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02 FILOSOFIA / SOCIOLOGIA Ciências Humanas e Suas Tecnologias Professor João Saraiva PÓS-MODERNIDADE Ultimamente muito se tem falado em pós-modernidade, e mais do que isso, o termo “pós-modernismo” vem se tornando um “termo-coringa”, isto é, um termo que serve para tudo como um trunfo, saturando-se de significados, quaisquer que sejam. Tais termos são perigosos, carregam Deus e o diabo trocando condolências em uma mesma carruagem, querem dizer o “tudo”, mas se confundem em uma cacofonia de vozes. Tudo é “pós-modernismo”, dizem. No cotidiano encontramos um duplo sentido para o termo: “pós-moderno” é usado tanto em sentido pejorativo como em sentido virtuoso; o sujeito pós-moderno, então, pode ser visto de acordo com a preferência do observador. Não é minha intenção discutir nenhum dos dois significados, mas sim, apresentar algumas considerações sobre o conceito de pós-modernismo dentro de uma perspectiva filosófica e sociológica, sobretudo, com os contornos do sociólogo Zygmunt Bauman, tão mencionado pelo mestre Nilton Sousa. O próprio termo não é um consenso dentro da sociologia. Bauman diz que Giddens caracteriza a sociedade atual como “moderna tardia”, Beck como “moderna reflexiva”, entre outros. Já ele, Bauman, opta pela sociedade “pós-moderna”: “A nossa sociedade (…) como prefiro denominá-la – pós-moderna – é marcada pelo descrédito, escárnio ou justa desistência de muitas ambições (…) características da era moderna.” O importante não é então a etimologia da palavra, mas sim, termos em mente que quando falamos em “pós-modernismo” fora do senso comum, estamos falando de um período marcado por algumas transformações, momento este que marca uma linha divisória mas não fixa e nem tanto inteligível entre o que é “moderno” e “pós-moderno”. Usamos “pós-modernismo” para caracterizar uma época em que visíveis mudanças ocorrem na sociedade em suas múltiplas faces: política, arte, economia, ciência, técnica, educação, relações humanas etc. No entanto, não significa que a humanidade abandonou a modernidade, são tênues divisórias imaginárias que marcam o que é moderno e o que é pós-moderno; o pós-modernismo, em seus vários aspectos que o distingue da era moderna, carrega também a modernidade. Não reinventamos uma nova moral, uma nova ética, uma nova ciência, uma nova economia etc.; um dos princípios do debate pós-modernista é a liberdade, de tal forma que ela sorri abertamente para as divergências; o efêmero, outro princípio pós-moderno, necessita do debate de opiniões, mas a ordem é não manter nenhuma ordem, nenhuma opinião, nenhum valor que seja fixo. Tudo se apresenta como líquido, disforme, fluido, impossível de constância – daí o termo “modernidade líquida” de Bauman em contraposição à “modernidade sólida” do período moderno em que o mundo era criado conforme uma ordem universal. Penso que não dá para compreender pós-modernismo sem antes jogar um pouco de luz sobre aquilo que até então foi chamado de modernidade. www.jasielbotelho.com.br A modernidade tirou Deus do centro do universo e colocou o homem, os valores deixaram de vir do plano transcendental e passaram a ser ditados pela vida terrena. A Reforma Religiosa e, sobretudo, as mudanças econômicas do século XVII, o capitalismo se despedindo de suas formas pré-capitalistas, o germinar do conhecimento moderno, a saber, o cartesianismo, o humanismo, o iluminismo entre outras fontes científicas e filosóficas, dotaram o homem de força e sabedoria. Até então, ele era um frágil, errante e pecador que deveria se sujeitar ao conhecimento dado pelo teísmo, mas na modernidade é ele, homem, que assume o posto da divindade. Deus é destronado – o homem científico matou Deus, constatou Nietzsche –, o plano divino não é negado, mas a vida terrena é separada da vida eterna; na terra reina o homem, no céu reina Deus. O homem econômico-liberal com seu “super-poder” – a Razão – irá buscar criar um mundo ideal, mais ou menos previsível, determinado, organizado, lógico, racional e, principalmente, ordenado – condições essenciais para que se possa atingir a felicidade, também inventada pelo homem moderno. A sociedade moderna deveria estar sob o controle absoluto do Estado, os instintos e a vida cotidiana deveriam ser domados pelos mecanismos estatais de modo a controlar homens e mulheres para a boa ordem da civilização. Estradas planas e bem iluminadas eram necessárias para que o capital pudesse desfilar livremente rumo ao “progresso”, este, o novo dogma da era moderna. A moral, a ética e a ciência ditavam uma ordem determinista e universal, o discurso que não se enquadrava no método lógico-formal não poderia ter lugar no palco científico. A era moderna foi marcada, sobretudo, pela crença na razão e no progresso – em outros termos, pela inversão do polo transcendental para o terreno. Mas o século XX iria colocar em xeque o mundo do progresso e da razão. A ordem e a inteligibilidade pareciam se tornar anêmicas diante de grandes colapsos gerados pelas guerras, revoluções, estragos ambientais, atrocidades e mortes em massa e outros conflitos marcados pelo horror. Ora, pois, a Razão começava a perder a razão, a ordem mostrava o caos, e o progresso… bem, o progresso que prometia uma viagem tranquila à estação felicidade parecia ser a trilha para o fim do mundo. O homem passou a questionar-se sobre aquelas virtudes quase divinas que ele tinha atribuído a si mesmo. A euforia no progresso dá lugar à incerteza no futuro – eis aqui um dos componentes essenciais das “almas pós-modernas”. Nesse contexto de profundas crises humanas, mudanças irão surgir nas múltiplas faces sociais e culturais. Podemos dizer que nas últimas décadas do século XX entra em cena uma sensação de incertezas e dúvidas: o pós-modernismo. Há uma ruptura com o mundo ordenado da modernidade. Mudanças ocorrem em vários campos, as “certezas” se diluem em incertezas e a liberdade, tão cultuada, trata de dar os contornos das novas configurações econômicas, sociais, culturais, políticas, artísticas, científicas e cotidianas – e ninguém sabe dizer para onde estamos indo; a modernidade respondia com autoridade que estávamos caminhando para o progresso, mas a pós-modernidade não está interessada em responder questões existenciais. Nascer com um prazo de expiração é uma virtude desse mundo pós-moderno. O pós-modernismo busca a todo instante a intensificação das sensações e dos prazeres da felicidade, mas jamais quer conhecer a face daquilo que procura, daí ser marcado pelo sentimento de vazio. Nas relações humanas as identidades são marcadas pelas incertezas. Os vínculos são ditados por um jogo em que o jogador deve conquistar o maior número possível de admiradores, mas com o devido cuidado para manter uma distância que não permita criar laços sólidos (quantos amigos você tem no Facebook? Eu falei amigos!). A instituição do casamento é um negócio mais com caráter de festividade do que o antigo pacto de homens e mulheres que adquiriam o alvará, perante Deus, para terem relações sexuais selados com a aprovação divina; o ar pesado do “até que a morte nos separe” é substituído pela leveza de um contrato que deve deixar muito bem claro as fronteiras que dirão os rumos de cada um quando o amor perder o prazo de validade.

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nº02FILOSOFIA / SOCIOLOGIA

Ciências Humanas e Suas Tecnologias

Professor João Saraiva

PÓS-MODERNIDADE

Ultimamente muito se tem falado em pós-modernidade, e mais do que isso, o termo “pós-modernismo” vem se tornando um “termo-coringa”, isto é, um termo que serve para tudo como um trunfo, saturando-se de signifi cados, quaisquer que sejam. Tais termos são perigosos, carregam Deus e o diabo trocando condolências em uma mesma carruagem, querem dizer o “tudo”, mas se confundem em uma cacofonia de vozes. Tudo é “pós-modernismo”, dizem. No cotidiano encontramos um duplo sentido para o termo: “pós-moderno” é usado tanto em sentido pejorativo como em sentido virtuoso; o sujeito pós-moderno, então, pode ser visto de acordo com a preferência do observador.

Não é minha intenção discutir nenhum dos dois signifi cados, mas sim, apresentar algumas considerações sobre o conceito de pós-modernismo dentro de uma perspectiva fi losófi ca e sociológica, sobretudo, com os contornos do sociólogo Zygmunt Bauman, tão mencionado pelo mestre Nilton Sousa.

O próprio termo não é um consenso dentro da sociologia. Bauman diz que Giddens caracteriza a sociedade atual como “moderna tardia”, Beck como “moderna refl exiva”, entre outros. Já ele, Bauman, opta pela sociedade “pós-moderna”: “A nossa sociedade (…) como prefi ro denominá-la – pós-moderna – é marcada pelo descrédito, escárnio ou justa desistência de muitas ambições (…) características da era moderna.”

O importante não é então a etimologia da palavra, mas sim, termos em mente que quando falamos em “pós-modernismo” fora do senso comum, estamos falando de um período marcado por algumas transformações, momento este que marca uma linha divisória mas não fi xa e nem tanto inteligível entre o que é “moderno” e “pós-moderno”.

Usamos “pós-modernismo” para caracterizar uma época em que visíveis mudanças ocorrem na sociedade em suas múltiplas faces: política, arte, economia, ciência, técnica, educação, relações humanas etc. No entanto, não signifi ca que a humanidade abandonou a modernidade, são tênues divisórias imaginárias que marcam o que é moderno e o que é pós-moderno; o pós-modernismo, em seus vários aspectos que o distingue da era moderna, carrega também a modernidade.

Não reinventamos uma nova moral, uma nova ética, uma nova ciência, uma nova economia etc.; um dos princípios do debate pós-modernista é a liberdade, de tal forma que ela sorri abertamente para as divergências; o efêmero, outro princípio pós-moderno, necessita do debate de opiniões, mas a ordem é não manter nenhuma ordem, nenhuma opinião, nenhum valor que seja fi xo. Tudo se apresenta como líquido, disforme, fl uido, impossível de constância – daí o termo “modernidade líquida” de Bauman em contraposição à “modernidade sólida” do período moderno em que o mundo era criado conforme uma ordem universal.

Penso que não dá para compreender pós-modernismo sem antes jogar um pouco de luz sobre aquilo que até então foi chamado de modernidade.

www.jasielbotelho.com.br

A modernidade tirou Deus do centro do universo e colocou o homem, os valores deixaram de vir do plano transcendental e passaram a ser ditados pela vida terrena. A Reforma Religiosa e, sobretudo, as mudanças econômicas do século XVII, o capitalismo se despedindo de suas formas pré-capitalistas, o germinar do conhecimento moderno, a saber, o cartesianismo, o humanismo, o iluminismo entre outras fontes

científi cas e fi losófi cas, dotaram o homem de força e sabedoria. Até então, ele era um frágil, errante e pecador que deveria se sujeitar ao conhecimento dado pelo teísmo, mas na modernidade é ele, homem, que assume o posto da divindade.

Deus é destronado – o homem científi co matou Deus, constatou Nietzsche –, o plano divino não é negado, mas a vida terrena é separada da vida eterna; na terra reina o homem, no céu reina Deus. O homem econômico-liberal com seu “super-poder” – a Razão – irá buscar criar um mundo ideal, mais ou menos previsível, determinado, organizado, lógico, racional e, principalmente, ordenado – condições essenciais para que se possa atingir a felicidade, também inventada pelo homem moderno.

A sociedade moderna deveria estar sob o controle absoluto do Estado, os instintos e a vida cotidiana deveriam ser domados pelos mecanismos estatais de modo a controlar homens e mulheres para a boa ordem da civilização. Estradas planas e bem iluminadas eram necessárias para que o capital pudesse desfi lar livremente rumo ao “progresso”, este, o novo dogma da era moderna.

A moral, a ética e a ciência ditavam uma ordem determinista e universal, o discurso que não se enquadrava no método lógico-formal não poderia ter lugar no palco científi co. A era moderna foi marcada, sobretudo, pela crença na razão e no progresso – em outros termos, pela inversão do polo transcendental para o terreno.

Mas o século XX iria colocar em xeque o mundo do progresso e da razão. A ordem e a inteligibilidade pareciam se tornar anêmicas diante de grandes colapsos gerados pelas guerras, revoluções, estragos ambientais, atrocidades e mortes em massa e outros confl itos marcados pelo horror.

Ora, pois, a Razão começava a perder a razão, a ordem mostrava o caos, e o progresso… bem, o progresso que prometia uma viagem tranquila à estação felicidade parecia ser a trilha para o fi m do mundo. O homem passou a questionar-se sobre aquelas virtudes quase divinas que ele tinha atribuído a si mesmo. A euforia no progresso dá lugar à incerteza no futuro – eis aqui um dos componentes essenciais das “almas pós-modernas”.

Nesse contexto de profundas crises humanas, mudanças irão surgir nas múltiplas faces sociais e culturais. Podemos dizer que nas últimas décadas do século XX entra em cena uma sensação de incertezas e dúvidas: o pós-modernismo.

Há uma ruptura com o mundo ordenado da modernidade. Mudanças ocorrem em vários campos, as “certezas” se diluem em incertezas e a liberdade, tão cultuada, trata de dar os contornos das novas confi gurações econômicas, sociais, culturais, políticas, artísticas, científi cas e cotidianas – e ninguém sabe dizer para onde estamos indo; a modernidade respondia com autoridade que estávamos caminhando para o progresso, mas a pós-modernidade não está interessada em responder questões existenciais. Nascer com um prazo de expiração é uma virtude desse mundo pós-moderno.

O pós-modernismo busca a todo instante a intensifi cação das sensações e dos prazeres da felicidade, mas jamais quer conhecer a face daquilo que procura, daí ser marcado pelo sentimento de vazio.

Nas relações humanas as identidades são marcadas pelas incertezas. Os vínculos são ditados por um jogo em que o jogador deve conquistar o maior número possível de admiradores, mas com o devido cuidado para manter uma distância que não permita criar laços sólidos (quantos amigos você tem no Facebook? Eu falei amigos!). A instituição do casamento é um negócio mais com caráter de festividade do que o antigo pacto de homens e mulheres que adquiriam o alvará, perante Deus, para terem relações sexuais selados com a aprovação divina; o ar pesado do “até que a morte nos separe” é substituído pela leveza de um contrato que deve deixar muito bem claro as fronteiras que dirão os rumos de cada um quando o amor perder o prazo de validade.

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FB NO ENEM2 FB NO ENEM2

Ciências Humanas e Suas Tecnologias

Difícil enquadrar o momento atual em um conceito, nenhum caminho está traçado para a humanidade, o discurso do progresso como uma linha reta rumo à felicidade desmanchou-se no ar. O pós-modernismo está marcado por uma atmosfera do vazio, do tédio e do completo niilismo (corrente filosófica que, em princípio, concebe a existência humana como desprovida de qualquer sentido); o niilista passivo, tal como previsto por Nietzsche. Nietzsche disse também que o niilismo poderia se “quebrar”, e a completa “vontade de nada” poderia não mais suportar a si própria, e novos sentidos poderiam ser inventados, mas por enquanto o incerto caminho da humanidade está em aberto, certo é que está bem mais para a destruição do que para a criação.

O conceito de pós-modernidade tornou-se, nos últimos anos, um dos mais discutidos nas questões relativas à arte, à literatura ou à teoria social, mas a noção de pós-modernidade reúne rede de conceitos e modelos de pensamento em “pós”, dentre os quais podemos elencar alguns: sociedade pós-industrial, pós-estruturalismo, pós-fordismo, pós-comunismo, pós-marxismo, pós-hierárquico, pós-liberalismo, pós-imperialismo, pós-urbano, pós-capitalismo. A pós-modernidade coloca-se também em relação com o feminismo, a ecologia, o ambiente, a religião, a planificação, o espaço, o marketing, a administração. O geógrafo Georges Benko afirma que o “pós” é incontornável, o fim do século XX se conjuga em “pós”. Mal-estar ou renovação das ciências, das artes, da filosofia estão em uso.

As características da pós-modernidade podem ser resumidas em alguns pontos: propensão a se deixar dominar pela imaginação das mídias eletrônicas; colonização do seu universo pelos mercados (econômico, político, cultural e social); celebração do consumo como expressão pessoal; pluralidade cultural; polarização social devido aos distanciamentos acrescidos pelos rendimentos; falências dos ideais emancipadores como aqueles propostos pela Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.

A pós-modernidade recobre todos esses fenômenos, conduzindo, em um único e mesmo movimento, a uma lógica cultural que valoriza o relativismo e a (in)diferença, a um conjunto de processos intelectuais flutuantes e indeterminados, a uma configuração de traços sociais que significaria a erupção de um movimento de descontinuidade da condição moderna: mudanças dos sistemas produtivos e crise do trabalho, eclipse da historicidade, crise do individualismo e onipresença da cultura narcisista de massa.

Em outras palavras: a pós-modernidade tem predomínio do instantâneo, da perda de fronteiras, gerando a ideia de que o mundo está cada vez menor através do avanço da tecnologia. Estamos diante de um mundo virtual, imagem, som e texto em uma velocidade instantânea.

Eis as verdadeiras testemunhas da pós-modernidade: o blu-ray, o DVD, o CD, o MP3, a clonagem, o implante de órgão, próteses e órgãos artificiais que engendram uma geração de seres em estados artificiais que colocam em xeque a originalidade ou naturalidade do humano. As invenções tecnológicas decodificadas como o computador, o relógio digital, o telefone celular, as secretárias eletrônicas, o vídeo, os satélites, as Nets redes (sistema http// e www), os códigos de barras, “os cartões magnéticos multicoloridos que alimentam sonhos da era digital”.

Os shoppings, os condomínios e novos prédios são cápsulas autônomas de vivência. Tudo é performance: os motoristas transformam-se em pilotos; a voz dos locutores das rádios FM é igual em todas as estações. Vale o extraforte, o superdoce, o minúsculo, o gigantesco. Vale o novo; um novo produto mais eficaz, um novo alimento mais saudável; uma nova TV mais interativa. Vale o extra, o super, o superextra, o macro.

Fantasmas e desvios nos rodeiam: no corpo – a doença (AIDS); na mente – a loucura; na natureza – a catástrofe; na economia – a queda das bolsas; na paixão – a morte; no orgasmo – o desprazer; no computador – o vírus.

As informações e a preocupação com a saúde da natureza são colocadas em xeque ou em cheque; no Brasil já existe uma nova indústria parecida com a da seca. É a “Indústria do meio ambiente”, recursos destinados à proteção das florestas, dos rios e dos animais são desviados pelo Poder público, pelas ONG’s e organismos privados.

As senhas, para entendimento da pós-modernidade, são: a saturação, a sedução, o simulacro, o soft, o light, a globalização, a automação, a fragmentação, o chip. Os modelos são Justin Bieber e Beyoncé, que qualquer dia destes farão um grande show para ajudar crianças famintas da África; que gravarão um disco, com numerosos colegas, para ajudar os “americanos a salvarem” refugiados de algum país latino-americano. Como assinala Otávio Ianni: “Ao lado da montagem, colagem, bricolagem, simulação e virtualidade”, muitas vezes combinando tudo isso, a mídia parece priorizar o espetáculo videoclipe. Tanto é assim que guerras (como as do Oriente Médio) e genocídios parecem festivais pop, departamentos do shopping center global, cenas da Disneylândia mundial. Os mais graves e dramáticos acontecimentos da vida de indivíduos e coletividades aparecem, em geral, como um videoclipe eletrônico informático, desterritorializado entretenimento em todo o mundo.

Estamos vivendo um momento de fenômenos insólitos. Tudo se passa como se o futuro tivesse se tornado um lugar vazio. O procedimento pós-moderno é antes uma paixão do “tecer das alteridades” enquanto estamos diante da TV, bebendo um refrigerante Coca-cola, mastigando um McDonald´s feliz ou experimentando um biscoito Nestlé, sem (des)entendimentos da Nova Ordem Mundial, nova sociedade ou sociedade de consumo.

Caracterizar o pós-modernismo não significa negar a época atual em detrimento do modernismo, não é querer uma volta ao passado. Pós-modernismo e modernismo não são gladiadores a se digladiarem para ver quem é o vencedor e quem é o perdedor; são momentos, paisagens da humanidade que buscam, pretensiosamente, descrever os caminhos por onde tem andado a humanidade. Não nos cabe o julgamento, olhar para o passado e acusar o presente ou negar o passado enaltecendo o presente.

Estamos, como nos diz o escritor português José Saramago, através de um dos personagens de Ensaio sobre a cegueira: “(…) Cegos, cegos que veem, cegos que, vendo, não veem.”

“O que estamos fazendo de nossas vidas?” – perguntou Foucault. O pós-modernismo ainda vai adiar qualquer tentativa de resposta, não se sabe até quando. No momento os deuses pós-modernos – o Capital e o Consumo –, só aceitam oferendas marcadas pelo efêmero, pelo incerto, pela dúvida, pela liberdade e pelo eterno adiamento.

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Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias

FB NO ENEM 3

Ciências Humanas e Suas Tecnologias

FONTES BIBLIOGRÁFICAS E LEITURAS RECOMENDADASBAUMAN, Z. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. ⋅ Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2001. ⋅ Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007. ⋅ O mal-estar na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. ⋅ Modernidade e Ambivalência. RJ. Jorge Zahar Editor. 1999.FERREIRA, J. F. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense.FRITJOF, Capra. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 2000. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 2000. LIPOVETSKY, G. A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Barueri: Manole, 2005.MORIN, Edgar. A religação dos saberes: o desafi o do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. SANTOS, Milton. Espaço e sociedade. Petrópolis: Vozes, 1979. ⋅ A natureza do espaço: técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996. WIENER, Nobert. Cibernética e sociedade – o uso humano dos seres vivos. São Paulo: Cultrix, 1968.

Exercícios

1. “Diz-se que a modernidade corresponde à sociedade industrial (aquela em que o poder econômico e político pertence às grandes indústrias e em que se explora o trabalho produtivo), enquanto a pós-modernidade corresponde à sociedade pós-industrial (aquela em que o poder econômico e político pertence ao capital fi nanceiro e ao setor de serviço das redes de informação e automação)”.

CHAUÍ, Marilena. Convite à fi losofi a. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005, p. 54.

Com base nessa afi rmação, que contextualiza a passagem da modernidade à pós-modernidade, assinale o que for correto.I. É notório, na pós-modernidade, o contexto fi losófi co de

crítica ao racionalismo e abertura a novos campos de experiência válidos, como as vivências corporais, artísticas e linguísticas;

II. Ao contrário da modernidade, a pós-modernidade fundamentou o conhecimento através da subjetividade e suas leis racionais, tanto no domínio teórico (produção do conhecimento) quanto no domínio prático (mandamentos da ação);

III. A sociedade pós-moderna, ao criticar o etnocentrismo das culturas europeias, deixa de lado o debate epistemológico em nome das teses para a fi losofi a da história, bem como reconhece o sentido descontínuo da história e a crise dos ideais revolucionários utópicos de emancipação humana;

IV. A fi losofi a moderna, ao estabelecer um consenso na questão da fundamentação do conhecimento, não reproduz o debate, incessante na pós-modernidade, em torno da natureza humana;

V. A sociedade pós-moderna procura estabelecer princípios a partir dos quais a ciência e a Filosofi a podem, através do bom-senso, adquirir resultados universais e andar de mãos dadas, como acontece no positivismo de Auguste Comte.

As afi rmativas corretas são apenas:A) I, II e IIIB) I e IIC) I e IIID) III, IV e VE) IV e V

2. Os movimentos teóricos em estética, na pós-modernidade, sofrem transformações, destacando-se, nos modos de produção da obra de arte, a reprodutibilidade técnica e a indústria cultural. Com base nessa afi rmação, assinale o que for correto.I. A partir da sociedade industrial ou pós-industrial, os

objetos de consumo, produzidos em série, são anônimos, descartáveis e efêmeros, características que encontramos na indústria cultural;

II. Com o advento da tecnologia, a fotografi a e o cinema são possibilidades de manifestação estética acessíveis a um número maior de espectadores, colaborando para a formação de uma sociedade unidimensional;

III. A sala de concerto e o museu exprimem as formas tradicionais da obra de arte, contrapostas ao CD, DVD, MP3, que são tecnologias portáteis, mas também modifi cadoras da experiência estética;

IV. Com o advento da Internet, o livro perdeu totalmente seu lugar, permanecendo restrito aos intelectuais e frequentadores dos museus-biblioteca;

V. No mundo contemporâneo, a modifi cação do espaço urbano, com o fechamento das antigas salas de cinema do centro das cidades e a construção dos shopping centers, acarreta uma mudança na percepção estética.

As afi rmativas corretas são apenas:A) I, II e VB) II, III e IVC) I, II e IIID) II, III, IV e VE) I, II, III e V

3. “(...) há certos momentos na história da humanidade em que alterações signifi cativas provocam o que chamamos ruptura de paradigma. Ou seja, os parâmetros que orientam a compreensão do mundo e de nós mesmos deixam de valer em decorrência do imbricamento de inúmeros fatores. E, enquanto não se elabora uma nova ‘visão de mundo’, vive-se um período confuso de indefi nição e de perplexidade, decorrente da crise dos valores até então aceitos.”

ARANHA, M. L. de Arruda e MARTINS, M. H. Pires. Temas de Filosofi a. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1998, p. 46.

Com base nessa afi rmação, assinale o que for correto.I. A modernidade, como o conjunto de ideias e de valores

que norteou o pensamento e a ação humanos desde o fi nal do século XVIII, é essencialmente caracterizada pelo racionalismo, isto é, uma fi rme crença no poder da razão para conhecer e transformar a realidade;

II. A derrota fragorosa da razão moderna resultou em um colapso intelectual que deixou sem paradigmas as ciências, a fi losofi a e as artes. Por isso, as religiões em franca expansão na atualidade encontram, no pós-modernismo, uma fonte de inspiração duradoura;

III. Chama-se pós-moderno o modo de pensar que se delineia a partir da segunda metade do século XX, caracterizado pelo afastamento e crítica às ideias da modernidade, denunciando como presunçosas e ilegítimas muitas das pretensões da razão no conhecimento e na prática;

IV. O Iluminismo, movimento intelectual ocorrido no século XVIII, manifesta, de maneira especial, os ideais da modernidade, fomentando as aspirações de liberdade e progresso harmonizados pela razão “iluminada”;

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FB NO ENEM4 FB NO ENEM4

Ciências Humanas e Suas Tecnologias

V. Os avanços tecnológicos infl uenciam decisivamente a visão de mundo no tempo pós-moderno. A automação, a microeletrônica, a informática alteraram o mundo do trabalho e as relações intersubjetivas. O mercado requer profi ssionais versáteis; a sociedade, indivíduos informados, críticos e solidários.

As afi rmativas corretas são apenas:A) I, II e IIIB) II, III e IVC) I, III, IV e VD) III e IVE) II, IV e V

4. [...] o pós-modernismo ameaça encarnar hoje estilos de vida e de fi losofi a nos quais viceja uma ideia tida como arqui-sinistra: o niilismo, o nada, o vazio, a ausência de valores e de sentido para a vida. Mortos Deus e os grandes ideais do passado, o homem moderno valorizou a Arte, a História, o desenvolvimento, a Consciência Social para se salvar. Dando adeus a essas ilusões, o homem pós-moderno já sabe que não existe Céu nem sentido para a História, e assim se entrega ao presente e ao prazer, ao consumo e ao individualismo. [...].

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.

Com base na análise do texto e nos conhecimentos sobre o pós-modernismo, pode-se afirmar:I. A concepção da supremacia divina no destino do homem,

originária da Idade Média, predominou entre os pensadores modernos e permanece entre os pós-modernos;

II. As raízes da fi losofi a pós-moderna têm suas origens na fi losofi a oriental, transplantada para a Europa, no período entre-guerras;

III. A chamada pós-modernidade ou período técnico-científi co--informacional caracteriza o espaço geográfi co como meio de difusão generalizada, do global para o local;

IV. Os valores a que se refere o texto abrangem concepções de caráter ético, moral, cultural e estético, dentre outros, que fundamentam as relações entre os homens, nas sociedades industriais;

V. O pós-modernismo, associado ao consumo e ao individualismo, reforça os conteúdos e os princípios do mundo capitalista contemporâneo.

As afi rmativas corretas são apenas:A) I, II e IIIB) I e IIC) III e IVD) III, IV e VE) IV e V

5. “O fi lme Blade Runner é uma parábola de fi cção científi ca em que temas pós-modernos situados num contexto de acumulação fl exível (...) são explorados com todo o poder de imaginação que o cinema pode mobilizar. O confl ito ocorre entre pessoas que vivem em escalas de tempo distintas e que, como resultado, veem e vivem o mundo de maneira bem diferente.”

HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1999. OSG.: 67977/13 - 21/01/2013

Dig.: Vicentina / Rev.: Tony

Sobre a pós-modernidade, é correto afi rmar: A) Pós-modernidade se refere às condições socioeconômicas

e culturais do capitalismo pós-industrial, que acentuam o individualismo, o consumismo e promovem a compressão do espaço e do tempo.

B) Enquanto movimento estético, o termo denota um compromisso de resgate do pensamento iluminista e de princípios funcionais rígidos sobre o uso do tempo.

C) Pós-modernidade se refere à era da produção fordista, que aumentou a velocidade da produção das mercadorias, graças à implantação da linha de montagem, produção em série e do consumo de massa.

D) A pós-modernidade chega ao Brasil no esteio da política de industrialização baseada na substituição de importações, redirecionando a concepção tradicional do sistema produtivo e do uso do tempo.

E) O movimento que dá início à pós-modernidade se apoia na defesa dos princípios tayloristas de produção, baseados no planejamento e divisão fl exível do trabalho.

FB no Enem – Nº 01 – Professor: Nilton Sousa1 2 3 4 5B A B A B

Anotações