens).

2.7. “novA CulturA dA águA”

A utilização mais eficiente da água, conjuntamente com a proteção e recupe-ração das águas naturais, devem constituir uma opção estratégica na política da água, uma vez que este é um recurso limitado e constitui uma necessidade estratégica. De facto, estes fatores têm implicações económicas a diferentes níveis e representam uma área de crescente preocupação ambiental na legislação nacional e europeia. Este aumento de eficiência pode ser alcançado por dois tipos de meios. Por um lado, pode-se visar a diminuição de desperdícios inerentes à utilização da água, de uma forma direta, através de meios técnicos. Uma vez que o desperdício atual de água é tão grande, há muito espaço para ganhos de eficiência na sua utilização apenas pela redução destes desperdícios. Alguns dados demonstram isto mesmo: cerca de um terço da água potável

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é perdida nas redes ou é desperdiçada em utilizações abusivas; metade da água utilizada em irrigação é perdida no transporte; a indústria, de um modo geral, utiliza quantidades de água superiores às necessárias. Desta forma, a economização da água consumida passa pela redução das perdas nos sistemas de produção/distribuição, diminuição dos desperdícios domés-ticos pelos utilizadores, alteração dos modos de exploração (agricultura), e modificação da cultura instaurada. A poupança de grande parte da água atualmente desperdiçada é tecnicamente viável e bem mais barata do que o aumento de produção necessário para cobrir as necessidades futuras projetadas. Para além desta redução de desperdícios, consideram-se outras soluções para aumentar a eficiência, como sejam a utilização de águas pluviais, ou mesmo a reutilização de águas residuais para rega, combate a incêndios e limpeza urbana e de equipamentos.Esses desperdícios podem ser igualmente combatidos de forma mais indireta, através de instrumentos económicos, financeiros, socioculturais e jurídicos. Os instrumentos económicos funcionam como complemento de regras de comando e controlo, nomeadamente as relativas a licenciamento, fiscalização, normas de descarga e de utilização da água. Estes instrumentos tendem a, mais do que impor, induzir um comportamento aos utilizadores.

2.7.1. ESTRATÉGIA A ADOTAR

Assim, uma utilização sustentável dos recursos hídricos (uma utilização que não coloque em risco o seu uso por parte das gerações vindouras) deverá reger-se por três princípios básicos:• o princípio do valor social da água, que reconhece que a água é um bem

de consumo essencial, ao qual todos devem ter acesso;• o princípio do valor ambiental da água, que determina que a água é um

recurso cuja sustentabilidade ambiental deve ser assegurada, para que o próprio princípio do valor social não seja colocado em causa;

• o princípio do valor económico da água, que evidencia que a água é um recurso escasso, cuja utilização deve ser economicamente eficiente, ou seja, em que os benefícios resultantes da sua utilização devem ser capazes de compensar a totalidade dos custos inerentes ao seu uso.

A estratégia centra-se então na gestão da procura de água em detrimento da intensificação da exploração. Aceitar que a água seja considerada, simplesmente, como um bem comum que se pretende gratuito ou fortemente subsidiado, é uma perspetiva contrária à boa gestão de um recurso que é finito e vulnerável.

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Por tudo isto, e tendo em conta o princípio fundamental de que os recursos hídricos são um bem comum essencial, mas escasso, um sistema eficaz de gestão dos recursos hídricos não pode deixar de considerar a água como um recurso ou como um bem económico, o que implica a condenação da utiliza-ção irresponsável e permissiva da água, e impõe a aceitação do princípio do utilizador-pagador (que inclui o princípio do poluidor-pagador). Contudo, e porque a água constitui um bem comum essencial à população e à atividades de um país, ele é um recurso estratégico e, por conseguinte, é inalienável a responsabilidade de um estado na sua gestão e controlo.

2.8. prioridAdes estrAtégiCAs pArA o setor dA águA

Essencialmente, as prioridades estratégicas para o sector da água passam por melhorar a qualidade da água e assegurar as disponibilidades suficientes para as necessidades que se perspetivam. No fundo, se aplicarmos todo o enqua-dramento legal a que somos obrigados, cumprimos pelo menos as prioridades relacionadas com a qualidade da água. Quanto às prioridades relacionadas com a quantidade, seria importante haver diretivas comunitárias (que oferecem uma “força legal” muito maior) que respondessem a esses problemas: para além da criação da “Diretiva das Cheias”, haver também uma “Diretiva das secas”, que afetam principalmente os países do Sul da Europa. No geral, as áreas mais relevantes a desenvolver para melhorar a gestão dos recursos hídricos serão: o uso eficiente da água; a qualidade ecológica e a requalificação dos sistemas hídricos; a equidade e a participação nos processos de decisão; e a reforma das instituições. Outro aspeto a considerar é aquilo que se pode designar por “Vocação regional da água”. Esta é uma opção que se prende com a instalação de novas indústrias ou explorações agrícolas onde há água, ou a construção de infraestruturas (ou mesmo a execução de transvases) para levar a água onde há indústria e agricultura. Esta avaliação de estratégias está a ser feita com base em cenários prospetivos que permitem perceber que sectores estão previstos crescer e quais serão as respetivas disponibilidades de água por região.

3. A REFORMULAÇÃO DO PLANEAMENTO

Para uma abordagem do planeamento dos recursos hídricos consentânea com a dinâmica e complexidade de decisão características deste sistema, considera-se adequada a associação de dois métodos. Por um lado, a utilização de técnicas de tratamento da incerteza e gestão do risco que incorporam um reajuste progressivo da adequação dos modelos e projeções à realidade, por outro, sob o ponto de vista processual, o planeamento rolante. Os requisi-

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tos de elasticidade, monitorização, autocorreção e adaptabilidade contínua do sistema de planeamento dos recursos hídricos, bem como a capacidade instalada de lidar com a incerteza, são as únicas hipóteses de viabilidade de um plano num ambiente cuja evolução é imprevisível e não controlável. A natureza do sistema de recursos hídricos exige, portanto, um sistema de planeamento integrado, e as características do sistema político-económico só são compatíveis com um planeamento integrado se este for estratégico, ou seja, flexível, contínuo e autocorrigível. Neste sentido, entende-se que o planeamento rolante constitui a forma prática de instalação desse siste-ma. A principal característica desta abordagem é que o planeamento não é assumido como um projecto com determinada durabilidade, que acaba com a produção de um plano. O planeamento rolante pretende ser uma função institucional contínua que continuadamente traça, corrige e aperfeiçoa imagens de “possíveis futuros”, a diferentes prazos, para os quais estuda alternativas de atuação. Os cenários são continuamente aperfeiçoados num processo interativo de introdução de nova informação e de “projecção” e “feedback” dos resultados esperados de uma atuação a curto e médio prazo nos cenários mais longínquos. No entanto o processo não pára, continuando a “prospeção” dos futuros. De facto e ao fim de vários ciclos, o plano de curto prazo mais não é que o detalhamento daquilo em que se transformou, após sucessivas correções, um plano de longo prazo antecedente. Todo o processo resulta num plano robusto, que permite tomar decisões a curto prazo que deixem abertas tantas opções quanto possível face a futuras alterações.Como aplicação clara desta tipologia de planeamento ilustra-se aqui o processo de planeamento associado aos Planos de Gestão de Região Hidrográfica referidos

Figura 2: O processo do planeamento associado aos PGRH (Borges, 2009).

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anteriormente. Facilmente se verifica que o processo cíclico parte da publicação dos primeiros PGRH e do acompanhamento da implementação das medidas propostas, para logo rever a caracterização das regiões hidrográficas em função dos resultados dessas medidas. A partir desse ponto, todo o processo é repetido até à publicação dos segundos PGRH, seis anos após os primeiros (prazo em que estes devem ser revistos). Este método deverá ser repetido subsequentemente, revendo os objetivos e medidas a implementar, e integrando sempre a informação disponível à altura.

4. A ABORDAGEM SISTÉMICA E DE CENARIZAÇÃO

Uma decisão em condições de incerteza tende a apoiar-se em regras heurísticas, que não passam de simplificações da realidade. Assim, pretende-se superar esta inconsistência com a aplicação de cenários, os quais “subvertem” o tempo, permitindo testar futuros alternativos no momento presente. Neste sentido, o planeamento estratégico baseado em cenários lida com problemas não es-truturados onde a incerteza, a consequente complexidade e as mudanças são fatores constantes e, cada vez mais, intensos e acelerados. Esta metodologia utiliza a técnica de construção de cenários como ferramenta para o planeamento de médio e longo prazo, onde o ambiente opera sob condições de incerteza. O planeamento por cenários resulta da constatação da impossibilidade de saber de que forma o futuro vai evoluir, sendo que uma boa decisão ou estratégia a adotar é aquela que é escolhida entre vários futuros possíveis. Assim, para se encontrar uma estratégia “robusta”, são criados cenários marcadamente divergentes entre si, que não passam de futuros alternativos possíveis que resultam de combinações de hipóteses plausíveis e consistentes baseadas nas configurações possíveis das incertezas críticas no tempo futuro. A sua construção requer a conjugação de intuição e razão, sendo para tal necessário a utilização do pensamento sistémico, com base na interdependência e no interrelacionamento das partes do sistema (evitando-se as visões isoladas das suas variáveis); e do pensamento divergen-te, de maneira a achar o maior número possível de soluções para determinado problema. Procura-se assim reduzir a complexidade e estruturar a incerteza.O exercício de cenarização sócio-económica e os seus reflexos em termos de recursos hídricos, deverá permitir obter uma visão global das necessidades sectoriais de água, bem como a sua espacialização por áreas geográficas de in-teresse, nomeadamente as bacias hidrográficas. O horizonte dessa análise deverá ser a 10 e 20 anos, devendo permitir a identificação dos principais sectores de atividade utilizadores dos recursos hídricos, especialmente os consumptivos: necessidades urbanas (domésticas, públicas e de serviços), industriais e agrícolas.

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5. CONCLUSÃO

Com este estudo pretendeu-se efetuar a caracterização das principais fontes de incerteza e risco associadas ao planeamento dos recursos hídricos, avaliando os seus impactes e tendências de evolução futura. Esta análise teve por objetivo contribuir para uma reformulação da metodologia tradicional de planeamento, em função da crescente importância e influência dos diferentes fatores de in-certeza sobre os recursos hídricos. Neste sentido, concluiu-se que a melhor alternativa a uma metodologia linear de planeamento passa pela utilização de técnicas de tratamento da incerteza e gestão do risco que incorporam um reajuste progressivo da adequação dos modelos e projeções à realidade, traduzindo-se, sob o ponto de vista processual por uma abordagem dinâmica, flexível, contínua e autocorrigível do planea-mento – planeamento rolante. Este deve ter por base a construção de cenários prospetivos do futuro, validando a cenarização como ferramenta essencial do planeamento estratégico e de decisão em situações de incerteza.• A “cenarização” ajuda a precisar o pensamento estratégico, a desenhar

planos para lidar com o imprevisto e a manter uma visão mais ampla dos problemas. Assim, o planeamento baseado em cenários constitui um melhor suporte para a tomada de decisão em situações de incerteza, porque facilita o conhecimento, amplia a base de dados do sistema e alarga os modelos mentais dos decisores.

• Ao identificar as oportunidades e ameaças, este processo contribui para a formulação e para o próprio refinamento da estratégia, bem como para no futuro determinar onde será necessária uma mudança ou adaptação. No final do processo, as respostas compõem hipóteses plausíveis de tendências de futuro.

Neste contexto conclui-se que a adoção do planeamento estratégico baseado em cenários prospetivos seria da maior utilidade para os diferentes escalões e instituições que lidam com o planeamento dos recursos hídricos nacionais por vários motivos:• Os cenários constituem um instrumento com grande potencial como ferramenta

de apoio à decisão em diversos âmbitos;• A adoção e sistematização desta ferramenta pelas diversas entidades responsá-

veis pelo planeamento de recursos hídricos, serviria para uniformizar e alinhar os diferentes planeamentos estratégicos, contribuindo para a uniformização de um projecto comum integrado, coerente, sinérgico e criterioso;

• Desenvolvimento de uma atitude de antecipação às transformações em curso no mundo e em Portugal, contrariando a mentalidade reativa predominante.

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Catarina Godinhoa1, Filipe Melob, Orlando Fernandesc

a Cooperativa de Ensino Superior Egas Moniz, Quinta da Granja, 2829 - 511 Caparica, Portugalb Faculdade de Motricidade Humana, Estrada da Costa, 1499-688 Cruz Quebrada – Dafundo, Portugalc Universidade de Évora, Largo dos Colegiais 2, 7000 Évora, Portugal

ABSTRACT

The study of Human movement has suffered an increasing interest justified by the need to better quantify clinically motor symptoms.The models of linear analysis allow us to access limited information. In the domain of movement control, the values of linear variability provide quanti-tative information about movement parameters but don’t provide information about the evolution of movement dynamics. Thus, we believe it might not be the ideal approach to study Human movement.The nonlinear analysis differs because of its sensitivity to characterize the data in time series. This can be performed based on the measurement of Approximate Entropy, Lyapunov Exponent and Correlation Dimension. These parameters are sensitive to the regularity of systems behavior’s. This helps determine the complexity and quantify the regularity or predictability of time series, while still providing information about the instability and dimensio-nality of dynamic systems.The models and nonlinear analysis are changing the way we study and inter-pret the dynamics of motor behavior. They constitute useful tools for research and clinical context when used as supplementary diagnostic elements and therapeutic aids.

Keywords: Nonlinear analysis; Human movement; Clinical evaluation; Varia-bility; Movement dynamics.

ApliCAção de ConCeitos mAtemátiCos e estAtístiCos à Análise do movimento humAno em Contexto ClíniCo

1 Contacto: Email – [email protected] (Catarina Godinho), Tel.: +3519624103131 Contacto: Email – [email protected] (Filipe Melo); [email protected] (Orlando Fernandes)

Recebido em 16 de Agosto de 2012 / Aceite em 4 de Outubro de 2012

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RESUMO

O estudo do movimento Humano tem sofrido grande evolução devido à ne-cessidade de quantificar e tornar objetivo aquilo que se avalia clinicamente.Os modelos de análise linear apenas permitem o acesso a um conjunto limitado de informação. No âmbito do controlo do movimento os valores relativos à variabilidade linear fornecem informação quantitativa sobre os parâmetros do movimento, mas não permitem ter acesso à informação sobre a sua dinâmica evolutiva, não sendo por isso o método ideal para estudar o movimento Humano. A análise não linear destaca-se pela sua sensibilidade na caracterização dos dados nas séries temporais. Esta pode ser realizada a partir da avaliação da entropia aproximada, do expoente de lyapunov e da correlação dimensionada. Estes parâmetros são sensíveis à regularidade comportamental dos sistemas, permitindo determinar a complexidade, quantificar a regularidade ou previsibili-dade das séries temporais, fornecendo ainda informação acerca da instabilidade e dimensionalidade dos sistemas dinâmicos.A modelação e a análise não linear estão a mudar a forma como estudamos e interpretamos as dinâmicas do comportamento motor, constituindo-se como ferramentas úteis, inclusive em contexto clínico, onde se constituem como meios complementares de diagnóstico e auxiliares terapêuticos.

Palavras-Chave: Análise não linear; movimento humano; Avaliação; Variabi-lidade; Dinâmica do movimento.

1. INTRODUÇÃO

O estudo do movimento humano tem sofrido grande evolução, com o desenvol-vimento de novos testes, novos modelos e sofisticadas técnicas de análise, que vêm dar um novo significado ao estudo do tema, enfatizando a necessidade de quantificar e tornar objetivo aquilo que se avalia clinicamente.No âmbito da análise dos padrões de geração do movimento, podem incluir-se o contexto clínico e desportivo, a robótica, ou as neurociências, que utilizam conceitos e instrumentos relacionados com a análise de parâmetros do movimento, da variabilidade e da complexidade dos sistemas biológicos. Estas formas de abordagem envolvem tanto modelos matemáticos e estatís-ticos, como modelos de análise não linear mais orientados para o estudo da dinâmica do movimento.

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2. AVALIAÇÃO DO COMPORTAMENTO MOTOR

Vários estudos foram realizados com o objetivo de analisar o comportamento motor em diferentes populações (atletas, indivíduos sedentários saudáveis, indivíduos com doenças do movimento, etc.), (Collins et al., 1995; Brusse et al., 2005; Schmit et al., 2005) durante a realização de tarefas relacionadas com o controlo postural e a marcha em diferentes situações (presença e ausência de informação visual, em superfície estável ou instável, etc.) (Collins & De Luca, 1995).Muitos especialistas em investigação clínica recorrem a modelos de análise linear com o objetivo de identificar, controlar e eventualmente solucionar os problemas com que se deparam. No entanto, é cada vez mais frequente a constatação que estes modelos de análise linear apenas permitem o acesso a um conjunto limitado de informação, não sendo por isso o método ideal para estudar o movimento Humano (Harbourne & Stergiou, 2009).O conceito de linearidade é entendido como estando associado ao domínio de uma única dimensão do espaço. No âmbito do controlo do movimento os valores relativos à variabilidade linear fornecem informação quantitativa sobre os parâmetros do movimento, mas não permitem ter acesso à informação sobre a sua dinâmica evolutiva isto é, a variabilidade ao longo tempo.Estas variáveis tradicionais, que incluem parâmetros estatísticos relacionados com valores máximos e mínimos, valores médios, desvio padrão e coeficiente de variação, mostram-se muito limitadas quando se pretende explicar a varia-bilidade do movimento humano na medida em que distribuições com a mesma tendência central, assumem graus de dispersão ou variabilidade dos dados muito diferentes, sendo que, quanto maior for esta dispersão, menos significativas serão as medidas de tendência central.Os valores médios tendem a remover informação sobre a variação temporal do movimento e encobrem a verdadeira estrutura da variabilidade presente nos parâmetros do movimento. As variações observadas entre as diferentes repe-tições de uma tarefa ou ação motora (desvio padrão, coeficiente de variação, etc.) são normalmente consideradas aleatórias e independentes das repetições anteriores ou posteriores.O termo não linear, utilizado em associação com o termo dinâmica – dinâmica não linear, pode ser associado a um sistema, considerando múltiplas dimen-sões, onde o output não é necessariamente proporcional ao input, isto é, para o mesmo input e em função das características do sistema existe uma variabi-lidade de outputs associada. Por outras palavras, o mesmo input pode significar diferentes funções de transferência associadas ao output, correspondendo este

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fenómeno à atribuição de uma característica não determinista ao processamento das condições iniciais que o sistema irá tratar.A análise não linear tem vindo a ser progressivamente reconhecida e integrada na área das ciências médicas desde a década passada, na cardiologia (Voss et al., 2009), neurologia (Stam 2005), psiquiatria (Lehnertz 2008), fisioterapia (Harbourne & Stergiou, 2009), pediatria (Deffeyes et al., 2009 a, b; Harbourne, et al., 2009), etc.

3. CONCEITO DE VARIABILIDADE

A variabilidade é inerente a qualquer sistema biológico e, no âmbito da análi-se do movimento, diz respeito às alterações naturais do nível de performance motora ao longo de várias repetições de uma mesma tarefa. A literatura recente tem vindo a alterar a interpretação da variabilidade, considerando-a como um resultado de processos aleatórios e, demonstrando que muitos dos fenómenos considerados como informação não pertencente ao tratamento do sistema (ruído) resultam de interações não lineares, apresentando uma origem determinista. Assim, ao retratar a variabilidade podemos retirar informação importante sobre o comportamento do sistema. Em geral, os sistemas biológicos, como o ser humano, são bons exemplos de sistemas não lineares complexos, com uma grande variabilidade comportamental intrínseca, tanto no espaço, como no tempo.Por exemplo, parâmetros biológicos como o ritmo cardíaco apresentam uma variabilidade inata embora não aleatória, correspondendo a uma espécie de as-sinatura, na medida em que é possível identificar nessa variabilidade uma certa ordem, que pode ser descrita através de técnicas de análise não linear. Estas técnicas consistem na análise de características estruturais de séries temporais que podem ser periódicas, caóticas ou aleatórias (Stergiou, 2004).O conceito de ótima variabilidade, associado a um comportamento motor, é a questão central de uma abordagem não linear. Para a Teoria dos Sistemas Di-nâmicos (TSD) o comportamento da variabilidade de um sistema está associado aos níveis de estabilidade que poderão conduzir a uma mudança que leve o sistema a adotar um novo comportamento (novo atractor).Um sistema que não apresente variabilidade (em completo equilíbrio) corres-ponde a um organismo sem vida implicando a apresentação de um comporta-mento estático (não dinâmico). Esta invariância, no âmbito do comportamento Humano, pode conduzir a um mapeamento anormal do sistema sensório-motor resultando numa função motora perturbada (constrangida), normalmente asso-ciada a sistemas menos complexos.Com efeito, pode afirmar-se que a ótima variabilidade biológica está associada a um sistema em que a sua dinâmica oscila entre a grande variabilidade e a

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completa repetibilidade. A marcha é um exemplo de uma ação cíclica contínua, em que cada passada não pode ser aleatória ou completamente repetível (robó-tica), possuindo em vez disso uma variabilidade ótima (na marcha normal/não patológica). Para se ter uma noção da quantidade de variabilidade normal que um sistema deve apresentar teremos que identificar e compreender os padrões dinâmicos do movimento inerentes ao sistema em causa.

4. ANÁLISE NÃO LINEAR DE SÉRIES TEMPORAIS

Uma série temporal é um conjunto de dados (observações) ocorridos sequen-cialmente ao longo do tempo. Em modelos de análise linear a ordem das ob-servações é irrelevante para a análise, na TSD a ordem dos dados nas séries temporais é fundamental.O primeiro passo da análise não linear de uma série temporal é a definição do estado de espaço (state space), ou seja, o comportamento do vetor espa-cial, onde o sistema dinâmico pode ser definido a partir de qualquer ponto. A representação do comportamento do sistema dinâmico no estado de espaço, designa-se de estado de fase (phase space) (Stergiou, 2004). A análise não linear, como anteriormente foi referido, pode ser realizada a partir da avaliação de vários parâmetros. A Entropia Aproximada (EnAp), o Expoente de Lyapunov (ELy) e a Correlação Dimensionada (CoD) são alguns dos parâmetros mais utilizados neste tipo de análise das séries temporais. Estas medidas destacam-se pela sua sensibilidade de caracterização dos dados das séries temporais, razão pela qual Deffeyes e colegas (2009 a, b), apontam estas medidas como ferramentas potenciais para o estudo clínico nomeadamente do desenvolvimento infantil típico ou patológico. O parâmetro EnAp é um conceito apresentado nas teorias da informação, sensível à incerteza e regularidade comportamental do sistema, sendo desta forma um método específico para determinar a complexidade e quantificar a regularidade ou previsibilidade das séries temporais (Pincus, 1991; Pincus et al., 1991). Uma série temporal mais previsível ou regular é menos complexa do que uma série temporal menos previsível ou menos regular.O conceito matemático de EnAp avalia a probabilidade logarítmica de um conjunto de pontos, a determinada distância uns dos outros, exibirem carac-terísticas relativas similares no próximo registo do mesmo espaço temporal (Pincus, 1991; Pincus, 1995). Séries temporais com uma grande probabilida-de (verosimilhança) em manterem a mesma distância entre elas ao longo da comparação serão traduzidas por baixos valores de EnAp, enquanto conjuntos de dados que exibam grandes diferenças na distância entre esses pontos, dão origem a valores de EnAp mais elevados.

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Uma outra leitura acerca do conceito de EnAp considera este parâmetro como uma medida da variabilidade, incerteza ou complexidade do sistema, que procura quantificar a regularidade (tendência do sistema em visitar diferentes estados) de uma série temporal. Quanto maior for a variabilidade dos estados assumidos pelo sistema, maior será a incerteza e a complexidade e menor será a preditibilidade comportamental do sistema, tal como acontece nos sistemas dinâmicos caóticos. Por ser sensível à dinâmica dos sistemas, a EnAp tem sido utilizada no âmbito da investigação de diferentes patologias como os traumatismos crânio-encefálicos (Cavanaugh et al., 2006), a doença de Parkinson (Morrison et al., 2008), a avalia-ção dos fatores de risco da síndrome de morte súbita em crianças (Pincus, 1991; Pincus et al., 1991), na análise dos efeitos do género na secreção da hormona do crescimento (Pincus et al., 1996), ou da idade na dinâmica cardiovascular (Ka-plan et al., 1991). Estes estudos, na generalidade, mostraram que a doença e a idade se encontravam altamente correlacionadas com uma diminuição dos valores de EnAp. Estes resultados estão de acordo com a hipótese geral proposta pelas ciências médicas em que a patologia está associada a uma maior regularidade (maior periodicidade), enquanto os processos fisiológicos normais se encontram mais relacionados com uma maior complexidade (maior irregularidade), (Pincus & Goldberger, 1994; Stergiou & Decker, 2011). Se por um lado a patologia altera a regularidade dos sistemas e se por outro a EnAp quantifica essa mesma regularidade, esta medida pode vir a ser importante no contexto clínico, não só ao nível do diagnóstico de padrões de desenvol-vimento atípico (através da análise de alterações da EnAp relativamente aos valores otimais), como também ao nível da avaliação da gravidade da patologia, da monitorização de programas de intervenção e da avaliação da sua eficácia. Um exemplo ilustrativo do potencial da análise não linear, é o trabalho de Harbourne e colegas (2010), que utilizaram medidas não lineares para analisar (e verificar) a melhoria ao nível do controlo postural durante a ação de sentar em crianças com Paralisia Cerebral. Diversos investigadores utilizaram a avaliação da EnAp no estudo de questões relacionadas com o movimento humano. Nesses estudos, verificaram que uma alteração na complexidade do comportamento poderia ser indicadora de apren-dizagem e reorganização dos graus de liberdade disponíveis, (Newell et al., 1997; Vaillancourt & Newell, 2000). Morrison e Newell (1996) empregaram a EnAp para analisar o grau (relativo) de controlo ativo durante o movimento dos membros superiores. Neste contexto, considerou-se que quanto menor fos-se o valor da EnAp, mais ativo seria o controlo exercido na unidade motora eferente em questão.

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Outro conceito da análise não linear para séries temporais obtidas na recolha de dados do comportamento humano é o Expoente de Lyapunov (ELy) que quantifica a taxa de divergência das trajetórias no estado de espaço, fornecendo informação acerca da instabilidade do sistema (Rosenstein et al., 1993; Dingwell & Cusumano, 2000).Para além dos parâmetros referidos anteriormente pode referir-se ainda a Cor-relação Dimensionada (CoD), que fornece informação sobre a dimensionalidade de um sistema dinâmico. Pode ser usada para avaliar como é que um conjunto de dados relativos a uma série temporal como por exemplo, a série temporal de um conjunto de pontos relativos à oscilação do centro de pressão durante uma tarefa de equilíbrio, estão organizados dentro de um estado de espaço. A dimensionalidade aumenta à medida que os dados se tornam mais complexos, sendo por isso importante analisar a magnitude e a variação dos dados ao longo de uma condição experimental (Stergiou, 2004).

4.1 Análise não lineAr do Controlo posturAl

Muitos estudos tentam compreender as estratégias utilizadas pelo sistema de controlo postural para manter a complexidade dos múltiplos graus de liberdade controlados pelo sistema músculo-esquelético no sentido de manter o equilíbrio com as forças externas que atuam durante a manutenção da posição ereta, ou durante a realização de uma determinada ação.A ação de manutenção da postura ereta envolve um complexo controlo do sistema sensorio-motor. Não conseguimos manter-nos imóveis sem produzir qualquer tipo de oscilação. A oscilação do Centro de Gravidade (COG) ou do Centro de Pressão (COP), é um comportamento representativo dos diferentes níveis no controlo postural ortostático. A análise da variação temporal das coordenadas do COP, designada por estabilograma ou estatoquinesigrama, põe em evidência dois tipos de controlo: a) um controlo com caracter reflexo ca-racterizado por um processo em circuito-fechado (closed-loop), em resposta a perturbações externas; b) e um controlo com caracter mais estável e duradouro caracterizado por um processo em circuito-aberto actuando durante um maior período de tempo (Collins et al., 1995).Muitos estudos limitam a análise dos gráficos das series temporais (sequência de dados recolhidos ao longo do tempo) a cálculos estatísticos relacionados com o comprimento do percurso da oscilação nas direções antero-posterior e médio-alteral, com uma determinada amplitude média de oscilação e uma de-terminada área radial, ignorando as características dinâmicas do estabilograma (magnitude e direção dos deslocamentos do COP, ordem temporal das séries de coordenadas do COP, etc.).

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De entre os estudos centrados no movimento humano alguns têm utilizado a determinação da EnAp em populações com condições motoras patológicas. Vaillancourt e Newell (2000), examinaram a complexidade do tremor de re-pouso e postural em doentes com Doença de Parkinson (DP) usando sinais de acelerometria digital.Alguns autores Newell et al., (1993), sugerem que a dimensão correlacionada (CoD) pode ser utilizada como uma forma de avaliação do número de graus de liberdade durante uma tarefa de controlo do equilíbrio. Esses estudos ava-liaram especificamente o controlo motor de indivíduos com e sem patologia do movimento, através da determinação da dimensionalidade dos dados nas series temporais do COP, tendo verificado que a dimensionalidade era sistematica-mente inferior no grupo com patologia em comparação com o grupo controlo saudável. Empregando um método similar Harbourne e Stergiou (2003), também verificaram, ao estudar a evolução da ação de sentar em crianças entre os 4 e os 8 meses de idade, que a dimensionalidade aumentava à medida que as tarefas motoras se automatizavam.Os parâmetros de análise não linear anteriormente apresentados oscilam entre valores que permitem caracterizar o tipo de comportamento associado à série temporal. A tabela seguinte pretende apresentar exemplos de dados obtidos de um conjunto de séries temporais de dois grupos de indivíduos, com e sem Doença de Parkinson (DP).

Tabela 1 - Analise de series de dados temporais angulares das articulações do membro inferior, de um sujeito com DP e de um sujeito saudável, com a mesma idade, durante a marcha em passadeira rolante, utilizando métodos não lineares.

Fonte: Adaptado de Buzzi (2001, p.39-43)

Os valores de ELy observados indicaram que o sujeito sem patologia era lo-calmente mais estável no que respeita às articulações da anca e do joelho, em comparação com o indivíduo com DP, sendo que este obteve um valor de ELy ainda inferior para o movimento da articulação da anca, indicando uma ainda maior estabilidade a este nível articular. Se analisarmos a evolução dos valores do ELy ao longo do movimento de todo o membro inferior, verificamos uma

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diminuição da estabilidade desde as articulações proximais para as distais em ambos os sujeitos. Os mesmos resultados também se verificam para os valores de CoD, onde o aumento da dimensionalidade observado em direção à articula-ção do tornozelo poderá indicar um menor controlo motor e maior flexibilidade periférica. Verifica-se ainda que o individuo com DP obteve valores de CoD superiores aos do individuo sem patologia tanto na articulação do joelho como no tornozelo o que reflete um menor controlo destes movimentos articulares. Em relação ao parâmetro de EnAp, estes resultados mostram uma maior comple-xidade (valores de EnAp maiores) para as articulações do joelho e do tornozelo do que na da anca, em ambos os sujeitos. No entanto, nos indivíduos com DP esses valores são ainda superiores para as referidas articulações, indicando uma ainda maior complexidade destas series temporais quando comparadas com o individuo sem patologia. Estes resultados estão de acordo com os valores obtidos para o ELy, onde interessantemente se pode observar que para o individuo com DP o valor do ELy foi inferior para o movimento articular da anca. Este resultado demonstra possivelmente uma adaptação por parte do movimento articular da anca nos indivíduos com DP como forma de compensação do au-mento da complexidade e estabilidade local das articulações distais resultante da perda de fontes independentes de controlo, devido à patologia (Stergiou, 2004). Num outro estudo relacionado com atividades desportivas, Schmit e colegas (2005) compararam o perfil espaço-temporal da oscilação postural de bailari-nos treinados e de atletas de atletismo durante quatro condições de equilíbrio diferentes (em superfície firme e instável, com os olhos abertos e fechados). A análise linear dos resultados não apresentou diferenças significativas entre os dois grupos durante as condições de teste com presença de informação visual, mas apresentaram um aumento da variabilidade nos testes quer com au-sência de informação visual quer em superfície instável. Outras técnicas matemáticas, que utili-zam a análise não linear, aplicam outro tipo de parâmetros na análise da serie temporal como é o caso da análise de quantificação recorrente (RQA), que fornece informação acerca da repetibilidade e instabilidade da série temporal. O valor da RQA (Figura 1), relativamente à oscilação postural de bailarinos e atletas de atletismo apre-

Figura 1: Séries temporais do Centro de Pressão (COP) no eixo antero/posterior (AP) (esquerda), e Gráficos de Recorrência relativos a séries temporais do COP de bailarinos (a) e atletas de atletismo (b)Fonte: Schmit, et al. (2005, p.372-373).

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sentou menor regularidade no grupo de bailarinos (menor recorrência), menor estabilidade, menor complexidade (menor entropia), e maior estacionaridade do que a dos atletas de atletismo. Os bailarinos, possivelmente devido à inerente ênfase no treino do equilíbrio, exibiram diferentes parâmetros dinâmicos de oscilação postural.Existem numerosos fenómenos oscilatórios no âmbito do comportamento motor que ocorrem de forma regular ou irregular, tanto num contexto de saúde como de doença. Este tipo de comportamento é normalmente analisado por médicos, em contexto específico de avaliação clinica nas diferentes consultas de especia-lidade. No entanto a simples observação deste tipo de comportamento, como o tremor (Figura 2), não permitem ao clinico inferir, através da observação visual, se o processo subjacente deve ser considerado como determinista (regular) ou estocástico (irregular/não determinista).

Figura 2: Registos da aceleração da mão em relação ao tremor fisiológico (a), es-sencial (b) Parkinsónico (c).Fonte: Gantert, et al. (1992, p.480).

A avaliação deste tipo de resultados torna-se assim importante na avaliação do comportamento evidenciado ao nível das extremidades dos membros superiores de doentes com doenças do movimento. Não obstante, alguns dos métodos usados durante a avaliação clínica serem bastante genéricos, avaliando a for-ça de preensão e a amplitude e regularidade do movimento articular, podem apresentar-se limitados na capacidade de avaliar ações relacionadas com as atividades da vida diária.São necessários mais instrumentos e metodologias de análise por forma a implementar métodos eficazes e objetivos de caracterização passíveis de ser utilizados em sessões de avaliação clínica.

5. CONCLUSÃO

O que analisamos e como analisamos é ditado pelos conhecimentos metodo-lógicos e teóricos em que nos suportamos. Ainda que relativamente recentes,

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a modelação e a análise não linear, estão a mudar a forma como estudamos e interpretamos as dinâmicas do comportamento motor, constituindo-se como ferramentas úteis bem como meios complementares de diagnóstico e auxilio na terapêutica de diferentes patologias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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Vaillancourt, D. E., & Newell, K. M. (2000). The dynamics of resting and pos-tural tremor in Parkinson’s disease. Clin Neurophysiol, 111(11), P. 2046-56.

Voss, A. et al. (2009). Methods derived from nonlinear dynamics for analysing heart rate variability. Philos Transact A Math Phys Eng Sci, 367(1887), P. 277-96.

Catarina Afonso GodinhoProfessora Adjunta na Cooperativa de Ensino Superior Egas Moniz. Regente da Unidade Curricular de Fisiologia do Exercício e Assistente das Unidades Curri-culares de Fisiologia Humana Geral. Membro do CiiEM e do Ciper. Doutoranda em Ciências da Motricidade (Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa).

Filipe Soares de MeloProfessor Auxiliar na Faculdade de Motricidade Humana. Regente das Unidades Curriculares de Psicofisiologia e de Controlo Motor e Aprendizagem. Membro do Ciper.

Orlando de Jesus FernandesProfessor Auxiliar na Universidade de Évora. Regente da Unidade Curricular de Análise do Movimento. Membro do Ciper.

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normas Para PuBliCação na rEvista ProElium

1. NORMAS GERAIS

1.1 A PROELIUM é uma revista de divulgação científica para todos os investigado-res (autores) nacionais e internacionais submeterem comunicações e trabalhos de investigação originais.

1.2 A PROELIUM caracteriza-se por uma revista de “banda larga”, e aceita comuni-cações e trabalhos de investigação originais das diferentes áreas científicas que possam contribuir para a Defesa e Segurança de uma forma geral.

1.3 As comunicações e os trabalhos de investigação originais são submetidos, OBRIGA-TORIAMENTE, por via electrónica para [email protected]. Confirmar-se-á a recepção, indicando se respeitam ou não as exigências de formato. Os autores não devem considerar que o artigo foi recebido até confirmação da recepção.

1.4 Cada artigo é revisto, pelo menos, por dois revisores.

1.5 A notificação do resultado é efectuada por correio electrónico ao autor principal (primeiro) do artigo. As notificações de recusa vão acompanhadas da folha de avaliação realizada pelos revisores e editor.

1.6 Em cada número da PROELIUM, um investigador só aparece uma vez como autor principal.

1.7 Os artigos não devem exceder as 30 páginas A4 ou 15 000 palavras, incluindo abs-tract, resumo, notas de rodapé, quadros, gráficos, figuras e referências bibliográficas.

1.8 Os autores devem enviar as figuras (imagens, gráficos e quadros) devidamente inseridas no texto e elaborar uma “pasta” com as imagens, gráficos e quadros devidamente identificadas e em formato JPEG ou TIF.

1.9 Os artigos devem ser acompanhados de um resumo (300 palavras) e abstract (300 palavras), indicação das palavras-chave (5 palavras) e curriculum vitae (CV) re-sumido (75 palavras) do(s) autor(es)1.

2. NORMAS DE REDACÇÃO

2.1 Devem ser consideradas como referência para a elaboração dos artigos as seguin-tes indicações: texto em formato Microsoft Word 2007 ou anterior e justificado; tipo de letra – Times New Roman 12 e espaçamento entre linhas – 1.5; notas de rodapé – Times New Roman 10 e espaçamento entre linhas 1.

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA CIENTÍFICA PROELIUM

1 Grau Académico ou Posto (para militares); disciplinas ministradas na Academia Militar ou noutro Estabe-lecimento de Ensino Superior; CV resumido.

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ProElium – rEvista CiEntífiCa da aCadEmia militar

2.2 O primeiro parágrafo inclui o título do artigo, letra Times New Roman, 12, maiús-culas, negrito, antes 0 e depois 3 pontos, e justificado à direita.

2.3 Inserir um espaço (uma linha em branco): tipo de letra – Times New Roman 12, justificado, espaçamento entre linhas 1, e antes 0 e depois 3 pontos.

2.4 Depois de inserir um espaço (uma linha em branco), inicia-se o segundo parágrafo: tipo de letra – Times New Roman 12, justificado, espaçamento entre linhas 1,5, e antes 0 e depois 3 pontos. O segundo parágrafo inclui o nome do(s) autor(es), departamento, instituição, morada, país.

Exemplo 1: autores da mesma instituição.

Nome primeiro autor a1, nome segundo autor a, nome terceiro autor a

a Instituição, morada (rua, código postal, cidade), país.

Exemplo 2: autores de instituições diferentes.

Nome primeiro autor a1, nome segundo autor b, nome terceiro autor c

a Departamento, instituição, morada (rua, código postal, cidade), país.

b Departamento, instituição, morada (rua, código postal, cidade), país.

c Departamento, instituição, morada (rua, código postal, cidade), país.

Informação em nota de rodapé

1 Contacto do primeiro autor – Tel.: número de telefone.

Email: [email protected] (primeiro autor); [email protected] (segundo autor); [email protected] (terceiro autor).

2.5 Depois de um espaço em branco (uma linha em branco), inicia-se o terceiro pa-rágrafo com a palavra “ABSTRACT”, letra Times New Roman 12, maiúsculas, negrito, centrado, espaçamento entre linhas 1.5, e antes 0 e depois 3 pontos. Na linha seguinte começa-se o texto do abstract com letra Times New Roman, 12, normal, justificado, espaçamento entre linhas 1.5, e antes 0 e depois 3 pontos. O abstract não deve ultrapassar as 300 palavras. Incluir até 5 palavras-chave.

2.6 Depois de um espaço em branco (uma linha em branco), inicia-se o quarto pará-grafo com a palavra “RESUMO”, letra Times New Roman 12, maiúsculas, negrito, centrado, espaçamento entre linhas 1.5, e antes 0 e depois 3 pontos. Na linha seguinte começa-se o texto do abstract com letra Times New Roman, 12, normal, justificado, espaçamento entre linhas 1.5, e antes 0 e depois 3 pontos. O resumo não deve ultrapassar as 300 palavras. Incluir até 5 palavras-chave.

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normas Para PuBliCação na rEvista ProElium

2.7 Após um espaço em branco, colocar-se a primeira secção e em continuação o texto, que deve ser redigido com letra Times New Roman, 12, normal, sem tabulações, justificado.

2.8 As secções do texto deverão ser identificadas com numeração árabe (1,2,3..), Times New Roman 12, maiúsculas, justificadas à esquerda, espaçamento entre linhas 1,5, e antes 0 e depois 3 pontos. Devem ser utilizadas, apenas, três níveis.

Exemplo:

1. SECÇÃO NÍVEL 1

1.1 seCção Nível 2

1.1.1 Secção nível 3

2. CONCLUSÕES

2.9 As notas de rodapé de página figurarão no final de cada página com letra Times New Roman, 10, normal, justificado e espaçamento simples.

2.10 As palavras “REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS” figuram no final do texto em letra Times New Roman 12, maiúscula, negrito, justificadas à esquerda, espaça-mento entre linhas 1,5, e antes 0 e depois 3 pontos.

2.11 Os gráficos, figuras e tabelas (preto e branco) são inseridos no texto. Preferencial-mente devem fazer-se com aplicações do Microsoft Office, ou alternativamente, inserem-se como imagens. Num ficheiro à parte devem ser enviadas as figuras, gráficos e tabelas com uma resolução de 300 dpi.

2.12 A revista PROELIUM adoptou a Norma Portuguesa (NP 405-1) do Instituto Por-tuguês da Qualidade, homologada no Diário da República, III Série, N.º 128 de 03 de Junho, de 1994. A revista PROELIUM, também, aceita artigos em Norma APA Havard.

2.13 De acordo com a NP 405-1, as citações e referências a autores no texto devem ser efectuadas do seguinte modo:

• (autor, data) quando se referem à ideia; (autor, data, página/s) quando citam o autor;

• Se houver referências a mais de um título do mesmo autor no mesmo ano, serão diferenciadas por uma letra minúscula a seguir à data - (Bastos, 2002a), (Bastos, 2002b);

• Quando a obra ou artigo tiver dois autores - (Bastos e Almeida, 2002);

• Quando a obra ou artigo tiver três ou mais autores - (Bastos et al, 2002).

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ProElium – rEvista CiEntífiCa da aCadEmia militar

2.14 As notas de rodapé devem conter informações complementares de natureza subs-tantiva.

2.15 As referências bibliográficas devem ser colocada no final do artigo e contém apenas a lista das referências feitas no texto, ordenadas alfabeticamente e, por ordem cronológica crescente para referências do mesmo autor.

Exemplos bibliográficos:

• Livros

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HENRIQUES et al (1999). Educação para a Cidadania, Plátano Editora, Lisboa.

• Artigos em revistas

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• Instituições

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• Artigos em Revistas on-line

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• Artigos de Jornais

GEADA, Eduardo (1987). “O espaço aberto da filosofia e do saber”, in A Capital, 19 de Novembro, p. 9.

• Legislação

DECRETO-LEI n.º 192/89. D.R I Série, 131 (89-06-08), 2254-2257.

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